as práticas contratuais abusivas Publicado 05/01/2018 por Natália Marques de Oliveira
A dependência econômica é um conceito que, aplicável ao direito
empresarial brasileiro, ainda padece de frescor. Embora não se confunda com hipossuficiência econômica, tão cara à legislação consumerista, a dependência econômica traz a possibilidade de se observar, no seio de um contrato interempresarial, práticas contratuais abusivas ou injustas (do inglês, unfair trading practices) que, desviando da função econômica-social do tipo negocial, resultam em vantagens desproporcionais a uma das partes em detrimento dos interesses da outra. Tais comportamentos abusivos são possíveis, mesmo entre empresários, pelo fato de que a dependência econômica engendra um cenário no qual um dos contratantes goza de poder de barganha significantemente superior, usufruindo de posição relativa de dominância no próprio contrato, o que lhe permite agir em condição de independência e indiferença sobre a contraparte. Trata-se de instituto análogo à posição dominante do direito antitruste, sendo o referencial a própria relação contratual, e não o mercado relevante. As fontes de dependência econômica se baseiam em características das transações arrematadas pelo contrato, como o grau de especificidade dos ativos afetados, a frequência em que ocorrem e a incerteza do ambiente institucional no qual operam. São os casos, por exemplo, de: i) investimentos em ativos específicos, como contratação de pessoal, capacitação de funcionários, aquisição de materiais especializados, exigência de compra de volume mínimo, reorganização de estruturas para adaptação às exigências e demandas da contraparte, como é, inclusive, muito comum nos contratos de concessão mercantil, de distribuição e de franquia; ii) negociações de insumos perecíveis e sazonais, constatáveis nos contratos agroindustriais; iii) afetação de significativa ou total parcela do faturamento da empresa dependente, como na hipótese de aposição de cláusulas de exclusividade ou de comercialização de marca de alta renome; iv) assimetria de informações e contratos incompletos; v) dependência da tecnologia e do know- how oferecidos pela contraparte; vi) receio de retaliação em negociações futuras; e vii) dificuldades de acesso à justiça e de reconhecimento, pelo Poder Judiciário, da imposição abusiva (“fear factor”). Observa-se que as fontes de dependência econômica implicam “barreiras à saída” à parte dependente. O polo mais fraco, por precisar que o negócio perdure ou outros sejam celebrados no futuro, encontra-se sem alternativas viáveis, a não ser se sujeitar à imposição de circunstâncias e cláusulas que lhe sejam desvantajosas. Isso porque, na ponta do lápis, suportar os prejuízos decorrentes de eventual término do contrato é pior – e, muitas vezes, o ponto final da existência da empresa – do que manter um contrato subótimo; no jargão popular, é dizer “ruim com, pior sem”. Não obstante a dependência econômica e seu abuso, consubstanciado nas práticas contratuais injustas ou abusivas, serem alvo de intensos debates acadêmicos, legislativos e jurisprudenciais nos países membros da União Europeia, pouco se conhece do assunto no Brasil. Contudo, é possível depreender a preocupação com o abuso de dependência econômica, ainda que não se identifique como tal, em algumas leis nacionais e decisões jurisprudenciais. Para evitar a sonegação de informações vitais à pactuação do negócio e à repartição de riscos, a Lei das Franquias (Lei nº. 8.955/97), por exemplo, avoca uma série de deveres de informação a serem observados pelos franqueadores por meio da Circular de Oferta de Franquia (COF). Caso as informações não sejam prestadas ou sejam falsas, poderá o franqueado pleitear a anulabilidade do negócio e exigir a devolução de todas as quantias pagas. A Lei de Concessão Comercial (Lei nº. 6.729/1979), a fim de obstar imposição de circunstâncias gravosas ao longo do vínculo contratual, traz, em seu art. 16, vedação à exigência entre concedente e concessionário de obrigação que não tenha sido constituída por escrito ou de garantias acima do valor e duração das obrigações contraídas, bem como veda a diferenciação de tratamento entre concedente e concessionário quanto aos encargos financeiros e ao prazo de obrigações que se possam equiparar. Na mesma toada, para coibir abusos no que diz respeito ao arbitramento unilateral e abusivo de preços no sistema de produção integrado avícola, a Lei nº. 13.288/2016 determina que a empresa integradora deve cumprir valor de referência para remuneração do integrado, sendo valor definido pela Comissão de Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (CADEC), com os fins de assegurar a viabilidade econômica, o equilíbrio dos contratos e a continuidade do processo produtivo. Semelhante disposição é empregada na delimitação do preço médio da cana-de-açúcar, fixado pelo Conselho dos Produtores de Cana- de- Açúcar, Açúcar e Álcool (CONSECANA). Para proteção dos investimentos aportados ao negócio, o art. 21 da Lei de Concessão Mercantil (Lei nº. 6.729/1979) estabelece que o contrato de concessão será de prazo indeterminado e, caso determinado, não poderá ser inferior a cinco anos; confere-se, pois, o tempo mínimo para que os distribuidores possam ter retorno do investimento realizado. Ainda, para evitar rupturas abruptas, deve-se informar a intenção de romper o vínculo à contraparte com antecedência mínima de 180 (cento e oitenta) dias. Conteúdo semelhante é apregoado pelo art. 473, parágrafo único do Código Civil que condiciona a eficácia da resilição unilateral ao transcorrer do prazo “compatível com a natureza e o vulto dos investimentos”. No âmbito jurisprudencial, é possível constatar decisões do Superior Tribunal de Justiça que reconhecem a abusividade de determinadas práticas, apesar de não identificá-las pela lente do abuso de dependência econômica. Veja-se: i) Cláusulas de “não-indenizar”: o STJ identificou a essência da dependência econômica com o título de “desigualdade contratual”. A relatora, a Min. Isabel Galotti, pontuou que a mera previsão de resilição unilateral por qualquer uma das partes constitui exercício regular do direito. Entretanto, estipular no clausulado contratual que, em caso de denúncia, não é devida indenização, é abusar do direito de resilir, porque visa obstaculizar o direito da parte que se sentir lesada de garantir a correspondente reparação do dano (AgRg no RECURSO ESPECIAL No 1.224.400 – PR); ii) Resilição unilateral abusiva por investimentos específicos não amortizados: nesse acórdão, o STJ analisou o “Projeto Excelência 2000”, criado pela AMBEV para incentivar seus distribuidores à realização de investimentos, como padronização da frota de caminhões, aquisição de computadores e aumento do número de funcionários. Ocorre que, em junho de 1998, a Distribuidora de Bebidas Santiago Ltda. recebeu notificação de que o contrato seria resilido em janeiro de 1999. Um dos argumentos da distribuidora para a ação que pleiteou perdas e danos, lucros cessantes, danos morais e repetição de indébito residiu no fato de que o “Projeto Excelência 2000” criava legítimas expectativas de que o negócio alcançaria, ao menos, o próximo milênio, razão pela qual os investimentos foram concretizados. Embora o STJ tenha decidido por maioria de votos que a indenização não era devida, tendo em vista que não se pode impugnar o simples acionamento da cláusula de denúncia prevista no contrato, o voto vencido do Min. Luís Felipe Salomão reconheceu os fundamentos suscitados pela distribuidora, sustentando o enfraquecimento do poder de resilição unilateral da AMBEV face às legítimas expectativas instauradas na contraparte (Resp. nº. 1.112.796); iii) Denúncia abusiva por motivo irrelevante face aos prejuízos da contraparte: o STJ analisou contrato verbal de distribuição que, vigente por mais de 30 anos, representava 70% do faturamento da distribuidora. A denúncia do contrato teve a justificativa de que a distribuidora reiteradamente atrasava o cumprimento de suas obrigações. Segundo o STJ, como os atrasos sempre foram tolerados, não constituíam motivo suficiente para que a fabricante terminasse a avença. Isso porque se criou a legítima expectativa da distribuidora poder adimplir suas obrigações em período superior ao do documento (supressio). Diante disso, caberia à forneceria adotar, primeiramente, medidas menos danosas, como o protesto dos títulos, e não recorrer de imediato à última ratio da cessação abrupta de um contrato bem-sucedido de mais de trinta anos; iv) Valores despendidos com demissão abrupta e inesperada de empregados são englobados nos danos emergentes por resilição unilateral sem aviso prévio: no caso concreto, o STJ analisou contrato de distribuição interrompido de maneira abrupta, sem que fosse oferecido à distribuidora prazo razoável para a reorganização de sua atividade negocial, acarretando-lhe inequívoco prejuízo, com inutilidade de instalações e pessoal, razão pela qual se fez devido ao pedido de indenização pela falta de razoável aviso prévio. Adotou-se o entendimento de que estão inclusos nos danos emergentes os valores despendidos com a demissão abrupta e inesperada de empregados (EDclr no REsp nº. 654.408). É de se notar que decisões que reconhecem práticas contratuais abusivas são raras, podendo ser destacadas duas razões principais e cíclicas. A primeira delas é que o acionamento do Judiciário tende a ocorrer quando o abuso se revela ao término da relação, já que a parte dependente não tem mais contrato no qual se escorar. Isso já acarreta na exclusão das hipóteses abusivas perpetradas no início ou no decorrer do vínculo. A segunda delas é o “fear factor”, isto é, o receio de que, quando da provocação do Poder Judiciário, o abuso de dependência econômica seja interpretado como conduta ou pressão típica de mercado contra a qual os empresários deveriam, por suas próprias forças, proteger-se. Assim , mesmo sendo caso de rompimento abusivo, a parte pode optar por não correr o risco de suportar altas custas e prejuízos com eventual improcedência do pedido. É necessário, portanto, que o presente quadro se altere, posto que tais comportamentos oportunistas têm o condão de acirrar a incerteza das transações, elevar os custos de transação e emperrar o tráfico mercantil. Referências: DINIZ, Gustavo Saad. Dependência econômica nos acordos verticais. Revista de Direito Privado. v. 15, n. 59, p. 91-120, jul./set. 2014. FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. 3 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014. FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. GRANZOTI, Fernando de Miranda. O abuso do estado de dependência econômica no contrato de distribuição. 2005. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005. KËLLEZI, Pranvera. Abuse below the Threshold of Dominance? Market Power, Market Dominanace, and abuse of Economic Dependence. 2007. Disponível em: [http://link.springer.com/chapter/10.1007%2F978-3-540- 69965-1_3]. MARTINS-COSTA, Judith Hofmeister. O caso dos produtos Tostines: uma atuação da boa-fé na resilição dos contratos duradouros e na caracterização da supressio. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo (coord.). O Superior Tribunal de Justiça e a reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 527 e ss.
Ao optar pelo sistema de franchising, Franqueado e Franqueador se
propõem a um relacionamento que pressupõe parceria e cooperação mútua, o que se chama de “relação ganha- ganha”, objetivando a expansão de uma marca detida pelo Franqueador e o desenvolvimento econômico-financeiro do investidor, ora Franqueado. O sistema de franchising só é atrativo – do ponto de vista empresarial – porque, dado o conhecimento técnico do Franqueador, reduz – ou pelo menos deveria reduzir - o risco de eventual insucesso do negócio - para ambas as partes. Dessa forma, cabe ao Franqueador realizar e apresentar todos os estudos prévios, utilizando-se de sua expertise, e direcionar – baseado num grau de segurança razoável - o investidor – seu futuro Franqueado – quanto à viabilidade ou não de seu ingresso na rede e quando à perenidade e prognósticos da operação de determinada unidade em determinada região e nicho mercadológico.
É justamente essa expertise – essa minimização do risco
operacional e empresarial – que interessa ao Franqueado quando procura uma rede de franquia ao invés de se aventurar em um negócio próprio. Infelizmente, não é o que está se verificando – com raras exceções - no sistema de franquia no Brasil, que se distanciou muito daquele que é aplicado em outros países. Essa distância entre aquilo que se espera do sistema e o que realmente ocorre na prática na relação entre Franqueadores e Franqueados fica evidenciado pelo crescente número de ações judiciais em que se discutem os contratos de franquia – tanto em sua fase pré-contratual como na fase de operação do negócio e condições de rescisão contratual.
Esses constantes embates judiciais e extrajudicias entre Franqueador e
Franqueados deixam claro a fragilidade e imaturidade do sistema de franchising em nosso país e a pouca intervenção de órgãos que deviam atuar na intermediação e solução de conflitos – mas que se afastaram do escopo inicial - e passaram a ser meros promotores de marketing de Franqueadores preocupados única e exclusivamente com a venda de mais e mais unidades franqueadas e menos e menos com o resultado operacional de cada uma delas. É difícil acreditar que operadores de Direito ou qualquer pessoa leiga ainda não tenham percebido que o Franqueado não possui as mesmas condições técnicas, culturais, econômicas, mercadológicas, nem o mesmo acesso aos sistemas e informações e expertise comercial, que o Franqueador.
Essa disparidade técnica, entre outros fatores empresariais,
evidentemente, denotam a sua manifesta e incontroversa posição de dependência em relação ao Franqueador, que é efetivo detentor da expertise do sistema e do negócio propriamente dito e, que, infelizmente, muitas vezes, não cumpre com sua “propaganda” (feita na hora da “venda” da franquia) nem com o contrato no que se refere a transferência de know how, suporte e assistência ao Franqueado. É justamente aí que reside a hipossuficiência técnica do Franqueado que não pode mais ser ignorada pelo mundo jurídico nem pelo mundo empresarial. E essa “hipossuficiência ou vulnerabilidade”, é preciso deixar claro, não tem o mesmo condão da hipossuficiencia e vulnerabilidade do consumidor, insculpido no CDC. Essa hipossuficiência e vulnerabilidade, aqui, no presente caso em tela, equivale, tecnicamente falando à Subordinação Empresarial e Assimetria da Relação Contratual.
Este outro instituto jurídico que explica a dependência do Franqueado
para com seu Franqueador, que o coloca em situação desvantajosa e que tem origem contratual é que caracteriza a sua SUBORDINAÇÃO EMPRESARIAL E ASSIMETRIA DA RELAÇÃO CONTRATUAL, e que, por esses motivos, justificam a inversão do onus probandi nos processos judiciais envolvendo a dicussão do contrato de franshing. Isso porque essa parceria, essa relação “ganha-ganha” para organização empresarial, ao qual se compromete o Franqueador, através de um Contrato (complexo) de Franquia, deve, obrigatoriamente, se desdobrar sob três aspectos essenciais que envolvem a gênese do sistema: - O Management: caracterizado pelos estudos prévios, pela pesquisa mercadológida de viabilidade, caracterizado pela transferência pelo Franqueador de tecnologia e know how relativo à logistica e estruturação - sistema de controle de estoque, de custos e treinamento de pessoal e diretrizes da operação do negócio propriamente dita; - O Engineering: pelo constante suporte, pela assistência e know how pertinente à organização do espaço (ponto comercial e layout) onde será implantado o estabelecimento ou a operação dos serviços a serem oferecidos pelos Franqueado; e - O Marketing: cujo conteúdo diz respeito às técnicas de colocação do produto ou serviço junto ao consumidor, o cuidado com a marca no mercado, incluindo, mas não estando restrito aos conteúdos de publicidade (nas mais variadas mídias). Esses três aspectos do contrato de franquia – em última análise, representam a expertise obrigatória do Franqueador – aquilo que o candidato a Franqueado busca ao escolher uma marca já constituída no mercado ao invés de montar um negócio próprio.
Portanto, ao contrário do alguns leigos pensam, o “risco do negócio” é
muito mais do Franqueado do que do Franqueador, pois é ele o detentor da expertise do negócio. Ao contrário do que se prega no resto do mundo, a o franqueaodor não pode simplesmente resumir suas obrigaçes à a concessão dos dieitos de uso da Marca para o novo Franqueado, pois o fundamento da cobrança e pagamento dos Royalties (remuneração acertada contratualmente) está na concessão do uso da Marca e do know how que compõe o “pacote” dos serviços que foram adquiridos pelo Franqueado e que são obrigações da franquedora. Assim a qualquer clausula ou disposição constante em condições gerais ou documentos congêneres do Franqueador que o isente totalmente de qualquer responsabilidade por insucesso do negócio da unidade franqueada é nula de pleno direito, uma vez que se trata de contrato de adesão em que estão presentes os institutos da SUBORDINAÇÃO EMPRESARIAL E ASSIMETRIA DA RELAÇÃO CONTRATUAL que devem ser reconhecidos judicialmente. Afinal, se a franquedora não pretende se comprometer com o sucesso das unidades de sua Marca, melhor optar por qualquer outra modalidade de contrato prevista legalmente, como por exemplo a simples representação comercial ou a licenciamento de marca.
Contrato de franquia implica em compromisso “ganha-ganha”. Se, em
seu bojo contratual, há previsão de cobrança de royalties, taxa de fundo de promoção, compra mandatória, padronização de layout, fornecedores homologados e tantos outros requisitos característicos do contrato de franquia, então, não pode simplesmente deixar o seu Franqueado a “Deus dará” – isentando-se de responsabilidade em caso de insucesso e ainda por cima, impondo-lhe multas abusivas em caso de rescisão do termo contratual. O que não se pode perder de vista nessa discussão e na validação dessa nova tese jurídica é que a simples “venda” de unidade franqueada não configura o contrato de franquia, sendo elementos indispensáveis do contrato (inclusive justificadores da cobrança dos royalties):
I) Prestação efetiva dos serviços de organização (fase pré-contratual) e
administração empresarial (fase pós-contratual), e II) Acesso a um conjunto de informações, técnicas e conhecimentos, detidos pelo Franqueador, que irá efetivamene viabilizar a minoração dos riscos e a majoração dos lucros da unidade do Franqueado. Como alhures dito, a venda do Engeneering, do Management e do Marketing, que, repita-se, É DE DOMÍNIO TOTAL DA FRANQUEADORA, e de “trato continuado” - faz com que o Franqueado SUBORDINE-SE TOTALMENTE, não podendo decidir nada por si só, nem na aquisição da unidade nem durante a operação do negócio. Essa subordinação técnica e empresarial é tamanha que vai desde a organização funcional e física da Unidade Franqueada (ponto comercial e instalações), até o “como proceder” dos empregados, pois, o treinamento inicial da equipe do Franqueado é (ou pelo pemos deveria ser) responsabilidade dos prepostos da Franqueadora, que afinal de contas é a detentora do know how de atendimento para aquele produto/serviço específico. Importante ainda notar que esse instituto de subordinação empresarial é inerente à todo e qualquer Contrato de Franquia. Por outras palavras, inexiste sistema de franshing sem tal característica. A subordinação do Franqueado à Franqueadora – sua hipossuficiência – é indispensável à prórpia eficiência e padronização dos serviços de organização empresarial que a rede Franqueadora vende tanto ao consumidor final como a outros Franqueados. Portanto, não há como não reconhcê-la judicialmente e, por conseguinte, não aplicar a inversão do ônus da prova nas demandas jub judice seria uma incoerência técnica. Um estudo um pouco mais apurado – do ponto de vista jurisprudencial - sobre o tema, infelizmente, denotam, ainda, um certo desconhecimento dos Magistrados, certamente por conta da relativa contemporaneidade da tese da subordinação empresarial e assimetria contratual. Inobstante, aos poucos, a jurisprudência já caminha no sentido de reconhecer tal hipossuficiência, tanto que alguns Juízes tem se posicionado favoravelmente à inversão do ônus da prova em favor do Franqueado, uma vez que comprovada sua vulnerabilidade inclusive concedendo a suspensão da cobrança de taxas e royalties para o Franqueado que pretende a rescisão do contrato por culpa da Franqueadora. Veja-se, à guisa de exemplos, as seguintes decisões:
RESCISÃO DE CONTRATO DE FRANQUIA C. C. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRATA-SE DE AÇÃO ORDINÁRIA EM QUE OS AUTORES VISAM À RESCISÃO CONTRATUAL, DEVOLUÇÃO DE "TAXA" DE FRANQUIA, LUCROS CESSANTES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAM DESCUMPRIMENTO, PELAS RÉS, DE CONTRATO DE FRANQUIA ENTRE ELES HAVIDO, INOBSERVÂNCIA LEGAL NA FASE PRÉ-CONTRATUAL E AUSÊNCIA DE ASSESSORIA POR PARTE DA FRANQUEADORA. AS RÉS RESISTEM ALEGANDO, EM SÍNTESE, QUE A CULPA PELO FRACASSO DO NEGÓCIO É DOS AUTORES, EM RAZÃO DE FALTA DE PROGRAMAÇÃO E MÁ ADMINISTRAÇÃO DELE. NÃO HÁ PRELIMINARES ARGUIDAS. PRESENTES OS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E CONDIÇÕES DA AÇÃO, DOU O FEITO POR SANEADO. FIXO COMO PONTOS CONTROVERTIDOS A AFERIÇÃO DA CULPA PELA DERROCADA DOS AUTORES NO EMPREENDIMENTO PROPOSTO; SE A RÉ CUMPRIU COM AS FORMALIDADES EXIGIDAS PELA LEI N. 8.955/94 (LEI DE FRANQUIA) NA FASE PRÉ-CONTRATUAL E NO MOMENTO DA CONTRATAÇÃO; E SE OS AUTORES PAUTARAM-SE DE ACORDO COM O CONTRATO CELEBRADO COM AS RÉS. NA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA, INCUMBIRÁ À RÉ A PROVA DE QUE CUMPRIU COM O ESTABELECIDO NA LEGISLAÇÃO PERTINENTE (LEI DE FRANQUIA E CÓDIGO CIVIL), NA FASE PRÉ-CONTRATUAL E NA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO, RECONHECENDO-SE, NESSE PONTO, A HIPOSSUFICIÊNCIA DOS AUTORES. POR OUTRO LADO, CABERÁ A ESTES A PROVA DE QUE, A PARTIR DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO, PAUTARAM-SE DE ACORDO COM SUAS CLÁUSULAS, NO DESENVOLVIMENTO DO NEGÓCIO. DEFIRO A PRODUÇÃO DA PROVA ORAL EM AUDIÊNCIA QUE FICA DESIGNADA PARA O PRÓXIMO DIA 9 DE OUTUBRO DE 2014, ÀS 14:30H.. NOS TERMOS DO ART. 407 DO C. P. C., AS PARTES DEVERÃO OFERTAR O ROL DE SUAS TESTEMUNHAS EM ATÉ 10 (DEZ) DIAS CONTADOS DA INTIMAÇÃO DESTE DESPACHO E RECOLHER AS "DILIGÊNCIAS" PARA INTIMAÇÃO DE SUAS ADVERSAS A PRESTAREM DEPOIMENTO PESSOAL, CASO ISSO TENHA SIDO EXPRESSAMENTE REQUERIDO. SEM PREJUÍZO, DEPREQUE-SE A OITIVA DAS TESTEMUNHAS DOS AUTORES, JÁ ARROLADAS (FLS. 594), CABENDO A ELES A DISTRIBUIÇÃO DA MEDIDA NO JUÍZO DEPRECADO, COMPROVANDO-SE NOS AUTOS A EFETIVAÇÃO DA PROVIDÊNCIA. INT. DATA: 25.08.2014. PUBLICAÇÃO: 02.09.2014. JUIZ DIRCEU BRISOLLA GERALDINI. PROCESSO Nº1008826- 90.2013.8.26.0309. 6ª VARA CIVEL DA COMARCA DE JUNDIAÍ. VISTOS ETC. DEFIRO O BENEFÍCIO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA AOS AUTORES. TRATA-SE DE APRECIAR PEDIDO LIMINAR FORMULADO EM AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS … POSTULAM, EM SEDE LIMINAR: A) A EXIBIÇÃO DA COF ORIGINAL BEM COMO DO CONTRATO DE FRANQUIA ORIGINAL DAS LOJAS QUE SÃO FRANQUEADOS; B) A LIBERAÇÃO PARA COMPRA DE PRODUTOS DIRETAMENTE COM FORNECEDORES DA PREFERÊNCIA DOS DEMANDANTES, ATÉ JULGAMENTO FINAL; C) A SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DOS ROYALTIES E TAXAS DE PUBLICIDADE; D) AUTORIZAÇÃO PARA CONTINUIDADE DE ATUAÇÃO NO MESMO PONTO COMERCIAL ENQUANTO PERDURAR O PROCESSAMENTO DA DEMANDA E E) QUEBRA DA CLÁUSULA DE BARREIRA. É O BREVE RELATO. DECIDO. COMPULSANDO OS AUTOS E A DOCUMENTAÇÃO ACOSTADA COM A INICIAL, VERIFICO SER POSSÍVEL O DEFERIMENTO PARCIAL DA LIMINAR PLEITEADA, PARA O FIM DE DETERMINAR QUE OS DEMANDADOS APRESENTEM, QUANDO DO OFERECIMENTO DE CONTESTAÇÃO, A COF ORIGINAL BEM COMO OS CONTRATOS DE FRANQUIA ORIGINAIS DAS LOJAS QUE OS AUTORES SÃO FRANQUEADOS. (...) INTIMEM-SE. CITEM-SE. DIL. LEGAIS. PORTO ALEGRE, 5 DE JUNHO DE 2013. 2ª VARA CÍVEL 2ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE NOTA DE EXPEDIENTE Nº 2209/2013 001/1.13.0085518-6 (CNJ 0097549- 94.2013.8.21.0001). VISTOS. CUIDA - SE DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE ANULABILIDADE OU RESILIÇÃO CONTRATUAL, ONDE AS AUTORAS PEDEM, LIMINARMENTE, QUE SEJA DESDE LOGO DECLARADA A ANULABILIDADE DA AVENÇA, OU SUA RESCISÃO. TAMBÉM, QUEREM O AFASTAMENTO DA CLÁUSULA DE BARREIRA, INERENTE AO CONTRATO DE FRANQUIA, QUE AS IMPEDE DE VENDER MERCADORIAS DE OUTRAS MARCAS, BEM COMO, A SUSPENSÃO DE COBRANÇA DE ROYALTIES ULTIMAMENTE IMPOSTA POR AÇÃO DA EMPRESA RÉ. SUSTENTA A PARTE AUTORA QUE O CONTRATO DE FRANQUIA FIRMADO ENTRE AS PARTES É ANULÁVEL PORQUE A CARTA DE OFERTA DE FRANQUIA QUE ENSEJOU A CONTRATAÇÃO NÃO FOI FEITA COM RESPEITO AO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 4º, DA LEI 8.955/94. AFIRMA NÃO TER MAIS INTERESSE NO NEGÓCIO FIRMADO ENTRE AS PARTES, QUAL SEJA, O CONTRATO FRANQUIA DA MARCA DE ROUPAS E CALÇADOS (OMISSIS), POIS A FRANQUEADORA EXIGIU, NA REALIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO PELA FRANQUEADA, INVESTIMENTO SUPERIOR AO PACTUADO. INVOCA A EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO, FALANDO QUE A FRANQUEADORA TEM SIDO OMISSA COM SUAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS, AO DEIXAR A FRANQUEADA DESGUARNECIDA DE MERCADORIAS DE BOA VENDAGEM, ENVIAR ROUPAS E CALÇADOS COM DEFEITOS, ALÉM DE RETIRAR O CARÁTER DE EXCLUSIVIDADE DA FRANQUIA AO REALIZAR VENDAS DIRETAS, POR PREÇO INFERIOR ÀQUELE SUPORTADO PELOS FRANQUEADOS, ATRAVÉS DA INTERNET. ARGUMENTA QUE A RÉ TEM IMPOSTO O INJUSTO PAGAMENTO ROYALTIES MESMO SEM TRANSFERIR O KNOW HOW NECESSÁRIO AO DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE. ACRESCENTA QUE, EM VIRTUDE DA ATITUDE DANOSA DA RÉ, TEM PASSADO POR GRAVES DIFICULDADES NA CONTINUIDADE DO EMPREENDIMENTO E NECESSITA DE MERCADORIAS DE QUALIDADE PARA APARELHAR SUA LOJA, COISA QUE A RÉ NÃO TEM LOGRADO APRESENTAR. DE PLANO NÃO VISLUMBRO ALGUM CARÁTER DE ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO, ATÉ PORQUE, O PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 4º, DA LEI 8.955/94 É MERAMENTE ORIENTATIVO NA ELABORAÇÃO DA ESPÉCIE DE CONTRATO EM TESTILHA, NADA IDENTIFICANDO O CASO DOS AUTOS COM AS HIPÓTESES DO ART. 138 E SEGUINTES DO CC. TODAVIA, INDEPENDENTEMENTE DA ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL POR QUALQUER DAS PARTES, OS CONTRATANTES TEM TOTAL LIBERDADE PARA REALIZAR UM NEGÓCIO JURÍDICO, BEM COMO PARA DESFAZÊ-LO, SE ASSIM FOR DE SUA VONTADE, BASTANDO EFETUAR A NOTIFICAÇÃO À OUTRA PARTE, CONFORME DISPÕE O ART. 473 DO CC. (...) CONTUDO, NO QUE CONSERNE AO PEDIDO DE SUSPENSÃO DAS COBRANÇAS DE ROYALTIES FUTUROS, ENTENDO POSSÍVEL O PLEITO, DADO QUE AQUI FOI MANIFESTADA A INTENÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL, ANTE A EXISTÊNCIA DE EXCESSIVA ONEROSIDADE NA CONTINUIDADE DO CONTRATO. CONCERNENTE A CLÁUSULA DE BLOQUEIO (CLÁUSULA 2.2.1 DO CONTRATO), SUA VIGÊNCIA PODE SER SUSPENSA DESDE QUE A PARTE AUTORA DEIXE DE OPERAR COM O NOME DA MARCA DA FRANQUEADORA. DE EFEITO, QUANTO A ESTES PONTOS ESTARIAPRESENTE PRESENTE O FUMUS BONI IURIS, A JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DA MEDIDA LIMINAR, DEVENDO, NO MAIS SER OBSERVADAS AS CLÁUSULAS DO CONTRATO DE FRANQUIA PACTUADO ATÉ QUE SEJA DEFINITIVAMENTE RESCINDIDO. VEJO TAMBÉM POSSÍVEL QUE AS MERCADORIAS AINDA PRESENTES NA LOJA SEJAM VENDIDAS, ATÉ PORQUE, A PRÓPRIA RÉ TERIA RETIRADO A EXCLUSIVIDADE DAS FRANQUIAS AO OPERAR COM VENDAS NA INTERNET (FLS. 237/245). DESSA FORMA, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO LIMINAR, SOMENTE PARA DETERMINAR QUE A RÉ SE ABSTENHA DE COBRAR DAS AUTORAS FUTUROS ROYALTIES DO CONTRATO RESCINDENDO, BEM COMO, PERMITIR QUE A PARTE AUTORA COMERCIALIZE MERCADORIAS DE OUTRAS MARCAS, DESDE QUE DEIXE DE GIRAR SOB A DENOMINAÇÃO DA MARCA (omissis). RETIFICADA A AUTUAÇÃO, CITE SE E INTIMEMSE...? OFÍCIO À DISPOSIÇÃO DA PARTE AUTORA. PORTO ALEGRE, 4 DE NOVEMBRO DE 2015. FORO CENTRAL 8ª VARA CÍVEL 8ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE NOTA DE EXPEDIENTE Nº 3271/2015 001/1.15.01604806 (CNJ 023177650.2015.8.21.0001).
Os exemplos acima referidos são apenas alguns dos muitos que
demonstram que os juízes estão começando a entender a forma como alguns Franqueadores estão operando no país e a fragilidade da posição do Franqueado perante o sistema.
Tanto é verdade que muitas das franquias estão associadas e possuem
Selo de Excelência junto a Associação Brasileira de Franchising (ABF) – que se propõe justamente a estabeler padrões para a prática de franchising no Brasil, de modo a moralizar o mercado e garantir a seriedade do sistema, mas, curiosamente respondem judicialmente a diversas ações propostas por Franqueados lesados na Justiça. Não seria esse um grave um contrasenso a ser considerado pelo mercado e pelo Judiciário isso estar ocorrendo no Brasil? É necessário aprofundar esse debate. A verdade é que, sob os olhos do “mercado de franshing”, uma parte dos Franqueadores não comprometidos com a seriedade do sistema estão se utilizando da “febre mercadológica das microfranquias” como como verdadeiro laboratório de idéias: criam uma marca, ingressam no sistema sem estrutura adequada para atender seus Franqueados, se associam à ABF, vendem dezenas de unidades que diante da falta de suporte e assistência do Franqueador acabam “falindo”, cobram multas abusivas dos Franqueados e, não satisfeitos, quando deparados com o ajuizamento de demandas judiciais em seu desfavor, abrem uma nova empresa, criam uma nova marca, novamente se associam à ABF, iniciando assim, um novo ciclo.
Existem alguns Projetos de Lei, em especial o de nº 3.234/2012, cuja
proposta inicial é revogar a Lei de Franquias até então em vigor trazendo maior segurança ao modelo de franquia empresarial. Contudo, estamos falando de propostas ainda sem previsão de aprovação, quanto menos entrada em vigor. Por isso, o Judiciário não pode deixar de dispor de instrumentos de proteção dos interesses da parte mais fraca – no caso, o Franqueado.
É com isso em vista que os Doutrinadores da matéria não podem deixar
de dedicar-se à criação de novas teses jurídicas que estabeleçam maior equidade no tratamento entre Franqueador e Franqueado – enquanto os Magistrados precisam estar mais atentos à relidade fática que permeia a relação e o sistema de franquia no Brasil. Sem esse cuidado, sem esse aprofundamento no estudo de novos institutos jurídicos, sem a coragem e a tenacidade necessárias para enfrentar a matéria de forma realmente zetética e não apenas dogmática estaremos fadados a nos submeter a uma lei morta em nosso ordenamento jurídico.
Deixar de reconhecer a hipossuficiência e a subordinação do Franqueado
perante a franquedora e a consequente inversão do onus probandi nos processos judiciais que envolvem essa tumultuosa relação é colocar uma verdadeira pá de cal num tema que ainda precisa ser muito discutido e estudado para o fim de obtenção da verdadeira Justiça. COM INFORMAÇÕES DA ASSESSORIA DE IMPRENSA