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CRISTOLOGIA BÍBLICO-ECLESIAL
Católica expressa após o Concílio Vaticano II e como fruto deste. Ao tomarmos como
base o Catecismo, não ignoramos a importância de toda a teologia e teólogos no Brasil
e no mundo. Mas o Catecismo se apresenta como base para comparação e diálogo com
visões cristológicas apresentadas pelos novos movimentos religiosos cristãos,
especialmente o Neopentecostalismo. Além disso, naquilo que é estritamente
cristológico, ou seja, a fé cristã explicitada nos primeiros Concílios Ecumênicos é a
mesma para católicos, protestantes e ortodoxos. Desta forma encontramos no Catecismo
da Igreja Católica o fundamental da cristologia de acordo com os maiores
representantes do cristianismo na atualidade.
5.1 - A Revelação
encarnação do Verbo Divino, no evento Jesus Cristo, manifesta o seu desígnio salvífico.
Assim, faz-se necessário perquirir estes fundamentos da fé cristã, bem como a
elaboração do cânone da Sagrada Escritura na e pela Igreja, para depois adentrarmos na
formulação histórica da cristologia.
5.1.1 - Definição
A Revelação367 é o ato divino pelo qual o próprio Deus quis revelar ao ser
humano quem realmente Ele é, para dar ao homem a capacidade de lhe responder368.
Obviamente em nosso trabalho, seguindo nosso objetivo, entenderemos a Revelação a
partir do conceito católico, citando também, a perspectiva protestante, sem a pretensão
de exaurir um tema tão complexo e discutido. O Catecismo da Igreja Católica afirma
que a Revelação é iniciativa de Deus, dá-se em etapas e atinge seu ápice na Pessoa do
367
A etimologia da palavra está ligada a “tirar o véu”.
368
No Dicionário Lexicon se lê a respeito do termo ‘Revelação’: “Ato livre com que Deus comunica o
seu mistério à humanidade convidando-a à partilha. A revelação constitui o fundamento da fé e sua
referência constante; a teologia, que nasce da revelação, procura compreender o mistério à luz da
inteligência. O termo ‘revelação’ deve sua origem ao grego apokalýptein que significa: tornar manifesto,
retirar o véu; o uso que é feito pela Escritura, seja como for, não pode ser resumida a uma única
terminologia. No AT, a revelação é expressa de preferência com a expressão ‘palavra de Iahweh’;
segundo a concepção hebraica, de fato, não é possível ver Deus, apenas ouvir a sua voz. O NT utiliza
pelo menos 15 termos diferentes para falar da revelação, mas a referência é sempre Jesus de Nazaré e sua
atividade; a revelação, portanto, é principalmente a descrição de sua pessoa, atividade e ensinamento”.
LEXICON. Dicionário Teológico Enciclopédico, p. 663.
173
Verbo, Jesus369. São Paulo em sua primeira carta a Timóteo fala da habitação de Deus
em uma luz inacessível370 E Santo Anselmo explicita que aos homens não é possível
chegar a Deus diretamente.
É realmente inacessível a luz em que habitas, ó Senhor, e não há ninguém, exceto tu, que
possa penetrá-la bastante para contemplar-te com clareza. Eu não a vejo, sem dúvida, por
causa do seu brilho, demasiado para os meus olhos, e, todavia, o que consigo ver, vejo-o
através dela, da mesma maneira que o olho fraco do nosso corpo vê tudo aquilo que vê
pela luz do sol, que, no entanto, não pode contemplar diretamente.371
eficácia salvífica374. O plano de Deus é elevar o homem à vida divina. Mas, para isso,
Ele cria o ser humano livremente a fim de que este possa optar por essa condição.
Em todo caso, o conhecimento de Deus por parte do homem revela o amor de
Deus por sua criatura. A obra-prima da criação, o ser humano, por sua natureza e
quando visto de forma isolada, está infinitamente distante da condição divina, mas por
graça, o ser humano pode participar da vida divina, sendo chamado a responder a essa
graça, conhecendo e amando a Deus375.
A maneira como Deus se revelou foi gradual para que o homem pudesse estar
preparado para acolher a Revelação plena em Jesus376. Assim a tradição cristã entende
que o projeto divino da Revelação acontece de forma concomitante através de ações e
de palavras377 que se ligam e se iluminam mutuamente378. Tudo isso faz parte de um
369
CEC, 51.
370
1Tm 6,16.
371
ANSELMO, Santo. Proslógio. Col. Os Pensadores, vol. VII. São Paulo: Abril Cultural, 1973 p. 119.
372
CEC, 52.
373
Ibid.
374
Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica I, q. 1, a 1. O Doutor angélico destaca o fato de que Deus
faz a revelação a respeito das coisas divinas que não são por si acessíveis à razão humana.
375
Nas palavras de K. Barth Deus em sua autodoação “se nos dá e se nos dá a entender”. BARTH, K.
Dogmatik 1/1, 164, citado por WERBICK, Jürgen. Prolegômenos. In.: SCHNEIDER, Theodor (org.).
Manual de Dogmática. Vol I, Petrópolis: Vozes, 2012, p. 17
376
DV, 3.
377
DV, 4.
174
projeto de Deus379 que comporta uma pedagogia particular em que Ele se comunica de
maneira gradual com o ser humano, em etapas, para que este possa ser preparado para
acolher a Revelação divina380 que Deus faz de si mesmo, até culminar na Pessoa de
Jesus Cristo e sua missão381.
Pelo projeto divino, o homem tem acesso à Revelação sobrenatural num processo
de comunicação de Deus com a humanidade em que Ele escolhe homens com os quais
se comunica diretamente. Pelo testemunho das Sagradas Escrituras, vários foram os
momentos em que os homens preferiram recusar o plano divino e se apoiar apenas em
suas próprias forças382. Mesmo assim, Deus sempre propôs aliança383 com seu povo384.
Os Padres conciliares do Vaticano II sublinham este acontecimento quando
expressam na Constituição Dogmática Dei Verbum a pedagogia divina, que soube ser
paciente com seu povo. No documento, é feita menção do chamado de Abraão, que é
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378
“Deus se manifesta verbalmente” significa, portanto, duas coisas. Primeiro, ele se abre, se comunica,
se exprime no Logos, sua palavra da essência, no Logos tornado humano; ele se exprime verbalmente de
forma insuperável em Jesus Cristo, na sua vida, morte, consumação. Segundo: Deus se exprime
verbalmente no testemunho de vida e no testemunho verbal dos crentes – por meio do seu Espírito, que
aparece na vida e no discurso dos crentes por ele arrebatados e impregnados. Cf. WERBICK, Jürgen.
Prolegômenos, p. 18.
379
1Cor 2,9.
380
Cl 1,12-14.
381
CEC, 53.
382
DH, 1521.
383
CEC, 761.
384
Citando a Oração Eucarística IV do Missal Romano, o Catecismo diz: “E quando pela desobediência
perderam vossa amizade, não os abandonastes ao poder da morte. (...) Oferecestes muitas vezes aliança
aos homens e às mulheres” (CEC, 55).
385
Gn 12,2s.
386
CEC, 59.
387
CEC, 61.
388
CEC, 64.
389
DV, 3.
175
Assim também aparece escrito no início da Carta aos Hebreus. “Muitas vezes e de
modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que são
os últimos, falou-nos por meio de seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as
coisas. E pelo qual fez os séculos”390.
Cristo é a plenitude da Revelação. É por Ele que Deus se dá a conhecer. Quando
Deus se manifesta, Ele se revela, revela o seu Ser, pronuncia sua Palavra Eterna que
ressoa pela eternidade. Assim, a ação trinitária do Pai que revela, do Filho que é
revelado e do Espírito Santo que ilumina os homens para que compreendam a revelação
de Deus faz com que o ser humano tome parte na salvação que Deus oferece a todos.
A Dei Verbum compreende esta ação e expõe seus efeitos no projeto redentor de
Deus. De acordo com o documento, é da vontade divina querer, em sua bondade e em
sua sabedoria, revelar-se a si mesmo e assim revelar o mistério de sua vontade como
também observa São Paulo em sua carta aos Efésios391. A ação é trinitária: os homens
chegam ao Pai através da participação na natureza divina que se dá pelo Cristo, no
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A Revelação pela qual Deus se comunica diretamente aos homens, falando com
eles, é considerada extraordinária ou sobrenatural393. Isso porque os homens também
poderiam chegar a Deus pela Revelação natural ou ordinária394, isto é, através da
Criação, das obras do Criador395.
A Igreja considera que em todas as coisas criadas, Deus deixou sua marca396. Pela
inteligência, com o uso da razão, os homens poderiam chegar a conclusão de que Deus
390
Hb 1,1-2.
391
Ef 1,9.
392
DV, 2.
393
CEC, 53.
394
FISICHELLA, Rino. Cristologia e Cristologias. In.: LEXICON. Dicionário Teológico Enciclopédico.
São Paulo: Loyola, 2003, p. 663. Item 1 do verbete “Revelação”.
395
CEC, 32.
396
O Concílio Vaticano I afirma na Constituição Dei Filius a respeito deste assunto: “A mesma santa mãe
Igreja sustenta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela
luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas; “pois o invisível dele é divisado, sendo
compreendido desde a criação do mundo, por meio do que foi feito” [Rm 1,20]; mas ensina que aprouve à
sua misericórdia e bondade revelar-se à humanidade a si mesmo e os eternos decretos da sua vontade, por
outra via, e esta sobrenatural, conforme diz o Apóstolo: “Havendo Deus outrora em muitas ocasiões e de
muitos modos falado aos seus pais pelos profetas, ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho” (DH
3004).
176
existe397 e ainda mais compreender o querer de Deus para cada criatura, através das
Vestigia Dei, conforme afirmou São Boaventura em sua obra “De Scientia Christi”.
No entanto, esse conhecimento não é imediato como acontece na Revelação
sobrenatural, mas se caracteriza por ser um conhecimento a posteriori, dos efeitos à
causa, conforme constava no Juramento Antimodernista que vigorou entre 1910 e
1967398.
O Papa São Pio X, que é autor do Motu Próprio “Sacrorum antistitum”399, dá o
seu aval ao Decreto de 27 de julho de 1914 da Sagrada Congregação dos Estudos em
que se destrincham as consequências deste conhecimento mediato.
Conhecemos a existência de Deus não por intuição imediata, nem por demonstração a
priori, mas a posteriori, ou seja, “pelas criaturas” (Rm 1,20), conduzindo o argumento do
efeito até as causas; isto é, partindo das coisas que se movem e não podem ser seu próprio
adequado princípio de movimento, até chegar a um primeiro motor imóvel; da produção
das coisas mundanas por causas subordinadas entre si, até uma causa primeira não
causada; das coisas corruptíveis que tanto podem ser como não ser, até o ente
absolutamente necessário; daquilo que segundo diminutas perfeições do ser, viver,
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compreender ora mais, ora menos é, vive e entende, até aquilo que maximamente
compreende, maximamente vive, maximamente é; finalmente, da ordem do universo até o
intelecto separado que ordenou e dispôs as coisas e as dirige ao fim. 400
Esse pensamento tem suas raízes na filosofia aristotélica e é elaborado por São
Tomás de Aquino. Trata-se da analogia entis401, em que a criação fala do Criador402.
Apesar de tudo, só foi possível essa compreensão após a Revelação sobrenatural,
conforme o entendimento católico. Apesar de ser possível chegar a Deus pela
Revelação natural, o homem não chegou ao conhecimento de Deus verdadeiramente
antes que a Revelação sobrenatural apontasse também esse caminho403.
Para o pensamento protestante, a razão humana só é capaz de criar ídolos404,
portanto, não é possível o conhecimento de Deus pelos meios ordinários 405. Isso acabou
influenciando alguns teólogos católicos como salienta Rene Latourrele. Segundo ele, o
problema estaria no enfoque. Assim a dificuldade primordial advém dos enfoques
diferentes que esses teólogos abordam. Tanto teólogos católicos quanto protestantes que
397
CEC, 31.
398
DH, 3538.
399
Neste Motu Próprio estava contido o Juramento Antimodernista.
400
DH, 3622.
401
WERBICK, Jürgen. Prolegômenos, p. 21.
402
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica,v. I. I, 12, 12, C.
403
PIO XII considera essa ideia na Encíclica Humani Generis.
404
Por isso, a rejeição de Karl Barth a toda teologia natural. (WERBICK, Jürgen. Prolegômenos, p. 22).
405
LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário crítico de teologia. Verbete Revelação, p. 1541.
177
Se alguém sustenta que alguns podem chegar à graça do batismo por via de misericórdia,
outros ao contrário por meio do livre-arbítrio, que consta ser viciado em todos quantos
406
LATOURELLE, René. Revelação, p. 2.
407
“[O documento do Concílio Vaticano II] Nostra Aetate entra na forma e na intenção de algumas
religiões, sendo que a trajetória de reflexão leva das religiões mais distantes da confissão cristã para as
mais próximas: muitas religiões naturais cultuam uma divindade oculta inerente às leis da natureza, o
hinduísmo exprime o mistério divino em mitos e busca refúgio em Deus por meio de formas ascéticas de
vida, o budismo aponta caminhos como as pessoas podem atingir o estado de liberdade perfeita (cf. NA
2). O islamismo, juntamente com o judaísmo e o cristianismo, professa o Deus uno, Criador do céu e da
terra (cf. NA 3). Para o judaísmo vale até hoje a inquebrantável promessa da aliança por parte de Deus
(cf. NA 4)”. SATLER, Dorothea; SCHNEIDER, Theodor. Doutrina sobre Deus., p. 95.
408
AMATO, Angelo. Gesù Il Signore., p 13.
409
DH, 3004.
410
DV, 2.
411
GS, 22.
412
DH, 4814.
178
413
DH, 378.
414
Já o XV Sínodo de Cartago, realizado em 418, condenou a doutrina pelagiana, se expressando nestes
termos: “Cân. 3. Igualmente foi decidido: quem disser que a graça de Deus, pela qual o homem é
justificado mediante Nosso Senhor Jesus Cristo, serve somente para remissão dos pecados já cometidos,
não também para dar auxílio para não cometê-los, seja anátema”. (DH 225).
415
Sempre que o termo Revelação aparecer a partir de agora, estará se referindo a Revelação
sobrenatural, a não ser que o mesmo termo seja complementado.
416
CEC, 59.
417
DV, 3.
418
“No devido tempo, Deus chamou Abraão, a fim de fazer nele um grande povo, que, após os Patriarcas,
Deus educou por meio de Moisés e dos profetas para reconhecê-lo como único Deus vivo e verdadeiro,
Pai providente e justo juiz, e para esperar o Salvador prometido; e assim preparou, ao longo dos séculos,
o caminho para o Evangelho”. (Ibid.).
419
Jo 1.
420
CEC, 66.
421
DH, 3070.
422
Esse Magistério foi confiado aos bispos em comunhão com o Papa, sucessor de Pedro e bispo de
Roma. (Cf. CEC 85).
179
segunda vinda de Cristo. Os fiéis devem dar seu pleno assentimento a tudo aquilo que
foi revelado através da fé427, já que embora não esteja em desacordo com a razão, esta,
por si mesma, não pode justificar todas as verdades reveladas. É a graça divina que
permite ao homem dar o seu assentimento ao depósito da fé428, indo além das
faculdades naturais do ser humano429.
Mas se não há um progresso na Revelação, pode haver, por outro lado um
progresso no conhecimento daquilo que já foi revelado430. A isso se dedica o Magistério
da Igreja com o auxílio da Teologia431. Grandes contribuições deram os Santos
Padres432, estudiosos dos primórdios da Igreja, que legaram a interpretação dos escritos
sagrados.
423
DV, 11.
424
Tradução oficial da Igreja.
425
CEC, 105.
426
DH, 3006.
427
A Constituição Dei Filius diz em seu capítulo 3: “Visto que o homem depende inteiramente de Deus
como seu criador e Senhor, e que a razão criada está inteiramente sujeita à Verdade incriada, somos
obrigados a prestar, pela fé, a Deus que revela, plena adesão do intelecto e da vontade”. (DH, 3008).
428
DH, 3010.
429
DV, 8.
430
CEC, 94.
431
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Donum Veritatis. Instrução sobre a vocação
eclesial do teólogo, n 21.
432
“O interesse histórico-literário pelos Padres, próprio da patrologia que a recente Instrução para o
estudo dos Padres define como a disciplina que tem por objetivo a vida e o escrito dos Padres e que se
move sobretudo no âmbito da pesquisa histórica e da informação biográfica biográfica e literária nasce já
180
e testemunha que Deus está com os homens para livrá-los da escuridão do pecado e da
morte e ressuscitá-los para a vida eterna440.
4) Revelação na glória ou escatológica441. João diz em sua primeira carta que
“ainda não se manifestou o que seremos”442. Pelo Ressuscitado se tem um modelo que
dá a possibilidade de vislumbrar a realidade futura do próprio homem. Pela sua
condição, Ele supera o espaço e o tempo443, penetrando a realidade das coisas criadas.
Ele é a plenitude do cosmos444. Jesus Cristo é, portanto, a total realização e revelação da
bondade e da divindade das coisas. Quando Ele “em grande poder e glória”445 aparecer,
a consumação do mundo se realizará e surgirá o novo céu e a nova terra.
Na Exortação Apostólica Verbum Domini446, o papa Bento XVI fez menção à
Tradição patrística e medieval que ao se referir a Cristologia da Palavra, os autores
faziam uso da expressão “O Verbo abreviou-se”. Os Padres da Igreja se referiam a uma
frase contida no profeta Isaías447, que de acordo com a tradução grega do Novo
Testamento de que dispunham (já que São Paulo também citava essa passagem)448, o
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440
DV, 4.
441
“Escatologia é a reflexão teológica que, baseando-se no mistério pascal de Cristo, vê nele o protótipo
da condição final da humanidade como coroação do plano divino de criação e de salvação da pessoa”
(STANCAT, T. Escatologia, p. 241).
442
1Jo 3,2.
443
Jo 20,19.
444
Ef 1,23; Col 1,19.
445
Mc 13,26.
446
Essa Exortação apostólica de 2010 traz as conclusões do Sínodo sobre a Palavra acontecido no
Vaticano entre os dias 5 e 26 de outubro de 2008.
447
Is 10, 23.
448
Rm 9,28.
449
Segundo Santo Agostinho, o Novo Testamento está escondido no Antigo, ao passo que o Antigo é
desvendado no Novo Testamento. (CEC, 129).
450
Lc 2,7.
451
DA, 218.
452
Verbum Domini, 12.
182
Cristo é, portanto o Verbo de onde emana e para quem converge toda ação
reveladora de Deus453, porque Cristo é a própria revelação que não se reduz a um livro,
mas é uma Pessoa454.
essa fidelidade458. Apregoam que as narrativas bíblicas teriam sido uma construção das
primeiras comunidades que adaptaram e acrescentaram vários elementos de tal forma
que nos dias atuais não seria possível identificar aquilo que realmente aconteceu e
aquilo que foi inventado, sendo necessária uma garimpagem histórica na tentativa de se
alcançar uma certeza relativa a respeito do que é o cristianismo459.
No entanto, essa não é a compreensão da Igreja Católica. A Tradição Apostólica é
a garantia da fidelidade àquilo que foi revelado460. Pela ordem que Jesus deu aos seus
apóstolos, estes deveriam transmitir aquilo que receberam461 sem inventar nada. Essa
453
DV, 4.
454
Jo 1,14.
455
O Concílio de Trento afirmou em sua quarta sessão: “O Sacrossanto Sínodo ecumênico e geral de
Trento legitimamente reunido no Espírito Santo, tendo sempre diante dos olhos sua intenção de que,
extirpados os erros, se conserve na Igreja a pureza do Evangelho que, prometido primeiramente pelos
profetas nas Santas Escrituras, nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, promulgou por sua própria boca
e então mandou a seus apóstolos ‘pregá-lo a toda criatura’ [Mc 16,15] como fonte de toda verdade salutar
e de toda ordem moral, vendo claramente que essa verdade e essa ordem estão contidas em livros escritos
e tradições não escritas que, recebidas pelos Apóstolos da boca do próprio Cristo ou transmitidas como
que de mão em mão pelos Apóstolos, sob o ditado do Espírito Santo, chegaram até nós” (DH 1501).
456
DV, 7.
457
Como é o caso de Rudolf Bultmann.
458
GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX, p. 33.
459
Esse ponto de vista surgiu no meio protestante, é conhecido como teologia liberal, e seu primeiro
expoente foi o teólogo alemão Friedrich Schleiermacher. Outros expoentes dessa escola são Albrecht
Ritschl e Ernst Troeschl.
460
DV, 8.
461
1Cor 11.
183
Tradição se deu de duas formas: por via oral e por via escrita462. São dois métodos de
transmissão. Aqui a compreensão católica difere daquela protestante.
advertiram aos fiéis para que se mantivessem firmes naquilo que havia sido prescrito
tanto por tradição oral quanto por escrito470, conservando intacto o ensinamento que
eles mesmos haviam recebido de Jesus. Os fiéis deviam também lutar por aquela fé
recebida de uma vez para sempre471. Esse conteúdo estava relacionado com aquilo que
contribui para a santificação da vida do Povo de Deus e para o crescimento de sua fé.
Assim se caracteriza a missão da Igreja que em sua doutrina, vida e culto, mantém
através das gerações e transmite472 a elas aquilo que a própria Igreja é e tudo aquilo que
ela crê473.
462
Já o II Concílio de Niceia tinha isso bem formulado no ano 787. “Se alguém rejeita toda a tradição
eclesiástica, escrita ou não escrita, seja anátema” (DH 609). Isso foi reafirmado pelo Concílio de Trento e
também pelo Vaticano I e II.
463
DV, 8.
464
Nesse sentido, Israel era o povo escolhido por Deus no Antigo Testamento. Jesus, quando no embate
com os fariseus em Mt 23,43 anuncia que o Reino de Deus lhes seria tirado e entregue a um povo que
desses frutos, referia-se a Igreja, povo de Deus, que abarcaria não apenas os israelitas, mas também os
povos pagãos.
465
LG, 9.
466
DH, 4211.
467
Na Constituição Dogmática Dei Verbum.
468
DV, 11.
469
Em especial São Pedro e São Paulo.
470
2Tes 2,15.
471
Jud 3.
472
Pela ação do Espírito Santo.
473
DV, 8.
184
Senhor.
474
Isso porque “uma vez que em Jesus Cristo, Deus expressou a si mesmo de forma completa e não pode
haver ulteriores revelações. Entretanto, a historicidade do homem faz com que o evento da revelação não
possa ser apreendido de uma vez por todas em sua totalidade; ele sempre é percebido de uma maneira
perspectiva segundo as limitações da situação cultural em que o evangelho é pregado, ou seja, a revelação
é sempre encarnada em alguma forma histórica. Portanto, é preciso uma reflexão continuada, que já se
fez presente e que ainda continua presente” (CHAPPIN, Marcel. Introdução à História da Igreja, pp. 29-
30).
475
CEC, 137.
476
CEC, 76.
477
DV, 7.
478
Ibid.
479
At 20, 28.
480
Eles devem estar em comunhão com o sucessor de Pedro.
481
DV, 10.
482
DH, 3010.
483
LG, 22.
185
Os Santos Padres têm um papel relevante485. São eles quem coletam no período
pós-apostólico muitos dos ensinamentos orais dados pelos apóstolos. Também
registram a forma autêntica como as primeiras comunidades cristãs interpretavam a
Revelação, mostrando assim a dinamicidade da Igreja pela ação do Espírito Santo que
iluminava nas situações emblemáticas aqueles que haviam sido colocados para
resguardar a norma da fé486.
Pelas homilias e escritos dos Santos Padres também foi possível destrinchar o
ensinamento apostólico, aplicando às diferentes comunidades de acordo com o contexto
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484
CEC, 77-78.
485
DV, 8.
486
Ibid.
487
Dentre vários que existiram podemos citar alguns de mais renome como Clemente de Roma (+97),
Inácio (+110), Policarpo (+155), Justino Mártir (o primeiro apologista importante da Igreja; +165), Ireneu
(+202), Cipriano (+258), Atanásio (+373), Basílio (+379), Cirilo de Jerusalém (+386), Ambrósio (+397),
João Crisóstomo (+407), Jerônimo (+420), Agostinho (+430), Cirilo de Alexandria (+444), Papa Leão
Magno (+461) e Papa Gregório Magno (+604).
488
SCHMAUS, Michael. A fé da Igreja: Fundamentos. Vol I 2. Ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 119.
489
DV, 9.
490
Essa inter-relação é devida ao fato da promessa de Jesus de permanecer com seus discípulos até o fim
dos tempos como está em MT 28,20. (CEC, 80).
186
transmitida na íntegra aos seus sucessores que devem conservá-la, explicá-la e propagá-
la491. Dessa forma, a Igreja Católica não depende exclusivamente da Escritura no que se
refere a Revelação492, mas considera de forma determinante a Tradição Apostólica493,
diferentemente da visão protestante494.
As Escrituras quando lidas isolada da Tradição padecem de esclarecimento e dão
margem a interpretações que não necessariamente são condizentes com aquilo que os
apóstolos quiseram transmitir. A Igreja Católica sempre considerou ambas como parte
integrante do depósito da fé, de modo que as Escrituras são oriundas da Tradição.
O entendimento protestante, diferente do católico e do ortodoxo, é que só pelas
Escrituras se pode ter acesso a Cristo. Essa compreensão advém da ideia de que a Igreja
é apenas uma associação humana495 já que Cristo não poderia ter deixado uma Igreja
que possui membros pecadores. Segundo eles, se assim é, a transmissão da Revelação
teria sido corrompida e é necessário se assegurar em uma fonte imutável como é o caso
das Escrituras.
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491
DH, 4822.
492
CEC, 84.
493
DV, 9.
494
“Daí resulta que a Igreja, à qual estão confiadas a transmissão e a interpretação da Revelação ‘não
deriva a sua certeza a respeito de tudo o que foi revelado somente da Sagrada Escritura. Por isso, ambas
devem ser aceitas e veneradas com igual sentimento de piedade e reverência” (CEC, 82).
495
POCOCK, J. G. A. Linguagens do Ideário Político, São Paulo: Edusp, 2003, p. 437.
496
Já no ano 382, no Sínodo de Roma aparece o cânon da Igreja sob o Pontificado do Papa Dâmaso I, no
decreto “Decretum Damasi” (Cf. DH, 179). Essa norma foi reafirmada no III Sínodo de Cartago no ano
397.
497
A inspiração é divina, mas foi no interior da Igreja que se escolheram os livros sagrados.
187
Assim, o autor reconhece na Escritura toda, a partir dos Evangelhos, a marca eclesial498,
ou seja, da comunidade499.
Quanto mais o tempo passava e as comunidades se distanciavam temporalmente
da era apostólica, sentiu-se a necessidade de colocar por escrito aquele que era o
autêntico ensinamento dos apóstolos500. Muitas literaturas surgiram e a Igreja precisou
selecionar aqueles livros que continham de fato o ensinamento apostólico. Por isso foi
elaborado o cânon bíblico501.
Em relação aos livros do Antigo Testamento502, a Igreja aceitou os livros que
também eram usados e citados pelos Apóstolos em sua pregação. Neles estava já
traçada a promessa do Messias que, passando pela leitura cristã, assumiu seu pleno
significado em Jesus503.
Já os Livros do Novo Testamento, para se chegar a lista final contendo os vinte e
sete livros que são aceitos, foram maiores as dificuldades para se definir quais seriam os
canônicos, já que existiam correntes antagônicas como a dos seguidores de Marcião504,
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que queriam uma lista breve, enquanto os gnósticos defendiam que fossem dezenas os
livros inspirados. Por fim, chegou-se a lista final por volta do ano 300 com base na fé
dos apóstolos505.
O autor da Escritura é o próprio Deus que agiu em homens inspirados pela ação
do Espírito Santo. Imbuídos pela graça divina, eles escreveram sem sombra de erro, a
verdade e o conteúdo que Deus quis naquilo que se refere ao seu desígnio salvífico para
toda a humanidade506.
498
DV, 11.
499
SCHMAUS, Michael. A fé da Igreja, pp. 139-140.
500
CEC, 106.
501
CEC, 120.
502
CEC, 121-122.
503
DV, 15.
504
Este propunha a separação entre o Deus do Antigo Testamento e o do Novo Testamento, que deu
origem a um sistema dualista já que o que Jesus ensinava era incompatível com as ações de Deus no
Antigo Testamento.
505
A primeira lista ortodoxa dos livros do NT é o fragmento de um cânon da Escritura, redigido em latim,
da segunda metade do século II, descoberto em Milão e publicado em 1740, conhecido como “cânon
muratoriano”, o qual, assim mesmo, omite cinco cartas do Cânon atual. Apresenta provavelmente o cânon
da Igreja de Roma. A canonicidade de alguns livros do NT só foi estabelecida depois de muita hesitação.
Na Igreja Ocidental não foi estabelecida até cerca de 380-390, ao passo que na Oriental, uma vez que
restava ainda questões relativas ao livro do Apocalipse, este não foi estabelecido sequer no final do
século VII. Em 367, Sto. Atanásio apresenta o primeiro cânon completo do Novo Testamento.
(COFFFELE, G. Cânon. In.: LEXICON. Dicionário Teológico Enciclopédico. São Paulo: Loyola, 2003
p. 90).
506
DV, 12.
188
submetido ao crivo do Magistério eclesiástico que tem a palavra final no que se refere a
correta interpretação dos textos sagrados511.
As Sagradas Escrituras, a Sagrada Tradição e o Sagrado Magistério estão
entrelaçados entre si512, de acordo com a vontade de Deus, unidos numa
interdependência que, pela ação do Espírito Santo, contribuem de forma decisiva para a
salvação do gênero humano.
Michael Schmaus diz que a Tradição encontra-se vinculada ao ministério
apostólico. Sendo assim, a missão da Igreja de transmitir não se encerrou com a criação
do Cânon dos livros inspirados das Escrituras. Embora passe a constituir o instrumento
da pregação da Igreja, os escritos reunidos no Cânon devem continuar a serem
interpretados até o retorno de Cristo513.
Há ainda que se acrescentar que hoje em dia se coloca em dúvida a historicidade
dos Evangelhos. A Igreja professa a fé de que os Evangelhos têm base histórica e,
portanto devem ser acreditados514. A ideia de que haveria um Jesus histórico, mas que
507
CEC, 110.
508
DV, 12.
509
CEC, 113.
510
CEC, 114.
511
DV, 12.
512
CEC, 97.
513
SCHMAUS, Michael. A fé da Igreja, p. 149.
514
DV, 19.
189
contexto vivo. Ele acolhe tudo isso e em toda sua obra tenta representar o Jesus dos
Evangelhos com o Jesus verdadeiro, isto é, aquele autenticamente histórico. Diz
Ratzinger: “Estou convencido (...) que esta figura é mais lógica e historicamente
considerada mais compreensível do que as reconstruções com as quais fomos
confrontados nas últimas décadas”516.
De todo modo, a Igreja crê na Palavra de Deus (Cristo) como uma Pessoa viva e
não como um livro. E também por isso, cada texto inspirado não pode estar restrito
somente ao seu sentido literal, mas possui também o sentido espiritual517 que, por sua
vez, divide-se em alegórico (significação dos acontecimentos em Cristo), moral (agir do
cristão) e anagógico (significação eterna dos acontecimentos).
Toda a Escritura possui uma unidade entrelaçada pelo Antigo e o Novo
Testamento518. À luz dos acontecimentos pascais, a Igreja lê os textos inspirados,
considerando que é assim que eles atingem seu pleno e verdadeiro significado519.
515
Esse ensinamento foi rechaçado pela bula Silabo de Pio IX no ano de 1864 (cf. DH 2907), fato
reafirmado pelo Concílio Vaticano I na Constituição Dei Filius (cf. DH 3034) no ano de 1870, e que foi
seguido por outros papas que condenavam os erros do modernismo.
516
BENTO XVI. Jesus de Nazaré: Do Batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo: Planeta, 2007, p.
17.
517
CEC, 115-119.
518
CEC, 128.
519
CEC, 129.
190
520
A Igreja usa de muita cautela frente a estas “mensagens”. Muitas das pessoas envolvidas foram
investigadas durante décadas. Nem sempre a Igreja profere alguma palavra sobre o acontecido.
521
Nesse processo que acontece no Vaticano, a Igreja consulta especialista de diversas áreas da ciência
para se certificar de que não se está diante de uma fraude.
522
CEC, 67.
523
A revelação privada nunca pode contradizer a Revelação feita por Cristo. Diz o Catecismo: “A fé
cristã não pode aceitar ‘revelações’ que pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelação da qual Cristo é a
perfeição. Este é o caso de certas religiões não-cristãs e também de certas seitas recentes que se
fundamentam em tais ‘revelações’” (CEC, 67).
524
CEC, 93.
191
revelações estiver de acordo com a vontade de Cristo e que constitui um apelo autêntico
dos santos à Igreja525.
525
CEC, 67.
526
SESBOÜÉ, Bernard. O Deus da salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola, 2002, p. 177.
527
CEC, 465.
528
Segundo o dicionário LEXICONN “Do grego háiresis (escolha, em seu significado originário, a
heresia é a acentuação de um aspecto particular da verdade em detrimento do conjunto orgânico e do
vínculo com as demais verdades. Em âmbito católico, é a negação não só do fato (materialmente) mas
também livre, pertinaz e consciente (formalmente) de uma ou mais verdades de fé ensinadas pela Igreja”
(OCCHIPONTI, G. Heresia., p. 334).
529
BARTMANN, Bernardo. Teologia Dogmática. A Redenção – A Graça – A Igreja., Vol II. São Paulo:
Paulinas, 1962, p. 40.
530
Jo 1,14.
531
BETTENCOURT, Estevão. As Heresias Cristológicas e trinitárias. Disponível em:
<http://www.clerus.org/clerus/dati/2009-01/02-13/As_Heresias_Cristologicas_e_Trinitarias.html>.
192
Carta aos Hebreus é que confirma este fato ao dizer que Jesus era semelhante a nós em
tudo, exceto no pecado532.
No entanto, como está no Catecismo533, as primeiras heresias não negavam a
divindade de Jesus, mas sua humanidade. Se os apóstolos tiveram certeza de que ele era
homem, as gerações seguintes passaram a considerar que sua humanidade seria apenas
uma aparência, dando origem ao docetismo534 (doceo = parecer) gnóstico535.
É num período posterior que surgem as heresias que negavam a divindade de
Jesus. Uma das primeiras é o adocionismo536 de Paulo de Samósata. Segundo ele, Jesus
seria um homem normal que no batismo foi adotado como filho de Deus e assim
permaneceu durante sua vida pública. Na hora da cruz, no entanto, Deus teria
abandonado Jesus e por isso o mesmo teria exclamado “Meu Deus, meu Deus, por que
me abandonastes?”
Por fim, veio o arianismo por causa de seu propagador Ário. Ele considerava que
o Verbo era divino537. No entanto, ele afirma que houve um tempo em que Deus não era
Pai e num determinado momento o Pai teria criado o Verbo538 numa condição divina539.
O Catecismo enuncia este fato quando faz o relato de que no Primeiro Concílio
Ecumênico de Niceia540, ocorrido no ano de 325, os Padres Conciliares confessaram em
seu Credo541 que o Filho de Deus é gerado, não criado, sendo consubstancial
(homousios) ao Pai. Dessa forma, ficaram condenados os ensinamentos de Ário que
consideravam que o Filho de Deus teria surgido do nada e que ainda seria portador de
uma substância que diferia da de Deus Pai542.
Ário foi presbítero em uma igreja próxima ao porto de Alexandria. Ele começou a
pregar suas ideias e a difundi-las criando pequenos refrãos musicais que faziam as
pessoas guardarem mais facilmente aquilo que ele apregoava. Usava como citação o
532
Hb 4,15.
533
CEC, 465.
534
AMATO, Angelo. Gesú il Signore, p. 220
535
SESBOÜÉ, Bernard. O Deus da salvação (séculos I-VIII), p. 40.
536
AMATO, Angelo. Gesú il Signore , pp. 218-219.
537
SESBOÜÉ, Bernard. O Deus da salvação (séculos I-VIII), pp. 206-211.
538
BARTMANN, Bernardo. Teologia Dogmática, p. 42.
539
AMATO, Angelo. Gesú il Signore, pp. 229-231.
540
DUPUIS, J. Introdução à cristologia, p. 108.
541
DH, 125.
542
CEC, 465.
193
trecho de Provérbios que diz “Deus me criou, primícias de sua obra/ de seus feitos mais
antigos”543.
Essa conclusão equivocada surge porque Ário usava o método dedutivo e não
conseguia entender como Deus poderia ser Um e Dois ao mesmo tempo544. A partir
dessa incompreensão, ele busca citações nas Escrituras que embasem sua lógica
racional-filosófica.
O trecho abaixo, compilado por Hilário de Poitiers traz em resumo a síntese do
pensamento de Ário.
coisas, ele recebe o ser só do Pai... Mas não é eterno, nem coeterno nem incriado
juntamente com o Pai545.
543
Prov 8, 22.
544
RAUSCH, Thomas P. Quem é Jesus?Uma introdução a Cristologia. Aparecida: Santuário, 2006, pp.
250-251.
545
LADARIA, Luis F. Deus vivo e verdadeiro. São Paulo: Edições Loyola, 2005, p. 184.
546
SESBOÜÉ, Bernard. O Deus da salvação (séculos I-VIII), p. 207.
547
Ibid, p. 212.
548
Jo 10,30.
194
concepção de quem é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade não seja aceita pelos
helenistas. Apenas usa a linguagem grega para refutar os argumentos dos helenizantes,
que não aceitavam o fato de que Deus poderia ser um e três ao mesmo tempo552.
Quando o imperador Constantino abre o Concílio, ele dá liberdade aos Padres
para que discutam livremente as ideias e a paz retornasse ao Império através de um
acordo de paz entre os bispos553. Foi Ósio de Córdoba quem no findar do Concílio,
sugeriu com apoio dos Padres Conciliares e do Imperador o acréscimo do termo
homousíos no Credo que já havia sido aprovado e que fora proposto por Eusébio de
Cesareia554.
O Concílio, por fim, condenou Ário dizendo que “Antes de tudo, pois, foi
examinado o que diz respeito à impiedade e ao delito de Ário e dos seus seguidores, ... e
unanimemente decidimos anatematizar a sua ímpia doutrina”555. O Concílio se refere às
549
1Tm 2, 4-5.
550
Jo 17,3.
551
1,15.
552
“Na realidade, o que ocorreu não foi uma helenização do cristianismo, mas uma cristianização do
helenismo. O processo de inculturação do cristianismo numa cultura determinada implica sempre e
necessariamente um movimento de cristianização dessa cultura, em que os conceitos adquirem algo mais
no seu significado, à medida que são usados para enunciar o mistério cristão” (DUPUIS, J. Introdução à
cristologia, p. 112).
553
SESBOÜÉ, Bernard. O Deus da salvação (séculos I-VIII), p. 213.
554
Ibid., pp. 214-215.
555
DH, 130.
195
ditas expressões blasfemas em que Ário afirmava que o Filho de Deus teria vindo do
nada e que teria havido um tempo em que ele não era.
Outra condenação se remeteu ao fato de Ário dizer que Jesus “por sua própria
vontade era capaz do mal e da virtude, e ao chamá-lo de criatura e produto; tudo isso, o
santo Sínodo anatematizou, não suportando sequer ouvir a ímpia doutrina ou desvario,
nem as palavras blasfemas”556.
Apesar dos bispos terem assinado o acordo feito no Concílio, alguns deles se
arrependeram e quiseram tirar seu apoio557 ao termo grego a ponto de o Imperador se
arrepender de ter aceitado o acréscimo de tal termo. Santo Atanásio558 surge como uma
figura importante a defender a manutenção do homousios559.
Tão grande foi a reviravolta que na iminência da morte de Constantino, Ário havia
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556
Ibid.
557
SESBOÜÉ, Bernard. O Deus da salvação (séculos I-VIII), pp. 217-218.
558
“Atanásio nasceu em Alexandria em 298 ou 299. Com a morte do bispo Alexandre, é eleito arcebispo
de Alexandria, embora não tenha ainda completado os trinta anos canônicos para tanto. Essa
irregularidade lhe causará muitos aborrecimentos. Sua longa vida de bispo será extremamente
movimentada e pontuada por cinco exílios sucessivos, em razão das variações da política imperial” (Ibid.,
p. 220).
559
Ibid., pp. 219-220.
560
Ibid., pp. 224-225.
561
RAUSCH, Thomas P. Quem é Jesus?, p. 254.
562
SESBOÜÉ, Bernard. O Deus da salvação (séculos I-VIII), pp. 240-242.
196
quanto nicenos. Estes, no entanto, tiveram tempo de se articular num período de trégua.
Com a morte de Juliano, Valeriano assume o império no Ocidente e dá liberdade aos
nicenos. No Oriente, no entanto, assume Valente, um ariano. Este morre logo e
Valeriano assume todo império e convoca o Concílio de Constantinopla563.
563
“O Concílio de Constantinopla I foi de pacificação. Pôs fim aos cinquenta anos de conflito que
assolaram o Oriente cristão após o Concílio de Niceia. Recolheu a herança deste e confirmou sua
definição ao retomar a afirmação do consubstancial a propósito do Filho. Situou seu próprio ensinamento
na esteira de seu glorioso predecessor, afirmando a propósito do Espírito, com outros termos decerto, a
mesma divindade que a do Pai e a do Filho. Não foi, portanto, sem razão – além das numerosas
contaminações que se produzirão na tradição manuscrita entre as duas confissões de fé – que seu Símbolo
recebeu a designação de Niceia-Constantinopla” (Ibid., p. 242).
564
CEC, 466.
565
DUPUIS, J. Introdução à cristologia, p. 120.
566
RAUSCH, Thomas P. Quem é Jesus?, p. 255.
567
SESBOÜÉ, Bernard. O Deus da salvação (séculos I-VIII), pp. 316-317.
568
Ibid., pp. 328-329.
569
CEC, 466.
197
Em uma das cartas de Cirilo a Nestório, ele afirma que de Maria não nasceu um
homem qualquer e, posteriormente, sobre este homem desceria o Verbo. O que na
realidade aconteceu foi que o Verbo, estando unido desde o útero materno, assumiu o
nascimento carnal, apropriando-se o nascimento de sua própria carne. Cirilo afirma
ainda nessa carta que desde o começo, os Santos Padres chamaram a Virgem Maria de
Deípara, esclarecendo que isso não se deve ao fato de que ela teria gerado a natureza
divina do Verbo, “mas no sentido de que, por ter recebido dela o santo corpo dotado de
alma racional ao qual também estava unido segundo a hipóstase, o Verbo se diz nascido
segundo a carne”574.
Esse é um equilíbrio que precisa ser mantido, pois, caso contrário, como
aconteceria na controvérsia, que também, levou ao Concílio de Calcedônia de 451,
pode-se cair no outro extremo, em que a natureza humana será anulada pela natureza
divina de tal forma que segundo os monofisitas haveria apenas uma natureza.
A heresia monofisita foi derrotada pela fé expressa no chamado Tomo a
Flaviano575. Este foi lido durante o Concílio de Calcedônia576 causando nos Padres
570
RAUSCH, Thomas P. Quem é Jesus?, p. 258.
571
BARTMANN, Bernardo. Teologia Dogmática, p. 43.
572
AMATO, Angelo. Gesú il Signore., p. 293.
573
DUPUIS, J. Introdução à cristologia, p. 129.
574
DH, 251.
575
AMATO, Angelo. Gesú il Signore, pp. 287-289.
198
conciliares um espanto pela clareza com que definia a fé na Pessoa Divina de Cristo e
suas duas naturezas577. Nela o ensinamento que o Concílio assumiu como sendo a
verdadeira fé católica:
Apesar da clareza com que a fé é exposta, haverá distorções que precisaram ser
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576
BARTMANN, Bernardo. Teologia Dogmática, p. 70.
577
DUPUIS, J. Introdução à cristologia, p. 128.
578
CEC, 467.
579
Formulações contidas em DH, 421-438.
580
DUPUIS, J. Introdução à cristologia, pp. 133-134.
581
CEC, 468.
582
AMATO, Angelo. Gesú il Signore, p. 311.
583
SESBOÜÉ, Bernard. O Deus da salvação (séculos I-VIII), p. 358.
584
“Um, de fato, é Deus Pai, de quem tudo, um o Senhor Jesus Cristo, por quem tudo, um o Espírito
Santo, em quem tudo” (DH, 421).
199
Assim, “aquele que foi crucificado na carne, Nosso Senhor Jesus Cristo, é
verdadeiro Deus, Senhor da glória e Um da Santíssima Trindade”585, conforme as
palavras que estão no Catecismo e que foram retiradas do Segundo Concílio de
Constantinopla.
A dificuldade que aqui se encontra é que nem todos reconheceram no escritores
condenados os erros que foram imputados aos seus escritos e a dificuldade que se tem
hoje em dia é que não se tem acesso direto aos seus escritos, mas somente através de
citações de seus adversários, pois sempre que alguém era condenado, seus escritos eram
todos queimados.
Os autores condenados são: 1) Teodoro de Mopsuéstia († 428), sua pessoa e seus
escritos; 2) os escritos de Teodoreto de Ciro († 466) contra Cirilo e o Concílio de Éfeso;
3) a carta do bispo Ibas de Edessa († 457) ao bispo Mário de Ardashir em defesa de
Teodoro de Mopsuéstia e contra os anatematismos de Cirilo586.
Mesmo com as controvérsias, o Concílio foi sendo gradualmente aceito pelas
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Igrejas também do Ocidente. Assim o Concílio de 553 foi sendo reconhecido como
sendo Ecumênico e ficou conhecido como Constantinopla II587. Depois deste Concílio,
outras questões cristológicas foram discutidas, tanto na Escolástica quanto no contexto
da Reforma até o Concílio Vaticano II. Todavia, com o objetivo de pontuarmos apenas
os principais marcos da cristologia bíblica-eclesial, daremos um salto histórico dada a
brevidade deste capítulo.
Quando o Concílio Vaticano II foi convocado pela Papa João XXIII588, este tinha
por intenção pastoral transmitir a mensagem de salvação de Jesus Cristo para a
sociedade contemporânea em mudança589, com uma linguagem mais apropriada aos
tempos modernos. Queria com isso, aproximar a Igreja Católica de um mundo com
profundas transformações590.
585
CEC, 467.
586
AMATO, Angelo. Gesú il Signore, p. 318.
587
DUPUIS, J. Introdução à cristologia, p. 134.
588
Através da Constituição Apostólica Humanae Salutis de 25 de dezembro de 1961.
589
SOUZA, N. Uma análise da sociedade no caminho do Vaticano II. In.: Revista de Cultura Teológica,
n. 48, 2004, p. 19-29.
590
VATICANO II. Mensagens, discursos e documentos, pp. 11-18.
200
João XXIII identificou seu tempo com a insurgência de uma nova ordem mundial
em que a humanidade atingia um patamar nunca antes experimentado no que se refere
aos avanços tecnológicos591. Contudo, situa-se em meio a vários dramas éticos resultado
de seu afastamento de Deus.
O Papa viu nisso não uma encruzilhada da qual não há saída, mas um leque de
oportunidades para uma ação eclesial efetiva, da mesma forma como sempre se deu nas
grandes crises históricas enfrentadas pela Igreja.
Na Constituição Apostólica Humanae Salutis, através da qual convocou o
Concílio Vaticano II, João XXIII revela sua perspectiva otimista de desencadear nos
mais diversos âmbitos eclesiais uma renovação que leve a Igreja a se fortalecer e a se
unir em meio às profundas transformações vividas pela sociedade.
Ele considerava essas mudanças como uma verdadeira surpresa em uma
humanidade nova. Queria com isso salientar que também a Igreja deveria experimentar
com o Concílio uma mudança, tornando-se mais perfeita e mais unida, de forma a
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tornar a doutrina que já é rica um tanto mais fecunda a fim de que ela brilhe com uma
santidade mais intensa e assim estar preparada para os grandes combates da fé que são
travados na contemporaneidade.
Essa preocupação com a Igreja deriva do fato de que era necessário, segundo o
Papa, refletir ao mundo a imagem de Jesus Cristo de tal forma que a humanidade se
sinta amada e protegida, assim como a esposa é amada e protegida pelo esposo.
O Concílio teve início em 11 de outubro de 1962 e encerrou suas atividades em 8
de dezembro de 1965. Ele foi interrompido pelo falecimento do Papa João XXIII (em
1963) que foi substituído pelo Papa Paulo VI. Este teve a difícil tarefa de decidir se iria
até o fim com o Concílio ou se iria suspendê-lo. Por fim, em meio a tantas controvérsias
e as divisões que surgiram entre os Padres Conciliares, o Papa Paulo VI decide por
levá-lo adiante.
O clima entre os bispos de todo mundo e mesmo entre os teólogos católicos era de
muita esperança. Algumas pequenas reformas já estavam sendo implementadas aos
poucos pelos Papas que precederam Paulo VI como é o caso da reforma litúrgica
realizada por Pio XII e João XXIII, bem como uma certa liberdade de pensamento nos
ambientes acadêmicos católicos como é o caso da utilização do método histórico-crítico
para ler os textos das Sagradas Escrituras. Além disso, começava a ter espaço dentro da
591
ZANON, Darlei. Para ler o Concílio Vaticano II, p. 7.
201
Igreja Católica o movimento ecumênico que abriu pontes de diálogo com outras
denominações cristãs.
No Concílio, houve grupos592 que polarizaram as discussões. Dois se destacaram
de forma especial: um grupo mais conservador ligado à Cúria Romana e outro mais
reformador, integrado por cardeais europeus e bispos americanos. A consequência disso
no pós-Concílio é que se formaram duas hermenêuticas do Vaticano II: uma que faz
uma leitura em continuidade com a Tradição da Igreja e outra que enxerga no Concílio
uma ruptura com o passado593.
Desde o pontificado de João Paulo II e mais ainda no de Bento XVI, a linha que
foi assumida é a chamada hermenêutica da continuidade. É uma forma de enxergar o
Concílio com base nos dezesseis textos que foram produzidos e que possuem um valor
desigual entre si. O conjunto dos textos exprime um magistério não infalível, mas
autêntico, em consonância com a autoridade da Igreja. Esses textos devem ser lidos
numa perspectiva de continuidade com os documentos que vieram antes e também os
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592
FISICHELLA, Rino. Cristologia e Cristologias. In.: LEXICON. Dicionário Teológico Enciclopédico.
São Paulo: Loyola, 2003, p. 782.
593
MATTEI, Roberto de. Apologia da Tradição. Turim: Ambientes & Costumes Editora, 2013, p. 127.
594
Ibid., p. 128.
595
Id. O Concílio Vaticano II: Uma história nunca escrita. Porto: Caminhos Romanos, 2012, p. 9.
596
A Principal obra que expressa essa posição é de Giuseppe Alberigo, chamada Storia del Concilio
Vaticano II.
597
Expressa bem essa visão o adágio “João XXIII, de um Papa de Transição”, converteu-se no Papa da
Igreja em transição. (MARINS, José F. Vaticano II, p. 56).
202
acontecimento. Começava então, para ela, um percurso novo da sua história. Os Padres,
reunidos no Concílio, tinham sentido forte, como um verdadeiro sopro do Espírito, a
exigência de falar de Deus aos homens do seu tempo de modo mais compreensível.
Derrubadas as muralhas que, por demasiado tempo, tinham encerrado a Igreja numa
cidadela privilegiada, chegara o tempo de anunciar o Evangelho de maneira nova. Uma
nova etapa na evangelização de sempre. Um novo compromisso para todos os cristãos de
testemunharem, com mais entusiasmo e convicção, a sua fé. A Igreja sentia a
responsabilidade de ser, no mundo, o sinal vivo do amor do Pai598.
598
Misericordiae Vultus, 4.
599
MATTEI, Roberto de. O Concilio Vaticano II, p. 10.
600
Ibid., p. 74.
601
Cf. CALIMAN, C. Do Rio de Janeiro (1955) a Aparecida (2007). O Itinerário profético da Igreja na
América Latina, 2007. Disponível em <www.cefep.org.br/noticias/mariana>. Acessado no dia 23 de
novembro de 2012.
602
VATICANO II. Mensagens, discursos e documentos, p. 23
203
603
Na obra de ALBERIGO, Giuseppe; JOSSUA, Jean Pierre. La Reception de Vatican II.
604
MARINS, José F. Vaticano II, p. 64.
605
Ibid., p. 58-59.
606
Ibid., p. 75.
204
Foi uma aventura de toda a Igreja, uma aventura espiritual, teológica e pastoral plena de
entusiasmo, levada a cabo com participação, com verdadeira paixão, talvez como
nenhuma outra que se possa lembrar ao longo da história da Igreja. A Igreja Latino-
americana se tornou um fervedouro de ideias, de novas experiências, de renovação
pastoral e compromisso social, de reflexão teológica e uma nova experiência espiritual607.
realizada na Catacumba de Domitila e contém treze pontos, nos quais todos aqueles que
o assinaram se comprometiam em viver uma vida austera, na pobreza, repudiando todos
os símbolos e privilégios que tinham conotação de poder e assumiam o compromisso de
colocar os pobres no centro de seu ministério pastoral. Além disso, através desse pacto,
também se comprometiam em viver a colegialidade entre os bispos e com a
corresponsabilidade da Igreja como Povo de Deus, além da abertura ao mundo e da
prioridade na acolhida dos irmãos608.
As consequências dessa práxis levaram as Conferências de Medellín e de Puebla
em 1979 a centrarem seus esforços em projetar no rosto dos pobres do continente o
rosto do próprio Cristo.
Leonardo Boff, um dos impulsionadores da Teologia da Libertação na América
Latina, identifica na morte de Cristo na cruz o desejo de Deus em querer uma libertação
integral para o ser humano. O autor salienta que a história da salvação sempre foi uma
história de opressão nos mais diversos níveis, mas que a ação de Deus fez irromper a
libertação, de modo que os homens pudessem dar passos em direção a um reino de paz
607
VIGIL, José Maria. O Concílio Vaticano II e sua recepção na América Latina, REB, n. 66, 2007, p.
373.
608
MARINS, José F. Vaticano II, p. 72.
205
e justiça. A figura de Jesus Cristo aparece como um libertador integral, que assume para
si a causa dos pobres e dá a eles o privilégio de serem os primeiros no Reino de Deus.
Boff diz ainda que a forma de Cristo assumir a morte faz transparecer sua
perspectiva de libertação integral do ser humano e considera que a temática dos pobres
não pode ser visto apenas como um tema entre tantos outros que existem no evangelho,
senão como um elemento substancial sem o qual não é possível entendê-lo. Por isso
mesmo, a Igreja deve ser instrumento e também sinal da libertação de Jesus Cristo ao
longo da história. O lugar teológico da Igreja é em meio aos pobres, ponto de partida
para se estabelecer as demais relações dela com a sociedade609.
É bastante acentuada a importância que os teólogos da libertação e o episcopado
latino-americano deram a um trecho da Constituição Dogmática Lumen Gentium, que
trata da Igreja610, em que os Padres Conciliares fazem referência aos que sofrem. “[A
Igreja] reconhece nos pobres e nos desvalidos a imagem de seu fundador, pobre e
sofredor, empenha-se em combater a pobreza e se coloca a serviço dos pobres, como a
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serviço de Cristo”611.
A Conferência de Medellín não traz em si uma cristologia específica, mas recolhe
dos conhecimentos já existentes e a aplica à realidade social latino americana 612. Um
dos exemplos desta prática pode ser vista na leitura que Ivanise Bombonatto faz da
análise de John Sobrino sobre a cristologia latino-americana.
A autora diz que os bispos reunidos na Conferência de Medellín confessam tanto
a divindade quanto a humanidade de Cristo, em comunhão com o que a Igreja diz, mas
introduz o princípio de parcialidade, ou seja, Jesus Cristo faz uma opção e sua opção é
pelos pobres. Ele não apenas faz essa opção como também abraça a pobreza. Segundo
Sobrino, este ponto constitui uma novidade dentro da Cristologia, já que
tradicionalmente se costumava dizer que a opção de Jesus estava radicada na
imparcialidade, no sentido de que Cristo seria universalmente homem, e por isso, salvou
e chamou todos os homens igualmente613.
609
Cf. BOFF, Leonardo. Novas Fronteiras da Igreja: o futuro de um povo a caminho. Campinas: Verus
Editora, 2004, pp.55-56.
610
ZANON, Darlei. Para ler o Concílio Vaticano II, p. 18.
611
LG, 8.
612
MARINS, José F. Vaticano II, p. 74.
613
BOMBONATTO, Ivanise. Seguimento de Jesus na Cristologia de Jon Sobrino. Dissertação de
Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012, p. 42. Disponível em:
<http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=15189>. Acesso em 1 de mar. De
2015.
206
compadeceu-se das multidões e fez o bem a todos. Este povo, acabrunhado pelo pecado
e pela dor, esperava a libertação que ele lhes prometeu”615. Com essas palavras, os
bispos buscaram identificar o contexto histórico-social de Jesus com o contexto
histórico-social dos povos latino-americanos.
Esse rosto de Jesus o difere daquele apresentado muitas vezes pela própria liturgia
como o Deus Todo-Poderoso, distante e alheio às realidades sofridas do Povo de Deus.
Faz-se uma verdadeira reconstrução histórica tendo como base os marginalizados da
sociedade.
O Magistério eclesial Latino-Americano encontrará ampla abertura nesses
primeiros anos após o Concílio, conseguindo dessa forma empreender seu intento de
relê-lo a partir de sua própria realidade. No Brasil, de forma especial, com o aval da
CNBB, tanto as Diretrizes Gerais da ação Evangelizadora quanto as Campanhas da
Fraternidade focarão durante anos aspectos sofridos da realidade do povo brasileiro. A
Liturgia, as homilias, os encontros de formação promovidos pelos Regionais enfatizarão
com muita força essa necessidade de sanar as injustiças sociais a fim de buscar a
libertação integral.
614
CELAM. A Igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio. Conclusões de
Medellín. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 42.
615
PUEBLA, p. 128
207
1. Seu nome é Jesus Cristo e passa fome/ e grita pela boca dos famintos,
e a gente quando vê passa adiante/ às vezes pra chegar depressa a igreja.
Seu nome é Jesus Cristo e está sem casa/ e dorme pelas beiras das calçadas.
E a gente quando vê aperta o passo/ e diz que ele dormiu embriagado.
2. Seu nome é Jesus Cristo e está doente/ e vive atrás das grades das cadeias,
e nós tão raramente vamos vê-lo/ sabemos que ele é um marginal.
Seu nome é Jesus Cristo e anda sedento/ por um mundo de Amor e de Justiça,
mas logo que contesta pela Paz/ a “ordem” o obriga a ser de guerra.
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616
BOMBONATTO, Ivanise. Seguimento de Jesus na Cristologia de Jon Sobrino, pp. 38-39.
208
serviu como princípio interpretativo de todo o documento. Por isso mesmo, a crítica que
os que se apegaram a Medellín e Puebla fazem é que se deixou de lado o Jesus de
Nazaré, que se fez pobre entre os pobres, para colocar no lugar um Jesus Cristo abstrato
e intangível para o povo618.
A Nova Evangelização convocada pelo Papa João Paulo II ressoa com bastante
força no documento final de Santo Domingo. Os bispos encaram esse chamado como
um desafio diante do divórcio entre fé e vida que se dá no continente e que é causador
de tantas realidades de injustiças, desigualdades e violência.
Aparece ainda como fundamental a adesão a Jesus Cristo e sua Igreja, sem a qual
não será possível qualquer compromisso concreto com a retomada das energias perdidas
por tantos cristãos que passam a viver alheios a fé e sem compromissos efetivos com a
transformação da realidade.
O documento aponta a necessidade de uma renovação da linguagem para
conseguir inserir Jesus Cristo na nova cultura urbana e assim fazer com que o Verbo se
encarne também nas novas formas de pensamento, sem no entanto, descaracterizar a
mensagem cristã em sua essência.
617
Hb 13,8.
618
BOMBONATTO, Ivanise. Seguimento de Jesus na Cristologia de Jon Sobrino, p. 46.
209
vida e também para o futuro da Igreja, e assim, consegue iluminar suas relações com as
pessoas e com a sociedade620.
Nesse documento, a opção por Jesus é a opção fundamental capaz de
comprometer a própria liberdade do cristão. Mas essa escolha é a única capaz de dar ao
homem a realização verdadeira, porque é uma resposta ao amor, que amou primeiro
cada ser humano.
A partir dessa resposta, o discípulo é chamado a se configurar ao Mestre pelo
mandamento do amor. Jesus deve ser a chave de leitura dos acontecimentos
contemporâneos.
O Documento final de Aparecida exorta os cristãos para que na trilha do
seguimento de Jesus, possam aprender e praticar as bem-aventuranças do Reino, bem
como o estilo de vida do próprio Jesus, tendo presente seu amor e sua obediência filial
ao Pai. Nas relações com os seres humanos em geral, o cristão precisa ter compaixão
frente às diversas situações que ocasionam a dor humana e se fazer próximo dos pobres
e dos pequenos, como fazia Jesus que foi tão fiel a missão que lhe foi dada pelo Pai, que
chegou a doação de sua própria vida621.
619
Jo 14,6.
620
BOMBONATTO, Ivanise. Seguimento de Jesus na Cristologia de Jon Sobrino, p. 47.
621
DA, 139.
210
por outros uma quebra em relação à leitura que a Tradição da Igreja faz da Pessoa de
Jesus, que é o centro da fé. As raízes dessa mudança de foco tiveram origem a partir da
distinção realizada por R. Bultmann entre o Jesus Histórico e o Cristo da Fé623. Segundo
o teólogo alemão, não se pode sustentar cientificamente que o Jesus apresentado pelos
Evangelhos seja de fato a personagem histórica que andou pela Judéia e Galiléia no
século I.
Nessa linha, as Sagradas Escrituras e a Tradição da Igreja têm sua credibilidade
abalada, tornando supremo o critério científico624. Isso deixou a cristologia, que é o
núcleo da fé, esvaziada e sujeita a novas interpretações. A figura de Jesus passa a estar
apta a receber novos significados625.
Essa leitura, que foi feita pelo Cardeal Joseph Ratzinger no ano de 1984, período
em que ele era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, acrescenta ainda a
importância que Bultmann teve no resgate do conceito “hermenêutica”.
Ratzinger salienta que na palavra ‘hermenêutica’ pode se expressar a ideia de que
uma compreensão real dos textos históricos não se dá por uma mera interpretação
622
Ibid.
623
RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo: Preleções sobre o Símbolo Apostólico. São Paulo:
Loyola, 2005, pp. 159-161.
624
Cf. BAUCKHAM, Richard. Jesus e as testemunhas oculares: Os Evangelhos como testemunhos de
testemunhas oculares. São Paulo: Paulus, 2011, pp. 13-17.
625
Cf. PAGOLA, José Antonio. Jesus: Aproximação Histórica. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 25.
211
histórica. No entanto, afirma que toda interpretação histórica traz consigo decisões
preliminares. “A hermenêutica tem a função de atualizar, em conexão com a
determinação de dado histórico. Nela, segundo a terminologia clássica, se trata de uma
‘fusão dos horizontes’ entre ‘então’ (‘naquele tempo’) e o ‘hoje’”626. Ficaria então a
questão sobre qual o significado do “então” nos dias de hoje? No caso de Bultmann,
Ratzinger diz que ele respondeu a esta pergunta fazendo uso da filosofia de Heidegger e
interpretou a Bíblia, seguindo esta linha, no sentido existencialista627.
Essa leitura abriu a possibilidade de transferência da figura de Jesus para uma
realidade mais de acordo com o tempo presente. Como nos ambientes acadêmicos a
partir da década de 60, o principal esquema utilizado para uma leitura da sociedade é o
esquema marxista, ele será incorporado como método hermenêutico da Teologia pelos
teólogos da libertação. Assim, a Cristologia é atingida de forma determinante por esse
esquema.
O que se busca, na verdade, é que a Teologia da Libertação não seja mais um dos
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ramos da Teologia, mas uma nova forma de se fazer Teologia, como afirma
Kloppenburg: “A idéia de libertação deveria estar presente em todos os pontos de todas
as áreas da teologia e deveria ser um novo princípio de síntese”628.
A hermenêutica que será usada pelos teólogos da Libertação é a “opção
preferencial pelos pobres” que denuncia o esquema tradicional de se fazer Teologia
como sendo uma maneira de manter o status quo social e privilegiar o homem branco
europeu. Ao radicar-se na realidade do povo sofrido, em especial na América Latina, a
Cristologia da Libertação vê o próprio Cristo como aquele que sofre nos pobres e
marginalizados da sociedade.
Baseados nessa figura de um Jesus que também foi pobre, esses teólogos
selecionam os trechos das Escrituras que correspondem à sua leitura, criando uma
armadilha para o Magistério da Igreja que, ao querer intervir, é considerado como
instrumento da classe dominante.
Os conceitos tradicionais do cristianismo são relidos a partir da hermenêutica
marxista. Alguns deles como “Povo de Deus”, “Igreja”, “experiência” adquirem novas
significações e passam a servir aos interesses desses teólogos. Uma de suas principais
626
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da
Libertação, pp. 18-19.
627
Ibid.
628
KLOPPENBURG, Bonaventure. Temptations for the Theology of Liberation. Chicago: Herald Press,
1974, p.13.
212
629
FISICHELLA, Rino. Cristologia e Cristologias., p. 159.
630
DUPUIS, J. Introdução à cristologia, p.42.
213
dá uma nova vida neste mundo àqueles que são vítimas da luta de classes e essa é a
missão da Igreja.
Outra passagem bíblica de fundamental importância é a narrativa do Êxodo, vista
como uma figura da libertação integral que Deus quer, através de seu Filho, operar em
toda humanidade.
Essa elaboração teológica e sistemática exposta em poucas palavras neste trabalho
sofreu intervenções por parte do Magistério da Igreja. A Congregação para a Doutrina
da Fé, em 1984, emitiu um documento frisando aquilo que havia de positivo e
condenando a leitura reducionista da Cristologia da Libertação. De acordo com o
Cardeal Ratzinger, a busca de uma convivência fraterna, justa e solidária que emana do
coração do povo é coerente com a vida nova que Cristo trouxe à humanidade e já
aparecia no profetismo do Antigo Testamento. No entanto, a noção de liberdade que o
cristianismo adota não se restringe à dimensão social e econômica, mas é muito mais
ampla.
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631
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução sobre alguns aspectos da “Teologia da
Libertação”.
214
632
Ibid.
633
BOFF, Clodovis. Teologia da Libertação e volta ao fundamento. Revista Eclesiástica Brasileira, n.
268. Disponível em: < http://amaivos.uol.com.br/amaivos2015/?
pg=noticias&cod_canal=29&cod_noticia=11384>. Acesso em 1 de mar. de 2015.
215
634
Ibid.
635
CARRANZA, Brenda. Renovação Carismática Católica: Origens, mudanças e tendências. Editora
Santuário: Aparecida, 2000, p. 25.
636
VALLE, Edênio. Renovação Carismática Católica: algumas observações, p. 10. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n52/a08v1852.pdf>. Acesso em 27 de fev. de 2015.
216
637
1Cor 12-15.
638
VALLE, Edênio. Renovação Carismática Católica, p. 1.
639
Ibid., p. 2
640
CARRANZA, Brenda. Renovação Carismática Católica, pp. 23-24.
641
PRANDI, Reginaldo. Um sopro do Espírito: a renovação conservadora do catolicismo carismático.
São Paulo: Edusp, 1998, p.79.
217
642
JESUS, José Soares de. A Renovação Carismática Católica e a elaboração da identidade religiosa dos
seus seguidores. Recife, 2012, p. 39. Disponível em <http://www.unicap.br/tede//
tde_busca/arquivo.php?codArquivo=777>. Acesso em 27 de fev. de 2015.
643
TERRA, João Evangelista Martins. Os novos movimentos eclesiais. São Paulo: Loyola, 2004, p. 16.
644
2Cor 5,17.
645
JESUS, José Soares de. A Renovação Carismática Católica, p. 112.
646
CARRANZA, Brenda. Renovação Carismática católica, p.144.
218
(Refrão)
Jesus filho de Davi, me cura
És o Santo de Israel
Diante de ti a tempestade se cala
Meu Deus, honra a minha fé (2x)
647
JESUS, José Soares de. A Renovação Carismática Católica, p. 42.
219
Essa atitude acaba sendo uma tendência nos membros da Renovação Carismática
Católica, influenciada pelo movimento neopentecostal, surgido no meio protestante a
partir da década de 70 e que acentuava justamente a realização dos milagres na vida das
pessoas do Evangelho e trazia a possibilidade da repetição destes mesmos fatos na vida
do fiel dos dias atuais.
No Documento 53 da CNBB, a entidade chama a atenção para essa distorção da
vivência da fé e afirma que uma busca de satisfação de exigências íntimas e de
respostas às necessidades imediatas não pode ser o único foco do agir do fiel. Esse
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discurso acaba comportando uma negação da cruz, o que está errado, já que a fé católica
sempre a propôs como caminho para a vida plena na ressurreição649.
Nos ensinamentos da Renovação também se acentua o quanto a palavra
pronunciada tem poder. Baseados num trecho do Evangelho de Marcos 650, os
pregadores ensinam que, assim como em Jesus, as palavras ditas podem ser portadoras
de bênção ou de maldição. E por isso mesmo é necessário fazer orações de súplicas a
Jesus, pelo poder de seu sangue, para que sejam extirpadas todas as maldições que
eventualmente tenham recaído sobre a vida do fiel651.
Nessa mesma linha espiritualista, uma das obras da Renovação Carismática
Católica que mais gerou polêmica no Brasil foi a do fundador da Comunidade Canção
Nova de Cachoeira Paulista (SP), Monsenhor Jonas Abib, chamada “Sim, sim! Não,
não”.
No livro, que foi considerado de teor fundamentalista e que sofreu processos na
justiça652, o sacerdote é acusado de incitação a intolerância religiosa. A obra, que é
648
Cf. TONY ALLYSON. Filho de Davi. Música disponível em: <http://www.vagalume.com.br/tony-
allyson/filho-de-davi.html>.
649
CNBB. Orientações Pastorais sobre a Renovação Carismática Católica, p. 24.
650
Mc 11, 13-14.20-23
651
TANNUS, Roberto Andrade. Livres de toda maldição: aprendendo a plantar palavras de vitória.
Aparecida: Santuário, 2000, p. 7-9.
652
Cf. MARTINEZ, Manuela. Justiça baiana manda recolher livro de padre. Folha de S. Paulo, 17 maio
2008, Brasil. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1705200818.htm#_=_ >.
220
voltada para pessoas que tem ou tiveram contato com espiritismo, magia negra, cultos
afros, dentre outras formas de culto envolvendo orixás, afirma a necessidade de uma
purificação espiritual na vida daqueles que abandonaram essas práticas e se decidiram
por Jesus653.
Monsenhor Jonas exorta a que se recorra a orações de renúncia e também à
invocação do sangue de Jesus para que se alcance a libertação dos males espiritais que,
segundo ele, são a causa de tantos problemas enfrentados pelas pessoas em suas vidas
cotidianas654.
Diante desses problemas e dos próprios vazios existenciais com os quais as
pessoas vivem, a Renovação sempre insiste de que todas as respostas devem ser
buscadas em Jesus. Sentimentos ruins, depressão, rejeição, ansiedade, solidão que na
psicologia demandariam várias sessões de terapias encontram resposta simples e
objetiva entre os pregadores do movimento: basta buscar e aceitar Jesus655.
Ao mesmo tempo, em que Ele é colocado como um ser com poderes divinos,
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também é apresentado como uma pessoa comum e que deve ser um modelo para todos
de seguimento. Um dos partidários dessa visão é o Padre Marcelo Rossi, que tendo
vendido milhões de Cds pelo Brasil, também sagrou-se por escrever os livros “Ágape” e
“Agapinho”, que por muitas semanas permaneceram como livros mais vendidos do
país.
Nessas obras, o padre narra trechos das Escrituras de forma simples, trazendo ao
final uma moral para os leitores. Ele faz um paralelo com as histórias do Evangelho e
com situações do cotidiano da vida das pessoas656.
Com toda essa complexidade, a Renovação Carismática Católica, no entanto, é
vista como fator positivo, tendo encontrado acolhida até mesmo junto a diversos papas,
que realizaram encontros com seus líderes e com multidões657, sempre os exortando à
comunhão com a Igreja Católica.
653
ABIB, Jonas. Sim, sim! Não, Não!. Cachoeira Paulista: Canção Nova 2004, pp. 28-29.
654
Ibid., p.97
655
GAMBARINI, Alberto Luiz. Cura das emoções em Cristo. São Paulo: Vida Nova, 1996, pp.51-53.
656
ROSSI, Marcelo. Ágape. São Paulo: Ed. Globo S.A, 2013, pp. 64-65.
657
Cf. RADIO VATICANA. Papa Francisco participará de Encontro da RCC, no Estádio Olímpico, em
Roma.
221
Uma das grandes vertentes da Cristologia é a africana negra. Para ser bem
compreendida, é necessário situá-la dentro do contexto e da mentalidade tribal africana
que concede grande poder aos antepassados, pois, Deus é a fonte da vida, e aqueles que
já passaram pela morte estão de certa forma mais próximo à fonte. Possuem, portanto, a
missão de mediadores da graça.
Os africanos, por valorizarem seus ancestrais, acabam vendo em Jesus um
estranho e em sua missão de mediador entre Deus e os homens uma pretensão que não
corresponde à realidade. Para que o cristianismo pudesse fincar raízes nas África foi
necessária uma teologia da Encarnação658.
A missão de Jesus adquire relevância através da identificação dele com a
identidade dos ancestrais africanos: ele é o protoancestral universal, derivado daquilo
que São Paulo diz de Jesus ser o “primogênito de todas as criaturas” 659. Outro aspecto
relevante é o fato de Jesus não estar ligado a nenhum clã africano e, por isso mesmo,
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658
KESSLER, Hans. Cristologia, In: SCHNEIDER, Theodor (org.). Manual de Dogmática. Vol I. 4. Ed.
Petrópolis: Vozes, 2012, pp. 343-343.
659
Cl 1,15.18.
660
KESSLER, Hans. Cristologia, p. 343.
222
Para que a cristologia se desenvolva nesse contexto sem perder o cerne da fé, ou
seja, sem que Cristo seja visto apenas como um líder a mais e seja realmente o centro, é
necessário tomar certo cuidado para não se fazer uma excessiva inculturação. Duas
correntes se desenvolvem hoje para possibilitar isso:
A primeira dialoga com a filosofia e a religiosidade indianas e enxerga a presença
de Deus em toda realidade do mundo. Assim, pode-se afirmar que há revelações de
Deus em todas as religiões. Cristo é aquele que une em si toda a realidade formando a
unidade do cosmo662.
A segunda está relacionada com a situação social da Índia e com a identificação
da opção de Jesus pela grande maioria da população que vive na miséria devido ao
sistema de castas que impera no país663.
Ainda no continente asiático existe a cristologia no contexto chinês. Naquele país,
existe uma preocupação para com o homem, sendo que a religião e a ética carregam
essa conotação antropocêntrica. Todas as religiões são iguais para o chinês, desde que
ela cumpra sua missão de fazer do homem um ser ético. Jesus aparece nesse contexto
como um entre tantos líderes que tem ensinamentos bonitos e que são úteis para a
conduta humana.
661
Ibid., pp. 344-345.
662
Ibid., pp. 345-346.
663
Ibid., p. 346.
223
esquecido ao longo dos séculos? Estamos diante de uma nova heresia cristológica?
Estes movimentos podem ser considerados cristãos? Contribuição, enfraquecimento,
desvirtuamento? Nova cristologia? Estas e outras questões serão determinantes para
compreendermos em que medida a cristologia neopentecostal é continuidade ou ruptura.
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