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MANIFESTAÇÃO TÉCNICA SOBRE O PL 3.

293/21

O Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem – CONIMA, entidade


criada há mais de 25 anos e que congrega as principais instituições de mediação e arbitragem
do país, atuando intensamente desde sua criação pelo desenvolvimento adequado e ético dos
métodos adequados de resolução de conflitos no Brasil, se manifesta por meio deste
documento sobre o teor do PL nº 3.293/21.

Referido projeto foi apresentado pela Deputada Federal Margarete Coelho com a
finalidade de promover mudanças substanciais na Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem),
constando de sua ementa que teria como finalidade “disciplinar a atuação do árbitro, aprimorar
o dever de revelação, estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do
procedimento arbitral e a publicidade das ações anulatórias”.

Preliminarmente, importante registrar que a Lei de Arbitragem foi objeto de ajustes mais
recentemente por meio da Lei nº 13.129/15, a partir de proposta elaborada por Comissão de
Juristas coordenada pelo Ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça.

A proposta elaborada, debatida longamente com a sociedade e no âmbito do Congresso


Nacional, promoveu diversos ajustes importantes que permitiram o fortalecimento do
mecanismo da arbitragem, a partir da experiência brasileira desenvolvida durante esses
últimos vinte e cinco anos de aplicação da Lei.

O PL nº 3.293/21, diversamente, foi apresentado sem nenhum tipo de debate prévio com
a sociedade ou com os especialistas responsáveis pelo desenvolvimento da arbitragem no país.
Após apresentado, ademais, alguns parlamentares têm insistido no trâmite do projeto com
requerimento de urgência, esquivando-se do necessário debate que poderia permitir o efetivo
aprimoramento do projeto ou mesmo a sua completa rejeição.

Quanto ao mérito, verifica-se que o projeto propõe que sejam feitas modificações nos
artigos 13, 14 e 33 da Lei de Arbitragem, relacionadas principalmente a limitações para
atuação como árbitro, e a inserção dos artigos 5ª-A e 5º-B, que afetam diretamente a
confidencialidade dos procedimentos arbitrais.

Quanto à escolha do árbitro, verifica-se que o artigo 13, caput, da Lei de Arbitragem
atualmente em vigor dispõe que “pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a
confiança das partes.”

Em seguida, o artigo 14 da Lei estende aos árbitros os mesmos casos de suspeição e


impedimento de juízes, assim como os mesmos deveres e responsabilidades. Dispõe também,

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em seu § 1º, que as pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar
“qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.”

Com a inserção dos §§ 8º e 9º ao artigo 13 proposta pelo PL, no entanto, mesmo que os
árbitros sejam capazes e contem com a plena confiança das partes, não poderão atuar
simultaneamente em mais de dez arbitragens ou então participar de dois tribunais arbitrais em
que haja identidade absoluta ou parcial dos membros.

Ora, parte-se da premissa que o árbitro não poderá atuar com eficiência em mais de dez
procedimentos arbitrais ao mesmo tempo, afirmação que não encontra substrato em nenhum
tipo de análise e que cabe apenas às partes analisarem.

Ressalte-se que a maioria das instituições arbitrais submetem o árbitro a um questionário


sobre conflito de interesses e disponibilidade, no qual declaram possuir tempo hábil para
desenvolvimento daquele procedimento arbitral.

O projeto estabelece também uma presunção absoluta de conflito de interesses pela


atuação em dois procedimentos com identidade absoluta ou parcial de membros. Cabe,
contudo, aos árbitros avaliarem se essa situação, no caso concreto, pode comprometer de
alguma forma sua independência e imparcialidade, por meio do dever de revelação,
permitindo que as partes apreciem previamente se tal circunstância é apta a abalar sua
confiança no tribunal arbitral constituído.

Ao inserir o § 1º ao artigo 14 na Lei de Arbitragem, o projeto confunde ainda o dever


de revelação com a disponibilidade de atuar no processo arbitral, sendo certo que o dever de
revelação sempre esteve adstrito à avaliação da independência e suspeição do árbitro, cuja
ausência é capaz de ensejar a anulação da arbitragem por meio de ação específica. Abra-se,
com isso, a discussão sobre a possibilidade de anulação de processo arbitral por falta de
disponibilidade do árbitro, mesmo que essa circunstância não tenha absolutamente nenhuma
relação com a higidez do processo e da sentença arbitral.

Sugere-se, ainda, a alteração da definição do dever de revelação para associá-lo ao


conceito de “dúvida mínima” ao invés de “dúvida justificada”, como ocorre hoje.

A alteração proposta, no entanto, não se reveste de nenhuma utilidade prática. A


extensão do dever de revelação é objeto de vasta doutrina, valendo destacar a existência das
Diretrizes da International Bar Association - IBA que constitui um dos principais documentos
(soft law) utilizado por toda a comunidade arbitral internacional como referência sobre o que
deve ou não ser relevado pelos árbitros indicados.

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Há, ainda, farta jurisprudência gerada em torno desses princípios e da experiência
nacional, indicando as situações que aptas a comprometer a independência e imparcialidade
dos árbitros e que, por essa razão, entende-se que devem ser previamente reveladas.

Não custa relembrar que a Lei de Arbitragem em vigor já prevê em seu artigo 33, § 1º,
a possibilidade de ajuizamento de ação anulatória contra sentença arbitral que não observe
esses princípios. Esse controle é e sempre será exercido pelo Poder Judiciário, não havendo
qualquer indicativo que a substituição da expressão “dúvida justificada” por “dúvida mínima”
irá melhorar a qualidade desse controle, antes podendo gerar dúvidas sobre os parâmetros que
serão a partir daí aplicáveis, gerando grave insegurança jurídica.

Com relação ao § 3º que se busca inserir no artigo 14, verifica-se que a participação do
árbitro na secretaria ou diretoria executiva da câmara arbitral é informação usualmente
disponibilizada no site das câmaras, podendo as partes avaliarem se essa circunstância de
alguma forma compromete a atuação do árbitro por elas indicado.

Importante esclarecer, nesse aspecto, que via de regra as câmaras de arbitragem


desenvolvem atividade meramente operacional, de secretaria do procedimento arbitral.
Apenas em situações excepcionais, antes de constituído o tribunal arbitral, a câmara de
arbitragem é provocada para proferir alguma decisão de forma precária, até que o tribunal
arbitral eleito pelas partes esteja devidamente constituído. Não por outra razão o Poder
Judiciário tem decidido no sentido de que as causas de suspeição e impedimento aplicam-se
exclusivamente aos árbitros indicados pelas partes para compor o Tribunal Arbitral.

A única consequência da referida proposta, pois, será o afastamento de uma série de


profissionais experientes do dia a dia das câmaras, visto que tais atividades, na maioria das
vezes, são desenvolvidas sem qualquer tipo de remuneração.

Por último, tem-se as alterações sugeridas relativas aos artigos 5º-A, 5º-B e 33, § 1º, da
Lei de Arbitragem, todos propostos com a finalidade de mitigar ou mesmo acabar com a
confidencialidade dos procedimentos arbitrais.

Observe-se, contudo, que a arbitragem apenas pode ser utilizada para dirimir conflitos
relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º, § 1º), não envolvendo nenhuma questão
de ordem pública.

Por essa razão permite-se que as partes possam optar pela confidencialidade, que tem
como finalidade principal proteger o nome, a marca e os segredos de negócios dos envolvidos
na disputa. A confidencialidade, a propósito, é um dos principais incentivos para a escolha
por esse instrumento, como aponta a pesquisa Cbar-Ipsos 20211, ao lado do caráter técnico
das decisões, da celeridade e da possibilidade de escolha dos árbitros.

1
https://cbar.org.br/site/wp-content/uploads/2021/09/pesquisa-cbar-ipsos-2021-arbitragem-no-brasil.pdf.
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Observe-se que o mesmo raciocínio não se aplica quando a arbitragem envolve o Poder
Público, quando o interesse público preponderante determina que seja aplicado o princípio da
publicidade, como explicita o artigo 2º, § 3º, da Lei de Arbitragem, inserido na reforma
promovida pela Lei nº 13.129/2015.

E, mesmo nesse caso, cabe à Administração Pública promover a referida publicidade, e


não a câmara de arbitragem, como esclarecido por meio do Enunciado 4 da I Jornada de
Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho de Justiça Federal.

Há, por certo, importante debate sobre a divulgação de informações referentes a


processos arbitrais envolvendo sociedades anônimas. Esse tema, após muitos debates e
realização de audiência pública, foi objeto de regulação por meio da Resolução CVM nº 80/22,
que definiu as informações sobre processos arbitrais que devem ser divulgadas pelas
sociedades anônimas - e não, evidentemente, pelas câmaras de arbitragem.

Todos esses aspectos e discussões, porém, estão sendo simplesmente ignorados no


âmbito da Câmara dos Deputados, que até o momento estão permitindo o avanço do PL nº
3.293/21 sem considerar tais questões, em sentido nitidamente contrário à experiência e
desenvolvimento da arbitragem no Brasil.

Tal circunstância nos leva a crer que o projeto está pautado no mais absoluto
desconhecimento e preconceito sobre esse importante mecanismo de resolução de conflitos,
ou então que seu intuito é realmente o de limitar (ou mesmo acabar) com a utilização e
desenvolvimento da arbitragem no país, e não de aprimorar o instrumento, como se sugere no
projeto ora proposto.

São Paulo, 2 de agosto de 2022.

Soraya Nunes

Presidente do CONIMA

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