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Faz-se aqui uma travessia pela sem a intervenção humana, a natu- Um outro aspecto importante na
química do vinho em que se reza não nos deixaria pinga de vinho análise do vinho cujos progressos re-
abordam alguns dos seus aspectos intacto, pois, mais ou menos rapida- centes têm sido muito importantes é
mais importantes do ponto de mente, todo o vinho evolui natural- o do estabelecimento de correlações
vista enológico. Os diferentes mente para vinagre. entre as propriedades organolépticas
compostos que constituem o Assim, desde que o homem do vinho, ou seja, as características
vinho e a sua química são, por colhe uvas e as esmaga, ou as deixa perceptíveis pelos nossos sentidos2 —
isso, discutidos na medida em fermentar inteiras, com o objectivo e que justamente lhe conferem o tí-
sejam responsáveis ou concorram de obter vinho, tem-se visto a braços tulo de bebida mais nobre entre
para determinada propriedade corn a dificuldade, e esta não é pe- todas — e o seu fundamento quími-
organoléptica". Assim, depois de quena, de o conservar para beber, co-físico. Será tendo em conta este
uma passagem rápida pelos ou, pior ainda, transportar para ser último critério que iremos tratar, em
processos biotecnológicos da bebido por outros, noutros locais. traços gerais, da composição do
fermentação, descrevem-se, A compreensão racional do pro- vinho neste trabalho.
sucinta e sucessivamente, os cesso da conservação do vinho só o É ainda apenas através da análi-
processos e as substâncias do desenvolvimento da química e da se química que é possível detectar a
paladar doce, do paladar ácido, microbiologia puderam permitir. De maior parte das fraudes no fabrico do
onde se discutem os conceitos facto, quando hoje sabemos que vinho. Embora não seja esse o tema
enológicos de acidez e se existem no vinho mais de 600 com- que nos ocupa aqui, importa, no en-
compara com o de pH, e do postos químicos diferentes, incluindo tanto, salientar que, conquanto a
paladar salgado; seguem-se os todas as funções mais importantes da classificação de fraudulentos duma
compostos e os processos da cor, química orgânica, quando nos aper- grande parte dos processos que o
as substâncias da nutrição e, cebemos da variedade microbiológica são, não ofereça dúvidas e seja per-
finalmente, o problema do aroma, eventualmente existente num tonel feitamente clara e definitiva — trata-
e alguns compostos com ele de vinho, não podemos deixar de -se de falsificações — outros casos há
relacionados são abordados. sorrir perante as dificuldades encon- em que a fronteira não é tão nítida e
tradas pelos nossos antepassados ro- a classificação de um processo como
manos e outros, muito mais recente- fraudulento pode variar mesmo de
1. APRESENTAÇÃO mente, ao tentarem conservar com país para país.
saúde as suas ânforas, pipas, almudes Por exemplo, enquanto que em
O vinho é uma bebida muito ou garrafas contendo o Precioso pro- Portugal é proibido o enriquecimen-
antiga. Era já um hábito alimentar duto das suas colheitas. to do mosto - seja sob a forma de
entre os sicilianos, no ano 2000 a.C.. A química do vinho é, assim, adição de sacarose ou de mosto con-
Os egípcios conheceram-no e bebe- qualquer coisa de complexo que centrado - com vista ao enriqueci-
ram-no muito cedo. Na ilíada e na ainda hoje não é totalmente conheci- mento alcoólico do produto final,
Odisseia, Homero refere-se sempre ao da, embora as modernas e poderosas noutros países mais setentrionais3
vinho nos banquetes dos seus heróis. técnicas espectroscópicas e cromato- essas técnicas são geralmente aceites
Os romanos iriam transportar consi- gráficas, por exemplo, tenham permi- e, até, imprescindíveis. Foi um quí-
go a técnica da cultura da vinha du- tido em anos recentes avanços gigan- mico francês do século passado,
rante a expansão do seu império. tescos na compreensão dos processos Chaptal, quem a descobriu e lhe con-
No século III d.C. as zonas vi- naturais que se produzem no interior cedeu a importância que tem nessas
nhateiras da Europa eram já, sensi- do vinho (no princípio deste século, regiões de clima mais frio e pouco
velmente, as mesmas de hoje. apenas se conheciam pouco mais de soalheiro onde é autorizada.
O vinho existe, portanto, há meia dúzia de substâncias como Noutros casos, a fronteira entre
muito mais tempo do que a química constituintes do vinho; há 40 anos, o legal e o fraudulento situa-se ao
e do que a ciência moderna. Ele é, cerca de 50; hoje, mais de 600). nível da concentração em determina-
no entanto, um produto quimica- Na determinação das caracterís- do composto, apresentada pelo
mente complexo! É, também, um ticas químicas de um vinho estão so- vinho. Está neste caso o teor em me-
produto natural e como tal deve ser bretudo envolvidas a Química Analí- tanol; está neste caso ainda o teor em
bebido. tica e a Química-Física. Isto porque o dióxido de enxofre, adicionado como
A definição enológica' e legal do vinho é uma solução e, assim, a sua conservante, ainda hoje insubstituí-
vinho diz-nos que é o produto obtido química é determinada não só pela vel no conjunto das técnicas de esta-
exclusivamente pela fermentação al- sua composição analítica, mas tam- bilização e conservação de qualquer
coólica, total ou parcial, de uvas fres- bém pelo jogo dos equilíbrios quími- tipo de vinho.
cas ou do mosto de uvas frescas. Não co-físicos envolvidos, equilíbrios Os teores máximos autorizados
é, em todo o caso, menos verdade — ácido-base, equilíbrios de oxidação- em SO2 livre (gasoso) dissolvido no
e disso se ocupa a enologia — que, redução, de solubilidade, etc. vinho, variam entre Os 70 e os 100
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mg/I, conforme os tipos de vinho. dos, entre os quais se contam perto Existem também pentoses no
Acima destas concentrações, o empre- de 200 ésteres, 140 ácidos, 50 alcoóis mosto das uvas, sob formas combi-
go do dióxido de enxofre é proibido. e compostos de carbonilo, cerca de nadas, que são libertadas durante a
A título de curiosidade, consta 30 compostos azotados, 20 acetais, fermentação. No entanto, as pento-
que foi de uma tentativa de estabili- lactonas, fenóis e compostos sulfura- ses não são fermentadas pelas leve-
zação dos vinhos do Douro exporta- dos e ainda 10 furanos e epóxidos. duras. Glucose e frutose formam o
dos e muito apreciados em Inglater- dissacarido sacarose (fig.2).
ra, mas muitas vezes deteriorados
durante o transporte, que surgiu o 2. A BIOTECNOLOGIA CH2OH
Vinho do Porto. A ideia era conser- O CH2OF
var os vinhos por adição de uma O vinho é o produto da fermen-
grande quantidade de álcool vínico tação alcoólica do sumo de uvas fres- o OH
(aguardente) tornando o produto cas. A fermentação alcoólica é o pro- HO OH HOH2C
mais estável. A graduação alcoólica cesso microbiológico através do qual
seres vivos unicelulares — as levedu- OH
habitual seria mais tarde recuperada. OH
Sucedeu, no entanto, que os vinhos ras — obtêm a sua energia vital. A
enriquecidos com aguardente se tor- fermentação é apenas um dos pro-
naram mais apreciados ainda pelos cessos que pode fornecer energia aos Fig. 2 - A sacarose é o diósido não redutor de
glucose e frutose.
ingleses do que os próprios vinhos micro-organismos. O outro é a respi- A glucose está na forma a-piranose e a frutose,
de base, originando assim a grande ração, mais rentável em termos na forma p-furanose. A sacarose é, por isso,
procura e comércio do hoje famoso energéticos, mas que se dá apenas na 1 -a-D-glucopiranosi 1-!3-D-frutofu ranósido.
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cada uma das quais é catalizada por avanços mais importantes na bio- OH
um enzima específico, fazendo parte tecnologia do vinho residem actual-
da ferramenta biológica das levedu- mente no estudo desta fermentação CH2OH
ras. Cada uma destas reacções vai e na preparação e venda de culturas H OH O
produzindo também produtos se- das espécies de bactérias lácticas
HO HO
cundários que depois se vão encon- mais favoráveis, sobretudo em ter-
HO H OH
trar no vinho em maior ou menor mos do controlo da formação de H OH
concentração (sempre muito baixa, produtos secundários. Existem vári-
H
em comparação com o etanol). Al- os tipos de bactérias lácticas (bacilos OH
guns destes são a glicerina, os ácidos e cocos) no vinho e as condições CH2OH
succínico, acético, láctico e pirúvico, óptimas de cultura variam com as (A) (B)
o acetaldeído, polialcociis e urn espécies, o que também constitui
grande número de outras substânci- factor de escolha, de acordo com a
Fig. 3 - Estrutura cíclica da glucose,
as presentes em quantidades muito composição do vinho cuja fermen- a-D-glucopiranose.
pequenas. A fermentação produz tação se pretende. Representações de Tollens (A) e de Haworth (B).
ainda CO2 que se liberta sob a
forma de gás, ficando ainda assim
uma pequena parte dissolvida no 3. OS COMPOSTOS QUÍMICOS
CH2OH
vinho. Foi Lavoisier quem mostrou DO VINHO
que o açúcar se tranformava em ál- HO
HOH2C
cool e dióxido de carbono e foi a 3.1 As substâncias HO H O
propósito da fermentação que ele do paladar doce
formulou o célebre princípio da quí- H OH CH2OH
Hmica de que na natureza tudo se O etanol é, depois da água, o
OH
transforma. Gay-Lussac procurou constituinte maioritário do vinho:
CH2OH
depois quantificar a relação açúcar, nos vinhos de mesa o seu teor varia
álcool e dióxido de carbono, mas foi entre 8,5% e 14% em volume, e é (c) (D)
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CFi2OH CH2OH no mesmo vinho, o pH varia ao
CH2OH CH2OH longo da fermentação e, depois, du-
H OH HO H rante a conservação.
HO H OH
H HO H Citaremos alguns fenómenos
H OH HO H muito importantes em enologia e
HO H H OH
que dependem do pH:
H OH H OH
H OH H OH (i) O sabor que apresentam os
CH2OH CH2OH ácidos do vinho depende do pH (mas
CH2OH CH2OH
não só, como veremos). Por outro
arabitol xiFrtol sorbitol manitol
lado, uma concentração elevada de
iões H+ transmite ao vinho um pala-
HON H
dar "magro" (delgado) e seco.
CH2OH (ii) As diversas bactérias não
HO /C OH conseguem atacar os constituintes do
H OH
H OH vinho que lhe são específicos se o pH
o-L-ramnose
OH OH for demasiado baixo. Mesmo que
CH2OH HO H
seja suficientemente alto, o resultado
OH OH do ataque é diferente, consoante o
Glicerol H pH.
CH3 Por exemplo, a pior doença que
pode acontecer a um vinho, a
CHO CHO
"volta", que é a decomposição do
ácido tartárico pelas bactérias, só
HO H HO H OH ocorre a pH superior a 3,5. A fer-
mentação maloláctica — de grande
H OH HO H
OH OH HO OH OH importância, como se referiu — em-
H OH H OH
bora ocorra a todos os valores de pH,
OH OH é, no entanto, facilitada por um
CH2OH CH2OH valor mais alto de pH.
(iii)As casses férricas e cúpricas,
D-arabinose a-L-arabinose D-xilose a-D-xilose
que são precipitações de compostos
OU de complexos insolúveis de ferro
Fig. 5 - As moléculas das substâncias do paladar doce.
III e cobre II, ocorrem a urn pH ópti-
mo entre 3,0 e 3,5.
Os açúcares são os residuais da 3.2 As substâncias (iv)As precipitações de bitarta-
fermentação (glucose e frutose) e as do paladar ácido rato de potássio (sarro) que são um
pentoses não fermentáveis entre as dos acidentes mais vulgares, sem
quais se contam a arabinose, a ram- Em enologia, nenhuns dos três gravidade, que ocorrem com qual-
nose e a xilose (fig.5). Uma pequena conceitos de acidez habitualmente quer vinho, têm um pH de probabili-
parte das duas primeiras bem conto usados— acidez fixa, acidez volátil e dade máxima de ocorrência a cerca
um pouco de glucose pode resultar acidez total — corresponde ao pH. de 3,6.
da hidrólise enzimática (pelas glicosi- No entanto, é o pH que controla mu- (v) Por arejamento, o sulfito
dases da uva) ou química de heteró- itos dos processos químicos que têm utilizado como conservante e antio-
sidos polifenólicos ou terpénicos. De influência nas características sensori- xidante no vinho, é oxidado a sulfa-
todos os açúcares a glucose é o que ais do vinho. Por isso, o conheci- to, o que baixa o pH do vinho por
tem maior poder edulcorante (mais memo e o controlo do pH do vinho ser o anião de um ácido forte, levan-
do que a sacarose). tornam-se cada vez mais importantes do-o a "secar". Esle termo é usado
Os polióis derivam das hexoses para o enólogo. De facto, é este o para traduzir a sensação gustativa
e das pentoses, encontrando-se no único conceito que descreve a acidez que ocorre quando se prova um
vinho sorbitol e manitol, provenien- real, efectiva, correspondente à con- vinho com pH muito baixo. É por
tes das primeiras, e arabinol, xilitol e centração do ião H+ em solução. isto que os vinhos brancos não
adositol, com origem nas segundas. podem conservar-se em cascos de
O manitol pode aparecer em maiores 3.2.1 0 pH do vinho. madeira (onde a oxidação se dá a
concentrações em vinhos doentes, O vinho tem pH ácido, variando um ritmo acelerado).
em que alguma frutose tenha sido entre cerca de 2,8 e 3,8. Ou seja, a (vi) O poder anti-séptico e o
fermentada por bactérias lácticas he- concentração IF1+1 pode variar numa cheiro que o dióxido de enxofre con-
terofermentárias. proporção de 1 para 10. Além disso, fere ao vinho aumentam muito com
a concentração em iões H+, visto que sobretudo em vinho jovens, teste- A acidez fixa é um dos critérios
a fracção não dissociada de SO2 dis- munham acidentes na fermentação para distinguir vinhos produzidos em
solvido é maior. alcoólica ou ataques bacterianos. diferentes regiões vinícolas e, por
Estes resultam das bactérias acéticas esse motivo, também ela é regula-
3.2.2 Acidez fixa, volátil e total que, em aerobiose — quando o mentada nos D.O.C.8.
Em enologia, a acidez total cor- vinho fica exposto ao ar — oxidam o A relação entre acidez fixa e
responde à acidez titulável; dá, por- etanol a ácido acético. Este processo teor em etanol influi decisivamente
tanto, informação sobre a concentra- químico conduz também â formação na sensação de conjunto que o vinho
ção analítica da totalidade dos ácidos de acetato de etilo, indesejável pelo produz na boca do provador, e mui-
presentes no vinho, dissociados ou cheiro desagradável e sabor picante tos outros exemplos seriam possíveis
não. que traz ao vinho. que ilustram a utilidade de tais con-
Como a maior parte dos ácidos As bactérias lácticas heterofer- ceitos de acidez na prática quotidia-
do vinho são ácidos orgânicos e, por mentárias são também susceptíveis na do enólogo.
isso, relativamente fracos, eles en- de atacar, na ausência de ar, diversos O emprego generalizado do
contram-se em equilíbrio com as outros constituintes do vinho, com SO2, como conservante, bem como a
suas bases conjugadas numa exten- formação de ácido acético. dissolução do CO2 originário das fer-
são dada pelos respectivos pKa. Devi- Estes conceitos enológicos de mentações, conduz a um ligeiro au-
do à presença de catiões metálicos e acidez são urn tanto formais do mento da acidez total e volátil, por
de NH4+, eles podem precipitar sob a ponto de vista químico, no entanto, formação dos ácidos sulfuroso e car-
forma de sais numa extensão contro- eles são úteis na análise do vinho e bónico. Estes teores devem ser deter-
lada agora pelos respectivos Kps. A na dedução de critérios de qualidade minados e descontados quando se
fracção que se encontra na forma de de vinificação e de controlo da con- faz a determinação da acidez.
sal não contribui para a acidez total. servação e do envelhecimento. Os ácidos da acidez fixa têm ori-
O enólogo considera ainda a Quando, por exemplo, se produz gem na uva ou são produtos da fer-
acidez total como a soma da acidez aguardente por destilação do vinho, mentação. Os mais importantes são,
fixa e da acidez volátil. A primeira, é toda a acidez volátil passa ao destila- no primeiro caso, os ácidos tartárico,
constituída pelos ácidos orgânicos do enquanto os ácidos da acidez fixa málico e cítrico; no segundo caso, os
não voláteis, não ionizados, presen- ficam no resíduo. ácidos láctico e succínico. Os outros
tes no vinho. A segunda, pelos áci- Os teores máximos de acidez vo- ácidos existentes no vinho têm con-
dos voláteis obtidos por destilação di- látil são regulamentados por lei, para centrações muito baixas (< 0,1 g.1-l)
recta ou por corrente de vapor. defesa do consumidor. Em Portugal, a com excepção dos ácidos urónicos
Os principais ácidos que contri- acidez volátil não pode ser superior a derivados dos açúcares, alguns dos
buem para a acidez fixa são os ácidos 1,2 g•1-1 expressa em ácido acético. quais podem aparecer em quantida-
orgânicos originários da uva e da(s)
fermentação(ões). Os ácidos inorgâ-
nicos, existentes em pequena quan- COOH COOH COOH
tidade, estão totalmente na forma de H2C—COOH
sais ao pH do vinho e contribuem, CHOH CH2 CH2
HOC— COOH
assim, para o paladar salgado, não CHOH CHOH CH2
tendo paladar ácido. H2C— COON
Os ácidos voláteis são o ácido COOH COOH COOH
acético e os ácidos carboxílicos alifá- ácido tartaric° ácido málico ácido sucdnico ácido cítrico
ticos da série acética. Todos eles pos-
suem um aroma rançoso e picante H 0 H 0
(ácidos fórmico, propiónico, butírico, C COOH
etc.).
O teor em ácido acético no H OH H OH H OH
vinho dá-nos uma indicação sobre o HO H HO H HO H
seu "estado de saúde" actual e sobre
as doenças que teve no passado. De HO H H OH H OH
facto, forma-se sempre algum ácido
H OH H OH H OH
acético durante as fermentações al-
coólica e maloláctica, caso esta se COON COOH CH2OH
tenha dado. No entanto estes teores
ácido galacturónico ácido glucurónico ácido glucónico
são pequenos, da ordem dos 0,2 a
0,3 g.1-1 (0,4 0-1 se tiver havido ma-
Fig. 6 - Alguns ácidos do vinho.
loláctica). Teores superiores a estes,
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des superiores a 2 g.1-1 (ácidos galac- Em certos casos de insuficiência COOH COOH
turónico, glucónico, tetrahidroxiadí- de acidez, a lei autoriza a adição de
pico e glucurónico) (fig.6). ácido tartárico. A terrível doença da
Os fenóis e compostos fenólicos, volta, hoje totalmente erradicada se a _
ácidos, são responsáveis no vinho vinificação for racionalmente conduzi- H— Fi3 HO — "CH
não pelo sabor ácido, mas pelo sabor da, consiste na degradação do ácido
HO H
adstringente e amargo. Serão trata- tartárico nos ácidos acético e láctico ou D(-) L (+)
dos â parte. acético e succínico, conforme o ataque
provenha da bactéria lactobacillus plan- Fig. 8 - Enantiómetros do ácido láctico.
3.2.3 Os principais ácidos tarum ou da bactéria lactobacillus brevis.
do vinho.
O ácido málico A detecção dos ácidos voláteis no
O ácido tartárico Abundante na uva verde, o ácido vinho, ou dos ésteres seus derivados
É o principal ácido do vinho (2 málico vai diminuindo ao longo da funcionais, tem prosseguido com ra-
a 5 0-1). É também o ácido específi- maturação até cerca de 1 a 8 g.1-1 no pidez crescente nos tempos mais re-
co da uva e do vinho. A não ser mosto. As leveduras degradam tam- centes, sobretudo devido ao uso ge-
aqui, encontra-se muito pouco na bém uma pequena parte (entre 10 e neralizado da cromatografia em fase
natureza. 25% do total) em ácido pirúvico, que gasosa na análise enológica. Conta-se
Dos cinco ácidos que citaremos entra depois no ciclo da fermentação hoje por algumas centenas o número
é o mais resistente ao ataque pelas alcoólica e dá etanol. Quando se pra- desses compostos já detectados no
bactérias e é também o mais forte. É, tica a fermentação maloláctica, ele é vinho, alguns em muito pequenas
além disso, o único que põe proble- transformado pelas bactérias lácticas concentração ou apenas vestígios.
mas na estabilização do vinho por em ácido láctico L (+).
causa dos seus sais pouco solúveis9. 3.3 As substâncias do paladar
Com efeito, o enriquecimento em O ácido láctico salgado
álcool do vinho em relação ao Não existe na uva. É formado
mosto, diminui a solubilidade dos pelas leveduras pela via do ácido pi- Como se disse, estas substâncias
tartaratos (de cálcio, sobretudo) e rúvico na fermentação alcoólica (0,2 são os sais dos ácidos inorgânicos
bitartaratos (de potássio), ocorrendo a 0,4 g4-l) ocorrendo em qualquer parcialmente ionizados. A sua deter-
precipitações por vezes quando vinho, pelo menos nessas concentra- minação quantitativa faz-se pela
menos se desejaria (quando se põe ções. identificação dos catiões metálicos
uma garrafa de vinho no frigorífico, Nos vinhos submetidos â fer- encontrados nas cinzas do vinho.
por exemplo). O uso de linhas de mentação maloláctica, a concentra- Estas, por sua vez, resultam da com-
frio e técnicas de centrifugação e fil- ção vem acrescida de 1 a 2,5 No bustão do extracto seco, que é o que
tração tem-se mostrado eficaz na so- entanto, outras reacções indesejáveis se obtém quando se evapora o vinho
lução deste problema. Muito útil é desencadeadas por ataque bacteriano â secura.
também o emprego do ácido meta- podem ocorrer, também com forma- Todas as substâncias minerais
tartárico que se adiciona antes do ção de ácido láctico (por exemplo, encontradas foram absorvidas pela
engarrafamento e que actua como no caso citado da volta do vinho). videira (sobretudo do solo) e aquelas
um col6ide protector: ele liga-se aos Nestes casos — teores superiores que se encontravam no bago da uva
centros de nucleação dos cristais de a 3 g.1-1— o vinho está estragado. na altura da vindima passaram ao
bitartarato, envolvendo-os e impe- O ácido láctico formado pelas mosto e, depois, ao vinho.
dindo o seu posterior crescimento, leveduras é sobretudo o enantióme- Dos catiões presentes nas cinzas,
inibindo a precipitação. tro D (-). Ao contrário, o L (+) é o como carbonatos e óxidos, o K+ é de
único produzido pelas bactérias. longe o mais abundante (0,5 a 2,0 g-I-
I) seguido de Ca2+ e Mg2+ (50 a 150
COOH COOH O ácido succinico mg.1-1). O cálcio é mais abundante do
É um produto da fermentação que o magnésio, na uva. No entanto
HO H H OH alcoólica. Pode também formar-se a esta relação aparece invertida no
partir dos ácidos glutâmico e málico. vinho, devido à precipitação do tarta-
H OH OH H Ao contrário dos anteriores, ele é rato de cálcio durante a conservação,
muito estável aos ataques bacteria- sobretudo a baixa temperatura.
COOH COOH O sódio, Na, existe no vinho
nos. Além disso, o seu paladar não
L (+) verdadeiramente ácido, mas antes em concentrações da ordem da deze-
salino, amargo e intenso, provocan- na de mg por litro. Este valor pode
Fig. 7 - Isómeros do ácido tartárico: apenas a forma do a salivação. É, de todos estes áci- subir no caso de vinhos provenientes
D existe na uva
dos, o de sabor mais rico. de solos salgados.
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595 nm no amarelo.
Ao pH do vinho (2,8-3,8) 20 -
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a rttgos
R"
cor do vinho branco. nhos brancos ou tintos. dos ácidos gálico e elágico.
OH
HO
OH
R=OH, catequina
R=R'=OH galocatequina
3,4-navanediol
HO
OH OH
Fig. 19 - Os taninos de condensação (flavolanas) não hidrolisáveis são os originários da uva e do vinho. Aqui está representado um tetrâmero constituído por 4 unidades
de catequina. A direita vêem-se os monómeros flavanol e flavanediol.
dem-se em hidrolisáveis e não hidro- dinas, considerando-se a reacção as proteínas e glicoproteínas da sali-
lisáveis ou pirocatéquicos (ou de apenas característica na análise para va que precipitam com os taninos,
condensação). São estes últimos que detecção das leucoantocianidinas deixando de cumprir o seu papel de
existem na uva e na vinha. No en- (fig.20). lubrificantes da cavidade bucal, daí
tanto são os primeiros que se encon- Os taninos são muito reactivos resultando adstringência. É ainda
tram geralmente no comércio, sendo com as proteínas, formando com- esta característica que faz dos tani-
a sua adição ao vinho legal, embora postos de elevado peso molecular, nos inibidores enzimáticos, por
sem vantagens na maioria dos casos. que precipitam. Essa característica combinação com a fracção proteica
A sua estrutura é derivada do ácido determinante no papel que os tani- dos enzimas.
gálico ou da lactona do seu dímero, nos desempenham no vinho: por O grau de polimerização dos
o ácido elágico (fig.18). um lado eles facilitam a clarificação taninos no vinho aumenta com a
Estas moléculas estão unidas espontânea ou por colagem com idade. No entanto a estrutura des-
por ligações glucídicas com a glucose proteínas (albuminas, sangue de ses polímeros não é ainda bem co-
ou com os seus poliósidos (glucosa- boi, etc.); por outro conferem aos nhecida. Sabe-se que o seu peso
nas) derivados. vinhos que os contêm em abundân- molecular aumenta de entre 500-
Ao contrário dos anteriores, os cia o seu sabor adstringente tão ca- 800, nos vinhos novos, até aos
taninos da uva e do vinho são com- racterístico. Neste último caso, são 3000-4000 nos vinhos velhos.
postos de estrutura flavanóide poli-
merizada (fig.19). Mais exactamen-
te são polímeros de 3-flavanol-cate- OH OH
quinas e, sobretudo, de 3,4-flavane-
dióis, as leucoantocianidinas. Estas
ultimas dão, por aquecimento em HO
meio ácido na presença de ar, as an-
tocianidinas, de que já falámos. Esta
reacção não tem, no entanto, signi-
ficado do ponto de vista biológico, OH
não devendo os taninos ser conside-
Fig. 20 - Reacção característica das leucoantocianidinas. flavanediol.
rados como derivados das antociani-
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qualidade alimentar).
Estão neste caso os compostos não é de admirar visto que as leve- do cacho, impede essa dissolução.
azotados. Em geral, o enólogo dese- duras consomem durtante a fer- Apenas contêm os compostos origi-
ja que eles não estejam presentes mentação entre 60 e 70% do azoto nários da polpa da uva que são so-
no vinho acabado, ou quanto total do mosto. bretudo aminoácidos e péptidos e o
menos melhor. Isto porque eles são Nos vinhos tintos a quantidade catião amónio.
um factor de risco na conservação, de compostos de nitrogénio é maior O catião amónio diminui de
devido a instabilidade microbiológi- do que nos brancos devido a dife- concentração no bago de uva ao
ca que trazem consigo porque possi- rença das técnicas de vinificação. A longo da maturação, enquanto cres-
bilitam o metabolismo de leveduras maceração das películas e dos enga- cem os aminoácidos em número e
e microorganismos, sempre presen- ços, nos primeiros, conduz a uma em quantidade. A L-prolina é o
tes no vinho feito. A esterilização, grande dissolução dos compostos mais abundante. É também dos
para além dos problemas técnicos e azotados, que aí abundam, no mais abundantes no vinho feito por
de custo que levanta, não se pode mosto. Nos segundos, a separação ser pouco metabolizável pelas leve-
fazer sem prejuízo irrecuperável das imediata do sumo das partes sólidas duras. Estas produzem, ainda, du-
qualidades organolépticas do vinho.
O grupo dos compostos azota- Quadro 1 As vitaminas do vinho
-
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tação. Chama-se ainda aroma varie- ções que variam entre os 2 e os 30 uva e do vinho, mas é comum a
tal ao que é específico da casta mg/I. todos os sumos de frutos e seus pro-
(como no caso do Loureiro, referido Os outros produtos voláteis dutos de fermentação.
acima). com origem na fermentação exis-
tem em concentrações inferiores, Aroma varietal
Aroma fermentário com excepção dos que constam na É o aroma específico da casta.
A fermentação é a maior fonte tabela acima, e em especial o acetal- Já nos referimos à importância que
de compostos voláteis do vinho e o deído cuja concentração pode ir de os compostos terpénicos têm no
aroma que daí resulta é, de certo 10 a mais de 100 mg/1. aroma das variedades moscateis.
Eles têm sido encontrados, além
disso, em todas as castas aromáticas.
Quadro 3 - Os principais compostos voláteis do vinho. Estes compostos podem surgir, no
Alcoóis Ésteres Outros entanto, de duas maneiras: em
etanol
acetato de etilo acetato de 2-teniletilo acetaldefdo parte existem já na uva como subs-
álcool isoamflico
acetato de isoamilo lactato de etilo
acetofna tâncias odoríferas (geraniol, nerol, li-
2-feniletanol
octanoato de etilo succinato de etilo
diacetilo nalol,...); noutra parte, são liberta-
dos, como também vimos, durante a
isobutanol hexanoato de etilo 4-hidroxibutanoato y-butirolactona
de etilo fermentação dos heterósidos terpé-
propanol propanoato de etilo malato de etilo ácidos gordos nicos. Neste caso chamam-se subs-
2-butanol rutanoato de etilo tâncias odorígenas ou precursoras de
1 - butanol aroma.
3-metiltiopropanol Ao grupo dos odoríferos per-
tencem também algumas pirazinas
nas quais se inclui a 2-metoxi-3-iso-
butilpirazina, aroma intenso que
modo, a base aromática comum a Aroma pre-fermentário existe, por exemplo, na bem conhe-
todos os vinhos. Provém em grande parte de cida casta bordalesa Cabernet-Sau-
As leveduras formam variadís- compostos de cadeia em C-6 (hexa- vignon. Este composto degrada-se,
simos compostos voláteis (quadro nol, cis e trans-hexanol e álcoois no entanto, rapidamente com a luz
3); a maioria são alcoóis e ésteres. correspondentes). Formam-se a durante a maturação, restando ape-
Além do etanol, formam-se também partir dos ácidos linoleico e linolé- nas uma pequena quantidade na
alcoóis isoamíllicos, 2-feniletanol, nico existentes na uva, sob a acção uva no momento da vindima.
isobutanol, propanol, 2-butanol, 1- de enzimas, na presença do ar Os ésteres etílico e metílico do
butanol, 3-metiltiopropanol, em (fig.21). Os aromas daí resultantes ácido antranílico são, por sua vez,
concentrações que variam entre os são herbáceos e de má qualidade. associados às furanonas, os respon-
0,15 e 0,5 g/1, com excepção do úl- nesta fase que os heterósidos sáveis pelo cheiro característico do
timo que existe apenas entre 0,5 e 2 de terpinóis das castas aromáticas vinho americano.
mg/I. são hidrolisados libertando as agli- Recentemente, crê-se que uma
Quanto aos ésteres, os mais conas terpénicas. As pectinas (polió- grande variedade de aromas identi-
abundantes são os que resultam da sidos da galacturose) também, por ficados no vinho de longa data
esterificação dos ácidos do vinho acção enzimática, libertam metanol. (mel, violetas, petróleo, fumo, etc.)
pelo etanol. Existem em concentra- Este fenómeno não é específico da resultam de substâncias carotenói-
ácido linoleico
COOH
COOH
ácido Underlie°
Fig. 22 - Acidos cis,cis-9,12-octadecadienoico (linoleico) e cis,cis,cis-9,12,15-octadecatrienoico (linolénico). Ambos são precursores dos aromas pré-fermentários, herbáceos
e de má qualidade.
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artigo
CH3 CH3
CH2OH
CH3
CH3
nerol (Z)
CH2OH
geraniol (E) I
\CH2OH
H3C CH3 H3C CH3
limoneno citronelol
(p.e.230°C) (p.e.177°C)
0,3 mg/I H3C CH3 (P.e.222°C)
CH3 ?
CH3
H C OH
a-terpineol
linalol
(p.e.21 9°C) ,,N/CH2 OH
I (p.e.198°C)
0,1 mg/1
0,8 mg/I
CH3 farnesol
H3C CH3 (p.e.203°C)
Fig. 23 - O aroma varietal das castas moscatéis tem origem nos compostos terpénicos.
NOTAS BIBLIOGRAFIA
des (carotenos e xantofilas) e de
ácidos fenólicos. Os carotenos, pre-
** perceptível sensorialmente pelo provador. R.Baumes, "Six cents corps pour un bouquet", Science
sentes em doses que podem ir de 1 et Vie, n' 156 (hors série), Setembro, 1986,134.90.
a 2 mg/1 no mosto, são pelo menos, 1 Enologia: conjunto das ciências e técnicas ligadas
importantes percursores de aroma. produção, análise e melhoramento do vinho.
L. Campos, "Manual de Bioquímica", Biblioteca Uni-
Quer dizer, embora eles próprios versitária, Pub.Europa-América, Lisboa.
São quatro essas características: aroma, boca (pala-
não sejam possuidores de aroma
dar), cor e brilho.
vão no entanto sofrer reacções, fre- T.P. Coultate, "Food-The Chemistry of its Components",
quentemente catalisadas por enzi- 3 Na Alemanha, por exemplo.
The Royal Society of Chemistry, London, 1984.
são próprios, nas uvas das diferentes uma prática tão comum quanto sensível, se feita racio- nicos e Científicos Lda., Lisboa, 1982.
" Universidade do Minho 9 Com excepção do ácido múcico, que aparece quando C. Ricardo, A.Teixeira, "Moléculas biológicas", Didácti-
Guimarães as vindimas vêm atacadas de botrytis cinera (podridão).
ca Editora, Lisboa, 1977.
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