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Aprendendo a Química do Vinho

JOÃO PEDRO ALPUIM*

Faz-se aqui uma travessia pela sem a intervenção humana, a natu- Um outro aspecto importante na
química do vinho em que se reza não nos deixaria pinga de vinho análise do vinho cujos progressos re-
abordam alguns dos seus aspectos intacto, pois, mais ou menos rapida- centes têm sido muito importantes é
mais importantes do ponto de mente, todo o vinho evolui natural- o do estabelecimento de correlações
vista enológico. Os diferentes mente para vinagre. entre as propriedades organolépticas
compostos que constituem o Assim, desde que o homem do vinho, ou seja, as características
vinho e a sua química são, por colhe uvas e as esmaga, ou as deixa perceptíveis pelos nossos sentidos2 —
isso, discutidos na medida em fermentar inteiras, com o objectivo e que justamente lhe conferem o tí-
sejam responsáveis ou concorram de obter vinho, tem-se visto a braços tulo de bebida mais nobre entre
para determinada propriedade corn a dificuldade, e esta não é pe- todas — e o seu fundamento quími-
organoléptica". Assim, depois de quena, de o conservar para beber, co-físico. Será tendo em conta este
uma passagem rápida pelos ou, pior ainda, transportar para ser último critério que iremos tratar, em
processos biotecnológicos da bebido por outros, noutros locais. traços gerais, da composição do
fermentação, descrevem-se, A compreensão racional do pro- vinho neste trabalho.
sucinta e sucessivamente, os cesso da conservação do vinho só o É ainda apenas através da análi-
processos e as substâncias do desenvolvimento da química e da se química que é possível detectar a
paladar doce, do paladar ácido, microbiologia puderam permitir. De maior parte das fraudes no fabrico do
onde se discutem os conceitos facto, quando hoje sabemos que vinho. Embora não seja esse o tema
enológicos de acidez e se existem no vinho mais de 600 com- que nos ocupa aqui, importa, no en-
compara com o de pH, e do postos químicos diferentes, incluindo tanto, salientar que, conquanto a
paladar salgado; seguem-se os todas as funções mais importantes da classificação de fraudulentos duma
compostos e os processos da cor, química orgânica, quando nos aper- grande parte dos processos que o
as substâncias da nutrição e, cebemos da variedade microbiológica são, não ofereça dúvidas e seja per-
finalmente, o problema do aroma, eventualmente existente num tonel feitamente clara e definitiva — trata-
e alguns compostos com ele de vinho, não podemos deixar de -se de falsificações — outros casos há
relacionados são abordados. sorrir perante as dificuldades encon- em que a fronteira não é tão nítida e
tradas pelos nossos antepassados ro- a classificação de um processo como
manos e outros, muito mais recente- fraudulento pode variar mesmo de
1. APRESENTAÇÃO mente, ao tentarem conservar com país para país.
saúde as suas ânforas, pipas, almudes Por exemplo, enquanto que em
O vinho é uma bebida muito ou garrafas contendo o Precioso pro- Portugal é proibido o enriquecimen-
antiga. Era já um hábito alimentar duto das suas colheitas. to do mosto - seja sob a forma de
entre os sicilianos, no ano 2000 a.C.. A química do vinho é, assim, adição de sacarose ou de mosto con-
Os egípcios conheceram-no e bebe- qualquer coisa de complexo que centrado - com vista ao enriqueci-
ram-no muito cedo. Na ilíada e na ainda hoje não é totalmente conheci- mento alcoólico do produto final,
Odisseia, Homero refere-se sempre ao da, embora as modernas e poderosas noutros países mais setentrionais3
vinho nos banquetes dos seus heróis. técnicas espectroscópicas e cromato- essas técnicas são geralmente aceites
Os romanos iriam transportar consi- gráficas, por exemplo, tenham permi- e, até, imprescindíveis. Foi um quí-
go a técnica da cultura da vinha du- tido em anos recentes avanços gigan- mico francês do século passado,
rante a expansão do seu império. tescos na compreensão dos processos Chaptal, quem a descobriu e lhe con-
No século III d.C. as zonas vi- naturais que se produzem no interior cedeu a importância que tem nessas
nhateiras da Europa eram já, sensi- do vinho (no princípio deste século, regiões de clima mais frio e pouco
velmente, as mesmas de hoje. apenas se conheciam pouco mais de soalheiro onde é autorizada.
O vinho existe, portanto, há meia dúzia de substâncias como Noutros casos, a fronteira entre
muito mais tempo do que a química constituintes do vinho; há 40 anos, o legal e o fraudulento situa-se ao
e do que a ciência moderna. Ele é, cerca de 50; hoje, mais de 600). nível da concentração em determina-
no entanto, um produto quimica- Na determinação das caracterís- do composto, apresentada pelo
mente complexo! É, também, um ticas químicas de um vinho estão so- vinho. Está neste caso o teor em me-
produto natural e como tal deve ser bretudo envolvidas a Química Analí- tanol; está neste caso ainda o teor em
bebido. tica e a Química-Física. Isto porque o dióxido de enxofre, adicionado como
A definição enológica' e legal do vinho é uma solução e, assim, a sua conservante, ainda hoje insubstituí-
vinho diz-nos que é o produto obtido química é determinada não só pela vel no conjunto das técnicas de esta-
exclusivamente pela fermentação al- sua composição analítica, mas tam- bilização e conservação de qualquer
coólica, total ou parcial, de uvas fres- bém pelo jogo dos equilíbrios quími- tipo de vinho.
cas ou do mosto de uvas frescas. Não co-físicos envolvidos, equilíbrios Os teores máximos autorizados
é, em todo o caso, menos verdade — ácido-base, equilíbrios de oxidação- em SO2 livre (gasoso) dissolvido no
e disso se ocupa a enologia — que, redução, de solubilidade, etc. vinho, variam entre Os 70 e os 100

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mg/I, conforme os tipos de vinho. dos, entre os quais se contam perto Existem também pentoses no
Acima destas concentrações, o empre- de 200 ésteres, 140 ácidos, 50 alcoóis mosto das uvas, sob formas combi-
go do dióxido de enxofre é proibido. e compostos de carbonilo, cerca de nadas, que são libertadas durante a
A título de curiosidade, consta 30 compostos azotados, 20 acetais, fermentação. No entanto, as pento-
que foi de uma tentativa de estabili- lactonas, fenóis e compostos sulfura- ses não são fermentadas pelas leve-
zação dos vinhos do Douro exporta- dos e ainda 10 furanos e epóxidos. duras. Glucose e frutose formam o
dos e muito apreciados em Inglater- dissacarido sacarose (fig.2).
ra, mas muitas vezes deteriorados
durante o transporte, que surgiu o 2. A BIOTECNOLOGIA CH2OH
Vinho do Porto. A ideia era conser- O CH2OF
var os vinhos por adição de uma O vinho é o produto da fermen-
grande quantidade de álcool vínico tação alcoólica do sumo de uvas fres- o OH
(aguardente) tornando o produto cas. A fermentação alcoólica é o pro- HO OH HOH2C
mais estável. A graduação alcoólica cesso microbiológico através do qual
seres vivos unicelulares — as levedu- OH
habitual seria mais tarde recuperada. OH
Sucedeu, no entanto, que os vinhos ras — obtêm a sua energia vital. A
enriquecidos com aguardente se tor- fermentação é apenas um dos pro-
naram mais apreciados ainda pelos cessos que pode fornecer energia aos Fig. 2 - A sacarose é o diósido não redutor de
glucose e frutose.
ingleses do que os próprios vinhos micro-organismos. O outro é a respi- A glucose está na forma a-piranose e a frutose,
de base, originando assim a grande ração, mais rentável em termos na forma p-furanose. A sacarose é, por isso,

procura e comércio do hoje famoso energéticos, mas que se dá apenas na 1 -a-D-glucopiranosi 1-!3-D-frutofu ranósido.

Vinho do Porto. presença e com a utilização do oxi-


Seguidamente referir-nos-emos génio do ar. À respiração anaeróbia Os açúcares são produtos da fo-
aos constituintes químicos do vinho, (sem ar) chama-se fermentação; tossíntese nas folhas da videira e
agrupando-os segundo o critério como coloca menos energia ã dispo- existem como alimento de reserva
acima referido e que consiste em sição das células dos micro-organis- no material lenhoso da planta. A sa-
considerá-los na perspectiva da sua mos, estes têm de aproveitar toda a carose é, no entanto, hidrolisada a
contribuição para os factores organo- "matéria prima" ao seu dispôr. No glucose e frutose e o amido em glu-
lépticos. Em muitos casos há uma caso da fermentação alcoólica, as le- cose, sendo estes dois monossacári-
correspondência exacta e estrita veduras transformam todo o açúcar dos que migram para o bago de uva
entre as características sensoriais do disponível em álcool. Os açúcares onde são armazenados ao longo da
vinho e os compostos químicos que fermentáveis existentes no mosto maturação. Ambos são da série D, na
lhes dão origem. Outras vezes, um são a glucose e a frutose. O álcool videira e no mosto. Existem nas for-
mesmo composto ou família de com- produzido pelas leveduras é o etanol. mas piranose (anel de 6 membros) e
postos influi sobre aspectos diversos A glucose é uma aldo-hexose furanose (anel de 5 membros), e, em
e totalmente distintos do ponto de (cadeia em C-6) e a frutose é uma solução, formam uma mistura dos
vista da análise sensorial. ceto-hexose (fig.!). isómeros a e 13 (figs.3 e 4).
Sucede ainda que uma determi- Na uva verde há mais D-glucose
nada característica organoléptica de do que D-frutose. Contudo, ao longo
H
um vinho é frequentemente o resul- o da maturação a relação GLU/FRU di-
tado da combinação particular de \ , CH2OH
minui e, na uva madura de casta eu-
c
uma certa composição química e ropeia, a razão G/F é de 0,95. As le-
O
aquilo que impressiona os nossos H OH veduras vão, ainda, fermentar muito
sentidos é o resultado não de uma, HO H
mais rapidamente a glucose do que a
mas de um conjunto de moléculas HO H frutose, de forma que a relação baixa
químicas que simultaneamente con- OH sempre até ao fim da fermentação.
correm para o efeito observado. H OH Por isso, nos vinhos com fermenta-
Permita-se-nos, ainda, relem- H OH ção interrompida ou nos traços de
brar que este não é um trabalho H OH açúcares redutores por fermentar dos
exaustivo sobre a constituição quí- CH2OH vinhos secos4 a razão GLU/FRU
CH2OH muito pequena. Esta constitui, alias,
mica do vinho e que, por outro
lado, a lista final dos seus constitu- a forma de detectar se o mosto foi
(A) (B)
intes não se encontra tão pouco enriquecido por adição de sacarose.
concluída. A transformação dos açúcares
Assim, faremos referência ape- Fig. 1 - Glucose (A) e frutose (B) são os principais redutores em etanol faz-se através
nas a alguns daqueles cerca de 600 açúcares da uva. A glucose é uma aldohexose de uma complexa série de mais de
e a frutose é uma cetohexose.
compostos actualmente já identifica- 30 reacções químicas sucessivas,

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cada uma das quais é catalizada por avanços mais importantes na bio- OH
um enzima específico, fazendo parte tecnologia do vinho residem actual-
da ferramenta biológica das levedu- mente no estudo desta fermentação CH2OH
ras. Cada uma destas reacções vai e na preparação e venda de culturas H OH O
produzindo também produtos se- das espécies de bactérias lácticas
HO HO
cundários que depois se vão encon- mais favoráveis, sobretudo em ter-
HO H OH
trar no vinho em maior ou menor mos do controlo da formação de H OH
concentração (sempre muito baixa, produtos secundários. Existem vári-
H
em comparação com o etanol). Al- os tipos de bactérias lácticas (bacilos OH
guns destes são a glicerina, os ácidos e cocos) no vinho e as condições CH2OH
succínico, acético, láctico e pirúvico, óptimas de cultura variam com as (A) (B)
o acetaldeído, polialcociis e urn espécies, o que também constitui
grande número de outras substânci- factor de escolha, de acordo com a
Fig. 3 - Estrutura cíclica da glucose,
as presentes em quantidades muito composição do vinho cuja fermen- a-D-glucopiranose.
pequenas. A fermentação produz tação se pretende. Representações de Tollens (A) e de Haworth (B).
ainda CO2 que se liberta sob a
forma de gás, ficando ainda assim
uma pequena parte dissolvida no 3. OS COMPOSTOS QUÍMICOS
CH2OH
vinho. Foi Lavoisier quem mostrou DO VINHO
que o açúcar se tranformava em ál- HO
HOH2C
cool e dióxido de carbono e foi a 3.1 As substâncias HO H O
propósito da fermentação que ele do paladar doce
formulou o célebre princípio da quí- H OH CH2OH
Hmica de que na natureza tudo se O etanol é, depois da água, o
OH
transforma. Gay-Lussac procurou constituinte maioritário do vinho:
CH2OH
depois quantificar a relação açúcar, nos vinhos de mesa o seu teor varia
álcool e dióxido de carbono, mas foi entre 8,5% e 14% em volume, e é (c) (D)

Pasteur quem se apercebeu que superior a 17% nos vinhos genero-


apenas cerca de 90% do açúcar sos. Ele determina, juntamente com Fig. 4 - Estrutura cíclica da frutose,
P-D-frutofuranose.
dava álcool e CO2, o resto originan- a água, as características do meio6. Representações de Tollens (C) e de Haworth (D)
do todos os outros produtos secun- As constantes de ionização dos áci-
dários. A fermentação alcoólica dos têm valores diferentes no etanol
pode ou não ser seguida, no vinho, e assim, o pH do meio é influencia- de produzir mostos suficientemente
da fermentação maloláctica do ácido do pela presença deste. O sabor do açucarados, mesmo em anos favorá-
málico pelas bactérias lácticas. Esta etanol, alias como o de muitas ou- veis, o que quase sempre é um indi-
fermentação, que se dá espontânea- tras substâncias cujas moléculas cador de falta de aptidão para produ-
mente se o vinho for suficiente- contêm muitos grupos OH como zir vinhos de qualidade.
mente rico em ácido málico (uvas função principal, é adocicado e rela- O terceiro composto em abun-
não excessivamente maduras), tiver tivamente macio na boca. Como se dância no vinho é o glicerol (figs),
pH favorável (4-5) e concentração disse, ele é de longe o principal pro- que se forma durante a fermentação
suficiente de aminoácidos e vitami- duto da fermentação alcoólica alcoólica. A sua concentração no
nas necessárias ao desenvolvimento (cerca de 90%) dos açúcares do vinho varia entre 6 e 15 tam-
das bactérias lácticas, consiste numa mosto. bém urn factor de qualidade porque
transformação do ácido málico em O teor em etanol de um vinho é confere macieza ao vinho e porque
ácido láctico com libertação de dió- função do estado de maturação das atesta uma fermentação bem condu-
xido de carbono e formação de uma uvas que lhe deram origem e, por- zida (temperatura, acidez, arejamen-
pequena quantidade de ácido acéti- tanto, da sua riqueza em açúcares to, sulfitação7).
co, entre outros produtos. fermentáveis. O teor em etanol está, interessante o facto de as uvas
O principal interesse desta fer- também, estreitamente associado a podres conduzirem a um enriqueci-
mentação, praticada sempre nos vi- qualidade do vinho, embora não seja mento em glicerol. Isto deve-se ao
nhos tintos que se destinam a enve- o único factor desta. Mas urna con- facto de o fungo da podridão, botrytis
lhecer bem como em certos vinhos centração em etanol suficientemente cinerea, produzir glicerol a partir dos
jovens de elevada acidez, reside no alta indica um ano de boa matura- açúcares do mosto.
abaixamento da acidez titulável e ção, corn todos os fenómenos favorá- Os outros compostos que contri-
no aumento do pH, visto que o veis que lhe estão associados. Por buem para o paladar doce são, natu-
ácido láctico é mais fraco do que o outro lado, nem todas as variedades ralmente, os açúcares e, também, os
ácido málico5. Alguns dos estudos e de videiras nem de solos são capazes polióis deles derivados (fig.5).

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CFi2OH CH2OH no mesmo vinho, o pH varia ao
CH2OH CH2OH longo da fermentação e, depois, du-
H OH HO H rante a conservação.
HO H OH
H HO H Citaremos alguns fenómenos
H OH HO H muito importantes em enologia e
HO H H OH
que dependem do pH:
H OH H OH
H OH H OH (i) O sabor que apresentam os
CH2OH CH2OH ácidos do vinho depende do pH (mas
CH2OH CH2OH
não só, como veremos). Por outro
arabitol xiFrtol sorbitol manitol
lado, uma concentração elevada de
iões H+ transmite ao vinho um pala-
HON H
dar "magro" (delgado) e seco.
CH2OH (ii) As diversas bactérias não
HO /C OH conseguem atacar os constituintes do
H OH
H OH vinho que lhe são específicos se o pH
o-L-ramnose
OH OH for demasiado baixo. Mesmo que
CH2OH HO H
seja suficientemente alto, o resultado
OH OH do ataque é diferente, consoante o
Glicerol H pH.
CH3 Por exemplo, a pior doença que
pode acontecer a um vinho, a
CHO CHO
"volta", que é a decomposição do
ácido tartárico pelas bactérias, só
HO H HO H OH ocorre a pH superior a 3,5. A fer-
mentação maloláctica — de grande
H OH HO H
OH OH HO OH OH importância, como se referiu — em-
H OH H OH
bora ocorra a todos os valores de pH,
OH OH é, no entanto, facilitada por um
CH2OH CH2OH valor mais alto de pH.

(iii)As casses férricas e cúpricas,
D-arabinose a-L-arabinose D-xilose a-D-xilose
que são precipitações de compostos
OU de complexos insolúveis de ferro
Fig. 5 - As moléculas das substâncias do paladar doce.
III e cobre II, ocorrem a urn pH ópti-
mo entre 3,0 e 3,5.
Os açúcares são os residuais da 3.2 As substâncias (iv)As precipitações de bitarta-
fermentação (glucose e frutose) e as do paladar ácido rato de potássio (sarro) que são um
pentoses não fermentáveis entre as dos acidentes mais vulgares, sem
quais se contam a arabinose, a ram- Em enologia, nenhuns dos três gravidade, que ocorrem com qual-
nose e a xilose (fig.5). Uma pequena conceitos de acidez habitualmente quer vinho, têm um pH de probabili-
parte das duas primeiras bem conto usados— acidez fixa, acidez volátil e dade máxima de ocorrência a cerca
um pouco de glucose pode resultar acidez total — corresponde ao pH. de 3,6.
da hidrólise enzimática (pelas glicosi- No entanto, é o pH que controla mu- (v) Por arejamento, o sulfito
dases da uva) ou química de heteró- itos dos processos químicos que têm utilizado como conservante e antio-
sidos polifenólicos ou terpénicos. De influência nas características sensori- xidante no vinho, é oxidado a sulfa-
todos os açúcares a glucose é o que ais do vinho. Por isso, o conheci- to, o que baixa o pH do vinho por
tem maior poder edulcorante (mais memo e o controlo do pH do vinho ser o anião de um ácido forte, levan-
do que a sacarose). tornam-se cada vez mais importantes do-o a "secar". Esle termo é usado
Os polióis derivam das hexoses para o enólogo. De facto, é este o para traduzir a sensação gustativa
e das pentoses, encontrando-se no único conceito que descreve a acidez que ocorre quando se prova um
vinho sorbitol e manitol, provenien- real, efectiva, correspondente à con- vinho com pH muito baixo. É por
tes das primeiras, e arabinol, xilitol e centração do ião H+ em solução. isto que os vinhos brancos não
adositol, com origem nas segundas. podem conservar-se em cascos de
O manitol pode aparecer em maiores 3.2.1 0 pH do vinho. madeira (onde a oxidação se dá a
concentrações em vinhos doentes, O vinho tem pH ácido, variando um ritmo acelerado).
em que alguma frutose tenha sido entre cerca de 2,8 e 3,8. Ou seja, a (vi) O poder anti-séptico e o
fermentada por bactérias lácticas he- concentração IF1+1 pode variar numa cheiro que o dióxido de enxofre con-
terofermentárias. proporção de 1 para 10. Além disso, fere ao vinho aumentam muito com

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a concentração em iões H+, visto que sobretudo em vinho jovens, teste- A acidez fixa é um dos critérios
a fracção não dissociada de SO2 dis- munham acidentes na fermentação para distinguir vinhos produzidos em
solvido é maior. alcoólica ou ataques bacterianos. diferentes regiões vinícolas e, por
Estes resultam das bactérias acéticas esse motivo, também ela é regula-
3.2.2 Acidez fixa, volátil e total que, em aerobiose — quando o mentada nos D.O.C.8.
Em enologia, a acidez total cor- vinho fica exposto ao ar — oxidam o A relação entre acidez fixa e
responde à acidez titulável; dá, por- etanol a ácido acético. Este processo teor em etanol influi decisivamente
tanto, informação sobre a concentra- químico conduz também â formação na sensação de conjunto que o vinho
ção analítica da totalidade dos ácidos de acetato de etilo, indesejável pelo produz na boca do provador, e mui-
presentes no vinho, dissociados ou cheiro desagradável e sabor picante tos outros exemplos seriam possíveis
não. que traz ao vinho. que ilustram a utilidade de tais con-
Como a maior parte dos ácidos As bactérias lácticas heterofer- ceitos de acidez na prática quotidia-
do vinho são ácidos orgânicos e, por mentárias são também susceptíveis na do enólogo.
isso, relativamente fracos, eles en- de atacar, na ausência de ar, diversos O emprego generalizado do
contram-se em equilíbrio com as outros constituintes do vinho, com SO2, como conservante, bem como a
suas bases conjugadas numa exten- formação de ácido acético. dissolução do CO2 originário das fer-
são dada pelos respectivos pKa. Devi- Estes conceitos enológicos de mentações, conduz a um ligeiro au-
do à presença de catiões metálicos e acidez são urn tanto formais do mento da acidez total e volátil, por
de NH4+, eles podem precipitar sob a ponto de vista químico, no entanto, formação dos ácidos sulfuroso e car-
forma de sais numa extensão contro- eles são úteis na análise do vinho e bónico. Estes teores devem ser deter-
lada agora pelos respectivos Kps. A na dedução de critérios de qualidade minados e descontados quando se
fracção que se encontra na forma de de vinificação e de controlo da con- faz a determinação da acidez.
sal não contribui para a acidez total. servação e do envelhecimento. Os ácidos da acidez fixa têm ori-
O enólogo considera ainda a Quando, por exemplo, se produz gem na uva ou são produtos da fer-
acidez total como a soma da acidez aguardente por destilação do vinho, mentação. Os mais importantes são,
fixa e da acidez volátil. A primeira, é toda a acidez volátil passa ao destila- no primeiro caso, os ácidos tartárico,
constituída pelos ácidos orgânicos do enquanto os ácidos da acidez fixa málico e cítrico; no segundo caso, os
não voláteis, não ionizados, presen- ficam no resíduo. ácidos láctico e succínico. Os outros
tes no vinho. A segunda, pelos áci- Os teores máximos de acidez vo- ácidos existentes no vinho têm con-
dos voláteis obtidos por destilação di- látil são regulamentados por lei, para centrações muito baixas (< 0,1 g.1-l)
recta ou por corrente de vapor. defesa do consumidor. Em Portugal, a com excepção dos ácidos urónicos
Os principais ácidos que contri- acidez volátil não pode ser superior a derivados dos açúcares, alguns dos
buem para a acidez fixa são os ácidos 1,2 g•1-1 expressa em ácido acético. quais podem aparecer em quantida-
orgânicos originários da uva e da(s)
fermentação(ões). Os ácidos inorgâ-
nicos, existentes em pequena quan- COOH COOH COOH
tidade, estão totalmente na forma de H2C—COOH
sais ao pH do vinho e contribuem, CHOH CH2 CH2
HOC— COOH
assim, para o paladar salgado, não CHOH CHOH CH2
tendo paladar ácido. H2C— COON
Os ácidos voláteis são o ácido COOH COOH COOH

acético e os ácidos carboxílicos alifá- ácido tartaric° ácido málico ácido sucdnico ácido cítrico
ticos da série acética. Todos eles pos-
suem um aroma rançoso e picante H 0 H 0
(ácidos fórmico, propiónico, butírico, C COOH
etc.).
O teor em ácido acético no H OH H OH H OH
vinho dá-nos uma indicação sobre o HO H HO H HO H
seu "estado de saúde" actual e sobre
as doenças que teve no passado. De HO H H OH H OH
facto, forma-se sempre algum ácido
H OH H OH H OH
acético durante as fermentações al-
coólica e maloláctica, caso esta se COON COOH CH2OH
tenha dado. No entanto estes teores
ácido galacturónico ácido glucurónico ácido glucónico
são pequenos, da ordem dos 0,2 a
0,3 g.1-1 (0,4 0-1 se tiver havido ma-
Fig. 6 - Alguns ácidos do vinho.
loláctica). Teores superiores a estes,

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des superiores a 2 g.1-1 (ácidos galac- Em certos casos de insuficiência COOH COOH
turónico, glucónico, tetrahidroxiadí- de acidez, a lei autoriza a adição de
pico e glucurónico) (fig.6). ácido tartárico. A terrível doença da
Os fenóis e compostos fenólicos, volta, hoje totalmente erradicada se a _
ácidos, são responsáveis no vinho vinificação for racionalmente conduzi- H— Fi3 HO — "CH
não pelo sabor ácido, mas pelo sabor da, consiste na degradação do ácido
HO H
adstringente e amargo. Serão trata- tartárico nos ácidos acético e láctico ou D(-) L (+)
dos â parte. acético e succínico, conforme o ataque
provenha da bactéria lactobacillus plan- Fig. 8 - Enantiómetros do ácido láctico.
3.2.3 Os principais ácidos tarum ou da bactéria lactobacillus brevis.
do vinho.
O ácido málico A detecção dos ácidos voláteis no
O ácido tartárico Abundante na uva verde, o ácido vinho, ou dos ésteres seus derivados
É o principal ácido do vinho (2 málico vai diminuindo ao longo da funcionais, tem prosseguido com ra-
a 5 0-1). É também o ácido específi- maturação até cerca de 1 a 8 g.1-1 no pidez crescente nos tempos mais re-
co da uva e do vinho. A não ser mosto. As leveduras degradam tam- centes, sobretudo devido ao uso ge-
aqui, encontra-se muito pouco na bém uma pequena parte (entre 10 e neralizado da cromatografia em fase
natureza. 25% do total) em ácido pirúvico, que gasosa na análise enológica. Conta-se
Dos cinco ácidos que citaremos entra depois no ciclo da fermentação hoje por algumas centenas o número
é o mais resistente ao ataque pelas alcoólica e dá etanol. Quando se pra- desses compostos já detectados no
bactérias e é também o mais forte. É, tica a fermentação maloláctica, ele é vinho, alguns em muito pequenas
além disso, o único que põe proble- transformado pelas bactérias lácticas concentração ou apenas vestígios.
mas na estabilização do vinho por em ácido láctico L (+).
causa dos seus sais pouco solúveis9. 3.3 As substâncias do paladar
Com efeito, o enriquecimento em O ácido láctico salgado
álcool do vinho em relação ao Não existe na uva. É formado
mosto, diminui a solubilidade dos pelas leveduras pela via do ácido pi- Como se disse, estas substâncias
tartaratos (de cálcio, sobretudo) e rúvico na fermentação alcoólica (0,2 são os sais dos ácidos inorgânicos
bitartaratos (de potássio), ocorrendo a 0,4 g4-l) ocorrendo em qualquer parcialmente ionizados. A sua deter-
precipitações por vezes quando vinho, pelo menos nessas concentra- minação quantitativa faz-se pela
menos se desejaria (quando se põe ções. identificação dos catiões metálicos
uma garrafa de vinho no frigorífico, Nos vinhos submetidos â fer- encontrados nas cinzas do vinho.
por exemplo). O uso de linhas de mentação maloláctica, a concentra- Estas, por sua vez, resultam da com-
frio e técnicas de centrifugação e fil- ção vem acrescida de 1 a 2,5 No bustão do extracto seco, que é o que
tração tem-se mostrado eficaz na so- entanto, outras reacções indesejáveis se obtém quando se evapora o vinho
lução deste problema. Muito útil é desencadeadas por ataque bacteriano â secura.
também o emprego do ácido meta- podem ocorrer, também com forma- Todas as substâncias minerais
tartárico que se adiciona antes do ção de ácido láctico (por exemplo, encontradas foram absorvidas pela
engarrafamento e que actua como no caso citado da volta do vinho). videira (sobretudo do solo) e aquelas
um col6ide protector: ele liga-se aos Nestes casos — teores superiores que se encontravam no bago da uva
centros de nucleação dos cristais de a 3 g.1-1— o vinho está estragado. na altura da vindima passaram ao
bitartarato, envolvendo-os e impe- O ácido láctico formado pelas mosto e, depois, ao vinho.
dindo o seu posterior crescimento, leveduras é sobretudo o enantióme- Dos catiões presentes nas cinzas,
inibindo a precipitação. tro D (-). Ao contrário, o L (+) é o como carbonatos e óxidos, o K+ é de
único produzido pelas bactérias. longe o mais abundante (0,5 a 2,0 g-I-
I) seguido de Ca2+ e Mg2+ (50 a 150
COOH COOH O ácido succinico mg.1-1). O cálcio é mais abundante do
É um produto da fermentação que o magnésio, na uva. No entanto
HO H H OH alcoólica. Pode também formar-se a esta relação aparece invertida no
partir dos ácidos glutâmico e málico. vinho, devido à precipitação do tarta-
H OH OH H Ao contrário dos anteriores, ele é rato de cálcio durante a conservação,
muito estável aos ataques bacteria- sobretudo a baixa temperatura.
COOH COOH O sódio, Na, existe no vinho
nos. Além disso, o seu paladar não
L (+) verdadeiramente ácido, mas antes em concentrações da ordem da deze-
salino, amargo e intenso, provocan- na de mg por litro. Este valor pode
Fig. 7 - Isómeros do ácido tartárico: apenas a forma do a salivação. É, de todos estes áci- subir no caso de vinhos provenientes
D existe na uva
dos, o de sabor mais rico. de solos salgados.

18 QUÍMICA • 65 1997
artigos

Os iões Li, Fe3+ e Cu2+ podem OCH3


aparecer em concentrações superio-
res ao mg/I. O teor do vinho em OH
ferro e cobre depende muito do ma-
terial utilizado na vindima, no esma-
gamento das uvas e na adega. Faltas
OCH3
de cuidado neste aspecto podem
conduzir a problemas graves no
vinho acabado: casses férrica e cúpri- malvidina 3-monogluce•sido
ca que são precipitações e alterações
que ocorrem pela complexação de
Fe3+ e Cu2+ com vários constituintes
do vinho.
Todos os outros catiões presen-
tes apresentam concentrações inferi-
ores ao mg/I. Fig. 9 - Antocianina monogluaísido.
Os principais aniões inorgâni-
cos, além do sulfito e bissulfito, car-
bonato e bicarbonato (originários do gia corresponde a essas absorções são gota, no entanto, nesta sua caracte-
SO2 usado como conservante e da geralmente it —> IC*. As ligações du- rística corante:
dissolução de CO2 formado na fer- plas fornecem este tipo de orbitais — influenciam de maneira de-
mentação, respectivamente), são o moleculares; estas transições podem, terminante a percepção gustativa
fosfato, o sulfato e o cloreto. também, dar-se entre orbitais atómi- que temos de um vinho, conferindo-
A presença de fosfatos no mosto cas de átomos contendo pares de lhe a "estrutura" e o "corpo";
em concentrações da ordem dos 700 electrões não ligantes (n --> Tc*). Os — têm acção bactericida e são
mg.1-I é fundamental para o desen- compostos fenólicos e os polifenóis, constituintes da vitamina P, contri-
volvimento da fermentação, em par- que existem no vinho, são os res- buindo assim para a qualidade do
ticular na gliailise que envolve di- ponsáveis pela cor. Estes compostos vinho como nutriente;
versos passos de fosforilação. No possuem um ou vários anéis fenóli- — interferem de modo determi-
vinho, o teor em fosfatos varia de 20 cos substituídos com um ou mais nante no processo de envelhecimen-
a 160 mg.I-1, para os brancos, e de grupos OH e, por vezes, outras fun- to do vinho, visto que a evolução da
50 a 300 mg.I-1, para os tintos. ções (alcóxilo ou ácido, por exem- cor e do paladar com o decorrer do
Os sulfatos encontram-se em plo). tempo se devem a reacções envol-
quantidades que vão de 150 a 300 Polimerizam com facilidade, vendo os compostos fenólicos.
mg.1-I. Estes valores podem aumentar originando moléculas com grandes Infelizmente, e apesar dos pro-
em consequência da oxidação do sul- cadeias de ligações duplas conjuga- gressos realizados nos últimos anos a
fito a sulfato, durante a conservação. das que são, em muitos casos, deter- partir do desenvolvimento de muitas
A concentração em cloretos é da minantes na coloração que eles exi- técnicas modernas de análise, a quí-
ordem dos 50 mg•1-1, apenas. Do bem. A grande importância que estes mica destes compostos não está
mesmo modo do que para o sódio, compostos têm no vinho não se es- ainda muito bem compreendida.
estes valores podem elevar-se para
vinhos originários de solos salgados. OCH3
O silício e o boro fornecem tam- OH
bém aniões, que se encontram no
vinho em doses de 5 a 20 mg-1-1. Ou-
tros elementos estão ainda presentes
mas em concentrações inferiores ao OCH3
mg.1-I. malvidina 3,5-diglucósido

3.4 As substâncias da cor.

A coloração apresentada pelos


compostos químicos é devida a tran- HO
sições electrónicas quando absorvem CH2 OH
radiação de comprimento de onda OH
na região do visível. As transições
Fig. 10- Antocianina diglucósido.
electrónicas cuja diferença de ener-

QUÍMICA 65 • 1997 19
a r t igos

absorção. Assim, um composto que,


de outro modo, absorveria no ultra-
OH violeta passa a absorver no visível,
tornando-se colorido. Se o composto
já era colorido, como é o caso de

pelargonidina muitas antocianidinas e flavonas,
R=H, ROH cianidina muda de cor, na direcção do verme-

R=R'=OH detfinidina lho.
R=H, R'=OCH3 peonidina E, agora, evidente a razão pela
OH R=OH, R'=OCH3 petunidina qual a coloração das antocianidinas
R.R'=OCH3 malvidina depende do pH, visto que este inter-
fere com o sistema dador-aceitador
Fig. 11 - As Antociadininas.
conjugado: em meio ácido forma-se
um catião, por protonação, que é
Os compostos fenólicos são ge- de tipo dador-aceitador complexo. vermelho; no seu estado normal (pH
ralmente divididos em quatro gru- Isto significa que possuem grupos 7), as antocianidinas são púrpura, e
pos: antocianinas, flavonas, ácidos substituintes nos anéis A e B (ver tornam-se azuis em meio alcalino,
fenólicos e taninos. fig.! 3) electrodadores (grupos -OH pela formação do anião. Esta caracte-
e -OCH3, geralmente) que, por efei- rística permite que sejam usadas
Antocianidinas e antocianinas to mesomérico, interactuam com o como indicadores.
As antocianinas são glucósidos grupo electroaceitador que, neste claro que, quando falamos das
das antocianidinas (figs. 9 e 10). caso, é o heteroátomo do anel cen- cores das antocianidinas, referimo-
Estas últimas são compostos flavo- tral (ou um substituinte eventual- nos às cores observadas que não são,
nóides (fig.12). Os flavonóides são o mente presente, geralmente nas como se sabe, as cores da luz branca
grupo mais extenso e diversificado posições 3 ou 5). absorvida pela molécula, mas antes
das substâncias fenólicas. as cores complementares destas.
Assim, quando o composto exibe a
cor vermelha, ele absorve a 490-500
nm (verde azulado); quando é púr-
pura, absorve no verde a 500-560
nm e, quando é azul, absorve a 580 -

595 nm no amarelo.
Ao pH do vinho (2,8-3,8) 20 -

25% das antocianinas são vermelhas


5

4
(fig. 14); é a estas que o vinho tinto
novo deve a sua cor. O vinho bran-
co, cuja fermentação se faz sem ma-
Fig. 12 - Estrutura flavonóide. Fig. 13 - Flavona ceração das películas nem das partes
sólidas dos cachos, não contém anto-
cianinas nem flavonas ou a sua con-
A designação flavoneride provém Esta interacção faz-se através centração é tão reduzida que é insu-
das flavonas (fig.13) por ser esta uma do sistema de ligações conjugadas ficiente para influir na cor do vinho.
das formas mais comuns da estrutura dos aneis, mas o átomo de oxigénio De facto, não se sabe ainda
flavon6ide no mundo natural. São em no anel central pode também partici- muito bem o que é que dá a cor ao
geral solúveis na água e são, como se par na conjugação, através do par de vinho branco, embora os compostos
referiu, muitas vezes coloridas, sendo electrões n, não ligantes. Daí o nome fenólicos a ela estejam, sem dúvida,
responsáveis pela maioria das cores das de aceitador complexo dado a um cro- associados. Sabe-se, por exemplo,
flores, frutos e folhas das plantas. Dis- móforo tal como este átomo de oxi- que os complexos de Fe-1- com os áci-
cutiremos, por isso, um pouco mais de- génio, que contribui para o sistema dos orgânicos ou com compostos fe-
talhadamente esta propriedade. conjugado, através do qual se realiza nólicos possuindo dois grupos OH
Tanto as flavonas como as an- a interacção dador-aceitador, sendo em posição orto são amarelos e estes
tocianidinas (fig.!!) são cromogé- ele, simultaneamente, o próprio estão certamente presentes no vinho
nios, isto é, absorvem luz na região aceitador. Como consequência deste branco influindo na sua cor final.
do visível através da excitação dos fenómeno o hiato de energia entre os De notar ainda que, devido à lo-
electrões dos seus grupos cromófo- orbitais moleculares ligantes e antili- calização das antocianinas na pelícu-
ros (a região, na molécula, onde se gantes é reduzido, aumentando o la da uva, com a excepção de algu-
dá essa absorção). São, além disso, comprimento de onda máximo de mas (poucas) castas, ditas tintureiras,

20 QUÍMICA • 65.1997
artigos

todos eles possuindo diglucósidos.


OH
O carácter recessivo - 'ausência de
OH diglucósidos' - pode no entanto rea-
parecer, por exemplo em novo cru-
vermelha
HO zamento de um híbrido de primeira
geração corn vinha europeia (vitis vi-
nifera). A analise dos diglucósidos de
\VI' OH urn vinho tinto indica-nos, assim, se
OR -H*\\ ele provém de vitis vinifera ou se é
um produto híbrido.
pH = 2
púrpura
As antocianidinas podem ainda
HO influir na cor dos vinhos tintos, du-
rante a conservação, de outras for-
mas para além da já referida. Por um
lado, elas reagem com o SO2 livre
OR (HS03-) sempre presente nos vinhos,
como conservante e anti-oxidante,
p1-1= 7
desde o fim da fermentação. A reac-
ção, provavelmente na posição 2 da
HO molécula, dá origem a um composto
incolor que está em equilíbrio corn o
azul sal do ião flavílio, descolorando, o
vinho. A medida que o SO2 livre de-
OR saparece durante a conservação, o
p11= 12
composto original é regenerado, e
com este também a cor original.
Fig. 14- A cor das antocianidinas depende do pH.
Por outro lado, as antocianidi-
nas polimerizam com os taninos ao
longo do envelhecimento. Os polí-
OCH3 OCH3 meros que daí resultam já não são
OH OH vermelhos mas sim acastanhados,
tornando-se mais escuros a medida
O que a cadeia cresce, acabando por
OCH3 HO OCH3
passar ao estado coloidal ou precipi-
+1-1* tar quando o peso molecular se
OH torna muito grande. Isto, por um
OH OH lado, descora o vinho e, por outro,
forma oxidada forma reduzida contribui para o tom acastanhado
próprio dos vinhos velhos.
Como se viu num dos exemplos
Fig. 15 - As antocianidinas sofrem oxi- redução de forma reversível. A forma reduzida, mais abundante anteriores, as antocianidinas sofrem
nos vinhos novos, é incolor.
oxidação-redução de forma reversí-
vel. Nos vinhos novos a concentra-
em que elas também se encontram cósidos, diglucósidos ou derivados
na polpa, pode obter-se sem qual- acilados destes.
quer dificuldade vinho branco a par- A presença de digluaísidos é es-
tir de uvas tintas, sendo a inversa pecífica de algumas variedades de OH
impossível. vinha ditas americanas, resistentes a HO R' R=R'=H , campferol
Como se viu, as antocianinas filoxera e por isso usadas como R'=H , quercetIna
R=R'=011, miricetuna
são heterósidos das antocianidinas. porta-enxertos - vitis riparia e vitis ru-
Assim, conquanto não se conheçam pestris. O carácter 'presença de diglu- OH O
nos vinhos mais do que 50 antocia- cósidos' transmite-se, segundo as leis 3-hidrox n riavona ou flavonol
nidinas, diferindo umas das outras da genética, com o modo dominante.
nos grupos substituintes R e R' Assim, o cruzamento de vitis vinifera
(fig. 11) e das quais a mais abundante (vinha europeia) com vitis riparia ou Fig. 16- As flavonas não são, ao contrário do que se
é a malvidina, existem muito mais vitis rupestris produz uma população julgou por muito tempo, responsáveis pela cor do
vinho branco.
antocianinas, quer sejam monoglu- de híbridos de primeira geração

QUÍMICA • 65 • 1997 21
a rttgos

R=R'=1-1, ácido p-hidroxibenaiico


R=OH, R'=1-1 protocatecuico
HO COON R=OCH3, R'=1-1 " vaullico
R=R'=OH " gálico
R=R'=OCH3 " siríngico
benzóicos

R=I -I ácido salicílico


COOH " gentísico

R"

HO CH=CH-COOH R=H ácido p-fumárico


R=OH " cafeíco cinamicos
R=OCH3 " fertilico

Fig. 17 - Os ácidos benzóicos e cinamicos do vinho.

ção da forma reduzida incolor Estes heterósidos hidrolisam fa- Taninos


(fig.15) será máxima, oxidando-se cilmente e em consequência encon- Os taninos são, com as antocia-
depois progressivamente pelo con- tram-se nos vinhos tintos as aglico- ninas, os compostos fenólicos que
tacto directo com o oxigénio do ar, nas livres dos três compostos menci- mais influenciam as características
ou dissolvido no vinho sobretudo no onados (algumas dezenas de mg/I). do vinho, em especial do vinho
decurso das trasfegas. Neste caso, o Nos vinhos brancos, em que a mace- tinto. De facto, enquanto o teor em
envelhecimento proporciona cor. ração pelicular está em geral ausen- tanino no vinho branco é da ordem
De qualquer modo, o resultado te, apenas se encontram vestígios. das dezenas de mg/1, no vinho tinto
final destas reacções envolvendo as essas quantidades sobem para níveis
antocianidinas, em termos do seu Ácidos fenólicos entre 1 e 3 g/I, cerca de cem vezes
contributo para a coloração do vinho, A uva e o vinho contêm sete mais. Isto fica a dever-se ã sua locali-
o determinado pela polimerização: ácidos benzóicos e três ácidos cinâ- zação na película, graínhas e sobre-
há um decréscimo de intensidade da micos (fig.17) diversamente hidroxi- tudo nos engaços dos cachos: só na
coloração com a idade e a cor evolui lados e metoxilados, variando as vinificação em tinto é que a extrac-
desde o vermelho-rubi no vinho novo suas concentrações de 0,1 a 30 mg/l. ção dos produtos dessas partes das
até ao castanho-avermelhado no Encontram-se no estado livre ou es- uvas e do cacho é significativa; na vi-
vinho velho. Não são, no entanto, as terificados pelo ácido tartárico. São nificação em branco, geralmente de
antocianidinas as únicas responsáveis, responsáveis pelo escurecimento do bica aberta, o contacto entre o mosto
nem sequer as principais, por esta co- mosto por oxidação enzimática (poli- e as partes sólidas da vindima é re-
loração típica dos vinhos velhos mas fenoloxidase da uva e do fungo duzido ao mínimo.
sim, como veremos, os taninos. botrytis cinerea). No que respeita aos Os taninos resultam da polime-
derivados cinâmicos, predomina a rização de compostos fenólicos ele-
Flavonas forma trans por ser mais estável. mentares, tendo por isso elevado
As flavonas são compostos fla- A este grupo de compostos fe- peso molecular, de 600 a 5000. Divi-
vom5ides (figs.12 e 13) existentes nas nólicos pode acrescentar-se o tirosol
flores e nos frutos como pigmentos cuja origem, ao contrário dos anteri-
amarelos. Existem no bago das uvas ores, não está na uva mas sim na fer-
tintas como monoglucósidos (grupo mentação, visto ser um produto COON

OH na posição 3) dos flavonóis desta, formado pelas leveduras a par-


campferol, quercetina e miricetina tir do amino-ácido correspondente, a icido gShco
c.
(fig.16) e como monogluccisidos da tirosina. É por isso que, enquanto os o
álado cligtco
quercetina. Não são, no entanto e ao primeiros quase não existem nos vi-
contrário do que se pensou por nhos brancos, este Ultimo existe em
muito tempo, os responsáveis pela geral em iguais quantidades nos vi- Fig. 18 - A estrutura dos taninos hidrolisáveis deriva

cor do vinho branco. nhos brancos ou tintos. dos ácidos gálico e elágico.

22 QUÍMICA • 65. 1997


art OS

OH

HO

OH
R=OH, catequina
R=R'=OH galocatequina

3,4-navanediol

HO

OH OH

R=Oli, R'=f1 leucocianidina


R=R=-OH leucodelfinidina

Fig. 19 - Os taninos de condensação (flavolanas) não hidrolisáveis são os originários da uva e do vinho. Aqui está representado um tetrâmero constituído por 4 unidades
de catequina. A direita vêem-se os monómeros flavanol e flavanediol.

dem-se em hidrolisáveis e não hidro- dinas, considerando-se a reacção as proteínas e glicoproteínas da sali-
lisáveis ou pirocatéquicos (ou de apenas característica na análise para va que precipitam com os taninos,
condensação). São estes últimos que detecção das leucoantocianidinas deixando de cumprir o seu papel de
existem na uva e na vinha. No en- (fig.20). lubrificantes da cavidade bucal, daí
tanto são os primeiros que se encon- Os taninos são muito reactivos resultando adstringência. É ainda
tram geralmente no comércio, sendo com as proteínas, formando com- esta característica que faz dos tani-
a sua adição ao vinho legal, embora postos de elevado peso molecular, nos inibidores enzimáticos, por
sem vantagens na maioria dos casos. que precipitam. Essa característica combinação com a fracção proteica
A sua estrutura é derivada do ácido determinante no papel que os tani- dos enzimas.
gálico ou da lactona do seu dímero, nos desempenham no vinho: por O grau de polimerização dos
o ácido elágico (fig.18). um lado eles facilitam a clarificação taninos no vinho aumenta com a
Estas moléculas estão unidas espontânea ou por colagem com idade. No entanto a estrutura des-
por ligações glucídicas com a glucose proteínas (albuminas, sangue de ses polímeros não é ainda bem co-
ou com os seus poliósidos (glucosa- boi, etc.); por outro conferem aos nhecida. Sabe-se que o seu peso
nas) derivados. vinhos que os contêm em abundân- molecular aumenta de entre 500-
Ao contrário dos anteriores, os cia o seu sabor adstringente tão ca- 800, nos vinhos novos, até aos
taninos da uva e do vinho são com- racterístico. Neste último caso, são 3000-4000 nos vinhos velhos.
postos de estrutura flavanóide poli-
merizada (fig.19). Mais exactamen-
te são polímeros de 3-flavanol-cate- OH OH
quinas e, sobretudo, de 3,4-flavane-
dióis, as leucoantocianidinas. Estas
ultimas dão, por aquecimento em HO
meio ácido na presença de ar, as an-
tocianidinas, de que já falámos. Esta
reacção não tem, no entanto, signi-
ficado do ponto de vista biológico, OH
não devendo os taninos ser conside-
Fig. 20 - Reacção característica das leucoantocianidinas. flavanediol.
rados como derivados das antociani-

QUÍMICA 65 1997 23
a r t i g o s

também possível que as antociani-


fenilalani na
dinas participem na polimerização
através de ligações em C-4 do anel 1 euci na
central, originando um polímero
misto com os taninos. Isto explica-
isoleuci na
ria também o facto bem conhecido
do desaparecimento gradual das
antocianidinas ao longo do tempo metioni na
durante o envelhecimento.
Em todo o caso sabe-se que é
aos taninos polimerizados que se vali na
deve a cor nos vinhos velhos e não
já as antocianidinas (ver secção aia nina
sobre a cor). Na hipótese da con-
p roll na
densação mista a estrutura da anto- serina ác a mi no -gl utarni co
cianidina continuaria a contribuir
para a coloração do vinho, embora
dentro do tanino condensado. glIcocola

3.5 As substâncias da nutrição

Os diversos grupos de que • hi stidi na


iic.aspártico
temos falado até aqui são os que de-
terminam o paladar. Falaremos a se-
ic.glutamico H si na argi ni na
guir de outros que, embora não in-
fluindo neste - pelo menos em con-
dições normais de conservação - fenol /água
têm, no entanto, influência na quali-
dade do produto final (estabilização, Fig. 21 - Cromatograma em papel, a duas dimensões, dos aminoácidos no vinho.

qualidade alimentar).
Estão neste caso os compostos não é de admirar visto que as leve- do cacho, impede essa dissolução.
azotados. Em geral, o enólogo dese- duras consomem durtante a fer- Apenas contêm os compostos origi-
ja que eles não estejam presentes mentação entre 60 e 70% do azoto nários da polpa da uva que são so-
no vinho acabado, ou quanto total do mosto. bretudo aminoácidos e péptidos e o
menos melhor. Isto porque eles são Nos vinhos tintos a quantidade catião amónio.
um factor de risco na conservação, de compostos de nitrogénio é maior O catião amónio diminui de
devido a instabilidade microbiológi- do que nos brancos devido a dife- concentração no bago de uva ao
ca que trazem consigo porque possi- rença das técnicas de vinificação. A longo da maturação, enquanto cres-
bilitam o metabolismo de leveduras maceração das películas e dos enga- cem os aminoácidos em número e
e microorganismos, sempre presen- ços, nos primeiros, conduz a uma em quantidade. A L-prolina é o
tes no vinho feito. A esterilização, grande dissolução dos compostos mais abundante. É também dos
para além dos problemas técnicos e azotados, que aí abundam, no mais abundantes no vinho feito por
de custo que levanta, não se pode mosto. Nos segundos, a separação ser pouco metabolizável pelas leve-
fazer sem prejuízo irrecuperável das imediata do sumo das partes sólidas duras. Estas produzem, ainda, du-
qualidades organolépticas do vinho.
O grupo dos compostos azota- Quadro 1 As vitaminas do vinho
-

dos é constituído pelo catião amó-



nio (NH4+) e pelos compostos orgâ- nome do composto nome da vitamina concentração

nicos contendo átomos de nitrogé- ácido ascórbico C 3-10 mg/I

nio: aminoácidos, péptidos e proteí- ácido fólico By 1-20 g/I

nas; aminas primárias, secundárias ácido pantoténico B5 0,2-1,8 mg/I

e terciárias; derivados aminados das biotina Elg ou H 0,5-2,5 g/I

hexoses, as hexosaminas; nucleósi- cobalamina B12 20-70 mg/I
dos e nucleótidos. inositol 0,2-0,7 mg/I

O teor em compostos azotados nicotinarnida B3 ou PP 0,4-2,0 mg/I

no mosto é muito superior ao que riboflavina B2 0,1-0,5 mg/I

depois se encontra no vinho. Isso tiamina B1 10-250 g/I

24 QUÍMICA. 65 . 1957
artigos

rante a fermentação, ácido L-glutâ- bastante mais sensível a certos chei-


mico e algumas proteínas. No en- 0
H3C CH3 ros do que a outros.
tanto o consumo que as leveduras De qualquer forma, o mecanis-
fazem de compostos azotados é C H3 mo do cheiro não está ainda hoje
muito maior do que a quantidade muito bem esclarecido e, com respei-
que produzem e, daí, o teor final to aos vinhos, a correspondência
destes compostos no vinho ser CH3 entre cada aroma e o composto que
baixo. Também os taninos ajudam ã o origina está longe de ser completa-
precipitação das proteínas e quase 13-ionona mente desvendada, conhecendo-se
todos os tratamentos realizados na apenas essa relação em muito pou-
adega promovem essa precipitação. N cos casos.
Do grupo das substâncias da OCH3 Parece também ser um facto
nutrição fazem ainda parte os polis- que algumas substâncias podem pro-
sacáridos e as vitaminas. duzir aromas diferentes consoante a
N cH-CH3
Os polissacáridos mais abun- sua concentração em fase de vapor.
dantes (0,1-3,0 g/l) no vinho pro- CH3 A mistura de vários aromas pode,
vêm das paredes celulares da uva. ainda, resultar num novo aroma sem
São pectinas e protopectinas. Estas 2-metoxi-3-isobutil-pirazina relação com nenhum dos aromas
substâncias agem como colóides presentes. Tudo isto não faz senão
protectores influenciando os proces- dificultar ainda mais o estudo do as-
sos de clarificação. Fig. 21 - Algumas moléculas com importância son lo.
no aroma do vinho.
As vitaminas que se encontram Dos compostos cuja identifica-
no vinho são as hidrossohiveis. O ção do aroma está feita tem impor-
elevado teor em vitaminas na uva receptáculos do aroma. A sensação tância o aroma das castas moscatéis
diminui durante a fermentação que o vinho, por melhor que seja, que é originário nos compostos ter-
onde têm um papel importante no causa nestas condições é sempre pénicos (geraniol, nerol, a-terpini-
desenvolvimento das leveduras. muito pobre e inesperadamente dife- ol, limoneno, linalol, citronelol,
O quadro 2 mostra uma lista rente da prova normal. farnesol) (fig.22). Em Portugal,
das vitaminas bem como das con- De notar que, evidentemente, onde as castas deste grupo são nu-
centrações em que se encontram no nem todos os compostos voláteis têm merosas, o estudo destes compostos
vinho. aroma. A maioria não tem. No en- tanto na uva como no vinho tem
tanto, todos são vectores do aroma sido seguido com interesse e, em
3.6 As substâncias do aroma na medida em que quanto maior for particular, na Região dos Vinhos
a sua concentração na fase líquida, Verdes esse estudo tem incidido
O aroma, ou seja, o conjunto das maior sera a pressão de vapor do sobre a casta Loureiro, que é o
sensações que o vinho nos transmite vinho e, portanto, maior será a fre- membro regional dessa família de
através do olfacto, constitui uma das quência de chegada dos compostos castas aromáticas.
suas propriedades mais importantes do específicos do aroma aos receptácu- Uma classificação clássica dos
ponto de vista organoléptico. De facto, los nasais do olfacto. aromas do vinho consiste em dividi-
a riqueza das sensações que o vinho Por outro lado, a intensidade de los de acordo com a etapa da vinifi-
comunica na prova está estreitamente um aroma não depende apenas da cação em que se formam: fermentá-
ligada ao aroma: as substâncias voláteis concentração do composto químico rio, pré-fermentário e post-fermen-
que o vinho liberta percorrem a boca correspondente na fase líquida. O tário, se se formam respectivamente
até atingirem os receptáculos olfactivos nosso sentido olfactivo parece ser durante, antes ou depois da fermen-
da mucosa nasal, onde os sentimos
como aromas.
As sensações que o vinho de- Quadro 2 - Alguns compostos odoríferos, sua concentração no vinho e limiar
sencadeia na boca do provador são, de detecção pelo olfacto humano.
assim, induzidas não apenas pelos
Concentração minima detectavel
sabores identificados nas diferentes
Composto pelo olfacto em pg/I Concentração no
partes da lingua, mas resultam do
em agua em vinho vinho em pg/I
conjunto sabores+aromas. Costuma
exemplificar-se este facto provando etanol 105 9 x 107 a 14 x 107

um vinho de nariz fechado, ou seja, p-damascenona 10 1600 5 a 50

impedindo a circulação de ar pelos p-ionona 0,007 4,5 1 a 30
canais nasais e limitando assim a 2-metoxi-3-isobutil 0,002 vestígios
pirazina
chegada dos compostos voláteis aos

QUÍMICA. 65 • 1997 25
artigos

tação. Chama-se ainda aroma varie- ções que variam entre os 2 e os 30 uva e do vinho, mas é comum a
tal ao que é específico da casta mg/I. todos os sumos de frutos e seus pro-
(como no caso do Loureiro, referido Os outros produtos voláteis dutos de fermentação.
acima). com origem na fermentação exis-
tem em concentrações inferiores, Aroma varietal
Aroma fermentário com excepção dos que constam na É o aroma específico da casta.
A fermentação é a maior fonte tabela acima, e em especial o acetal- Já nos referimos à importância que
de compostos voláteis do vinho e o deído cuja concentração pode ir de os compostos terpénicos têm no
aroma que daí resulta é, de certo 10 a mais de 100 mg/1. aroma das variedades moscateis.
Eles têm sido encontrados, além
disso, em todas as castas aromáticas.
Quadro 3 - Os principais compostos voláteis do vinho. Estes compostos podem surgir, no
Alcoóis Ésteres Outros entanto, de duas maneiras: em
etanol

acetato de etilo acetato de 2-teniletilo acetaldefdo parte existem já na uva como subs-
álcool isoamflico

acetato de isoamilo lactato de etilo

acetofna tâncias odoríferas (geraniol, nerol, li-
2-feniletanol

octanoato de etilo succinato de etilo

diacetilo nalol,...); noutra parte, são liberta-
dos, como também vimos, durante a
isobutanol hexanoato de etilo 4-hidroxibutanoato y-butirolactona
de etilo fermentação dos heterósidos terpé-

propanol propanoato de etilo malato de etilo ácidos gordos nicos. Neste caso chamam-se subs-

2-butanol rutanoato de etilo tâncias odorígenas ou precursoras de
1 - butanol aroma.
3-metiltiopropanol Ao grupo dos odoríferos per-
tencem também algumas pirazinas
nas quais se inclui a 2-metoxi-3-iso-
butilpirazina, aroma intenso que
modo, a base aromática comum a Aroma pre-fermentário existe, por exemplo, na bem conhe-
todos os vinhos. Provém em grande parte de cida casta bordalesa Cabernet-Sau-
As leveduras formam variadís- compostos de cadeia em C-6 (hexa- vignon. Este composto degrada-se,
simos compostos voláteis (quadro nol, cis e trans-hexanol e álcoois no entanto, rapidamente com a luz
3); a maioria são alcoóis e ésteres. correspondentes). Formam-se a durante a maturação, restando ape-
Além do etanol, formam-se também partir dos ácidos linoleico e linolé- nas uma pequena quantidade na
alcoóis isoamíllicos, 2-feniletanol, nico existentes na uva, sob a acção uva no momento da vindima.
isobutanol, propanol, 2-butanol, 1- de enzimas, na presença do ar Os ésteres etílico e metílico do
butanol, 3-metiltiopropanol, em (fig.21). Os aromas daí resultantes ácido antranílico são, por sua vez,
concentrações que variam entre os são herbáceos e de má qualidade. associados às furanonas, os respon-
0,15 e 0,5 g/1, com excepção do úl- nesta fase que os heterósidos sáveis pelo cheiro característico do
timo que existe apenas entre 0,5 e 2 de terpinóis das castas aromáticas vinho americano.
mg/I. são hidrolisados libertando as agli- Recentemente, crê-se que uma
Quanto aos ésteres, os mais conas terpénicas. As pectinas (polió- grande variedade de aromas identi-
abundantes são os que resultam da sidos da galacturose) também, por ficados no vinho de longa data
esterificação dos ácidos do vinho acção enzimática, libertam metanol. (mel, violetas, petróleo, fumo, etc.)
pelo etanol. Existem em concentra- Este fenómeno não é específico da resultam de substâncias carotenói-

ácido linoleico

COOH

COOH
ácido Underlie°

Fig. 22 - Acidos cis,cis-9,12-octadecadienoico (linoleico) e cis,cis,cis-9,12,15-octadecatrienoico (linolénico). Ambos são precursores dos aromas pré-fermentários, herbáceos
e de má qualidade.

26 QUÍMICA 65.1997
artigo

CH3 CH3
CH2OH
CH3
CH3
nerol (Z)
CH2OH
geraniol (E) I
\CH2OH
H3C CH3 H3C CH3
limoneno citronelol
(p.e.230°C) (p.e.177°C)
0,3 mg/I H3C CH3 (P.e.222°C)
CH3 ?
CH3
H C OH
a-terpineol
linalol
(p.e.21 9°C) ,,N/CH2 OH
I (p.e.198°C)
0,1 mg/1
0,8 mg/I

CH3 farnesol
H3C CH3 (p.e.203°C)

Fig. 23 - O aroma varietal das castas moscatéis tem origem nos compostos terpénicos.

NOTAS BIBLIOGRAFIA
des (carotenos e xantofilas) e de
ácidos fenólicos. Os carotenos, pre-
** perceptível sensorialmente pelo provador. R.Baumes, "Six cents corps pour un bouquet", Science
sentes em doses que podem ir de 1 et Vie, n' 156 (hors série), Setembro, 1986,134.90.
a 2 mg/1 no mosto, são pelo menos, 1 Enologia: conjunto das ciências e técnicas ligadas
importantes percursores de aroma. produção, análise e melhoramento do vinho.
L. Campos, "Manual de Bioquímica", Biblioteca Uni-
Quer dizer, embora eles próprios versitária, Pub.Europa-América, Lisboa.
São quatro essas características: aroma, boca (pala-
não sejam possuidores de aroma
dar), cor e brilho.
vão no entanto sofrer reacções, fre- T.P. Coultate, "Food-The Chemistry of its Components",
quentemente catalisadas por enzi- 3 Na Alemanha, por exemplo.
The Royal Society of Chemistry, London, 1984.

mas ou pela luz, em que se degra-


P. Karlson, "Manual de Bioquímica", Ed.Marin S/A, Bar-
dam e os terpenóides daí resultantes 4 vinhos secos são aqueles cujo teor em açúcar não fer-
mentado não exceda os 3 g/1. celona, 1969.
são já aromáticos.
A época em que se atribuía o As constantes de ionização do ácido málico são KA = L.H.Meyer, "Food Chemistry", The Avi Publishing Com-
aroma dos vinhos a um suposto 4,0.104, Ka2 = 8,9. 10-6 contra Ka = 1,4 10-4. pany, Inc., Westport Connecticut, 4th ed., 1982.
"éter enântico" já vai longe. Falta,
no entanto, ainda mais algum 6 Durante muito tempo, o vinho foi considerado apenas
R. Morrison, R.Boyd, "Química Orgánica", Fundação
uma solução de álcool em água.
tempo para se chegar à compreen- Calouste Gulbenkian, Lisboa, 7"ed., 1981.
são total do aroma e â identificação 7 Entende-se por sulfitação, em enologia, a adição de
e localização dos compostos que lhe dióxido de enxofre ao mosto ou ao vinho e constitui
E. Peynaud, "Conhecer e trabalhar o vinho", Livros Téc-

são próprios, nas uvas das diferentes uma prática tão comum quanto sensível, se feita racio- nicos e Científicos Lda., Lisboa, 1982.

castas, nas fermentações e no nalmente.


J. Ribéreau-Gayon, E.Peynaud, P.Sudraud, P.Ribéreau-
vinho.
8 Sigla correspondente à designação oficial de Denomi- Gayon, "Traité d'CEnologie", Tomes I, II et Ill, Dunod,
nação de Origem Controlada. Paris 1975, 1976.

" Universidade do Minho 9 Com excepção do ácido múcico, que aparece quando C. Ricardo, A.Teixeira, "Moléculas biológicas", Didácti-
Guimarães as vindimas vêm atacadas de botrytis cinera (podridão).
ca Editora, Lisboa, 1977.

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