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estudo do mance e da novela tem ido margem a uma rie de rotulagées que etendem de maneira calizada explicar certos ss de composicao. spendendo sempre da guicia momenténea ou issional do analista, ide-se rminologia. No grau de ssenvalvimento em que encontram a critica e anélise da narrativa, rece ser possivel ir im das catalogagées 8 obras em género, tilo e escolas, Parece © possivel ir um pouco vela curta, novela aga, romance histérico, ene fiom) 87 ANALSE ESTRUTURAL DE ROMANCES BRASILEIROS Oiiblicteca Particular de & Alser se nivel, mostrando que a lingua de Azevedo, em sua plurivaléncia de nacionalidades, mostra como o francés, 0 italiano, 0 portugues de Portugal, 0 falar do cortico, o falar dos saldes se mesclam cons- tituindo conjuntos que integralizam a lingua brasileira num senti- do mais amplo, Sua lingua é mestiga como seus personagens ¢ se es- palha pelo simples e pelo complexo. Por af se poderia chegar a to- car de novo no problema da ideologia que configurou 0 romance, ideologia esta que tanto mais se configura quanto mais se sabe que a arte dg Aluisio se voltava para o receptor. Sua produgao tinha um endereco certo: 0 jornal, o teatro e uma grande massa de leito- res. E parece que ele foi bem-sucedido nisto, porque teria sido 0 nosso primeiro escritor profissional, segundo afirmou Valentim Ma- galhaes, s6 tendo largado a pena para um emprego no Ministério das Relacdes Exteriores. Dentro de uma concepedo tedrica para compreender a teoria e 2 pritica do romance no Brasil, Aluisio teria praticado em relagao a série social uma narrativa contra-ideoldgica, apontando as falhas, do sistema ao denunciar a exploracdo dos cortigos (alguns dos quais pertencentes a0 Conde D’Eu). Em relacdo a série literéria, sua obra € ideoldgica quando cumpre & risca os preceitos naturalistas seguin- do de perto 0 modelo europeu. Trabalhou com modelos conscien- tes, predominantemente, realizando uma narrativa da transparéncia interessada no espaso real. NOTAS BIBLIOGRAFICAS " Azeveno, Aluisio, O cortico, Rio de Janeiro, Martins, 1968. L. W. H. Historia y filosofia de ta ciencia, Barcelona, Ediciones 961, p. 328. 3 Idem, ibidem, p. 330. 4 Idem, ibidem, p. 361 3 Idem, ibidem, p. 368. ibidem, p. 351 Esati e Jacé “0 leltor atento, verdadeiramente ruminante, fem quatro estémagos no cérebro, @ por el faz pasar e repassar os atos e 0s fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida.” Machado de Assis PROPOSICAO Pretende-se demonstrar que embara n&o seje 0 livro mais li do e estudado de Machado de Assis nem aquele que exiba mais vir | tuosismos técnicos, Esai e Jacd (1904) submetido a ume anilise es- | teutural pode fornecer modelos basicos para a interpretagdo da | obra machadiana. Este trabalho se desdobrara a partir das seguintes observagdes: a) Esaui e Jacd apresenta caracteristicas de narrativa de estrutura com: plexa e como tal sua compreensao s6 se dt depois de isolarmos os su- portes miticos e histéricos que se eruzam na estéria. Machado se afas tt do mit eda Hsia (ao caso, a Hisria do Bra), par cenrar se na problematica da esrita, Est livro, assim como Memories post imes de Bras Cubas (1881), converte na narrative de come 6 co td tendo escrito. VE fundamental 0 enfoque do método de composicio utlizado pelo narrador © que aparece referenciado de riodo implicit explints Essa andlise visa confrontar 0 enunciado.e a enuneiasd0, mowrando gue © método mashadiano afastase da simplidade, que apoe con Juntos snetieos, pare se eercar na complesdade, que tnplca Nisdo transformacional dos elementos em jogo. A problemitca 8 vitcoe do moda inbricams na provienatee ta ete 6) Essa andlisecorna-se mais evidente quando comprcendemos os «rs hives de transcorrenia da narratives marracdo, pesonapon (gem). Atcavessam esas tréscamadas alguns movtelon sue ao teh damente operacionalizados. 0 carater transformacional desses mode. os ¢ sua crescente compexidade ilstramrse através dos personages Pedro/Paulo, Flora, Conselheira Aires, Didaticamente exes modelo, aparecem sob os nomes de diplicidade (A B). atemnnea (A oe 3) ¢ integragdo (A e B). O esto encaminha se para uma compres so da obra além da finguee do esti, mas come uma manifesto de Iinguavgem) {sto posto, fagamos a andlise transcorrer pelos trés niveis que divisamos para facilitar a apreensdo da estrutura da narrativa, NIVEL DA NARRACAO Enquanto numa narrativa de estrutura simples como O guara- ni de José de Alencar, a andlise nos mostra que a estrutura tende @ repousar sobre o mitico ¢ 0 ideolégico numa reduplicagao de mo. delos muito comuns no romance-folhetim, em Esati e Jac parece Ocorrer um descentramento daqueles apoios em favor de uma com- Posisio baseada sobre a prépria escrita. Isto equivale a dizer que 0s referentes desse romance nao devem ser buscados exteriormente, mas localizados dentro de sua propria textura. O suporte ideol6gico que ai existe ¢ apenas aspectual, sem subi tura do livro. Examinemos inicialmente 0 suporte mitico. Teriamos ai duas fontes mitologicas: uma de inspiragao biblico-crista e outra classico- aga. Na primeira (biblico-crista) encontramos o titulo do liveo refe ico- junca a estru- renciando a estéria dos filhos de Isaac. A construgdo da estéria bibli- ca, no entanto, é bem diversa da estéria machadiana. Enquanto na Biblia os irmaos se separam depois que Jacé usurpa 0 direito de progenitura de Esai, e entre eles se desenvolve uma rivalidade por varios anos, ao final resolvida com uma reconciliago (Génesis, cap. 27 a 33), no romance de Machado a rivalidade entre os g@- meos Pedro e Paulo jamais é sanada. Ha pausas, mas nunca o tér- mino do conflito. E ¢ em aberto que a estéria termina, cada um se guindo sua linha numa descricdo paralela do trajeto desses elementos. Quanto a segunda matriz (classico-paga) 0 confronto poderia ser estabelecido talvez entre Pedro ¢ Paulo € Castor e Pélux, referi- dos no iiltimo capitulo do livro. No entanto, ainda ai sucede uma divergéncia, O mito de Castor ¢ Pélux (filhos de Jupiter e Leda) também difere da est6ria de Pedro e Paulo, pois na lenda paga, fra- ternalmente, Pélus reparte com Castor 2 imortalidade concedida por Jtipiter, enquanto em Machado os dois irmaos seguem em sua oposicao sistemética E mais acertado convir que em Machado aqueles mitos exer- ‘cem fun¢ao aspectual. © mito de Esati e Jacé, por exemplo, serve para introduzir a estéria ao enfatizar que a riv: € Paulo havia, como na narrativa biblica, se mae. Jd Castor e Pélux apenas ilustram 0 iiltimo capitulo do livro. Colocados os dois mitos, um no principio ¢ outro no fim ndo bas- tam, contudo; para decidir a estrutura do livro. Como esses dois mitos, outros também sio citados aqui e aco 14, Ha uma série de referéncias a figuras mitolégicas biblicas cléssi- cas. Mas ainda que aparecendo sempre aos pares, como possiveis in formadores de uma estrutura antitética, essas figuras néo podem ser tomadas como os pilares da armacdo da narrativa. Por exemplo, Sibylla compe com David uma das dualidades repetindo os pélos mitolégicos classicos ¢ biblicos. O capitulo 15 se intitula “Teste Da- vid cum Sibylla’”, aproveitando um verso do Dies irae medieval can- tado nas missas dos mortos. David simboliza ai o profeta biblico na linhagem pré-crista e Sibylla a profetiza da antiga Roma. Na es- t6ria de Machado, 0 confronto entre David/Sibylla identifica-se com a oposicdo Plécido/Cabocla do Castelo. Quer 0 narrador di zer que tanto 0 oréculo biblico quanto 0 pagao, tanto a cartoman. te quanto o espirita de classe média confluem através da mesma pro- fecia, no caso, o futuro dos gémeos. ‘Nao se organizando no nivel mitico poderia essa estéria encon- trar seus modelos na ideologia, ou mais precisamente, na Histéria do Brasil anotada insistentemente em contrapontos dentro do livro? Ha uma certa tentagdo para se comprovar o paralelo entre a est6ria de Pedro ¢ Paulo ¢ a Historia referida através do conflito Repub! ca versus Monarguia, Se esse fosse 0 caminho escolhido, o analis- ta, inicialmente, sentiria uma inclinacdo para aceitar como indice a mania de D. Cléudia em marcar a vida através de referencias a datas politicas (cap. 31). Assim poderia se conseguir um paraielo en- tre a maneira de a personagem marcar a sua vida e de 0 autor cons. teuir ofseu romance Com efeito, 0 pai dos gémeos vem para o Rio por ocasiéo da “febre das aces" (1855); 05 gémeos nascem a 7 de abril de 1870 — aniversario da queda de Pedro I e/ou subida de Pedro IT; © marido de Perpétua morre na Guerra do Paraguai (1864-1870); Santos encontra-se com a mulher (Perpétua) pensando na Lei Rio Branco (28/9/1871); Flora nasceu em agosto de 1871 durante 0 Mi nistério Rio Branco e no Ministério Sinimby (1878) ja sabia ler e es crever corretamente; 05 gémeos se identificam com as correntes po ticas do sistema — 0 liberalismo 0 conservadorismo — chegan. do a ser eleitos deputados; o prdprio marido de D. Claudia, Bat ta, se interessava por politica a ponto de o narrador assinalar que ‘nele a politica era menos uma opiniao do que uma sarna"” (cap. sno capitulo 36 discute-se a aboligdo da escravatura marcando- se @ posigdo antitética dos gémeos; capftulos inteiros so reservados a discuss6es entre conservadores e liberais, republicanos e monar quistas (cap. 47); 0 proprio episédio da tabuleta, que comeca no ca pitulo 49, continua no 63, ¢ seu aparente interesse ¢ contar a passa- gem da Monarquia & Republica através de um incidente particular zador da Historia; a véspera da Proclamagao da Repiiblica ¢ referi da como a “Noite de 14” ¢ descreve-se o célebre baile da Ilha Fis cal — tiltimo baile da corte de Pedro I; ainda outra vez a figura de Flora é aproximada simbolicamente da situacao politica do pais no capitulo “*Trés Constituigdes”’, sugerindo-se que ela era uma es pécie de terceiro estatuto entre o Império (Pedro) ea Reptiblica (Paulo). A primeira vista parece haver elementos suficientes que nos conduzem a paralelizar estéria & Histéria. No entanto, por mais que se levantem dados quantitativamente sugestivos, essa hipdtese parece nao se sustentar. O capitulo 107, por exemplo, marca a dife- renga entre uma ¢ outra advertindo contra a possibilidade de se apro imar 0 sentido da morte de Flora da morte (temporaria) da Repii- blica depois do decreto de Estado de Sitio assinado pelo Marechal Floriano: ‘Ao cabo de 72 horas, todas as liberdades seriam restau- radas, menos a de reviver. Quem morreu, morreu. Era 0 caso de Flora’. E evidente ai a insinuagao de que a figura de Flora nao se deixa explicar apenas pelos fatos politicos e jornalisticos. No capitu- lo 79 € 0 proprio narrador que adverte & margem da estéria que o icagao somente “na variagao politica da mae de Flora’, € no capitulo 90 Aires pondera que * moga nao era como a Reptiblica, que um podia defender ¢ outro atacar; cumpria ganhé-la ou perdé-la de vez" Duas maneiras ainda existem de demonstrar que a insisténcia nos dados politicos nao alcanca a estrutura do livro. Primeiro é a operacionalizacdo de modelos que pela sua formalizacdo expressem mais objetivamente 0 mecanismo sustentador da obra, Tais mode- los serdo desenvolvidos mais adiante. Em segundo lugar, uma demonstracao mais acurada do cara- ter nao homélogo entre Histdria & estdria viria do estudo de algu- mas variantes na obra geral do proprio Machado. E comum ai o fa. to de que a Histéria, embora presente, importa-the sobretudo por aquilo que nao é superficial. Sua narrativa cava mais fundo. Ele no conta uma estéria para ilustrar de novo um mito jé existente, como era usual no Romantismo. Nem se interessa em compor uma obra realista enquanto 0 Realismo se define como desericao ¢ foto- grafia de uma realidade social ¢ histérica. E exatamente na medi- da em que se afasta de tal “‘realismo” externo para montar a coe- réncia interna do texto que ele se aproxima mais de um cardter ale- g6rico, contando uma parabola individualizadora e originalmente formulada. Se fosse narrativa mitica e ideolégica ela se deixaria cen- trar em referentes externos, seria justragao de uma fabula j4 narra- da, Tome-se aquilo que se convencionou chamar de romance histé- rico, seja As minas de praca de Alencar seja Ivanhoé de Walter Scott. O carater sobredeterminante dos referentes ideoldgicos ex; cita a simplicidade simétrica daquelas narrativas. Elas reduplicam uma mensagem e cumprem um roteiro estabelecido fora delas. Em Machado o texto concebido é um texto ficticio endo 0 texto da realidade ideolégica codificada pela Histéria. Dai se poder dizer que o mitico (ainda que escasso) e o historico (ainda que insis tente) em Esaii e Jacé se prendem a area do significado, do esteio exterior apenas aspectual, ¢ que a compreensdo da obra deve ser mais fundamente buscada no significante, naquilo que 0 inconscien- te foi largando aqui e ali em seu alargamento e na expansdo do ima- gindrio. Ai o significado (Histéria, Psicologia, Metafisica, Geogra- fia e todas as demais matérias do curriculo) é elemento necessério, mas apenas conjuntural e no estrutural. Aqueles referentes existem, mas ndo decidem a narrativa, que se desvia deles sem se deixar enre- dar. Eles fazem parte do universo de composi¢ao da obra, mas nao exaurem sua compreensao. Ha que convir, com o préprio Macha- do, que “todo oraculo tem o falar dobrado". Ou seja: toda narra- tiva carece do significado ¢ do significante para se estabelecer co- mo siffno. O significado, no entanto, tende sempre a ser aquilo que esta in praesentia, aquilo que corre na superficie da narrativa, en quanto 0 significance se articula in absentia. Fazer emetgit a ausén. cia da presenga inicial é a tarefa do analista. Claro que tal tarefa nao ¢ impune. O analista corre o risco de expor os coelhos ¢ bara- los que trazia escondido na casaca antes do espetaculo ¢ ai ele po- de se perder entre 0 brilho do magico ¢ do prestidigitador ‘A questo da estrutura dessa obra e de seus modelos basicos se confunde com dois problemas que podem ser anotados aqui in- trodutoriamente: a problemdtica da verossimilhanga e 0 método de composigao do livro. Quanto a verossimilhanca seria aconselhé- vel rever essa bibliografia mais recente que retoma a problematica da mimesis ¢ da verossimilhanga desde Aristoteles Platéo até os estruturalistas da Ecole de Hautes Etudes em Paris.' Feita aquela leitura seria mais facil entender que ha em Esai e Jacd, e de uma maneira geral nos outros textos machadianos, 0 desenvolvimento de um conceito de verossimithanga que se despreocupa de conferir os personagens com a realidade exterior. A verossimilhanga ai pare- ce ser buscada nos elementos internos da obra, reafirmando que se algum realismo existe em Machado ele é sistémico e nao referencial? ¢ deve ser compreendido a partir do problema da constituigao da es- ctita como centro de si mesma Quer dizer: a explicag4o ou compreensio do mecanismo de construgdo do livro deve ser buscado no préprio livro, nos indices que o autor Fornece, porque ele esta criando uma realidade que, se do em muitos pontos aut6noma, chega até a se desinteressar da 16- gica ¢ dos preceitos comumente utilizados pelas narrativas de estru tura simples, que procuram conferir o que se narra com o que esta narrado no mito e na ideologia, seus referentes-base. Sobre isto tra- tamos em outras passagens desta andlise a0 recordarmos 0 papel so bredeterminante da enuncia¢ao ao focalizarmos a construcdo lid ca do romance, problema da verossimilhanga interna esta vinculada a expli cita questao da técnica de construgdo do livro. A escrita que se pro- cura a si mesma tematizando sua propria feitura exemplifica-se ja na ““Adverténcia”” que o narrador coloca na abertura da estoria. Jd ai sabemos que estamos diante de dois narradores. Machado con- sidera que 0 texto apresentado é uma utilizacdo do tiltimo dos ma- nuscritos deixados pelo Conselheiro Aires. O efeito de imaginar uma escrita sobre a qual se comporia o romance nao ¢ uma novida- de nem mesmo em Machado. No entanto, reforca a série de efeitos que ele obtém, Estamos diante de um romance que se pretende a leitura fingida de um manuscrito. Como, no entanto, sabemos que ‘© manuserito é imaginado por Machado, methor talvez fosse dizer que temos nao apenas dois narradores, mas cluas escritas superpos- tas. A constituigéo do narrador 1 e do narrador 2 tem por objeti- vo proceder a um distanciamento na propria matéria narrada. Ins- tauram-se, pelo menos, dois planos narrativos: na escrita fingida (Conselheiro Aires) flui a estéria dos gémeos, suas relacdes familia- res e sentimentais, os envolvimentos politicos; na escrita real (Ma- chado) articula-se a montagem da estéria, as anotagées criticas so: bre o imaginado texto de Aires, o aprofundamento de algumas ob- servacdes e até discordancias em relacdo ao manuscrito. Repete-se (0 mesmo jogo de relagdes que de um lado tem o enunciado (est6- ria) e de outro a enunciagdo (articulacdo da estéria), a tal ponto que se poderia de uma maneira simplificada tentar a seguinte pro- porcao. Aires : Machado : : enunciado : enunciagao Evidentemente a figura de Aires nao se descola da de Macha- do a nao ser para efeito de demonstracao de analise, do mesmo mo: do que nenhuma enunciacdo subsiste sem o enunciado. A duplicida- de entre esses pares de elementos é de aspecto complementar. Este contraponto entre o narrador 1 e 0 narrador 2, dificil de se desta: car as vezes, vern denunciado pelo prdprio autor ao depreender a fi- gura de Aires em trechos como esse: “tal foi a conclusdo de Aires, segundo se Ié no Memorial. Tal sera a do leitor, se gosta de con- cluir. Note que aqui Ihe poupei o trabalho de Aires: nao o obriguei a achar por si o que de outras vezes é obrigado a fazer" (cap. 55). E a seguir continuande esse tipo de descolagem entre o enunciado e a enunciacdo, refere-se aos possiveis niveis de leitura de sua obra: “O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro est6ma- gos no cérebro, ¢ por cles faz passar e repassar os atos ¢ 0s Fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida”” (cap. 55), Essa figura do “ieitor ruminante”” coloca-se do lado do analis. ta e do narrador 2, do lado da enunciagdo. E o leitor critico, © a Fungao da escrita 2 ¢ eminentemente critica. Ela serve como “um par de lunetas para que o leitor do livro penetre 0 que for menos claro ou totalmente escuro” (cap. 13). Critico de sua propria esté- ria, interessado em construir e visualizar uma espécie de metalingua. gem gubiamente séria ¢ irdnica, Machado em outros livros? brinca- ria com a possibilidade de uma outra linguagem critica imposta aos seus livros pelos criticos oficiais A consciéncia da composi¢ao e a feitura da obra convertidas em tema retornam em outros pontos. Tomem-se os capiculos 12 ¢ 27. No primeiro deles, introduz 0 paralelo entre a narrativa e 0 jo- g0 de xadrez, ponderando sobre a ludicidade da composigao. To- lo “A epigrafe”” € dedicado a esse aspecto e por ai ja se vai definindo a narrativa como a arte de jogar criticamente 0 pro. Prio jogo da escrita. Com efeito, a idéia de jogo, que no nivel do ‘enunciado parece ser o jogo de damas ou de xadrez, mas que no ni vel da enunciagao descobre-se ser o jogo da escrita do romance, atra- vessa todas as camadas da obra. O liidico é um eixo em torno do qual se articulam as mil e uma anedotas do livro, aparentemente sem funcdo. Mas a pouco e pouco vai se percebenda a correlacéo entre os dados antes tidos como aleatérios e comeca-se a perceber & retomada daquele tépico ja presente em Memérias pdstumas de Bras Cubas: a discussio sobre 0 método utilizado pelo narrador. Naquele romance ele acentua que a despeito da aparente confusao € possivel perceber-se 0 seu sistema: A ludicidade af atinge seus ex- tremos. Nao s6 0 autor se compraz nisto (“E vejamos agora com que destreza, com que arte faco eu a maior transi¢do deste liveo’” — cap. 9), mas clarifica ainda mais sua arte de composigao: “De modo que o livro fica assim com todas as vantagens do método, sem a rigidez do método (...). Que isto de método, sendo, como é, uma coisa indlispensavel, todavia € melhor té-lo sem gravata nem suspensério, mas um pouco a fresea e & solta, como quem nao se Ihe da da vizinha fronteira, nem do inspetor de quarteiréo" (idem, cap. 9) Em Esaul ¢ Jacé advertindo ironicamente contra as interferén. cias do leitor em sua obra (cap. 27), afirma que seu ““livro esta sen do escrito com método”, lembrando o que ji havia posto na “Ad- verténcia’’, de que sua estoria esta sendo Pee com um pensa- terior e tinico, através de paginas diversas” a ae Rackiao do método, referida insistentemente em outros li- veos, eneaminna a anlise para 0 seu pont central. Ou ja: deco: mo vencendo a rigidez do método, nunca prescndindo dele, © narrador de tal forma que ele apareca apenas quando sol és de uma hen & por af que se entenderd um Jogo fa denuniado na presen ca de dois narradores ¢ reafirmado mais ricamente ao destacarmos S enuneiado da enunciagdo, ao separarmos o mito ea ideologia da problemstica da esrita propriamente dita au estamos ferendo a aor nes ane fo fn aquilo que € apenas conjuntual para ns aproximarmos dos mode fos interpretatives da escura. A andisedaqui para ent secon centrard em demonstrar a petssténcia de tr modelos enconta covtanto to ve da narago gant dos pesonagens eg Esses modelos conceitualmente poderiam ser assim introduzidos: lise foi afastar 2) A narrativa machadiana desenvolve-sesistematicamenteexplorando pda de um one de Opn, . 0) 0s elementos apesar de oportos ndo surg ae > complementando. Tém caractt icas ambiguas e bivale ie a 7 Se posn pein de um des ou consign sepaca am do ou Som predato, pos formam un compost de elementos soda separaveis ete ©) A duplicidade e & ambigiidade soma-se um terceiro estagio que tido dos anteriores na mesida em que conga ¢ integra os elementos do sistema dentro de uma iaeia de complementaridade, As oposide fe ambigtiidades deixam de ser sistematicas para se tornarem sist De uma maneira mais formalizante isto equivale a dizer que trés movimentos congeminados podem ser localizados nao s6 nas partes mas no todo da narrativa: a) Duplicidade (AX B) b) Alterndncia (A ou B) ©) Integrasao (A eB) Lembrando que estamos ainda trabalhando no nivel da narra- a a composi¢ao do livro, vejamos do, ou seja, dos grandes planos de composicao como se exemplifica a vigencia daqueles modelos indicadores nao 6 da complexidade mas de um comportamento especificamente ma- chadiano, ws vane poms acc He! | O suporte mitolégico _Vimos introdutoriamente que as du- 0 historico plas: Cabocla/Placido, David/Siby- lla, Castor/Pélux nao bastavam pa- ta resumir, do ponto de vista de suas estérias, a estrutura do livre, © que aqueles mitos contam so enredos diferentes, no obstante te. nham uma montagem dual que ¢ justamente a que aqui nos interes. 8a ressaltar. Porque se aqueles mitos no informam a estrutura des te romance no nivel de suas estérias (contetido) eles reforcam, em Sua divesgidade, a estrutura mesma do.romarice, que deles se serve explorando estruturalmente a-formalizagao de suas oposicdes. A Gualidade persiste neles por mais diversa que seja a parelha, e este é seu tinico ponto de contato com a narracéo machadiana, que pre- serva uma identidade puramente formal entre eles e seu texto. Mais vale dizer que pde o mito a servico de sua narrativa, ao invés de co, locar a narrativa a servico do mito, como se dé na narrativa de es. j trutura simples (O guarani, por exemplo). Dos mitos ele utiliza 0 / Que ndo é 0 mitico, mas aquilo que se registra no inconsciente de to. | da narrativa, seus pares opositivos. O suporte que o mito da é pura. mente formal ¢ ele Ihes extrai a ‘ualidade que, presente em qual. quer mito, transcende 0 mito e € possivel de ser localizada em ou. tros suportes da narrativa. Nesse mecanismo ele usa da duplicidade (A X B) na medida em que recorre aos pares opositivos: Cabocla/Placido, Castor/P6_ lux e outros. Utiliza-se também da ambigilidade (A ou B) deixan. do a est6ria oscilar entre seus personagens (Pedro ¢ Paulo) ¢ os mi. tos a que recorre. E termina por integrar (A e B), tudo isto a des. peito das contradi¢des. Mas ai a contradicdo é dialética e integrati- va, ela faz parte do sistema, Tanto 0 afastamento do conteido do mito quanto a utilizagao de sua forma opositiva vinculam-se ao sis. tema geral que possibilita a narrativa investir na sua propria compo- sigdo para instaurar sua complexidade Nao havendo identidade definitiva entre Pedro (Monarquia) ¢ Paulo (Repiiblica) nem entre Flora (Reptiblica/Monarquia), como 4 primeira vista parece, nota-se 0 mesmo procedimento quanto aos suportes mitolégicos. Monarquia/Repiiblica ou Pedro/Paulo ape. nas ilustram a dualidade que o narrador contraponteia. Tanto assim que, mesmo quando a Monarquia cede & Repiiblica, a dualidade ¢ cavada dentro da propria Republica, enfatizando que os regimes, ersonagens ¢ mitos variam, mas a funcao permanece. O que exis. te € dualidade, alternancia e integracdo. Mudam-se os nomes, mas teremos a fungéo: A XB, A ou B, Ae B. ; ‘i Pode-se a esse respeito falar de uma auténtica teoria das fun- 3 ‘nado ndo nomeou assim to claramente como ou- feasts evi es uh ves Oe lat getenao al zer ao falar que os suportes mitico e histérico ocorrem a despeito mesmo de serem mitos ¢ hist6rias. Como a estéria de Machado nao visa ilustrar_a Histéria do Brasil, mas esta é gue serve para ilustrar a sua est6ria, pode o narrador em vez de Monarquia ¢ Repiblica fa- lar também de Robespierre e Luis XVI (cap. 24) que so uma dupla que mantém o mesmo regime de oposigao localizAvel na histéria de qualquer pais. Interessado mais na funcao entre d elementos A/B Machado aaa edo sigiiendo dels para rere a sigiiasto. que diga “Aut Cesar aut » ou César ou Joao Fer- quer das sentengas. Acontece, segundo a teoria das fungdes, que Pe trus pode vir no lugar de Paulus (cap. 115), que a funcao é sempre a mesma ¢ a estéria ¢/0u Histéria continua, Mudam-se os nomes dos personagens mas o drama se mantém. Mito e Histéria sio apro- veitados na medida em que servem ao jogo da escrita. César ou Joao Fernandes, David ou Sibylla, 0 que interessa é a dualidade, a aiter- nancia ¢ a integragio de todos eles no movimento transformacional da narrativa. Ai de novo despontaria o liidico, aquele mesmo hidico de caracteristicas tao sofisticadas quanto metalisicas a que alude Jac- ques Derrida em seu A eseritura e a diferenca. Encaixes reduplicadores _Além dos suportes miticos ¢ his de modelos téricos reagenciados por Macha- do, sa narrativa articula alguns encaixes, que, tendo autonomia, funcionam como parabolas que ficam a duplicidade, alternancia e integracao dos elementos. Quer dizer: em vez de se ater somente a referentes externos da nar- rativa (mito/histéria) tradicionalmente aceitos, cria pequenas esto- rietas, anedotas e parabolas que reduplicam os modelos centrais Veja-se 0 episédio “Quando tiverem barbas’” (cap. 23). Apa- rentemente desvinculado da estéria, vincula-se & enunciagao, ao des- tacarmos 0 confronto entre branco/preto, religioso/profano ¢ ao justapor o narrador as figuras dos capuchinhos com suas barbas brancas (antes) e negras (depois) as barbas negras (antes) e brancas (depois) do vetho rifao. Tome-se, no entanto, como exemplo melhor desses encaixes re- duplicadores da duplicidade, ambigitidade e integracao, a parabola que é a teoria das vogais, do espirita Placido (cap. 81). Inicialmen. te se desenvolve a teoria de que haveria uma correspondéncia exa- ta entre as vogais ¢ os sentidos (duplicidade). Os opositores, no en- tanto, rebatem que a correspondéncia certa é entre os sentidos € as vogais, posicdo antitética que estabelece claramente a oposicdo AXB. Surge, entao, uma terceira teoria sustentada por adeptos dis- sidenigs de ambos 05 grupos, que formulam algo mais ambicioso (€ conciliador): © homem nao é apenas a soma de cinco vogais, mas um alfabeto inteiro de sensagdes, 0 que dilata também a idéia de sentidos. Ou seja: a colocacao final saindo da discordancia aca- ba por abranger as colocacées iniciais, uma vez que as vogais sio parte do alfabeto ¢ a teoria agora ndo se limita aos sentidos, mas in- clui todas as sensagdes do homem de uma maneira integrativa. Nos trés lances desdobrou-se a duplicidade, a ambigiiidade e a congemi- nagdo dos contririos, tudo englobado pelo sistema Modelos presentes | Numa narrativa de estructura simples po- na seqiienciagdo ——de-se extrair facilmente uma seat de oposicées todas elas icativas quanto as simetrias da estéria. Esse tipo de construgao eventualmen- te existe em Machado, mas sua narrativa nao se limita ai. Ele aban dona a simplicidade da oposicao vida/morte que aparece no princi- pio de Esati e Jacd, por exemplo, para jogar com a duplicidade con- vertida em tema da composicao. A tematizacdo das antiteses transparece através da relevancia que Machado da as oposicdes na distribuicao dos capitulos como técnica de montagem da propria estéria, Isto faz com que os capitu. los se sucedam e se complementem integrativamente. No capitulo 7, por exemplo, 0s personagens discutem sobre a viabilidade de Na- tividade dar & luz ou a um general ou 2 um casal: Diversamente, 0 lo seguinte se intitula: “Nem casal nem general”’, contando que Natividade gerara dois meninos e que a estéria iria, portanto, tomar outro rumo. __ Esse processo de negacao ¢ diferenciacao mais se explicita no capitulo 48: ‘Ao contrério do que ficou dito atrés, Flora nao se aborreceu na ilha. Conjeturei mal, emendo-me a tempo”. Deste mo- do faz crer que o que foi escrito antes seria inapagavel, dai que a tinica soluco seja a explicacdo. Mas nao consta que Esati e Jacd ¢ muito menos Dom Casmurro, romance em que a estéria também se autocorrige, tivessem sido romances-fothetins. Neste tipo de com- posigiio o autor tem que entregar a produgdo didria, restando-lhe a possibilidade de correcdo apenas nos capitulos seguintes. Mesmo em casos assim, 0 procedimento é diverso, No romance-folhetim, ti- pica produdo de narrativa de estrutura simples, 0 autor, se tiver que fazer alguma modificagao a faz sempre ao nivel da estéria, in- troduzindo arranjos novos, mas se furtando a explicitar claramen- te seu procedimento em comentarios & margem, que informam ais a enunciagéo do que 0 enunciado, Em Machado 0 conserto da estoria é seu modo de contar a estdria. A negagdo ou modifica- g40 do enredo ou alteracdo das caracteristicas dos personagens de Tonstram sua obsessao pela enunciagao, seu prazer pelo bordado da narrativa, sua paixao pelo jogo. Esta ai o carater transformacional dessa narrativa complexa que se faz enquanto se faz, dentro de uma praxis cheia de virtuosis mo. O narrador pode dizer irdnico e confiante: “*Nao, leitor, néo me apanhas em contradiga0"” ao confrontar 0 capitulo 74 com 0 3, assinalando que a narrativa se altera porque a verdade também se altera. A verdade est em movimento, nao tem centro, € a narrati- va, como a verdade, vive num deslocar-se constante recusando ¢0- dos os centramentos que Ihe queiramos conceder. E para reafirmar isto que o narrador introduz as consideracdes sobre a validade da nota de dois mil réis ontem ¢ hoje. Ontem ela enriqueceu o Nébre- ga, mas “agora ela néo subia a uma gorjeta de cocheiro”. E se verdade transforma-se em cambio imposto pelo jogo das relagdes, entende-se que a opinido do narrador altere-se a ponto de parecer contradit6ria. No capitulo 3 a esmola dada por Natividade ¢ Perpé- tua ao irmao das almas era creditada a uma felicidade advinda de uma aventura amorosa, mas no capitulo 74 a esmola é creditada & protegdo de Santa Rita de Cassia, E que as opinides mudam, diz 0 narrador, e assim a sua narrativa. E sao justamente essas mudan- ‘cas que the interessa fixar. Talvez mais as transformagdes do que 08 objetos dessas transformacdes. Se assim nao fosse, seus livros se- riam 0 repositério de ‘‘cochilos do autor”. Mas 0 que Machado faz & “‘cochilar”’ de propésito e comentar porque cochilou, de tal modo que o desvio passa ser uma norma ¢ componente necesstirio a0 andamento da composicio. Incorporando 0 que parece ser um é_ANALISE ESTRUTURAL DE ROMANCES BRASILEIROS deslize explicitando as contradigdes revela-se interessado em mos- trar que no jogo da verdade, centro nao ¢3 e i xiste, pois a verdade (se existe) é funcdo do ponto de vista do narrador. ‘ Modelos presentes na A ulagao dos cay los conduz sitularso dos capitulos 9 sistema de dualidade, alternan- Gia integrasdo. Em : 10805 titulo reforcam o jogo entre os contation rssaene do sempre o carater transformacional (AXB, A ou B, Ae B). Dis- Pensando uma andlise mais pormenorizada veja-se a permanén: dos trés modelos nos seguintes titulos explicitadores do seams: Cap. 18 cay Methor descer do que subir Hi contradigoes explicavels “= ~ Nec casl nem general Teste David com Sibyl ‘Apenas duas. Quarenta anos. Terceiea causa Robespierre e Luis XVI ee Desacordo no acordo Fisto,difusao, confusto Transfusdo, enfin Ai das alma. Teds Consus Entre Altes ¢ Flore io ata nem desata Gestos opostos Dias cabegas Ambos quas? ‘Uma Beatriz para dos Cousas passed, cous fucuras Essestitulos ganham mais importancia que a téenica de titular em Machado & sompre informers de eau, ciagdo e da estrutura do livro. Isto ele levou ao maximo em Momo, rias péstumas de Brds Cubas, quando um capitulo en penne ng céncias no titulo (cap, 53) congeminando com outro (cap. 134) ave € todo feito de reticéncias, sendo 0 seu contedido indicado ape pelo titulo oe Vistos esses itens a respeito da natracdo, consideremos como se efetiva o jogo relacional dos personagens. De que mancire che explicitam mais nitidamente aqueles modelos da dualidade, alternan. 8 d lidade, alterna } NIVEL DOS PERSONAGENS Poderiamos iniciar esta parte do estudo retomando a figura de Aires introduzida através daquela proporsao (Aires : enunciado :: Machado : enunciagao) expressa no nivel da narragao. Mas justa- mente porque Aires é uma das faces do narrador, sua figura ¢ mais compreensivel quando se analisa antes os personagens de composi- 40 mais simples. Esta parte do estudo, portanto, poderia ser dividida em trés itens que mostram a gradativa complexidade dos tipos. Essa com plexidade crescente parece acompanhar o desenvolvimento dos trés modelos, na medida em que os aproximemos dos personagens ear- diais. Ou seja: a) © modelo da duplicidade e oposicdo se exemplifica pela atuacio dos gémeos Pedro & Paulo e na carreira que estabelecem opondo-se sime tricamence (A * B). b) O modelo da ambi que através de seu cardter de “inex; tre as dois elementos antitéticos (A ou B). ) O modelo da integragdo se explicita pela atuacdo de Aires, que ret ne a duplicidade e a ambiguidade abrangentemente como narrador (A eB). Os trés modelos se necessitam para se explicarem e revelam luma linha de simplicidade (ilustrada na oposisdo dos gémeos) que acaba derivando para uma complexidade que tem Aires como exemplo jidade desenvolve-se através da figura de Flora, , enfatiza a dubiedade en: Introduzindo 0 sistema de dualidades, no entanto, € necessi. rio indicar como ela ja esté latente no relacionamento dos persona- gens menores. Natividade ¢ Perpétua, jé a partir de seus nomes (a origem ¢ a eternidade), mostram a dualidade entre 0 elemento pri- mordial ¢ o carater infinito do jogo de relacdes. Entre 08 casais tam- bém uma certa bilateralidade (Claudia/Batista, Natividade/Santos) apontada pela oposicdo entre 0 feminino (inteligente, dindmico, me- diador) o masculino (inseguro, inconstante, itrealizado). A oposi géo continua através da figura da Cabocla do Castelo — identifica. da com os ritos mégicos populares e Plicido — espirita da classe média. Ambos funcionam como oréculos que reduplicam suas fun- ‘odes na estéria ilustrando a expressao classica que confronta o cris- tao ¢ 0 pagio: “Teste David com Sibyila””. E ainda nessa mesma li nha de personagens ancilares destaca-se a figura de Nobrega. Aqu Machado repete um recurso comum em outros livros: apresenta oposi {TURAL DE ROMANCES RASILEIROS tivamente as duas faces de um personagem e/ou situacdo. Lembre- s¢ Quincas Borba: no capitulo 60 Rubido salva o menino Deolindo da morte, no capitulo 182 é apedrejado pelo menino. O antes ¢ 0 depois revelando as antiteses do homem da narrativa. Com Nobre. ga da-se algo estruturalmente equivatente: no principio do livro é in- troduzido como irmao das almas, esmoler. Depois transforma-se num prdspero cidadao que casa com a filha do Ministro. Entre um dado ¢ 0 outro, entre o antes € 0 depois esta a vida e/ou narra 2 com suas antiteses. Vejamos, contudo, 0 desenvolvimento dos modelos a partir dos personagens de base Pedro e Paulo A dualidade basica do livro est vinculada a0 desempenho desses gémeas. Filhos de Nati- vidade e Santos, antes de nascerem jé denunciavam uma insandvel rivalidade, O narrador se refere a uma “briga uterina dos filhos”, que atravessando a estéria, nos tltimos capitulos se converte nu. ma “‘aversao reciproca... mas persistente no sangue como uma ne- cessidade virtual” (cap. 121). Iniciando a oposigao entre os dois mos, aparece a epigrafe — “‘Dico che quando l’anima mal nata. sugerindo a impossibilidade de acordo por uma espécie de fatalis- ‘mo enfatizado ja na fala do ordculo popular (Cabocla do Castelo), jd na opiniao do espirita Placido. Perfilando a oposi¢ao entre um personagem e outro, para vi- sualizar melhor 0 contraponto que descrevem no colunas: PAULO Recebe como sinal distintivo uma ‘medatha de ouro de Sdo Pedro (cap. _medatha de Sado Paulo (cap. 8). 8). Determina-se que seria médico (cap. 8) 0 que se confirma quando entra para a escola de Medicina (cap. 35) © comesa a clinicar no Rio. Pedro era mais dissimulado (cap. 18). O fato de o pai receber o titu- lo de bardo é para Pedro sinal de estima (cap. 22) Determina-se que seria advogado, 0 que se confirma quando entra pa- raca escola de Direito e advoga em Sao Pauto. Paulo era mats agressivo. Paulo re cebe 0 fato com um sentimento de inveja. Nasce no aniversério do dia em que Pedro I caiu do trono. ‘Nasce no anversrio do dia em que Sua Majestede Pedro Tl subit 20 trono (eap- 23 assando por um vidraeiro, Pedro vit pendendo um retrato de Luis XViventroue comprouo (cap. 24, tulo quis ter igual fortuna, ade- ‘unde ks suas opinides © descobria Robespere. Paulo sonka com a enstede do Bo- tafogo transformada numa “Vene- ‘a repubiicana” do Bows Pedeo fantasia que a praia ogo, de acordo com sas ideas po- as, uma “enseada imperial (cap. 39. : Pedro. interpreta a emancipasio fos esravos como un ato de ust a cap. 37). ‘Ao ouvir 0 artigo que 0 irmo lia para Airs, no qual atacava a fgu- fa do imperador, Pedro exlam: nego tudo iso, S40 ideas pau istas™ fea 48) Pedro quer exirpar o regime fepu- blicene com um decreto (cap. 44). ‘Aires define o carder de Pedro dan dotheuma cea da Osea ap. 45) Pedro acredita na cestauragdo da Monacauia (cap. 6) [Alusto de que Pedro poderi ser 0 primeirosinistro do lespéio (cap 55) are Paulo era oii da revo Per orancpede ope resvena nites Defeendo suas iis contra 0 ‘gue monargusta Pal de SS as Clot" Paulo ainda se declara capac de der- ribar a Monarquia com dez homens. Aires define 0 cardter de Paulo dan- do-the uma citacdo da liada. Paulo canta a vitoria e diz que 0 re sgime estava podre e caiu por si Paulo poderia vir a ser 0 presiden- te da Repiblica ora morre ¢ 08 dois irmios Fifgrem um acorde de pat cap. 109) Um ts ep a morte de Fost, No mesmo dl Pa teva per rolbvathewmacoroademiosS- tus v coloias do ado Pee Slocma na lado cortespqnden- dente &cabera dt mo te aos pe da detunta (esp 112) Com a evaluedo dos acontecimen- tos Paulo se elege para a Cémara de Deputados, agora néo mais co- ‘mo defensor da Republica, mas co- ‘mo oposieao ao governo instaura: do, Pedro, que era monirquico, passa a republicano ¢ a defensor intransi gente do governo, Natividad more, antes que os Fils Lagan ag Bares, Eles de novo fazem arn Acordo que dura pouce tenn mas pede Pedro, simbolo da conservagito, ‘opde-se a Paulo como antigamente P que faz 0 Conselheiro Aires dis mudaram nada; $0 0s mn Paulo volta as posigdes de ataque co over én paso ao me tacao”’. ae que transparecemos exi- mentos em colunas separadas: trés guar afinete, Bere cupar o lugar de Paulo e vice-ver. ime passa a ser a favi D OF, enquanto o outro racio aspectual apenas refor '. Eles apenas trocam de lugar, Passa & oposicao, Essa al entre os dois elemento: rea a fungao Penho € 0 mesmo, ‘mas seu desem- Essas trés anotaga: regen ot#8e5, que podem ser lidas também como as fas Go oesnn° i980 relacional dos gémeos, podem ser fore iza gémeos, r 8) Oposicao constante: A x B ) Pausa na oposigéo: A — B. ©) Troca na posi¢fo: Bx A Bsses modelos podem ser chamad: sradore do modelo Ge crosieg ernst de modelos paciats int B j@ assinalado anteriormen- Sn te. O fato de que as modificagdes ai se déem apenas aspectualmen- tee que a duplicidade persiste mostra que ainda estamos no primei- ro estagio de transformacao da narrativa. E a oposigo simples e si- métrica que aparece através das figuras de Pedro © Paulo. A com- plexidade vai emergindo exatamente quando passamos a analisar a figura de Flora. Flora Introduzida como uma personagem “‘inexplicavel”” (cap. 31), Flora talvez tenha sua figura mais bem situada a par- tir de seu relacionamento com outros elementos do grupo, marcan- do-se-Ihe as diferengas € identidades. O primeiro elemento que se Ihe pode contrapor € Natividade. A mae dos gémeos tem em si tam- bém uma certa dualidade, mas ndo é uma dualidade conflitiva. O narrador mesmo introduz como uma “senhora verde, com a mes- missima alma azul”? (cap. 19), que converteu 0 Cabo das Tormen- tas em Cabo da Boa Esperanea, vencendo “‘a primeira e a segunda mocidade sem que os ventos Ihe derribassem a nau, nem as ondas a engolissem”” (cap. 19). limite entre Flora ¢ Natividade parece estar no verso — “Ai, duas almas no meu seio moram’, que funciona como a barra que as aproxima e diferencia, pois o narrador aplica o verso de Goethe a Flora depois de o ter aplicado a Natividade, deixando implicito que num caso € noutro o verso tem conotacdo diversa. Enquanto vidade era a fonte harménica daquela oposi¢ao, Flora nao con- segue realizar as sinteses de seus elementos, parecendo antes perder um outro. Eles passaram por Flora sempre em oposigao ¢ ela vai se ligar a Natividade tentando surpreender na fonte geradora dos gémeos a reunido impossivel dos contrarios: “Queria Natividade sempre ao pé de si, pela razo que j deu, e por outras que nao dis- se, nem porventura soube, mas podemos suspeité-la e imprimir. Es- tava ali o ventre abengoado que getara os dois gémeos. De instin- to achava nela algo de particular” (cap. 212). Jé 0 relacionamento de Flora com Pedro e Paulo parece ter passado por dois estagios. No primeiro cla se deixa ludicamente en- tre um e outro sem sentir nenhuma exigéncia de maior escolha e op- 40. Hé uma série de jogos que exprimem essa fase. Ela chama Pau- lo de Pedro ¢ vice-versa: “em vao eles mudam da esquerda para a direita e da direita para a esquerda. Flora mudava os-nomes tam- | | } | bém ¢ os trés acabavam rindo” (cap. 35). Néo havendo nenhuma preméncia de escolha, ela no prinefpio mantém com ambos uma re- lacdo idéntica: “Flora recebeu o irmao de Pedro tal qual recebia 0 irmao de Paulo” (cap. $7). Ags poucos a personagem vai se tornando mais complexa até que 0 narrador I (Aires) no nivel do enunciado confesse no mais en- tendé-la. Desenvolve 0 tema de Flora como a “‘inexplicdvel"” e ano- ta em seu didrio: “Que 0 diabo a entenda, se puder; eu, que sou me- nos die ele, nao acerto de a entender nunca. Ontem parecia querer um, hoje quis ao outro; pouco antes das despedidas, queria a am. bos. Encontrei outrora desses sentimentos altemnos ¢ simulténeos; eu mesmo fui uma e outra coisa, e sempre me entendi a mim. Mas aque- la menina € moga... A condigao de gémeos explicard esta inclinagao dupla; pode ser também que alguma qualidade falte a um que sobre 0 outro, e vice-versa, e ela, pelo gosto de ambas, ndo acaba de esco ther de vez. E fantastico, sei, menos fantastico é se eles, destinados & inimizade, acharem nesta criatura um campo estreito de édio, mas isto os-explicaria a eles, no a ela” (cap. 59). Os modelos de duplicidade, altémancia ¢ integracao parecem estar presentes nestas declaragdes de Aires. Os dois modelos (A X B, A ou B) so mais nitidos. O terceiro jd nao se resolve tao in- tegrativamente, se ponderarmos sobre a inviabilidade de configurar claramente a personalidade de Flora. Quer dizer: a simultaneidade, a qual Aires se refere (‘‘sentimentos alternos e simulténeos”), reve. la antes uma incapacidade de jungao dos contrarios harmoniosamen- te, Nao € que Flora consiga uni-los, 0 fato é que ela no consegue separd-los. A operacio, portanto, é inversa: eles-aparecem congemi- nados, como no capitulo ““Duas cabecas", porque ‘as duas cabe- gas estavam ligadas por um vinculo escondido”, que o desenho de Flora ndo mostra, ¢ a narrativa ndo esclarece, porque esclarecer aquilo que é “‘inexplicdvel”’ é negar 0 proprio enigma. Feita essa ressalva sobre 0 modelo de integragao irrealizado ‘em Flora ¢ entendida a simultaneidade como sua solugao para a im- possivel integracdo, pode-se localizar mesmo no nivel da frase a per- manéncia dos modelos: “‘Ontem parecia querer a um, hoje quis ao ‘outro; pouco antes das despedidas queria a ambos"’. Ou entéo nas pa- lavras da Natividade descrevendo as ambigitidades da moga (cap. 84), L. Parecera-the que Flora nao aceitava nem um nem outro (A x B) 2. Logo depois que os aceitava a ambos (A eB) 3. E mais tarde um e outro alternadamente (A ott B) ‘A irresolugao da figura de Flora, re ae eee sen a a ee supunha-se que um asno colocado entre duas vasilhas contendo aveia, devia morrer de fome, se ndo fosse dotado de livre arbitrio, pois nao haveria motivo determinante para que preferisse a da di siderando o enigma de Flora. E significativo que seja logo feo quem faca essa consideracio. Nao conseguindo explicar o mistério plicabilidade mesma. E isto que 0 diferencia de Eee faz cK el Conselheiro Aires Aires ¢ figura vinculadora dos niveis da nartacdo, personagens ¢ lingua(gem). Es tudando a narracio ja anotévamos como esse duplo do narrador po- de ser visto na articulagdo da est6ria, considerando-se que ele ¢ 0 harrador 1 autor da eseita fing que ¢ © manuserito, Ag sagem daquele nivel para este e deste para o préxim bis) poderia sr feta usando de uma tonics comum em Machado femeter o leitor a paginas atras ou previni-lo do que esta por vir, através de comentarios & margem da andlise. Feito este manuseio dia analise se entenderé melhor por que se diz que Aires € 0 tinico que alcancou as leis do sistema que pressupunha um jogo de oposi- es, alternancias e complementaridade """ Machado marca a posicao de Aires apontando para a superio- ridade dele em relacdo aos demais. Se Natividade era a mae legi ima, ele ““é 0 pai espiritual dos gémeos”” (cap. 44). Tendo gostado de Natividade na juventude, © que sentiu ‘nao foi propriamente paixao, nao era nomem disto"” (cap. 12). Jé por ai se mostra sua {qualidade de mediador, afastado dos destemperos emocionais, sabe- coracdo €0 abismo dos abismos”’. Em decorréncia, apre- Senta-se como tendo “‘algumas das virtudes daquele tempo, ¢ qua- i se nenhum vicio” (cap. 12). Descrito dessa maneira, como um ti- roe on aang Aue controla bem suas emogdes, chega-se a saber que af 08 gémeos tivessem nascido dele talvez ndo divergissem tanto nem nada, gracas a0 equilibrio de seu espitito” (cap. 42), Como diplomata profissional, Aires atua também diplomatica- mente. Conhece a arte de ce a sintese do Conselheiro, dizendo-the: “‘Jé 0 tenhio achado on Contradi¢ao. Pode ser, responde o Conselheito. A vida ¢ 0 mundo ‘do sdo outra coisa” (cap. 87), Aires & quem afasta o espanto dian, tc do contraditério ¢ assimila as divergéncias para realizar seu pas el. Nao estranha que para ele convergissem todos ¢ que ele se trax nifeste através de um estilo onde a duplicidade, a alternancia e ine, stagio se manifestem, Tome-se, jé introduzindo o nivel da lingua(gem), esta descri- $80 do Conselheiro: “José da Costa Marcondes ride Mrovérsias uma opiniao diibia ou média pode trazet a opostu. nidade de uma pilula, e compunha as suas de tal jeito, que 0 enfor, imo, se nie sarava, no morria, e é 0 que fazem as pilulas. Nao Ihe Gueiras mal por isso; a droga'amarga engole-se com agdear Aires pPinou com pausa, delicadeza, circunléquios, limpando o monécu lo ao lengo de seda, pingando as palavras graves ¢ obscuras, fitan, do 05 olhos no ar, como quem busca uma lembranga, e achave a lembranca, e arredondava com ela o parecer. Um dos ouvintes, acct » assim 0 ‘A andlise estilistica das frases conferidas a Aires revelam a mesma constante. Machado mais uma vez se adianta ao eriticy © torna ele mesmo exp! indicando claramente seu estilo/personalidade. Nesse ttecho eitade Geuirador ficticio di lugar ao narrador verdadeiro e Aires que con. duzia 0 enunciado passa a ser analisado através da enunciavao, Ele SParece reinterpretado linguisticamente: o homem dos circunléquios, da pilula com acticar, arredondando o pensamento, procurando de ec 2 ee NIVEL DA LINGUA(GEM) constata-se a afirmacao de Bar- Pelo estudo minimal da frase, con: i i localizar aquilo que antes foi mostrado num plano: mais Ca ne : é io, razao por que toda sin- ex ravel. Pode-se introduzir 0 estudo dé : menos aleatoria de sentencas reveladoras dos modelos de dupli cidade, ambiglidade e integragho, Tomemse frases como essas Fe de outro que desce, ¢ do rio riso de ldgrima se faz 0 pi ro para ajuda-la a viver e mor- der o crete o orto da gente, outro para audéla rer, Todos 05 contrastes estdo no homem’” (cap. 35) “quand a lembranga de Pedro surgis na cabega da mosa, a mite Se aatauaraiateari mas a alegria vencia depressa a outra e as- ia, agasalharam- tt acabou o baile, Entao a dua, trite ealgra, a8 fein corqao como as duas gemeas que eran’ (cap 70) snipe ltr etn fate mio’ peimandnia dos mo- delos. Mas quando nao seja assim formalmente, também conceitual a enfatiza-la: “Como pode um sé teto co- mente 0 narrador volta eum ; Bre verso enesmerte Ata aleo ea coder . és jue 05 cobre com 0 mesmo zelo da ga bruseo, outro teto vastissimo qt om 0 me pane linha aos seus pintinhos... Nem esqueca o préprio cranio do homem, que os cobre igualmente, nao s6 diversos, senao opostos' Nao sera fell ir demonstcando simbolicamente m teto € que como o cranio do home como contradigoes il No entanto, nao é por este caminho que seguiremos. Ni: da constatacdo simpléria daqueles elementos, sendo na localizacao de processos estilisticos mais bem definidos e que reduplicam no ano minimal da frase certos comportamentos ja vistos na narra: 40 € nos personagens. 136 _ ANALISE ESTRUTURAL DE ROMANCES BRASILEIROS Aforismos, paradoxos, _Referimo-nos aos aforismos, pa- redundancias, radoxos, redundéncias, estranha- estranhamentos e ironia —meatos ¢ a ironia, que sao tribu- térios do tépico linguagem & dicidade que abordaremos ao fim do estudo. Um estudo do mecanismo de produgao dos aforismos talvez revelasse a funcionalidade das formulagdes estruturalistas no esfor- 50 de circunscrever as dualidades. Ha no aforismo assim como no Brovério, um processo de tornar mais clara a mensagem sempre a partir da oposicao dos elementos. Um jogo entre 0 elemento marca- do ¢ nio marcado, uma maneira de fazer a virtude saltar pela pre- senca do pecado, o bem se mostrar pela emergéncia do mal, e o pre- sente se presentificar tanto mais se demarca 0 ausente. Isto se deve também ao cardter resumitivo desse tipo de pensamento. O aforis. mo como a maxima é 0 desfecho de uma parabola. A estoria nao € escrita sendo para se chegar a uma moral, a uma maxima, a uma sintese didatica sobre o cotidiano do homem. Expressando-se atra- vés de aforismos ¢ provérbios pode o individuo sustentar-se mitica ¢ ideologicamente, uma vez que tais construges séo 0s esteios da comunidade, concentracao de todo seu pensamento magico. Qaforismo, sobretudo, reproduz um universo de causa ¢ efei- 20 nivel da ideologia que o gerou. Machado da tratamento mui- to especifico a esse recurso linguistico. Repousa formalmente sua narrativa sobre aforismos que revertem numa proposigdo irdnica ¢ critica, a0 transformar 0 que seria simples reprodugao da sabedoria da comunidade numa composicao diversa gracas aos efeitos de es- tranhamento conseguidos pelo emprego do paradoxo, da ironia e clo préprio estranhamento enquanto processo retérico tipico de des- vio da norma. Sobretudo, dos aforismios, maximas e provérbios Ma- chado se serve de sua estrutura: a dualidade que existe na composi- sd0 desses efeitos. Vejamos os aforismos ¢ provérbios, inicialmente, em sua for- ma mais corriqueira. Tanto alguns de origem popular quanto ou- tros gerados pelo narrador. Neles sobressai principalmente o princi- pio da dualidade. ‘0 que 0 berco dd s6 a cova tira.” ‘A guerra é a mde de todas as coisas. ‘Teste David com Sibylla.” ‘Na mulher 0 sexo cortige a banalidade; no homem agrava.”" ‘Pitangueira nao dé manga. “Ni cet excés d'Aonneur,.ni cexte indignité.”” “César ou Jodo Fernandes,” a seio moram”’ que reafirma 0 aspecto dual da composicao. As ei r des em Machado sdo uma continuacdo das frases feitas roubadas quanto através de frases irdnicas ¢ de efeito. Nelas permanece 0 jo- go das dualidades. “0 coragto sela abismo dos abismos. “Verdades erernas pecetn horas eternas.! “Foi um dos conselhios do Consetheiro. “Petrépolis deixou Petrépolis A redundancia € 0 primeiro sinal de que 0 aforismo ¢ a maxi ma sofrem desvios que se caracterizarao melhor como ironia. De re: dundéncia em redundancia, voltando varias vezes sobre o jé dito pa- ra um reforco da mensagem, a frase machadiana se inscreve ainda com um outro recurso estilistico portador do mesmo crivo das dua. lidades: 0 paradoxo: irmem © que ndo saber, € por oficio o ‘onvam que 0 Hoes Contrariodo que saber ciserve-se muita vera lberdade paresendo sufocéla. discal dos dls comeyou por ui aero" nancipadove pre, rea-emandpar 0 breneo."” A 1 fe neno igual a vida; talvez os mortos vivam. Conservador que rt iberae vice-versa. Aforismos, redundancias e paradoxos abrem espagos para 0 cio de outro recurso retdrico, este de emprego mais raro em aul- tores contemporanens de Machado, embora seja encontrado nas narrativas de estrutura complexa de todas as épocas como em Rabe- Inis e Cervantes. Refio-me ao efeito de estranhamento,astificiorets- ico revalorizado pelos formalistas, que o tomaram como ponto de partida para o estudo da postica moderna, Se através dos aforism ele se exercita na formalizagdo das dualdades, através de estranha- mentos se apropriaré da ‘‘sabedoria”* e da “verdade" da comunida- ee mnpelienade a @ seu modo. Inverte e subverte as regras do jogo, uz uma ruptura no sistema légico do esperado. Invertendo 05 contetidos de sua frase, parmecies altera-the a semantica, ¢¢ 4 posibilidades de sua simane. Assim gue Macrae gg ee Of gta nao aa ne pina) ceo" aimunes ts cost Guana © esate "Taka ete do seat 0. agit aes provérbio: a Seas far olay 8° * (quando o usual seria (onde a negativa “nao re ‘sformando a frase: paga o (eransformando 0 Consciente do processo de todo 0 capitulo 75 (“*Provérbio provérbio ¢ a necessidade de sua largamente explorado, principal obras do romancista. Refiro-me a volve de adulterar frases feita: j eitas, © que ja valeu de criticos as mais diversas censuras, mas todas a0 nivel da impresto des ean incorrendo em ‘‘cochilos”. Tal tipo de observaso, con. Ou noutro, revela antes de tu estranhamento, 0 narrador dedica errado"’) a explicar o sentido do alteracao, Este fato pode ser mais ente se langarmos mao de outras 10 processo sistemético que desen. nao ler Machado, porque o ideolégica corroen do-a com jogos de estranhamentos, Talvez mais pertinente fosse remeter esse tipo de procedimen . i 1c ‘ico para o sistema geral da obr: 6 ea "m Machado. Mais vale desta i irrativa de estrutura simples sempre empenhada em endossar a “sa edoria do homem médio através das frases feitas como *o cri me nao compensa", “Deus ajuda quem madruga”’, “quer # quer tudo perde”, ete. 4 Son ane linguagem na medida em que sua lingua se diversifica da tape : 1a. co cando da langue geral e introduzindo sua parole das consuetidines para centrar-se numa proposiea tureza corre 0 perigo de ser recusada, mas que & 4 descentrando-se que por sua na sua legitima ex. Fi pressiio. Nesse sentido a coeréncia machadiana comprova-se nao so mente no nivel da frase ¢ através do enfoque estilistico, mas exibe se na propria maneira como desenvolve seus temas: cde maneica di tinta dos trilhos cotidianos ao ponto de contestar os elementos basi- cos da sociedade que sao a verdade e a mentira, a sandice ea razio. Tanto em Plicido (Esaié e Jacd) quanto em Simao Bacamarte (O alienista), como em Quincas Borba e Brds Cubas a tematica da lou- cura conjugada com a razao se entreabre de modo complexo € insé- lito. Deixando de opor esses elementos como inconcilidveis, como quer 0 modelo ideolégico, ele mostra a relatividade de um ¢ outro, configurando a loucura da razio € as razdes da loucura, sem optar maniqueisticamente por um dos elementos em torno da barra, pois sabe que ambos 0s termos da proporeao esto contaminados por de Finigdes ideoldgicas das quais procuca se afastar. O que faz, entéo, € estranhar os conceitos cotidianos, a ideologia vigente. E esse estra- nhamento nao sendo esporadico, mas sistematico, acaba por se dar em todos os niveis da andiise. O estranhamento como forma vizinha do paradoxo parece re forcar uma figura mais genericamente apontada em Machado, que € a ironia. Quase todos 05 analistas de sua obra tém se referido 20 humor e a ironia e alguns até localizam af 0 sarcasmo. Abordando © mesmo tdpico, porém desvinculando o mais possivel a ironia do texto do que seria a ironia na biografia e psicologia de Machado, veremos que essa figura se imbrica no sistema geral da obra, que ajuda a sustentar. Tome-se a etimologia do termo ironia: dizer 0 contrario do que se pensa, ou seja, uma fala dupla e diibia, mas que congemina 0s con- trérios. Ironia como fala do avesso. Fala que faz falar aquilo que es- td silenciado. Um falar dobrado, tipico dos oréculos e em Machado também tipico. A expresso irdnica, a piada, a graca consti desvio da linearidade do significado. Um enriquecimento ritm uma pluralidade semantica. Freud ¢ Bergson dedicaram paginas cl sicas ao tema da ironia € do humor ¢ a estilistica de Bousouio ¢ a obra de Maria Helene Novais Paiva — Constituicdes para uma estils tica da ironia, exempliticam 0 problema em textos literérios. Bousou- fio dediica-se ao confronto entre poesia e piada. Interessa-The demons trar de que maneira uma e outra sao um desvio da normal bora seu ensaio perca em objetividade o que ganha em i € clara e didética a observagao de que quando se produz 0 termo A associamos-lhes em decorréncia 0 termo a. Mas se 0 autor, desiruin- do essa relaedo, substitui a por b, emparelha A-b, com um conseqtien- te desvio do esperado e ruptura do sistema. E como elemento referenciador da ruptura do sistema légico do esperado que funciona o efcito da ironia em Machado. Ironia que inclu 0 paradoxo e o préprio estranhamento. Maneira de deslo- car ou por a nu a verdade da comunidade, diante da ética do narra- dor, Desentranhando 0 absurdo que a normalidade de certas frases feitas contém, faz emergir o inesperado, o insélito, ao mesmo tem- po em que pratica uma ironia naturalmente critica. Na ironia esta a dualidade, através do confronto entre o que estd implicito e expli- cito. Q sentido verdadeiro oscila. Mas a ironia integra porque ¢ aqui- lo que nao ¢ © ao mesmo tempo & O modo curvo de enfrentar 0 real salva-a de comprometer-se com a “verdade”, porque se cla nao chega a ser a verdade por inteiro afasta-se também da mentira, E um art I-mediador. Um circunléquio ao gos- to do Conselheiro Aires. Através dos aforismos, paradoxos, estranhamentos ¢ ironia chega-se enfim ao estudo nao apenas da lingua, mas as considera G85 sobre como tudo isto reverte para a constituigao da linguagem em Machado. Essa linguagem que se desenvolve sobre os tnodelos da dualidade, alternancia e integracdo $6 se realiza gragas ao aspec- to ndo apenas transformacional dos elementos, mas & sua danca Ii- dica que faz com que 0 centro esteja sempre em movimento € os pa- es se complementem dialeticamente transparecendo na enunciacao © que disfarcam no enunciado, 0 tépico linguagem em Machado, portanto, carece de ser apro- ximado ao problema da ludicidade. E'é 0 proprio narrador que se incumbe da aproximacio tratando a narrativa como uma partida de xadrez, usando um léxico de imagens que fala de rei e dama, bi po € cavalo, torre e pedo. O capitulo 13 é 0 melhor exemplo da as- sociagdo escrita/jogo, uma vez, que todo ele é uma suspensao da es- téria, um exercicio de metalinguagem, pois através dele 0 autor co- menta qual seria a epigrafe mais conveniente ao livro: “A epigrate Ora, a etd justamente a epirate do livro se the quisesse por alg mma, ¢ ndo me ocorresse outra. Ndo\€ somente um msio‘de completa as essoas de minha narragdo com as idias que deixararn, mas ainds umm pat fe funetas para quo leitor do liv penctre o que Tot menos cto ou to. talmenteescur. Por outro ladoha proveito em irem as pessoas de minha histéria co- laborando nela, ajudando o autor, por cre nae de troca de serviga, entre 0 ena f Se aceitas a comparagiio, distinguirds o rei e a dama, 0 bispo e 0 ca- valo, sem que o cavalo possa fazer de torre, nem a torre de pedo. Ha ai da a diferenca da cor, branca e preta, mas esta nao tira 0 poder da marcha de cada pera, e afinal umas e outras podem ganhar a partida, e assim vai ‘0 mundo. Taivez conviesse por aqui, de quando em quando, como nas pu blicaedes do jogo, um diagrama das posigdes belas ou ditficeis. Nao haven- do tabuleiro, é um grande auxilio este processo para acompanhar os lances, mmas também pode ser que tenhas visio bastante para reproduzir na mem6- Fla as situagdes diversas. Creio que sim. Fora com diagramas! Tudo ird co ‘mo se realmente visses jogar a partida entre pessoa e pessoa, ou mais clara. mente, entre Deus e 0 Diabo" (cap. 13). Dispostos os partidos (branco/preto, Deus/Diabo, pessoa a pessoa) 0 jogo avanga sem que haja uma opgao clara por um dos contendores (afinal um ou outro pode ganhar a partida, ¢ assim vai o mundo). Dentro de seu jogo constante de ‘encobrir”’, habil- mente vai o narrador separando (ao mesmo tempo.em que apro: a) a narrativa de um tabuleiro invisivel terminando por dispensar jagramas"” dos avancos e recuos das pecas. Mas é 0 préprio Machado que inclui o diagrama (veladamen. te) ao falar do jogo e ao dizer como moverd suas pegas. E 0 comen- trio do jogo que ele mantém a todo instante e muita vez de modo explicito como no capitulo transcrito, Em outros capitulos ele tam- bém se refere ao voltarete, ao gamao € outros jogos. Mas nao é sé nesse sentido que 0 jogo aqui nos interessa, mas 0 htidico que secun- da isto tudo, quando se pde como comentador da prépria partida. ‘Assim um capitulo envia a outro através de um processo de compo- sicdo que se quer auto-explicativo, como se estivesse reescrevendo constantemente a estéria e retomando a narrativa num processo de canto e contracanto. Ao proceder assim esté tomando & narrativa os seus préprios referentes, centrando:se em seus préprios esteios, no interior daquilo mesmo que narra. Este processo deixa de ser mero divertissement ou curiosidade estilistica quando veiculado a0 sistema ltidico de composisio. $6 no capitulo 99, por duas vezes, remete o leitor a capitulos anteriores para reativar a partida e/ou estéria. Sé reativar o enunciado? Nao, tornar mais clara a linha da enunciagao convertendo o comentario da estéria em algo tao te levante ou mais que a propria est6ria. Ai, efetivamente, ja se pode dizer glosando Marshall McLuhan, 0 meio ¢ a mensagem. Entrevista a narrativa como a arte de jogar criticamente o pré prio jogo da escrita, pode-se entender, de um modo diverso daque- les até hoje apontados, a maneira como Machado constrdi seus per- sonagens. E dizer: ver aquela pecha de que ele faz tipos desvincula. dos da vida politica e social, autor que nao criaria tipos tipicos, co- mo quereria a estética de Lukécs: personagens vadios, homens apo- sentados, herdeiros inconscientes de herangas misteriosas, mulheres resas ao jogo social e doméstico. Muita vez se repetiu que os perso. nagens machadianos nao tém emprego nem muitas obrigagdes com © produto nacional bruto do pais. Vivem na Europa, apresentam. Se em reunides infindaveis num comportamento puramente verbal ou verboso da vida. A vida passa e eles to-somente conversain seu despreocupado bate-papo filosofante Pergeguindo essas observades para divergir, outros criticos pro curam demonstrar © contritio: a sutileza da “participagao”” macha- diana. O que ocorre tanto com 0s acusadores quanto com os defenso- res € que inconscientemente tornam-se eles mesmos atores dramatizan- do a mesma estrutura que Machado denunciava e que ilustrou atra- vés de personagens como Placido: a querela entre os que achavam ue os sentidos correspondiam as vogais e aqueles que viam a corres Pondéncia entre as vogais ¢ os sentidos (cap. 82). Nao seria 0 caso de se procurar, digamos, machadianamente uma visao terceira que conjugasse os elementos de forma mais liidica? Nao é a sua narrati- va um afastamento do ideolégico por inversio? Nao ha ai a recusa do suporte histérico e mitico ou a sua wtilizacao apenas aspectualmen- te? Nao tem a obra de Machado referentes internos muito mais estru- turantes do que os externos? Parec¢ que Machado quis sempre se colocar ludicamente além da barra que separa o sim e 0 nao. Assim descentra-se da ideologia e cria um mundo que pouco deve & realidade cotidiana, ¢ aparente. Nao estranha, portanto, que como ancestral da linha que veio dar em Jorge Luis Borges tivesse certa preferéncia por apélogos e pard- bolas em que seus personagens nao sejam prototipos ou tipicos, pa- recendo muito mais alegorias ou elementos que articula sobre um im. ponderavel tabuleiro. Tome-se ndo apenas Quincas Borba onde a fa bula se moderniza e torna-se mais complexa com as figuras do ho. mem ¢ do cdo, mas sobretudo veja-se O alienista: impossivel confe. tir os dados da crénica de aguai com a aparéncia do cotidiano. Nessa mesma linha tome-se 0 surrealismo avant la lettre de Bras C bas. Aqui o texto se converteu na matéria-prima e a verossimilhan- Ga S6 pode ser pensada no interior da obra, Se os referentes externos sao relegados, onde se realiza, entim, @ partida a que se referia 0 narrador ao aproximar a narrativa do Jogo do xadrez? O tabuleiro nao existe, jé havia afirmado 0 narra- dor. O jogo busea a sua prdpria liberdade, E ndo havendo tabulei. 10, a narrativa se configura como 0 tempo em que escreve. Ela é 0 seu proprio tempo, ¢ como “um tecido invisivel em que se pode a bordar tudo, uma flor, um péssaro, uma dama, um castelo, um tie mulo Também se pode bordar nada. Nada em cima do invsivel € ‘a mais sutil obra deste mundo e¢ acaso do outro” (cap. 22). Compteenddo 0 nada, portato, nfo como wn ema metas ai ‘2 afirmaco de uma filosofia, mas como a substanci 40 lidico, nfo estranha que Altes atinasse que ‘ha estados de al- ima em que a matiia da narra € 0 mada, 0 gosto dea fer ¢ wir € que é tudo" (cap. 51). ar arias sobre 0 maga nese caso & descentrar-se do tudo, que s80 a ideologia e 0 mito, sempre fornecidos aprioristicamente fs narrativas de estrutura simples, que, estas sim, por se colocarem especularmente dante de uma realidad externa, deham de ser wine nacratva para serem um enganosoreflexo da cratvidade, | © jogo que teve um comeso chega ao fim. Terminal & pa da, 0 dilogo entre o enxarista¢ seus ttebethos,o que resta? ar 0 autor do jogo/nartativa efascinio de uma nova para © 0 rei to de um exemplar desempenho. Para 0 analista do jogo, 0 critico, tales 0 gosto deter feo 0 transurso da pads, ainda que com macsra menor, poraue 0 romancsta ainda consegue diet: “fora com os diagramas”, mas o analista ja nfo pode prescindir deles. Tan- to por no saber construir um jogo melhor sobre o jogo primeiro, auanio pelo reeio de que sem tals artifisios nfo saber communica aos que léem “como nas publicagées do jogo, um diagrama das p ‘bes belas ou dificeis”. NOTAS BIBLIOGRAFICAS J Ver a selecdo Literatura e semiologia, Petropolis, Vozes, 1971, reunindo 2 Ver artigo ‘‘Realismo referencial ¢ realismo sistér 3 Ver o capitulo “A um critico" (cap. 137) em Memérias pdstumas de 4 E possivel construir ss “teoria das fag ses i de Luiz Costa Li 7 Vidas secas lec NIVEL DOS PERSONAGENS Divisdo dos conjuntos Comecemos pelo nivel dos perso- ahar um modelo bindrioe um modelo permuaconal no racine mente dos elementos da obra. Isto posto, consideremos que Vidas secas! se compoe de dois conjuntos onde se agrupam seus persone. fens, aqui muita ver designados tambem como elementos, O con. junto 1 englobaria a familia de Fabiano e 0 conjunto 2 seria com: Posto pela sociedad e/ou mundo host ao vaquelroe ses comp wal. conan 1 (ten ia de Fabiano) compreende ‘‘seis viven- es contando © papagaio" como se indica no primelro capitulo. Ai estio Fabiano (0 pa, Vitra (a mde) o menino mais velko eo me nino mais novo (que aqui simt er Ir em da cachorra Baleia ¢ Ciao rnoe.res MNSY ONE). em Genericamente definido como o grande mundo que se opde a Fabiano ¢ sua familia, 0 conjunto 2 funciona como um organismo fechado que repele qualquer comércio com os elementos de conjun= to 1. Sao conjuntos diguntos: Ene esses dois erupon nto hn vows secas_ Bs sistema de trocas, sendo um mecanismo de opressao ¢ bloqueio. E a partir dessa oposigao baisica, enfatizada redundantemente dentro da obra, e 4 anélise interna dos elementos do primeico grupo, que tentaremos fixar 0s modelos basicos que nos podem levar & estrutu- ra da obra Vejamos, primeiramente, 0 conjunto | para, através da andli- se de seus elementos, irmos nao sé conhecendo sua constituiso, mas 0 modo como ele se opde a0 outro conjunto. Ao primeira con- tato, esse conjunto se mostra desdobravel em dois subconjuntos, &s- sim compreendidos: “subconjunto dos elementos humanos: Fabiana, Vit6ria, MMV, MMN. subconjunto dos elementos infra-humanos: a cachorta Baleia © 0 papagaio. Esses dois subconjuntos s6 podem ser entrevistos separadamen: te para efeito do raciocinio analitico, que procura decodificar.aqui- lo que 0 autor codificou no trabalho de criacdo. Embora possam ser percebidos, os dois subconjuntos ndo se apresentam num movi- mento de oposicdo fechada como a constatada entre o conjunto 1 € 0 conjunto 2. Dentro do conjunto 1, ao contrario, os dois subcon- juntos se articulam numa integragdo inversamente simétrica a oposi co anterior. Entre os dois subgrupos a fusao é a ténica dot te ¢ a oposicao, se existe, é apenas aparente meltior serve € servitt para demonstrar uma das chaves mestras do raciocinio na composi- co da obra Com efeito, os dois subconjuntos tém dois polos de referéncia, que vem a dar-lhes unidade. Os elementos humanos Fabiano/Vité- ria/MMV/MMN podem ser aglutinados em torno do paradigma Homem ¢ os elementos do outro subgrupo, em torno do paradig- ma Animal. Graficamente assim teriamos isto-representado, imagi- nando uma escala onde o grau maximo fosse + 1 (Homem) € 0 grau minimo —1 (Animal + 1 (Homem) Fabiano! EMMY I MMN Balela / Papagaio | 1 (Animal, Funcionando como uma escala, este esquema indicaria que 0s elementos humanos est#o no grau mais baixo do nivel Homem, enquanto os infra-humanos estao acima do nivel Animal. Todo o discurso imediato do livro, destacado pelas criticas sociolégicas e es- tilisticas, insistiria neste aspecto que aproxima o humano dos ani- mais ¢ vice-versa, dentro de um processo de zoomorfizacao do hu- mano € antropomorfizacdo dos animais. Essa operacdo, no entan- to, ndo se esgota com uma amostra de andlise estilistica dos elemen- tos metdféricos (fusAo do homem e do animal), mas esconde um process metonimico de composicao do livro, que nos levara a con. fecedo de um modelo de permutabilidade que atravessa toda a obra. © modelo bindrio inicial — Homem/Animal (zoomotfizagio © antropomorfizacao dos elementos do conjunto 1) — pode ser me- thor desenvolvido se, preservando sempre os paradigmas a que eles obedecem, tragarmos uma série de raciocinios verticais ¢ horizon tais sobre o conjunto visando uma melhor apreensdo de seu siste ma de equilibrio. Desprezemos, para facilitar a andlise, os elemen- tos redundantes MMV e MMN que nada adicionam ao subconjun- to a nao ser num estudo em que nos interessasse a redundancia dos elementos. Af teremos Fabiano/Vitdria diante de Baleia/Papagaio, num esquema assim formulado: + Homem FABIANO / VITORIA Baleia / Papagaio | = Animal © que este esquema faz ressaltar é 0 aspecto essencialmente metaforico dos elementos dos subconjuntos através de um racioci nio verticalizante. Existe uma relagao simétrica entre Fabiano/Ba- leia ¢ Vitéria/Papagaio insistentemente referida dentro da obra. A relagéo que os enfeixa pode mesmo ser compreendida através de uma proporsao onde: Fabiano : Baleia : : Vitéria : Papagaio Isto pode ser conferido na prova real que é a estilistica do tex to em estudo. Testando o eixo metaférico com os recursos da esti listica, assim se mostra o inter-relacionamento entre os elementos si- métricos dos dois subconjuntos: L Sore | lado “Fabiano”, 0 a 2) Fabiano /Baleia — No capitulo segundo, int "orca enter uma as efor cana doom io eaeceital paren: rente, ele com menos etiminio,econerand mas reaiicament suas G20 se cortige — Voce ¢ um bicho, Fabiano”. Ou seja: um ind tse que do sendo eatamente un Homer plo menos sbi eS Tar des problemas, No enanto, poucts frases adiante, nova alteraga se diem suas consideragdes,E de homem que se aceltara apenas co- tno um bicho espero ee se coloca como um animar:"9 corpo do ¥8 ao desevasy a pera fname, 0 rags mova se desengongados. Parecia um macoco. Entisteceu” ( Decindo do ponte mas eevado de eras, passa a invid apenas espe din au seen do sim aban na per se aproximar de Baleis, a quem, em contraposigao, em is i ele considera: ““— Vocé é bicho, Baleia"’. Nesta frase ido duplo do ter aplicado a Ba negativ, Uma cos podeia pet da neseslevantamentos estilsticos ino ab os process sstematos de nator don anima desace- do, prineipalmente, os verbos adjtivos conferidos a um e ou imeato numa mesma simbiose merafrica E 1a Vitdria” que o itéria/Popagato — ¥ no capitulo ittuado "Sin ° gor mals eaza a deta etre os dls lento. iia se Entena conus eiabraces «propos ea ake de Fabia no uta comparaa com © papagaio por causa de ses pis, de seu tmodo de andar do sapaco de veri que ela se esforga por usa" pa fae a festa na cidade. ("Ressentida, Fabiano condenaes os sapatos, de verniz que ela usava nas fests, caros ¢inite’s, Calvada naqullo, tropeea,meniase como um papagato, efaridculs”—p. 47) ‘prt daa tmagem dou pe de Vitra a e funding & ina ent do papi, ate aus elivicamente «superposed fin fens somo ca: how ops novamene: Pobre do fu ‘spobre” ja nao se refer excusivamente a0 pa (p. 50) Aio adjetivo “pobre” jan cisvaent 2 bt Soria sinha Vitoria tao “infeliz" como aquele “pobre louro”. No Lean ‘© autor usa de um processo de recorréncia da ima- estari leia: ani ha, especialmente a ‘galinha pedrés’” devorada pela raposa. O estudo estilistico desse sistema de relagdes metaféricas, con. tudo, nao se exaure ai. Feitas as aproximagdes dos elementos um 2 um (isto é um humano ¢ um infra-humano) facamos as oposi ges aos pares, dois a dois, destacando aproximag6es e diferencas essencialmente expressas naquela proporeao que nos dava: Fabia- no esta para Baleia assim como Vitoria esta para o papagaio, 1nt_ANALISE ESTRUTURAL DE ROMANCES BRASILEIROS Fabiano ¢ Baleia se opdem dentro da categoria masculino/fe- minino, ¢ guardadas as diferencas naturais de um e outro na esté- ria, eles se aproximam por serem elementos dinamicos dentro do es- paco descrito. Fabiano e Baleia se movimentam no espaco exterior: Baleia através da caca aos preas e Fabiano ao trabalho de campo dominio dos animais. Por sua vez, sinha Vitéria e © papagaio, que talvez possam ser aprpximados tambéni genericamente (masculino/feminino), se aproximam evidentemente por terem jonta de lingua’ mais que Fabiano e Baleia, que apenas ‘‘rosnam’” e “grunhei Acresce que Vitoria ¢ 0 papagaio so os elementos estaticos da es- t6ria. Estéo sempre presos ao espaco da casa. Finalmente, esse jo. g0 de oposigdes se completa diante da morte ¢ da vida narradas no livro. Assim a cardinalidade dessa relagao pode ser conferida no fato de Fabiano ser aquele que matard Baleia a tiros de espin- garda, assim como Vitéria $a que liquida o papagaio para alimen. tar a familia, confirmando sempre a proporsao inicial — Fabia no: Baleia :: Vitoria: Papagaio, onde sobreleva uma relagao simé- trica e bindria. Nivel de aspiragdes e Esse modelo bindrio pode ser ainda nivel de degradagao melhor desenvolvido se melhor ca racterizarmos os paradigmas iniciai € convertermos os pélos Homem/Animal que nos serviram inici mente, em dois outros referentes a que chamaremos de nivel de as- piracées ¢ nivel de degradacdo dos personagens. Ora, da mesma maneira que Baleia ¢ 0 Papagaio sio os ele- mentos que servem como ponto de referéncia de Fabiano e Vitéria no nivel da degradacao, no plano superior encontraremos dois ou- tros elementos sintetizadores das aspiragdes dos personagens. Tra- ta-se, no caso de Fabiano, da linguagem de seu Tomés da bolandei ra, que sempre o encantou ¢ que tipifica para ele o nivel desejavel de melhoria que o homem pode atingir. Recorrentemente o autor volta a esse tépico: ‘‘Lembrou-se de seu Tomas da bolandeira (...) Em horas de maluqueira Fabiano desejava imita-lo: dizia palavras dificeis, truncando tudo, e convencia-se de que melhorava. Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele nao tinha nascido pa- ra falar certo” (p. 25). { Por sua vez, sinha Vitéria sonha 0 tempo todo em possuir uma cama igual a de seu Tomés: ‘Era melhor esquecer 0 nd ¢ pen- sar numa cama igual a de seu Tomas da bolandeira. Seu Tomas ti nha uma cama de verdade, feita pelo carpinteiro, um estrado de su- cupira alisado a enx6, com as juntas abertas a formao, tudo embu- tido direito, e um couro cru em cima, bem esticado. Ali podia um tistéo estirar os ossos"” (p. 52) Para um, portanto, a linguagem era o traco de superioridade em relacdo as demais pessoas da comunidade; para o outro, a passa gem da cama de varas para a cama de sucupira e couro é o simbo Jo de um status econémico que significava seguranca. Esquematica. mente assim poderiamos representar este jogo de relagdes: Homem Sa linguagem } nivel de aspiragoes | | FABIANO > viroria | Papagslo | nivelde degradecdo jade Estivemos até agora desen- volvendo o sistema bindrio de oposigdes ora enfatizando Fabiano/Vitéria ora destacando os paradigmas Homem/Animal ¢ suas variacdes. Contudo, € possi vel desentranhar um outro modelo — o de permutabilidade — su- gerido pela maneira como se arranjam os elementos de cada sub- Conjunto, especialmente aquele das figuras humanas. Estaremos assim iniciando o estudo do aspecto metonimico desses elementos, vistos agora, nao mais verticalmente, mas sobre 0 eixo das conti guidades horizontais Diferentemente do modelo binario, que procurava compreen. der os elementos através de um jogo de oposi¢des metaféricas (Fa- iano / Baleia e Vitéria / Papagaio), no eixo metonimico procura- Modelo de permutabi [Wy _ANALISE ESTRUTURAL OF ROMANCES BRASILEIROS se demonstrar que os elementos se identificam de tal maneira que entre eles se estabelece um jogo perfeito de permutagao, uma vez Que possuem mais tragos que os aproximam do que caracteristicas que os oponham, Fabiano/Vitoria/MMV/MMN se apresentam identificados Por uma korizontalidade resultante do achatamento de suas figuras dentro da prépria estéria. Por sinal, essas imagens planas, recorta- das do ambiente, mais se aproximam de simples figurantes do que de persoffagens dentro de um conceito mais etimolégico do termo. A rigor, faltam-Ihes a dimensdo da persona. Carecem de ambigiiida- des, ndo portam nenhuma mascara através da qual ressoem sua ani- ma. & bem dizer, nao possuem fala ¢/ou linguagem, © mais se co municam por gestos, ruidos e palavras soltas, sem atingir a fluidez de um discurso que indique o fluxo da subjetividade. E bem verda- de que sinha Vit6ria € apresentada como tendo “uma ponta de lin gua"’ a mais que Fabiano, mas isto nao chega a constituir um tra $0 distintivo que the d@ uma supremacia dentro do conjunto/tami- lia, onde todos os elementos sao aplainados pela linguagem quase nula ¢ pela impossibilidade de articular simbolos que ultrapassem um sistema primitivo de representagoes. Esses personagens (ou figurantes) identificam,sé-dentro de um sistema de redundancia, Nao somente Fabiano é semelhante a Vitoria, conforme demonstracdes nos esquemas anteriores através dos niveis de degradacao ¢ aspiragdes, mas seus descendentes, os dois meninos, além de serem redundancias dos préprios pais pare- cem simétricos um ao outro. Identificam-se mais quantitativa do ue qualitativamente. Sequer tm uni nome proprio, a0 contrario da cachorra Baleia. Como.seus pais, seus niveis de aspiragdes e de- gradacao giram sempre em torno dos mesmos objetos durante to- da a estoria. Na verdade, o MMN repete o MMV assemelhando-se ambos a Vit6ria e Fabiano. Assim todos eles poderiam ser represen- tados simbolicamente por A/B/C/D, considerando-se que A é seme- Ihante a B, que é semethante a C, que é semethante a D. Desse modo observa-se que as escassas propriedades de um ele- ‘mento se repetem nos subseqiientes. Alids, Fabiano ja caracteriza seus acompanhantes a partir de seu préprio nome, uma vez que et mologicamente seu nome significa: “Individuo inofensivo; pobre di bo" ao mesmo tempo que se apresenta como um passivo e “contem- Porizador”, conforme a etimologia de seu nome, incapaz de mudar © rumo dos acontecimentos, de afirmar-se como sujeito entre objetos. a a © aspecto permutacional dos elementos A/B/C/D revela o la. do metonimico da composicao desses figurantes, que pode ser mais claramente fixado se fizermos um estudo da coordenada tempo den- tro dessa obra, Semelhantes uns aos outros no tempo presente, mos tram-se como redundancias de personagens passados ¢ sem muita possibilidade de variacdo futura, O texto da estéria enfatiza aqui € ali ndo s6 0 fato de os meninos serem repetigdes dos pais, como 0 fato de os pais serem repeticdes mondtonas de outros antepassados sobre a mesma pauta ce miséria. Ha mesmo uma sensagao de efer- no retorno fornecida pelo ciclo vicioso onde se inscrevem as vidas, dos figurantes. Dois textos, entre outros, comprovam este movimen: to circular. O primeiro ilustra 0 aspecto repetitivo da imagem de Fa- biano em relacdo aos antepassados: “A cabega inclinada, o espinha- 0 curvo, agitava os bracos para a direita e para a esquerda, Esses movimentos eram iniiteis, mas 0 vaqueiro e 0 pai do vaqueiro, avd © outros antepassados haviam-se acostumado a percorrer veredas. afastando 0 mato com as maos, E 0s filhos ja comecavam a repro 0 gesto hereditario” (p..19). ; O texto seguinte sxemplifica a redundancia em diregao ao futu ro: “os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de um patrao in am pisados, maltra- tados, machucados por um soldado amarelo” (p. 42). Sem nenhu: ma variacao significativa no passado ¢ sem possibilidade de altera 80 num futuro, 0s personagens circulam num universo fechado on de os extremos se igualam. Deve ser dessa auséncia de diferenciagao qualitativa sobre @ coordenada temporal que advém a falta de uma consciéncia do que seja o préprio tempo. Semelhantes aos seus ante- passados e num universo de alternativas sem qualquer varidncia, 0 aspecto perinutacional dos figurantes bem se exemplifica na divi da de Fabiano, ja no tltimo capitulo: “falou no pasado, confun diti-o cori 0 futuro” Para melhor percebermos a persisténcia dos ttiodelos bindrios ¢ permutacionais possiveis de serem articulados na andlise estrutu- ral de Vidas secas, desloquemos o foco de observacdes dos persona- gens para o ambiente que 0s cerca tentando compreender a intera~ Gao que se estabelece entre 05 elementos humanos e nao-humanos apresentados na estoria. pees Chamaremos de elementos humanos os quatro figurantes Fa biano/Vitéria/MMV/MMN, ja simbolizados por A/B/C/D e de elementos nao-humanos, aos animais, vegetais, objetos e paisagem referenciados aos personagens aqui simbolizados respectivamente por a/b/e/d. Compreendidos esses elementos como dois subconjun- tos assim os teriamos esquematizados: (Fabiano) (vitéria) (MMV) (MMIN)_—_ elementos humanos gra Mg Te ae oa {animal (vegetal) (objeto) {paisagem) _} elementos ndo- Fhumanos: Esse esquema esconde, sob variagdes, as racioe! lizantes ¢ verticalizantes anteriores, aqui nomeados como eixos me- taférico e metonimico da relacao dos personagens. Existe uma per- ‘mutabilidade entre os elementos A/B/C/D do subconjunto dos ele- mentos humanos, pois em vez de terem tracos que os diferenciem possuem muito mais semelhangas que possibilitam a troca de um pe- lo outro. Os elementos do conjunto ndo-humano, por sta vez, pos- tam-se metaforicamente em relacdo aos anteriores. Aqui teriamos ampliado 0 eixo metaférico, que anteriormente retinha somente as imagens dos animais. Na verdade, as metaforas s4o mais abrangen- tes e compreendem todo 0 meio ambiente onde circulam os figuran- tes. Mesmo aparecendo em menor escala, o vegetal, 0 objeto ¢ a paisagem referenciam ¢ definem metaforicamente os personagens. Isto equivale a dizer que nao somente A é semethante a B, que é se~ melhante a C, que é semelhante a D, mas que qualquer desses ele- mentos, A, por exemplo, pode ser aproximado de qualquer dos ele- mentos do outro subconjunto, seja a, b, c,d Em termos mais ilustrativos isto equivale a dizer que Fabia- no (A) tanto € comparado ao animal (a), como ao vegetal (b), co- mo ao objeto (c) € a paisagem (4). E assim sucessivamente com Vi- t6ria (B), MMV (C) eo MMN (D). Sem pretender uma analise exaustiva (que caberia muito mais a estilistica), mas limitando-nos somente aos exemplos necessérios, vejamos cada um desses itens sumariamente. A comparacao homem/animal (jé estudada anteriormente) é a mais comum no livro € pode ser comprovada pelo uso de verbos, adjetivos ¢ até pelo artificio que o autor usa de conferir acdes, pe samentos e caracteristicas do homem ao animal e vice-versa. Esta comparagaio estabelece-se em todos 0s personagens incluindo 0 MMN e seu relacionamento com a Baleia, as cabras, 0 bode velho ¢ 05 periquitos e 0 MMV sempre reproduzindo animais em forma de barro, figurando 0 tinico universo que conhecia, (0 homem/vegetal estio metaforicamente fundidos, por exem: episédio em que Fabiano se considera “‘plantado em tetra (p. 21), comparando-se com “as catingueiras ¢ as barau- (p. 21), e até mesmo na figura do patrao seco, “espinhoso co- mo pé de mandacaru"’ (p. 27) ‘Objeto entre objetos, ¢ a bolandeira de seu Tomas que me- Ihor define Fabiano: “para bem dizer, no se diferengava muito da bolandeira de seu Tomas (...) E ele, Fabiano, era como a bolan- deira, Nao sabia por que, mas era’? (p. 13). Finalmente, a aproxima- cio homem/paisagem surge sistematicamente quando 0 autor igua- lao personagem A paisagem seca dando-Ihes as mesmas cores p rias com que descreve 0 ambiente. Assim o vermelho, o amarelo, 6 azul do sertao arido refletem-se no soldado amarelo que prende Fabiano, muita vez nomeado puramente de ‘‘o amarelo””; na “bar- riguinha vermelha de Baleia’’; no seu Tomas que “‘passava, amare Io, sisudo”, e na saia de “ramagens vermelhas” de sinha Vit Sobretudo, a fusdio homem/paisagem transparece na fisionomia de Fabiano, pintado com aquelas trés cores: “‘uma labareda tre clevou-se, tingiu-lhe 0 rosto queimado, a barba ruiva, os olhos azuis” (p. 14), Estaria af esgotado o sistema de trocas de caracteristicas dos elementos de um subconjunto por outro? E isto se demonstra to- mando-se agora diregao inversa, e observando-se que ndo somente elementos humanos s20 comparados aos nao-humanos, mas estes sto comparados aqueles. O ani al, 0 objeto e a paisagem, por sua vez, so humanizados demonstrando a reversibilidade do sistema permutacional e metaférico inscrito no livro. Com efeito, nna narrativa encontram-se trechos em que se diz: “‘ai fervilhava uma populagdo de pedras vivas e plantas que procediam como gen- te” (p. 70): € 0 autor ainda se refere & enchente que ia “lambendo ribanceiras” ao “despotismo da agua” ¢ ao ““trovdo que roncara perto”, Para efeito de raciocinio, néo importa em nossa andlise que os exemplos dados néo se refiram especificamente a Fabiano/Vito- ria/MMV/MMN, aqui representados por A/B/C/D, nem altera ‘em nada o raciocinio se, em vez de quatro elementos, tomarmos 1Mt_ANALISE ESTRUTURAL DE ROMANCES BRASILEIROS {_ANALISE ESTRUTURAL DE ROMANCES mRASWEIROS seis ou sete € se ampl irmos as mintisculas, de quatro elementos pa- ra seis ou sete. O que importa ressaltar é que todos os personagens guardam similaridades entre si, todos tém um minimo miiltiplo co- mum em toda a narrativa’e se deixam definir pelas mesmas varid- veis, de tal modo que se estabelecem como elementos protétipos, © que serve para configurar A, automaticamente serve para com- preender D ou até E ¢ F, se téo longe quiséssemos levar a anilise. Finalizando esta parte de estudo dos personagens, agora meta- foricamente paralelizados com o meio ambiente, pocleremos reduzit as constanfes metaféricas € metonimicas dos elementos a termos ain- da mais restritos. Isto é, para dizer que: jé que A/B/C/D sao seme- thantes e podem ser permutados devido a identidade de suas carac- "as, cles podem ser representados como subconjunto por um simbolo, que seria X, enquanto os elementos do outro subgrupo po- dem ser simbolizados por Y. Dai se concluem duas afirmagoes: 8) que os elementos de X so passveis de serem permutados entre si de vido & horizontalidade metonimica por que pantie A b) que qualquer dos elementos A/B/C/D podem ser unidos metaforce mente a a/b/c/d, porque eles sfo definidos e definemn © proprio meio atnbiene. E € ai, justamente, que se dé o encontro do plano metaféi co e do metonimico da permutacao e da comparacio, pois A esta em relagao metaforica de similaridade com a, b, c, d, depois de ja ter sido permutado por B/C/D/. Ora, se A é permutavel por B/C/D © A é com a/b/c/d, equilibra-se a equagao metonimicamente entre 0s préprios elementos humanos, e firetaforicamente em relagdo aos elementos da natureza, 0 que nos daria de volta 0 modelo bindrio original, onde, agora, X seria semelhante de Y NIVEL DA NARRACAO. Localizagéo dos motives Como ja foi afirmado, a opera- ta em diferentes niveis. Submetidos a varios enfoques no nivel dos ersonagens, énecessdrio manipuld-los também no nivel da narracdo. A critica de Vidas secas tem visto na conjuntura do texto trés aspectos que nos parece importantes © que carecem de ser inter {| relacionados, sem o que ficardo sempre na conjuntura sem atingir a estrutura da obra. O primeito deles ¢ de que essa novela pode ser definida como uma “novela desmontavel"” — segundo observagao de Rubem Braga, bastante repetida por todos os criticos. Desenvol vendo esse t6pico, Antonio Candido diz que “a sua estrutura de pe quenos quadros justapostos lembra certos tripticos medievais, em que a vida de um bem-aventurado ou dos fastos de heréi se organi- zam em unidade bastante livre’. A seguir chama Vidas secas de triptico ou rosdcea, uma vex que o fim do livro mais que indicar um fim sugere um comeco como foi 0 prdprio comeco da estéria, caleada na formula do eterno retorno Além disto, tem a critica também assinalado que a estoria de Vidas secas & a-historica, definindo-se mais por um tipo de acro- nia, uma vez que nao se situa em nenhum tempo especifico. Final mente, a terceira observacao da critica tem sido a de que nesta com- posicdo a estéria propriamente dita é secundaria: falta af a trama tradicional com todos os mecanismos de climax ¢ anticlimax, jé in dicada na prépria auséncia de personas que atuem como sujeitos criadores de uma atmosiera mais dramaticamente definida Caberia entéo perguntar: Nao seria uma a continuagdo ¢ ex- plicagao da outra? Nao sao trés aspectos de uma mesma problema- tica? Nao seriam a fonte para uma recolocago dos problemas nao apenas conjunturais, mas estruturais da obra? Estamos, sem divida, diante de uma obra singular onde os personagens nao passam de figurantes, onde a estéria € secundaria e onde 0 préprio arranjo dos capitulos do livro obedece a um crité rio aleatério. O que teria isto a ver cont os modelos de permutal dade anteriormente acionados quando tratamos especificamente dos personagens? Parece que a relacao é bvia. Vejamos, no entan- to, para melhor encaminhiamento do raciocinio, um documento do proprio autor de Vidas secas, e que parece ser um argumento a mais em torno dos modelos bindrios e de permtitabilidade que de- senvolvemos nesta anélise. ‘Trata-se de um depoimento, praticamente ignorado pela ci ca, que, ndo obstante ser um dado contextual, pode nos levar me- jse do texto em questdo. Referimo-nos a uma carta de na revista O Cru Thor & ani Graciliano para José Condé, quando este poss zeiro a segio — “Arquivos implacave “Terrivel Condé: Atendo & sua indiserigdio, No comeco de 1937 u to a lembranga de um cachorro sacrificado na Manicoba,

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