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LEANDRO DA SILVA ALMEIDA TEORIAS DA INTELIGENCIA 2.4 edigdo Revista ¢ ampliada on de ' pi¢des PSICOLOGIA porro. ivas Com © apoi FUNDAGAO ENG.° ANTONIO DE ALMEIDA EDIGOES JORNAL DE PSICOLOGIA 1. Teoras da Inteigéncia(1.+ edigto) — Leandro 5. Almeida 2, Guia de Curso e Profissies — José M, Castro Maia do Céu Taveira e Pedeo Braga Pis 5. Jovens Porcugueses em Franga: Aspectos da Su Adaptagio Psico-social — Félix Neto Jnvtodugao 4 Psicologia do Desenvolvimento — ia 2.4 edigo, revista eum. pliadz) — Leandro S. Almeida : Teorias da Inteligéncia Autor: Leandro S. Almeida Thulo Ori Capa: Miguel Cameica © JORNAL DE PSICOLOGIA PORTO, 1983, 1988 (2.* edigdo) “Caminante, son tus huellas el camino, y nada ma: Caminante, no hay camino, Se hace camino al andar. Antonio Machado esnips Indice Prefacio (Prof. Doutor Joaquim Bairro) Introdugao sessseescensensesseseese 7 Capitulo 1 — Precursores no estudo da inteligéncia 21 F. Galton. Mck. Cattell... A. Binet... Capitulo 2 — Teorias factoriais: factor geral ou fac- tores de grupo... Ch. Spearman .......... L. Thurston sets Spearman/Thurstone: conciliacao.. £88 8 A Direceao do Colégio Intemmato dos Carvalhos um agrade- Capitulo 3 — Teorias factoriais: Factor geral e facto- cimento especial por toda a disponibilidade e apoio ao desen- res de grupo volvimento dos meus projectos de investigagao e de interven- | G0, e que se revelaram decisivos para a pul e Ph. Vernon ... aco deste livro, R. Cattell BR B Capitulo 4 — Teorias factoriais: Guilford e o modelo da estrutura da inteligéncia J. Guilford : ovoeys ate Recusa do factor g e dificuldades da teoria Capitulo 5 — Concepgées factori to e sintese Natureza e significado do factor g As aptidées: significado... Cay ulo 6 — Perspectiva desenvolvimentalista J. Piaget a a Estadios de desenvolvimento... Novos desenvolvimentos. Capitulo 7 — Perspectiva Cognitivista . Tarefas cortelacionadas com 2 cogni¢éo.. Componentes cognitivas Realizago de tarefas e treino cognitive R. J. Steinberg Capitulo 8 — Tentativa de integragdo das trés cor- rentes Diferenciaco das trés correntes. Hipdtese de complementaridade. iografia 10 89 121 126 128 137 145 149 153 197 161 im 172 182 187 Prefacio Existem duas leituras possiveis do presente livro, uma de- las, mais tradicional de “apresentago ao publico” dos sete capitulos que 0 compdem, assinalando um roteiro de leituras ou sugerindo pistas interpretativas ou eriticas. Uma outra, me- nos ortodoxa, em que se tentaria projectar o trabalho para o centro da polémica actual sobre os modelos de estudo e in- vestigacdo da cognicéo. Dado o interesse dos temas versados no livro, optaremos pe- la segunda via, ndo deixando, aqui e ali, de salientar alguns aspactos extraidos directamente dos capitulos da obra, isto @, no abandonando completamente a primeira perspectiva Desde 0 capitulo dedicado aos precursores, até aos aspec- tos mais recentes das concepg6es factoralistas da inteligén- ia, foi preocupago do autor relatar 0 estudols) sobre um ob- jecto, mais do que analisar um constructo, chamado inteligéncia ¢ de dificil compreensao. Dificil de definir con- ceptualizer, @ tentagdo é grande de, nos estudos da inteligén- cia, ela aparecer operacionalizada ou ent&o enquadrada num esquema de pragmatismo. Defini-la em constructos laptidées, factores, etc.) e verificar se aqueles que possuem tais carac- n teristicas (aptiddes, operagées também) se adaptam bem nas Vérias situages escolares € 0 caminho tradicional em psico. metria e cogni¢ao, apresentado nos trés primeiros capitulos, 0s quais relatam, desde o percurso mais simples aos modelos mais complicados, as varias formas da andlise factorial Falando agora, num paréntesis, daquilo que actualmente mais nos interessa dentro desta problematica e lancando-nos desde ja no cerne da polémica — inteligéncia/cognicdo — que restringirei a idede escolar basica (5-6/10-11 anos), dado ser © nosso campo de intervenco psicoldgica, falarei sobretudo dos limites da psicometria em educacdo. No entanto, desde ja duas adverténcias. A primeira diz respeito ao termo psico- métrico que se aplica mais aos trabalhos da escola pelos seus aspectos pragmaticos e tradicionais, e o' termo cogni¢ao que jo mais usado na pesquisa tedrica das condutas intel gentes sem grandes preocupacées praticas. A segunda diz res- peito a psicometria ¢ as suas vias de desenvolvimento terem sido as mais seguidas no estudo da cognicaio e cadas. No entanto como veremos, outros modelos para o es tudo da cogni¢io sao viéveis, como por exemplo, para além dos refinamentos das que aprofundaram a psicometria para © estudo da cognicao, as perspectives dos psicdlogos do de- senvolvimento @ a teoria da aprendizagem nas suas tendén- cias actuais cognitivistas, de grande importancia para 0 estu- do de que nos ocupamos. Voltando aos limites da psicometria aplicada a educagéo, referiremos sobretudo dois aspectos. Como se sabe a voca- 40 tradicional da psicometria desde Binet tem sido o estudo das diferencas entre individuos (foi a psicologia diferencial que mais apelo fez aos testes) @ a psicologia educacional ou da educagao assenta mais em modelos desenvolvimentalistas (Bruner, Piaget, Hindley) do que nos modelos diferenciais. lém disso, e recorrendo as préprias palavras de Hindley (1979): “Talvez que a razo para 0 declinio do uso dos testes esteja na mudanca de conhecimentos de base que os alunos Possuem no momento da sua realizacdo, e que alguns deles 12 no se adequam com 0 modo como realizam os testes. Sen- do assim, entdo é da maxima importéncia que caracterizemos ® exploremas, de modo parcelar e o melhor possivel, os pro- cessos mediadores da resposta, pois estes terdo a ver com fac- tores motivacionais e culturais que so logicamente anterio- tes a muitas das realizagdes que os nossos itens dos testes pretendem medir”(') Finalmente existe na psicometria aplicada a educago o pe- igo dos constructos que, reificando realidades, poderdo le- var, nao ao estudo dos verdadeiros produtos daquilo que se aprende e se ensina, mas aos seus representantes aptitudinais ou factoriais. Estes sero apenas modelos, levando assim, a uma super-estrutura bem longe dos curricula ou de acesso en- viesado aos mesmos. Numa linguagem mais cha, 6 confundir a arvore com a floresta ou o processo de partida com 0 pro- cesso de chegada. ‘™mosos e importantes trabalhos de Guilford e Cattell, as razdes das beixas correlacdes dos testes, por mais so} ‘uals, com os resultados escolares prende-se ao facto dos mes- mos se basearem em modelos, consiructos e algoritmos da pesquisa “pura”, enquanto que a Psicologia da Educago se rende @ aspectos mais “comezinhos” que inteligentemente Carver (1974) levanta(?), Para este autor existem duas dimen- ses nos testes: a psicométrica ea edumétrica. A p: respeito as propriedades psicométricas tradicionais (validade ¢ fidedignidade sobretudo) e ao facto de sabermos até que Ponto elas reflectem diferencas estaveis entre individuos Carver, R. P. (1974) Two Dimensions of Tests: Psychometric and. Edumetric. American Psychologist, 29, 512-518. Hindley, C. B. (1879) Conceptual and Methodological Issues in the study of Child Development. London: University of London Institute of Education. B ‘em que as suas propriedades reflectem ganhos nos resulta- dos intra-individuais. Foi este alias, o interesse primordial e a vocagao dos testes tradicionais de conhecimentos. Um teste ou teoria psicométrica e porque nfo cognitiva (0 sublinhado ¢ nosso) deveria ser aveliada em fungo destas duas propriedades. Se tal fosse, encontrar-se-iam correlagdes mais elevadas entre testes @ aquisicdes escolares e até certos fac tores poderiam ser analisados e tomados em modos diferen- tes dos que tradicionalmente so apresentados. No que respeita &s teorias factoriais mais “fortes": Guilford, com 0 seu modelo da “estrutura da inteligéncia’, e as novas perspectivas de Cattell, diremos que estes dois autores, se in- ‘Serem nesta mesma reflexdo. Eles introduzem inovagdes quan- to aos modelos de estudo da inteligéncia e propéem novas vias pare relagdo com aspectos educacionais (diferente da abor- dagem tradicional de Thurstone e Vernon). Isto pode verificar- -se no cuidadoso tratamento de dados, ¢ porque ambos os autores apresentam uma actualizaco cientifica de construc- tos muito mais promissores. Finalmente e pela mao de Stern- berg, largamente citado e reflectido neste livro de Leandro A\ meida, abordam-se as novas vias para a busca de “um paradigma inteligente para o estudo da inteligéncia’’ (Stern- berg, 198; Talvez que, para além das mais sofisticadas vias que se abrem a psicometria e 8 cogni¢ao, e que 0 autor do livro re- flecte, escolhéssemos as recomendagées de novas metodo- logias referentes a criatividade, & convergéncia de métodos, 8 teoria ou processamento de informago e ao planeamento ‘mental de certas acgées inteligentes extraidas do mundo real. Nao escapando ainda a estas novas vias, e ao lado dos sofis- ticados modelos matematicos (cognitive-correlates analysis, ise de tracos latentes, success: The search for n for studying intelligence. Journal of Educational Psychology, 2, 142-156. spectos” geralmente negligenciados nas pesquisas de laboratério. Nao resistimos citar este autor a este propésito: “Mas se 0 nosso objectivo na pesquisa da inteligéncia, & per- ceber a inteligéncia como uma adaptagao bem sucedida no mundo real que nos cerca, entéo parece ser essencial 0 co- nhecimento acerca de tais relagdes”. Para finalizar © nosso prefacio, referir-nos-emos ainda as “‘perspectivas de desenvolvimento”, onde 0 autor aborda o modelo piageciano, de forma sucinta no que conceme ao es- tudo das estruturas cognitivas. Historiando de inicio o modo como este modelo se distanciou do modelo psicométrico e tra- gando as linhas gerais de tal modelo, o autor que deixa para © capitulo sétimo a perspectiva cognitive, deveria em nosso entender aprofundar mais este modelo dito, segundo Flavel “"o mais sério dos modelos do desenvolvimento cognitive”. Em breves linhas, © que poderiamos dizer das filiagées dos modelos cognitivos e dos modelos psicométricos? Ha, no nosso entender, uma feliz e fecunda contaminag&o mitua, Desde (08 aspectos psicométricos diferenciais de Longeot aos aspectos factoralistas de Nguyen-Xuan, a perspectiva de Piaget avan- ca como um modelo forte para o estudo das condutas inte- lectuais. Escolhos hé a vencer, metodologias a rever e sobre- tudo adequagaio de meios ¢ fins. Um tal percurso e folego ficeriam para projectos posteriores. Joaquim Bairrao Introdugao A inteligéncia aparece, apesar de toda a controvérsia que tem gerado no seio-de diferentes grupos profissionais e da pré- pria opinigo publica, objecto de um largo numero de inve: ‘gages. A pritica psicolégica toma-a, ainda, como um aspecto essencial em grande nimero das situagdes a que se constitul como resposta. A utilidade social do conceito permanece nos. ossos dias, apesar dos autores permanecerem divididos por osi¢des mais fundamentalistas ou mais contextualistas na sua Conceptualizacdo. Basicamente, e mesmo aceitando 0 seu ca- racter fortemente culturalizado em termos de definigo e ava- 1¢80, a inteligéncia permanece como um dos eritérios de ané- @ do comportamento com implicagées varias e bem significativas na vida dos individuos. Neste livro no se avanga muito na discussao deste tépico, Nesta fase dos trabalhos que temos vindo a realizar a opcaio. foi apenas a de se apresentar uma sintese documentada e actualizada sobre as diferentes formas como os psicélogos, reunidos em grandes correntes, tm concebido a inteligéncia a0 longo deste século. Para mais tarde se remetem questdes. bem mais especificas a propésito da caracterizagao do com- W7 da cognico em geral, assim como Jade pratica do proprio conceito. portamento intelectu: a discussio sobre a Nesta apresentago optou-se, ainda, por uma sequéncia his- t6rica das diversas posigdes. Uma apresentacdo deste tipo per- mite mais facilmente inserir as leituras que vém sucessivamente a ser feitas num quadro cientifico e socio-cultural mais am- Jo. Do nosso ponto de vista, a inteligéncia, mais que qual- ‘outra dimensao do comportamento humano, carece de tal inser¢do pelas implicagdes a que o conceito tem estado his- toricamente associado. Assim, desde os finais do século passado ¢ até aos anos 80/60 predominou na Psicologia uma abordagem das carac- teristicas psicolégicas usualmente denominada por psicomé- ica, diferencial ou factorial. De acordo com esta perspecti- va, uma vez conhecidas as diferencas de capacidade entre os sujeitos, caberia a0 psicélogo a importante tarefa de avaliar esas mesmas capacidades e/ou incapacidades pelo seu pa- pol determinante ao nivel da realizacdo escolar e profissional dos individuos. A anélise das diferencas individuais levou os autores um ou varios factores subjacentes a toda 2 realizagao intelectual, cuja avaliagao se associa ao re- lacionamento encontrado, e defendido, entre as aptiddes com ‘© sucesso escolar e/ou profissional, ea necessidade social de se predizer esse sucesso tendo em vista uma melhor adequa- Bo de cada individuo a determinado posto de trabalho. A importancia desta corrente, traduzida nos seus trés quartos de século de historia e na extensa bibliografia produzida, jus- tifica que Ihe dediquemos grande parte deste texto. O primei ro capitulo refere os trabalhos precursores de F. Galton, J. Mck. Cattell e A, Binet, sendo 0 segundo dedicado a classic controvérsia dos anos 30 ou, mais concretamente, 8 oposi- go untre a visdo g Spearman e a plurifacto fial de L. Thurst No torceiro cai Vernon 0 do R. vergéncia ante 8 do algum modo, cor da estrutura da int J. Guilford, como que constituindo a verséo mais ¢ctual e tal- vez a mais radical das concep¢des polifacetadas da inteligén- cia, aparece descrito no quarto capitulo. No quinto capitulo faz-se alusdo aos novos desenvolvimentos dentro da abordagem psicométrica, referindo os seus autores mais recentes e em cujos trabelhos transparece a possibilida- de de uma conciliag&o com as abordagens mais dinamicas da inteligéncia. Referimo-nos, concretamente, a perspectiva de- senvolvimentalista @ cognitivista. A primeira, bem como 0 tra- balho de J. Piaget, 0 seu autor mais representativo, € apre- sentada no sexto capitulo. No sétimo, refere-se a corrente cognitivista e os trabalhos de R. Stemberg que, ultimamen- te, se tem salientado na fundamentacao desta corrente. Com estas duas correntes, dir-se-ia que a abordagem da in- ligéncia entrou num segundo momento da investigagao cien- ice. Quer analisando a inteligéncia na sua formacao ou de- senvolvimento, quer procurando especificar os mecanismos ou processos cognitivos que entram na resolucao de qualquer problema, os psic6logos possuem hoje um conhecimento mais aprofundado e fundamentado do que é a inteligéncia e cami- nham para uma progressiva compreensdo e explicacao des- tes fanémenos, bem como para a possibilidade de neles se intervir visando o seu enriquecimento. As duas iltimas correntes referidas, a0 permitirem uma ané- lise funcional do comportamento cognitive dos sujeitos e 20 valorizarem o papel decisivo que nele exercem os contedidos ou tarefas curriculares, a metodologia de ensino utilizada e as, experiéncias individuais, formecem novas perspectivas para uma efectiva intervengao ao nivel do comportamento cognitivo, mormente no seu desenvolvimento. Menos preocupados com © grau de capacidades ou incapacidades dos seus alunos e com as implicages futuras que dal possam eventualmente ad- vit, praticos e investigadores (professores, psicélogos, peda- ‘gogos) aparecem agora mais orientados pare um conhecimento Pontual e operacional do aluno em termos daquilo que é ca- az de fazer, como 0 faz ou poderia vir a fazer mais fac te, bem como para o estudo das condi¢es que possi iam um incremento das aquisi¢ées pretendidas. 1 Precursores no estudo da inteligéncia A partir do final do século XIX, trés nomes merecem ser dis- tinguidos no estudo da inteligéncia: Galton, Mck. Cattell e Bi- net. A sua importéncia tem a ver com a influéncia posterior das suas concepgées, 0 uso dos seus instrumentos de medi do ¢ as investigagdes que estimularam ou desencadearam. Enquanto os dois primeiros autores concebem a capacida- de intelectual dos sujeitos como @ manifestagao das suas ap- tiddes simples, nomeadamente as capacidades discriminati- , Binet, por outro lado, coloca a tonica na sua manifestacdo através das funcdes complexas ou superiores do comportamento, mensurdveis em si mesmas. Diferenciam-se ainda porque enquanto os dois primeiros autores enfatizam lade das caracteristicas intelectuais, aspecto de al- gum modo associaco & componente orgénica das medidas pro- Postas, Binet refere explicitamente a sua educabilidade. Finalmente, 6 possivel referir alguns pontos de aproxima- 0 dos trés autores. Um primeiro tem a ver com a concep- 40 da inteligéncia como um todo, seja como uma capacidade 2 mental unitéria (Galton e Mck. Cattell) seja como um produto que integra diferentes capacidades (Binet). Um segundo liga- -5e & preocupscao comum na avaliago da inteligéncia. As- pectos metodoldgicos e a elaboracdo de instrumentos apare- cem nos trés autores. Nos dois primeiros essa avaliac3o centra-se em indices fisiolégicos, por exemplo nos tempos de reac¢So, enquanto que Binet valoriza ja parémetros da reali- zagao dos juos em tarefas envolvendo meméria, apren: 1980 de problemas. Sir Francis GALTON (1822-1911) «Toda a informasao que nos chega dos acontecimen tos externos passa através dos nossos sentidos; e quan- to maiar for a percencdo das aiferenas pelos sentidos, mais amplo sera o campo em que o nosso julgamento & igOncia podem actuars Galton, 1883, Galton concebeu uma das primeiras e mais amplas tentati- vas de medida das difereneas intelectuais dos individuos. A éntase colocada na medida ou quantificagao dos fenémenos psiquicos prende-se com a sua crenca expressa de que qual- quer fendmeno apenas é cientifico quando mensurdvel (Gal- ton, 1883), A sua formagao em biologia e a influéncia da teo- ria da «evolugao da espécies» de Darwin, onde se defende, sadamente, as diferencas entre os individuos de cada es- pécie eas implicacdes dessas diferencas para a respectiva so- brevivéncia, marcaram as suas concepcbes a este respeito. Jé em 1869 Galton falava nas diferenoas intelectuais entre os su- jeitos, entre as familias e entre as racas, defendendo a sua ori gem hereditéria. Aliés, através do conhecimento dos indi duos mais inteligentes, Galton pensava ser possivel implementar um programa para promover as capacidades in- telectuais das geracdes futuras (programa eugénico 2 No Laboratério Antropométrico de «South Kensington Mu- tamanho e peso —, testes de acuidade sensorial, testes de forca muscular, tempos de reacedo e outras fungdes sen: motoras simples. Esta escala (aplicada a 9337 individuos! incluia um total de 17 variéveis, sendo alguns desses testes inda hoje muito conhecidos, como € 0 caso da «régua de Gal- , do «apito de Galton» ou das «séries graduadas de peso». Galton partiu do pressuposto de que, quanto mais baixo fos- se 0 nivel de aptidao intelectual de um individuo, menor seria @ sua capacidade de discriminagdo sensorial e coordenagdo motora. Em sua opinigo, estas duas capacidades constitulam um bom indice des capacidades intelectuais dos sujeitos. Esta concepgdo, que demorou algum tempo a ser suplan- tada, terd a ver com influéncias empiristas ¢ associacionistas, suas contempordneas e, alias, conterrneas. Tals concepcoes acentuam 0 papel dos sentidos no acto do conhecimento. Essa importéncia teria algo a ver quer com o facto de toda a infor- macdo dos acontecimentos externos passar através dos sen- tidos quer, ainda, porque fazem depender as capacidades de pensamento e inteligéncia dos sujeitos das suas po: des discriminativas dos estimulos. As capacidades intelectuais estariam, assim constrangidas pelo espaco que o discernimento sensorial hes permitia. Aliés, ‘numa perspectiva associacionista, qualquer actividade cognit tiva é explicdvel por meros mecanismos associativos de ele- mentos ou actividades cognitivas de nivel inferior (a sensag&o reduzir-se-ia a associages de estimulos, a percep¢o no pas- saria de uma associaco de sensacdes, @ assim sucessiva- mente). 0 reducionismo que esta perspectiva comporta estd hoje to- talmente ultrapassado, sem que isto signifique o esquecimento da importancia das componentes sensoriais ¢ perceptivas na actividade mental. Estes aspectos seréo retomados ao longo do texto, e com particular incidéncia na abordagem cogni vista ou no estudo experimental da cognigdo. James Mckeen CATTELL (1860-1944) problema cientifco mais importante do que wolviener jem problornia is urgente do quo a aplicac3o dese contac ‘mento ne orientagdo deste desenvolvimentos. J. Catt 0 trabalho de Galton foi continuado posteriormente nos Es- tados Unidos. & ténica na mensurabilidade da inteligéncia, re- correndo a medidas sensoriais e motoras, poderd dizer-se mais, consolidade com os trabalhos de Mck. Cattel autor da designacao «teste mental», pros- seguiu a medida das capacidades sensoriais, perceptivas e mo- jalmente no Laboratério de Psicologia da Univer dade da Pensilvania e mais tarde na Universidade de Columbia. ‘ando um conjunto de 10 testes (Cattell, 1880) cobriu uma area diversificada de capacidades: tempos de reacco, velo- cidade do movimento, nomeacdo de cores, comparacéo de dinamometria, etc. Na seleccdo destes tes- tes Cattell seguiu a perspectiva de Galton, segundo a qual a ja das funcdes intelectuais seria possivel através de tes- tes de discriminagao sensorial e coordenag3o motora. ‘A tonica na medida da inteligéncia através das componen- tes sensorio-motoras do comportamento viria a ser abando- nada nos comegos do século. Analises das correlacdes entre as medidas sensério-motoras e outras medidas da capacida- de intelectual (r entre 0.00 e 0.20) por um lado, e com o apro- veitamento escolar (r geralmente inferior a 0.10) por outro, con- wariaram as suas concepcdes fazendo progressivamente a utiizagao das suas escalas para tai © trabalho mais importante sobre este assunto terd sido o de Wissler (1901) que cortelacionou os resultados escolares dos 24 alunos da Universidade de Columbia com os tempos de reac- 40, meméria auditiva, aten¢do e discriminaco de cores. Ape- sar de limitacdes inerentes a constituigdo da amostra (muito homogénea] e as medidas utilizadas no estudo, os resultados das baixas correlagdes encontradas s8o bem ilustrativos da au- sséncia de uma rela¢o importante entre as capacidades medi- das por esses testes e a sua realizacdo escolar. Tais conclu- 68s tero contribuido para explicar a importéncia das posi¢des de Binet ¢, sobretudo, a grande aceitag8o da sua escala de inteligéncia nos Estados Unidos O trabalho de Wissler tera influenciado decididamente 0 es- tudo da inteligéncia na primeira metade deste século através de uma reorientagdo no tipo de preocupagées e na metodolo- gia da investigacao (Eysenck, 1984). Uma avaliacdo das com- Ponentes sensoriais, perceptivas e motores apenas seré reto- mada nos anos 60 com os estudos cognitivistas. Por outro lado, ‘ estudo da inteligéncia orientou-se a partir de entdo por me- todolagias de tipo correlacional. Ao longo deste texto tere- mos ocasio de voltar ao assunto Alfred BINET (1857-1911) ‘Se niio se faz nada, se no se interver activa e uti (crianca com dificuldades intelectuat tinuar a perder o seu tempo e, constatando in do seu estorco, acabaré por se desencorajar Binet, 1910 ialmente, Binet tera tentado avaliar a inteligéncia atra~ vés da mensurago dos tracos fisicos (crénio, face, forma da mao), aspectos sensoriais e andlise de caligrafia (Anastasi 1982, 10). Alids, a sua primeira definic&o de inteligéncia poder- -seria considerar muito préxima 8s concepeSes sensoriais e per- ceptivas anteriores. Inicialmente, considera o termo i i ‘como referente, por um lado, a percepc&o de mundo exterior , Por outro, & memorizaggo e evocacdo dessas percepcdes Py ou meditacao nelas. No entanto, a andlise dos resultados al- cangados levarem-no a defender, progressivamente, uma me- dida directa de capacidade intelectual e a ndo aceitar que fun- ges psicolégicas superiores ou complexas pudessem ser atingidas a partir de fungdes simples. Jd num artigo de 1896, Binet e Henri criticam o tipo de «tes- tes mentais» desenvolvidos por Galton e Cattell para a avalia- ¢80 das capacidades intelectuais. Progressivamente as suas criticas acentuam a incidéncia dessas provas no funcionamento sensorial e processes psicolégicos simples e, no facto, das mes: ‘mas néo conterem uma amostra suficiente e variada de medi- das que cobrissem as varias faculdades mentais, nomeadamen- te as de nivel superior (Binet, 1903) Outro ponto de discérdia prende-se com a valorizaglio ex- cessiva que, nesses primeiros trabalhos, 6 dada a resposta em simesma, sem a insercdo conveniente do sujeito que respon- de. Trata-se de uma aluséo ao esforco de udessubjectivac3on nna abservagao do comportamento humano, defendido pela Escola de Psicologia Experimental Alem, na busca de uma maior cientificidade (Abreu, 1978) Em sua opiniao, mesmo na resposta mais simples a um es- timulo, ndo podemos isolar apenas um Unico processo psico- logico. Trate-se sempre de uma resposta personalizada, pois suscita sempre a actividade do sujeito: «o ser inteiro, com to das as suas faculdades, pode entrar em acco segundo as cir cunsténcias» (Binet, 1903, 4). Nogao de Inteligéncia Quanto as concepgées tedricas de inteligéncia, no sentido de uma definigio clara, poder-se-a dizer que elas no foram demasiadamente desenvolvidas por Binet, que estaria preocupado com os aspectos praticos da elaborago e utiliza- go de um instrumento de medida das capacidades intelec- tuais infantis. No entanto, em «L’étude expérimentale de I'in- jencen, refere que o pensamento nio é explicével por meros mecanismos de associaco de ideias, antes supde cons- tantes operagdes de escolha e de direcedo. E essencialmente 2 valorizag8o da componente de escolha e de direcco na ex- plicag&o do comportamento inteligente que afasta Binet das perspectivas bio-mecanicistas de adaptac&o mesmo tempo que deixa em aberto a possi intervencao educativa orientada para @ sua promogdo e que designaria por «apprendre & apprendre» (Binet, 1910, 180). Assim, a inteligéncia é fundamentalmente ac¢o e como tal comporta etapas: compreensdo, invencdo, direccZo, e cen- sura ( Binet, 1910,118). Perante um problema especifico, o su- jeito mostra que @ inteligente: 1.* compreendendo de que trate o problema, a sua natu- reza, @ os dados existentes. A realizago de um deter- minado problema ou situa¢3o pressupée que previamen- te 0 sujeito compreenda do que se trata; 2.° inventando uma ou mais alternativas 8 resolugdo do pro- blema apresentado; 3.° tendo sempre claramente presente no seu espirito este fim ou a direcedo a seguir ao longo das tentativas, re ‘ou mentais, de resolucao; e, 4.° avaliando (censura) os seus processos e os seus resul- tados, provaveis ou reais, assegurando uma liga¢do en- tre os meios utilizados € 0 objectivo a atingir durante todo 0 processo. Estas consideracées sobre o comportamento inteligente se- riam retomadas no momento da recolha e selecco das situa- ges para a sua avaliagSo. Assim, os itens mais adequados @ tal avaliagdo seriam os que pressupunham um maior nime- ro dessas componentes para a sua correcta solucgo, aspecto este que permite diferenciar a inteligéncia da crianga ¢ do adul 10. A crianga difere do adulto no recurso a estas dimensées, utilizando-as de uma forma mais fraca, mai icial (Binet, 1910,119) Escalas de inteligéncia Em 1905, por solicitacdio do Ministro Francés da Instrugao Publica, interessado no despiste das criangas com dificulda des de aprendizagem devido a déficits intelectuais ¢ na sua consequente inseredo em classes especiais, Binet elaborou con juntamente com Theodore Simon (1873-1961) a primeira es. cala métrica ou quantitative de inteligéncia (Escala de Int géncia Binet-Simon, 1905). A Escala (quadro 1.1) per na opiniic dos seus autores, diferenciar os atrasos escolares directamente ligados a deficiéncias intelectuais dos atrasos as- sociados a condicdes ambientais desfavoraveis ou a proble- mas de indole afectiva. Era importante evitar que criangas nor- ‘mais do ponto de vista intelectual pudessem estar integradas em classes ditas especiais (Binet-Simon, 1907, 1071. No seu conjunto, a escala era constituida por 30 situagdes, ‘organizadas por ordem crescente de dificuldade (dai o nome escala), tendo como base os resultados de 50 criangas nor- mais dos 3 aos 13 anos. Como facilmente se depreende estes itens cobrem uma he- idade de funedes: meméria, aten¢do, compreensio ncluindo-se, ainda, itens sensoriais e de corde nago motora. A inclusdo de uma tao grande variedade de si tuagBes sugere que, para Binet, a inteligéncia seria algo de global ou unitério, ou como afirma Tuddenham (1962), um pro- duto de muitas aptiddes. Para este autor, Binet procurou com 0s seus testes medir mais 0 nivel médio de inteligéncia global do que uma entidade ou dimensao simples. £ também neste sentido @ opini8o de Zazzo, um dos continuadores de Binet @ responsavel pelas revisdes francesas desta escala. A natu- reza compésita da escala teria a ver com o facto de a nossa inteligéncia ser, em si mesma, um feixe de tendéncias (Zazzo et al., 1978, 23). Estas consideracées sobre a natureza da in- teligéncia levaram alguns autores a pensarem ter havido al gumas influéncias dos trabalhos de Spearman na concepgao de Binet (Nota 1). 28 Quadro 1.1 — Escala de Inteligéncia Binet-Simon, 1905 lin Zazzo et al, 1978, 44) 1. O olhar. Movimento da cabeca ou dos olhos para seguir a destocacao lenta dé um fsforo aceso. 2. AApreensio originada por uma excitaggo tacti 3. Apreensio originada por uma percepedo visual 4 Reconhecer 0 aiimento (distinguir entre chocolate e cube de madeira) 6. ultada por uma dificuldada denatureza mecanica, 8. Conhecimanto verbal d¢ imagens (designar objectos numa gravut 9. Dizer © nome dos objectos designados {prova inverse da anterior 10. Comparago de duas linhas de comprimento diferente. 11. Repeticdo de trés algarismos. 12, Comparagio de dois pasos (cubos de 3 12.9, Ge 15g, 3 15 a). provas, entre as quais o teste das linhas) 15, Repeti¢do de frases de 15 palavras. 16. Diferenca entre objectos evocados (papelcertéo, borboleta-mosca, madeira-vidrol 17. Exercicios de meméria sobre imagens apos 30 segundos de exposi¢go. 1B. Dois desenhos de memoria. 18. Repeticao imediata de digitos. 20, Semelhanga entre varios objectos evocados. 21. Comparagao de comprimentos. 22. Por por ordem cinco pesos. 23, Lacunas de pesos (se a prova 22 ¢ bem sucedida, retira-se um dos pe- 508, cam a crianca de olhos fechados, e pede-se-lhe em seguida para pesar os que restam, a fim de adivinhar o que fol retrado) palavras que rimem com obediéneia. 1s de completar frases: lacunas verbais a preencher. 26. Trés palavras numa frase: Paris, ribeiro, fortuna, 27. Resposta a uma pergunte abstracta lequando que se deve fazer? 28. Inversio dos ponteiros de um relégio. 29. Recorte de uma folha dobrada em quatro (adivinhar a forma do recorte. 30. DefinicBo de termos abstractos (diferenca entre estima e amizade, en: tre Nesta perspectiva, os testes deveriam ser constituidos de modo a proporcionar um indice Unico, a partir da combina- 2 ‘<0 de uma pluralidade de itens. Foi alias obedecendo a este principio que Wechsler elaborou mais tarde as suas escalas de inteligéncia (Nota 2), onde a par da distribuigao dos sub- -testes por um grupo verbal e outro de «realizagaon @ possivel obter no final, um indice global de inteligéncia. Refira-se que este principio foi seriamente contestado pelos estudos facto- riais, que levariam, a partir dos anos 30, a incluso de provas especificas quanto ao c numérico, espacial) fe quanto 2 operaco cognitiva (discriminegao, memoria, ra- ciocinio) avaliados. Estas provas constituiram-se como suple- mento ou alternativa a esses cornibus tests Outro pormenor com implicagdes na elaboragdo da escala foi a nogao de desenvolvimento mental. Da sua observagao ica e directa do comportamento da crianga, Binet reconhece uma relag3o entre o crescimento etério dos sujeitos e a sua capacidade de resolugao das situagdes. Assim, na reviso de 1908 (Escala de Inteligéncia Binet-Simon, 1908), os itens apa~ recem j4 agrupados por escaldes etarios dos 3 aos 13 anos, situando-se cada item no nivel etario em que 75 por cento des- sas criangas Ihe respondiam correctamente, quadro 1.2. Reporta-se ainda a esta verséo a introdugo do conceito de Idade Mental ou, melhor segundo alguns autores (Tyler, 1976), nivel de desenvolvimento mental, dado que acentua o seu cariz qualitativo. A énfase posterior a Binet nos resultados finais da sua Escala viria a traduzir a progressiva consolidacao, em ter- mos de uso e de significado, do conceito dade Mental na pra- tica psicolégica. Para este célculo, reconhecida a flutuacao na resolugo correcta dos itens pelos varios niveis etérios, 2 Jda- de Mental resultaria da soma da [dade Base (nivel etério em que todos os itens eram convenientemente resolvidos) com as bonificacdes em meses resultantes da resolugdo de itens respeitantes a niveis etarios posteriores, Com base na diferenca entre a Idade Mental e a Idade Cro- nolagica é possivel ver se uma crianca apresenta um desen- volvimento mental normal ou se pelo contrario este se caracte- 30 Quadro 1.2 ~ Escala de igéncia Binet-Simon, 1908 (in Zazzo et al., 1978, 60-1) Fanos Banos Indicarnatiz, hos, boca Ler uma narratva com conservapio de Enumerar 08 objectos numa gravure duss lembrangas Repetr dois slgarismes Contar 9 tostdes [3 simples, 3 duplos) Repeti uma frase de seis silabes —-Nomear $ cores Dizor 0 apelido Contar de 20 a 0 Comprar dois objectos de maméria Fazer um dado 4 anos Dizer 0 sexo a que pertence 9 anos Nomear chave, faca, tostéo Dizera data do ca (dia da semana, cia 60 més, 2 Enumerar o8 dias da semana Dar definigdes para além do uso Conservar 6lembrangas apd 8 leturs Banos de uma narrativa Comparar duas caixas de pesos dfe- Fazer um traco (4 moedes em 20) rentos Ordenar 5 pesos Copiar um quadrado Repetir uma frase de 10 slabas 10 anos ro moedas de tostio ‘um joge de paciéncia de Enumerar os meses Nomear 9 moedas Gan peete Colocar 3 palaveas em 2 frases Responder a3 questbes de: 6 anos Responder a5 questdes ce Repetir uma fase de 16 slabas ‘Comparar duas figuras do ponto de anos vista estético Criicar frases ebsurdas Detinir pelo uso objectos familiares Colocar 3 palavras numa frese Executar 3 recados simultdneos Dizer a Distinguir manna de tardo 1 60 palavras em'3 minutos Dar definigdes sbstrates Pr palevras ern ordem ence 12 anes Indicar lacunas em figuras tar of 10 dedos Copiar um trdngulo e um losango Fepeti 5 algarismos Deserever uma gravure Contar 13 moedas de tostio Nomesr 4 moedas Tridngulo a completar Ey 12 anos so sp riza por um avango ou um atraso. Esta nocdo esta, ainda, sub: jacente a férmula posterior de célculo do Q.!. (quociente da Idade Mental pela dade Cronologica multiplicado por 100), atri- buido a Stern, Desenvolvimentos posteriores da escala A Escela de Inteligéncia Binet-Simon, ainda hoje muito uti- lizada, foi objecto de numerosos estudos e tambem de cons- tantes revisbes actualizacdes('). Assim, a par das revisbes de 1908 e 1911 efectuadas pelos préprios autores, surge em 1912 a Kuhlmann-Binet (Kuhlmann, 1912) permitindo esta es cala a observacdo das criancas a partir dos 3 meses de idade. Nos Estados Unidos 0 implemento da escala de Binet-Simon ficou @ dever-se as versdes efectuadas por Goddard em 1908 € 1910, das escalas de 1905 e 1908, respectivamente, e sobre- tudo as revisdes levadas a cabo por L. M. Terman (1916) e por L. M. Terman @ M. A. Merrill (1937, 1960, 1973), da Uni- versidade de Stanford, conhecidas por «Escala Stanford- -Binet». Em Franga, estas revisdes foram tardias e, até certo ponto, precipitadas pelo caricato que representava a aplica- go em France da versao americana de Terman nos anos 30 (Zazzo et al., 1978, 10). Os trabalhos, de Zezzo e colaborado- res, iniciados em 1930, permitiram essa actualizagao nas ver- sdes de 1949 e 1966 sob a designacdo «Nova Escala Méttica de Inteligancia» (Nota 3) 0 trabaiho pioneiro de A concluir, podemos resumir alguns aspectos do trabalho deste autor, que justamente tem sido considerado como o ini- ciador do estudo da inteligéncia e da construgao dos testes para @ sua medida. Segundo Zazz0 no podemos considerar os trabalhos de 1905, 1908 ©1911 como eversies sucessives da Binet-Simon, mas as etapas de coi ‘rugo de um s6 e mesmo instrumenton (2azzo et al, 1978, 14) 32 Em primeiro lugar, & convenient ressaltar 0 «corten com a ciéncia psicolégica da poca, dominada pela corrente expe- rimentalista alema (na linha da Escola de Wundt). Uma pri- meira novidade prende-se com a conceptualizacgo da intel géncia como um proceso psicolégico complexo ou de nivel superior, @ que ndo se pode chegar com base nas fungdes sim- ples sensério-motoras. A inteligéncia pode ser objecto de ava- jagtio em condicdes objectivas e seguras tomando as suas ma- nifestagdes mais directas — avaliacdo através da resolucao pela crianga de problemas envolvendo a compreenso, a memé- ria, a comparacao, o raciocinio, etc. Paralelamente, refire-se a divergéncia em relagdo a esses tra- balhos laboratoriais que, na busca de uma maior cientificida- de ou rigor experimental, facilmente ignoravam a especi dade do sujeito ou as suas caracteristicas in comportamentos avaliados. Binet sempre ressaltou a compo- nente motivacional ou direccional do comportamento huma- no por oposi¢ao as concepgées demasiado mecanicistas de adaptaco ento em voga. Decorre dai a sua maior valoriza- 80 da orientagdo clinica e da componente intuitiva no uso do seu instrumento. Ao mesmo tempo a tendéncia & quanti cago assimiladora foi sempre refreada por Binet, através de cum sentido muito agudo das diferencas qualitativas» (Zazzo et al., 1978, 17) Em relacdo aos trabalhos posteriores dir-se-ia que a obra de Binet foi continuada através de duas vias, nem sempre inte- gradas nem to pouco pacificas. Uma primeira esta relacio- nada com 0 instrumento elaborado, com o seu aperfeigoamen- toe utilizagéio — comrente psicométrica. A segunda, traduzindo mais as suas preocupagdes de observagao e avaliacéo do com- portamento «in loco» no sentido da sua compreensao mais que medida, apareceré mais tarde, nomeadamente nos traba- hos da Escola de Genéve (Piaget) Este paralelismo sera retomado progressivamente ao longo do texto, havendo conveniéncia em ressaltar, desde ja, a opi- niido de Binet em relacdo aos resultados nos testes, opiniao 33 | que o diferencia substancialmente da abordagem psicométr ca subsequente. Para ele, a constatacdo de um nivel intelec- tual ndo tem qualquer interesse se n&o se fizer acompanhar de uma interpretagdo das causas que o produziram. Este es- forgo de interpretacdo pressupde evidentemente a insercao dos resultados no seu contexto € uma preacupacao globalizante e compreensiva por parte da psicblogo. Estes aspectos ira ser progressivamente menosprezados no uso posterior da Es: cala e dos testes em geral, naquilo que Cronbach refere com perspectiva psicométrica» por oposi¢ao 4 «perspectiva im pressionistan de avalia¢ao (Cronbach, 1870, 28) ‘Ao mesmo tempo encontra-se em Binet uma proposta de intervengao psicolégica no desenvolvimento dos individuos, © que também pode ser apraveitado como mais um ponto de referéncia no paralelismo estabelecido entre as duas vias apre- sentadas, Uma aparece mais voltada para a constatacéo, em si mesma, das diferencas intelectuais dos sujeitos, enquanto @ qutra se mostra mais preocupada em compreender o desen- volvimento dessas capacidades e, dentro do possivel, intervir no sentido do seu enriquecimento. Este aspecto acentua a sua separagdo em relaco a Galton. Por um lado néo valoriza a base genética da inteligéncia e, por outro, acentua 0 papel da educago no desenvolvimento da inteligéncia (por oposic’io aos métodos eugénicos propostos por Galton para a melhoria da inteligéncial. Concretamente, atribui-se a Binet (1910, 150) a designacdo «orthopédie mentale» como designando ume intervencao ten- do em vista aumentar a facilidade dos sujeitos em certas com- ponentes de aptido ou melhorar as fungSes intelectuais. Con- vém precisar que o conceito de facilidade tem algo a ver com a sua nocdo de debilidade mental. Para Binet, esta no con- siste num estado ou nivel mental imutavel, mas tem a ver com uma certa velocidade de desenvolvimento caracterizada por uma maior lentidao (Zazz0 et al., 1978). Em termos de ensi no, esta concepeao traduz novas preocupagdes pedagégicas que passam pela defesa do aprender fazendo, ou nas pala- 34 vras do autor, traduz uma «nova pedagogia que faz do aluno um elemento activo em vez de o reduzir a um ser meramente escutanter (Binet, 1919, 157). Ainda nesta obra acrescenta «... 1nés afirmamos que existe uma educagdo da inteligéncia, ou soja um modo de @ desenvolver, e que n&o passa tanto por ligdes orais mas antes por exercicios de treino, constituindo aquilo a que chamamos ortopedia mental (id., 342) NoTAS ‘Aiguns autoras (Brody & Brody, 1976) tém defendido que Binet teré sido infuénciado pelos trabalhos do inglés Spearman (apresentado no pro ximo capitulo), Nio se pretende fazer aqui qualquer tomada de posigg0, ‘nas simplesmente tecer elgumas consideracGes que aproximam ou afas- tam ambos 0s autores. ‘Assim convem nos trabalhos de ambos 0s au venturi influéncias entre si. Ao mesmo tempo, no podemos exquecer Que, por vezes, se utilizam designagSes préximas muito embora com signi: ‘ados diferentes, isto veriice-se aqui, pols ambos os autores apresentam lume concepeaa uniténa de inteligéncia, embora com significagdes mutto peculiares. Para Binet, geralmente usando o terme inteigéncia global, a in- teligéncia seria mais 2 ‘das diversas fungées mentals. Para Spear- ‘man, usando 0 terme inteligéncia geral, a inteligéncia ¢ antes tida como uma eapacidace geral ou comum as varias actividades mentais. Aqui, mais {que soma de fungoes, @ extracedo do que Ines ha em comum (covariéneia. ‘Ao mesme tempo, enquanto para Binet os testes de inteligéncia deve riamn inluir uma diversidade de questdes todas diferentes e complement res. para Spearman um bom teste de inteligéncia deveria ser «purificado» nos seus itens, traduzindo:se na prética pela inclus8o exclusiva de tens li sgados @ fung¥o mental eraciocinio» 10 ponto nesta diferenciacdo pode retirar-se da metocol sada. Binet, dada a sua formarSo 12 observacdo directa e global {que quantitative. Spearman, dade @ sus forragao est ‘btidos em si mesmos, 08 a :0 de fundamentago dos seus pontos de viste 5 estatisticas, correlagdes, andlise factor ) Como se referenciou, alguns autores consideram que 8 estrutura das Escalas de Wechsler (WAIS, WISC, WPPSI) tem a ver com uma concep- ‘Bo de inteligéncia préxima @ de Binet, Assim as escalas de ambos os auto- 36 | sgado de ea} ‘goncia cor 84a avaliagao apenas é possivel verbais e provas de realzacao Quanto 8s proves vervai \¢30 — aquisigbes informativas do sujeto e sua retenclo; itens mente ligados as experiéncias culturais ¢ escolares do sujet. + Compreenso — medida de «senso comum @ adaptacdo, com apolo recorrer 8 informacdo pratica possulda e ava ar experiéncias passadas ‘+ Ariumotica — concentragao ¢ raclocinio numérico, através de célculos + Semelhancas — percepedo das relagbes ldgicas entre termos, através 3 curto prazo, através da repeticdo de numeros numa otdem directa (Ou inversa quanta & sua apresentacéo, Quanto as pravas de reaizacéo temos ras — capacidade diseriminativa do su) \ciaedo do essencial do ndo essancial e, reconhecimento ia} visual de objectos familiares. + Oidenasio de figuras — capacidade de antecipacto, compreensio e gem geral da tere + Cubos — percepedo e + Labirinto (facultative) — percepgéo visual e coordenagdo visuo-motora; capacidade de andlise global e de observacdo do pormenor. Esta escala de Wechsler encontra-se aferida para a populapio portugue- sa (Marques, 1969) 0) A aNova Escala Métrica de Inteligéncian, usualmente conhecida por se estudada na populae3o portuguesa e com normas a partic do criancas da cidade de Lisboa. 0 exemplar do «teste», Instrugdes, considerages gerais e normas de interpretac3o dos resultados do texto wA Nova Escala Métrica del lu 0s estudos experimer IN¢as portuguesas dos 6 a que se compée basicamer provas ndo-verbais, com conteddo fig , ainda, 8 aferi¢So portuguesa da WISC

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