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PROPEDÊUTICA MÉDICA

DA CRIANÇA AO IDOSO

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Outros Livros
CLÍNICA E PROPEDÊUTICA MÉDICAS
de Interesse
Aldrighi – Endocrinologia Ginecológica Mansur – Rotinas Ilustradas da Unidade Clínica de Emergência do Incor
Alvarez e Taub – Série Usando a Cabeça Vol. 1 Memória Marcopito Santos – Um Guia para o Leitor de Artigos Científicos na Área da Saúde
Alves – Dicionário Médico Ilustrado Inglês – Português Marcos Brasilino – Glândulas Tireóide e Paratireóides – Abordagem Clínico-Cirúrgica
Amâncio – Guia de Diagnóstico Diferencial 2a ed. Marlus – Hipnose na Prática Clínica
Andreoli e Taub – Guia para Família – Cuidando da Pessoa com Problemas Marlus – Tratamento Coadjuvante pela Hipnose
APM-SUS – O Que Você Precisa Saber sobre o Sistema Único de Saúde Matsudo – Atividade Física e Obesidade
APM-SUS – Por Dentro do SUS Medronho – Epidemiologia
Balint – O Médico, seu Paciente e a Doença Meneghelo e Ramos – Lesões das Valvas Cardíacas Diagnóstico e Tratamento
Basílio – ATLAIDS – Atlas de Patologia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida Menna Barreto – Semiologia do Aparelho Respiratório na Prática Clínica
Bassan – Síndrome Coronariana Aguda nas Unidades de Dor Torácica Milech e Oliveira – Diabetes Mellitus – Clínica, Diagnóstico e Tratamento Multidisciplinar
Batlouni e Ramires – Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular 2a ed. Morales – Terapias Avançadas – Células Tronco
Beirão de Almeida – Climatério – Enfoque Atual e Multidisciplinar Nicolau e Marin – Síndromes Isquêmicas Miocárdicas Instáveis
Beltrame Ribeiro – Atualização em Hipertensão Arterial – Clínica, Diagnóstico e Terapêutica Nitrini – A Neurologia Que Todo Médico Deve Saber 2a ed.
Bethlem – Pneumologia 4a ed. Nobre – Monitoração Ambulatorial da Pressão Arterial, 4ª edição
Bevilacqua – Fisiopatologia Clínica 5a ed. Nobre, Mion e Oigman – MAPA – Monitorización Ambulatoria de la Presión Arterial (edição em espanhol)
Bonaccorsi – Disfunção Sexual Masculina – Tudo o Que Você Precisa Saber Nobre, Mion e Oigman – MAPA – Monitorização Arterial da Pressão Ambulatorial 3a ed.
Brandão Neto – Prescrição de Medicamentos em Enfermaria Novais – Como Ter Sucesso na Profissão Médica – Manual de Sobrevivência 3a ed.
Brito Litvoc – Envelhecimento: Prevenção e Promoção da Saúde Oliveira – Semiologia Médica – Quadros Sinópticos
Browse – Exame Clínico do Paciente Cirúrgico – Fundamentos Diagnósticos Oliveira Filho – Teste Ergométrico: Normas, Tabelas e Protocolos
Busatto – Série Fisiopatologia Clínica Vol. 4 Fisiopatologia dos Transtornos Psiquiátricos Otto Miller – O Laboratório e as Técnicas de Imagem na Clínica
Caetano – O Fígado Sofre Calado 2a ed. Papaléo e Carvalho Filho – Geriatria: Fundamentos, Clínica e Terapêutica 2a ed.
Caixeta – Demências: Abordagem Multidisciplinar Pastore – Eletrocardiograma Atual
Capone – Tomografia Computadorizada de Alta Resolução Pedreira – Broncoscopia
Carvalho e Silva – Fitoterápicos – Nova Opção Terapêutica de Antiinflamatórios Pena Guimarães – Ressuscitação Cardiopulmonar
Castro – Propedêutica do Equilíbrio Hidroeletrolítico e Ácido-Básico Perestrello – A Medicina da Pessoa 5ª ed.
Chibante – Doenças da Pleura 2a ed. Perez – Hipertensão Arterial – Conceitos Práticos e Terapêutica
Cimerman – Condutas em Infectologia Perrotti-Garcia – Curso de Inglês Médico
Cimerman – Medicina Tropical Perrotti-Garcia – Dicionário Português-Inglês de Termos Médicos
Cordás – Saúde Mental da Mulher Perrotti-Garcia – Grande Dicionário Ilustrado Inglês-Português de Termos Odontológicos e de Especialidades
Corrêa (Perez Corrêa) – Suicídio: Uma Morte Evitável Médicas
Cruz Lima – Raciocínio Diagnóstico – Estudo com 40 Histórias Clínicas Comentadas Pessoa – Pneumologia Clínica e Cirúrgica
Dan – Dieta, Nutrição e Câncer Pinto – Neurofisiologia Clínica
Dante Pazzanese – Condutas Terapêuticas do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Poian e Alves – Hormônios e Metabolismo: Integração e Correlações Clínicas
Decourt – A Didática Humanista de um Professor de Medicina Póvoa – Hipertensão Arterial na Prática Clínica
Degmar Ferro – Fitoterapia – Conceitos Clínicos (com CD) Protásio da Luz – Nem Só de Ciência se Faz a Cura 2a ed.
De Angelis – Alergias Alimentares Protásio, Chagas e Laurindo – Endotélio e Doenças Cardiovasculares
De Angelis – Importância de Alimentos Vegetais na Proteção da Saúde 2a ed. Quayle – Adoecer – Compreendendo as Interações entre o Doente e a Sua Doença
De Angelis – Riscos e Prevenção da Obesidade Ratton – Medicina Intensiva 3a ed.
Doretto – Fisiopatologia Clínica do Sistema Nervoso – Fundamentos da Semiologia 2a ed. René Mendes – Patologia do Trabalho (2 vols.) 2a ed.
Drummond – Dor – O Que Todo Médico Deve Saber Ribeiro e Rossi – Manual de Ginecologia de Consultório
Drummond – Medicina Baseada em Evidências 2a ed. Rocha e Silva – Choque
Eguti – Manual de Procedimentos de Nutrição e Dietética Rocha e Silva – Série Fisiopatologia Clínica (com CD-ROM)
Elieser Silva – Manual de Sepse Vol. 1 Rocha e Silva – Fisiopatologia Cardiovascular
Evandro Tinoco – Semiologia Cardiovascular Vol. 2 Zatz – Fisiopatologia Renal
Evelin Goldenberg – O Coração Sente, O Corpo Dói – Como Reconhecer, Tratar e Previnir a Vol. 3 Carvalho – Fisiopatologia Respiratória
Fibromialgia Vol. 4 Laudana – Fisiopatologia Digestiva
Ferraz – Série Neurologia – Diagnóstico e Tratamento – Doença de Parkinson Vol. 5 Yasuda – Fisiopatologia Neurológica
Ferreira e Lopes – Síndrome Metabólica – Uma Abordagem Multidisciplinar Rosemblat e Wroclawski – HPV na Prática Clínica
Ferreira e Póvoa – Cardiologia para o Clínico Geral Rotellar – ABC das Alterações do Balanço Hidroeletrolítico e Ácido-Base – Texto Ilustrado com Cartoons para o
Ferreira e Rocha – Oncologia Molecular Estudante de Medicina, Enfermagem e Nutrição
Figueiró e Bertuol – Depressão em Medicina Interna e em Outras Condições Médicas – Depressões Rotemberg e Frida – Trabalho em Turnos e Noturno na Sociedade 24 Horas
Secundárias Rubin e Hochstein – Manual de Exame do Paciente para o Estudante de Medicina
Figueiró – Dor e Saúde Mental Rufino – Testes de Função Respiratória – do Laboratório à Aplicação Clínica com 100 Exercícios para Diagnóstico
Fisberg e Medeiros – Adolescência... Quantas Dúvidas! Saad – Endocrinologia
Florêncio – Testes Funcionais e Terapêutica Ambulatorial em Endocrinologia Salgueiro – Andropausa – Reposição Hormonal Masculina
Focaccia – Tratado de Hepatites Virais Sanvito – Propedêutica Neurológica Básica 5a ed.
Fontana – Manual de Clínica em Psiquiatria Sanvito – Série Neurologia – Diagnóstico e Tratamento
Franco Jr. – (Série Hospital Universitário USP) – Vol. 1 – Manual de Terapia Intensiva Vol. 1 Tilbery – Esclerose Múltipla no Brasil – Aspectos Clínicos e Terapêuticos
Frida – Atualização em Hipertensão Arterial Vol. 2 Ferraz – Doença de Parkinson – Prática Clínica e Terapêutica
Friedman – Manual de Diagnóstico em Medicina Interna Sanvito – Síndromes Neurológicas 2a ed.
Galvão – O Choque – Etiofisiopatologia, Clínica e Terapêutica Sanvito e Monzillo – O Livro das Cefaléias
Gayotto – Doenças do Fígado e Vias Biliares (2 vols.) SBC (Soc. Bras. Urologia)/FUNCOR – Prevenção das Doenças do Coração – Fatores de Risco
Gerude, Pires, Alves e Mannarino – Terapia Nutricional SBGG – Santos – Atualizações Diagnósticas e Terapêuticas em Geriatria
Giavina – Alergias Scalco – Terapêuticas para a Depressão na Terceira Idade
Gil e Rocha – Oncologia Molecular Schor – Série Clínica Médica – Medicina Celular e Molecular
Gilvan – Tuberculose: Do Ambulatório à Enfermaria 3a ed. Vol. 1 Bases Moleculares da Biologia, da Genética e da Farmacologia
Ghorayeb – Tratado de Cardiologia do Exercício e do Esporte Vol. 3 Bases Moleculares da Nefrologia
Ghorayeb e Meneghelo – Métodos Diagnósticos em Cardiologia Clínica Vol. 4 Bases Moleculares da Cardiologia e Medicina de Urgência
Godoy Matos – Sindrome Metabólica Segre – A Questão Ética e a Saúde Humana
Goldenberg – Coluna: Ponto e Vírgula 7a ed. Seibel – Dependência de Drogas
Goldberger – Tratamento das Emergências Cardíacas Silva e Friedman – Sepse
Gomes do Amaral – Medicina Intensiva para Graduação – UNIFESP/EPM Silveira Moreira – Panorama Atual de Drogas e Dependências
Gomez – Interação Alimentos Medicamentos Soc. Bras. Clínica Médica – Série Clínica Médica Ciência e Arte
Gonçalves Reis – Laboratório para o Clínico 8a ed. Pachón – Arritmias Cardíacas
Gottschal – Dinâmica Cardiovascular – Do Miócito à Maratona Lopes – Equilíbrio Ácido-base e Hidroeletrolítico 2a ed. revista e atualizada
Gottschal – Do Mito ao Pensamento Científico 2ª ed. Cruz e Lopes – Asma, um Grande Desafio
Graeff e Hetem – Transtornos da Ansiedade Lopes Palandri – Doença Coronária
Guimarães – Propedêutica e Semiologia em Cardiologia Lopes Buffolo – Insuficiência Cardíaca
Herlon e Velasco – Emergências Clínicas Baseadas em Evidências SOCESP (Soc. Card. Est. SP) – Manual de Cardiologia da SOCESP
Hospital Israelita Albert Einstein – Protocolos de Conduta do Hospital Israelita Albert Einstein SOLACI (Soc. Lat. Am. Card. Interv.) – Intervenciones Cardiovasculares
InCor – Os Chefs do Coração Sonia Rolim – Fitomedicamentos na Prática Ginecológica e Obstétrica
InCor – Manual de Dietoterapia e Avaliação Nutricional – Serviço de Nutrição e Dietética do Instituto Souza Lima – Alergia Alimentar
do Coração (HC-FMUSP) Tavares – Formulário de Prescrição Fitoterápico
Ivan Lemos – Dor Crônica – Diagnóstico, Pesquisa e Tratamento Tavares – Manual de Antibióticos e Quimioterápicos Antiinfecciosos 3a ed. (anexo: brochura com as principais
Jacob e Gamia – Prática a Caminho da Senecultura – Grupo de Assistência tabelas posológicas e de eficácia terapêutica)
Multidisciplinar do Idoso Ambulatorial – Hospital das Clínicas – FMUSP Tavares – Rotinas de Diagnóstico e Tratamento das Doenças Infecciosas e Parasitárias
Jacobsen Teixeira – Dor – Manual para o Clínico Terra – Vias Urinárias
Jansen – Pneumo AIDS Timerman – Ressuscitação Cardiopulmonar
Jatene – Medicina, Saúde e Sociedade Timerman e Feitosa – Síndromes Coronárias Agudas
Josivan – Aulas em Endocrinologia Clínica – Texto Básico com a Apresentação de 622 Slides Didáticos Tung Teng – Psicofarmacologia
Kanaan – Bioquímica Clínica Vaisman – Coleção Clínica Médica
Knobel – Condutas no Paciente Grave 3ª ed. (Vol. I com CD e Vol. II) Vol. 1 – Doenças da Tireóide
Knobel – Memórias Agudas e Crônicas de uma UTI Vol. 2 – Casos Clínicos – Endocrinologia
Kuhn – O Pé Diabético Velasco – Propedêutica em Emergência
Lage e Ramirez – Cardiologia no Internato – Bases Teórico-Práticas Veronesi e Focaccia – Retroviroses Humanas HIV/AIDS – Etiologia, Patologia, Patologia Clínica, Tratamento,
Lemos – Dor Crônica Prevenção
Leonardo Caixeta – Demências: Abordagem Multidisciplinar Veronesi – Tratado de Infectologia 3a ed. (2 vols.)
Levene e Davis – Dor Torácica: Seu Diagnóstico e o Diagnóstico Diferencial Viegas – Tabagismo: Do Diagnóstico à Saúde Pública
Levin Dias – Antimicrobianos – Um Guia de Consulta Rápida Vilela, Borges e Ferraz – Gastrenterologia e Hepatologia
Lopes – Clínica Médica – Equilíbrio Ácido-base e Distúrbio Hidroeletrolítico 2ª ed. Vilela Ferraz – Dicionário de Ciências Biológicas e Biomédicas
Lopes Buffolo – Insuficiência Cardíaca Vincent – Internet – Guia para Profissionais da Saúde 2a ed.
Lopes e Cruz – Série Clínica Médica – Asma Walter Tavares – Antibióticos e Quimioterápicos para o Clínico (Livro Texto e Livro Tabelas)
Lopes e Martinez – Série Clínica Médica – Dislipidemias Walter Tavares – Rotinas de Diagnóstico e Tratamento das Doenças Infecciosas e Parasitárias 2a ed.
Lopes e Reibscheid – Abdome Agudo – Clínica e Imagem Wânia da Silva – Guia de Medicamentos Quimioterápicos
Lopes Graff – Toxicologia Wilson Jacob – Atividade Física e Envelhecimento Saudável
Lopes Guariento – Manual de Medicina Ambulatorial do Adulto Wilson Jacob – Avaliação Global do Idoso
Lopes Guimarães – Parada Cardiorrespiratória Xenon – Xenon 2008 – O Livro de Concursos Médicos (2 vols.)
Lopes Palandri – Doença Coronária Zago – Hematologia – Fundamentos e Prática
Lopes Samuel – Atlas do Abdome Agudo Zago Covas – Células-Tronco
Lottenberg – A Saúde Brasileira Pode Dar Certo Zamboni – Câncer do Pulmão
Luz – O Médico, esta Droga Desconhecida Zamboni – Pneumologia
Macambira – Febre Prolongada de Origem Obscura Zarco – Exame Clínica do Coração 2a ed.
Maia Guimarães – Sinais e Sintomas em Geriatria Zatz – Fisiopatologia Renal

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PROPEDÊUTICA MÉDICA
DA CRIANÇA AO IDOSO
EDITORES
Aleksandro Belo Ferreira
Camila Bianca Lecciolle Paganini
Carlos André Minanni
Irineu Francisco Delfino Silva Massaia
José Carlos Aguiar Bonadia
Karina Moraes Kiso
Marcos Daniel Saraiva
Thiago Souza La Falce

GESTORES EDITORIAIS
Valdir Golin
Carlos Alberto da Conceição Lima

PROFESSOR HOMENAGEADO (IN MEMORIAM)


Walter Scatolini

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EDITORA ATHENEU São Paulo – Rua Jesuíno Pascoal, 30
Tel.: (11) 6858-8750
Fax: (11) 6858-8766
E-mail: atheneu@atheneu.com.br

Rio de Janeiro – Rua Bambina, 74


Tel.: (21) 3094-1295
Fax: (21) 3094-1284
E-mail: atheneu@atheneu.com.br

Belo Horizonte – Rua Domingos Vieira, 319 – Conj. 1.104

Produção editorial: Know-How Editorial


Capa: Xxxxxxxxxxx.
Revisão técnica: Xxxxxxxxxxx
Fonte de Pesquisa: Xxxxxxxxxxx
Fotografia: Xxxxxxxxxxx
Ilustração: Xxxxxxxxxxx

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Propedêutica médica da criança ao idoso / editores


Irineu Francisco Delfino Silva Massaia,
José Francisco Bonadia; gestor editorial Valdir Golin. --
2. ed. -- São Paulo : Atheneu Editora, 2015.

Vários autores.
Vários colaboradores.
Bibliografia
ISBN 978-85-388-0610-3

1. Anamnese 2. Diagnóstico físico I. Massaia,


Irineu Francisco Delfino Silva. II. Bonadia, José
Carlos Aguiar. III. Golin, Valdir.

15-00973 CDD-616.0754

Índices para catálogo sistemático:

1. Propedêutica médica : Medicina 616.0754

LA FALCE, T. S.; SARAIVA, M. D.; PAGANINI, C. B. L.; PINHEIRO, K. M. K.; FERREIRA, A. B.; MINANNI, C. A.
Propedêutica Médica – da Criança ao Idoso
©Direitos reservados à EDITORA ATHENEU — São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, 2009.

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Agradecimentos

Agradecemos à Diretoria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, nas pessoas do
Prof. Dr. Valdir Golin e Prof. Dr. José Eduardo Lutaif Dolci, pelo apoio e estímulo.

Ao Departamento de Medicina, pela inestimável contribuição.

À Disciplina de Propedêutica Médica, na figura memorável do Prof. Walter Scatolini, pelas saudosas horas
de aprendizado à beira do leito.

Aos Diretores e Professores de cada Departamento, por acreditarem e contribuírem direta ou indiretamen-
te na concretização desta obra.

À Editora Atheneu, pela credibilidade e pontualidade.

Aos nossos familiares, cônjuges e futuros cônjuges, por compreenderem que as horas extras de dedicação
eram de extrema importância para a realização deste projeto.

Aos nossos amigos, que nos apoiaram e participaram do projeto com suas opiniões e auxílio nas horas mais
decisivas.

São Paulo, março de 2015


Os editores

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Editores

Aleksandro Belo Ferreira


Médico assistente do Departamento de Pediatria da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
(ISCMSP). Professor voluntário das Disciplinas de Propedêutica Pediátrica e Pediatria Geal da Faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Endocrinologista pediátrico do Ambulatório
Multidisciplinar para Atendimento ao Portador de Síndrome de Down do Departamento de Pediatria da
ISCMSP.

Camila Bianca Lecciolle Paganini


Médica formada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Residência em Pediatria
e em Neonatologia pela Universidade de São Paulo. Médica assistente do Serviço de Neonatologia do
Departamento de Pediatria da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Carlos André Minanni


Médico formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Residência em Clínica
Médica e Endocrinologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade deSão Paulo.

Irineu Francisco Delfino Silva Massaia


Superintendente da Santa Casa de São Paulo. Doutor em Patologia pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Professor assistente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São
Paulo. Chefe de clínica adjunto do Departamento de Medicina e do Serviço de Emergência da Irmandade
da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP). Ex-diretor do Serviço de Controle de Infecção
Hospitalar da ISCMSP. Ex-vice-coordenador da Comissão de Residência Médica da ISCMSP. Coordenador
da Clínica Médica dos Hospitais Estaduais Vila Alpina e Sapopemba.

José Carlos Aguiar Bonadia


Coordenador da Disciplina de Propedêutica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Karina Moraes Kiso


Médica formada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Residência
em Clínica Médica pela Irmandade de Misericórdia da Santa Casa de São Paulo. Mestra pela FCMSCSP.
Farmacêutica e Bioquímica formada pela Universidade de São Paulo. Diretora do Centro de Saúde Escola
Barra Funda.

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Marcos Daniel Saraiva
Médico formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Residência em Clínica
Médica e Geriatria no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ­(HC-
-FMUSP). Médico preceptor do Serviço de Geriatria do HC-FMUSP.

Thiago Souza La Falce


Médico formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Residência em Cirurgia
Geral pela Irmandade de Misericórdia da Santa Casa de São Paulo. Residência em Cirurgia Vascular pelo
­Serviço de Cirurgia Vascular Integrada do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.

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Gestores Editoriais

Valdir Golin
Diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Carlos Alberto da Conceição Lima


Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ex-diretor do Departamento
de Medicina da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Chefe de clínica do Departamento
de Medicina da Santa Casa de São Paulo.

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Revisores da 2a edição

Alexandre Venturi
Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Alexandre Eiji Kayano


Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Henry Eiji Toma


Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Lívia Rodrigues
Acadêmica de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Mário Vítor Caldeira Pagotto


Acadêmico de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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Colaboradores

Adilson Ferraz Paschôa


Cirurgião vascular corresponsável pelo Serviço de Cirurgia Vascular Integrada do Hospital Beneficência
Portuguesa de São Paulo. Doutor em cirurgia pela Universidade Estadual de Campinas.
Alexandre Bossi Todeschini
Médico formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Residência em
Neurocirurgia pela Irmandade de Misericórdia da Santa Casa de São Paulo.
Andrea Vieira
Chefe da Clínica de Gastroenterologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Professora
da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Doutora pela FCMSCSP.
Anitta Rotter
Médica ex-residente da Clínica de Dermatologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Antonio José Gonçalves
Professor adjunto e chefe da Disciplina de Cirurgia da Cabeça e Pescoço da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo.
Bonno van Bellen
Livre-docente em Moléstias Vasculares pela Universidade Estadual de Campinas. Chefe do Serviço de
Cirurgia Vascular Integrada do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Carlos Alberto Herrerias de Campos
Professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Carmela Maggiuzzo Grindler
Coordenadora estadual do Programa Nacional de Triagem Neonatal de São Paulo. Coordenadora do
Projeto de Implantação do Programa de Doenças Raras de São Paulo. Professora de Pediatria da Faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Clarice Marie Kobata
Mestra em Ciências da Saúde. Médica assistente da Clínica de Dermatologia da Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo.
Cláudio Santili
Professor adjunto do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo, “Pavilhão Fernandinho Simonsen”.

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Danielle Bivanco-Lima
Professora instrutora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo. Médica primeiro assistente do Centro de Saúde Escola Barra Funda. Doutora em
Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professora da disciplina de
Higiologia da Universidade Nove de Julho.

Guilherme do Val Sella


Médico assistente do Grupo de Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – “Pavilhão Fernandinho Simonsen”.

Ida Alzira Gomes Duarte


Doutora em Ciências da Saúde. Professora adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São Paulo.

Janaína Cenedes Prudente de Oliveira


Cirurgiã vascular formada pelo Serviço de Cirurgia Vascular Integrada do Hospital Beneficência Portuguesa
de São Paulo.

Jorge Ethel Filho


Professor assistente e chefe da Disciplina de Pneumologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de
São Paulo.

José César Assef


Diretor do Serviço de Emergência da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Professor
adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

José Flávio Castellucio


Médico segundo assistente e instrutor de ensino do Departamento de Clínica Médica da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Mestre em Ciências da Saúde.

Juliana de Carvalho Moura


Médica primeiro assistente do Centro de Saúde Escola Barra Funda. Mestre em Saúde Coletiva pela
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professora da disciplina de Higiologia da Universidade
Nove de Julho.

Luis Antônio Rivetti


Professor adjunto da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia
de São Paulo.

Luiz Antonio Miorin


Professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Chefe de clínica adjunto
do Departamento de Medicina da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Luiz Arnaldo Szutan


Professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Chefe do Grupo de Fígado e
Hipertensão Portal do Departamento de Cirurgia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro


Médico sanitarista e professor adjunto do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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Maria Carolina Pedalino Pinheiro
Medica psiquiatra, assistente do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental da Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo. Especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria. Especialista em
Dependência Química pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo.

Mariana de Figueiredo Silva


Médica assistente da Clínica de Dermatologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Marsal Sanches
Pós-doutorado fellowship na University of Texas Medical School at Houston. Attending psychiatrist pelo
St. Alexius Medical Center Bismarck.

Milton Luiz Gorzoni


Professor adjunto do Departamento de Clínica Médica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São
Paulo. Coordenador das Disciplinas de Geriatria e de Fundamentos de Gerontologia da Faculdade de
Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Coordenador do Internato em Clínica Médica
do 5º ano de Graduação em Medicina da FCMSCSP. Coordenador do Eletivo em Clínica Médica do 6º ano
de Graduação em Medicina da FCMSCSP. Ex-presidente da Seção São Paulo da Sociedade Brasileira de
­Geriatria e Gerontologia.

Ney Penteado de Castro Júnior


Doutor em Medicina (Otorrinolaringologia) pela Universidade Federal de São Paulo. Professor titular da
Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Chefe
de clínica pela Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia
de São Paulo.

Pedro Jabur
Professor pleno da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Professor titular da
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Osmar Mesquita de Sousa Neto


Médico otorrinolaringologista. Mestre e doutor em Medicina (Otorrinolaringologia) pela Faculdade de
Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Professor adjunto da FCMSCSP.
Responsável pelo Ambulatório de Deficiência Auditiva do Hospital da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia
de São Paulo.

Renata Santos Bittencourt Silva


Otorrinolaringologista colaboradora do Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo.

Roberto Mitiaki Endo


Professor assistente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Chefe de clínica adjunto
do Departamento de Oftalmologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Rodrigo Bueno de Oliveira


Professor doutor da Disciplina de Nefrologia da Universidade Estadual de Campinas. Médico especialista
em Clínica Médica pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e especialista em Nefrologia
pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Ciências pela USP. Pós-doutorado pela Université da
Picardie Jules Verne, Amiens, França.

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Rômulo Negrini
Mestre em Tocoginecologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).
Professor da FCMSCSP. Membro da Equipe de Obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein.
Roni de Carvalho Fernandes
Professor assistente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Assistente do
Departamento de Cirurgia e responsável pelo ambulatório de Uro-oncologia da Disciplina de Urologia da
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Rosana Lazzarini
Mestre em Ciências da Saúde. Médica assistente da Clínica de Dermatologia da Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo.
Silvio Luiz Cardenuto
Médico primeiro assistente do Departamento de Medicina Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de
São Paulo. Médico primeiro assistente do Serviço de Emergência da Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo.
Tsutomu Aoki
Professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Doutor em
Tocoginecologia pela FCMSCSP. Chefe da Clínica de Infertilidade do Departamento de Obstetrícia e
Ginecologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP). Presidente da Comissão
de Ética Médica da ISCMSP, representando o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
Chefe de clínica da ISCMSP.
Vivian Angerami Gonzalez La Falce
Médica formada pela Universidade Metropolitana de Santos. Otorrinolaringologista formada pelo Hospital
CEMA.
Wilson Luiz Sanvito
Professor titular da Disciplina de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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Apresentação

A Propedêutica continua muito viva na nossa Santa Casa. Novos brilhantes alunos revisaram capítulos
e foram além sob supervisão dos docentes da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo na 2ª
edição do nosso livro Propedêutica médica: da criança ao idoso.
Esta edição foi ampliada para 18 capítulos (4 a mais do que na anterior) e melhorada com mais imagens e
revisores. O Capítulo 3 (“Cabeça e Pescoço”) foi desmembrado nos novos Capítulos 5 (“Propedêutica Oftal-
mológica”) e 6 (“Propedêutica Otorrinolaringológica”), promovendo maior detalhamento e profundidade da
semiologia.
A premissa de trazer a informação completa e confiável no linguajar do aluno continua. Intensificaram-se
a relação professor-aluno e o desejo de produzir mais em nosso meio e pelo bem maior.
Leiam, pratiquem e passem adiante!

Prof. Dr. Irineu Francisco Delfino Silva Massaia


Editor

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Prefácio da 1a edição

A extraordinária evolução tecnológica dos últimos anos tem auxiliado no desenvolvimento da assistên-
cia médica, em especial na área diagnóstica.
Cabe a questão do impacto que isso traz na relação médico-paciente e no conhecimento e aplicação dos
conceitos de Propedêutica na prática médica diária e na possibilidade de realização dos diferentes diagnósticos
por meio do raciocínio clínico e das diferentes manobras.
É óbvio que se deve caminhar com a composição de ambas possibilidades, mas é fundamental que se
possa manter o foco nas situações básicas, principalmente porque aproximam o médico de seu paciente e, em
muitas situações, com um custo muito menor, permitem a realização de um diagnóstico preciso.
A situação é mais instigante quando, no ambiente de ensino médico, principalmente na graduação, temos
de definir o espaço e a importância desse conhecimento na formação do médico do século XXI.
Foi, portanto, com grande alegria que recebemos a iniciativa de um grupo de alunos do curso de Medici-
na da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), que, orientados por seus pro-
fessores, elaboraram um livro a partir de suas necessidades e da visão do aprendizado de Propedêutica na
prática cotidiana.
O texto, além de fácil compreensão, como convém a este momento do aprendizado, compõe-se de um
número significativo de figuras e fotos, que, sem dúvida, facilitarão o estudo.
Estão de parabéns os alunos e professores envolvidos na elaboração de Propedêutica médica: da criança ao
idoso, e a Editora Atheneu, pela sua disposição em participar deste projeto que, sem dúvida, há de colaborar
para a formação de médicos que dignifiquem sua profissão na prática do dia a dia.
A Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e seus médicos têm orgulho da realização
desta brilhante iniciativa.

São Paulo, março de 2009.


Dr. luiz Arnaldo Szutan
Diretor do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP)

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Prefácio da 2a edição

No curso de graduação em Medicina, existe a cadeira de Propedêutica ou Semiologia Médica. Esta disci-
plina ensina os alunos a obterem uma história médica, também chamada anamnese e, ainda, a procederem ao
exame físico dos doentes. Para ter uma dimensão da importância desta disciplina, quando elaboramos uma
hipótese diagnóstica, a anamnese contribui com 80% dos dados de chance de acerto, o exame físico com 12%
e os exames complementares com aproximadamente 6%.
Nesta era da cultura digital e da alta tecnologia no campo da Medicina, ainda não se criou nenhum pro-
grama de computação capaz de analisar tantas variáveis obtidas no exame clínico dos pacientes.
É motivo de orgulho para o coordenador desta disciplina que os alunos da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo estejam motivados a reescrever a 2ª edição deste livro orientados por seus profes-
sores. Talvez esses alunos já teriam descoberto um dos momentos máximos da arte da Medicina, a ocasião em
que se inicia a relação médico-paciente e como, por mágica, se estabelece, na esmagadora maioria das vezes,
uma empatia que não se costuma ver em nenhuma outra área da ciência.
Feliz o mestre que vê seus alunos despontarem, amadurecerem e vingarem na nobre profissão que esco-
lheram. Espero que os leitores deste livro aproveitem não só os ensinamentos técnicos, mas também se inspi-
rem em como se inicia a prática de uma boa Medicina.

Prof. Dr. José Carlos A. Bonadia


Editor

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Sumário

SEÇÃO I – GERAL

1 – Anamnese Geral...................................................................................................................3
Marcos Daniel Saraiva
lívia Rodrigues
Rodrigo Bueno de Oliveira
Juliana de Carvalho Moura

2 – Comunicação Médico-Paciente ...................................................................................... 27


Danielle Bivanco-lima
Juliana de Carvalho Moura
Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro

3 – Exame Físico Geral ........................................................................................................... 43


Marcos Daniel Saraiva
lívia Rodrigues
José Flávio Castellucio
Silvio luiz Cardenuto
José Carlos Aguiar Bonadia

4 – Racionalização da Investigação Propedêutica................................................................81


lívia Rodrigues
Marcos Daniel Saraiva
Carlos André Minanni
José Carlos Aguiar Bonadia

SEÇÃO II – ESPECIAL
5 – Propedêutica Oftalmológica ........................................................................................... 93
Camila Bianca lecciolle Paganini
Alexandre Venturi
Roberto Mitiaki Endo

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6 – Propedêutica Otorrinolaringológica.............................................................................. 105
Camila Bianca Lecciolle Paganini
Alexandre Venturi
Renata Santos Bittencourt Silva
Vivian Angerami Gonzalez La Falce
Antônio José Gonçalves
Carlos Alberto Herrerias de Campos
Ney Penteado de Castro Júnior

7 – Propedêutica do Aparelho Respiratório........................................................................ 123


Aleksandro Belo Ferreira
Carlos André Minanni
Alexandre Eiji Kayano
Jorge Ethel Filho

8 – Propedêutica Cardiológica.............................................................................................. 139


Thiago Souza La Falce
Karina Moraes Kiso
Henry Eiji Toma
Luiz Antônio Rivetti

9 – Propedêutica Vascular.................................................................................................... 175


Thiago Souza La Falce
Janaína Cenedes Prudente de Oliveira
Adilson Ferraz Paschôa
Bonno van Bellen

10 – Propedêutica Abdominal.............................................................................................. 185


Karina Moraes Kiso
Thiago Souza La Falce
Mário Vítor Caldeira Pagotto
Andrea Vieira
Luiz Arnaldo Szutan
José Cesar Assef

11 – Propedêutica das Vias Urinárias e Sistema Reprodutor Masculino......................... 213


Camila Bianca Lecciolle Paganini
Thiago Souza La Falce
Henry Eiji Toma
Luiz Antonio Miorin
Pedro Jabur
Roni de Carvalho Fernandes

12 – Propedêutica Ginecológica e Obstétrica.................................................................... 221


Carlos André Minanni
Camila Bianca Lecciolle Paganini
Thiago Souza La Falce
Mário Vítor Caldeira Pagotto
Rômulo Negrini
Tsutomu Aoki

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13 – Propedêutica Dermatológica........................................................................................ 239
Marcos Daniel Saraiva
Alexandre Venturi
Anitta Rotter
Clarice Marie Kobata
Mariana de Figueiredo Silva
Ida Alzira Gomes Duarte
Rosana Lazzarini

14 – Propedêutica Neurológica............................................................................................ 261


Thiago Souza La Falce
Marcos Daniel Saraiva
Alexandre Venturi
Alexandre Bossi Todeschini
Wilson Luiz Sanvito

15 – Propedêutica Psiquiátrica............................................................................................ 303


Marcos Daniel Saraiva
Alexandre Eiji Kayano
Maria Carolina Pedalino Pinheiro
Marsal Sanches

16 – Propedêutica do Aparelho Locomotor........................................................................ 313


Carlos André Minanni
Karina Moraes Kiso
Henry Eiji Toma
Guilherme do Val Sella
Cláudio Santili

17 – Propedêutica Pediátrica............................................................................................... 349


Aleksandro Belo Ferreira
Camila Bianca Lecciolle Paganini
Mário Vítor Caldeira Pagotto
Carmela Maggiuzzo Grindler

18 – Propedêutica do Idoso.................................................................................................. 385


Marcos Daniel Saraiva
Alexandre Eiji Kayano
Irineu Francisco Delfino Silva Massaia
Milton Luiz Gorzoni

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GERAL
Seção I
1. Anamnese Geral
2. Comunicação Médico-Paciente
3. Exame Físico Geral
4. Racionalização da Investigação Propedêutica

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Anamnese Geral 1
Marcos Daniel Saraiva
Lívia Rodrigues
Rodrigo bueno de Oliveira
Juliana de Carvalho Moura

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4 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Introdução sos, é importante verificar se o informante convive


ou não com o paciente.
A anamnese (do grego ana, trazer de novo, e
Deve-se lembrar que é ao longo dos encontros
mnesis, memória) ou história clínica é um dos ins-
entre o médico e o paciente que se constroem, me-
trumentos médicos mais importantes da prática
diante o estabelecimento de uma comunicação dia-
médica. Permite a geração de hipóteses diagnósticas logada, hipóteses diagnósticas e planos terapêuti-
ou diagnósticos e a definição de uma programação cos, sempre compartilhados com os pacientes.
terapêutica, subsidiada ou não por exames comple- Note-se que, além da necessidade de um aperfei-
mentares. A anamnese é a primeira etapa do racio- çoamento técnico gradativo e preciso, deve-se exerci-
cínio clínico hipotético-dedutivo, descrito por Po- tar a capacidade de construção de encontros que pos-
pper no início do século XIX (Figura 1.1). sibilitem o acolhimento de questões relacionadas ao
contexto familiar, de trabalho e sociocultural, pois
esse entendimento constitui a essência da boa prática
Construção médica e a base de uma terapêutica efetiva.
da relação
médico-paciente Preparando-se para uma
Plano anamnese geral
Anamnese e terapêutico Antes do início de uma anamnese, algumas me-
exame físico didas devem ser tomadas de forma a proporcionar
Diagnóstico mais conforto, tanto para o entrevistador quanto para
Percepção Hipóteses
o paciente, ao longo da realização da história clínica.
diagnósticas 1. Preparo do ambiente: o local da entrevista deve
Solicitação
garantir a privacidade do paciente e ser o mais
Análise de exames
adequado, silencioso e confortável possível.
Figura 1.1 – Método do raciocínio hipotético-dedutivo 2. Apresentação e aparência do examinador: o
adaptado à prática médica. examinador deve apresentar-se ao paciente
por­tando o crachá de identificação da institui-
O exercício e o aprimoramento das técnicas de ção/escola médica a qual pertence, com roupas
anamnese ao longo de sua formação permitem que o adequadas para a realização da entrevista mé-
médico defina o(s) problema(s) clínico(s) com maior dica (avental, jaleco ou outra vestimenta pa-
dronizada), de forma a facilitar sua identifica-
precisão. A elaboração de problemas clínicos, me-
ção e a respeitar os padrões necessários segundo
diante a execução das técnicas de anamnese, consiste
as normas de biossegurança.
em uma das principais etapas do raciocínio hipotéti-
3. Postura do examinador: durante a anamnese, o
co-dedutivo, à medida que esta orientará todas as eta- examinador deve apresentar uma postura aco-
pas seguintes até a resolução do problema. Um erro lhedora, além de expressar, por meio de gestos, de
cometido na fase inicial do raciocínio hipotético-de- olhares e do tom de sua voz, tranquilidade, segu-
dutivo poderá comprometer todas as etapas seguin- rança e interesse no que o paciente está contando.
tes, muitas vezes sendo solicitados exames incorretos 4. Contato com o paciente: o examinador deve
e/ou desnecessários, assim como propostos planos sempre observar as etapas descritas a seguir
terapêuticos inadequados. (Quadro 1.1):
Além disso, devido à necessidade de uma abor- • cumprimento – o primeiro passo é cum­
dagem integral do paciente, na qual sejam articula- primentar o paciente de maneira formal,
das ações de assistência, prevenção e promoção de ­chamando-o pelo nome, se já conhecido. É
saúde, a anamnese é importante para a identificação também importante estabelecer contato físico
inicial com o paciente, por meio de um aperto
de fatores de risco pessoais, ambientais e familiares,
de mão ou pelo simples toque em seu tronco ou
bem como de hábitos de vida e comorbidades. braço, demonstrando segurança e confiança;
A história clínica deve ser feita preferencialmen- • apresentação – a seguir, quando se tratar
te com o paciente. Porém, nas entrevistas clínicas de do primeiro contato entre o paciente e o
crianças ou pacientes com distúrbios de consciência examinador, é necessário que este se apre-
ou demência, as informações médicas podem ser ob- sente de maneira completa, informando seu
tidas por um familiar ou acompanhante. Nesses ca- nome, sua posição e seu papel no hospital;

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 5

• solicitação de permissão para anamnese – • Data de nascimento: dia/mês/ano.


sempre se deve esclarecer ao paciente aquilo • Idade: em anos (p. ex.: 64 anos).
que será feito e perguntar-lhe se está de • Sexo: feminino ou masculino.
acordo com a proposição. Caso o paciente • Etnia: pode-se classificar a etnia em cinco
esteja cansado ou indisposto, deve retornar subitens, descritos abaixo:
em outro horário. Por fim, pergunta-se se o −− amarela;
paciente se incomoda com anotações du- −− branca;
rante a entrevista, caso sejam necessárias.
−− parda;
−− negra;
Quadro 1.1 – Etapa de apresentação: exemplo −− vermelha.
de início da abordagem ao paciente
• Naturalidade: local de nascimento do pa-
Olá, boa tarde, senhor(a) (nome do paciente). Eu sou (nome ciente (p. ex.: natural da cidade de Salvador,
do entrevistador), aluno(a) do segundo ano da faculdade de estado da Bahia).
medicina e faço parte da equipe médica que cuida do(a) • Procedência: local de onde o paciente veio
senhor(a). Estou aqui hoje para conversar sobre a sua história.
(p. ex.: o paciente pode ter nascido na Bahia,
O(A) senhor(a) se importa de conversarmos agora? O(A)
mas se mudado para Minas Gerais antes de
senhor(a) se importa que eu tome notas durante a entrevista?
chegar a São Paulo; nesse caso, procedência
= Minas Gerais). É importante questionar
Componentes da Anamnese ainda sobre viagens recentes. A coleta desses
Tradicional dados apresenta valor epidemiológico, pois
Resumidamente, a anamnese médica tradicio- algumas regiões são áreas endêmicas de do-
enças especificas (p. ex.: a Bahia é uma área
nal é constituída por seis etapas:
endêmica para esquistossomose).
1. identificação;
• Escolaridade: refere-se aos anos de estudo
2. queixa e duração (QD); completos ou o grau de escolaridade do
3. história pregressa da moléstia atual (HPMA); paciente:
4. interrogatório sobre os diversos aparelhos (ISDA); −− analfabeto;
5. antecedentes pessoais; −− Ensino Fundamental (1º ao 9º ano),
6. antecedentes familiares. completo ou incompleto;
−− Ensino Médio (1º ao 3º ano), completo
Em cada uma dessas etapas, itens específicos de- ou incompleto;
vem ser pesquisados. A seguir, estão detalhados os −− Ensino Superior completo ou incompleto.
principais componentes da anamnese tradicional. • Estado civil: este item pode fornecer infor-
mações iniciais valiosas a respeito da estru-
Identificação
tura familiar de cada paciente. Podem-se
A identificação consiste no primeiro item da ana- compreender as relações entre os integran-
mnese tradicional e apresenta como objetivo descrever tes que compõem a família e suas potenciais
dados sociodemográficos de forma a se estabelecer as- repercussões sobre a saúde do paciente:
sociações entre esses dados e determinadas doenças −− solteiro;
mais prevalentes em determinado sexo, idade, raça, ou −− amasiado;
situações de trabalho, por exemplo. É durante essa eta- −− casado;
pa que se iniciará o relacionamento com o paciente −− divorciado;
(Quadro 1.2).
−− viúvo.
• Profissão: refere-se à profissão desenvolvida
Quadro 1.2 – Dados de identificação: sugestão de após formação prévia.
pergunta introdutória
• Ocupação: refere-se ao trabalho atual exerci-
Para iniciarmos a nossa conversa, gostaria de perguntar alguns do pelo paciente. Há doenças que são predo-
dados do(a) senhor(a). minantes em algumas ocupações ou agrava-
das por determinadas condições de trabalho.
• Nome: escrito por completo e sem abre- O conhecimento das atividades do paciente e
viações. das condições em que são exercidas é funda-

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6 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

mental para que se possa entender o mecanis- examinador deve registrar os principais trechos da
mo desencadeador de algumas doenças rela- narrativa sobre sinais e sintomas em forma de tópi-
cionadas ao trabalho (p. ex.: hérnia de disco cos, pequenos lembretes. Posteriormente, isso faci-
em estivadores). litará a organização cronológica da anamnese.
• Religião: católica; evangélica; umbandista; Após o término do relato de todas as queixas do
mulçumana; testemunhas de Jeová; judaica; paciente referentes à moléstia atual, devem-se acres-
agnóstica; entre outras. As crenças religiosas centar outros questionamentos pertinentes, com o
apresentam grande influência na forma intuito de explorar detalhadamente sintomas ou ou-
como o paciente entende o seu processo de tras queixas, obtendo, dessa forma, dados importan-
saúde-doença e como exerce o seu cuidado à tes não explicitados inicialmente, ou ainda esclarecer
saúde, sendo de fundamental importância questões não compreendidas durante o relato inicial.
para o desenvolvimento de uma relação e de Será descrito a seguir como abordar semiologi-
um vínculo médico-paciente o respeito à re- camente alguns dos sintomas do paciente, como o
ligião referida, sem juízos de valor ou discri- sintoma dor.
minação. Há pacientes de determinadas reli-
giões, como testemunhas de Jeová, que não Caracteres propedêuticos da dor
aceitam alguns procedimentos médicos, por A dor é um dos sintomas mais comuns na práti-
exemplo, transfusão de hemoderivados. ca médica, sendo um dos principais motivos que le-
vam os pacientes a buscar auxílio médico. Pode ser
Queixa e duração (QD) definida como: “uma experiência sensorial e emo-
A etapa QD consiste em procurar compreender cional desagradável associada a dano tissular real ou
o principal motivo (principal queixa) que trouxe o potencial, ou descritas em termos deste dano” (IASP,
paciente à consulta médica e há quanto tempo isso International Association for the Study of Pain).
o incomoda. Devem ser usadas as próprias palavras A fim de detalhar essa experiência sensorial,
do paciente para descrever esse item da anamnese única e individual, ao se identificar uma queixa de
(Quadro 1.3). dor ou descrição de sensação dolorosa durante a en-
trevista médica, é necessário deixar o paciente rela-
tar livremente o quadro álgico. A partir desse relato,
Quadro 1.3 – Queixa e duração (QD): sugestão
podem ser obtidos dados relevantes antes mesmo de
de pergunta introdutória
pesquisados mais detalhadamente, de acordo com
O que trouxe o(a) senhor(a) à consulta? Há quanto tempo isso os 10 caracteres propedêuticos da dor, conhecidos
está acontecendo? também como decálogo da dor, descritos a seguir.
Uma das formas de memorização dos caracte-
História pregressa res da dor consiste na sigla ILICIDPFFF, em que
da moléstia atual (HPMA) cada letra denota um caractere descritivo da dor
A história pregressa da moléstia atual (HPMA) (Quadro 1.4).
consiste no relato cronológico dos sinais e sintomas,
desde o início da queixa principal até a data atual. Quadro 1.4 – Caracteres da dor: memorização –
No entanto, durante a elaboração da entrevista ILICIDPFFF
médica, os relatos de sinais e sintomas formulados I = início
pelos pacientes dificilmente estarão organizados de L = localização
forma cronológica e de acordo com a linguagem e I = intensidade
os termos técnicos utilizados tradicionalmente na C = caráter
prática médica. Em geral, os discursos dos pacientes I = irradiação
referentes aos processos de saúde-doença, durante o D = duração
encontro clínico, são feitos em forma de narrativa. P = periodicidade
Portanto, nesse momento, é fundamental dei- F = fatores de melhora
xar o paciente falar espontaneamente, evitando F = fatores de piora
interrompê-lo, a fim de que possa também relatar F = fatores que acompanham
livremente os fatos de seu processo de adoecimento,
bem como outros motivos e preocupações relacio- A seguir, detalha-se cada item dos caracteres
nados ao processo patológico atual que o levaram à da dor segundo a sigla de memorização sugerida
consulta médica. Durante o relato do paciente, o (Quadro 1.5).

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 7

QUADRO 1.5 – Descrição dos caracteres da dor


ITENS DOS CARACTERES
DA DOR (ILICIDPFFF) DESCRIÇÃO EXEMPLIFICAÇÃO DE PERGUNTAS
Descrição do início do quadro álgico Quando essa dor começou?
Início A dor começou aos poucos ou de repente?
(Início insidioso ou abrupto?)
Descrição da localização anatômica da dor Onde dói?
Localização Qual o lugar que está doendo? Aponte com o dedo
o local da dor.
Classificação quantitativa de intensidade da dor. O senhor(a) poderia dar uma nota de zero a dez
Obs.: Pode-se quantificar a intensidade da dor com para a intensidade de sua dor?
a ajuda de algumas escalas, como a Escala (Considere zero como ausência de dor e dez o grau
Intensidade Numérica (de zero a dez, sendo dez a pior dor máximo da dor.)
que o paciente já sentiu), Escala Visual Analógica
(Figura 1.2) ou, ainda, segundo a Escala de Faces
(Figura 1.3)
Dor pulsátil ou latejante: enxaqueca, abscesso, A dor do(a) senhor(a) fica pulsando?
odontalgia
Dor em choque: dor intermitente, presente A dor do(a) senhor(a) é em choque?
na neuralgia do trigêmeo, lombociatalgia e dor
neuropática
Dor em cólica: caracterizada pela alternância A dor do(a) senhor(a) dura certo tempo e depois
de períodos de menor e maior intensidade passa, indo e vindo várias vezes?
ao longo do tempo. Presente na cólica nefrética,
biliar, intestinal e menstrual
Dor em queimação: dor visceral, como na úlcera A dor do(a) senhor(a) parece queimar?
Caráter péptica e esofagite de refluxo ou dor superficial,
como na dor neuropática
Dor constritiva ou em aperto: na angina pectoris A dor do(a) senhor(a) é em aperto?
e no infarto agudo do miocárdio
Dor em pontada: nos processos pleurais A dor do(a) senhor(a) é em pontada?
Dor surda: nas doenças das vísceras maciças A dor do(a) senhor(a) é uma dor constante?
Dor “doída” ou dolorimento: nas doenças A dor do(a) senhor(a) é um dolorimento ou uma dor
musculares e vísceras maciças “doída”?
Dor em câimbra: em afecções medulares, A dor do(a) senhor(a) é do tipo câimbra?
metabólicas e musculares
Irradiação (trajeto) da dor a partir do local Essa dor vai para algum lugar? Para que local essa
Irradiação
de origem do quadro álgico dor caminha?
Tempo de duração da dor, descrita em segundos, Há quanto tempo o(a) senhor(a) sente essa dor?
Duração
horas, dias, meses ou anos
Constante ou intermitente De quanto em quanto tempo essa dor acontece?
Periodicidade
É uma dor constante ou intermitente?
Fatores que melhoram o quadro de dor Quais são os fatores que melhoram essa dor?
Fatores de melhora
(posições, alimentação, medicação, etc.)
Fatores que pioram o quadro de dor Quais são os fatores que pioram essa dor?
Fatores de piora
(posições, alimentação, medicação, etc.)
Fatores ou sintomas que acompanham o quadro Essa dor vem acompanhada de algum outro
Fatores que acompanham
de dor sintoma?

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8 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Para pacientes assintomáticos, ou seja, que não


relatam espontaneamente queixas e que procuram
Sem Máximo
dor de dor atendimento médico com a intenção de realizar
um check up, o ISDA clássico é geralmente de pouca
Figura 1.2 – Escala Visual analógica (EVA).
Fonte: Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/
utilidade.
pratica%2044/pgs/materia%2018-44.html>. A anamnese, nesses casos, deve abordar basi-
camente a identificação do paciente, os anteceden-
tes pessoais e familiares, bem como os principais
hábitos de vida, no intuito de detectar fatores de
risco e/ou realizar o diagnóstico precoce de doen-
0 1 2 3 4 5 ças mais prevalentes no meio em que o paciente
está inserido.
Figura 1.3 – Escala de Faces. Deve-se usar a maior parte do tempo da con-
Fonte: Disponível em: <http://www3.us.elsevierhealth.com/
sulta nesses casos para orientar e aconselhar o pa-
WOW/facestranslations.html>.
ciente quanto aos fatores de risco detectados e
Outros sintomas não relacionados a quadros quanto à dieta, à atividade física, à higiene bucal, às
álgicos podem ser relatados pelo paciente no mo- imunizações, ao tabagismo, ao uso de álcool e dro-
mento da HPMA, conforme os quadros listados no gas e à atividade sexual, com o objetivo de transmi-
tópico Interrogatório sobre os Diversos Aparelhos tir informações preventivas e de promoção de saú-
(ISDA). Também nesse caso, a grande maioria dos de, além de mobilizar esforços no sentido de
itens descritos nos caracteres da dor pode ser utili- modificar hábitos e comportamentos prejudiciais à
zada, desde que as perguntas sejam adaptadas a saúde, de acordo com as possibilidades individuais
cada sintoma específico. e o contexto de vida de cada paciente.
Quando o médico suspeita de que a queixa No caso de pacientes sintomáticos, a realiza-
principal está fortemente relacionada a fatores psi- ção do ISDA é de fundamental importância, pois
cológicos, como queixas vagas, desconexas e asso- essa etapa da anamnese servirá de complemento
ciadas a sintomas inespecíficos, convém abordar da história da queixa atual e ajudará a diagnosti-
com mais profundidade as seguintes questões: car possíveis comorbidades não descritas ainda
• como o paciente encontra-se emocional- na HPMA. Para tanto, torna-se necessário que,
mente? durante a realização da anamnese médica, qual-
• quais são as suas principais preocupações e quer queixa ou relato do paciente seja valorizado
problemas recentes? e explorado.
• como a família, amigos ou colegas de traba- No entanto, a fim de não induzir as respostas, é
lho se portam diante das queixas? preferível iniciar a ISDA com questões aqui deno-
minadas perguntas introdutórias, de forma que o
paciente possa expressar espontaneamente os sinto-
Observação clínica
mas referentes aos diversos aparelhos.
• A definição de sintomas como de origem emocional As perguntas introdutórias podem ser descri-
ou psiquiátrica deve ser feita concomitantemente à
tas como abertas, ou seja, que não resultam em res-
exclusão de outras causas orgânicas.
postas dicotômicas (restritas a duas variáveis – sim
ou não) ou possam restringir a(s) resposta(s) a al-
Interrogatório sobre os diversos ternativas predeterminadas (Quadro 1.6).
aparelhos (ISDA)
O ISDA consiste em uma das etapas da anam- QUADRO 1.6 – Perguntas introdutórias
nese médica em que o entrevistador deverá elaborar
TIPO EXEMPLO
diversas perguntas sobre os sintomas e sinais relacio-
APARELHOS DE PERGUNTA DE PERGUNTA
nados a todos os aparelhos e sistemas do organismo.
O paciente deve ser questionado de maneira deta- Aparelho Introdutória Como está
lhada e organizada, de forma que relate sintomas respiratório aberta a respiração
do senhor(a)?
atuais que não foram mencionados anteriormente.

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 9

A seguir, depois da escuta do relato do pacien- QUADRO 1.8 – Perguntas de caracterização


te, pode-se partir para a checagem dos sintomas es- dos sintomas específicos
pecíficos de cada sistema.
CARACTERIZAÇÃO
As perguntas dessa etapa do ISDA podem ser des- DOS SINTOMAS TIPO DE EXEMPLO
critas como perguntas fechadas para sintomas especí- ESPECÍFICOS PERGUNTA DE PERGUNTA
ficos, e suas respostas devem indicar a presença ou Aberta Como é essa tosse?
ausência de cada sintoma específico, ou seja, geral- descritiva
mente produzem respostas dicotômicas (Quadro 1.7). Caracterização Fechada É produtiva (com
da tosse direcionada secreção) ou seca?
QUADRO 1.7 – Perguntas fechadas para sintomas Qual a cor da secreção?
específicos Tem sangue?
SINTOMAS TIPO DE EXEMPLO
ESPECÍFICOS PERGUNTA DE PERGUNTA Uma das formas de elucidar o processo do ISDA
Fechada para O(A) senhor(a) tem encontra-se na Figura 1.4, que busca ilustrar as eta-
Tosse pas referentes à investigação dos diversos sistemas e
sintoma específico tosse? (sim ou não)
sintomas segundo os tipos de perguntas realizadas
A cada resposta afirmativa, deve-se novamente pelo entrevistador durante a anamnese tradicional.
solicitar que o paciente discorra sobre o sintoma Foi tomada como exemplo a investigação de
com uma nova pergunta aberta de caráter descriti- tosse referente ao sistema respiratório, mas essa for-
vo, ou seja, destinada a incentivá-lo a descrever os ma de exploração dos sintomas e demais queixas
sintomas com suas próprias palavras. As perguntas clínicas pode ser aplicada a qualquer outro aparelho
abertas descritivas suscitam respostas de acordo ou sistema do organismo durante a anamnese.
com o que o paciente considera mais importante de A tentativa de organizar o ISDA a partir dos t­ ipos
ser relatado acerca de determinado sintoma no mo- de perguntas necessárias às investigações clássicas da
mento da entrevista. entrevista médica justifica-se a partir de algumas difi-
Caso após esse processo ainda estejam faltando culdades encontradas pelos alunos da Semiologia mé-
dados, podem ser elaboradas outras perguntas fe- dica durante a execução prática da anamnese:
chadas, mais direcionadas, a fim de detalhar dados • como organizar o imenso roteiro de sinto-
necessários à descrição completa do(s) sintoma(s) mas que devem ser questionados durante a
(Quadro 1.8). anamnese tradicional de forma coerente?

Perguntas ISDA

Aparelho Respiratório
Pergunta introdutória aberta Como está a sua respiração?
Sintomas específicos
Pergunta fechada para O(A) senhor(a)
sintoma específico tem tosse?
Caracterização
dos sintomas
específicos
Pergunta aberta descritiva Como é
do sintoma específico essa tosse?
É purulenta?
É produtiva? Tem sangue?
Pergunta fechada descritiva
do sintoma específico É seca?

Figura 1.4 – ISDA: tipos de perguntas.

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10 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

• como elaborar perguntas, na prática, de for- • após a entrevista, como realizar o registro dos
ma a investigar tais sintomas durante a en- dados coletados durante a anamnese?
trevista médica?
• como traduzir os diversos termos técnicos O Quadro 1.9 traz exemplos de perguntas in-
da anamnese tradicional para que os pacien- trodutórias que devem ser feitas antes de iniciar-se
tes entrevistados compreendam as pergun- cada sistema.
tas da melhor maneira possível?

QUADRO 1.9 – Resumo das perguntas introdutórias para o ISDA


ISDA PERGUNTAS INTRODUTÓRIAS
Posso fazer algumas perguntas complementares sobre alguns sintomas que talvez o(a) senhor(a)
1. Pergunta inicial
ainda não tenha mencionado?
2. Pele e anexos Como está a sua pele? Percebe alguma coisa diferente? E como estão os pelos e cabelos?
E as unhas?
3. Cabeça E a cabeça, como está?
4. Olho Como estão os olhos? E a visão?
5. Nariz Sente alguma coisa no nariz?
6. Orelhas Sente alguma coisa no ouvido?
7. Orofaringe Sente alguma coisa na garganta? E na boca?
8. Aparelho digestório Como está a digestão?
9. Aparelho respiratório Como está a respiração?
10. Aparelho cardiovascular Como está o coração?
11. Aparelho urinário Sente alguma alteração ao urinar? Como está a urina?
12. Aparelho sexual feminino Gostaria de fazer algumas perguntas sobre a sua vida sexual. O(A) senhor(a) aceita conversar sobre
13. Aparelho sexual masculino isso? Está satisfeito(a) com sua vida sexual?

14. Aparelho locomotor Como estão suas articulações (juntas)? Sente alguma alteração nelas?
15. Sistema nervoso Sente perda de força ou alteração da sensibilidade em alguma parte do corpo? Como está
e psiquismo o seu humor? E o sono?

A seguir, a fim de facilitar o entendimento e a ções, bem como sugestões de perguntas cuidadosa-
memorização dos diversos sintomas do ISDA, foi mente elaboradas para facilitar a comunicação entre
elaborado um quadro contendo a descrição dos estudantes e seus pacientes durante essa fase do pro-
principais sintomas e termos técnicos e suas tradu- cesso de ensino-aprendizado médico (Quadro 1.10).

QUADRO 1.10 – Descrição do ISDA


Termo técnico Tradução do termo Perguntas sugeridas
Febre Aumento da temperatura corporal por elevação Tem ou teve febre?
do “set point hipotalâmico” Chegou a medir a febre?
Perguntar o início, se aferida ou não, duração, Teve de utilizar alguma medicação?
medicação utilizada e término do sintoma.
1. Pergunta
Verificar se existe algum padrão
inicial
da febre: se é contínua ou em picos isolados;
terçã ou quartã, como
na malária; vespertina ou noturna, como na
tuberculose

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 11

Emagrecimento Perda de peso O Sr.(a) perdeu peso?


Quantos quilos?
Em quanto tempo?
Ex.: perdi 10 kg em 2 meses
Apetite Preservado ou diminuído (inapetência) Tem vontade de comer?
Astenia Excesso de cansaço e perda de energia, com Sente-se sem energia
tendência a evitar atividades físicas,
1. Pergunta sonolência diurna e dificuldade para se
inicial concentrar
Fadiga Termo de origem latina que significa “exausto Sente-se cansado ao realizar alguma
para caminhar ou trabalhar” atividade
É utilizado para exprimir o cansaço e a
incapacidade de sustentar o desempenho
progressivo de uma atividade
Sudorese Suor noturno Tem suor à noite?
noturna
Manchas ou Presença de manchas eritematosas Notou alguma mancha na pele? Como é essa
máculas (vermelhas), hiper ou hipopigmentadas mancha?
Caracterizar início, localização, sintomas
associados, coloração e tamanho
Palidez Perda da coloração rósea normal Tem se sentido mais pálido(a) ultimamente?
da pele por anemia ou isquemia Tem alguma região do corpo que está
mais pálida?
Prurido Coceira Tem coceira na pele?
Dor Dor Tem dor em alguma parte (lesão) da pele?
Caracterizar ILICIDPFFF
Tumoração Lesão elevada na pele Notou alguma elevação na pele?
2. Pele
Ulceração Lesão com perda de continuidade na pele Notou alguma ferida na pele?
e anexos
Temperatura Presença de local com a temperatura Tem algum lugar na pele em que a
aumentada ou diminuída temperatura está diferente?
Sudorese Perguntar sobre a presença de locais com Tem algum lugar na pele em que tem suado
sudorese aumentada bastante?
Icterícia Coloração amarelada da pele e das mucosas O Sr.(a) já ficou amarelo?
Alopecia Perda de cabelo E o cabelo, como está? Teve queda de
cabelo?
Pelos Alterações nos pelos Tem notado alguma alteração nos pelos?
Descrever a alteração referida
Unhas Alterações nas unhas Tem notado alguma alteração nas unhas?
Descrever a alteração referida
Cefaleia Dor de cabeça Tem dor de cabeça?
Caracterizar como “dor” – ILICIDPFFF. Quanto Onde dói?
à localização, pode ser hemicraniana, A dor piora com a luz? Com ruídos? Com
holocraniana, frontal, occipital etc. Fatores algum cheiro específico?
de piora: piora da dor com luz (fotofobia);
3. Cabeça piora da dor com ruídos (fonofobia); piora
da dor com cheiros (osmofobia)
Tontura Sensação errônea Tem a sensação de que está em movimento
de movimento quando está parado?
Vertigem Tontura rotatória Tem a sensação de que tudo está rodando
quando está parado?
(Continua)

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12 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

(Continuação)
Traumatismo Contusão cerebral O Sr.(a) bateu a cabeça?
3. Cabeça
craniano
Alterações na Dificuldade para enxergar Usa óculos? Por que usa? Para perto ou para
acuidade visual Perguntar se o(a) paciente apresenta miopia, longe?
hipermetropia ou astigmatismo
Escotomas Positivos = Pontos brilhantes presentes Enxerga pontos escuros ou brilhantes?
no campo visual
Negativos ou moscas volantes = pontos
escuros presentes no campo visual
Diplopias Enxergar duas imagens iguais quando Tem visão dupla?
na verdade só existe uma
Anopsias Perda de partes do campo visual Teve perda de parte da visão de um olho?
Fotofobia Hipersensibilidade à luz Sente desconforto visual em locais muito
4. Olhos iluminados?
Lacrimejamento Saída excessiva de lágrima pelo olho Sai muita lágrima do olho, quando não está
na ausência de choro chorando?
Xeroftalmia Olho seco Tem sentido os olhos mais secos?
Secreção ocular Presença de secreção/pus no olho Tem pus no olho?
Descrever características, quantidade, cor e odor
Vermelhidão Olho vermelho O olho fica vermelho?
Edema Inchaço na região periorbitária Inchou ao redor do olho?
periorbitário ou palpebral
Dor ocular Dor no olho Tem dor no olho?
Caracterizar ILICIDPFFF
Anosmia Ausência de olfato Sente bem o cheiro da comida?
Cacosmia Percepção alterada dos odores Tem sentido cheiros estranhos que só
o Sr.(a) sente no dia a dia?
Obstrução nasal Nariz entupido O nariz está entupido?
Secreção nasal Saída de secreção pelo nariz Está saindo secreção pelo nariz?
Descrever características, quantidade, cor e odor
Coriza Secreção clara e fluida do nariz Tem coriza? ou O nariz fica escorrendo
5. Nariz
o tempo todo?
Prurido nasal Coceira no nariz O nariz coça muito?
Espirros Espirros Espirra muito?
Avaliar frequência
Rinalgia Dor no nariz O nariz dói?
Caracterizar ILICIDPFFF
Epistaxe Sangramento nasal O nariz sangra?
Acuidade Capacidade de o paciente ouvir Escuta direito? Usa algum aparelho
auditiva para escutar melhor?
Zumbido Zumbido Ouve zumbido?
Otalgia Dor no ouvido Tem dor no ouvido?
6. Orelhas Caracterizar ILICIDPFFF
Otorragia Sangramento pelo conduto auditivo Sai sangue pela orelha?
Otorreia Saída de secreção pelas orelhas Sai pus ou secreção pela orelha?
Descrever características, quantidade, cor e odor
Prurido Coceira no ouvido A orelha coça muito?
Gustação Capacidade de sentir o gosto da comida Sente o gosto da comida?
7. Orofaringe
Halitose Hálito ruim Tem hálito ruim e que o incomode?

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 13

Uso de próteses Uso de dentaduras Usa dentadura?


Perguntar sobre estado dos lábios, língua e
dentes
Odontalgia Dor de dente Tem dor no dente?
Caracterizar ILICIDPFFF
Aftose Presença de aftas Tem aftas?
Xerostomia Boca seca A boca fica constantemente seca?
Sialorreia Aumento da salivação Tem salivado mais que o normal
atualmente?
Gengivorragia Sangramento gengival A gengiva sangra bastante depois que escova
Perguntar se tem sangramento fácil os dentes?
Gengivalgia Dor nas gengivas Tem dor na gengiva?
Caracterizar ILICIDPFFF
Gengivite Inflamação na gengiva A gengiva está vermelha e dolorida?
Rouquidão Voz rouca Está com a voz rouca?
7. Orofaringe Disfonia Dificuldade em falar Está com alguma dificuldade para falar?
Caracteriza-se como afonia a perda completa
da capacidade de falar
Disfagia Dificuldade em deglutir Tem dificuldade para engolir o alimento?
Caracterizar se para alimentos sólidos, pastosos
ou líquidos, bem como se intermitente ou
progressiva
Pode ser de transferência (disfagia alta
ou orofaríngea, caracterizada por engasgos
ao engolir o alimento com regurgitação nasal
e aspiração traqueal seguida de tosse)ou
de condução (disfagia baixa ou esofagiana,
caracterizada pela sensação de que
o alimento está “entalado” no esôfago)
Odinofagia Dor à deglutição Tem dor quando engole?
Caracterizar ILICIDPFFF
Globus faringeus Sensação de “bola na garganta” Sente uma bola na garganta, que sobe e
desce?
Apetite Vontade de ingerir alimentos. Anorexia é a Tem vontade de comer? O Sr.(a) acha que o
abolição do apetite. Inapetência é a apetite aumentou, diminui ou continua
diminuição do apetite. Polifagia é o aumento igual?
exagerado do apetite
Picacismo Perversões do apetite, como vontade Ultimamente tem vontade de comer terra,
8. Aparelho de comer terra (geofagia), gelo (pagosfagia), gelo, tijolo, macarrão cru etc.?
digestório macarrão cru, tijolo ou cabelo
(sintomas Náuseas Enjoo Sente enjoo?
gerais) Vômito Vômito Teve vômitos? Como eram os vômitos?
Caracterizar: quantidade, cheiro, aspecto, Sentiu enjoo antes?
horário, se com comida inteira ou não,
presença de sangue, se acompanhado
de náuseas, se o vômito é em jatos
Flatulência Presença e eliminação de gases intestinais Tem eliminado gases mais que o habitual?
(Continua)

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14 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

(Continuação)
Regurgitação Difere do vômito por não apresentar esforço. A Tem saído muito leite da boca do seu
regurgitação ocorre principalmente em filho(a)
recém-nascidos sem que ele(a) realize esforços após
algum
tempo da mamada?
Ruminação Alimento volta à boca e é engolido novamente Sente a comida voltar até a boca precisando
engoli-la em seguida?
Eructação Arrotos Tem tido arrotos mais que o usual?
Pirose Queimação retroesternal, conhecida Sente queimação na região atrás do peito,
popularmente como azia que sobe do estômago? Tem azia?
8. Aparelho
digestório Dispepsia Desconforto epigástrico Após se alimentar, o Sr.(a) apresenta
sensação desconfortável na barriga? Sente
(esôfago –
“gastura”?
estômago)
Empachamento Sensação de plenitude após as refeições Sente o estômago muito cheio ao se
pós-prandial alimentar normalmente (sem excessos) ou
mesmo ao comer pouca comida?
Epigastralgia Dor em região epigástrica Sente dor na boca do estômago?
Caracterizar ILICIDPFFF
Hematêmese Eliminação oral de sangue sem bolhas de ar, Chegou a vomitar sangue pela boca? Tinha
de coloração vermelha ou escura (sangue alimentos ou coágulos no vômito?
digerido), podendo aparecer restos
alimentares ou coágulos
Geralmente acompanhado de melena
Dor abdominal Dor na barriga Tem dor na barriga?
Caracterizar ILICIDPFFF
Distensão Aumento do volume abdominal Sente a barriga inchada?
abdominal
Aspecto das Perguntar sobre as fezes do paciente E as fezes, como estão? Quantas vezes por
fezes Caracterizar cor, quantidade, cheiro, frequência, dia vai ao banheiro? Como são as fezes?
se com comida ou não, presença de vermes,
presença de sangue ou secreções
Prisão de ventre/ Menos de três evacuações por semana Tem dificuldade em evacuar?
constipação associado a esforço evacuatório, fezes As fezes do Sr.(a) são ressecadas?
endurecidas e sensação de evacuação
8. Aparelho incompleta ou obstrução
digestório Fezes moles raramente presentes sem o uso
(intestinos de laxantes
delgado Diarreia Alteração do hábito intestinal em devido As fezes do Sr.(a) estão amolecidas? Tem
e grosso) ao aumento da frequência e do volume evacuado mais vezes e/ou maior volume
das evacuações e/ou diminuição da de fezes?
consistência das fezes
Disenteria Fezes líquidas com sangue e muco Durante a diarreia, tem eliminação de sangue
e muco?
Hematoquezia Presença de sangue nas fezes As fezes têm sangue?
Enterorragia Eliminação de sangue sem fezes pelo ânus Já eliminou apenas sangue pelo ânus?
Melena Saída de sangue digerido nas fezes que têm Tem evacuado fezes bem pretas, como se
aspecto de “borra de café” ou piche (fezes fosse piche?
pretas, grumosas e pegajosas) e odor
característico
Geralmente acompanhada de hematêmese

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 15

Acolia fecal Fezes com cor de “massa de vidraceiro”, Tem evacuado fezes brancas, acinzentadas,
brancas como “massa de vidraceiro”?
Geralmente acompanhada de colúria
8. Aparelho Esteatorreia Presença de gordura nas fezes As fezes no vaso sanitário apresentam
digestório gotas de gordura ao redor?
(intestinos Tenesmo Sensação dolorosa na região anal, provocada Sente dor ao evacuar? E, após evacuar,
delgado pela necessidade frustrada de evacuar sente que ainda não evacuou tudo?
e grosso) (esforço); sensação de evacuação incompleta
Incontinência Perda involuntária e inconsciente de fezes Perde fezes mesmo não querendo evacuar?
fecal
Hemorroida Varizes perianais Tem hemorroidas?
Dispneia Experiência subjetiva de desconforto respiratório Tem falta de ar? A falta de ar piora
Caracterizar intensidade, quando e como e melhora com o quê?
aparece, fatores de melhora (como
medicamentos broncodilatadores), fatores de
piora e associados (febre, cianose etc.)
Tosse Tosse Tem tosse? A tosse tem catarro?
Perguntar há quanto tempo, se expectorativa
ou seca, influência do decúbito, sintomas
associados (febre, emagrecimento etc.)
Expectoração Eliminação de catarro ao tossir Como é o catarro?
Caracterizar: cor, cheiro, quantidade, consistência,
horário, variação com decúbito, presença de
laivos de sangue (catarro hemóptico)
Hemoptise Expectoração de sangue (geralmente claro, Já apresentou eliminação de catarro com
espumoso, sem restos alimentares ou bastante sangue?
coágulos)
Vômica Saída de pus das vias aéreas Já apresentou eliminação de catarro com
bastante muco?
9. Aparelho Sibilância Chiado Tem chiado no peito?
respiratório
Cianose Coloração azulada/arroxeada da pele As mãos, os pés ou a boca normalmente
e das mucosas ficam roxos, como se estivesse frio?
Opressão Dificuldade em inspirar Tem dificuldade em inspirar?
Dor torácica Dor no tórax Tem dor no peito?
Caracterizar ILICIDPFFF
Dor ventilatório- Dor ao inspirar Tem dor ao inspirar?
-dependente Caracterizar ILICIDPFFF
Traumatismo Contusão torácica Teve acidente em que o tórax foi atingido ou
torácico lesado?
Dispneia Experiência subjetiva de desconforto respiratório Sente falta de ar? Sente falta de ar quando
A dispneia pode também estar relacionada toma banho ou troca de roupa (pequenos
a doenças cardiovasculares. Avaliar a esforços), quando anda no plano ou sobe
intensidade, sua relação aos pequenos, uma escada pequena (médios esforços),
médios e grandes esforços, fatores de piora ou quando anda depressa ou pratica
e de melhora, sintomas associados um esporte (grandes esforços)? Sente
(dor torácica, palpitações etc.) o coração acelerar?
Ortopneia Intensificação imediata da dispneia Sente falta de ar ao deitar-se na cama?
na posição de decúbito
(Continua)

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16 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

(Continuação)
Dispneia Dispneia que ocorre 2 a 3 horas após Sente falta de ar durante o sono, acordando
9. Aparelho
paroxística o paciente se deitar e o faz despertar do sono no meio da noite?
respiratório
noturna
Síncope Perda súbita da consciência e do tônus muscular Já chegou a desmaiar, mas acordando
postural com recuperação espontânea rapidamente após a perda da consciência?
Lipotimia Perda de tônus postural, em que o paciente Já chegou a cair, como um desmaio,
apresenta queda súbita, sem perda ou perda mas sem perder a consciência?
parcial da consciência
Precordialgia Dor em região do precórdio Tem dor no coração?
Caracterizar ILICIDPFFF
Palpitação Sensação do aceleramento do coração Sente o coração acelerar de repente, sem
estar fazendo algum exercício, ou sem estar
10. Aparelho nervoso(a)?
cardiovascular Edema Inchaço As pernas incham? Em que período do dia
acontece? Melhora ao acordar?
Varizes Dilatação do sistema venoso superficial Tem varizes?
Claudicação Dor em qualquer membro (geralmente O Sr.(a), ao andar certa distância, sente dor
intermitente membros inferiores), que leva à interrupção nas pernas, tendo que parar por alguns
da atividade que esteja realizando e que minutos até a dor passar? Isso ocorre
melhora após repouso rápido. Ao voltar à repetidamente ao caminhar?
atividade, a dor retorna após algum tempo,
obrigando novamente o paciente
a parar, e assim sucessivamente
Caracterização Escrever a frequência urinária Quantas vezes urina por dia?
quantitativa normal do paciente
da urina
Cor Coloração da urina Como está a cor da urina? Teve alguma
Colúria: urina com coloração enegrecida, alteração em sua cor?
“aspecto de Coca-Cola”
Odor Característica do cheiro da urina A urina está com cheiro forte ou alterado?
Espuma Formação exagerada de espuma A urina tem espumado muito?
na urina, indicando presença
de proteína na urina (proteinúria)
Presença Decantação de sedimento na urina Tem alguma areia (sedimento) na urina?
de sedimento
Piúria Presença de pus na urina Tem pus na urina?
11. Aparelho Hematúria Presença de sangue na urina Tem sangue na urina? A urina tem cor de
urinário água de carne?
Disúria Dificuldade para urinar Tem dificuldade em urinar?
Ardúria Sensação de queimação quando urina Arde ao urinar?
Estrangúria Eliminação lenta e dolorosa da urina que pode Sente muita dor ao urinar, tendo que
levar à interrupçãoda micção por dor às vezes parar de urinar por dor?
Polaciúria Emissão frequente de urina e em pequena O Sr.(a) urina várias vezes, mas elimina
quantidade pouca urina?
Poliúria Aumento da frequência e do volume urinário O Sr.(a) urina várias vezes, eliminando em
(> 2.500 mL/dia) todas as vezes bastante urina?
Polidipsia Aumento excessivo da ingesta de água diária O Sr.(a) ultimamente tem sentido muita
(sede excessiva) sede, mais que o normal?
Anúria Supressão da produção de urina Tem feito pouco xixi? Quanto?
(< 50 mL/dia)

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 17

Oligúria Diminuição da produção de urina Tem feito pouco xixi? Quanto?


(< 400 mL/dia)
Enurese Urinar durante o sono (normal Tem urinado durante o sono, na cama?
em crianças até 5 anos de idade)
Urgência Necessidade súbita e intensa de urinar Tem sentido ultimamente uma vontade
miccional muito forte de urinar que surge de
repente, tendo de sair correndo para o
banheiro para urinar?
Hesitação Demora em iniciar a micção Ao ir para o banheiro, a urina demora para
sair, mesmo estando com vontade de
urinar?
Intermitência Interrupção abrupta do jato durante Ao urinar, apresenta de repente parada
urinária a micção da eliminação da urina?
Uretrorragia Hemorragia de origem uretral, ocorrendo Tem saído sangue pelo canal da urina,
independentemente da micção mesmo quando não está urinando?
Secreção uretral Secreção purulenta da uretra, ocorrendo Tem saído pus pelo canal da urina, mesmo
independentemente de micção quando não está urinando?
Caracterizar cor, cheiro, quantidade,
frequência, presença de sangue ou pus
11. Aparelho
urinário Pneumatúria Eliminação de líquido e gás pela urina Ao urinar, tem eliminação de gases saindo
junto com a urina, pelo mesmo canal?
Cólica nefrética Dor aguda proveniente do trato urinário Tem dor nos rins? Essa dor vai para a frente
superior, geralmente causada por cálculos, da barriga e para baixo?
em região lombar, flancos, fossas ilíacas,
irradiando para lábios maiores na mulher
e testículos nos homens
Caracterizar ILICIDPFFF
Incontinência Perda involuntária e inconsciente Já urinou nas calças mesmo não querendo
urinária de urina, podendo ocorrer ao realizar esforços urinar? Foi após fazer algum esforço,
(aumento da pressão abdominal), durante como carregar peso, tossir ou dar risadas?
retenção urinária (transbordamento) ou
durante episódio de urgência miccional
Retenção Sensação de esvaziamento incompleto da Sente que após urinar ainda não urinou
urinária bexiga, parada da eliminação de urina pela tudo?
uretra, com repleção vesical
Noctúria Acorda à noite para urinar, porém não há Acorda à noite para urinar? Urina mais à
inversão do hábito noite ou de dia?
Nictúria Inversão do hábito urinário: o paciente só urina Acorda à noite para urinar, urinando mais à
à noite noite do que de dia?
Ulceração Lesão com perda da continuidade Tem alguma lesão no pênis ou nos
em pênis ou região inguino-escrotal testículos ou nas regiões próximas a ele?
Prurido Coceira em genitais Tem coceira no pênis, nos testículos ou nas
regiões próximas a eles?
Libido Desejo sexual Tem vontade de ter relações sexuais? A
12. Aparelho vontade continua a mesma?
genital
masculino Orgasmo O mais alto grau de satisfação sexual, quando Sente prazer durante a relação sexual?
se atinge a plenitude das sensações
Dor pós-coito Dor após a relação sexual Após a relação sexual, tem dor?
Caracterizar ILICIDPFFF
Disfunção erétil Incapacidade de ter ereção peniana Consegue deixar o pênis ereto (duro)
durante a relação?
(Continua)

Propedêutica Médica_cap 01.indd 17 26/02/2015 14:58:10


18 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

(Continuação)
Ejaculação Eliminação de esperma. Perguntar Tem ejaculação precoce? Sai pouco esperma?
se escasso ou precoce
Priapismo Ereção dolorosa e sustentada Já apresentou ereção que durou por muito
sem estímulo sexual tempo mesmo sem estímulo, sentindo dor?
12. Aparelho Hemospermia Presença de sangue no esperma Já saiu sangue no esperma?
genital Testículos Perguntar sobre volume e consistência Como estão os testículos? Notou alguma
masculino alteração no tamanho ou na consistência?
Tem notado algum nódulo no testículo?
Orquialgia Dor nos testículos Tem dor nos testículos?
Caracterizar ILICIDPFFF
Varicocele Presença de varizes nos testículos Tem varizes nos testículos?
Menarca Idade da primeira menstruação Quantos anos tinha na sua primeira
menstruação?
Ciclos Descrever características do ciclo, como Os ciclos menstruais duram quantos dias?
menstruais duração, regularidade e menstruação São regulares ou irregulares?
A menstruação dura quantos dias? Notou
alguma alteração recentemente?
Síndrome pré- Conjunto de sintomas físicos e comportamentais Antes da menstruação, sente alguma
-menstrual que ocorrem alteração? Tem TPM?
na segunda metade do ciclo menstrual, aliviados
após a menstruação
Exemplos de alterações: cefaleia, irritabilidade,
mastalgia, alteração do hábito intestinal etc.
Descrever sintomas, características, intensidade
e duração
Dismenorreia Dor em baixo ventre durante a menstruação Tem muita cólica menstrual?
Menorragia Aumento do volume menstrual (geralmente o É frequente a presença de coágulos
sangramento excessivo menstrual cursa com na menstruação?
a eliminação de coágulos)
Metrorragia Sangramento uterino que ocorre fora do Costuma sangrar após a menstruação,
13. Aparelho
período da menstruação no meio do ciclo?
genital
feminino Menometrorragia Associação de ambos citados anteriormente
Amenorreia Dá-se o nome de amenorreia primária à A senhora está sem menstruar por quanto
ausência da primeira menstruação (menarca) tempo? Mais de 3 meses?
até os 14 anos em meninas que não
desenvolveram sinais de puberdade ou 16
anos independentemente de outros sinais de
puberdade. Já a amenorreia secundária é a
ausência de menstruação por um período
mínimo de três meses seguidos em uma
mulher que já tenha menstruado antes
Libido Desejo sexual Tem vontade de ter relações sexuais?
A vontade continua a mesma?
Orgasmo O mais alto grau de satisfação sexual, quando Tem prazer nas relações?
se atinge a plenitude das sensações O prazer continua o mesmo?
Dispaurenia Dor durante a relação sexual, podendo ocorrer Tem dor durante a relação sexual? É na
no início da penetração ou na profundidade entrada da vagina, ou dói lá no fundo?
da vagina
Caracterizar ILICIDPFFF
Mastalgia Dor ou desconforto nas mamas E as mamas, como estão? Sente dor?
Caracterizar ILICIDPFFF

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 19

Nódulo mamário Presença de nodulação em mama Notou algum nódulo durante a palpação?
Secreção Saída de secreção pelo mamilo Tem apresentado secreção saindo pelo
mamilar Caracterizar cor, cheiro, quantidade, frequência, mamilo?
presença de sangue ou pus
Corrimento Presença de corrimento pela vagina Tem corrimento pela vagina? Como é esse
genital Caracterizar cor, cheiro, quantidade, frequência, corrimento? Tem cheiro ruim?
13. Aparelho sangue e pus
genital Prurido Coceira em vulva Tem coceira na vagina?
feminino Ulcerações Lesão com perda da continuidade Notou alguma lesão na vagina?
vulvares em vulva
Menopausa Idade da última menstruação Quando foi a última menstruação?
Sintomas Perguntar sobre fogachos (ondas de calor Depois da última menstruação, como tem
de menopausa intensas, principalmente na face se sentido? Tem sentido calores intensos
e no tronco, fazendo a mulher despertar que a fazem despertar do sono? Tem
durante o sono) e secura vaginal sentido a vagina mais seca?
Fraqueza Fraqueza muscular Tem fraqueza muscular?
muscular
Mialgia Dor muscular Tem dor muscular?
Caracterizar ILICIDPFFF
Artralgia Dor articular Tem dor em alguma junta?
Caracterizar ILICIDPFFF
Edema articular Inchaço da articulação Alguma junta inchou?

14. Aparelho Câimbra Contração muscular súbita, involuntária e Tem câimbras?


locomotor dolorosa, de caráter transitório
Crepitação Desgaste articular levando à sensação Sente as juntas rasparem, como
articular de “areia” na articulação, podendo emitir ruído se estivessem desgastadas?
ou ser sentido na palpação
Artrite Inflamação das articulações, podendo gerar Tem vermelhidão e calor em alguma junta?
calor, rubor, edema, dor e limitação funcional
Limitação Rigidez de articulação ou membro Tem algum movimento que não está mais
funcional conseguindo fazer? Tem algum membro
endurecido, que não se mexe?
Nervosismo Irritabilidade Tem se sentido nervoso ultimamente?
Estado mental Humor e senso-percepção (alucinações e ilusões) Como está se sentindo ultimamente? Tem se
Ver capítulo “Propedêutica Psiquiátrica” sentido triste, agitado(a), ansioso(a)? Tem
para mais detalhes visto coisas que só o Sr.(a) consegue ver?
Insônia Incapacidade de iniciar ou manter Como está o sono? Tem insônia? Não
o sono. Caracterizar se inicial (dificuldade consegue dormir quando deita na cama
em iniciar o sono), intermediária ou terminal ou dorme e acorda no meio da noite, não
15. Sistema (dorme, porém acorda após período curto conseguindo mais pegar no sono?
nervoso de sono não reparador, não conseguindo
e psiquismo retornar ao sono novamente)
Quantificar número de horas que o paciente
dorme por dia
Sonolência diurna Sensação de sono excessivo durante o dia Sente muito sono durante o dia?
Convulsão Abalos e espasmos musculares vigorosos Já teve convulsão?
em todo o corpo
Avaliar se, durante o episódio, houve perda
da consciência ou perda de urina e fezes
(Continua)

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20 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

(Continuação)
Tremores Movimentos involuntários rítmicos, oscilantes, Tem tremores? Quando os tremores
causados por contrações alternadas aparecem?
de grupos musculares e seus antagonistas
Caracterizar se ocorrem durante o repouso,
durante o movimento ou em determinada
postura
Tiques Movimentos estereotipados breves, repetitivos, Tem tiques?
geralmente rápidos
e sem propósito
Movimentos Outros além dos tiques e tremores, descrever Tem algum movimento que o Sr.(a) realiza
involuntários características, duração, intensidade etc. às vezes sem a sua vontade?
Contraturas Contração de certo grupo muscular, Tem algum músculo que está endurecido
musculares constante e dolorosa e doloroso?
Alodinia Sensação de dor com estímulos Sente dor em situações que normalmente
não dolorosos não causam dor, como o vento
15. Sistema ou o toque da mão
nervoso em sua pele?
e psiquismo Hiperalgesia Sensação de dor maior que a dor Está sentindo mais dor com estímulos que
realmente causada por certo estímulo já causavam dor, como um beliscão,
porém não tanto como agora?
Hipoestesia Diminuição da sensibilidade Está sentindo menos alguma parte
do corpo?
Anestesia Perda total da sensibilidade Não está sentindo alguma parte do corpo?
Parestesia Sensação de formigamento Sente alguma região do corpo formigar?
Paresia Perda parcial da força muscular Tem alguma parte do corpo que está com
dificuldades em movimentar?
Paralisia ou plegia Perda total da força muscular Tem alguma parte do corpo que não mexe?
Memória Perda de memória Tem notado alguma diferença na memória?
A memória será mais bem abordada no Anda mais esquecido(a)?
capítulo "Propedêutica Neurológica"
Equilíbrio Perda de equilíbrio E o equilíbrio, como está? Tem perda do
equilíbrio frequentemente?

Antecedentes pessoais
Esse item da anamnese tradicional consiste em tro primeiros itens (Quadro 1.11) devem ser per-
buscar conhecer eventos significativos que já acon- guntados principalmente em caso de pacientes pe-
teceram na vida do paciente, desde o nascimento diátricos (serão abordados com mais profundidade
até o momento atual (Quadros 1.11 a 1.13). Os qua- no capítulo “Propedêutica Pediátrica”.

QUADRO 1.11 – Antecedentes pessoais: infância


Nascimento Importante perguntar sobre:
• intercorrências na gestação;
• saúde da mãe, uso de drogas ou medicamentos durante a gestação;
Antecedentes
• realização de pré-natal;
pessoais
• características do parto (parto normal, uso de fórcipe ou cesárea – perguntar
da infância
o motivo da cesárea);
• peso do recém-nascido;
• intercorrências puerperais.

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 21

Moléstias da infância • Sarampo (moléstia eruptiva infantil)


• Coqueluche (tosse comprida)
• Varicela (catapora)
• Parotidite (caxumba)
• Difteria (crupe)
Antecedentes
pessoais • Escarlatina (moléstia eruptiva com vermelhidão intensa na pele)
da infância • Rubéola
Desenvolvimento Desenvolvimento neuropsicomotor (andar, sentar, falar, brincar) e escolaridade.
neuropsicomotor
Imunizações na infância (Vide capítulo "Propedêutica Pediátrica")

QUADRO 1.12 – Antecedentes pessoais: fase adulta


Imunizações do adulto Vide Quadro 1.13
Outras moléstias Há quanto tempo o paciente apresentou ou • Hipertensão arterial sistêmica
apresenta a doença e seu tratamento • Diabetes mellitus
• Dislipidemia
• Tuberculose
• Hepatite A, B ou C
Antecedentes • Aids
pessoais do • Neoplasias
adulto • Em idosos: perguntar também
sobre problemas visuais
e auditivos
Passado de moléstias Outras doenças (passado) Teve alguma outra doença sobre a qual
de todos os sistemas não perguntei?
Transfusões sanguíneas Realização de transfusões sanguíneas Já realizou transfusão de sangue?
anteriores e a possíveldata de realização da transfusão Em que ano?
Internações anteriores Relato de internações médicas hospitalares Já ficou internado em algum hospital?
(clínicas e/ou psiquiátricas) – data,
diagnóstico e complicações
da hospitalização
Intervenções cirúrgicas Perguntar sobre a realização Já fez alguma cirurgia? Tem filhos?
de qualquer tipo de cirurgia Como foi o parto?
ou biópsia. Se tiver filhos, incluir
características do parto, abortos
Antecedentes Acidentes traumáticos Relato de acidentes automobilísticos, no Já sofreu algum acidente?
pessoais adulto trabalho, ou outros tipos de acidente
Uso de medicamentos Uso de medicamentos atual e anteriormente. Usa algum remédio? Quantas vezes por
Perguntar a indicação, a posologia e para dia o(a) senhor(a) toma o remédio?
que serve cada medicação. Perguntar Para que serve o remédio? Toma todos
se paciente faz uso correto da medicação os dias nos horários indicados pelo
(se segue a prescrição médica médico? (se o paciente não utilizar o
corretamente) medicamento conforme a prescrição
médica, é importantíssimo questioná-
lo sobre o motivo).
(Continua)

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22 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

(Continuação)
Alergias Existência de algum tipo de reação alérgica Tem alguma alergia? Tem alergia a
Antecedentes (alimentar e/ou principalmente algum alimento ou remédio? O que
pessoais adulto a medicamentos). Solicitar que o paciente sente quando faz uso desse
descreva o tipo de reação alérgica alimento/remédio?

quadro 1.13 – Esquema de imunizações no adulto Dose anual em pacientes com 60 anos
ou mais e em pacientes de alto risco:
3 doses em qualquer idade nos
Hepatite B profissionais de saúde, portadores de
indivíduos não imunizados Influenza doenças crônicas como insuficiência
Dupla do adulto A cada 10 anos nos já imunizados cardíaca, doenças pulmonares, diabetes
ou tétano/ ou esquema completo (3 doses) para mellitus, imunodeprimidos, além de
difteria os não imunizados seus contatantes
Febre amarela A cada 10 anos, para residentes ou
Dose única, em qualquer idade,
viajantes em áreas de risco
nos adultos não imunizados
SCR (tríplice viral) Fonte: Adaptado das recomendações do Centro de Vigilância
contra sarampo, caxumba
ou rubéola Epidemiológica do Estado de São Paulo, 2013
(http://www.saude.sp.gov.br).
Dose única após os 65 anos. Se primeira
dose antes dos 65 anos, repetir após Antecedentes pessoais – enfoque preventivo
5 anos da dose O enfoque preventivo na anamnese consiste
Indicada também em pacientes de alto na busca ativa de situações e/ou fatores de risco
risco (pacientes com esplenectomia para o desenvolvimento das doenças mais preva-
Pneumocócica
cirúrgica ou funcional,
lentes no meio em que o paciente está inserido, de
imunodeprimidos, com doenças
forma a estabelecer ações de prevenção (primária
pulmonares crônicas, insuficiência
e/ou secundária), aconselhamento, profilaxia e/ou
cardíaca, renal e diabetes mellitus),
tratamento precoce. Os principais itens estão des-
com reforço após 5 anos
critos a seguir (Quadros 1.14 a 1.17).

quadro 1.14 – Condições sociais e de habitação


Onde o(a) senhor(a) mora? Nesse local, há esgoto?
Condições De acordo com as condições de habitação/moradia,
Há água encanada? Como é a ventilação? O chão
sociaise os pacientes podem estar expostos a situações de
é pavimentado? Quantas pessoas moram com o(a)
de habitação risco e vulnerabilidade a diversos agravos à saúde
senhor(a)? Quantos cômodos há no local?

quadro 1.15 – Condições de trabalho e ocupação


Perguntar se no trabalho o paciente é submetido a No seu trabalho, o(a) senhor(a) faz muito esforço físico?
situações de esforço físico excessivo ou se entra em Trabalha com substâncias químicas, microrganismos
Condições
contato com substâncias químicas (intoxicantes), ou com sangue e secreções humanas? É submetido(a)
de trabalho
agentes físicos (ruído, calor e frio) ou a microrganismos a ruído, calor ou frio intensos? Usa equipamentos
e ocupação
(HIV e hepatite C nos profissionais da saúde). Perguntar de proteção individual?
se faz uso de equipamentos de proteção individual

quadro 1.16 – Hábitos de vida e comportamento


Itens Observações Sugestões de perguntas
Hábitos Caracterizar o número de refeições no dia e o que come em cada Quantas refeições por dia o(a) senhor(a)
alimentares refeição costuma fazer? De manhã, o que come?
Bebe o quê? Entre o almoço e o café da
manhã, come alguma coisa? Belisca muito
entre as refeições? (Repetir as perguntas
para o almoço e o jantar).

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 23

Atividades Tempo ideal de atividade física: 30 minutos de atividade Realiza alguma atividade em seu tempo
de lazer de intensidade moderada por pelo menos 5 dias na semana livre? O que o(a) senhor(a) gosta de fazer?
e esportivas Pratica algum esporte? Quanto tempo dura
a atividade física? Quantas vezes
na semana realiza essa atividade?
Perguntar sobre a presença de estressores relacionados ao trabalho O senhor(a) se sente estressado? O que
Situações e às relações pessoais e amorosas que causem ansiedade causa estresse na sua vida? Como
de estresse ou depressão. Questionar também sobre a maneira com que o senhor(a) enfrenta essas situações?
o paciente enfrenta essas situações
Caracterizar em anos-maço – multiplicar o número de maços Fuma? Há quanto tempo? Quantos
consumidos diariamente pelo tempo em anos que o paciente fuma maços por dia o(a) senhor(a) fuma?
Tabagismo (p. ex.: se o paciente fumou 2 maços por dia em 10 anos = 20 anos- – ex-tabagista, 30 anos-maço, parou
maço; se o paciente fumou meio maço por dia em 10 anos = 5 anos- há 10 anos.
maço). Se o paciente parou de fumar registrar há quanto tempo
Caracterizar o tipo de bebida, quantas latas ou doses consome por Bebe algum tipo de bebida alcoólica? Que
dia e há quanto tempo está em uso de álcool. tipo de bebida? Quantos litros por dia o(a)
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece que, para se evitar senhor(a) bebe? Ex-etilista, 2 litros de
problemas com o álcool, o consumo aceitável é de até 15 doses/ pinga por dia durante 10 anos, parou há
semana para os homens e 10 doses/semana para as mulheres, sendo 5 anos
que 1 dose contém de 8 a 13 g de etanol (uma dose equivale
a aproximadamente 285 mL de cerveja, 120 mL de vinho e Obs.: Algumas perguntas podem ser feitas
aproximadamente 30 mL de destilado – whisky, vodka, pinga). para o paciente que faz uso de álcool para
Álcool Os homens não devem ultrapassar o consumo de 3 doses diárias de o rastreamento de alcoolismo.
álcool e as mulheres 2 doses diárias, devendo tanto homens quanto O CAGE é um questionário simples, criado
mulheres abster-se de beber por pelo menos dois dias na semana. por Mayfield e colaboradores, bastante
Uma das técnicas utilizadas, no intuito de conseguir um dado mais utilizado para identificar pessoas que
fidedigno acerca da quantidade de álcool ingerida diariamente, precisam de ajuda. Duas respostas SIM
consiste em perguntar a quantidade em litros, para que, em caso indicam abuso de álcool; apenas um SIM
de etilismo pesado em que o paciente ingere mais de um litro por pode ser sinal de abuso (Quadro 1.17)
dia, não se sinta reprimido. Caso o paciente tenha parado de beber,
estimar o tempo de abstinência
Caracterizar: Faz uso de outras drogas? Quais?
• tipo de droga; • Já fumou ou fuma maconha? Já
Outras drogas consumiu cocaína? Crack? Há quanto
• via de uso (oral, inalatória ou injetável);
Ilícitas tempo?
• frequência por dia/semana e tempo de uso;
• tempo de abstinência. Já tentou parar? Como?
Situações Perguntar sobre situações de violência: Alguma vez alguém já humilhou, bateu ou
de violência • psicológica (verbal); empurrou o(a) senhor(a)?
• física; Alguém alguma vez na vida já o(a) forçou a
• sexual. ter relações sexuais contra a sua vontade?
Quer falar a respeito?
O local onde o(a) senhor(a) mora tem muita
violência?
Tem arma de fogo em casa?
Sexualidade, Atividade e preferência sexual, parceiros, métodos de proteção E a vida sexual, como está? Atualmente,
vulnerabilidade contra doenças sexualmente transmissíveis e uso de tem tido relações sexuais? Tem
a DST/Aids anticoncepcional parceiro(a) fixo(a)? Tem relações com
e prevenção pessoas do sexo oposto? E do mesmo
de gravidez sexo? Usa algum método
indesejada anticoncepcional? E para evitar doenças
sexualmente transmissíveis, usa algum
método?
(Continua)

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24 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

(Continuação)
Exposição Frequência, horários de exposição (principalmente se entre O(a) senhor(a) toma muito sol? Quantas
a raios 10 e 16 horas) e uso de protetor solar ou chapéu e roupas leves vezes por semana e em que horários toma
ultravioleta sol? Usa algum protetor solar ou chapéu
e roupas leves?
Higiene bucal Hábitos de higiene e de saúde bucal Escova os dentes quantas vezes por dia? Usa
creme e fio dental? Com que frequência vai
ao dentista? (ideal: a cada 6 meses)

QUADRO 1.17 – CAGE Em regiões de cerrado Tem pessoas com


ou floresta malária ou febre
Alguma vez você sentiu amarela?
Febre amarela (principalmente nas
C (cut down) = diminuição que deveria diminuir regiões Norte e
a quantidade de bebida? Centro-Oeste)
As pessoas o aborrecem Tegumentar – em Tem pessoas com
A (annoyed) = aborrecer porque criticam o seu modo todos os Estados, leishmaniose?
de beber? principalmente na Tem pessoas
Você se sente culpado pela região Norte e em com úlcera
G (guilt) = culpa áreas rurais. Visceral de Bauru?
maneira como bebe?
Leishmaniose – principalmente
Você costuma beber de no Nordeste, em
E (eye opening) =
manhã para diminuir o Minas Gerais, Goiás,
ao despertar
nervosismo ou a ressaca? Tocantins, Pará
e Roraima em
Epidemiologia regiões rurais
Deve-se pesquisar a procedência dos pacientes,
a fim de identificar locais de zonas endêmicas (epi- Exames de rastreio
demiologia positiva) para doenças infectocontagio- De acordo com o sexo e a idade dos pacientes,
sas, como doença de Chagas, esquistossomose, ma- alguns exames de rastreio são preconizados, com o
lária, febre amarela e leishmaniose (Quadro 1.18). objetivo de diagnosticar precocemente doenças.
Por isso, deve-se questionar o paciente sobre a reali-
zação desses exames, conforme relação a seguir
quadro 1.18 – Quadro de zonas endêmicas (Quadro 1.19).
de doenças infectocontagiosas
Rio Grande de Sul, Onde o(a) Observação clínica
parte de Santa senhor(a) mora
Catarina e Paraná, ou morou tem • A idade de início da realização desses exames
Doença pode ser antecipada caso existam fatores
São Paulo, Minas barbeiro? Tem
de Chagas pessoais ou de risco familiar. A data de término
Gerais, Goiás, pessoas com
doença da solicitação de exames de rastreio, em especial
Tocantins e Estados
os de rastreio de neoplasias, ainda é controversa
do Nordeste de Chagas?
na literatura, porém pode ser postergada ou
Principalmente de Tem lagoa de antecipada de acordo com a avaliação clínica
Minas Gerais até coceira? Tem do paciente em relação a expectativa de vida,
o Rio Grande do pessoas com presença de comorbidades ou alterações de
Esquistossomose Norte, além de focos barriga d’água? funcionalidade e cognição, descritas no capítulo
em São Paulo (Vale "Propedêutica do Idoso". O médico deve sempre
do Paraíba), Rio de se questionar, ao solicitar um exame de rastreio,
Janeiro, Goiás e Ceará se o paciente terá benefício ou tolerará um
procedimento cirúrgico, farmacológico ou
Principalmente na área Tem pessoas com quimioterápico caso o teste resulte positivo –
Malária da floresta malária ou febre somente deve solicitar o exame se a resposta
amazônica amarela? a essas perguntas for positiva.

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Capítulo 1 // Anamnese Geral 25

quadro 1.19 – Exames de rastreio indicados


tempo isso ocorreu; o mesmo deve ser feito em rela-
para adultos assintomáticos e sem fatores especiais ção a irmãos e filhos.
de risco para a saúde Deve ser perguntado também a respeito da saú-
Screening indicado a cada
de do cônjuge, no intuito de detectar doenças que
Colesterol total 3 a 5 anos em homens acima possam ser transmitidas ao paciente (Quadro 1.20).
e frações de 35 anos e em mulheres acima
dos 45 anos de idade quadro 1.20 – Antecedentes familiares: perguntas
Screening indicado a cada sugeridas
Glicemia de jejum 3 a 5 anos em homens e mulheres Os seus pais são vivos?
acima dos 45 anos de idade (Se vivos) Têm alguma doença?
(Se falecidos) Faleceram do quê?
Todas as mulheres, a partir do início
Antecedentes Com quantos anos faleceram? Fazer
da vida sexual, e que tenham colo
familiares as mesmas perguntas para irmãos, cônjuge
de útero
e filhos (perguntar ativamente sobre
Inicialmente, a cada ano e, no caso
as outras doenças anteriormente
de 2 exames subsequentes classe I
Papanicolaou listadas)
ou II, a cada 3 anos. Discutível
acima de 65 anos, se exames
anteriores realizados nos últimos Encerrando a Entrevista
anos forem normais e sem fatores Perguntar, por fim, ao paciente:
de risco • tem algo a mais para me falar?

Indicado a cada 1 a 2 anos, em • sente que não perguntei alguma coisa?


Mamografia
mulheres entre 40 e 69 anos de idade • tem alguma dúvida ou algo que queira con-
versar comigo?
Indicado anualmente, em indivíduos
de 50 a 75 anos de idade Referências bibliográficas
Pesquisa de sangue Opcionalmente à pesquisa de
Arruda M. Centro de Promoção à Saúde (HCFMUSP), 2011.
oculto nas fezes sangue oculto, pode-se realizar a
Bickely LS, Szilagyi PG. Entrevista e anamnese. In: Bickely LS,
colonoscopia a cada 10 anos ou a Szilagyi PG. Bates propedêutica médica. 10. ed. Rio de Janeiro:
retossigmoidoscopia a cada 5 anos Guanabara Koogan; 2010. p. 3-98.
Indicado em mulheres acima Braga EM, Fontes CJF. Plasmodium – Malária. In: Neves DP.
Parasitologia humana. 11. ed. São Paulo: Atheneu; 2005. p.
Densitometria óssea de 65 anos e homens acima
143-162.
de 70 anos de idade
Ferreira M. Semiologia da promoção à saúde. In: Benseñor
Fonte: Adaptado das recomendações do Centro de Promoção IM, Atta JA, Martins MA. Semiologia Clínica. São Paulo: Sar-
de Saúde do Hospital das Clínicas da Universidade de vier; 2002. p. 235-242.
São Paulo, 2011. Filho OV, Carneiro DSD. Dor. In: Porto CC. Semiologia médi-
ca. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. p. 60-72.
Antecedentes familiares Genaro O, Reis AB. Leishmaniose tegumentar americana. In:
Neves DP. Parasitologia humana. 11. ed. São Paulo: Atheneu;
Dados sobre a família do paciente são impor- 2005. p. 47-64.
tantes devido à existência de inúmeras doenças here- International Association for the Study of Pain. Disponível
ditárias e transmissíveis que, quando associadas à em: http://www.iasp-pain.org/Taxonomy?navItemNumber=
queixa atual do doente, podem ter grande relevân- 576#Pain. Acesso em: 17 fev. 2015.
cia. Pergunta-se se existem casos de neoplasias (prin- Lana M, Tafuri WL. Trypanosoma cruzi e doença de Chagas.
cipalmente câncer de mama e colorretal), diabetes In: Neves DP. Parasitologia humana. 11. ed. São Paulo: Athe-
mellitus, asma, dislipidemia, hipertensão arterial sis- neu; 2005. p. 85-108.
têmica, doença coronária precoce em parentes de 1º Melo AL, Coelho PMZ. Scistossoma mansoni e a doença. In:
grau (homem com menos de 45 anos e mulher com Neves DP. Parasitologia humana. 11. ed. São Paulo: Atheneu;
2005. p. 193-212.
menos de 55 anos), tuberculose ou distúrbios psiqui-
Michalik MSM, Genaro O. Leishmaniose visceral americana.
átricos na família.
In: Neves DP. Parasitologia humana. 11. ed. São Paulo: Athe-
Caso o paciente tenha irmãos e filhos, deve-se neu; 2005. p. 67-84.
saber se são saudáveis ou não. Nunes MPT, Martins MA. História clínica. In: Benseñor IM,
Se os pais do paciente forem falecidos, deve-se Atta JA, Martins MA. Semiologia clínica. São Paulo: Sarvier;
questionar qual foi a causa do óbito e há quanto 2002. p. 11-19.

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26 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Porto CC. Princípios e bases para a prática médica. In: Porto Réa-Neto A. Raciocínio Clínico – o processo de decisão diag-
CC. Semiologia Médica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara nóstica e terapêutica. Revista Associação Médica Brasileira.
Koogan; 2005. p. 3-22. 1998; 44(4): 301-11.
Porto CC, Branco RFGR, Oliveira AM. Relação médico-pa- Scatolini W. Esquema geral de observação. In: Scatolini W.
ciente. In: Porto CC. Semiologia médica. 5. ed. Rio de Janeiro: Propedêutica clínica. 2. ed. São Paulo; 1998. p. 6-12.
Guanabara Koogan; 2005. p. 23-40. Tomic ER. Dor. In: Benseñor IM, Atta JA, Martins MA. Se-
Porto CC. O Método Clínico. In: Porto CC. Semiologia médi- miologia clínica. São Paulo: Sarvier; 2002. p. 513-521.
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Porto CC. Anamnese. In: Porto CC. Semiologia médica. 5. ed. cular. In: Martins MA, et al. Clínica médica, v. 2. São Paulo:
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. p. 47-59. Manole; 2009. p. 9-44.

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Comunicação
Médico-Paciente
2
Danielle Bivanco-lima
Juliana de Carvalho Moura
Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro

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28 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

O que se entende por comunicação? Influenciam a escuta, a compreensão do que é dito


Para compreensão do conceito de comunicação pelo outro indivíduo e as percepções e significados
dos sujeitos que se comunicam.
utilizado como referência neste capítulo, será ini-
ciada uma breve discussão a respeito dos dois prin- O modelo dialógico é considerado um impor-
cipais modelos teóricos de comunicação interpes- tante referencial para a prática médica, uma vez que
soal: a) o modelo linear (ou informacional); e b) o no diálogo estabelecido ao longo do encontro clíni-
co é de fundamental importância partilhar signifi-
modelo dialógico.
cados e compreender a influência dos contextos nos
Segundo Araújo (2007), o modelo linear (ou processos de saúde, adoecimento e cuidado.
informacional) se baseia na ideia de que comunicar
A comunicação, portanto, “não é de modo al-
é transmitir uma mensagem (Figura 2.1) e segmen-
gum transmitir uma mensagem ou receber uma
ta os componentes da comunicação em: mensagem. Comunicar é partilhar um sentido, par-
• emissor (quem envia a mensagem); tilhar um contexto comum, partilhar uma cultura,
• receptor (quem recebe a mensagem); partilhar uma história, partilhar uma experiência.
• mensagem (conteúdo e intenção); Comunicar é tentar ter alguma coisa em comum. A
• ruídos (elementos do contexto que devem comunicação é necessariamente um verdadeiro en-
ser minimizados ou excluídos dos processos contro. Não é só transmitir uma mensagem. É algu-
de comunicação). ma coisa que se constrói. Que se constrói no tempo”
(Levy e Teixeira, 1999).
O modelo informacional apresenta uma con-
cepção de que a comunicação é um processo linear e Competências de comunicação:
que a linguagem consiste em um conjunto estável de o que isso significa?
códigos com significados preestabelecidos. Esse mo- Segundo Perrenoud, pode-se definir uma com-
delo é criticado por desconsiderar diversos elementos petência como “a capacidade de mobilizar diversos
da comunicação humana e por reduzir o processo de recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situa-
conversação a mera “transmissão de mensagens”. ção”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) con-
O modelo dialógico surge em oposição ao mo- sidera a comunicação entre médicos e pacientes um
delo informacional e se baseia no pressuposto de dos pilares da boa prática médica e descreve as com-
que a comunicação é diálogo, relação e interação petências essenciais que devem ser desenvolvidas ao
entre seres humanos. Segundo esse modelo, o pro- longo da formação (Quadro 2.1).
cesso comunicacional é estabelecido entre dois su- De acordo com Silverman (2013), o conceito de
jeitos que emitem e também recebem mensagens “boa prática médica” apresenta quatro elementos
em um sentido bidirecional (Figura 2.1). Além dis- fundamentais:
so, o modelo dialógico considera que os elementos • o conhecimento técnico (medicina baseada

do contexto no qual se realiza a conversa, como o em evidências);


ambiente, a linguagem, as relações (de poder) entre • as habilidades de exame físico;
os interlocutores, a entonação de voz, a postura cor- • o raciocínio clínico (articulado com a decisão
poral, a expressão facial dos sujeitos, influenciam clínica);
diretamente no modo como o diálogo se estabelece. • as competências de comunicação.

Emissor Receptor Sujeito Sujeito


(emissor/receptor) (emissor/receptor)

Mensagem Mensagens

Ruídos Contexto

Modelo linear (informacional) Modelo dialógico

Figura 2.1 – Modelos comunicacionais: linear (informacional) e dialógico.

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Capítulo 2 // Comunicação Médico-Paciente 29

Quadro 2.1 – Elementos centrais da comunicação na mendado que as perguntas iniciais sejam predomi-
interação entre médico e paciente, segundo a OMS (1993) nantemente de caráter aberto e que, posteriormen-
te, sejam feitas perguntas fechadas para elucidar de
COMPETÊNCIAS COMUNICACIONAIS
forma mais detalhada as informações consideradas
PARA A GRADUAÇÃO MÉDICA
importantes (vide o Caso ilustrativo 2.1). A OMS
Ambiente físico – preparação recomenda que haja um equilíbrio entre a realiza-
Saudação ção de perguntas abertas e fechadas, pois dessa for-
ma ocorre um aumento da acurácia da anamnese.
Escuta ativa e atenta
De acordo com o Consenso de Kalamazoo (1999),
Atitude empática
elaborado durante a Conferência Norte-americana de
Linguagem acessível Comunicação Médico-paciente, podem ser identifi­
Comunicação não verbal receptiva cados sete elementos essenciais, que se traduzem em
competências a serem aprendidas ao longo da gradua-
Relação colaborativa
ção médica:
Habilidades de coleta de informação • construção da relação médico-paciente;
Equilíbrio entre questões abertas e fechadas • abertura da discussão;
Uso do silêncio (quando necessário) • coleta de informações;

Avaliação de expectativas do paciente sobre seu estado • compreensão da perspectiva do paciente;


e sobre a consulta • compartilhamento de informações;

Detalhamento da informação discutida com o paciente • obtenção de consenso sobre problemas e


planos;
Direcionamento da entrevista
• fechamento da consulta.
Realização de síntese
Fechamento da consulta A construção da relação médico-paciente é a
tarefa fundamental da comunicação e, para que seja
Como a organização do ambiente influencia bem-sucedida, deve-se compreender que ambos os
consideravelmente na qualidade da comunicação, sujeitos estabelecem uma relação de parceria, na
deve-se dispor de um ambiente, de preferência um qual a autonomia do paciente, que se manifesta por
consultório (ou leito), no qual o paciente possa sen- meio de suas opiniões e decisões, deve ser respeita-
tar-se (ou deitar-se) adequadamente e no qual sua da como um direito de todo e qualquer ser humano.
privacidade seja respeitada. A saudação (cumpri- É considerado elemento fundamental nesse
mento) é o primeiro contato entre o médico e o pa- processo o desenvolvimento de uma atitude empá-
ciente. O modo como se realiza essa etapa inicial do tica (capacidade de compreender a perspectiva do
atendimento pode influenciar (de forma positiva outro) e da escuta ativa e acolhedora. Além disso, a
ou negativa) a interação que será desenvolvida du- abertura ao diálogo pretende garantir que o pacien-
rante todo o atendimento. Portanto, é aconselhável te possa expressar suas preocupações e finalizar a
estabelecer um primeiro contato respeitoso, rece- explicação inicial sobre seus problemas, sem inter-
bendo o paciente de maneira acolhedora, chaman- rupções, com o objetivo de compreender ao máxi-
do-o pelo nome, além de se apresentar de forma mo sua perspectiva em relação ao seu processo de
adequada. É ainda importante estar atento à comu- adoecimento. A competência de coleta de informa-
nicação não verbal que acontece desde o primeiro ções engloba o uso de questões abertas e fechadas
contato (cumprimento) até o final da consulta, pois durante a realização da anamnese.
as atitudes do indivíduo fornecem pistas importan- A perspectiva do paciente deve ser compreen-
tes para a construção do raciocínio clínico. dida por meio da elucidação de seus contextos de
Existem evidências de que a coleta de informa- vida, assim como de suas preocupações, ideias s­ obre
ções é mais eficiente se for permitido ao paciente o adoecimento, os sentimentos e as expectativas. O
explicar seu problema livremente no início da con- compartilhamento de informações deve ser enca­
sulta, sem interrupções. Para estimular a explicação rado como um momento de discussão de ­hipóteses,
inicial, as perguntas abertas são mais adequadas e problemas e necessidades, planos de investigação
promovem melhor compreensão sobre seu quadro e terapêuticos, com linguagem clara e acessível.
de saúde, permitindo que explicite verbalmente seus O ­entendimento do paciente sobre o que foi expli­
problemas e preocupações para o médico. É reco- cado deve ser sempre conferido. Além disso, deve-se

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30 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

estimulá-lo a realizar perguntas, com o intuito de dois grandes referenciais teóricos relacionados ao
esclarecer possíveis dúvidas em relação a condutas, tema – a Medicina Centrada no Paciente (MCP) e a
exames, procedimentos ou planos terapêuticos. Medicina Baseada em Narrativa (MBN) –, pois es-
A obtenção de consenso em relação aos proble- ses referenciais teórico-práticos podem contribuir
mas identificados e aos planos de cuidado deve ser substancialmente para uma medicina mais huma-
realizada de forma a proporcionar o estímulo à au- nizada, na qual o reconhecimento dos sujeitos assu-
tonomia, sempre que possível incorporando a per- me uma importância central para o sucesso prático
cepção e as expectativas do paciente. Deve-se ava- das ações médicas.
liar sua intenção em seguir os planos propostos e a
possibilidade prática de execução desses planos. Além Medicina Centrada no Paciente (MCP)
disso, é importante confirmar se os elementos ne- A MCP foi criada por professores do Departa-
cessários para a execução dos planos terapêuticos mento de Medicina de Família da Universidade de
(ou de investigação clínica) estão acessíveis ao pa- Western Ontário no Canadá, na década de 1990, e é
ciente para discutir-se a eventual necessidade de su- considerada uma evolução do método clínico, com
porte. O fechamento da consulta deve incluir a iden- base na incorporação de estratégias de comunicação
tificação de pendências ou questões não avaliadas, a no encontro entre médicos e pacientes. São descritos
realização de uma breve síntese sobre o que foi dis- seis componentes nesse método (Quadro 2.2).
cutido em relação ao planejamento de ações e ao
seguimento (agendamento de retorno, realização
QUADRO 2.2 – Componentes da medicina centrada
de exames, entre outros). no paciente (MCP) (Stewart, 2010)
O impacto da aprendizagem COMPONENTES DA MCP
de competências comunicacionais: Avaliar a percepção do paciente sobre o processo
algumas evidências científicas do adoecimento (illness)
Existem diversas evidências científicas de pro- Incorporar à consulta ações de prevenção e promoção
blemas de comunicação entre médicos e pacientes,
o que reforça a importância do ensino de compe- Qualificar a relação médico-paciente, buscando torná-la mais
tências comunicacionais/interativas na graduação horizontal, com estímulo à autonomia e respeito aos direitos
em Medicina nas instituições de ensino da contem- e às singularidades do indivíduo
poraneidade. Diversos estudos evidenciam que os Construir, com o paciente, planos de cuidado de forma
processos de comunicação estabelecidos entre mé- compartilhada
dicos e pacientes se relacionam à qualidade do aten- Ser realista quanto aos recursos disponíveis e ao tempo,
dimento. O desenvolvimento de competências co- considerando a longitudinalidade das ações de saúde
municacionais aumenta a eficiência da anamnese e,
Compreender o paciente como um todo, explorando
consequentemente, qualifica a formulação de hipó-
os contextos sociais, culturais, familiares e de trabalho
teses diagnósticas. Além disso, a comunicação im-
pacta positivamente na adesão do paciente ao trata-
mento, aumenta a satisfação (de ambas as partes), Percepção do paciente sobre
contribui para a redução de custos, para o uso ade- o processo do adoecimento (illness)
quado de recursos tecnológicos e para a realização A avaliação da percepção do paciente sobre o
de diagnósticos mais acurados. processo de adoecimento (illness) é considerada um
Diversas evidências apontam para o fato de que as dos componentes centrais do método da MCP. Em
competências de comunicação podem ser ensinadas e 1976, Hellman descreveu o conceito de illness como
aprendidas ao longo da graduação em Medicina. No “aquilo que o indivíduo sente quando procura um
Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso médico”, englobando as singularidades do paciente
de Graduação em Medicina, promulgadas em 2001 em relação ao processo de adoecimento, a fim de
pelo Ministério da Educação (MEC), reafirmam a im- compreender quais as perturbações que o adoeci-
portância do desenvolvimento de competências co- mento provoca no paciente e o significado que este
municacionais, ao incluí-las às principais competên- lhe atribui.
cias consideradas imprescindíveis à formação médica. Existem representações e significados que os
Com o objetivo de aprofundar o desenvolvi- sujeitos atribuem a sua doença e podem ser com-
mento dessas competências ao longo da graduação partilhados por grupos de pessoas. Canesqui (2007)
médica, serão discutidos de forma mais detalhada estudou a percepção de indivíduos portadores de

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Capítulo 2 // Comunicação Médico-Paciente 31

hipertensão arterial quanto a sua doença e percebeu dro, mas deve incorporar aspectos que deseja do en-
que parte desses indivíduos correlacionara a hiper- contro com o médico, incluindo preferências quanto
tensão ao excesso de tensão, estresse e nervosismo ao processo de cuidado. Cabe ressaltar que a avalia-
em suas vidas, trazendo a imagem da panela de ção da percepção do paciente sobre o processo de
pressão como uma representação de seu adoe­cimento. adoecimento deve estar diretamente relacionada às
Como cada pessoa tem uma percepção diferente orientações e às condutas da última fase da consulta,
­sobre o seu corpo e suas doenças, a do paciente so- no momento da construção dos planos de cuidado,
bre o processo do adoecimento deve ser ativamente de modo que se possa articular de fato a perspectiva
questionada, caso não seja relatada espontaneamente dele à perspectiva médica, baseada em conhecimen-
durante a consulta. A importância de reconhecer tos técnico-científicos.
esses significados é fundamental para uma prática
de saúde que deseja ir além da racionalidade biomé-
Caso ilustrativo 2.1 – A importância
dica (centrada exclusivamente nas doenças, e não da perspectiva do paciente para
no paciente), uma vez que os processos de adoe­ a construção de planos de cuidado
cimento (illness) geram inúmeras expectativas e so-
Maria, 42 anos, procura o pronto-socorro apresentando
frimentos que podem (e devem) ser discutidos, par-
cefaleia (dor de cabeça). A médica que a atende
tilhados, amenizados ou até reconstruídos ao longo
(Dra. Ana) acaba de realizar um treinamento em MCP.
dos encontros entre médicos e pacientes. A percep-
Maria: Doutora, estou com uma dor de cabeça muito
ção em relação ao illness inclui quatro dimensões forte. Queria fazer uma ressonância da cabeça!
principais: (Expectativa)
• ideias sobre o adoecimento; Dra. Ana: Por que gostaria de fazer esse exame, Dona
• sentimentos sobre o adoecimento e suas re- Maria? (Pergunta aberta)
percussões ou significados; Maria: Minha vizinha também teve uma dor de cabeça
• efeitos sobre as funções de vida diária; muito forte. Teve um derrame e faleceu ontem. Estou
• expectativas quanto ao seu estado de saúde,
com uma dor de cabeça igualzinha à dela e tenho
à consulta, ao tratamento ou ao prognóstico. medo de que seja um derrame também. Meu vizinho
me disse que só esse exame vê o derrame. (Ideias e
As ideias sobre o adoecimento podem estar re- sentimentos sobre o processo de adoecimento)
lacionadas à causa ou aos diferentes modos de evo- Dra. Ana: Explique-me melhor essa dor de cabeça, Dona
lução das doenças e/ou aos efeitos do tratamento Maria. (Pergunta aberta)
proposto. Em caso de sintomas de início recente, Maria: Minha dor é bem aqui (mostrando o lado direito
frequentemente se observa uma construção de ideias da cabeça), só deste lado. Sinto umas batidas... como
quanto ao desenvolvimento de patologias graves, se fosse uma pulsação. Tem hora que é tão forte que
tenho medo de que a minha cabeça exploda. (Ideias
como câncer. Os sentimentos de medo, tristeza, rai-
e sentimentos)
va ou sensação de insegurança estão geralmente as-
Dra. Ana: O que mais, Dona Maria? (Pergunta aberta)
sociados aos processos de adoecimento e aos múlti-
Maria: Antes da dor de cabeça aparecer, fiquei com o
plos significados construídos pelos sujeitos ao longo braço formigando. Foi aí mesmo que eu me preocupei.
da vida, de acordo com suas especificidades e vivên- Só pode ser derrame, né, doutora? (Ideias e
cias prévias. O efeito do adoecimento sobre a vida sentimentos)
diária de um indivíduo pode, muitas vezes, não afe- Dra. Ana: Há algo mais que a senhora deseja me contar?
tar seu cotidiano, especialmente no caso de porta- (Pergunta aberta)
dores de doenças crônicas assintomáticas, ou pode Maria: Tomei dipirona para ver se melhorava e botei
ser considerado restritivo, levando o paciente a apre- tudo pra fora. Vomitei tudinho. Agora estou um pouco
sentar dificuldades para trabalhar, relacionar-se ou melhor da dor, mas ela estava muito forte agora
até mesmo realizar atividades de lazer. há pouco.
As expectativas podem variar entre investigação Dra. Ana: A senhora costuma ter dores de cabeça?
de queixas atuais (com preferências em relação aos Maria: Ah, sim! Desde moça tenho essas crises. Mas hoje
exames que serão solicitados, por exemplo), dúvidas estava mais forte.
sobre as possibilidades de tratamento, a evolução Dra. Ana: A senhora era muito próxima a sua vizinha?
prognóstica do quadro ou a atitude do médico frente Maria: Ela era muito, muito minha amiga. Passei a noite
no velório, foi muito triste... Era uma pessoa muito boa,
às queixas relatadas (vide Caso ilustrativo 2.1). As
muito querida. (Contexto das relações sociais.
expectativas não devem ser consideradas apenas des-
Compreender a pessoa como um todo)
fechos que o paciente espera em relação ao seu qua-

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32 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Compreender o indivíduo como um todo cos, as vulnerabilidades (individuais e sociais) e os


Para realizar uma abordagem de acordo com a hábitos de vida dos pacientes ao longo da consulta
MCP, é preciso compreender que cada paciente que médica. Deve-se considerar a consulta médica uma
procura atendimento médico apresenta singulari- excelente oportunidade para realizar ações de pre-
dades (características específicas) que compõem venção de doenças, como exames de rastreamento
uma história de vida única, norteada por valores éti- (medida da pressão arterial, do peso e da altura, do-
cos, culturais e políticos, construídos ao longo de sagem de colesterol total e frações para verificar a
suas experiências. Os contextos nos quais estão in- presença de dislipidemia, mamografia e colpocito-
seridos, como os espaços de trabalho e as redes de logia oncótica em mulheres nas faixas etárias indi-
relações sociais e familiares, interagem e certamen- cadas, pesquisa de sangue oculto nas fezes em indi-
te influenciam o processo de saúde-doença dos in- víduos a partir dos 50 anos para rastreamento de
divíduos. Frequentemente, os pacientes relatam inú- neoplasia de cólon, entre outros).
meros elementos relacionados aos seus contextos de Além dos exames de rastreamento, é de suma
vida durante o atendimento médico. importância a negociação, com o paciente, de um
Qual a importância desses relatos para a prática estilo de vida saudável, orientando-o, sempre que
médica? Há evidências de que a incorporação dessas possível, sobre adoção de dieta balanceada, prática
informações na anamnese, mesmo quando não ex- de atividade física regular, utilização de preservati-
plicitadas espontaneamente, melhora a acurácia da vos na atividade sexual, cessação do tabagismo, cui-
entrevista médica, facilitando a realização de diag- dados em relação ao abuso de álcool e drogas ilícitas.
nósticos de patologias, a incorporação da prevenção
nos atendimentos, a negociação e a decisão clínica
Construção da relação médico-paciente
compartilhada. Trata-se de um dos elementos essenciais da prá-
A compreensão dos diversos contextos de vida tica médica centrada no paciente. Segundo Stewart
dos sujeitos apoia substancialmente a construção (2010), as principais atitudes relacionadas ao estabe-
de planos de cuidados baseados em decisões com- lecimento de uma relação construtiva entre médico e
partilhadas entre médicos e pacientes, uma vez paciente são: empatia, congruência, autenticidade,
que buscam incluir a percepção médica acerca de respeito, cuidado e preocupação com o outro. Além
barreiras ou facilidades para adesão ao tratamento disso, as interações estabelecidas no momento do en-
e/ou modificações no estilo de vida (vide Caso contro entre eles são intensamente influenciadas pelo
ilustrativo 2.2). afeto (de ambos), pelo tipo de vínculo estabelecido
durante a consulta, pela capacidade de perceber o
mundo pela perspectiva do outro e de identificar seus
Caso Ilustrativo 2.2 – Compreender sentimentos e percepções (empatia) e pelas relações
o contexto de vida dos pacientes de poder instituídas entre os sujeitos.
Laura, de 62 anos, foi atendida em um ambulatório de Dentre os fatores citados, destaca-se que a ca-
clínica médica. Apresentava um quadro importante de pacidade de estabelecer relações empáticas com os
dislipidemia, associado a sobrepeso. Ao discutir com pacientes pode ser considerada uma das principais
ela a necessidade de praticar algum tipo de atividade atitudes relacionadas à MCP, uma vez que possibili-
física para a melhora da dislipidemia e do sobrepeso, o ta a compreensão do mundo do outro. Identificam-
médico sugeriu a realização de caminhadas como -se três tipos de empatia:
alternativa sem custo e segura. Laura respondeu que o • empatia cognitiva – engloba a capacidade
bairro em que morava era muito violento e que não se
de compreender a perspectiva do outro e
sentia segura para a realização de caminhadas, pois
seus sentimentos;
muitos idosos haviam sido assaltados na região
• empatia emocional – inclui a capacidade de
recentemente. Combinou-se, então, a realização de
exercícios dentro do prédio onde a paciente morava, realizar uma conexão emocional ao perce-
nas escadas e dentro de seu próprio apartamento, para ber as emoções do outro, senti-las (em par-
evitar o risco de violência de sua região. te) e reagir de acordo;
• preocupação empática – baseia-se na capa-

Incorporar à consulta médica a promoção cidade de realizar ações com o objetivo de


ajudar o outro.
à saúde e a prevenção
Para incorporar ações de prevenção de doenças Ao desenvolverem-se atitudes empáticas nas in-
e promoção à saúde, é fundamental avaliar os ris- terações entre eles, potencializa-se a capacidade do

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Capítulo 2 // Comunicação Médico-Paciente 33

médico de compreender a perspectiva do paciente e lacionadas à doença) quanto as situações relaciona-


de construir objetivos comuns, planos de ação e de das aos contextos e hábitos de vida dos sujeitos,
cuidado, de acordo com as especificidades de cada podem-se desenvolver ações ampliadas, não centra-
sujeito. das apenas na “cura de patologias” e na prevenção
Segundo Bowling (2013), as interações estabe- de agravos, mas também na elaboração de projetos
lecidas no âmbito da consulta clínica impactam di- de cuidado voltados à promoção da saúde e à me-
retamente na satisfação do paciente, na do médico lhoria da qualidade de vida.
quanto ao seu papel e nos desfechos de saúde. Por- O próximo passo consiste em explicitar (ver-
tanto, é de fundamental importância o desenvolvi- balmente) a lista de problemas (elaborada de acordo
mento de uma relação mais horizontalizada (menos com a perspectiva médica), para incluir (ou excluir)
vertical e paternalista), que respeite a autonomia e informações de acordo com a perspectiva do pa-
os direitos de escolha de cada sujeito (em relação ao ciente. Ao ser pactuada a lista, é necessário realizar
tipo de investigação diagnóstica e às opções de tra- discussão sobre a priorização dos problemas (prin-
tamento e cuidado) e que, por fim, considere as per- cipalmente em casos mais complexos). Por exem-
cepções e os sentimentos do paciente em relação ao plo, um paciente com queixa recente de dor toráci-
processo de adoecimento (interação empática). ca, queda de cabelo e osteoartrose de joelhos pode
optar por priorizar a investigação/tratamento da
Decisão compartilhada dor torácica e da osteoartrose antes de avaliar a que-
Para a elaboração de um projeto de cuidado da de cabelos. No entanto, outro sujeito poderá prio-
compartilhado, devem-se discutir os problemas rizar a investigação da queda de cabelo, deixando a
identificados durante as duas primeiras etapas da dor torácica e a osteoartrose em segundo plano.
consulta (entrevista e exame físico), considerando Nesse caso, o médico necessita negociar a prioriza-
tanto a perspectiva médica quanto a do paciente. ção da investigação da dor torácica, das três condi-
Essa etapa é fundamental para garantir que todos ções concomitantemente, ou da principal preocu-
os problemas e preocupações do sujeito sejam abor- pação do sujeito, de modo que possam ser inclusas
dados e para que o médico discuta suas hipóteses no plano de cuidado tanto as preocupações médicas
diagnósticas e sua proposta inicial de conduta. (em virtude da gravidade do quadro, como a queixa
De acordo com os conceitos da MCP, devem-se de dor torácica) quanto a do paciente (preocupação
incluir na lista de problemas: em relação à queda de cabelo).
• diagnósticos prévios e atuais (queixas, hipó- A discussão das estratégias de cuidado para os
teses clínicas, diagnósticos diferenciados); problemas identificados e pactuados deve ser condu-
• questões relacionadas ao contexto de vida do zida de modo que médicos e pacientes possam ex-
indivíduo (trabalho, família, relações sociais); pressar livremente suas propostas de cuidado, como
• percepções sobre o processo de adoecimento
as opções em relação ao tratamento e ao manejo das
(ideias, sentimentos, efeitos na função e ex- queixas. As preocupações do paciente também de-
pectativas); vem ser incluídas no plano de cuidado compartilha-
do, com o objetivo de elucidar possíveis dúvidas em
• fatores de risco e vulnerabilidades (dieta ina-
relação aos riscos e benefícios de cada ação (p. ex.:
dequada, sedentarismo, uso incorreto de pre-
realização de exames diagnósticos, administração
servativos, abuso de álcool e/ou drogas).
de medicamentos, mudanças de estilo de vida), de
Cabe ressaltar que a maioria dos profissionais forma que possa optar por ações que sejam mais
de saúde não descreve, em suas listas de problemas, adaptadas a suas crenças, valores e expectativas.
questões como “conflitos familiares”, “violência do- A definição de metas para o tratamento e para
méstica”, “abuso de drogas”, “transtornos no traba- o cuidado deve ser negociada mutuamente, de acor-
lho”, “vulnerabilidade social”, “analfabetismo”, en- do com as possibilidades e os recursos de cada sujei-
tre outras. No entanto, muitas delas influenciam to. Além disso, é essencial a discussão dos papéis,
profundamente os processos de saúde-doença e a ou seja, o que ambas as partes se comprometem a
forma como o indivíduo realiza o (auto)cuidado da fazer para o sucesso prático do plano de cuidado.
saúde. É fundamental a inclusão dessas “outras ques- As percepções do paciente a respeito do processo
tões” na lista de hipóteses diagnósticas, ampliando- de adoecimento, incluindo-se os medos, as ideias, os
-a para uma lista de necessidades e problemas de efeitos na função e as expectativas, devem ser discu-
saúde. No momento em que são inclusas e registra- tidas, de modo que possam ser articuladas às estraté-
das adequadamente tanto as “queixas clínicas” (re- gias de cuidado propostas. Cabe ressaltar que as ex-

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34 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

pectativas dos pacientes em relação à consulta e ao Quadro 2.3 – Componentes da medicina centrada
trabalho médico devem ser consideradas de acordo no paciente e formas práticas de incorporá-la
com as possibilidades e os recursos existentes. Caso ao atendimento individual
não seja possível atendê-las, devem-se explicar clara-
1. Avaliação da percepção do paciente sobre o processo
mente as limitações e/ou os motivos relacionados à
de adoecimento (illness)
dificuldade de concretização da solicitação realizada.
a) Ideias
Ser realista • O que o(a) senhor(a) acha que está lhe acontecendo?
• O que o(a) senhor(a) acha que causou isso?
O último conceito da MCP ressalta a necessi-
• O(a) senhor(a) tem alguma ideia do que pode ter
dade de ser realista em relação:
causado isso?
• ao tempo disponível para a consulta;
• Com o que o(a) senhor(a) se preocupa mais nesse
• à longitudinalidade e à continuidade do
quadro?
cuidado; b) Sentimentos
• aos recursos disponíveis (tecnologias de di- • Que sentimentos esse quadro lhe causa?
ferentes níveis de atenção e acesso à equipe • Como o(a) senhor(a) tem se sentido?
multidisciplinar). • Como o(a) senhor(a) tem se sentido ultimamente?

O tempo restrito das consultas médicas pode ser c) Efeitos na função


considerado um fator dificultador da realização da • Quanto essa doença atrapalha sua vida?

abordagem centrada no paciente. No entanto, diver- • Quanto esse quadro afeta o seu dia a dia?
sos estudos não identificaram nenhuma diferença • O(a) senhor(a) consegue fazer suas atividades diárias
entre o tempo de uma consulta tradicional e o tempo com esse quadro?
utilizado por profissionais devidamente treinados na d) Expectativas
realização da MCP, ou seja, o tempo não seria um • O que o(a) senhor(a) gostaria que fosse feito ao
fator impeditivo da realização dessa abordagem. O final dessa consulta?
que talvez faça diferença é o acesso a um treinamento • O que o(a) senhor(a) espera desse atendimento?
que possibilite o desenvolvimento específico de com- • Como o(a) senhor(a) espera que esse quadro
petências comunicacionais centradas no paciente. se resolva?
Além disso, o cuidado longitudinal (seguimen- 2. Compreender o indivíduo como um todo
to dos pacientes ao longo do tempo) e a priorização a) Contexto familiar
de problemas/necessidades de saúde no ato da con- • Como vai a sua família?
sulta permitem a elaboração de planos de cuidado • Tem ocorrido algum estresse familiar?
em curto, médio e longo prazos, sem a necessidade • Aconteceu alguma mudança na sua família
de resolver todos os problemas em apenas um en- recentemente?
contro. Finalmente, o reconhecimento dos recursos b) Contexto de trabalho
disponíveis (nos diferentes níveis de atenção à saú- • O(a) senhor(a) considera seu trabalho agradável?
de) e a possibilidade de realização de um trabalho • O seu trabalho é estressante?
integrado a uma equipe multidisciplinar potencia- • O que o(a) senhor(a) mudaria no seu trabalho,
lizam o desenvolvimento de estratégias de cuidado se pudesse?
com base no conhecimento técnico e prático de ou- c) Contexto social
tros profissionais. Uma vez que parte dos proble- • O que tem feito para se divertir ou relaxar?
mas/necessidades identificados em uma consulta • Com quais pessoas o(a) senhor(a) se relaciona,
centrada no paciente (p. ex.: problemas familiares, além da sua família?
sociais, de trabalho, entre outros) está além do do-
3. Incorporar ao atendimento a promoção à saúde
mínio do conhecimento médico, o trabalho com
e a prevenção
uma equipe multidisciplinar poderá aumentar so-
bremaneira a resolutividade e a eficácia do plano de • Questionar hábitos e vícios (alimentação, atividade
cuidado. Cabe ao médico (ou ao profissional de física, tabagismo, uso de preservativos).
saúde que realizou o atendimento) articular os dife- • Verificar motivação para mudança de hábitos
rentes saberes e recursos necessários e realizar a potencialmente prejudiciais.
gestão de cuidado de forma responsável e ética. • Orientar hábitos saudáveis, de forma compartilhada
e de acordo com a motivação.
O Quadro 2.3 apresenta uma síntese dos com-
ponentes da MCP. • Individualizar as estratégias sugeridas.

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Capítulo 2 // Comunicação Médico-Paciente 35

4. Relação médico-paciente a História e surgem em todas as circunstâncias. (...)


São a forma como entendemos, experienciamos, co-
a) Empatia
municamos e criamos a nós mesmos”. Além disso, as
• Entender a perspectiva do outro, compreender seus
narrativas também “são a nossa forma de tentar in-
sentimentos e perspectivas.
fluenciar os outros (...) e constantemente se transfor-
• Construir uma conexão emocional ao perceber
mam à medida que são narradas”.
as emoções do outro, senti-las em parte e reagir
de acordo. As narrativas são construídas e (re)construídas
• Realizar ações com o objetivo de ajudar o outro.
a partir do estabelecimento de um jogo de pergun-
tas e respostas entre os sujeitos, configurando um
5. Decisão compartilhada incessante movimento de agenciamentos e cone-
• Há possibilidade de realização de tratamentos? xões entre uma narrativa e outra. No entanto, ainda
• Há motivação para modificação de estilo de vida? é necessário compreender como as narrativas po-
• Há barreiras para adesão? dem contribuir para a prática médica do dia a dia.
• O indivíduo está preparado para mudanças? A proposta de desenvolvimento de competências
• O indivíduo entendeu o que foi explicado? de comunicação baseadas em narrativa foi elaborada
6. Ser realista por um grupo de professores e pesquisadores ingleses
• Explicar tempo para realização de exames.
na década de 1990 e ficou mundialmente conhecida
como Medicina Baseada em Narrativa (MBN).
• Explicar efeitos colaterais frequentes
de medicamentos. A MBN parte da ideia de que os problemas ex-
• Orientar sobre prognóstico e hipóteses diagnósticas. pressos verbalmente pelos pacientes durante a con-
sulta são invariavelmente apresentados aos médicos
• Orientar sobre riscos, tratamentos e seguimentos.
como uma história, ou seja, no formato de uma nar-
rativa. Portanto, seria imprescindível o desenvolvi-
Medicina Baseada mento de competências comunicacionais que estimu-
em Narrativa (MBN) lassem a produção de narrativas nos encontros entre
As competências de comunicação e interação médicos e pacientes e de habilidades interpretativas
baseadas em narrativa permitem reconhecer quem para uma melhor compreensão das histórias narra-
são os sujeitos e quais as suas necessidades diante das, a fim de elaborar planos de cuidado adequados
dos processos de adoecimento. Para iniciar esse do ponto de vista técnico (baseado em evidências),
processo de construção de habilidades de comuni- mas considerando as especificidades e necessidades
cação, é preciso compreender o que é narrativa. de cada paciente (singularização do cuidado).
Uma narrativa pode ser definida como um dis- Assim, os professores John Launer e Trisha
curso elaborado por um interlocutor, como uma for- ­Greenhalgh elaboraram e organizaram os principais
ma linguística. Possui cinco características principais: conceitos e técnicas de comunicação-interação base-
1. apresenta uma sequência de tempo longitudi- ados em narrativa, com o objetivo de discutir quais
nal e finita no momento do encontro entre os seriam os conhecimentos, habilidades e atitudes co-
indivíduos; municacionais/interativas imprescindíveis para a con-
2. pressupõe pelo menos um narrador e um ou- cretização de uma prática médica baseada em narra-
vinte (cuja interação influencia na narrativa tiva. Mas como esses conceitos podem ser utilizados
contada); na prática médica cotidiana?
3. está relacionada a sujeitos, com seus sentimentos,
suas histórias pessoais e sua conexão singular; Conceitos da MBN
4. não se trata de simples descrição de eventos, Para responder a essa pergunta, imagine-se o
mas inclui ideias, julgamentos, valores e pers- momento exato em que se inicia uma consulta clíni-
pectivas do narrador (afinal, a escolha do que ca, seja ela realizada em um hospital com um pacien-
contar e de como contar é inteiramente dele); te internado (nível terciário), em um ambulatório de
5. permite a interação e a interpretação da pessoa especialidades (nível secundário) ou em um consul-
convidada a participar da narrativa (o ouvinte). tório médico de unidade básica de saúde (nível pri-
mário de atenção). A partir disso, podem ser discuti-
Segundo Launer (2002), “contar histórias con- dos os seis principais conceitos da MBN, utilizando-se
siste em uma atividade humana por definição”. As exemplos que estejam relacionados ao momento em
narrativas “unem todas as culturas, atravessam toda que se iniciou a conversa com o paciente.

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36 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Conversação geral deseja compartilhar algum problema (de saúde


De acordo com o primeiro conceito da MBN, ou não), alguma situação ou vivência importante para
denominado conversação, o diálogo não é conside- ele naquele momento. Portanto, ao escutar aberta-
rado um meio para escolha do tratamento, mas um mente as narrativas, também é desejável escutá-las da
tipo de tratamento em si mesmo, pois o simples ato forma mais neutra possível e sem julgamentos preci-
de conversar sobre algum problema já é considera- pitados. Isso não significa ser emocionalmente dis-
do terapêutico. Para estabelecer um diálogo com o tanciado, frio, ou não ter opinião formada em relação
paciente, pode-se iniciar a consulta perguntando o aos problemas narrados, mas constantemente exerci-
motivo pelo qual procurou auxílio médico, deixan- tar, ao longo da prática, a tolerância a diferentes pon-
do que fale livremente a respeito de seus problemas tos de vista, de forma que a consulta clínica seja um
e necessidades de saúde, sem interrupções. O mé- espaço aberto e seguro de conversação, um espaço que
dico precisa desenvolver e exercitar a habilidade de permita a construção de uma relação de confiança e
escutar atentamente o que está sendo dito pelo pa- vínculo com os pacientes.
ciente. Segundo Launer (2002): “Não escute o que o
paciente quer dizer, escute o que ele diz”. Consulta 1 (antes do treinamento em MBN)
Dr. João: O senhor não gosta de usar insulina?
Consulta 1 (antes do treinamento em MBN) Antônio: Não.
Dr. João: Bom-dia, Antônio. Vi no seu prontuário que Dr. João: (abaixa a cabeça e anota alguma coisa no
o senhor é diabético, correto? prontuário) O senhor sabe que tem que tomar insulina
Antônio: Bom-dia, doutor. Sou diabético, sim, e... todo dia, não sabe? É o tratamento preconizado da
Dr. João: Que medicações o senhor toma? diabetes. Se o senhor não tomar a insulina, sua
Antônio: Tomo insulina, metformina, enalapril e AAS. diabetes não vai ser controlada nunca!
Dr. João: Todos os dias? Regularmente? Sem falhar (intolerância a ponto de vista diferente)
nenhum dia? Antônio: Eu sei, doutor.
Antônio: Hum, hum... (suspiro)... às vezes eu não gosto Dr. João: O senhor sente alguma dor no peito?
(mudando de assunto)
de usar insulina.
Antônio: Não, doutor.
Obs.: O médico, em vez de escutar atentamente o que
Obs.: O médico perde a oportunidade de compreender
o paciente tem a dizer, faz diversas perguntas,
melhor os motivos que levaram o paciente a não gostar de
direcionando a narrativa.
utilizar a insulina e foi intolerante ao ponto de vista dele.
Consulta 2 (depois do treinamento em MBN)
Consulta 2 (depois do treinamento em MBN)
Dr. João: Bom-dia, em que posso ajudar?
Dr. João: O senhor não gosta de tomar insulina?
Antônio: Bom-dia, doutor. Sou diabético e... (pausa).
Antônio: Não.
Dr. João: (silêncio)
Dr. João: E por que está difícil tomar a insulina?
Antônio: ...e tomo insulina NPH há muito tempo...
(curiosidade)
Dr. João: (silêncio) hum, hum!
Antônio: Porque eu tenho um dia a dia muito corrido,
Antônio: Hoje procurei o senhor porque estou muito
passo o dia de um lado para o outro, e fica muito
cansado de tomar insulina todo dia... é muito difícil.
difícil aplicar a insulina desse jeito... Sou representante
Obs.: O médico, após curso de MBN, escuta atentamente de vendas e ando muito.
o que o paciente tem a dizer e permanece em silêncio Dr. João: Acho que precisamos pensar melhor no que
até que termine a sua narrativa inicial. vamos fazer em relação a isso. (tolerância a ponto de
vista diferente)
Curiosidade/neutralidade Antônio: Acho que sim, doutor... ‘tá difícil.
De acordo com o segundo conceito da MBN, de- Obs.: O médico teve curiosidade de saber o motivo pelo
nominado curiosidade/neutralidade, para que se pos- qual o paciente estava com dificuldade de fazer uso da
sa escutar atentamente o que o paciente diz, também insulina e, em vez de rechaçar o que ele disse, colocou-se
é preciso desenvolver uma atitude de curiosidade, um como parceiro para tentar resolver o problema, tolerando
o ponto de vista dele.
interesse genuíno em relação à história que está sendo
contada. A curiosidade possibilita, por meio dessa his-
tória, acesso a diferentes informações específicas a Circularidade
respeito daquele sujeito e de seu processo de adoeci- Quando alguém se dispõe a ouvir atentamente
mento. O indivíduo, ao se expressar verbalmente, em o que o outro tem a dizer, depara-se, segundo o con-

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Capítulo 2 // Comunicação Médico-Paciente 37

ceito de circularidade, com um grande emaranhado Obs.: O médico identifica um fragmento de narrativa:
de histórias, formado por incontáveis “fragmentos “dificuldade de usar a insulina regularmente”. Ao
de narrativas” que se conectam entre si e fazem par- identificar esse fragmento, tenta compreender melhor o
te de uma grande rede de conversação. Os “frag- que o paciente está querendo dizer ao referir que tem tal
mentos narrativos” são partes de uma história que dificuldade. Dessa forma, busca estabelecer possíveis
dão acesso a diferentes tipos de informações e di- conexões com outras narrativas, com o objetivo de
mensões relacionadas ao “mundo da vida1” dos compreender melhor o significado do que foi dito pelo
nossos pacientes. Esses fragmentos de histórias paciente anteriormente.
apresentam uma estrutura circular, pois dificil-
mente se consegue identificar o ponto exato em que Contexto
cada narrativa se inicia ou termina, tal como a figu-
As narrativas elaboradas ao longo da consulta
ra de um círculo, “sem começo nem fim”. No mo-
médica pelos pacientes geralmente não contêm ape-
mento em que se inicia um diálogo, tece-se com o nas as informações necessárias à elaboração de um
interlocutor uma rede de histórias (múltiplos frag- diagnóstico de patologias, nem se encontram orga-
mentos de narrativas conectados entre si) e, confor- nizadas em ordem cronológica ou de acordo com os
me essa conversa se desenvolve, compreende-se me- aparelhos e sistemas do organismo humano. As
lhor o que cada sujeito tem a dizer e de que forma. narrativas relacionadas a sintomas de doenças fre-
quentemente apresentam-se “misturadas” com ou-
Consulta 1 (antes do treinamento em MBN) tras questões que a princípio podem parecer sem
Dr. João: O senhor sente alguma palpitação? importância alguma, como problemas familiares,
Antônio: Não, doutor. Eu queria... de trabalho, financeiros, dificuldades de relaciona-
Dr. João: Sente falta de ar? mento, experiências vivenciadas em outros serviços
Antônio: Não, doutor. Mas eu tenho... de saúde, medos e ansiedades em relação ao diag-
Dr. João: Sente alguma coisa ao urinar? nóstico e ao tratamento, além de inúmeras expecta-
Antônio: Isso não... tivas quanto ao trabalho médico. Em outras pala-
Dr. João: Tem algum problema de visão? vras, na prática, as histórias narradas durante o
Antônio: Não, mas... encontro clínico não são centradas apenas em sin-
Dr. João: Ok. tomas de patologias. Essas histórias também se refe-
Obs.: O médico não considera importantes as dificuldades rem a diferentes contextos de vida dos pacientes.
impostas pelo ritmo de trabalho do paciente ao uso Por isso, muitas vezes se tem a sensação de que
adequado da insulina. Não identifica pontos-chave na todas essas “outras histórias” atrapalham na hora
narrativa dele. Não consegue aprofundar e estabelecer de conversar com o paciente. Tenta-se insistente-
outras conexões entre a narrativa da insulina e outras
mente, ao longo de toda a conversa, impedir que
histórias. Dessa forma, continua o interrogatório de
essas narrativas apareçam, com medo de perder o
aparelhos e sistemas sem se preocupar com a dificuldade
relatada pelo paciente. foco no que se considera a principal tarefa do traba-
lho médico: a realização de diagnósticos patológi-
Consulta 2 (após treinamento em MBN) cos. No entanto, acredita-se que essa seja uma das
Dr. João: Deixe-me entender melhor como é essa principais tarefas da medicina, mas não a única. A
dificuldade de aplicar a insulina... abordagem dos contextos de vida do paciente, da
Antônio: Bom, doutor, tenho dificuldade com os horários perspectiva dele, é essencial no cuidado e aumenta a
de aplicação... Uso insulina 3 vezes por dia, antes do adesão e a eficácia ao tratamento, a satisfação dele e
café, antes do almoço e antes de dormir. Esse esquema a do médico quanto ao atendimento. Os médicos
não bate com os meus horários, acabo esquecendo,
devem, sem dúvida alguma, realizar corretamente
principalmente a insulina do meio-dia. Sei aplicar
direitinho, não tenho dificuldade com isso. Sei as doses
diagnósticos de patologias para tratá-las de forma
e sei o quanto é importante controlar a diabetes... Mas adequada, com base em evidências científicas, mas
às vezes eu me atrapalho... é a correria do trabalho. também devem cuidar das pessoas, utilizando para
Dr. João: Agora entendi melhor. isso os saberes técnico-científicos baseados em evi-
dências, mas articulados aos saberes práticos.
Os saberes práticos, como o nome já diz, são
1
Segundo Habermas (1996), o “mundo da vida” constitui o ­conhecimentos oriundos de experiências práticas.
pano de fundo onde ocorrem as interações e ações comunicativas
e é composto por três elementos essenciais: “a cultura, a sociedade Pode-se dizer que mostram como se pode executar
e as estruturas de personalidade”. algo levando em consideração as especificidades do

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38 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

­ aciente e as dificuldades ou potencialidades ineren-


p Consulta 2 (depois do treinamento em MBN)
tes ao “mundo da vida” dele. Os sujeitos são únicos e
totalmente diferentes entre si. Portanto, é preciso re- Dr. João: Conte-me mais sobre o seu dia a dia de trabalho.
Antônio: Bom, doutor, é uma correria... Sou
conhecer as singularidades de cada um, especial-
representante de uma indústria de medicamentos e
mente em relação ao contexto de vida de cada pessoa
passo o dia inteiro indo de um lado para o outro pra
atendida. As narrativas elaboradas no momento da
tentar vender as medicações. Meu chefe é muito
consulta podem expressar inúmeras experiências
complicado, tenho várias metas para cumprir todo
que os pacientes já vivenciaram ou estão vivencian-
mês... Fico estressado porque preciso muito desse
do. Acredita-se que eles compartilham essas histórias emprego, tenho dois filhos...
porque, de uma forma ou de outra, os problemas da Dr. João: (silêncio)
vida se relacionam com o seu processo de saúde-do- Antônio: Com essa correria toda, acabo me esquecendo
ença, geralmente dificultando o cuidado ou agravan- de tomar a insulina. Daí fica tudo bagunçado, é muito
do o seu estado de saúde. difícil... Os horários da insulina não batem com os
Ao escutar com atenção as narrativas relacio- meus horários de trabalho.
nadas aos contextos de vida do paciente, ao invés de Dr. João: Realmente... Assim, tomar insulina três vezes
tentar evitar que essas histórias sejam contadas du- por dia fica extremamente difícil para qualquer pessoa.
rante a consulta, é possível identificar diversos fato- Obs.: O médico identifica um “fragmento de narrativa”
res relacionados à vida prática e cotidiana dele, que (o trabalho dificulta o uso adequado da insulina pelo
podem ajudar a elaborar planos terapêuticos e de paciente). Ao identificar esse fragmento, tenta
cuidado adequados a cada situação, proporcionan- compreender melhor o cotidiano de trabalho dele.
do um atendimento específico e potencializando a Dessa forma, tenta estabelecer uma conexão entre a
excelência técnica e prática da ação médica. narrativa sobre a dificuldade de usar insulina (A) e o
Portanto, quando se conversa com um paciente trabalho do paciente (B). A partir daí, passa a explorar
tendo em mente os conceitos de circularidade e de o contexto de trabalho, ouvindo atentamente o relato,
contexto, possibilita-se que a consulta médica seja sem interrupções, além de reconhecer o quanto é
um espaço de criação de diferentes tipos de histórias, difícil fazer uso da insulina nessa rotina.
não apenas centradas nos sintomas de doenças, mas
um espaço único para a criação de narrativas sobre Precaução
os processos de vida e de adoecimento específicos de À medida que desenvolve novas habilidades co-
cada sujeito. Nesse espaço, os interlocutores poderão municacionais, o profissional da saúde passa a ampliar
expressar livremente suas próprias narrativas, desde a abordagem médica tradicional centrada na identifi-
que ambos estejam dispostos a estabelecer uma con- cação de sinais e sintomas de doenças. No entanto, ao
versação e ouvir o que o outro tem a dizer. se expandir essa abordagem, invariavelmente se corre
o risco de assumir uma atitude muito invasiva, espe-
Consulta 1 (antes do treinamento em MBN) cialmente ao questionar algum assunto considerado
Dr. João: O senhor trabalha com o quê? delicado para o paciente. O conceito de “precaução”
Antônio: Sou representante de uma indústria (caution) ressalta a importância de aprender a respei-
de medicamentos... a maior correria... trabalho muito. tar os limites de cada um em relação ao que deseja (ou
Dr. João: Difícil... Não está fácil para ninguém, não é? não) contar ao longo da consulta clínica. Na prática, a
Antônio: É... identificação desse limite pode ser alcançada ao:
Dr. João: O senhor mora com quem? • perguntar ativamente se o paciente concorda
Antônio: Com minha esposa e nossos dois filhos, um (ou não) em falar sobre essas “outras questões”
de 9 e outro de 7 anos. (família, trabalho, relacionamentos, percep-
Dr. João: Tudo bem em casa? ções sobre o mundo);
Antônio: Sim, doutor... não tenho problema nenhum • ficar atento à linguagem não verbal do pacien-
em casa. te, a fim de identificar “expressões corporais”
Obs.: O médico não faz uma conexão entre a dificuldade (pistas) que ajudem a perceber se determinado
de utilizar a insulina e as dificuldades impostas pelo assunto causa algum tipo de constrangimento
ritmo de trabalho do paciente. Não explora o contexto ou desconforto no momento da interação;
de vida e de trabalho dele, passando a realizar novas • questionar o que ele realmente deseja da con-
perguntas e desconsiderando as pistas dadas ao longo sulta (expectativas em relação ao trabalho
da conversa. Dessa forma, continua o interrogatório sem médico), de forma a conciliar os objetivos
se preocupar com a dificuldade relatada pelo paciente.
médicos às necessidades de saúde dele.

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Capítulo 2 // Comunicação Médico-Paciente 39

Além disso, é preciso prestar atenção para não 1. a narrativa do médico (composta essencial-
centrar a consulta excessivamente em detalhes rela- mente por um conhecimento técnico específi-
cionados aos contextos de vida e deixar em segundo co voltado ao cuidado e ao restabelecimento da
plano as informações médicas essenciais à avaliação saúde do paciente);
do estado clínico dos pacientes. Cabe ressaltar que, 2. a narrativa do paciente (que vivencia um pro-
sem essas informações, dificilmente poderão ser cesso de adoecimento e vem à consulta solicitar
elaboradas hipóteses diagnósticas e planos terapêu- algum tipo de cuidado e/ou auxílio médico).
ticos com a excelência técnica esperada.
À medida que interagem e estabelecem um di-
álogo com os outros, os indivíduos realizam um
Consulta 1 (antes do treinamento em MBN) “jogo de perguntas e respostas” que inevitavelmen-
Dr. João: E a sua vida sexual, tudo bem? te modifica tanto o conteúdo quanto a compreen-
Antônio: Hum, hum. são do que foi comunicado pelos interlocutores. O
Dr. João: E com a sua esposa... como está a vida sexual conceito de cocriação refere-se à habilidade de (re)
de vocês? construir uma história, criando uma terceira histó-
Antônio: (olha para baixo e reduz o tom de voz, ria, a partir do que é estabelecido durante o diálogo
demonstrando estar envergonhado) Está, sim... está entre médicos e pacientes.
tudo bem. Nesse caso, o médico necessita desenvolver
Dr. João: Ótimo! Vamos fazer o exame físico. (conduz uma complexa competência comunicacional e inte-
o paciente, apressadamente, para a realização do rativa composta de quatro ações simultâneas:
exame físico)
• escutar com atenção o que está sendo dito;
Obs.: O médico não percebe os sinais não verbais • identificar os pontos importantes da narra-
e mantém o direcionamento da consulta. tiva do paciente (pontos-chave);
Consulta 2 (depois do treinamento em MBN) • realizar perguntas que permitam explorar
Dr. João: Mais alguma coisa que o senhor gostaria de melhor o que foi dito anteriormente, princi-
me falar? palmente os pontos-chave, ou para acessar
Antônio: Acho que no momento não, doutor... acho que novas histórias;
já falei tudo. • (re)construir uma história, uma narrativa
Dr. João: Então, gostaria de fazer mais algumas compartilhada entre os dois interlocutores.
perguntas de rotina para depois pensarmos exatamente
no que vamos fazer para controlar melhor sua Primeiro, não se trata de uma escuta seletiva,
diabetes, tudo bem? focada exclusivamente na identificação de sintomas
Antônio: Claro, doutor. de patologias. Para realizar-se uma abordagem ba-
Dr. João: (o médico inicia a investigação de diversos seada em narrativa, é fundamental desenvolver uma
aparelhos e sistemas (ISDA), conforme preconizado pela escuta ampliada, que permita entrar em contato
anamnese médica tradicional) Agora, se o senhor com diferentes tipos de histórias, e não apenas com
permitir, gostaria de perguntar algumas coisas sobre histórias relacionadas a sintomas de patologias.
a sua vida sexual. Tudo bem se falarmos sobre esse A escuta ampliada não significa que se deve
assunto? deixar em segundo plano os dados da anamnese
Antônio: Pra ser sincero, eu não gostaria de falar sobre médica tradicional, os quais são imprescindíveis
isso, doutor... Tenho muita vergonha. para a elaboração do raciocínio clínico e das hipóte-
Dr. João: Sem problemas... Quando se sentir à vontade,
ses diagnósticas. Significa que, além de escutar as
podemos voltar a esse assunto. Mais alguma coisa?
queixas clínicas dos pacientes, também é possível
Antônio: Não, doutor.
Dr. João: Podemos, então, fazer o exame físico?
“dar ouvidos” às narrativas relacionadas às dimen-
Antônio: Podemos. sões do “mundo da vida”, sem excluí-las a priori,
pois esse tipo de escuta pode ajudar a compreender
Obs.: O médico respeita o desejo do paciente de não os significados, as vivências e as percepções sobre o
discutir a vida sexual nessa consulta. processo de adoecimento, com o objetivo de obter
detalhes extremamente importantes para a elabora-
Cocriação ção de um plano de cuidado compartilhado, de acor-
O sexto conceito da MBN, denominado cocria- do com as especificidades do indivíduo.
ção, parte do pressuposto de que, no encontro entre Concomitantemente ao processo de escuta am-
médicos e pacientes, identificam-se dois grandes ti- pliada, identificam-se os fragmentos de narrativas
pos de narrativas: que chamam a atenção (pontos-chave) por conterem

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40 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

informações cruciais para a elaboração do raciocí- tem a identificação das causas dos problemas apre-
nio clínico (voltado ao diagnóstico de patologias ou sentados pelo paciente, assim como a elaboração de
agravos de saúde), ou por fornecerem “pistas” a res- hipóteses diagnósticas de patologias, ações extre-
peito das inúmeras dimensões relacionadas ao mamente relevantes para a prática médica da con-
“mundo da vida” dos sujeitos. temporaneidade. Mas como podem ser estabeleci-
A abordagem desses pontos-chave por meio de das essas outras conexões?
perguntas circulares busca explorar e compreender
melhor os fragmentos narrativos identificados e Quadro 2.4 – Exemplos de perguntas lineares
suas conexões, sendo a capacidade de realizar per-
guntas uma das principais habilidades comunica- Perguntas utilizadas pelo médico (lineares)
cionais da MBN. • Bom-dia. Vi no seu prontuário que o senho
As perguntas são como chaves que dão acesso é diabético, correto?
às histórias, pois permitem passar de uma história • Que medicações o senhor toma?
para outra, de um fragmento narrativo para outro, • Toma as medicações todos os dias? Regularmente?
percorrendo assim as múltiplas conexões da rede de Sem falhar nenhum dia?
narrativas. Dessa forma, a cada encontro pode-se • O senhor não gosta de usar insulina?
compreender um pouco mais de cada sujeito, suas • O senhor sabe que tem de tomar insulina todo dia,
percepções de vida, de saúde e de cuidado, além de não sabe?
acessar informações detalhadas que possibilitem a • O senhor sente alguma dor no peito?
elaboração de um diagnóstico patológico de manei-
Obs.: O médico utiliza apenas perguntas lineares durante a
ra precisa. Portanto, ao longo do diálogo estabeleci-
sua consulta. Essas perguntas dificilmente produzem uma
do no encontro entre médicos e pacientes, podem-
terceira história, uma vez que a narrativa do médico
-se utilizar dois tipos distintos de perguntas: predomina em relação à narrativa do paciente, que não
• perguntas lineares; consegue expressar sua perspectiva ao longo do diálogo.
• perguntas circulares.

As perguntas lineares (Quadro 2.4) objetivam As perguntas circulares (Quadro 2.5) são utili-
investigar e identificar a causa de um problema es- zadas com a intenção de:
pecífico. Esse tipo de pergunta apresenta como re- • explorar a perspectiva do paciente sobre de-

ferência de pensamento o raciocínio de causa-efei- terminado assunto;


to, no qual A (causa) → B (efeito). Os elementos (A • acessar e estabelecer conexões entre “mun-
e B) pertencem a um sistema específico que geral- dos diferentes”.
mente não estabelece conexões com outros siste- Como referência teórica para a realização des-
mas. Na consulta médica, por exemplo, procura-se ses tipos de perguntas, utiliza-se o pensamento cir-
identificar qual patologia (causa) está relacionada a cular, no qual os elementos A e B são considerados,
determinado sintoma (efeito) relatado pelo pacien- ao mesmo tempo, causa e efeito de determinado
te. Para isso, utilizam-se perguntas lineares e o evento: A (causa/efeito) → B (causa/efeito). Os ele-
pensamento de causa-efeito como norteador do di- mentos A e B influenciam-se mutuamente e estão
álogo, com o objetivo de elaborar hipóteses diag- conectados a outros elementos e sistemas. De acor-
nósticas. No entanto, ao utilizar exclusivamente do com o pensamento circular, o “mundo das do-
esse referencial, o médico torna-se mais propenso a enças” – evidenciado por meio das narrativas de
não estabelecer conexões com outros sistemas. sintomas elaboradas pelo paciente durante o encon-
Pode deixar de estabelecer conexões entre o “mun- tro clínico – influencia o “mundo da vida”, mas
do da medicina” e o “mundo da vida” dos pacien- também é influenciado pelo contexto de vida, de
tes, limitando-se à investigação de apenas um tipo família, de trabalho, pelos referenciais culturais e
de sistema: “o mundo das patologias”. Além disso, pelas vivências/experiências anteriores de adoeci-
ao restringir-se a esse tipo de racionalidade, corre o mento. Em outras palavras, pode-se inferir que os
risco de elaborar hipóteses e planos terapêuticos acontecimentos vivenciados pelo paciente no “mun-
sem levar em consideração as especificidades do do da vida” estão intimamente conectados ao “mun-
paciente, comprometendo dessa forma o sucesso do da medicina” e que ambos se influenciam. Nesse
prático das ações. Entretanto, ressalta-se que o ra- caso, as perguntas circulares também permitem
ciocínio de causa-efeito e a utilização de perguntas acessar e estabelecer novas conexões entre esses dois
lineares no momento do encontro clínico permi- mundos. Na prática, isso pode significar um im-

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Capítulo 2 // Comunicação Médico-Paciente 41

portante avanço na forma de comunicar-se com os Consulta 2 (desfecho – “terceira


pacientes, pois, ao modificar a forma de pensar, narrativa”: centrada na perspectiva
passa-se a estabelecer uma articulação entre os do médico e do paciente)
grandes avanços técnico-científicos da área da saú-
Dr. João: Bom, agora vamos ver os problemas que o
de e as particularidades da vida deles.
senhor me trouxe nesta consulta. Primeiro, a questão
da dificuldade de utilizar a insulina por causa do seu
Quadro 2.5 – Exemplos de perguntas circulares trabalho. (narrativa do paciente)
Antônio: Isso mesmo...
Perguntas utilizadas pelo médico (circulares) Dr. João: Estou preocupado... chequei seus exames e o
• Bom-dia, em que posso ajudar? senhor está com uma glicemia de jejum de 234 mg/dL.
• O senhor não gosta de tomar insulina? A meta seria abaixo de 130 mg/dL... O senhor entendeu?
Antônio: Entendi, sim.
• E por que está difícil tomar a insulina?
Dr. João: Mas, com esse tipo de trabalho, realmente fica
• Acho que precisamos pensar melhor no que vamos muito difícil usar insulina três vezes por dia. O que o
fazer em relação a isso. senhor acha que podemos fazer?
• Deixe-me entender melhor como é essa dificuldade Antônio: Não posso sair desse emprego, doutor. E se eu
de aplicar a insulina. usasse insulina uma ou duas vezes por dia, em vez de
• Conte-me mais sobre o seu dia a dia de trabalho. 3 vezes?
Dr. João: Hum... acho que isso é possível... Mas teremos
Obs.: O médico utiliza perguntas circulares ao longo de toda
de mudar o tipo de insulina que o senhor usa. Quem
a conversa, permitindo que a narrativa do paciente seja
sabe uma insulina de liberação mais lenta que a NPH...
elaborada de acordo com a perspectiva da MBN.
Posso fazer os papéis de solicitação para o senhor
conseguir a medicação gratuitamente. O que acha?
É importante ressaltar que, a depender do tipo Antônio: Acho ótimo, doutor. Facilitaria muito a minha
de pergunta utilizado durante o encontro clínico, vida... talvez eu consiga controlar melhor a diabetes...
constrói-se determinado tipo de narrativa. Se forem Morro de medo de ter problemas por causa dessa doença.
feitas estritamente perguntas lineares, corre-se o Dr. João: Se conseguirmos controlar a glicemia, vamos
grande risco de levar em consideração apenas o dis- prevenir que o senhor desenvolva esses problemas no
futuro. Vamos tentar?
curso médico e desconsiderar a perspectiva do pa-
Antônio: Claro, vamos, sim!
ciente. Para elaborar uma “terceira narrativa”, é pre- Dr. João: É importante lembrar que essa insulina pode
ciso considerar ambas as perspectivas, de médicos e demorar um pouco para fazer efeito e que seria
de pacientes, a fim de que possam ser elaborados pla- fundamental que o senhor tentasse utilizar a insulina
nos de cuidado compartilhados e específicos. NPH corretamente nesse período, além de fazer um
controle de dextro para monitorar sua glicemia. O
senhor acha que consegue fazer isso?
Consulta 1 (desfecho – narrativa centrada
Antônio: Vou me esforçar ao máximo, doutor. Achei
apenas na perspectiva médica)
muito bom... fiquei empolgado com essa nova
Dr. João: Bem, acho que o senhor precisa usar possibilidade de tratamento.
regularmente a insulina. Estou com seus exames aqui e Obs.: O médico começa a preencher os papéis de solicitação de
a glicemia não está nada boa. Insulina Glargina e marca um retorno breve para o paciente, que
Antônio: Como assim, doutor? deixa o consultório com a sensação de ter estabelecido uma
Dr. João: Sua glicemia está muito alta, muito longe da parceria que duraria muito tempo*.
meta. Vou aumentar a dose de sua insulina para ver se
* Este relato foi baseado em um caso real.
controlamos melhor sua diabetes. Mas o senhor tem de
usar essa medicação corretamente, nos horários e
doses certas, está certo?
Considerações Finais
Antônio: Sim, doutor, tenho medo de ter problemas por A comunicação é parte integrante da interação
causa da diabetes. entre médico e paciente, embora muitas vezes seja
Dr. João: É bom ter mesmo! Você já sabe tudo o que o negligenciada na formação dos profissionais de saú-
diabetes pode lhe causar, não sabe?
de. Existem diversas evidências de que a boa comu-
nicação melhora a eficácia da anamnese, os resulta-
Antônio: Sei, sim, doutor... (O médico começa a fazer a
dos da atuação médica, a satisfação de médicos e
receita e logo se despede do paciente, que deixa a sala
pacientes, além da adesão ao plano terapêutico, pre-
bastante desanimado e preocupado)
venindo eventos adversos.

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42 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Importantes entidades, como a Organização Bowling A, Rowe G, McKee M. Patients’ experiences of their he-
Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde althcare in relation to their expectations and satisfaction: a popu-
lation survey. J R Soc Med. 2013;106:143-149.
(MS) e o Ministério da Educação (MEC), reconhe-
Brunnet et al. Participants in the Bayer-Fetzer Conference on
cem a importância da comunicação no encontro clí- Physician-Patient Communication in Medical Education. Es-
nico e preconizam o ensino de competências de co- sential elements of communication in medical encounters: the
municação na graduação dos profissionais de saúde. Kalamazoo consensus statement. Acad Med. 2001;76(4):390-3.
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Canesqui AM (org.) Olhares socioantropológicos sobre os
Graduação em Medicina explicitam claramente tal adoecidos crônicos. São Paulo: Hucitec/Fapesp; 2007.
importância, ao colocar a comunicação como uma Cowan D, Danoff D, Davis A, Degner L, Jerry M, Kurtz S, Lai-
dlaw J, Mac Lean A, Till J, Thomsen P. Consensus statement
das seis competências gerais essenciais ao egresso. from the workshop on teaching and assessment of communi-
Uma comunicação norteada pela noção de cui- cation skills in Canadian medical schools. Can Med Assoc J.
dado pretende articular os saberes técnico-científi- 1992;147(8):1149-1150.
cos (como fazer) aos saberes práticos (o que fazer em Gadamer HG. Verdade e método: traços fundamentais de uma
determinada situação), com o objetivo de conquistar hermenêutica filosófica. v. 1. 7. ed. Petrópolis: Vozes; 2005.
Greenhalgh T, Hurwitz B. Narrative-based medicine: dialo-
tanto o êxito técnico (p. ex.: atingir a meta de contro- gue and discourse in clinical practice. London: British Medi-
le da pressão arterial) quanto o sucesso prático (ade- cal Journal Publishing Group; 1998.
quar ações à vida e às necessidades específicas do in- Habermas J. The inclusion of the other. Studies in political
divíduo). Portanto, a comunicação entre médicos e theory. Cambridge: Polity Press; 1996.
pacientes é considerada uma competência extrema- Hausberg MC, Hergert A, Kröger C, Bullinger M, Rose M, An-
mente complexa, que inclui atitudes, aspectos cogni- dreas S. Enhancing medical students’ communication skills:
development and evaluation of an undergraduate training
tivos e aspectos psicomotores para sua efetivação.
program. BMC Medical Education; 2012;12:16.
As abordagens da Medicina Centrada no Pa- Helman CG. Cultura, saúde e doença. 5. ed. Porto Alegre: Art-
ciente (MCP) e da Medicina Baseada em Narrativa med; 2009.
(MBN) são diferentes estratégias que visam uma Launer J. Narrative based primary care: practical guide.
comunicação eficiente com os usuários, melhoran- Oxford: Radcliffe Medical Press; 2002. p. 251.
do o encontro clínico e seus resultados. A MCP es- Lévy P, Teixeira RR. Árvores de saúde. Interface – Comunica-
pecifica os domínios (“o que” perguntar) que po- ção, Saúde e Educação. Botucatu (SP); 1999;3(4)143-156.
Moura JC. A comunicação-interação entre médico e paciente
dem ser incluídos na entrevista médica, ao passo
na atenção primária à saúde: um estudo hermenêutico. [Dis-
que a MBN desenvolve estratégias e competências sertação de mestrado.] Faculdade de Medicina da Universida-
essenciais à realização do diálogo entre médicos e de de São Paulo. Maio 2012.
pacientes (“como” fazer), sendo consideradas abor- Ohm F, Vogel D, Sehner S, Wijnen-Meijer M, Harendza S. De-
dagens complementares. Os aspectos centrais des- tails acquired from medical history and patients’ experience of
sas abordagens incluem a valorização da perspecti- empathy – two sides of the same coin. BMC Medical Educa-
tion. 2013;13:67-74.
va do paciente sobre seu processo de adoecimento, a
Perrenoud P. Dez novas competências para ensinar. Porto Ale-
construção de uma relação médico-paciente menos gre: Artmed; 2000.
verticalizada e hierárquica, bem como a decisão Silverman J, Kurtz S, Draper J. Skills for communicating with
compartilhada dos processos terapêuticos. patients. 3. ed. London: Radcliffe Publishing; 2013.
É imprescindível que o ensino das competên- Simmenroth-Nayda A, Weiss C, Fischer T, Himmel W. Do com-
cias de comunicação seja valorizado na educação munication training programs improve students’ communica-
tion skills? – a follow-up study. BMC Research Notes. 2012; 5:486.
médica, com a abertura de espaços curriculares for-
Simpson M, Buckman R, Stewart M, Maguire P, Lipkin M,
mais destinados à discussão/reflexão teórica sobre Novack D, Till J. Doctor-patient communication: the Toronto
o tema, além de cenários de ensino-aprendizagem consensus statement. BMJ. 1991;303:1385-7.
destinados à realização de atividades pedagógicas, a Stewart M, Brown JB., Weston WW, McWhinney IR, McWilliam
fim de potencializar a articulação de habilidades e CL, Freeman TR. Medicina centrada na pessoa: transformando
atitudes comunicacionais aos aspectos clínicos e o método clínico. Porto Alegre: Artmed; 2010.
técnico-científicos do cuidado. Teixeira RR. Modelos comunicacionais e práticas de saúde. Inter-
face – Comunicação, Saúde e Educação, Botucatu (SP); 1997;1(1).
Referências bibliográficas Thorsen H, Witt K, Hollnagel H, Malterud K. The purpose of
the general practice consultation from the patient’s perspective
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Ayres JRCM. Cuidado e reconstrução das práticas de saúde. linear, circular, strategic, or reflexive questions. Fam Process.
Interface – Comunicação, Saúde e Educação. Botucatu (SP); 1988;27(1):1-15.
set. 2003-fev. 2004;8(14):73-92. World Health Organization. Doctor-patient interaction and
Bellet PS, Maloney MJ. The importance of empathy as an inter- communication. Geneva: World Health Organization, Divi-
viewing skill in medicine. JAMA. 1991;266(13):1831-32. sion of Mental Health; 1993.

Propedêutica Médica_cap 02.indd 42 26/02/2015 14:58:16


exame Físico Geral 3
Marcos Daniel Saraiva
lívia Rodrigues
José flávio Castellucio
Silvio luiz Cardenuto
José Carlos aguiar bonadia

Propedêutica Médica_cap 03.indd 43 26/02/2015 14:58:23


44 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Introdução
O exame físico geral inicia-se com a observa-
ção do paciente desde o primeiro contato e é com-
posto por duas partes: uma quantitativa e outra
qualitativa.
1
O exame físico quantitativo consiste em avaliar
dados precisos, como medidas da altura, peso, cir-
cunferência abdominal e quadril, pressão arterial,
pulso arterial, frequência respiratória e temperatura.
Já o exame físico qualitativo representa a ava-
liação subjetiva do examinador em relação ao pa-
ciente, dependendo, portanto, de sua capacidade de
percepção e de sua prática, ocorrendo frequentes
variações interobservadores. No exame físico geral
qualitativo, observam-se o tipo morfológico, o esta-
do geral, o grau de consciência, a fácies, a atitude, a
marcha, a presença de palidez, icterícia e cianose, o 2
estado de hidratação e a presença de edema.
Além dos exames físico geral quantitativo e
qualitativo, serão abordados neste capítulo os exa-
mes das mucosas, do tecido celular subcutâneo, do
sistema osteomuscular, dos linfonodos e da circula-
ção colateral.

Exame Físico Geral Quantitativo a


Altura
A altura do indivíduo vai da planta dos pés até
o vértice da cabeça (distância planta-vértice). Deve
ser determinada por meio de haste milimetrada, fi-
xada na parede ou que acompanha as balanças. O
paciente deve ficar sem sapatos e com o queixo po-
sicionado paralelamente ao solo. A altura precisa
ser registrada em centímetros, com duas casas deci- 3
mais. Em adultos, a altura deve ser medida na pri-
meira consulta e, em crianças, avaliada em todas as
consultas, assim como o peso. Mais detalhes sobre a
avaliação da altura de crianças e do crescimento se- b
rão descritos no capítulo “Propedêutica Pediátrica”.
Vale lembrar que qualquer crescimento em altura Figura 3.1 – Segmentos corpóreos. 1: distância
após os 22 anos deve ser considerado patológico. pubovértice; 2: distância puboplantar; 3: envergadura;
1 + 2: altura.
Algumas outras medidas de menor uso na prá-
tica diária podem ser realizadas em alguns casos de Peso
interesse, como na avaliação da proporção entre os
O peso do indivíduo corresponde à sua massa
segmentos corpóreos (Figura 3.1):
total, que deve ser avaliada em uma balança antro-
1. distância pubovértice: distância entre a sínfise pométrica em quilogramas e em frações de 100 gra-
púbica e o vértice da cabeça; mas. O paciente deve estar descalço e com roupas
2. distância puboplantar: distância entre a sínfise leves (se possível ou necessário, somente com as
púbica e a planta dos pés; roupas íntimas). Para a avaliação do peso, sempre
3. envergadura: distância entre os extremos dos deve ser perguntado ao paciente qual é o seu peso
dedos em paciente com abdução dos braços de habitual e quando foi a última vez que avaliou seu
90º, sendo aproximadamente igual à altura (1 peso, pois assim é possível avaliar se ele emagreceu
+ 2) do paciente. ou engordou e em quanto tempo isso ocorreu.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 45

Para os recém-nascidos, deve ser usada uma cular podem ser classificados como apresentando
balança própria e, para pacientes com dificuldade sobrepeso ou obesidade.
de ficar em pé, a cama-balança. O ganho ponderal
das crianças será mais bem discutido no capítulo Observação Clínica
“Propedêutica Pediátrica”.
• Indivíduos com índices menores de 18,5 kg/m2 estão
desnutridos. Já os com índice maior que 25 estão
ObservaçÕes ClínicaS progressivamente relacionados a um risco maior de
• Pacientes com ganho de peso superior a 1 kg em aparecimento de doenças cardiovasculares e diabetes
24 horas podem sugerir quadro de retenção hídrica, mellitus.
como insuficiência renal, cardíaca, hepática ou
desnutrição. Circunferência abdominal e quadril
• Perda de peso rápida pode sugerir neoplasia,
As medidas de circunferência abdominal e qua-
tuberculose, diabetes ou hipertireoidismo.
dril são importantes para a avaliação da obesidade,
no que diz respeito à gordura visceral (gordura intra-
O peso ideal nos adultos pode ser calculado
-abdominal entre as vísceras), e complementam os
pelo índice de massa corporal (IMC), calculado a
dados obtidos pelo IMC. Devem ser determinadas
partir da divisão do peso (P), em quilogramas, pela
em todos os pacientes no intuito de detectar e orien-
altura (A), em metros, ao quadrado:
tar aqueles com excesso de peso.
A circunferência abdominal é medida com
IMC = P/A2 (kg/m2) uma fita métrica posicionada a meia distância entre
o rebordo costal e as cristas ilíacas (Figura 3.2).
Exemplo: homem com 1,75 m e 75 kg: IMC =
75/1,75 × 1,75 = 24,5 kg/m2
valores normais da circunferência abdominal
Após sua definição, o valor do IMC do paciente
deve ser classificado de acordo com a Tabela 3.1. Homem: até 94 cm
Mulher: até 80 cm
Tabela 3.1 – Classificação internacional de baixo
peso, sobrepeso e obesidade em adultos de acordo
com o IMC
Classificação IMC (kg/m2)
Baixo peso < 18,5
Desnutrição grave < 16
Desnutrição moderada 16-16,99
Desnutrição leve 17-18,49
Normal 18,5-24,99
Sobrepeso ≥ 25
Pré-obesidade 25-29,9
FIGURA 3.2 – Medida da circunferência abdominal.
Obesidade ≥ 30
Obesidade grau I 30-34,99 Já o quadril é medido com uma fita métrica no
Obesidade grau II 35-39,99 nível do trocânter femoral (Figura 3.3). A medida
Obesidade grau III ≥ 40
do quadril é utilizada no cálculo da relação cintura-
-quadril (RCQ), no qual se divide o valor da cintura
Fonte: Adaptada de OMS, 2004.
abdominal pelo quadril. O valor dessa relação defi-
ne dois padrões de obesidade:
O IMC é um indicador adequado para a avalia-
ção do estado nutricional de um paciente e de fácil
utilização na prática clínica, porém pode conter im- RCQ > 0,8: obesidade androide
precisões, como: indivíduos com grande massa mus- RCQ < 0,8: obesidade ginecoide

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46 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

pele e fâneros, o tecido subcutâneo (panículo adi-


poso) e o sistema muscular, que fornecem aspec-
tos subjetivos de sua nutrição. A quantidade míni-
ma necessária de calorias para um adulto manter-se
em estado de nutrição razoável é de 2.300 calorias
(ideal de 3.000 calorias) e ingestão de 65 g de pro-
teínas por dia.
Na hiponutrição ou desnutrição, observam-se as
seguintes características:
• peso abaixo dos valores normais;
• musculatura hipotrófica;
• panículo adiposo escasso;
FIGURA 3.3 – Medida do quadril.
• pele seca (xerósica) e rugosa (semelhante a

A obesidade androide (mais comum em ho- papel de lixa nos casos mais graves);
mens) é a mais preocupante, já que está associada à • cabelos e pelos finos, secos, com alteração
gordura visceral. Nesse caso, a gordura se acumula de cor e quebradiços, sendo arrancados com
mais no tórax e abdome, com deposição subcutânea pequena força (relação com desnutrição
e intra-abdominal e é fator de risco independente proteica);
para doença isquêmica do coração, doença vascular • conjuntiva ocular seca (xeroftalmia), perda
cerebral, diabetes mellitus tipo 2, hiperlipidemia, do reflexo à luz, diminuição ou ausência de
hipertensão arterial e litíase biliar (Figura 3.4). lágrimas, fotofobia e dificuldade de visão e
Já na obesidade ginecoide (mais comum em acomodação em ambientes pouco ilumina-
mulheres), a gordura se acumula mais nas coxas, dos (hemeralopia ou nictalopia) – relaciona-
nádegas e regiões próximas à pelve com deposição dos com hipovitaminose A.
somente subcutânea, relacionando-se com celulite, O peso excessivo é classificado como sobrepeso
e não com as comorbidades da obesidade androide ou obesidade (dependendo do IMC do paciente)
(Figura 3.4). consequente à ingesta excessiva de alimentos
(maior que a necessidade calórica do indivíduo).
Em alguns casos, a obesidade é decorrente de dis-
1 2 função endócrina, como na síndrome de Cushing
(Figura 3.5).
Na avaliação nutricional, observam-se paní­
culo adiposo excessivo e desenvolvimento físico
acima dos valores normais ao sexo, à idade e à raça.
Deve-se ainda avaliar nesses casos a distribuição li-
pídica corporal para o reconhecimento de risco
cardio­vascular e metabólico do paciente (como des-
crito ­anteriormente).
Já o peso abaixo do valor mínimo normal de-
nomina-se magreza e consiste na perda de 10 a 15%
dos valores ponderais padronizados em função do
peso, da estatura e da idade, não necessariamente
FIGURA 3.4 – Figura esquemática comparando os dois indicando desnutrição. Pode ser cons­ titucional
padrões de obesidade: 1: obesidade androide (maçã); (traço genético) ou patológica (diabetes, hiperti-
2: obesidade ginecoide (pera). reoidismo, neoplasias malignas, tuber­cu­lose, ano-
rexia nervosa e ingestão insuficiente de alimentos).
Estado nutricional A magreza em extremo é denominada caquexia,
O estado nutricional do paciente deve ser ava- quando ocorre comprometimento do estado geral
liado pela relação da altura, peso, cintura abdomi- do indivíduo, geralmente causado por doenças con-
nal/quadril e idade (dados objetivos), correlacio- suptivas, como tuberculose em fase avançada, cir-
nados com o estado geral do paciente, o aspecto da rose, desnutrição grave, neoplasias malignas e Aids.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 47

antebraço do paciente repousado e palpar o pulso


durante um minuto usando os dedos indicador ou
médio ou os dois. O pulso deve ser avaliado, em
uma primeira consulta, em mais de um local, com-
parando-se os pulsos entre cada hemicorpo e entre
os membros inferiores e superiores. Os locais e téc-
nicas de palpação dos principais pulsos são apresen-
tados na Figuras 3.6 a 3.19.

artéria temporal

artéria carótida comum


artéria subclávia

artéria axilar

aorta
artéria braquial
FIGURA 3.5 – Paciente com síndrome de Cushing por
uso exógeno de corticoide. Notam-se o acúmulo de artéria ilíaca externa
gordura principalmente em tronco poupando os membros artéria femoral comum
(obesidade centrípeta), a fácies cushingoide ou moon artéria ulnar
face (formato de lua cheia com rubor facial, acne e artéria radial
hirsutismo) e estrias violáceas. artérias digitais
Fonte: Gentilmente cedida pelo Prof. Dr. Osmar Monte, Chefe da
Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo. artéria poplítea

Sinais vitais
Os demais itens do exame físico geral quanti-
tativo são o pulso arterial, a pressão arterial, a fre-
quência respiratória e a temperatura. Recebem o
nome de sinais vitais e são de extrema importância artéria fibular
na prática clínica, devendo ser obrigatoriamente artéria tibial posterior
avaliados em todos os pacientes. Atualmente, con- artéria pediosa
sidera-se a avaliação da dor (descrita no capítulo
“Anamnese Geral”) como o 5º sinal vital.
Figura 3.6 – Locais de palpação dos principais pulsos
Pulso arterial arteriais.
A averiguação dos pulsos arteriais é de suma im-
portância, tanto pelos dados clínicos que pode forne-
cer ao médico como pela possibilidade de represen-
tar um primeiro contato entre o médico e o paciente.
Como conceito, entende-se como pulso arte-
rial os batimentos de uma artéria superficial que
podem ser percebidos pela palpação. Para a medida
de frequência, ritmo, amplitude e tensão, podem ser
usados alguns pulsos, como o radial e o carotídeo.
Quanto à averiguação do pulso radial, é neces-
sário que se tenha a técnica correta, como deixar o FIGURA 3.7 – Pulso radial.

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48 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

FIGURA 3.8 – Pulso ulnar. FIGURA 3.12 – Pulso tibial posterior.

FIGURA 3.9 – Pulso braquial. FIGURA 3.13 – Pulso poplíteo (Técnica 1).

FIGURA 3.10 – Pulso axilar. FIGURA 3.14 – Pulso poplíteo (Técnica 2).

FIGURA 3.11 – Pulso pedioso (tibial anterior). FIGURA 3.15 – Pulso femoral.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 49

FIGURA 3.16 – Pulso aórtico abdominal.

FIGURA 3.19 – Pulso subclávio.

Quanto às características observadas a partir


da análise do pulso, é necessário verificar:
•• frequência – obtida pela observação do nú-
mero de pulsações por minuto. Existem di-
versos valores correlacionando a faixa etária
FIGURA 3.17 – Pulso temporal. com a frequência, mas, basica­mente, para
os adultos tem-se um padrão de normalida-
de entre 60 e 100 pulsações/­minuto, sendo
considerado acima desse valor taquisfigmia
(presente, por exemplo, no hipertireoidis-
mo, na insuficiência cardíaca, na ansiedade
e no estado febril) e, abaixo dele, bradisfig-
mia (presente, por exemplo, no hipotireoi-
dismo, nas bradiarritmias e nos atletas).
Esses termos são utilizados porque nem
sempre é possível afirmar que as pulsações
correspondem aos batimentos cardíacos
(taqui ou bradicardia), podendo ocorrer,
por exemplo, situações em que há um défi-
cit de pulso, ou seja, há contrações ventricu-
lares ineficazes e não passíveis de serem sen-
tidas na aferição do pulso, já que, nesse tipo
de sístole ven­tricular, não há propulsão do
sangue para a aorta. Os valores do pulso ar-
terial na criança serão descritos no capítulo
FIGURA 3.18 – Pulso carotídeo. “Propedêutica Pediátrica”;

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50 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

•• ritmo – dividido em pulsos rítmicos ou −− sinal de Musset: movimento da cabeça


arrítmicos. Essa ritmicidade representa a
­ que ocorre em decorrência da força balís-
quantidade de vezes em que há uma puls­ação tica do grande volume de ejeção;
e em intervalos iguais de apareci­mento; caso −− sinal de Müller: a pulsação da úvula;
não apresentem o mesmo intervalo, deverá −− sinal de Quincke ou pulsação capilar:
ser referido como um pulso arrítmico; empalidecimento e ruborização pulsáteis
•• amplitude – caracterizado pela sensação pal- das unhas dos dedos à compressão leve.
patória do examinador, que pode sentir: o
pulso mais cheio do que o normal (conhecido
como pulso amplo), que acontece na insufici-
ência aórtica e em situações de alto débito car-
díaco, como sepse, anemia e tireotoxicose; um Figura 3.21 – Representação gráfica do pulso Céler.
pulso mediano ou pouco amplo, como ocorre
na hipotensão arterial e na insuficiência car- • Pulso alternante: alternância de pulsações
díaca; e, por fim, um pulso filiforme (dito fracas e fortes características da insuficiên-
pulso pequeno), que acontece na estenose aór- cia cardíaca (Figura 3.22). Indica falência
tica e no estado de choque; ventricular esquerda com o ritmo de galope.
• tensão – pressão realizada pelo dedo do exa-
minador para deter a onda pulsátil, que de-
pende da pressão arterial diastólica e das
condições de parede arterial. Na ateroscle-
Figura 3.22 – Representação gráfica do pulso alternante.
rose, há um endurecimento da parede arte-
rial e, com isso, ocorre um aumento da re- • Pulso dicrótico: sensação de uma segunda
sistência em conter a onda pulsátil. pulsação de menor intensidade como pro-
longamento da primeira, ocorrendo quan-
Observação Clínica do o ritmo é lento e a pressão diastólica é
• Normalmente, o pulso arterial é somente palpado baixa (Figura 3.23). São exemplos estados
na sístole, porém, se a pressão diastólica apresentar de: baixo débito cardíaco (choque hipovolê-
valor maior do que 100 mmHg, a artéria passa a ser mico, cardiogênico e obstrutivo); febre ti-
palpável em todo o ciclo cardíaco. foide; meningite; e convalescença de molés-
tias infecciosas.
Tipos especiais de pulsos
• Pulso parvus et tardus: pulso presente na es-
tenose aórtica, sendo filiforme e tardio
(pulso ocorre tardiamente à sensação do íc- Figura 3.23 – Representação gráfica do pulso dicrótico.
tus) além de apresentar duração aumentada
(Figura 3.20). • Pulso paradoxal de Kussmaul: o pulso fisio-
logicamente varia com a inspiração e a expi-
ração. Ocorrem aumento da intensidade
com a expiração e diminuição com a inspi-
ração. Isso acontece porque os movimentos
Figura 3.20 – Representação gráfica do pulso parvus respiratórios elevam e diminuem, respecti-
et tardus. vamente, o volume de sangue que flui para o
ventrículo esquerdo. O pulso paradoxal de
• Pulso céler: pulso presente na insuficiência Kussmaul (Figura 3.24) é uma exacerbação
aórtica, sendo de grande amplitude e de desse fenômeno fisiológico (uma nomencla-
curta duração (pulso martelo-d’água – Fi- tura tradicional, porém inadequada, já que,
gura 3.21). Na insuficiência aórtica, obser- na verdade, não é paradoxal), que ocorre
vam-se ainda: nos casos de pericardite constritiva, derra-
−− pulso de Corrigan: presença de pulsações me pericárdico, mediastinite hiperplásica e
carotídeas amplas, observadas no pescoço; tumores do mediastino.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 51

Inspiração crônica. Esse quadro normalmente é acompanhado


de claudicação intermitente, que consiste na
interrupção da caminhada por dor, a qual decorre
Figura 3.24 – Representação gráfica do pulso do processo anaeróbio da insuficiência sanguínea
paradoxal de Kussmaul. ocasionada pela aterosclerose. Após alguns minutos
de repouso, a dor melhor e paciente reinicia sua
• Pulso bisferiens ou bífido: pulso no qual são caminhada, que será interrompida novamente após
alguns metros, e assim sucessivamente. Quando a
palpados dois picos sistólicos por sístole,
aterosclerose ocorre em estádio avançado na aorta,
sendo mais bem percebido quando da reali- tem-se a síndrome de Leriche, que consiste em: dor
zação de ausculta cardíaca concomitante- em ambas as nádegas, impotência sexual e ausência
mente (Figura 3.25). A segunda onda decor- de pulso femoral.
re de uma reflexão do pulso nas artérias.
Esse pulso está presente em situações em que
Pressão arterial (PA)
ocorre a ejeção na aorta de grande volume
sistólico, como na insuficiência aórtica grave Força exercida pelo sangue sobre as paredes ar-
e na cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva. teriais ocasionada pelas contrações cardíacas. É im-
portante ressaltar que sua medida deve estar presente
em qualquer exame clínico, independentemente da
idade do paciente, isso porque essa força representa
diretamente a qualidade de perfusão tecidual a que o
paciente é submetido. A maneira mais adequada e
Figura 3.25 – Representação gráfica do pulso
precisa para avaliar a pressão arterial é o uso de cate-
bisferiens ou bífido.
ter intra-arterial, que, por ser um método invasivo,
• Pulso arrítmico: pulso totalmente arrítmico torna-se inviável na prática diária, sendo reservado
e de intensidade variável, devido à variação somente a pacientes graves em estado de choque.
do tempo de enchimento ventricular na di- O uso do esfigmomanômetro é o método mais
ástole, como o que ocorre na fibrilação atrial. utilizado para a medida da PA, porém, por ser um
método indireto, tem uma probabilidade de erro
ObservaçÕES ClínicaS para mais ou para menos em torno de 8 mmHg
para as pressões sistólicas e diastólicas. Para a aferi-
• A desigualdade entre pulsos de artérias de mesmo
ção da pressão arterial, o paciente deve estar senta-
nome e simétricas pode sugerir obstrução local
ou regional de uma das artérias ou, ainda, anomalias do ou deitado, com o braço na altura do coração,
anatômicas congênitas. A obstrução aguda de uma ou, no caso de estar deitado, com o braço apoiado.
artéria por um trombo ou êmbolo, caracterizando Deve-se explicar o procedimento ao paciente e dei-
a insuficiência arterial aguda, apresenta as seguintes xá-lo em repouso por pelo menos 5 minutos em
características: ausência de pulso (é o sinal clínico ambiente calmo e certificar-se de que ele não está
mais importante); dor de forte intensidade com a bexiga cheia, não praticou exercícios físicos
que não melhora com analgésicos; diminuição da
há pelo menos 60 minutos, não ingeriu bebidas al-
temperatura e palidez do local de irrigação
da artéria; colabamento do sistema venoso coólicas, alimentos ou café nem fumou nos 30 mi-
superficial (pela ausência da chegada de sangue nutos anteriores.
no local e, com isso, ausência do retorno venoso); O manguito deve ser de tamanho adequado
e impotência funcional. para o paciente e insuflado e desinsuflado de modo
• A coarctação da aorta pode ser diagnosticada também que este não sinta dor.
a partir da simples avaliação dos pulsos, já que
É recomendável que a largura da bolsa de bor-
se observa nessa doença a ausência ou diminuição
da amplitude dos pulsos dos membros inferiores racha do manguito corresponda a 40% da circunfe-
enquanto os pulsos dos membros superiores estão rência do braço e seu comprimento envolva pelo
presentes ou até mesmo mais amplos. menos 80% do braço. Os valores da largura e do
• A ausência ou diminuição dos pulsos das artérias comprimento dos manguitos relacionados às faixas
pediosa e/ou tibial posterior em um mesmo membro etárias estão expostos na Tabela 3.2. Assim, a largu-
pode sugerir processo de aterosclerose nas artérias ra do manguito a ser utilizado dependerá da cir-
do membro, caracterizando uma insuficiência arterial
cunferência do braço do paciente.

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52 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Tabela 3.2 – Dimensões recomendadas da bolsa inflável do manguito


Circunferência Denominação Largura Comprimento
do braço (cm) do manguito da bolsa (cm) da bolsa (cm)
≤ 10 Recém-nascido 4 8
11-15 Criança 6 12
16-22 Infantil 9 18
20-26 Adulto pequeno 10 17
27-34 Adulto 12 23
35-45 Adulto grande 16 32
42-50 Coxa 20 42
Fonte: Adaptada de VI Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial 2010.

Observação Clínica •• fase IV – há alteração da intensidade dos


sons, havendo um abafamento;
• A utilização de um manguito menor que o ideal
pode aferir uma falsa hipertensão, ao passo que a de • fase V – representação da pressão diastólica,
um manguito maior pode demonstrar uma pressão com o desaparecimento dos sons.
arterial mais baixa que o real.
Observação Clínica
O manguito deve ser colocado 2 cm acima da • Hiato auscultatório é o período de silêncio que
fossa cubital (Figura 3.26). O uso da palpação do pul- ocorre entre as fases I e II, podendo gerar valores
so radial auxilia na insuflação do manguito, isso de PA sistólica inferiores ao real, principalmente
porque após o desaparecimento desse pulso deve-se se não realizado o método palpatório antes
da aferição da PA, ou valores de PA diastólica
insuflar o aparelho até atingir uma pressão de 20-30
superiores ao real.
mmHg acima. Logo após, com o início da desinsu-
flação é marcado como pressão sistólica o apareci-
mento do primeiro som, e como pressão diastólica Após a determinação dos valores de PA sistóli-
deve ser considerado quando há o desaparecimento ca e diastólica, o paciente deve ter sua PA classifica-
do som. da de acordo com a Tabela 3.3. Os valores da PA em
crianças serão descritos no capítulo “Propedêutica
Pediátrica”.

Tabela 3.3 – Classificação da pressão arterial


de acordo com a medida casual no consultório
para pacientes maiores de 18 anos
PAd PAs
(mmHg) (mmHg) Classificação
< 80 < 120 Ótima

Figura 3.26 – Local de aferição da pressão arterial. < 85 < 130 Normal
85-89 130-139 Limítrofe
Os sons de Korotkoff resultam da turbulência do
sangue dentro de uma artéria parcialmente ocluída. 90-99 140-159 Hipertensão estágio 1
São divididos em cinco fases, nem sempre distintos: 100-109 160-179 Hipertensão estágio 2
•• fase I – representa a pressão sistólica; o bati-
mento audível na artéria braquial; ≥ 110 ≥ 180 Hipertensão estágio 3
•• fase II – corresponde a um período de silêncio, < 90 ≥ 140 Hipertensão sistólica isolada
por existirem sons de muito baixa frequência; Fonte: Modificada de VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão
•• fase III – reaparecimento dos sons; Arterial 2010.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 53

A PA deve ser avaliada em uma primeira con- ObservaçõEs ClínicaS


sulta nas seguintes situações:
• A prova do laço é importante para a triagem do
•• nos dois braços – diferença entre a PA dos
paciente suspeito de dengue, pois pode ser a única
braços maior que 20 mmHg pode sugerir manifestação hemorrágica de casos complicados
processo obstrutivo arterial; ou de FHD, podendo representar a presença de
•• na perna – a variação da pressão arterial plaquetopenia ou de fragilidade capilar.
­entre o braço e a perna (braço > perna) pode • Desenhar um quadrado de 2,5 cm de lado
fornecer o diagnóstico de coarctação de (ou uma área ao redor do polegar) no antebraço
­aorta; da pessoa e verificar a PA (deitada ou sentada).
• Calcular o valor médio: (PAs + PAd).
•• deitado e em pé – inicialmente, deve-se me-
• Insuflar novamente o manguito até o valor médio
dir a PA do paciente após estar deitado por 5 e manter por 5 minutos (em crianças, 3 minutos)
minutos. A seguir, deve-se deixá-lo por 3 ou até o aparecimento das petéquias.
minutos em pé e medir novamente sua PA • Contar o número de petéquias no quadrado. A prova
nesta posição. É esperada uma variação de será positiva se houver mais de 20 petéquias em
até 20 mmHg na PA sistólica e até 10 mmHg adultos e 10 em crianças.
na PA diastólica quando comparadas às me-
didas da PA o paciente em pé e deitado. Se Pressão diferencial
essa diferença for maior, dá-se o diagnóstico Também conhecida como pressão de pulso,
de hipotensão postural, que pode ter como refere-se à diferença entre as pressões sistólica e
causas o uso de medicamentos (como al- diastólica, valor que, normalmente, encontra-se
guns diuréticos e α-metildopa) e as neuro- entre 30 e 60 mmHg. Pressão convergente é aquela
patias (secundárias a doenças como diabe- em que a pressão diferencial está diminuída, como
tes mellitus), sendo importante fator de nos casos de hipotensão arterial aguda, insuficiên-
risco para quedas, principalmente em pa- cia cardíaca grave, estenose aórtica, derrame peri-
cientes idosos; cárdico, pericardite constritiva e durante o sono. Já
• pelo menos mais uma vez em um outro mo- a pressão divergente é aquela em que a pressão dife-
mento da consulta – o paciente estará mais rencial está aumentada, situação vista no hiperti-
tranquilo e menos ansioso. reoidismo e na insuficiência aórtica (síndromes
hipercinéticas).
Nas consultas seguintes, o ideal é realizar duas
medidas, de preferência uma no início e uma no fi- Erros frequentes na medida da pressão arterial
nal da consulta e em dois locais diferentes.
1. Observador:
O diagnóstico de hipertensão arterial nunca
• não se deve repetir a aferição da PA sem in-
deve ser baseado em uma única medida isolada da
tervalo entre cada medida. Após a aferição, é
PA, sendo necessária a confirmação em pelo menos
preciso desinsuflar o manguito por comple-
mais duas aferições em dias diferentes, a não ser que
to e aguardar de 1 a 3 minutos caso seja ne-
a PA sistólica registre valor ≥ 180 mmHg e/ou PA
cessário realizar outra medida;
diastólica ≥ 110 mmHg, sendo indicação de trata-
• não colocar o manguito de maneira inade-
mento imediato.
quada. Quando frouxo, ele gera leitura de
Pressão arterial média (PAM) valor elevado;
Só pode ser obtida por métodos diretos, ou • não colocar o manguito em cima da roupa

seja, métodos invasivos, como a utilização de cate- do paciente ou arregaçar sua manga;
teres centrais; por isso, não se trata de uma medida • a determinação da pressão sistólica pelo mé-
de uso clínico diário, mas sim de uma utilizada em todo palpatório de pulso é extremamente
cirurgias e em unidade de terapia intensiva (UTI). importante; sua não realização pode dificul-
Uma forma aproximada para calcular a PAM é por tar o reconhecimento da fase I e a insuflação
meio da aferição indireta da PA sistólica (PAs) e da demasiada, causar desconforto ao paciente;
PA diastólica (PAd), pela seguinte fórmula: • não se devem aproximar os valores pressóri-
cos finais para 5 ou 0 (p. ex.: 120 × 85);
• caso a medida da PA entre os dois braços seja
PAM = (PAs + 2PAd)/3
maior que 15 mmHg, medir sempre a PA no

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54 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

membro em que estiver maior. Se a diferença • na posição deitada, quando existe ausência
for menor que 15 mmHg, mede-se sempre a de estímulo aos barorreceptores;
PA no braço direito; • nas primeiras horas da manhã, ao acordar.
• a desinsuflação do manguito deve ser em ve-
locidade constante, de 2 mmHg por segundo 2. Diminuição:
ou por batimento, para evitar congestão do • durante o sono, variação fisiológica de 20 a

braço, se muita lenta, ou detecção de pressão 40 mmHg na sistólica e de 10 a 15 mmHg na


sistólica elevada, se muito rápida; diastólica;
• a insuflação também tem de apresentar ve- • em pé, discretos redução da pressão sistólica

locidade constante, já que, se lenta, pode le- pelo estímulo dos barorreceptores e aumen-
var ao desconforto do paciente e a detectar to da pressão diastólica pelo aumento da re-
pressão diastólica muito alta. sistência vascular periférica.

2. Equipamento: Observações ClínicaS


• o equipamento deve ser calibrado de 6 em 6
• Alguns pacientes normalmente apresentam valores
meses até 1 ano e não deve apresentar defeitos;
mais altos da PA quando aferida na consulta pelo
• o estetoscópio não deve ser colocado sob o médico do que por outros profissionais da saúde em
manguito; outras situações. A essa falsa hipertensão dá-se o nome
• o tamanho do manguito precisa ser ideal de hipertensão do avental branco. Para minimizar
para o paciente. essa situação, pode-se avaliar a PA do paciente em
dois ou mais períodos diferentes: no início, no meio
3. Paciente. e no final da consulta, no intuito de diminuir sua
As seguintes situações podem alterar a pressão ansiedade e nervosismo. Alternativa é a utilização
arterial e devem ser detectadas no momento da da monitorização ambulatorial da pressão arterial
consulta: (MAPA), que avalia a PA do paciente ao longo das
24 horas.
• braço abaixo ou acima do nível do coração,
• Em idosos, devido a arteriosclerose, calcificação
gerando leitura de valor maior ou menor da e endurecimento das artérias, principalmente a
PA real, respectivamente; artéria braquial, podem ser obtidos valores de PA
• consumo de cigarro, café, bebida alcoólica no esfigmomanômetro maiores que os verdadeiros
ou qualquer substância pressórica (p. ex.: valores do paciente (sinal de Osler positivo), a assim
descongestionante nasal) na última hora an- denominada pseudo-hipertensão arterial.
tes da medida da PA; • Pressão arterial baixa é comum em alguns pacientes
– os valores apresentados como de pressão baixa
• atividade física até 60 minutos antes da afe-
serão normais para eles –, que não necessitarão de
rição da PA;
tratamento. A hipotensão e o choque geralmente
• estresse e bexiga cheia; aparecem em situações específicas associadas a
• dor de qualquer tipo; doenças graves, politraumatismo, arritmias cardíacas
• posição desconfortável do paciente; a falta e hemorragias. Em situações de emergência, a
de apoio para as costas ou oscilações das avaliação dos pulsos pode indicar o valor aproximado
pernas podem gerar aumento da PA; da PA do paciente. A ausência do pulso radial indica
PA sistólica menor do que 90 mmHg e a ausência do
• a calcificação das artérias gera valor da PA
pulso carotídeo, PA sistólica menor do que 60 mmHg.
elevado. A manobra de Osler consiste em in-
flar o manguito até acima do nível da pres-
são sistólica e palpar a artéria radial. Nos
Frequência respiratória (FR)
pacientes que apresentam calcificação vas- Medida pela contagem do número de movimen-
cular, a artéria permanece palpável (sinal de tos respiratórios que o paciente realiza – incursões
Osler positivo). diafragmáticas – em 1 minuto. Caso a expansibilida-
de pulmonar esteja diminuída, pode-se colocar a
mão sobre o tórax do paciente para facilitar a percep-
Variação fisiológica da pressão arterial ção dos movimentos respiratórios. É necessário que
1. Aumento: o paciente não perceba que se está avaliando a FR
• após as refeições, por aumento do débito para que não altere conscientemente o ritmo respira-
cardíaco e vasodilatação esplâncnica; tório. Um método para isso é, após avaliar o pulso

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 55

arterial do paciente, continuar mais 1 minuto na OBSERVAÇÃO CLÍNICA


mesma posição fingindo estar ainda avaliando a pul-
• Os calafrios (tremores musculares) ocorrem quando
sação, momento em que será avaliada a FR.
há necessidade de o organismo aumentar sua
A FR normal, eupneia, é de 16 a 20 incursões temperatura, sendo um dos principais mecanismos
por minuto. O aumento da FR (taquipneia) pode de produção de calor. A produção de hormônios,
ocorrer, por exemplo, em virtude de exercícios, es- como a tiroxina pela glândula tireoide, também
tados ansiosos, pneumonias, embolia pulmonar e aumenta a geração de calor em situações
febre. Já sua diminuição (bradipneia) pode, entre necessárias.
outras causas, ser resultada de hipotireoidismo e
bronquite crônica. • Perda de calor: dá-se principalmente pela
Depois da determinação da FR, deve ser defi- superfície corporal. O calor produzido no
nido o tipo respiratório do paciente (mais bem interior do corpo atinge a superfície corpo-
descrito no capítulo “Propedêutica do Aparelho ral por meio dos vasos sanguíneos (plexo
Respiratório”). vascular subcutâneo) e pode ser perdido
para o meio externo a partir de quatro me-
Temperatura canismos: irradiação (perda de calor sobre
Expressão numérica em graus Celsius, no Bra- a forma de raios térmicos – 60%); condu-
sil, da quantidade de calor de um corpo. A tempera- ção (perda de calor por contato com super-
tura pode ser dividida em interna e externa. A in- fície fria – 3%); convecção (perda de calor
terna, ou central, apresenta fisiologicamente uma pela troca de ar quente da superfície corpo-
variação de 0,6ºC para mais ou para menos, man- ral para o ambiente mais frio – 15%); e eva-
tendo-se constante mesmo em situações de frio e poração (perda de calor por meio da trans-
calor extremos. É somente a temperatura externa, formação da água do estado líquido para o
ou cutânea, que sofre variações conforme as condi- gasoso – 22%).
ções ambientais.
Essa temperatura quase constante decorre de
OBSERVAÇões CLÍNICAS
um mecanismo fisiológico complexo que pode ser
resumidamente representado por um equilíbrio en- • A sudorese, por meio do estímulo das glândulas
sudoríparas, e a vasodilatação vascular periférica
tre a produção e a perda de calor. Esse equilíbrio é
ocorrem quando há necessidade de se perder calor.
coordenado pelo centro termorregulador do siste-
Já a vasoconstrição vascular periférica acontece no
ma nervoso central: o termostato hipotalâmico. intuito de diminuir a perda de calor por convecção e
Nele, a temperatura corporal é regulada por meca- condução. A piloereção também diminui a perda de
nismos nervosos de retroalimentação. A partir da calor, já que retém o calor entre os pelos, diminuindo
integração dos estímulos de receptores periféricos a perda por convecção.
(da pele e da medula espinal) e centrais (dos neurô- • Além dessas medidas descritas, vale lembrar que há
nios termossensíveis especiais localizados na área medidas comportamentais de grande importância
pré-óptica do hipotálamo), originam-se estímulos frente a situações de necessidade de perda ou ganho
eferentes para produzir ou perder calor, descritos de calor, como procura ou fuga de luz solar, uso
anteriormente. de ventilador e ar-condicionado, seleção de roupas
(mais leves ou mais pesadas) e prática de atividade
Os mecanismos de produção e perda de calor e física.
sua regulação pelo termostato hipotalâmico serão
brevemente explicados a seguir.
• Produção de calor: a principal fonte de calor
Aferição da temperatura
do organismo é o metabolismo energético Em nosso meio, a temperatura corporal é ava-
total do corpo decorrente do metabolismo liada por uso de termômetro clínico graduado em
basal de todas as células do organismo. Em graus Celsius. São diversos os locais que podem ser
repouso, o fígado é o principal gerador de usados para medir a temperatura, como (Tabela
calor e, durante a atividade física, a princi- 3.4) axila (mais usado no Brasil), cavidade oral
pal fonte de calor se torna o metabolismo (mais usado nos países do hemisfério Norte), reto
dos músculos. O tecido adiposo atua como (feito nos casos de hipotermia), membrana timpâ-
isolante térmico impedindo a difusão de nica, artéria pulmonar, esôfago, nasofaringe, bexiga
calor para a superfície corporal. e vagina.

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56 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Tabela 3.4 – Oscilações normais da temperatura • Apesar de os termômetros de mercúrio te-


em graus Celsius nos diversos locais rem sido amplamente utilizados nos últimos
300 anos, questões ambientais e ocupacio-
Local Oscilações normais
nais vêm contribuído para que seu uso e
Axila 35,5 a 37 (média: 36 a 36,5) produção sejam desincentivados.
Boca 36 a 37,4 • Os termômetros mais utilizados na prática
clínica são os eletrônicos, cujo funcionamen-
Reto 36 a 37,5
to baseia-se em sensores elétricos localizados
Fonte: Adaptada de Porto, Semiologia Médica 2001. no bulbo.
No caso de a aferição ocorrer na axila, o termô- • O termômetro deve ser adequadamente limpo.
metro deve ser posto em íntimo contato com a pele, • O termômetro deve ser colocado adequada-
com o bulbo localizado na prega axilar, e não no mente no local, de acordo com as descrições
cavo/oco axilar. É preciso antes enxugar a axila, já supra.
que sua umidade, bem como o excesso de pelos,
pode alterar os valores da temperatura. Variações fisiológicas da temperatura
No caso da cavidade oral, o termômetro é colo- A temperatura corporal sofre variações ao longo
cado na região sublingual, necessitando de termô- do dia, apresentando ritmo circadiano: os menores
metros individuais, e não deve ocorrer após a inges- valores são obtidos de madrugada, das 2 às 4 horas, e
tão de alimentos quentes ou frios. Durante a medição, os maiores, no final da tarde, das 18 até 22 horas.
o paciente deve respirar somente pelo nariz, o que
dificulta o uso desse local em pacientes dispneicos ou
crianças pequenas. OBSERVAÇÃO CLÍNICA
A temperatura retal deve ser avaliada com um • A febre geralmente é detectada no final da tarde
termômetro especial (também individual), que será (picos febris vespertinos), tendo em vista que, nesse
posto na ampola retal do paciente. Esse método é horário, a temperatura corporal já está mais elevada,
pouco usado por ser incômodo e popularmente re- facilitando esse diagnóstico.
jeitado. Seu valor é normalmente 0,5ºC maior que o
valor da temperatura axilar. Além disso, a temperatura normalmente pode
A medida da temperatura na membrana tim- estar aumentada quando da prática de atividades
pânica também é utilizada e é o local que melhor físicas, do aumento da temperatura ambiente, após
mensura a temperatura central. as refeições e de estresse.
O tempo da aferição é variável em virtude da Na criança, a regulação da temperatura é mais
sensibilidade do termômetro utilizado, porém é co- lábil e, portanto, as variações causadas pela tempe-
mum que dure um tempo mínimo de 3 minutos. O ratura ambiental são maiores. Com isso, as crianças
ideal é que se utilizem dois locais, sendo um interno necessitam de maiores cuidados em situações de ex-
e outro externo, já que a relação de temperatura en- cesso de frio ou calor.
tre eles deve ser constante. Alterações dessa relação Nos idosos, há disfunção da termorregulação
podem sugerir alguns tipos de alterações orgânicas. em relação aos métodos de conservação de calor,
apresentando maior risco de hipotermia quando
OBSERVAÇÃO CLÍNICA em situações de frio excessivo. Além disso, a tem-
peratura basal dos idosos é mais baixa; com isso,
• Se a relação axilo-retal estiver alterada por aumento
da temperatura retal, pode-se pensar em processos
em casos onde há aumento da temperatura, como
inflamatórios abdominais e pélvicos, como apendicite, infecções, essa temperatura ainda pode estar abai-
anexite, pelveperitonite, etc. Essa alteração é xo dos valores patológicos. Pacientes com uremia,
conhecida como sinal de Lenander, em que a insuficiência hepática e desnutridos também apre-
temperatura retal é 1ºC maior que a axilar (sendo o sentam alterações na resposta febril, contudo para
valor normal de 0,5ºC). menos.
No ciclo menstrual, a temperatura corporal cai
24 a 36 horas antes da menstruação e se mantém
Observações da tomada de temperatura assim durante todo o período menstrual. Já durante
• O paciente deve estar em repouso, já que a ati- a ovulação, a temperatura (de 0,5ºC) aumenta,
vidade física aumenta a temperatura corporal. mantendo-se assim até a menstruação.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 57

Febre Síndrome febril


Distúrbio da termorregulação em que o limiar Além da elevação da temperatura, observam-se
térmico hipotalâmico – “set point hipotalâmico” – se os seguintes sinais e sintomas na febre: astenia, pele
encontra elevado, ou seja, o organismo utiliza seus quente e seca, boca seca, sede, inapetência, cefaleia,
mecanismos de conservação de calor com o intuito de taquicardia, taquipneia, taquisfigmia, sudorese, oli-
elevar a temperatura ao nível determinado pelo ter- gúria, dor no corpo, calafrios, náuseas, vômitos,
mostato. Com isso, mesmo com a temperatura maior delírio, confusão mental e até mesmo convulsões
que o normal, o paciente com febre sente-se com frio e (principalmente em recém-nascidos e crianças).
apresenta calafrios e palidez, por vasoconstrição, isso Em certas infecções (por Salmonella typhi, por
é, por mecanismos de produção e retenção de calor. exemplo), ocorre o fenômeno de Faget, que consiste
A febre é uma manifestação comum a diversas na dissociação do pulso e da temperatura, ou seja, a
doenças, como as infecciosas, traumáticas, neoplá- frequência do pulso não acompanha o aumento da
sicas, metabólicas e reações de hipersensibilidade. temperatura – aumentam-se 10 pulsações por mi-
As substâncias que causam a febre são chamadas de
nuto para cada grau de aumento da temperatura.
pirógenos, que podem ser secretados por bactérias
ou liberados dos tecidos em degeneração. Esses pi- Características da febre
rógenos, denominados exógenos, atuarão nos ma-
crófagos e neutrófilos fazendo ocorrer a liberação Durante a avaliação de um paciente com febre,
dos pirógenos endógenos, como as citocinas piro- devem ser pesquisadas as seguintes características:
gênicas – interleucina-1, fator de necrose tumoral, •• início – se brusco, principalmente em doen-

α1-interferon e interleucina-6 e -2 –, que liberarão, ças infecciosas, ou insidioso, sobretudo em


no sistema nervoso central, ácido araquidônico, doenças imunes ou tumores malignos. Per-
que será transformado posteriormente em prosta- guntar sobre o horário de início, a presença
glandinas, principalmente a prostaglandina E2, de calafrios e outros sintomas da síndrome
responsáveis por elevar o limiar térmico do centro febril ou se foi imperceptível;
termorregulador do hipotálamo (Figura 3.27). •• intensidade – perguntar se a febre foi aferida
(indicar os valores e o local de tomada) ou
OBSERVAÇÃO CLÍNICA não (Tabela 3.5);
•• duração – horas, dias, semanas ou até mes-
• O uso de anti-inflamatórios diminui a febre, já que
atua bloqueando a síntese de prostaglandinas a mo meses. A febre é considerada prolonga-
partir do ácido araquidônico. É por isso também que da quando presente por mais de 10 dias e
pacientes que não apresentam febre, ao usarem anti- pode ser causada, por exemplo, por tuber-
inflamatórios, não apresentam diminuição de sua culose, septicemia, malária, endocardite in-
temperatura, já que não possuem prostaglandinas no fecciosa, febre tifoide, colagenoses, linfomas
seu termostato hipotalâmico. ou pielonefrite;

sistema nervoso central


Pirógenos exógenos Macrófagos e neutrófilos

Ácido araquidônico

Pirógenos endógenos

Prostaglandinas

Febre
aumento da produção de calor aumento do “set point
Diminuição da perda de calor hipotalâmico”

Figura 3.27 – Figura esquemática da fisiopatologia da febre.

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58 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Tabela 3.5 – Classificação da febre a partir −− febre recorrente ou ondulante: períodos


da temperatura axilar de febre sem grandes oscilações alterna-
dos com períodos de apirexia que podem
Febre Temperatura axilar durar de dias a semanas. É observada no
Leve ou febrícula 37-37,5 linfoma de Hodgkin, outros linfomas e
na brucelose;
Moderada 37,5-38,5
−− febre invertida: febre com máxima am-
Alta ou elevada > 38,5 plitude pela manhã e mínima pela tarde.
Fonte: Adaptada de Porto, Semiologia Médica 2001. É observada no câncer de estômago e na
filariose.
•• término – se abrupto ou “em crise”, acom-
panhado de sudorese e prostração (como na
OBSERVAÇÕES CLÍNICAS
malária) ou se lentamente ou “em lise”, não
acompanhado de sintomas; • Febre de origem indeterminada (FOI) é a febre com
duração maior que 3 semanas, com temperatura axilar
•• modo de evolução – para avaliar o modo de
maior que 38,3ºC, cujo diagnóstico não é estabelecido
evolução, é necessário construir um quadro após 1 semana de investigação em regime hospitalar
ou gráfico térmico, que é o registro da tem- ou por mais de três consultas investigativas
peratura em uma tabela, dividida em dias e ambulatoriais.
horas. A temperatura deve ser mensurada 1 • Em crianças e idosos, a resposta febril geralmente
ou 2 vezes ao dia, ou de 4 em 4 ou de 6 em 6 é desproporcional à gravidade da infecção, ou seja,
horas dependendo do caso, e registrada no é possível haver crianças com elevadas temperaturas
gráfico. Os pontos dos valores das tempera- em infecções banais e idosos com febrícula ou sem
turas são a seguir unidos, formando a curva febre em processos inflamatórios graves.
térmica. A curva térmica é utilizada para • Febres de origem medicamentosa são geralmente
definir mais facilmente os tipos de evolução de tipo contínuo e o paciente se apresenta em bom
de febre: estado geral.
−− febre remitente: temperatura permanen-
temente elevada com variações de 0,3 a Hipertermia
1,4ºC, mas não há retorno aos valores Aumento da temperatura corporal por aumen-
normais – apirexia. Mais frequentemen- to da produção de calor ou diminuição de sua per-
te observada na septicemia, pneumonia da. O termostato hipotalâmico não está alterado.
e tuberculose; São exemplos: produção excessiva de calor em exer-
−− febre intermitente: temperatura elevada cício físico intenso; hipertireoidismo; e hiperter-
com quedas a níveis normais. A febre mia maligna – uma síndrome hipermetabólica de
causa desconhecida deflagrada por anestésicos ge-
pode ser cotidiana (febre de manhã e au-
rais, relaxantes musculares e estresse. As diferenças
sente à tarde), terçã (um dia com febre e
entre febre e hipertermia podem ser observadas no
um dia sem) ou quartã (um dia com fe-
Quadro 3.1.
bre e apirexia em dois dias). Costuma ser
observada na malária, nas infecções uri- Hipotermia
nárias, nos linfomas e nas septicemias; Diminuição da temperatura abaixo de 35ºC
−− febre contínua: temperatura permanen- na axila ou 36ºC no reto pela redução da produção
temente elevada com variações de até de calor ou aumento de sua perda. São exemplos:
0,3ºC. Pode ser observada na febre tifoi- situações de frio intenso; infecções graves; hipoti-
de e na pneumonia; reoidismo; choque; síncope; hemorragias graves;
−− febre hética, irregular ou séptica: febre coma diabético; politraumatismos; abuso de álco-
com grandes variações de temperatura ol e drogas ilícitas; e estágios terminais de muitas
ao longo do dia, maiores que 1,4ºC, com doenças.
ocorrência de picos muito altos interca- • Hipotermia leve (32 a 35ºC): palidez, va-
lados por períodos de temperaturas bai- soconstrição, tremores, aumento da PA e
xas ou períodos de apirexia. É observada taquicardia.
na septicemia, nos abscessos pulmona- • Hipotermia moderada (30 a 32ºC): rigidez
res, no empiema vesicular, na tuberculo- muscular, diminuição dos tremores, da PA
se e na fase inicial da malária; e da frequência cardíaca.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 59

QUADRO 3.1 – Diferenças entre febre e hipertermia


Características Febre Hipertermia
Definição Distúrbio da termorregulação em que o “set point Aumento da temperatura corporal por elevação da
hipotalâmico” está elevado produção de calor ou diminuição de sua perda
Mecanismos de O organismo utiliza seus mecanismos de O organismo utiliza seus mecanismos para perda de
compensação conservação de calor com o intuito de elevar a calor com o intuito de diminuir a temperatura ao
temperatura ao nível determinado pelo termostato nível determinado pelo termostato
Termostato hipotalâmico Está alterado; seu valor encontra-se elevado Não está alterado
Quadro clínico Frio; calafrios; palidez; vasoconstrição Sensação de calor; vasodilatação
Causas Infecciosas, traumáticas, neoplásicas, metabólicas Exercício físico intenso, hipertireoidismo, hipertermia
e reações de hipersensibilidade maligna (síndrome hipermetabólica de causa
desconhecida deflagrada por anestésicos gerais,
relaxantes musculares e estresse)

• Hipotermia grave (menor que 30ºC): res- Brevilíneo (pícnico – Kretschmer; endomorfo
postas comprometidas levando a um au- – Sheldon e Stevens)
mento da perda de calor, sonolência e coma. São características físicas (Figura 3.29):
• o segmento 2 é o maior;
Exame Físico Geral Qualitativo • os membros são curtos em relação ao tronco;
Tipo morfológico • o pescoço é curto e grosso;
O ser humano é classificado em três tipos • a musculatura é desenvolvida e o panículo
morfológicos ou biótipos, definidos basicamente adiposo, espesso;
pelas escolas de Kretschmer, Sheldon e Stevens, • o tórax é alargado por aumento do diâmetro
que levam em conta a conformação corporal e cer- anteroposterior, tendendo a cilíndrico;
tas características orgânicas. Essa divisão dos tipos • há diminuição dos espaços intercostais;
morfológicos relaciona a forma externa do corpo • o ângulo de Charpy é obtuso;
com a posição das vísceras, indicando variações
• estômago tende a ser hipertônico;
anatômicas como a posição do íctus cordis ou a
• o coração fica horizontalizado devido à po-
forma do estômago. Essa classificação se baseia na
sição alta do diafragma, simulando estar au-
relação dos três segmentos formados na divisão da
mentado de tamanho;
distância entre a fúrcula esternal e a sínfise púbica
• há tendência para baixa estatura.
(Figura 3.28), ou seja, entre a fúrcula e o apêndice
xifoide; entre o apêndice xifoide e o umbigo; e entre
o umbigo e a sínfise púbica.

Figura 3.28 – Segmentos formados na divisão da


distância entre a fúrcula esternal e a sínfise púbica: 1:
entre a fúrcula e o apêndice xifoide; 2: entre o apêndice Figura 3.29 – Brevilíneo.
xifoide e o umbigo; 3: entre o umbigo e a sínfise púbica. Fonte: Adaptada de Porto, Semiologia Médica, 2001.

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60 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Longilíneo (astênico – Kretschmer; ectoformo


– Sheldon e Stevens)
São características físicas (Figura 3.30):
• o segmento 1 é o maior;
• os membros são longos em relação ao tronco;
• pescoço é delgado e longo;
• a musculatura é delgada e o panículo adipo-
so, pouco desenvolvido;
• o tórax é alongado e estreito, principalmente
no diâmetro anteroposterior;
• há alargamento dos espaços intercostais;
• o ângulo de Charpy é agudo;
• estômago tende a ser atônico;
• o coração fica verticalizado em virtude da
posição baixa do diafragma;
• há tendência para estatura elevada.

Figura 3.31 – Normolíneo.


Fonte: Adaptada de Porto, Semiologia Médica 2001.

Displásico
Qualquer desproporção das medidas dos
segmentos.

Estado geral
Avaliação subjetiva do que aparenta o paciente
em sua totalidade. Pode ser descrito como bom, re-
gular ou mau estado geral. Para isso, é necessário
avaliar de maneira geral o estado nutricional do pa-
ciente, sua aparência e sua fácies e comparar a idade
aparente com a idade real.

Nível de consciência
A avalição da consciência, que deve ser inter-
pretada como o grau de vigília de um paciente, é
importante, já que perturbações geralmente indi-
cam sofrimento cerebral.
Figura 3.30 – Longilíneo.
Fonte: Adaptada de Porto, Semiologia Médica 2001.
No exame físico geral, deve ser avaliada a cons-
ciência vertical, que é a nitidez das vivências psíqui-
Normolíneo (atlético – Kretschmer; cas, ou seja, o próprio grau de vigília. A consciência
mesoformo – Sheldon e Stevens) pode estar preservada (consciente) ou rebaixada
(obnubilação, sonolência, torpor e coma). Confu-
Intermediário entre os outros dois tipos mor-
são mental diz respeito a qualquer grau de rebaixa-
fológicos, apresenta (Figura 3.31):
mento do nível de consciência com exceção do
• equilíbrio entre os membros e o tronco;
coma. Para avaliar a consciência vertical, pode ser
• desenvolvimento harmônico da musculatu- usada a escala de Glasgow, que será descrita no ca-
ra e do panículo adiposo; pítulo “Propedêutica Neurológica”. A consciência
• o ângulo de Charpy está em torno de 90º; horizontal será abordada no capítulo “Propedêutica
• o sistema neuromuscular é equilibrado. Psiquiátrica”.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 61

Fácies • Fácies de Hutchinson: presença de ptose pal-


Compreende o conjunto de sinais exibidos na pebral bilateral em virtude do acometimen-
face do paciente, resultante dos traços anatômicos e da to dos músculos elevadores das pálpebras em
expressão fisionômica, o que permite a avaliação ime- pacientes com miastenia grave e outras mio-
diata do seu estado emocional, intelectual e de saúde. patias. O paciente, no intuito de abrir os
Muitas vezes, somente a observação da face do pacien- olhos, acaba elevando o supercílio, franzin-
te pode indicar determinado diagnóstico, já que certas do a fronte e inclinando a cabeça para trás
doenças apresentam traços característicos no rosto. (Figura 3.33).
• Fácies acromegálica: aumento do volume da
face em relação ao crânio (aspecto agiganta-
do). Fácies presente em pacientes com acro-
megalia (aumento da produção do hormônio
de crescimento após o fechamento das epífi-
ses). Observam-se o aumento do nariz, dos
lábios, das orelhas, das arcadas supraorbitá-
rias, da região malar e do mento (Figura 3.32).

Figura 3.33 – Fácies de Hutchinson: paciente portadora


de miastenia grave apresentando ptose palpebral bilateral.

• Fácies hipertireóidea (basedowiana): presen-


ça de olhos salientes (exoftalmia) gerando
uma fisionomia de espanto e presença de bó-
cio (aumento do volume tireoidiano). Esse
tipo de fácies é encontrado em pacientes com
hipertireoidismo que apresentem a doença
de Basedow-Graves, uma doença autoimune
da tireoide (Figura 3.34).

Figura 3.32 – Fácies acromegálica: paciente com


acromegalia apresentando aumento do nariz, dos lábios,
da língua, das orelhas, das arcadas supraorbitárias, da
região malar e do mento. Observar ainda o aumento nas
mãos (extremidades).
Fonte: Gentilmente cedidas pelo Prof. Dr. Osmar Monte, Chefe da Figura 3.34 – Fácies hipertireóidea (basedowiana):
Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas paciente portadora de doença de Basedow-Graves
da Santa Casa de São Paulo. apresentando exoftalmia.

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62 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

• Fácies mixedematosa: tipo de fácies encon- • Fácies leonina: observada em pacientes com
trado em pacientes com hipotireoidismo. O hanseníase. As diversas alterações dão ao
paciente apresenta fácies apagada, sem ex- paciente aspecto de cara de leão. Observa-se
pressão (apatia). Observa-se infiltração do a presença de lepromas que deformam a fi-
tecido celular subcutâneo por edema geran- sionomia (nódulos de diversos tamanhos
do face arredondada, edema palpebral, no rosto deformando principalmente as bo-
acentuação dos sulcos faciais, nariz e lábios chechas e o mento), queda dos supercílios
grossos, supercílios escassos, pele e cabelos (madarose), barba escassa ou ausente, lá-
secos e sem brilho (Figura 3.35). bios proeminentes e grossos, pele espessa e
nariz alargado (Figura 3.37).

Figura 3.35 – Fácies mixedematosa: paciente com


hipotireoidismo apresentando fácies sem expressão
(apatia), face arredondada, acentuação dos sulcos faciais,
supercílios escassos, pele e cabelos secos e sem brilho.
Fonte: Gentilmente cedida pelo Prof. Dr. Osmar Monte, Chefe
Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo.

• Fácies cushingoide ou de lua cheia: presença


de face arredondada (moon face), rubor fa- Figura 3.37 – Fácies leonina: paciente
cial, acne e hirsutismo. Esse tipo de fácies é comhanseníase virchowiana apresentando lepromas
observado em pacientes portadores da sín- variados e confluentes (nódulos de diversos tamanhos no
drome de Cushing, por aumento dos níveis rosto deformando principalmente as bochechas
sérios de cortisol (Figura 3.36). e o mento), queda dos supercílios (madarose), pele
espessa, barba escassa ou ausente, lábios proeminentes e
grossos e nariz alargado.
Fonte: Gentilmente cedida pela Disciplina de Dermatologia
da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de São Paulo.

• Fácies esclerodérmica: observada em pa-


cientes com esclerodermia, sendo decor-
rente das alterações da pele no rosto – pele
endurecida, aderente aos planos profundos
e apergaminhada (fácies de múmia). Nesses
pacientes, observam-se fácies inexpressiva,
Figura 3.36 – Fácies cushingoide ou de lua cheia: nariz fino, afilamento e repuxamento dos
paciente portadora da síndrome de Cushing por uso lábios. Com o tempo, esses pacientes tor-
exógeno de cortisol. Nota-se a presença de face
nam-se incapazes de abrir completamente
arredondada (moon face), rubor facial, acne e hirsutismo.
Fonte: Gentilmente cedida pelo Prof. Dr. Osmar Monte, Chefe a boca (microstomia) e os dentes costu-
Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas mam ficar para fora quando de boca fecha-
da Santa Casa de São Paulo. da (Figura 3.38).

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 63

ainda estar presentes pele gordurosa, sialor-


reia, voz baixa e monótona.
• Fácies adenoidiana: observada em pacientes
com hipertrofia das adenoides dificultando
a respiração pelo nariz. Com isso, esses pa-
cientes apresentam nariz fino e pequeno,
boca entreaberta com os dentes à mostra e
lábio inferior pendente.

Atitude
Definida como o modo pelo qual o paciente se
apresenta ao exame, no leito ou fora dele, por como-
didade, hábito ou com o objetivo de conseguir alí-
vio para algum padecimento. As atitudes podem ser
voluntárias ou involuntárias.

Atitudes voluntárias
• Atitude ativa indiferente ou preferencial: pa-
ciente não apresenta desconforto em qualquer
posição.
• Atitude ativa forçada: posições adotadas pe-
Figura 3.38 – Fácies esclerodérmica: paciente com los pacientes para que se sintam melhores:
esclerodermia difusa apresentando fácies inexpressiva, −− atitude ortopneica: adotada para aliviar
afilamento e repuxamento dos lábios, incapacidade a falta de ar decorrente de insuficiência
de abrir toda a boca (microstomia) nariz fino, pele cardíaca, asma e ascites volumosas. O
endurecida e aderente aos planos profundos. paciente fica recostado ou sentado à bei-
Fonte: Gentilmente cedida pela Disciplina de Dermatologia da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
ra da cama, com os pés no chão e com
os braços apoiados no espaldar de uma
• Fácies hipocrática: presente em pacientes cadeira no intuito de melhorar a disp-
com doença grave em estados agônicos. Ob- neia. Nos casos mais graves, os pacien-
servam-se afilamento dos traços faciais, na- tes ficam deitados na cama recostando
riz e lábios finos, palidez, suor constante, o tórax com a ajuda de travesseiros, no
cianose discreta perilabial, olhos fundos, intuito de deixá-lo mais ereto;
imóveis, opacos e inexpressivos, parecendo −− atitude genupeitoral ou de prece maome-
tana: adotada na pancreatite e nos casos
que o paciente não tem mais contato com o
de derrame pericárdico para facilitar o
meio externo.
enchimento do coração. O paciente fica
• Fácies renal: presença de edema em região ajoelhado com o tronco fletido sobre as
periorbital associada a palidez em pacientes coxas, ao passo que a face anterior do tó-
com comprometimento renal (mais deta- rax e o rosto, sobre as mãos, põem-se em
lhes serão descritos a seguir no item de ava- contato com o chão (Figura 3.39);
liação do edema – Figura 3.48).
• Fácies de demência: presente em pacientes
com síndrome demencial (p. ex.: doença de
Alzheimer), caracterizada por mímica po-
bre, lábios entreabertos e olhar vago para o
infinito.
• Fácies parkinsoniana: presente em quadros
de parkinsonismo (p. ex.: na doença de Pa-
rkinson), caracterizada por hipomimia
(mímica pobre) – fácies fixa, imóvel, inex-
pressiva, fronte enrugada, cabeça para a Figura 3.39 – Atitude genupeitoral ou de prece
frente, pouca mobilidade palpebral. Podem maometana.

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64 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

−− atitude de cócoras: adotada por crianças Marcha


com cardiopatias congênitas cianóticas, A avaliação da marcha deve ser observada des-
aliviando a hipóxia generalizada ao di- de a entrada do paciente no local da consulta. Essa
minuir o retorno venoso para o coração; avaliação é de grande importância, já que alterações
−− atitude parkinsoniana: adotada por pa- na marcha podem indicar, por exemplo, afecções
cientes com a doença de Parkinson, con- neurológicas.
siste na semiflexão da cabeça, do tronco A marcha deve ser avaliada com o paciente des-
e dos membros inferiores quando de pé calço, desnudo (de calção), caminhando a certa dis-
e, ao caminhar, parece estar buscando o tância – inicialmente com os olhos abertos e, de-
seu eixo de gravidade; pois, fechados –, indo e voltando. O observador
−− atitude em decúbito lateral: adotada deve avaliar a marcha tanto de frente quanto de
por pacientes com dor de origem pleu- perfil. Durante a marcha, devem-se observar, além
rítica reduzindo a movimentação dos das fases (fases de apoio e sem apoio), o balanço dos
folhetos pleurais e a dor do lado sobre membros superiores, a flexibilidade e simetria do
o qual repousa; tronco, o comprimento dos membros inferiores e a
−− atitude em decúbito dorsal: adotada em função do quadril, joelho e pé. A marcha normal
processos inflamatórios pelviperitone- deve manter o equilíbrio do corpo com movimen-
ais, consiste na flexão das pernas sobre tos sinérgicos, isométricos e diadococinésicos (con-
as coxas e estas sobre a bacia; tínuos, apostos, rápidos e complexos).
−− atitude em decúbito ventral: adotada na A marcha pode ser dividida em duas fases
cólica intestinal, podendo o paciente, de (Figura 3.40):
bruços, utilizar ou não um travesseiro 1. Fase de apoio:
debaixo do ventre; • ataque;

−− atitude em decúbito com variados graus de • carga total;


flexão da coluna: adotada nas lombalgias. • impulso ou aceleração.
2. Fase de balanço:
Atitudes involuntárias • aceleração;
• balanço propriamente dito;
• Atitude passiva: ocorre nos pacientes em
• desaceleração.
coma ou inconscientes. O paciente fica na
posição em que é posto no leito com a au-
sência de contração muscular. ataque ao solo Carga monopodal Impulso ou aceleração
• Ortótono: corpo reto, rígido e estirado.
• Opistótono: adotado na meningite e no té-
tano. O corpo fica vergado para trás, em
forma de arco.
• Emprostótono: adotado na meningite, no
tétano e na raiva. O corpo forma concavi-
dade voltada para diante, apresentando ca-
beça fletida, joelhos fletidos para cima en-
costando no peito (contrário do opistótono).
• Pleuróstono: adotado na meningite, na raiva balanço Desaceleração
aceleração
e no tétano. O corpo se curva para um dos propriamente dito
lados.
FIGURA 3.40 – Fases da marcha: fases de apoio
• Atitude meníngica (ou em gatilho): adotada (ataque, carga e impulso) e de balanço (aceleração,
na irritação meníngea, consiste na hiperex- balanço propriamente dito e desaceleração).
tensão da cabeça, na flexão das pernas sobre
as coxas e no encurvamento do tronco com É necessário, portanto, no exame físico geral do
a concavidade para adiante. paciente detectar a presença de claudicação (qual-
• Atitudes de segmentos do corpo: têm-se quer alteração na marcha). Os principais tipos de
como exemplos o torcicolo e a mão pêndula marcha serão descritos no capítulo “Propedêutica
da paralisia radial. Neurológica”.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 65

Palidez rese fria, é sinal de mau prognóstico pela vasopara-


Caracteriza-se por diminuição ou desapareci- lisia de todo o sistema circulatório.
mento da cor rósea (descoramento) da pele e das Icterícia
mucosas. O grau de palidez é avaliado a partir da
observação de toda a superfície corporal, principal- Coloração amarelada da pele e mucosas resul-
mente nas regiões palmoplantares e na face, da mu- tante do acúmulo de bilirrubina no sangue. Pode
ser generalizada ou, no início, somente ser detecta-
cosa palpebral, das conjuntivas e da mucosa oral, já
da na mucosa conjuntival ocular, no ângulo pálpe-
que são as regiões menos afetadas nas alterações da
bro-ocular. A icterícia dá-se quando a dosagem
coloração da pele. As linhas das palmas das mãos
plasmática de bilirrubina ultrapassa 2 mg/100 mL,
normalmente são róseas e tornam-se pálidas quan-
ocorrendo então a impregnação de tecidos ricos em
do existe redução da hemoglobina inferior a 7 g%.
elastina, como (em ordem decrescente): conjuntiva
O enchimento da microcirculação que traduz o ocular, derme, mucosas, íntima dos vasos e vísceras.
fluxo sanguíneo é avaliado a partir de compressão
Sua avaliação é feita, portanto, na observação
digital no leito ungueal, na polpa digital ou no lobo
da conjuntiva ocular, região sublingual, freio lin-
da orelha, observando o tempo de retorno à cor
gual e pele em luz natural, principalmente nas fases
normal da pele (em média de 1 segundo). A volta da iniciais. O paciente é denominado anictérico (au-
coloração da pele é mais lenta nos pacientes em cho- sência de icterícia) ou ictérico, sendo este classifica-
que, apresentando grande valor clínico. do em cruzes, 1+ a 4+, de acordo com a intensidade
Diversos fatores dificultam a avaliação da pali- (Figura 3.41). Quando a icterícia é muito intensa e
dez: indivíduos com pele negra; doenças que alte- prolongada, como nas icterícias obstrutivas, a pele
ram a coloração natural da pele, como na doença de pode apresentar coloração esverdeada devido à oxi-
Addison; e peles espessas, como na esclerose pro- dação da bilirrubina em biliverdina.
gressiva sistêmica. O paciente deve ser examinado
em local com iluminação adequada para melhor
visualização da coloração da pele.
A palidez pode ser classificada em cruzes de
acordo com gravidade, de 1 + a 4+, sendo o pacien-
te normal denominado corado. Porém, o que se ob-
serva hoje é uma maior tendência em somente veri-
ficar se o paciente está corado ou descorado.
A palidez pode ser localizada e segmentar,
quando observada apenas em área restrita, ou gene-
ralizada, quando observada em toda a pele e muco-
sas. Como exemplos de palidez localizada, têm-se
os quadros isquêmicos – obstrução de artéria com
palidez no segmento posterior à obstrução.
Já a palidez generalizada ocorre nos casos em que Figura 3.41 – Paciente com icterícia.
há diminuição do número de hemácias circulantes na Fonte: Gentilmente cedida pela Clínica de Dermatologia
microcirculação cutânea e subcutânea. Isso acontece do Departamento de Medicina da Irmandade da Santa
Casa de Misericórdia.
nos casos de diminuição da hemoglobina – anemias
– e de vasoconstrição generalizada, como estado nau- Algumas situações – as pseudoicterícias – po-
seoso, medo, colapso, intoxicação, crises dolorosas in- dem fazer a pele do paciente ficar amarelada tam-
tensas, crises do feocromocitoma e choque. bém e, portanto, devem ser sempre investigadas.
No choque, inicialmente ocorre vasoconstri- Deve-se perguntar ao paciente em suspeita de icte-
ção com palidez cutânea. Porém, com a evolução do rícia sobre o uso de medicamentos, sintomas do hi-
quadro pela permanência dos fatores patogênicos, potireoidismo e uso excessivo de alimentos ricos
em algumas regiões se dá vasodilatação seguida de em carotenos (hiperbetacarotemia), como cenoura,
vasoparalisia. Essas regiões apresentam aspecto mamão, abóbora, manga, tomate e vegetais de fo-
vermelho arroxeado e estão intercaladas com regi- lhas verde-escuras. Nas pseudoicterícias, a conjun-
ões com aspecto marmóreo branco. Esse fenômeno, tiva ocular e a região sublingual estão normais e a
chamado de cutis marmorata, se associado a sudo- coloração amarelada se dá basicamente nas palmas

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66 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

das mãos e nas plantas dos pés. Os idosos ou indiví- metabolismo da bilirrubina (figura 3.42)
duos de pele negra podem apresentar normalmente Quando envelhecidas, as hemácias são capta-
a conjuntiva ocular acastanhada por depósito de li- das principalmente pelo baço, e o heme, presente na
poproteínas ou pela presença aumentada de mela- hemoglobina, é metabolizado formando a bilirru-
noblastos. Porém, esses pigmentos somente estão na bina a partir de diversas reações enzimáticas com-
faixa da conjuntiva que fica exposta com a abertura plexas. O anel do heme ou ferroprotoporfirina sofre
dos olhos, diferentemente da icterícia. Deve-se, ação da heme-oxigenase em sua ponte metano dan-
portanto, avaliar as regiões não expostas da conjun- do origem à biliverdina. A seguir, a biliverdina-re-
tiva ocular no diagnóstico de icterícia. Na insufici- dutase catalisa a formação da bilirrubina não con-
ência renal crônica em estágio final, também estão jugada ou indireta. A bilirrubina indireta se une à
presentes pigmentos castanhos na conjuntiva ocu- albumina, já que é insolúvel em água, e é transpor-
lar e o paciente apresenta coloração amarelo-palha. tada para o fígado.
A coloração amarelada pode durar por dias No fígado, a bilirrubina indireta é captada e
mesmo após o nível sérico estar abaixo de 2 mg/100 conjugada em sua maior parte com o ácido glicurô-
mL. Isso ocorre porque a bilirrubina continua liga- nico, formando a bilirrubina conjugada; a direta é
da por mais tempo às proteínas do tecido conjunti- secretada para os canalículos biliares e, a seguir, para
vo do que à albumina. o intestino delgado.

Baço
globina
Heme

biliverdina

Circulação
Hemácias bilirrubina indireta albumina
(hemoglobina)

rim Conjugação com Fígado via biliar


ácido glicurônico
urobilinogênio
bilirrubina direta

urobilinogênio
Circulação êntero-hepática
urina urobilina 20%

Intestino

fezes estercobilina urobilinogênio bilirrubina direta


80%

Figura 3.42 – Esquema do metabolismo da bilirrubina.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 67

No intestino delgado, ocorre a transformação biliares: icterícias induzidas por medicamen-


pelas bactérias intestinais da bilirrubina direta em tos, por exemplo, anabolizantes.
urobilinogênio. Do urobilinogênio, 80% é excretado 5. Obstrução das vias biliares extra-hepáticas: co-
nas fezes como estercobilina e 20% é reabsorvido lecolitíase, neoplasia da cabeça do pâncreas e
pelo tubo digestivo indo para o fígado novamente, das vias biliares.
constituindo a circulação êntero-hepática do urobi- No Quadro 3.2, há um resumo do quadro clí-
linogênio. Cerca de 5% do urobilinogênio reabsorvi- nico das principais síndromes ictéricas.
do é excretado pela urina sob a forma de urobilina.
Cerca de 10% da bilirrubina se origina de outras OBSERVAÇÕES CLÍNICAS
fontes, como a mioglobina e as enzimas da cadeia
respiratória. O volume normal secretado de bile dia- • Nas icterícias por bilirrubina indireta, a coloração do
paciente não é acentuada, geralmente sendo percebida
riamente é de 500 a 1.000 mL.
somente na conjuntiva ocular. Por ser lipossolúvel,
Principais tipos de icterícia tem afinidade por tecido nervoso, podendo provocar
kernicterus no recém-nascido por impregnação dos
1. Aumento da oferta de bilirrubina indireta: núcleos da base.
anemias hemolíticas. • Nas icterícias por bilirrubina direta, por ser hidrossolúvel,
2. Déficit na captação pelo hepatócito da bilirru- ocorre a penetração facilitada da bilirrubina no tecido
bina indireta: doença de Gilbert. conjuntivo, sendo mais acentuada a coloração amarela
3. Dificuldade no metabolismo da bilirrubina den- quando comparada com a icterícia por bilirrubina
tro do hepatócito: cirrose hepática e hepatites. indireta. Todos os líquidos orgânicos podem conter
4. Má excreção da bilirrubina conjugada pelo bilirrubina, como líquido pleural, ascítico, lágrimas, líquido
polo excretor do hepatócito e pelos canalículos cerebrospinal, urina, esperma, suor e líquido sinovial.

QUADRO 3.2 – Quadro clínico das principais síndromes ictéricas


tipo bilirrubina mecanismo quadro clínico
Anemias Indireta Aumento da oferta de bilirrubina indireta Como a bilirrubina indireta não é filtrada pelos rins,
hemolíticas não totalmente metabolizada pelo a urina desses pacientes apresenta coloração normal
hepatócito; os níveis de bilirrubina (ausência de bilirrubinúria). O urobilinogênio está
indireta aumentam no plasma elevado nas fezes e na urina pelo aumento que ocorre
na captação, conjugação e excreção da bilirrubina até
o limite máximo do hepatócito. Outros sinais são
a esplenomegalia e as mucosas descoradas
Hepatopatias Direta Alteração do mecanismo de secreção A bilirrubina direta, por ser filtrada pelos rins, acaba
da bile pelo hepatócito, embora a ocasionando colúria, caracterizado como urina em cor
bilirrubina indireta também esteja de Coca-Cola. O urobilinogênio, mesmo apresentando
aumentada por alteração do metabolismo alterado, está presente nas fezes e na
metabolismo hepático urina. Outros sinais presentes nas hepatopatias são
hepatomegalia e os sinais de insuficiência hepática,
como atrofia de pelos e testículos, equimoses, aranhas
vasculares, também denominadas spiders, eritema
palmar (Figura 3.43), ginecomastia, edema e ascite
Icterícias Direta Ocorre obstrução à saída de bile Não ocorre a formação de urobilinogênio na urina e nas
obstrutivas fezes, o que gera fezes acólicas ou em cor de massa
de vidraceiro. O aumento da bilirrubina direta no plasma
gerará colúria. Ocorrerá também a deposição dos sais
biliares não eliminados na pele, causando prurido
intenso. Se a obstrução das vias biliares for ao nível
do colédoco, observa-se aumento da vesícula biliar,
evidenciando o sinal de Courvoisier-Terrier: vesícula
palpável, indolor de consistência elástica em paciente
ictérico (sinal sugestivo de neoplasia periampolar)

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68 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

alterações que ocorrem em diferentes pontos desse


ciclo é que gerarão os diferentes tipos de cianose,
descritos a seguir.

Cianose central
Quando ocorre oxigenação inadequada do san-
gue arterial (dessaturação aumentada no sangue ar-
terial) e os tecidos apresentam consumo de oxigênio
normal. A cianose central se dá em três situações:
1. diminuição da tensão de oxigênio do ar inspi-
rado – situação que acontece nas grandes alti-
tudes. A diminuição da oxigenação da hemo-
globina ocorre pela diminuição da saturação
de oxigênio do ar;
2. hipoventilação – o ar inspirado não chega em
quantidade suficiente para que haja a hemato-
Figura 3.43 – Eritema palmar em paciente com se. São exemplos desse mecanismo:
insuficiência hepática.
•• respiração rápida e superficial – processos
Fonte: Gentilmente cedida pela Dra. Adriana Zuolo Coppini, Médica
primeira assistente do serviço de transplantes dos Departamentos dolorosos do tórax, ascites volumosas,
de Cirurgia e de Medicina da Santa Casa de São Paulo. pneumonias e bronquites;
•• obstrução das vias respiratórias – estenose
Cianose da laringe, traqueia, brônquios, difteria, tu-
Coloração azulada ou arroxeada da pele e das mores, compressão por tumores ou aneu-
mucosas que ocorre sempre que houver aumento da rismas, broncoespasmo na asma e edema de
hemoglobina reduzida – a hemoglobina não ligada glote;
ao oxigênio – em valores superiores a 5 g/100 mL. •• diminuição da superfície respiratória – ede-
É avaliada principalmente nas áreas onde há ma de pulmão, pneumonia, broncopneu-
maior rede capilar, como lábios, ponta do nariz, lín- monia e grandes derrames pleurais;
gua, região sublingual (avaliar essa região nos indi- • diminuição da expansão respiratória – enfi-
víduos de pele negra), eminências malares, lobos sema pulmonar, fibrose pulmonar difusa e
das orelhas, leitos ungueais e polpas digitais. A cia- paralisias do diafragma e dos músculos res-
nose pode ser localizada, quando limitada a deter- piratórios.
minada região ou exclusivamente de extremidades,
ou generalizada, quando toda a superfície cutânea e Em todos esses casos, a oxigenoterapia é efi-
mucosas tornam-se azuladas. ciente, melhorando a cianose.
O paciente será classificado em acianótico (au- 3. curto circuito venoarterial (shunt) – ocorre nas
sência de cianose) ou cianótico, podendo este últi- cardiopatias congênitas em que o sangue veno-
mo ser classificado em cruzes, 1+ a 4+, de acordo so passa diretamente do coração direito para o
com sua intensidade. esquerdo, sem ser oxigenado pelos pulmões (p.
Alguns fatores interferem na avaliação da cia- ex.: tetralogia de Fallot). A cianose por curto
nose, como a pigmentação cutânea e a espessura da circuito também ocorre nos casos em que os
pele. alvéolos estejam obstruídos por líquido, como
na pneumonia ou no edema. O sangue, com
Tipos de cianose isso, não será oxigenado nos alvéolos e sairá
Após passar pelos pulmões, 95% da hemoglo- dos pulmões da mesma maneira que entrou. As
bina está saturada, ou seja, combinada com oxigê- cianoses por curto circuito, portanto, não me-
nio na forma de oxi-hemoglobina. A oxi-hemoglo- lhoram com oxigenoterapia.
bina no sistema capilar sistêmico perde seu oxigênio
para os tecidos, dessaturando-se para a forma de Cianose periférica
hemoglobina reduzida e voltando pelo sistema ve- O sangue chega suficientemente oxigenado aos
noso aos pulmões para receber mais oxigênio. As capilares, porém a circulação capilar está lentificada,

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 69

ou por redução do débito cardíaco ou por vasocons- cianose por alteração da hemoglobina
trição, ocorrendo perda exagerada de oxigênio na Quando há alterações estruturais, adquiridas
rede capilar. A cianose periférica ocorre em quatro ou genéticas da hemoglobina que impedem sua fi-
situações: xação ao oxigênio.
1. aumento local da pressão venosa – ocorre nas • Meta-hemoglobinemia: idiopática, fami-
ligaduras dos vasos de membros, nas compres- liar, intoxicação exógena por nitritos, fena-
sões venosas por linfonodos ou tumores e nas cetina, anilinas e brometo de metila.
compressões venosas mediastínicas; • Sulfo-hemoglobinemia: intoxicação por
2. aumento geral da pressão venosa – como ocor- sulfas, principalmente a sulfanilamina.
re na insuficiência cardíaca congestiva em vir-
tude da estase venosa na circulação; A oxigenoterapia melhora a cianose nesses
3. obstrução na circulação por oclusão – com- casos.
pressão de tronco venoso ou flebite (inflama-
ção de veias). Se a obstrução ocorrer no me-
diastino, haverá cianose na cabeça, no pescoço
e na parte superior do tórax;
4. transtornos vasomotores – como exemplo,
tem-se o fenômeno de Raynaud, no qual
ocorre, em uma primeira fase, a rápida dimi-
nuição orgânica ou funcional do calibre de
arteríolas digitais, com queda da pressão e di-
minuição da velocidade sanguínea capilar ge-
rando palidez. Em uma segunda fase, ocorre o
fim desse vasoespasmo arteriolar seguido de
espasmo das veias e vênulas, gerando acúmulo
de hemoglobina reduzida, gerando cianose
em um ou mais dedos. Por fim, em uma ter-
ceira fase, ocorre também o desaparecimento
desse espasmo venular, surgindo vasodilata-
ção arterial, o que deixando a pele ruborizada.
Esse fenômeno pode ser desencadeado pelo
frio e por alterações emocionais ou presentes
em arteriopatias, doenças do tecido conjunti-
vo e do sistema nervoso, afecções hematológi-
cas, compressão neurovascular cervicobra-
quial, traumatismos neurovasculares e em
intoxicações exógenas por metais pesados e
ergot (Figura 3.44).

Em todos os casos anteriores, a oxigenoterapia


não melhora a cianose.

Cianose mista
Ocorre quando há associação dos mecanismos
responsáveis pelas cianoses central e periférica, sen-
do o tipo mais comum de cianose. Como exemplo,
tem-se a insuficiência cardíaca congestiva grave, na
qual ocorrem congestão pulmonar, diminuindo a
oxigenação sanguínea (mecanismo central), e esta- FIGURA 3.44 – Fenômeno de Raynaud: observam-se
se venosa periférica com perda aumentada de oxigê- regiões dos dedos com palidez, cianose e rubor.
nio (mecanismo periférico) (Quadro 3.3). Fonte: Gentilmente cedidas pela Dra. Valquíria Garcia Dinis.

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70 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

quadro 3.3 – Diferenças práticas entre as cianoses central e periférica


CARACTERÍSTICAS
DIFERENCIADORAS CIANOSE CENTRAL CIANOSE PERIFÉRICA
Generalizada Generalizada ou segmentar
Extensão Observação: Cianose segmentar é sempre periférica. Se for generalizada, pode ser central,
periférica ou por alteração da hemoglobina
Temperatura da região Temperatura conservada, as unhas estão azuladas, Diminuição da temperatura consequente à estase
cianótica em “vidro de relógio” e os dedos são hipocráticos sanguínea e as unhas apresentam-se pálidas
Compressão digital Volta imediata da cor cianótica após a compressão Volta à cor avermelhada após a compressão
e, somente depois, torna-se cianótica
Elevação do membro Não se altera Diminui por aumento do retorno venoso
cianótico e diminuição da estase
Prova do banho quente* Não se altera Diminui, pois o calor ativa a circulação arteriocapilar
Eficaz (exceção: cianose central por curto circuito) Sem influência
Oxigenoterapia
Observação: Também eficaz nas cianoses por alteração da hemoglobina
*Coloca-se o membro cianótico em água quente a aproximadamente 40 a 50ºC durante 10 minutos.

Estado de hidratação subdividido em cruzes (1+ a 4+) de acordo com gravi-


O estado de hidratação de um paciente depen- dade. Um paciente hidratado apresenta as mucosas
de do equilíbrio entre a oferta adequada de água e úmidas e a pele rósea, elástica e levemente úmida.
eletrólitos, de acordo com a necessidade, e a sua Nos estados de desidratação, em que ocorre a di-
perda, como ocorre nos casos de diarreia, vômitos, minuição de água e eletrólitos do corpo, observa-se,
febre, taquipneia e sudorese excessiva. dependendo do grau de desidratação, que as mucosas
Sua avaliação é feita a partir da observação da estão secas, há diminuição da umidade, da elastici-
umidade das mucosas, principalmente lingual e dade e do turgor da pele, perda rápida de peso, enof-
oral, e do turgor, elasticidade e umidade da pele (Fi- talmia (olhos encovados), mau ou regular estado ge-
gura 3.45). A avaliação do peso também é impor- ral, excitação psíquica ou abatimento, oligúria,
tante, já que alterações abruptas podem sugerir es- frequência cardíaca aumentada, pulsos finos, respi-
tado de desidratação. Pode ainda ser avaliada nas ração profunda, ausência de lágrimas, diminuição
fontanelas (em crianças), pela localização dos olhos do enchimento capilar e extremidades frias.
nas órbitas e no estado geral do paciente. De acordo com a intensidade, a partir da perda
de peso observada, a desidratação pode ser classifi-
cada em:
•• leve ou 1º grau – perda de até 5% do peso
corporal;
•• moderada ou 2º grau – perda de 5 a 10% do
peso corporal;
•• grave ou 3º grau – perda maior que 10% do
peso corporal.

OBSERVAÇÕES CLÍNICAS
• Nos idosos: a hidratação é mais vem avaliada no
turgor da pele da região frontal, já que, normalmente,
Figura 3.45 – Avaliação do turgor da pele: o retorno esses pacientes apresentam diminuição do turgor da
da pele à posição original deve ser de imediato. pele e boca seca. A desidratação também pode ser
percebida, nos idosos, pelos seguintes sinais: fraqueza
Os pacientes podem ser classificados como hidra- muscular; dificuldade na fala; confusão mental;
tados ou desidratados, podendo este último caso ser prostração; e retração no globo ocular.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 71

• Nos adultos: em estado de plena consciência, não O edema pode ser localizado quando restrito a um
apresentando perdas excessivas de líquidos e com território vascular – edema decorrente da obstru-
livre acesso à água dificilmente os adultos estarão ção do fluxo venoso ou linfático – ou generaliza-
desidratados. do, ocorrendo em todos os leitos vasculares, po-
• Nas crianças: como dito anteriormente, a avaliação dendo clinicamente ser visto em um ou mais
da hidratação nas crianças pode ser feita a partir segmentos corporais – edema decorrente de causa
da palpação das fontanelas. Em crianças hidratadas, sistêmica. As regiões do corpo onde comumente
as fontanelas são planas e normotensas e o ganho avalia-se o edema são os membros inferiores (onde
ponderal é normal. Já nas desidratadas, observa-se se localiza mais frequentemente), a face (princi-
que as fontanelas estão deprimidas, há alteração palmente região subpalpebral) e a região sacral
do peso, perda do sorriso social e da comunicação. (principalmente nos pacientes acamados, recém-
Muitas vezes, a desidratação ocorre em recém-
-nascidos e lactentes).
nascidos não pela perda excessiva de líquidos, e sim
pela diminuição da oferta quando as mães não são A intensidade, a consistência e a elasticidade
devidamente orientadas. do edema são avaliadas pela compressão sustenta-
• Já nos casos em que há hiperidratação, os pacientes da com o indicador ou polegar contra estruturas
apresentam edemas em diversas localizações. ósseas, como a tíbia, o sacro e os ossos da face.
Geralmente, ocorre nos pacientes que estão recebendo Após a retirada do dedo, observa-se depressão (fó-
soro de maneira inadequada e naqueles com vea) no local da compressão, caracterizando o si-
insuficiência cardíaca congestiva ou insuficiência renal nal de Godet (Figura 3.46).
por apresentarem má distribuição de água no corpo.

Avaliação do edema
Definido como aumento da quantidade de lí-
quido intersticial e/ou intracelular caracterizado
por um balanço positivo de sódio, o edema é obser-
vado clinicamente na pele e no tecido celular subcu-
tâneo. Quando há aumento de líquido nas cavida-
des serosas e articulares, trata-se de uma afecção
também decorrente dos mesmos fatores envolvidos
na produção dos edemas, porém recebe o nome de
derrames cavitários (hidrotórax, hidropericárdio e
ascite) ou articulares (hidrartrose).
Figura 3.46 – Sinal de Godet: observa-se depressão
O edema é formado devido a um desequilíbrio
(fóvea) no local da compressão em paciente com
das forças que regulam as trocas líquidas, favorecen- edema de membros inferiores por insuficiência cardíaca
do a saída e o acúmulo de líquidos no espaço inters- congestiva.
ticial. Como seus principais fatores, é possível citar:
• aumento da pressão hidrostática, como na Quanto à intensidade, o edema pode ser classi-
insuficiência cardíaca, nas varizes e na trom- ficado em cruzes, 1 a 4+, ou apenas descrito como
bose venosa profunda; presente ou ausente.
• aumento da permeabilidade capilar decor- Quanto à consistência, o edema pode ser:
rente de processos inflamatórios, como na •• mole – facilmente depressível, indicando
flebite e no edema alérgico; processo não prolongado;
• retenção de sódio, que ocorre nas nefropatias; • duro – resistência à compressão, indicando
• obstrução dos vasos linfáticos, no linfedema; processo mais prolongado pela presença de
• diminuição da pressão oncótica consequen- proliferação fibroblástica (p. ex.: linfedema/
te à hiposerulinemia, como na cirrose hepá- elefantíase).
tica e na desnutrição (decorrentes da dimi- Já quanto à elasticidade, pode ser:
nuição da produção ou ingesta de proteínas,
•• elástico – retorna à posição inicial rapidamen-
respectivamente).
te – decorrente de processos inflamatórios;
O paciente apresenta, como quadro clínico, • inelástico – demora ao retorno à posição
aumento do peso corpóreo e a presença do edema. inicial.

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72 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Devem ser avaliadas ainda: −− Edema varicoso (presença de varizes): edema


•• temperatura do local – podendo estar igual localizado, mole, inelástico, indolor, vespertino,
à temperatura do organismo, mais quente acentuando-se depois de o indivíduo ficar muito
(indicando processo inflamatório) ou mais tempo em pé, nos membros inferiores, em um ou
fria (indicando déficit da irrigação sanguí- em ambos, com intensidades diferentes. Com o
nea local); passar do tempo, a pele torna-se espessa, atrófica
e hipercorada (acastanhada), podendo aparecer
•• sensibilidade – se doloroso, o edema apre-
úlceras.
senta causa inflamatória; −− Edema renal: edema generalizado, mole, inelástico,
•• coloração – podem-se notar palidez (edemas indolor, matutino, predominante em região facial
acompanhados de distúrbio da irrigação san- (subpalpebral). A pele ao redor tem temperatura
guínea), cianose (alteração venosa localiza- normal ou diminuída (Figura 3.47).
da) ou vermelhidão (edema inflamatório); −− Edema da cirrose hepática ou da desnutrição: edema
• textura e espessura da pele – pele espessa in- generalizado, mole, inelástico, indolor, predominante
dica edema de longa duração; pele lisa e bri- em membros inferiores. Nota-se a presença de ascite
associada (Figura 3.48).
lhante, edema recente e intenso; pele enru-
−− Edema inflamatório: edema localizado, como nas
gada, processo de eliminação do edema. flebites, ou generalizado, como no edema alérgico. É
Por fim, o controle da progressão do edema mole, elástico, doloroso, principalmente na face, se
de origem alérgica. A pele ao redor é lisa, brilhante,
pode ser feito a partir da mensuração do perímetro
com temperatura aumentada e avermelhada.
da região edemaciada ou do peso diário do pacien- −− Linfedema: edema localizado, duro, inelástico, indolor
te, já que variações acentuadas indicam ganho ou com grandes alterações na textura da pele (pele
perda de líquido. grossa e áspera) (Figura 3.49).
No Quadro 3.4, estão resumidas as característi- −− Edema postural: localizado, discreto, mole, indolor,
cas do edema conforme a etiologia. em membros inferiores, decorrente de posição
prolongada em pé ou com perna pendente, que
desaparece rapidamente na posição deitada.
OBSERVAÇÃO CLÍNICA −− Mixedema: presente no hipotireoidismo, trata-
• Alguns tipos de edemas apresentam características se de um pseudoedema, já que não apresenta
específicas e serão descritos a seguir (Quadro 3.4). fisiopatologia semelhante à de outros edemas,
−− Edema da insuficiência cardíaca: edema generalizado, mas sim a deposição de mucopolissacárides no
mole, inelástico, indolor, vespertino, predominante nos espaço intersticial seguido de retenção hídrica.
dois membros inferiores simetricamente e acentuando- Edema duro, inelástico, pouco intenso, localizado
se depois de o indivíduo ficar em pé por várias horas. basicamente em região pré-tibial. A pele apresenta
Presente em região sacral nos pacientes acamados. A alterações decorrentes do hipotireoidismo: pele seca,
pele no local se mostra lisa e brilhante (Figura 3.46). descamativa, fina, fria (Figura 3.50).

QUADRO 3.4 – Características do edema conforme etiologia


Insuficiência Insuficiência Insuficiência Cirrose Infamatório Linfedema Mixedema
etiologia
cardíaca venosa renal
local Generalizado Localizado Generalizado Generalizado Localizado Localizado Generalizado
período Vespertino Vespertino Matutino Sem variação Sem variação Vespertino Sem variação
consistência Mole Mole Mole Mole Mole Duro Duro
elasticidade Elástico Elástico Elástico Elástico Elástico Inelástico Inelástico
Normal ou Normal ou Normal ou Normal ou Sem
temperatura Aumentada Reduzida
reduzida reduzida reduzida reduzida alteração
sensibilidade Sem dor Sem dor Sem dor Sem dor Doloroso Sem dor Sem dor
Lisa e Dermatite Sem alteração Pele seca e Avermelhada Pele grossa Pele seca,
pele e
brilhante de estase descamativa; e áspera fina e
coloração
ascite descamativa

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 73

Figura 3.47 – Edema renal em paciente com síndrome


nefrótica: edema matutino, mole, predominante em
região facial (subpalpebral).

Figura 3.48 – Edema da cirrose hepática: presença de


ascite associada.
Fonte: Gentilmente cedida pela Dra. Adriana Zuolo Coppini, médica
Figura 3.50 – Mixedema em paciente com
primeira assistente do serviço de transplantes dos Departamentos
hipotireoidismo: edema duro, inelástico, pouco intenso,
de Cirurgia e Medicina da Santa Casa de São Paulo.
localizado basicamente em região pré-tibial. A pele é
seca, descamativa, fina e fria.
Fonte: Gentilmente cedida pelo Prof. Dr. Osmar Monte, chefe da
disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo.

Exame da Pele e Anexos


O exame da pele e dos anexos será detalhado
no capítulo “Exame Dermatológico”.

Exame das Mucosas


As mucosas que devem ser analisadas no exame
físico geral são as conjuntivais, labiobucal, lingual e
gengival. Essas mucosas devem ser inspecionadas
com boa iluminação; caso necessário, pode-se usar
uma pequena lanterna para melhor visualização.
As outras mucosas do corpo, como a dos tratos
gastrintestinal, respiratório e urinário, podem ser
analisadas por meio de exame endoscópico, um
aparelho capaz de obter imagens das mucosas mais
internas e de difícil acesso.
Nas mucosas, devem ser analisadas: coloração;
FIGURA 3.49 – Linfedema: edema localizado, duro, presença de lesões; e umidade.
inelástico e com grandes alterações na textura da pele
(pele grossa e áspera). Coloração
Fonte: Gentilmente cedida pelo Fisioterapeuta Tarso Túlio
Nogueira e pelo Dr. Henrique Jorge Guedes Neto, assistente
As mucosas normais, por apresentarem rica
professor doutor da disciplina de Angiologia e Cirurgia Vascular rede vascular, exibem coloração róseo-avermelha-
da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. da. A palidez das mucosas, ou o seu descoramento,

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74 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

consiste na perda dessa coloração normal tendendo grande quantidade de células adiposas, parte dos
ao branco e deve ser classificada em cruzes de acor- folículos pilosos e glândulas sudoríparas. É avalia-
do com a gravidade (de 1 a 4+). Geralmente, muco- do por meio da inspeção, detectando, por exem-
sas descoradas indicam a presença de anemia. plo, presença de inflamação – celulite – ou nódu-
Contudo, mucosas hipercoradas, de coloração los, lipomas, cistos sebáceos, etc., e pela palpação,
vermelho-arroxeada, ocorrem por aumento das he- por meio do pinçamento de prega ou deslizamento
mácias regionalmente, presente nas inflamações com polpas digitais da pele sobre estruturas adja-
das mucosas, como as conjuntivites, glossites e gen- centes, nas regiões do abdome, do tórax e da raiz
givites (tartárica, do escorbuto e alveolites gerando dos membros.
edema, hiperemia com ou sem halitose); ou nas po- O enfisema subcutâneo detectado por meio da
liglobulias, que são o aumento global do número de palpação – sensação de crepitação – decorre da pre-
hemácias do sangue (poliglobulia secundária a do- sença de bolhas de ar abaixo da pele. As bolhas po-
ença respiratória, poliglobulia compensadora das dem proceder de pneumotórax aberto ou de gan-
grandes altitudes e a policitemia vera, considerada a grenas gasosas (por bactérias produtoras de gás). O
neoplasia da série eritrocitária). tecido celular subcutâneo pode ser classificado de
Podem ocorrer também em mucosas as peté- acordo com a distribuição e a quantidade.
quias, a púrpura hemorrágica e os hematomas,
mais bem descritos no exame da pele e de anexos. Distribuição
Alguns tipos de manchas podem ser vistos em • Distribuição normal quanto à idade e ao
mucosas, como as de Koplik, manchas esbranquiça- sexo: as crianças apresentam predomínio de
das de alguns milímetros rodeadas de halo verme- tecido celular subcutâneo na face e no tron-
lho e que aparecem na altura do segundo molar su- co; nas mulheres, há predomínio no qua-
perior 24 a 48 horas antes da erupção do sarampo. dril; e, nos homens, abdominal.
Outro sinal visto nas mucosas é a orla azul ou • Acúmulo especial em determinadas áreas:
genvival de Burton, que consiste em uma linha de 1 por exemplo, na síndrome de Cushing –
a 2 mm de largura, de coloração azul-escuro, que acúmulo de gordura na face (moon face),
aparece na borda entre a gengiva e os dentes nos ca- tórax (gibosidade) e abdome, e os membros
sos de intoxicação por chumbo. Também podem estão magros.
ser observadas pequenas lesões semelhantes na mu-
cosa da bochecha, denominadas manchas ou tatua- Quantidade
gens de Gubler. • Quantidade normal.
Outras alterações que podem ser vistas nas • Quantidade aumentada; espessa camada de
mucosas são a cianose e a icterícia, que foram, assim tecido gorduroso na obesidade.
como a palidez, já descritas neste capítulo. • Quantidade diminuída; camada de tecido
gorduroso reduzida ou nula.
Presença de lesões
Devem ser analisadas as lesões presentes nas Exame do Sistema Osteomuscular
mucosas, que podem ser: úlceras (consequentes a Em relação ao sistema osteomuscular, devem ser
herpes simples ou aftas); erosões das rimas labiais avaliados no exame físico geral os seguintes tópicos:
(conhecidas como queilose, ocorrendo, por exem-
1. musculatura – devem ser feitas a inspeção e a
plo, na hipovitaminoses, que, se com inflamação
palpação em pinça dos principais grupos mus-
secundária, é denominada queilite); e os tumores.
culares em estado de repouso e contração. O
Umidade acometimento muscular pode ser generalizado
ou localizado. Após o exame, a musculatura
As mucosas normais são bastante úmidas e bri- deve ser classificada quanto à troficidade
lhantes, indicando bom estado de hidratação do (quantidade de massa muscular), podendo ser
paciente. As mucosas secas e sem brilho estão pre- normal, hipertrófica ou hipotrófica (atrofia
sentes nos casos de desidratação. muscular – Figura 3.51); e quanto à tonicidade,
podendo apresentar tônus normal, hipertonici-
Exame do Tecido dade/espasticidade (contração ou semicontra-
Celular Subcutâneo ção do músculo mesmo em repouso com au-
O tecido celular subcutâneo ou hipoderme é mento do relevo muscular e de sua consistência)
constituído de tecido conjuntivo, fibras elásticas, ou hipotonicidade/flacidez (tônus diminuído

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 75

ou ausente com diminuição da consistência e Exame dos Linfonodos


perda do contorno); Os linfonodos (Quadro 3.5 e Figuras 3.52 e
3.53) são órgãos encapsulados constituídos por teci-
do linfoide (linfócitos, células dendríticas, macró-
fagos e plasmócitos) e que aparecem espalhados
pelo corpo, sempre no trajeto de vasos linfáticos.
Eles funcionam como “filtros” da linfa, removendo
partículas estranhas antes que a linfa retorne ao sis-
tema circulatório sanguíneo.
Os linfonodos constituem, com isso, grande
parte do sistema imune e podem ter seu tamanho
aumentado (linfonodomegalia) em um grande es-
pectro de doenças, locais e gerais, já que está inti-
mamente relacionado com todos os sistemas do or-
ganismo e, portanto, deve ser examinado de maneira
Figura 3.51 – Atrofia muscular em paciente com minuciosa.
dermatiomiosite. O aumento do tamanho dos linfonodos pode
Fonte: Gentilmente cedida pelo Dr. Rogério Castro Reis, professor ser devido a:
assistente da Clínica de Reumatologia do Departamento de • aumento do número de linfócitos e macrófa-
Medicina da Santa Casa de São Paulo.
gos durante resposta a antígenos;
2. ossos – no exame físico geral, deve ser avaliada, • infiltrações por células inflamatórias (linfa-
em relação ao sistema esquelético, a presença denites);
de deformações ósseas. O exame mais específi- • proliferação maligna in situ dos linfócitos e
co de cada articulação será descrito no capítulo macrófagos;
“Propedêutica do Aparelho Locomotor”; • infiltração por células malignas metastáticas;
3. movimentos involuntários ou hipercinesias – • infiltração dos linfonodos por macrófagos
serão descritos no capítulo “Propedêutica Neu- repletos de metabólitos nas doenças genéti-
rológica”. cas de depósito.

QUADRO 3.5 – Principais grupos de linfonodos


LINFONODOS LOCALIZAÇÃO ÁREA DE DRENAGEM
Occipitais Região posterior da cabeça, dos lados Responsáveis pela drenagem da porção posterior do couro
da protuberância occipital em número cabeludo
de 1 a 3
Mastoides ou pós- Localizados sobre o processo mastoide, Responsáveis pela drenagem do conduto auditivo externo,
-auriculares atrás da orelha em número de 2 da pele da parte posterior da orelha e da pele da região
temporal. A adenomegalia dolorosa desse grupo ocorre
na rubéola e na mononucleose infecciosa
Pré-auriculares Localizados adiante do trago Responsáveis pela drenagem das pálpebras, conjuntivas, da pele
da região orbitária, do conduto auditivo externo e da face
anterior do pavilhão da orelha. Sua inflamação está presente
no sinal de Romaña, que consiste na infecção ocular pelas
fezes do barbeiro, após sua picada, no início da doença de
Chagas, gerando conjuntivite e adenite pré-auricular
Cervicais profundos Localizados embaixo do ângulo Responsáveis pela drenagem da língua, amígdala e faringe
superiores da mandíbula
Submandibulares Localizados junto às glândulas Responsáveis pela drenagem das glândulas submandibulares,
submandibulares da língua, da gengiva, do lábio inferior, do lábio superior, da
comissura bucal, da bochecha e do ângulo interno do olho
(Continua)

Propedêutica Médica_cap 03.indd 75 26/02/2015 14:58:46


76 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

(Continuação)
Submentonianos Localizados no triângulo submentoniano Responsáveis pela drenagem do lábio inferior, do assoalho
da boca, da ponta da língua e da pele do queixo
Cervicais superficiais Localizados acima do músculo Responsáveis pela drenagem do pavilhão auditivo e da parótida.
esternocleidomastóideo Quando supurativos, sugerem linfadenite por micobactéria
(escrofulose)
Cervicais posteriores Localizados no triângulo occipital entre São responsáveis pela drenagem do couro cabeludo. Podem
o músculo omo-hióideo, trapézio e sugerir rubéola e toxoplasmose
occipital
Cervicais profundos Localizados na porção inferior do Grupo júgulo-omo-hióideo: responsáveis pela drenagem
inferiores pescoço, abaixo do músculo omo- da ponta da língua
hióideo e atrás do músculo
Grupo do escaleno: localizados acima desses músculos
esternocleidomastóideo
e responsáveis pela drenagem linfática do pulmão
e do mediastino
Grupo supraclavicular: responsáveis pela drenagem dos órgãos
intratorácicos, intra-abdominais, cabeça, pescoço, mamas,
braço e parede torácica
Axilares Região axilar Responsáveis pela drenagem da região torácica posterior,
da mão, do antebraço, do braço, da porção superior do abdome
e de parte da mama. O comprometimento unilateral é visto
nos casos de tumores de mama, linfomas, infecções
de extremidades superiores, doença da arranhadura do gato
e brucelose
Supraepitrocleares Localizados na face interna, em cima Responsáveis pela drenagem do dedo mínimo, anular e a metade
da tróclea cubital do médio, palma da mão, na metade cubital,
e antebraço. Seu comprometimento é visto na sarcoidose,
sífilis secundária e hanseníase
Inguinais Localizados na região inguinal e podem Superficiais: responsáveis pela drenagem da pele da parede
ser divididos em 2 grupos: superficiais abdominal inferior, pele do pênis, escroto, vulva, mucosa
e profundos da vagina, pele da região perineal e glútea e porção inferior
do canal anal
Profundos: responsáveis pela drenagem da glande, pênis, clitóris
e recebem a drenagem dos linfonodos superficiais
Poplíteos Localizados abaixo da aponeurose São responsáveis pela drenagem da articulação do joelho, da pele
profunda do cavo poplíteo e, portanto, da perna, do pé, do tendão de Aquiles e de estruturas profundas
difíceis de serem palpados, em número da pele. São palpáveis nas lesões da perna e do pé
de 5 a 6

OBSERVAÇões CLÍNICAs • O comprometimento dos linfonodos inguinais está


• O acometimento dos linfonodos do grupo relacionado com doenças sexualmente transmissíveis,
está relacionado com metástases de tumores moléstias anais e infecções repetidas de membros
intratorácicos, gastrintestinais ou linfomas. Quando inferiores. É frequente estarem aumentados de
apenas o lado esquerdo está acometido (presença de volume em crianças pequenas em virtude de
linfonodo pétreo), também conhecido como sinal de constantes irritações e infecções causadas pela fralda
Troisier, dá-se o nome de linfonodo de Virchow, que úmida com dejetos.
sugere metástase de tumor do trato gastrintestinal, já • A palpação de massa nessa região deve ser
que somente o lado esquerdo está relacionado com diferenciada com hérnia inguinal, varizes, lipoma,
o ducto torácico e, com isso, com a drenagem dos aneurisma, abscesso do psoas, testículo ectópico
órgãos intra-abdominais. e baço ectópico.

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 77

Outros linfonodos
• Infraorbitários, faciais ou genianos, parotí-
deos, mentonianos, cervicais anteriores, re-
trofaríngeos, profundos do pescoço: são
difíceis de serem palpados, mas apresentam
importância clínica quando forem sede de
B C lesões inflamatórias ou metastáticas.
• Hilares ou mediastinais: não são palpáveis,
A porém seu aumento, nas doenças neoplási-
cas ou granulomatosas, acaba gerando sin-
tomas, como tosse e sibilos (por compressão
F D das vias aéreas), rouquidão (por compres-
G E são do nervo laríngeo recorrente), disfagia
(por compressão esofágica), edema de pes-
H coço, face ou braço (por compressão da veia
I
cava superior ou subclávia).

Avaliação dos linfonodos


J
• Inspeção: observação do tamanho dos lin-
fonodos, da sua simetria, da coloração da
pele na região e se há fistulização.
Figura 3.52 – Principais grupos de linfonodos da
• Palpação: deve ser realizada em todos os lo-
cabeça e do pescoço: A: occipitais; B: mastoides ou
pós-auriculares; C: pré-auriculares; D: submandibulares; cais dos principais grupos de linfonodos. A
E: submentonianos; F: cervicais profundos superiores e palpação é feita de maneira delicada com as
cervicais posteriores; G: cervicais superficiais. Linfonodos polpas digitais. Durante a palpação, devem
cervicais profundos inferiores: H: grupo júgulo-omo- ser avaliadas as seguintes características:
-hióideo; I: grupo do escaleno; J: grupo supraclavicular. −− forma: oval ou redonda;
Fonte: Adaptada de Netter, 2003. −− número: comprometimento localizado
(definir número de linfonodos palpáveis
em um mesmo grupo) ou generalizado
(três ou mais grupos linfonodais com-
A prometidos – definir em cada um o nú-
mero de linfonodos palpáveis);
−− consistência: fibroelástica ou pétrea;
−− tamanho: em centímetros; é necessário
B que o examinador saiba previamente o
C
tamanho de sua polpa digital para, en-
tão, comparar e definir o tamanho do
D linfonodo na palpação;
−− sensibilidade: doloroso ou não;
−− mobilidade: móvel à palpação ou ade-
rente aos planos profundos;
−− coalescência: em relação a outros linfonodos;
−− fistulização: presente ou ausente;
−− estado da pele: presença de sinais flogís-
ticos (edema, calor, rubor e dor).
• Técnicas de palpação: em alguns grupos de
linfonodos, devem ser utilizadas técnicas
especiais de palpação para melhor avaliação
Figura 3.53 – Principais grupos linfonodais: A:
linfonodos da cabeça e pescoço; B: linfonodos axilares;
das características:
C: linfonodos supraepitrocleares; D: linfonodos inguinais. −− linfonodos cervicais: para manter a muscu-
Fonte: Adaptada de Porto, Semiologia Médica 2001. latura cervical relaxada, facilitando a pal-

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78 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

pação, deve-se pedir para o paciente fletir −− linfonodos inguinais: realizada com o pa-
ligeiramente a cabeça para o lado em que ciente deitado com deslizamento circular
está ocorrendo a palpação (Figura 3.54); ou linear com os dedos em extensão.

OBSERVAÇÕES CLÍNICAS
• Linfonodos característicos de processos inflamatórios:
ovais, menores que 1,5 cm, dolorosos, móveis à
palpação e fibroelásticos. Podem apresentar sinais
flogísticos na pele circunjacente.
• Fistulização: sugere tuberculose ou micose, como a
paracoccidioidomicose (Figura 3.56).
• Linfonodos característicos de processos neoplásicos:
redondos, maiores que 2,0 cm, não dolorosos,
aderentes aos planos profundos e pétreos.
• Comprometimento linfonodal generalizado: linfomas,
leucemias linfoides, colagenoses, mononucleose,
tuberculose, Aids e sífilis.
Figura 3.54 – Técnica de palpação dos linfonodos
• Comprometimento linfonodal localizado: processos
cervicais.
infecciosos na área de drenagem do grupo linfonodal
ou metástases.
−− linfonodos axilares: o paciente deve
estar sentado e deve apoiar o membro
superior no ombro do examinador que
está em pé, em frente a ele. O exami-
nador, a seguir, realizará a palpação da
seguinte maneira: palpará, com a mão
esquerda, a axila direita do paciente e,
após trocar o membro apoiado, palpa-
rá, com a mão direita, sua axila esquer-
da. A palpação deve ser realizada com a
mão em garra comprimindo a axila na
parede torácica. Outra maneira de rea-
lizar a palpação dos linfonodos axilares
é, em vez de apoiar o braço do pacien-
te no ombro, segurá-lo com a mão que
não realizará a palpação (Figura 3.55);
Figura 3.56 – Paciente com escrofulose (tuberculose
linfonodal) apresentando fistulização e processo
inflamatório ao redor de linfonodo.
Fonte: Gentilmente cedida pela Disciplina de Dermatologia da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Resumo do Exame Físico Geral


Descrito no Quadro 3.6.

QUADRO 3.6 – Resumo do exame físico geral


Quantitativo
Altura, peso, IMC, estado nutricional
Circunferência abdominal e quadril
Pulso arterial
Figura 3.55 – Técnica de palpação dos linfonodos
Pressão arterial
axilares.
(Continua)

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Capítulo 3 // Exame Físico Geral 79

(Continuação)
Benseñor IM, Drager LF, Paiva EF, Andrade DRA. Exame físico
Frequência respiratória
geral qualitativo. In: Benseñor IM, Atta JA, Martins MA. Se-
Temperatura miologia clínica. São Paulo: Sarvier; 2002. p. 36-38.
Dor Chehter EZ. Icterícia. In: Benseñor IM, Atta JA, Martins MA. Se-
miologia clínica. São Paulo: Sarvier; 2002. p. 326-334.
Exame dos linfonodos Franco F. Febre. In: Benseñor IM, Atta JA, Martins MA. Se-
Qualitativo miologia clínica. São Paulo: Sarvier; 2002. p. 253-258.
Paiva EF. Cianose. In: Benseñor IM, Atta JA, Martins MA. Se-
Tipo morfológico
miologia clínica. São Paulo: Sarvier; 2002. p. 263-265.
Estado geral Perez AM, Benseñor IM. Edema. In: Benseñor IM, Atta JA,
Nível de consciência Martins MA. Semiologia clínica. São Paulo: Sarvier; 2002. p.
271-278.
Fácies Porto CC. Exame físico geral. In: Porto CC. Semiologia médi-
Atitude ca. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. p. 82-143.
Marcha Porto CC. Sistema cardiovascular. In: Porto CC. Semiologia
médica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. p.
Icterícia 421-599.
Cianose Ramos, J. Semiotécnica do exame físico geral. In: Ramos, J.
Semiotécnica da observação clínica. 7. ed. São Paulo: Sarvier;
Hidratação
1986. p.173-246.
OUTROS Scatolini, W. Exame físico geral. In: Scatolini, W. Propedêuti-
ca clínica. 2. ed. São Paulo; 1998. p 13-36 (apostila).
Exame das mucosas, tecido celular subcutâneo e sistema
Sociedade Brasileira de Cardiologia/Sociedade Brasileira de
osteomuscular
Hipertensão/Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes
Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010; 95(1
Referências Bibliográficas supl.1):1-51.
Benseñor IM. Exame físico geral quantitativo. In: Benseñor Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Dire-
IM, Atta JA, Martins MA. Semiologia clínica. São Paulo: Sar- toria Técnica de Gestão. Dengue: diagnóstico e manejo clíni-
vier; 2002. p. 30-35. co. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.

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Propedêutica Médica_cap 03.indd 80 26/02/2015 14:58:48
Racionalização da
Investigação Propedêutica
4
Lívia rodrigues
Marcos Daniel saraiva
Carlos André Minanni
José Carlos Aguiar Bonadia

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82 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

INTRODUÇÃO Pensando em um paciente assintomático que


Diante de tantas alternativas que surgem com vem para uma consulta de rotina, deve-se incluir no
os avanços da medicina, torna-se cada vez mais di- exame físico: avaliação geral quantitativa, avaliação
fícil para o médico tomar decisões. Tais dificulda- geral qualitativa, exame do tórax, do pulmão, do
des não se limitam aos exames complementares, coração, do abdome e dos membros.
mas também permeiam a anamnese e o exame físi- Levando-se em consideração o impacto epide-
co, sendo necessários conhecimentos determinan- miológico, a medida da pressão arterial deve ser
tes que permitam a escolha de uma ação entre as sempre aferida, utilizando-se o máximo rigor téc-
alternativas existentes, muitas vezes provenientes nico (ver capítulo “Exame Físico Geral”).
de uma base epidemiológica e estatística. Com o paciente em pé, afira peso e altura.
Neste capítulo, serão abordadas algumas infor- Peça que se sente e verifique a pressão arterial, a
mações que constituem instrumentos de análise e frequência cardíaca, a frequência respiratória e a
decisão na prática clínica, por meio de exemplos temperatura. Ainda com ele sentado, realize o
simples, que podem auxiliar na sistematização da exame geral (estado geral e nutricional, estado
investigação propedêutica. das mucosas, presença de cianose, presença de ic-
terícia e estado de hidratação), exame da cabeça,
Sistematização da Anamnese do pescoço (verifique massas, linfonodos e palpe
e Exame Físico a tireoide) e do tórax (observar cicatrizes e assi-
A anamnese, assim como o exame físico, deve metrias, auscultar e percutir pontos anteriores e
sempre levar em conta o contexto – consulta ambu- posteriores).
latorial eletiva, consultas de emergências ou avalia- Com o paciente em decúbito dorsal, o exami-
ção urgente à beira do leito. Apenas dessa forma, nador deve se posicionar de pé à direita do leito:
pode-se definir como ela deve ser conduzida, de examine o restante do tórax, o coração (ausculta
maneira abrangente ou focalizada. dos cinco focos), o abdome (observar a presença de
Se toda sequência descrita nos livros de prope- cicatrizes, auscultar os quatro quadrantes, percutir
dêutica fosse seguida em cada atendimento, prova- os hipocôndrios, realizar palpação superficial e
velmente seria exaustiva para o paciente, e mesmo profunda) e os membros (verificar se há edema nas
para o examinador, e pouco acrescentaria ao diag- pernas e nos pés, observar pilificação e pulsos peri-
nóstico. Em contrapartida, quando o exame clínico féricos – sobretudo, pediosos e radiais).
é realizado de maneira superficial, dados importan- Essa é uma sequência mínima sugerida que
tes para o diagnóstico, e para o rastreamento de de- pode auxiliar a rotina de exame diário de pacientes
terminadas doenças, podem ser perdidos. internados. Nesses casos, além do exame mínimo, o
Assim, como sistematizar o exame clínico de órgão ou sistema que motivou a internação deve ter
um paciente? uma abordagem mais específica.
Deve-se ficar atento, primeiro, às queixas e aos Não se pode esquecer de que o exame clínico,
dados trazidos por ele na anamnese. Assim, o pa- além de facilitar o diagnóstico, cumpre importante
ciente com queixa de tosse, por exemplo, certamen- papel na construção e no fortalecimento da relação
te merecerá um exame do aparelho respiratório médico-paciente. Nesse contexto, explicar-lhe o que
mais completo do que o exame do aparelho loco- será feito, resguardar sua privacidade (p. ex.: fechar
motor. É preciso admitir, entretanto, que esse dire- a porta ou, no caso de enfermarias, usar biombo;
cionamento exige certa experiência do profissional cobrir com um lençol as partes do corpo que não
que está realizando o exame, por isso aqui será su- serão examinadas) e mostrar-se aberto para esclare-
gerido um roteiro mínimo para exame clínico. Mas cer suas dúvidas constituem passos importantes
sempre se deve ter em mente que cada paciente é um nessa relação.
ser único e, assim, tem queixas, idade, antecedentes
pessoais, antecedentes familiares, risco ocupacional Posições do paciente
e expectativas que devem ser levados em conta na Algumas posições são indicadas para a realiza-
hora de elaborar o roteiro para o exame. ção do exame clínico (Figuras 4.1 a 4.9).

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Capítulo 4 // Racionalização da Investigação Propedêutica 83

Figura 4.5 – Posição ginecológica.

Figura 4.1 – Posição ortostática.


Figura 4.6 – Posição genupeitoral.

Figura 4.2 – Decúbito dorsal.

Figura 4.7 – Posição litotômica.

Figura 4.3 – Decúbito ventral.

Figura 4.8 – Posição de Fowler.

Figura 4.4 – Decúbito lateral. Figura 4.9 – Posição de Trendelemburg.

Propedêutica Médica_cap 04.indd 83 26/02/2015 14:58:53


84 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Equipamentos para o exame físico


Alguns equipamentos são importantes, ou mes-
mo indispensáveis, para a realização do exame físico.
Serão listados a seguir alguns dos equipamentos mais
comumente utilizados (Figuras 4.10 a 4.21). As orien-
tações quanto ao uso deles serão abordadas nos capítu-
los específicos. É muito importante verificar os equi-
Figura 4.12 – Fita métrica, importante instrumento do
pamentos necessários antes de iniciar o exame físico. exame físico geral e da propedêutica pediátrica.

2
3

4
Figura 4.13 – Abaixador de língua, utilizado na oroscopia.
A descrição desse exame semiológico pode ser encontrada
no capítulo “Propedêutica Otorrinolaringológia”.

Figura 4.10 – Oftalmoscópio. Nessa foto, apresentam-


-se as principais partes que compõem o equipamento,
entretanto pode haver variações, de acordo com a marca.
As informações sobre sua utilização estão especificadas
no capítulo “Propedêutica Oftalmológica”. 1: ajuste de
dioptrias; 2: orifício de observação; 3: cabeça; 4: corpo.
Figura 4.14 – Termômetro, item do exame físico geral.
Para entender sua utilização e seu funcionamento, ver o
capítulo “Exame Físico Geral”.

Figura 4.11 – Lanterna, importante componente do Figura 4.15 – Esfigmomanômetro, o método mais
exame físico neurológico e da orofaringe. Para mais utilizado para a medida da pressão arterial. A técnica
informações, consultar os capítulos “Propedêutica de aferição e os valores de referência estão descritos no
Neurológica" e "Propedêutica Otorrinolaringológica”. capítulo “Exame Físico Geral”.

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Capítulo 4 // Racionalização da Investigação Propedêutica 85

5 2 4

Figura 4.20 – Algodão, utilizado para a realização


do teste da sensibilidade superficial. Mais informações
podem ser encontradas no capítulo “Propedêutica
3 Neurológica”.

Figura 4.16 – Estetoscópio, item que compõe o exame


físico geral, bem como a propedêutica cardiológica,
pulmonar e abdominal. 1: oliva; 2: hastes; 3: tubo;
4: campânula; 5: diafragma.

Figura 4.17 – Luvas.

Figura 4.21 – Tubos de ensaio com água quente


e fria, utilizados para testar a sensibilidade térmica.
Para mais esclarecimentos, ver capítulo “Propedêutica
Neurológica”.
Figura 4.18 – Martelo de Babinski, importante item da
Validação de testes diagnósticos
propedêutica neurológica, utilizado para testar reflexos
profundos e superficiais. Sensibilidade e especificidade
A prova do laço é um teste de realização obriga-
tória quando há suspeita de dengue. Em determina-
do estudo, essa manobra apresentou uma sensibili-
dade de 41,6% e uma especificidade de 94,4%.
Como interpretar essas informações?
Entre os pacientes que realizaram a prova do
laço e que verdadeiramente apresentavam dengue,
apenas em 41,6% a prova foi positiva. Já naqueles
Figura 4.19 – Diapasão de 128 Hz (o de 512 Hz sem a doença, quase a totalidade (94,4%) teve um
também pode ser utilizado). A realização de manobras exame negativo.
propedêuticas utilizando diapasão pode ser conferida no • Sensibilidade: proporção de indivíduos ver-
capítulo “Propedêutica Neurológica”. dadeiramente positivos entre os doentes.

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86 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

• Especificidade: proporção de indivíduos ver- Os valores preditivos são mais informativos


dadeiramente negativos (ou normais) entre clinicamente quando comparados à sensibilidade e
os não doentes. especificidade, uma vez que dependem da prevalên-
cia da doença.
Assim, se o resultado de um teste com alta
sensibilidade é negativo, pode-se inferir que a do-
Doença
ença está praticamente descartada. Já em um
­exame com alta especificidade, um resultado posi- Teste Presente Ausente
tivo tem grande chance de confirmar a condição. Positivo (a) (c)
­Pode-se interpretar, então, que alta sensibilidade
Negativo (b) (d)
corresponde a maior chance de encontrar indiví-
duos doentes, tendo como consequência menor Total (a + b) (c + d)
número de falsos-negativos e maior número de Valor preditivo positivo: a/a + c
falsos-positivos. Já um teste com alta especificida- Valor preditivo negativo: d/b + d
de corresponde a maior chance de encontrar pes-
Com isso, pode-se concluir que o médico deve
soas sem a doença, tendo como consequência me-
levar em conta dados epidemiológicos antes de uti-
nor número de falsos-positivos e maior número de
lizar um teste com alta sensibilidade e especificida-
falsos-negativos.
de, pois este, se utilizado como rastreio de uma po-
pulação de baixo risco, resultará em um elevado
Doença número de falsos-positivos.
Teste Presente Ausente
Acurácia
Positivo (a) (c)
É a soma dos verdadeiros-positivos com os ver-
Negativo (b) (d) dadeiros-negativos, dividida pelo total de pacientes
Total (a + b) (c + d) avaliados. Corresponde ao grau em que uma medi-
Sensibilidade = a/a + b
da representa o valor verdadeiro do efeito medido,
Especificidade = d/c + d ou seja, a capacidade de acerto de um teste ser posi-
tivo, quando o paciente está realmente com a doen-
Valor preditivo ça, e ser negativo quando a doença inexiste.
• Paciente de 50 anos chega ao pronto-socorro
com icterícia. Refere viagem recente para Ja- Doença
purá, cidade próxima a Manaus. Teste Presente Ausente
• Paciente de 50 anos chega ao pronto-socorro
Positivo (a) (c)
com icterícia. Mora em área urbana e nega
viagens recentes. Negativo (b) (d)

O interno que estava de plantão nesse dia soli- Total (a + b) (c + d)


cita exame da gota espessa, pensando no diagnósti- Acurácia = (a + d)/(a + b + c + d)
co de malária. Caso o resultado seja positivo para os
Aplicando-se a fórmula aos valores fictícios da ta-
dois pacientes, podem-se atribuir a ambos os mes-
bela, tem-se que a acurácia do teste para diagnóstico
mos valores diagnósticos?
de determinada doença foi de 0,8987, ou seja, 89,87%.
Para responder a essa pergunta, deve-se utili-
zar o valor preditivo.
Doença
• Valor preditivo positivo: proporção de pacien-
tes com resultados verdadeiramente positivos Teste Presente Ausente
entre os diagnosticados como positivos. Positivo 33 (a) 22 (c)
• Valor preditivo negativo: proporção de pa-
Negativo 20 (b) 340 (d)
cientes com resultados verdadeiramente nega-
tivos entre os diagnosticados como negativos. Total 53 (a + b) 362 (c + d)

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Capítulo 4 // Racionalização da Investigação Propedêutica 87

Razão de verossimilhança Com isso, serão descritos a seguir alguns tipos


Levando em consideração o resultado de um de diagnósticos que devem ser feitos sequencial-
teste ser positivo ou negativo, a razão de verossimi- mente após a coleta dos dados da anamnese e exa-
lhança permite avaliar quantas vezes o diagnóstico me físico com o objetivo de racionalizar a formula-
de uma doença se torna mais ou menos provável. É ção da hipótese diagnóstica final.
calculado a partir da prevalência da doença na po- • Diagnóstico sindrômico: a síndrome é defi-

pulação (conhecida ou estimada), originando o nida como um conjunto de sinais e sintomas


conceito de probabilidade pré-teste. A verossimi- que ocorrem associadamente e podem ter
lhança poderá ser positiva ou negativa: diferentes causas. O diagnóstico sindrômico
• razão de verossimilhança positiva – sensibi-
é aquele em que uma síndrome é identifica-
da. Por vezes, é igual ao diagnóstico funcio-
lidade/(1 – especificidade);
nal. São exemplos de diagnósticos sindrômi-
• razão de verossimilhança negativa – (1 –
cos: síndrome febril, síndrome astênica,
sensibilidade)/especificidade.
síndrome hipoxêmica, síndrome edemigêni-
Probabilidade pré-teste × razão de verossimi- ca, síndrome vertiginosa, síndrome con-
lhança positiva ou negativa = probabilidade pós- sumptiva, síndrome metabólica, síndrome
-teste de o paciente apresentar a doença anêmica, síndrome adenomegálica, síndro-
me ictérica, síndrome dispéptica, síndrome
Como interpretar a razão de verossimilhança? hemorrágica. Mesmo não permitindo a
Valores maiores que 10 ou menores que 0,1 de- identificação da doença, o diagnóstico sin-
notam mudanças frequentemente conclusivas, en- drômico orienta o prosseguimento das in-
quanto valores intermediários podem denotar mu- vestigações.
danças pequenas (2 a 5 ou 0,2 a 0,5) ou moderadas • Diagnóstico funcional: constatação de um

(5 a 10 ou 0,1 a 0,2). Na faixa de 1 a 2 ou de 0,5 a 1, distúrbio de função de um órgão. A principal


a razão de probabilidade não indica praticamente expressão do diagnóstico funcional é o sinto-
nenhum impacto na mudança. ma (p. ex.: insuficiência cardíaca, insuficiên-
Dessa forma, a razão de verossimilhança posi- cia renal).
• Diagnóstico anatômico: reconhecimento de
tiva indica quantas vezes é provável um teste positi-
vo em um indivíduo doente quando comparado a uma alteração morfológica, ou seja, aquela
outro saudável. Já a verossimilhança negativa é a que pode ser vista no exame físico (p. ex.:
probabilidade de o teste ser negativo em pessoas megacólon, esplenomegalia).
saudáveis. • Diagnóstico etiológico: reconhecimento do
agente causal de uma doença.
RACIONALIZAÇÃO • Diagnóstico clínico: reconhecimento de uma

DO DIAGNÓSTICO CLÍNICO entidade nosológica, ou seja, da doença par-


ticularizada com suas características e pro-
A palavra “diagnóstico” é derivada do grego e
priedades mais importantes (p. ex.: doença
significa discernir pelo conhecimento. O principal
de Chagas, lúpus eritematoso sistêmico, litía-
objetivo da anamnese e do exame clínico é reunir
se renal). A partir do diagnóstico clínico,
informações que ajudem a chegar ao diagnóstico.
chega-se à hipótese diagnóstica final (HD).
Mesmo com o avanço tecnológico observado Somente após a definição da HD, prossegue-
na medicina, o uso do raciocínio clínico é ainda a -se com a investigação ou confirmação por
ferramenta mais poderosa para estabelecer o diag- meio de exames complementares.
nóstico, o prognóstico e o plano terapêutico para a
maior parte dos pacientes. Uma anamnese de boa Pode haver ainda outros diagnósticos, como o
qualidade (Hampton, 1975) permite chegar a 80 a anatomopatológico, o radiológico, o tomográfico, o
85% dos diagnósticos, o exame clínico contribui ultrassonográfico.
com 8 a 10%, e resta uma pequena parcela que é Os casos clínicos apresentados a seguir podem
elucidada por exames complementares. contribuir com a elaboração do raciocínio diagnóstico.

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88 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção i – geral

Caso Clínico 1 dor torácica, tosse ou expectoração. Quanto ao trato


Paciente do sexo feminino, 78 anos, branca, aposentada, gastrintestinal, referiu constipação progressiva
casada, natural de Pernambuco, procedente de São e alguns episódios de sangramento nas fezes
Caetano do Sul. Queixa-se de dispneia e edema de (hematoquezia). Demais sistemas: sem queixas.
membros inferiores. É portadora de hipertensão arterial Antecedentes pessoais: hipertensão arterial sistêmica.
sistêmica de longa data, com diagnóstico de Medicações em uso: anlodipino 5 mg (2 vezes por dia).
miocardiopatia dilatada e infarto agudo do miocárdio Hábitos alimentares: três refeições por dia (café,
prévio. Há 5 dias, procurou o Serviço de Emergência almoço e jantar). Sem intolerâncias alimentares.
por apresentar piora da dispneia – no momento com
Ao exame físico
dispneia ao repouso. Refere ainda ortopneia, dispneia
paroxística noturna e edema de membros inferiores. Exame qualitativo
Faz uso regular de furosemida 40 mg (1 comprimido Paciente alerta, lúcida e orientada. Mucosas descoradas
por dia) e captopril 25 mg (3 vezes por dia). Outros 2+/4+, anictéricas. Regular estado geral, com sinais
antecedentes pessoais: dislipidemia, diabetes mellitus. de emagrecimento ao exame clínico. Orofaringe sem
Ao exame físico alterações. Exame cardíaco e pulmonar normais.
Abdome: dor à palpação superficial e profunda em
Exame qualitativo flanco esquerdo. Ausência de dor à descompressão
Regular estado geral, lúcida, orientada, mucosas úmidas brusca. Fígado e baço impalpáveis. Ruídos hidroaéreos
e coradas. Dispneica, cianótica, anictérica. Presença aumentados. Membros sem edemas.
de estase jugular observada com ângulo da cabeceira
Temperatura: 36,5ºC.
superior a 45º.
Pulso: 95 bpm.
Bulhas normofonéticas, ritmo regular, sem bulhas
Frequência respiratória: 19 rpm.
acessórias, com sopro holossistólico em área mitral,
Pressão arterial: 10,0 × 8,0 mmHg.
4+/6+, com irradiação para axila. Ictus desviado para
Peso: 45 kg.
a esquerda. Pulmões com estertores grossos até terço
Altura: 1,68 m.
médio. Fígado palpável a 3 cm abaixo do rebordo
IMC: 15,9.
costal direito, indolor, bordas lisas. Presença de refluxo
hepatojugular. Edema de membros inferiores 3+/4+. Diagnóstico sindrômico
Temperatura: 36,2ºC. • Síndrome consumptiva.
Frequência respiratória: 24 rpm. • Síndrome anêmica.
Pulso: 105 bpm. • Síndrome álgica abdominal.
Pressão arterial: 100 × 90 mmHg. Diagnóstico funcional
Diagnóstico sindrômico • Disfunção do trato digestivo baixo.
• Síndrome hipoxêmica.
Diagnóstico anatômico
• Síndrome edemigênica.
• Neoplasia maligna colorretal.
Diagnóstico funcional Diagnóstico etiológico
• Insuficiência cardíaca.
• Desconhecido1.
Diagnóstico anatômico
Diagnóstico clínico
• Cardiomiopatia dilatada.
• Neoplasia maligna colorretal.
Diagnóstico etiológico
Caso Clínico 3
• Miocardiopatia isquêmica (coronariopatia).
Paciente do sexo masculino, 30 anos, branco, casado,
Diagnóstico clínico comerciante, natural e procedente de São Paulo.
• Insuficiência cardíaca por miocardiopatia dilatada Queixa-se de tosse, dor torácica ventilatório-
isquêmica. -dependente à esquerda e febre há 5 dias. Evoluiu
Caso Clínico 2 com febre de 40ºC e dor ventilatório-dependente
Paciente do sexo feminino, 69 anos, branca, costureira no hemitórax esquerdo, acompanhadas de tosse com
aposentada, natural de Salvador, mas residente em expectoração purulenta. Nega história de asma, rinite
São Paulo há 45 anos. Relata emagrecimento de 6 kg e tuberculose. Nega também história de câncer
nos últimos 60 dias. Foi encaminhada a hospital após na1 família.
ter sido avaliada em posto de atendimento primário.
No interrogatório sobre os diversos aparelhos, referiu 1
A maioria das neoplasias malignas é de etiologia multifatorial
emagrecimento e sensação de fadiga. Negava dispneia, e geralmente de causa desconhecida.

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Capítulo 4 // Racionalização da Investigação Propedêutica 89

Ao exame físico Referências bibliográficas


Bates LS. Equipamentos para o exame físico. In: Bates LS. Pro-
Exame qualitativo pedêutica médica. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
Bom estado geral, lúcido e orientado. Boca, nariz, 2010. p. 13-15.
ouvidos e garganta: sem alterações. Aparelho Bates LS. Visão geral: o exame físico. In: Bates LS. Propedêutica
respiratório: boa expansão torácica. Ausculta pulmonar médica. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. p. 19-23.
com estertores crepitantes na metade superior do Bates LS. Raciocínio clínico, avaliação e registro dos achados.
hemitórax esquerdo com presença de sopro tubário. In: Bates LS. Propedêutica médica. 10. ed. Rio de Janeiro:
Aparelho cardiovascular: ritmo regular, em 2 tempos. Guanabara Koogan; 2010. p. 25-52.
Abdome: ruídos hidroaéreos presentes. Flácido, Benseñor IM. Exame clínico. In: Benseñor IM, Atta JA, Martins
depressível e indolor à palpação. MA. Semiologia clínica. São Paulo: Sarvier; 2002. p. 20-22.
Pulso: 100 bpm. Benseñor IM. Racionalização do diagnóstico médico. In: Ben-
Pressão arterial: 120 × 80 mmHg. señor IM, Atta JA, Martins MA. Semiologia clínica. São Paulo:
Temperatura axilar: 38,5ºC. Sarvier; 2002. p. 23-27.
Frequência respiratória: 26 rpm. Benseñor IM. Exame clínico. In: Benseñor IM, Atta JA, Mar-
tins MA. Semiologia clínica. São Paulo: Sarvier; 2002. p. 20-22.
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Braunwald E. Determinante de Conduta na Cardiologia. In:
• Síndrome hipoxêmica.
Braunwald E, Libby P. Tratado de doenças cardiovasculares. 8.
• Síndrome álgica torácica.
ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010. p. 41-48.
• Síndrome febril.
Hampton JR, et al. Relative contributions of history-taking,
Diagnóstico funcional physical examination and laboratory investigation to diagnosis
• Insuficiência respiratória. and management of medical outpatients. BMJ. 1975;2:486-489
Porto CC. Iniciação ao exame clínico. In: Porto CC. Semiologia
Diagnóstico anatômico médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013. p. 2-10.
• Pneumonia/condensação pulmonar.
Porto CC. Princípios e bases para a prática médica. In: Porto
Diagnóstico etiológico CC. Semiologia médica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
• Bacteriana. Koogan; 2009. p. 3-23.
Porto CC. Princípios e bases para a prática médica. In: Porto
Diagnóstico clínico CC. Semiologia médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-
• Pneumonia bacteriana. gan; 2014. p. 2-11.

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ESPECIAL
Seção II
5. Propedêutica Oftalmológica
6. Propedêutica Otorrinolaringológica
7. Propedêutica do Aparelho Respiratório
8. Propedêutica Cardiológica
9. Propedêutica Vascular
10. Propedêutica Abdominal
11. Propedêutica das Vias Urinárias e do Sistema Reprodutor Masculino
12. Propedêutica Ginecológica e Obstétrica
13. Propedêutica Dermatológica
14. Propedêutica Neurológica
15. Propedêutica Psiquiátrica
16. Propedêutica do Aparelho Locomotor
17. Propedêutica Pediátrica
18. Propedêutica do Idoso

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Propedêutica
Oftalmológica
5
Camila Bianca Lecciolle Paganini
Alexandre Venturi
Roberto Mitiaki Endo

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94 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

INTRODUÇÃO vem ser examinadas, independentemente de o pa-


Muitos livros apresentam o exame oftalmoló- ciente possuir boa acuidade visual. Todavia, é im-
gico como parte de um capítulo denominado Exa- portante ressaltar que, para o médico generalista,
me da Cabeça e do Pescoço. Nesta obra, porém, um o exame do aparelho visual pode ser feito quase
capítulo inteiro é destinado ao exame oftalmológi- exclusivamente pela inspeção, uma vez que a pal-
co, para que se possa compreendê-lo como um pação e a ausculta têm utilidade restrita a casos
todo. Assim, o leitor encontrará a descrição de um específicos.
exame oftalmológico completo, o qual incorpora O exame inicia-se pela inspeção externa: análi-
elementos de diversas especialidades médicas, como se da pele que circunda o bulbo ocular, das sobran-
a neurologia, a cardiologia, a endocrinologia, além, celhas, das pálpebras, dos cílios e, explorando-se
obviamente, da oftalmologia. essa região, devem ser avaliados o aparelho lacrimal
e a conjuntiva palpebral.
ANAMNESE
A anamnese é uma etapa essencial do exame
oftalmológico, uma vez que é por meio dela que são
estabelecidas as principais hipóteses diagnósticas. É
importante que o examinador seja capaz de extrair
as principais queixas oculares referidas pelo pacien-
te. É necessário que tenha conhecimento prévio das
principais afecções oculares relacionadas à idade e
ao trabalho do paciente e leve sempre em conta que
os olhos não constituem região isolada do organis-
mo e, muitas vezes, são a via final de manifestação A
D
de diversas doenças sistêmicas.
Assim, o examinador deve estar sempre atento C
B
às principais queixas oftalmológicas, como:
• sensações anormais – corpo estranho, ardên-
cia, queimação, prurido, dor ocular, etc.;
• alterações da lubrificação ocular – olhos se-
cos e lacrimejamento (epífora);
Figura 5.1 – Anatomia da região ocular. A: esclera;
• alterações de percepção das cores – xantop-
B: íris; C: pupila; D: ducto lacrimal.
sia (visão amarelada), iantopsia (visão vio- Fonte: Adaptada de Netter, 2003.
lácea) e cloropsia (visão esverdeada);
• alterações do campo visual – anopsia, he- Avaliação das estruturas anatômicas
mianopsia, etc.; do aparelho visual
• alterações quantitativas e qualitativas da vi- • Sobrancelhas: observam-se alterações de
são – redução gradativa da acuidade visual, pilificação (madarose), cor (poliose), ede-
de ambliopia até amaurose; ma ou eritema. É importante verificar se as
• fotofobia; sobrancelhas se mantêm simétricas.
• cefaleia; • Pálpebras: investigam-se estaticamente, a
• diplopia; coloração, a textura, a posição e, dinamica-
• escotomas e fotopsias. mente, os movimentos das pálpebras, pro-
curando detectar pigmentações anormais
Exame Clínico da pele, manchas, edema, cistos, pregas anô-
O exame oftalmológico deve ser realizado de malas, lesões, cobertura inadequada do bul-
maneira cuidadosa, levando-se em conta a estru- bo ocular (ectrópio e entrópio) com oclusão
tura anatômica e a capacidade funcional do apare- inadequada (lagoftalmo), mormente em pa-
lho ocular (Figura 5.1). Deve-se observar uma se- cientes inconscientes, portadores de propto-
quência centrípeta, ou seja, das estruturas mais se ou exoftalmia (como na doença de Graves
superficiais para as estruturas mais profundas. ou em presença de tumores de órbita) ou
Todas as partes anatômicas do aparelho ocular de- paralisia facial.

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Capítulo 5 // Propedêutica Oftalmológica 95

• Cílios: podem-se encontrar diminuição da orbitária, que inicialmente são verificados quanto à
quantidade, ausência ou alteração da topo- posição (exoftalmia, enoftalmia) e ao alinhamento
grafia (triquíase ou distiquíase) ou da colo- de seu polo anterior (estrabismo convergente, estra-
ração. bismo divergente).
• Aparelho lacrimal (glândulas lacrimais, duc- • Conjuntiva ocular e esclera: a conjuntiva
tos e saco lacrimal): a maior porção da glân- ocular é uma membrana mucosa, fina e
dula lacrimal está protegida pela região su- transparente que recobre a esclerótica. De-
perolateral da órbita, acima do bulbo ocular. vido a sua transparência, é possível notar a
Assim, apenas quando é acometida por um presença de capilares e dos vasos episclerais
processo inflamatório, infeccioso ou neo- de tonalidade avermelhada. Excetuando-se
plásico, a glândula torna-se aparente. esses vasos, a esclera possui uma coloração
branca nacarada (de “porcelana branca”).
Assim, é importante que se busque por alte-
OBSERVAÇÃO CLÍNICA rações de coloração (típicas de depósitos pig-
• A busca por obstruções é realizada por inspeção mentares, como ocorre na icterícia e na me-
e compressão do saco lacrimal, do ponto lacrimal lanose ocular). O examinador também deve
e dos canalículos, por inspeção e palpação do se atentar à presença de processos inflama-
ângulo palpebral medial e por palpação/compressão tórios, tumorações, congestão passiva veno-
imediatamente inferior a ele para se verificar a saída
sa, epífora (lacrimejamento excessivo), cor-
de secreções oculares (lacrimal ou mucopurulenta).
pos estranhos, xeroftalmia, pinguécula e
pterígio (Figura 5.2).
O saco lacrimal localiza-se na porção medial
• Córnea: avaliam-se o tamanho (normal:
do olho e pode estar sujeito a processos inflama-
11,7 mm no eixo horizontal e 10,6 mm no
tórios ou infecciosos, tornando-se aparente, es-
eixo vertical), a transparência/opacidade, as
pecialmente, quando há presença de sinais flogís-
irregularidades epiteliais, a presença de cor-
ticos na região. Por sua vez, a exploração do ponto
pos estranhos, a neovascularização (pânus
lacrimal, dos canalículos, dos ductos e do saco la-
corneal) e a sensibilidade da córnea.
crimal é indispensável quando há alterações da
• Reflexo corneopalpebral: a avaliação da sen-
drenagem ocular, com a presença de refluxo ou
secreção purulenta. sibilidade corneal é realizada pela exploração
do reflexo corneopalpebral, comparando-se
• Conjuntiva palpebral: devem-se observar a
sempre ambos os olhos. Para realizar o exa-
cor [rosa-pálida/branca (descorada), rosa-
me, solicita-se ao paciente que olhe para cima
-viva (corada), amarelada (sinal de icterí-
cia), marrom (nevo), etc.], o padrão vascu- e para o lado oposto ao que será estimulado.
lar, a presença de nódulos, edemas e corpos Assim, toma-se um filete de algodão e, com
estranhos. cuidado para não tocar nos cílios, estimula-
-se delicadamente a parte apical da córnea na
Para examinar corretamente a esclera e a con- junção corneoconjuntiva (aferência via ner-
juntiva palpebral inferior, deve-se solicitar ao pa- vo trigêmeo). O resultado esperado é o pes-
ciente que olhe para cima, enquanto, com a polpa tanejamento imediato (eferência via nervo
digital de um dos dedos, o examinador realiza uma facial).
leve tração da pálpebra inferior para facilitar a ava- • Cristalino: o cristalino ou lente (lens) é uma
liação da região. pequena lente transparente, situada entre a
O exame da conjuntiva palpebral superior é rea- íris e o vítreo ocular, que se prende ao corpo
lizado por meio da eversão da pálpebra superior. Para ciliar por um delicado conjunto de fibras
isso, solicita-se que o paciente olhe para baixo, en- denominado zônula. Para realizar o exame,
quanto o examinador segura os cílios com uma mão é necessário que esteja disponível uma boa
(puxando-os para fora e para baixo) e, com o auxílio fonte de luz. Assim, avalia-se o cristalino
de uma haste flexível, exerce uma leve pressão cerca quanto a sua posição (deslocado/luxado) e
de 1 cm acima da borda da pálpebra superior. quanto a sua transparência (de preferência,
Após a avaliação das estruturas externas, pros- com o auxílio de um biomicroscópio ou de
segue-se com a análise do globo ocular e da cavidade uma lâmpada de fenda slit-lamp).

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96 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

OBSERVAÇÕES CLÍNICAS normalmente simétricas (25% da popula-


ção pode apresentar anisocoria fisiológica).
• É importante que se avalie a sensibilidade da córnea, Pupilas menores que 3 mm são ditas em
uma vez que ela pode estar reduzida/abolida tanto
miose, enquanto pupilas maiores que 7 mm
em lesões centrais do nervo trigêmeo como em lesões
estão em midríase.
próprias da córnea, como a ceratite herpética, que
pode evoluir para úlcera corneana neuroparalítica.
• A maioria dos processos que acometem a região OBSERVAÇÂO CLÍNICA
da córnea e o cristalino cursa com opacificação. A
• o estado de dilatação pupilar (miose/midríase) pode
opacificação do cristalino indica presença de catarata
ser indicativo de diversas condições patológicas:
(Figura 5.3). Na córnea, a presença de um halo
−− miose: drogas como heroína, parassimpaticomiméticos
opaco e esbranquiçado (leucoma corneal) pode estar
(colinérgicos ou simpatolíticos) e derivados;
associada a alterações metabólicas.
−− midríase: drogas simpaticomiméticas e doenças
neurológicas.

O exame das estruturas citadas praticamente en-


cerra a análise das estruturas anatômicas do globo
ocular. Assim, este capítulo prossegue com a descrição
da avaliação funcional do sistema ocular: acuidade vi-
sual, exame dos reflexos pupilares, avaliação dos cam-
pos visuais e da musculatura extrínseca do olho.

Avaliação funcional do sistema visual


Exame da acuidade visual
Permite esclarecer se uma queixa de redução
Figura 5.2 – Pterígio.
ou perda da visão é ou não procedente. O exame da
Fonte: Gentilmente cedida pelo Departamento de Oftalmologia acuidade visual deve ser realizado com cada olho
da Santa Casa de São Paulo (vide seção “Conceitos” no final separadamente: para isso, oclui-se o olho que não
deste capítulo). será examinado. É preciso sistematizar o exame
avaliando-se em primeiro lugar o olho direito, para
depois obter dados do olho esquerdo. O examina-
dor deve tomar cuidado especial para que o pacien-
te não “force” a vista do olho que está sendo exami-
nado, uma vez que essa manobra pode, facilmente,
alterar o resultado do exame.
A acuidade visual pode ser pesquisada com
A
qualquer material impresso, no entanto idealmente
se utiliza a tabela de Snellen (Figura 5.4).

Realização do exame da acuidade visual


Com o paciente sentado, posiciona-se a tabela
de Snellen a 6 m (20 pés) dele. Em seguida, deve-se
Figura 5.3 – Catarata. A: Nota-se a opacificação do estimulá-lo a ler a partir da maior até a menor linha
cristalino. possível.
Fonte: Gentilmente cedida pelo Departamento de Oftalmologia O teste deve ser realizado com um olho de cada
da Santa Casa de São Paulo. vez, enquanto o outro é mantido coberto. Caso o pa-
ciente já use óculos, deve ser feito primeiro sem o au-
• Pupila e íris: a íris e a pupila devem ser ins- xílio de lentes corretivas e depois com o auxílio delas.
pecionadas levando-se em conta caracterís- Esse método indica se o paciente apresenta difi-
ticas como cor, forma e limites. Os limites culdade de enxergar objetos distantes (situados no
da pupila devem estar claramente delimita- infinito). Para testar a acuidade visual de perto, qual-
dos pela íris; assimetrias no orifício pupilar quer material de leitura pode ser utilizado; idealmen-
devem ser consideradas sempre patológicas. te, utiliza-se a tabela de Jaegger, situada a 33 cm de
As pupilas normais são redondas, centrais e distância.

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Capítulo 5 // Propedêutica Oftalmológica 97

ta de um lápis), o qual é colocado à sua frente,


na altura de seus olhos, a uma distância de
cerca de 35 cm. Em seguida, o examinador
deve aproximar seu dedo dos olhos do pacien-
te, observando se há convergência e miose dos
olhos, e depois afastá-lo, observando o retor-
no dos olhos à condição anterior.

OBSERVAÇÃO CLÍNICA
• os reflexos fotomotores direto e consensual, quando
normais, são entendidos como um sinal de integridade
Figura 5.4 – Tabelas de aferição da acuidade visual. do mesencéfalo e estão presentes mesmo nos indivíduos
A figura apresenta à esquerda a tabela de Snellen (mais cegos, desde que a via reflexa esteja preservada.
utilizada na prática clínica); à direita, está a tabela de
logMAR (mais recente e de maior acurácia).

OBSERVAÇÃO CLÍNICA Z Z
LU LU
• A acuidade visual, por convenção, é considerada normal Miose Miose Miose Midríase
quando o paciente é capaz de ler corretamente a tabela
logarítmica de Snellen (Figura 5.4) até a oitava linha, e Reflexo fotomotor
sua acuidade visual é dita 20/20. Se somente for capaz Direto Consensual
de ler corretamente até a sexta linha, sua acuidade
visual é considerada subnormal, uma vez que a 20 pés Figura 5.5 – Reflexos fotomotores direto e consensual
(6 m) de distância só foi capaz de ler corretamente o normais em um paciente isocórico (à esquerda); e reflexo
que um indivíduo normal é capaz de ler a 30 pés de consensual alterado em um paciente anisocórico (à direita).
distância.
LUZ
Exame neuroftalmológico
Avaliação pupilar Gânglio ciliar
A avaliação pupilar é feita por meio das inspe-
ções estática e dinâmica. Nela se analisa a responsi-
vidade aos estímulos luminosos e à acomodação vi- Nervo óptico Nervo oculomotor
sual, sempre de modo comparativo entre os lados (II par craniano) (III par craniano)
direito e esquerdo.
Na inspeção estática, com o paciente olhando
para longe e à luz ambiente, observa-se a forma (arre-
dondada ou irregular) e o diâmetro pupilar (midría-
se, miose, isocóricas ou anisocóricas – Figura 5.5). Núcleo de
Durante a inspeção dinâmica, testam-se os re- Edinger-
-Westphal Mesencéfalo
flexos pupilares:
• reflexo fotomotor (Figuras 5.5 a 5.7) – inci-
de-se lateralmente ao olhar do paciente um
feixe de luz, sobre a retina de um de seus Figura 5.6 – Esquematização do funcionamento do
olhos, e observa-se a resposta pupilar. Em reflexo fotomotor direto e consensual. Ao projetar-se
indivíduos normais, observa-se a contração um feixe luminoso em direção à pupila, este é captado
pupilar (miose) tanto do olho estimulado pela retina ocular e convertido em sinais elétricos que
(reflexo fotomotor direto) quanto do olho seguem pelo nervo óptico até atingirem o núcleo de
Edinger-Westphal no mesencéfalo (núcleo parassimpático
contralateral (reflexo fotomotor consensual),
do nervo oculomotor). A partir desse núcleo, as fibras
conhecida como reação pupilar cruzada; parassimpáticas do NC III se dirigem para ambos os
• reflexo da acomodação – orienta-se o paciente olhos, onde promovem a contração do músculo esfíncter
a fixar o olhar na ponta do dedo do examina- da pupila, provocando a miose isocórica (Figura 5.5)
dor (ou em outro objeto pontual, como a pon- característica do reflexo fotomotor direto e consensual.

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98 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

RS OS OS RS

RL RM RL

RI OI OI RI

RS 5 2 OS

RL 4 1 RM

Figura 5.7 – Manobra para testar reflexo fotomotor. 6 RI 3 OI

Avaliação da musculatura ocular extrínseca Figura 5.8 – Movimentos oculares extrínsecos. A parte
de cima da figura apresenta os músculos extraoculares e
Cada olho se move à custa de seis músculos: qua- seus respectivos movimentos a partir da posição primária
tro retos (reto superior, reto inferior, reto medial e reto do olhar. A parte de baixo apresenta a sequência dos
lateral) e dois oblíquos (oblíquo superior e oblíquo in- movimentos oculares que deve ser realizada durante a
ferior). Cada músculo é inervado por um nervo cra- avaliação da musculatura ocular extrínseca, posições
niano e é responsável por um movimento específico, marcadas de 1 (primeira posição) a 6 (última posição),
mas todos atuam de modo harmônico (movimento de modo a isolar a musculatura testada em cada
sacádico), a fim de promover o movimento sincroni- movimento. RS: músculo reto superior; RI: músculo
zado dos olhos (movimentos conjugados). reto inferior; RL: músculo reto lateral; RM: músculo
O músculo reto medial promove a adução do reto medial; OS: músculo oblíquo superior; OI: músculo
bulbo ocular, enquanto seu antagonista, o músculo oblíquo inferior.
reto lateral, promove a abdução ocular (Figura 5.8).
Enquanto se realiza o exame deve-se observar
Entretanto, a função dos outros quatro músculos
se os movimentos são realizados de forma harmô-
oculares muda de acordo com a posição do bulbo
nica e suave ou se há alteração da movimentação do
ocular (Figura 5.8). Quando o bulbo ocular está em
bulbo ocular em determinada direção (p. ex.: a in-
abdução, os músculos reto superior e reto inferior
capacidade de realizar a abdução do olho direito
deslocam o bulbo ocular para cima e para baixo,
pode indicar lesão do músculo reto lateral ou ainda
respectivamente. Entretanto, quando em adução, os
músculos oblíquo inferior e oblíquo superior são os do nervo abducente).
agonistas responsáveis por mover o bulbo ocular Existem ainda alguns movimentos específicos,
para cima e para baixo. como o sacádico, o persecutório e os nistagmos
Com o paciente de frente para o examinador, (vide mais informações no capítulo “Propedêutica
solicita-se que acompanhe um objeto, ou mesmo o Neurológica”), bem como a alteração dos movi-
dedo do examinador, enquanto este descreve um mentos conjugados, que podem indicar algumas
movimento semelhante à letra “H” (Figura 5.8). situações complexas.
Deve-se conduzir o olhar do paciente horizon-
talmente para a extrema direita (avaliação do mús- OBSERVAÇÕES CLÍNICAS
culo (m.) reto lateral direito e do m. reto medial es- • A inervação ocular será mais detalhadamente
querdo) e, ainda com o olhar dele voltado para este abordada no capítulo “Exame Neurológico”. Todavia,
lado, para cima (avaliação do m. reto superior direito é importante que o leitor saiba desde já que a
e do m. oblíquo inferior esquerdo) e para baixo (ava- impossibilidade de se realizar algum dos movimentos
liação do m. reto inferior direito e do m. oblíquo su- oculares, ou até mesmo a presença de estrabismo,
perior esquerdo). Em seguida, repete-se o procedi- pode indicar uma possível lesão, tanto da musculatura
mento do lado esquerdo. O examinador dirige, ocular como dos nervos cranianos (NC) III, IV ou VI.
horizontalmente, o olhar do paciente para a extre- • Assim, para que seja possível supor qual o
ma esquerda (m. reto lateral esquerdo e m. reto me- possível nervo lesionado, a Quadro 5.1 apresenta,
dial direito), para cima (m. reto superior esquerdo e separadamente, os músculos inervados por cada um
m. oblíquo inferior direito) e para baixo (m. reto infe- dos NC III, IV e VI e suas respectivas funções tanto
rior esquerdo e m. oblíquo superior direito). nos reflexos quanto na motilidade ocular.

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Capítulo 5 // Propedêutica Oftalmológica 99

QUADRO 5.1 – Correlação funcional entre os NC III, IV e IV e suas respectivas inervações


NERVO CRANIANO INERVAÇÃO RESPOSTA
Músculo esfíncter da pupila Contração da pupila
Músculo reto superior Elevação do bulbo ocular
NC III
Músculo reto inferior Depressão do bulbo ocular
(Nervo oculomotor)
Músculo reto medial Adução do bulbo ocular
Músculo oblíquo inferior Extorsão do bulbo ocular
NC IV Músculo oblíquo superior Intorção do bulbo ocular
(Nervo troclear)
NC VI Músculo reto lateral Abdução do bulbo ocular
(Nervo abducente)

Avaliação do campo visual −− em seguida, posiciona um pequeno objeto


Entende-se por campo visual toda a área que (como uma caneta, ou a ponta de seu dedo)
um indivíduo consegue visualizar quando mantém além de seu campo visual e o aproxima va-
seu olhar em um ponto fixo. Por fins clínicos, o garosamente da periferia para o centro do
campo visual é subdividido em quadrantes: tempo- campo visual, enquanto pergunta ao pa-
ral superior; temporal inferior; nasal superior; e na- ciente se este está vendo alguma coisa;
sal inferior. −− esse procedimento deve ser repetido
Ao selecionar pacientes que possam apresentar para os quatro quadrantes (temporal su-
perior, temporal inferior, nasal superior
alguma alteração de campos visuais, inicia-se com
e nasal inferior) em cada olho separada-
o exame dos campos temporais (Figura 5.9).
mente e depois com os dois olhos abertos
simultaneamente.
• Método 2:
−− olhando nos olhos do paciente, o exami-
nador coloca os dedos de ambas as mãos
a aproximadamente 60 cm de distância
da parte lateral da cabeça dele. O médico
vai aproximando os dedos em direção ao
indivíduo de maneira circular, terminan-
do com os dedos na frente do paciente. O
indivíduo examinado deverá comunicar
quando começar a enxergar os dedos do
médico. Os dois lados devem começar a
Figura 5.9 – Manobra para testar campos visuais. ver ao mesmo tempo; se isso não aconte-
cer, pode haver algum desvio da norma-
Exame dos campos visuais lidade. Se houver alguma alteração nesse
O exame é realizado pelo método de confrontação, primeiro exame, é necessário delimitá-la
que pode ser feito de duas maneiras. testando um olho da cada vez;
• Método 1: −− o resultado do exame é obtido contras-
−− o paciente deve estar preferencialmen- tando-se as respostas do paciente com as
te sentado, relaxado e com um de seus do examinador, que se supõe não possuir
olhos tapados; alterações em seu campo visual, e anota-
−− o examinador, em frente ao paciente, deve do de acordo com a normalidade ou não
solicitar que este fixe o olhar em um ponto do campo visual, e não da retina. As di-
de sua face (como a ponta do seu nariz), ferentes manifestações clínicas da perda
ou que olhe diretamente em seus olhos, do campo visual e sua correlação anatô-
enquanto faz o mesmo na face do paciente; mica são esquematizadas na Figura 5.10.

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100 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

assim é útil para os pacientes, desde os que apresen-


VIA VISUAL
tam suspeita de hipertensão intracraniana até aque-
9 10
les que estão em acompanhamento de diabetes e/ou
hipertensão arterial sistêmica.
O exame é realizado com o auxílio de um oftal-
moscópio e permite avaliar o disco óptico (papila), a
1 2 retina, os vasos retinianos e a mácula (Figura 5.13).
B
A
3
4 C OBSERVAÇÃO CLÍNICA
5
D • A pupila deve ser dilatada com colírio midriático
instilado no fundo de saco inferior ou no ângulo ocular
interno, evitando colocá-lo diretamente sobre a córnea.
Depois de 30 minutos, já se pode examinar o paciente.
−− Obs.: Antes de utilizar o colírio, deve-se verificar se há
6 contraindicações.

E O fundo de olho normal é visto como um re-


flexo vermelho-alaranjado, denominado clarão pu-
pilar, por meio do oftalmoscópio. O examinador
deve aproximar-se do paciente sempre seguindo o
F
reflexo vermelho até o fundo de olho ser avistado.
7 O exame inicia-se pela avaliação do disco ópti-
8 co, que se localiza na parte nasal do fundo de olho.
Em condições normais, é verticalizado, rosado,
com uma depressão mais clara em seu centro – a
Normal escavação fisiológica – e apresenta limites bem defi-
A: cegueira total do olho direito nidos. Durante o exame, verificam-se os limites, a
(amaurose unilateral) forma, a coloração, eventual presença de edema, de
B: hemianopsia heterônima bitemporal hemorragias, e avalia-se a escavação fisiológica, que
C: hemianopsia nasal do olho direito pode se apresentar aumentada, como no glaucoma.
Em seguida, avaliam-se os vasos sanguíneos.
D: hemianopsia homônima esquerda Para isso, é importante que o examinador saiba
E: quadroanopsia homônima superior identificar corretamente as arteríolas e as vênulas
direita
no exame de fundo de olho. As arteríolas possuem
F: hemianopsia homônima esquerda coloração vermelho-clara, são mais finas, apresen-
tam um reflexo central mais brilhante e um cali-
Figura 5.10 – Correlação topográfico-clínica entre
bre uniforme e constante, que naturalmente dimi-
perdas de campo visual e as respectivas lesões da via
óptica. 1: retina nasal; 2: retina temporal; 3: nervo óptico;
nui do centro para a periferia. As vênulas, por sua
4: quiasma óptico; 5: trato óptico; 6: corpo geniculado vez, apresentam um tom mais escuro (vermelho
lateral; 7: radiação óptica; 8: área visual primária; -escuro) e são mais espessas que as arteríolas, obe-
9: campo visual temporal; 10: campo visual nasal. decendo à proporção arteríola-vênula de 3:4. O
examinador deve procurar por sinais de estreita-
Exame de fundo de olho mento arterial (focal ou generalizado), tortuosi-
ou oftalmoscopia direta dades venosas, bem como observar cruzamentos
arteriovenosos.
Ao final de todos os testes semiológicos descri-
O exame da mácula segue-se ao exame dos va-
tos anteriormente, realiza-se o exame de fundo de
sos sanguíneos. A mácula encontra-se na região
olho (oftalmoscopia direta). Todo médico deve ser temporal da retina, aproximadamente a duas vezes
capaz de realizar esse exame, já que é utilizado tanto o diâmetro do disco óptico a partir deste. A mácula
na avaliação da função ocular como na avaliação de normal é mais pigmentada do que o restante da re-
doenças sistêmicas. O exame de fundo de olho reflete tina e não apresenta vasos sanguíneos confluindo
a condição de toda a microcirculação do organismo, em sua direção, uma vez que sua nutrição se deve

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Capítulo 5 // Propedêutica Oftalmológica 101

exclusivamente à coroide. Sua área central, denomi-


nada fóvea, é de maior acuidade visual da retina hu-
mana e pode ser distinguida do resto da mácula por
seu brilho característico.
Finaliza-se o exame pela avaliação da retina pe-
riférica. Isso pode ser feito: solicitando ao paciente
que olhe em diversas direções (para a esquerda, para
a direita, para baixo e para cima), enquanto se exa-
minam as porções periféricas da retina; por meio de
técnicas como a oftalmoscopia indireta; ou por meio
de lentes especiais (lentes de VOLK ou HRUBY).

Semiotécnica
• O paciente deve estar, preferencialmente,
com as pupilas dilatadas, para que a avalia- Figura 5.11 – Realização do exame de fundo de olho.
ção completa das estruturas do fundo de
olho, inclusive a periferia da retina, seja rea- O oftalmoscópio direto (Figura 5.12) é com-
lizada. Entretanto, se isso não for possível e o posto de um sistema de lentes reguláveis, a fim de
exame for necessário, este poderá ser realiza- ajustar as dioptrias do examinador com as do pa-
do mesmo sem a midríase induzida pela di- ciente. Inicialmente, deve-se girar a lente até 0
latação pupilar. (zero) dioptrias e, a seguir, mantendo-se o dedo na
margem do disco da lente, buscar o foco conforme
• A sala na qual será realizado o exame deve
necessário.
estar escura, com o paciente sentado em
frente ao médico. Para analisar o olho direi-
to do paciente, o examinador deve segurar o
oftalmoscópio com a mão direita, usando
seu olho esquerdo, e vice-versa (Figura 5.11).
Durante o exame, o paciente deve manter o
olhar em um ponto fixo, a fim de facilitar a
realização do exame.
• Como citado anteriormente, o fundo de olho
normal é visto a distância como um reflexo
vermelho por meio do oftalmoscópio. As-
sim, enquanto o paciente olha fixamente
para a frente, o examinador deve aproximar-
-se vagarosamente pela porção lateral da face
dele, seguindo o reflexo vermelho até o fun-
do de olho ser avistado.
• O exame propriamente dito inicia-se pela ava-
liação do disco óptico. Para localizá-lo, o exa-
minador deve seguir o caminho inverso ao da
bifurcação dos vasos sanguíneos, uma vez que
estes convergem em direção a ele. A seguir,
inspeciona-se a mácula, que pode ser acessada
dirigindo-se o oftalmoscópio à retina tempo-
ral a partir do disco óptico. A retina periférica,
por sua vez, é avaliada ao final do exame, soli-
Figura 5.12 – Oftalmoscópio direto.
citando-se que o paciente olhe para os lados Fonte: Gentilmente cedida pelo Departamento de Oftalmologia
enquanto o examinador acessa as áreas que da Santa Casa de São Paulo.
antes não podiam ser visualizadas.
Obs.: Todos os dados obtidos a partir da oftalmos- O exame de fundo de olho também pode ser
copia devem sempre ser comparados bilateralmente. realizado com o oftalmoscópio indireto.

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102 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

D
C

A
B

Figura 5.13 – Fundo de olho normal. A: mácula; B: Figura 5.15 – Retinopatia hipertensiva. Nota-se a
papila; C: veia; D: artéria. desproporção entre o calibre das veias e o das artérias.
Fonte: Gentilmente cedida pelo Departamento de Oftalmologia Fonte: Gentilmente cedida pelo Departamento de Oftalmologia
da Santa Casa de São Paulo. da Santa Casa de São Paulo.

Conceitos
OBSERVAÇÕES CLÍNICAS
1. Madarose: ausência de pelos na região das
• O aumento da pressão intracraniana leva ao
edema de papila, no qual o disco óptico apresenta
sobrancelhas.
limites imprecisos, bordas elevadas e mudança de 2. Triquíase: crescimento dos cílios para dentro da
cor. Algumas vezes, podem ser observadas áreas borda palpebral, provocando lesões de córnea.
hemorrágicas ou exsudativas. 3. Exoftalmia (proptose): protrusão do globo
• Na retinopatia diabética, as principais alterações ocular devido a algum processo retrobulbar.
no fundo de olho são os microaneurismas, as
hemorragias, a neovascularização, os exsudatos duros 4. Enoftalmia: retração do bulbo ocular. Nor-
e os exsudatos moles (Figura 5.14). malmente, ocorre em processos degenerativos
• Na retinopatia hipertensiva, observa-se constrição das e síndromes (Claude Bernard-Horner).
arteríolas, aumento do reflexo axial, ingurgitamento 5. Estrabismo convergente ou esotropia (Figura
venoso, cruzamentos arteriovenosos patológicos (sinal
5.16): desvio do polo anterior do globo ocular
de Salus), tortuosidade dos vasos e hemorragias (em
chama de vela). Se a hipertensão se agrava, surgem medialmente.
vasos com aspecto de fio de cobre ou de prata; e na
hipertensão maligna é possível observar o edema de
papila (Figura 5.15).

Figura 5.16 – Estrabismo convergente do olho esquerdo.


Fonte: Gentilmente cedida pelo Departamento de Oftalmologia
da Santa Casa de São Paulo.

Figura 5.14 – Retinopatia diabética. A: hemorragias


6. Estrabismo divergente ou exotropia (Figura
puntiformes confluentes; B: exsudatos duros.
Fonte: Gentilmente cedida pelo Departamento de Oftalmologia 5.17): desvio do polo anterior do globo ocular
da Santa Casa de São Paulo. lateralmente.

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Capítulo 5 // Propedêutica Oftalmológica 103

11. Nistagmo: oscilação fina rítmica dos olhos que


pode ser notada espontaneamente ou no olhar
conjugado lateral extremo. O nistagmo persis-
tente é observado em diversas afecções neuroló-
gicas (para mais detalhes, vide o capítulo “Pro-
pedêutica Neurológica”).
12. Pterígio (Figura 5.2): crescimento da conjunti-
va medial com aspecto membranoso que, ao se
hipertrofiar, pode atrapalhar a visão.

Figura 5.17 – Estrabismo divergente do olho direito. Referências Bibliográficas


Fonte: Gentilmente cedida pelo Departamento de Oftalmologia Kara-José N, Touma L. Exame oftálmico. In: Benseñor IM,
da Santa Casa de São Paulo. Atta JA, Martins MA. Semiologia clínica. São Paulo: Sarvier;
2002. p. 161-174.
7. Midríase (Figura 5.5): pupila dilatada, maior que Moore KL, Dalley AF. Cabeça. In: Moore KL, Dalley AF. Ana-
7 mm. tomia orientada para a clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanaba-
ra Koogan; 2007. p. 820-964.
8. Miose (Figura 5.5): pupila diminuída, menor que
Netter FH. Atlas de anatomia humana: aparelho lacrimal. 3.
3 mm.
ed. Porto Alegre: Artmed; 2003. Lâmina 78.
9. Pupilas isocóricas (Figura 5.5): ambas as pupi- Porto CC. Olhos: exame clínico. In: Semiologia médica. 6. ed.
las do mesmo diâmetro. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 215-223.
10. Pupilas anisocóricas (Figura 5.5): pupilas com Porto CC. Olhos: exames complementares. In: Semiologia mé-
diâmetros diferentes. dica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p 224-230.

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Propedêutica
Otorrinolaringológica
6
Camila Bianca Lecciolle Paganini
Alexandre Venturi
Renata Santos Bittencourt Silva
Vivian Angerami Gonzalez La Falce
Antônio José Gonçalves
Carlos Alberto Herrerias de Campos
Ney Penteado de Castro Júnior

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106 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

Introdução Nariz, Seios Paranasais e Face


O objetivo deste capítulo é sistematizar a ava- Introdução
liação do doente portador de afecções otorrinola- O nariz apresenta-se como uma estrutura proe-
ringológicas a fim de desenvolver um raciocínio minente ósseo-cartilaginosa no centro da face. Inter-
clínico que justifique a solicitação de exames com- namente, existe a cavidade nasal, composta medial-
plementares para estabelecimento da melhor con- mente pelo septo nasal e lateralmente por três conchas
duta possível.
de cada lado (conchas superior, média e inferior) (Fi-
gura 6.2). Sob cada concha, existe um espaço chama-
Anamnese
do meato, que recebe a denominação de acordo com
Os princípios da anamnese devem seguir aque-
a concha correspondente. Os meatos recebem a dre-
les apresentados no capítulo “Anamnese Geral”. Na
nagem dos seios paranasais. Os seios anteriores (ma-
anamnese do paciente otorrinolaringológico, em
xilar, etmoide anterior e frontal) drenam para o me-
especial, as queixas são geralmente divididas em
ato médio (uma das regiões mais importantes para o
quatro grandes áreas: nariz, seios paranasais e face;
funcionamento dos seios paranasais), enquanto que
cavidade oral, faringe e laringe; pescoço e orelhas.
apenas o ducto nasolacrimal é drenado para o meato
Assim, a seguir serão descritas as principais quei-
inferior. Os seios posteriores (etmoide posterior e es-
xas e a avaliação semiológica adequada a cada uma des-
fenoide) drenam para o meato superior.
sas áreas.

Exame Otorrinolaringológico Geral


No exame otorrinolaringológico, o paciente deve
estar idealmente sentado à frente do examinador de 1
modo que as cabeças de ambos, paciente e examina-
dor, estejam aproximadamente na mesma altura. 2
A

B 3
OBSERVAÇÃO CLÍNICA
• Assim como os adultos, as crianças também devem C
ser examinadas sentadas; se muito pequenas, devem
ser seguradas pela mãe, conforme a Figura 6.1.

Figura 6.2 – Conchas nasais. A: concha nasal superior;


B: concha nasal média; C: concha nasal inferior; D:
nasofaringe; 1: meato superior; 2: meato médio; 3:
meato inferior.
Fonte: Adaptada de Bickley LS, 2005.

Os seios paranasais são extensões da cavidade


nasal que se desenvolvem como cavidades preen-
chidas por ar no interior dos ossos da face, sendo
denominados de acordo com o osso no qual estão
inseridos. Assim, anatomicamente, têm-se: seios
frontais; seios maxilares; seios esfenoidais; e as vá-
rias células etmoidais (Figura 6.3). Esses espaços
contribuem para a redução do peso da superfície
frontal do crânio, proporcionam um meio de resso-
Figura 6.1 – Foto ilustrativa demonstrando a posição nância à voz, contribuem para a produção de muco
adequada da criança durante o exame físico. e umidificam e aquecem o ar inalado.

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Capítulo 6 // Propedêutica Otorrinolaringológica 107

Palpação
A palpação da pirâmide nasal é bastante sim-
ples, avaliando-se a presença de dor à palpação e
A A crepitação (geralmente constantes nos casos de fra-
turas traumáticas) e desnivelamentos (desvios trau-
B B máticos, tumorações, etc.).
A palpação dos seios da face, na presença de
dor, pode sugerir processo inflamatório/infeccioso,
alérgico ou tumoral subjacente. É importante sa-
C C
lientar que, isoladamente, é um sinal propedêutico
inespecífico e, por isso, vem sendo menos utilizada
na prática clínica (Figura 6.4).

Figura 6.3 – Corte coronal da face. A: seios frontais;


B: topografia das órbitas; C: seios maxilares; D: células
etmoidais.
A
Fonte: Adaptada de Bickley LS, 2005.
B
Anamnese
São queixas comuns apresentadas pelos pacien- C
tes com afecções dos seios paranasais e do nariz:
dor na região dos seios paranasais e do nariz; espir-
ros; tosse; cefaleia; prurido nasal; epistaxe; altera-
ções da olfação; obstrução nasal (fixa ou basculan-
te); rinorreia; gotejamento nasal posterior; dispneia;
e alterações da voz (p. ex.: voz anasalada).

Exame físico Figura 6.4 – Locais de palpação dos seios paranasais.


Inspeção A: seios frontais; B: seios etmoidais; C: seios maxilares.
O exame clínico inicia-se pela inspeção da face.
A palpação se faz pela percepção tátil e compres-
Avaliam-se cor, consistência, possíveis abaulamentos,
são dos seios paranasais. Procuram-se evidenciar hi-
retrações ou cicatrizes e a simetria geral da face (vide
persensibilidade e a presença de sinais flogísticos,
o capítulo “Propedêutica Neurológica” para maiores
como dor e calor local. Os seios mais facilmente pal-
detalhes sobre o exame da face).
páveis são os frontais (por meio da compressão cra-
A seguir, inicia-se o exame do nariz e dos seios
niocaudal da região do supercilio) e os maxilares
paranasais do paciente. O examinador deve obser-
(devem ser comprimidos de baixo para cima na re-
var o tamanho, a forma, a coloração e a simetria da
gião da maxila) (Figura 6.4).
pirâmide nasal. Procuram-se sinais de deformações
que indiquem distúrbios do desenvolvimento, des-
vios traumáticos ou consumo infeccioso das estru- OBSERVAÇÃO CLÍNICA
turas nasais por entidades infecciosas agudas ou
• Sinais de abaulamento devem ser avaliados quanto a
crônicas, além de sinais flogísticos (hiperemia, ede-
extensão, aderência aos planos profundos, presença
ma e abaulamento), que denotam um processo in- de dor e flutuação. Quando presentes, esses sinais são
flamatório subjacente. sugestivos de lesões expansivas, requerendo, portanto,
investigação complementar imediata.
OBSERVAÇÃO CLÍNICA
• Um importante sinal frequentemente encontrado na Trigger points
pratica clínica é a chamada “saudação alérgica”, que São pontos de gatilho, que, quando estimulados
consiste no ato de coçar o nariz empurrando a ponta – às vezes, pelo simples toque do examinador –, de-
nasal para cima, resultando em um traço horizontal sencadeiam crises dolorosas na região facial dos pa-
sobre o dorso nasal denominado “prega alérgica”.
cientes acometidos pela nevralgia do nervo trigêmeo.

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108 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

OBSERVAÇÃO CLÍNICA • Atenção! Apenas a rinoscopia não é suficiente


• O examinador deve ter em mente que os trigger points para a completa avaliação dessa região. Exames
são achados semiológicos específicos do território de complementares, como a visualização direta por fibra
inervação sensitiva do nervo trigêmeo, o que corresponde óptica, nasofibroscopia ou imagem por tomografia
a toda a face, exceto o ângulo da mandíbula, uma vez computadorizada, são ferramentas importantes.
que este é inervado por ramos sensitivos de C2. Assim,
a avaliação do ângulo da mandíbula é extremamente Rinoscopia anterior
útil para diferenciar crises de nevralgia do trigêmeo de Com o auxílio de um espéculo nasal, afastam-se
outras causas ou mesmo de simulações (vide o capítulo as asas nasais introduzindo as valvas especulares no
“Propedêutica Neurológica” para maiores informações).
vestíbulo nasal. O exame deve ser realizado com a
cabeça do paciente em posição reta e, em seguida, in-
Inspeção da cavidade nasal clinada para trás. Por meio da rinoscopia anterior,
A cavidade nasal pode ser avaliada pela rinosco- pode-se confirmar a presença de: exsudatos, pólipos,
pia anterior e posterior. neoplasias, corpos estranhos, hipertrofia de conchas
A rinoscopia anterior deve ser realizada com o nasais, desvios de septo, etc. (Figura 6.5).
paciente de frente para o examinador, com o auxílio
de uma fonte de luz externa e, preferencialmente,
um espéculo nasal.
Observam-se a mucosa (que deve ser rósea, úmi-
da, de superfície lisa), a presença ou não de secreção
(que pode ser aquosa, turva, purulenta ou sanguino-
lenta), eventuais elementos anormais (crostas, póli-
pos, neoplasias e corpos estranhos) e as estruturas
anatômicas da cavidade nasal:
• assoalho – avalia-se o assoalho da cavidade
nasal; deve-se procurar secreções ou lesões
anormais; Figura 6.5 – Rinoscopia anterior.
• parede lateral – com o paciente olhando
Rinoscopia posterior
para a frente, o examinador avalia a cabeça
da concha nasal inferior quanto a hipertro- Solicita-se ao paciente que mantenha a boca
fia, abaulamentos e processos degenerati- aberta e a língua relaxada sobre o assoalho da boca;
vos. A seguir, com o paciente olhando para dessa maneira, o examinador introduz um espelho
cima, avaliam-se a cabeça do corneto médio (espelho de Garcia) em direção à parede posterior da
e parte do meato médio (Figura 6.3); faringe, passando por debaixo da úvula até atrás do
palato mole. Assim, com a face refletora do espelho
• parede medial – na parede medial, avalia-se
voltada para cima é possível avaliar as paredes da
o septo nasal quanto à presença de deformi-
rinofaringe, as coanas, a cauda da concha inferior, a
dades, perfurações e abaulamentos.
porção posterior do septo nasal, as tonsilas farínge-
A rinoscopia posterior tem como finalidades a as e a tuba auditiva, além de secreções anormais e
visualização da porção final da cavidade nasal e a lesões expansivas pela imagem refletida.
avaliação inicial da rinofaringe e de suas estruturas.
Atualmente, a rinoscopia posterior tem sido substi- ObservaçÕES clínicaS
tuída por procedimentos endoscópicos.
• Em crianças pequenas, a rinoscopia anterior pode ser
realizada apenas elevando-se a ponta do nariz.
OBSERVAÇÕES CLÍNICAS • Atenção! Crianças com quadros unilaterais de
• O meato médio é uma das regiões de maior rinorreia purulenta e odor fétido têm suspeita
importância para avaliação, uma vez que a maioria diagnóstica de corpo estranho nasal, o que configura
dos seios paranasais (frontais, maxilares e etmoidais) uma urgência otorrinolaringológica.
escoa nele. Assim, a presença de abaulamentos,
edemas, secreções anormais, lesões expansivas e Exame do fluxo nasal expiratório
pólipos na região do meato médio pode indicar Pode-se inferir se as fossas nasais estão pér-
afecções dos seios paranasais, como as rinossinusites. vias por meio da avaliação do fluxo de ar expira-

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Capítulo 6 // Propedêutica Otorrinolaringológica 109

do pelas narinas. Para tanto, utiliza-se o espelho Quando o paciente apresentar resposta errada,
de Glatzel, sobre o qual o paciente expira e o mé- ele deverá ser submetido a um teste mais minucioso
dico observa se houve saída de ar pelo aspecto em- realizado por otorrinolaringologista.
baçado que se forma sobre o espelho abaixo de
ambas as fossas nasais. Assim, é possível compa-
rar se a expiração nasal foi simétrica ou se um
dos lados foi comprometido (Figura 6.6).

Figura 6.7 – Exame básico da função olfatória.

Figura 6.6 – Teste de fluxo expiratório com espelho de Cavidade Oral, Faringe E Laringe
Glatzel.
Anamnese
Exame básico da função olfatória Entre as principais queixas que levam os pa-
cientes a procurarem auxílio médico, destacam-se:
O exame da função olfatória visa avaliar a res-
posta subjetiva do paciente aos odores. Na anamne- 1. boca e faringe:
se, deve-se procurar caracterizar: • odinofagia;

1. caráter do comprometimento olfatório: • xerostomia;

• capacidade de distinção de diferentes odores; • disfagia;

• deficiência olfatória parcial (hiposmia) ou to- • sangramentos;

tal (anosmia); • lesões mucosas: bolhas, úlceras;

• aumento da sensibilidade olfatória (hipe- • cárie dentária;


rosmia); • halitose;
• distorções/perversões olfatórias (parosmias); • crescimento de massas na região da boca ou

2. lateralidade do comprometimento: faringe;


• se unilateral ou bilateral; • tosse;

• tempo de evolução; • dispneia;

• fatores agravantes ou desencadeantes. 2. laringe:


• alterações da voz (rouquidão e outras disfonias);
O exame é feito com o paciente de olhos venda- • dor;
dos. Ocluindo-se uma das narinas dele, solicita-se • pigarro;
ao paciente que respire naturalmente, fazendo-o
• sensação de globus (“bola na garganta”);
inalar um odorante conhecido pela narina aberta.
• dispneia;
Após permitir que o paciente inale o odorante,
• tosse.
o examinador deve questioná-lo a fim de estabele-
cer quantitativamente (odor presente, ausente, re-
duzido ou aumentado), qualitativamente (odor Cavidade oral e orofaringe
agradável ou aversivo) e especificamente (se ele pode Introdução
identificar o odor) sua acuidade olfatória global e O exame da boca e orofaringe é baseado na ins-
comparativamente (uma narina em relação à outra). peção das principais estruturas encontradas na ca-
Em geral, são empregadas substâncias conheci- vidade oral, seguida pela palpação das glândulas sa-
das e voláteis, como café, canela, álcool, chocolate e livares (parótidas, submandibulares e sublinguais) e
outros (Figura 6.7). da articulação temporomandibular (ATM).

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110 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

A seguir, estão listadas as principais estruturas osos cujo aspecto lembra o de um cérebro).
e suas alterações correspondentes mais comuns: Contudo, a língua também pode apresentar
• lábios – os lábios devem ser simétricos (tanto sinais indicativos de doenças sistêmicas, como
à inspeção estática quanto à dinâmica) e de a “língua careca”, “língua pilosa” e “língua sa-
coloração róseo-clara; burrosa” ou mesmo a macroglossia. Além dis-
• cavidade oral – o exame da cavidade inicia- so, sempre que possível deve-se realizar a pal-
-se pelo vestíbulo (delimitado, anterior- pação da língua para verificar o tônus
mente, pela mucosa interna dos lábios e bo- muscular e avaliar possíveis nodulações;
chechas e, posteriormente, pelos dentes e
gengiva) e segue-se pela avaliação da cavi- OBSERVAÇÃO TéCNICA
dade propriamente dita;
• A “língua careca” (atrofia de papilas linguais) pode
• gengivas e mucosa oral – a mucosa gengival
indicar avitaminoses, a “língua pilosa” (hipertrofia
tem cor variável, de rósea até parcialmente das papilas linguais), infecções fúngicas ou falta de
marrom, dependendo da coloração da pele ingestão de alimentos que necessitem de mastigação
do indivíduo. Por sua vez, a mucosa oral ou e a macroglossia (aumento das dimensões da língua),
jugal deve ser rósea, úmida e lisa. O formato acompanhar síndromes genéticas, sendo característica
da gengiva e as papilas interdentárias (pro- dos quadros de hipotireoidismo congênito.
jeções gengivais entre os dentes) também
devem ser examinados; • úvula – apresenta-se como um apêndice côni-
• arcada dentária – em indivíduos normais, co suspenso pelo véu palatino no centro do
apresenta 20 ou 32 elementos, respectiva- arco palato-glosso. Sua posição é um impor-
mente, em crianças e adultos. O examina- tante dado propedêutico, uma vez que pode
dor deve avaliar a mordida do paciente apresentar “desvios patológicos”, como nos
(normal, aberta, cruzada, etc.) e o estado de casos de comprometimento neurológico (será
conservação dos dentes, que podem apre- discutido com detalhes no capítulo “Prope-
sentar alterações de coloração, cáries ou dêutica Neurológica”);
mesmo fraturas;
• glândulas salivares (parótidas, submandi-
bulares e sublinguais) – durante a inspeção, OBSERVAÇÃO TéCNICA
deve-se procurar pela abertura dos ductos • A úvula apresenta-se desviada quando há paralisia
parotídeos junto à face interna – bochechas do IX par craniano (nervo glossofaríngeo). O desvio
(uma abertura em cada bochecha) – na al- é para o lado oposto da lesão (desvio contralateral).
tura do segundo molar superior dos pacien- Todavia, nas lesões do XII par craniano (nervo
tes. Os óstios dos ductos submandibulares hipoglosso), haverá desvio da língua para o mesmo
são visualizados no assoalho da boca, um lado da lesão (desvio ipsilateral).
de cada lado do freio lingual;
• língua – a coloração da língua pode variar de • orofaringe e tonsilas palatinas – a orofaringe
rósea a vermelha e suas duas faces devem ser corresponde a um pequeno espaço compreen-
examinadas: a superior deve apresentar papi- dido entre a raiz da língua, o palato mole e a
las por toda sua extensão e, na região poste- epiglote. Já as tonsilas palatinas ou amígdalas
rior, o “V” lingual; já a ventral não apresenta referem-se a massas moriformes encontradas
papilas, e sua consistência é lisa, úmida e, al- entre os pilares palatinos anteriores e poste-
gumas vezes, pode apresentar varizes consti- riores. Essa região é frequentemente acometi-
tucionais. Nesse momento, deve-se observar da por processos infecciosos, inflamatórios ou
tanto a integridade do freio lingual como a do até neoplásicos. Dessa forma deve-se procurar
assoalho da boca e dos ductos das glândulas por sinais de hiperemia, placas purulentas, se-
salivares submandibulares que nele desembo- creções ou ulcerações. Especificamente quan-
cam. O examinador deve-se atentar a possí- to às tonsilas palatinas em crianças, deve-se
veis alterações constitucionais da língua, as atentar para seu tamanho que, embora não
quais não necessariamente representam do- seja tão importante no adulto, pode provocar
enças, como: “língua geográfica” (desenhos importantes obstruções de fluxo aéreo quan-
que normalmente têm aspecto de mapa); “lín- do atinge grandes volumes;
gua fissurada” (aumento da profundidade dos • articulação temporomandibular (ATM) – a
sulcos); e “língua cerebriforme” (sulcos tortu- articulação que executa os movimentos mas-

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Capítulo 6 // Propedêutica Otorrinolaringológica 111

tigatórios. Sua mobilidade é extremamente Oroscopia


ampla, sendo capaz de realizar: abaixamen- Realizada com o intuito de avaliar a cavidade
to/elevação, protrusão/retração e lateraliza- oral e a orofaringe do paciente. Antes do início do
ção da mandíbula. Em indivíduos normais, exame, deve-se solicitar ao paciente que retire todas
nenhum desses movimentos deve provocar as próteses removíveis da boca. Durante o exame, o
dor, limitação ou crepitação articular, além paciente deverá permanecer sentado; para facilitar
de serem sempre simétricos. a avaliação, podem-se utilizar um abaixador de lín-
gua e uma fonte de luz externa.
Exame da cavidade oral Incialmente, realiza-se a inspeção dinâmica da
Durante o exame da cavidade oral, devem ser boca, solicitando-se ao paciente que abra e feche a
inspecionadas todas as estruturas apresentadas an- boca algumas vezes – deve-se atentar especialmente
teriormente. Isso pode ser realizado por meio da para a ATM e para a posição dos lábios. Em seguida, é
oroscopia, descrita adiante (Figura 6.8). preciso verificar a classe de Mallampati (Figura 6.9).
Durante o segundo tempo da oroscopia, solici-
ta-se ao paciente que mantenha a boca aberta e a
língua em repouso dentro e sobre o assoalho da ca-
vidade bocal. A fim de aumentar seu campo de vi-
são, o examinador pode utilizar um abaixador de
língua, que deve ser delicadamente posicionado nos
A dois terços anteriores dela, uma vez que pode de-
D B
sencadear o reflexo de vômito (Figura 6.10).
Para que nenhuma região anatômica seja esque-
C
cida, o exame deve obedecer a uma sequência. Para
isso, a sugestão é de que seja executado da região mais
externa para a mais interna: lábios, gengivas → sulcos
gengivojugais → áreas retromolares → mucosa das
regiões jugais → palato duro → palato mole → dorso
e bordas do corpo da língua → assoalho anterior e
lateral da boca → tonsilas palatinas → paredes late-
Figura 6.8 – Oroscopia normal. A: pilar palatino rais da orofaringe → parede posterior da orofaringe.
anterior; B: úvula; C: parede posterior da orofaringe; Ao final do exame, deve-se ainda utilizar a es-
D: pilar palatino posterior; seta: tonsila palatina. pátula para pesquisar o reflexo do vômito e a mobi-
Fonte: Adaptada de Netter FH, 2003. lidade do véu palatino e da língua.

GRAU I GRAU II GRAU III GRAU IV


Visualização Visualização Visualização da base Visualização apenas
da úvula, das tonsilas da úvula, da porção da úvula e do palato mole do palato duro
e do palato mole superior das tonsilas
e do palato mole

Figura 6.9 – Escala de Mallampati.

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112 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

damentais: doce (açúcar); salgado (sal); ácido (vi-


nagre); e amargo (cloridrato de quinina). Inicia-se a
testagem pelo terço posterior da língua, colocando-
-se, aproximadamente, uma gota da substância a ser
testada. Se a sensação for percebida, o examinado
deve levantar a mão e apontar em um papel previa-
mente escrito o gosto experimentado.
A sensibilidade geral é pesquisada pedindo-se
para o paciente fechar os olhos e ao acariciar com
uma espátula, respectivamente, os bordos laterais e
o terço posterior da sua língua, pedir a ele que indi-
que se percebeu o movimento executado.
A motricidade da língua (executada pelo nervo
hipoglosso XII) é testada pedindo-se para o pacien-
te realizar movimentos de elevação, lateralização e
anteriorização da língua.

Palpação
Após a inspeção, seguem-se a palpação das
glândulas salivares (parótidas e submandibulares),
do assoalho de boca e da ATM.
• Glândulas salivares: a palpação, que deve
ser realizada na topografia das glândulas
Figura 6.10 – Técnica de exame com espátula
parótidas e submandibulares, objetiva rela-
ou abaixador de língua.
xar a musculatura local para avaliar corre-
Exame da língua tamente a consistência, a sensibilidade, os
limites, a flutuação, a mobilidade, a tempe-
Antes de iniciar o exame, devem-se conhecer a ratura e as possíveis massas presentes na-
inervação da sensibilidade geral e da sensibilidade quela região.
gustativa da língua, uma vez que, nessa função, parti- −− topografia das glândulas parótidas: de
cipam três pares de nervos cranianos distintos (facial formato triangular, a glândula estende-
VII, glossofaríngeo IX e trigêmeo V) – Figura 6.11. -se posteriormente ao lobo da orelha,
A pesquisa da sensibilidade gustativa é realiza- desce acompanhando o ramo da man-
da por meio de quatro substâncias gustativas fun- díbula até o ângulo mandibular e sobe

SENSIBILIDADE GERAL SENSIBILIDADE ESPECIAL

Nervo Nervo
1/3 posterior glossofaríngeo glossofaríngeo 1/3 posterior
(IX par craniano) (IX par craniano)

Nervo lingual Nervo corda


(ramo do nervo do tímpano (ramo
2/3 anteriores do nervo facial – 2/3 anteriores
trigêmeo – V par
craniano) VII par craniano)

MOTRICIDADE
Nervo hipoglosso (XII par craniano)

Figura 6.11 – Inervação da língua.

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Capítulo 6 // Propedêutica Otorrinolaringológica 113

acompanhando o músculo masseter até • Palpação: o examinador deve posicionar


a ATM; seus dedos indicadores na região anterior ao
−− topografia das glândulas submandibula- trago e sobre as ATM direita e esquerda do
res: localizam-se medialmente ao ângulo paciente. A seguir, solicita-se a este que abra
da mandíbula, apresentam uma porção e feche a boca lentamente. Durante o movi-
superficial e outra profunda, divididas mento, observam-se a rotação, a translação,
pelo músculo milo-hióideo; a uniformidade, a sincronia e a presença de
−− topografia das glândulas sublinguais: lo- ruídos associados ao movimento. Essa ava-
calizam-se próximas à região mentoniana, liação deve ser realizada comparando-se os
abaixo da língua e drenam para ductos movimentos entre ambos os lados e verifi-
que se abrem na mesma região. cando-se se há dor e sua intensidade.

Palpação das glândulas salivares Faringe e laringe


• Parótidas: com uma de suas mãos apoiando Introdução
a cabeça do paciente, o examinador deve • Faringe: um órgão musculomembranoso
palpar delicadamente a topografia da glân- (Figura 6.12) que se estende desde as vias
dula parótida contralateral com as polpas aéreas superiores até o pescoço, podendo,
digitais. Deve-se, ainda, analisar a drena- assim, ser dividido em três segmentos:
gem de saliva pelo ducto parotídeo ao reali- −− nasofaringe: situada posteriormente às
zar a expressão da glândula. fossas nasais;
• Submandibular e assoalho da boca: a palpa- −− orofaringe: situada na porção posterior
ção é realizada pela técnica bimanual. Com da cavidade oral;
uma de suas mãos, o examinador introduz −− laringofaringe ou hipofaringe: situada
um ou dois dedos na cavidade bucal do pa- posteriormente à laringe.
ciente (abaixo da língua) enquanto, com a • Laringe: um órgão fibromuscular situado
mão livre, palpa o assoalho da boca exter- anteriormente à hipofaringe, inferiormente
à base da língua e superiormente à traqueia
namente, correndo do ângulo da mandíbu-
(Figura 6.12).
la ao mento. O objetivo dessa técnica é
prensar as estruturas do assoalho da boca
entre os dedos que estão dentro e fora da ca-
Palato mole
vidade, melhorando a acurácia do exame.
• Sublinguais: comumente, essas glândulas
não são palpáveis, excetuando-se em vigên- Cavidade nasal
Nasofaringe
cia de afecções patológicas como processos Palato duro
Língua Orofaringe
inflamatórios ou infecciosos. Laringofaringe
Epiglote
Cordas vocais
OBSERVAÇÃO CLÍNICA Traqueia Esôfago
• Processos inflamatórios que cursam com aumento
do volume da glândula parótida geralmente se Figura 6.12 – Laringe, faringe e suas divisões.
apresentam como apagamento do ângulo da
mandíbula durante a palpação.
Exame da laringe e faringe
O exame clínico da faringe é realizado de manei-
ra segmentada. A nasofaringe e a orofaringe são ava-
Exame da articulação liadas, respectivamente, pela “rinoscopia posterior” e
temporomandibular (ATM) pela “oroscopia”, explicadas anteriormente. Já a hipo-
• Inspeção: com o examinador de frente para o faringe e a laringe podem ser avaliadas em conjunto
paciente, solicita-se que este abra e feche a por meio de um “espelho de Garcia” de maneira seme-
boca lentamente algumas vezes. Deve-se ob- lhante à rinoscopia posterior, porém, desta vez, com a
servar se existem desvios ou sinais de tume- face refletora do espelho voltada caudalmente em di-
fação da articulação, além de avaliar o grau reção ao pescoço. Todavia, o exame clínico da laringe
de abertura da boca (em indivíduos normais e faringe vem sendo substituído pela nasofibrolarin-
varia de 35 a 55 mm da borda dos incisivos goscopia, uma alternativa pouco invasiva e de grande
superiores à borda dos incisivos inferiores). acurácia diagnóstica.

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114 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

OBSERVAÇÃO CLÍNICA O pescoço é dividido pelo músculo esternoclei-


domastóideo em dois trígonos distintos:
• Atenção! Todos os pacientes com disfonia há mais de
• trígono anterior – limitado lateralmente
15 dias, principalmente aqueles com fatores de risco,
como tabagismo e etilismo, devem ser submetidos ao
pelo músculo esternocleidomastóideo, me-
exame de faringe e laringe. dialmente, pela linha média do pescoço, e
acima, pela mandíbula;
• trígono posterior – limitado posteriormente
Pescoço pelo músculo trapézio, anteriormente pelo
Os principais sintomas clínicos que devem ser músculo esternocleidomastóideo e inferior-
pesquisados na anamnese são dor, massa ou nódu- mente pela clavícula.
los e restrições de mobilidade.
É de extrema importância que na história se- Exame do pescoço
jam descritos os fatores associados a essas queixas,
Composto pela inspeção (estática e dinâmica),
como perda de peso, disfagia, dispneia, doenças sis-
palpação e ausculta.
têmicas associadas e história pregressa de trauma,
• Inspeção: durante a inspeção estática, ob-
etilismo, tabagismo, etc.
servam-se simetria, possíveis abaulamen-
Introdução tos, retrações, nódulos, cicatrizes ou outras
alterações da pele. Durante a inspeção dinâ-
O pescoço é um segmento corporal de transição. mica, avalia-se a capacidade de movimenta-
Situado entre a margem inferior da mandíbula e a ção da cabeça tanto no sentido anteroposte-
linha nucal superior do osso occipital, acima, e a in- rior como no sentido laterolateral.
cisura jugular e as clavículas, abaixo. Ele conecta o • Palpação: visa identificar as estruturas cer-
segmento craniano ao tórax do indivíduo, recebendo vicais acessíveis à palpação (Figura 6.14)
em seu interior estruturas de extrema importância, (osso hioide, cartilagem tireoide, cartila-
como a coluna cervical, as artérias carótidas, a tra- gem cricoide, anéis traqueais, glândula ti-
queia, além de diversas cadeias de linfonodos que po- reoide, músculos cervicais, artérias caróti-
dem receber drenagem do segmento cefálico ou torá- das, veias jugulares e linfonodos), que serão
cico, dependendo da sua localização. discutidas individualmente a seguir.
O pescoço é dividido didaticamente em áreas (Fi- • Ausculta: trata-se da fase final do exame,
gura 6.13) e seu conhecimento é extremamente útil durante a ausculta avaliam-se os vasos do
para que o examinador localize estruturas anatômicas pescoço, em especial as artérias carótidas
normais e as diferentes cadeias linfonodais presentes (vide capítulo “Propedêutica Cardiovascu-
em cada região. Além disso, o médico deve ser capaz lar” para maiores detalhes).
de sinalizar com tranquilidade onde a massa ou o lin-
fonodo palpável foi encontrado durante o exame. Linfonodos
No pescoço, existem grupos linfonodais que
podem tornar-se palpáveis pelas mais diversas afec-
ções de suas áreas de drenagem (inflamação, infec-
ção, neoplasias, etc.). São eles: pré-auriculares; au-
riculares posteriores; occipitais; submentonianos;
submandibulares; jugulodigástricos; cervicais su-
perficiais; cervicais profundos; cervicais posterio-
II I res; e supraclaviculares (Figura 6.14).
III VI
exame dos linfonodos cervicais
V IV A palpação das cadeias linfonodais cervicais
faz-se com o examinador atrás do doente. Durante
o exame, para que sejam bem caracterizadas, as ca-
Figura 6.13 – Zonas do pescoço agrupadas em trígonos. deias linfonodais devem ser delicadamente compri-
I + VI: trígono anterior do pescoço; II + III + IV: trígono do midas contra os dedos do examinador e o exame
músculo esternocleidomastóideo; V: trígono posterior do deve, preferencialmente, seguir a ordem numérica
pescoço. indicada na Figura 6.14.

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Capítulo 6 // Propedêutica Otorrinolaringológica 115

Todos os linfonodos, quando palpáveis, devem


ser analisados quanto a tamanho, forma, consistên-
cia, mobilidade, sinais flogísticos e aderência aos
planos profundos. Ao se palpar os linfonodos sub-
mentonianos e submandibulares, deve-se tomar
2 certo cuidado, pois esses podem ser confundidos
com glândulas salivares.
1
3
OBSERVAÇÃO CLÍNICA
6 • Nos casos de nódulos/massas cervicais é sempre
7 importante apontar: início; consistência; tamanho;
5 4 número; localização; evolução; dor; sinais flogísticos;
8 mobilidade à deglutição e à palpação; febre; e
presença de outros nódulos/massas.
9
Quando encontrados sinais de linfonodomega-
10
lia no pescoço, devem-se palpar outras cadeias lin-
fonodais extracervicais, como a axilar e a inguinal,
Figura 6.14 – Cadeias linfonodais cervicais. e procurar sinais de hepatoesplenomegalia no exa-
1: pré-auriculares; 2: auriculares posteriores; 3: me do abdome, pois a hipótese de doença linfopro-
occipitais; 4: submentonianos; 5: submandibulares; 6: liferativa (linfoma) sempre deve ser lembrada.
jugulodigástricos; 7: cervicais superficiais; 8: cervicais
profundos; 9: cervicais posteriores; 10: supraclaviculares.
Fonte: Adaptada de Netter, 2003. OBSERVAÇÃO CLÍNICA
• Atenção! Linfonodos indolentes, de consistência
As cadeias 7 e 8, em virtude de sua íntima re- pétrea, tamanho aumentado, aderência aos planos
lação com o músculo esternocleidomastóideo, são profundos e evolução prolongada, são sugestivos de
palpadas pela “palpação do músculo esternoclei- neoplasia.
domastóideo”. Com o examinador atrás do doen-
te, utilizam-se dois ou três dedos (geralmente o
Tireoide
dedo indicador, o médio e o anular) para explorar
a face anterior do músculo esternocleidomastói- Glândula de consistência fibroelástica que re-
deo, ao passo que o polegar explora a face poste- pousa abaixo da cartilagem cricoide na região ante-
rior do músculo fazendo um movimento de “pin- rior do pescoço (Figura 6.16). A estrutura básica da
ça” com os três dedos posteriores (Figura 6.15). tireoide é composta de dois lobos, que correm para
Assim, correm-se os dedos paralelamente pelas cima margeando a cartilagem tireóidea de seus la-
faces posterior e anterior do músculo em sentido dos direito e esquerdo, ligados por um istmo cen-
craniocaudal. tral, conferindo-lhe um formato de “borboleta”,
embora alguns indivíduos possam apresentar um
terceiro lobo (lobo piramidal), que geralmente en-
contra-se medialmente à glândula.
Embora não o seja na maioria dos indivíduos,
quando palpável, deve-se ter sua forma, tamanho,
local, consistência, dor e a presença de nódulos/
massas palpáveis anormais avaliados.
Assim, devem-se especificar:
• aumento – deve-se definir se ou aumento é
global (a glândula está aumentada por in-
teiro) ou localizado (apenas determinada
região encontra-se aumentada);
• massas/nodulações – única ou múltipla;
Figura 6.15 – Técnica de palpação dos linfonodos • consistência – fibroelástica (normal), endu-
cervicais. recida, pétrea ou amolecida;

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116 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

• dor – registra-se quando o paciente refere fixos na nuca do paciente, servindo como
dor ou hipersensibilidade, seja ela contínua, apoios enquanto o examinador realiza mo-
à palpação ou à deglutição. vimentos circulares com os dedos indica-
dor, médio e anular para sentir a glândula
(Figura 6.18).
Ao final do exame, independentemente do mé-
todo escolhido, pede-se ao paciente que execute
uma deglutição. Esse movimento desloca as cartila-
gens para cima, aproximando a glândula à mão do
examinador, o que auxilia a palpação.
A

Figura 6.16 – Localização da tireoide. A: osso hioide;


B: cartilagem tireóidea; C: glândula tireoide. Figura 6.17 – Palpação da tireoide, abordagem
Fonte: Adaptada de Bickley, 2005. anterior.

Exame da tireoide
Existem duas técnicas distintas para a palpação
da tireoide. Em ambas, o paciente deve estar senta-
do e o examinador em pé: o exame sempre se inicia
pela identificação da cartilagem tireóidea utilizan-
do seu principal ponto de referência, a proeminên-
cia laríngea (pomo de adão). Após a identificação
da cartilagem tireóidea e correndo abaixo dela, en-
contram-se a cartilagem cricoide, a traqueia e, con-
sequentemente, a loja tireoidiana.
• Abordagem anterior: o paciente deve per-
manecer sentado enquanto o examinador, à
sua frente, posiciona suas mãos em formato Figura 6.18 – Palpação de tireoide com examinador
de “garra” sobre a loja tireóidea (Figura atrás do paciente.
6.17). Com o polegar, o examinador firma a
traqueia na linha média enquanto palpa o Traqueia
lobo contralateral, realizando movimentos Órgão tubular formado por anéis cartilagino-
circulares com os dedos indicador e médio. sos que, a partir da laringe, formam um longo tubo
Desse modo, com a mão direita, palpa-se o vertical que corre pela linha média, atravessa o pes-
lobo esquerdo, e, com a esquerda, o lobo di- coço e segue em continuação aos brônquios princi-
reito da glândula tireoide do paciente. pais direito e esquerdo dentro do tórax.
• Abordagem posterior: o paciente deve per- Durante a inspeção do pescoço, procuram-se
manecer sentado enquanto o examinador, desvios da laringe e da traqueia, uma vez que elas
de pé atrás dele, posiciona suas mãos na re- podem estar desviadas no caso de traumas ou ou-
gião anterolateral de seu pescoço. Os pole- tras doenças. Durante a palpação, essas estruturas
gares do examinador devem permanecer devem ser mobilizadas por movimentos delicados

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Capítulo 6 // Propedêutica Otorrinolaringológica 117

de lateralização – se essa movimentação estiver OBSERVAÇÃO CLÍNICA


comprometida, devem-se investigar uma possível
• Em pacientes idosos e com comprometimento
infiltração neoplásica ou manipulações cirúrgicas
aterosclerótico, as artérias carótidas podem
prévias na região cervical.
apresentar a parede mais endurecida.
Vasos
Os principais vasos que devem ser examinados Músculos
na região do pescoço são as veias jugulares e as arté- O pescoço é composto de diversos pequenos
rias carótidas. músculos além do músculo esternocleidomastói-
As veias jugulares são avaliadas com o paciente deo. Durante a inspeção estática, procuram-se al-
em decúbito de 45º (este é o único momento em terações da posição de repouso do pescoço (posi-
todo o exame do pescoço em que o paciente deve ções viciosas), que podem ser causadas pela
estar deitado ao invés de sentado) e o examinador contratura de um ou mais músculos cervicais, e
observando a porção lateral do pescoço. O objetivo movimentos involuntários da musculatura, como
do exame é averiguar se existe ou não estase jugular tiques e fasciculações. A inspeção dinâmica é feita
(sinal de aumento da pressão no sistema venoso), a partir da movimentação do pescoço em toda a
que se caracteriza quando a jugular externa é visível sua amplitude, procurando limitações. A avalia-
acima do músculo esternocleidomastóideo ao decú- ção do tônus e a condição trófica da musculatura
bito de 45º ou quando a própria pulsação da jugular cervical devem ser pesquisadas palpando-se, com
externa é visível com o paciente sentado. Em alguns as polpas digitais, os músculos trapézio e esterno-
casos, quando há aumento da pressão no sistema cleidomastóideo.
venoso, a veia jugular interna, que se localiza atrás
do músculo esternocleidomastóideo, também pode ObservaçÕES clínicaS
tornar-se visível (vide o capítulo “Propedêutica do
• Em alguns casos, pacientes com queixa de otalgia
Sistema Cardiovascular” para maiores detalhes). podem ter, na verdade, contraturas musculares,
miosites ou tendinites na região das inserções dos
OBSERVAÇÃO CLÍNICA músculos do pescoço nos processos mastóideo
e estiloide.
• A síndrome da veia cava superior (compressão de • É frequente pacientes, principalmente idosos, com
veias do mediastino), a insuficiência cardíaca ou o quadro de vertigem apresentarem como causa
aumento da pressão intratorácica são exemplos de (principal ou adjuvante) alterações ou desequilíbrios
causas que podem levar à estase jugular. musculares do pescoço e da cintura escapular.

Nas situações em que a estase jugular não é Orelhas


muito evidente, pode-se testar o reflexo hepatojugu-
lar: com o paciente deitado a 45º, faz-se uma leve Introdução
compressão abdominal na região do fígado por A orelha humana é um órgão de extrema com-
aproximadamente 1 minuto, período em que have- plexidade morfológica e funcional, cuja responsabi-
rá ingurgitamento da veia jugular. Se o indivíduo lidade fisiológica consiste em receber, compreender
não apresentar nenhuma doença, o diâmetro da e responder ao estímulo sonoro e às mudanças gra-
veia logo voltará ao normal; contudo, se houver al- vitacionais e do movimento. Ela é dividida em ore-
guma doença que curse com estase, o ingurgita- lhas externa, média e interna (Figura 6.19).
mento persistirá caracterizando o reflexo hepatoju- • Orelha externa: composta pelo pavilhão da
gular positivo. orelha e o meato acústico externo. Sua prin-
Diferentemente do que ocorre com as veias ju- cipal função é captar o som, direcionando as
gulares, as artérias carótidas são normalmente visí- ondas sonoras para a membrana timpânica.
veis em indivíduos magros. Todavia, apenas a ins- • Orelha média: estende-se da membrana
peção não é suficiente para o exame desses vasos, timpânica à parede lateral da orelha inter-
devendo-se palpá-las a fim de verificar o pulso (pre- na. Em seu interior, a orelha média abriga os
sença bilateral, simetria e intensidade) e a consis- ossículos da audição (martelo, bigorna e es-
tência de suas paredes, além de auscultá-las, pois tribo), cuja função é conduzir as ondas so-
podem ser sede de sopros (próprios ou irradiação de noras captadas pela membrana timpânica
sopros cardíacos). até a cóclea.

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118 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

Orelha externa Orelha média Orelha interna

Martelo
Bigorna
Estribo
Ductos semicirculares
Pavilhão auricular
Ramo vestibular VIII par
Ramo coclear craniano
Cóclea

Meato acústico externo

Membrana
timpânica Tuba auditiva

Processo mastoide

Figura 6.19 – Corte coronal da orelha apresentando suas divisões e estruturas anatômicas.

• Orelha interna: também conhecida como “la- • otalgia;


birinto”, é composta por estruturas ósseo- • otorreia;
-membranosas extremamente especializadas: • otorragia;
a cóclea e o vestíbulo e os canais semicircula- • prurido;
res que mantêm um canal de comunicação
• disacusias (distúrbios da audição) – hipoa-
direto com o córtex cerebral através do nervo
cusia e anacusia;
vestibulococlear (NC VIII).
• zumbidos;
−− Cóclea: região da orelha interna respon-
sável por converter as ondas sonoras em • vertigem – tontura rotatória;
sinais elétricos. A cóclea capta as ondas • uso de medicamentos – embora não seja uma
sonoras que chegam até ela propagadas queixa propriamente dita, o uso de medica-
pelo ar (via aérea) ou pelo arcabouço ós- mentos deve ser sempre questionado durante
seo do crânio (via óssea) e transmite essa a anamnese, uma vez que diversos medica-
informação, sob a forma de sinais elétri- mentos podem afetar a acuidade auditiva ou
cos, pelo nervo coclear ao córtex cerebral, o equilíbrio dos pacientes.
onde os sons chegam à nossa consciência.
−− Vestíbulo: região da orelha interna que
Exame das orelhas
utiliza a aceleração gravitacional e a ace- Inspeção
leração angular da cabeça para localizar O exame inicia-se pela inspeção externa do pa-
o segmento cefálico no espaço. Essa in- vilhão auricular. Observam-se sua presença ou au-
formação é convertida em impulsos elé- sência (anaotia), tamanho (macrotia ou microtia),
tricos e enviada ao córtex cerebral onde coloração, formato, simetria, deformidades, nódu-
se integra às vias de equilíbrio e coorde- los/massas, lesões cutâneas e a posição (implanta-
nação possibilitando nossa localização e ção) da orelha em relação à cabeça.
movimentação no espaço.
Neste capítulo, serão abordados as principais OBSERVAÇÃO CLÍNICA
queixas e o exame físico das orelhas, sendo que os • Para saber se a orelha tem implantação baixa ou não,
distúrbios do equilíbrio serão mais bem estudados deve-se traçar uma linha imaginária que une o canto
no capítulo “Propedêutica Neurológica”. do olho à protuberância occipital. A borda superior
do pavilhão auricular deve coincidir com a linha ou
Anamnese estar acima dela. Se estiver abaixo da linha, diz-se que
Aqui, serão listadas as queixas mais comuns re- o indivíduo possui baixa implantação da orelha, um
lacionadas às afecções do aparelho auditivo: indicativo de diversas cromossomopatias.

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Capítulo 6 // Propedêutica Otorrinolaringológica 119

Palpação
A palpação do pavilhão auricular faz-se pela
mobilização do meato aditivo externo (pode ser re-
alizada pela mobilização do trago ou por uma leve
tração do pavilhão auricular) e do processo mastoi-
de (aplicando-se uma leve pressão do processo em
direção anterior).

OBSERVAÇÃO CLÍNICA
• A movimentação do pavilhão auricular, especialmente
quando feita pela mobilização do trago, costuma ser
dolorosa quando há acometimento do meato auditivo
externo, como na otite externa aguda.
Figura 6.20 – Otoscopia normal. Membrana timpânica
Otoscopia translúcida com cabo do martelo evidente (seta).
Com o auxílio de um otoscópio, realiza-se a ins- Fonte: Gentilmente cedida pelo Departamento de
peção de algumas estruturas: o meato acústico exter- Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
no; a membrana timpânica; e parte da orelha média,
como a cavidade timpânica, o martelo e a bigorna. Exame da função auditiva
O meato acústico externo deve ser inspeciona- O teste da acuidade auditiva pode começar ain-
do registrando-se a presença de secreções, corpos da durante a anamnese. O examinador deve obser-
estranhos, edema, cerume e a coloração da pele. A var se o paciente entende o que lhe está sendo per-
membrana timpânica deve ser examinada quanto a: guntando, se este pede constantemente para que o
• integridade; examinador repita uma sentença, se ele mantém
• translucidez; um volume de voz inadequado, etc.
• vascularização (normalmente não se identi-
ficam vasos ou apenas ao longo do cabo do
OBSERVAÇÃO CLÍNICA
martelo e anel timpânico);
• posição (normal, abaulada ou retraída); • Pacientes com perda do tipo condutiva em geral falam
• elementos adicionais – placas de tímpano-
com intensidade mais baixa. Já naqueles com perdas
-esclerose (manchas brancas na membrana sensoriais ou sensório-neurais, a voz apresenta-se em
intensidade normal ou elevada, algumas vezes com
timpânica) atrofias (neotímpanos);
comprometimento da articulação das palavras.
• estruturas anexas – é possível identificar o
cabo do martelo e (Figura 6.20) e, na maio-
ria dos casos, até mesmo a bigorna pode es- Todavia, existem testes semiológicos mais acu-
tar visível. rados para detectar uma hipoacusia e determinar
sua provável origem. O teste de acumetria permite
O exame é realizado com o auxílio de um otos- diferenciar perdas auditivas sensório-neurais (per-
cópio e com o paciente, preferencialmente, sentado. das auditivas por lesões na cóclea ou no nervo co-
O examinador deve tracionar levemente o pavilhão clear) das perdas condutivas (perdas auditivas por
auricular para cima e para trás com uma de suas bloqueios na condução das ondas sonoras até a ore-
mãos, a fim de retificar o meato acústico externo,
lha interna).
enquanto introduz um espéculo auricular com a
outra mão e inicia a inspeção do meato acústico ex- Testes com diapasão
terno e da membrana timpânica.
Por exemplo, o exame da orelha esquerda do Os testes podem ser realizados com diapasões
paciente deve ser feito com este sentado e olhando das mais diversas frequências, como 128, 256, 512,
fixamente para a frente. O examinador deve se 1024 ou 2048 Hz. Todavia, nem todos os testes po-
aproximar pelo lado esquerdo do paciente e tracio- dem ser realizados com diapasões das quatro frequ-
nar o pavilhão auricular com sua mão direita en- ências. Assim, para facilitar o aprendizado, reco-
quanto segura o otoscópio e introduz o espéculo menda-se o uso do diapasão de 512 Hz, uma vez que
auricular com sua mão esquerda. O processo deve essa frequência pode ser utilizada em qualquer um
ser invertido para o exame da orelha direita. dos testes descritos a seguir.

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120 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

Os testes com diapasão não são apenas capazes Avaliação da via óssea
de detectar déficits auditivos moderados, como até Feita pelo teste de Weber (Figura 6.22), em que
mesmo predizer a via auditiva acometida (via óssea o examinador deve percutir o diapasão e apoiar a
ou via aérea) com boa acurácia. Existem diversos extremidade inferior de seu cabo em alguma estru-
testes que podem ser utilizados para avaliar o com-
tura óssea equidistante das orelhas direita e esquer-
prometimento auditivo dos pacientes, que podem
da do paciente (linha média craniana, vértex, testa,
ser separados em “testes por via aérea”, “testes por
glabela, incisivos centrais superiores e inferiores).
via óssea” e “testes mistos”. A seguir, estão os mais
Ao final do exame, o paciente deverá informar se
utilizados na rotina clínica, respectivamente, “teste
escutou o som na linha média, na orelha esquerda
de via aérea”, “teste de Weber” e “teste de Rinne”.
ou direita.
Manuseio do diapasão Em indivíduos normais, o som/vibração é es-
O diapasão é um instrumental metálico em cutado igualmente em ambas as orelhas; por isso, os
formato de “Y” que vibra na frequência indicada (p. pacientes referem escutar o som na linha média ou
ex.: 512 Hz) ao ser percutido. Ele deve ser sempre igualmente em ambas as orelhas. Quando há perdas
segurado, apoiado ou manipulado por sua haste rí- auditivas, ocorre uma lateralização do som. O pa-
gida (“perna ímpar do Y”) e pode ser colocado a ciente refere escutar melhor o som na orelha sadia,
vibrar batendo-se levemente suas hastes livres em casos de perda sensório-neural, e na orelha
(“pernas pares paralelas do Y”) na eminência hipo- comprometida, em casos de perda por condução.
tênar da palma ou do dorso da mão.

Avaliação da via aérea


O examinador deve percutir o diapasão e rapi-
damente colocá-lo a, aproximadamente, 1,5 cm do
trago da orelha que deseja avaliar, mantendo as has-
tes livres paralelas ao plano coronal (Figura 6.21).
O teste inicia-se sempre pelo lado de “melhor
audição”; a seguir, repete-se o procedimento para o
outro lado; e, ao final, pede-se ao paciente que in-
forme em qual dos lados pode ouvir melhor a vibra-
ção do diapasão.
O examinador deve ainda comparar a percepção
sonora do paciente com a sua própria. Para isso, per-
cute-se o diapasão e pede-se ao paciente que indique o
momento em que parar de escutar o som. Nesse mo-
mento, o examinador aproxima o diapasão de sua
própria orelha e confirma ou não a ausência do som.
Figura 6.22 – Teste de Weber.

OBSERVAÇÃO CLÍNICA
• O teste de Weber é extremamente sensível na
detecção de perdas auditivas condutivas, mas pode
falhar na de perdas neurossensoriais leves, mistas ou
perdas bilaterais.

Avaliação mista
Os testes mistos têm por objetivo diferenciar
perdas auditivas neurossensoriais de perdas condu-
tivas. O teste de Rinne, o mais utilizado na prática
clínica, é descrito a seguir (Figura 6.23).
• Teste de Rinne: o examinador deve estimu-
Figura 6.21 – Avaliação da via aérea. lar a extremidade livre do diapasão e, a se-

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Capítulo 6 // Propedêutica Otorrinolaringológica 121

guir, apoiar extremidade inferior do cabo A vertigem é a principal manifestação do insul-


deste contra o processo mastoide até o desa- to ao sistema vestibular. São características na ana-
parecimento do som, em aproximadamente mnese que sugerem a origem periférica (labirinto e
20 segundos. Quando o som deixar de ser nervo vestibular) da tontura:
percebido, o diapasão deve ser colocado na • tontura tipo vertigem (ilusão de movimento
região anterior do trago, próximo ao con- rotatório);
duto auditivo externo. Nesse momento, os • sintomas associados (hipoacusia, plenitude
indivíduos normais voltam a ouvir o som auricular, zumbido);
por mais 30 a 40 segundos, uma vez que a • sintomas neurovegetativos (náuseas, vômi-
via aérea é mais sensível que a via óssea para tos, sudorese);
a condução sonora. Esta condição é deno- • relação com movimentos da cabeça;
minada “Rinne positivo”.
• apresentação em surtos que duram de se-
Quando há lesão sensório-neural, a percepção gundos a alguns dias, mas desaparecem em
do som retornará, uma vez que nesses casos há re- 3 a 4 semanas.
baixamento tanto da via aérea quanto da via óssea.
Avaliação do equilíbrio estático e dinâmico
Nos casos de lesões de condução, a percepção
pela via óssea torna-se melhor do que pela via aérea • Prova de Romberg: tendência à queda
e, consequentemente, o paciente ouvirá melhor o ­sempre para o mesmo lado (em geral o lado
som com o diapasão apoiado sobre sua mastoide do do labirinto acometido) (vide o capítulo
que quando este é colocado próximo ao trago. Essa “Propedêutica Neurológica” para maiores
condição é denominada “Rinne negativo” detalhes).
• Prova de Unterberger: pede-se ao paciente que
marche no mesmo lugar com os olhos fecha-
dos. Nas doenças vestibulares unilaterais, o
indivíduo desvia-se para o lado acometido.

Avaliação do nistagmo
Vide capítulo “Propedêutica Neurológica” para
mais detalhes.
• Nistagmo espontâneo e direcional: a pes-
quisa do nistagmo é um dos pontos mais
importantes na avaliação do equilíbrio.
Inicialmente, realiza-se a pesquisa do nis-
tagmo espontâneo pedindo ao paciente que
Figura 6.23 – Teste de Rinne. olhe para a frente. A seguir, o paciente olha
em um ângulo de 30º para a direita e para
a esquerda, quando se observa o nistagmo
OBSERVAÇÃO CLÍNICA direcional.
• É indispensável que o exame de função auditiva
seja complementado pela otoscopia para descartar OBSERVAÇÃO CLÍNICA
possíveis obstruções mecânicas por compactação
• São características do nistagmo de origem vestibular:
do cerume no conduto auditivo esterno ou outros
é unidirecional, horizonto-rotatório, possui fase lenta
bloqueios de transmissão aérea.
e outra rápida, geralmente fatigável, diminui sua
intensidade com a fixação ocular.
Exame da função vestibular
Diante de um paciente com tontura, a principal • Nistagmo posicional: tem o objetivo de ava-
pergunta a ser respondida pelo examinador deve ser: liar a presença de nistagmo em posições es-
a tontura tem origem central ou periférica? No capí- pecíficas da cabeça. O paciente é colocado
tulo “Propedêutica Neurológica”, são abordadas a lentamente em cinco posições estáticas dife-
“semiologia do equilíbrio” e a avaliação neurológica rentes: sentado; decúbito dorsal; decúbito
geral da tontura. A seguir, dar-se-á ênfase à avaliação dorsal com a cabeça pendente; decúbito la-
do paciente com tontura de origem vestibular. teral esquerdo e direito.

Propedêutica Médica_cap 06.indd 121 26/02/2015 15:00:12


122 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

• Nistagmo de posicionamento: visa avaliar a livremente na endolinfa do canal. Com isso, são gerados
presença de nistagmo evocado pela mudan- episódios de vertigem, com curta duração, a cada
ça de posição da cabeça. movimento rápido da cabeça ou em determinadas
posições (p. ex.: ao se deitar, virar-se ou levantar-se
OBSERVAÇÃO CLÍNICA da cama). A manobra de Dix-Hallpike é positiva
na VPPB, sendo observados latência de poucos
• Vertigem e/ou nistagmo posicional ou de segundos após sua realização para o surgimento do
posicionamento podem surgir em diferentes nistagmo, nistagmo de curta duração (menor que
vestibulopatias periféricas ou nas centrais, mas, na 1 minuto) e fatigabilidade (diminuição da intensidade
maioria dos casos, indicam envolvimento do labirinto. com manobras repetidas).

Manobra de Dix-Hallpike Referências bibliográficas


O paciente é sentado em uma maca com as Atta, JA. Exame da cabeça e pescoço. In: Benseñor IM, Atta JA,
pernas estendidas. O examinador o auxilia a dei- Martins MA. Semiologia clínica. São Paulo: Sarvier; 2002. p.
tar-se com a cabeça pendendo cerca de 30º para 82-87.
fora da maca e, em seguida, gira o segmento cefá- Bickley LS, Szilagyi PG. Cabeça e pescoço. In: Bickley LS, Szi-
lico 45º com a orelha a ser testada voltada para o lagyi PG. Bates propedêutica médica. 8. ed. Rio de Janeiro:
solo (Figura 6.24). Guanabara Koogan; 2005. p. 107-200.
Gonçalves AJ, Gonçalves CP. Propedêutica em clínica e cirur-
• Manobra positiva: a manobra será positiva na
gia da cabeça e pescoço. In: Gonçalves AJ, Gonçalves CP. Clí-
presença de tontura, que geralmente é acom- nica e cirurgia de cabeça e pescoço. São Paulo: Tecmed; 2005.
panhada de nistagmo logo em seguida à sua p. 23-30.
realização. Quando positivo, esse teste indica Moore KL, Dalley AF. Cabeça. In: Moore KL, Dalley AF. Ana-
a presença de uma alteração que é a causa tomia orientada para a clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanaba-
mais frequente de vertigem periférica – a ver- ra Koogan; 2007. p. 820-964.
tigem periférica paroxítica benigna –, que Moore KL, Dalley AF. Pescoço. In: Moore KL, Dalley AF. Ana-
pode ser tratada com manobras específicas tomia orientada para a clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanaba-
ra Koogan; 2007. p. 965-1037.
realizadas no momento do próprio exame.
Netter FH. Atlas de anatomia humana. Inspeção da cavidade
oral. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2003. Lâmina 47.
Ramos Jr J. Propedêutica física da cabeça e do pescoço. In: Ra-
mos Jr. J. Semiotécnica da observação clínica. 7. ed. São Paulo:
Sarvier; 1986. p. 247-316.
Takahashi GM, Giardini LDL, Bensadon RL, Braz RMAS.
Exame em otorrinolaringologia. In: Benseñor IM, Atta JA,
Martins MA. Semiologia clínica. São Paulo: Sarvier; 2002.
p. 175-184.
Bittar RSM, Medeiros IRT, Venosa AR, Oliveira CACP. Vesti-
bulopatias periféricas. In: Associação Brasileira de Otorrino-
laringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Tratado de otorrinola-
ringologia e cirurgia cervicofacial. 2. ed. São Paulo: Roca;
2011. p. 487-504.
Dorigueto RS, Mezzalira R, Serra AP. Semiologia dos órgãos
da audição e do equilíbrio. In: Associação Brasileira de Otor-
rinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Tratado de otorri-
nolaringologia e cirurgia cervicofacial. 2. ed. São Paulo: Roca;
Figura 6.24 – Manobra de Dix-Hallpike. 2011. p. 362-378.
Oliveira SB, Santos RP, Piltcher OB. Semiologia do Nariz e
Seios Paranasais. In: Associação Brasileira de Otorrinolarin-
OBSERVAÇÃO CLÍNICA gologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Tratado de Otorrinolarin-
gologia e Cirurgia cervicofacial. 2. ed. São Paulo: Roca; 2011.
• A vertigem periférica paroxística benigna (VPPB)
p. 662-668.
é causada por um problema mecânico no labirinto, no
Porto CC. Exame da cabeça e do pescoço. In: Porto & Porto.
qual os otólitos se descolam da mácula do utrículo e
Exame clínico. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
caem no canal semicircular, passando a flutuar
p. 301-318.

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Propedêutica do
Aparelho Respiratório
7
Aleksandro Belo Ferreira
Carlos André Minanni
Alexandre Eiji Kayano
Jorge Ethel Filho

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124 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

Anatomia do Tórax e DOS Pulmões


Para a descrição de achados no tórax, é ne-
cessário o conhecimento das referências anatô-
micas. A localização adequada é feita especifican-
do-se a região no eixo vertical e na circunferência
torácica.
No eixo horizontal, utilizam-se como referên- C B A B C
cia os espaços intercostais; cada espaço intercostal
recebe a numeração do arco costal superior.

OBSERVAÇÃO CLÍNICA
• Para ajudar na identificação dos arcos costais, utiliza- FIGURA 7.1 – Linhas verticais em tórax frontal. A: linha
-se como referência o ângulo de Louis, ou seja, a medioesternal; B: linha hemiclavicular; C: linha axilar
crista óssea localizada na transição entre o manúbrio anterior.
e o esterno, onde está inserida a segunda costela, a
partir da qual se pode iniciar a localização de cada
espaço. Esse local é também muito importante na
ausculta cardíaca (localização das bulhas) e na fixação
dos eletrodos do eletrocardiograma.

As sete primeiras costelas estão articuladas


com o esterno através das cartilagens costais; a oita-
va, a nona e a décima têm cartilagens articuladas
com a imediatamente acima delas; a décima pri-
meira e a décima segunda costelas não têm cone-
xões anteriores e são chamadas de “flutuantes”. C BA
Outra maneira de identificar-se o arco costal é
por meio dos corpos vertebrais. Inicialmente, pede- FIGURA 7.2 – Linhas verticais em tórax lateral. A: linha
-se para o paciente flexionar o pescoço e examina- axilar anterior; B: linha axilar média; C: linha axilar
-se a região posterior, sendo a apófise espinhosa de posterior.
C7 aquela que se apresenta mais proeminente. Caso
o paciente apresente duas apófises igualmente proe-
minentes, elas representam C7 e T1.
A localização completa-se com a referência na
circunferência torácica. Para descrições nesse eixo,
utilizam-se como parâmetro linhas verticais nome-
adas segundo marcos anatômicos topográficos, são
elas (Figuras 7.1 a 7.3):
• linha medioesternal – localizada na porção
mediana do esterno, divide o tórax em he- C B A B C
mitórax direito e esquerdo;
• linha hemiclavicular ou mamilar – utiliza
como parâmetro o ponto médio da clavícula;
FIGURA 7.3 – Linhas verticais em tórax posterior.
• linhas axilares: dividem-se em anterior A: linha vertebral; B: linha paravertebral; C: linha axilar
(prega axilar anterior), posterior (prega axi- posterior.
lar posterior) e média (equidistante às li-
nhas anterior e posterior); Por meio da combinação dos eixos horizontais
• linha vertebral – passa pelas apófises espi- e verticais, é possível descrever de forma clara e pre-
nhosas vertebrais; cisa a localização de alterações presentes no tórax
• linha paravertebral – situa-se tangente à do paciente. Existem doenças do aparelho respira-
borda lateral das vértebras. tório que ocorrem comumente em regiões específi-

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Capítulo 7 // Propedêutica do Aparelho Respiratório 125

cas, portanto a localização do achado no exame fí- damente 2 metros), para que o examinador
sico é de extrema relevância para a formulação da tenha uma vista global do tórax e possa ava-
hipótese diagnóstica. liar melhor possíveis assimetrias (somente
Além das referências externas, é importante depois deve aproximar-se para uma busca
que, durante a avaliação do aparelho respiratório, o mais detalhada);
examinador tenha uma projeção mental das estru- • os músculos devem estar relaxados e os bra-
turas internas, como pulmão, traqueia e brônquios ços suspensos na lateral do tórax.
principais.
Na face anterior do tórax, tanto à direita quan- Inspeção
to à esquerda, projetam-se predominantemente os Inspeção estática
lobos superiores dos pulmões, estando à direita,
A avaliação do aparelho respiratório inicia-se
abaixo da quarta costela, o lobo médio. Na face pos-
pela inspeção estática. O examinador começa pela
terior do tórax, encontram-se os lobos inferiores,
descrição da pele, do tecido subcutâneo e dos mús-
exceto nos ápices pulmonares, que correspondem
culos. Pesquisa a presença de circulação colateral,
aos lobos superiores (Figura 7.4).
retrações e abaulamentos. Após a descrição inicial,
Por fim, o conhecimento sobre a localização da segue com a classificação do tipo morfológico e a
traqueia torna-se importante durante a ausculta já pesquisa de anormalidades.
que os sons percebidos nessa região são diferentes
Dessa maneira, o tipo morfológico pode ser
daqueles sobre o parênquima pulmonar em condi-
classificado de acordo com o Ângulo de Charpy, o
ções normais.
qual é formado pelas últimas costelas e o apêndice
xifoide. Assim, os biótipos são:
• tórax normolíneo – quando o ângulo de
Charpy é de 90º;
• tórax longilíneo – quando apresenta ângulo
de Charpy menor do que 90º;
• tórax brevilíneo – quando apresenta ângulo
de Charpy maior do que 90º.

OBSERVAÇÕES CLÍNICAS
• Todos os biótipos são considerados normais. Ademais,
a determinação do tipo morfológico é importante
no que concerne à posição anatômica cardíaca e,
FIGURA 7.4 – Projeção dos lobos pulmonares no tórax. consequentemente, à posição do eixo elétrico cardíaco
LS: lobo superior, LI: lobo inferior, LM: lobo médio. resultante, o que repercute no eletrocardiograma.
Portanto, indivíduos longilíneos tendem a ter o
coração mais verticalizado e consequente eixo elétrico
Exame físico cardíaco próximo a 90º, ao passo que indivíduos
O exame físico do aparelho respiratório é com- brevilíneos apresentam o coração mais horizontalizado
posto por quatro tempos: inspeção, palpação, per- e consequente eixo elétrico cardíaco próximo de 0º
cussão e ausculta. A inspeção é subdividida em dois (variando até –30º).
momentos: inspeção estática e inspeção dinâmica. • Além disso, o reconhecimento do biótipo pode ser
útil por ter certa relação com algumas morbidades
Em todos os momentos, o examinador deve se- do sistema respiratório. Dessa forma, em longilíneos
guir algumas recomendações, para conforto do pa- observa-se mais comumente a ocorrência
ciente e melhor visualização da parede torácica, são de pneumotórax espontâneo benigno.
elas:
• tórax descoberto; Após a classificação do biótipo, inicia-se a pes-
• iluminação adequada e ambiente silencioso; quisa por anormalidades ósseas do esterno, das vér-
• inspeção das faces anterior, posterior e laterais; tebras e das costelas.
• paciente sempre em atitude cômoda; O esterno pode apresentar-se com concavidade
• no início da inspeção, manutenção de uma aumentada, dando origem a alterações como o tó-
distância adequada do paciente (aproxima- rax em “peito de pombo” (cariniforme), no qual se

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126 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

nota uma saliência em forma de quilha de navio ou


peito de pombo (pectus carinatum), geralmente re-
sultado de raquitismo na infância (Figura 7.5).
Quando retificado, caracteriza o “tórax chato”,
também relacionado ao raquitismo, mas que pode
não ter significado patológico. Quando ocorre a in-
versão da concavidade do terço inferior do esterno,
a apresentação é de “tórax de sapateiro” ou infundi-
biliforme (pectum excavatum), que nas formas mais
intensas pode levar a um transtorno pulmonar res-
tritivo (Figura 7.6).
As alterações das vértebras podem levar a re-
percussões no aparelho respiratório, geralmente
apenas quando muito acentuadas. Sua descrição é
feita segundo a apresentação da coluna vertebral,
podendo ser: tórax escoliótico, por desvio lateral da
coluna; tórax cifótico, por encurvamento posterior
da coluna torácica; ou tórax lordótico.
Nas alterações dos arcos costais, duas apresenta-
FIGURA 7.6 – Alterações do esterno: “tórax
ções são importantes: o “tórax em tonel” ou enfise- de sapateiro”.
matoso, quando ocorre horizontalização das costelas Fonte: Gentilmente cedida pela Disciplina de Cirurgia Torácica da
e aumento do diâmetro anteroposterior (muito co- Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
mum em indivíduos com doença pulmonar obstru-
tiva crônica e idosos); e o “tórax em sino” ou pirifor- Inspeção dinâmica
me, quando os arcos inferiores estão acentuadamente Na inspeção dinâmica, os movimentos respi-
mais alargados do que os superiores (presente em ratórios do paciente são observados e classificados,
casos de hepatoesplenomegalia e ascites volumosas). tomando-se como parâmetros a frequência, o rit-
Outra alteração presente em doenças pulmo- mo, a presença de apneia e as alterações nos espaços
nares que faz parte da inspeção é o baqueteamento intercostais.
digital. O baqueteamento não é típico da doença A frequência respiratória normal oscila entre
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), sendo mais 16 e 20 movimentos por minuto, sem dificuldade
observado em doenças como neoplasias pulmona-
respiratória em adultos (eupneia). Pode estar dimi-
res, doenças intersticiais e bronquiectasias. Quando
nuída (bradipneia) ou aumentada (taquipneia),
ocorre, costuma ser um sinal tardio, indicando es-
sendo sua aferição fundamental por constituir um
tágios avançados da doença.
dado objetivo, já que a sensação de desconforto res-
piratório (dispneia) é subjetiva e varia conforme a
percepção do indivíduo. A parada dos movimentos
respiratórios é chamada apneia.

Ritmos respiratórios
• Ritmo normal: eupneia, ciclos constantes e
expiração mais duradoura que a inspiração
(Figura 7.7).
Volume de ar

Figura 7.5 – Alterações do esterno: tórax “em quilha


de navio”.
Tempo
Fonte: Gentilmente cedida pela Disciplina de Cirurgia Torácica da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. FIGURA 7.7 – Ritmo normal.

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Capítulo 7 // Propedêutica do Aparelho Respiratório 127

• Ritmo de Kussmaul: aumento da amplitude • Respiração suspirosa: trata-se do ritmo nor-


tanto da inspiração quanto da expiração, mal intercalado por inspirações profundas.
intercaladas com curtos períodos de apneia. Frequente nos conflitos emocionais e neu-
É encontrado na acidose metabólica avan- roses. Se os suspiros forem ocasionais, trata-
çada (p. ex.: na cetoacidose diabética) e re- -se de uma respiração normal.
presenta um mecanismo de aumento da eli-
minação de CO2 na tentativa de corrigir o Musculatura respiratória
distúrbio metabólico primário (Figura 7.8).
Observa-se qual componente (tórax ou abdo-
me) possui movimento mais amplo. Geralmente,
em pessoas sadias, na posição em pé ou sentada,
Volume de ar

observa-se a respiração torácica ou costal.


Em um indivíduo evoluindo com insuficiên-
cia respiratória, verifica-se que, progressivamente
ao aumento da frequência respiratória, será visua-
Tempo lizado o emprego da musculatura acessória, for-
FIGURA 7.8 – Ritmo de Kussmau. mada pelos músculos intercostais, esternocleido-
mastóideos e escalenos. Caso o processo não se
• Ritmo de Cheyne-Stokes: apresenta duas resolva, poderá ser observado o batimento de asa
fases: a de apneia; e a de hiperpneia. Inicial- de nariz e a retração de fossas supraclaviculares e
mente, com amplitude crescente e a seguir espaços intercostais durante a inspiração, o que
progressivamente decrescente. Esse ritmo é também indica o uso da musculatura acessória.
comum quando há alterações neurológicas, Por fim, precedendo a parada respiratória e, por-
como acidente vascular cerebral, hiperten- tanto, indicando um quadro avançado de insufici-
são intracraniana, meningite e traumatis- ência respiratória, observa-se o uso da musculatu-
mo cranioencefálico, mas também é obser- ra abdominal, quando a parede abdominal tende a
vada na insuficiência cardíaca (Figura 7.9). se retrair na inspiração, ao contrário do que ocor-
re na respiração diafragmática normal, chamada
de respiração paradoxal.
Volume de ar

Outro ponto a ser observado na inspeção dinâ-


mica é a capacidade do indivíduo de permanecer
em decúbito dorsal. A ortopneia, embora muito dis-
Tempo
cutida na propedêutica cardiológica, não é específi-
ca de alterações cardíacas, podendo denotar altera-
FIGURA 7.9 – Ritmo de Cheyne-Stokes. ções dinâmicas da contratura do diafragma ou da
relação ventilação/perfusão. Sabe-se que a mecâni-
• Ritmo de Biot (respiração atáxica): irregula-
ca ventilatória de expansão da caixa torácica envol-
ridade imprevisível na amplitude (movimen-
ve: 1) a contração do diafragma, cuja inserção ante-
tos superficiais ou profundos) e frequência,
rior é mais alta que a posterior no plano horizontal,
alternando com períodos de apneia. Indica
gerando uma força no sentido anterior, para baixo e
grave injúria cerebral, com iminência de pa-
para a frente; e 2) a tração exercida pelos órgãos ab-
rada respiratória. Comum nos traumatismos
dominais, que depende basicamente da direção gra-
cranioencefálicos, nos estados comatosos,
vitacional, determinada pelo decúbito do paciente.
nas hemorragias ventriculares, nas lesões
Dessa maneira, se fossem atribuídos vetores repre-
medulares e na meningite (Figura 7.10).
sentando a direção, o sentido e a intensidade da for-
ça exercida por esses dois componentes, poder-se-ia
notar que a interação entre eles será máxima quan-
Volume de ar

do o indivíduo estiver inclinado para a frente, ao


passo que em posição deitada a tração exercida pe-
las vísceras abdominais implicará esforço diafrag-
Tempo
mático máximo (Figura 7.11). No caso de indivídu-
os obesos, o próprio peso da parede torácica poderá
FIGURA 7.10 – Ritmo de Biot. causar aumento do trabalho respiratório.

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128 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

intrapleural por líquido ou gás pode causar ausência


da retração fisiológica ou mesmo abaulamento
paradoxal do espaço intercostal (sinal de Lemos-Torres).
• No trauma, quando há fratura de pelo menos dois
A arcos costais contíguos em dois pontos diferentes
configura-se um quadro denominado “tórax instável”,
que pode cursar com a chamada respiração paradoxal
A do segmento torácico lesado, caracterizada por um
B AB B movimento ventilatório segmentar inverso ao da caixa
torácica. Assim, durante a inspiração, ocorre retração
FIGURA 7.11 – Dinâmica respiratória. A: contração do segmento instável, devido à redução da pressão
do diafragma; B: tração dos órgãos abdominais. intratorácica, ao passo que durante a expiração ocorre
o abaulamento do segmento instável, devido ao
OBSERVAÇões CLÍNICAS aumento da pressão intratorácica (Figura 7.12).
• A síndrome hepatopulmonar reflete grande
• O espaço intercostal habitualmente exibe leve e comprometimento hepático. É clinicamente
passiva retração intercostal fisiológica, decorrente caracterizada por dispneia, que comumente se agrava
da pressão subatmosférica atingida entre os folhetos com o exercício físico; ortodeóxia, que é a hipoxemia
pleurais. Porém, quando há obstrução brônquica quando o paciente assume a posição ereta (presente
total e consequente atelectasia por reabsorção no em 88% dos casos); e a platipneia, que é a dispneia
parênquima pulmonar distal, tem-se uma área de na posição ereta, a qual é aliviada no decúbito dorsal
pressão negativa maior (na área atelectasiada), (= posição supina). Tais sintomas refletem o grau de
provocando a retração dos espaços intercostais dilatação vascular em base pulmonar, que faz parte
na inspiração, fenômeno que é chamado de tiragem. da fisiopatologia da síndrome.
Esta ainda pode ser classificada como difusa ou
localizada, isto é, supraclavicular, infraclavicular,
intercostal ou epigástrica. A retração intercostal difusa Palpação
consiste em um sinal clínico de aumento do trabalho A palpação do tórax tem por finalidade avaliar:
respiratório, importante na identificação de insuficiência as paredes torácicas; a sensibilidade; a elasticidade; a
respiratória. Em contrapartida, o aumento da pressão expansibilidade; e as vibrações ou frêmitos.

Inspiração normal Expiração normal

Menos negativo Menos positivo


Força gerada Força gerada

Inspiração no tórax instável Expiração no tórax instável

FIGURA 7.12 – Respiração paradoxal do tórax instável.

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Capítulo 7 // Propedêutica do Aparelho Respiratório 129

Exame das paredes


A palpação da parede deve ser cuidadosa, tendo
em mente a pesquisa de anormalidades da pele, do
tecido celular subcutâneo e da musculatura.
Por meio desse exame, é possível identificar a
presença de enfisema subcutâneo, melhor observado
nas fossas supraclaviculares e nos espaços intercos-
tais, o qual consiste em crepitação característica por
penetração de ar no tecido subcutâneo nos casos de
pneumotórax hipertensivo ou entrada de ar após a
passagem de drenos torácicos; verifica-se se existem
linfonodos palpáveis na região periclavicular e na
axilar, além de realizar-se palpação das mamas nas
mulheres.

Sensibilidade
O tórax normal não apresenta dor durante a
palpação. Se o paciente referir pontos dolorosos,
esse é um sinal de alerta que deve ser conside­rado.
Assim, processos inflamatórios pleuropulmonares
são manifestados clinicamente por zonas de mais
sensibilidade na parede torácica correspondente.

Elasticidade
FIGURA 7.13 – Manobra de Lasègue.
Para a avaliação da elasticidade, utiliza-se a ma-
nobra de Lasègue (Figura 7.13). O examinador deve
apoiar uma mão na parede anterior e a outra na pa-
rede posterior do tórax do paciente e realizar leve
compressão em diversos pontos. A elasticidade varia
muito conforme a idade do paciente, portanto seu
valor propedêutico depende da comparação entre
ambas as regiões do tórax.
A diminuição da elasticidade torácica pode ser
encontrada no enfisema e na ossificação das cartila-
gens costais (diminuição bilateral), ou nos derrames,
tumores e condensações (diminuição unilateral).

Expansibilidade
A avaliação da expansibilidade é feita no ápice
da face posterior e na base das faces posterior e an-
terior. A expansibilidade permite avaliar o volume
de ar mobilizado durante a respiração em cada seg-
mento pulmonar.
A expansibilidade do ápice é verificada por meio
da manobra de Ruault (Figura 7.14). O paciente deve
estar sentado ou em pé, com o examinador situado
atrás dele. O examinador coloca uma mão em cada
hemitórax de maneira simétrica, com as extremidades
dos polegares reunidas na linha mediana ou vertebral
sobre a apófise espinhosa de C7. Pede-se para o pacien-
te inspirar profundamente e verifica-se, comparando
a elevação das mãos, se existe assimetria. A manobra
deve ser realizada em todo a extensão torácica. FIGURA 7.14 – Manobra de Ruault.

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130 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

A exploração das bases se dá de maneira seme-


lhante. Na face posterior, os polegares se reúnem na
altura da décima segunda costela e as mãos são
colocadas horizontalmente; na face anterior, os po-
legares encontram-se no apêndice xifoide.
São considerados anormais os movimentos di-
minuídos da expansibilidade, que podem ser bilate-
rais ou unilaterais, localizados ou difusos, patológi-
cos (como no enfisema pulmonar, atelectasia,
derrame pleural e tumores) ou fisiológicos.

Frêmitos
O frêmito é a sensação vibratória percebida pela
mão do examinador, no tórax do paciente, quando
este emite um som (frêmito toracovocal) ou respira
(frêmito pleural ou frêmito brônquico). Permite que o
avaliador, por meio de um exame “desarmado”, te-
nha uma ideia antecipada das alterações que encon-
trará na ausculta da região examinada.
Pesquisa-se colocando a mão dominante espal-
mada sobre a superfície do tórax, comparando-se
FIGURA 7.16 – Avaliação do frêmito.
nas regiões homólogas a intensidade das vibrações
(Figuras 7.15 e 7.16). Deve ser utilizada a mesma
Frêmito toracovocal
mão durante a avaliação, uma vez que a sensibilida-
de tátil varia de uma mão para outra. O frêmito toracovocal é a sensação vibratória
percebida pela mão do examinador, no tórax do pa-
ciente, quando este emite um som. Para que a ava-
liação não seja prejudicada, pede-se para o paciente
repetir “trinta e três” com a mesma intensidade.
O som da voz é produzido pelas cordas vocais e
atravessa meios de densidade diferentes até atingir a
superfície torácica. Toda vez que um processo pato-
lógico tornar o meio mais heterogêneo, como em
derrames pleurais, pneumotórax e enfisema, a trans-
missão será dificultada, portanto o frêmito estará
diminuído. Quando o meio apresentar-se mais ho-
mogêneo (condensações e cavidades), o frêmito tora-
covocal será aumentado.
A pesquisa é realizada em todas as faces do tórax
e comparativamente com o segmento contralateral.
Em geral, o frêmito é mais intenso no hemitórax direi-
to, devido ao calibre aumentado do brônquio fonte
direito.

OBSERVAÇÃO CLÍNICA
• Para que ocorra o aumento do frêmito toracovocal,
é necessário, no caso das condensações, que estas
comuniquem o parênquima superficial com brônquios
permeáveis de calibre acima de 5 mm; no caso das
cavidades, estas devem ser maiores que 5 cm. Em
ambos os casos, alterações menores que esses valores
FIGURA 7.15 – Avaliação do frêmito. dificilmente são percebidas durante a palpação.

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Capítulo 7 // Propedêutica do Aparelho Respiratório 131

Frêmito pleural Técnica


Frêmito pleural é a sensação palpatória de vi- Embora existam várias técnicas para realizar a
brações originadas na pleura. A pleura normal não percussão do tórax, a mais utilizada é a percussão di-
produz sensação palpatória ou ruídos na ausculta, gitodigital, uma vez que é mais prática e a que apre-
pois durante a respiração há deslizamento da pleura senta melhores resultados.
visceral sobre a pleura parietal sem atritos. Com a mão mais hábil, o examinador percute
Quando ocorre um processo inflamatório na e, com a menos hábil, apoia-se na parede torácica.
pleura, seus folhetos perdem a característica lisa e o Da mão menos hábil, apoia somente a primeira fa-
atrito pode produzir ruído. O frêmito é mais bem lange do segundo dedo no tórax do paciente, per-
verificado nas regiões anterolaterais do tórax (maior pendicular ao maior eixo do corpo. Com o terceiro
atrito pleural), sendo otimazado durante a inspira-
dedo da mão mais hábil, realiza a percussão sobre a
ção e com o aumento da compressão do local.
falange distal que está apoiada na parede torácica
(Figura 7.17).
OBSERVAÇÃO CLÍNICA Durante a percussão, o examinador articula
• Por ser comum nos processos inflamatórios, o apenas o punho, mantendo o restante do membro
frêmito pleural é geralmente acompanhado de dor à superior imóvel. Deve-se realizar o mínimo de bati-
palpação, que piora com a pressão, fato que auxilia na das possível (2 a 5 movimentos), o suficiente para
diferenciação do frêmito brônquico. uma avaliação adequada, mas que não cause incô-
modos. A força aplicada deve ser suficiente para que
Frêmito brônquico o som seja percebido pelo examinador à distância
O frêmito brônquico ocorre pelo acúmulo de de 50 cm.
secreções nos brônquios de médio e grande calibre
ou pelo broncoespasmo. Diferentemente do frêmi-
to pleural, pode modificar-se com a tosse, não
apresenta dor à palpação, não muda de intensidade
se a região for comprimida e ocorre tanto na expi-
ração quanto na inspiração. Assim, em face da pal-
pação de um frêmito, constituem-se manobras
importantes a pesquisa de dor à palpação, mudan-
ças com a tosse e variação de intensidade com
pressão local.

Percussão
A percussão é um método que consiste na apli-
cação de uma ação mecânica sobre os tecidos, le-
vando à vibração destes em sua profundidade e ob-
tendo sons e ruídos diversos. Cada tecido, conforme
sua densidade, produz um som diferente à percus-
são, portanto esse método permite avaliar o estado
físico dos órgãos, a presença de processos patológi-
cos e seus limites.
Na percussão normal, o pulmão apresenta som
claro pulmonar, classicamente comparado à “per-
cussão de um pão”. Sons timpânicos ou maciços são
indicativos de anormalidades.
O som timpânico está relacionado com a pre-
sença de quantidade anormal de gás na cavidade
torácica em relação ao parênquima, por exemplo no
pneumotórax. O som maciço indica aumento da
densidade torácica; esse sinal pode ser encontrado FIGURA 7.17 – Técnica de percussão.
nos derrames pleurais ou na presença de massa tu-
moral intratorácica. As variações de sons serão des-
critas posteriormente. OBSERVAÇÃO CLÍNICA

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132 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

• A percussão do tórax é capaz de atingir tecidos co nessa topografia do tórax. Som claro pulmonar
situados a uma profundidade de até 5 cm, portanto abaixo disso geralmente é sinal de hiperinsuflação
alterações muito profundas não podem ser avaliadas pulmonar.
nessa manobra propedêutica. Variações como Na face anterior esquerda, no limite inferior
obesidade, hipertrofia muscular e edema reduzem a pulmonar, encontra-se o espaço de Traube, onde o
nitidez dos sons normais. som é timpânico devido ao ar que se encontra no
fundo gástrico (Figura 7.18).
Sons definidos pela percussão torácica
• Som claro pulmonar: obtido ao percutirem-
-se campos pulmonares normais.
• Som timpânico: ocorre quando existe uma
quantidade aumentada de ar no parênqui-
ma pulmonar (enfisema pulmonar, crise de
asma aguda, cistos aéreos, etc.) ou caixa to-
rácica (pneumotórax).
• Som submaciço: obtido ao percutir-se um
parênquima pulmonar com densidade au-
mentada e diminuição da quantidade de ar
armazenada. Esse som aparece em proces-
sos inflamatórios, como a pneumonia, ou FIGURA 7.18 – Espaço de Traube.
em infartos pulmonares.
• Som maciço: característico da presença de
OBSERVAÇÃO CLÍNICA
líquido entre a parede torácica e o parênqui-
ma pulmonar, sendo encontrado nos derra- • O espaço de Traube deve ser sempre pesquisado por
mes pleurais. apresentar importante relação com a esplenomegalia.
O som maciço no espaço de Traube sugere, entre as
principais causas, o aumento do baço.
OBSERVAÇÃO CLÍNICA
• Ao suspeitar de derrame pleural, o examinador pode Além dos limites inferiores, é possível avaliar os
complementar sua avaliação por meio da pesquisa do limites dos ápices pulmonares nas fossas clavicula-
sinal de Signorelli. Esse sinal é obtido ao percutirem- res, que compreendem as regiões supraclaviculares.
-se as apófises espinhosas dos corpos vertebrais; a Para determinar seus limites, percutem-se a claví-
transição do som claro pulmonar para o som maciço cula e a fossa clavicular, encontrando-se o som claro
delimita a região do derrame com até 2 cm de
pulmonar no centro dessa região (Figura 7.19). A
precisão acima dele, complementando os achados
percussão poderá tornar-se maciça na presença de
da percussão do restante da parede torácica. Pode-
-se também pedir ao paciente que se incline para a tumores e som timpânico no pneumotórax.
frente, devendo haver mudança na altura do derrame,
importante para diferenciar de condensações fixas
eventualmente presentes nessa região.

Achados na percussão do tórax normal A A


Ao percutir o tórax normal, é possível delimi- B
tar os órgãos na cavidade torácica, sendo possível
também obter cada um dos diferentes sons descri- C D
tos anteriormente.
O local do tórax para obter-se o som claro pul-
monar mais nítido é na face anterior, principalmen-
te no primeiro e no segundo espaços intercostais.
Na face anterior do hemitórax direito, o som é FIGURA 7.19 – Principais sons audíveis à percussão do
submaciço a partir do quinto espaço e torna-se ma- tórax com sua representação orgânica. A: claro pulmonar
ciço no nível do sexto espaço intercostal; essas mu- (pulmão); B: maciço (coração); C: maciço (fígado);
danças se devem à presença do parênquima hepáti- D: timpânico (espaço de Traube com fundo gástrico).

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Capítulo 7 // Propedêutica do Aparelho Respiratório 133

Ausculta Apesar de aparentemente óbvios, os cuidados


A ausculta é o método propedêutico mais útil citados, quando não respeitados, são os maiores
para exploração do aparelho respiratório, por meio responsáveis por avaliações incorretas ou incom-
do qual se avalia a propagação sonora do fluxo aé- pletas do tórax. Manobras auxiliares, como tossir
reo pela árvore traqueobrônquica – dividido em ou inspirar profundamente, podem ser solicitadas
sons respiratórios normais ou patológicos (ruídos se houver alguma anormalidade, sendo fundamen-
adventícios) – e também a propagação sonora vocal tal notar mudanças no som original.
pelas estruturas torácicas (broncofonia). Adiante,
serão mais explorados os diversos tipos sonoros. OBSERVAÇÃO CLÍNICA
• o estetoscópio possui uma grande sensibilidade para
Método detecção de ruídos. Ao examinar o paciente, sons de
A ausculta é realizada utilizando-se o estetos- atrito de vestimentas com a pele ou do diafragma
cópio (método indireto), por meio de comparação do estetoscópio com pelos podem confundir o
de pontos simétricos, avaliando-se os dois hemitó- examinador.
rax no sentido do ápice para a base (Figura 7.20).
Para realizar uma ausculta com boa sensibilida- Sons respiratórios normais
de, o examinador deve tomar alguns cuidados básicos: Existem três sons respiratórios que podem ser en-
• o exame deve ser feito em ambiente silencioso; contrados na ausculta do pulmão normal: som tra-
• o paciente deve estar sentado ou em pé, com queal; respiração brônquica; e murmúrio vesicular.
tórax descoberto; • Som traqueal ou laringotraqueal: audível
• os músculos precisam estar relaxados e a po- sobre a traqueia ou sobre a laringe, nas regi-
sição deve ser cômoda; ões anterolaterais do pescoço e acima da
• o paciente deve respirar com uma frequência fúrcula (correspondente à apófise espinho-
tranquila e com a boca entreaberta; sa de C7). Trata-se de um som tubular, pro-
• deve-se manter uma amplitude constante du- duzido pela passagem dor ar em estruturas
rante o exame e o paciente não deve emitir sons; de grande calibre e pela alteração do fluxo
• a cabeça do examinador deve estar elevada, e
na glote. A fase expiratória é mais intensa e
o estetoscópio, adaptado de forma correta; longa que a inspiratória e pode-se notar
uma pausa entre elas. Torna-se clinicamen-
• para exploração das paredes laterais do tó-
te relevante ao ser encontrado fora de sua
rax, pede-se para o paciente colocar as mãos
localização habitual, denotando condensa-
sobre a cabeça.
ção do parênquima pulmonar.
• Respiração brônquica ou respiração bron-
covesicular: trata-se de uma associação dos
outros dois sons (transição entre o som tra-
queal e o murmúrio vesicular, sendo audí-
vel nas regiões de projeção da traqueia e dos
brônquios de grande calibre). Sua localiza-
ção normal se restringe às regiões próximas
aos brônquios principais: anteriormente no
primeiro e no segundo espaços intercostais
e posteriormente na região interescapular.
Quando encontrado na periferia, indica au-
mento da densidade do parênquima pulmo-
nar (p. ex.: nas condensações pulmonares).
• Murmúrio vesicular ou respiração vesicu-
lar: som suave audível sobre a maior parte
periférica do pulmão, exceto onde se encon-
tra a respiração brônquica. A inspiração é
nitidamente maior que a expiração, e não
existe pausa entre elas. Produzido pelo flu-
Figura 7.20 – Método de ausculta. xo turbulento do ar nos brônquios lobares e

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134 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

segmentares, e não nos alvéolos. Pode estar piração, devido, sobretudo, à perda do
ausente (p. ex.: derrames pleurais) ou dimi- parênquima elástico pulmonar, o qual
nuído (p. ex.: enfisema difuso). sustenta tais vias desprovidas de carti-
lagem (os bronquíolos). Tais alterações
Sons ou ruídos adventícios são vistas, sobretudo, na doença pulmo-
nar obstrutiva crônica, na fibrose cística
Os ruídos adventícios são achados da ausculta
e em neoplasias.
que indicam alteração da normalidade, ou seja, não −− Estertores grossos: comparados aos es-
são encontrados em nenhum ponto do parênquima tertores finos, têm maior duração e me-
pulmonar normal. Podem ter origem nas vias respi- nor frequência. São auscultados desde o
ratórias, na pleura ou em ambas. início da inspiração até o final da expi-
Existem muitas controvérsias quanto à deno- ração, representando alterações em vias
minação e à classificação dos ruídos adventícios na de grosso calibre. Geralmente, são mo-
literatura mundial. As escolas médicas adotam ter- dificados pela tosse, ocorrendo princi-
minologias diferentes, e os erros de tradução dos palmente nos portadores de bronquite
livros agravam esse problema no Brasil. crônica e bronquiectasia.
Para elaboração deste capítulo, adotou-se a clas- −− Estertores inspiratórios iniciais: carac-
sificação proposta pela American Toracic Society terísticos de doentes com obstrução
(1980), com uma linguagem difundida no meio grave das vias aéreas (doença obstru-
médico, a qual permite avaliar de maneira adequa- tiva), sendo produzidos nas vias aéreas
da os pacientes. maiores e proximais. Não se modifi-
cam com a tosse ou com a mudança
Os ruídos adventícios podem ter uma caracte-
de decúbito. São encontrados na bron-
rística contínua (roncos e sibilos) ou descontínua quite crônica, na asma e no enfisema
(estertores). Além dos roncos, sibilos e estertores, pulmonar.
serão descritos outros ruídos que constituem acha- −− Estertores inspiratórios tardios: caracte-
dos clínicos importantes: atrito pleural, cornagem, rísticos de doentes com doença pulmo-
sopro tubário e sopro pleural. nar restritiva. Parecem se originar de vias
• Estertores: trata-se de sons abruptos ou explo- aéreas mais periféricas, podendo estar
sivos, de curta duração, definidos como resul- associados a um sibilo curto no final da
tado da equalização explosiva da pressão do inspiração. Variam com a posição do pa-
gás entre dois compartimentos do pulmão, ciente e com a tosse e são frequentemen-
quando uma sessão fechada das vias aéreas te encontrados nas seguintes situações:
que os separa se abre subitamente. Podem ser pneumonia, congestão pulmonar da insu-
classificados quanto à fase (inspiratórios, ex- ficiência cardíaca e na fibrose intersticial.
piratórios, precoces ou tardios) e quanto ao • Sibilos: são causados pela passagem rápida
timbre (fino ou grosso), dependendo do cali- do fluxo aéreo por uma via que se encontra
bre da via aérea afetada. Ademais, deve-se evi- com calibre muito reduzido, cujas paredes
tar classificá-los como úmidos, secos, bolho- oscilam entre a posição fechada e pouco
sos, consonantais, cavernosos, crepitantes ou aberta. Trata-se de um som musical e contí-
nuo que muitas vezes pode ser ouvido sem a
subcrepitantes, já que tais termos são extre-
ajuda do estetoscópio. Pode ser monofôni-
mamente imprecisos. Por fim, a localização
co, quando o tom musical é único, como
dos estertores no ciclo respiratório pode ser ocorre tipicamente na asma, ou polifônicos,
usada para auxiliar na distinção das doenças comuns na maioria das doenças pulmona-
pulmonares. res obstrutivas crônicas.
−− Estertores finos: possuem uma sonori- • Roncos: são sons grosseiros e de intensidade
dade comparada ao “fecho de velcro”, elevada, ocasionados pela passagem de ar
surgem mais tardiamente na inspiração através de vias aéreas de grosso calibre que
e são de tom mais alto, amplitude baixa apresentam secreções acumuladas. Como o
e duração mais curta em comparação ruído é produzido pelo deslocamento das
aos estertores grossos. Estão relacio- secreções, pode modificar-se com a tosse.
nados com a abertura das vias aéreas Podem ocorrer tanto na inspiração quanto
terminais, que colapsam durante a ex- na expiração.

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Capítulo 7 // Propedêutica do Aparelho Respiratório 135

Assim, a diferença básica entre sibilo e ronco pectorilóquia. Ocorre devido ao aumento da trans-
se dá por sua tonalidade, a qual é determina- missão do som, como acontece nas condensações.
da pela ressonância das estruturas do tecido Há três tipos de pectorilóquia:
contíguo ao ponto de obstrução em produto • pectorilóquia fônica – quando a voz do pa-
com o grau de obstrução (determinando, ciente auscultada tem intensidade normal;
portanto, tonalidades mais graves para os • pectorilóquia áfona – quando se ausculta a
roncos e mais agudas para os sibilos). voz do paciente mesmo quando este cochicha;
• Atrito pleural: ruído produzido pelo atrito • pectorilóquia egofônica ou egofonia – carac-
entre os folhetos pleurais que se encontram terizada por uma voz de timbre anasalado
alterados por algum processo inflamatório, de tonalidade aguda (diferente da voz do pa-
descrito como “couro deslizando sobre cou- ciente), que aparece no limite superior dos
ro” e correspondente à ausculta do frêmito derrames pleurais, devido à mudança da luz
pleural identificado na palpação. circular dos brônquios para achatados.
• Cornagem: produzido nas vias aéreas supe-
riores quando estas apresentam obstrução Roteiro do exame físico
parcial à passagem do fluxo aéreo. Esse ruí-
do adventício muitas vezes pode ser ouvido Inspeção estática
apenas com a aproximação do examinador • Há abaulamento ou retração?
à região cervical do paciente. Ocorre nos • Há circulação colateral?
processos inflamatórios das vias aéreas su- • Há anormalidades no esterno?
periores, tumorações que comprimam as • Qual o tipo morfológico?
vias aéreas ou aspiração de corpo estranho.
• Sopro tubário: ocorre nas condensações Inspeção dinâmica
pulmonares e apresenta as mesmas caracte- • Qual a frequência respiratória?
rísticas do som traqueal/respiração brôn- • Qual o ritmo respiratório?
quica, porém com intensidade maior e em • Faz uso de musculatura respiratória acessória?
locais onde se esperaria o murmúrio vesicu- • Há tiragem intercostal?
lar, sugerindo regiões onde há processos
pneumônicos, por exemplo. Palpação
• Sopro pleural: encontrado na transição en- • Avaliação da elasticidade (manobra de
tre o parênquima normal e a aérea que apre- Lasègue).
senta interposição líquida. Pode ser auscul- • Avaliação da expansividade (manobra de
tado durante a respiração ou quando o Ruault).
paciente pronuncia “trinta e três”. • Avaliação dos frêmitos (toracovocal, brôn-
quico, pleural).
Ausculta da voz
A ausculta da voz no tórax é a complementação Percussão
da ausculta pulmonar. O método consiste em pedir • Análise dos sons (claro-pulmonar, timpâni-
para o paciente repetir as palavras “trinta e três” len- co, submaciço ou maciço?).
tamente e sempre com a mesma intensidade, en- • Na suspeita de derrame pleural, o sinal de
quanto se faz a pesquisa pulmonar em todas as faces, Signorelli está presente?
bilateralmente a partir do ápice em direção à base. • Espaço de Traube livre?
Por essa técnica, obtém-se a broncofonia (per-
cepção da voz auscultada), que normalmente é mais Asculta
intensa nos homens e mais nítida perto da traqueia. • Existem sons pulmonares normais (mur-
A diminuição da broncofonia ocorre em estenoses, múrio vesicular, som traqueal e respiração
enfisemas, derrames pleurais e pneumotórax; o au- brônquica)?
mento é indicativo de condensações superficiais • Existem ruídos adventícios (ronco, sibilo,
que atingem brônquios com mais de 3 mm de diâ- estertor grosso ou fino)?
metro, ou cavidades por condensação pericavitária. • Existe atrito pleural? Cornagem? Sopro tu-
Quando, durante a ausculta da voz, ouve-se a bário? Sopro pleural?
articulação das palavras nitidamente e com mais • Há broncofonia (pequitorilóquia fônica,
intensidade, esse evento recebe a denominação de áfona ou egofônica)?

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136 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

Principais Síndromes direita, como estase jugular, hepatomegalia e


Pleuropulmonares edema de membros inferiores.
• Atelectasia: colapso de parte do parênquima
A seguir, será descrito o exame físico das prin-
pulmonar decorrente de obstrução ou com-
cipais síndromes clínicas do aparelho respiratório
pressão da traqueia ou brônquios e conse-
(Quadros 7.1, 7.2 e 7.3). quente ausência de ventilação dessa região,
levando ao colabamento alveolar. Pode aco-
Síndromes pulmonares
meter um lobo ou segmento pulmonar ou até
• Congestão pulmonar: ocorre por acúmulo mesmo todo o pulmão, dependendo da espes-
de líquido no interstício, como na insufici- sura do brônquio acometido. Os sintomas in-
ência cardíaca esquerda e na estenose mi- cluem dispneia, tosse e dor torácica, e o exame
tral, levando a um quadro de dispneia que físico revela expansibilidade diminuída, com
piora com o decúbito e ocasionalmente à retração do ­hemitórax e tiragem, frêmito tora-
sibilância. Os principais achados de exame covocal d­ iminuído ou abolido, submacicez ou
físico são a submacicez e a presença dos es- macicez e abolição do murmúrio vesicular.
tertores finos nas bases pulmonares, in- Poderá haver desvio do mediastino para o
fluenciados pela posição. lado ­afetado.
• Consolidação: inclui a pneumonia, a tuber- • Escavação: também conhecido por caverna
culose e o infarto pulmonar. Na pneumonia, pulmonar, tem na tuberculose sua principal
ocorre processo inflamatório do parênqui- causa, embora possa decorrer também de
ma pulmonar, geralmente associado a acen- neoplasias, abscessos e micoses. Na anam-
tuado aumento dos líquidos intersticiais e nese, encontram-se tosse produtiva e vômi-
alveolares. Envolve as vias aéreas terminais e ca intermitente. Sua detecção ao exame físi-
os alvéolos pulmonares, sendo causada por co é difícil, pois apresentará manifestações
agentes infecciosos. O quadro clínico inclui típicas de expansibilidade diminuída, frê-
tosse, febre, expectoração, dispneia e dor to- mito toracovocal aumentado, som timpâni-
rácica, que poderá adquirir características co e respiração brônquica apenas se possuir
pleuríticas (localizada e ventilatório-depen- diâmetro superior a 5 cm e estiver localiza-
da próximo à parede torácica.
dente). No exame físico, observam-se ex-
pansibilidade diminuída, frêmito toracovo-
Síndromes pleurais
cal aumentado, macicez ou submacicez à
percussão e estertores finos. • Derrame pleural: coleção de líquido entre as
pleuras parietal e visceral. Ocorre em pro­cessos
• Hiperaeração: representado pelo enfisema
pneumônicos, neoplasias, insuficiência cardía-
pulmonar, resulta de alteração caracterizada
ca, pleurites, nefropatias e colagenoses. Pode
por aumento anormal dos espaços aéreos, manifestar-se por tosse, febre, dispneia e dor
acompanhado por alterações destrutivas das torácica. A dor é tipicamente ventilatório-de-
paredes alveolares. Com isso, observa-se a pendente e relativamente bem localizada, po-
presença de grande quantidade de ar, com a rém poderá não apresentar sintomas e a aus-
formação de sacos alveolares maiores. Pode culta pode ser normal. A propedêutica típica é
estar associada à bronquite crônica (tosse a expansibilidade diminuída e a diminuição
crônica com secreção mucosa ou mucopuru- do murmúrio vesicular dependente da posição
lenta abundante) e a bronquiectasias (dilata- gravitacional do derrame, associadas à percus-
ção de estruturas brônquicas). Expansibili- são maciça e à presença do sinal de Signorelli.
dade diminuída, fase expiratória prolongada, • Pneumotórax: acúmulo de ar no espaço
sibilos, hipofonese de bulhas, diminuição pleural. Ocorre em casos de trauma, afec-
global do murmúrio vesicular e aumento do ções pulmonares (tuberculose, neoplasias)
diâmetro anteroposterior do tórax são sinais ou ruptura pleural espontânea. Manifesta-
muito específicos, porém pouco sensíveis; a -se por dispneia e dor no hemitórax com-
anamnese envolve exposição a fatores de ris- prometido, expansibilidade e frêmito tora-
co, tabagismo, dispneia, tosse crônica e pro- covocal diminuídos, hipersonoridade ou
dução crônica de escarro. Os casos mais timpanismo e murmúrio vesicular diminu-
avançados podem apresentar hipertensão ído ou abolido. A traqueia poderá desviar-se
pulmonar e sinais de insuficiência cardíaca para o lado contralateral do tórax.

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Capítulo 7 // Propedêutica do Aparelho Respiratório 137

• Pleurites: inflamação dos folhetos pleurais. reas inferiores e por limitação variável ao
Pode ocorrer em doenças como tuberculose, fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou
pneumonias, neoplasias, doenças reumatoló- com tratamento, manifestando-se clini-
gicas e viroses. Na fase aguda, manifesta-se camente pela tríade clássica de sibilância,
por dor ventilatório-dependente, dispneia, fe- dispneia e opressão torácica, particular-
bre e atrito pleural (principal achado). Quan- mente à noite e pela manhã ao despertar.
do crônica, dado o espessamento pleural, ten- Cerca de 90% dos indivíduos apresentam
de a manifestar-se como dispneia aos grandes pelo menos um desses achados, e o encon-
esforços e diminuição do murmúrio vesicular. tro de ausculta sem ruídos adventícios e
murmúrio vesicular diminuído pode ser
preditora de insuficiência respiratória por
Síndrome brônquica severa obstrução do fluxo aéreo. Observa-
• Asma: doença inflamatória crônica, caracte- -se também expiração prolongada e tiragem
rizada por hiper-responsividade das vias aé- intercostal.

QUADRO 7.1 – Síndromes pulmonares


Síndromes PRINCIPAIS
pulmonares SINTOMAS INSPEÇÃO PALPAÇÃO PERCUSSÃO AUSCULTA
• Dispneia Relacionados Normal • Som claro • Ocasionalmente,
paroxística à insuficiência pulmonar sibilância
noturna/ cardíaca: estase ou submaciço • Estertores finos nas
CONGESTÃO
ortopneia jugular, edema de • Pode ocorrer bases pulmonares
PULMONAR
membros inferiores derrame que podem mudar
pleural conforme o
associado decúbito
• Tosse Imobilidade do tórax • Diminuição da Som submaciço • Diminuição
• Febre comprometido elasticidade e da ou macico ou abolição do
• Expectoração expansibilidade murmúrio vesicular
• Dispneia • Frêmito • Presença de
CONSOLIDAÇÃO • Dor torácica toracovocal estertores finos,
(PNEUMONIA) (pode adquirir aumentado sopro tubário
características na área e pectorilóquia
pleuríticas) comprometida fônica ou áfona,
dependendo
da área acometida
• Dificuldade • Tórax “em tonel” Diminuição da Som timpânico • Diminuição ou
expiratória ou enfisematoso elasticidade, da abolição do
HIPERAERAÇÃO
• Se associada • Expiração expansibilidade e murmúrio vesicular
(ENFISEMA
à bronquite prolongada do frêmito • Estertores finos
PULMONAR)
crônica: tosse toracovocal e grossos, sibilos
crônica produtiva bilateralmente e roncos
• Dispneia • Retração torácica Expansibilidade Som submaciço • Abolição
• Tosse na área diminuída do murmúrio
• Dor torácica comprometida e frêmito vesicular
ATELECTASIA • Pode ocorrer desvio toracovocal • Diminuição
da traqueia para o diminuído ou da broncofonia
lado comprometido abolido na área
comprometida
Tosse produtiva, Expansibilidade • Expansibilidade Som timpânico Respiração brônquica
vômica, diminuída nas diminuída (se cavitação
Escavação intermitente grandes escavações • Frêmito > 5 cm)
toracovocal
aumentado

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138 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

quadro 7.2 – Síndromes pleurais


síndromes Principais
pleurais sintomas Inspeção Palpação Percussão Ausculta
• Tosse • Abaulamento do lado • Diminuição da • Som maciço • Abolição
• Febre comprometido elasticidade • Sinal de do murmúrio
• Dispneia • Pode ocorrer desvio • Frêmito toracovocal Signorelli vesicular
Derrame • Dor pleurítica da traqueia para abolido na área positivo • Pectorilóquia
pleural o sentido oposto ao comprometida egofônica ou
lado comprometido broncofonia acima
por um grande do derrame
derrame
• Dispneia • Abaulamento do lado • Expansibilidade • Som • Abolição
• Dor no comprometido diminuída timpânico do murmúrio
hemitórax • Pode ocorrer desvio • Frêmito toracovocal vesicular e
Pneumotórax comprometido da traqueia para o abolido no lado da broncofonia
sentido oposto nos comprometido • Pode haver
grandes pneumotórax abafamento
• Estase jugular de bulhas
• Dor pleurítica • Expansibilidade • Frêmito pleural • Atrito pleural
• Dispneia diminuída presente • Diminuição
PleurIte
• Febre do murmúrio
vesicular (crônica)

QUADRO 7.3 – Síndrome brônquica


SÍNDROMES Principais
BRÔNQUICAS Sintomas Inspeção Palpação Percussão Ausculta
• Dispneia • Expiração • Diminuição da • Som timpânico • Sibilos
• Opressão prolongada expansibilidade • Preditor de insuficiência
Asma torácica • Tiragem bilateralmente respiratória: ausência de
intercostal • Frêmito brônquico ruído adventício e diminuição
murmúrio vesicular

Referências Bibliográficas Pompilio CE, Carvalho CRR. Insuficiência respiratória. In:


Benseñor IM, Atta JÁ, Martins MA. Semiologia clínica. São
Bickely LS, Szilagyi PG. Tórax e pulmões. In: Bickely LS, Szila- Paulo: Sarvier; 2002. p. 590-596.
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nabara Koogan; 2005. p. 201-236. mões e pleura). In: Semiologia médica. 6. ed. Rio de Janeiro:
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Propedêutica
Cardiológica
8
thiago souza La Falce
Karina Moraes Kiso
Henry eiji toma
Luiz antônio rivetti

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140 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

INTRODUÇÃO asiáticos. Por sua vez, a incidência de insuficiência


A propedêutica do paciente com doença cardio- cardíaca é 1,5 a 2 vezes maior em pacientes negros
vascular não deve se restringir ao exame do coração, em comparação aos brancos.
pois as suas manifestações, na grande maioria das • Fatores socioeconômicos: pacientes com maior
vezes, são sistêmicas. Este capítulo tem como objeti- dificuldade para acesso a serviços de saúde podem
vo introduzir o aluno à abordagem das doenças car- apresentar doenças como febre reumática ou
diovasculares mais prevalentes. Desse modo, serão endocardite infecciosa, cada vez mais incomuns em
apresentados os aspectos mais importantes da ana- países desenvolvidos, mas ainda presentes no Brasil.
mnese com foco nas alterações cardiovasculares, a É importante lembrar ainda que várias regiões do
técnica correta para a realização do exame físico do país são endêmicas para a doença de Chagas, cujo
causador é o Trypanosoma cruzi, importante agente
aparelho cardiovascular, quais são os sinais fisioló-
etiológico de doença cardíaca.
gicos presentes em indivíduos hígidos, as alterações
mais importantes que podem ser observadas nos
doentes e as observações clínicas pertinentes. A seguir, serão abordados os principais sinais e
sintomas apresentados pelos indivíduos com doen-
ANAMNESE ças cardiovasculares, relatados como queixa ou du-
A história clínica benfeita pode ser fonte de da- rante o interrogatório dos diversos aparelhos. São
dos muito importantes no paciente com comprome- eles: dor ou desconforto precordial; dispneia; sín-
timento cardíaco. Independentemente de o atendi- cope e lipotimia; palpitações; alterações do sono;
mento ser em condição eletiva ou em consultas de sibilância (chiado no peito); cianose; e edema.
emergência, a abordagem do paciente com suspeita de
uma doença cardiovascular deve ser realizada com Dor
atenção, voltando-se para alguns aspectos importan- O mais importante nesta fase da anamnese é
tes na sua história, que serão abordados a seguir. diferenciar a dor precordial da dor cardíaca pro-
Na identificação do paciente, têm destaque a priamente dita. Isso porque a primeira pode ser re-
sua faixa etária, o sexo, a etnia, a profissão e as con- ferida como a dor em qualquer estrutura precor-
dições socioeconômicas e culturais. As respostas do dial, ao passo que a dor cardíaca abrange apenas os
paciente podem fornecer dados epidemiológicos acometimentos do coração e da aorta. Nesse mo-
que direcionam o raciocínio diagnóstico, favore- mento, todas as características da dor são impor-
cendo determinadas hipóteses em detrimento de tantes, devendo-se, assim, investigar: localização;
outras e também as condutas referentes à preven- irradiação; caráter; intensidade; duração; frequên-
ção, de acordo com os fatores de risco que o pacien- cia; fatores desencadeantes; fatores de piora; fatores
te apresenta. Os dois últimos fatores têm destaque de melhora; periodicidade; ritmicidade; e sintomas
em especial pelo fato de o Brasil ser um país com
acompanhantes, como sudorese, náuseas e vômitos
um amplo espectro populacional, em diferentes si-
(Quadro 8.1).
tuações socioeconômicas, e, por isso, pacientes com
diferentes contextos socioeconômicos podem apre- Na história, não se deve atentar apenas às res-
sentar diferentes perfis epidemiológicos. postas do paciente, mas também às mímicas que ele
realiza, como o gesto de fechar a mão sobre o tórax
enquanto descreve a dor, o que é altamente sugesti-
OBSERVAÇÕES CLÍNICAS vo de dor precordial de origem isquêmica. A dor
• Idade: as idades acima de 45 anos em homens e cardíaca é conhecida como angina do peito (ou an-
de 55 anos em mulheres são consideradas fatores gina pectoris) e pode ser definida como um descon-
de risco para doença coronariana, que aumenta forto torácico associado à isquemia miocárdica. Es-
a cada 10 anos.
pecificamente em relação à angina do peito, é
• Sexo: antes dos 60 anos, homens têm risco 1,5 a
2 vezes maior de apresentar doença coronariana ou importante caracterizar a duração e as possíveis
acidente vascular cerebral (AVC) em comparação às atividades que a desencadeiam, por serem impor-
mulheres, mas o risco cardiovascular no sexo feminino tantes parâmetros na avaliação desse paciente. No
aumenta rapidamente com o avançar da idade e, aos Quadro 8.1, é possível fazer uma distinção entre os
80 anos, é igual em ambos os sexos. tipos de dor precordial e, principalmente, saber dis-
• Etnia: a incidência de doença coronariana é igual tinguir a dor cardíaca característica de isquemia ou
entre indivíduos brancos e negros, mas menor em infarto cardíaco.

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Propedêutica Médica_cap 08.indd 141
QUADRO 8.1 – Comparação entre os diversos tipos de dor e suas características
DOR DE ORIGEM DOR DE ORIGEM
AÓRTICA DA ARTÉRIA
DOR ISQUÊMICA DOR DE ORIGEM (DISSECÇÃO PULMONAR DOR DE ORIGEM DOR DE ORIGEM DOR DE ORIGEM
características MIOCÁRDICA PERICÁRDICA DA AORTA) OU PLEURAL GASTRESOFÁGICA MUSCULAR PSICOGÊNICA
Capítulo 8 // Propedêutica Cardiológica

Preferencialmente Região retroesternal Geralmente, reflete Geralmente Geralmente referida Na parte superior do Em geral, limita-se
retroesternal, junto ao rebordo a porção da aorta retroesternal em região tórax e nos à região da ponta
podendo ser sentida esternal esquerdo, acometida e sua (p. ex.: TEP – subesternal e/ou membros superiores; do coração
mais do lado podendo acometer progressão, sendo tromboembolismo epigástrica geralmente o
esquerdo ou direito toda a parede retroesternal ou na pulmonar – paciente refere dor
LOCALIZAÇÃO
do esterno. Pode anterior do tórax face anterior do maciço) ou pelo em um local
ser restrita a uma tórax, quando na tórax, dependendo específico
área ou ocupar aorta ascendente, da etiologia
todo o precórdio e no dorso, quando
na descendente
Está diretamente Irradia especialmente Irradiação para o Geralmente não Pode irradiar para o Geralmente não Apresenta pontadas
relacionada com a para a região do pescoço, a região irradia dorso irradia em região apical
intensidade da dor; pescoço e para as interescapular e os ou inframamária
há diversas áreas costas ombros
possíveis: pavilhão
auricular, maxilar
inferior, nuca,
IRRADIAÇÃO região cervical,
membros
superiores,
ombros, região
epigástrica e
região
interescápulo-
vertebral
(Continua)
141

26/02/2015 15:04:31
(Continuação)
Sempre do tipo Pode ser do tipo Dor do tipo Dor pleurítica Em queimação, Geralmente não Costuma ser uma
142

constritiva, com “constritiva”, “peso”, lancinante; o referida por vezes irradia dor surda, fina
sensação de “opressão”, paciente pode como desconforto e descrita como
“aperto”, “queimação” ou dor referi-la como a uma agulhada
CARÁTER OU
“opressão”, “peso”, pleurítica (ver sensação de algo
QUALIDADE

Propedêutica Médica_cap 08.indd 142


“queimação” e síndromes pleurais rasgando o peito
DA DOR
“sufocação” no capítulo
“Propedêutica do
Sistema
Respiratório”)
• Na angina de peito Costuma ter início Representa uma dor Início súbito, De 10 a 60 minutos Início insidioso Persiste por horas
ou estável: a súbito e ser de início súbito e persistente e persistente, e até mesmo por
duração é curta, contínua, com contínua que dura durando de horas semanas
de 2 a 3 minutos duração de várias até que o fator a semanas
não ultrapassando horas causador da dor
10 minutos seja resolvido
• Na angina
instável: a dor é
mais prolongada,
DURAÇÃO
podendo durar até
20 minutos
• No infarto do
miocárdio: há
alterações
necróticas do
tecido e a duração
é de mais de 20
minutos
Varia de acordo com Pode ser de grande Dor muito intensa, Intensa Moderada a intensa Moderada a intensa Variável, já que a dor
o grau de intensidade excruciante aumenta de
comprometimento intensidade quando
isquêmico, sendo o paciente é
INTENSIDADE
dividida em três submetido a
tipos de contrariedades
intensidade: leve, ou a emoções
moderada e intensa desagradáveis
Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

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Principalmente após Piora com a O fator Formação Desencadeado pela Piora na A dor é agravada
exercícios físicos, respiração, com desencadeante é o de trombos, alimentação movimentação quando o paciente
mas pode ser decúbito dorsal, extravasamento de geralmente em envolvendo a área é submetido a

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iniciada após movimentos na sangue da luz para veias dos membros acometida ou emoções ou
FATORES qualquer tipo cama, deglutição o espaço entre a inferiores, que durante respiração sensações
DESENCADEANTES de situação que e movimentação do túnica íntima e embolizam para a profunda; durante desagradáveis
OU AGRAVANTES aumente o trabalho tronco média da aorta artéria pulmonar a palpação, pode
cardíaco, como e seus ramos referir dor
Capítulo 8 // Propedêutica Cardiológica

emoções, frio e
ingesta abundante
de alimentos
Repouso e uso de Melhora com a O paciente fica Não melhora até o Alívio com uso de Melhora com uso de Alivia-se
fármacos como posição de inquieto alterando alívio da pressão antiácidos anti-inflamatórios parcialmente com
vasodilatadores, no inclinação do tórax por diversas vezes pulmonar não hormonais, repouso e uso de
FATORES DE caso de angina do para a frente e na a sua posição na ao repouso fármacos, como
MELHORA peito posição tentativa de analgésicos,
genupeitoral encontrar alguma benzodiazepínicos e
que diminua a sua até mesmo com
dor placebos
Náuseas, vômitos, e Aumento da dor por Assimetria dos Dispneia, hipotensão, Podem estar Acometimento da Palpitações, dispneia
sudorese fria irritação das pulsos e presença síncope, sinais presentes disfagia, pleura ou do suspirosa,
podem aparecer, estruturas vizinhas; de insuficiência de insuficiência rouquidão, refluxo, pericárdio, sinais dormências,
MANIFESTAÇÕES
principalmente em pode estar aórtica cardíaca esquerda regurgitação de inflamação astenia,
CONCOMITANTES
pacientes com acompanhado de instabilidade
quadro de infarto atrito pericárdico emocional e
do miocárdio depressão
Fonte: Adaptado de Braunwald E, Perloff JK, 2012 e Meisel JL, Cottrell D, 2013.
143

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144 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

Dispneia Em relação às dispneias crônicas, é necessário


Segundo a American Thoracic Society, a disp- pesquisar, durante a anamnese do paciente, a reali-
neia é definida como: “experiência subjetiva de des- zação de atividade física habitual, já que a caracteri-
conforto respiratório que consiste de sensações zação de dispneia aos esforços habituais depende de
qualitativamente distintas, variáveis em sua inten- cada indivíduo, variando justamente de acordo
sidade. A experiência deriva de interações entre com os hábitos pessoais.
múltiplos fatores: fisiológicos, psicológicos, sociais A partir da história clínica, é possível identifi-
e ambientais podendo induzir respostas comporta- car os seguintes tipos de dispneia crônica:
mentais e fisiológicas secundárias”. • dispneia de esforço – resultante do esforço
Significa, etimologicamente, respiração difícil, do paciente, pode ser classificada como
ou seja, a respiração deixa de ser um ato espontâneo dispneia aos grandes, médios e pequenos es-
para ser um ato dificultoso e perceptivo para o pa- forços. Caracteriza-se por movimentos res-
ciente. Assim, a dispneia deve ser valorizada a partir piratórios curtos e rápidos após o esforço.
do momento em que aparece. Geralmente, tem instalação progressiva e
A origem da dispneia pode ser dividida em ocorre frequentemente em pacientes com
causas respiratórias (abordada no capítulo “Prope- insuficiência cardíaca;
dêutica do Aparelho Respiratório”) e cardiovascu-
• dispneia de decúbito (ortopneia) – a disp-
lares, queixa que pode ser dividida, ainda, nas de
início agudo e crônico. neia de origem cardíaca apresenta uma in-
tensificação na posição de decúbito devido
As dispneias de início agudo estão relacionadas
a importantes condições que devem ser diagnosti- ao aumento de aporte sanguíneo que chega
cadas imediatamente, pois podem evoluir de forma aos pulmões, e que melhora na posição sen-
rápida e colocar a vida do paciente em risco. As tada ou em pé (ortostática), intolerância ao
principais causas de origem cardiovascular são o decúbito esta chamada de ortopneia. Por-
tromboembolismo pulmonar e o edema agudo de tanto, pode ser diferenciada da dispneia pa-
pulmão. Outras causas são a obstrução de via aérea roxística noturna devido à ausência da
por corpo estranho, pneumotórax, hemotórax e queixa de edema de membros inferiores re-
pneumonia, abordadas no capítulo “Propedêutica latado pelo paciente e também pelo fato de a
do Aparelho Respiratório”. ortopneia ter como característica iniciar
imediatamente após o paciente se colocar
em decúbito. O termo ortopneia pode ter
OBSERVAÇÕES CLÍNICAS
como causa doenças respiratórias, como a
• Embolismo pulmonar: trata-se da obstrução da doença pulmonar obstrutiva crônica, ge-
artéria pulmonar e/ou seus ramos por um êmbolo,
rando um padrão diferente de dispneia, ca-
isso é, material que atinge os pulmões por meio do
sangue, como trombos venosos (principal causa racterizado no capítulo “Propedêutica do
do embolismo pulmonar, chamado nessa situação Aparelho Respiratório”;
de tromboembolismo pulmonar ou TEP), êmbolos • dispneia paroxística noturna – causada por
gasosos ou gordurosos. Gera distensão da artéria uma sobrecarga de volume originado pela rea-
pulmonar e quadro súbito de dor torácica como uma bsorção do edema de membros inferiores,
pleurite, acompanhado de dispneia de início súbito e
pode ser diferenciada da ortopneia por dois
progressiva. Pode haver ainda taquipneia, taquicardia,
tosse e hemoptise. Fatores de risco para o TEP fatores: tem um início mais demorado e aco-
são importantes de serem investigados na história mete o paciente somente de 2 a 3 horas após ele
desse paciente, como trombose venosa profunda, se colocar em decúbito. Entre as queixas relata-
imobilidade prolongada, cirurgia recente e câncer. das pelo paciente com esse tipo de dispneia,
• Edema agudo dos pulmões: resulta do transudato pode-se relacionar: despertar devido à intensa
de fluido para os espaços alveolares devido a um falta de ar, em que o indivíduo é obrigado a se
aumento agudo da pressão hidrostática nos capilares,
sentar na cama ou ao se levantar dela, possivel-
causada por uma depressão da função cardíaca ou
aumento agudo do volume intravascular. Gera, assim, mente acompanhado de episódios de sufoca-
dispneia de início súbito e progressivo, com tosse, que ção, tosse seca e opressão torácica. Durante as
pode ter fluido espumoso, tingido de sangue, além crises, pode haver broncoespasmos, que leva
de cianose, estertores finos inspiratórios tardios e ao aparecimento de sibilos, condições em que
sibilos. Frequentemente, está associado a quadros de o quadro é chamado de asma cardíaca. É im-
insuficiência cardíaca e infarto agudo do miocárdio. portante notar que o termo “dispneia paroxís-

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Capítulo 8 // Propedêutica Cardiológica 145

tica noturna” refere-se especificamente ao pa- sas são divididas classicamente como no esquema
drão de dispneia da insuficiência cardíaca, da Figura 8.2, que devem ser investigadas de forma
motivo pelo qual ele deve ser questionado com apropriada no exame clínico.
o cuidado de não ser aplicado para outras situ- Os episódios podem ser iniciados com sensação
ações semelhantes em que o paciente refere de fraqueza, tonturas, sudorese e palidez ou, então,
acordar durante a noite; ter início súbito e sem sintomas prodrômicos.
• dispneia periódica ou de Cheyne-Stockes – Ao abordar um paciente com síncope ou lipoti-
padrão anormal de respiração caracterizado mia, é preciso estar atento para determinar sua causa,
por períodos alternados de apneia e respira- identificar a presença de fatores relacionados com con-
ção rápida e profunda. As causas mais co- dições de ameaça imediata a vida (emergências com
muns desse tipo de alteração respiratória são: fibrilação ventricular, tromboembolismo pulmonar,
insuficiência cardíaca congestiva e intoxica- hemorragias agudas) e determinar possíveis lesões
ções por medicamentos que causam depres- consequentes da síncope, por exemplo, traumas.
são do centro respiratório, como a morfina.
Os sintomas associados são úteis por sugerir
O capítulo “Propedêutica do Aparelho Respi-
diagnósticos específicos para a causa da síncope.
ratório” contém mais informações a respeito
Entre eles, estão dispneia e dor precordial (já descri-
do ritmo respiratório de Cheyne-Stokes.
tas neste capítulo) e palpitações, abordadas a seguir.
Perda transitória da consciência Pacientes com síncope reflexa podem apresentar
Pode ter como causa tanto uma situação de hi- calor, náusea, vômito, diaforese ou palidez antes ou
póxia cerebral devido a diversos fatores cardíacos logo após o evento.
como alterações do sistema nervoso central (SNC), A presença de gatilhos como estresse físico ou
alterações metabólicas, entre outras. Trata-se de uma emocional, tosse, deglutição, micção e defecação
situação que pode se apresentar de diferentes formas sugere causa neurocardiogênica. A ausência de gati-
de acordo com sua causa, que devem ser diferencia- lhos ou sinais associados pode sugerir arritmia.
das como resumido no esquema da Figura 8.1. A posição em que o paciente estava quando o
Na síncope, normalmente ocorre a perda total evento ocorreu pode auxiliar no diagnóstico: per-
da consciência, mas com curta duração, com perda manecer em posição ortostática por tempo prolon-
do tônus postural seguida por recuperação comple- gado em local quente sugere causa neurocardiogê-
ta ao estado mental basal, sem qualquer déficit mo- nica; se em pé logo após se levantar, está mais
tor. Pode ocorrer ainda uma situação denominada relacionada à hipotensão ortostática; posição supi-
lipotimia ou pré-sincope, definida como uma perda na ou sentada são mais sugestivas de síncope por
de tônus postural, na qual o paciente apresenta que- arritmias. No Quadro 8.2, são apresentados sinais
da súbita, mas sem perda da consciência. Suas cau- de risco na avaliação da perda de consciência.

Perda transitória de consciência

Hipóxia, hipoglicemia, início súbito, Movimentos Pseudoperda


hipocapnia transitória, curta involuntários, duração da consciência
duração, retorno mais prolongada,
rápido confusão pós-comicial

síncope Convulsão transtornos Psicogênico


metabólicos

FIGURA 8.1 – Perda transitória de consciência: diagnósticos diferenciais.


Fonte: Adaptada de Golin V, Sprovieri SR, 2008.

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146 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

Classificação das causas da síncope

Doenças
reflexo neurogênico Ortostática arritmias cardíacas
cardiovasculares
estruturais

síncope vasovagal induzida por drogas Bradicardias estenose valvar aórtica


síndrome do seio carotídeo Falência do sistema • Doença do nó sinusal Cardiopatia isquêmica
situacional nervoso autônomo • Bloqueios atrioventriculares Cardiomiopatias
• Primária taquicardias Hipertensão pulmonar
• secundária • Ventriculares Dissecção de aorta
• supraventriculares roubo subclávio
Canalopatias

60% 15% 10% 5%

FIGURA 8.2 – Classificação das causas da síncope.


Fonte: Adaptada de Benditt DG, Adkisson AO, 2013.

QUADRO 8.2 – Sinais de risco na avaliação da perda cardíacas (p. ex.: arritmias, insuficiência cardíaca,
de consciência miocardites, miocardiopatias), mais comuns, e as
não cardíacas (p. ex.: hipertensão arterial, hiperti-
História de doença cardíaca
reoidismo, anemia, esforço físico, emoções, síndro-
Infarto do miocárdio prévio me do pânico e algumas substâncias tóxicas que
Uso de marca-passo ou cardiodesfibrilador implantável (CDI) variam desde medicamentos até café e outras).
Síncope durante exercício físico A probabilidade de que a palpitação seja causada
Eletrocardiograma anormal por uma arritmia é maior em casos de pacientes com
histórico de doença cardíaca e menor em casos de
Histórico de morte súbita familiar em parentes de 1º grau
resolução do sintoma em menos de 5 minutos e/ou
Síncope resultando em lesões graves presença de transtorno do pânico. A presença con-
Dois ou mais episódios em um ano junta da sensação de pulsatilidade rápida no pescoço
Presença de palpitações ou sua visualização também está mais associada a
Ocupações de alto risco de lesão para si ou outros arritmias.
História de doença cardíaca Arritmias
Entende-se como arritmia uma alteração do rit-
Palpitações mo cardíaco normal, que, por alterar a forma e/ou
Como sintoma, significa a percepção incômoda frequência com que ocorre a contração do músculo
por parte do paciente de seus próprios batimentos cardíaco, acaba gerando repercussões no débito car-
cardíacos, sendo referidos por ele de diversas manei- díaco e fluxo sanguíneo na circulação sistêmica.
ras, por exemplo, como “batedeira” e “coração pula”. Pode ser dividida em bradiarritmias, em que a pato-
As palpitações representam um transtorno do ritmo, logia está associada a uma diminuição da frequência
força ou da frequência cardíaca, que pode acometer de contração do coração e, portanto, da frequência
tanto indivíduos doentes quanto pessoas saudáveis cardíaca; ou taquiarritmias, relacionadas a um au-
em algumas situações específicas, como exercício fí- mento da frequência ou alteração da contração atrial
sico ou situações de estresse emocional. e/ou ventricular. Frequentemente, está associada a
Assim, é possível dividir as palpitações em três outras doenças do coração, como doenças congênitas
formas: as de esforço, as que mostram alterações do ou estruturais, insuficiência cardíaca e infarto agudo
ritmo cardíaco e as que acompanham os distúrbios do miocárdio (IAM). Pode ser percebida como alte-
emocionais. Podem ter diversas causas, entre elas as ração do ritmo cardíaco, lipotimia, síncope e palpita-

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Capítulo 8 // Propedêutica Cardiológica 147

ções, e estar associada ao uso de diversos fármacos. EXAME CARDIOVASCULAR PERIFÉRICO


Esse quadro deve ser avaliado atentamente por ser Cianose
potencialmente fatal, sempre com uso de exames
complementares, sendo o exame mais básico e rápi- Indica uma coloração azulada da pele e das
do para realização a eletrocardiografia. mucosas devido ao aumento da hemoglobina re-
duzida no sangue capilar, geralmente ficando apa-
Alterações do sono rente em concentrações acima de 4 g/dL de hemo-
Sinal gerado em virtude de uma deficiência globina reduzida, o que reflete uma saturação de
cardíaca esquerda que culmina no comprometi- oxigênio na periferia de 85% ou menos e uma hi-
mento da drenagem do seio cerebral seguido de es- percapnia associada. Serão abordadas a seguir al-
tase sanguínea encefálica, edema cerebral, hiper- gumas das causas cardiovasculares de cianose.
tensão do líquido cefalorraquidiano e, por fim, Contudo, existem ainda outras causas de cianose,
anóxia neuronal. Além desses fatos, o paciente rela- principalmente por causas respiratória e hemato-
ta insônia e dispneia intensa ao se deitar, como dis- lógica, como doenças relacionadas com alteração
cutido anteriormente. de formato (p. ex.: anemia falciforme) ou dimi-
nuição da quantidade (p. ex.: anemias aplásicas)
Sibilância ou chiado de hemácias, descritas nos capítulos “Anamnese
É a passagem de ar em alta velocidade por vias Geral”, “Exame Físico Geral” e “Propedêutica do
estreitadas. Trata-se de um som predominantemente Aparelho Respiratório”.
expiratório, que pode aparecer na asma cardíaca ou Ao exame, devem ser observados principal-
na dispneia paroxística noturna, quando a congestão mente os lábios, a ponta do nariz, a região malar
pulmonar é acompanhada por broncoespasmo. (ou seja, as bochechas), os lóbulos das orelhas, a lín-
O estreitamento das vias aéreas tem como cau- gua, o palato, a faringe, as extremidades, as unhas
sa a insuficiência cardíaca esquerda, que acaba por das mãos e dos pés. Uma situação importante para
ocasionar uma estase sanguínea nos leitos vascula- verificação e observação é a de piora da cianose ao
res pulmonares e, por fim, há edema da mucosa. exercício físico.
Outra causa pode ser a broncoconstrição reflexa. Há dois tipos de cianose: a central; e a periféri-
No Quadro 8.3, é possível distinguir entre asma ca. Na cianose central, há diminuição da saturação
cardíaca e brônquica. de sangue por um shunt direito-esquerdo (ou seja,
parte do sangue deixa de sofrer hematose por não
QUADRO 8.3 – Comparativo entre as características passar pelos pulmões) ou por problema pulmonar;
da asma cardíaca e da asma brônquica já na cianose periférica, há diminuição do aporte
ASMA sanguíneo periférico devido a uma vasoconstrição
CARACTERÍSTICAS ASMA CARDÍACA BRÔNQUICA periférica relacionada a um baixo débito cardíaco,
por exposição ao frio ou devido ao fenômeno de
Posição de Paciente sentado Não é aliviada
melhora ou em pé pela mudança Raynaud.
de posição Além disso, a cianose pode ser classificada em
Posição de piora Posição deitada Não se altera localizada, quando acomete só uma região do cor-
com a mudança po, e generalizada, quando atinge o corpo como
de posição um todo. Os pacientes cianóticos também apre-
Eventos cardíacos Taquicardia, ritmo Geralmente não é
sentam outros sintomas devido à baixa saturação
que de galope acompanhado de oxigênio, o que é refletido principalmente pelas
acompanham por eventos alterações no SNC, como irritabilidade, sonolên-
cardíacos, mas cia, torpor, crises convulsivas e outros sintomas
pode aparecer relacionados.
taquicardia Para diferenciar a origem da cianose, podem
Eventos Estertores Sibilos ser realizadas algumas provas práticas, como ava-
pulmonares crepitantes disseminados liar a temperatura, se a cianose é segmentar ou ge-
acompanhantes finos nas bases que neralizada, compressão digital, elevação do mem-
pulmonares predominam bro cianótico, colocar o membro em banho quente
sobre os e oxigenoterapia. Essas provas estão descritas no
estertores capítulo “Exame Físico Geral”.

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148 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

OBSERVAÇÕES CLÍNICAS afundar a superfície levemente por 30 segundos.


Caso permaneça após a retirada da pressão, gera o
• Baqueteamento digital: também chamado de unha em chamado sinal de Godet, no qual há a formação de
vidro de relógio ou dedo hipocrático, é um sinal que um “cacifo” ou uma “fóvea”, caracterizando a pre-
pode ser encontrado em pacientes com cianose central
sença do edema. Os locais de pesquisa mais usados
crônica. Trata-se de uma alteração da falange distal e
são, entre outras, as regiões pré-tibial e sacral.
do leito ungueal em virtude de hipóxia nessa região.
• Fenômeno de Raynaud: reflete um exagero das respostas Circulação colateral
vasomotoras normais centrais, ou locais, ao frio ou a
emoções. Pode ser primário ou secundário, sendo o Trata-se da presença de circuito venoso anor-
secundário oriundo de uma insuficiência arterial das mal decorrente da dificuldade ou impedimento do
extremidades causada por diversas condições. fluxo venoso nos troncos venosos principais. A cir-
culação colateral somente é possível devido à pre-
sença de numerosas anastomoses venosas que sur-
Edema gem tanto em planos superficiais quanto profundos
Definido como o aumento da quantidade de que aumentarão de volume.
líquido intersticial, proveniente do plasma sanguí- Na avaliação da circulação colateral, deve-se
neo, que, na causa cardíaca, é ocasionado principal- pesquisar o sentido do fluxo do sangue das veias su-
mente por um quadro de insuficiência das câmaras perficiais formadas da seguinte maneira:
cardíacas direitas, dificultando o retorno venoso e, • com os dois dedos indicadores unidos, inter-
consequentemente, gerando um aumento da pres- rompe-se a corrente sanguínea da veia que se
são hidrostática nos capilares que acaba produzin- pretende examinar;
do extravasamento do líquido para o interstício. • afastam-se os dedos indicadores acompanhan-
Como consequência desse processo, o indiví- do o trajeto do vaso e comprimindo-o perma-
duo pode ainda, independentemente de apresentar nentemente, com o objetivo de esvaziá-lo;
ou não edema, apresentar aumento de peso. Em al- • retira-se um dos dedos, mantendo o outro
guns casos, ocorre também o extravasamento de na posição.
líquido para cavidades virtuais, como entre as pleu-
ras viscerais e parietais, o pericárdio visceral e o pa- Se, após a manobra, a veia encher-se rapida-
rietal e o peritônio visceral e o parietal, formando mente, é este então o sentido da corrente sanguínea.
derrames de líquidos nessas cavidades (derrames Se a veia permanecer colabada ou encher-se muito
pleural, pericárdico e peritoneal) e seus respectivos lentamente, repete-se a manobra soltando o outro
quadros de sinais e sintomas. Em casos mais graves dedo, o que determinará o rápido enchimento da
e prolongados de insuficiência cardíaca (com qua- veia e o reconhecimento do sentido da corrente. Isso
dro de alteração do retorno venoso), o fígado do permite determinar qual é a veia comprometida.
paciente frequentemente é comprometido pela esta- Há quatro tipos principais de circulação cola-
se, gerando queda da produção de proteínas hepáti- teral, descritos a seguir.
cas e consequente quadro de hipoalbuminemia, 1. Tipo porta: obstrução ou estase sanguínea nas
agravando o edema, que pode evoluir para um qua- veias supra-hepáticas, no fígado ou na própria
dro de edema generalizado, chamado de anasarca. veia porta. Podem-se encontrar, com isso, os
O edema da insuficiência ventricular direita seguintes tipos de circulação colateral:
tem características que o diferem das outras causas • tipo superior – veias túrgidas acima do um-
de edema, entre elas ser geralmente vespertino, ser bigo terminando na parte inferior do tórax,
gravitacional (ou seja, piora nos membros inferiores com sentido de baixo para cima, rumo à
na posição ortostática e melhora no decúbito), bila- veia cava superior;
teral, simétrico e diminuir ou desaparecer com o • tipo inferior – veias túrgidas abaixo do um-
repouso noturno. Se esse tipo de edema for assimé- bigo, com sentido de cima para baixo, rumo
trico, é um indicativo de associação com qualquer à cava inferior;
outra doença que possa cursar com edema. • tipo cabeça de medusa – combinação dos
Para que seja realizada a técnica de pesquisa de dois tipos descritos acima, com direção ir-
edema, é necessário que o acúmulo de líquido in- radiada a partir do umbigo. Nesse tipo,
tersticial ultrapasse 10% do total fisiológico. A pes- pode estar presente frêmito à palpação ou
quisa se faz a partir da compressão com o dedo da sopro à ausculta da região umbilical devido
parte edemaciada contra um plano resistente (de à recanalização da veia umbilical (síndrome
preferência ósseo), com força suficiente apenas para de Cruveilhier-Baumgarten).

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Capítulo 8 // Propedêutica Cardiológica 149

2. Tipo cava inferior: obstrução da veia cava infe- lateral menor, apenas na região anterior e la-
rior, ocorrendo a dilatação de veias da região teral do tórax (abdome não comprometido).
inguinal, da metade inferior do abdome e das 4. Tipo braquiocefálica: obstrução do tronco bra-
laterais toracoabdominais, com sentido de bai- quiocefálico, ocorrendo o surgimento unilate-
xo para cima, rumo ao umbigo onde se anasto- ral de veias dilatadas na fossa supraclavicular,
mosa com o sistema porta. pescoço (veia jugular túrgida e não pulsátil) e
3. Tipo cava superior: obstrução da veia cava su- braço, com sentido do braço e pescoço para o
perior associada ou não à obstrução da veia tórax. Acontece geralmente do lado esquerdo,
ázigos, que faz a anastomose entre as duas veias ocorrendo o abaulamento da fossa supraclavi-
cavas. Podem-se encontrar, com isso, dois tipos cular esquerda (sinal de Dorendorf). O sinal de
Bonet está presente quando o lado comprome-
de circulação colateral:
tido for o direito e traduz o mesmo achado do
• anazigótica – veia ázigos comprometida,
sinal de Dorendorf.
ocorrendo a formação de extensa circulação
superficial na região anterior e lateral do tó- Pulso e pressão arterial
rax e abdome, com sentido de cima para As técnicas propedêuticas para palpação dos
baixo, em direção à cava inferior; pulsos arteriais e aferição da pressão arterial já fo-
• azigótica – veia ázigos não comprometida. O ram descritas no capítulo “Exame Físico Geral”. No
fluxo sanguíneo, com isso, utiliza preferen- Quadro 8.4, são apresentadas as principais altera-
cialmente a via profunda (pela veia ázigos), ções relacionadas ao pulso e à pressão arterial, en-
ocorrendo, na superfície, uma circulação co- contradas nas doenças do aparelho cardiovascular.

QUADRO 8.4 – Principais alterações dos pulsos arteriais


TIPO DE PULSO DESCRIÇÃO DOENÇA ASSOCIADA
Pulsos assimétricos Pulsos com amplitudes diferentes, menores ou não Dissecção ou aneurisma de aorta, aterosclerose
palpáveis de artérias periféricas, doença de Takayasu
Atraso do pulso Ao se palpar concomitantemente os pulsos Associado à hipertensão, pode indicar coartação
femoral comparado braquial e femoral, observa-se atraso na da aorta
ao braquial palpação do pulso femoral
Pulso alternante Tem-se a variação da amplitude no pulso de forma Insuficiência ventricular esquerda, na maioria das vezes
alternada, mais bem avaliado aplicando-se leve sistólica; frequentemente relacionado à presença de
pressão na palpação e confirmado pela aferição extrassístoles
da pressão arterial*
Pulso paradoxal Diminuição da pressão arterial acima de 20 mmHg Importante achado no tamponamento cardíaco; ocorre
em determinado pulso durante a inspiração, o ainda na doença pulmonar obstrutiva crônica, choque
que é detectável pela palpação, mas deve ser hipovolêmico, pericardite constritiva e cardiomiopatia
avaliado com o esfigmomanômetro** restritiva
Pulso bisferiens Caracteriza-se por dois picos sistólicos separados Ocorre em pacientes com insuficiência aórtica com
por um pequeno vale; pode ser difícil de repercussão hemodinâmica; ocasionalmente, pode
diferenciar do pulso dicrótico ocorrer em pacientes com persistência do canal
arterioso ou em fístulas arteriovenosas
Pulso dicrótico Resulta de uma onda diastólica acentuada após a Ocorre em estados de queda da pressão arterial sistêmica
incisura; é frequentemente confundido com o ou da resistência vascular periférica; assim, está presente
pulso bisferiens à beira do leito, na ausência de na insuficiência cardíaca, no choque hipovolêmico, no
registro gráfico tamponamento cardíaco, na febre, entre outros
Pulso em martelo Caracterizado por um pulso abrupto, de elevação Provavelmente resulta de uma ejeção muito rápida
d´água ou pulso rápida (onda de percussão) seguido de um de um grande volume ventricular em uma circulação
de Corrigan colapso rápido; mais bem avaliado ao se levantar de baixa resistência arterial periférica; assim, está
o braço rapidamente e palpar o pulso radial relacionado à insuficiência aórtica com repercussão
hemodinâmica, mas ocorre também na persistência
do canal arterioso, nas fístulas arteriovenosas grandes,
nos estados hiperdinâmicos e na bradicardia grave
(Continua)

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150 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

(Continuação)
Pulso anacrótico Pulso em que se tem a impressão de uma Ocorre na estenose aórtica; quando a interrupção ocorre
interrupção no fluxo pela artéria carótida muito próxima ao início do pulso, pode indicar estenose
moderada a severa, podendo, nesses casos, ser palpado
também na artéria radial
Pulso tardus Pulso com um pico atrasado e elevação lenta de Ocorre na estenose aórtica severa, com o pico do pulso
sua amplitude, na artéria carótida, sugerindo carotídeo ocorrendo mais próximo de B2 do que B1
prolongamento do tempo de ejeção ventricular* na ausculta cardíaca (o normal seria o contrário)
Pulso parvus Pulso com amplitude diminuída na artéria carótida Ocorre na estenose aórtica, geralmente junto do pico
carotídeo atrasado***
* No pulso alternante, diminuindo a pressão do manguito lentamente, é possível determinar os sons de Korotkoff de fase I apenas nos
batimentos mais fortes. Conforme a pressão do manguito diminui, passam-se a ouvir os demais sons nos batimentos mais fracos.
** No pulso paradoxal, com a liberação lenta da pressão do esfigmomanômetro, nota-se inicialmente a pressão sistólica durante a
expiração. Conforme a pressão do manguito diminui, a pressão sistólica passa a ser detectável durante a inspiração. Avalia-se a variação
da pressão durante a expiração e inspiração, chamada de magnitude do pulso paradoxal.
*** Na estenose aórtica, a presença de um pulso fraco e atrasado é característico na palpação das carótidas e é chamado de pulso parvus
et tardus.

Alterações encontradas na aferição da pressão relacionada a alterações funcionais e/ou estruturais


arterial podem ser a ausculta dos sons de Korotkoff de órgãos como coração, encéfalo, rins e vasos
até a pressão de 0 mmHg com manguito totalmente sanguíneos, assim como alterações metabólicas e
desinflado, em pacientes gestantes, insuficiência aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais
aórtica crônica grave ou na presença de grandes fís- e não fatais. É diagnosticada pela detecção de níveis
tulas arteriovenosas. elevados e sustentados da PA por medida casual,
A diferença de pressão aferida em dois mem- considerando-se elevadas a PAs igual ou maior a
bros opostos (nos dois braços ou pernas) deve ser 140 mmHg e/ou PAd maior ou igual a 90 mmHg em
de até 10 mmHg; uma alteração acima disso pode medidas ambulatoriais.
indicar doença aterosclerótica ou inflamatória
(vasculite) da artéria subclávia, estenose supraval-
Vasos do pescoço
vular aórtica, coarctação da aorta e dissecção aór-
tica. Já a diferença entre a pressão aferida em • Pulsação das veias jugulares: resulta da va-
membro superior e inferior pode ser de até 20 riação de volume nas veias jugulares duran-
mmHg; uma alteração superior a isso pode ocor- te o ciclo cardíaco (sístole e diástole), refle-
rer na insuficiência aórtica grave (sinal de Hill) e tindo, assim, a dinâmica do coração direito,
em pacientes com calcificação das artérias perifé- em que suas ondas são a expressão da mu-
ricas. É importante lembrar que a aferição da pres- dança de pressão internamente às câmaras
são nos membros superior e inferior permite o cál- cardíacas direitas.
culo do índice tornozelo-braço (maior pressão
aferida no tornozelo sobre a maior pressão aferida Esse pulso venoso deve ser distinguido da pul-
do braço), um importante preditor de mortalidade sação carotídea (ver Quadro 8.5) da seguinte forma:
cardiovascular. o pulso arterial tem maior energia, sendo, portanto,
mais facilmente palpável, ao passo que o pulso ve-
noso é mais facilmente visível do que palpável; ou-
OBSERVAÇÕES CLÍNICAS
tras diferenças são observadas durante o ciclo respi-
• Hipotensão ortostática: é a queda na pressão arterial ratório, já que o pulso carotídeo não se altera com a
em 20 mmHg ou mais na PAs (pressão arterial respiração, enquanto o pulso jugular diminui com
sistólica) e/ou 10 mmHg ou mais na PAs (pressão a inspiração (ao inspirar, há uma maior facilidade
arterial diastólica), em resposta à mudança da no retorno venoso ao coração direito devido à ação
posição supina para a ortostática, podendo estar do vis a front, isto é, a inspiração gera pressão nega-
acompanhada ou não de taquicardia compensatória. tiva na caixa torácica e facilita a entrada de sangue
• Hipertensão arterial sistêmica: trata-se de uma nos átrios causando um aumento do fluxo venoso e,
condição clínica caracterizada por níveis elevados e consequentemente uma diminuição na turgescên-
sustentados da pressão arterial (PA), frequentemente cia jugular).

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Capítulo 8 // Propedêutica Cardiológica 151

QUADRO 8.5 – Distinção do pulso carotídeo e jugular Para melhor correlação entre o pulso venoso e o ci-
clo cardíaco, é mais fidedigno o uso das bulhas car-
VEIA JUGULAR ARTÉRIA díacas do que do pulso carotídeo, já que o pulso
CARACTERÍSTICAS INTERNA CARÓTIDA pode causar confusão com o pulso venoso devido à
Aparência Ondulatória com Único pulso proximidade. As ondas presentes são: ondas positi-
dois vales e dois e pico vas a, c e v, enquanto as deflexões são representadas
picos a cada pelas letras x e y (Figura 8.3).
ciclo (bifásica)
Inspiração A alturada Sem alterações
coluna diminui no contorno a a
V C V
e os vales C
tornam-se mais
proeminentes X Y X
Palpabilidade Geralmente não Geralmente
palpável, exceto palpável Figura 8.3 – Representação das ondas do pulso jugular.
na insuficiência Onda a: aumento da pressão na veia devido a uma
tricúspide contração atrial direita. Na sequência, há a ocorrência
Efeito da pressão Pode ser Não pode ser da onda c; Onda c: decorre do aumento da pressão
dentro do átrio devido à sístole ventricular, que se inicia
obliterado com obliterado
com o fechamento da válvula tricúspide e causaria um
uma pequena ingurgitamento da veia; Depressão x: ocorre logo após as
pressão sobre duas ondas anteriores e corresponde à fase mais visível de
a base da pulsação da veia jugular, por isso essa pulsação também é
veia, próximo conhecida como pulso venoso negativo, ocasionado devido
à clavícula à fase de relaxamento atrial, que causa um maior afluxo
Fonte: Adaptado de Braunwald E, Perloff JK, 2012. de sangue para dentro dessa cavidade e, logicamente, uma
diminuição de sangue dentro da jugular; Onda v: segue a
Com a inspeção desses vasos do pescoço, o exa- depressão x e representa o pleno enchimento atrial com
aumento da pressão nessa câmara enquanto a válvula
minador deve também auscultar a região em busca
tricúspide se encontra fechada, ou seja, no fim da diástole
de sopros e palpá-la em busca de frêmitos. Normal- atrial; Depressão y: ocorre em virtude da abertura da
mente, essa turgescência das veias jugulares (princi- válvula tricúspide, portanto representa a fase de diástole
palmente as externas) é mais bem observada com o ventricular.
paciente em decúbito, sobretudo quando a cama for
elevada por volta de 30 a 45° em relação à horizontal; OBSERVAÇÕES TÉCNICAS
ou, então, quando o paciente faz uma manobra de
Valsalva, diminuindo, assim, o retorno venoso. • Sinal de Kussmaul: consiste no aumento da coluna
venosa pulsátil das veias jugulares durante a
Além disso, deve ser realizada, durante o exa- inspiração (enchimento paradoxal inspiratório). Esse
me, a diferenciação entre um aumento de pressão enchimento é dito paradoxal, já que, em condições
no território jugular e uma situação constitucional. normais, a inspiração reduz a altura da coluna venosa
Para isso, faz-se uma pressão na veia com o dedo pulsátil por aumento do retorno venoso. O sinal
indicador e com o dedo médio sob uma mesma re- de Kussmaull é sugestivo de restrição diastólica,
gião, realizando-se, logo após, uma pressão cons- sendo encontrado na pericardite constritiva e na
tante em que se afastam esses dois dedos de modo a miocardiopatia restritiva, por exemplo.
deixar entre eles uma região de veia vazia de sangue • Refluxo hepatojugular: aumento de 3 cm do nível da
coluna venosa pulsátil das jugulares após compressão
e, com isso, retira-se o dedo mais caudal e mantém-
com a mão espalmada no quadrante superior do
-se a pressão na região mais cranial, observando se abdome por aumento do retorno venoso. Sua
há enchimento da veia – caso haja o enchimento, positividade indica pressão venosa elevada, presente,
situação conhecida como fluxo retrógrado de san- por exemplo, na insuficiência cardíaca congestiva.
gue, será possível afirmar que o paciente apresenta Deve-se lembrar que na insuficiência ventricular
hipertensão jugular devido, possivelmente, a uma esquerda pura não há alteração da pressão venosa.
insuficiência cardíaca direita. O refluxo pedojugular (elevação passiva dos membros
O pulso venoso normal é constituído de três on- inferiores) apresenta o mesmo princípio e pode ser
das positivas e duas ondas negativas ou deflexões. realizado na impossibilidade da compressão abdominal.

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152 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

EXAME FÍSICO DO CORAÇÃO Inspeção


Revisão da anatomia Definidos os limites do precórdio, o examina-
Para realizar o exame físico do coração, é ne- dor inicia então a inspeção dessa região, posiciona-
cessário que se conheça a respeito das estruturas do ao lado direito do leito e com o paciente prefe-
que compõem o coração e os grandes vasos da base rencialmente em decúbito dorsal com a cabeça e o
cardíaca, como ocorre o fluxo sanguíneo pelas câ- tórax elevados em cerca de 30º. Na inspeção, devem
maras cardíacas e sobre a localização das estruturas ser avaliados deformidades na região torácica como
e suas projeções na parede do tórax (isso é, qual a um todo, abaulamentos, depressões e pulsações.
estrutura cardíaca presente abaixo de determinado • Abaulamentos: podem ser difusos ou loca-

ponto da parede torácica). Esses aspectos são revisa- lizados. Os abaulamentos difusos são fre-
dos sucintamente a seguir, embora a compreensão quentemente relacionados com cardiopatias
dos conceitos básicos da anatomia seja indispensá- congênitas ou lesões valvares. Em situações
vel para se realizar uma propedêutica cardiovascu- em que o ventrículo esquerdo está aumen-
lar adequada. tado, como a insuficiência aórtica e mitral
graves, frequentemente há um tremor de
As estruturas de maior projeção são (seguindo
todo o precórdio. Pulsações visíveis na bor-
o fluxo sanguíneo) a veia cava superior, o átrio di-
da lateral da linha hemiclavicular esquerda
reito, o ventrículo direito, o tronco da artéria pul-
sugerem aumento cardíaco, embora possam
monar, uma pequena porção do ventrículo esquer-
ocorrer também em casos de fibrose pul-
do (ápice do coração), a aorta ascendente e o arco
monar, pneumotórax hipertensivo direito,
aórtico.
derrame pleural maciço, ausência de peri-
A partir dessas estruturas, é possível definir li- cárdio e deformidades torácicas. Quando
mites anatômicos na parede torácica, para delimitar há qualquer alteração na criança, a observa-
regiões a serem examinadas e facilitar a realização ção de uma deformidade é mais facilmente
do exame físico. evidenciada, devido à calcificação incom-
Um ponto de referência importante é a junção pleta e à maior flexibilidade da caixa toráci-
manúbrio-esternal, palpável como uma crista óssea ca, já no adulto pode indicar uma alteração
(chamado de ângulo de Louis) localizada na inser- adquirida na infância.
ção da segunda costela e que pode ser utilizada para Os abaulamentos localizados devem ser
localizar mais facilmente o segundo espaço inter- correlacionados com a sua topografia. Um
costal e, a partir dele, os demais espaços. importante abaulamento localizado é a pul-
Os limites do precórdio correspondem à proje- sação na região paraesternal superior direi-
ção do coração na superfície do tórax e apresentam ta, próximo da junção esternoclavicular,
os seguintes pontos de referência: sugestivo de aneurisma da aorta ascenden-
• borda superior da terceira cartilagem costal te, enquanto pulsações supraesternais po-
direita, a 1 cm do esterno; dem estar associadas a aneurismas do arco
• articulação condroesternal da quinta costela aórtico. A pulsação localizada próxima ao
direita; terceiro espaço intercostal esquerdo sugere
• ponta do coração (íctus); hipertensão da artéria pulmonar, e uma ele-
• segundo espaço intercostal esquerdo, a 2 cm
vação paraesternal esquerda pode indicar
do esterno. sobrecarga de volume ou pressão no ventrí-
culo direito. Em pacientes magros, altos ou
com enfisema, pode haver um impulso em
OBSERVAÇÃO CLÍNICA região epigástrica que pode representar o
Outra divisão importante da parede anterior do tórax impulso do ventrículo direito.
é a zona de Ziedler, que apresenta os seguintes limites: • Depressões: são muito mais raras e podem
• linha horizontal que passa pelo ângulo de Louis; ter origem cardíaca ou extracardíaca. Entre
• linha horizontal que passa à altura da extremidade as de origem cardíaca, estão a pericardite
anterior da 10ª costela, ou rebordo costal e epigastro; constritiva, que pode gerar retração da pa-
• linha paraesternal direita; rede anterior do tórax com o ciclo cardíaco,
• linha axilar anterior esquerda. e a pericardite adesiva, indicada por uma
Ferimentos penetrantes na zona de Ziedler são sugestivos retração das costelas na axila esquerda (si-
de lesão cardíaca. nal de Broadbent).

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Capítulo 8 // Propedêutica Cardiológica 153

Palpação o examinador analisa o tempo de sístole e o


A palpação do precórdio é realizada para a pes- tempo de duração do aparecimento do íctus
quisa principalmente do íctus cordis e dos frêmitos, cordis; assim, essa duração deve correspon-
mas é possível encontrar outros fenômenos que re- der a, no máximo, dois terços da sístole;
percutem com vibrações palpáveis nessa região. • amplitude – mais bem observada por meio
Ela se inicia com o examinador posicionado à da palpação, na qual normalmente corres-
direita do paciente, que deve estar na mesma posi- ponde a uma batida brusca, fraca. Com a
ção da inspeção. Coloca-se a mão direita estendida variação da posição, a localização do íctus
sobre o precórdio do paciente, movendo-a lenta e muda, podendo ficar, inclusive, mais inten-
suavemente, buscando sentir vibrações ou pulsa- so, como na posição de semidecúbito lateral
ções e reconhecer a posição do íctus cordis. esquerdo (posição de Pachón – Figura 8.5).
Mais detalhes sobre as alterações que podem
ser encontradas durante a palpação são apresenta-
dos adiante, por serem mais bem compreendidos
quando interpretados com a descrição dos sinais da
ausculta.
O íctus cordis, também chamado de choque da
ponta, representa a contração inicial do ventrículo
esquerdo quando se move anteriormente e encosta
na parede anterior do tórax (Figura 8.4). Após a lo-
calização, é importante o estudo de suas caracterís-
ticas, como sede, amplitude, duração, rapidez e ex-
tensão, todas analisadas a partir da palpação do
íctus cordis com as polpas digitais:
FIGURA 8.5 – Posição de Pachón.

Os frêmitos correspondem à sensação tátil gera-


da a partir de um sopro cardíaco. Podem ser gera-
dos pelo turbilhonamento do sangue quando este
passa por válvulas lesadas, fístulas arteriovenosas e
no interior de grandes vasos. Podem ser divididos
em sistólicos, diastólicos, sistodiastólicos e pericár-
dicos. Esse sinal propedêutico será mais bem deta-
lhado adiante, quando for abordado o tema relacio-
nado a sopros cardíacos.

Percussão
FIGURA 8.4 – Palpação do íctus cordis. Usualmente, não é um recurso muito utiliza-
• sede – sua localização varia de acordo com o do, devido à interposição do parênquima pulmonar
biótipo do paciente, mas geralmente se situa à frente do sítio cardíaco. Em alguns casos em que a
no quinto espaço intercostal, na linha he- percussão se faz muito necessária (como o derrame
miclavicular esquerda, correspondendo à pericárdico), a macicez cardíaca pode ser sentida no
área mitral da ausculta, descrita adiante; 3°, 4°, 5° ou até mesmo 6° espaço intercostal.
• extensão – estudada a partir da mensuração
de quantas polpas digitais são necessárias
Ausculta
para cobrir o seu diâmetro, sabendo que se Para realizar a ausculta de forma apropriada, o
há mais do que duas polpas digitais já exis- examinador deve auscultar as áreas (focos) de aus-
tem amostras de anormalidade; também culta e suas imediações. Para a localização das áreas
deve ocupar apenas um espaço intercostal; de ausculta, pode-se utilizar como ponto de refe-
• duração – para ser corretamente analisada, rência inicial o ângulo de Louis, como já menciona-
deve ser acompanhada pela ausculta, na qual do (Figuras 8.6 a 8.8).

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154 Propedêutica médica da criança ao idoso // Seção ii – Especial

No entanto, como abordado anteriormente,


sua posição pode variar de paciente para pa-
ciente devido ao posicionamento variável do
íctus nos diversos pacientes.

3 4
5
2
1
FIGURA 8.6 – Ausculta cardíaca.

• Área aórtica – localiza-se no segundo espaço


intercostal imediatamente à direita do esterno
(paraesternal). Além dessa área, ainda deve
ser analisado um foco denominado foco aórti- FIGURA 8.7 – Áreas de ausculta cardíaca. Área 1:
co acessório, que se localiza no terceiro espaço mitral; Área 2: tricúspide; Área 3: aórtico; Área 4:
intercostal à esquerda do bordo esternal. pulmonar; Área 5: aórtico acessório.
• Área pulmonar – situa-se no segundo espa- No entanto, a ausculta não pode ser restrita
ço intercostal à esquerda do esterno (para- apenas a esse conjunto de regiões, devendo ser mais
esternal). abrangente, incluindo as regiões supraesternais
• Área tricúspide – localiza-se na parte baixa (fúrcula esternal e pescoço), infraclaviculares, su-
do esterno, correspondendo à base do apên- praclaviculares, epigastro, axilar e interescápulo-
dice xifoide com uma leve predominância -vertebral. Isso porque, ao expandir a ausculta para
para o lado esquerdo. essas áreas, é possível observar a irradiação do so-
• Área mitral – geralmente situa-se no 5º espaço pro e, com isso, inclusive, dar o diagnóstico mais
intercostal na linha hemiclavicular e corres- preciso de qual tipo de sopro se trata, como será vis-
ponde ao íctus cordis ou à ponta do coração. to mais adiante neste mesmo capítulo.

arco aórtico
Veia cava superior artéria pulmonar esquerda
a
P tronco pulmonar
artéria pulmonar direita
Valva pulmonar
Valva aórtica
Válvula mitral
Válvula tricúspide
Ventrículo esquerdo
t
Ventrículo direito íctus
M

FIGURA 8.8 – Principais estruturas do coração e sua projeção sobre o tórax. Focos de ausculta: A: foco aórtico; P: foco
pulmonar; T: foco tricúspide; M: foco mitral.

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Capítulo 8 // Propedêutica Cardiológica 155

Ritmos e frequência card