Você está na página 1de 24

Direito Administrativo

Agentes públicos
No capítulo anterior estudamos que o Direito Administrativo é uma disciplina jurídica que
se insere no ramo público do Direito, tendo como objeto o estudo da função e da organização
administrativa do Estado e abrangendo os entes, órgãos, agentes e atividades desempenhadas
pela Administração Pública.

Desse modo, identificamos o conteúdo do regime jurídico administrativo que, conferindo


autonomia ao Direito Administrativo, consiste no conjunto de normas que outorgam uma
conjunção de poderes e limitações especiais à atuação da Administração Pública para a tutela
dos interesses da coletividade.

Aprendemos, também, que o exercício da função administrativa se dá mediante a


expedição de atos que gozam de características especiais em decorrência desse regime jurídico
consagrador de prerrogativas de supremacia e sujeições especiais. E, por fim, estudamos como
se apresenta estruturada e organizada a Administração Pública para o desempenho de suas
finalidades.

Abordaremos agora quem são as pessoas que compõem a Administração Pública e que,
exteriorizando as competências administrativas para o atendimento dos interesses da
população, dão cumprimento às finalidades estatais.

Classificação dos agentes públicos


As atividades administrativas são desempenhadas pelos agentes públicos, pessoas
consideradas longa manus estatal, ou seja, uma extensão do Estado na execução dos serviços
prestados à coletividade. Maria Sylvia Zanella di Pietro (2018, p. 674) define agente público
como “toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração
Indireta”.

Agente público é, de maneira geral, a expressão mais ampla utilizada para designar de
maneira genérica toda pessoa física que, definitiva ou transitoriamente, realiza uma função
pública, recebendo ou não remuneração dos cofres públicos.

Podemos indagar: funcionário público é sinônimo de agente público? Não. Como


mencionado no parágrafo anterior, agente público é uma denominação ampla que abrange
todo aquele que desempenha uma função pública. A expressão “funcionário público” era
utilizada na Constituição de 1967 para designar a pessoa que hoje é identificada como servidor
estatutário e que, como veremos adiante, é uma espécie de servidor público, sendo também
uma categoria de agente público.

A Constituição atual não utiliza mais a expressão “funcionário público”. Em vez disso,
usa-se “servidor público”, que, todavia, tem uma dimensão mais abrangente por não se limitar
ao servidor estatutário, englobando também os empregados públicos e aqueles contratados
temporariamente para atendimento de uma necessidade excepcional do interesse público.

Como afirma Di Pietro (2018, p. 674), “antes da Constituição atual, ficavam excluídos
os que prestavam serviços às pessoas jurídicas de direito privado instituídas pelo Poder Público
(fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista). Hoje o artigo 37 exige a
inclusão de todos eles”.
Nos termos da Constituição Federal (BRASIL, 1988), os agentes públicos são
classificados da seguinte forma:

• agentes políticos;
• servidores públicos;
• militares;
• particulares em colaboração com o Poder Público.

Hely Lopes Meirelles (1997, p. 75) leciona que “agentes políticos são os componentes
do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou
comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições
constitucionais”.

Trata-se de um conceito vasto, pois, nessa categoria, o autor inclui tanto os chefes do
Poder Executivo federal, estadual e municipal, seus auxiliares diretos (os ministros de Estado
no plano federal e os secretários estaduais e municipais) e os membros do Poder Legislativo,
assim como os integrantes da Magistratura, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e
“demais autoridades que atuem com independência funcional no desempenho das atribuições
governamentais, judiciais ou quase judiciais, estranhas ao quadro do funcionalismo
estatutário” (MEIRELLES, 1997, p. 75).

Celso Antônio Bandeira de Mello (2016, p. 111) apresenta um conceito mais restrito,
definindo como agentes políticos apenas “os titulares dos cargos estruturais à organização
política do País, ou seja, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço
constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a de
formadores da vontade superior do Estado”.

Para o administrativista, integram a categoria de agentes políticos apenas o presidente


da República, governadores, prefeitos e seus respectivos vices, auxiliares imediatos, ministros,
secretários estaduais e municipais, senadores, deputados e vereadores.

Agentes políticos são pessoas que têm um vínculo com o Estado para o exercício de
uma função política, assim concebida como uma função de ordem superior que compreende
“as atividades de direção e as colegislativas, ou seja, as que implicam a fixação de metas, de
diretrizes, ou de planos governamentais” (DI PIETRO, 2018, p. 675).

A investidura dos agentes políticos também é de natureza política e se dá por meio de


eleição ou por nomeação, no caso dos auxiliares diretos dos chefes do Poder Executivo – como
ministros e secretários estaduais e municipais. Também é de natureza política a investidura em
certos cargos do Poder Judiciário, (ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal), dos Tribunais de Contas e do Ministério Público (federal e estadual).

Agentes políticos são as pessoas físicas que têm um vínculo de natureza político-
institucional e desempenham com autonomia suas funções, ou seja, sem vínculo de
subordinação hierárquica, sendo investidos de prerrogativas e responsabilidades previstas na
Constituição e em leis especiais. Eles realizam função política assim concebida como uma
tarefa de governo que fica a cargo dos órgãos governamentais que se concentram
basicamente no Poder Executivo e, em parte, no Poder Legislativo.

Em vista disso, seja em razão da natureza das atividades que desempenham os agentes
políticos ou pela natureza do seu processo de investidura, não parece adequado incluir nessa
categoria os magistrados e os membros do Ministério Público, notadamente porque “em suas
atribuições constitucionais, nada se encontra que justifique a sua inclusão entre as funções de
governo; não participam direta ou indiretamente, das decisões governamentais” (DI PIETRO,
2018, p. 675).

Como espécie de agentes públicos, temos os servidores públicos, pessoas físicas que
integram a Administração Pública mediante um vínculo de natureza profissional e hierárquico-
funcional, recebendo, pelo desempenho de suas atribuições, remuneração diretamente dos
cofres públicos. Di Pietro (2018, p. 677) explica que servidor público é uma designação
abrangente que inclui “as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da
Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres
públicos”.

Nestes termos, os servidores públicos são classificados em: (i) servidores estatutários;
(ii) empregados públicos; e (iii) contratados temporariamente nos termos do disposto no inciso
IX do artigo 37 da Constituição Federal.

• Servidores estatutários: são aqueles que mantêm com a Administração Pública


um vínculo de natureza profissional e permanente, ocupantes de cargos públicos que são
submetidos ao regime estatutário, estabelecido em lei – denominado estatuto – e modificável
unilateralmente, respeitados os direitos adquiridos.

Cada ente federativo detém competência para expedir o estatuto que, estabelecendo
os direitos e deveres do servidor, é o diploma normativo que rege a relação, daí fala-se em
vínculo profissional-legal. Na esfera federal, o regime estatutário é regulado pela Lei n.
8.112/90. São os servidores da Administração Pública direta e autárquica que, investidos por
meio de concurso, alcançam a estabilidade no serviço público.

• Empregados públicos: são aqueles que têm ligação de natureza contratual com
a Administração Pública, ocupam emprego público e se submetem ao regime da legislação
trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Esse regime é obrigatoriamente exercido
nas entidades da Administração Pública indireta, dotadas de personalidade jurídica de direito
privado – as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Embora seja um regime predominantemente privado, por estarem vinculados a


entidades da Administração Pública, essa categoria de empregados sujeita-se a algumas
imposições do regime público, como as normas constitucionais que estabelecem o concurso
público como requisito prévio à investidura (artigo 37, inciso II), a vedação à acumulação
remunerada de emprego público (artigo 37, inciso XVII), entre outras previstas no Capítulo VII,
do Título III da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

• Servidores temporários: são aqueles recrutados “para exercer funções em caráter


temporário, mediante regime jurídico especial a ser disciplinado em lei de cada unidade da
federação” (DI PIETRO, 2018, p. 677), com o objetivo de atender uma necessidade temporária
de excepcional interesse público. No âmbito federal, a Lei n. 8.745/1993 disciplina o regime de
contratação dos servidores temporários.

É importante destacar que os servidores públicos, assim consideradas as pessoas físicas


que têm vínculo de natureza profissional não eventual com o Poder Público, podem ocupar
cargo, emprego ou função pública que, embora existam paralelamente na Administração
Pública, são realidades distintas.

Relativamente à função pública, podemos observar que a Constituição Federal refere-se


a ela em duas situações: (i) quando trata das funções de confiança, de livre provimento e
exoneração, correspondentes às funções de direção, chefia e assessoramento, no inciso V, do
artigo 37; e (ii) quando exercida por servidor contratado temporariamente na forma do artigo
37, inciso IX, para a qual não se exige concurso público ante a excepcionalidade e urgência da
situação.

Em resumo, quanto aos cargos, empregos e funções públicas, temos:


a. cargo público: diz respeito ao conjunto de atribuições exercidas pelo servidor
público que tem um vínculo estatutário com a Administração Pública, criado por lei com
denominação própria e em número certo e remuneração paga pelos cofres públicos;
b. emprego público: diz respeito ao conjunto de atribuições exercidas pelo
empregado público, ou seja, aquele que tem vínculo de natureza contratual com a
Administração
Pública regido pela CLT; e,
c. função pública: consiste, de modo residual, no conjunto de atribuições e
responsabilidades às quais não correspondem nem cargo nem emprego público.

Os militares “abrangem as pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas –


Aeronáutica, Exército e Marinha (artigo 142, caput e §3o, da CF) – e às Polícias Militares e
Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios (art. 42), com
vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio, mediante remuneração paga pelos cofres
públicos” (DI PIETRO, 2018, p. 680-681).

Até a Emenda Constitucional n. 18/1998, os militares eram considerados servidores


públicos, quando foram excluídos da categoria de servidores públicos, sendo identificados
como uma categoria própria. Pois, conforme estabelece o artigo 142, §3o, inciso VIII, da CF, a
eles são aplicáveis algumas normas dos servidores públicos estatutários, como teto
remuneratório, irredutibilidade de vencimentos, forma de cálculo dos acréscimos salariais,
além de algumas vantagens próprias do regime privado, como férias, décimo terceiro salário,
licença-gestante, licença-paternidade.

Como categorias de agentes públicos, temos ainda os particulares em colaboração com


a Administração Pública, pessoas que não integram a estrutura do Estado e realizam atividades
sem vínculo de emprego, com ou sem remuneração (DI PIETRO, 2018). Quando remunerados,
seu pagamento não é feito diretamente pelos cofres públicos, mas advém das taxas e tarifas
cobradas pelo desempenho do serviço e pagas diretamente pelo cidadão que usufruir do
serviço.

Nessa categoria, temos: a) aqueles que recebem uma delegação do Poder Público para
o desempenho de um serviço público, como os concessionários e permissionários de serviços
públicos, os notários e oficiais de registro (artigo 236, CF), os leiloeiros e os tradutores oficiais.
Eles desempenham suas atividades sem vínculo empregatício, são remunerados por aqueles
que usufruem dos serviços que prestam e são fiscalizados pelo Poder Público; e, b) aqueles
que são requisitados para o desempenho de uma atividade relevante, sem vínculo de
emprego, como os recrutados para o desempenho do serviço eleitoral ou militar, bem como
para atuarem como jurados no Tribunal do Juri. São também denominados “agentes
honoríficos”, pois são recrutados para o desempenho de uma atividade que constitui um
munus público, consistente em uma “parcela de sacrifício exigível do cidadão em prol dos
interesses coletivos […] para cumprir objetivos cívicos, sem usufruir nenhuma retribuição de
cunho pecuniário” (BACELLAR FILHO, 2005, p. 132).

Assim, os agentes públicos constituem a grande massa de prestadores de serviços ao


Estado, que, de acordo com a sua classificação, ocupando cargo ou emprego público ou, ainda,
exercendo uma função pública ou política, expressam a vontade estatal no atendimento do
interesse público.

Regime constitucional dos servidores públicos


A Constituição Federal de 1988 traz um conjunto de normas que compõem o chamado
regime constitucional dos servidores públicos e, dessa forma, são aplicáveis aos servidores de
todas as esferas federativas. São normas que dizem respeito ao regime jurídico aplicável aos
servidores da Administração Pública Direta, autárquica e fundacional, que deve ser único.
Essas diretrizes estabelecem as condições de acesso aos cargos, empregos e funções públicas,
os direitos sociais aplicáveis aos servidores públicos e, por fim, tratam do sistema
remuneratório e previdenciário dos servidores.
Regime jurídico único
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a obrigatoriedade de adoção do regime
único na Administração Pública (artigo 39, caput), o que levou muitos doutrinadores a
sustentarem que, diante desse dispositivo, caberia ao ente federativo a opção entre o regime
estatutário ou o regime de emprego público.

Entretanto, é importante ressaltar que essa definição não se insere no âmbito de opção
discricionária, pois prevalece no sistema constitucional brasileiro a relação estatutária entre o
Estado e seus agentes administrativos, haja vista que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a
ADI 23101, decidiu que o regime de emprego público é incompatível com o exercício de
atividades típicas de Estado.

Regis Fernandes de Oliveira destaca que a Administração Pública não detém liberdade
para escolher o regime a que submete o seu pessoal, não lhe sendo possível

optar pelo regime celetista. Ao contrário, o Constituinte


cuidou de indicar o regime estatutário em diversos
dispositivos, para deixar claro que pretendia que os
serviços púbicos fossem prestados por servidores
admitidos, mediante regime específico, que identificou
ao longo de dispositivos apropriados (art. 37 e seguintes).
A tais servidores fez incidir itens relativos ao regime
celetista (§ 3o do artigo 39), o que não significa que os
tenha equiparado. Instituiu vantagens, garantias
específicas, formas de provimento etc. Enfim, instituiu
um regime próprio, diferente do trabalhista. (OLIVEIRA,
2004, p. 34)

1Tratou-se de ação direta de inconstitucionalidade que, entre outros, questionava o regime celetista estabelecido para o pessoal
das agências reguladoras. Nesse julgamento, considerando que tais agências são espécies de autarquias (especiais) que realizam
atividade típica de Estado – o poder de polícia –, o Supremo Tribunal Federal decidiu que seus servidores não poderiam se submeter
ao vínculo de emprego regido pela legislação trabalhista, impondo-se a eles o regime estatutário,
Com efeito, de acordo com os dispositivos constitucionais relativos ao tema dos
servidores públicos, em conformidade com autorizada doutrina administrativista, o regime
estatutário é o regime jurídico próprio para os servidores da Administração Pública Direta e
das autarquias e fundações de direito público, estando afastada, para esses casos, a
possibilidade de adoção do regime de direito do trabalho2.
É importante salientar que a Emenda Constitucional n. 19/1998 pretendeu ampliar a
contratação no regime de emprego público, mas isso não afastou a obrigatoriedade de adoção
do regime estatutário, como alguns poderiam precipitadamente querer sustentar. Tratou-se,
em verdade, de uma flexibilização da obrigatoriedade de adoção do regime único então
estabelecida pelo caput do artigo 39, não de sua extinção.
Como anota Carmen Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 135), o legislador derivado não
extinguiu o dever de adoção do regime jurídico estatutário, ao contrário,

as normas constitucionais que se acrescentaram ao texto


originário pela promulgação da Emenda Constitucional
n. 19/98 revelam, mais que encobrem, a obrigatoriedade
do acolhimento daquele modelo estatutário como
definidor do regime jurídico do servidor público. Assim
é que se impõe, por exemplo, o dever de as entidades
federadas instituírem conselho de política de
administração e remuneração de pessoal. A obrigação
constitucional assim determinada define uma diretriz no
sentido de se ter uma única via pela qual siga o tratamento
do servidor.

Em razão dessa flexibilização trazida pela EC 19/1998, foi expedida no âmbito federal
a Lei n. 9.962/2000 para disciplinar o regime de emprego, que, a partir dessa Emenda, passou
a vigorar no contexto da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional,
estabelecendo- -se a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho naquilo que a Lei não
dispuser em sentido contrário. No entanto, o Supremo Tribunal Federal considerou
inconstitucional o dispositivo da Emenda Constitucional n. 19/1998, que pretendeu flexibilizar
a adoção do regime único ao julgar a ADI 2135-4/DF, voltando, portanto, o texto constitucional
à sua redação originária, isto é, à obrigatoriedade de adoção do regime único e planos de
carreira para o pessoal da Administração Pública direta, autárquica e fundacional3.

Mello (1991, p. 107) adverte que o regime estatutário é próprio para o atendimento
dos interesses públicos básicos, sendo que o as normas trabalhistas foram concebidas para
dispor sobre relações entre particulares, estranhos, tendo em vista a problemática que está
em causa quando se trata de proteger e resguardar interesses públicos. Os servidores são
instrumentos de atuação do Estado e, assim sendo, pelas garantias oferecidas, como
impessoalidade e neutralidade à função pública, o regime estatutário é o regime legal que
proporciona o exercício das atividades com maior independência técnica, orientando-se para o
atendimento das finalidades públicas.

O regime estatutário é o regime dominante na Administração Pública direta,


autárquica e fundacional, não se confundindo com o regime trabalhista, admitido para a
realização de atividades mais subalternas – aquelas cujo desempenho sob o regime laboral

2Sobre o tema, vale conferir as lições de Meirelles (1997, p. 358); Di Pietro (2018, p. 685); Mello (2016, p. 251-262); Rocha (1999, p.
124-127); Dallari (1992, p. 46); Anastasia (1990, p. 59).
3
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2135 MC/DF DF. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 7 mar. 2008. Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=11299. Acesso em: 2 out. 2019.
“não introduz riscos para a impessoalidade da ação do Estado em relação aos administrados
caso lhes faltem as garantias inerentes ao regime de cargo” (MELLO, 2016, p. 259-260).

A impessoalidade e a necessária independência do servidor público para o adequado


exercício das suas atribuições é assegurada pela estabilidade, direito garantido ao servidor
público estatutário, como veremos adiante.

Acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas


A Constituição Federal estabelece que os cargos, empregos e funções públicas são
acessíveis a todos os brasileiros, assim como aos estrangeiros, na forma da lei (inciso I, do
artigo 37, CF).

“A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em


concurso público de provas ou de provas e títulos, [...] ressalvadas as nomeações para cargo
em comissão”, de acordo com o disposto no inciso II, do artigo 37 da CF (BRASIL, 1988). Isso
significa dizer que os servidores públicos estatutários e os empregados públicos somente
podem ocupar cargos públicos de provimento efetivo e empregos públicos, respectivamente,
depois de regularmente aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Quanto aos cargos em comissão, a Constituição Federal expressamente dispensa o


concurso público para o seu preenchimento, pois, criados por lei em número certo e
determinado, são providos segundo critérios de conveniência e oportunidade da autoridade
administrativa. São cargos de provimento transitório em que a investidura do servidor se dá
com base no critério de confiança da autoridade que o nomeia, ou seja, são de livre nomeação
e exoneração.

Nos termos da Constituição Federal, o concurso público terá um prazo de validade de


até dois anos, sendo possível a sua prorrogação, por uma vez, por igual período (artigo 37,
inciso III). A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso IV, também estabelece que “durante
o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público
de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para
assumir cargo ou emprego, na carreira” (BRASIL, 1988).

Já vigorou entendimento de que a aprovação em concurso público gerava apenas uma


mera expectativa de direito à nomeação para o candidato. Felizmente essa compreensão foi
superada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, que passaram a reconhecer que,
durante o prazo de validade do concurso público, o candidato aprovado e classificado nas
vagas previstas no edital tem direito subjetivo à nomeação.

Esse entendimento foi fixado pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso


Extraordinário
n. 192.568/PI, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, que assentou que “o princípio
da razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto do concurso, o preenchimento de
vagas existentes” e citou o sempre mestre professor Celso Antônio Bandeira de Mello, para
quem (1991, p. 56)

o inciso IV (do artigo 37 da Constituição Federal) tem o


objetivo manifesto de resguardar precedências na
sequência dos concursos, segue-se que a Administração
não poderá, sem burlar o dispositivo e sem incorrer em
desvio de poder, deixar escoar deliberadamente o período
de validade de concurso anterior para nomear aprovados
em concursos subsequentes. Fora isso possível e o inciso
IV tornar-se-ia letra morta, constituindo-se na mais rúptil
das garantias.

Como dito anteriormente, o provimento de cargos e empregos públicos exige


aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. Provimento é o ato de
designação de uma pessoa para o preenchimento de um cargo, podendo ser classificado como
originário ou derivado, como detalhado a seguir:

• Provimento originário: também concebido como inicial e autônomo, é aquele


que se dá quando o preenchimento do cargo se faz sem que o agente possua qualquer vínculo
anterior com a Administração Pública.
• Provimento derivado: ocorre quando o preenchimento do cargo pressupõe uma relação
anteriormente existente entre o provido e o serviço público. Deriva, portanto, de um vínculo
anterior do servidor com a Administração Pública, podendo se apresentar sob as modalidades
vertical e horizontal.
A Lei n. 8.112/90, diploma que estabelece o Regime Jurídico Único do Servidor Público
Federal, estabelece, em seu artigo 8º, as formas de provimento dos cargos públicos:
nomeação, promoção, readaptação, reversão, aproveitamento, reintegração e recondução.

A única forma possível de provimento inicial ou autônomo é a nomeação, que consiste


no ato formal de designação do servidor para o cargo público e se fará em caráter efetivo,
mediante aprovação prévia em concurso público, ou em caráter transitório, nos cargos
denominados em comissão, que dispensam aprovação em concurso público. É feita por ato
administrativo expedido pela autoridade competente: o decreto.

Quanto às formas de provimento derivado, temos:


• Provimento derivado vertical: acontece pela promoção do servidor a um cargo de nível
mais alto dentro da própria carreira, ocorrendo por critérios de merecimento e tempo,
previamente estabelecidos no respectivo estatuto.
• Provimento derivado horizontal: o servidor não ascende nem é rebaixado, sendo
identificado pelas seguintes modalidades:
• readaptação: o servidor é investido em outro cargo, de mesmo nível de escolaridade e
cujas atribuições são compatíveis com a superveniente limitação da sua capacidade física ou
mental, não podendo haver ascensão nem rebaixamento (artigo 24 da Lei n. 8.112/1990);
• reversão: retorno do servidor aposentado ao serviço público quando não mais existirem
as razões que lhe determinaram a inativação, no caso de aposentadoria por invalidez, ou, ainda,
no interesse da Administração, no caso de aposentadoria voluntária (artigo 25 da Lei n.
8.112/1990);
• reintegração: é o retorno do servidor demitido do serviço público ao cargo que
anteriormente ocupava (ou no resultante de sua transformação) quando, por decisão
administrativa ou judicial, for declarada ilegal a pena de demissão do cargo público (artigo 28 da
Lei n. 8.112/1990);
• recondução: é o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado, quer por
ter sido inabilitado no estágio probatório em outro cargo inacumulável, quer por ter sido
desalojado em decorrência de reintegração do precedente ocupante (artigo 29 da Lei n.
8.112/1990);
• aproveitamento: é o retorno do servidor estável que se encontra em disponibilidade ao
mesmo cargo ou a cargo diverso (artigo 30 da Lei n. 8.112/90).

O cargo público é considerado preenchido quando o servidor toma posse (em até 30
dias após a nomeação) e entra em efetivo exercício (em 15 dias). Somente após a posse e o
efetivo exercício é que se aperfeiçoa o provimento no cargo público.

Nos cargos de provimento efetivo, após ser aprovado no estágio probatório de 36


meses, o servidor público adquire a estabilidade, cujo conteúdo será agora explicitado.

Estabilidade
A estabilidade é o direito constitucional (subjetivo) obtido pelo servidor detentor de
cargo efetivo, adquirido após aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.
Esse direito é alcançado após três4 anos, a contar da posse no cargo, de efetivo exercício em
cargo de provimento efetivo, desde que tenha sido aprovado no estágio probatório pela
avaliação realizada por comissão especialmente instituída para essa finalidade (artigo 41, § 4o,
CF).
Concebida como uma garantia constitucional, própria do regime estatutário, a
estabilidade assegura uma atuação mais imparcial, impessoal e destemida do servidor público,
circunstância indispensável ao exercício da função pública (BACELLAR FILHO, 2009).

Meirelles (1997, p. 388) observa que “a garantia da estabilidade é exclusiva dos


servidores regularmente investidos em cargos públicos de provimento efetivo”.

Sobre o tema, Di Pietro (2008, p. 562) adverte, ainda, que a emenda constitucional n.
19/98

tornou expresso, no caput do artigo 41, que a estabilidade


só beneficia os servidores nomeados para cargos de
provimento efetivo, pondo fim ao entendimento
defendido por alguns doutrinadores de que os servidores
celetistas, sendo contratados mediante concurso público,
também faziam jus ao benefício.

Em seguida, adverte que “não tem qualquer sentido a Súmula 390, I, do TST”, pois “a
partir da Emenda n. 19 [...] não mais se justifica a outorga de estabilidade ao servidor celetista,
que é contratado (e não nomeado) para emprego (e não cargo)” (DI PIETRO, 2008, p. 562).

É importante destacar que não se pode confundir estabilidade com efetividade. A


estabilidade diz respeito ao direito do servidor de permanecer no serviço público, observado o
disposto no artigo 41 da Constituição Federal. Já a efetividade diz respeito ao atributo do
cargo, que será de provimento efetivo, ou seja, é preenchido com o pressuposto da
permanência do servidor no serviço público. Em síntese, a estabilidade é a garantia

4
Com a redação dada pela EC 19/1998. Originariamente, a Constituição Federal estabelecia que a estabilidade era alcançada após
dois anos de efetivo exercício em cargo de provimento efetivo.
constitucional conquistada pelo servidor público investido, após aprovação prévia em
concurso público, em cargo de provimento efetivo.

A vitaliciedade é uma garantia constitucional assegurada aos membros da Magistratura,


do Ministério Público e dos Tribunais de Contas após dois anos de efetivo exercício, período
que é concebido como estágio probatório, salvo nos casos de investidura direta de membros
dos Tribunais de Contas e dos Tribunais pelo critério do artigo 94 da Constituição Federal,
denominado “quinto constitucional”, uma vez que, nesses casos, a vitaliciedade é alcançada no
ato de posse no cargo.

Os agentes públicos que adquirem o direito à vitaliciedade somente poderão perder o


cargo no caso de demissão em virtude de decisão judicial transitada em julgado.

O provimento constitui, como visto, o preenchimento do cargo público. A vacância, ao


contrário, acontece quando o cargo fica vago em razão da ausência de seu ocupante e
decorrerá de: exoneração, demissão, promoção, readaptação, aposentadoria, posse em outro
cargo inacumulável e, por fim, falecimento do servidor.

Tanto as formas de provimento estabelecidas no artigo 8o como as hipóteses de vacância


previstas no artigo 33, ambos da Lei n. 8.112/90, constituem um rol exaustivo.

Sistema remuneratório
Quanto ao sistema remuneratório, a Constituição Federal de 1988 estabelece duas formas
de retribuição pecuniária no funcionalismo público:

a. o sistema tradicional, em que a remuneração do servidor público consiste no


recebimento do vencimento básico do cargo efetivo acrescido de vantagens pecuniárias;
b. o sistema novo, introduzido pela EC n. 19/1998, denominado subsídio e pago para
algumas categorias de agentes públicos, cuja característica é o pagamento em parcela única,
salvo as de caráter indenizatório e aquelas referidas no § 3º do artigo 39 da Constituição
Federal5.

A fixação e a alteração da remuneração e do subsídio dependem de lei específica,


observada a competência privativa de cada ente federativo (artigo 37, inciso X, 61, § 1o, inciso
II, a; artigo 96, inciso II, b, 127, § 2o; e artigo 73 c/c 96 da CF).

No sistema tradicional, vencimento corresponde à parcela fixa de retribuição pecuniária


devida pelo exercício do cargo, com valor fixado em lei (conforme dispõe o artigo 40 da Lei n.
8.112/1990). É o vencimento básico pago pelo exercício efetivo do cargo, emprego ou função.
A remuneração é o vencimento do cargo efetivo acrescido das vantagens pecuniárias (artigo
41 da Lei n. 8.112/1990). As vantagens pecuniárias correspondem à parte variável da
remuneração do servidor público, sendo acrescidas em razão de condições objetivas do
exercício da função (como os adicionais) e de condições pessoais do servidor (as gratificações).

Como já referido, a EC n. 19/1998 introduziu significativas alterações no âmbito do


funcionalismo público, atingindo também o sistema remuneratório dos servidores públicos em

5 “Artigo 39: [...] § 3º: Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII,

XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a
natureza do cargo o exigir. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998)” (BRASIL, 1988).
todos os entes da federação. A citada Emenda estabeleceu uma nova forma de remuneração
para algumas categorias de agentes públicos: o regime de subsídio.

Subsídio corresponde à retribuição pecuniária devida a algumas espécies de agentes


públicos pelo exercício do cargo e cuja característica principal é o pagamento em parcela
única, ou seja, é vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba
de representação ou outra espécie remuneratória (artigo 39, § 4o, CF6).
Por determinação constitucional, são remunerados por subsídio todos os agentes
políticos (presidente e vice-presidente da República; governadores e vice-governadores;
prefeitos e vice- -prefeitos; ministros de Estado, secretários estaduais e secretários municipais;
senadores, deputados federais e estaduais e vereadores), os membros do Poder Judiciário
(Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores, dos Tribunais de Justiça
Estaduais e Tribunais Federais e magistrados), do Ministério Público, da Advocacia-Geral da
União, da Defensoria Pública e das Procuradorias Estaduais e do Distrito Federal.

A Constituição Federal instituiu um limite máximo de remuneração para os agentes


públicos. Em seu texto original, o inciso XI do artigo 37 previu diferentes tetos para o
funcionalismo público. Com a EC n. 19/1998, foi introduzido um teto remuneratório geral
aplicável a toda a categoria de agentes públicos, estabelecendo como limite máximo o valor do
subsídio mensal pago aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, incluídas as vantagens de
caráter pessoal.

Posteriormente, com o advento da EC n. 41/2003, uma nova redação foi dada ao inciso XI
do artigo 37 da Constituição Federal, estabelecendo-se subtetos para cada ente federativo.7
Pela regra inserta no inciso XV do artigo 37 da Constituição Federal, “o subsídio e os
vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o
disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4o, 150, II, 153, III, e 153, § 2o, I;”
(BRASIL, 1988). Trata-se de uma garantia constitucional assegurada aos servidores públicos
estatutários e empregados públicos.

Consagrando o princípio da acessibilidade aos cargos públicos, da isonomia e da


moralidade, a Constituição Federal estabelece, como regra, a vedação à acumulação
remunerada desses cargos. Como exceção, o texto constitucional, no inciso XVI do artigo 37,
estabelece a possibilidade de acumulação remunerada de cargos públicos desde que haja
compatibilidade dos horários e observado, em qualquer caso, o teto estabelecido no inciso XI,
nos seguintes casos:

• dois cargos de professor;


• um cargo de professor com outro técnico ou científico;
• dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões
regulamentadas8.

6“Artigo 39: [...] § 4o: O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e
Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação,
adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no
art. 37, X e XI” (BRASIL, 1988).
7 Lendo o artigo 37 da CF, é possível saber mais sobre a remuneração e o subsídio estabelecidos para cada ente federativo. Disponível

em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 26 set. 2019.


8Redação dada pela Emenda Constitucional n. 34 /2001.
A proibição de acumular também se estende ao regime de emprego público, na forma
determinada pelo inciso XVII do artigo 37 da Constituição Federal9. Além da ressalva contida
nos incisos XVI e XVII do artigo 37, a Constituição Federal disciplina a acumulação remunerada
de cargos públicos no artigo 3810; no artigo 42, § 3o11; no artigo 95, § único, inciso I12; e no
artigo 128, § 5o, II, d13.

Direitos sociais, direito de greve e associação sindical


Cabe registrar que a Constituição Federal também estende aos servidores públicos uma
série de direitos sociais assegurados aos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do
Trabalho, como se infere do disposto no artigo 39, §3o, destacando-se: salário mínimo, décimo
terceiro salário, remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, salário-família,
duração máxima de oito horas diárias, repouso semanal remunerado, férias e um terço de
férias, licença- -maternidade, licença-paternidade, proteção do mercado de trabalho da
mulher, redução de riscos do trabalho, proibição de diferenças de salários por motivo de sexo,
idade, cor, raça e credo.

A Constituição anterior vedava a realização de greve pelo servidor público e silenciava


quanto à associação sindical. Já a Constituição Federal de 1988 veio assegurar aos servidores
públicos o direito à livre associação sindical (artigo 37, inciso VI) e o direito à greve, a ser
realizado na forma regulamentada por lei específica (artigo 37, inciso VII). Quanto ao militar, a
Constituição Federal expressamente proíbe a sindicalização e o exercício de greve (artigo 142,
§ 3o, IV e 42, § 1o).

Aposentadoria
Convém fazer um breve registro sobre a aposentadoria dos servidores públicos.
Aposentadoria “é o direito à inatividade remunerada, assegurado ao servidor público em caso
de invalidez, idade ou requisitos conjugados de tempo de exercício no serviço público e no
cargo, idade mínima e tempo de contribuição” (DI PIETRO, 2018, p. 718).

Quando em atividade, a remuneração do servidor público se dá mediante o


pagamento de vencimento ou subsídio, como visto anteriormente. Por sua vez, o servidor
público, quando se aposenta, recebe proventos. Os dependentes do servidor falecido, os
pensionistas, recebem pensão.

O regime de previdência do servidor público estatutário, titular de cargo efetivo ou


vitalício, da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal, bem como das autarquias
e fundações públicas, está disciplinado no artigo 40 da Constituição Federal. O empregado

9“Artigo 37: [...] XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações,
empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo
poder público” (BRASIL, 1988).
10
Para saber mais sobre as disposições que se aplicam ao servidor público da administração direta, autárquica e
fundacional, no exercício do mandato eletivo, leia o artigo 38, incisos I a IV, da CF. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 26 set. 2019.
11O artigo 42, § 3o, versa sobre a remuneração das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
12
“Artigo 95: Os juízes gozam das seguintes garantias: [...] Parágrafo único: Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que
em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério” (BRASIL, 1988).
13Lendo o artigo 128, § 5o, inciso II, d), é possível saber mais sobre o Ministério Público, suas atribuições e regras.
público, o servidor detentor de cargo em comissão (aquele declarado em lei de livre nomeação
e exoneração) e o contratado temporariamente (na forma do artigo 37, inciso IX, da CF) têm
seu regime de aposentadoria submetido ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), igual
ao do trabalhador privado e regido pelo artigo 201 e seguintes da Constituição Federal.

O regime de aposentadoria do servidor público ocupante de cargo efetivo sofreu


substanciais transformações com o advento das Emendas Constitucionais n. 20/1998 e n.
41/2003 – a implementação de um regime previdenciário contributivo e solidário, por
exemplo. Antes dessas reformas, em especial a trazida pela EC 20/1998, a aposentadoria do
servidor se dava mediante a comprovação de tempo mínimo de serviço prestado à
Administração Pública. Todavia, com as mudanças operadas na Constituição Federal com a EC
20/1998, substituiu-se o “tempo de serviço” por “tempo de contribuição”, ou seja, para se
aposentar, o servidor público terá que comprovar tempo mínimo de contribuição aos cofres
públicos, além de tempo mínimo no serviço público (dez anos) e tempo mínimo no cargo em
que pretende que se dê a aposentadoria (cinco anos).

Assim, com as alterações promovidas pelas referidas Emendas, nos termos do


disposto no artigo 40 da Constituição Federal, atualmente, observados os requisitos ali
estabelecidos, a aposentadoria do servidor público se dá nas seguintes modalidades: por
invalidez, compulsória e voluntária14.
A aposentadoria por invalidez é aquela que se dá por incapacidade física ou psíquica
do servidor, que receberá, em regra, proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Os
proventos de aposentadoria serão integrais caso invalidez decorra de (i) acidente em serviço;
(ii) moléstia profissional; ou (iii) doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei.

A aposentadoria compulsória ocorre quando o servidor completar 70 (setenta) anos


de idade. Com a Emenda Constitucional n. 88/2015, para algumas categorias de servidores
públicos, como os magistrados, a aposentadoria compulsória se dá aos 75 (setenta e cinco)
anos de idade, desde que regulamentada em lei complementar.

A aposentadoria voluntária é aquela que se dá a pedido do servidor que, na


conformidade do disposto no artigo 40, § 1o, inciso III, tenha cumprido o tempo mínimo de dez
anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo em que se dará a
aposentadoria, observadas, ainda, as seguintes condições:
a) se homem: 60 anos de idade e 35 anos de contribuição; b) se mulher: 55 anos de idade e 30
anos de contribuição, para receber seus proventos integrais; c) 65 anos de idade, se homem, e
60 anos de idade, se mulher, para receber proventos proporcionais ao tempo de contribuição.
De acordo com o § 5o do artigo 40 da CF, os requisitos de idade e de tempo de
contribuição são reduzidos em cinco anos para o professor que comprove o tempo de efetivo
exercício nas funções de magistério da educação infantil e no ensino fundamental e médio15.
Faz-se importante destacar a inovação trazida pela EC n. 41/2003, que veio estabelecer que os
proventos de aposentadoria não mais corresponderão à integralidade do que o servidor
recebia como remuneração antes de se aposentar. Isso significa que, depois do advento dessa
Emenda, não há mais equivalência entre o valor dos proventos de aposentadoria e a
remuneração que o servidor recebia quando em atividade.

14 Lendo o artigo 40 da CF, § 1o, incisos I, II e III, é possível saber mais sobre aposentadoria do servidor público.
15O § 5º do art. 40 da CF versa sobre os requisitos de idade, de tempo e de contribuição.
Responsabilização dos servidores públicos
Pelo desempenho das atribuições de seu cargo, emprego ou função pública, o
servidor público se submete à responsabilização civil, penal e administrativa. No âmbito
federal, a responsabilização dos servidores públicos estatutários está disciplinada no artigo
121 e seguintes da Lei n. 8.112/1990, utilizada aqui como referência.

A responsabilidade civil é de natureza patrimonial e resulta de uma ação ou omissão


antijurídica, dolosa ou culposa, praticada pelo servidor público no desempenho das suas
funções e que importe prejuízo à Fazenda Pública ou a terceiros. Em se tratando de dano
causado ao próprio Estado, a responsabilidade do servidor será apurada pela própria
Administração Pública por meio de processo administrativo em que sejam asseguradas as
garantias do contraditório e da ampla defesa (artigo 5o, inciso LV, da CF). No caso de dano
causado a terceiros, a responsabilização do servidor será perquirida pela Administração
Pública em ação regressiva, desde que reste comprovado que ele tenha agido com dolo ou
culpa, na forma do disposto no § 6o do artigo 37 da Constituição Federal.

Conforme a Lei n. 8,112/1990, artigo 123, “A responsabilidade penal abrange os


crimes e contravenções imputados ao servidor, nessa qualidade”, cabendo a sua apuração
perante o Poder Judiciário mediante instauração, pelo Ministério Público, de competente ação
penal (BRASIL, 1991).

Para fins penais, o conceito de servidor público é mais amplo, aproximando-se do


conceito de agente público. Nestes termos, o artigo 327 do Código Penal estabelece que se
considera “funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem
remuneração, exercer cargo, emprego ou função pública”.
Ainda, o §1o do mencionado artigo 327 equipara a “funcionário” “quem exerce
cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora
de serviço público contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da
Administração Pública”16 (BRASIL, 1940).
A responsabilidade administrativa decorre da prática, pelo servidor, de atos
comissivos ou omissivos, considerados irregulares no desempenho do cargo ou função. É
apurada no âmbito da própria Administração Pública, mediante instauração de sindicância e
processo administrativo disciplinar que se desenvolvem de acordo com a disciplina normativa
estabelecida nos estatutos funcionais, observada a competência exclusiva de cada ente
federativo.

Uma vez configurada a irregularidade administrativa, o servidor é apenado com sanções


de natureza administrativa, denominadas sanções disciplinares, impostas por autoridade
administrativa competente, nos termos estabelecidos nos respectivos estatutos. Nos termos
do estatuto federal, as sanções disciplinares estão previstas no artigo 127, sendo elas:
advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição
de cargo em comissão e destituição de função comissionada.

As responsabilizações civis, penais e administrativas, ainda que independentes, são


cumulativas. A regra geral, portanto, é pela autonomia e independência das instâncias. Isto
significa que, quando um agente público praticar um ato que configura, ao mesmo tempo,
ilícito penal e administrativo e, também, redunde em prejuízo ao erário, ele será

16 O § 1º do artigo 327 da CF explana quem é considerado funcionário público.


responsabilizado nas três esferas sem que isso resulte em bis in idem (duas vezes o mesmo),
haja vista que as sanções são cumulativas e independentes.

Os estatutos funcionais definem como ilícito administrativo, passível de sanção


administrativa a ser imposta no exercício do poder disciplinar pela própria Administração
Pública, figuras que também são capituladas como ilícitos penais contra a Administração
Pública. Isso significa que a condenação do servidor na esfera penal repercutirá na sua
responsabilização civil e administrativa. Entretanto, como ressalta Irene Nohara (2019, p. 786),
“o contrário não é verdadeiro, isto é, pode haver ilícito administrativo caracterizado mesmo
diante da hipótese de absolvição no âmbito criminal”.

Isto é, um servidor ao qual tenha sido imputada a prática do crime de peculato pode ser
absolvido na instância criminal por ausência de provas, por exemplo, e mesmo assim, após
regular processo administrativo disciplinar, ser punido na esfera administrativa pelo
cometimento de falta grave. Nos termos da Súmula 18 do STF, tem-se que “pela falta residual,
não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do
servidor público” (BRASIL, 1963).

Reconhecendo a comunicabilidade das instâncias, o legislador infraconstitucional


estabeleceu, no artigo 126 da Lei n. 8.112/1990, que a decisão proferida na instância penal
poderá repercutir na esfera administrativa em duas hipóteses: a) absolvição criminal pela
negativa do fato ou b) absolvição criminal pela negativa de sua autoria.

O artigo 92 do Código Penal, com as alterações promovidas pela Lei n. 9.268/1996,


estabelece a perda do cargo, da função pública ou do mandato eletivo como efeito da
condenação criminal, desde que a sentença expressamente o declare, nas seguintes situações:
“Art. 92 a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano,
nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração
Pública; b) em pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos” (BRASIL, 1940).

A Administração Pública, no desenvolvimento de seus elevados misteres, tem o


poderdever de apurar as irregularidades relacionadas ao exercício de suas atividades,
investigando todo e qualquer acontecimento que possa retratar uma conduta reprovável de
seus agentes. Essa apuração consiste na averiguação do ilícito, na fixação dos limites da
responsabilidade do agente que tenha praticado a irregularidade e, se for o caso, na imposição
de sanção.

Surge, assim, o Direito Administrativo Disciplinar que, como ensina Bacellar Filho (1998,
p. 35), tem duas funções:

de um lado, a previsão de forma geral e abstrata dos fatos


considerados ilícitos administrativos e as respectivas
sanções, de outro, as condições e os termos do
movimento destinado à averiguação, pela Administração,
da prática por certo agente de determinado fato e a
correspondente reação.

O exercício do poder disciplinar assenta-se como um dever de autoridade (MEDAUAR,


2015). Veja-se o disposto no artigo 143 do Estatuto Federal, que impõe à autoridade
administrativa a obrigação de apurar a irregularidade de que tiver conhecimento. A
averiguação das irregularidades relacionadas ao exercício das atribuições funcionais dos
servidores públicos é realizada por meio da sindicância e do processo administrativo
disciplinar.
No entanto, é necessário salientar que esse dever que a Administração tem de apurar as
falhas administrativas não lhe impõe a obrigação de tentar achar um culpado e penalizá-lo
simplesmente para satisfazer os interesses de quem denuncia a falta ou, ainda, por motivos de
perseguição.

Ao exercitar o seu poder disciplinar, a Administração Pública busca manter a ordem e a


disciplina no serviço público de tal forma que o exercício dessa prerrogativa punitiva somente
será legítimo se realizado num panorama em que restem garantidos os direitos constitucionais
do contraditório e da ampla defesa, asseguradas a todo e qualquer litigante e/ou acusado em
processo administrativo (artigo 5o, inciso LV, CF), sob pena de invalidade do procedimento
encetado.
Isso implica reconhecer que, por determinação constitucional, a responsabilização
administrativa dos servidores consubstancia uma atividade processualizada. Daí o instituto do
“processo administrativo disciplinar”, instrumento adequado à apuração de condutas que
possam retratar ilícitos administrativos e, se for o caso, fundamentar a responsabilização
funcional do servidor, cujas características serão melhor explicitadas adiante.

A sindicância é um procedimento preliminar sumário, que precede o processo


administrativo disciplinar e com este não se confunde17. A finalidade única desse
procedimento preliminar é a investigação de irregularidades funcionais.

Segundo a mais abalizada doutrina administrativa, a sindicância configura


procedimento de investigação, de apuração de fatos, destacando-se a lição de Ada Pelegrini
Grinover (1981, p. 17), para quem

a sindicância, na verdade, em seu primeiro significado,


nada mais é do que um meio de apuração sumária; de
apuração de um fato que deveria, por si só, levar à
aplicação de uma pena, abrindo apenas caminho à
instauração do processo administrativo.

Bacellar Filho (2003, p. 93) adverte que “sindicância, portanto, é um procedimento


que objetiva responder a duas perguntas fundamentais: se o fato é irregular ou não e se há
presunção de autoria”. Com o advento da Lei n. 8.112/1990, até então concebida como
procedimento investigativo meramente preparatório do processo administrativo disciplinar,
esse mecanismo também assumiu uma feição punitiva. Ao determinar, no artigo 145, que da
sindicância poderá resultar a aplicação de penas leves18, o legislador estabeleceu uma espécie
de sindicância-processo. Com isso, as penalidades que daí decorrerem somente serão válidas
se precedidas das garantias do contraditório e da ampla defesa.

Na sindicância-procedimento não incidem o contraditório e a ampla defesa, porque,


como já mencionado, trata-se de expediente meramente investigatório de fatos, sem viés
acusatório e que não leva em conta a aplicação de penalidades. Todavia, os demais princípios
constitucionais da Administração Pública, já estudados no Capítulo 4 (legalidade, moralidade,
impessoalidade, publicidade e eficiência), deverão ser devidamente observados e respeitados,
pois são aplicáveis a todas as modalidades de função administrativa.

17 BRASIL. Superior Trinunal de Justiça. ROMS 12.680/MS. Diário da Justiça, 5 ago. 2002. Relator: Min. Jorge Scartezzini, j. em: 23
abr. 2002.
18 O artigo 145, incisos I a II, versa sobre a sindicância e quais penas podem ser aplicadas.
Por outro lado, na chamada sindicância-punitiva, assim identificada aquela da qual
podem resultar punições leves (Lei n. 8.112/1990, artigo 145, inciso II), a previsão da aplicação
de penalidade converte-a em processo que, por consequência, exige a observância das
garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Por isso, a partir da Lei n. 8.112/1990, a sindicância passa a ser concebida em dois
sentidos: a) sindicância-procedimento (não é meio sumário de imposição de penalidades, mas
procedimento meramente apuratório); b) sindicância-processo (inciso II do artigo 145 da
mesma lei), da qual pode resultar a aplicação de penas leves, desde que asseguradas as
garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

O processo administrativo disciplinar será instaurado sempre que, no exercício da


competência disciplinar, a Administração Pública acuse um servidor da prática de um ilícito
administrativo.

De acordo com o disposto no artigo 148 da Lei n. 8.112/1990, “o processo disciplinar é


o instrumento destinado a apurar a responsabilidade de servidor por infração praticada no
exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se
encontre investido” (BRASIL, 1991). Assim sendo, pelo exercício irregular das atribuições do
seu cargo, o servidor público pode incorrer em atos infracionais de menor gravidade (do que
são exemplos, no âmbito federal, a violação aos deveres capitulados na Lei n. 8.112/1990, no
artigo 116 e seus incisos), cujas sanções previstas são de natureza leve (como a advertência),
bem como pode, também, praticar condutas mais graves, como as capituladas como infração
às proibições estabelecidas no artigo 117 e seus incisos, também da Lei n. 8.112/1990, para as
quais o diploma normativo estabelece consequências mais gravosas para o servidor.

As sanções disciplinares aplicáveis aos servidores públicos federais estão capituladas


no artigo 127 da Lei n. 8.112/1990, e serão aplicadas a partir de uma dosimetria extraída da
avaliação quanto à natureza e a gravidade da falta, tal como da presença de circunstâncias
atenuantes e/ou agravantes (cf. artigos 128, 129, 130 e 132 da Lei n. 8.112/1990)19.
O processo administrativo disciplinar é o instrumento adequado para apuração dessas
irregularidades e se desenvolve basicamente em quatro fases: instauração, instrução (no
estatuto federal, é impropriamente denominado inquérito administrativo e compreende a
instrução, a defesa e o relatório20), decisão e recurso.
A instauração, prevista nos artigos 143; 145, inciso III; 146; 149 e 150 da Lei n.
8.112/1990, é a primeira fase do processo disciplinar. Trata-se do ato da autoridade
competente que, formalizando-se mediante despacho ou portaria, dá início ao processo
disciplinar. Segundo Medauar (2015, p. 372), “por vezes, a instauração se efetua
simultaneamente à constituição da comissão processante”.
O ato instaurador do processo administrativo disciplinar vai além da mera
formalização da comissão processante, que deve ser composta por três servidores detentores
de cargos efetivos, de nível igual ou superior ao do acusado, agindo com independência e
imparcialidade. É importante destacar, desde logo, que o servidor que tenha vínculo
temporário com a Administração Pública, sendo detentor apenas de cargo em comissão, não
pode integrar a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Tal ato deve enunciar os
fatos imputados ao servidor acusado e os dispositivos considerados infringidos, pois ninguém

19Para saber mais sobre penalidades e advertências aplicáveis aos servidores públicos, confira os artigos 128, 129, 130 e 132
da Lei n. 8.112/1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm. Acesso em: 26 set. 2019.
20O artigo 151 da Lei n. 8.112/1990 explica sobre o processo disciplinar e suas respectivas fases.
pode se defender de maneira eficaz sem o adequado conhecimento das acusações que lhe são
dirigidas.
No que se refere ao tempo de duração do processo, nos termos do disposto no
artigo 152 da Lei n. 8.112/1990, estatuto federal que aqui é invocado como referência, “o
prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da
data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual
prazo, quando as circunstâncias o exigirem” (BRASIL, 1991).

A instrução, que no estatuto federal é impropriamente denominada inquérito, é a


fase na qual são produzidas as provas e todos os elementos, de fato e de direito, necessários à
elucidação dos fatos e à apuração da verdade material, com vistas a formar a convicção da
comissão processante acerca da existência ou não de ilícito funcional e, em sendo o caso,
estabelecer a responsabilização do servidor. No estatuto federal, essa fase é disciplinada nos
artigos 153, 154, 155, 156 e 150 da Lei n. 8.112/1990, em que se desenvolve a instrução
probatória, assegurando-se a participação do servidor acusado em todos os atos, como
garantia do contraditório e da ampla defesa. Após a instrução processual, reputando que a
conduta do servidor caracteriza, em tese, ilícito funcional passível de responsabilização, a
Comissão de Processo Administrativo Disciplinar deve realizar o indiciamento do servidor,
especificando os fatos, os dispositivos do estatuto que considera terem sido infringidos e a
pena a ser aplicada (artigo 161 da Lei n. 8.112/1990), determinando a citação do servidor para
apresentação da sua defesa.

Apresentada a defesa pelo servidor, a comissão processante poderá lavrar o


relatório final, manifestando-se conclusivamente sobre a absolvição do servidor, sugerindo,
consequentemente, o arquivamento do processo administrativo disciplinar. Do contrário, ou
seja, entendendo que os fatos apurados evidenciam o cometimento de ilícito funcional, a
comissão processante deve indicar a penalidade a ser aplicada ao servidor, apresentando sua
fundamentação com base nas provas produzidas. Esse relatório final, embora conclusivo, será
meramente opinativo, devendo a Comissão encaminhá-lo à autoridade competente para
julgamento (artigos 165 e 166, da Lei n. 8.112/1990).

Recebendo o relatório confeccionado pela Comissão Processante, a autoridade


competente proferirá o seu julgamento, emitindo uma decisão. Ao decidir o processo
disciplinar, a autoridade competente poderá concordar ou não com as conclusões
apresentadas pela comissão processante no relatório final. Caso a autoridade competente
chegue a uma conclusão diferente da que foi apresentada pela comissão, deverá fazê-lo por
decisão devidamente fundamentada, nos termos do disposto na Lei n. 8.112/1990, em seus
artigos 167 e seus §§, e 168, § único.

Concluído o processo administrativo disciplinar pela responsabilização e aplicação de


penalidade, o servidor pode interpor recurso administrativo na modalidade de pedido de
reconsideração e de recurso hierárquico, cujos prazos são definidos nos respectivos estatutos.
No âmbito federal, o pedido de reconsideração e recurso administrativo estão disciplinados na
Lei n. 8.112/1990, em seus artigos 107, 108 e 109.

Os estatutos preveem, ainda, a possibilidade de interposição de revisão disciplinar,


sempre que fatos novos sobrevierem e evidenciarem a inadequação da penalidade imposta ao
servidor.
A verdade sabida é um procedimento sumário de imposição de penalidade prevista em
alguns estatutos estaduais21 (por exemplo, na Lei n. 6.174/70, artigo 306, inciso I, do Estatuto
do Funcionário Público Civil do Estado do Paraná). Di Pietro (2018, p. 809) ensina que verdade
sabida é “o conhecimento pessoal e direto da falta pela autoridade competente para aplicar a
pena”.

Pelo critério da verdade sabida, em caso de fato confessado, documentalmente


provado ou manifestamente evidente, a penalidade poderia ser aplicada diretamente pela
autoridade competente. Entretanto, os dispositivos estatutários que estabeleceram a
possibilidade de punição segundo esse critério não foram recepcionados pela Constituição
Federal de 1988, que exige, de forma incondicional, o processo para a aplicação de pena
disciplinar de qualquer espécie, seja qual for o conjunto probatório que a Administração
Pública disponha para tanto. Portanto, é absolutamente inconstitucional a punição pelo
critério da verdade sabida.

Devido ao princípio da segurança jurídica, os estatutos devem fixar prazos de prescrição


para o exercício da pretensão punitiva, pois a possibilidade de aplicar sanções não pode se
perpetuar. No estatuto federal, o artigo 142, que trata do prazo prescricional para aplicação
das sanções disciplinares e das sanções administrativas, também estabelece as hipóteses de
interrupção desse prazo22.
Quanto aos servidores contratados conforme o disposto no inciso IX, artigo 37 da
Constituição Federal, para o atendimento de uma necessidade de excepcional interesse
público, na esfera federal, o regime disciplinar é parcialmente regido pela Lei n. 8.112/1990,
pois a Lei n. 8.745/1993, em seu artigo 11, determina que a eles devem ser aplicadas algumas
normas estabelecidas no estatuto federal, entre elas o artigo 127, incisos I, II e III (penas de
advertência, suspensão e demissão) e o artigo 132, incisos I a VII e IX a XIII (pena de demissão)
(DI PIETRO, 2018).

Os empregados públicos, por sua vez, têm seu regime disciplinar submetidos à
Consolidação das Leis do Trabalho, nos termos do que dispõe a Lei n. 9.962/2000. Entretanto,
cabe ressaltar que, nas hipóteses de rescisão unilateral do contrato em razão de falta grave
cometida pelo empregado público, à luz do disposto no artigo 5º, incisos LIV e LV da
Constituição Federal, o desligamento deve ser realizado com observância das garantias do
contraditório e da ampla defesa.

Por fim, cabe destacar que a responsabilização do servidor público também pode
resultar do cometimento de ato de improbidade administrativa, cuja apuração é realizada no
âmbito do Poder Judiciário, mediante o ajuizamento da competente ação civil de improbidade
administrativa disciplinada pela Lei n. 8.429/1990.

Com o advento da Lei n. 8.429/1992, o legislador infraconstitucional objetivou a


responsabilização do agente desonesto e desleal em relação à Administração Pública,
buscando resguardar o princípio maior da moralidade. Trata-se de um mecanismo de
repressão à desonestidade para com a coisa pública, pelo qual se exige do administrador
público, enquanto tal, atos leais e honestos perante a Administração Pública, sendo que a

21
O estatuto federal não prevê a aplicação de punição pelo critério da verdade sabida.
22
Para saber mais sobre a ação disciplinar e seus prazos, é importante ler o artigo 142, incisos I a III, §§ 1º a 4º, da Lei
n. 8.112/1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm. Acesso em: 26 set. 2019.
inobservância dos postulados de probidade acarreta severas sanções de ordem política,
administrativa e patrimonial.

Embora sem ter se preocupado em definir o conteúdo do que seja considerado como
um ato de improbidade administrativa, o legislador infraconstitucional estabeleceu os tipos de
improbidade (artigos 9, 10 e 11 da Lei n. 8.429/1992), nos quais são enquadráveis os
servidores públicos (BRASIL, 1992).

Essas colocações permitem concluir que, pelo desempenho irregular das atribuições de
seu cargo e conforme a gravidade da sua conduta, ao servidor público podem ser designadas
penas mais leves ou mais graves, consoante à gradação prevista em seu respectivo estatuto
funcional, sendo a pena de demissão a mais grave de todas. Todavia, determinadas condutas
são qualificadas como de maior gravidade e, nesse sentido, são qualificadas como atos de
improbidade administrativa, ensejando a aplicação de sanções de natureza ainda mais grave,
como aquelas estabelecidas no artigo 12 da Lei n. 8.429/1992.

É imperativo destacar que, em que pese ser qualificado como ilícito funcional a ensejar
a imposição de uma sanção disciplinar, nem todo ato irregular praticado pelo servidor público
pode ser qualificado como ato de improbidade administrativa, pois a configuração de tal ato
exige, necessariamente, a desonestidade. Assim, o dolo e a má-fé são premissa para a
caracterização do ato de improbidade.

A gravidade das sanções cominadas pela Lei de Improbidade Administrativa tem como
fundamento a existência de grave violação aos deveres impostos aos agentes públicos e
àqueles particulares que se relacionam com a Administração Pública, de tal forma que a
configuração do ato ímprobo exige demonstração cabal de sua prática, mediante prova
inequívoca, determinada e concreta dos atos ilícitos. Diante disso, é certo que não se pode
admitir – por intolerável violação ao princípio da presunção de inocência – a imposição de
penalidades com amparo em presunções, nem a condenação com base em meros indícios.

De todo modo, à vista do disposto no artigo 12 da Lei n. 8.429/1992, parágrafo único, é


certo que, também para os atos de improbidade administrativa, impõe-se o sopesamento das
circunstâncias e a avaliação da proporcionalidade das sanções cominadas, com vedação de
excesso (BRASIL, 1992).

Sobre esse tema, Romeu Felipe Bacellar Filho e Daniel Wunder Hachem (2003, p. 17)
pontuam que “é imprescindível estabelecer de forma precisa e rigorosa os elementos que
integram a infração praticada, para não enveredar pela senda da imputação vazia, senão
injusta ou, mesmo, da generalização típica inconsequente”.

Juarez Freitas (2004, p. 139-140) também enfatiza que as

cominações relativas às múltiplas espécies de


improbidade administrativa não se devem aplicar aos
agentes que tenham condutas culposas leves ou
levíssimas, exatamente em função do “telos” em pauta e
por não se configurar a improbidade [...] são dois os
requisitos principais para que se verifique a improbidade
administrativa: i-1) grave violação ao senso médio
superior de moralidade e i-2) inequívoca intenção
desonesta.

Com a edição da Lei n. 8.429/1992, quis o legislador infraconstitucional punir o


administrador público desonesto, aquele que age dolosamente, ou seja, imbuído da vontade
livre e consciente de locupletar-se às custas do erário, transgredindo preceitos de retidão,
probidade e boa-fé.
Por isso, no exercício do controle da moralidade e da probidade administrativa, é
necessário que se estabeleçam referenciais claros e seguros para que, com uma investigação
profunda e sem que se extrapolem os limites da jurisdição, não se aniquilem outros valores
constitucionais igualmente importantes. Nesse sentido, o Poder Judiciário deve agir com a
prudência e a coragem necessárias para repelir denúncias que, a pretexto de coibir atos de
improbidade, são utilizadas como mecanismos de vingança pessoal e política.
Referências
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.
BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. Artigo 1º, IV. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. (coord.).
Comentários à Constituição Federal do Brasil. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. (Série IDP).
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidência da República. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 20 set. 2019.
BRASIL. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 22
jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 26 set.
2019.
BRASIL. Lei n. 10.520, de 17 de julho de 2002. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 18
jul. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10520.htm. 1 out. 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal
Federal:
Anexo ao Regimento Interno. Brasília, DF: Imprensa Nacional, 1964. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/
portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=346.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumula
s.
Acesso em: 2 out. 2019.
BRASIL. Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília,
DF, 27 mar. 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm. Acesso
em:
25 ago. 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 473. Diário da Justiça, Brasília, DF, 10 dez. 1969.
Disponível
em:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_401_5
00.
BRASIL. Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF,
1 fev.
1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm. Acesso em: 25 ago. 2019.
DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética,
2008.
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais,
2011.
FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Artigo 58, § 4º. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al.
Comentários
à Constituição Federal do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2018. p. 1192-1194.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 19. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
SCAFF, Fernando Facury; SCAFF, Luma Caveleiro de Macedo. Artigo 71. In: CANOTILHO, José
Joaquim
Gomes et al. Comentários à Constituição Federal do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2018. p.
1255-1256.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Servidores Públicos.São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva,
1999.
SARLET, Ingo W.; MARINONI, Luiz G.; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo:
Saraiva, 2016.
SARLET, Ingo. Artigo 1º, III. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. (coord.). Comentários à
Constituição Federal do Brasil. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. (Série IDP).
SARLET, Ingo. Artigo 5º, §2º. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes et al. (coord.). Comentários à
Constituição Federal do Brasil. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. (Série IDP).
STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Estado Democrático de Direito. In:
CANOTILHO, José
Joaquim Gomes et al. (coord.). Comentários à Constituição Federal do Brasil. São Paulo: Saraiva
Educação,
2018. (Série IDP)
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013.
TÁCITO, Caio. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975.

Você também pode gostar