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A dependência econômica e

as práticas contratuais
abusivas
Publicado 05/01/2018 por Natália Marques de Oliveira

A dependência econômica é um conceito que, aplicável ao direito


empresarial brasileiro, ainda padece de frescor. Embora não se confunda
com hipossuficiência econômica, tão cara à legislação consumerista, a
dependência econômica traz a possibilidade de se observar, no seio de
um contrato interempresarial, práticas contratuais abusivas ou
injustas (do inglês, unfair trading practices) que, desviando da função
econômica-social do tipo negocial, resultam em vantagens
desproporcionais a uma das partes em detrimento dos interesses
da outra.
Tais comportamentos abusivos são possíveis, mesmo entre empresários,
pelo fato de que a dependência econômica engendra um cenário no
qual um dos contratantes goza de poder de barganha
significantemente superior, usufruindo de posição relativa de
dominância no próprio contrato, o que lhe permite agir em condição de
independência e indiferença sobre a contraparte. Trata-se de instituto
análogo à posição dominante do direito antitruste, sendo o referencial a
própria relação contratual, e não o mercado relevante.
As fontes de dependência econômica se baseiam em características das
transações arrematadas pelo contrato, como o grau de especificidade
dos ativos afetados, a frequência em que ocorrem e a incerteza do
ambiente institucional no qual operam. São os casos, por exemplo,
de: i) investimentos em ativos específicos, como contratação de pessoal,
capacitação de funcionários, aquisição de materiais especializados,
exigência de compra de volume mínimo, reorganização de estruturas
para adaptação às exigências e demandas da contraparte, como é,
inclusive, muito comum nos contratos de concessão mercantil, de
distribuição e de franquia; ii) negociações de insumos perecíveis e
sazonais, constatáveis nos contratos agroindustriais; iii) afetação de
significativa ou total parcela do faturamento da empresa dependente,
como na hipótese de aposição de cláusulas de exclusividade ou de
comercialização de marca de alta renome; iv) assimetria de informações
e contratos incompletos; v) dependência da tecnologia e do know-
how oferecidos pela contraparte; vi) receio de retaliação em negociações
futuras; e vii) dificuldades de acesso à justiça e de reconhecimento, pelo
Poder Judiciário, da imposição abusiva (“fear factor”).
Observa-se que as fontes de dependência econômica implicam
“barreiras à saída” à parte dependente. O polo mais fraco, por precisar
que o negócio perdure ou outros sejam celebrados no futuro, encontra-se
sem alternativas viáveis, a não ser se sujeitar à imposição de
circunstâncias e cláusulas que lhe sejam desvantajosas. Isso
porque, na ponta do lápis, suportar os prejuízos decorrentes de eventual
término do contrato é pior – e, muitas vezes, o ponto final da existência
da empresa – do que manter um contrato subótimo; no jargão popular, é
dizer “ruim com, pior sem”.
Não obstante a dependência econômica e seu abuso, consubstanciado
nas práticas contratuais injustas ou abusivas, serem alvo de intensos
debates acadêmicos, legislativos e jurisprudenciais nos países membros
da União Europeia, pouco se conhece do assunto no Brasil. Contudo,
é possível depreender a preocupação com o abuso de dependência
econômica, ainda que não se identifique como tal, em algumas leis
nacionais e decisões jurisprudenciais.
Para evitar a sonegação de informações vitais à pactuação do negócio e
à repartição de riscos, a Lei das Franquias (Lei nº. 8.955/97), por
exemplo, avoca uma série de deveres de informação a serem
observados pelos franqueadores por meio da Circular de Oferta de
Franquia (COF). Caso as informações não sejam prestadas ou sejam
falsas, poderá o franqueado pleitear a anulabilidade do negócio e exigir a
devolução de todas as quantias pagas.
A Lei de Concessão Comercial (Lei nº. 6.729/1979), a fim de obstar
imposição de circunstâncias gravosas ao longo do vínculo contratual,
traz, em seu art. 16, vedação à exigência entre concedente e
concessionário de obrigação que não tenha sido constituída por escrito
ou de garantias acima do valor e duração das obrigações contraídas,
bem como veda a diferenciação de tratamento entre concedente e
concessionário quanto aos encargos financeiros e ao prazo de
obrigações que se possam equiparar. Na mesma toada, para coibir
abusos no que diz respeito ao arbitramento unilateral e abusivo de
preços no sistema de produção integrado avícola, a Lei nº.
13.288/2016 determina que a empresa integradora deve cumprir valor de
referência para remuneração do integrado, sendo valor definido pela
Comissão de Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da
Integração (CADEC), com os fins de assegurar a viabilidade econômica,
o equilíbrio dos contratos e a continuidade do processo produtivo.
Semelhante disposição é empregada na delimitação do preço médio da
cana-de-açúcar, fixado pelo Conselho dos Produtores de Cana- de-
Açúcar, Açúcar e Álcool (CONSECANA).
Para proteção dos investimentos aportados ao negócio, o art. 21 da Lei
de Concessão Mercantil (Lei nº. 6.729/1979) estabelece que o contrato
de concessão será de prazo indeterminado e, caso determinado, não
poderá ser inferior a cinco anos; confere-se, pois, o tempo mínimo para
que os distribuidores possam ter retorno do investimento realizado.
Ainda, para evitar rupturas abruptas, deve-se informar a intenção de
romper o vínculo à contraparte com antecedência mínima de 180 (cento
e oitenta) dias. Conteúdo semelhante é apregoado pelo art. 473,
parágrafo único do Código Civil que condiciona a eficácia da resilição
unilateral ao transcorrer do prazo “compatível com a natureza e o vulto
dos investimentos”.
No âmbito jurisprudencial, é possível constatar decisões do Superior
Tribunal de Justiça que reconhecem a abusividade de determinadas
práticas, apesar de não identificá-las pela lente do abuso de dependência
econômica. Veja-se:
i) Cláusulas de “não-indenizar”: o STJ identificou a essência da
dependência econômica com o título de “desigualdade contratual”. A
relatora, a Min. Isabel Galotti, pontuou que a mera previsão de resilição
unilateral por qualquer uma das partes constitui exercício regular do
direito. Entretanto, estipular no clausulado contratual que, em caso de
denúncia, não é devida indenização, é abusar do direito de resilir, porque
visa obstaculizar o direito da parte que se sentir lesada de garantir a
correspondente reparação do dano (AgRg no RECURSO ESPECIAL No
1.224.400 – PR);
ii) Resilição unilateral abusiva por investimentos específicos não
amortizados: nesse acórdão, o STJ analisou o “Projeto Excelência
2000”, criado pela AMBEV para incentivar seus distribuidores à
realização de investimentos, como padronização da frota de caminhões,
aquisição de computadores e aumento do número de funcionários.
Ocorre que, em junho de 1998, a Distribuidora de Bebidas Santiago Ltda.
recebeu notificação de que o contrato seria resilido em janeiro de 1999.
Um dos argumentos da distribuidora para a ação que pleiteou perdas e
danos, lucros cessantes, danos morais e repetição de indébito residiu no
fato de que o “Projeto Excelência 2000” criava legítimas expectativas de
que o negócio alcançaria, ao menos, o próximo milênio, razão pela qual
os investimentos foram concretizados. Embora o STJ tenha decidido por
maioria de votos que a indenização não era devida, tendo em vista que
não se pode impugnar o simples acionamento da cláusula de denúncia
prevista no contrato, o voto vencido do Min. Luís Felipe Salomão
reconheceu os fundamentos suscitados pela distribuidora, sustentando
o enfraquecimento do poder de resilição unilateral da AMBEV face
às legítimas expectativas instauradas na contraparte (Resp. nº.
1.112.796);
iii) Denúncia abusiva por motivo irrelevante face aos prejuízos da
contraparte: o STJ analisou contrato verbal de distribuição que, vigente
por mais de 30 anos, representava 70% do faturamento da distribuidora.
A denúncia do contrato teve a justificativa de que a distribuidora
reiteradamente atrasava o cumprimento de suas obrigações. Segundo o
STJ, como os atrasos sempre foram tolerados, não constituíam motivo
suficiente para que a fabricante terminasse a avença. Isso porque se
criou a legítima expectativa da distribuidora poder adimplir suas
obrigações em período superior ao do documento (supressio).
Diante disso, caberia à forneceria adotar, primeiramente, medidas menos
danosas, como o protesto dos títulos, e não recorrer de imediato à
última ratio da cessação abrupta de um contrato bem-sucedido de mais
de trinta anos;
iv) Valores despendidos com demissão abrupta e inesperada de
empregados são englobados nos danos emergentes por resilição
unilateral sem aviso prévio: no caso concreto, o STJ analisou contrato
de distribuição interrompido de maneira abrupta, sem que fosse oferecido
à distribuidora prazo razoável para a reorganização de sua atividade
negocial, acarretando-lhe inequívoco prejuízo, com inutilidade de
instalações e pessoal, razão pela qual se fez devido ao pedido de
indenização pela falta de razoável aviso prévio. Adotou-se o
entendimento de que estão inclusos nos danos emergentes os
valores despendidos com a demissão abrupta e inesperada de
empregados (EDclr no REsp nº. 654.408).
É de se notar que decisões que reconhecem práticas contratuais
abusivas são raras, podendo ser destacadas duas razões principais e
cíclicas. A primeira delas é que o acionamento do Judiciário tende a
ocorrer quando o abuso se revela ao término da relação, já que a
parte dependente não tem mais contrato no qual se escorar. Isso já
acarreta na exclusão das hipóteses abusivas perpetradas no início ou no
decorrer do vínculo. A segunda delas é o “fear factor”, isto é, o receio
de que, quando da provocação do Poder Judiciário, o abuso de
dependência econômica seja interpretado como conduta ou pressão
típica de mercado contra a qual os empresários deveriam, por suas
próprias forças, proteger-se. Assim , mesmo sendo caso de rompimento
abusivo, a parte pode optar por não correr o risco de suportar altas
custas e prejuízos com eventual improcedência do pedido.
É necessário, portanto, que o presente quadro se altere, posto que tais
comportamentos oportunistas têm o condão de acirrar a incerteza das
transações, elevar os custos de transação e emperrar o tráfico
mercantil.
Referências:
DINIZ, Gustavo Saad. Dependência econômica nos acordos verticais.
Revista de Direito Privado. v. 15, n. 59, p. 91-120, jul./set. 2014.
FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. 3 ed. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2014.
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 2010.
GRANZOTI, Fernando de Miranda. O abuso do estado de dependência
econômica no contrato de distribuição. 2005. Dissertação (mestrado) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005.
KËLLEZI, Pranvera. Abuse below the Threshold of Dominance? Market
Power, Market Dominanace, and abuse of Economic Dependence. 2007.
Disponível em: [http://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-3-540-
69965-1_3].
MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. O caso dos produtos Tostines:
uma atuação da boa-fé na resilição dos contratos duradouros e na
caracterização da supressio. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo
(coord.). O Superior Tribunal de Justiça e a reconstrução do direito
privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 527 e ss.

Ao optar pelo sistema de franchising, Franqueado e Franqueador se


propõem a um relacionamento que pressupõe parceria e
cooperação mútua, o que se chama de “relação ganha-
ganha”, objetivando a expansão de uma marca detida pelo Franqueador
e o desenvolvimento econômico-financeiro do investidor, ora
Franqueado.
O sistema de franchising só é atrativo – do ponto de vista empresarial –
porque, dado o conhecimento técnico do Franqueador, reduz – ou pelo
menos deveria reduzir - o risco de eventual insucesso do negócio - para
ambas as partes.
Dessa forma, cabe ao Franqueador realizar e apresentar todos os estudos
prévios, utilizando-se de sua expertise, e direcionar – baseado num grau
de segurança razoável - o investidor – seu futuro Franqueado – quanto à
viabilidade ou não de seu ingresso na rede e quando à perenidade e
prognósticos da operação de determinada unidade em determinada
região e nicho mercadológico.

É justamente essa expertise – essa minimização do risco


operacional e empresarial – que interessa ao Franqueado
quando procura uma rede de franquia ao invés de se aventurar
em um negócio próprio.
Infelizmente, não é o que está se verificando – com raras exceções - no
sistema de franquia no Brasil, que se distanciou muito daquele que é
aplicado em outros países.
Essa distância entre aquilo que se espera do sistema e o que realmente
ocorre na prática na relação entre Franqueadores e Franqueados fica
evidenciado pelo crescente número de ações judiciais em que se discutem
os contratos de franquia – tanto em sua fase pré-contratual como na fase
de operação do negócio e condições de rescisão contratual.

Esses constantes embates judiciais e extrajudicias entre Franqueador e


Franqueados deixam claro a fragilidade e imaturidade do sistema
de franchising em nosso país e a pouca intervenção de órgãos que
deviam atuar na intermediação e solução de conflitos – mas que se
afastaram do escopo inicial - e passaram a ser meros promotores de
marketing de Franqueadores preocupados única e exclusivamente com a
venda de mais e mais unidades franqueadas e menos e menos com o
resultado operacional de cada uma delas.
É difícil acreditar que operadores de Direito ou qualquer pessoa leiga
ainda não tenham percebido que o Franqueado não possui as mesmas
condições técnicas, culturais, econômicas, mercadológicas, nem o mesmo
acesso aos sistemas e informações e expertise comercial, que o
Franqueador.

Essa disparidade técnica, entre outros fatores empresariais,


evidentemente, denotam a sua manifesta e incontroversa posição
de dependência em relação ao Franqueador, que é efetivo
detentor da expertise do sistema e do negócio propriamente dito e, que,
infelizmente, muitas vezes, não cumpre com sua “propaganda” (feita na
hora da “venda” da franquia) nem com o contrato no que se refere a
transferência de know how, suporte e assistência ao Franqueado.
É justamente aí que reside a hipossuficiência técnica do Franqueado que
não pode mais ser ignorada pelo mundo jurídico nem pelo mundo
empresarial. E essa “hipossuficiência ou vulnerabilidade”, é preciso
deixar claro, não tem o mesmo condão da hipossuficiencia e
vulnerabilidade do consumidor, insculpido no CDC.
Essa hipossuficiência e vulnerabilidade, aqui, no presente caso em tela,
equivale, tecnicamente falando à Subordinação Empresarial e Assimetria
da Relação Contratual.

Este outro instituto jurídico que explica a dependência do Franqueado


para com seu Franqueador, que o coloca em situação desvantajosa e que
tem origem contratual é que caracteriza a sua SUBORDINAÇÃO
EMPRESARIAL E ASSIMETRIA DA RELAÇÃO CONTRATUAL, e
que, por esses motivos, justificam a inversão do onus probandi nos
processos judiciais envolvendo a dicussão do contrato de franshing.
Isso porque essa parceria, essa relação “ganha-ganha” para organização
empresarial, ao qual se compromete o Franqueador, através de um
Contrato (complexo) de Franquia, deve, obrigatoriamente, se desdobrar
sob três aspectos essenciais que envolvem a gênese do sistema:
- O Management: caracterizado pelos estudos prévios, pela
pesquisa mercadológida de viabilidade, caracterizado pela
transferência pelo Franqueador de tecnologia e know how relativo à
logistica e estruturação - sistema de controle de estoque, de custos e
treinamento de pessoal e diretrizes da operação do negócio
propriamente dita;
- O Engineering: pelo constante suporte, pela assistência
e know how pertinente à organização do espaço (ponto
comercial e layout) onde será implantado o estabelecimento ou a
operação dos serviços a serem oferecidos pelos Franqueado; e
- O Marketing: cujo conteúdo diz respeito às técnicas de colocação do
produto ou serviço junto ao consumidor, o cuidado com a marca no
mercado, incluindo, mas não estando restrito aos conteúdos de
publicidade (nas mais variadas mídias).
Esses três aspectos do contrato de franquia – em última análise,
representam a expertise obrigatória do Franqueador – aquilo que o
candidato a Franqueado busca ao escolher uma marca já constituída no
mercado ao invés de montar um negócio próprio.

Portanto, ao contrário do alguns leigos pensam, o “risco do negócio” é


muito mais do Franqueado do que do Franqueador, pois é ele o detentor
da expertise do negócio. Ao contrário do que se prega no resto do mundo,
a o franqueaodor não pode simplesmente resumir suas obrigaçes à a
concessão dos dieitos de uso da Marca para o novo Franqueado, pois o
fundamento da cobrança e pagamento dos Royalties (remuneração
acertada contratualmente) está na concessão do uso da Marca e do
know how que compõe o “pacote” dos serviços que foram adquiridos
pelo Franqueado e que são obrigações da franquedora.
Assim a qualquer clausula ou disposição constante em condições gerais
ou documentos congêneres do Franqueador que o isente totalmente de
qualquer responsabilidade por insucesso do negócio da unidade
franqueada é nula de pleno direito, uma vez que se trata de contrato de
adesão em que estão presentes os institutos da SUBORDINAÇÃO
EMPRESARIAL E ASSIMETRIA DA RELAÇÃO
CONTRATUAL que devem ser reconhecidos judicialmente.
Afinal, se a franquedora não pretende se comprometer com o sucesso das
unidades de sua Marca, melhor optar por qualquer outra modalidade de
contrato prevista legalmente, como por exemplo a simples representação
comercial ou a licenciamento de marca.

Contrato de franquia implica em compromisso “ganha-ganha”. Se, em


seu bojo contratual, há previsão de cobrança de royalties, taxa de fundo
de promoção, compra mandatória, padronização de layout, fornecedores
homologados e tantos outros requisitos característicos do contrato de
franquia, então, não pode simplesmente deixar o seu Franqueado a “Deus
dará” – isentando-se de responsabilidade em caso de insucesso e ainda
por cima, impondo-lhe multas abusivas em caso de rescisão do termo
contratual.
O que não se pode perder de vista nessa discussão e na validação dessa
nova tese jurídica é que a simples “venda” de unidade franqueada não
configura o contrato de franquia, sendo elementos indispensáveis do
contrato (inclusive justificadores da cobrança dos royalties):

I) Prestação efetiva dos serviços de organização (fase pré-contratual) e


administração empresarial (fase pós-contratual), e
II) Acesso a um conjunto de informações, técnicas e conhecimentos,
detidos pelo Franqueador, que irá efetivamene viabilizar a minoração
dos riscos e a majoração dos lucros da unidade do Franqueado.
Como alhures dito, a venda do Engeneering, do Management e
do Marketing, que, repita-se, É DE DOMÍNIO TOTAL DA
FRANQUEADORA, e de “trato continuado” - faz com que o Franqueado
SUBORDINE-SE TOTALMENTE, não podendo decidir nada por si só,
nem na aquisição da unidade nem durante a operação do negócio.
Essa subordinação técnica e empresarial é tamanha que vai desde a
organização funcional e física da Unidade Franqueada (ponto comercial e
instalações), até o “como proceder” dos empregados, pois, o treinamento
inicial da equipe do Franqueado é (ou pelo pemos deveria ser)
responsabilidade dos prepostos da Franqueadora, que afinal de contas é
a detentora do know how de atendimento para aquele produto/serviço
específico.
Importante ainda notar que esse instituto de subordinação empresarial é
inerente à todo e qualquer Contrato de Franquia. Por outras palavras,
inexiste sistema de franshing sem tal característica. A subordinação do
Franqueado à Franqueadora – sua hipossuficiência – é indispensável à
prórpia eficiência e padronização dos serviços de organização
empresarial que a rede Franqueadora vende tanto ao consumidor final
como a outros Franqueados.
Portanto, não há como não reconhcê-la judicialmente e, por conseguinte,
não aplicar a inversão do ônus da prova nas demandas jub judice seria
uma incoerência técnica.
Um estudo um pouco mais apurado – do ponto de vista jurisprudencial -
sobre o tema, infelizmente, denotam, ainda, um certo desconhecimento
dos Magistrados, certamente por conta da
relativa contemporaneidade da tese da subordinação
empresarial e assimetria contratual.
Inobstante, aos poucos, a jurisprudência já caminha no sentido de
reconhecer tal hipossuficiência, tanto que alguns Juízes tem se
posicionado favoravelmente à inversão do ônus da prova em favor do
Franqueado, uma vez que comprovada sua vulnerabilidade inclusive
concedendo a suspensão da cobrança de taxas e royalties para o
Franqueado que pretende a rescisão do contrato por culpa da
Franqueadora.
Veja-se, à guisa de exemplos, as seguintes decisões:

RESCISÃO DE CONTRATO DE FRANQUIA C. C. INDENIZAÇÃO POR


DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRATA-SE DE AÇÃO ORDINÁRIA EM
QUE OS AUTORES VISAM À RESCISÃO CONTRATUAL, DEVOLUÇÃO
DE "TAXA" DE FRANQUIA, LUCROS CESSANTES E INDENIZAÇÃO
POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAM DESCUMPRIMENTO,
PELAS RÉS, DE CONTRATO DE FRANQUIA ENTRE ELES HAVIDO,
INOBSERVÂNCIA LEGAL NA FASE PRÉ-CONTRATUAL E AUSÊNCIA
DE ASSESSORIA POR PARTE DA FRANQUEADORA. AS RÉS
RESISTEM ALEGANDO, EM SÍNTESE, QUE A CULPA PELO
FRACASSO DO NEGÓCIO É DOS AUTORES, EM RAZÃO DE FALTA DE
PROGRAMAÇÃO E MÁ ADMINISTRAÇÃO DELE. NÃO HÁ
PRELIMINARES ARGUIDAS. PRESENTES OS PRESSUPOSTOS
PROCESSUAIS E CONDIÇÕES DA AÇÃO, DOU O FEITO POR
SANEADO. FIXO COMO PONTOS CONTROVERTIDOS A AFERIÇÃO
DA CULPA PELA DERROCADA DOS AUTORES NO
EMPREENDIMENTO PROPOSTO; SE A RÉ CUMPRIU COM AS
FORMALIDADES EXIGIDAS PELA LEI N. 8.955/94 (LEI DE
FRANQUIA) NA FASE PRÉ-CONTRATUAL E NO MOMENTO DA
CONTRATAÇÃO; E SE OS AUTORES PAUTARAM-SE DE ACORDO
COM O CONTRATO CELEBRADO COM AS RÉS. NA DISTRIBUIÇÃO
DO ÔNUS DA PROVA, INCUMBIRÁ À RÉ A PROVA DE QUE
CUMPRIU COM O ESTABELECIDO NA LEGISLAÇÃO
PERTINENTE (LEI DE FRANQUIA E CÓDIGO CIVIL), NA
FASE PRÉ-CONTRATUAL E NA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO,
RECONHECENDO-SE, NESSE PONTO, A HIPOSSUFICIÊNCIA
DOS AUTORES. POR OUTRO LADO, CABERÁ A ESTES A
PROVA DE QUE, A PARTIR DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO,
PAUTARAM-SE DE ACORDO COM SUAS CLÁUSULAS, NO
DESENVOLVIMENTO DO NEGÓCIO. DEFIRO A PRODUÇÃO DA
PROVA ORAL EM AUDIÊNCIA QUE FICA DESIGNADA PARA O
PRÓXIMO DIA 9 DE OUTUBRO DE 2014, ÀS 14:30H.. NOS TERMOS
DO ART. 407 DO C. P. C., AS PARTES DEVERÃO OFERTAR O ROL DE
SUAS TESTEMUNHAS EM ATÉ 10 (DEZ) DIAS CONTADOS DA
INTIMAÇÃO DESTE DESPACHO E RECOLHER AS "DILIGÊNCIAS"
PARA INTIMAÇÃO DE SUAS ADVERSAS A PRESTAREM
DEPOIMENTO PESSOAL, CASO ISSO TENHA SIDO
EXPRESSAMENTE REQUERIDO. SEM PREJUÍZO, DEPREQUE-SE A
OITIVA DAS TESTEMUNHAS DOS AUTORES, JÁ ARROLADAS (FLS.
594), CABENDO A ELES A DISTRIBUIÇÃO DA MEDIDA NO JUÍZO
DEPRECADO, COMPROVANDO-SE NOS AUTOS A EFETIVAÇÃO DA
PROVIDÊNCIA. INT. DATA: 25.08.2014. PUBLICAÇÃO: 02.09.2014.
JUIZ DIRCEU BRISOLLA GERALDINI. PROCESSO Nº1008826-
90.2013.8.26.0309. 6ª VARA CIVEL DA COMARCA DE JUNDIAÍ.
VISTOS ETC. DEFIRO O BENEFÍCIO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA
AOS AUTORES. TRATA-SE DE APRECIAR PEDIDO LIMINAR
FORMULADO EM AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO
DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS …
POSTULAM, EM SEDE LIMINAR: A) A EXIBIÇÃO DA COF ORIGINAL
BEM COMO DO CONTRATO DE FRANQUIA ORIGINAL DAS LOJAS
QUE SÃO FRANQUEADOS; B) A LIBERAÇÃO PARA COMPRA DE
PRODUTOS DIRETAMENTE COM FORNECEDORES DA
PREFERÊNCIA DOS DEMANDANTES, ATÉ JULGAMENTO FINAL; C)
A SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DOS ROYALTIES E TAXAS DE
PUBLICIDADE; D) AUTORIZAÇÃO PARA CONTINUIDADE DE
ATUAÇÃO NO MESMO PONTO COMERCIAL ENQUANTO PERDURAR
O PROCESSAMENTO DA DEMANDA E E) QUEBRA DA CLÁUSULA DE
BARREIRA. É O BREVE RELATO. DECIDO. COMPULSANDO OS
AUTOS E A DOCUMENTAÇÃO ACOSTADA COM A INICIAL,
VERIFICO SER POSSÍVEL O DEFERIMENTO PARCIAL DA
LIMINAR PLEITEADA, PARA O FIM DE DETERMINAR QUE
OS DEMANDADOS APRESENTEM, QUANDO DO
OFERECIMENTO DE CONTESTAÇÃO, A COF ORIGINAL BEM
COMO OS CONTRATOS DE FRANQUIA ORIGINAIS DAS
LOJAS QUE OS AUTORES SÃO FRANQUEADOS.
(...)  INTIMEM-SE. CITEM-SE. DIL. LEGAIS. PORTO ALEGRE, 5 DE
JUNHO DE 2013. 2ª VARA CÍVEL 2ª VARA CÍVEL DO FORO
CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE NOTA DE
EXPEDIENTE Nº 2209/2013 001/1.13.0085518-6 (CNJ 0097549-
94.2013.8.21.0001).
VISTOS. CUIDA - SE DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE ANULABILIDADE
OU RESILIÇÃO CONTRATUAL, ONDE AS AUTORAS PEDEM,
LIMINARMENTE, QUE SEJA DESDE LOGO DECLARADA A
ANULABILIDADE DA AVENÇA, OU SUA RESCISÃO. TAMBÉM,
QUEREM O AFASTAMENTO DA CLÁUSULA DE BARREIRA,
INERENTE AO CONTRATO DE FRANQUIA, QUE AS IMPEDE DE
VENDER MERCADORIAS DE OUTRAS MARCAS, BEM COMO, A
SUSPENSÃO DE COBRANÇA DE ROYALTIES ULTIMAMENTE
IMPOSTA POR AÇÃO DA EMPRESA RÉ. SUSTENTA A PARTE
AUTORA QUE O CONTRATO DE FRANQUIA FIRMADO ENTRE AS
PARTES É ANULÁVEL PORQUE A CARTA DE OFERTA DE FRANQUIA
QUE ENSEJOU A CONTRATAÇÃO NÃO FOI FEITA COM RESPEITO
AO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 4º, DA LEI 8.955/94. AFIRMA NÃO
TER MAIS INTERESSE NO NEGÓCIO FIRMADO ENTRE AS PARTES,
QUAL SEJA, O CONTRATO FRANQUIA DA MARCA DE ROUPAS E
CALÇADOS (OMISSIS), POIS A FRANQUEADORA EXIGIU, NA
REALIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO PELA FRANQUEADA,
INVESTIMENTO SUPERIOR AO PACTUADO. INVOCA A EXCEÇÃO DE
CONTRATO NÃO CUMPRIDO, FALANDO QUE A FRANQUEADORA
TEM SIDO OMISSA COM SUAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS, AO
DEIXAR A FRANQUEADA DESGUARNECIDA DE MERCADORIAS DE
BOA VENDAGEM, ENVIAR ROUPAS E CALÇADOS COM DEFEITOS,
ALÉM DE RETIRAR O CARÁTER DE EXCLUSIVIDADE DA FRANQUIA
AO REALIZAR VENDAS DIRETAS, POR PREÇO INFERIOR ÀQUELE
SUPORTADO PELOS FRANQUEADOS, ATRAVÉS DA INTERNET.
ARGUMENTA QUE A RÉ TEM IMPOSTO O INJUSTO PAGAMENTO
ROYALTIES MESMO SEM TRANSFERIR O KNOW HOW NECESSÁRIO
AO DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE. ACRESCENTA QUE, EM
VIRTUDE DA ATITUDE DANOSA DA RÉ, TEM PASSADO POR
GRAVES DIFICULDADES NA CONTINUIDADE DO
EMPREENDIMENTO E NECESSITA DE MERCADORIAS DE
QUALIDADE PARA APARELHAR SUA LOJA, COISA QUE A RÉ NÃO
TEM LOGRADO APRESENTAR. DE PLANO NÃO VISLUMBRO ALGUM
CARÁTER DE ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO, ATÉ
PORQUE, O PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 4º, DA LEI 8.955/94 É
MERAMENTE ORIENTATIVO NA ELABORAÇÃO DA ESPÉCIE DE
CONTRATO EM TESTILHA, NADA IDENTIFICANDO O CASO DOS
AUTOS COM AS HIPÓTESES DO ART. 138 E SEGUINTES DO CC.
TODAVIA, INDEPENDENTEMENTE DA ALEGAÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL POR QUALQUER DAS PARTES,
OS CONTRATANTES TEM TOTAL LIBERDADE PARA REALIZAR UM
NEGÓCIO JURÍDICO, BEM COMO PARA DESFAZÊ-LO, SE ASSIM
FOR DE SUA VONTADE, BASTANDO EFETUAR A NOTIFICAÇÃO À
OUTRA PARTE, CONFORME DISPÕE O ART. 473 DO CC. (...)
CONTUDO, NO QUE CONSERNE AO PEDIDO DE SUSPENSÃO DAS
COBRANÇAS DE ROYALTIES FUTUROS, ENTENDO POSSÍVEL O
PLEITO, DADO QUE AQUI FOI MANIFESTADA A INTENÇÃO DE
RESCISÃO CONTRATUAL, ANTE A EXISTÊNCIA DE EXCESSIVA
ONEROSIDADE NA CONTINUIDADE DO CONTRATO.
CONCERNENTE A CLÁUSULA DE BLOQUEIO (CLÁUSULA 2.2.1 DO
CONTRATO), SUA VIGÊNCIA PODE SER SUSPENSA DESDE QUE A
PARTE AUTORA DEIXE DE OPERAR COM O NOME DA MARCA DA
FRANQUEADORA. DE EFEITO, QUANTO A ESTES PONTOS
ESTARIAPRESENTE PRESENTE O FUMUS BONI IURIS, A
JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA MEDIDA LIMINAR, DEVENDO,
NO MAIS SER OBSERVADAS AS CLÁUSULAS DO CONTRATO DE
FRANQUIA PACTUADO ATÉ QUE SEJA DEFINITIVAMENTE
RESCINDIDO. VEJO TAMBÉM POSSÍVEL QUE AS MERCADORIAS
AINDA PRESENTES NA LOJA SEJAM VENDIDAS, ATÉ PORQUE, A
PRÓPRIA RÉ TERIA RETIRADO A EXCLUSIVIDADE DAS
FRANQUIAS AO OPERAR COM VENDAS NA INTERNET (FLS.
237/245). DESSA FORMA, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO
LIMINAR, SOMENTE PARA DETERMINAR QUE A RÉ SE
ABSTENHA DE COBRAR DAS AUTORAS FUTUROS
ROYALTIES DO CONTRATO RESCINDENDO, BEM COMO,
PERMITIR QUE A PARTE AUTORA COMERCIALIZE
MERCADORIAS DE OUTRAS MARCAS, DESDE QUE DEIXE
DE GIRAR SOB A DENOMINAÇÃO DA MARCA
(omissis).  RETIFICADA A AUTUAÇÃO, CITE SE E INTIMEMSE...?
OFÍCIO À DISPOSIÇÃO DA PARTE AUTORA. PORTO ALEGRE, 4 DE
NOVEMBRO DE 2015. FORO CENTRAL 8ª VARA CÍVEL 8ª VARA
CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE NOTA
DE EXPEDIENTE Nº 3271/2015 001/1.15.01604806
(CNJ 023177650.2015.8.21.0001).

Os exemplos acima referidos são apenas alguns dos muitos que


demonstram que os juízes estão começando a entender a forma como
alguns Franqueadores estão operando no país e a fragilidade da posição
do Franqueado perante o sistema.

Tanto é verdade que muitas das franquias estão associadas e possuem


Selo de Excelência junto a Associação Brasileira de Franchising (ABF) –
que se propõe justamente a estabeler padrões para a prática
de franchising no Brasil, de modo a moralizar o mercado e garantir a
seriedade do sistema, mas, curiosamente respondem judicialmente a
diversas ações propostas por Franqueados lesados na Justiça. Não seria
esse um grave um contrasenso a ser considerado pelo mercado e pelo
Judiciário isso estar ocorrendo no Brasil? É necessário aprofundar esse
debate.
A verdade é que, sob os olhos do “mercado de franshing”, uma parte dos
Franqueadores não comprometidos com a seriedade do sistema estão se
utilizando da “febre mercadológica das microfranquias” como como
verdadeiro laboratório de idéias: criam uma marca, ingressam no sistema
sem estrutura adequada para atender seus Franqueados, se associam à
ABF, vendem dezenas de unidades que diante da falta de suporte e
assistência do Franqueador acabam “falindo”, cobram multas abusivas
dos Franqueados e, não satisfeitos, quando deparados com o ajuizamento
de demandas judiciais em seu desfavor, abrem uma nova empresa, criam
uma nova marca, novamente se associam à ABF, iniciando assim, um
novo ciclo.

Existem alguns Projetos de Lei, em especial o de nº 3.234/2012, cuja


proposta inicial é revogar a Lei de Franquias até então em vigor trazendo
maior segurança ao modelo de franquia empresarial. Contudo, estamos
falando de propostas ainda sem previsão de aprovação, quanto menos
entrada em vigor. Por isso, o Judiciário não pode deixar de dispor de
instrumentos de proteção dos interesses da parte mais fraca – no caso, o
Franqueado.

É com isso em vista que os Doutrinadores da matéria não podem deixar


de dedicar-se à criação de novas teses jurídicas que estabeleçam maior
equidade no tratamento entre Franqueador e Franqueado – enquanto os
Magistrados precisam estar mais atentos à relidade fática que permeia a
relação e o sistema de franquia no Brasil. Sem esse cuidado, sem esse
aprofundamento no estudo de novos institutos jurídicos, sem a coragem
e a tenacidade necessárias para enfrentar a matéria de forma realmente
zetética e não apenas dogmática estaremos fadados a nos submeter a
uma lei morta em nosso ordenamento jurídico.

Deixar de reconhecer a hipossuficiência e a subordinação do Franqueado


perante a franquedora e a consequente inversão do onus probandi nos
processos judiciais que envolvem essa tumultuosa relação é colocar uma
verdadeira pá de cal num tema que ainda precisa ser muito discutido e
estudado para o fim de obtenção da verdadeira Justiça.
COM INFORMAÇÕES DA ASSESSORIA DE IMPRENSA

BAGGIO SOCIEDADE DE ADVOGADOS

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