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Palestra de Miko Peled

traduzida do original em Inglês para o Português1

O Filho do General
– Jornada de um Israelense na Palestina

Um evento da Instituição Educativa de Berlim


da Fundação Heinrich Böll,
em cooperação com o Círculo de Trabalho Oriente Médio de Berlim
em 30 de junho de 2015, Berlim.

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Em seu livro "O Filho do General – Jornada de um Israelense na Palestina", Miko Peled trata das
narrativas mais importantes do Estado de Israel, que ainda hoje são tidas como óbvias por
Israel, não obstante o fundamento histórico delas ter sido abalado pelo trabalho de pesquisa
dos "novos historiadores".

Miko Peled descreve com franca abertura, sem papas na língua, sua trajetória até se tornar
ativista da paz, para o qual só há um objetivo: uma democracia secular, na qual israelenses e
palestinos vivam como cidadãos com direitos iguais.

Miko Peled provém de uma das famílias sionistas mais conhecidas de Israel. Seu avô Avraham
Katsnelson foi um dos signatários da declaração de independência de Israel.

Seu pai, Matti Peled, pertenceu ao topo da elite militar, que entretanto, após a guerra de 1967,
se tornou um defensor da paz com os palestinos.

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-- Todo mundo consegue me ouvir bem?

-- Sim.

-- Sim? OK. Muito obrigado. É um prazer estar aqui em Berlim. É bacana ver todos vocês aqui esta
noite. Estou me perguntando: quantas pessoas aqui são da Palestina, ou de Israel? Alguém aqui que é
de lá?

Ah, bastante gente. Obrigado.

Quantas pessoas estiveram lá? Alguém visitou?

Uau, muitas pessoas. OK, muito bom. Excelente.

1
Vídeo da palestra (em Inglês): https://www.youtube.com/watch?v=otck-wCYPZo. Acesso em 18 de maio de
2022.
Introdução à palestra (em Alemão): https://www.youtube.com/watch?v=82rQpjqvqrk. Acesso em 22 de maio de
2022.
Perguntas e respostas após a palestra (em Inglês, afora introdução em Alemão):
https://www.youtube.com/watch?v=y3ePgM3D3DM. Acesso em 22 de maio de 2022.
Então. Eu sempre começo as minhas palestras com um pequeno alerta. E o alerta é que minha palestra
é totalmente não neutra. Ela é totalmente parcial. E se qualquer um tem quaisquer sentimentos fortes
com relação a Israel, gosta de Israel, apoia Israel, então essa palestra vai ser muito difícil para essas
pessoas. Por isso eu sempre gosto de dizer isso de antemão, para que as pessoas na plateia estejam
preparadas.

Ninguém pode ser neutro – e por que não é fácil se opor

E essa questão da Palestina eu acho que é uma questão importante em todo lugar, mas eu acho que
aqui na Alemanha, em especial, e em muitos sentidos também nos EUA, ninguém pode dizer que é
neutro. Porque ambos esses países apoiam Israel tão completamente, e tanto dinheiro vai daqui para
Israel, é claro, que todo mundo é cúmplice, a não ser que estejam ativamente se opondo o que está
acontecendo lá. Por isso, ninguém pode ser neutro.

Se nós não fazemos nada, se alguém não faz nada, então está apoiando Israel e apoia o que acontece
na Palestina. Se alguém não gosta disso, então precisa ativamente se opor. E essa não é uma posição
fácil na qual estar. É uma situação difícil na qual estar, especialmente porque a questão da Palestina
está coberta com tantas camadas de histórias e mitologia que às vezes é difícil de descobrir qual é a
verdade, é difícil de descobrir qual história é a correta, e é muito fácil de se perder.

Objetivos da palestra

Por isso, o que eu vou tentar fazer hoje à noite é talvez tentar esclarecer alguns dos mitos, colocar as
coisas em contexto. Porque outro problema é que as notícias que ouvimos sobre a Palestina são
sempre descontextualizadas. Subitamente acontece uma coisa. Subitamente foguetes são lançados de
Gaza. Subitamente Israel faz uma coisa, entende? Ou seja, nunca há um contexto. Por isso vou tentar
colocar as coisas de volta em um contexto, para que a gente possa ter clareza do começo, do meio e
do fim da história.

E outra coisa que eu vou fazer: eu vou passar pela história do meu livro, que realmente é a narrativa, a
história da minha jornada enquanto israelense entrando na Palestina, que geográfica e fisicamente é
uma jornada bem curta, mas mentalmente é um esforço enorme. Ou foi um esforço enorme.

Exemplos de mitos

Agora, vou dar a vocês uns dois exemplos desses mitos que fazem as coisas... – ou que parecem
obscurecer a questão.

Eu acho que provavelmente o maior é que Israel de alguma forma é a resposta ao Holocausto. E por
causa do Holocausto, Israel tem licença para fazer o que quer que sinta vontade, o que quer que tenha
vontade. O Holocausto deu a Israel licença de agir como quiser. E que criticar Israel – para não falar de
rejeitar Israel e de rejeitar o Sionismo completamente, como eu faço – é antissemitismo. E há essa
conexão entre criticar Israel e o antissemitismo, que realmente é a ideia mais insincera, mais
desonesta, mas muito popular, que existe aí fora. E para muitas pessoas tem sido um problema criticar
Israel, porque ninguém quer ser chamado de antissemita. E esse é um daqueles mitos, sabe?

Outro mito é o de que temos uma escolha, em termos de solução. As pessoas falam de um estado, dois
estados, dois estados, um estado, como se fosse uma questão de escolha: tudo o que temos que fazer
é nos reunir e decidir qual preferimos. E eu acho que é importante realmente aceitar o fato que essas
não são as opções. As opções são: um regime de apartheid brutal e racista, ou um regime democrático
no país inteiro. E eu vou falar disso daqui a pouco.

Israel e Palestina: um país ou dois?

Agora, eu gostaria de fazer uma pergunta – outra pergunta, que é: Israel e Palestina são um país ou
dois? E o motivo de eu fazer essa pergunta é porque ouvimos as pessoas dizerem "Bem, eu visitei
Israel, e eu visitei a Palestina." Ou: aqui é Israel, isso aconteceu aqui em Israel, e isso então aconteceu
na Palestina. Nós ouvimos que vários países europeus reconheceram o Estado da Palestina. Sabemos
que nas últimas décadas houve negociações de paz entre Israel e Palestina. Nós ouvimos que
repetidamente há guerra entre Israel e Palestina.

Então, eu nasci e fui criado lá. Eu passei metade da minha vida lá. Eu viajei por lá todo o tempo. Eu
muitas vezes estou lá. E a minha pergunta é: se existe uma Palestina que é diferente de Israel, alguém
pode me dizer onde é que ela fica? Quais são as fronteiras desse Estado da Palestina que foi
reconhecido? Quem são... quem é a população? Quem vive nesse Estado da Palestina? Qual é a sua
capital? Alguém pode explicar isso? Onde está o exército desse Estado da Palestina?

E é claro que nenhuma dessas perguntas tem resposta. Porque essa ideia de que existe uma Palestina
separada de Israel é um mito. Ela não é verdadeira.

Uma descrição justa seria de que a Palestina está ocupada. Que há um estado de opressão e de
ocupação, que existe na Palestina. É verdade que a Palestina também é chamada de Israel. É verdade
que existem duas nações que vivem lá: os israelenses e os palestinos. Mas o conflito não pode ser
resolvido por... negociações de paz porque o conflito não é de guerra. É um conflito de opressão e de
ocupação. E a maneira de se resolver conflitos de opressão e ocupação não é através de negociações
de paz, mas é através de um esforço organizado de estabelecer justiça e liberdade.

Nós não temos dois exércitos, nós temos um exército lá, que é o exército israelense. Não existem dois
governos, existe um governo que toma conta da vida de todo mundo, e esse é o governo israelense. E
somente há um Estado, que é o Estado de Israel, e ele governa o país inteiro.

Então, se esses governos europeus e parlamentos europeus que decidiram reconhecer e fazer uma
declaração, fossem honestos, em contraste com serem covardes, eles reconheceriam que a Palestina
foi ocupada e que os palestinos têm sido oprimidos por 67 anos. E eles apoiariam qualquer esforço
para trazer liberdade e democracia à Palestina. Mas essa não é a situação. Os governos europeus
apoiam totalmente o Estado de Israel, e eles fizeram o que fizeram, eu acredito, como ato de covardia.

Um conflito antigo?

Agora, as pessoas frequentemente gostam de falar sobre... ou de alegar que o conflito já vem de
milhares de anos atrás. Essas pessoas lá, eles dizem, já estão se matando por centenas de anos, ou por
milhares de anos. E por isso realmente não tem como haver solução. Porque essas pessoas lá são
simplesmente incapazes de viverem juntas. O que com certeza é um mito. E o propósito desse mito é
garantir que nenhum de nós olhe para as causas do conflito, e para que nenhum de nós tente resolver
o conflito.

A Declaração Balfour

Se fosse para sermos honestos, eu acho que seria justo dizer que o motivo de existir um conflito na
Palestina é que racismo e colonialismo foram trazidos da Europa para a Palestina.

Em Israel eles falam da Declaração Balfour. Talvez vocês tenham ouvido da Declaração Balfour. E eles
falam dela não só em Israel, mas todas as organizações sionistas e apoiadores de Israel falam da
Declaração Balfour como se fosse um dos dez mandamentos. Como se fosse a Palavra de Deus. "A
Declaração Balfour!" Quase cada cidade israelense tem uma rua Balfour. Você pensaria que Balfour era
outro profeta. E quando se examina bem ela – a Declaração Balfour –, o Lorde Balfour foi o secretário
de relações exteriores da Grã-Bretanha. E ele prometeu, ou fez a promessa – deu uma nota com a
promessa para um milionário judeu chamado Rothschild dizendo que o governo britânico concorda em
estabelecer um lar para o povo judeu na Palestina. Nenhum desses dois homens viveu na Palestina, ou
tinha qualquer coisa a ver com a Palestina. E basicamente podemos dizer que isso foi um racista
branco oferecendo para outro racista branco um país que pertence a outra pessoa. É isso que a
Declaração Balfour é. Ideias colonialistas racistas que vieram da Europa.
O plano de partição da Palestina

Agora, avançando várias décadas, as Nações Unidas decidem


resolver a questão da Palestina através de um plano de partição.
E esse é o plano de partição. Esse é o mapa da resolução da
partição.

Agora, quando olhamos para o mapa, a primeira impressão que


se tem é que a pessoa que desenhou esse mapa devia estar
usando drogas ou totalmente bêbada. Porque, como é que você
pode criar um estado, ou dois estados, com fronteiras que
parecem desse jeito?

Mas tem um problema ainda mais sério. Essa resolução foi


aprovada em 29 de novembro de 1947. Que é uma data
importante na História sionista. E, novamente, muitas cidades
israelenses têm uma rua 29 de novembro, ou uma praça 29 de
novembro, ou algo assim. No final de 1947, toda a comunidade
judaica na Palestina era em maior parte constituída de
imigrantes, que eram da geração dos meus avós, e de
israelenses da primeira geração que nasceu lá, como meus pais,
e somavam cerca de meio milhão de pessoas. A população
palestina nativa local era em número três vezes maior – cerca de
um milhão e meio de pessoas. Mesmo assim, nessa resolução a
maior parte do país foi dada para a comunidade judaica, menor.
E a população nativa... (Que, como eu disse, era basicamente
uma comunidade de imigrantes que havia acabado de sair do barco.) A comunidade palestina nativa
recebeu, por assim dizer, a parte menor. E até hoje em dia as pessoas ficam surpresas e dizem "É tudo
culpa dos palestinos, porque eles recusaram a resolução da partição."

Duas narrativas irreconciliáveis

Agora, além da lição histórica aqui há uma outra coisa importante a lembrar, ou a se dar conta:
naquele dia, ou a partir daquele dia, surgiram duas narrativas opostas; duas histórias que são
diametralmente opostas; que não se consegue conciliar. Elas não diferem em nuances ou detalhes:
elas são diametralmente opostas. E quando aceitamos uma, temos que rejeitar a outra. Não há
maneira em que as duas consigam viver lado a lado.

Agora, a narrativa sionista, que é narrativa com a qual fui criado, e a narrativa que o Ocidente aceitou,
diz que, ou descreve a criação de Israel como um ato de heroísmo. O renascimento do povo judeu.
Esse povo que sofreu tanto, e que somente sete anos depois do Holocausto retornou, aceitou a
resolução da partição – ainda que fossem os descendentes dos antigos hebreus, uma tribo que viveu lá
milhares de anos atrás; o país pertence a eles. Eles aceitaram a partição. Em outras palavras, aceitaram
pegar só uma parte do país deles. Os árabes atacaram eles, porque são antissemitas e, como todo
mundo, odeiam os judeus e querem matá-los. Os sionistas prevaleceram e, no final de 1948, os judeus,
a comunidade judaica na Palestina conseguiu estabelecer um estado judeu na terra de Israel, pela
primeira vez depois de 2.000 anos, e apenas vários... uns poucos anos após o Holocausto.

Vocês conseguem imaginar uma história mais heroica, mais romântica? E, de novo, parece como um
novo capítulo escrito para a Bíblia. De tão heroica e romântica que é. E porque ela encaixa bem com os
sentimentos religiosos, com os sentimentos políticos e com a culpa do Ocidente, ela foi
completamente adotada pelo Ocidente.

E como é que se pode discutir sobre uma história que é tão poderosa? É claro que, como toda história,
ela tem os seus problemas. E uns 20 e tantos anos atrás, vários historiadores israelenses decidiram
examinar esses problemas. Ilan Pappé foi – talvez vocês tenham ouvido falar dele... Ele realmente é um
historiador central nessa questão, o historiador principal, o mais importante. E é claro que
encontraram várias coisas.

Provavelmente a mais importante, ou talvez aquela que se destaca, que aparece mais, tem a ver com o
fato de que nessa época, no final de 1947, a comunidade judaica na Palestina tinha uma força armada
muito forte; uma milícia armada muito forte, com 40.000 homens, bem treinados, armados, altamente
motivados. Meu pai foi um oficial nessa milícia, nessa força armada. Mas não havia equivalente no lado
palestino. Não havia milícia palestina, não havia força armada palestina. Então, quem foram esses
arábes que atacaram os judeus logo depois da resolução da partição? E com o que foi que eles os
atacaram?

Sabemos que vários meses depois, seis ou sete meses depois, outros exércitos arábes tentaram intervir
na Palestina. Eles também foram derrotados bem facilmente pela milícia judaica, sionista. Mas naquela
época, no final de 1947, não havia milícia palestina armada. Não havia possibilidade alguma de
atacarem, porque não tinham nada com o que atacar. E Illan Pappé e os outros historiadores
apontaram que não foram os árabes que começaram o ataque, mas a milícia sionista.

Depois que as Nações Unidas deram o seu apoio para o estabelecimento de um estado judeu, ou de
um assim chamado estado judeu na Palestina, eles iniciaram um ataque maciço contra a população
civil da Palestina no que, hoje em dia, só pode ser denominado como um ato de terrorismo e de
limpeza étnica. E em uma questão de 12 meses... Em uma questão de 12 meses, esse ataque, esse
ataque terrorista e essa campanha de limpeza étnica, resultou na conquista de quase toda a Palestina,
na destruição de centenas e centenas de vilas e cidades – mais de quinhentas vilas e cidades;
basicamente toda a Palestina foi destruída, com algumas exceções – e algo entre 800 mil e 1 milhão de
palestinos foram forçados ao exílio.

Portanto, não é mais tanto uma história de heroísmo; é mais uma história de terrorismo, e de horror. E
o que é interessante é que isso é exatamente o que os palestinos têm dito há décadas. Mas foi
preciso... Foi preciso um historiador israelense dizer isso para as pessoas prestarem atenção. Porque
quando os palestinos dizem isso, e quando os árabes dizem isso, não podemos acreditar neles, porque
não podemos acreditar nos árabes. Eles são tendenciosos, mentirosos e assim por diante. Mas quando
um historiador israelense diz isso, daí... – especialmente com ascendência alemã –, daí podemos
prestar atenção. E foi exatamente isso que aconteceu.

Uma terra sem um povo?

Agora, outra afirmação que é feita é que "Mas, mesmo que alguns poucos palestinos tenham sido
forçados ao exílio e algumas vilas tenham sido destruídas, não havia nada lá." Nós escutamos falar de
uma terra sem um povo. "As poucas pessoas que havia lá eram uns poucos nômades, uns poucos
agricultores pobres. Qualquer coisa boa que foi trazida à Palestina, qualquer progresso que foi trazido
à Palestina, foi trazido pelos sionistas." Por isso eu gostaria de mostrar essas fotos, como um exemplo
de uma cidade palestina antes de 1948. É a cidade de Jafa.

A cidade de Jafa era uma cidade de


cerca de 120 mil pessoas, com uma rica
vida comercial, uma rica vida política,
sindicatos e associação de escritores.
Vários jornais eram impressos lá, vários
cinemas existiam lá. A famosa sala de
concertos Jamal Basha, onde alguns dos
maiores nomes do Oriente Médio se
apresentavam. Belas avenidas. E essa
movimentada metrópole de 120 mil
pessoas na primavera de 1948, em
questão de 2 semanas, foi reduzida a
menos de 4 mil pessoas concentradas
em um único bairro, com arame farpado
e guardas israelenses cercando elas. E... nas ruínas de Jafa hoje está baseada a cidade de Tel Aviv. Pois
bem. Tel Aviv, a propósito, se chama de Tel Aviv-Jafa, como se fosse uma extensão desse glorioso
passado judeu que costumava existir lá. Passado judeu. E ainda existe uma parte de Jafa que é
palestina. Ainda existe uma comunidade palestina em Jafa, negligenciada, assediada, oprimida, sujeita
a leis racistas e constantemente assediada pelos serviços de segurança israelenses. E eles são cidadãos
israelenses!

E além da lição de História aqui, também, o que é importante de lembrar é o seguinte: é errado, é
impossível reduzir a Palestina à Cisjordânia e a Gaza. Porque o país inteiro é a Palestina. Os palestinos
vivem no país inteiro. Os palestinos sofrem com a ocupação israelense, com a opressão israelense, em
todos os lugares onde vivem. Existem palestinos em Jafa, existem palestinos na Galileia; existem
palestinos em Jerusalém, no deserto de Neguev, Bersebá. Em todos esses lugares temos palestinos
vivendo. Alguns são cidadãos israelenses, outros são menos que cidadãos, alguns não são cidadãos,
mas todos estão sujeitos ao racismo e à opressão pelo Estado de Israel. E não podemos reduzir a
Palestina a essas duas pequenas áreas, a Cisjordânia e Gaza, porque o país inteiro é a Palestina. E a
vida dos palestinos é igualmente ruim, não importa onde vivem.

A Faixa de Gaza e a legitimidade do Estado de Israel

Agora eu gostaria de tirar um tempo para falar sobre Gaza. Tudo o que ouvimos sobre Gaza está
sempre fora de contexto. Subitamente isto acontece, subitamente aquilo acontece, de repente
terrorismo, de repente Hamas, de repente foguetes. Todas essas coisas. Nunca tem qualquer contexto.

A Faixa de Gaza não é uma área natural. Não tem nada de natural nela. Houve uma linha que foi
traçada por Israel, uma região que foi estabelecida por Israel, para abrir as centenas de milhares de
refugiados que foram tirados dos seus lares e da sua terra durante a limpeza étnica da Palestina em
1948. Campos de refugiados foram construídos em torno da cidade de Gaza, na costa sul do país. Uma
linha foi traçada. (Isso aconteceu um pouco depois, no início dos anos 1950.) E a Faixa de Gaza foi
criada. E uma lei foi... Leis foram aprovadas em Israel que tornou ilegal as pessoas de Gaza, os
refugiados, de alguma vez voltarem.

E os ataques em Gaza não começaram em 2008. Ataques israelenses contra Gaza começaram tão logo
a Faixa de Gaza foi criada, no início dos anos 1950. E no começo a desculpa era – ou a razão era – de
que "Nós temos um problema de infiltradores." Quem são esses infiltradores? Existe algo muito
obscuro e misterioso e perigoso com relação a infiltradores. Tratava-se de refugiados palestinos que
estavam tentando voltar para as suas casas, voltar para suas terras, trazer comida, de vez em quando
cometer atos de resistência, de violência contra israelenses. E unidades israelenses então entravam...
Comandos israelenses então entravam e cometiam terríveis atos de violência, massacres e assim por
diante, matando civis, é claro. Mais tarde, eles pararam de chamá-los de infiltradores e começaram a
chamá-los de "fedayin". Depois disso, começaram a chamá-los de terroristas. Hoje, eles os chamam de
Hamas. O nome desse monstro, o nome desse demônio que mora em Gaza mudou de tempo em
tempo. E a tecnologia israelense também mudou, de modo que, enquanto no início eles matavam
dúzias de civis, no último verão, na frente dos nossos próprios olhos, no horário nobre, Israel matou
mais de 2.000 civis inocentes em Gaza. Em 51 dias. Portanto, a tecnologia melhora, o nome do
demônio melh... muda, mas a realidade é a mesma. E a questão óbvia a se fazer é: por quê?

Nunca houve um tanque em Gaza. Nunca houve um avião de combate em Gaza. Nunca houve um
exército regular em Gaza. Onde está a ameaça?! Por que é que Israel está atacando Gaza por quase 70
anos, e matando civis inocentes? Essa é a pergunta que parece que ninguém está fazendo. E tudo o
estamos fazendo aqui – e a gente ouviu isso muito claramente e bem alto no último verão – são todos
os noticiários, todos os âncoras dos noticiários, todos os políticos do Ocidente falando do direito de
Israel de se defender.

Tem uma lista de estatísticas aqui, estatísticas muito interessantes.

• Área: 363 km
• População: 1,7 milhão (1 milhão de refugiados de 1948)
• Idade média: 16 anos; 56% são menores de 18 anos (952 mil crianças)
• Taxa de desemprego: 81%
• Vivendo abaixo da pobreza: 80%
• 80% de insegurança alimentar
• mais de 90% da água não é potável
• A "política de separação" de Israel impede acesso a escolas, mercados para venda de
produtos, busca de trabalho ou relações familiares/culturais normais com palestinos
de fora.
• Índice de alfabetização: 92%
• Oito universidades em Gaza

Eu as coloquei aí, não vou repeti-las. Mas a pergunta é "Por quê?" Onde está a ameaça?! Pobres
refugiados? Perto de 2 milhões de pobr... – em maioria refugiados pobres vivendo lá são uma ameaça?
Eles nunca tiveram um tanque! Cadê a ameaça? E se você não viu como é que parece quando as forças
israelenses entram em Gaza, isso vai dar uma ideia. Isso é do começo de 2009.

Isso é de um pouco mais de perto.

E ano passado, durante o ataque a Gaza, eu estava na Palestina e a gente dirigiu até a fronteira só para
ver o que estava acontecendo. E na medida em que nos aproximamos, em especial da parte sul da
fronteira com a Faixa de Gaza, a gente viu campos com linhas nesse tom de verde bem estranho. E isso
eram tanques! Só Deus sabe quantos tanques. E você pensa que [General] Rommel voltou! Os
exércitos de Rommel voltaram, e vão lutar contra eles. E é claro que, além dos tanques, Israel
convocou 40.000 reservistas. E tudo isso foi depois de 6.000 ataques aéreos! 6.000 ataques aéreos em
que milhões [sic] de toneladas de bombas foram despejadas sobre uma população civil que não tem
aonde se esconder, não tem aonde ir, não tem defesas! Uma bomba de 1 tonelada destrói um
quarteirão inteiro de uma cidade. Agora imagine centenas dessas. E milhares dessas! Em uma
população civil. E... eles precisam de um comitê... Eles precisam de um inquérito para descobrir o que
aconteceu. Eles acabaram de vir com os resultados. O comitê da ONU acabou de vir com os resultados.
Eles precisam de um comitê?! Quando você despeja toneladas de bombas sobre uma população civil,
você precisa de um comitê para verificar se foram cometidos crimes de guerra?! Que cinismo!

E de novo eu pergunto: qual é a ameaça? E eu pergunto: será que essa é realmente a resposta
apropriada para o Holocausto? Será que o Holocausto justifica isso?

E novamente a gente tem que fazer essa pergunta de novo e de novo: por quê? Qual é a ameaça? E a
resposta eu acredito que é: pois bem, não há ameaça à segurança de Israel. Certamente não há
ameaça existencial, dessa perspectiva.

Quando olhamos para a Faixa de Gaza, quando olhamos para a condição dos refugiados, isso levanta
sérias questões quanto à legitimidade do Estado de Israel. Isso é uma ameaça à legitimidade. É uma
ameaça à narrativa. A narrativa sionista de 1948 é o Santo Graal. É a identidade de cada israelense, e é
a justificativa para a existência do Estado de Israel. E é claro que a proximidade com o Holocausto é
uma grande parte disso. Quando a gente olha para a situação nos campos de refugiados, quando a
gente olha para essa catástrofe que Israel criou... Não haveria refugiados, não haveria Faixa de Gaza se
não tivesse havido a limpeza étnica de 1948.

A menos que a gente veja o contexto, não conseguimos entender o que está acontecendo, e é claro
que não tem como encontrar uma solução.

Esses refugiados ficariam felizes de voltar para suas casas. Eles não representam uma ameaça. Eles
com certeza levantam uma séria questão quanto à legitimidade do Estado de Israel e da narrativa.

Opções de solução para Gaza


Portanto, Israel tem duas opções. Pode deixar as coisas como estão. Mas aí as pessoas vão começar a
fazer perguntas. Desculpa: três opções, na verdade. Se eles deixarem as coisas como estão, as pessoas
vão começar a fazer perguntas. O que você vai fazer? Por que é que a 1 km de distância de cidades
israelenses, onde as pessoas vivem como aqui, crianças palestinas têm que viver assim? E é claro que
essas crianças palestinas – os pais e avós delas têm casas e terra em Israel. É de lá que eles foram
tirados. Eles ficariam felizes de voltar lá. E isso não são milhares de quilômetros de distância; são 1 ou 2
km, às vezes 5 ou 10 km de distância. Nunca é mais do que uma viagem curta. Portanto, deixar como
está não é uma opção.

Deixar eles voltarem, como eles merecem voltar, também não é uma opção, porque Israel não quer
eles de volta.

A única outra opção é matar eles e culpá-los pela violência. Atacar eles e culpá-los, atacá-los e culpá-
los. E isso tem sido uma estratégia que funcionou fantasticamente. Você tem que ser um mágico para
aplicar esse truque. As pessoas assistem ao vivo os militares israelenses matando civis inocentes – aos
milhares! E eles falam do direito de Israel de se defender?! Porque o problema é que eles ousam
resistir, ousam lançar foguetes de tempos em tempos? Vamos ver quantos de nós sobreviveriam em
Gaza e não lançar foguetes.

E... nada disso seria possível sem dinheiro alemão! E [sem] armas alemãs! Ninguém pode dizer que é
neutro, todos são cúmplices a não ser que se oponham ativamente a isso. Essa é a realidade. E cada
Euro que vai para apoiar o Estado de Israel, torna as coisas piores, porque as coisas vão continuar e vão
piorar.

Nakba: passado ou presente?

A Nakba dos palestinos, a catástrofe, não é algo que aconteceu em 1948. É algo que começou em 1948
e continua até hoje. E continua com o apoio de vocês. Com dinheiro de impostos, com Euros que vem
daqui. Provavelmente mais do que de outros países. Isso é algo que tem que estar imbuído em nós.
Tem que ser gravado na nossa alma, nos nossos corações. Porque nós temos que agir.

A ocupação da Palestina começou em 1967?

Agora, nós ouvimos essa teoria interessante de que a ocupação da Palestina começou em 1967. Se
você esteve lá, ou se é de lá, tenho certeza que você ouviu isso. A ocupação da Palestina começou em
1967. Então, a ocupação desde 1948, ou 1949, até 1967 é o quê? Ela desapareceu? Ela não conta?

Pelos primeiros 20 anos da existência do Estado de Israel, quase 80% da Palestina esteve ocupada. Em
1967, Israel completou a ocupação. Não começou a ocupação: concluiu a ocupação! Concluiu a
conquista da Terra de Israel, ou a conquista da Palestina.

A Guerra dos Seis Dias, 1967

E... o que também é interessante é que também ouvimos que, antes da guerra de 1967, Israel se
deparava com uma ameaça existencial. Os exércitos árabes, mais uma vez, estavam reunidos em volta
das fronteiras para matar os judeus e destruir o Estado judaico. E Israel não teve outra opção que
começar a guerra.

E eu lembro, como criança... Eu era criança, mas eu lembro do medo; dos adultos falando "Os árabes
vão vir e nos matar todos. Eles vão vir e nos matar todos. Se eles vencerem, e se eles vierem, todos nós
vamos ser m... massacrados." O que é muito interessante. Eu gostaria de mostrar esta foto.

Essa é uma foto do Alto Comando israelense, do Alto Comando militar israelense. Em 1948, meu pai
era um oficial, como muitos desses senhores, e então ficou nas forças armadas. E nos anos 1960, ele
era um general. Ele era um membro do Alto Comando israelense. Ele está em algum lugar nessa foto.
Agora, enquanto eu estava trabalhando no livro, uma das coisas que eu pude fazer foi ir até os
arquivos do exército israelense. Para saber mais da carreira dele e assim por diante. Mas, em especial,
eu queria ver certos documentos, que eram... as atas propriamente das reuniões desses generais
antecedendo a guerra de 1967. Foi uma época muito interessante. Muitas pessoas leram [essas atas],
muitas pessoas escreveram sobre elas, mas eu queria ver por mim mesmo. E ainda que eu não
esperasse ver nada de novo, porque tanta coisa foi escrita sobre isso, eu vi uma coisa que não vi escrita
em lugar algum. E é claro que menciono isso no livro.

Os generais israelenses, os membros do Alto Comando israelense, estavam dizendo que os exércitos
árabes "não estão preparados para guerra". O maior exército, realmente, era o exército egípcio – o
único exército de peso. E eles dizem que o exército egípcio vai precisar de pelo menos um ano e meio a
dois anos até estarem preparados para guerra. E por isso, nós temos que atacá-los agora! E então
destruí-los mais uma vez. Seria a terceira vez que Israel destrói o exército egípcio. Não apenas não era
uma ameaça existencial: não era ameaça alguma. Mas eles falam de "uma oportunidade".

E eles também dizem que para poder ganhar apoio público, para ganhar o apoio do gabinete
israelense, do governo israelense, eles precisam criar uma sensação de medo terrível. De que existe
uma ameaça iminente uma ameaça existencial. E foi exatamente isso que eles fizeram. As pessoas
pensaram: "Sabe Deus o que pode acontecer. Os árabes vão vir e nos massacrar." Mas os generais
sabiam muito bem que os árabes não estavam preparados para isso; não eram capazes de fazer isso.

No fim das contas, a guerra durou... Essa guerra, essa ameaça horrível, foi eliminada em 5 dias. Eles
chamam de "Guerra dos Seis Dias"; na verdade, acabou em 5 dias. 18.000 soldados árabes foram
mortos. E 700 soldados israelenses foram mortos. Agora, cada soldado que morre é criança de alguém,
é filho de alguém, e por isso é claro que a gente chora por todos eles. Mas a diferença entre 18.000 e
700 nos diz onde estava a ameaça. Quem representava ameaça para quem?

E quando essa guerra acabou, esses generais se parabenizaram pelo que chamaram de "concluir o
trabalho". Que significa concluir a conquista da Terra de Israel. Eles acreditavam bem antes de 1967
que deveriam ter se apropriado da Cisjordânia. Até 1967, não aconteceu.

Mas essa ideia de que a ocupação da Palestina começou em 1967... É difícil de imaginar de onde ela
veio! Quer dizer, não é difícil de imaginar. Nós conhecemos Israel, entendem? Mas o que eu quero
dizer é: essa noção... O que aconteceu entre 1948 e 1967? Estava tudo bem? Não havia ocupação? A
Palestina simplesmente desapareceu...

E... isto foi o que aconteceu em 1967: eles apagaram a Palestina do mapa e estabeleceram um Estado
único cobrindo toda a Palestina com direitos exclusivos para judeus. Agora eles o chamam de Estado
judeu. A maioria dos judeus não vive lá. A maioria das pessoas que de fato vive lá não é judaica. De 12
milhões de pessoas, 6,1 milhões são palestinos. O que [esse Estado] tem de judeu? Será que eles
aderem a algum tipo de valores judaicos? Como matar pessoas em Gaza, como negar água para
crianças, como deter milhares de prisioneiros políticos? O que exatamente tem de judeu no Sionismo?
O que exatamente tem de judeu no Estado de Israel? Ele não tem nada de judeu. Portanto, criticá-lo e
rejeitá-lo não é antissemitismo. É a coisa certa de se fazer!

Mas eles oferecem direitos exclusivos para judeus. Assim, qualquer judeu mundo afora pode vir, se
tornar um cidadão e ter todos os direitos. Os palestinos... É uma história totalmente diferente.

E não é o caso que isso aconteceu em 1967. As primeiríssimas leis aprovadas pelo Knesset
[parlamento] israelense, no início dos anos 1950, definem o Estado de Israel como um Estado racista
de apartheid. Conforme a sua própria definição! O apartheid não existe [só] na Cisjordânia. O
apartheid existe no país inteiro!

O emaranhado de leis sob as quais os palestinos vivem é impossível de descrever. De tão complicado
que é! E o número de leis aumenta todo o tempo.

Não existe nada de judeu no Estado de Israel. Não há nada de antissemita em criticá-lo e rejeitá-lo. É a
coisa certa a se fazer para pessoas com consciência.
General Matti Peled: general, ativista da paz

Agora, eu vou contar um pouquinho a vocês... uma história interessante sobre o meu pai. Esse é o meu
pai uniformizado. E ele fez algo muito interessante: assim que a guerra havia acabado, que a guerra de
1967 havia acabado, na primeiríssima reunião do Comando Central israelense, do Alto Comando
israelense, ele se levantou e disse "Nós agora temos uma oportunidade de fazer paz com os palestinos.
De resolver a questão palestina. Nós deveríamos permitir que os palestinos estabeleçam o seu próprio
Estado independente na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental e na Faixa de Gaza. Se fizermos isso,
poderemos fazer paz com esse país, talvez depois fazer paz com os outros países árabes, e continuar
vivendo como uma nação normal, como um Estado normal."

Enquanto ele estava dizendo essas exatas palavras, tratores de esteira israelenses estavam destruindo
vilas palestinas, destruindo bairros palestinos, destruindo comunidades palestinas. Caminhões
militares israelenses estavam levando palestinos para o outro lado do Rio Jordão, forçando eles a
saírem, centenas de milhares deles. E começaram construções em massa, somente para judeus
israelenses, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Exatamente a mesma coisa que Israel fez após
1948, em outras partes da Palestina, foi repetido na Cisjordânia. Porque ela não foi tomada para,
algum dia, permitir que os palestinos tivessem seu próprio Estado. Ela foi tomada para se ficar com ela.
Ela foi tomada porque é parte da Terra de Israel.

Mas ele acreditou que isso era uma oportunidade para resolver diversos problemas, e... Ninguém
estava interessado, ninguém escutou. Ele se aposentou das forças armadas cerca de um ano depois
disso. E, pelo resto da sua vida, ele continuou indo atrás dessa ideia, de que podemos ter uma paz
israelense-palestina, baseada no que hoje chamamos de "solução de dois Estados". Pois foi aí que a
solução de dois Estados surgiu, tal como a conhecemos hoje em dia. E vários outros israelenses,
israelenses proeminentes, juntaram-se a ele e começaram a falar sobre isso. Eles tinham a própria
organização deles, eles falaram a respeito por toda a parte, e por fim eles foram contatados por
membros da OLP, a Organização para a Libertação da Palestina. Personalidades de destaque, as
principais pessoas de Yasser Arafat, contataram eles para ver se havia maneira de fazer isso funcionar.
E eles começaram um diálogo que durou muitos e muitos anos.

E no começo tudo era bem secreto. Nesta foto meu pai está com Issam Sartawi, que foi o embaixador
palestino em Paris por muitos e muitos anos; mais tarde ele foi assassinado. E... o que foi interessante
sobre essas reuniões foi o seguinte: do lado israelense, eram pessoas como o meu pai, que realmente
eram renegados. Eles não representavam ninguém, não tinham influência nem poder. Do lado
palestino, eram membros oficiais da liderança da OLP. E o desafio que enfrentavam era tentar
convencer Yasser Arafat e o resto da liderança palestina a aceitar essa ideia: reconhecer o Estado de
Israel e parar... mudar a plataforma deles, de querer a Palestina inteira e essa ideia de um Estado único
e democrático, para um pequeno Estado palestino, a solução de dois Estados.

E por fim, em 1998, como sabemos, Yasser Arafat aceitou isso; reconheceu o Estado de Israel. E esse
processo, que eles chamaram de um processo da paz, ocorreu em seguida. Agora... É claro que acabou
sendo uma catástrofe para os palestinos. Ou, eu deveria dizer, catastrófico para os palestinos.

Os Acordos de Paz de Oslo

Então, essa é uma foto que eu gostaria de mostrar. Tenho certeza que todos vocês ouviram falar dos
Acordos de Paz de Oslo, e esses são os principais participantes. Aqui é quando estão a caminho da Casa
Branca para assinar o Acordo de Oslo. E quando olhamos para essa foto, a gente vê o Presidente
Mubarak de um lado e o Rei Hussein, da Jordânia, no outro lado: dois perversos ditadores que
ninguém jamais elegeu, que são considerados amigáveis e liberais pelo Ocidente porque são
facilmente corruptíveis e basicamente trabalham para Israel, ou trabalharam para Israel.
Representando Israel está Iitzhak Rabin, que provavelmente é um dos mais infames criminosos de
guerra de Israel. Mais tarde, ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz, quando na verdade deveria ter sido
levado para Haia por crimes de guerra. E todos estão sendo liderados pelo presidente americano,
sendo que todos sabemos que nenhum americano pode se tornar presidente a menos que seja
apoiador total do Estado de Israel e do Sionismo. Nada de bom pode vir desse grupo de pessoas. Nada
de bom. Só de olhar para essa foto, já podemos antever a catástrofe para a qual os palestinos estão
sendo conduzidos. E é claro que sabemos que os Acordos de Paz de Oslo foram catastróficos para os
palestinos.

E as pessoas dizem que os Acordos de Paz de Oslo, que o processo de Oslo falhou. Eu argumentaria
que o processo de Oslo foi um sucesso estrondoso. Ele alcançou exatamente aquilo para o que foi
armado para fazer: fortalecer o controle israelense do país, dos recursos e das pessoas; acabar com
qualquer chance de a solução de dois Estados alguma vez ocorrer; destruir a vida, ou a vida política, a
existência política de um movimento nacional palestino; e causar tanta fragmentação quanto possível
entre os palestinos. E foi exatamente o que fizeram. Foi um sucesso magnífico. Foi isso que Oslo fez.

A questão dos prisioneiros palestinos

Agora, um aspecto dessa questão que raramente é discutido é a questão dos prisioneiros palestinos.
Atualmente, Israel detém mais de 6.000 prisioneiros palestinos em cadeias israelenses, em violação de
sabe Deus quantas leis internacionais, sob condições que são mais do que horríveis. E... o que é
interessante é que eles os chamam de terroristas, ou de ameaças à segurança, ou de prisioneiros de
segurança, mas de acordo com fontes israelenses... De acordo com fontes israelenses, a grande
maioria dos prisioneiros palestinos jamais foram acusados de atos de violência. Agora, estamos falando
dos tribunais militares israelenses, nos quais o nível é colocado muito, muito baixo. E mesmo os
tribunais militares não conseguiram acusar essas pessoas de atos de violência. Em cima disso, temos os
prisioneiros administrativos, de quem esses mesmos tribunais militares não conseguiram encontrar
nada do que acusá-los. E, mesmo assim, eles estão sendo detidos indefinidamente, sem acusação.
Centenas de prisioneiros.

E as fotos que eu escolhi... Aqui, Samer Issawi, com a sua irmã Shireen. Samer detém o recorde
mundial de mais longa greve de fome da História: mais de 250 dias, algo completamente maluco. No
final das contas, ele sobreviveu. Ele foi libertado. Recentemente, ele voltou às prisões, saiu da prisão. A
irmã dele é advogada, ela toda hora entra e sai da prisão. Khader Adnan, que foi detido também por
detenção administrativa, fez uma longa greve de fome uns poucos anos atrás. Ele recentemente foi
preso de novo e agora mesmo terminou uma greve de fome de 55 dias. Milagrosamente, ele ainda não
morreu. E... o que eles estão demandando não é nada extremo: é o fim das detenções administrativas.
Em outras palavras, se vocês vão nos prender, vocês têm que nos acusar de alguma coisa. É isso que
estão exigindo. E greve de fome é, categoricamente, o sacrifício mais difícil, mais duro que se pode
fazer por uma causa.

Os palestinos têm direito à resistência?

Agora, tem uma questão bem diferente sobre isso, que é o fato de que o mundo reconhece o direito
das pessoas à resistência. A ONU o reconhece, e então o reafirmou. As pessoas que vivem sob regimes
opressores, sob ocupação, sob domínio estrangeiro, têm o direito de resistir com todos os meios
disponíveis, incluindo a luta armada. Em outras palavras, não há nada de ilegal com a luta armada.

Se Israel não gosta de foguetes vindo de Gaza, Israel tem a capacidade de parar com a opressão e de
encerrar a ocupação, e de permitir as pessoas de Gaza a ficarem livres. Mas a gente sempre, sempre
culpa a vítima. Agora, o mundo reconhece o direito dos povos à resistência, a não ser que sejam
palestinos. Daí eles estão em pé de guerra, daí eles são terroristas, daí eles não têm permissão de fazer
isso.

Mas a realidade é que a resistência palestina, que em maior parte tem sempre sido sem armas, não
somente não é ilegal: ela é justificada. Tanto legalmente quanto moralmente e de qualquer outra
forma. E é hora de dizermos isso, e de dizermos claramente. E esses 6.000, ou mais que 6.000
prisioneiros têm que ser libertados. A voz deles tem que ser ouvida.

O assassinato da neta do general


Agora, um outro aspecto da minha própria história pessoal. E essa realmente é... Provavelmente [foi] a
coisa que me levou ao ativismo, e a fazer o que eu faço. Porque as pessoas sempre me perguntam:
"Você foi criado em uma família sionista tão patriótica, em uma família israelense tão patriótica, como
é que você fala dessa forma?" Pois essa é a história.

Em setembro de 1997, a filha pequena da minha irmã foi morta em um ataque suicida em Jerusalém.
Essa é ela, Smadar. Foi um ataque ordenado e executado pelo Hamas e várias pessoas foram mortas, é
claro. E sempre que há qualquer espécie de violência, qualquer espécie... desse tipo de coisa, então
sempre vira grande notícia, em Israel. Isso virou uma notícia ainda maior, porque uma das vítimas foi a
neta de Matti Peled, a neta do famoso general, e não somente um general, mas um general que ficou
conhecido como o Sr. Paz para a Palestina.

Na época, eu já estava vivendo nos EUA. Então eu peguei o primeiro avião para casa [Israel], e quando
eu cheguei no apartamento da minha irmã ele estava lotado de... As pessoas vieram para prestar luto,
tanto palestinos quanto israelenses, e membros da imprensa – centenas e centenas, em cada língua,
cada agência de notícias que você imaginar estava lá. E as perguntas eram sempre as mesmas: "Quem
é culpado?", "Quem é responsável?", "Como é que vamos puni-los?".

E quando a minha irmã Nurit enfim saiu para falar com... vocês sabem, responder perguntas e falar
com as pessoas após o funeral, ela disse algumas coisas que eram muito simples, em certo sentido,
mas de enorme impacto, em outro. A primeira coisa que ela disse foi, em relação a vingança, retaliação
e punição... Ela disse: "Nenhuma mãe de verdade gostaria de ver isso acontecer com qualquer outra
mãe." "Nenhuma mãe gostaria de ver esse pesar acontecer com qualquer outra mãe. Não venham me
falar de matar mais pessoas. Não venham me falar de matar pessoas em resposta à morte de uma
criança." (O que poderia ser mais repugnante que isso?)

E em termos de quem era responsável, ela disse: "Bem... Quem é responsável por se apropriar de
terras palestinas, destruir casas palestinas, atirar em crianças palestinas, deter e prender mães e pais
palestinos, negar liberdade, água e vida aos palestinos? Nós, os israelenses, somos responsáveis. Nós
criamos essa realidade. Quando você mantém uma opressão e ocupação brutais contra outra nação,
esse é o preço que você paga!" E tanto ela quanto seu marido disseram que consideram o governo
israelense diretamente responsável pela morte da filha deles. Então isso se tornou uma notícia ainda
maior. Então agora, subitamente, essa mãe israelense que acabou de enterrar a sua filha virou o
mundo de cabeça para baixo, porque nós sabemos que os árabes, os palestinos são terroristas, e que
os israelenses são vítimas; que Israel é uma nação amante da paz, e busca a paz, e que os árabes e
palestinos não querem paz.

Então ela... Ao longo de todos esses anos ela acabou se tornando... muito direta sobre essa questão –
contra a opressão e o regime de apartheid de Israel, e assim por diante –, bem como o marido dela e
três outros filhos.

A jornada de um israelense na Palestina

No meu caso, eu voltei para os EUA. E não tem como você só voltar e fingir que nada aconteceu. E eu
tive muita sorte, no sentido de que em San Diego, onde vivo, encontrei o que é chamado de grupo de
discussão judeu-palestino – grupo de diálogo.

Agora, eu nasci e fui criado em Jerusalém. Eu vivi lá metade da minha vida. A primeira vez que me
encontrei com palestinos foi durante esses encontros em San Diego, nos EUA. E o capítulo do livro que
fala do começo dessa jornada, porque esse foi o começo da jornada... A primeira linha do capítulo [7]
diz "Minha jornada à Palestina começou em San Diego". Eu tinha 39 anos de idade.

Agora, se você já esteve em Jerusalém, você sabe que supostamente é para ser uma cidade mista. Mas
é uma cidade muito racista, é uma cidade completamente segregada. Não existe esfera em que
israelenses e palestinos se encontram. Como israelense, você vive em uma esfera totalmente diferente
do que os palestinos, ainda que geograficamente vocês estejam muito próximos.
Então aqui estava eu, esse israelense, com essa bagagem, com essa história, sentado entre outros
judeus e palestinos. E pela primeira vez, comecei a escutar essas histórias, essa outra narrativa, essa
outra história que era diametralmente oposta àquela que eu tinha como verdadeira. E como eu disse,
essas não são histórias que você consegue conciliar. Você aceita uma, você rejeita a outra. E sendo um
israelense, a narrativa sionista, como eu disse, é o Santo Graal. É quem nós somos. Nós a protegemos
com tudo o que temos. Mas estou sentado com essas pessoas, os palestinos, e é claro que depois de
um tempo as pessoas começam a se conhecer, e por vai, e então eles me contam histórias sobre
expulsões em massa, sobre massacres, sobre todas as espécies de coisas horrendas, que não têm como
ter sido verdadeiras. Porque nós não fazemos esse tipo de coisa. A nossa gente não faz isso, os nossos
soldados não fazem isso. É impossível!

Então comecei a investigar por mim mesmo. Os livros de Ilan Pappe começaram a aparecer, e outros.
Comecei a viajar para vilas palestinas, primeiro dentro do que é chamado de Israel, depois para a
Cisjordânia. Eu descrevo a primeira vez... A primeira vez que realmente dirigi sozinho até a Cisjordânia,
para a vila de Bil'in. Foi em 2005. Eu pensei que com certeza seria o meu último dia na Terra. Não tinha
jeito de um israelense dirigindo sozinho na Cisjordânia não ser morto.

E esse processo, em que você deixa a confiança entrar e ela afasta o medo, começou. E é bem longo.
Na verdade, é um processo bem doloroso. Mas quando mais você deixa a confiança entrar, tanto mais
rápido ela afasta o medo. E esse medo, novamente, foi um medo que eu nem me dava de que tinha.
Mas esse foi o processo. E é claro que a jornada continua.

Conclusões: esperança e solução para a questão palestina

E as conclusões que eu alcancei, vou contar agora para vocês.

Eu acho que outro aspecto desse conflito que não é discutido o bastante é "esperança". Se você tivesse
que descrever a vida de um palestino para uma pessoa qualquer na rua, elas não iriam acreditar em
você. É impossível de acreditar. O que Israel fez aos palestinos não tem como perdoar, não tem como
acreditar. Está além do que jamais poderão pagar. Não é algo que se consiga acreditar, está piorando
cada vez mais, e continua a cada dia. As partes mais mundanas da vida são afetadas por isso. Não tem
jeito, mesmo que Israel quisesse, de pagar pelos seus crimes. De tão horrível que é. E ninguém
acreditaria. Mas nós temos que ter esperança. Nós somos obrigados a ter esperança. Não podemos
dizer "Pois é, não tem esperança." Porque as consequências disso são horr... ou ainda mais horríveis.

Agora, só dentro do meu período de vida, que historicamente não é muito longo, vimos o fascismo na
Europa cair, vimos ditaduras militares na América Latina caírem, vimos a União Soviética cair e,
provalvemente o exemplo mais apropriado de todos, vimos o Apartheid na África do Sul cair. Ninguém
pensou que qualquer uma dessas coisas aconteceria. No final dos anos 1980, ninguém jamais pensou
que o Apartheid na África do Sul algum dia fosse cair. Já em 1994, Nelson Mandela era presidente da
África do Sul. Então agora, quando a gente olha para a Palestina, nós temos esses pelo menos 50 anos,
provavelmente mais, de exemplos para os quais podemos olhar. Mas antes de fazermos isso, temos
que nos dar conta de, e temos que expressar o que sabemos ser verdade sobre a realidade na
Palestina.

As opções são bem claras. Se apoiamos o Estado de Israel, se aceitamos o Estado de Israel, se
reconhecemos o direito do Estado de Israel existir estamos reconhecendo um regime de apartheid
racista e brutal sobre toda a Palestina. Um Estado único – se você quiser chamá-lo de Estado judeu,
então o chame de Estado judeu; eu acho que não tem nada de judeu nele –, mas um Estado único com
direitos exclusivos para as pessoas judias. Apoiar o Estado de Israel é um pacote, que é esse aí.

Mas existe outra opção. E a outra opção não é alguma solução absurda de dois Estados. A outra opção
é a remoção do regime sionista e o estabelecimento de um Estado democrático com respeito pelos
direitos humanos e direitos civis, e [com] dignidade e respeito para todas as pessoas em toda a
Palestina. Essas são as duas opções.
Agora, as pessoas vão dizer – e as pessoas dizem mesmo – "É impossível! Israel é forte demais. Os
Estados Unidos apoiam Israel. A Alemanha apoia Israel. Tem milhões de dólares, [armas] nucl... Todo
tipo de desculpa. E essas são exatamente as mesmas histórias e as mesmas desculpas que ouvimos
sempre de novo e de novo e de novo.

Mas mesmo assim, todos esses casos que eu mencionei, todos eles aconteceram. E eu argumentaria
que a chance de sucesso de um regime democrático de verdade na Palestina, em que israelenses e
palestinos podem viver juntos, em paz – é claro que sem o Estado de Israel, sem o regime, em um
Estado democrático – são muito mais... As possibilidades são muito mais prováveis de serem bem-
sucedidas... As possibilidades de sucesso são muito maiores que qualquer um desses outros exemplos.

Você tem duas comunidades altamente educadas, comunidades altamente produtivas. Duas
comunidades com respeito [por], e com uma tradição de instituições democráticas; duas religiões que
são muito semelhantes, dois idiomas que são muito similares. A maioria dos israelenses na verdade
são árabes. A maioria dos israelenses são filhos ou netos de judeus que vieram de países árabes. Então,
se eles não falam árabe, os avós deles falaram árabe; talvez os pais deles falem árabe. A possibilidade
de sucesso – a possibilidade de sucesso de uma coexistência pacífica entre israelenses e palestinos é
muito alta.

Ela não poderá ocorrer dentro do Estado de Israel, porque o Estado de Israel não irá permitir isso. O
Estado de Israel é um regime racista brutal.

Nós temos que nos conciliar com essa ideia de uma Palestina livre. Uma Palestina livre que concederá
liberdade às pessoas na Palestina, para israelenses e palestinos igualmente.

E é nosso dever, é nosso inteiro dever, como pessoas de consciência, fazer essa escolha: de fazer tudo
o que pudermos para que a Palestina seja livre, e logo.

Muito obrigado!

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