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022
Introdução
O
presente artigo é resultado de pesquisa desenvolvida no âmbito do
mestrado em Direito, no escopo da linha de pesquisa de Teoria da Re-
lação Jurídica na Sociedade da Informação. Para a confecção do roteiro,
em termos de metodologia, procedeu-se a uma revisão sistemática das literaturas
aderentes, a fim de se elaborar uma base que permitisse a tessitura deste.
O tema cyberbullying foi objeto de eleição por conta de sua atualidade e
perversidade na sociedade contemporânea, em especial junto aos adolescentes
escolares. Esse instituto destaca-se pela prática covarde e ardilosa de forma a
expor vexatoriamente um terceiro. Contextualiza-se numa seara cujas relações
inter-humanas estão enfraquecidas, desintegradas e decadentes. Características
que Bauman nomeou de Modernidade Líquida.
Pretende-se, neste estudo, tratar do conceito de cyberbullying, meio de
propagação e instrumentos de prevenção – no âmbito familiar, escolar, tecnoló-
gico – e repressão, na esfera legal. Por certo que não se almeja esgotar o tema,
haja vista a sua complexidade e potencialidade exponencial.
Cyberbullying : origem e propagação
Entende-se pertinente a inserção da prática do cyberbullying na pós-mo-
dernidade para melhor compreender sua gestação e desenvolvimento. Nesse
momento, segundo Bauman (2011, p.8), a percepção de mundo é liquefeita,
isto é, os pilares da certeza nas instituições sociais e morais começam a se diluir,
as instabilidade e ausência de perspectivas tornam o futuro incerto e a angústia
se instala. O individualismo se sobrepuja a qualquer valor. Busca-se viver o mo-
mento, desconsiderando-se assim a coletividade solidária. E apesar disso, essa
solidão torna o ser incapaz de agir, transformar, criar, dando-lhe um sentimento
de impotência, vertendo muitas vezes para a frustação e o ódio.
A paulatina metamorfose humana acrescida à desenfreada evolução tec-
nológica permitiu que se criasse a chamada cibercultura, essa constituída de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atividades, de modos de pen-
samento e de valores que se desenvolvem com o crescimento do ciberespaço. A
cibercultura, invariavelmente, trouxe um cenário de conectividade generalizada
(Lemos; Cunha, 2003, p.11-23), que atrelada à sociedade da informação de-
sembocou, paradoxalmente, no enfraquecimento das relações interpessoais.
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Masculino Feminino Até Fund. Fund. II Médio ou De 9 a 10 De 11 a De 13 a De 15 a AB C DE
I mais anos 12 anos 14 anos 17 anos
TOTAL SEXO ESCOLARIDADE DOS PAIS FAIXA ETÁRIA CLASSE SOCIAL
OU RESPONSÁVEIS
Fonte: CGI.br/NIC.br, Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), Pesquisa sobre o Uso da Internet por
Crianças CGI.br/NIC.br,
Fonte: Centro
e Adolescentes no Brasil – TIC Regional
Kids Online Brasil 2017. de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da
Informação (Cetic.br), Pesquisa sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil –
TIC Kids Online Brasil 2017.
Gráfico 1 – Crianças e adolescentes que viram alguém ser discriminado na Inter-
net nos últimos 12 meses. Percentual sobre o total de usuários de
Internet de 9 a 17 anos.
Conclusão
Da varredura às literaturas revisitadas e aos dados colhidos, há de infe-
rir que, embora o cyberbullying se constitua num fenômeno recente, na longa
história de violência interpessoal nas escolas, deve ser visto como um sistema
complexo e multidisciplinar e, portanto, seu enfrentamento deverá ser de modo
holístico, tridimensional até: família e instituições de ensino imbricados, tecno-
logia e legislações.
Contudo, nem todos os dispositivos legais ou, ainda, a implantação de
políticas escolares como a obtenção do Certificado Projeto Escola Digital Segura
concedido pelo Instituto iStart (Organização da Sociedade Civil na modalida-
de Associação, com a qualificação OSCIP – Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público, nos termos da Lei n.9.790/99, criada pela advogada Patrícia
Peck) e o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Artigo 4º da Lei
n.13.185/2015) serão eficazes se o aluno for destituído de bases familiares sóli-
das, que o formem e o transformem quanto à valorização da dignidade do outro.
Assim práticas antecipatórias e, portanto, acauteladora, serão sempre mais
efetivas no combate a esse comportamento pernicioso e letal. Uma vez que nem
Notas
1 A ideia de uma sociedade de informação aparece na pós-modernidade, em que o
conhecimento e o acesso a eles se tornam importantes ferramentas do dia a dia para o
cidadão e para a comunidade.
2 Em que pese o fato de o artigo 1.723, do Código Civil, reconhecer como entidade
familiar somente a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivên-
cia pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família.
3 Sem olvidar, ainda, as disposições contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), Lei n.8.069/1990.
4 IX - promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os
tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (Bullying), no âmbito das
escolas; X - estabelecer ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas.
5 Conforme recente entendimento jurisprudencial. BRASIL. Tribunal de Justiça do Es-
tado de São Paulo – SP. EMENTA. INDENIZAÇÃO – Bullying em estabelecimento
de ensino - Pretensão julgada improcedente. Cerceamento da defesa não caracteriza-
do. Omissão da instituição de ensino não caracterizada. Responsabilidade pela repa-
ração do alegado dano moral não reconhecida. Apelação não provida. APELAÇÃO
n.1003440-61.2017.8.26.0302 Comarca: Jaú Apelante: João Pedro De Almeida San-
tos Apelado: Associação Brasileira Das Franciscanas De Agudos. Voto n.36.795. Dis-
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dao=12135501&cdForo=0&uuidCaptcha=sajcaptcha_82a1b946d3dd43eea2388b9
1fd87a106&vlCaptcha=Fmjx&novoVlCaptcha>. Acesso em: 9 abr. 2019.
6 CPC 25 - Norma 25 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis do Conselho Federal
de Contabilidade, alinhada ao International Financial Reporting Standards (IFRS),
utilizada para fins de Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes (inclusi-
ve de prognóstico de processos).
7 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=74911>.
Acesso em: 9 abr. 2019.
8 Há autores que a denominam sociedade em rede (Castells, 1999, p.8).
9 “Entre los aspectos novedosos de las nuevas tecnologias, que reclaman la capacidade pro-
gramadora del jurista, ocupa lugar destacado la necesidad de estabelecer nuevos marcos
teóricos em los que alojar los problemas y cuestiones surgidos de la interacción entre el
Decrecho y la Informática” (Perez Luño, 1996, p.17).
10 Disponível em: <http://www.bbc.com/future/story/20190207-how-artificial-in-
telligence-can-help-stop-bullying.> Acesso em: 9 abr. 2019.
11 BRASIL. Disponível em: <https://cetic.br/pesquisa/educacao/analises>. Acesso
em: 8 abr. 2019.
12 Com a missão de monitorar a adoção das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) – em particular, o acesso e uso de computador, Internet e dispositivos móveis
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Jorge Shiguemitsu Fujita é doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP, profes-
sor titular da graduação, lato sensu e mestrado em Direito do Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas. @ – jorge.fujita@gmail.com /
https://orcid.org/0000-0002-0354-8974
Vanessa Ruffa Rodrigues é mestranda em Direito do Centro Universitário das Facul-
dades Metropolitanas Unidas. Docente na Escola Superior de Advocacia de São Paulo
(ESA-SP) e na Escola Aberta do Terceiro Setor. @ – vaniruffa@hotmail.com /
https://orcid.org/0000-0003-3744-0096
Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo, São Paulo,
I, II
Brasil.