Você está na página 1de 58

1

Tradução de Science et Vie, nº 22, trimestral, Janvier-Février-Mars 2017.


Matthieu Villiers (diretor)
Karine Jacquet
E. Abdoun
K. Bettayeh
L. Blancard
C. Bonneau
B. Bourgeois
(infografia)
L. Brasier
Y. Chavence
A. Colonat
A. Debroise
O. Donnars
M. Fortez
F. Gracci
C. Haentjens
Coralie Hancok
D. Humbert
R. Ikonicoff
H. Gélot
M. Grousson
M. Kontente
(infografia)
F. Lassagne
A. Levèbre-Balleydier
C. Loiseau
M.-C. Mérat
E. Nicolas
V. Nouyrigat
A. Pihen
H. Poirier
P. Testard-Vaillant
E. Rauscher
Y. Sciasma
M. Saesmann
(infografia)
G. Siméon
M. Spée
E. Thierry-Aymé
M. Valin
E. Zadeh
2

Crenças e ciências cognitivas


As crenças são como os vírus do computador. Ganha-se em colocar dúvidas… Umas são certas e outras
erradas.
Seguem-se algumas respostas relativas aos enigmas que as ciências cognitivas (neurociências, psicologia
cognitiva…) têm vindo a descobrir e – quem sabe - a criar-nos novos “problemas”:

Primeiro, tente entender o texto, completar com imagens esclarecedoras e procurando os significados para
palavras que naturalmente (ou não) não conhece (“o que é uma molécula”…).
Depois, coloque as perguntas selecionadas a pessoas. Tem que saber o que pergunta, na situação de inquirir
quem seja mais ou menos conhecedor nesse domínio.
Em terceiro lugar, repare que estas perguntas não são para todas as pessoas. Há interesse maior em certas
perguntas e em certas áreas de estudo, de acordo com o seu curso.
Uma capacidade cognitiva é a flexibilidade cognitiva, ou seja, a capacidade para conseguir mudar e emitir
respostas alternativas diante de uma mesma situação. Se não consegue realizar o trabalho pedido no fomrato
solicitado, sugira à docente outro tema, desde que lhe pareça adequado.

O que mede mesmo o Quociente Intelectual?

Distribuição de QI normalizada, com média de 100 e com desvio padrão 15. Uma crítica do QI, a neuropsicóloga Sylvie Chokron.

“A inteligência é de tal modo difícil de avaliar, que se inventou o QI para a medir.” Essa expressão resume
bem o paradoxo do quociente intelectual (não se diz quociente de inteligência, porque a inteligência é mais
do que o QI): o QI qualifica o que, de facto, não pode ser qualificado. Isso acontece porque a inteligência é
formada de capacidades cerebrais1 de tal modo subtis e complexas, que é simplesmente impossível de a
calibrar com uma única escala de medida. Além de que os testes de QI não estão errados: Medem o
quociente “intelectual” e não o “quociente de inteligência”, como foi dito. O facto de não medirem senão
uma parte da inteligência não impede de os testes de QI serem um utensílio para a orientação escolar dos

1
Globalmente, as funções cognitivas são divididas em memória, atenção, linguagem, perceção e também em funções executivas
(uma abordagem neuropsicológica que utiliza as atividades cognitivas pela execução e pelo planeamento de tarefas. As funções
executivas abrangem nestas atividades a tomada de decisões, a lógica, o raciocínio, as estratégias e as soluções para problemas).
3

estudantes, para colocar um diagnóstico médico (no caso de Alzheimer), ou para recrutar um assalariado.
Uma nota relativa a uma média2? O que mede exatamente o QI? Desenvolvido no final do século XIX pela
psicologia científica nascente (nomeadamente com o francês Alfred Binet, autor do primeiro teste de
inteligência), trata-se de um método baseado em uma bateria de testes concebidos para avaliar as
capacidades intelectuais (inteligência) de uma pessoa em tratar certos problemas, tais como o raciocínio, o
planeamento, o pensamento, a dedução, a compreensão de ideias complexas… Daí o teste agregar um
conjunto de “aptidões centrais” cognitivas. O teste, efetuado com a presença de um psicólogo, compreende
cerca de 15 provas anotadas, para um adulto, compostas cada uma de uma dezena de problemas –
cronometrados ou não, visuais, verbais ou ainda auditivos. As notas obtidas, analisadas pelo psicólogo,
permitem estabelecer o QI da pessoa. Sabendo que não se trata da avaliação bruta das capacidades
cognitivas: dá antes uma nota (por exemplo QI = 120), que permite situar essa pessoa por relação a uma
média (as pessoas de inteligência “normal”, que têm um QI de 89 a 115, ou seja, cerca de 65% de uma
população dada). O Q.I. não tem sentido senão no seio de uma cultura e de uma população dada (por
exemplo, os portugueses); não se trata de um absoluto. Na prática, o QI médio é arbitrariamente definido
(dependendo do tipo de teste utilizado) de 100 e o desvio padrão (“a média das diferenças para a média”)
situa-se em 15; em outros termos, os valores “normais” de QI situam-se entre 85 e 115… Mas fiquemos
tranquilos: ter um QI fraco (inferior a 70) não permite concluir um défice cognitivo ou deficiência
intelectual. Com efeito, esses testes só avaliam a inteligência lógica e de conceitos (concetual), sem fazer
distinção entre as aptidões inatas e as que são devidas à influência do meio cultural ou da educação. Além
disso, há a ausência de testes que possam medir a inteligência manual, social, rítmica, etc., o que se
considera que é um outro bias (enviesamento, ou efeito de tendência que desvirtua a exatdão). Sem esquecer
que as dificuldades em realizar o teste podem resultar de outra coisa que não é um défice intelectual: o
stresse (ansiedade de desempenho), o problema auditivo ou o problema visual, a lesão cerebral… Pode-se
assim obter uma nota inferior à que se espera, se o teste é passado numa língua estrangeira, podendo-se estar
a pessoa cansada, doente… o que não tem nada que ver com inteligência. Assim, os testes complementares
são necessários, a fim de se identificar a razão do fracasso. Mais globalmente, “a noção de o teste somente
permitir decidir se uma pessoa se encontra abaixo ou acima da norma é completamente arbitrária,
dependendo do teste utilizado e não corresponde a um perfil preciso de funcionamento intelectual ou de
organização cerebral”, precisa a neuropsicóloga Sylvie Chokron. De forma mais clara, o QI é um indicador.
Tanto melhor se o seu é elevado, mas não se culpabilize se o seu QI é baixo: em todo o caso, trata-se de
medidas relativas, que dependem diretamente do teste e da população de referência. Aliás, todos os génios
não têm um QI fantástico – mesmo situando-se em geral acima da média (K.J.) p. 26.
A genialidade é própria do ser humano?

2
Na estatística, média é um valor significativo de uma lista de números. Mostra para onde se concentram os dados de uma
distribuição, como o ponto de equilíbrio das frequências de um histograma
4

Não é para ser injusto com as plantas e os animais, que se diz que a nossa espécie é dotada de capacidades
intelectuais/cognitivas (a atenção, a memória e o raciocínio…) que a distinguem desses grupos de outros
seres. Não é a espécie humana a única capaz de conceber ideias, de se projetar no futuro, de formar o seu
meio? Nesse sentido, existe um génio que é próprio dos seres humanos. Como também existe um génio
próprio de cada espécie; mas, até prova em contrário, não há senão o ser humano para o dizer e o pensar…
De onde vem esse génio? O que é que, na evolução das espécies, dotou os seres humanos desse algo mais
que faz toda a diferença? A comparação do genoma humano com o do chimpanzé fornece um elemento de
resposta: existe 1% de diferença entre os dois. Trata-se de um pequeno 1 por cento (1%), no domínio do que
uma equipa de geneticistas da Califórnia identificou, em 2012, um gene em particular: SRGAP2C. Presente
somente no género Homo confere às nossas células nervosas a capacidade de amplificar o número de pontos
de contacto entre seres humanos. Ora, mais os neurónios estabelecem trocas entre si, mas as capacidades de
aprendizagem são importantes. Pense-se na inspiração e na transpiração. É dessa maleabilidade que decorre,
entre outras capacidades, as nossas capacidades intelectuais/cognitivas. Mesmo se, depois disso, levasse a
muitas etapas evolutivas para chegar ao ser humano atual: bipedia, cozinhar alimentos, libertação da mão…
Daí que nos tomemos por “superiores”? Acalmemos a nossa arrogância: se existe uma genialidade própria
da nossa espécie, nem todos os seres humanos são geniais. Longe disso… Para o maior número, essa
constante é mesmo um pouco deprimente: o que têm a mais Pitágoras, Shakespeare, Miguel Ângelo,
Einstein e, entre outros, Picasso? É conhecida a fórmula dos Tontons fringueurs (“pistoleiros tum-tum”?)3:
“os que são do contra, atrevem-se a tudo (arranjam formas de pensar que saem do comum). É ainda a forma
como os reconhecemos.” Que pena não existir assim uma definição famosa (como a dos “contras”, logo,
reconhecíveis), relativa aos génios. Salvo que os génios, devido à sua audácia, única e pelo seu
porte/apresentação universal, são reconhecidos. A sua audácia. A sua criatividade. Um porte “universal” e
transcendem o seu tempo. Esses são os três aspetos distintivos, que parecem caracterizar os génios. Três
sinais reveladores… de quê? De capacidades intelectuais/cognitivas acima da norma? Em qualquer caso, o
QI (diz-se quociente intelectual4) deveria testemunha-lo. Sabe-se que os psicólogos estabeleceram que a
partir de uma nota de 140 (alguns investigadores baixam para 130) a pessoa possui capacidades cognitivas
superiores. Essa nota corresponde a cerca de 1% da população. Salvo que as numerosas pessoas com um
Q.I. excecional não realizaram nada… de excecional. O caso mais emblemático é o da escritora americana
Marylin vos Savant: esta autora de livros, que vive atualmente nos EUA é bem dotado de um Q.I. de 186,
estando bem longe de ter escrito livros tão importantes como os de Voltaire, cujo Q.I. foi estiado em 180.
No caso inverso, o Q.I. de Cervantes, o genial autor de D. Quixote, foi estimado em cerca de 120… Se não é

3
Nos Tontons fringueurs se identifica uma comédia de 1963, de que surgiu um filme, sendo a adaptação de um livro de Albert
Simenin - Grisbi ou non grisbi. Trata-se da história de um “mau”, cuja maldade passa pela certeza de estar certo, correto em tudo
e por tudo. Durante tempos assim esse homem se tomou por infalível. Numa bela noite, Max, de repente, “teve o impulso que o
levou a estar errado contra todos, o que na realidade é estritamente o mesmo”. No inglês, a narrativa refere-se a uns bandidos,
também sendo conhecido o filme com o nome Senhor Ganster, para “os tios das armas”. A saber mais.
4
Não se diz quociente de inteligência, porque a inteligência é mais do que a medida de QI. o QI é uma medida válida no seio de
uma dada população, que depende de fatores sociais
5

o Q.I., é o tamanho do cérebro que faz a diferença? Nesse aspeto, o cérebro de Einstein foi medido,
pesado… E em vão. O mesmo acontece no que se refere aos genes ou ao meio social. O próprio do génio
será então o que escapa à investigação? Lembre-se que, para Thomas Edison, pioneiro da eletricidade e do
cinema, “o génio representa 1% de inspiração e 99% de transpiração”… Resta esse pequeno 1% que, esse
ainda, faria a diferença. O que incita ainda a ver as coisas de outra maneira: não procurar caracterizar o
génio como um absoluto, mas tentar captar “o flash de génio”, pelo qual se manifesta. Pois há um momento
em que o indivíduo sai do baralho. Um momento em que, tal como Einstein descobriu a teoria da
relatividade, aquele que era uma pessoa como as outras se torna genial. Precisamente, Einstein. Ele que é o
modelo do génio moderno entregou uma ideia chave, que lhe diz respeito: “a imaginação é mais importante
do que o conhecimento. O conhecimento é limitado, enquanto a imaginação engloba o mundo inteiro,
estimula o progresso, suscita a evolução.” Claro que o génio seria uma questão de imaginação. A
imaginação, aquilo que dá o empurrão a certas pessoas para fazerem ou pensarem o que para a maioria é
interdito, o que afasta inibições ligadas à educação ou à sociedade, para melhor serem pessoas criativas.
Einstein, Darwin, Picasso, Goethe revolucionaram as suas áreas de estudo tendo, à sua disposição, os
mesmos elementos que os seus contemporâneos. Mas a sua imaginação fez com que escapassem às normas.
Um processo inconsciente? De que é tecida a imaginação? Até à data, nenhuma explicação biológica
permitiu perceber o enigma da imaginação. Todavia, o grande matemático Henri Poincaré colocou o acento
em um aspeto repentino da descoberta, que se impõe à mente e apesar dela lhe poder ditar reservas. Uma
espécie de salto cognitivo que escapa a toda a articulação lógica, racional, consciente. Poincaré descreveu
esse processo em quatro fases: “impregnação”, “incubação”, “iluminação” e “explicitação”. A impregnação
é o aspeto prévio, durante o qual a pessoa integra conscientemente os dados do problema. Depois vem a
incubação: a pessoa “desengancha”, pensa em outra coisa enquanto os dados integrados seguem o seu
caminho, em um modo inconsciente. A terceira fase, a iluminação, é a mais notável, pois é nela que surge a
solução, de modo imprevisto. A última etapa, a explicitação, consiste em traduzir em termos racionais e
sociais o conteúdo da iluminação e em verificá-la. Os génios são então “iluminados”? Não tão rapidamente.
É uma experiência que muitos de nós faz no quotidiano: a um problema, em que nos encontramos a seco, eis
que encontramos a solução, depois de uma noite de sono ou mesmo em um sonho. Os génios procedem da
mesma maneira, nesse campo em que as suas questões são científicas ou artísticas. O que aparece como um
golpe de génio não será, portanto, senão a última etapa de um longo processo inconsciente de tratamento da
informação. Um processo que, escapando à lógica pura, permitiria o pensamento criativo. Einstein, ainda
ele, contou que com a idade de 16 anos, imaginou o que um homem sentiria, se ele montasse uma onda
luminosa. E é essa experiência de pensamento que o levou à teoria da relatividade restrita. Os génios são
talvez simplesmente grandes sonhadores, que realizam os seus sonhos5. (K.J.) PP. 18-19

5
Portugal é um país considerado de pessoas criativas, o que é avaliado pelo número de patentes.
6

Essas obras têm algo a ver com a genialidade? Na nossa cultura, significa algo: Les tontons flinguers
(pistoleiros)?
A internet destrói mesmo a nossa memória?
Essa é uma ansiedade à qual os investigadores têm dificuldade em responder. Desde que a web entrou nas
nossas vidas, os Cassandras6 colocam na defensiva os internautas contra o fluxo ininterrupto de informação
disponível por toda a parte e a todo o momento: as horas que passamos a surfar irão entorpecer-nos! Vindo a
substituir-se à nossa memória, o omnisciente (o sabe tudo) Google fará de nós seres superficiais, somente
capazes de clicar de link em link… Catastrofismo ou ameaça real? O que os cientistas têm a certeza é que
surfar, mesmo cerca de uma hora por dia, modifica as nossas conexões neuronais (ligações entre neurónios).
O que é perfeitamente normal: aprender a ler ou aprender outra atividade nova produz os mesmos efeitos.
Mas com detalhe, em 2008, um estudo americano mostrou que a prática regular de web aumenta a atividade
no córtex pré-frotal, sendo a zona implicada, entre outras, na tomada de decisão (é uma função executiva).
Aí, ainda, nada de extraordinário: contrariamente à leitura linear em um livro, os links em hipertexto, vídeos,
faixas de anúncios e tweets (no website Twitter) obrigam o internauta a tomar sem parar decisões (clicar ou
não?), em lugar de se concentrarem na sua leitura. Saturados de informações? E aí é que reside o problema
com a web: todas as suas solicitações limitam as capacidades em compreender e em reter o que se lê. Muitos
trabalhos também apontam para que a simples presença de hiperlinks (links hipertexto) diminui a capacidade
em seguir o fio de uma história, assim como o número de informação que se retém, preferindo o cérebro
memorizar o meio de encontrar a informação na web, em vez de procurar a própria informação. Falha a
“metalinguagem do significado” também? Os investigadores constataram mesmo que à força de clicar de um
link em outro link, os estudantes do 2º ano de escolaridade, em França (CM2), se afastavam do motivo da
sua busca, a ponto de esquecerem do que se tratava! É o que os cientistas chamam “desorientação
cognitiva”. Com efeito, a nossa “memória de trabalho”, o tipo de memória que permite reter a curto prazo o
que lemos, não é infinita. Se demasiada informação assalta esses jovens, os dados são perdidos, antes de
poderem ser transmitidos à “memória a longo prazo”, a memória que armazena de maneira perene
(duradoura) os nossos conhecimentos. Ora, são afinal os conhecimentos que nos permitem colocar em
6
Na mitologia, Cassandra recebeu do Deus Apolo o dom de prever o futuro, se bem que se tenha recusado a fazê-lo.
7

perspetiva os novos factos, organizar as ideias de forma pertinente, dar um passo atrás para refletir de outra
maneira… em suma, pensar de maneira inteligente. De momento, os cientistas não têm realizado estudos
para avaliar o impacto exato da web sobre o nosso intelecto, mas já se sabe que as horas a surfar não nos
enriquecem da mesma maneira que as que consagramos a ler um livro. (A.C.) p. 58
Como é que se pode “intensificar” a memória?
Os videojogos tornam-nos mais parvos?
Violentos, provocando a adição/dependência, estupidificantes… Quando se evoca o impacto dos videojogos
no cérebro, não é geralmente para dizer bem deles. Mas os videojogos têm efeitos positivos! Nos
Laboratórios de Neurociências Cognitivas, na Universidade de Genebra (Suíça), a equipa de Daphné
Bavelier propôs a iniciados em videojogos jogarem uma hora por dia, cinco dias por semana, durante 10
semanas, com dois videojogos. Não importando quais: jogos de ação e de tiro, na primeira pessoa, como
Call of Duty, em que o jogador evolui muito rapidamente, num meio em 3D, atacando os inimigos, que
podem surgir a qualquer momento. Um grupo controlo jogava ao mesmo ritmo, com jogos de tipo puzzle,
como o Tetris7. Depois de utilizarem uma bateria de testes, os resultados são espantosos: os jogadores de
jogos de ação (grupo experimental, iniciados em videojogos) melhoraram a sua acuidade visual, mas
também a sua sensibilidade aos contrastes. Jogar também os impulsionou nas suas capacidades de reação, de
identificação de um alvo em um ambiente complexo ou de perseguição em simultâneo de vários alvos… Por
trás disso tudo esconde-se uma capacidade fundamental: o controlo da atenção. É o controlo da atenção que
nos permite ficar focalizados em uma tarefa, embora haja o aborrecimento e as distrações, uma atitude muito
útil na escola. Depois das mesmas sessões de jogo, os participantes também realizaram um teste
cognitivo/intelectual clássico: deviam determinar em que orientação se voltou uma figura no espaço. Depois
de 8 sessões, os jogadores obtiveram melhores notas do que os não jogadores de videojogos (grupo
controlo). Dito de outro modo, o jogo melhorou as suas capacidades de aprendizagem. Se não há
necessidade de prescrever uma hora de Call of Duty a todas as crianças que têm más notas, já se estão a criar
aplicações. Por exemplo, utilizar o jogo para melhorar o significado dos números, o que permite em um
relance determinar se uma nuvem de pontos tem mais pontos amarelos ou pontos azuis. Essa é uma
competência que algumas horas de jogo são suficientes para melhorar. (A.C.) p. 58
A televisão torna-se um perigo para o desenvolvimento cerebral dos mais novos?
Tudo depende do tempo que se passa frente à televisão. O desenvolvimento das funções cerebrais está
associado às solicitações exteriores: sociais, sensoriais, afetivas, culturais… A televisão não deveria colidir
com o tempo a consagrar a outras atividades. Ora o que acontece é os menores de 18 anos passarem (em
França) cerca de metade do seu tempo de lazer a olhar para a televisão ou vídeos, ou seja, mais de duas
horas por dia (Fonte: L’Institut National de la Statistique et des Études Économiques, France-Insee, 2010).
Com que consequências? Os avisos divergem. Um estudo realizado na Alemanha, em 2006, com crianças de

7
Explicação do jogo online, sobre o que fazer, gratuitamente: Empilham-se as pecinhas que vão caindo, caindo, caindo até não
parar mais... A única “salvação” é conseguir eliminar as linhas que se formam com as pecinhas.
8

5 anos, mostra que os que olham a televisão 30 minutos por dia obtém uma nota de 10 em 13, numa escala
que avalia a sua imaginação, enquanto aqueles que olham a televisão três horas e mais alcançam um nível de
6 em 13. Em 2007, outros investigadores, americanos, mostraram que cada hora passada à frente da
televisão, aos 14 anos, aumenta em 44% o risco de perturbação de défice de atenção, aos 16 anos. Essas
perturbações/transtornos (em brasileiro), nessas idades, multiplicam por 4 os riscos de insucesso escolar. E
no início dos anos 2000, uma pesquisa demostrou que a televisão ligada várias horas por dia perturba as
crianças de 1 a 3 anos, ocupadas com jogos criativos (desenhos, atividades de colorir, uso de brinquedos).
Ora o jogo é crucial para o desenvolvimento da inteligência. A “Associação Francesa de Pediatria em
Ambulatório” (ligada a crianças mas não em internamento hospitalar) recomenda não expor crianças
menores de 3 anos a televisão. Para os mais crescidos, algumas regras alcançam unanimidade: não haver
televisão durante as refeições, antes de ir para a escola ou no quarto. (A.C.) p. 59
Ainda como é que se pode “intensificar” a memória?
Os videojogos treinam o cérebro?
Com mais de 15 milhões de exemplares vendidos somente em Europa, o “Programa de Treino Cerebral do
Dr. Kawashima”, comercializado em França pela Nintendo, desde 2006, é o mais conhecido jogo de vídeo,
esperado para impulsionar a nossa memória. As suas promessas são de por água na boca: praticar
quotidianamente os seus exercícios “mentais” permitirá “muscular” a memória, como se tornam musculados
os bíceps! Graças a um encadeamento de exercícios de memorização, de lógica, de cálculo mental e de
rapidez, os nossos neurónios fariam as suas capacidades de armazenamento aumentar, a cada sessão! Dito de
outra maneira, essa ginástica ajudaria a fazer baixar a nossa “idade cerebral” e a evitar a degenerescência do
cérebro. Portanto, segundo o jogo, a idade ótima para a memória é de 20 anos, sendo a pior os 80 anos. É
referida uma escala em que é colocada a precisão de que não é nada científica… O que diz de facto a ciência
sobre a pertinência desse tipo de programas? É a questão a que tentaram responder Sonia Lorant, do
Laboratório Interuniversitário, da Universidade de Estrasburgo, e Alain Lieury, do Laboratório de Psicologia
Experimental, da Universidade Europeia da Bretanha. Eles fizeram o teste junto de quatro grupos de alunos
do primeiro ano de escolaridade, aos 6 anos, em França. Dois dos grupos praticaram esses exercícios durante
7 semanas, enquanto o 3º grupo contentou-se a jogar jogos de desporto cerebral clássicos, do tipo Michey
Jeux. O 4º grupo era o grupo de controlo (não tinha nada prescrito para fazer). Resultados? Nenhum impacto
sobre as capacidades de memorização de um texto, sobre “ciências da vida e da terra”, nem sobre a
aprendizagem de uma carta de geografia. Um impacto de +19% foi revelado sobre a memorização de
números8, entre o início e o fim da experiência, mas de forma equivalente ao alcançado com o tipo de jogo
Jogo Michey. Em resumo: a eficácia desses jogos pseudoestimulantes da memória é fraca, praticamente
nula. E o que é verdade sobre as crianças (em que as capacidades de aprendizagem são enormes) é verdade
para os adultos. “O problema desses jogos é que os tempos de prática são curtos, de alguns minutos por dia,
e só treinam zonas do cérebro dedicadas a certas funções. Ora, para melhorar uma função cognitiva como a
8
Trata-se de decorar em sentido direto e inverso: 3 – 4 – 7; 5- 8- 2-6…
9

memória, é preciso tempo e fontes de aprendizagem variadas”, resume Alain Lieury. “Encontra-se isso em
todo o problema de jogos de treino do cérebro: não fazem progredir senão as atividades consideradas e
implicadas, não a memória em geral.” Dito de outra maneira, fazer palavras cruzadas melhora a sua aptidão
em fazer… palavras cruzadas! Essas palavras cruzadas não farão nada para ajudá-l@ a recordar datas de
aniversário dos primos. p. 51 (C.H.)
Como é que se pode “intensificar” a memória?
Com… Com complementos alimentares se pode “intensificar” a memória?
Memoboots, Biomag, Oligosol (em França)… As prateleiras das farmácias estão cheias de pílulas mágicas
estampadas com a fórmula “complementos alimentares”, sendo suposto dopar a memória. Certos produtos
apostam na fitoterapia (estudo de plantas medicinais e aplicação em doenças), com extratos de folhas de
ginkgo biloba, uma árvore muito popular na medicina tradicional chinesa. Outros produtos acentuam as
vitaminas, em particular do grupo B (B1, B6, B9, B12), o magnésio e o ferro… Contudo, para Serge
Hercberg, diretor da investigação no INSERM (Centro Nacional Francês da Saúde e da Investigação
Médica), “não existe nenhum argumento científico para justificar a toma desses suplementos.” Se não é para
obter um efeito placebo – o que nem é já de si mau… Pelo menos os complementos alimentares aumentam
um pouco as capacidades de atenção, à maneira da nicotina ou da cafeina. p. 51 (C.H.)
Como é que se pode “intensificar” a memória?
Com… medicamentos?
Quando chegam os exames de fim de ano, uma parte dos estudantes não hesita em desviar certos
medicamentos com a finalidade de melhorar as suas performances/realizações escolares. Por exemplo: uma
pílula de Avlocardyl9, medicamento cuja origem foi destinada a cardíacos, e upa! Os sintomas de stresse
desaparecem. Um comprimido de Modiodal – concebido para combater a narcolepsia (condição neurológica
caracterizada por episódios irresistíveis de sono e em geral perturbação de sono) e empregue pelos militares
americanos durante a guerra do Golfo, a fim de ficarem acordados durante vários dias – e a fadiga
desaparece. Uma dose de Ritalina, um derivado de anfetaminas destinado a crianças hiperativas, e as
capacidades de concentração melhoram como por magia! São tantos os efeitos bem constatados. Sim, mas
como qualquer medicamento, essas substâncias ativas podem também ter efeitos secundários. O fim da sua
utilização normal pode no mínimo expor a pessoa a perturbações passageiras, no pior, tornarem-se perigosas
para a saúde. Segundo a Agência Nacional Francesa de Segurança do Medicamento e dos Produtos de
Saúde, 21% dos pacientes tratados com modafinil, princípio ativo no Modiodal, sofrem o efeito dos efeitos
secundários do tipo das cefaleias e, sendo menos frequente, de ansiedade e de insónias. Pelo menos 1 em dez
pacientes que tomam méthylphénidate, molécula na base da Ritalina, sofre de nervosismo, insónia e
cefaleias. Sempre segundo aquele organismo, a Ritalina tem como finalidade acelerar as performances
intelectuais, particularmente frequentes entre os 19 e 29 anos, podendo levar a uma habituação física e
psíquica ao produto. Quanto ao Avlocardyl, contem propranolol, objeto de um estudo clínico em França,
9
Esse e outros produtos farmacêuticos referidos são vendidos em França.
10

devido aos potenciais efeitos sobre o stresse pós-traumático, a partir da sua ação na memorização
(recordando-se mais o passado). A não tomar. Na boa, a fugir e a evitar! p. 51 (C.H. e A.C.)
Como é que se pode “intensificar” a memória?
Mas, afinal, de que é que o cérebro se alimenta?
A saúde encontra-se, portanto, no prato – e isso liga-se também com a saúde mental! Para atingir o seu
potencial mais pleno, as funções cognitivas tais como a atenção, a memória e o raciocínio têm necessidade
de neurónios sólidos, que comuniquem bem entre si, e do carburante, que não é mais do que açúcar. Por esse
motivo, nada mais do que uma alimentação equilibrada. O cérebro consome, sozinho, 20% da energia total
do organismo. Desprovido de reservas, o cérebro tem que ser alimentado em permanência. De modo claro, a
concentração de açúcar no sangue – a glicémia – deve ser mantida. Se a glicémia tem uma queda, as nossas
capacidades de concentração vão sofrer com isso. Aqui, os açúcares lentos (cereais completos, legumes,
frutas pouco doces, como as maças) são todos indicados, na medida em que aumentam a glicémia mais
lentamente do que a glucose de um pedaço de açúcar. Devemos então viver o regime mediterrâneo na dieta!
Mas todo esse açúcar de nada serve se o cérebro não dispõe de oxigénio para o queimar. Dai a importância
de cuidar dos suportes em ferro (10mg/dia, que se encontra no fígado, na soja, no agrião, na salsa), o que
permite à hemoglobina transportar o oxigénio até ao cérebro. Um estudo de 2007 mostrou assim que as
mulheres anémicas têm avaliações inferiores à média das mulheres, em testes cognitivos, sendo que em
quatro meses de alimentação rica em ferro melhoram essas notas de avaliação cognitiva. Adicional ao açúcar
e ao ferro, que servem para fazer girar o cérebro, o cérebro tem necessidade de alimentar os seus neurónios
com gorduras e ácidos aminados. Estes últimos são indispensáveis à síntese dos neurotransmissores
(substâncias químicas que circulam no cérebro): a serina (ovos e peixe) e a metionina (noz do Brasil,
parmesão, carne de porco cozinhada) permitem sintetizar a colina, ela própria necessária ao fabrico de um
neurotransmissor essencial à memorização (o glutamato, sem esquecer a dopamina para a atração pelo novo
e a acetilcolina, para a atenção). O triptofano (aminoácido aromático, precursor da serotonina), útil para a
síntese da serotonina, encontra-se nos produtos lácticos. A síntese dos neuromediadores (ou
neurotransmissores) consome também minerais (potássio, sódio, cálcio) e vitaminas, nomeadamente a B1
(cereais completos, nozes), B9 (espinafre, agrião, repolho, lentilha). A vitamina E (avelã, atum, azeite)
combate o stresse oxidante, que ataca os neurónios e a vitamina A (canela, cenoura, fígado) estimula o
fabrico de sinapses. Quanto à famosa vitamina C (pimentão, repolho, certas ervas (?), a groselha, a uva), ela
facilita o fabrico de ferro e, logo, a oxigenação do cérebro. Último ingrediente a não esquecer: a água! Uma
desidratação moderada (2% do peso) é suficiente para diminuir as capacidades cognitivas, em particular a
memória e a atenção. O menu ideal para o cérebro aproxima-se da dieta mediterrânica, que faz a parte boa
com o azeite, o peixe, os cereais completos, as frutas e os legumes, as oleaginosas… E que tem a vantagem
de oferecer um grande leque de alimentos, logo, de benefícios. (A. C.) p. 48
O desporto vem a tornar mais musculosas as meninges (membranas que revestem e protegem o sistema
nervoso central, a medula espinal, o tronco cerebral e o encéfalo)?
11

O exercício físico não é somente bom para os músculos, mas também é bom para a memória. Esse fenómeno
é bem conhecido no rato, desde o ano de 1990. Os roedores que são levados a fazer exercício físico têm o
seu hipocampo (a zona do cérebro ligada à memorização consciente), profundamente modificado: o ritmo da
neurogénese (fabrico de neurónios) multiplica-se no hipocampo por dois; as dendrites (extremidades dos
neurónios) alongam-se e ramificam-se; a angiogénese, isto é, o fabrico de vasos sanguíneos que transportam
energia e o oxigénio aos neurónios, é multiplicada; a taxa de BDNF (fatores de crescimento cerebral)
aumenta... Em suma, a informação circula melhor e as recordações são melhor codificadas. Resultado, os
roedores obtém melhores avaliações nos testes de atenção e de memorização. Para testar essa hipótese nos
seres humanos, os investigadores do University College, de Londres, seguiram cerca de 2000 adultos de 45
anos, aos quais fizeram realizar testes de memória verbal e também avaliaram os níveis de atividade física,
realizada por volta dos 35 anos. Resultado: Os que tinham sido mais desportistas aos trinta anos eram
dotados, 10 anos mais tarde, de melhor memória do que os outros. Mexa-se, memorize! (A.C.) p. 49
Afinal, só utilizamos 10% do cérebro?
Essa é uma ideia muito difundida que é falsa. Na realidade, todo o cérebro serve as suas funções, mas não ao
mesmo tempo. Há cerca de 20 anos a funcionarem em instituições, as técnicas de imagem cerebral
(Ressonância Magnética Funcional 10 e a Tomografia por Emissão de Positrões 11 ) permitem seguir a
atividade do nosso córtex, visualizada e mostrada em tempo real. Mesmo quando estamos a dormir, o
cérebro ativa-se, nomeadamente para consolidar os sonhos. As técnicas de imagem (fMRI e PET) indicam,
além disso, que as regiões ativadas, quando falamos, lemos ou nos mexemos, por exemplo, são repartidas
por todo o cérebro. Essa é a prova de que a atividade cerebral nem é restrita a um domínio que representaria
10% do volume do cérebro, nem a 10% dos seus neurónios. Sobretudo, é preciso dizer que, se 90% do nosso
cérebro estivesse inativo, todos esses neurónios teriam desaparecido do nosso cérebro, que não teria senão
10% do seu volume inicial (E.N.) p. 49
As “gorduras boas” tornam-nos mais inteligentes?
Sim, já que mais de metade do peso seco do cérebro é feito de gorduras. Encontram-se gorduras “boas” nas
membranas celulares dos neurónios, na mielina (a bainha que acelera a condução do influxo nervoso), mas
também nas células da glia, que transferem os nutrientes para os neurónios. É como dizer-se que uma
alimentação com carências em gorduras diminui as nossas performances cognitivas. Os cientistas
interessam-se, em particular, pelo ómega-3 dos ácidos gordos polinsaturados, que o nosso corpo é incapaz
de fabricar e deve então ser retirado da alimentação. Um estudo da Universidade de Bethesda (EUA)
também mostrou que crianças de 8 anos se encontram em situação de maior risco de terem um quociente
intelectual (QI) “baixo”, se o consumo de ómega-3 pelas suas mães, durante a gravidez, tivesse sido
insuficiente. Para bem olear os neurónios, é inútil arremessar-se numa farmácia a comprar suplementos
alimentares. Os dois ómega-3 mais interessantes para o cérebro estão presentes nos alimentos correntes: o

10
Com a sigla fMRI, do inglês Functional Magnetic Ressonance Imaging.
11
Tomografia por Emissão de Positrões, conhecida na sigla inglesa PET.
12

ácido alfa linoleico encontra-se no óleo de colza, nas nozes e na linhaça, e o ácido cervónico
(Docosahexaenoico), nos peixes gordos e nos mariscos. (A.C.) p. 49
O efeito placebo12 faz curar ou só finge…
Com efeito efetivo e positivo, o efeito placebo é um dos poderes mais extraordinários da nossa mente sobre
o nosso corpo: basta fazer crer a um doente que toma um analgésico – tratando-se de uma simples solução
salina - para que o seu cérebro produza moléculas com efeitos antidor, comparáveis aos efeitos produzidos
por um medicamento verdadeiro. Prodigioso: a sugestão psicológica provoca consequências bioquímicas –
no caso da dor, a secreção de dopamina, um neurotransmissor utilizado no circuito da recompensa. Qual é
esse segredo desse efeito placebo, com um poder de cura incrível? Não se conhecem os mecanismos que
possibilitam o efeito placebo, mas parece agir inicialmente sobre uma parte do córtex pré-frontal (implicado
na atenção, mas não só). A crença na eficácia do tratamento pode deslocar a atenção da dor para a procura
em aliviá-la. Aliás, a medicina de há muito que conhece o efeito placebo, mais em evidência pela primeira
vez em 2002, graças à utilização da imagem cerebral (Ressonância Magnética Funcional13 e a Tomografia
por Emissão de Positrões14). Se as rodas desse mecanismo psicobiológico permanecem misteriosas, não
deixam de ser os placebos comparados com os medicamentos, para a avaliação da sua eficácia: se os
placebos têm um efeito superior, é porque o seu princípio é verdadeiramente ativo. No quotidiano, o efeito
placebo passa também bem pelo beijo de uma mãe na bochecha do seu bebé, o que age nele como um
medicamento. O mesmo acontece com a atitude de um médico, que se mostra caloroso e o doente já se sente
melhor. Torna-se claro. Portanto, não é preciso hesitar em fazer atuar o efeito placebo, pois ele faz parte
integral da cura, a ponto de substituir – em casos benignos (dor ligeira, stresse ligeiro) – a toma de
medicamentos K. J. p. 52.
É possível melhorar as próprias capacidades mentais?
Sim, com treino. Lembre-se que o neurofeedback é uma técnica que surgiu nos anos 70, que se aparenta com
a musculação mental. O princípio: fazer aprender à pessoa, para que ela aperceba, a sua atividade mental
para modulá-la, em caso de perturbação/défice. Na prática, a técnica existe em duas formas: o
neurofeedback por eletroencefalografia (EEG), o mais expandido, e o neurofeedback por Ressonância
Magnética Funcional15 em tempo real, mais recente e pouco frequente. No primeiro caso, os elétrodos são
colocados no crânio da pessoa: registam a atividade elétrica produzida pela parte mais superficial do
cérebro. No segundo caso, são as variações de oxigenação do sangue que se medem, em tempo real, dando
acesso a regiões cerebrais mais profundas. O princípio permanece idêntico: treinar a pessoa a controlar
regiões específicas do seu cérebro. Por isso, a atividade cerebral é traduzida por uma imagem ou por um
som, o feedback/retroalimentação. O paciente pode concentrar-se num estímulo exterior (som, odor,

12
Outro neologismo é o nocebo, sendo um efeito nocebo o dos moradores de uma torre de retransmissão que se queixam de dores
de cabeça devido a ondas radiomagnéticas, enquanto a estação ainda não foi colocada em serviço. O efeito nocebo refere-se a
efeitos colaterais negativos que aparecem, quando nem têm motivo para que ocorram.
13
Com a sigla fMRI, do inglês Functional Magnetic Ressonance Imaging.
14
Tomografia por Emissão de Positrões, conhecida na sigla inglesa PET.
15
Com a sigla fMRI, do inglês Functional Magnetic Ressonance Imaging.
13

imagem), evocar pensamentos, recordações, emoções, imaginar-se a pessoa a realizar certos movimentos…
e constatar em direto o efeito desses estados mentais. Daí que com o tempo se corrige uma atividade
cerebral localizada, julgada anormal, aumentando-a ou diminuindo-a (o sentido é determinado pela equipa
de cuidadores). Permitindo controlar qualquer região cerebral, o neurofeedback poderia a priori tratar
imensas patologias: dores crónicas, depressão, zumbidos, esquizofrenias, perturbações ansiosas… Contudo,
os efeitos não foram demonstrados cientificamente, a não ser para a epilepsia e para o défice de atenção. M.
– C.-M. (p. 52)
A hipnose chega a ser mais forte do que a dor?
Passar por uma endoscopia, sofrer uma ablação da tiroide, sofrer uma mastectomia, sem anestesia (ou
somente uma anestesia local) e sem dor, é possível. Desde 2006, em França, vários hospitais operam com
hipnossedação. Como é que atua a hipnose? Introduzindo um sono acordado, caracterizado por uma
modificação do nível de vigilância, da consciência de si/relaxamento e da consciência do meio. A dor é
sentida, mas com menor apreensão pelo doente. E isso acontece! O benefício da hipnose também foi
avaliado por ensaios clínicos: os pacientes que beneficiaram com a hipnose precisaram de menos
analgésicos do que os outros, mesmo podendo prescindir de analgésicos. E esse benefício é provado pela
neuro imagem: com hipnose, a frequência das ondas cerebrais diminui e a atividade do córtex cingulado
anterior16 aumenta. Ora, é essa zona do cérebro – córtex cingulado anterior - que comanda a componente
emocional da dor. Se ela é eficaz em cirurgia, a hipnose não parece ser tão eficaz com outro tipo de dores,
quer elas sejam ligadas a cuidados dentários ou a um nascimento. Mas os pacientes que realizaram uma
sessão guardam uma recordação menos negativa das dores. Não pensar na dor é já sofrer menos. (C.H.) p.
53
Podemos ler os pensamentos?
Certos “mágicos” defendem essa “leitura” dos pensamentos. Um scanner cerebral do americano mentalista
Gerard Senehi17, realizado durante o tempo em que ele tentava reproduzir um desenho escondido da sua
vista, mostrou a atividade do giros para hipocampal direito18. O que atesta uma atitude para a empatia. Os
mentalistas são simplesmente mais dotados para se projetarem na pele dos outros! Apoiam-se entretanto
numa boa capacidade de observação, o que lhes permite antecipar reações, tal como sugerirem um
comportamento a uma pessoa. (E.R.) p. 53

16
O córtex cingulado anterior parece desempenhar um papel valioso em uma ampla variedade de funções autónomas, como a
regulação da pressão arterial e da frequência cardíaca. O córtex cingulado anterior também está envolvido em certas funções de
nível superior, como a atenção dirigida para algo, a antecipação de recompensas, a tomada de decisão, a ética e a moralidade, bem
como o controlo de impulsos (por exemplo, monitorização/observação de desempenho e deteção de erros) e a emoção.
17
Gerard sente-se inspirado na busca de possibilidades e pelo seu potencial em trazer aspetos internos de nossa humanidade para o
primeiro plano na educação. Depois de se formar no Amherst College, ele ensinou ciência e arte. Via a ciência como uma maneira
de “ensinar” a curiosidade e a arte como uma forma de estimular a criatividade. Com uma firme crença de que a educação poderia
fazer mais para preparar melhor os alunos para a vida e apoiar o desenvolvimento de sua humanidade, concluiu o Mestrado em
Educação, na Universidade de Massachusetts. https://openfutureinstitute.org/gerard-senehi
18
O giros para hipocampal direito é uma zona de substância/massa cinzenta (corpos de células nervosas, células da glia - astroglia
e oligodendrócitos, capilares, axónios e dendritos) do córtex cerebral, que envolve o hipocampo e que constitui o sistema límbico.
Tem função, entre outras, na codificação e na recuperação da memória.
14

Gerard Senehi Girus para hipocampal direito


Existem premonições?
Caso típico: pensamos em um amigo e, precisamente, ele telefona-nos. Assim, o computador cerebral cria
por vezes um laço inexistente entre duas cenas… que nós interpretamos como premonições. Essa
circunstância acontece, porque o nosso cérebro se prepara, o mais a montante possível, para o que é possível
passar-se. Ele pode reagir em 1/4 de segundo. Certas experiências revelaram que, logo que se visionam
vídeos, por vezes, os pulsos de transpiração aceleram-se alguns segundos antes de uma imagem violenta.
Mas a causa dessa “atividade antecipatória” permanece ainda por determinar. (E.R.) p. 53
A profissão (ou que se virá a ter depois de estudar) que se tem vem a modificar o nosso cérebro?
“É com o forjamento do ferro, que nós nos tornamos ferreiros”, diz o adágio popular. Sem um mínimo de
formação, ninguém seria capaz de num improviso – e com sucesso – fazer o trabalho de um taxista (antes de
ter GPS no carro) ou de um padeiro. É preciso ir-se muito mais longe! Na medida em que a profissão que se
exerce não se imprime somente na gestualidade (a destreza de um relojoeiro, a precisão de um cirurgião) ou
na capacidade física (as mãos de um pedreiro, o corpo de uma bailarina), a profissão vai ao mais fundo do
cérebro. À força de nos especializarmos numa profissão, o nosso cérebro também se profissionaliza. É o que
vem a revelar a imagiologia cerebral: nas circunvoluções do córtex, ao nível das próprias estruturas das
redes de células cerebrais (neurónios). Há uma diferença fisiológica que se imprime à medida da
aprendizagem e da aquisição de especialização… Assim, o cérebro de um taxista estrutura-se de um modo
diferente de o de um desportista ou de um músico. Como é que se opera essa “deformação” cerebral
profissional? Pela reorganização das conexões neuronais/neurais (dos neurónios em sinapses). É com essa
reorganização que toma lugar o profissionalismo. Como ir até junto dos neurónios? O cérebro reforça as
redes corticais (do córtex cerebral) que nos tornam mais hábeis, mais rápidos, mais precisos e mais eficazes.
Quanto mais se repete uma tarefa e mais ela é singular, mais essas redes neuronais se distinguirão. Daí
decorre a remodelagem de certas áreas cerebrais e a inibição de outras… Os mecanismos postos em ação são
complexos. À escala do neurónio: as suas conexões neuronais tornam-se mais ou menos numerosas, ativas, a
sua frequência de atividade sendo alterada, etc. Observam-se igualmente alterações químicas no seu meio
(no meio do neurónio). À escala das redes de neurónios as adaptações são mais visíveis. Estimuladas
regularmente, certas redes neuronais tendem a estender-se; sempre mais neurónios se poem a tratar dos
estímulos cerebrais, aumentando a conexão/ligação entre eles. Essa última ação sobre os estímulos cerebrais
15

(inputs) leva a rede neuronal a alargar-se e a melhor reagir à estimulação. Outras redes especializam-se, pelo
contrário, com a própria experiência, passando pouco a pouco os neurónios a não serem essenciais à tarefa.
Uma multidão de efeitos é tanto mais visível, quanto a profissão corresponda a uma atividade particular do
cérebro (a memória, a coordenação, a vista, etc.). Enfim, uma profissão polivalente, como por exemplo ser
empregado como funcionário de um serviço, solicita a realização de dezenas de tarefas cerebrais diferentes.
Resultado: as capacidades mobilizadas distinguem-se menos das utilizadas na vida quotidiana. Por esse
facto, a deformação profissional está hoje em marcha, qualquer que seja a nossa profissão. (F.L.) p. 46

Localização da deformação do cérebro se tem, quando se é taxista.


Que deformação se adquire no cérebro, quando se é taxista?
No taxista, que não use GPS e viva numa grande metrópole, a memória espacial torna-se híper na sua
performance, no que se traduz num hipocampo extremamente desenvolvido, na parte de trás. Essa
deformação aparece depois de 3 ou 4 anos, durante os quais os aprendizes de taxistas dependem da sua
memória “clássica” para reterem os nomes das ruas (memória declarativa19) e da sua memória espacial, para
armazenarem a carta mental da cidade. Essa condição é indispensável para imaginar os trajetos alternativos,
adaptando-se o taxista ao movimento dos carros! (M.-C.M.) p. 46

19
A memória declarativa foi chamada mais antigamente de memória a longo prazo, sendo a que pode “declarar” factos, nomes,
acontecimentos, etc.
16

E que deformação do cérebro se tem, quando se é desportista?

E que deformação do cérebro se tem, quando se é desportista?


O volume da massa/substância cinzenta (corpos de células nervosas, células da glia - astroglia e
oligodendrócitos, capilares, axónios e dendritos), nas áreas implicadas na motricidade incha, dilata-se, com
diferenças segundo a área desportiva: os praticantes de golfe têm essa alteração na região frontal-parietal
(ligada ao controlo sensoriomotor); os bailarinos, mais no cerebelo (responsável pelo equilíbrio), e as
regiões implicadas na sincronia dos movimentos. Essa condição atenua a sensibilidade a acelerações brutais,
eliminando a sensação de vertigem. (M.-C.M.) p. 46
E que deformação do cérebro se tem, quando se é músico?
17

E músico? córtex somatossensorial

As zonas implicadas na motricidade fina e na coordenação dos gestos são retrabalhadas por músicos: as
fibras nervosas que ligam os hemisférios cerebrais (corpo caloso) tornam-se mais espessas, como a
massa/substância cinzenta (corpos de células nervosas, células da glia - astroglia e oligodendrócitos,
capilares, axónios e dendritos) do córtex somatossensorial. E mais. O músico adquire experiência, mais os
córtices (plural de córtex) auditivos, primário e secundário (implicados na discriminação da altura dos
sons/fonemas, os tempos, os ritmos) se tornam mais espessos. Um músico vem a adquirir um 6º sentido
musical. (M.-C.M.) p. 46

Córtices auditivos, primário e secundário


18

E que deformação do cérebro se tem, quando se é perfumista?

E especialista em perfumes, perfumista?

Um especialista em perfumes adquire um maior volume e a atividade é mais fraca nos córtices olfativos o
que trai a experiência. Qual é a lógica? Quanto mais as áreas olfativas ocupam maior espaço, mais elas
podem sentir, memorizar e identificar os odores (mas com menor esforço). Mas sobretudo, à força de
imaginar as fragâncias, o seu cérebro afinou talentos de evocação. Resultado: os seus circuitos olfativos,
encarregados de treinar os odores, ativam-se menos e menos, à medida que criam circuitos olfativos mais e
mais afinados. (M.-C.M.) p. 47

Circuitos olfativos.

E que deformação do cérebro se tem, quando se é tradutor/a?


19

E tradutor/a?

Escutar um discurso em uma língua e, simultaneamente, pronunciá-lo em outra língua necessita de um treino
que se materializa, por uma mais baixa atividade, ao nível das redes cognitivas 20 e executivas (funções
executivas, que são a área da atenção e a área de tomada de decisão). Assim, nos especialistas em tradução,
o controlo consciente da tradução descansa até a um certo ponto, inclusive a ponto das redes linguísticas
(áreas da linguagem/Wernicke e da expressão da fala, articulação/Broca) trabalharem de modo automático.
(M.-C.M.) p. 47

20
Globalmente, as funções cognitivas são divididas em memória, atenção, linguagem, perceção e também em funções executivas
(uma abordagem neuropsicológica que utiliza as atividades cognitivas pela execução e pelo planeamento de tarefas. As funções
executivas abrangem nestas atividades a tomada de decisões, a lógica, o raciocínio, as estratégias e as soluções para problemas).
20

Ler - escutar - pensar palavras - falar

E que deformação do cérebro se tem, quando se é ornitólogo?

E ornitólogo (estudiosos de aves)?

Um ornitólogo, em um relance, reconhecer e distinguir um corvo da torre de uma gralha, o que se torna tão
fácil como distinguir duas caras. Entre eles, uma prática intensa provoca uma reconversão da área cerebral
especializada no reconhecimento de faces (a área fusiforme de faces). Esta área/região do cérebro muda de
função para se especializar no reconhecimento de diferenças subtis, entre as espécies de aves domésticas.
(M.-C.M.) p. 47

Em azul claro, área fusiforme de faces.


Porque é que nos acontece fazermos coisas estúpidas?
21

Jogar ao loto porque o nosso horóscopo diz que é o nosso dia de sorte, lançar-se pela porta do transporte
público, sendo que assim se espera a chegada do próximo local, dentro de 10 minutos… Não é necessário ter
um quociente intelectual (QI) ao nível básico para serem tomadas decisões irracionais. Segundo o prémio
Nobel da Economia, um americano-israelita, Daniel Kahneman, esse paradoxo está ligado à condição da
nossa mente: em permanência, a mente escolheu entre duas vias. A primeira é intuitiva e imediata. A
segunda exige tempo e reflexão. Se a primeira nos permite tomar decisões rapidamente, ela expõe-nos a
erros que a segunda poderia evitar. Exemplo: a Maria gasta 120 euros para comprar uma camisola de malha
e uma écharpe/lenço. A écharpe custa 100 euros menos do que a camisola de malha. Quanto custa a
écharpe? Intuitivamente, temos tendência a responder 20 euros. Mas se refletirmos, para alcançarmos a boa
resposta – a saber que a écharpe custa 10 euros e que a camisola de lã custa 110 euros. Este é um caso
típico; em vez de nos lançarmos num raciocínio rigoroso, preferimos um atalho intuitivo que não pede
esforço. Cada pessoa possui esses dois modos de pensar. Os cientistas falam de “vieses/bias cognitivos”, que
nos levam a decisões irracionais. Qual é o remédio? Conhecer os próprios enviesamentos cognitivos e ter
paciência, ousar raciocinar contra os seus próprios desejos e opiniões, desconfiar das evidências e de
soluções de conjunto que saltam aos olhos. Einstein costumava dizer: “Eu não sou de tal modo que seja mais
inteligente do que os outros, mas eu concentro-me nos problemas mais tempo”… (A.C.) p. 42
Enviesamentos ou efeitos de tendência cognitiva (bias): quais são os seus viéses?
Ver em inglês que bias se diga em português viés ou efeito de tendência. Há um viés da representatividade?
Sim. É também conhecido o viés dos ancoradouros (quando o primeiro número avançado influencia a
resposta). Há pessoas com vieses de confirmação muito fortes (esquecendo as informações que não
confirmam as nossas hipóteses). Outras têm um viés de aversão pela perda (pensando que na bolsa, quando a
baixa de um valor seja tomada por passageira). E terá você um viés, partindo da forma como um problema
lhe seja colocado?... E que dizer do viés de negligência da taxa de base (a fiabilidade de um teste nem
querendo dizer que a probabilidade de que o acontecimento testado ocorra)? Terá um viés de disponibilidade
em memória (tendência a privilegiar a informação mais recente)?
Afinal, é preciso ser maluco para se ser génio?
Miguel Ângelo, Friedrich Wilhelm Nietzsche, John Nash, Francis Scott Fritzgerald, Victor Hugo, Mozart,
Einstein… quantas personalidades abanaram a conceção do mundo dos seus contemporâneos, atravessavam
o golfo da loucura, quando não mudavam ao mundo por dentro? Perturbação mental e génio associam-se
tantas vezes, que nos perguntamos por vezes se um aspeto não ocorre com o outro, se o sofrimento psíquico
não é o preço a pagar para alcançar um destino de exceção. Essa conjetura não é de há pouco tempo tempo.
No século XIX, a doença era apreendida, sendo escondida no criador, a degenerescência encontrada
escondida na obra-prima: Chateaubriand foi diagnosticado na categoria das pessoas com “um esgotamento
precoce”, Musset foi dito de “degenerado superior”, Balzac de “maníaco ambulante” e Flaubert de
“histérico-epilético”. Os julgamentos que os dados científicos de hoje trazem as suas nuances: “Não basta
sofrer de perturbações afetivas para ser genial, sendo preciso ainda ter atitudes cognitivas e ideias fora da
22

sua faixa”, explica o psiquiatra Jean Cottraux. “E se é verdade que o destino de grandes criadores faz
aparecer um laço notável com as perturbações afetivas, não se pode explicar uma obra singular somente pela
doença mental do seu autor, nem mesmo o génio pela neurologia.” Entre todas as perturbações mentais de
que podem sofrer os criadores como os génios, uma perturbação mental de ordem genética coloca a atenção
nos especialistas de saúde mental: a perturbação bipolar de humor, de que sofreram entre outros Napoleão,
Hemingway ou Dostoïevski… As pessoas afetadas por essa perturbação bipolar de humor alternam entre os
“altos” e os “baixos”: os episódios maníacos de excitação e as crises de abatimento depressivo profundo. Na
fase de excitação, a necessidade de sono diminui, as associações de ideias são fáceis, originais, visionárias.
Esse acesso rápido à inspiração manifesta ser um ativo considerável para os artistas. Jean Cocteau, um
escritor, designer, ator e realizador de filmes, comparava essas sequências de frenesim criativo a “um cavalo
embalado que ganha a corrida”. “O processo criativo de Schumann, esse músico híper emotivo, idealista,
generoso é tipicamente bipolar”, afirma o neuropsiquiatra Marc-Louis Bourgeois. A composição das suas
obras é cíclica, com a alternância de períodos de entusiasmo criativo e de períodos depressivos, totalmente
improdutivos.”
Qual é o papel criativo da dopamina21, além das suas inúmeras funções, como a atenção, a motivação, a
cognição?
Além da bipolaridade, um inquérito realizado na Universidade de Baltimore (USA) teve interesse em
conhecer as problemáticas afetivas de uns cinquenta escritores, poetas, pintores e outros artistas britânicos,
tendo todos eles recebido um prémio de prestígio. Qual foi o resultado? Cerca de 38% tinham sido tratados
por “perturbações de humor” e destes 38% cerca de 3/4 tinham sido hospitalizados e sofrido tratamento com
lítio, inclusive com eletrochoques! Se isso é o que acontece comummente, ficam por compreender as bases
biológicas entre génio e perturbação psíquica. Em 2010, investigadores americanos abriram o caminho
utilizando a imagem cerebral para sondarem o cérebro de 14 pessoas que se entregaram na realização de
testes de criatividade. Veio a verificar-se que os seus tálamos (o centro dos reflexos condicionados 22 )
apresentavam uma fraca densidade de recetores para a dopamina, um neurotransmissor implicado em
inúmeras funções, como a atenção, a motivação, a cognição. Esse estudo, muito preliminar, sugere que os
recetores de dopamina desempenham um papel nas atividades criativas. Ora também se sabe que esses
mesmos recetores estão implicados nos sintomas de esquizofrenia e de perturbações afetivas/bipolares, com
depressões. (P:T.-V.) p. 44
Com muitos, em grupo, chega-se a ser mais inteligente?

21
O cérebro contém certas vias dopaminérgicas. Uma dessas vias desempenha um potencial papel no comportamento motivado e
no sistema de recompensa do cérebro. Há drogas viciantes que aumentam a atividade neuronal da dopamina. A dopamina é
produzida especialmente pela substância negra e na área tegmental ventral. A dopamina também está envolvida no controle de
movimentos, aprendizado, humor, emoções, cognição e memória.
22
Um reflexo é uma sequência estímulo-resposta e tem a função de manter o bom funcionamento biológico, garantindo
sobrevivência e reprodução. Os reflexos condicionados formam novas conexões sinápticas, inicialmente temporárias e a seguir
duradouras, pois são reflexos "aprendidos" e podem ser excitadores ou inibidores. A sua função é preditiva, ou seja, serve para
antecipar a resposta de prazer (recompensa) ou mesmo advertir sobre um possível perigo (punição).
23

Em matéria de criatividade, sim. É aliás esse o princípio de brainstorming (a não ser traduzido por
“tempestade de ideias”). Os trabalhos realizados, em 2000, por psicólogos do Estado americano do Texas
mostraram, por exemplo, que em 15 minutos, um grupo de 4 pessoas era capaz de produzir 85 ideias
diferentes, em resposta a uma mesma questão (como nessa experiência, quais são as utilizações possíveis
para um trombone?), contra 61 ideias de uma pessoa isolada.

Mas tomar as 61 ideias de 4 pessoas isoladas não dará 244 respostas, porque as suas propostas se reagrupam
de tal modo que não atingem 85 ideias diferentes. O que se trata, quando se trata de resolver um problema e
de tomar uma decisão/julgamento ajuizado? A soma de saberes permite a um grupo fazer escolhas mais
inteligentes do que uma pessoa isolada? Não forçosamente. Outros investigadores, ingleses, desta vez,
colocaram dois indivíduos voltados de costas, cada um frente a um ecrã em que passavam brevemente
formas redondas, mais ou menos contrastadas. A questão colocada era simples: qual é a forma redonda mais
contrastante? As pessoas respondiam individualmente, depois concentrarem-se para darem uma resposta
coletiva. Resultado: as respostas a dois eram mais frequentemente exatas. Mas quando os investigadores
complicavam a tarefa (por exemplo, desfocando um dos dois écrans, para diminuir as competências de um
dos participantes), o benefício da concentração voava. Dito de outra maneira, quando as competências não
são iguais, no seio de um grupo, uma cabeça pode suplantar duas. Qual é a armadilha de se pensar como
entre ovelhas e carneiros? Nessa experiência, os indivíduos mais competentes (que tinham a melhor taxa de
respostas boas) alinharam-se, com mais frequência, com a opinião dos outros. Como explicar isso? De forma
notável, pela nossa reticência em tomar sozinh@ a responsabilidade de uma decisão (e, portanto, a
responsabilidade de um erro potencial). É a tendência a conformar-se à opinião geral (conformismo)23, para
evitar conflitos ou, dito de outro modo, é o “pensamento dos carneiros”, que faz perder à pessoa alguns
pontos de QI (quociente intelectual) em favor da inteligência coletiva (A.C.) p. 40

E Einstein era um “cérebro”?

23
Veja quem estudou o conformismo: Solomon Asch (1907-1996).
24

Veja a região engrossada (renflée) no cérebro de Einstein, na figura que compara o seu cérebro com o cérebro comum.

Com o seu 1,230 Kg, contra 1,350 Kg em média de homens, o cérebro de Einstein põe em cartaz um peso
justamente modesto. O que é que o diferencia, então, do cérebro do comum dos mortais? Desde a morte do
físico, em 1955, os cientistas estudaram sob todas as emendas o genial encéfalo e cortaram mesmo os 240
pedaços do cérebro de Einstein. A chave do génio encontra-se forçosamente aí, pensar-se-ia. Em 2013, o
antropólogo americano Dean Falk apresentou as suas conclusões: “o cérebro de Einstein tem um córtex
préfrontal24 extraordinário”; os córtices motor e somatossensorial primário encontram-se em Einstein “muito
estendidos” e os lobos/lóbulos parietais são “inabituais e poderiam ter fornecido as fundações neurológicas
para o seu talento matemático e visual espacial”. Mas não é com malabarismos de conceitos
ultrassofisticados que Einstein revolucionou a física. Pelo contrário! O seu método foi sempre colocar
questões simples. A experiência que revelava a existência de átomos? Ele imaginou essa experiência
aplicando a corpos em suspensão em um líquido o princípio de Boltzmann, sobre a desordem do sistema
termodinâmico. A sua descoberta da relatividade restrita? Perguntando-se como aparecia um raio de luz, se
ele o cavalgasse. É difícil imaginar essa atitude se possa ler nas dobras do seu cérebro. Para compreender de
onde vem o génio de Einstein, mais vale ler os seus escritos. H.P. e A.C.
Existe mesmo uma bossa, uma proeminência no cérebro, ligada à matemática?
Nós baixamos as orelhas com essa maldita bossa das matemáticas, desde a nossa infância… Contudo, se
essa excrescência existiu algum dia, é somente no espírito de Franz Joseph Gall, um médico alemão do
século XIX. Depois de ter observado certos estudantes, dotados de uma grande memória, tinham os olhos
proeminentes, ele examinou os relevos cranianos de músicos, poetas e prisioneiros. Ele estabeleceu que cada
“faculdade” mental se encontra localizada em uma zona precisa do cérebro, tanto mais volumosa sendo a

24
O córtex pré-frontal é a região de cérebro que é a sede de funções cognitivas diversificadas, ditas superiores (nomeadamente, a
linguagem, a memória de trabalho, o raciocínio e geralmente as funções executivas. Também é uma zona de gosto e de odor. O
córtex pré-frontal é das zonas do cérebro que sofreu maiores alterações em expansão, ao longo da evolução dos primatas até aos
hominídeos.
25

competência desenvolvida. Mais: Gall ficou persuadido de que a forma da caixa craniana casa com a área do
cérebro. Gall acreditou que uma zona mais desenvolvida se traduz por um rombo no crânio, donde a famosa
bossa das matemáticas, ou “órgão dos números, situado no ângulo esterno da órbita”. Gall deixou assim uma
carta do cérebro humano indicando a localização de 27 virtudes morais e intelectuais. A frenologia ou
“pseudociência das bossas cranianas” nasceu assim. Se nenhum cientista não lhe dá crédito há muito tempo,
permaneceu a ideia segundo a qual ser bom em matemática depende de uma zona do cérebro, presente ou
não à nascença. A imagem cerebral mostrou, contudo, que as matemáticas solicitam muitas redes de
neurónios, em diferentes zonas do cérebro. O neuropsicólogo Stanislas Dehaene demonstrou que o córtex
parietal inferior, dos dois hemisférios, contém circuitos neurais/neuronais dedicados à manipulação de
quantidades numéricas. Ora essas regiões não têm nada de uma bossa e encontram-se nas profundezas do
sulco intraparietal. A.C. p. 40

Frenologia de Gall (1825).

Sulco intraparietal e córtex parietal inferior

24 - Como pensa um bebé?


Mas o que é que os adolescentes têm na cabeça?
26

Face às reações impulsivas dos adolescentes, os adultos são tentados a responder “nada”. Ora, é antes o
contrário. Para se fazer uma ideia do cérebro de um adolescente, é preciso imaginar um vasto lugar em plena
efervescência. O seu cérebro ativa-se em todos os sentidos. Do lado dos neurónios, de imediato: nessa idade
não estão plenamente formados. Os seus prolongamentos (os axónios) acabam de ganhar mielina (gordura),
permitindo ao influxo nervoso circular 100 vezes mais rapidamente: o cérebro descobre-se ser de uma
potência inédita. Segue-se que da mesma forma que o resto do corpo, o cérebro conhece uma grande
agitação estrutural. Mais exatamente, sofre o cérebro uma remodelagem semelhante à que acontece nos
primeiros anos de vida, antes dos 4 ou 5 anos. Assim, entre os 10 anos e os 17 anos, os neurónios fabricam
em massa novas conexões (as sinapses). Isso acontece de tal modo que as sinapses se encontram
rapidamente em um número muito grande. Essa sinaptogénese é seguida de uma fase de “poda neuronal”, da
mesma forma que um lenhador corta seletivamente as árvores de uma floresta: as conexões “inúteis” são
cortadas. Essa remodelação começa pelas áreas que tratam da informação sensorial, nomeadamente a parte
superior do lobo/lóbulo parietal posterior. Seguem-se os lobos frontais e temporais, que participam nos
processos cognitivos e emocionais, antes de ser alcançado o córtex orbito-frontal, implicado na regulação
das condutas. No final desta lenta maturação, o jovem adulto terá adquirido uma melhor coordenação dos
seus movimentos, competências linguísticas e relacionamentos aumentados na intimidade, comportamentos
menos impulsivos… mas até lá é um pouco de cacofonia. O sistema límbico ou “cérebro emocional”,
implicado na impulsividade, chega à maturidade aos 12-15 anos, bem antes do córtex pré-frontal (onde se
localiza o córtex orbito-frontal) (20-25 anos): este último não pode executar plenamente o seu papel de
regulador como no adulto. Uma décalage de desenvolvimento propriamente dita, na puberdade, explica a
tendência dos adolescentes para arriscarem e tomarem riscos excessivos. (A. C.) p. 37

Lobos ou lóbulos cerebrais e córtex orbitofrontal


27

As duas vias cerebrais, a rápida - emocional - e que vai mais longe ao córtex.

Com que idade é que a pessoa se torna mais sábia?


“Com o tempo, vai, tudo se vai…” A canção de Leo Ferré aplica-se também ao quociente intelectual - QI,
que aumenta durante a infância, se estabiliza cerca dos 20 anos e começa a declinar por volta dos 50-60
anos. Investigadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) analisaram, com testes de QI cerca
de 48 000 pessoas, com idades compreendidas entre os 10 e os 89 anos. O sucesso nos exercícios exige
rapidez ótima aos 20 anos, o que depois diminui. Isso não tem nada de espantoso, porque a “memória
episódica”25 é a mais sensível ao envelhecimento: é preciso mais tempo para memorizar qualquer coisa aos
60 anos do que aos 15 anos. Por outro lado, a performance/capacidade de realização nos exercícios que
exigem a “ordenação de imagens”, a fim de ser construída uma história (subteste em prova de QI), culmina
entre os 25 e os 35 anos. Nas avaliações nos testes de “vocabulário”, “informação” - cultura geral,
“aritmética” ou “compreensão”, nessas provas de QI, melhora-se ao longo da vida. Sabe-se, com efeito, que
fora de situações de senilidade, a “memória semântica” (que reúne a nossa cultura geral) permanece intacta.
Dito de outra maneira, menos bons resultados em testes de QI, na idade adulta, não testemunham uma
inteligência a meio gaz, mas uma menor rapidez e menores capacidades de aprendizagem, características do
envelhecimento. Uma espécie de definição de sabedoria… (A. C.) p. 37
Sobredotados… e, contudo, com insucesso escolar?
Ter um quociente intelectual (QI) superior à média e vestir o barrete de burro, é um paradoxo sagrado. Mas
é uma realidade para cerca de 1/3 das crianças com potencial elevado, ditas “sobredotadas”, que se
encontram com insucesso escolar. As estimativas são eloquentes: enquanto 2,5% das crianças escolarizadas,
entre o Jardim de Infância e o último ano do secundário (300 000 em França) têm uma avaliação de QI
superior a 130 (0,1% ultrapassam os 145!), mais de um quarto (¼), entre os dois níveis escolares, não fazem

25
A memória episódica também se chama de memória autobiográfica, relativa a eventos autobiográficos (tempo, lugar, emoções
associadas, como, quem, o que, quando, onde e as fontes de conhecimento), o que pode ser explicitamente declarado ou
conjurado.
28

mais do que um bacharelato/licenciatura. Na ausência de uma perturbação possível, como a dislexia (leia
aqui “um fator contra”), o/as psicólogo/as explicam essas dificuldades pelo que designam de uma
dessincronia entre o desenvolvimento emocional e o desenvolvimento intelectual da criança: dito de outra
maneira, se a sua inteligência é superior à das outras crianças da mesma idade, o seu desenvolvimento
emocional não é. Acedem a informações que ainda não são capazes de gerir. Por exemplo, as crianças
sobredotadas partilham de certas características: são perfecionistas e, ao mesmo tempo, muito lúcidas sobre
si próprias e, portanto, sobre a extensão (e os limites) dos seus conhecimentos. Então, um adulto que
conhece as suas forças e as suas fraquezas fará uma ação para ser bem-sucedido. Mas uma criança
sobredotada deixa-se invadir pela eventualidade de fracasso, o que cria uma ansiedade paralisante frente aos
exames (ansiedade de desempenho). Outra característica dessas crianças: o seu pensamento é rápido,
intuitivo/segundo padrões e abundante. Raciocinam por associação de ideias e memorizam sem esforço. Nas
classes dos mais novos, não veem necessidade de se ligarem a métodos de memorização e de reflexão, que a
escola inculca aos outros estudantes. O problema vem quando, para obter boas notas, o professor lhes pede
não somente para encontrarem a boa resposta, mas também para explicarem o processo para a obterem, tal
como foi ensinado na aula. Essa exigência vai ao contrário do raciocínio de sobredotados. Se bem que
tenham conhecimentos, não chegam a estar no molde da escola, que lhes é imposto, não sendo a escola feita
para pequenos génios – nem para os alunos “preguiçosos e sem talento” (nunca se devendo dizer tal coisa de
crianças). Então o que é o “efeito de pigmaleão negativo”? Enfim, um outro handicap pode perturbar a
escolaridade desses alunos que saem do panorama. Em 2013, durante uma conferência da Associação
Francesa para as Crianças Precoces (Afep), o neuropsiquiatra Olivier Revol evocou a situação de um dos
seus jovens pacientes: a mãe exigiu que ele saltasse um ano escolar, porque ele já lia muito bem e aborrecia-
se. A professora opunha-se, assegurando que ele não dominava a leitura. Como prova, a professora chamou
a criança e pediu-lhe para ler em voz alta. Ele executava: “LA-PE-TI-TE-MAISON-DANS-LA…”, lendo,
marcando com força as sílabas. A mãe aborreceu-se e pediu-lhe para ler normalmente. A criança recomeçou
e, dessa vez, a leitura foi perfeitamente fluida. A professora, espantada, perguntou-lhe porque é que não lia
assim na sala de aula. O menino respondeu: “Porque quando os outros leem assim, a senhora diz-lhes que
“está muito bem”, e dá-lhes 10/10…” Chama-se a esse efeito de “Pigmaleão negativo”: para compreender as
expectativas da sua professora, a criança sobredotada tentaria de forma desajeitada colocar-se ao nível dos
colegas, fingindo ignorar o que sabe. Passa assim a ser um pior aluno (o mesmo acontece no desenho de
jovens sobredotados, que em casa possam fazer melhor do que na escola).
Porque é que certas pessoas se aborrecem com os números?
“Uma criança que não sabe ler, leva-se a uma terapeuta da fala. Uma criança que não sabe calcular, diz-se
mesmo que não tem “a bossa para as matemáticas” 26 .” Em duas frases, Bruno Vilette, professor de
psicologia do desenvolvimento, da Universidade de Lille – III (França), resume o desconhecimento que

26
Ver noutro lugar deste texto: Existe mesmo uma bossa, uma proeminência no cérebro, ligada à matemática?
29

reina em volta da discalculia, essa perturbação que impede a retenção por crianças das tabuadas de
multiplicação, de avaliar as quantidades, de apresentar uma operação… Mas qual é a definição exata de
discalculia? A definição mais amplamente admitida evoca capacidades de cálculo muito inferiores às outras
capacidades intelectuais, o que deixa uma certa margem de apreciação… Num simples golpe, a prevalência
de discalculia passa de um valor simples ao seu dobro, segundo as fontes: de 1 a 6%, em França, enquanto
seja avaliada em 14% nos EUA! A mesma indefinição reina sobre as suas causas. Uma das pistas mais sérias
é a de uma origem genética, responsável pelo disfuncionamento no sulco intraparietal, uma região do
cérebro onde se constitui o “sentido de número”, essa intuição que nos permite comparar duas quantidades a
olho nu…. Mas ainda são precisos alguns anos para identificar essa perturbação - discalculia. M.-C.M. e
A.C. p. 39

Sulco intraparietal

E porque é que certas pessoas se aborrecem com as letras?


As letras dançam, os d e os b viram-se ao contrário, certas sílabas saltam de uma palavra para a outra… o
simulador concebido pelo informático sueco Victor Widell27 permite ver o que parece um texto para um
disléxico, essa perturbação da leitura que afeta 3 a 5% das crianças em idade escolar. Será um défice do
sistema de representação mental e de tratamento dos sons/fonemas. Ora, a aprendizagem da leitura consiste
em colocar em relação letras e fonemas. No decurso da leitura, uma região visual do hemisfério esquerdo,
implicado no reconhecimento de letras interage com regiões cerebrais especializadas na fonóloga da
linguagem e do léxico mental. Nos disléxicos, elas conteriam menos matéria cinzenta e seriam menos bem
conectadas entre si. Os cientistas encontraram vários genes “em risco”. Quando uma dislexia é
diagnosticada, a terapeuta da fala coloca em trabalho uma reeducação fonológica. Apesar disso, não a cura.
Permanecem disléxicos, toda a vida, Albert Einstein ou Winston Churchill… que não serão de qualquer
modo uns incapazes. A. L.-B. e A. C. p. 39

27
Veja o texto inventado por Widell para se imaginar como vê o disléxico: https://positivr.fr/simulateur-dyslexie-victor-widell-
suede/
30

Cada pessoa é uma pessoa inteligente à sua própria maneira?


Você tem uma inteligência lógica?
Teste 1 – Determine o valor do quadrado.

Resposta: O quadrado é igual a 4.


Teste 2 – Em uma cidade, todos os sapateiros são míopes.
Alguns dizem que, nessa cidade, há míopes que não são sapateiros.
Segundo você, essa conclusão é:
A Forçosamente verdadeira
B Forçosamente falsa
C Nem forçosamente verdadeira, nem forçosamente falsa
Resposta: C.
Teste 3 – Seguindo a lógica das engrenagens, se a roda gira no sentido da flecha, o que se passa?

A O peso sobe
B O peso desce
C O peso permanece imóvel
Resposta: B.
E será você uma pessoa intuitiva?
Teste 1 – Entre os jogos de lotaria, qual escolheria?
A Tem 100% de probabilidade de ganhar 10 000 euros
B Tem 90% de ganhar 15 000 euros
Escolha agora entre os dois jogos de lotaria seguintes:
C Tem 10% de probabilidades de ganhar 10 000 e 90% de perder
31

D Tem 9% de probabilidade de ganhar 15 000 e 91% de perder


Resposta: Você deve sem dúvida ter escolhido a lotaria A, depois a lotaria D. Contudo, a diferença entre as
probabilidades de ganhar entre C e D eram exatamente as mesmas que entre A e B. As pessoas intuitivas
terão tendência para escolher A e D, sem terem em conta o “axioma de independência”, segundo o qual o
hiato/lacuna entre duas probabilidades não muda, se são divididas ou se são multiplicadas por um mesmo
fator.
Teste 2 – Que vaca será mais difícil de ver de um avião?

Resposta: Segundo o princípio da camuflagem, que consiste em intervalar as formas e em borrar as cores, a
vaca B será mais difícil de ver de um avião.
Teste 3 – Tomemos duas urnas, cada uma contendo bolas pretas e bolas vermelhas. A primeira urna contém
50 bolas pretas e 50 bolas vermelhas. A segunda urna contém 100 bolas, mas a quantidade respetiva de bolas
vermelhas e bolas pretas é desconhecida:
A Ganha 500 euros se tirar uma bola vermelha. Que urna escolheria?
B Propõem-lhe em seguida uma segunda tiragem. Oferecem-lhe 500 euros suplementares se tirar uma bola
preta. Que urna escolheria?
Resposta: Você está mais suscetível de tirar a bola da primeira urna, na medida em que tem 50% de
probabilidades de uma bola vermelha, escolhendo a primeira urna e essa probabilidade não é conhecida para
a segunda urna.
B: As pessoas mais intuitivas, como a maior parte das pessoas que fizeram esta experiência com o analista
militar Daniel Ellsberg, escolhem de novo a primeira urna. É um paradoxo! Da primeira vez escolhe a
primeira urna, porque pensa que a outra urna pode conter menos bolas vermelhas e, então, maior número de
bolas pretas. Por consequência, você deveria escolher essa segunda urna, para a segunda experiência. Frente
a esta experiência Daniel Ellsberg deduziu que nos comportamos assim, porque tentamos a todo o preço
evitar “a ambiguidade”. Preferimos mesmo encadear as ações que violam o nosso raciocínio precedente!
Você tem facilidade para o domínio espacial?
Teste 1 – O que observaria se estivesse por trás desse montão de tijolos e que olharia no sentido da flecha?
Escolha entre as vistas A, B, C, D.
32

Resposta: A vista C.
Teste 2 – Qual das três imagens da direita não se sobrepõe com a imagem à esquerda?

Resposta? B
Teste 3 - Leia de uma só vez o texto seguinte:
“Suba as escadas na frente de si, vá até um andar. Depois, vire à direita, avance um pouco e volta ainda à
direita. Pare.”
No início, a pessoa encontra-se frente à escada do rés-do-chão. À chegada, a pessoa encontra-se:

Resposta: C.
Enfim, será que você é uma pessoa criativa?
Teste 1 – Seguem-se 14 palavras diferentes. Reagrupe as que, segundo apreende, ficam bem em conjunto
(não faça um grupo de palavras com base na ortografia das palavras).
Elefante Automóvel Canário
Natação Esquilo Canoa
Leopardo Bicicleta Gato
Mota Cão Navio
Leão Andar
Resposta: Quantas mais categorias sejam criadas por si, mais é criativo.
Teste 2 – Qual é a maneira mais simples de cozinhar um assado, em que o cozinheiro pede que seja feito em
13 minutos, com dois temporizadores, um de cinco minutos e o outro de nove minutos?
Resposta: Colocar os dois temporizadores ao mesmo tempo 9m mais 5m. Quando o de 5m tocar, coloca-se o
assado no forno. Faltam ainda 4m antes de tocar o temporizador de 9m. Quando o de 9m toca (ao fim de
4m), coloca-lo em marcha, de novo (4minutos mais 9 minutos = 13 minutos).
Teste 3 – Dispõe de uma caixa de velas, de uma caixa de fósforos e uma caixa de pioneses. Como é que
pode fazer para que uma vela se encaixa num muro, sem que a cera escorra para o chão, quando a vela se
queima?
Resposta: Uma solução consiste em esvaziar uma das caixas, fixá-la no muro com pioneses e meter a vela
em cima, servindo-se da caixa como prateleira.
(…)
33

O homem tem um cérebro e a mulher tem miolos?


Pelo peso, pode-se pensar assim. Já que 181 gramas é o desvio médio entre o cérebro dos senhores (1 325g)
e o cérebro das senhoras (1 144g), segundo os cálculos mais sábios, no século XIX, e ainda e sempre
válidos. Trata-se de uma diferença, em média, de 14%, em favor dos senhores. Porque sugerir uma
vantagem intelectual? Não podemos ir assim tão depressa. Não podemos fazer essa conclusão, porque a
relação entre a inteligência e o tamanho do cérebro nunca foi demonstrada. Aliás, o que acontecia com
Einstein era que o tamanho do seu cérebro era inferior à média: 1 230g. Mas sobretudo, esse dimorfismo
desaparece se tomarmos em conta a diferença de corpulência entre os sexos: 10% a 15% a mais para os
homens. Deve-se aproximar dos 14% de matéria cinzenta28 a mais nos homens. De forma clara, os homens e
as mulheres têm, proporcionalmente, o mesmo cérebro. (K. J.) p. 34
Quem tem o QI mais elevado? O homem ou a mulher?
Hoje, já se sabe. Homens e mulheres são iguais em relação ao QI. Pela primeira vez, depois da invenção
dessa medida (em 1915), há cerca de cem anos, os dois sexos obtém notas similares (em média QI = 98, em
França) – e as senhoras ultrapassam mesmo os senhores em certos países, como a Estónia, a Argentina e a
Nova Zelândia! Nem sempre foi assim: há muito tempo, os homens tinham “dominado” no QI, em cerca de
5 pontos. O que nem queria dizer que eles eram mais inteligentes, na medida em que o QI é uma medida
válida no seio de uma dada população, que depende de fatores sociais. Dizer que o QI das mulheres apanhou
o QI dos homens significa, somente, que acederam à educação e a vias sociais e profissionais mais
preenchidas. Elas tornam-se musculadas, nas suas funções intelectuais… Ultrapassam um atraso que não
tem nada de inato. Analisando os resultados de cada sexo nos testes de QI, confirma este estado de facto: as
mulheres são exímias em provas que exigem capacidades verbais e de síntese, enquanto os homens brilham
em exercícios de representação espacial e em provas analíticas. Uma prova de peso das tradições, que
fornece uma imagem sexuada de certas profissões (a engenharia para os rapazes, os serviços e a
comunicação para as mulheres) não incita as mulheres a orientarem-se para domínios considerados como
masculinos. Privam-nas de desenvolver certas competências cognitivas. (K.J.) p. 34
Existem duas maneiras específicas de pensar?
Quando mergulhamos no caráter sinuoso do cérebro, com a ajuda dos utensílios da neurociência, constatam-
se diferenças reais entre os sexos, tanto na repartição dos neurónios (as áreas cerebrais) como nas conexões
entre os neurónios. Um primeiro estudo, em 2001, colocou em evidência graças à técnica de imagem,
chamada de ressonância magnética funcional29 (fMRI), 48 cérebros dos dois sexos: nas mulheres, certas
partes do córtex frontal, do córtex límbico e do hipocampo aparecem mais volumosas, enquanto os homens,
são as regiões do córtex parietal e da amígdala a evidenciarem-se. Esses dados podem explicar porque é que
as mulheres têm maiores aptidões na linguagem, na tomada de decisão, na memória a curto prazo e os

28
A substância cinzenta é constituída por corpos de células nervosas (axónios), células da glia (chamadas astroglia e
oligodendrócitos), assim como capilares, axónios e dendritos. Nessa substância se enconra o corpo celular do neurónio, em
contraste com a substância/matéria branca que é formada, na sua grande parte, de uma grande quantidade de axónios com mielina.
29
Com a sigla fMRI, do inglês Functional Magnetic Ressonance Imaging.
34

homens uma capacidade mais rápida de perceção sensorial, assim como um maior domínio da ansiedade.
Tais aptidões são difíceis de dizer que sejam inatas ou se desenvolvem em função do papel que um e outro
sexo desenvolvem na sociedade. Com o melhor espírito de investigação, um estudo americano, em 2013,
elaborou o mapa das conexões cerebrais de 949 jovens, entre 9 e 22 anos: nas raparigas, as conexões entre o
hemisfério esquerdo – centro das capacidades de análise e de tratamento de informação – e o hemisfério
direito, centro da intuição, mostram-se mais numerosas. Nos rapazes, as interligações são maiores, no seio
de cada hemisfério, entre a parte da frente – que controla a ação, e a parte de trás, onde se alojam as
perceções e as emoções. Essa organização confirma que cada sexo possui as suas próprias aptidões – por
exemplo, na maneira de se orientar, de reagir ao stresse ou de memorizar. Mas colocadas as conclusões sem
serem apressadas, o cérebro é um órgão plástico, que se transforma, se for praticada uma língua estrangeira,
se a pessoa aprender a tocar um instrumento de música ou se for aplicada num desporto. Dito isto, mesmo
sem contar a profissão ou o lugar que se ocupa na sociedade, que valem muito. Nesse âmbito, a diferença de
capacidades intelectuais não terá tanto a ver com o sexo como com a pressão societal, que se exerce de
modo diferente sobre homens e sobre mulheres, em particular ao nível educativo: orientam-se as raparigas
para os livros e os rapazes, em geral, para as bolas. (K.J.) J. p. 35
Os rapazes são melhores na matemática?
Desde 1936, uma única mulher recebeu o prémio Fields, o mais prestigiado prémio em matemática. Mas
isso não prova nada. Não prova nada porque, segundo o neuropsicólogo Stanislas Dehaene, “fazer
matemática implica um estado particular do cérebro”. Mais do que uma predisposição ligada ao sexo, é a
aprendizagem continuada que permite desenvolver essas competências. Ora, em França, uma perceção
estereotipada das matemáticas torna esse domínio uma área masculina… incapacitante para as raparigas.
Estudos também provaram que o simples facto de fazer acreditar às raparigas que um teste exige
competências em matemática restringe as suas performances/realizações. (…)
As raparigas e as mulheres são multifunções?
Essa ideia vem dos anos 80 do século passado. O estudo post mortem de 20 homens e mulheres tinha
mostrado os corpos calosos – o feixe de fibras que liga os dois hemisférios cerebrais – mais largos nas
mulheres. Donde supor-se que elas podiam mais facilmente executar duas tarefas! Todavia, nada permitiu
provar isso: na verdade, o nosso cérebro não trata senão de uma tarefa de cada vez, qualquer que seja o sexo.
O cérebro memoriza os dados da primeira tarefa, enquanto trata da segunda tarefa, e vice-versa. O balanço
de uma na outra tarefa não leva mais do que alguns milissegundos, mas temos a impressão de que tudo é
feito em simultâneo. Mas para falar sem rodeios, as mulheres não são mais multitarefas do que os homens.
(K.J.) p. 35
40 - É próprio do ser humano ser sobredotado?
O que é o cérebro?
O cérebro é um órgão, claro! É como o coração ou o fígado. Mas o cérebro é um órgão que não é como os
outros órgãos. Acontece assim ser diferente, porque se fala aqui da cabeça pensante, do chefe de orquestra
35

de todos os outros órgãos, do centro nevrálgico de todo o sistema nervoso. As informações provenientes do
exterior e do interior do corpo? É o cérebro que as integra. Os movimentos? É o cérebro que os controla. Os
nossos pensamentos, a memória, a linguagem, as emoções, justamente uma metade das nossas funções
cognitivas? O cérebro gere-as. O cérebro gere as funções cognitivas enquanto se gere a si mesmo. Não
admira, de repente, que o cérebro seja o órgão mais protegido do nosso corpo, encaixado na sua caixa
craniana, que constitui tanto uma capa como uma armadura. E o cérebro consome, sozinho, 20% da energia
total necessária ao funcionamento do nosso organismo, enquanto o seu peso não excede 2% do nosso peso
total. Contudo, visto do exterior, ao cérebro nem se olha: dir-se-ia uma noz. Com os seus dois hemisférios
rosados, um direito e outro esquerdo, todos com bossas (chamadas circunvoluções) e com ranhuras
(chamadas sulcos), juntam-se os dois hemisférios, por uma rede de fibras esbranquiçadas (corpo caloso). A
cada área do cérebro corresponde a sua função, mas várias áreas contribuem para uma função como o
pensamento. Esses hemisférios são organizados em 4 lobos (ou lóbulos), que se distinguem mais pela sua
função do que pela sua anatomia: à frente, o lobo frontal é a sede do raciocínio, da linguagem, da
coordenação dos movimentos voluntários; acima, o lobo parietal está incumbido da consciência do corpo e
da orientação no espaço; no lado, o lobo temporal encarrega-se da audição, do gosto, da memória e das
emoções e, enfim, atrás, o lobo occipital integra as mensagens recebidas e gera a visão. Oito áreas cerebrais
são mais especificamente dedicadas a certas funções. Dentre as mais conhecidas encontra-se a área de
associação visual, que reconhece os sinais visuais e avalia o seu significado. A área de Wernicke trata das
palavras, transformando-as em ideias tendo um sentido ou significado. Há ainda a área de associação
sensorial, onde as perceções sentidas pelo corpo (via do toque, etc.) são interpretadas e comparadas às
experiências anteriores similares. Nada mais a dizer? Sim, quatro cavidades (os ventrículos cerebrais), onde
circula o líquido cefalorraquidiano, em que se banha o cérebro. Veja-se só a geografia cerebral… Mas o
cérebro é também geologia: penetrando-o, atravessam-se diferentes estradas. Distinguem-se três estradas
principais: uma superficial, o córtex, constituído pela substância cinzenta – o corpo de milhares de células
nervosas, os célebres neurónios. Mesmo por baixo do córtex, encontra-se a zona subcortical e a sua
substância branca, correspondente aos prolongamentos (axónios) dos neurónios. Enfim, no coração da
substância branca tem o trono os gânglios basais, ou gânglios da base. Se os neurónios são as células estrelas
do cérebro, não são – e de longe! – as únicas células a povoarem o nosso encéfalo. Cinco a cinquenta vezes
mais numerosas são as células da glia, ou células de suporte, que alimentam, protegem, isolam e limpam os
neurónios. Sem elas, os neurónios não seriam nada… (K.J.) p. 20
Uma pessoa é muito inteligente ou torna-se muito inteligente?
Os génios possuem um dom (inato, genético, herdado), segundo todos pensamos. Mas pode-se imaginar que,
como o tamanho ou a cor dos olhos, a inteligência transmite-se pelos genes? Certo. Certas famílias de nome
ilustre como os Bach, os Darwin, os Curie, os Dumas, os Renoir, os Chedid (cantores de origem libanesa)...
podem contar nas suas fileiras vários talentos de exceção. É o suficiente para concluir que o génio se herda?
Não, pois essa constante não diz nada sobre as causas dessa transmissão: trata-se de uma herança genética
36

ou o efeito de um mesmo meio? Para além disso, Leonardo da Vinci, Miguel Ângelo ou Einstein não
tiveram nem parentes nem descendentes ilustres. A genialidade pode então adquirir-se desde que uma
criança é mergulhada em um envolvimento sociocultural propício... É tentadora a ideia de que o génio
emerge do encontro entre um meio favorável e disposições particulares. Mas que influência desempenha
cada um desses dois fatores? Para o que diz respeito aos genes, a questão foi decidida por estudos com
gémeos monozigóticos, mas separados à nascença. Sujeitos a um teste de QI, gémeos monozigóticos obtém
resultados muito similares, provando a influência do ADN sobre as suas aptidões cognitivas/intelectuais. Em
2011, um estudo da Universidade de Edimburgo (Escócia) avaliou mesmo que esse fator podia explicar 50%
das diferenças individuais, em matéria de QI. Hereditariedade e meio, então? Já em 2005, o jornalista
americano David Plotz o tinha provado, analisando os resultados escolares de alguns dos 200 bebés
concebidos a partir de um banco de esperma de Prémios Nobel. Quais foram as suas conclusões? Mesmo
com uma herança genética favorável (os pais desses bebés tinham obtido grandes reconhecimentos
internacionais), nem todos se tornaram génios. Os meios em que essas crianças foram criadas podem ter
ajudado a modelar a expressão dos genes. Mas em que proporções? Faltam estudos. Contudo, em 1999,
Michael Duyme (diretor do CNRS, French National Center for Scientific Research) publicou um artigo em
que demonstrava que as crianças criadas em meios desfavorecidos viam o seu QI aumentar, até alcançarem
um nível médio, quando tinham sido adotadas (cerca dos 6 ou 7 anos), por famílias de nível intelectual
elevado e sendo estáveis em termos afetivos. Se este estudo mostra que a negligência atrasa o
desenvolvimento do QI, ela não invalida em nada o peso dos genes. A hereditariedade e o meio coagem em
proporções não quantificáveis. Uma prova disso? Tomemos uma criança que começou a jogar ténis. Seja
confiada ao melhor treinador e forneçam-lhe o material mais eficiente. Os seus resultados vão, sem dúvida,
ser bons. Mas se essa criança não tem o físico, ela não capta o sentido do jogo, nunca chegará ao mais alto
nível na área. Inversamente, uma criança nascida com predisposição e a quem ninguém deu uma raquete,
não irá desenvolver as suas competências. Em suma, a questão permanece incompleta. Isso tem um lado
bom: não é possível fabricar génios, como acreditavam behavioristas ou comportamentalistas. Esse é um
mistério profundamente humano. (K.J.) p. 22
O tamanho do crânio limita a nossa inteligência?
Não. Já que não é o tamanho do crânio, mas o número de neurónios e, ainda mais, o número de conexões
entre os neurónios (sinapses), que fazem de nós seres inteligentes. A prova: desde o tempo Cro-Magnon
(Homo sapiens), há cerca de 30 000 anos, o volume do nosso cérebro reduziu-se a cerca de 15%, passando
de 1 550 cm3 para 1 350 cm3. E é suficiente admirar a Capela Sistina para perceber que não perdemos o
potencial. Com certeza, se o tamanho não faz tudo, é possível imaginar que com uma caixa craniana mais
ampla, o cérebro poderia desenvolver as suas capacidades superiores. Com efeito, a questão não se coloca, já
que a evolução natural privilegiou no Homo Sapiens uma bacia estreita, favorável à bipedia. O resultado? A
passagem disponível para a cabeça à nascença não poderia ser maior do que hoje. A menos que a morfologia
das mulheres do futuro se modifique… (K.J. e M.-C.M.) p. 23
37

Capela Sistina, pintada por Miguel Ângelo.

O que há no interior de um cérebro sobredotado?


O génio não se evidencia apenas por um conjunto de teorias ou de uma obra. Vê-se por Imagem por
Ressonância Magnética30. Assim se vê que o cérebro de jovens sobredotados, com uma inteligência superior
(um QI superior a 120, para outros, exigido ser o QI superior a 130 ou a 140) se distingue pela espessura do
córtex. Nas crianças sobredotadas, essa parte externa do cérebro, onde se desenvolve o raciocínio e a
intuição/capacidade de encontrar padrões, evolui de forma diferente em função da idade e da inteligência:
enquanto o córtex cerebral das crianças normais cresceu (QI entre 82 e 120) e atinge a sua espessura máxima
cerca dos 7 anos, ficando mais fino por volta dos 19 anos, o de sobredotados é mais fino mas antes dos 7
anos, mas continua a engrossar até aos 11 anos, antes de se refinar mais rapidamente. Portanto, a espessura
de um córtex depende não somente do número de neurónios e de sinapses, que os colocam em conexão, mas
também da quantidade de células da glia (as células de suporte de neurónios), bem como da bainha de
mielina que envolve os axónios – os prolongamentos dos neurónios – e assegurando a transmissão de
informação (mais rapidamente transmitida, havendo maior mielinização). Cerca dos 7 anos, o córtex das
crianças comuns fica mais fino, portanto, porque elimina as conexões inúteis entre neurónios (como um
poda mas cerebral), em proveito da aprendizagem: a criança acumula conhecimentos e, por esse motivo, o
seu cérebro reforça as vias de tratamento de informação (cálculo, escrita, linguagem). Nos sobredotados, não
somente os neurónios e as suas conexões sinápticas se desenvolvem, passando a idade dos 7 anos, o que lhes
permite assimilar maior quantidade de conhecimentos, mas há algo mais ainda. A mielinização de um
grande número de neurónios acelera o tratamento de informação. Resultado? O que acontece é que os
sobredotados gozam de superiores capacidades cognitivas e de uma capacidade de análise mais rápida.
Outra diferença fisiológica existe: as vias de comunicação entre as diferentes partes do cérebro são mais
densas e mais robustas. As redes de fibras nervosas são mais desenvolvidas no corpo caloso, que liga os dois
hemisférios cerebrais e na rede longitudinal que assume a ligação entre a parte da frente e a parte posterior
do cérebro. Essa condição fornece aos sobredotados uma sinergia ótima entre diferentes zonas do cérebro,
30
Com a sigla fMRI, do inglês Functional Magnetic Ressonance Imaging.
38

por exemplo, a atenção e a memória para resolver problemas de matemática. Finalmente, o cérebro de
génios parece formatado para funcionar de maneira ótima, o que faz toda a diferença. (K.J.) p. 23
45 - Os neurónios ou células nervosas têm um segredo?
É possível realizar um enxerto no cérebro?
Ainda não é possível realizar um enxerto do cérebro, mas nos neurónios é possível realizar um enxerto. Essa
intervenção foi feita em 2015… em ratos. Enquanto o córtex visual deles foi lesionado, eles receberam um
enxerto de neurónios visuais, produzidos em laboratório, a partir de células-tronco embrionárias31, vindas de
embriões de ratos. Entre 3 e 9 meses mais tarde, os neurónios enxertados integraram-se completamente na
região de receção, pelo menos em uma parte dos roedores. Melhor foi saber-se que os circuitos lesados
retomaram o seu funcionamento normal, como o mostrou a atividade cerebral dos ratos. É suficiente para se
imaginarem enxertos em série? Com a condição dos neurónios enxertados sejam do mesmo tipo que a zona
a ser reparada. Os investigadores testam esta técnica com células humanas nos ratos, antes de ser
reproduzida a experiência em macacos. Quanto à perspetiva de ser efetuado um enxerto no cérebro humano
parece ainda cedo, mesmo se o neurocirurgião italiano Sergio Canavero, da Universidade de Harbin (China)
se apresse a tentar realizar a experiência em um voluntario, em 2017! 32 Essa é uma porta aberta para a
reparação do cérebro, imaginando-se o fantasma de ser produzido um mega cérebro híper realizador. H. G.
p. 25
Nascem novos neurónios a cada dia que passa?
Sim. Cada dia da nossa vida, são milhares de células nervosas que se formam, a partir de células-tronco33,
capazes de regenerar qualquer tecido do corpo. Na nossa caixa craniana, a produção de neurónios, o que se
chama neurogénese, é obra principal do hipocampo (1 400 neurónios novos por dia), sendo o hipocampo a
zona chave de aprendizagem e de memória. E depois de uma lesão, por exemplo um AVC (acidente vascular
cerebral), por todo o cérebro, as células-tronco geram novos neurónios, para repararem os danos – mesmo se
eles permanecem irremediáveis. E infelizmente, com a idade, a neurogénese declina.
E morrem outros neurónios?
A análise de cérebros de pessoas que morreram em diferentes idades revelou que, depois dos 20 anos,
perdemos todos os dias uma ínfima quantidade de massa cerebral. Mas essa matéria não é completamente
constituída por neurónios. Também se compõe de glia (células cerebrais que rodeiam os neurónios, lhes dão
suporte e alimentam), mielina (a matéria isolante que envolve os neurónios)… Se o número de neurónios

31
Célula tronco - uma célula indiferenciada de um organismo multicelular que é capaz de gerar infinitamente mais células do
mesmo tipo, e das quais outros tipos de células surgem por diferenciação.
32
Em novembro de 2017, o italiano Sergio Canavero disse ter enxertado a cabeça de um humano, morto, no cadáver de outro.
Este neurocirurgião, considerado um cientista maluco pelos seus pares, pretende transplantar a cabeça de um humano vivo desta
vez - no corpo de outro. Uma loucura "que permitiria que os tetraplégicos andassem e os cérebros mais brilhantes nunca
desaparecessem", disse Canavero. O que se segue, para Canavero? Ter sucesso em um transplante cerebral entre dois seres
humanos mortos. "Este é o último passo antes do transplante de cabeça formal", argumentou.
33
Célula tronco - uma célula indiferenciada de um organismo multicelular que é capaz de gerar infinitamente mais células do
mesmo tipo, e das quais outros tipos de células surgem por diferenciação.
39

perdidos nunca foi calculado com precisão, é avaliado em 9 000 por dia. Afinal, de cerca de 86 milhares de
milhões de neurónios no total, fica pouco… E de qualquer modo os neurónios nascem todos os dias.
E qual é o cérebro mais inteligente de todos?
Se for colocada esta pergunta na rua, façamos a aposta que serão citadas pessoas como Einstein, Jean-Paul
Sartre, ou até Dali. Mas não está certo. Nos nossos dias, o QI mais elevado, nunca medido antes, é o de uma
pessoa perfeitamente desconhecida do grande público, o matemático chinês Terence Tao. Com 42 anos,
Terence possui um QI de 230, sabendo-se que o QI de Einstein foi avaliado em 160. E que dizer dos génios
do passado? Em 1926, a psicóloga Catherine Cox passou em revista os escritos, as biografias e as
correspondências de mais de 300 celebridades, das artes e das ciências, a fim de descobrir se eram pessoas
com um QI muito elevado. Uma nova análise efetuada, em 2015, por Dean Keith Simonton e Anna Song, da
Universidade da Califórnia, permitiu estabelecer uma classificação em função dos seus “Q.I. avaliados por
estimativa”. Surpresa! Algumas dessas pessoas situavam-se abaixo do “nível de génios”, cerca de 140.
Assim Copérnico, Rousseau ou Rembrandt teriam um QI de 130. Cervantes, o autor de Dom Quixote, não
ultrapassava os 120. Em compensação, algumas dessas ilustres personagens têm lindas avaliações, tais como
Goethe ou o filósofo Leibniz: ambos têm um Q.I. estimado em 190. Em França, Pascal e Voltaire obtiveram
uma nota de 180, enquanto Newton e Miguel Ângelo rivalizam com Einstein, com 160. Quanto a Darwin,
Molière, Rubens ou Beethoven, acedem ao QI de génio – 140. Para relativizar, lembremos que o assassino
em série Tet Bundy tinha, ele também, um Q.I. de 140.

Ted Bundy foi levado a tribunal e morto em 1989.

51 - É verdade que a inteligência dos portugueses está a decair?


Que países têm pessoas com Q.I mais elevado?
A partir das medidas efetuadas, em 2002, pelos investigadores Lynn e Vanhanen, em mais de 80 países, são
os países asiáticos que alcançam as maiores avaliações. A França com uma média de 98, classifica-se em 23º
lugar. Os resultados devem ser interpretados com prudência: o QI é relativo e não tem sentido, a não ser que
seja colocado no seio de uma cultura e no seio de uma dada população.
40

Qual é a repartição da inteligência pela população do mundo?

Porque é que o cérebro é assim tão feio?


É preciso reconhecer isso: com a sua forma de núcleo de noz e o seu aspeto viscoso, o cérebro não é o órgão
mais bonito. É difícil de imaginar que ele foi estragado pela natureza. E contudo, a sua forma assim
41

particular ajuda-o a ser o mais funcional e o mais realizador possível. Com efeito, a repartição dos neurónios
está organizada de modo a otimizar as conexões entre as zonas cerebrais, o que se desenha em
circunvoluções (bossas) características. Os investigadores americanos entregaram-se ao ambicioso desafio
de refazer virtualmente o “cabeamento” (conexão efetuada entre as redes) do cérebro humano, depois de
terem criado um modelo de cérebro de 14 voluntários, partindo dos seus scanners 34 . Experimentaram
milhares de configurações, mudando os caminhos ente os neurónios, mas não o seu lugar. Resultado? O
“cabeamento” natural é um dos mais económicos em fibras nervosas. Mais ainda: conservando as conexões
cerebrais, mas deixando livre a localização dos neurónios, a configuração menos gorda é a que distribui os
neurónios de forma idêntica, ou quase, aos cérebros de que foi feita a imagem cerebral, por técnica de
imagem.
Quais são as síndromes (evitando a palavra doenças?) do cérebro? O que são? Que causas? Que
tratamentos?
O AUTISMO
Em França – as estimativas flutuam entre 1 em 2000 e 1 em 150.
O QUE É ISSO?
Se, quando seja evocado o autismo, muitas pessoas pensam em Dustin Hoffman em Rain Man, um génio
matemático, essa psicopatologia – em que os primeiros sintomas surgem antes dos 3 anos – engloba também
as pessoas com um QI muito elevado, assim como outras com um atraso global no desenvolvimento. O
diagnóstico repousa em 3 categorias de perturbações: a socialização (caráter solitário e inexpressivo, poucos
contactos emocionais); a comunicação (ausência de linguagem ou ausência de busca de comunicação);
adaptação (crises de angústia ou de agressividade, provocadas pela mudança, atividades repetitivas, centros
de interesse restritivos, etc.).

Lobo temporal (a verde), implicaod no autismo.

AS CAUSAS

34
A notícia é de 2008. Para saber mais sobre essa investigação, em brasileiro:
http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI3004259-EI8147,00-Mapa+em+alta+resolucao+mostra+nucleo+do+cerebro.html
42

O cérebro de crianças autistas apresenta anomalias ao nível do lobo temporal, implicado na organização dos
estímulos necessários à vida social. A origem neurobiológica desta perturbação do espectro do autismo
permanece ainda por determinar. Mas uma anomalia na formação das sinapses (as zonas de transmissão de
informação entre dois neurónios) pode estar em causa. Outra pista: as perturbações da flora intestinal. Nos
ratos que apresentam sintomas de autismo, os investigadores constataram um desequilíbrio do microbioma35
(certas bactérias intestinais estando presentes em quantidade superior ou menor) Reequilibrando a flora
intestinal, a ansiedade e as tendências para os comportamentos repetitivos desapareceram nos ratos.
O TRATAMENTO
De momento, não existe tratamento. No entanto, um apoio/suporte (educativo, comportamental e
psicológico), nas estruturas de saúde adequadas, desde a infância e ao longo de toda a vida, o aumento de
interações sociais e de comunicação, bem como o nível de autonomia são de ajuda no espectro do autismo.
M. G. p. 55
A ANOREXIA
Em França, as mulheres são 9 a 10 vezes mais afetadas do que os homens: Entre elas, de 0,9 a 2,2%
conhecem um dia essa perturbação, com dois picos cerca dos 14 e 18 anos.
O QUE É ISSO?
O primeiro sintoma – e o mais espetacular – é sem dúvida a perda de peso, que passa a ser cerca de 85% do
peso normal. A essa característica se junta um medo excessivo de engordar, uma negação da magreza, um
desaparecimento da menstruação. O motivo dessa falta de menstruação também conta: são devidas a um
regime restritivo, quer a crises de bulimia seguidas de vómitos intencionais. Segue-se uma grave desnutrição
que implica uma queda de cabelo, uma grande fadiga, doenças e mesmo um tornar-se mais lento do ritmo
cardíaco. As complicações podem conduzir à morte.
AS CAUSAS
Todos os estudos, ou quase todos, colocam adiante a influência da família: nelas se encontram pessoas com
perturbações psicológicas (depressão, ansiedade), em maior número no que envolvimento da pessoa
anorética. No lado biológico, as investigações aponta o papel da serotonina 36 e da dopamina 37 , duas
substâncias químicas implicadas nos comportamentos de adição/adictos. O/as anorético/as serão assim
“viciados” na magreza! Mas isso não é tudo: esse problema será também hereditário (70%) e influenciado
por fatores culturais, tal como a valorização excessiva da magreza nos media. Enfim, a anorexia despoleta
com frequência na puberdade, um período intenso de modificações/perturbações. O emagrecimento pode ser
para o/a adolescente uma forma de “retomar o controlo”.
35
Comunidade de microrganismos que partilham o interior de um organismo vivo.
36
A serotonina é uma substância química que regula o humor, o sono, o apetite, o ritmo cardíaco, a temperatura corporal, a
sensibilidade e as funções intelectuais, pelo que quando essa hormona se encontra em nível baixo de concentração no cérebro
pode causar mau humor, dificuldade de dormir, ansiedade e/ou depressão.
37
O cérebro contém certas vias dopaminérgicas. Uma dessas vias desempenha um potencial papel no comportamento motivado e
no sistema de recompensa do cérebro. Há drogas viciantes que aumentam a atividade neuronal da dopamina. A dopamina é
produzida especialmente pela substância negra e na área tegmental ventral. A dopamina também está envolvida no controle de
movimentos, aprendizado, humor, emoções, cognição e memória.
43

O TRATAMENTO
O suporte/apoio combina, em geral, com um tratamento da desnutrição e uma psicoterapia. O objetivo é
ajudar a pessoa a melhorar as relações com outras pessoas do seu meio e a recuperar a confiança em si. A.
(L.-B.) p. 55
A DEPRESSÃO
Em França – 18%; dos 15 aos 75 anos, são as pessoas viveram ou viverão uma depressão, ao longo da sua
vida.
O QUE É ISSO?
Não se compara uma depressão com uma tristeza passageira, ligada a um acontecimento (perda de alguém
próximo, acidente…). Para os médicos, uma pessoa encontra-se deprimida se ela apresenta, mais de duas
semanas, pelo menos dois sintomas de depressão: humor triste, perda de interesses, sentimento de
culpabilidade ou de desvalorização, desejo de morrer. A esses sintomas devem juntar-se outros três sintomas
não específicos: perturbações de sono, fadiga, lentidão dos movimentos ou agitação, perturbação do apetite,
dificuldades de concentração, perda de energia.
AS CAUSAS
Atrás desses sintomas esconde-se uma perturbação de funcionamento do cérebro, de que os cientistas
procuram ainda a causa, mesmo se muitas pistas são consideradas. Em primeiro lugar, uma anomalia na
formação, na transmissão e na regulação de neurotransmissores (as moléculas que se trocam nos neurónios
para veicular a informação), nomeadamente uma falta de serotonina 38 . Vem em seguida o stresse. O
organismo reage ao stresse fazendo subir a taxa de glucocorticoides no sangue. Ora, esses mensageiros
podem tornar-se tóxicos e bloquear a formação de novos neurónios. Outra pista é o nosso sistema
imunitário. Depois de uma infeção ou de uma doença inflamatória (diabetes de tipo 1 39, lupus, poliartrite), o
organismo liberta moléculas que favorecem as funções imunitárias, que alteram as concentrações de certos
neurotransmissores indispensáveis à regulação do humor. Sem esquecer a hereditariedade, o sistema
imunitário pode tornar o terreno favorável à depressão.
O TRATAMENTO
Além dos antidepressivos (eficazes em 70%, embora haja quem duvide de tão grande eficácia, no grupo
médico), as terapias psicológicas, comportamentais e cognitivas, ajudam a gerir o stresse e as emoções. (A.
D.) p. 54
AS FOBIAS?
Em França, um francês em dez é afetado, duas vezes mais as mulheres do que os homens.
O QUE É ISSO?

38
A serotonina é uma substância química que regula o humor, o sono, o apetite, o ritmo cardíaco, a temperatura corporal, a
sensibilidade e as funções intelectuais, pelo que quando essa hormona se encontra em nível baixo de concentração no cérebro
pode causar mau humor, dificuldade de dormir, ansiedade e/ou depressão.
39
Ao contrário da diabetes tipo 2, em que esses sintomas se instalam de maneira gradativa, no diabetes tipo 1 eles aparecem
rapidamente, principalmente, vontade frequente de urinar, sede excessiva e emagrecimento.
44

Ter medo de aranhas, das agulhas ou de falar em público, nada disso é excecional. Mas quando essas
situações provocam um verdadeiro sofrimento, pode a pessoa ficar obcecada e pode ficar sem sair de casa,
podendo então falar-se de psicopatologia. Os especialistas classificam as fobias em três tipos: as fobias
específicas, voltadas para um elemento muito particular (serpentes, tempestades, sangue); as fobias sociais,
despoletadas pelo olhar de outros (medo de corar); e quer a agorafobia, quer um sentimento de pânico pela
ideia que a pessoa tem de não conseguir escapar de uma situação (lugares fechados).
AS CAUSAS
Sob o exterior irracional, as fobias foram na origem tudo o que de mais sensato ocorre frente a um perigo.
Segundo a psicologia evolucionista, a aracnofobia seria um exemplo herdado dos nossos longínquos
antepassados, a quem era “útil”, porque lhes permitia sobreviver em um meio hostil… Saber preservar-se do
perigo que representava a presença de certos animais, temer a obscuridade ou as efusões de sangue era então
de um caráter precioso para subsistir, que foi transmitido de geração em geração. Fica por saber o que
“revela” esse medo ancestral em certas pessoas… Nos fóbicos, essa função cerebral normal coloca-se em
marcha muito frequentemente e de modo muito intenso. Os cientistas supõem uma hiperatividade da
amígdala, implicada a aprendizagem do medo.
O TRATAMENTO
Para domar os seus medos devoradores, o tratamento mais eficaz coloca-se na terapia comportamental e
cognitiva. Consiste em confrontar a pessoa com a sua fobia, a fim de a fazer “desaprender” o seu reflexo de
medo. (Y. C.) p. 54

Amígdalas (ou também se diz para as duas, no singular).

A ESQUIZOFRENIA?
Em França, uma pessoa em cem será suscetível de declara uma esquizofrenia.
O QUE É ISSO?
45

Incontrolável, violento, criminoso… No imaginário, o esquizofrénico incarna o perfeito “louco perigoso”.


Contudo, a realidade é bem mais complexa. A perturbação esquizofrénica associa mais um conjunto de
sintomas do que uma autêntica síndrome (conjunto conhecido de sintomas que podem variar, ao contrário de
uma doença, com sintomas mais comuns e sempre iguais). Os médicos classificam a esquizofrenia em três
categorias: Os sintomas cognitivos, em primeiro lugar: a desorganização de ideias, a desorganização do
domínio afetivo, a desorganização do comportamento, a própria alteração do discernimento, da memória, da
concentração… Juntam-se os sintomas “positivos”: alucinações, sentimento de perseguição. Enfim, os
sintomas “negativos” aproximam-se de um dobrar-se sobre si, como um autista: falta de iniciativa,
inatividade, dificuldades de inserção social.
AS CAUSAS
Essa perturbação surge bastante tardiamente, entre os 20 e os 30 anos. Quer dizer que não se nasce
esquizofrénico, mas que a pessoa se torna esquizofrénica? Que toda a gente pode “captar” essa assustadora
perturbação? Nada é menos certo, na medida em que os especialistas estão de acordo sobre a importância do
terreno genético e do risco hereditário, apesar de acoplados esses riscos a fatores ambientais/meio (infeção
durante a gravidez, cannabis durante a adolescência). Tudo isso puxa o cérebro a praticar uma poda de
sinapses demasiado radical: em lugar de serem eliminadas somente as conexões sinápticas que são menos
performantes/realizadoras - o processo normal na adolescência - o cérebro do esquizofrénico desembaraça-
se também de certas sinapses úteis para o seu funcionamento.
O TRATAMENTO
Os antipsicóticos e os neurolépticos permitem diminuir certos sintomas, com o preço de certos efeitos
secundários importantes (ganho de peso, baixa de glóbulos brancos…). Uma terapia cognitiva e
comportamental é com frequência associada, permitindo aos esquizofrénicos levarem uma vida “normal”.
Mas nunca se cura a pessoa dessa perturbação e a menor diminuição de tratamento expõe a pessoa a uma
recaída. (Y. C.) p. 54
A BIPOLARIDADE
A perturbação afeta 1% a 7% dos franceses, se tivermos em conta as formas menores, ou seja, menos graves.
O QUE É ISSO?
Todos conhecemos altos e baixos… Todavia, na situação das pessoas bipolares, fariam mais cumes seguidos
de insondáveis quedas no abismo. Conhecem fases de euforia caracterizadas por megalomania, uma
diminuição do sono, necessidades de comunicação aumentada, ideias fulgurantes, uma superatividade, a
busca de atividades perigosas… Esses sintomas são por vezes acompanhados de delírios, de alucinações e de
paranoia. Depois segue-se uma fase de depressão intensa, de que é difícil sair-se de si mesmo.
AS CAUSAS
Quer sejam as fases maníacas ou depressivas que dominem, as mudanças de humor chegam sempre sem
prevenir. Para os médicos, não serão ligadas as mudanças de humor a fatores que os despoletam, mas
emanam do próprio organismo. Com efeito, as perturbações bipolares são essencialmente de origem
46

genética. O gene CLOCK, implicado nos ritmos do dia (sono-acordar, apetite…), estará particularmente em
causa: em suma, a bipolaridade provém de um desregramento do relógio biológico. Outra pista explorada é a
de um disfuncionamento das mitocôndrias40, que produzem a energia necessária para o bom funcionamento
das células.

Organelos celulares - Mitocôndria (nº 9).

O TRATAMENTO
Nos dias de hoje, o melhor dos tratamentos consiste em conhecer bem a sua perturbação e em identificar os
sinais preliminares de uma mudança de humor (irritabilidade), a fim de a pessoa adaptar a sua higiene de
vida e medicação. Essa medicação passa por reguladores de humor, como o lítio. Esse é um produto
utilizado desde o século XIX, mas em que a dose prescrita é hoje afinada, a fim de limitar os efeitos
secundários (ganho de peso, baixa de libido, queda do cabelo…). (Y. C.) p. 55
56 - As perturbações endócrinas são um grande perigo?
A cannabis faz mesmo partir os neurónios em fumaças?
Sim. Sobretudo nos jovens. As provas acumulam-se sobre os riscos a longo prazo do uso regular de
cannabis. Investigadores submeteram assim mais de mil neozelandeses a testes neuropsicológicos, entre 13
e 38 anos. O resultado foi o seguinte: Os grandes fumadores, dependentes desde longos anos, perdem em
média 8 pontos no QI, entre a adolescência e a idade adulta, enquanto os não fumadores beneficiam de um
ligeiro aumento no QI. Como explicar? Substituindo-se a certos neurotransmissores, o THC de cannabis (o
principal constituinte psicoativo da planta) perturbaria o desenvolvimento de conexões neuronais, sendo esse
efeito a ponto de diminuir as capacidades cognitivas41. (E.A.) p. 56
58 – A comida rápida (junk food) envenena o intelecto?

40
As mitocôndrias são organelos celulares, ou seja, uns entre outros compartimentos delimitados por membrana que têm papéis
específicos a desempenhar na função global de uma célula.
41
Globalmente, as funções cognitivas são divididas em memória, atenção, linguagem, perceção e também em funções executivas
(uma abordagem neuropsicológica que utiliza as atividades cognitivas pela execução e pelo planeamento de tarefas. As funções
executivas abrangem nestas atividades a tomada de decisões, a lógica, o raciocínio, as estratégias e as soluções para problemas).
47

Os cocktails de alimentos muito gordos, demasiado açucarados e muito salgados têm um efeito nefasto no
cérebro, vindo a perturbar a flora intestinal. Investigadores descobriram um outro efeito em ratos: Um grupo
era alimentado por alimentos muito gordos, um outro grupo de ratos tinha que comer alimentos muito
açucarados e o terceiro grupo tinha alimentos, que seguiam um regime equilibrado (3º grupo – grupo
controlo). Duas semanas depois, as alterações eram maiores na composição macrobiótica: o grupo com
alimentos ricos em gorduras e o grupo com alimentos ricos em açúcar tinha aumentado o número de
bactérias clostridial, além de que a proporção de bacteroidetes (cinco famílias de bactérias ambientais) tinha
diminuído. Um mês e meio mais tarde, os ratos muito nutridos tinham resultados piores em testes de
memória e de flexibilidade cognitiva (capacidade para conseguir mudar e emitir respostas alternativas diante
de uma mesma situação). Como é que os micróbios do nosso ventre podem ter uma tal influência no
cérebro? “Vários mecanismos estão em ação”, explica o psiquiatra Guillaume Fond. “As bactérias agem na
via do nervo vago42, que liga o ventre ao cérebro, produzem tantos neurotransmissores quantos possam,
passando pelo sangue, agindo sobre o encéfalo43.” Se as modalidades de ação permanecem misteriosas (não
se conhecem bem, cientificamente), a “comida de lixo” ganha pouco a pouco o seu lugar, ao lado dos
inimigos do QI. (H.R. e A.C.) p. 57

Diagrama esquemático do encéfalo humano.

42
O nervo vago realiza a inervação parassimpática de quase todos os órgãos abaixo do pescoço, que recebem inervação
parassimpática (pulmão, coração, estômago, intestino delgado, etc.), exceto parte do intestino grosso (a partir do segundo terço do
cólon transverso) e órgãos sexuais.
43
Diagrama esquemático do encéfalo humano, em corte sagital, destacando algumas das suas partes: 1. encéfalo frontal, 2
telencéfalo, 3 diencéfalo,4. Tronco cerebral, 5 mesencéfalo, 6 ponte, 7 bulbo raquidiano, 8 cerebelo e 9 medula espinal.
48

Quando é que o álcool sobe mesmo à cabeça?


O álcool ataca a pessoa até chegar ao cérebro. Primeiro efeito do álcool? Perturba as trocas nos recetores à
superfície dos neurónios e com o exterior deles. Segundo efeito: aumenta o stresse oxidante para as células e
provoca a libertação das moléculas infamatórias. Nos dois casos, as consequências são fatais para o cérebro.
E ainda não é tudo. O álcool tem também um efeito deletério sobre o número de sinapses (conexões entre os
neurónios) e a bainha de mielina, que envolve as fibras nervosas. Enfim, o consumo excessivo de álcool
(binge drinking) reduz a neurogénese (nascimento de neurónios ao longo da vida). Não só contente em
destruir os neurónios, o álcool impede o corpo de substituí-los! Tudo isso explica porque é que o cérebro dos
alcoólicos reduz o seu tamanho, deformando-se a olhos vistos. Claro, os efeitos dependem da dose e da
idade. Mata 2 a 3 vezes mais neurónios no cérebro de adolescentes – em pleno desenvolvimento – do que
nos adultos. E o síndrome de alcoolismo fetal é a primeira causa de handicap mental não genético. (A.C.) p.
57
O que faz à vida viver-se com um cérebro, sem corpo caloso?

Corpo caloso

Surpresa: pode-se viver até aos 88 anos sem corpo caloso! Ainda assim, com certas perturbações da
memória e, por vezes, dificuldades em controlar a mão esquerda. É aliás o que motivou H.W. a consultar
uma psicóloga americana Natalie Brescian, em 2013. Assim colocado, a ressonância magnética44 (fMRI)
revelou que H. W. não tinha mesmo o corpo caloso45. Composto de 200 milhões de fibras nervosas, essa
estrutura cerebral – corpo caloso - assume em tempo normal a transferência das informações de um lado
para o outro do cérebro. Os neurocirurgiões decidem, por vezes, seccionar o corpo calosos em alguns
epiléticos, mas a linguagem, a motricidade, a interpretação dos objetos podem ser domínios do saber

44
Com a sigla fMRI, do inglês Functional Magnetic Ressonance Imaging.
45
Vive em Braga um talhante, que também não tem corpo caloso e trabalha num talho.
49

afetados. Em H. W. nada disso acontecia. É normal o seu QI (avaliado em 109), a sua compreensão verbal, a
sua atenção, a sua perceção auditiva. Esse é um sinal de que o seu cérebro deve ter encontrado “itinerários
bis” (alternativos) para fazer circular a informação, ou que cada hemisfério cerebral se desembaraça para
fazer o trabalho do outro. (M.-C.M.) p. 60
E o que faz viver-se com um cérebro cheio de água (hidrocefalia)?
Um francês de 50 anos, funcionário, casado, pai de duas crianças e desportista de domingo é a prova viva.
Em junho de 2006, ele foi levado ao Hôpital de la Timone (Marselha), por causa de uma dor ciática banal.
Mas no decorrer de uma ressonância magnética (fMRI)46, os médicos descobriram o impensável: ele tinha
quase somente água na cabeça! Mais precisamente, ele tinha líquido cefalorraquidiano, esse fluido composto
em 99% de água, que protege o cérebro. Os médicos apreenderam que ao nascer ele sofria de hidrocefalia,
acumulação anormal desse fluido - líquido cefalorraquidiano - nos ventrículos cerebrais. Um desvio foi-lhe
colocado, por forma a evacuar o líquido na circulação sanguínea. Foi substituído por outro desvio, mais
espesso, aos 7 anos. Mas com os anos, esse desvio não foi suficiente para evacuar o líquido. O cérebro foi
progressivamente empurrado e comprimido, até não formar mais do que uma fina camada de tecido colado à
caixa craniana. Ou seja, o volume cerebral reduziu-se de 50% a 75%! A zona que regula as funções vitais,
como o ritmo cardíaco e a respiração, foi poupada. Parece ter restado um pouco de córtex visual e de córtex
motor. Apesar de um tal défice, o seu QI atingia 75% e os testes neuropsicológicos revelam capacidades
cognitivas normais. Como e possível? Os neurologistas não têm senão hipóteses a formular, para começar a
hipótese da redundância. Serão os sistemas que se sobrepõem, substituindo-se: se um é derrubado, os outros
tomam o controlo. Certas zonas cerebrais serão “sacrificadas” e o homem com o cérebro cheio de água terá
justamente bastantes neurónios para assegurar o essencial… (M.-C. M. e A.C.) p. 60

Ossos da caixa craniana.

E o que faz à pessoa viver sem cerebelo?


… Isso de não ter cerebelo não faz grande coisa… Comprovado: uma jovem chinesa vive sem cerebelo
desde os 24 anos. Contudo, esse género de malformação não é em geral viável: essa estrutura – o cerebelo –
contém com efeito 50% dos neurónios. Desempenha um papel crucial na coordenação dos movimentos, na

46
Com a sigla fMRI, do inglês Functional Magnetic Ressonance Imaging.
50

atenção, na linguagem, na localização no espaço. Apesar do handicap, a jovem chinesa anda, fala e leva uma
vida normal! Ela sofre bastante de problemas de equilíbrio: ela não andou antes da idade de 7 anos e não fala
de forma inteligível senão desde os 6 anos… Mas sofre em um nível bem menor do que poderíamos esperar.
Como é possível? O córtex e outras áreas compensaram a ausência de cerebelo. Com efeito, inúmeros
circuitos neuronais, inicialmente estabelecidos para uma função, seriam reciclados para outros usos, sem
perderem por esse motivo a sua função original. Trata-se de um fenómeno que se chama “reutilização
neural”. (M.-C. M.) p. 61

O génio é algo tão simples como a pessoa levar com uma pedrada na cabeça?
Do golpe na cabeça ao golpe de génio não vai muito longe. Reuben Nsemoh poderia testemunha-lo: no
outono de 2016, esse americano de 16 anos, ficou 3 dias em coma, depois de um golpe na cabeça, durante
um jogo de futebol. No seu acordar, surpresa: o adolescente fala correntemente o espanhol, sem o menor
sotaque, se bem que não tivesse umas quantas noções dessa língua! Mais chocante ainda: em 2002, um
vendedor de móveis americano, Jason Padgett, é agredido na rua. Ele escapa com uma grande concussão
cerebral (sintomas neurológicos, sem nenhuma lesão identificada, mas com danos microscópicos,
dependendo da situação, reversíveis ou não) e… uma súbita paixão adquire pelos fractais. Se anteriormente
ele se confessava até então mau em matemática, se diz doravante “obcecado pelos números e pela
geometria”. A literatura menciona uma trintena de situações dessa “síndrome do savant adquirido”. Em
1994, por exemplo, um cirurgião de Nova Iorque compôs uma sonata de 26 páginas, depois de ter sido
atingido por um raio! Em 2006, depois de ter batido com a cabeça no fundo de uma piscina, um americano
de 40 anos descobre um talento para o piano: ele que nunca tocara num teclado na vida, improvisa poderosas
melodias e faz dessa arte o seu trabalho. É preciso acreditar que seja suficiente um bom golpe na cabeça para
fazer surgir o génio… Berit Brogaard, uma neurocientista na Universidade do Missouri (EUA), estudou de
mais perto a situação de Jason Padgett. Veio a notar que as regiões cerebrais anormalmente ativas no seu
cérebro, depois do acidente (córtex parietal, associado às novas imagens visuais e às matemáticas) se
encontravam logo ao lado das regiões cerebrais que sofreram lesões (lobo/lóbulo ou córtex visual). Daí a sua
51

hipótese: provocando a morte de neurónios numa zona do cérebro, o choque libertou uma grande quantidade
de neurotransmissores em regiões cerebrais vizinhas, permitindo assim criar novas conexões nervosas em
regiões do cérebro até então adormecidas. Enquanto essa hipótese não é confirmada, as situações de “génios
adquiridos” reforçam uma ideia: todos nós transportamos um potencial cerebral inutilizado. Resta encontrar
a maneira de aceder a esse potencial, sem apanhar um bom golpe na cabeça. (A. C.) p. 61

Córtex parietal e córtex visual

Acreditar em Deus está na cabeça ou no céu?


Seis mil milhões de pessoas no mundo creem na existência de uma entidade superior. Se essa fé é partilhada
pela quase totalidade dos seres humanos, é necessário deduzir daí que ela tem fundamentos biológicos? Se
sim, quais? Segundo os trabalhos de uma nova área chamada de “neuroteologia”, é bem no cérebro e não no
firmamento/céu que é necessário procurar a origem desta crença. Então a pessoa seria programada, em
termos químicos, para acreditar. Assim, aquelas pessoas que são crentes são banhadas por serotonina47, uma
molécula que transmite informação de um a outro neurónio. A serotonina é conhecida por transmitir a
sensação de bem-estar. A prática religiosa faria assim aumentar as taxas de serotonina, o que criaria uma
tendência para ver o mundo como habitado pelo divino, ou seja, a “religiosidade”. Mas a crença em um deus
não se reduz a uma molécula… Certas áreas do cérebro também estão implicadas na sensação de uma
presença divida: é o caso de uma parte do córtex parietal, onde é normalmente tratada a perceção das
fronteiras do nosso corpo. Na prece ou na meditação, essa perceção é abolida: um sentimento de
transcendência torna os crentes possuídos por ausência de fronteiras entre si e o espaço. Esse é um processo
cerebral normal, senão vejamos a seguir. Com efeito, as técnicas de imagem cerebral revelaram em monges
budistas e em freiras franciscanas uma inibição dessa área parietal do cérebro, em momentos de
recolhimento intenso. Em volta dessa zona, toda uma rede aparece igualmente mobilizada, compreendendo
os lobos/lóbulos temporais (implicados nas emoções). É essa área que estará na origem da impressão de

47
A serotonina é uma substância química que regula o humor, o sono, o apetite, o ritmo cardíaco, a temperatura corporal, a
sensibilidade e as funções intelectuais, pelo que quando essa hormona se encontra em nível baixo de concentração no cérebro
pode causar mau humor, dificuldade de dormir, ansiedade e/ou depressão.
52

sentir ao seu lado uma presença invisível. Além dessa mecânica cerebral, o funcionamento da nossa razão
leva-nos a aceitar o sobrenatural, e por essa condição a acreditar em entidades, de uma maneira que a
psicologia cognitiva vem a tornar mais clara. À partida, nós temos uma capacidade inata, completamente
racional, para realizarmos inferências, isto é, para termos ideias intuitivas/criarmos padrões: esperamos que
uma pedra permaneça imóvel porque, comumente, as pedras não se mexem. É um padrão. Apesar disso, os
relatos sobrenaturais permanecem plausíveis: nós chegamos a conceber os unicórnios, que não são mais do
que cavalos a que se junta um elemento inventado, o corno. Assim, a crença religiosa não é um efeito
secundário do funcionamento normal do nosso cérebro. Quer se creia ou não, a ideia de divindades está
enraizado em nós e resulta de um efeito primário das nossas capacidades cognitivas comuns. (L.B, C.B. e
F.G) p. 62
Ver conspirações em todo o lado é devido à pessoa estar a delirar?
Uma primeira resposta seria dizer-se que existem de facto enredos/complots. Contudo, ainda que 6,5% dos
franceses pense que o ser humano nunca andou na Lua, são 51% os que pensam que a Princesa Diana foi
assassinada… Veja-se que parece realizado um delírio. Frente à propagação, amplificada pela internet, das
teorias da conspiração, os psicólogos empreenderam o estudo dessa estranha tendência. Surpresa! Longe de
ser um sinal de loucura, essa tendência repousa em modos de raciocínio banais! Daí a sua redobrada
eficácia. A nossa mente tem tendência para religar elementos aparentemente desligados. Essa é uma aptidão
que nos permite explicar os acontecimentos da nossa vida, por exemplo, porque é que se fica doente depois
de comer certa planta. Esse é um processo adaptativo (isto é, útil em função da seleção natural), que nem é
disfuncional nem maluco! Assim, o nosso cérebro cria complots em permanência, através de “vieses
cognitivos/atalhos do cérebro” 48 , tais como o viés da proporção (associamos grandes causas a grandes
choques/consequências), o viés de deteção (o cérebro chega ao significado, com poucos detalhes ou de
forma demasiado rápida), o viés da ansiedade ou o viés da conjunção, que nos leva a colocar um sentido
com base em coincidências. São muitos os enviesamentos (bias) de raciocínio que nos incitam a imaginar
que as coisas não são o que aparentam ser. (V.N.) p. 62
Como é que o cérebro de pessoas sinestésicas chega a “ver” a música?
Magnífico desregular dos sentidos! Nessa condição de “ver” a música, quando a maior parte de nós entende
simplesmente a música, certas pessoas visuais leem na música uma forma, uma letra ou uma cor. E o que se
liga ao ouvido pode ligar-se à vista ou ao odor. Chama-se a isso de sinestesia. Seja a estranha capacidade
que, para um mesmo estímulo, se vê dois sentidos ativarem-se ao mesmo tempo. Ainda é de dizer que cada
sentido possui um órgão dedicado (olho, ouvido…), ao qual correspondem áreas cerebrais dedicadas a
analisar as informações que esse sentido (melhor dito, recetor sensorial) transmite. Por que viragem no
truque, mais propriamente rimbaudiano (ver o poeta Rimbaud, em “Iluminações”) o cérebro vem a ver: “A
preto, E branco, I vermelho”? Sabe-se que essa mistura de sentido se liga a 1% a 5% da população mundial
– e que parece propícia ao desenvolvimento de dons artísticos, na medida em que muitos artistas são
48
Ver mais sobre “atalhos da mente”, noutro lugar do texto.
53

sinestésicos, como o músico Franz Liszt, Ladi Gaga ou Thom Yorke, dos Radiohead. Portanto, a música é
também feita de cores. O pintor Vassily Kandinsky também “entendia” as cores. O mesmo acontecia com o
escritor Vladimir Nabokov, que via as letras em cores. O que se passa nos seus cérebros? Segundo a teoria
mais amplamente aceite, tudo isso decorre do facto de que sejam em maior número as conexões entre as
regiões sensoriais (por exemplo, as conexões que tratam a vista e a audição). Uma outra teoria coloca a
ênfase na intensidade dessas conexões neurais/neuronais, que são encontradas excessivamente
desenvolvidas (os neurónios sendo hiperconectados, religados por maior número de sinapses e
hiperexcitáveis, o que é decorrente da sua química interna). De repente, a atividade de uma zona sensorial (a
audição, por exemplo), ativa as outras (a vista, o odor…). Mas em um cérebro pobremente “comum”, a
excitação dos neurónios de uma zona (região ou área), equilibrada por um processo de inibição, proteger-se-
á (um pouco ou nada) das outras zonas sensoriais. Esse é um dom, que segundo um estudo da Universidade
de Edimburgo (Escócia) acorda, de facto, em 1 pessoa em 23. Pode ser que você seja um sinestésico, que
ignora isso? (E.Z.) p. 63
Uma planta chega a pensar?
É inútil elevar os olhos ao céu: a questão de uma inteligência vegetal coloca-se, com toda a seriedade, desde
que um estudo, em 1983, abanou o olhar de investigadores sobre as plantas. Essa pesquisa mostrava que os
álamos, aos quais tinham sido tiradas folhas em grande número, como se tivessem sofrido um ataque de
lagartas, tinham transmitido um sinal de alerta químico por via aérea, para prevenirem os seus vizinhos e
desencadearem uma resposta: a produção de compostos químicos. Podendo parecer incrível, as árvores
confrontadas com uma ameaça, eram capazes de elaborar uma paragem, de a comunicar entre si e, assim,
protegerem-se individual e coletivamente. Era uma prova de uma certa inteligência. Essa descoberta iniciou
uma nova corrente de investigação em fisiologia, destinada a identificar as capacidades cognitivas das
plantas. Com sucesso! Dezenas de análises, incluindo as análises genéticas, provaram a existência nas
plantas de capacidades sensoriais bem superiores às nossas, graças a centenas de captores disseminados
sobre o conjunto dos seus organismos (até 700). Mecânicos, térmicos, químicos ou luminosos, esses
recetores informam as plantas sobre os seus meios e permitem-lhes interagir com os seus envolvimentos.
Tanto melhor, quanto mais as plantas são dotadas de múltiplas capacidades de comunicação, quer seja pelo
ar ou pelo solo, por via das substâncias químicas que libertam. Sem contar com os laços sociais variáveis: as
plantas podem bem associar-se entre si, de modo a rivalizarem com vizinhas, estendendo as suas raízes… Se
bem que os cientistas admitam, hoje em dia, que as plantas reagem ao seu meio mudando, sem cessar, a sua
composição química para se defenderem das agressões, assim elas também deslocam a sua folhagem, galhos
e raízes para satisfazerem as suas necessidades. Aos nossos olhos, “as suas ações passam impercetíveis,
porque os seus movimentos são demasiado lentos para nós e a química é invisível”, explica Stefano
Mancuso, professor na Universidade de Florença. Elas não são menos reais, assim sofisticadas, como os
animais, produto de evolução. Mas pode-se falar realmente de inteligência? Se as plantas têm um cérebro,
onde se localiza? A “cognição vegetal” não será uma fantasia? Com verdade, aqueles que ousam abeirar-se
54

desta “revolução verde” têm os seus argumentos. Por exemplo, têm uma ideia em que pode assentar o
cérebro das plantas: o cérebro não ser central, mas “distribuído” na extremidade das raízes. Entre o primeiro
e o segundo milímetro das suas radículas, cada raiz possuiria uma zona dita de “transição”, ali onde seria
feita a integração de múltiplas informações, que a planta recebe. Cérebros, então, ao fim das raízes. Provas?
Quando se vê um filme acelerado de uma radícula a avançar numa superfície plana, a sua atitude evoca um
verme: ela torna-se mais lenta, periodicamente, revelando a “cabeça” para apontar à direita e à esquerda,
como se buscasse orientar-se, antes de voltar a avançar. E, com efeito, cada raiz mede em contínuo pelo
menos 15 parâmetros físicos e químicos, determinando a sua trajetória em função deles. Melhor dito: se
cortarmos a extremidade, esse comportamento exploratório desaparece. O órgão continua a alongar-se em
linha reta, rapidamente: parece ter perdido toda a sensibilidade ao meio, a sua “zona de transição” tendo
desaparecido. Donde falar-se de um cérebro descentralizado. As suas propriedades permanecem por
explorar, tal como a natureza exata dos sinais que percorrem (de cada vez, sendo elétricos e hormonais).
Mas a planta é capaz de “decidir” como e quando é preciso fazer reservas, tornar-se tóxica, investir nas
raízes, reproduzir-se… (Y.S. e F.G.) p. 64
Quais são os animais mais inteligentes?
“Inteligente como um macaco”, um animal que come feno… é menos inteligente. O primata classifica-se
acima do ruminante, na escala da inteligência. E nos factos? Ninguém comparou cientificamente um
chimpanzé com uma vaca! Medir a inteligência dos animais é contudo possível, nomeadamente nos testes de
“raciocínio sobre problemas”. Por exemplo, é possível avaliar a capacidade de um animal em ultrapassar um
obstáculo que lhe barra o acesso à sua comida e sendo o animal a manipular “ferramentas” (gancho de ferro,
corda…). Assim, sabemos que numerosos pássaros, em particular da família dos corvos, concebem os
efeitos de um utensílio antes de o utilizarem! Outra medida: a observação da “taxa de inovação”. Também se
avalia a capacidade de um animal em adotar gestos novos, a fim de ganhar uma vantagem: alimentar-se,
reproduzir-se… Por exemplo, certos macacos capuchinhos servem-se de pedras como martelos e de bigornas
com a finalidade de quebrarem cocos. Isso é suficiente para estabelecer uma escala de inteligência animal?
Não, na medida em que os testes não são, na sua generalidade, transponíveis entre espécies e, contudo, os
resultados variam muito entre indivíduos de uma mesma espécie. Em suma, esses testes permitem comparar
a inteligência de um animal com a inteligência dos seus congéneres, mas deixando pouca esperança em
estabelecer uma classificação entre espécies mais inteligentes. (F. L.) p. 64
Como o polvo tem oito cérebros é um génio?
55

Os cérebros do polvo são os seus tentáculos.

O mundo inteiro ficou impressionado com o prognóstico de um célebre Paulo - o polvo, aquando do Euro de
Futebol, em 2008, e na Copa do Mundo, em 2010. Evidentemente, não se tratava de uma série de golpes de
sorte: os polvos não sabiam nada de futebol… Tal facto não impede que os polvos tenham reputação de
serem brilhantes, porque possuem oito “cérebros”, colocadas nas raízes dos seus tentáculos. Para quê fazer
deles sobredotados? “Sim e não”, segundo Anne Sophie Darmaillacq, etóloga (estudiosa do comportamento
animal, comparando-o com o comportamento humano), especialista em moluscos cefalópodes, na
Universidade de Caen, França. Na realidade, “o polvo não possui senão um órgão equivalente ao nosso
cérebro: dotado de 250 milhões de conexões nervosas, ele está alojado em uma cápsula situada na cabeça”...
As oito estruturas nervosas, os tentáculos, ligam-se entre si para formarem o “plexo braquial”, sendo
constituídas por 50 milhões de neurónios cada e não são dotadas de funções cognitivas superiores (memória,
tomada de decisão…). Os neurónios do polvo limitam-se a tratar das perceções sensoriais saídas das
ventosas (gosto, odor, textura…) e só permitem movimentos reflexos. “Os oito montões nervosos braquiais
não aumentam as capacidades cognitivas do polvo”, assume a investigadora. O que quer dizer que “em uma
certa medida, esses oito montões nervosos braquiais aumentam a sua inteligência” reconhece ela. Na medida
em que filtrando a informação, proveniente das ventosas, eles libertam o cérebro, “o que amplia o seu nível
de vigilância”. Não se pode é fazer disso a indicação de os polvos serem sobredotados! (K. B.) p. 65
A inteligência artificial vai ultrapassar a nossa?
Doravante, eles têm profissões. Cronista, pintor, consultor, assistente, psicólogo, médica… E também têm
nomes: Ellie, Watson, Marlow… Alguns e algumas dessas criaturas não humanas têm uma voz, outros e
outras apresentam a sua aparência, um humor ou um caráter que se assemelha ao nosso. Mas a comparação
fica por aqui. Na medida em que possuem conhecimentos colossais, uma capacidade de cálculo desmedida e
hiperrapidez, sem esquecer um sentido de observação fora do comum. “Ele/as”, quem são? São robots da
última geração. Mas não estejam à espera de superandroides, a tentarem imitar os nossos comportamentos:
aqui, a semelhança, puramente virtual, passa antes pelos avatares visíveis num ecrã. É o que importa e mais:
no segredo de algoritmos e de funções matemáticas, tornam possíveis tarefas não mais mecânicas e
repetitivas, mas de especialização (expertise). Em uma palavra: as tarefas “intelectuais”. E isso pode dizer
que nesse assunto os robots são dotados: não somente essas máquinas ultrapassam em certos domínios as
aptidões humanas, mas começam a investir em campos profissionais tão exigentes como a medicina e a
56

finança, a indústria de ponta e mesmo a arte. Qual é a sua força? Incríveis capacidades de análise permitem-
lhes encontrar soluções fiáveis mais rapidamente do que os seres humanos. Além disso, os supercalculadores
são dotados de sentido muito afiados (sobretudo a vista) e, no ecrã de cinema, alguns tomam tão bem a
figura humana que chegamos a esquecer que são máquinas (ver Humans, a série). Tocando na tecla: há o
sentimento de que se encontra, por trás dos pixels (imagem inteira, em que o menor ponto que forma uma
imagem digital é o pixel, sendo que o conjunto de pixels formam a imagem inteira), alguém muito
competente. O caso de Ellie é edificante, nesse domínio. Ellie é uma psicóloga virtual, nascida em 2013, no
Instituto de Tecnologias Criativas, da Universidade da Califórnia do Sul (EUA). Possui uma câmara
eletrónica e um “cérebro” informático que lhe permite sentir as mais ínfimas entoações ou mímicas de um
paciente, a fim de diagnosticar o tipo de perturbação de que sofre e, assim, propor um tratamento adequado.
Desde há 3 anos, Ellie recebe em consulta, entre outros, soldados americanos com depressão, mas sob o
controlo de psicólogos verdadeiros, que verificam esses diagnósticos e afinam esses resultados – mas por
quanto mais tempo? Watson, “ele”, é o superanalista da IBM. O mestre dos big data. Submeta-se-lhe
qualquer problema: ele cruza todos os dados disponíveis sobre esse tema, o que lhe permite realizar
aproximações extremamente finas e tirar a toda a velocidade conclusões pertinentes. A maior exploração de
Watson? Ele salvou uma vida. Mais forte do que o Doutor House? Essa situação passou-se em janeiro de
2015, em Tóquio - Japão. Os médicos não conseguiam diagnosticar a doença de um paciente com 60 anos.
Vieram a chamar Watson em sua ajuda, com a excessiva ingestão por Watson de dados: mais de 2 500
resultados clínicos, 1,5 milhões de dossiers do paciente e 2 milhões de artigos científicos foram dados ao
supercomputador, que os cruzou com o perfil do doente. E deu-se o milagre! Em 10 minutos, Watson
transformou-se em uma espécie de Doutor House: ele estabeleceu que ele sofria de uma doença rara, da
medula óssea, o que ninguém tinha pensado. O doente recebeu um tratamento apropriado e o seu estado
melhorou! Com uma tal exploração, o supercomputador poderia ter revolucionado a medicina. E não só a
medicina: “Watson encontra-se em primeiro lugar numa nova era da informática, que vai transformar a
economia e a sociedade”, defende Eric Brown, diretor da Watson Technologies. Encontramo-nos numa era
em que as capacidades dos computadores para aperceberem, para aprenderem e para dominarem a
linguagem se encontram, enfim, aproximadas do cerne de processos suficientemente poderosos, para os
fazermos trabalhar juntos e interagirem com o ser humano de forma aprofundada. Outros computadores
desenvolvem os seus talentos em domínios menos conhecidos. Nomeadamente, na imprensa. Assim, desde
2012, Marlow entrega aos internautas a sua crónica quotidiana, no seu blogue. Todos os dias, Marlow
analisa a imprensa, disseca os artigos com a ajuda dos seus algoritmos para fornecer o seu “olhar” sobre a
atualidade. E assim avança: humor, crítica – digamos assim – sarcasmos pontuam as suas publicações. Com
a exceção de que Marlow empresta aos que o conceberam as suas próprias tonalidades de humor e os textos
de referência das pessoas que o delinearam. Assim, tão inteligentes que sejam essas máquinas, esses robots
da nova geração têm ainda de momento necessidade do ser humano para lhes darem vida e permitirem-lhes
57

“refletir”. Mas, já agora, esses robots são muito mais do que simples assistentes. Eles expandem as
capacidades humanas bem além das suas possibilidades naturais. (G.S.) pp. 66-67
Existe uma pulga que simula o nosso cérebro?
Existe sim. Há um chip que gravou sobre si os milhares de transístores e díodos que desempenham uma
função particular em um circuito integrado) que simula o nosso cérebro. Em 2014, cinco laboratórios da
IBM e da Universidade de Cornell (EUA) apresentaram True North49, um chip neuromórfico50, suposto
emular (igualar ou exceder) o cérebro humano. Sendo o chip composto de 5,4 milhares de transístores, ele
reproduz uma rede de 4 096 “corações” o equivalente a 1 milhão de neurónios e 256 milhões de sinapses, o
conjunto sendo religado por um circuito elétrico51. Cada coração funciona de forma autónoma e dispõe de
“neurónios” para o cálculo e de “sinapses” para a memória. Esses corações trabalham de forma assíncrona
(não ao mesmo tempo) e aqueles corações que não são solicitados permanecem inativos, como no ser
humano. Os investigadores chegaram, em 2015, a reagrupar 48 chips (de 4,3 cm2), para formarem um
“cérebro artificial” de 48 milhões de neurónios, quase tantos quantos os roedores52. Um “cérebro artificial”
certamente modesto, em relação aos milhões de neurónios humanos, mas muito potente. Essa arquitetura
acontece, porque o True North efetua 46 milhões de operações sinápticas por segundo. Sem consumo de
energia excessivo: somente 70 miliwatts pelos seus 5,4 milhões de transístores, quando os atuais
processadores consomem até 140 watts para transformar 1,4 milhões. Uma revolução que lhe permite
empreender um trabalho longo e difícil em tarefas delicadas, como o reconhecimento de imagens e de vídeo.
(K.J.) p. 67
Os robots ameaçam o génio da espécie humana?
Em dezembro de 2014, o astrofísico britânico Stephen Hawking declarou à BBC: “O desenvolvimento de
uma inteligência artificial mais ampla poderá significar o fim da humanidade. Os seres humanos, limitados
por uma lenta evolução biológica, não poderiam rivalizar com essa inteligência e seriam ultrapassados.” A
ele juntou-se, rapidamente, Elon Musk, fundador da Tesla Motors e da empresa SpaceX, que por seu lado
semeia a perturbação, ao afirmar o seguinte: “A Inteligência Artificial é potencialmente mais perigosa do
que as armas nucleares”, no que é acompanhado por inúmeras personalidades. É preciso temer o
desenvolvimento de uma superinteligência, que decida escravizar a espécie humana, como o descreve a saga
Terminator? Para muitos especialistas, o cenário ainda está longe da realidade. E apesar de todas as

49
Ver http://www.research.ibm.com/articles/brain-chip.shtml
50
Chamam-se “neuromórficos” ao trabalhar de sistemas de integração, em ampla escala, que são de modo analógico/digital
(mistos), de modo analógico ou digital, bem como outros sistemas de software, que exploram modelos de sistemas neurais, para a
perceção ou para o controlo motor ou até de integração multimodal (visuais, motores…).
51
Afinal, teremos cerca de 86 milhares de milhões de neurónios!
52
O encéfalo do rato tem cerca de 330 milhões de células, das quais 200 milhões são neurónios, sendo que apenas 15% destes
estão situados no córtex cerebral. (…) os neurónios são as unidades computacionais do cérebro e, quanto maior o número dessas
células cerebrais, tanto maior é a capacidade computacional da região cerebral correspondente. Isso pode significar que a
encefalização que os evolucionistas atribuem ao crescimento de tamanho do cérebro – e em particular do córtex cerebral – na
verdade representa uma cerebelarização, sendo esta a região que maior capacidade computacional ganharia com o crescimento do
encéfalo. O que, aliás, casa bem com as descobertas recentes de que o cerebelo humano está envolvido em funções cognitivas de
grande complexidade, como é o caso do processamento musical.
http://www.cienciahoje.org.br/noticia/v/ler/id/4428/n/quantos_neuronios_tem_um_cerebro
58

explorações, a I.A. não deu lugar a alguma superinteligência e, muito menos, à intencionalidade. Os
investigadores evocam mais o risco de “mas decisões”, tomadas em cascata por algoritmos ultrarrápidos e
interligados, aos quais delegamos mais e mais tarefas globais: segurança, logística, trafego aéreo, comércio,
transporte de energia, etc. Porque é que então o debate teve lugar, como se a ameaça tecnológica estivesse
amadurecida? Porque o medo é real, claro. Para certos analistas, este debate é mesmo positivo. A I.A.
poderia assim fazer-se aceitar pelo grande público e prosseguir o seu desenvolvimento. Mas outros temem
que os grandes problemas estejam mascarados pelo estrangulamento sobre a I.A. da Google ou do
Facebook, empresas tão ricas em meios tecnológicos, quanto mesquinhas em informações e obscuras nas
intenções… O problema é sempre o ser humano por trás das máquinas. (R.I.) p. 68

Você também pode gostar