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Epilepsia do Lobo Temporal

Vanessa Nicola Labrea¹, Lucca Pizzato Tondo¹, Eduardo Beck Paglioli Neto¹, Gabriel Leal
Carvalho¹, Vitória Pimentel da Silva¹, Nicole Bernd Becker¹, Giovana Breitenbach
Benvegnu¹, Victor Franzen Neumann¹, Eliseu Paglioli Neto², Thomas Frigeri3
¹ Acadêmico(a) da Escola de Medicina da PUCRS.
² Médico e Professor da Escola de Medicica na PUCRS.
3
Médico do Serviço de Neurocirurgia do Hospital São Lucas da PUCRS.

Resumo
Objetivos: O presente artigo almeja revisar e descrever de maneira objetiva evidências acerca
dos principais aspectos da Epilepsia de Lobo Temporal, destacando sua apresentação clínica,
a abordagem diagnóstica necessária e o manejo terapêutico. Com isso, almeja-se fornecer
informação atualizada para auxílio do manejo adequado da doença. 
Método: Realizou-se uma revisão de literatura utilizando dois bancos de dados - PubMed e
SciELO - para selecionar de artigos relevantes acerca do tema, publicados entre janeiro de
2010 e outubro de 2020. 
Resultados: As crises da epilepsia de lobo temporal variam devido à diferentes localizações
do foco epiléptico dentro do lobo temporal, à intensidade da descarga elétrica local, e à sua
extensão tanto lobar como para outras regiões do cérebro. Até metade dos pacientes com
epilepsia apresentam alguma condição cognitiva ou psiquiátrica, o que é tão prejudicial ao
paciente e a sua família quanto a própria epilepsia. As drogas antiepilépticas atuais reduzem
as crises epilépticas recorrentes, mas não se dirigem às condições neuropsiquiátricas. Isso
evidencia a necessidade de uma abordagem completa dos pacientes. A epilepsia é definida
como refratária quando não há melhora com pelo menos dois tratamentos adequados em
relação a medicações e a doses. É importante atentar para a resposta inicial ao tratamento,
pois ela indica o prognóstico do paciente, ou seja, quando não ocorre melhora inicial, há uma
baixa chance de controlar as crises.
Conclusões: É relevante que todo médico, independente de sua especialidade, saiba
identificar e diagnosticar um quadro de epilepsia, bem como que conheça a primeira linha de
tratamento farmacológico e de quando referenciar para um neurologista.
Palavras-Chave: Epilepsia; Lobo Temporal; Semiologia; Diagnóstico; Terapêutica. 

Abstract
Aims: This study aims to objectively review and describe evidence concerning the most
relevant aspects of Temporal Lobe Epilepsy, highlighting its clinical presentation, the
necessary diagnosis and the therapeutic management. The major intention is to provide
updated data to contribute with the correct approach of the disease. 
Methods: A literature review was conducted utilizing two databases (PubMed and SciELO)
to identify relevant articles about the subject published between january 2010 and october
2020.  
Results: Seizures of temporal lobe epilepsy vary due to the different locations of the epileptic
focus within the temporal lobe, the intensity of the local electrical discharge, and its extent
both lobar and to other regions of the brain. Up to half of patients with epilepsy have some
cognitive or psychiatric condition, which is as damaging to the patient and his family as
epilepsy itself. Current antiepileptic drugs reduce recurrent epileptic seizures, but do not
address neuropsychiatric conditions. This highlights the need for a complete approach to
patients. Epilepsy is defined as refractory when there is no improvement with at least two
appropriate treatments in relation to medications and doses. It is important to pay attention to
the initial response to treatment, as it indicates the patient's prognosis, that is, when there is no
initial improvement, there is a low chance of controlling crises.
Conclusions: It is relevant that every doctor, regardless of his specialty, knows how to
identify and diagnose a condition of epilepsy, as well as that he knows the first line of
pharmacological treatment and when to refer to a neurologist.
Keywords: Epilepsy; Temporal Lobe; Semiology; Diagnosis; Therapeutics. 

INTRODUÇÃO
Epilepsia é uma doença crônica do sistema nervoso central caracterizada pela recorrência de
eventos paroxísticos de comportamiento estereotipado causados por descargas neuronais
descontroladas(1). Devido ao seu caráter crônico e de difícil controle, e potencialmente
incapacitante, ela é responsável por 0,5% dos anos de vida ajustados por doença (DALY, uma
métrica que reflete o impacto da doença na população ao longo do tempo) de todas doenças e
5% dos DALY das doenças neurológicas(2). A prevalência ao longo da vida estimada de
epilepsia na população mundial é de 5,18 a 8,75 a cada 1.000 habitantes, com uma incidência
anual de 64.3 casos a cada 100.000 habitantes(3). A epilepsia de lobo temporal é uma
síndrome específica dentro das epilepsias de início focal, caracterizada por automatismos,
comprometimento da consciência e áureas emocionais, cognitivas ou interoceptivas(4). Seu
pico de incidência ocorre na população adulta, na qual estima-se ser a principal forma de
epilepsia(5). Além disso, a epilepsia do lobo temporal é caracterizada por uma alta taxa de
refratariedade ao tratamento farmacológico, sendo a principal forma de epilepsia encontrada
em programas de cirurgia da epilepsia(5). Em linhas gerais, a epilepsia é uma condição
secundária a um distúrbio base, cuja etiologia pode ser estrutural, genético, infeccioso,
metabólico, imune ou desconhecido , e a epilepsia de lobo temporal tem como principais
etiologias a esclerose hipocampal, tumores, malformações vasculares ou gliose reativa a
trauma ou infecção(6). 
APRESENTAÇÃO CLÍNICA 
As crises da epilepsia de lobo temporal variam em tipos, gravidade e complexidade. Os
fatores que justificam isso são a localização do foco epiléptico dentro do lobo temporal, a
intensidade da descarga elétrica local, e a sua extensão tanto lobar como para outras regiões
do cérebro. A despeito dessa variabilidade inerente, elas costumam tornar-se estereotipadas ao
longo da vida de cada paciente(7). Nos termos da atual classificação(1), pode-se dizer que as
crises da ELT são predominantemente focais perceptivas (antes chamadas de “crises parciais
simples”, referem-se à ausência da perda de consciência) de início não motor, podendo essa
ser a única manifestação da doença por anos e ocorrer de forma isolada, ou preceder o
surgimento de crises focais disperceptivas (antigamente, “crises parciais complexas”).
A sintomatologia inicial frequentemente inclui alterações que podem ser de cunho (a)
somatossensorial/sensorial especial, (b) cognitivo/afetivo e/ou (c) autonômico. Tais primeiros
sintomas são atualmente considerados como integrantes da própria crise focal. Embora não
mais se mencione o termo na classificação vigente, a literatura e a prática clínica continuam
se referindo a esses primeiros sintomas como “aura”. Auras, ou manifestações primordiais da
crise, são extremamente frequentes em crises epilépticas de lobo temporal, ocorrendo em
aproximadamente 80% dos casos(8). 
Quando se trata de uma aura (a) somatossensorial ou sensorial especial, pode se apresentar
uma clássica sensação de desconforto epigástrico ascendente em direção ao pescoço. Além
disso, podem ocorrer alterações gustativas como a experiência de um sabor desagradável na
boca, sendo essas distorções possivelmente relacionadas a descargas nas regiões do uncus e
da amígdala(9). Uma súbita sensação de odor forte é considerada por alguns autores como a
aura mais comumente relatada em epilepsia do lobo temporal(10). Também muito usuais são
as alterações auditivas e de equilíbrio(11), podendo o paciente ouvir repentinamente ruídos,
rangidos, sons de vozes, abafamento do barulho ambiente ou relatar uma repentina vertigem
transitória. 
Já o início de crise focal de aspecto (b) cognitivo/emocional inclui uma mudança rápida de
humor, podendo variar de medo, raiva, ansiedade, espantamento até prazer intenso(12) -
provavelmente relacionada, topograficamente, às regiões do hipocampo e da amígdala.
Sintomas neuropsiquiátricos como despersonalização ou desrealização também podem estar
presentes. Muito relatado é o sentimento de familiaridade ou estranheza que o paciente sente
com o seu entorno - o déjà vu e o jamais vu. Distúrbios de memória como a vivacidade
realística de episódios do passado por um breve período (memória panorâmica) ou a sensação
de que o tempo está passando veloz ou vagarosamente podem ocorrer. Ilusões visuais, embora
possam ser confundidas como sintomas da epilepsia de lobo occipital, não costumam
englobar formações de imagens mais sofisticadas como pessoas ou rostos, e sim alterações
com relação à forma, distância e principalmente tamanho (macropsia e micropsia) de objetos. 
Por último, o começo de crise de tipo (c) autonômico inclui, por exemplo, mudanças na
frequência cardíaca ou respiratória, o que pode ser inferido pela identificação de rubor,
palidez, piloereção. Após o surgimento de algum ou alguns dos conjuntos supracitados de
manifestações mais características, a crise epiléptica do lobo temporal pode permanecer como
focal perceptiva, durando de alguns segundos até poucos minutos, ou pode evoluir para uma
crise focal disperceptiva. Com a perda de consciência de si e seu entorno, o paciente costuma
apresentar olhar fixo e ficar sem resposta verbal a chamados, possivelmente com pupilas
dilatadas, no estado que se chama de parada comportamental. 
Em outros casos, pode apresentar fenômenos motores e comportamentais chamados de
automatismos. Os automatismos mais emblemáticos da ELT são os oromandibulares e
manuais. Observa-se movimentos de mastigar, engolir, morder os lábios, fazer caretas, coçar
ou esfregar a região abdominal, remetendo a uma espécie de acompanhamento motor de uma
alteração sensorial como a gustativa ou olfatória. Movimentos manuais como tentativas de
agarrar ou arrancar algo também parecem associar-se aos fatores sensoriais. Há também
movimentos de inquietude quanto à posição de seu corpo no espaço. A presença dos
automatismos está frequentemente associada a distúrbios de fala, especialmente iteração e
afasia(13). Já em sua forma mais grave e menos frequente, o paciente evolui com uma crise
motora tônico-clônica bilateral (antes chamada de “crise secundariamente generalizada”). 
O período ictal das crises pode durar poucos minutos e ser seguido de uma fase mais longa
(horas) de confusão mental. Quando no estado confusional pós-ictal, o paciente
caracteristicamente apresenta um comportamento que ao primeiro olhar parece dotado de
propósito, e no entanto se revela como inapropriado para o momento aos olhos de quem o
observa. Por exemplo, engaja-se no ato de desabotoar botões, abrir portas de um armário,
reorganizar os móveis, escalar uma cerca(9). Quanto ao componente amnésico dessa
epilepsia, relata-se que quanto mais severas são as crises, menor é a porcentagem de sintomas
da aura rememorados pelo paciente. Quando o EEG ictal demonstra alterações bilaterais,
cerca de 70% das auras são lembradas, já quando o EEG não apresenta alterações ou
apresenta alterações unilaterais, há lembrança em 94-97% dos casos acerca dos sintomas
iniciais da crise(14). 
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da Epilepsia de lobo temporal é clínico. Então, deve ser conduzida uma
anamnese minuciosa pelo médico para avaliar os sintomas e o histórico do paciente. O médico
precisa ouvir os relatos das crises do paciente, sendo elas relatadas pelo próprio paciente e/ou
por uma testemunha para avaliar como ocorrem as crises. Além disso, também deve-se
realizar testes neurológicos para avaliar o estado mental do paciente. Por fim é de extrema
importância realizar testes laboratoriais no paciente para descartar que a causa para as crises
convulsivas seja por crises metabólicas ou abuso de substâncias(7).
O Eletroencefalograma é de suma importância no diagnóstico das epilepsias, visto que
fornece sinais de disfunção neuronal e atividade epileptiforme durante o período das crises
(ictal) e o período em que o paciente se encontra assintomático (interictal). Entretanto, alguns
pacientes portadores de quadro clínico de epilepsia apresentam EEGs de rotina repetidamente
normais. Assim, um EEG normal ou anormal inespecífico não exclui o diagnóstico de
epilepsia(15). 
A diferenciação entre elementos epileptiformes e não epileptiformes nem sempre é simples, e
um dos fatores mais importantes para isso é a experiência do eletroencefalografista. Dentro
das características da atividade epileptiforme está a assimetria da onda, a qual costuma
apresentar ascensão aguda e segunda fase mais lenta. Ademais, as ondas agudas e espículas
epileptiformes frequentemente são seguidas de ondas lentas de mesma polaridade ou
polaridade oposta, além de serem bifásicas ou trifásicas, enquanto a atividade não
epileptiforme é monofásica. Por fim, a atividade epileptiforme difere em sua duração da
atividade de fundo normal do paciente(15).
Na epilepsia do lobo temporal, por sua vez, o traçado encefalográfico interictal costuma
mostrar ondas agudas de baixa a média amplitude, ou ondas lentas, isoladas ou em trens, nos
eletrodos temporais (F7, F8, T3, T4, T5, T6), zigomáticos ou esfenoidais. Podem ser
unilaterais ou bilaterais, associadas à atividade de fundo normal ou com lentificação em
região temporal. Hiperventilação pode acentuar a anormalidade lenta, não epileptiforme.
Fotoestimulação não altera o traçado(15). Atividade delta rítmica nas regiões temporais tem
valor localizatório e representa anormalidade epileptiforme focal distante dos eletrodos de
escalpo(16). Ainda assim, o registro Ictal do EEG é um componente de suma importância nos
protocolos pré-operatórios para consideração cirúrgica. Vários ritmos ictais foram descritos,
incluindo atenuação de fundo, fenômeno start-stop-start, atividade lateralizada irregular de 2-
5 Hz e ondas sinusoidais de 5-10 Hz ou descargas epileptiformes repetitivas(17). Quando os
pacientes estão sendo considerados para cirurgia de ressecção, registros de EEG invasivo
podem ser necessários, visto que a localização precisa do início das crises é essencial para o
tratamento cirúrgico bem-sucedido(18). 
Neuroimagem
Devem ser feitos em todos pacientes com diagnósticos novos de epilepsia e também naqueles
que não respondem de forma adequada ao tratamento, sendo, assim, possíveis candidatos para
tratamento cirúrgico.  Só não se torna necessária a neuroimagem  em casos de formas típicas
de epilepsia generalizada primária ou epilepsias focais autolimitadas da infância com clínica e
EEG característicos e resposta adequada às drogas antiepilépticas(19).
Ressonância magnética (RM)
Tem importância fundamental no diagnóstico das epilepsias. Por possuir grande sensibilidade
e especificidade, permite a identificação de lesões epileptogênicas no parênquima cerebral. É
de grande valia para a indicação e planejamento cirúrgico. É muito importante no diagnóstico
de displasias corticais, esclerose hipocampal , tumores, malformações vasculares e regiões
isquêmicas(20).
Tomografia computadorizada
Possui a vantagem de estar disponível em grande parte dos serviços, ter baixo custo e ser de
rápida utilização. É o exame de imagem ideal para urgências. Pode detectar tumores,
malformações arterio venosa, acidentes vasculares e é sensível para detecção de lesões
calcificadas. Não  possui boa sensibilidade para detectar pequenas lesões corticais nem na
região temporal medial. A capacidade da tomografia computadorizada de detectar lesões em
epilepsias focais é baixa(19).
Tomografia por emissão de pósitrons
As imagens do PET com glicose marcada podem demonstrar hipometabolismo focal ou
regional coincidente com a área epileptogênica, sobretudo em epilepsias do lobo temporal. É
útil na investigação de zonas epileptogênicas em que a RM é normal, em que o paciente
possui múltiplas anormalidades e também quando a RM e o EEG não coincidem(19).
Tomografia por emissão de fóton único (SPECT)
Não é um exame de rotina. Tem melhor sensibilidade em pacientes com epilepsia de lobo
temporal sendo esta entre 80% e 97%. O SPECT pode fornecer informações sobre mudanças
na perfusão cerebral antes, durante e depois da crise. O momento da injeção do radionuclídeo
e a duração da crise epiléptica são importantes para a interpretação correta dos resultados, o
que, muitas vezes, se torna um empecilho. O SPECT ictal mostra uma área de hipoperfusão
na região epileptogênica, cercada por uma área de hipoperfusão(20).
Avaliação neuropsicológica
É realizada uma análise de testes de QI, capacidade de memorização, percepção,
personalidade, resolução de problemas, linguagem entre outros.  Sua função é determinar o
nível de funcionamento do paciente, sugerir possível localização e lateralização da disfunção
neurológica e sugerir prognósticos pós-cirúrgicos para o paciente(15).

Figura Y. Alterações eletreencefalográficas de paciente com epilespia de lombo


temporal. Alterações mais aparentes nos eletrodos T3-T5. Imagem original cedida pelo
Dr Thomas Frigeri.
Figura X. Corte coronal de uma RNM sequência T2 mostrando esclerose hipocampal a
direita (seta vermelha). Imagem original cedida pelo Dr Thomas Frigeri.

TRATAMENTO
A epilepsia é definida pela ocorrência de crises epilépticas, mas é um distúrbio de amplo
espectro. Até metade dos pacientes com epilepsia apresentam alguma condição cognitiva ou
psiquiátrica, o que é tão prejudicial ao paciente e a sua família quanto a própria epilepsia. As
drogas antiepilépticas atuais reduzem as crises epilépticas recorrentes, mas não se dirigem às
condições neuropsiquiátricas(21). Isso evidencia a necessidade de uma abordagem completa
dos pacientes, incluindo, além do tratamento das crises epilépticas, o cuidado dos distúrbios
cognitivos e comportamentais associados(22).
Em relação ao tratamento das crises, alguns pacientes com epilepsia do lobo temporal
conseguem tê-las controladas apenas com o uso de fármacos antiepilépticos. Cerca de 40%
dos adultos com crises focais disperceptivas apresentam um controle completo das crises com
uma farmacoterapia adequada(7). No entanto, a epilepsia do lobo temporal, além de ser o tipo
de epilepsia mais comum no adulto, é também a síndrome mais comum de resistência ao
fármaco; sendo assim, a maioria dos pacientes requer tratamento cirúrgico, que é indicado em
casos de resistência ao tratamento clínico(23).
Apenas a abordagem clínica do tratamento da epilepsia é o escopo do presente capítulo.
Dentre os fármacos mais indicados estão os canais de sódio dependentes de voltagem,
inclusos a fenitoína, carbamazepina, lamotrigina, valproato ou divalproato de sódio,
oxcarbazepina e topiramato, além do levetiracetam, que é o fármaco mais recomendado como
primeira opção de tratamento(7). Em virtude desta ampla variedade de fármacos, a escolha do
mais indicado para cada paciente deve ser pautada por diversos critérios.
Tal decisão deve levar em consideração o perfil de eficácia e os aspectos subjetivos(24).
Antes de dar início ao tratamento clínico da ELT, é essencial avaliar a duração, os custos, os
riscos potenciais das drogas e a influência sobre a vida do paciente. Deve-se questionar o
início da terapia farmacológica principalmente nos pacientes que apresentam crise epiléptica
única, pois o tratamento precoce não altera o curso natural da doença, não proporcionando
benefícios ao controle das crises. Nesse caso, fármacos devem ser considerados apenas nos
pacientes que possuem fatores de risco para recorrência ou nos que as crises recidivas podem
propiciar danos ao indivíduo no seu cotidiano, como no trânsito ou no trabalho. Os fatores de
risco para a recorrência de crises englobam alterações de exame neurológico, etiologia
estrutural, crises durante o sono e atividade epileptiforme no eletroencefalograma (EEG).
Dessa forma, fica evidente que a ponderação a respeito do início do tratamento inclui diversos
fatores relevantes, que estão ligados ao prognóstico da doença e a qualidade de vida do
paciente. 
Além disso, há aspectos a serem levados em conta na interrupção do tratamento, como efeitos
adversos e potencial teratogenicidade. Os efeitos adversos podem ser dose-dependentes (a
maioria) ou idiossincráticos e podem ocorrer de forma aguda ou crônica. No entanto, o fim do
tratamento deve ser analisado com cautela, pois a ELT tem uma elevada taxa de retorno das
crises após a descontinuação de FAEs. Em geral, a retirada da droga é considerada após 2
anos sem eventos epilépticos, pois quanto maior o tempo sem crises durante a terapia, maior a
probabilidade de se manter sem elas após a interrupção dos FAEs. Assim, para a retirada do
fármaco, deve-se pesar tanto os motivos para  tal, quanto os fatores de risco para recorrência
de crises. 
Dentre os fármacos mais indicados para ELT, deve-se fazer uma seleção individualizada para
cada caso. Primeiramente, deve-se analisar as características singulares do paciente, tais quais
a presença de comorbidades - como depressão, enxaqueca, dor crônica e obesidade -, o grupo
etário, a idade fertil em mulheres e, a partir disso, considerar o perfil de efeitos adversos de
cada medicação. Em seguida, devemos estudar a apresentação de dosagem mais adequada da
droga, pois uma ou duas doses corroboram para uma maior aderência ao tratamento. O
tratamento farmacológico da epilepsia sempre deve ser iniciado com monoterapia(24), sendo
que a titulação deve ser aumentada de forma gradual até a dose máxima tolerada antes de
determinar a ineficácia da medicação. Além disso, deve-se computar os custos da medicação e
sua disponibilidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, a escolha da
farmacologia é individualizada, levando em consideração, além da eficácia, diversos critérios,
como o perfil do paciente, os efeitos adversos da droga, sua conveniência, e sua
disponibilidade.
A epilepsia é definida como refratária quando não há melhora com pelo menos dois
tratamentos adequados em relação a medicações e a doses. É importante atentar para a
resposta inicial ao tratamento, pois ela indica o prognóstico do paciente, ou seja, quando não
ocorre melhora inicial, há uma baixa chance de controlar as crises. Em casos em que a
primeira terapia foi mal tolerada ou ineficaz, deve-se iniciar uma segunda monoterapia. Mas,
em uma situação em que a primeira seja bem tolerada e relativamente eficaz, deve-se priorizar
a politerapia, sendo que a medicação adjuvante precisa ter mecanismo de ação distinto para
uma melhor resultado. Assim, uma investigação detalhada é essencial para identificar os casos
refratários precocemente, na medida em que a duração prolongada da epilepsia refratária está
associada com progressiva disfunção de memória e distúrbios psicossociais.
Como primeira escolha para o tratamento da ELT, é comumente utilizado o levetiracetam(7),
que está disponível no SUS e é um medicamento antiepiléptico de segunda geração bem
estabelecido. Ele é frequentemente utilizado como terapia adjuvante de crises parciais, e
também como monoterapia de crises parciais secundárias (25). Além disso, esse fármaco pode
ser útil quando a carbamazepina e a fenitoína se mostram ineficazes(7) e também para
cuidados paliativos de convulsões(26).
O levetiracetam tem uma boa eficácia e tolerabilidade, que se comparam favoravelmente a de
outras drogas antiepilépticas(26). Sua eficácia foi evidenciada tanto como monoterapia,
quanto em adjuvância, demonstrando controle das crises e melhora da qualidade de vida dos
pacientes(25). Esse fármaco apresenta uma absorção rápida e completa, uma alta
biodisponibilidade oral e metabolismo mínimo. Ademais, ele não tem potencial indução da
isoenzima do citocromo P450 e não está associado a interações farmacocinéticas clinicamente
significativas com outros medicamentos, incluindo outros FAEs(25); no entanto, recomenda-
se cautela com a administração simultânea de carbamazepina, metotrexato ou fenitoína devido
a relatos isolados de toxicidade em alguns pacientes(26). Também, deve-se ter cuidado em
casos de insuficiência renal ou hepática grave e realizar o ajuste de dose necessário.
Embora sejam bem relatados os efeitos adversos emergentes, a proporção de pacientes que
experimentaram esses eventos foi semelhante nos grupos de tratamento com levetiracetam e
placebo, sendo a gravidade deles de maioria leve a moderada(25). Os efeitos indesejáveis
mais comuns (>10%) são fadiga, sonolência e cefaleia(26). Vale ressaltar que os
antiepilépticos têm sido associados à ideação suicida, então, aconselha-se os pacientes a
relatar qualquer distúrbio do humor ou do pensamento. 
Em suma, percebe-se a importância do levetiracetam, sobretudo, por estar disponível
gratuitamente no sistema de saúde do país e pelos seus bons resultados no tratamento da
epilepsia do lobo temporal e na qualidade de vida dos pacientes. Deve-se atentar,
principalmente, para alguns efeitos adversos, para ideação suicida e para o ajuste de dose nos
casos de insuficiência renal e hepática grave.  Dessa forma, esse fármaco prova-se ser uma
primeira escolha adequada e efetiva para a maior parte dos casos no cenário brasileiro.
CONCLUSÃO
Em suma, a epilepsia de lobo temporal é uma doença complexa e de grande impacto na vida
do paciente. É de grande importância que todo médico, independente de sua especialidade,
saiba identificar e diagnosticar um quadro de epilepsia, bem como que tenha conhecido a
primeira linha de tratamento farmacológico e que saiba quando referenciar para um
neurologista. É importante ter em mente que a epilepsia é uma condição secundária a uma
doença de base, seja sua etiologia genética, estrutural ou metabólica. A epilepsia de lobo
temporal, especificamente, tem como uma de suas características ser de difícil tratamento
farmacológico, sendo a refratariedade ao tratamento definida como ausência de melhora das
crises mesmo após uso de dois esquemas medicamentosos adequados. Entretanto, é
importante ressaltar que nestes casos existe a possibilidade de tratamento cirúrgicos com
ótimos resultados, devendo o paciente ser adequadamente orientado e encaminhado.

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