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A BAHIA
DE OUTRORA
PREFÁCIO E NOTAS DE
FREDERICO EDELWEISS
1909: XVIII e 207 pgs. ilustrações no texto e 6 estampas 48, pgs. 77-105; incompleto.
no fim,
22. — VEIGA MURICI — ibid, pgs. 2609-273.
- — CONTRIBUIÇÃO PARA A HISTÓRIA DAS ARTES NA
BAHIA — Os Quadros da Catedral; “Rev. do Inst. Geogr. 23. — HOMENS DE COR PRETA NA HISTÓRIA — ibid. pgs.
CONTRIBUIÇÃO PARA A HISTÓRIA DAS ARTES NA 24. — A ARTE CULINÁRIA NA BAHIA — Bahia, 1028, 39 pes.
|. —
—
BAHIA — Notícia Biográfica de Manuel Pessoa da Silva; numeradas. Publicação póstuma feita por Alberto Morais
ibid. pgs. 137-144. Martins Catarino, aos cuidados de José Teixeira Barros.
————
| — ARTISTAS BAIANOS (Indicações Biográficas) 2º ed. 25. — COSTUMES AFRICANOS NO BRASIL — Rio, 1938; ilus-
trado; 351 pgs. numeradas, Organizado e prefaciado por
pa
o
e
inteira. que se referem à cultura e influência dos africanos no
e 24
Brasil, ou sejam os números: 15, 18, 19, 20 (parte)
1 . — EPISÓDIO DA INDEPENDÊNCIA — “Revista do Inst.
E
ma
Geogr. e Hist. da Bahia”, 1913; Ns. 37-39, pgs. 221-230. desta lista.
9 10
A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
De 1874 a 1885, conservou-se arredio da questão Chegado ao Rio de Janeiro e reconhecidas as suas
operária que veio agitar novamente depois de inaugu- habilitações ficou empregado na escrita do quartel do
rado o regime democrático. batalhão a que jóra mandado engajar.
Durante êsse interregno frequentou Manuel Que- E como a campanha tendesse a diminuir não foi
rino, para aperfeiçoar-se, as aulas de português e jran- mistér a sua ida para o Paraguai.
cés do Liceu de Artes e Ofícios e ao mesmo tempo estii-
Em 1870, a primeiro de março, foi promovido a
dava o desenho na Escola de Belas Artes com o nrojes-
cabo de esquadra e em outubro do mesmo ano teve
sor Miguel Canyzares.
baixa do serviço militar.
Por essa época o movimento abolicionista se derra-
De volta à Bahia, em 1871, começou a exercer de
mava por todo o pais e Manuel Querino declarou-se
novo, a profissão de pintor decorador, inicicndo os es-
francamente partidário da libertação imediata e incon-
tudos de francês e português no COLÉGIO 25 DE
dicional.
MARÇO.
Voltou, de preferência, o seu espírito para o generoso
Fóra um dos fundadores do Liceu de Artes e Ojícios
ideal, também com a preocupação de adquirir outros
e aí fez ato daquelas matérias, em 1874, obtendo distin-
elementos de combate em favor da reabilitação da clus-
ção em francês e aprovação plena em português.
se operária.
Instalada a ESCOLA DE BELAS ARTES, de que foi
Em berço humilde, porém laborioso e honrado, nas-
um dos fundadores, inscreveu-se logo Manuel Querino no
ceu Manuel Raimundo Querino aos 28 de julho de 1351,
curso de desenhista, recebendo o respectivo diploma em
na vizinha cidade de Santo Amaro, neste Estado.
1882. (**). Nesse mesmo ano e em recompensa do seu
Criança ainda e órfão de pais, o juiz competente aproveitamento foi nomeado membro do júri da Expo-
nomeou ao dr. Manuel Correia Garcia, lente jubilado sição da mesma Escola.
da Escola Normal, seu tutor.
Em seguida, matriculou-se no curso de arquiteto,
Homem educado na Europa e dedicado «o ensino, obtendo aprovação distinta nos exames do 2º ano e não
procurou despertar no espirito de seu tutelado o amor lhe conferiu a Escola o competente diploma, em viriude
ao trabalho e ao estudo, e Manuel Querino começou a de não ter sido lecionada uma das cadeiras do 3º «no,
entregar à cultura da inteligência os instantes de ócio Em um dos concursos promovidos por essa instilui-
que Ine deixavam os esforços despendidos na aprendi-
ção de artes alcançou Manuel Querino «a menção honro-
zagem da arte que depois lhe asseguraria os meios de sa e, posteriormente, como expositor externo, obteve
subsistência.
Ambicioso de colocação mais vantajosa, em 1308, Escola, havendo deliberado a
(2*) A Congregação da
de suas sessões,
viajou o estado de Pernambuco até ao sertão do Piaui, inauguração de um quadro de honra na sala
Querino foi con-
sendo aí recrutado com destino ao Paraguai. com os nomes dos alunos fundadores, Manuel
templado entre os primeiros.
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duas medalhas de prata, e nas exposições anuais do LI- nhecido como um dos mais distintos funcionários pelas
CEU DE ARTES E OFÍCIOS joram os seus trabalhos pre- suas habilitações técnicas e pelos seus predicados morais.
miados com medaihcs de bronze, prata e ouro.
Em 1884, e mor solicitação do govêrno geral, con- $ 4 *
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balaios carregados de vitualhas e divertindo-se por tôda A êsses entretenimentos não faltavam as boas igua-
a viagem, tocando e cantando versos alegres, como os rias, os saborosos frutos, o roxo vinho Figueira, os lico-
que vão abaixo, adaptados à música da opereta “Orfeu res, etc. Uma saúde feita à dona da casa era motivo de
nos Infernos”: grande contentamento, e havia até quem bebesse à saúde
do Senhor Menino.
Nestes lares deleitosos,
Onde só reina harmonia,
Prenderam meu coração
Com laços de simpatia. Do dia 25 de dezembro em diante começavam as
funções públicas e particulares, em que sobressaíiam os
Sagrados laços que ligam bailes pastorís, tendo preferência, os do “Caçador”, “Ma-
Meu amor à gratidão, rujo”, “Meirinho”, “Filho Pródigo”, “Liberdade”, “La-
Laços que a morte não pode vadeira”, “Mouros grandes e pequenos”, “Elmano”,
Desatá-los, não, não ! “Quatro Pastores”, “Aguardente”, “Graça Eficaz”, “Tri-
unfo do Amor”, “Astros”, “Pagode no Mercado”, “Visi-
São laços que perfumam nha”, “Patuscada”, “Hortaleira”, “Negrinha”, “Catari-
Minha vida, meu amor, na”, “Velho Terêncio”, etc.
Assim serei meu anjo
Teu constante trovador. Ia começar a função: a sala de espetáculo onde se
achava armado o presépio, ostentava opulenta ornamen-
Meu anjo, atende, meu anjo, escuta, tação; as cadeiras dispostas de maneira que os cavalhei-
O sofrer do teu cantor ! ros ficavam separados das senhoras, e um grande espaço,
Tem dó de mim, como é sensível teu amor, no centro, em forma de retângulo, era destinado aos
Como é terrivel o sofrer a minha dor ! pastores.
Os músicos, para o acompanhamento dos cânticos,
Por tôda a parte, salões e choupanas franqueados à acomodavam-se convenientemente. Em algumas casas
alegria.
improvisavam palcos. À hora aprazada, pastores e pas-
apareciam, em cena, precedidos de um anjo e um
Aqui eram recitativos ao piano, alí eram as notas toras
requebradas do violão saudoso; era a doce flauta em me- guia ia Jovor
€ cavalnl coro!
conicço do e
do
lífiuos acordes; era a viola, a harmônica, a castanhola, o
bimbalhar dos sinos, a cantoria deante dos presépios;
Correi, caros pastores,
eram canzás, pandeiros, o batuque atroando com disso-
nâncias agradáveis, tudo isso traduzindo o grande rego-
Ao presépio glorioso,
sijo da população pela festa do Natal. Vinde ver o Deus Menino
Como é belo e majestoso.
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Cantava o guia:
o Reina já por tôda parte
Tal prazer e alegria,
Si um anjo nos anuncia
Por saber que é nascido
O Messias esperado,
Jesus filho de Maria.
Também deve ser por nós
Primeiramente louvado.
Todos :
Seguiam-se os pastores: Ditosa hora, o instante,
Mil vezes, por todo dia
Não haja tempo a perder,
Vamos o gado guardar, À quem nasceu em Belém,
Para o Salvador do mundo Jesus, filho de Maria,
Irmos todos adorar.
Lôa: da pastora :
O guia: Agdorem com acatamento
on ! povos de tôda terra O Redentor humanado,
Vinde ver, admirar! Com e respeito mais profundo,
Os passarinhos contentes Neste presépio sagrado.
Ao Deus Menino louvar.
Lôa do guia:
Que feliz aviso! Em humilde aposento,
Oh que gósto e prazer Sôbre palhinhas e flores,
A êste nascimento Dos anjos é festejado
Corramos a ver.
E dos felizes pastores.
Cantavam todos:
Todos :
Venham com boa harmonia
Hinos de prazer e glória
Homens, astros, terra e mar;
Sim, meus pastores, cantemos,
Louvando ao Menino Deus
À exceisa criatura
Neste dia singular.
Que por Maria tivemos.
Lôa do guia:
O guia:
Oh grata felicidade
Da glória supremo rei
De ver a Deus os pastores:
Estão meus olhos patentes;
Vejam como a natureza
Se veste de lindas côres !
Aos vossos pés de bondade
Nos prostramos reverentes.
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MANUEL QUERINO
Eos ia mTodos : :
O guia :
Revestiu-se em criatura
P'ra salvar os pecadores,
Nasceu o sacro Menino,
A quem damos mil louvores.
Todos :
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Te
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gentileza com frutos; ora era uma lavadeira, de quem Não querem coser nem rezar,
desapareciam roupas, atribuindo o furto ao meizinho. Nem assar um só peixinho,
Uma cigana, mercadora de fazendas, incorporava-se às Vivem só pra lã e pra cá,
demais personagens, conspirando contra o meirinho, que Com recado e segredinho.
se vê atormentado por um estudante. Afinal aparecia
um velho jocoso e conduzia todos a Belém. Esta perso- Quando foi ontem à tarde, vindo eu do escritóric,
nagem rompia a marcha, cantando : encontrei em casa certo meninório. Agarrei o tal sujeito;
e elas foram logo me dizendo:
Aos sons de flauta e clarim
Acomode-se, paizinho, que êsse moço é nosso fre-
Fraternalmenie marchando,
guês, que nos veio ensinar uma aria lá do teatro fran-
A Jesus, Deus soberano,
cês. Dei o cavaco, às caladas, vou para a cozinha; quan-
Vamos versos entoando.
do volto encontrei outro meninório. Aí, não estive pelos
autos, dei pancada por cabeça, perna, braços e pus-lhe
Terminando um baile preenchia-se o intervalo corn
a casaca em pedaços.
animadas quadrilhas e dansas sôltas. Cada representa-
ção tinha o seu cenário, mesmo porque os pastores usa- Dêste dia para trás elas já iam muito melhor; po-
vam vestimentas características, adaptadas aos bailes rém, com a amizade da tal vizinha Sussú, as meninas
que iam representar. Em certas e determinadas repre- estão indo a pior.
sentações necessário se tornava armar palco, nela exi-
Pois eu agora estou resolvido que elas não frequen-
gência teatral do baile. Ésses bailes, além da parte ale-
tem mais teatros, salas de dansas nem missas de ma-
gre e divertida concentravam lições de moral.
drugada. A missa da Ressurreição que elas por influên-
O Baile da vizinha, por exemplo, tinha um enredo cia entram em borbotões, aí é que são os abracinhos, e
interessante, e era, ao mesmo tempo, uma sátira aos também os beliscões. Pois eu quero ver qual delas me
costumes da época. Um velho pai de família, de costu- há-de vir falar com chibância.
mes severos, encontrava-se constantemente apoquenta-
do por uma vizinha, que timbrava em contrariar-lhe as Vem a primeira filha e fala :
ordens dadas em casa, por meio de convite às duas fi-
lhas do ancião, para contínuos divertimentos, onde não Venho lhe pedir licença,
fôra difícil um casamento em perspectiva. Eis alguns Paizinho do coração,
trechos do aludido baile : Para ir com a vizinha
Sai o velho e fala: Numa função.
Ora, eu tenho duas filhas,
Que diz, faz a bondade ?
Que só vivem na janela, Da resposta do proposto,
Por dizerem que é estilo
Veja que sua filha
De tóda moça donzela.
Nisto faz grande gôsto.
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Você é bem capaz, mas é de perdê-las tôdas; você Dispostos todos a seguir viagem para Belém, canta
supõe que eu sou o senhor Mamede, que chupa das pu- a negrinha :
lhas bem gordas ?
Nosso vai de romaria, de romaria.
Essas vizinhas de borra,
Nosso vai de frogamento, de frogamento.
Consintam-me assim dizer,
Nosso vai fazê folia, fazê folia.
São quem as filhas da gente
Deitam logo a perder. A lê, lê; à lê, lê de mãe Mariá
Com seus modos polidos e suas amabilidades, vão Que da terra de rei de Congo
introduzindo ofensivas falsidades. Sentido e mais que Oia, zambia pongo
sentido, vamos refletir nos casos que já tem acontecido. E' de nosso riá.
Ora, não se pode ter filhas, na época presente porque
vosmicês deitam logo a perder, sendo as próprias vizi-
nhas da gente.
Terminada a contenda, aparecia uma negrinha O pagodista era uma personagem do baile dêste
(africana), que punha o velho a par do segrêdo da ro- nome. Bastante embriagado, descrevendo curvas e zig-
maria. zags, convida a todos para irem louvar a Deus Menino,
O velho entusiasmado, cantava: cantando :
Todos :
“Ora viva o Deus Menino
Cipriana, tu não dês Que nascido é,
Que nos deitas a perder. Viva a Virgem pura
viva S. José.
Negrinha :
Todos :
Vivô-ô-0-ô
Cantemos louvores,
Com muita alegria,
Louvando a Jesus,
José e Maria.
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Seguia-se uma criança de dez anos, vestida à pesca- Os ternos da capital, imitando aos de Itapoã sobre-
dor com todo os petrechos de indústria, a dansar, ao levam a êstes em brilhantismo de roupagem, o que se
som de um habanero, com a cadência precisa, fingindo torna difícil dentre êéles distinguir os mais importantes,
pescar. Ao mesmo tempo entoava esta cantiga: tal o garbo com que se apresentam, principalmente os
Sou um pobre pescador ternos do Sol, A Terra, Aurora Boreal, Romeiros de Be-
Que ando nas ondas do mar, lém, Romeiros da Palestina, Crisantemo, Rosa Menina,
Sômente a matar peixinhos União das Flóres, e um sem número de outros que se exi-
Para as freguezas comprar. bem cada ano.
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Justificava essa prerogativa concedida pelo monar- A rivalidade entre brasileiros e portuguêses crescia dia
ca o modo por que se houve contra as invasões estranhas a dia, principalmente quando a córte portuguêsa se viu
e cutras calamidades do tempo. A Bahia nunca desertou na necessidade de empregar nos diversos ramos da admi-
do seu nosto, nas ocasiões em que se fazia mister a prova nistração pública uma imensa multidão de aventureiros,
de sua dedicação. E foi por isso que a Bahia tornou-se que a havia acompanhado de Lisboa, em busca de fazer
“o seio que amamentou, a cabeça que dirigiu, o braço fortuna”.
potente que defendeu quase tôdas as antigas capitanias”
que hoje formam a República dos Estados Unidos do “Os sentimentos de liberdade, que tinham atroado o
Brasil. mundo inteiro, produzindo a independência dos Estados
Unidos, depois de uma luta sanguinolenta com uma das
Quando, em 1624, os holandeses se apoderaram dos
maiores potências, a Inglaterra, não podiam deixar de
seus muros, ela soube cumprir o seu dever, forçando a
ecoar no Brasil”.
retirada do intruso elemento, auxiliada por D. Marcos
Teixeira, que no momento, trocara o roquete de prelado, A página talvez mais brilhante que, no livro das
pela couraca de combatente. liberdades públicas, assinala os seus grandes feitos, per-
Na segunda tentativa dos bátavos, em 1638, o povo sonificados nos seus heróis, como fôssem: Labatut, Lima
baiano bateu-se com tenacidade glorificadora. e Silva, Dória. Argôlo, Bulcão, Castro, Pires, Siqueira e
“O caráter eminentemente revolucionário que havia muitos outros, não fóra olvidada pela geração que com-
sido impresso no mundo pela filosofia do século XVIII, bateu; nem esmorecimento houve, no ânimo dos que
cujos apestolos foram Rousseau, d” Alembert, Montes- testemunharam tão memoráveis feitos. A Bahia sagrou
quieu e outros, e que tinha colocado o povo como a mais o seu prestígio nas armas, notadamente de 1821 a 1823,
formidável potência para derrubar tronos e quebrar dia- levantando o estandarte da liberdade, de modo que sô-
demas diante do cadafalso, havia igualmente abalado à mente ela derramou o seu sangue em favor da Indepen-
humanidade, dando-lhe uma nova ordem de idéias, que dência do Brasil.
tôdas convergiam para a liberdade, constituindo o mes-
Essas tradições ficaram na memória do povo, e foram
mo pevo senhor absoluto de todos os destinos sociais. sempre relembradas como nota dominante, no entusias-
“E às idéias sucediam os fatos, que felizmente não mo e no brilho de suas vitórias.
jiludiram a sociedade brasileira, que desde 1808 cami-
nhava pela vereda do progresso material e moral. Para comemorar a data gloriosa da Independência,
que assumira proporções gigantescas, mandaram os pa-
“Aquí, como nos Estados Unidos, a metrópole, não
triotas, em 1826, esculpir o vigoroso Caboclo, para sím-
vendo senão os tesouros da terra e os homens como bru-
tes, nada mais fazia do que aurir aquêles e exterminar a bolo da jornada de 2 de Julho de 1823.
êstes, cometendo as maiores atrocidades. dia 27 de junho, uma guarda de honra do exér-
No
pregando
“Os brasileiros, debaixo de uma pressão esmagadora, cito percorria as ruas da cidade, distribuindo e
eram obrigados até a obter da mãe pátria o sal, objeto nos quais a Câmara con-
nas paredes editais impressos,
do 2 de Julho,
indispensável aos mais pequenos usos da vida humana. vidava o povo a tomar parte nos festejos
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
Era lançado em linguagem viva e alevantada, de como um meio, chega ao fim almejado, consegue,
modo a despertar o patriotismo e o entusiasmo popular. fazer a sua independência e diz aos povos do uni-
Como documento histórico, aquí reproduzo o texto verso — Sou Livre!
do edital do ano de 1875: A luta foi suprema, mas a vitória correspondeu
ao sacrifício dos heróis da Independência ! O Bra-
“Edital — A Câmara Municipal desta leal e
sil ocupou, então, o seu lugar de honra.
valorosa cidade do Salvador, Bahia de Todos os
Santos etc. E', pois, êsse grande dia, o aniversário da época
Baianos ! Não tarda a raiar de novo no hori- mais faustosa da nossa história, que vamos breve-
zonte da pátria c sol majestoso da liberdade. mente aplaudir, festejando-o com tôda a efusão do
nosso patriotismo.
Nesse dia, o grande dia do povo, a glória imen-
sa de uma nação, poema que resume uma história, Baianos !
tato político que enobrece coevos e descendentes;
E” preciso que esqueçais que pleiteam dois par-
nesse dia todos os brasileiros nasceram, porque
despertaram de um letargo — o cativeiro — e co-
tidos no pais; a lide política da imprensa, a dis-
cussão que divide os homens, as rivalidades, as
meçaram a existir, porque passaram a ser livres!
idéias enfim que não sejam — Pátria e Liberdade,
A nossa emancipação foi marcada com um tudo isso que se antepõe ao regosijo comum, ao
sêlo indelevel — Dois de Julho de 1823 é a nossa abraço fraternal dos diletos da invicta cidade, da
data mais gloriosa. Ela só, ou a sua lembrança poética Moema, deve ser esquecido para terem lu-
será capaz de levantar exércitos de bravos. O san- gar unicamente o entusiasmo, o contentamento e
gue que jorrou de nossos pais em Pirajá fecundou a homenagem devida ao imortal dia Dois de Julho!
o solo e fez brotar êmulos dos Dórias, Bulcões, Si-
queiras e outros tantos, que estão eternos na me- A Câmara Municipal, fiel intérprete dos sen-
mória dos brioscs filhos dêste pedaço de torrão timentos de seus munícipes, sabe que durante três
americano. O grito de Independência ou Morte tez dias vos entregareis a tôda sorte de divertimentos
assentar-se a primeira pedra do edifício social. lícitos, tomando parte ativa e generosa, naquêles
que são propriamente nacionais.
O Ipiranga ! o gigante que, com sua voz atroa- con-
a Municipalidade que
dora, fez retumbar do Amazonas ao Prata, o brado E assim, espera ao
eloquente que arrancou do marasmo aquêles que se corrais ao Te-Deum que, em ação de gracas
roso , vai ter luga r na igreja da Catedrai,
iam definhando, à falta de liberdade. Então o povo Todo Pode og
ume, e que acompanheis
levantou-se, e, unido como irmão, como um só na dia e hora do cost res
anunciadas pela
oprimido fez valer cs seus direitos, reivindicando carros triunfais nas ocasiões frentes E
seus foros; e na hora extrema do ingente combate comi ssão , junc ando de flores as
pectiva espa ço de tra,
do-as por
olhando o perigo como uma necessidade, a morte vossas casas € iluminan
noites.
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
Os oradores e poetas, das sacadas das janelas, reci- O dr. Luiz Álvares dos Santos, vestido à moda indi-
tavam inspiradas notas alusivas ao fato grandioso. gena, roupa de meia, côr de carne e os competentes en-
feites de penas, no auge de emoções patrióticas, saudava
Francisco Moniz Bareto, o repentista admirável, 9
o batalhão acadêmico, recitando:
poeta-soldado, que nos campos de Pirajá derramou o seu
sangue pela liberdade, saudava os emblemas e apostro-
fava:
O GRITO DOS BRAVOS
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
O inspirado poeta acadêmico Antônio Joaquim Ro- Timbre, flor da brasília mocidade,
rigues da Costa dirige-se aos seus colegas: Dalma nobre, subida inteligência,
Cultores talentosos da Ciência,
Mocidade, a vós meu canto Ataláias fiéis da — liberdade !
Rude. mas livre qual é;
Cantei-o em êxtase santo Quando a peste fulmina a humanidade,
Da mais fervorosa fé. Malogrado o saber, a experiência,
Ungi-o co'a liberdade, Que fazeis ? — devotando-lhe a existência,
Bebi-o na heroicidade Os Apóstolos sois da Caridade.
De nossos feitos aquí. Dos doze que morreram co"heroismo,
E' um hino para bravos; A saudosa memória como ocorre,
Uma praga contra escravos Si um dia fôr avante o despotismo,
Que infames rojam aí. Também, para ser livre, heróico morre.
A vós, livre mocidade,
Irmã das letras, da luz, Em seguida falava o acadêmico e distinto poeta pa-
Que abraçada com a verdade raibano Cruz Cordeiro:
Só vos curvais ante a Cruz,
A vós falange de brios, Marchai, colegas, ufanos,
Que não seguis os desvios Filhos de bravos leais:
Da infame turba vilã; Não se diga que aos tiranos
Que olhais cetros com desprêso, Vosas fontes humilhais;
Que dais o devido peso Formai um corpo luzente
À sábia letra crista; Que festeje independente
A vós, colegas, sômente Da Pátria o dia gentil !
Minha altiva saudação ! Magestoso e de saudade
Aceitai-m'a; — vai ardente Que nos trouxe a Liberdade,
Qual sinto-a no coração. A independência ao Brasil.
Eia — nem mais vos detenho,
Ide ao santo desempenho
Do vosso pátrio dever! ED. rente Estes montes,
Recebei nossa bandeira Que olhando estão para os Céus !
Co'a sua inscrição primeira Éles mostram da Bahia
— Independência ou morrer. A grande soberania
Querendo os Céus atingir !
Ainda em saudação ao Batalhão Acadêmico, João Festejai esta orgulhosa
Gualberto dos Passos recitava os seguintes versos: Que em suas águas vaidosa
De glória se espalha à rir.
A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
De distância a distância, a procissão patriótica pa- satisfação peculiar à hospitalidade baiana. Fazia côro
rava, e os poetas e oradores recitavam versos e discur- com a multidão a falange de poetas, além dos acima
sos, ainda aquecidos do fogo das bombardas, ao alarido nomeados, Manuel Pessoa, Bernardino Bolivar, Santos
das vitórias. Reis, Sinfrônio Olímpio, Laurindo Rebelo, Rosendo Mu-
niz, Fortunato e João de Freitas, e muitos outros, que
Ergue-se o moço poeta Augusto de Mendonça e vibra
afinavam suas liras pela alma patriótica do povo.
o seu canto patriótico:
“Nos vôos de cem côvados de seu gênio de repen-
Vou cantar: bravos, ouvi-me; tista, o veterano Moniz Barreto, assombrado de talento”,
No poeta fôra um crime volta a entusiasmar a multidão:
O silêncio, a adulação.
Da infância tocara a meta Olhai, povo ! resumida
Quem hoje sendo poeta, Aqui vossa glória está.
Renegasse da missão. Povo, deveis vossa vida
Aos velhos de Pirajá.
Na fronte te resplandece Foram êles que na guerra
O astro da liberdade; Livraram a vossa terra
O teu nome em glória cresce Do jugo ferrenho e vil,
No livro da eternidade. Foram êles que, ajudados
Teu nome, grande e sonoro, Por Deus, deram denodados
Grande como um meteoro Independência ao Brasil.
No imenso espaço a brilhar !
Por onde passa, orgulhoso, Éstes velhos que frustaram
Deixa um rasto luminoso Tremendos planos hostis,
Que só Deus pode apagar. Quando os mancebos juraram
O que esta legenda diz;
Nas ruas, onde transitava o préstito, as habitações
Estes velhos que em batalhas
Ganharam essas medalhas
ostentavam galas de primor, dando realce à festa que
era de todos, pois naquêles dias gloriosos cessavam até as Que dizem — Restauração —;
dissenções políticas. Os carros partiam recebendo fes- Estes velhos, como dantes
Hoje marcham triunfantes
tões de flores pelas ruas, apinhadas de povo, em ovações
estrepitosas. Tôdas as casas deitavam luminárias, sendo A frente de um — irmão.
povo
que antigamente eram as velas de sêbo, de carnaúba;
assim como pequenos vasos de louça, contendo estôpa A patriótica Sociedade 2 de Julho, instituída em 1835,
à data gloriosa, mandou edificar um
embebida em azeite de peixe. Raro era o casal que se para comemorar para
largo da ee
não preparava para obsequiar os visitantes, e isso com a elegante pavilhão, no histórico
os emblem as, o que se eietuou em
serem depositados aí
s7
58
A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
(4) O fel que êste final ressuma, certamente se refere, pelo A chegança em si nada tem que ver com os autos da nati-
vidade ou com o ciclo do Natal como quer Gustavo Barroso. O
menos em parte, à suspensão dos antigos festejos populares de
primeiro e dois de julho. episódio principal é inteiramente profano; mas, como era levado
incluia-se uma
Depois de longo intervalo foi restabelecido o cortejo dos ca- à cena pelo Natal, São João, Dois de Julho etc.,
boclos em 1943, pelo prefeito eng. Elísio de Carvalho Lisboa, um parte referente à festa da ocasião.
é português,
dos apaixonados tradicionalistas que últimamente procuram rea- é criação brasileira; o seu tema
nada têm de
vivar o culto do nosso passado.
RR E Ieaão ie os fandangos gaúchos
chegança do E SuN como tam-
comum com o fandango ou à
Sobre o carro do Caboclo consulte: Álvares do Amaral, Re-
sumo Cronológico, pgs. 299-300. se afasta nte da brasi-
comple
pém a cheganca portuguesa
ei
62
A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
04 “
A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
A chegança fôra, antigamente, dos divertimentos se a luta da Sabinada, em 1837; João Pacheco tomou
populares, talvez, o mais importante. parte na revolução, foi prêso e remetido para a Presi-
ganga, navio que serviu de prisão aos revoltosos, onde
Os dispêndios pecuniários eram notórios e conside-
ráveis pelo capricho dos adereços. imperou, corn o rigor da ocasião e a ferocidade do man-
do, a voz do comandante.
O suposto almirante parecia verdadeiro. A luta da
Independência proporcionou certo entusiasmo e prefe- O marinheiro, ansioso de vingança, não conhecia a
rência pela classe militar. quem procurava; porém houvera notícias dos seus feitos.
inquiria de uns, fazia promessas vantajosas a outros, €
E o fato de vestir uma farda, ainda mesmo por di-
vertimento, dava certo garbo ao indivíduo, que se jul- nada de conseguir saber quem era o tal Pacheco, que, no
gava, por momentos, parecer o que, na realidade, não entanto, estava às suas ordens dentro do navio.
podia simular.
Chegou a permitir um ano de licença com sóôldo, e
Em certa ocasião, pelos festejos do Dois de Julho, uma gratificação, ao marinheiro que descobrisse o para-
João Pacheco, almirante de uma chegança, dirigia-se ao deiro do tal almirante.
largo da Lapinha, como de costume, no intúito de acom-
panhar os emblemas de nossa emancipação política. Não houve esforços empregados que lhe correspon-
Ao chegar à praça de Palácio encontrou uma divisão do dessem à espectativa. A descoberta de Pacheco consti-
exército, estendida em linha, tendo à sua frente o co- tuiu um segredo tumular. Ninguém o denunciou.
mandante das armas, general Luiz da França Pinto
Os presos foram deportados, os que escaparam com
Garcez.
vida — (Pacheco foi dêste número); muito depois de te-
João Pacheco, bem persuadido de sua posição de rem voltado do destêrro, quando nada mais lhe podia
almirante, fez parar o préstito, e, de acôrdo com as or-
acontecer, foi que o comandante Leal Ferreira conheceu
denanças em vigor, prestou as homenagens a que tinha
o indivíduo, que êle pretendia ver expirar sob a ação do
direito o general, com tôdas as formalidades do estilo.
calabrote de bordo. Vingança por fatuidade !
O general, por sua vez, não se fez esperar, retribu-
A musa brejeira da época satirizou o fato em versos
indo ao almirante a continência a que tinha direito, na
ocasião. chulos, entoados nos populares sambas:
— Capitão, patrão...
Responde êste :
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MANUEL QUERINO
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
Ao pronunciarem a silaba dó, era o som abafado contra-feitiço nos lábios do guia, êste recobra os senti-
pelo choque dos grimas, batendo uns de encontro aos dos, e todos se entregam às maiores expansões de rego-
outros. Em seguida, davam voltas e trejeitos ao corpo, zijo. Os nacionais se afeiçoaram tanto ao cucumbí que
repetiam o canto e os mesmos movimentos. conseguiram imitá-lo vantajosamente, intercalando nos
Chegados ao ponto determinado, começava a fun- cânticos vocábulos da língua vernácula, sem, contudo,
ção: desvirtuá-lo.
Oliveira Lima — no seu livro Aspectos da Literatura
Cum licença auê,
Colonial Brasileira, à página 101 — descreve uma dessas
Cum licença auê,
folganças, no século XVIII, do seguinte modo:
Cum licença de Zambiapongo,
Cum licença aué. “Andavam as touradas estimadas a par dos ser-
mões, mas a animação de regozijo algum emparelhava-
Em meio da festança, um indígena era acusado de se com a que reinava na festa de São Gonçalo d'Ama-
haver enfeitiçado o guia, que devido a essa circunstân- rante, celebrada a pouca distância da cidade (Itapagi-
cia, se achava em estado mortal. pe). Nas dansas desenfreadas em derredor da veneranda
imagem tomava parte o vice-rei, de parceria com os
Discutido o assunto com alacridade, o feiticeiro se
cavaleiros de sua casa, os monges e os negros.
entusiasma e canta em tom autoritário :
Desapareciam as distinções sociais nessa saturnal
Tu caiá gombê, cristã, à qual serviam de incomparável cenário as ma-
Tu caiá gombê, tas frondosas, onde à pálida claridade das estrélas e ao
Chaco, chaco, som mavioso das violas o amplexo dos sexos atingia
Mussugauê. proporções de demência animal.
mm
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.
MANUEL QUERINO
Os povos cultos têm o seu jôgo de capoeira, mas sob Depois entoava esta cantiga:
outros nomes: assim, o português, joga o pau; o francês,
a savata; o inglês o sôco; o japonês, o jiu-jitsu, à imita- Tiririca é faca de cotá,
cão dos jogos olimpicos dos gregos e da luta dos romanos. Jacatimba muleque de sinhá,
Havia os capoeiras de profissão, conhecidos logo à Subiava ni fundo di quintá.
primeira vista, pela atitude singular do corpo, pelo an-
dar arrevesado, pelas calças de bôca larga, ou pantalona, côRro
cobrindo tóda parte anterior do pé, pela argolinha de
curo na orelha, como insígnia de fôrça e valentia, e o Aloangué, caba de matá
nunca esquecido chapéu à banda,
Aloanguê.
Os amadores, porém, não usavam sinais caracteris-
ticos, mas exibiam-se galhardamente, nas ocasiões pre-
cisas. No domingo de Ramos e sábados de Aleluia entre-
gavam-se a desafios e lutas, nos bairros então preferidos,
“Marimbondo, dono de mato
como fôssem: o da Sé, S. Pedro, Santo Inácio ou da
Carrapato, dono de fôia,
Saúde.
Todo mundo bêbê cazxaza,
- Préviamente, parlamentavam, por intermédio de ga- Negro Angola só leva fama
zetas manuscritas. Duas circunstâncias atuavam, pode-
rosamente, no espírito da mocidade, para se entregar
côRro
aos exercícios de capoeiragem: a leitura da História de
Carlos Magno ou os doze pares de França, e, bem assim Aloanguê, Som Bento tá me chamando,
as narrações guerreiras da vida de Napoleão Bonaparte. Aloanguê.
Era a mania de ser valente, como modernamente, a de
cavador. Nêsses exercícios, que a gíria do capadócio de-
nominava — brinquedo, dansavam a capoeira sob o rit-
mo do berimbau, instrumento composto de um arco de
Cachimbêro nã fica sem fogo,
madeira flexível, prêso às extremidades por uma corda
Sinhá veia nã é mai do mundo,
de arame fino, estando ligada à corda uma cabacinha
Doenca que tem nã é boa
ou moeda de cobre.
Nã é cousa de fazê zombaria.
O tocador de berimbau segurava o instrumento com
a mão esquerda, e na direita trazia pequena cesta con- côRro
tendo calhaus, chamada — gongo, além de um cipó fino,
com o qual feria a corda, produzindo o som, Aloangu: ê, Som Bento tá me chamando,
Aloanguê.
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araatr
MANUEL QUERINO
CÔRO
côro
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
Cezário Álvaro da Costa, rapaz bem procedido e vel batalha do Riachuelo, e a respeito assim se pronun-
caprichoso, não era um profissional, mas amador com- ciou o comandante do navio:
petente.
“O contingente do 9.º batalhão portou-se como era
Marchou daqui para o sul, como cabo d'esquadra de esperar de soldados brasileiros. Entusiasmados no
do 7.º batalhão de caçadores do exército. ato da abordagem, valor e estfórço denodado na luta
travada braço a braco com o inimigo, excedem ao me-
Nos primeiros encontros com o inimigo, comecou
lhor elogio”.
por distinguir-se, a ponto de ser apreciado por seus su-
periores. E, fôra subindo gradualmente, até o posto de Depois dessa ação, o cadete Melo fóra promovido a
alferes. Certo dia, depois de um combate, Cezário da alferes e condecorado. Esteve na campanha até o ano
Costa encontrou dois paraguaios, e enfrentou-os cora- de 1369, quando voltou ao Brasil, ficando adido ao 5.º
josamente. batalhão, no Rio de Janeiro.
Depois de acirrados reencontros e, auxiliado pelo que No dia que estava de servico, costumava dizer:
conhecia de esgrima da baioneta, conseguiu suplantar os
adversários. Esse ato de bravura, unido a outros ante- — “Camaradas! sabem quem está de estado hoje ?
riormente praticados, levaram-no à promoção no posto Quem está debaixo dos pés de S. Miguel”.
imediato, e a ser condecorado com o hábito da Ordem
Passava a noite a velar, fazendo revista incerta a
do Cruzeiro, pelo marechal Conde d'Eu. Esse oficial fale- tôda hora. Quem faltava à revista, no dia imediato corria
ceu em Bagé, Rio Grande do Sul, no posto de capitão.
marche-marche por espaço de duas horas. Era o único
Antônio Francisco de Melo, natural de Pernambuco, oficial que podia conter a soldadesca desenfreiada, nos
seguiu para a campanha, no posto de primeiro cadete- dias de pagamento de sôldo. Promovido a capitão, fale-
sargento ajudante do 9.º batalhão de caçadores do exér- ceu num dos Estados do Norte. Trago êsses dois exem-
cito. Não se limitava a simples amador de capoeira, pos- plos para justificar que a capoeira tem a sua utilidade
suia tendência pronunciada para um destemido profis- em determinadas ocasiões.
sional, o que, decididamente, lhe prejudicou, demorando No Rio de Janeiro, o capoeira constituia um elemento
a promoção, apesar de possuir certa importância pessoal, perigoso, tornando-se necessário que o govêro, pela
tendo o curso de preparatórios. portaria de 31 de outubro de 1821, estabelecesse castigos
corporais e providências outras, relativas ao caso.
Não lhe eram favoráveis as opiniões escritas pelos
comandantes de corpos, nas relações semestrais, livro
onde se apurava o comportamento dos oficiais inferiores.
O cadete Melo usava calça fôfa, boné ou chapéu à banda
pimpão, e não dispensava o geito arrevesado dos enten-
didos em mandinga. Francisco de Melo fazia parte do
contingente a bordo da corveta Parnaiba, na memorá-
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MANUEL QUERINO
Em 1808 determinou-se que as patentes fôssem ex- Estas possuiam cunho aristocrático, tanto que o al-
pedidas pelo Conselho Supremo Militar. vará de 3 de setembro de 1809 proibiu aos oficiais do
exército e aos de milícias servissem nos corpos de orde-
Em 1822, permitiu-se o uso de banda.
nanças.
Os majores dos regimentos de milícias saiam do
A resolução de 3 de março de 1910 determinou que
exército, dentre os capitães, assim como, o estado efetivo
de um regimento compunha-se de 818 praças.
só os homens casados pudessem alistar-se nessa cor-
poração .
Verificada a insuficiência da milícia para os traba-
lhos a seu cargo, necessário foi, pouco tempo depois de Capitão de estrada era denominação dada ao indiví-
sua organização e como elemento complementar, que o duo encarregado de escravizar O indígena; capitão do
govêrno determinasse a criação dos regimentos de Orde- mato ou de assalto, nomeado pela câmara municipal, tj.
nha a incumbência de prender escravo fugido. A lei de
SL
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
10 de outubro de 1831 criou a corporação dos Guardas As nomeações de alferes a capitão competiam aos
Municipais, cuja obrigação especial consistia em fazer a presidentes de província, de major a coronel, ao ministro
ronda noturna, de meia noite para o dia; depois, procede- do império. As patentes dessa milícia foram equipara-
ram-se a diversos engajamentos, tomando a corporação das às do exército e da armada. Os espíritos interessa-
o nome de Urbanos, sujeitos ao regulamento de primeira dos na boa organização da milícia, receando a perversão
linha. politiqueira, procuraram amparar o pensamento do go-
O exemplo dos filhos d'América do Norte que, arma- vêrno, conciliando a eficiência militar com o caráter da
dos em guerra, derrotaram os numerosos soldados da In- instituição. Na
glaterra e proclamaram a independência dos Estados
A respeito, assim se externava um grande espírito
Unidos, serviu de estímulo ao govêrno do Brasil, desilu-
da épeca, o cons. Nabuco de Araújo:
dido dos mercenários Suiços, que, desviados de sua mis-
são, auxiliavam, por sua vez, os tumultos no Rio de Ja- “Quanto à guarda nacional é preciso organizá-la, de
neiro; promulgou a lei de 18 de agosto de 1831, criando modo que ela seja uma fôrca pública e não uma fórca
a Guarda Nacional, como elementos de defesa da nação. de partido. Repugna que uma parte dos brasileiros seja
destinada para oficiais, e a outra só para soldados.
Os oficiais superiores, subalternos e inferiores eram x ado
escolhidos por eleicão dos guardas alistados na paroquia, “Convém. pois, contemplar as influências legítimas
presidida pelo respectivo juiz de paz. de ambos os lados, contanto que tenham merecimento
O oficial eleito servia por quatro anos; findo o tempo,
e não sejam hostís à ordem pública.
não sendo reeleito, voltava a servir como simples guarda. “O comandante superior pode ser a influência de
Era um arremêdo democrático, na aristocracia do um lado, o chefe do estado maior pode ser a influência do
tempo. O visconde dos Fiais, antes de ser titular, ocu- outro lado; assim ficam equilibradas as influências e
pava o lugar de desembargador na Relação. Concorrendo satisfeitos os ânimos; entretanto, que o govêrno, pela
a uma eleição da guarda nacional, fôra eleito coronel- faculdade que tem de dispensar qualquer dessas paten-
comandante de batalhão; na segunda eleição, obteve tes, neutraliza o mal que elas podem fazer. Aonde hou-
o posto de capitão, e na terceira, porém, só alcançou a ver um só batalhão e influências reais, a mais forte, legí-
graduação de sargento! O cargo de major da guarda tima, e que mais garantias oferecer de lealdade, dedica-
nacional era privativo de um oficial do exército, com ção e aptidão deve ser preferida.
a obrigação de ser instrutor. O alvará de 6 de dezem- Eis aí uma prova suficiente da boa orientação do
bro de 1831 declarou proibido o uso de bigodes, entre patriotismo colocado acima. dos interêsses subalternos, e
oficiais e praças dos corpos arregimentados, sendo re- tão digna de ser imitada na hora presente (8).
vogada essa ordem, em 8 de Julho de 1837.
A lei de 19 de setembro de 1850 deu nova organi- (8) A Guarda Nacional, g-oriosa sucessora dos corpos de
zação à guarda nacional, considerando-a reserva do milícias, correspondeu durante muito tempo a prementes neces-
exército. sidades do País. Quando estas foram remediadas de outra ma-
a corporação decaiu, mantendo-se ainda durante algum
neira,
as CET
A BAHIA DE OUTRORA
Depois, vinham os sete passos da Paixão, em painéis, êste ato, os irmão, convidados e pessoas gradas encami-
cada um guarnecido por dois sacerdotes e dois irmãos da nhavam-se para a sala de sessões, e, aí, lhes era oferecida
Misericórdia, conduzindo tocheiros com os respectivos pelo Provedor, em exercício, lauta mesa, com empadas,
balandraus, vestimenta com capuz e mangas largas. frigideiras, doces, pastéis e vinho velho do Pórto.
Possantes etíopes conduziam pesadas lanternas de ferro,
Na Provedoria do cons. Manuel Pinto de Souza Dan-
penduradas do têpo de fortes varas de madeira. Nelas
tas, extinguiu-se a procissão de fogaréus, em consequên-
ardiam estôpa, breu e água-rás, produzindo enorme cla-
cia de grande conflito, que tomou proporções assusta-
rão. Os irmãos da Misericórdia abriam alas à passa-
doras, acontecendo serem alguns irmãos atingidos por
gem das diversas dignidades do clero, e, bem assim, aos
pedras, atiradas no Gato da Misericórdia.
músicos da orquestra, que acompanhavam os cânticos.
O fagote, instrumento de madeira, de timbre melancó- Ocorreu isso em 1874.
lico, imprimia sensível tristeza ao ato. Em substituição, adotou-se a cerimônia do Lava-Pés,
Duas personagens jocosas quebravam a imponên- missa cantada, e procissão do Santíssimo no cláustro.
cia da solenidade.
Bs
MANUEL QUERINO
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A BAHIA DE OUTRORA
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
Ouvindo-se tocar viola, alta noite, dizia-se logo: é A encomendação das almas era uma detestáve! prá-
o diabo. tica religiosa, saturada de idéias absurdas, embora sus-
Os mais antigos contam a lenda de que, em certa tentada com ingenuidade ou boa intenção. Nas sextas-
ocasião, num festejo de Nossa Senhora da Conceição, feiras de cada semana, rezava-se o ofício da Paixão; aos
divertiam-se muitas pessoas, faltando, porém, um toca- sábados, porém, o ofício de Nossa Senhora, nos orató-
dor de viola, para animar o samba. rios particulares e públicos, e em diversas igrejas, sendo
os oratórios mais concorridos: da Cruz do Pascoal, o do
Alguns dos interessados sairam à busca do que pre-
Maciel de Baixo, ladeira do Carmo, Baixa dos Sapatei-
cisavam todos. Por acaso, encontraram, numa esquina,
ros e Santo Antônio da Velha Bárbara, junto à igreja da
um rapaz tocando admiravelmente.
Misericórdia. Grande, porém, era o número de peque-
Nada mais simples do que convidá-lo para a função. nos nichos encravados nas paredes dos edifícios, e, bem
Chegados ao lugar, houve grande alvorôço. O ho- assim, nas diversas casas particulares onde se arma-
mem da viola, interrogado, declarou chamar-se Sassara- vam grandes oratórios, franqueados à visita do público,
neco; continuando a deleitar o auditório com a sua má- nos dias de procissão. Até bem pouco tempo, grandes
gica viola. cruzes de madeira, pintadas de pixe, encostadas às pa-
redes dos prédios. serviam de ponto de estação, colocan-
No torvelinho das dansas bradava a multidão: do-se aí gasofilácios para receberem esmolas para as
Viva o senhor Sassaraneco, que respondia: Bravos as
almas santas benditas, e santos outros mais em voga.
mulatas.
Na Semana Santa efetuava-se o penoso ofício das
Quando a multidão dizia: Viva Nossa Senhora da
almas que trazia as crianças e os espíritos timoratos, em
Conceição, respondia o homem, em voz baixa: Com
pavoroso mêdo. Os rezadores, trajando alva (vestimenta
esta senhora não quero graça.
comprida de pano branco) e empunhando matraca, per-
Por muito tempo passou despercebida essa resposta, corriam as ruas, acorrentados, de modo a ser ouvido o
até que afinal alguém prestou atenção e calou-se. O
homem da viola fazia prodígios no instrumento, o sam- João Ribeiro — O Folelore; Rio, 1919.
ba cada vez mais arrojado, quando, de súbito, grita um Pereira da Costa — Folclore Pernambucano, Rev, Inst. Hist,
menino: Olhem, o senhor Sassaraneco tem o pé redondo! e Geogr. Bras., tomo 70, Parte HI. Rio, 1908.
Goncalves Fernandes — O Folclore Mágico do Nordeste,
O homem deu um grande estouro e desapareceu,
Rio, 1938.
produzindo enorme fumarada, tresandando a enxofre de Crendices Amazônicas:
Osvaldo Orico — Vocabulário
(11),
Rio, 1937.
Ao Som da Viola; Rio, 1921.
Gustavo Barroso —
(11) A literatura versando superstições é vastissima. Eis
Afonso Arinos — Lendas e Tradições Brasileiras; 24 eq.
algumas obras de mais fácil consulta e cuja bibliografia podera
e
orientar os que desejarem fazer estudo mais detido em nosso Rio, 1937.
— Brasil Virgem; Recife, 1924,
meio: Nestor Diógenes
José A. Teixeira — Folclore Goiano; São Paulo, 1941,
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som produzido pelo atrito das correntes no chão, fazendo do o Diabo vinha buscá-los. Dizia a tradição: os se-
estações em pontos determinados. Durante o percurso nhorios maus apareciam sentados à porta das fornalhas;
acoitavam-se com finas correias de couro, ouvindo-se a ouviam-se latidos, vultos dispersos, exigindo cumprimen-
seguinte lamentação: tos das obrigações contratuais.
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MANUEL QUERINO =—— E
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uma vez que não possuiam também o seu juiz de ofício,
como os operários.
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A BAHIA DE OUTRORA
E como os mesários e mais irmãos, abaixo assinados,
conhecem o quanto V.M.I. é propenso a contribuir para
em virtude da qual o artista ficava obrigado a uns tan-
a prosperidade das Instituições Religiosas, principalmente
tos deveres.
para esta, cujo principal objeto é socorrer os seus con-
Em 1830, a mesa da corporação, composta dos mais frades, no caso de moléstia e decrepitude”.
competentes profissionais, como fôssem: Damião Bar-
bosa, Santos Barreto, José Joaquim dos Reis, Augusto Por intermédio dos Religiosos Franciscanos, em cujo
José d'Oliveira Estrêla Forte, Pedro Hipólito Merkel, José convento fucionava a irmandade, obteve um breve de
Pereira Reboucas, José Joaquim de Souza Negrão, soli- Roma, autorizando a festividade da Santa, no mês
citou da autoridade diocesana a competente autorização de novembro, independente das prescrições do Advento.
da parte religiosa, afim de obterem de S. M. o Impera- D. Manuel, Arcebispo desta Arquidiocese, de volta de sua
dor a confirmação do novo compromisso, em virtude da viagem a Roma, trouxe um pequeno quadro, onde se vê
Carta de Lei de 22 de setembro de 1828. Dirigindo-se ao fotografada a Santa, tendo a seguinte inscrição no verso:
monarca, assim se exprimira a mesa. “Etígie de Santa Cecilia, Virgem Mártir, exprimindo
“Pedem a Vossa Majestade que, derrogando o Com- a posição em que entregou a alma a Deus, assim como
promisso confirmado em Lisboa pela Senhora Rainha foi encontrada no Cemitério de S. Calixto na Via Ápia,
D. Maria I, em 20 de dezembro de 1785, e seu adendo segundo consta da tradição, existindo ainda na igreja,
confirmado, na córte dêste Império pelo Senhor D. além do Tibre, dedicada à mesma Virgem Mártir, para
João VI, em 9 de outubro de 1816, haja por bem confir- onde foi seu corpo transladado por S. Pascoal 1.
mar êste, que a mesma corporação respeitosamente di- Oferecida a esta irmandade por S. Ex.2 Revm. o Sr.
rige à presença de V. M. I. para melhor regimen e pros- D. Manuel Joaquim da Silveira, Conde de S. Salvador,
peridade da dita Confraria. Pedem igualmente a V. M. em 1870, fotografado no sepulcro da mesma Santa, em
I. e Constitucional haja por bem nomear para a mesma Roma, a mandado de S. Exa. em 1869, quando esteve no
Confraria um Juiz Privativo, que tenha efetiva residên- Concílio Vaticano, para o dogma da infabilidade ponti-
cia nesta cidade; para com mais prontidão se poder con- fícia. André Avelino Caxangá — Tesoureiro da Irman-
cluir a marcha dos negócios da mesma Confraria. Que, dade”.
apesar do compromisso estar enriquecido de leis boas,
Em 1900, por ocasião dos festejos do 4.º Centenário
mas, sem nenhuma das indispensáveis penas para con-
do descobrimento do Brasil, a Irmandade de Santa Ce-
ter abusos; resultando disso, não só o pouco respeito
cília apresentou-se, pela primeira vez, em público, com
que gosa a corporação, mas também o pouco progresso
as insígnias, e conduzindo um painel da Virgem (13).
de luzes respectivas à mesma arte.
E consequentemente poucos rendimentos para o Pio,
um dos principais objetos desta caritativa Confraria, conste
A irmandade de Santa Cecilia, embora nada
por causa dos professores que concorrem as funções sem (13)
práticamente
serem irmãos. contra a lei, mesmo do antigo compro- sóbre a terminação do seu funcionamento, deixou
de existir há muito tempo.
misso,
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MANUEL QUERINO
Gustavo Américo da Silva, Antônio Joaquim de Pita Ensino Secundário na Bahia, damos a seguir alguns novos in-
formes colhidos no Semanário Cívico N. 2, de 1821:
Lima, dr. Felipe de Araújo Pinho e o major Jerônimo
De 1810 a 1821 funcionavam as seguintes aulas de ensino
Sodré Pereira.
complementar:
O Colégio des Órfãos de S. Pedro, do Rio de Ja- 4 aulas régias de latim;
neiro, que começou com os mesmos intúitos do de S. 1 aula particular de latim, chamada do Madeira;
Joaquim, da Bahia, pois fôra fundado por um simples
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107
MANUEL QUERINO
é
dita de retórica;
od a
dita de filosofia;
dita de geometria;
ud jd
dita de desenho;
dita de comércio, (criada em 1811);
pd
1 aula de música, (criada em 18191; além do Colégio Mé
dico-Cirúrgico, (criado em 1815) e do Seminário, (criado em
1811).
A frequência, que era de 139 estudantes em 1810,passou a
mais de 600 em 1817, Ao lado dessas aulas oficiais existiam, em
1821, diversas particulares, entre as quais já figurava o colégio
de Euzébio Vanério, a que se refere M. Querino.
Uma notícia histórica do Colégio dos Órfãos de São Joa-
quim, onde M. Querino lecionava desenho, foi publicada em
1899, por João Nepomuceno Torres, no vol. VI da Revista do
Instituto Geogr. e Hist. da Bahia; pgs. 327-361.
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KANUEL QUERINO
A Vida no Lar
A educação da mulher limitava-se ao curso primá- fazia curta demora, e depois rodeava todo o espaço, obe-
rio, a noções da língua francêsa, música — canto e pia- decendo ao compasso de música adaptada.
no — dansa e prendas domésticas.
Por êsse tempo, havia o uso dos balões, que, hoje,
dificilmente, se acomodariam nos veículos de praça. Os
homens seguiam o mesmo rigor da moda, sem dispensar
Os homens consumiam a maior parte do tempo ai-
o clássico chapéu de pelo lustroso, até porque o delegado
redios de suas residências.
de polícia publicava edital, determinando o uniforme
de presença no teatro. Nos bailes dansavam a “Gavota”, Terminados os trabalhos do dia, dirigiam-se à casa,
a “Valsa”, a “Mazurca”, a “Quadrilha”, o “Lanceiro”, e e, satisfeitas as necessidades do estômago, retiravam-se:
o sizudo “Solo-inglês”. Fora disto, tôda a diversão era de uns iam palestrar nas boticas, onde discutiam politica,
portas a dentro, por ocasião de batisado, casamento, jogavam gamão e tramavam revoltas; outros encami-
aniversário, e, como objeto de grandeza, vinha da Euro- nhavam-se para as casas de tavolagem, ponto de reunião
pa o gelo natural. E, a propósito cumpre recordar aquí dos grandes da terra; pois o jôógo campeava, em larga
algumas dansas do tempo: escala, notadamente entre os políticos, os negociantes,
O “Lundú da Marruá” — Duas pessoas, em posição os senhores de engenho, etc.
de dansarem a valsa, davam começo ao lundú. Depois, Bacharel que não jogava, nem para deputado ser-
apartavam as mãos, levantavam os braços, em posição via. Se algum ingênuo perguntava: dr. fulano joga”
graciosa, a tocar castanholas continuando a dansa des-
ligadas. — Ora, até pedra em santo.
A “Maria Caxuxa” — era dansa igual à anteceden- Na antiga rua de Palácio, hoje rua Chile, existiu,
te, divergindo, apenas, nos movimentos e diversidade da por longos anos, uma loja de charutos, denominada .—
música. “Progressista”, de propriedade de Laurentino de tal,
tuir a “Progressista”, do Laurentino. As demandas ti- um canto da sala, um macaco, preso ao cêépo, a saltar, a
nham grande voga, pois eram um elemento de vaidade, guinchar, a fazer momices, costume que se estendera até
em tôdas as camadas sociais. Fumar fôra um vício; to- às oficinas e casas comerciais.
mar rapé, um hábito.
De outro lado, era um papagaio, em gaiola de ma-
O homem do povo, em tempo de verão, acompanha- deira, o qual, durante o dia, recebia lições, de uma se-
va, à noite, a família, que se dirigia às fontes públicas, nhora já entrada em anos.
para as ablusões diárias.
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2 A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
Ver a mulatinha
Da cara queimada,
Quem foi que a queimou ?
A senhora dela,
Caiumba.
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A Cadeirinha de Arruar
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Duas parelhas de carregadores, como se dizia no Devido às irregularidades, na condução, o povo ape-
tempo, isto é, quatro possantes etíopes, custavam um lidou êsses veículos de maxambomba, ridicularizando-os
conto de réis. em verso :
A cadeirinha do potentado se destacava pelas côres
vivas e pelos ornatos da libré dos carregadores. Subi na torre
P'ra comer pitomba,
Estes trajavam casaca de pano azul com portinho-
Joganão os caroços
las, vivos botões dourados ou encarnados; calças da
Na maxambomba.
mesma fazenda, agaloadas; chapéu alto de oleado com
galão de ouro; colete de flanela clara com botões doura- Ande mais de pressa,
dos e gravata de manta. Posteriormente, a cadeirinha
Senhor condutor,
foi perdendo o valor, e, os menos abastados puderam Isto é maxambomba
ocupá-la de aluguel. Em diversos pontos da cidade, como Não é vapor.
tôssem: Largo da Conceição da Praia, Taboão, Baixa da
Soledade, S. Francisco de Paula etc. se encontravam Por longo espaço de tempo existiu certa repugnân-
cadeirinhas pelo preço de uma pataca para subir uma cia da parte das senhoras em tomarem as gôndolas.
ladeira; destinando-se a ponto mais longínquo, precedia
Fôra a condêssa de Barral, a primeira mulher que se
ajuste. Da cidade à Barra ou ao Bonfim, o preço da con-
serviu dêsse meio de condução; e fazendo propaganda
dução era de seis mil réis. As pessoas de recursos faziam-
entre pessoas de sua amizade conseguiu vencer a resis-
se acompanhar de uma outra cadeirinha de sobressa-
tência.
lente para descanso dos carregadores. Ainda existiam
as cadeirinhas especiais para a condução de anjos ao A essa nobre dama, dotada de esmerada educação e
cemitério, com sanefas, e as cortinas forradas de fazen- de instrução variada, deve a sociedade baiana a intro-
da vermelha. Vem dêsse tempo o uso do chapéu de pa- dução dos costumes europeus, e o afastamento das mo-
lha da Costa, fabricado pelos carregadores, em descan- das sombrias e excêntricas que dominavam na época.
so. Anteriormente só havia o chapéu de pêlo e a cara- Havia outro meio de transporte que eram os peque-
puça portuguêsa. nos vapores da Companhia Bonfim, atual Navegação
Baiana.
Êsses vapores partiam da cidade baixa, atracavam
na Jequitaia, desembarcando aí os passageiros de meia
A lei n. 223 de 3 de maio de 1845 concedeu privilé-
viagem, e daí se dirigiam à ponte volante que existia no
gio por dez anos a quem quisesse estabelecer uma com-
Pórto do Bonfim.
panhia de Onibus (gôndolas); o que fôra levado a efeito
sendo uma da cidade alta até à Barra, e outra das Pe- Nas gôndolas só tinham ingresso as pessoas deven-
dreiras ao Bonfim. temente vestidas, de cartola.
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O visconde da Pedra Branca, brasileiro notável pelo em Paris o reconhecimento da nossa Independência. Eleito se-
nador parece ter comparecido ao Senado uma única vez para,
saber e pela riqueza, ocupou na política as funções mais
como homem de finas maneiras, agradecer ao Imperador a es-
distintas e elevadas. Fôra deputado, senador e diploma-
colha e o voto ao povo e... voltou à Europa para gozar a vida.
ta. Os últimos anos, porém, de sua utilíssima existência
As mulheres foram a grande preocupação da sua vida.
passaram-se entre as agruras de impiedosa paralisia.
Como deputado à Constituinte de Lisboa apresentou um pro-
Como distração, costumava reunir, em sua residência, os jeto de emancipação da mulher; foi intermediário do casamen-
amigos e admiradores: e nessa convivência íntima, en- to de D. Amélia com D. Pedro I; traduziu um poema sôbre
tretinha-se em fazer vibrar a sua fértil imaginação poé- “O Merecimento das Mulheres” e consagrou dois volumes de
tica, quando não discutia os assuntos mais variados. Na poesias às senhoras brasileiras. Teve, entretanto, tempo e bas-
época, era moda pedir aos poetas a inscrição, em álbum, tante espírito prático para, na sua mocidade, escrever diversas
monografias sóbre assuntos econômicos, publicadas n'“O Pa-
de um pensamento, em prosa ou verso.
triota”, revista carioca, que, durante muito tempo e sem fun-
Certa senhora apresentou o seu álbum pedindo-lhe damento algum, usurpou a “As Variedades” da Bahia o seu
uma estrofe. O Litular satisfazendo a solicitação escreveu: incontestável titulo de primeira revista literária do Brasil.
A desgraça do Brasil
E' um patriotismo fôfo:
Leis em parola,
Praga, preguiça e môfo. (18)
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Os sinos das matrizes não convocam os fiéis, não se Em épocas mais distantes, as pessoas que se incor-
ouvem mais os sons da campainha, nem as vozes de co- poravam ao cortejo entoavam êste bemdito:
mando nos corpos de guarda. Esta rememoração dos
fastos da Bahia religiosa, lembra-nos a sentimental Louvado seja o Santíssimo
quanto mimosa composição do elegante poeta portu- Sacramento da Eucaristia
guês Macedo Papancça, sob o mesmo título que adotamos. E também Santa Maria.
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De vestiário faziam grande economia, auxiliados pelo (20) Manuel Querino é aqui algo injusto com a classe
costume das batinas; pois a mais velha imprimia-lhe a abastada da Bahia. Basta consultar a lista dos estudantes
característica de veteranos, salvo conduto dos frequentes brasileiros em Coimbra no século que medeia entre 1872 e a
apupos. reforma do ensino por Pombal, em 1772, onde figuram tantos
filhos de pais ricos.
Os rapazes de familias abastadas não se preocupa- Essa lista publicada no volume 62 dos Anais da Biblioteca
vam com estudos, desprezavam os dotes da educação apri- Nacional ainda é interessante sob outros aspectos, que procu-
morada e preferiam os galanteios de tôda a ordem. ramos frisar no resumo seguinte, onde damos, em duas colu-
nas, O numero dos estudantes baianos comparado com o total
Dedicavam-se à lavoura cujos proventos eram ime- dos brasileiros. Verdadeiramente desconcertantes, são os alga-
rismos entre 1814 c 1828, periodo em que a indisposição cres-
diatos, sem custo, pelo esfôrço da escravidão.
cente contra os portugueses deveria logicamente provocar um
Até aquela época, ao menos, na Bahia, as famílias retraimento.
poderosas não contavam um só de seus membros versado Periodo de: Estudantes baianos Total dos estudantes
em letras. brasileiros:
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Em dado momento apareceu uma velha e disse: Antigamente iam os grupos por terra a encontrarem-
se no antigo — Contrato — unindo-se aos pescadores vin-
“Meus filhos, o que fazem aí ? Olhem que os luzita- dos da Armação conduzindo as imagens de S. Benedito
nos aí vem”. e S. Goncalo para acompanharem, em procissão, a Nossa
Surpreendidos por tão grave nova, trataram de reti- Senhora da Luz e ao Deus Menino.
rar-se, Convém notar que a capelinha da Luz, primitivamen-
Instantes depois, cnegaram os luzitanos e foram logo, te. não existia onde se acha atualmente; sim, mais adian-
à queima roupa, atirando contra êles. Os jangadeiros de- te, no Alto dos Coqueiros, um pouco antes do lugar deno-
sarmados, não puderam resistir; e então jogaram-se ao minado — Chega Negro — (*), de modo que, a romaria
mar uns, e outros fugiram por terra, para se livrarem das lembra um fato histórico, como acima ficou dito.
balas, e, conseguindo tomar as jangadas se fizeram ao Conta a lenda que, estabelecida a romaria, ficou de-
largo, em demanda de Itapoã, e lá se uniram aos patrio- liberado que nesse dia não se cuidava de pesca. Alguns
tas reforçando assim a resistência. rapazes, porém, vendo surgir de perto da terra um car-
Terminada a guerra da Independência, instituiram os
(*) Era assim que o senhorio cnamava os escravisados para
pescadores do Rio Vermelho a romaria que ainda reali-
pucharem as redes de pesca do xaréu.
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Nos divertimentos populares não faltava certo nú- E saiba quem por títulos, ufano,
mero de indivíduos encarregados de discursar ou can- Toma por qualidade os acidentes,
tar, alegrando o auditório. Que existem duas coisas diferentes:
Virtude e vício, tudo mais é engano.
Era costume arraigado, no tempo.
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Esquece, por uma vez Num salão bem confortável, rapaz elegante recita-
Quem te deu o coração, va a paródia da Judia, de Tomaz Ribeiro :
Se não te move meu pranto,
Dai-me a morte com teu não.
O JUDEU
Que importa, tirania,
Que eu viva sofrendo,
Já eram mais de dez; a noite estava fria:
Se, por teu desprêso,
a rua era deserta; amortecido o gaz:
Eu vivo morrendo ?
A lua em seu minguante, ainda não se via
no céu aparecer dos montes por detrás.
Alegro
Palmas e bravos cobriam as últimas notas do can- Ó gente sem juizo! ó gente debochada!
tor. Ato continuc, outro cantor em cena ou elegante se- de comedores corja! amigo do pifão!
nhorinha exibia-se, com o acompanhamento do piano: súcia de malandros! grandissima cambada!
tratantes, sem vergonha, opróbios da nação.
Amo-te porque és bela:
Amo-te porque jurei, Se eu fosse de polícia o chefe nesta terra,
Inda mesmo na ausência havia-os de agarrar, sem escapar, um só,
Constância eterna terei. mandava uns p'ra Fernando, os outros para a guerra,
metendo o vendilhão também no chilindro.
Alegro
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A guerra das pedras
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mãs de Caridade, obrigando-as a se refugiarem na vizi- O presidente indignado, deu ordens terminantes para
nhança. que a fórça, com os auxílios recebidos, no momento, fi-
zesse dispersar o povo a golpes de espada e a pata de
Iguais cenas foram praticadas nas demais casas cavalo. Esta ordem fôra fielmente executada pelo capi-
pias. tão comandante do esquadrão de cavalaria, sob furiosa
Posteriormente, reunida a multidão na Praça de
tempestade de pedras, atiradas a torto e a direito, pelos
Palácio, invadiu o edifício da Câmara Municipal, em as- populares, que, afinal, tiveram que ceder. A noite, nos
suadas e gritos estrepitosos, rasgando os papéis da apu- pontos mais transitados da cidade, estacionaram patru-
ração eleitoral de senadores, a que se estava procedendo. lhas reforçadas, que efetuaram muitas prisões.
Alguém subiu à torre do edifício e tocou o sino, em sinal Por espaco de três dias, procedeu-se a rigoroso Tre-
de rebate. A êsse tempo, o grosso da multidão, estacio- erutamento, e a desforra do govérno não podia ser mais
nada na Praça, arremessava pedras de encontro às ja- violenta.
nelas do Palácio da Presidência, despedaçando as vidra-
cas. Providenciando o govêrno no sentido de que a tropa Seguiram-se verdadeiras deportações para as fron-
teiras do Rio Grande do Sul, uns com destino ao exér-
de linha e a guarda nacional aquartelada compareces-
cito, e outros nara a armada, sem falar nas prisões nas
sem, para conter os amotinados, ao chegarem as fôrças
fortalezas. Não se atendia à posição social de quem era
foram recebidas 3 pedradas.
encontrado nas ruas. As vinganças pessoais e de motivo
A tropa reagiu, com energia, e fácil se torna prever político ainda mais avolumaram a série de perseguições.
o resultado daquele choque. Dissolveram-se os grupos e
Era corrente, no tempo, que um arguto político, ad-
o motim parecia jugulado.
vogado de nomeada, fôra o instigador do movimento.
No dia imediato, deveriam tomar posse os suplen- Depois, êle próprio aconselhara as medidas de repressão.
tes de vereadores. para continuar a apuração das elei- Por troça alusiva ao govêrno, dizia-se no tempo: pelas
ções, visto que foram suspensos os efetivos, pelo presi- irmãs da Caridade, eu peço que não me esbordõe. Fôra a
dente da Província. A multidão, novamente, invadiu o primeira vez que o povo perdeu uma cartada, pois o go-
Paço da Câmara Municipal, perturbando os trabalhos, vêrno — saiu cafangando — por não existirem mais os
com excessivas demonstrações de desagrado, inutilisando Barata d'Almeida e os Santinhos (23).
móveis, etc.
(23) O Motim das Pedras é também chamado de Carne
O presidente, cons. Cansanção de Sinimbú, mandou
sem osso e farinha sem caroço, ou ainda Sedição dos Chinelos.
então evacuar a praça, por uma fôrça de cavalaria do Leja-se sôbre o episódio um artigo de Braz do Amaral na Rev.
exército, Esse fato exacerbou os ânimos, e, como para do Inst. Geogr. da Bahia, vol. 43, pgs. 109-114, onde transpa-
justificar a sua exaltação, a grande massa popular soli- recem melhor os motivos que para éle concorreram.
citou do govêrno medidas que melhorassem a crise, pro-
veniente do monopólio dos gêneros alimentares, e em
voz alta pedia — carne sem osso e farinha sem caroço.
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brancas. Daí por diante todo objeto sem graca, que me-
recesse o ridículo, cnamou-se Carijó.
om ok
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Se, por acaso, o candidato não reunia as qualidades Para um rapaz fazer a barba, pela primeira vez, era
exigidas, no tempo aprazado, era pôsto à margem, com mister licença paterna. Solenizavam êsse acontecimento
esta senLença fulminante: “Meu caro senhor, o rapaz reunindo-se os parentes, para saudar o escanhoado moço.
não serve! Dizem até que êle já fuma ! |!” E assim se
desfaziam tantos sonhos de ventura (24).
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As cavalhadas
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Gastavam pingues somas, o que não raro produzia Em meio de todos aqueles aplausos ia o cavaleiro
a ruina da família ou a rejeição de uma proposta de ca- oferecer a argola a uma senhora, como sinal de distin-
samento. Naquela época, um cavalo habilidoso, pró- ção. Se esta ocupava a janela de um primeiro andar,
prio para passeio, custava de vinte a trinta mil réis; en- o cavalo, sob a fustigação dos acicates e tendo as rédeas
tretanto, o de corrida variava na estimativa, de quatro- retezas, tornava a empinar, enquanto fôsse retirada a
centos a seiscentos mil réis. oferta. Depois voltava ao ponto primitivo, sempre dan-
do voltas e fazendo piruetas, com as narinas dilatadas
Convém assinalar que entre os cavaleiros, muitos
e a remorder o Íreio. O cavaleiro deveria executar todos
não nutriam a vaidade de retirar a argola, mas a de exi- aqueles exercícios de equitação, conservando duas moe-
bir, de ostentar grandeza e recursos pecuniários. das de prata entre o joelho e a sela, como prova de que
estivera firme como uma rocha, sem o menor desequili-
Nos dias aprazados para o divertimento, os animais
que tinham de tomar parte nas corridas assim se exi- brio no corpo.
biam: ricas selas forradas de veludo, bordadas a ouro, Grande apreço se dava aos que assim se exibiam.
com pregarias de prata; mantas de veludo bordadas a As demais corridas eram de quebra-potes, quartinhas,
ouro, com franjas do mesmo metal; arreios de prata, e etc., mais ou menos como idênticas diversões da atuali-
sôbre a sela uma grande manta, a que davam o nome dade, em que sobressaía o elemento popular. Na última
de — talim, também de veludo, bordada a ouro, com corrida, os cavaleiros, de pistolas em punho, alvejavam
franjas, variando de côres, para cada animal. O condu- máscaras colocadas em determinados pontos, demons-
tor dêste, que acudia pelo nome de — pedestre, vestia trando perícia no jôgo daquelas armas.
calção curto, meias compridas, sapatos de entrada baixa Ésse divertimento durava três dias consecutivos, com
com fivela dourada, colete, jaqueta com galão de ouro o mesmo deslumbramento. A ostentação chegou a ponto
e chapéu de dois bicos. Os heróis das corridas apresen- de se construirem luxuosas propriedades unicamente
tavam-se galantemente uniformizados, todos de veludo para serem habitadas durante as cavalhadas, e, onde se
e ouro, jógo de pistolas na cinta, gorro finíssimo e lança davam grandes funções e opíparos jantares, em honra
de madeira aparelhada de prata. Entre dois postes, com- dos vencedores.
pletamente enfeitados, colocavam uma fita prêsa nas
extremidades, tendo no centro uma argola de ouro, o Bons tempos de antanho! (25)
objeto disputado. O cavaleiro tomava posição, o cavalo
(25) As cavalhadas, essa imitação popular dos aristocrá-
fazia piruetas, ao som da música, empinava, equilibran- ticos torneios, vieram-nos de Portugal, onde, segundo Armando
do-se nas patas trazeiras, ou rodopiava sôbre estas; e, no de Lucena, Arte Popular, vol. II; pgs. 67-72; ainda se praticam.
momento preciso, o animal rompia em vertiginosa car- No Brasil as cavalhadas chegaram a ter brilho extraordi-
reira, e o cavaleiro, de lança em riste, com o olhar fixan- nário nas capitais. Na Bahia eram famosas as de Santo Amaro
da Purificação, levadas a efeito em 2 de fevereiro, dia da pa-
do-se na argola, tirava-a com a ponta da lança.
droeira.
Das cavalhadas do Rio temos a descrição ilustrada de
Urras e palmas vitoriavam o vencedor, enquanto a
Luís Edmundo, em O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis,
música atacava uma peca apropriada. pgs. 161-172.
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pa de algodão manufaturado no país; chegando o apuro A 25 de outubro de 1836 o sino da câmara munici-
ao ponto de vestirem casaca de algodão. Essa severi- pal tocou a rebate, o povo apinhou-se na praca de Palá-
dade de procedimento o patriota conservou enquanto cio, as irmandades compareceram de cruz alçada, e o
vivo. venerando titular, pôsto à frente do movimento, agitan-
do o seu nunca esquecido ramo de cafeeiro, determinou
que a multidão ficasse firme, enquanto conferenciava
com o presidente da província.
O rei D. João VI, procurando meios de obstar a
Decorrido algum tempo, o velho patriota chega à
Indepenâência, resolveu ordenar ao general Madeira que
janela do palácio e proclama: “O presidente não con-
suspendesse as hostilidades. Essa missão foi cometida
corda”, e acenou para a rua direita, hoje rua Chile.
ao marechal de campc Luiz Paulino da França, natural
dêste Estado, deputado às córtes de Lisbôa, onde se mos- O povo tomou o caminho do Campo Santo.
trara contrário ao movimento de liberdade e de autono-
mia do Brasil, o que muitos desgostos lhe havia causado. Aí chegando, deu princípio à demolição, com deses-
pêro inaudito. As mulheres tiravam os panos da Costa
Barata d'Almeida, indignado com o procedimento
e chales, passavam-nos em tôrno às colunas, deitando-
do seu colega de representação, em certo dia, deu-lhe
as por terra. Em pouco tempo tudo se reduzira em
tamanha bofetada, que o fez rolar pelas escadas do
ruínas.
Convento das Necessidades. O representante do povo
castigara o desviado de sua missão. Isto ocorreu em época de espêssas trevas, quando o
povo impunha a sua vontade e fazia respeitá-la.
grande atividade na cabala. Fato interessante era ver fes e copiosas libações pela vitória do dia seguinte. A
o votante todo encadernado de novo, quando, poucas seriedade política fóra sempre um fato averiguado; o
horas antes, mostrava-se-lhe a penúria dos trajos: sa- votante como o eleitor possuiam o sentir de um exército
patos sem graxa, mordendo-lhe os pés; colarinho em disciplinado, difícil de se enumerar uma deserção.
franca luta com a gravata; palitó mal amanhado, de Tomaz d'Aquino Jurema, juiz de paz da Conceição
riscado ou de alpaca ordinária; chapéu desconcertado, da Praia, em estado moribundo, foi cumprir o seu dever
na cabeça; enfim. eis o votante popular, jocosamente político, isto é, votar no candidato do seu partido liberal.
vestido. De volta, chegando à residência, expirou. Se algum ad-
Os conservadores com fumaça de aristocracia im- versário tentava subornar com dinheiro ou corromper
provisada, e os liberais, sempre defensores das liberda- de outro modo, ouvia o seguinte de um pobre plantador
des públicas, sabiam seduzir o vuigacho, e obtinham de capim ou mandioca:
melhor resultado. Suas combucas eram mais frequenta- Sou pobre, não da graça de Deus; tenho muié e fios;
das, ainda por indivíduos que, não tomando parte nc mas não me vendo. Homem não é cachorro.
exercício do voto, todavia, eram adeptos da idéia.
Quanta ingenuidade em comparação com as deser-
Esses formavam a guarda de aspirantes, provectos ções de hoje!
manejadores do cacête, como prova de dedicação na fal-
Chegado que fôsse o dia da eleição, estavam as hos-
ta de outra melhor, à causa do partido.
tes preparadas para a luta: cada partido arregimentava
A capoeira fôra sempre figura indispensável nos o seu pessoal. composto de votantes, turbulentos, capo-
pleitos eleitorais, fazendo respeitar a opinião do correli- eiras e aderentes. Todos a postos, começava a chamada,
gionário, provocando a desordem, sempre que se fazia no corpo da matriz da paróquia. Na ocasião aprazada,
necessário; esvancando o adversário e contribuindo dês- dava-se um conflito, era o meio de perturbar a eleição.
se modo para a formação da Câmara dos Fagundes. Mo- Chamava-se um cidadão para votar; o grupo político
chibas e Vermelhos (liberais e conservadores) não se co- que dispunha de maior número de desordeiros, gritava:
nheciam durante o pleito; evitavam-se para não desper- — E' fósforo! — Não é! — E fechava-se o tempo...
tar suspeita, Entretanto, uns e outros se vigiavam, à Gritos, protestos, doestos, uma vozeria ensurdecedora,
espreita de alguma ovelha tresmalhada do rebanho ad- e, por fim recorriam ao argumento decisivo — o ca-
verso, a qual pudesse ser cnamada ao aprisco contrário, cête; e o sangue dos partidários ensopava as lages do
por ardís políticos, muito em ação na época. E, por isso, templo, que era alguma vez interdicto pela autoridade
consideravam de boa estratégia política um votante ser diocesana.
guardado na combuca, até a hora de ser chamado, sendo
Aproveitando a confusão do momento, o votante
escoltado até as urnas. Nos primeiros dias de chamada
mais sagaz introduzia na urna um maço de chapas.
dos votantes, apresentavam-se nas combucas mesas
Chamava-se esta ação — emprenhar a urna. De modo
lautas; à noite, eram ceias imponentes, ardorosas modi-
nhas, cantadas ao som de violões e outros instrumentos;
que a vitória das urnas estava na razão de quem dispu-
nha dos maiores elementos de desordem, fôssem paisa-
discursos, improvisos entusiásticos, saudações aos che-
nos ou fôssem militares.
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O conselheiro Dantas, com o seu estado-maior, a ca, seguiam em cumprimento aos correligionários, sen-
carro, visitava as paróquias, animando com sua presen- do recebidos com foguetes e atroadoras aclamações.
ça os correligionários, no resultado do pleito. Eram obsequiados com bebidas, doces, etc.
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Na mesma ocasião, o poeta acadêmico Aprígio de (*) Aludia à legenda de “Voluntário da Pátria” que os ofi-
Menezes também saudou os voluntários: ciais e praças traziam, no braço esquerdo.
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A academia de medicina também quis pagar à pá- O embarque de tropas constituia um dia de festa,
tria o seu tributo de sangue; e assim foi que, em agósto tal a certeza, nutrida por todos, na bravura excepcional
do mesmo ano, seguiram professores e estudantes, com do povo baiano.
destino aos hospitais da campanha. Rozendo Moniz, ao As escolas e outros estabelecimentos públicos não
despedir-se dos colegas, assim falou: funcionavam. Enfeitavam-se as ruas de arcos triunfais
e bandeiras nacicnais erguiam-se em todos os pontos,
“Colegas ! o brado ouvistes como lembrança aos que partiam, em sua desafronta.
que entre nós veio ecoar
Colchas ornavam as janelas, e, apesar de todos ês-
do lar das letras saistes
ses tons de alegria que se casavam às notas dos instru-
para as balas arrostar !
mentos marciais, divisava-se em todos os semblantes
Para nós é dupla a glória:
um sentimento de tristeza, nos que iam levar aos ami-
levais no peito a vitória,
gos ou parentes a última despedida, certos, embora, de
levais na fronte o saber;
que acima de tudo estava o desagravo da pátria. As ban-
empunhando o livro e a espada
das de música tocavam dobrados alegres, trechos esco-
da Medicina a Cruzada
lhidos das melhores óperas. O Arsenal de Marinha, pon-
vai para curar e vencer.
to de embarque, apinhava-se de povo, que sorria com o
coração chorando. Dir-se-ia que essa expansão de con-
Quem não inveja êsses louros,
tentamento e de justa alegria confortava a ausência dos
ganhos ao gênio do mal?
filhos, maridos, irmãos, amigos e pais, que se retiravam
São troféus imorredouros
para o campo da luta, entre as saudades dos que dei-
dos combates do hospital.
xavam, talvez para sempre, dominados pelo cumpri-
Voluntarios acadêmicos,
mento de um dever cívico.
nos sintomas epidêmicos
que o pavor as almas trás, Depois, a população entregava-se a uma prostração
mostrai ao vosso doente de melancolia; daí as modinhas sentimentais, que tanto
que essa guerra é mais decente abundavam, na época.
que a vergonha de uma paz”. José de Soúza Aragão e Tito Lívio, de Cachoeira,
com suas endechas levavam doce lenitivo à saudade des
O imperador havia seguido, em 10 de julho de 1865, que ficavam.
para o teatro da guerra, proferindo estas memoráveis
José Bruno Correia tornou-se popular com a sua
palavras:
composição — O Proscrito, cuja letra é a seguinte:
“Parto. Levo na minha pessoa a garantia do triun-
fo”. Esse ato de abnegação de S. M., trocando o con- Tão longe da pátria, proscrito, exilado,
fórto e as comodidades do paço pelas asperezas de uma Viver desgraçado, prefiro morrer !
tenda de campanha, por certo entusiasmou o povo Bra- Mandou-me a desdita, tal é minha sorte,
sileiro. Só tenho por norte, penúria e sofrer.
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Então se, na terra, lembrar-me algum dia, Deixarci essa vida tristonha,
Daquela em que eu via risonho porvir!... Vou os brios da pátria vingar;
Se ainda, coitada, tiver-me na mente Defendendo a nacão Brasileira
Talvez, ah! bem crente que eu devia existir. Hei de minha existência findar.
Que os mares procure, e aí suas queixas, Após avultadas levas de voluntários, seguiram as
Em ternas endechas, confira a solidão; primeiras remessas de contingentes de guardas nacio-
E as ondas gementes dir-lhe-ão em segredo: nais. Felizmente o ato patriótico da Bahia íôra grande-
Meu triste degredo, meus males de então. (*) mente produtivo, pois outras províncias a imitaram.
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Cairá p'ra glória nossa, ro”, “Barroso” e “Tamandaré”, os primeiros dessa na-
A gente vil de Lopez; tureza que serviram nas operações da guerra; e Angelo
Ésse sicário que ostenta, Moniz da Silva Ferraz, que na pasta da Guerra, acompa-
Sôbre os roubos, altivez. nhou o monarca ao campo de batalha, assistiu à rendição
de Uruguaiana, providenciando, com energia, acerca das
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MANUEL QUERINO
A BAHIA DE OUTRORA
Castro Alves solicitava um óbulo para os desvalidos, re- A intrepiãez, o desprendimento da vida, o sangue
citando — O Livro e a América. frio, o arrojo de planos grandiosos e a pronta execução
dêéles fizeram do general Argólo um astro luminoso nos
Nos grandes feitos celebrados na campanha, a Ba- acontecimentos da guerra, a refletir as glórias imorre-
hia foi sempre vitoriosa, não só pelo grande número de douras da Bahia. O general em chefe do exército em
combatentes que fornecera, mas ainda pela bravura de operações assim se manifestou a respeito do fato, na
seus filhos. Ordem do Dia n. 212 de 14 de janeiro de 1869:
A República Argentina e a do Uruguai criaram me-
“Reconhece dever ao general Argôlo a execução
dalhas comemorativas para distinguir o valor dos he-
dêsse trabalho, que constitue uma verdadeira vitória es-
róis; e o govêrno imperial concedeu condecoração às
tratégica, o ter-se aberto em 23 dias uma estrada larga
bandeiras dos corpos que em maior número de combates
e cômoda, com estivas de considerável extensão e duas
entraram, portando-se sempre com dedicação e bravu-
pontes; estrada que evitava os efeitos da artilharia de
ra. Pois bem: a Bahia participou de tôdas essas honra-
Angustura e permitiu levar o exército à retaguarda das
rias, prestadas aos defensores da Pátria.
fortificações inimigas.
Em outubro de 1868, combinada a ação da passa-
gem de Humaitá, entrava nesse plano o meio de atraves-
No trabalho insano da abertura da estrada pelo Cha-
sar o Chaco de Santa Tereza, com o fim de cortar a re- co, exibiu o exmo. sr. marechal Argólo provas tais de seu
taguarda do inimigo. tino e perícia, de sua perseverança e de sua prodígiosa
atividade, que só por êle tornaria a memória de seu
O rio era tão fundo que os monitores encostavam nome, indelével, na história da guerra”.
na barranca,
Em abril de 1869 chegou a esta capital o valoroso
Reunido o conselho de generais para deliberar a
cabo de guerra, visconde de Itaparica, sendo recebido com
respeito do assunto, terminou por não encontrar meios
a maior efusão de contentamento. A imprensa cobriu-o
de realizá-lo.
de louvores,
Convencidos todos da ineficácia da temerosa em-
A “Bahia Ilustrada” assim se referiu ao grande ba-
prêsa, o general Argôlo assim se pronunciou: “Se é pos-
talhador: “Folga, S. Salvador, predileta das letras e do
sível, está feito; se impossível, há de fazer-se”. E o im-
trabalho; folga, Bahia, terra donde surgem os ilustres e
possível tornou-se possível. Tudo cedeu ao mando im-
valentes guerreiros.
perioso do gênio militar. Subjugaram-se as selvas, trans-
puzeram-se os pântanos do Chaco, e o general Argólo, Sôbre os louros da glória, sôbre êsses louros imar-
com três mil homens, executou a espantosa emprêsa. cessíveis que te cingem as têmporas, esparze as rosas
Construiram sóbre o rio uma ponte de troncos de co- festivais! Filhas da Bahia, entoai hinos sonoros, tangei
queiros, e, por ela passou todo o exército, inclusive a ar- celígenas sinfonias !
tilharia. Quantos baianos, obscuras praças de pré, cai-
ram no campo da batalha, satisfeitos do dever cumpri- Trajai galas, anjos da nossa terra, e, ao som de or-
de li-
do, sem terem uma só vez voltado as costas ao inimigo ? questras afinadas, voai nas dansas, oh ! prodígios
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geireza graciosa, oh! prodígios de enlevo e de formusura das do edifício da Câmara Municipal foram colocados
fascinante |! painéis pintados pelo artista Tito Capinam, represen-
tando os diversos combates havidos, dos quais o Brasil
Mancebos consagrados à divina poesia, oh ! filhos de
saíu vencedor.
Moniz e Pedra Branca, tornai-vos ébrios, loucos de entu-
siasmo e cantai epinícios surpreendentes. Aureolado Com a chegada dos batalhões de voluntários, de
pela glória, onulento de louros ópimos, farto de vitórias, volta do teatro da guerra, a população recebeu-os con-
coberto de honorificentíssimas condecorações, e com dignamente, vitoriando-os, pelos louros alcançados, ine-
uma ferida que é a mutra da sua intrepidez e bravura, briante de contentamento, bendizendo a fortuna dos que
acha-se entre nós o famoso baiano, o herói do Chaco, o escaparam com vida. O govêrno imperial, com o decreto
imorredouro Alexandre Gomes de Argôlo Ferrão, vis- de 7 de janeiro de 1865, concitou o patriotismo dos cida-
conde de Itaparica ! dãos para a luta, no intúito de organizar um exército
numeroso. Os cidadãos cumpriram o seu dever; o govêr-
Alegrai-vos todos que o piedoso arcanjo que vela
no, porém, não correspondeu ao sacrifício; não conce-
pelos homens arrancou seus dias dentre os braços inexo-
deu as terras prometidas, sob o pretexto de não serem
ráveis da lutífica tesoura da triste parca. O ilustre bra-
vendidas aos estrangeiros; e nos cargos públicos, rara-
zão, honra e glória da Bahia, ergue-se das bordas do
mente os veteranos foram preferidos. Depois de mais
ataúde, e veiu dar-nos aquêle abraço fraternal que tanto
nos orgulha e sensibiliza.
de quarenta anos, é que os poucos sobreviventes dessa
cruzada estão percebendo o sóldo de suas patentes pela
A intrepidez, o sangue frio, o denôdo, a heroicidade tabela antiga. No entanto, os que não experimentaram
do visconde de Itaparica igualam a sua inteligência vi- os trabalhos da guerra e desconhecem o cheiro da pól-
gorosa, à nobreza de sua alma, e ao amor grandioso em vora nos combates, vencem, no quartel da saúde, um
que êste se abraza pela pátria, e o fizeram assumir pro- sôldo cinco vezes maior do que aquêles. Já o dizia
porções gigantescas, legendárias nessa guerra, que tão alguém:
brilhantemente sustentamos. Por isso, a pátria, nes
seus arroubos de gratidão, aclama-o Benemérito; o povo, “As guerras começam pela ambição dos principes,
e findam pela desgraça dos povos”.
nos vôos do pasmo e admiração, cnama-o herói; e a his-
tória, nas suas severas e imparciais apreciações, contem-
pla-o no elenco dos generais que lhe" iluminaram as
páginas majestosas”.
Terminada a guerra, com a morte do tirano Fran-
cisco Solano Lopez, a 1.º de março de 1870, o povo exul-
tou de alegria; embandeiramentos em profusão, missas
em ação de graças, iluminação por tôda a parte, cartas
cem
de alforrias concedidas a escravisados, tudo isso come- A
capítulo foi lido em uma das palestras
morou o acontecimento há muito almejado. Nas arca- NOTA — Este
Instituto Histórico e Geográfico.
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ri str o AS BANIAS
DLC ANA
Se o cantar não der alívio
Não cante mais, vá embora.
Muitas vezes acontecia reunirem dois ou mais gru-
Todos—
pos de passeantes, e então, a pândega tomava propor-
ções colossais. Senhoritas e matronas respeitáveis to- Ora, adeus meu benzinho, etc.
cavam pandeiros, dansavam iundú de modo arrebata-
dor. Os rapazes se exibiam na roda com certa elegân- Uns gostam de muito gorda,
cia; assim tambem graves chefes de família, por sua Outros de poucas gorduras...
vez, não matavam ociosamente o tempo.
Todos—
Isso prova que o lundú tem seus atrativos. Antes
que alguém saisse na roda entoavam quadrinhas, como Ora, adeus meu benzinho, etc.
estas: Eu gosto de gorda e magra
Pois tôcas são criaturas.
Iaiá não mate seu negro,
Que bem caro lhe custou;
Todos—
Ele veste camisa gomada,
Meia lavada, cnapeu de castor. Ora, adeus meu benzinho, etc.
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cantores de modinhas, recitadores do Noivado no Sepul- Tão longe de mim distante, Vai cruel em braços doutros,
cro, Era no Outono, e mais a onda de curiosos aprecia- Rosto d'anjo, Prazeres que eu não sonhava, Resposta ao
dores dêsses cescantes, que no momento preciso esta- Trovador, etc eram ouvidas entre os aplausos mais calo-
vam a postos. rosos.
Essas noites conservaram-se sempre muito anima- Seguiam-se os comentários.
das, até à proclamação da República, quando um dos
— E' verdade. isto é voz !
primeiros governadores entendeu de dissolver aquêles
pacíficos ajuntamentos, com receio da reprodução das — Qual, caía-lhe o queixo se ouvisse o Totônio das
graves correrias que assinalaram os primeiros dias do Candeias ou o Camilo peito de bronze do Pau Miúdo.
novo regimen. As nove horas da noite, quem penetras- Aquela voz parece melado de pingos d'ovos a escorrer.
se nos lugares acima observava o seguinte: um grupo E que me diz ão ucompanhamento do Elói beiçola ou do
se entretinha a jogar o três sete, mudos como uma es- Chico dedo de ouro ? Ah! êsses são mestres de violão.
finge, a fazerem sinais com as cartas, com o olhar ou
E o
diálogo prosseguia nêsse diapasão, em que se
com gesticulação combinada, enquanto pontas acesas
fazia a apologia dos cantores e tocadores, vivos mortos
de cigarros baratos fumegavam nas extremidades da
ou desterrados ptia polícia, para outros climas,
mesa. Aqui, alguns dividiam bebidas: são os que estão
de cabeca inchada e peito ferido. Alí, outros assentados Indiferentes àquelas manifestações da música po-
aplaudem os triunfadores da noite. Acolá, estão os tro- pular levantava-se a um canto da sala, mal iluminada,
vadores que, em surdina, davam o tom aos tocadores de certa vozeria — eram os jogadores de víspora, em que
violão, para comêço da cantoria. As vezes, nessa ques- o chocalhar do bozó não permitia a audição clara do nú-
tão de dar o tom. consumia-se largo tempo, pois não mero cantado.
descansavam as craveiras do popular instrumento
Os trovadores de esquina vinham-se aproximando,
baiano.
e de certa hora em diante, quantos quisessem tinham en-
Em compensação, porém, havia trovadores, entendi- trada no botequim. Não faltavam os discursadores, por-
dos em música, que, antes de fazer ouvir a sua possante que até então discurso e poesia era com o povo da Bahia.
e afinada voz, diziam para o instrumentista: — “Pri-
Encostado às portas ou janelas, dava o cantor de se-
meira parte, lá menor e o alegro mi-bemol”. O tocador
renatas lenitivo às suas máguas, às suas queixas de
fazia vibrar as cordas em escalas ascendentes e descen-
dentes, rormando depois os tons indicados. De vez em amor.
quando penetrava no botequim um indivíduo muito Os aplausos não se demoravam, conforme as im-
cfegante e apressado, pedindo notícias do mocotó. Ainda pressões do auditório.
é cedo, volte mais tarde, querendo, respondia pausada-
mente, c donc da casa.
As janelas se abriam, umas francamente, outras,
a furto. Quem estava de peito ferido cantava ou pedia
Das dez heras em diante começava a folia. As madi- para a modinha favorita, aquela que mais
preferência
nhas Gigante de pedra, Virgem Santa, Belas Baianas, lhe aguçava o sentimentalismo. fisses divertimentos não
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O MOCOTÓ e
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tada a luz pelo azeite de oliveira ou pelo de mamona, Sórdida trouxa de panos
conforme a situação pecuniária do casal, Existiam, ain- Intitulada balão !
da as velas de sébo e de carnaúba, de fabricação nacio- Oh ! invento dos tiranos
nal, e que foram desbancadas, há pouco. Que fez da mulher fogão,
E a meteu entre abanos:
Até nos brindes de mesa, se fazia alusão ao grande
melhoramento.
Que pelas ruas dansando,
Não raro se ouviam, nos jantares festivos, estas qua-
Com as cadeiras postiças,
dras:
Vao tal geito ao corpo dando,
Que vistas julgam massiças
Temos estradas de ferro, Os que se vão enganando.
Para irmos passeiar,
Temos gás por toda rua
Para nos alumiar.
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O Eterno — Adão, tu, pela desobediência, não ou- Afinal, descobre a morada do carpinteiro, entrando
viste meus preceitos. Andarás com a enxada trabalhan- logo em ajuste com a senhora Marta, a respeito da fa-
do para te poderes manter. Eva, com o fuso e roca, o tura da barca, pelo preço de trezentos mil e novecentos.
mesmo há de fazer.
Chegam os serradores de madeira da barca, e co-
meça o trabalho de construção.
ADÃO É EXPULSO DO PARAÍSO
Neste interim, aparece um caboclo, embriagado,
Divisão das terras monta na serra, impedindo o trabalho e exclama: Não
se serra mais aqui; porque, o pai, o tôco do pau, o cava-
co do pau e o farelo, tudo é meu e de meu amo.
Na divisão das terras, Caim mata a Abel, no que é
repreendido pelo Padre Eterno, que o amaldiçõa, en- Dá-se um conflito, no qual o caboclo faz proezas.
quanto Abel é glerificado pelos anjos, que o levam, can- Depois surge a barca e o senhor Manuel Goncalves
tando : faz entrega dela ao senhor Noé da Costa, que lhe resti-
tui o valor aiustado. Noé da Costa convida À tôdas as
“viva, viva, viva quem de glória se vê coroado, já nessuas presentes nara se recolherem na barca, dizendo:
que no céu triunfa a suma bondade, dessa claridade, “Embarque, embarque, senhora Marta que ai vem o
triunfo maior não pode haver”. dilúvie”.
Chegam compradores das terras, e em companhia A velha regateira de cavona responde: “Espere, se-
dêstes vem Satanás, cognominado — Compra Barulho nher Noé, deixe fazer o meu testamento”.
ao qual, Caim se acovarda. a Com essa demora desencadeiam-se os elementos:
,
trovão, raios & coriscos, no meio dos quais embarcam a
Aquele conduz um facho aceso, e, de vez em quan-
senhora Marta e um casal de animais de cada espécie.
do, encosta o facho em Caim, que, não satisfeito com a ““erminava a representação com um soberbo sam-
pilhéria, reclama, dizendo: Chegue-se para lá, olhe que
ba, (25;
eu não quero brinquedo de fogo comigo. Trava-se luta,
e, no meio dela, Caim é arrebatado pelo Diabo, envolvi-
do em nuvens de enxofre, com enorme algazarra.
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peza pública, fazendo desaparecer a vegetação dos muros As lojas do comércio brasileiro:
e da beira dos telhados. Escovem-se as caponas, e se remendem,
Velhos façam a barba; as mocas, comam
Dentro em pouco tempo, a cidade tomou novo as- De sepo, e fitas se lhe façam ornadas,
pecto. Costureiras, alfaiates, pedreiros, carpinas, enfim, Coletes de três terças e dois palmos,
operários de toda a espécie viram-se assoberbados de tra- Gravatas grandes, de atrevidas pontas.
balho. O Palácio do Govêrno passou por grande refor-
Calças estreitas de fivela e cós,
ma, sendo dotado de mobiliário novo, reposteiros, colchas
Que cem anos já têm, se escovem hoje;
e tudo mais que necessário se tornava para iludir o olhar
Chapéus sem abas, de afiladas copas,
do imperante.
Camisas grandes, que a canela roçam
Afinal, no mês de outubro de 1859, ancorou, no pôr- Tudo veja contente a luz do dia.
to, a embarcação que conduzia os augustos viajantes, se- E o grande arsenal se apinhe de povo;
guindo-se o desembarque, no arsenal de marinha, com Não entrem negros que não têm monarca,
tódas as honras do protocolo oficial. Acompanhados de Os pobres também não, que não têm rei”.
sua comitiva, todo mundo oficial e grande massa de povo,
subiram todos a ladeira da Conceição, recebendo no per- E dêsse modo foi o poeta fazendo referências a tudo
curso, calorosas aclamações, que se confundiam com as mais quanto entendeu :
notas estridentes das músicas marciais.
Inimigo da república
No largo do Teatro, nas imediações do Curiachito, Sei os males qu'ela trás:
armaram rico docél, onde o imperante descansou, e ai Trucar o bem pelo mal,
recebeu as chaves da cidade das mãos do presidente da Eu, senhor, não sou capaz.
Câmara Municipal, que compareceu incorporada. Oh! senhor, muito atrasado
Vai êste ramo primeiro
Daí partiram os soberanos para o Palácio do Govêr-
Da brilhante mocidade
no, sempre aclaniados pela multidão, entre alas de bata-
Do império brasileiro.
lnões da guarda-nacional e de primeira linha. Pouco de-
pois recebiam suas majestades os cumprimentos da socie-
dade baiana, representada em suas diversas classes. João
Nepomuceno da Silva, o poeta graxeiro, apresentou um
Relatório Poético, em estilo satírico dando conta do que Primeiro que os professores
se tornava necessário melhorar. Dão lição lá nas escolas,
De manhã de chambre velho
E, no prólogo do livro, assim se enunciou: De tarde de camisolas.
O café, que não ilude, Cazuza, que caixeiro inda ontem era,
Parece água barrenta Hoje senhor José cumprimentado,
E” café que o mal aumenta, Em seu rico escritório. Ah! Costa d'Africa
Bem adverso à saúde. Ah chanchan! papel falso a coisa sois
O mingau parece grude Destas fidalgas orgulhosas pompas,
Feito dágua e farinha, E nós só para guardas nacionais!
Raio caldo de galinha
Bem picado de vinagre:
Parece tripa de bagre
Misturada com sardinha.
E termina o relatório assim :
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Senhor, por quem és, tem dó! ve cavalhadas, na Feira de Santana, os imperantes dot-
Eu para mim nada quero, miram numa cama de jacarandá, pertencente ao coro-
Só te imploro, só espero nel Afonso Pedrcira, que é uma maravilha no gênero,
Para êles socorro — só. executada pelo artista Roque.
Costumes familiares
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sapatos de entrada baixa, de verniz, com fivela dourada; mais importantes dos respectivos quarteirões, principal-
bengala de castão de ouro, casaca ou sobrecasaca, con- mente os que se relacionavam com as fraquezas da vida
forme a exigência da etiqueta, e, em dia de grande gala, pública e particular das pessoas mais salientes.
vraziam chapéu de dois bicos.
Dava-se uma luta entre familias e cada uma punha
A moda das calças de alçapão, como ainda usam os em relêvo a sua importância social. Isto ficava apurado
marinheiros, só foi introduzida no Brasil, depois de 1840. logo, mas era preciso conhecer-se o lado fraco e procu-
As boticas, hoje farmácias, constituiam verdadeiros rava-se o homem do arquivo. Éste, com a melhor vonta-
centros de tramas revolucionárias ou políticas e pontos de abria o seu caderno e discorria sôbre o assunto: “fu-
de palestra sôbre a vida alheia; os frequentadores diver- lano nasceu em tal tempo, seus pais foram fulano e fu-
tiam-se jogando gamão. A botica era uma espécie de im- lana; sua avó escrava e por vezes levou surra.
prensa falante; e umas melhores informadas do que ou-
Teve um tio que cumpriu sentença, por êste ou
tras, conforme o pessoal que as frequentava.
aquele crime, Ou então: fulano, que está hoje figurando
*4%
como gente, é filho de mulher escrava, que fugiu do en-
genho, ainda rapariga nova; veio para aqui, a sorte cor-
Em outras épocas, as distrações familiares não iam reu-lhe a mil maravilhas, os filhos já estavam bem ar-
uiém da — Roda, Cirandinha, Padre Cura, Senhora Dona ranjados, quando apareceu o senhorio. Houve uma luta
Sancha, Canivetinho, etc. Era um elemento complemen- tremenda para que tudo ficasse em sigilo, como, de fato,
rar da educação feminina. Havia antigamente as casas ficou devido a muitos empenhos e considerável soma de
de mestras, onde se ensinavam costuras de todo o gênero, dinheiro”.
como fossem: bordados, rendas de almofada, bordado a Era isso nos tempos do obscurantismo. Hoje, o ho-
ouro, sapatos de lã e muitos outros trabalhos de valor mem do arquivo está vantajosamente substituido pelo
apreciável. Como incentivo da aprendizagem, não falta- anonimato das colunas de ferro dos jornais, e não falta
vam os beliscões, o olhar indicativo do que a mestra de- quem se entregue à faina de revolver coleções quinque-
sejava, e o célebre limão colocado abaixo do queijo, para genárias de periódicos para desentranhar às vezes uma
que a discípula não distraisse o olhar da costura, calúnia.
Os rapazes, até aos dezoito anos, ficavam inativos,
sem ocupação outra que não fosse aprender a ler,
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Amigos e companheiros,
Todos —
Vira, vira, vira,
Papagaio, periquito etc. Companheiros, vira!
On ! que belo marinheiro !
— Peço a palavra, diz um conviva. Vou brindar, Como trepa tão ligeiro!
meus senhores, à cozinheira, pelo agradável prazer que
nos está dando, com os seus apreciados quitutes. Quem fôr covarde
— Pela ordem, exclama outro: o brinde da cozinhei- Saia da mesa,
ra há de ser concluído com uma canção, ei-la: Que a nossa emprêsa
Requer valor — (bis)
O vinho é coisa santa,
Nascida da cêpa torta; Vira, vira, vira, companheiros, vira.
Que a uns faz perder o tino,
Bebem todos alegremente, continua o alvoróço, di-
A outros errar a porta.
versos convivas falam ao mesmo tempo; os que estão
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E glosou:
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neação, etc, provocando destarte estrepitosas gargalha- dos a caráter, entoavam seus cânticos especiais, seguidos
lhadas do observador. Chegado ao largo do Papagaio, o de grande acompanhamento de populares.
voluntário Luciano das Virgens armou a barraca, e do Mercadores ambulantes forneciam, por preços ac-
melhor modo, rendeu graças ao Senhor do Bonfim, por cessíveis a tôdas as bolsas, medidas e registos dos mais
ter escapado de tantos perigos experimentados. Assim simples aos mais enfeitados de ouro.
tiveram origem os festejos da segunda-feira do Bonfim.
À cidade por assim dizer, despovoava-se. Cavaleiros,
Dessa data em diante começaram de afluir ao arra- grupos musicais, famílias, todos concorriam para o mais
balde pequenos grupos e que, proporcionalmente, foram suntuoso brilho das diversões.
aumentando. No dia aprazado, logo pela manhã, davam A todo momento se ouvia:
comêço à romaria.
O largo da Ribeira ficava apinhado de gente, de Se surgia um borracho cambaleando, bradava logo
modo que dificilmente era aí o trânsito permitido. Gru- um popular: “Oh! que rua mal calçada!
pos enfileirados, formando cordões, cantando e tocando, Alí era um rancho, que cheio de animação, desfi-
a custo podiam romper a compacta massa de povo, Os lava, cantando:
estabelecimentos bancários e comerciais, fábricas, re-
partições públicas, enfim, todos os ramos de atividade, Cheguei, cheguei,
eram paralisados pelo feriado popular. O povo, numa Cheguei, agora
alegria irreprimível, assemelhava-se a crianças em re- Cheguei, e neste instante
creio. Os ranchos de reis percorriam o arrabalde, vesti- Andorinha vai embora,
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Muita vez maltratavam os mensageiros, tornavam- Nessas alegres refeições, apenas tomavam parte ca-
se exigentes, o que os obrigavam a grandes promessas, e valheiros. Subiam de importância êsses banquetes, quan-
afinal cediam. do ao Laborão se juntavam o Campante e o Batoque, aos
quais eram dirigidos convites especiais.
Vinha o Laborão trajando roupa branca, em dia
chuvoso, cavalgando árdego poldro. Estes compareciam cavalgando bons animais e acom-
Percebida que fosse pelos fidalgos a aproximação panhados de pagens. Tais eram as libações a que se en-
do bôbo, imediatamente mandavam soltar uma égua, tregavam os bobos, que afinal, se embriagavam, e, nestas
para além da porteira ou cancela do engenho. condições, se tornavam insolentes. Nessa ocasião eram
os criados chamados a introduzirem os bobos, em sacos
O encontro dos animais enfurecidos punha o bôbo vasios de açúcar, e grande era a relutância em se deixa-
cavaleiro em palpos de aranha, rem prender. Isto feito, esturgia a galhofa e Campante,
E" fácil imaginar a colisão e o perigo a que expu- Laborão e Batoque, para se livrarem do saco — miavam,
nham o pobre bôbo, o qual fazia esforços ginásticos para rinchavam, cacarejavam, grunhiam, enfim imitavam
se ver livre de tão inesperada agressão, embora tivesse a tudo quanto lhes fôsse ordenado.
roupa branca amarfanhada. Os fidalgos riam a bandeiras
Enfadados daquelas cenas grotescas, mandavam os
despregadas, e o arlequim, bastante intrigado transpu-
fidalgos colocar nos quatro ângulos da sala de jantar ba-
nha o nobre solar, maldizendo a sua sorte, e ao mesmo
cias ou vasos com vinho, e davam ordem:
tempo bradando contra tudo, sem esquecer alguns im-
propérios, proferidos a esmo, porém, que eram recebidos — Vão pastar.
sem ofensa,
Os bobos punham-se de quatro pés, dando coices e
Para abrandar tamanha cólera, mandavam servir
mordendo uns aos outros ,terminando por beberem o vi-
bebidas ao bôbo e oferecer-lhe novas roupas; e como estas
nho dos vasos, como se fossem animais, na manjedoura.
não se ajustavam bem, explodia a gargalhada. A mesa
do jantar, a fidalguia punha em atividade todos os re- Laborão chamava-se fuão Carneiro.
cursos, de sorte que o bôbo emprestasse a maior anima-
ção âquêle íntimo ágape. Só êste tinha o direito de falar, Entenderam que sua mulher devera ser tratada por
discutir, ralhar com eriados, dizer graçolas às mucambas. — Ovelha, o que fazia o bôbo exasperar-se.
Se aparecia alguma pessoa extranha e fazia uma Foi o caso que, estando presentes pessoas estranhas,
saúde, o bôbo era obrigado a corresponder ao brinde, com um dos fidalgos dirigiu-se a uma delas, mais ou menos,
uma saraivada de asneiras, improvisadas de momento e nestes têrmos: “Meu bom amigo, necessito de um favor
proferidas com ênfase, o que provocava francas risadas
seu. O Laborão é um grande criador, especialista em ove-
e aplausos das pessoas presentes. Os jantares sucediam-
lhas de raça; já me tem feito oferecimento de diversas,
se, diáriamente, na vivenda dos outros fidalgos, assim
não faltasse o espírito ao bôbo.
porém, preciso ainda de mais uma para o Barão de Be-
lém, Quando estivermos à mesa peça-lhe, como favor
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A BAHIA DE OUTRORA
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O
MANUEL QUERINO
>
sada, os ovos cozidos, e à sobremesa o melado polvilhado
com a torrada farinha de mandioca. Hoje um homem
senta-se à mesa e o criado serve-lhe potage à la Reine,
salmis de pigeons e salada de mâãches. Levanta-se satis-
feito, depois de ter mastigado pomes; toma café com co-
nhaque e fuma charuto fabricado em Maragogipe, mas
que lhe foi vendido como puro havano. Não dorme à
sesta, nem usa pomada de cheiro no cabelo. Vai ao lírico,
ao cinema. e, como é perfeito em tudo, dança two step e
ridiculariza a velhinha que reza em seu rosário.
Tudo isto é bom. Mas eu, que fui criado vendo o an-
dador das almas pedindo — uma esmola para as almas
santas e benditas do purgatório, nas segundas-feiras,
metido em sua capa verde e com a bolsa com a estampa
de prata para a gente beijar, tenho saudade dêsses dias
que passaram na voragem do tempo.
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO a
Não há mais nada disso; tudo se afundou pela guela três pancadas, completava o físico do cantor. Metido em
do minotáuro que inventou os pórticos iônicos e os ele- uns chinelos sem meias e de paletó de pano leve, tinha
vadores elétricos. De si nada ficou. As revistas não reco- mais importância do que um rei. Si não era charuteiro
lheram as suas silhuetas nem a imprensa o seu perpas- ou marcineiro, era oficial de a!'faiate. De dia, de pernas
sar pelas ruas, trançadas, assobiando, cosia calças de sedan ou pos-
Entre êsses tipos que floresceram no tempo dos cos- ponta a sobre-casaca de pano fino do comendador dos
moramas, com realejo à porta, sobressaia pela sua im- Anzóis, freguês de tenda; mas, à noite... não chegava
portância originária o Cantor de modinhas. Si a tanto para quem o queria.
me ajudar o engenho e a arte, como disse o namorado
Batizado nas Sete Portas, ma Quinta das Beatas ou
de à. Catarina de Ataíde, talvez... Não, não! Só as cem-
no Tororó que êle não estivesse, não prestava; aniversá-
petências poderão traçar-lhe o perfil...
rio sem a sua presença, não tinha graça. Era a vida das
Hoje... E digam as Musas o que era o Cantor de mo- funções e a alma das reuniões.
dinhas nessas nojtes deliciosas da eterna primavera de
nossa terra! Ah! O Cantor de modinhas! O progresso es- Nêsse tempo estava em moda, entre outras cantigas,
trangulou-o de uma vez, para que não proliferasse, como As Baianas. Era cantada em tôdas as casas e batida em
os cogumetos no campo. Hoje não há um só para remédio! todos os pianos. Todo moleque assobiava e tóda mocinha
trinava-a à costura.
Fizesse luar ou a terra estivesse alumiada pela via-
lactea ou Saturno ou Urano, nos sábados, às dez horas, Parecia uma praga, mas que a ninguém incomodava.
quando as vendas fechavam-se e as Lílias iam dormir, o Nas suas serenatas o Cantor não podia deixar de acordar
cantor aparecia, e na primeira esquina, encostado ao os euros com suas notas plangentes, contando as graças
frade, depois de temperar a garganta, e o acompanhador da mulher baiana, mormente se êle sentia que se abria
afinar o pinho, abria o éco e ninguém podia resistir, si uma janela e um vulto meio oculto aparecia para escutá-
o pândego era senhor do ofício. Da meia noite em diante, lo. Sua imaginação exaltava-se, supondo alguma Márcia
em pouco tomado, as cordas do violão ou do cavaquinho apaixonada de sua vôz, quando não de sua pessoa ga-
gemiam, e êle, com o lenço amarrado no pescoço e a lante e correta, como de cabra que se preza e sabe o valor
ponta do cigarro detrás àa orelha, dava as notas mais que tem,
sentidas, arrancadas do coração, naturalmente, sem es-
forço. Levantando o diapasão, meia oitava acima, mirando
a lua ou a estréla do pastor errante, numa posição de
Ninguém o confundia com outro ser; era sui generis.
Quasi sempre era um cabra, altura regular, magro, per- Simplício jurando uma eternidade de amor, ao acompa-
nas finas e pescoço comprido, olhar vivo e boca rasgada, nhamento da prima e do bordão desfazia-se todo. E então
muito pernóstico e usando bem alto topete, com a es- ninguém lhe vencia — ninguém — nem o tenor do tea-
trada da liberdade sem uma curva. O chapéu deitado a tro, nem o tiple que no côro da igreja grasnava correta-
tamente o solo.
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o A BAHIA DE QUTRORA MANUEL QUERINO
Era um gósto vê-lo e ainda mais ouvi-lo, mão no bolso E tomando outra atitude, marcando o compasso com
das calças, o cacete em baixo do braço. O companheiro, o pé, num alegro febril, entra no estribilho:
o rapaz do violão, era a sombra de seu corpo.
“Quem há que escutando seu canto melífluo
Aonde um ia o outro estava: eram insuperáveis
Não julgue expandir-se num céu de prazer,
como os irmãos siamêses, pela arte e pelo gênio. Mas o
Com os ternos arroubos da voz argentina,
Cantor era um pouco superior, êle reconhecia e, porisso,
Os anjos baianos nos fazem morrer”.
às vezes, relevava as suas embirranças, sôbre o tom que
estava certo, e êle queria com outro sainete, que julgava
— Bravo! grita o companheiro entusiasmado. E êle,
quadrar bem à sua modinha, últimamente escrita por
o trovador, com a voz segura, afinada, vai até a última
um vate obscuro e cuja música arranjou de diversos pe-
estrófe.
daços.
“As flores que exalam suave perfume,
A noite está bela. A cidade silenciosa e as ruas de-
Que em muda linguagem nos falam de amóres,
sertas convidam mesmo para um descante. Não se ouve
Têm magos encantos, têm mil atrativos,
um cão ladrando, nem se sente vulto de namorado do- Porém das baianas não têm os primores. ..”
brando à esquina. A viração vem de leve, como que sau-
cosa da luz bruxoleante, dos lampeões de azeite de peixe, Daí segue, repetindo a mesma modinha, pela Rua
suspensos em uma engrenagem de ferro, e agora substi- Direita de Palácio, pela da Misericórdia, entrando no
tuida por não menos trêmula luz do gás carbônico. Pa- largo do Terreiro, no botequim do Moscôso, às 2 horas da
rece que tudo se quieta — pássaros dos ares e rusgas da
madrugada, onde é recebido com aplausos, e onde, com
terra — para ouvir o Cantor de modinhas com todo sen-
uma pataca, tem um prato cheio de suculento mocotó,
timento. Depois de temperar a garganta e cuspinhar
como apetitoso môlho de vermelhas malaguetas. Vem a
para o lado, aos guinchos, por entre os dentes, faz sinal
meia garrafa de Figueiróte, e antes da segunda libação
e começa:
ainda desata a garganta e todos os apreciadores da mão
de vaca, da bodega da esquina que dá para as Portas do
“são astros luzentes, são lindas estrêlas Carmo, dão palmas e louvam o cabra limpo, que desafia
Os anjos formosos da minha Bahia; quem possa cantar melhor.
Os olhos se quebram, meu Deus, que ternura
Um pouco pesado sai em caminho de casa. Do lado
Se vivos fascinam qual astro do dia!
do oriente tons róseos vão aparecendo. E' a manhã que
surge alegre, como são tôdas desta terra miraculosa.
Seus risos são flores caídas do céu
Em lábios formados de fino coral, O Cantor, na porta de casa, ainda gorgeia. E' o cisne
Que enfeitam as liras de nossos poetas, que se despede de uma noite silenciosa. Entra no poiso;
Que ornam seus cantos com voz divinal; meio vestido, atira-se sôbre a cama e dorme como um
bemaventurado. sem pesadelo, sem apoplexia.
am
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dos campos de S. Felix. Os havanos eram para os magna- e mandou-se fazer para uns casaca azul claro, colete
tas e os tolos, que compravam a pêso de ouro o que vem amarelo e calças de casemira branca, e para outros no-
do estrangeiro, tendo em casa tudo quase por um real — vas vestias de gala. Os conventos do Desterro, Soledade
produtos melhores ou iguais aos importados... e Lapa, foram encarregados dos dôces, que custaram...
Nesse tempo a que me refiro, a iluminação pública Cr$ 1.627.00. O remate da função seria um lindo fogo
de artifício, queimado, dias depois, no Campo Grande,
era de azeite de peixe. Havia uns lampeões suspensos em
que não tinha grades, nem monumento, mas que estava
uma jeringonça de ferro, que subia e descia. A luz, se
capinado = com as coranas cortadas. (33)
não era melhor do que a carbônica, tão decantada e es-
morecida, com certeza custava muito menos — muito Chegou a noite do baile, 17 de novembro do supra-
menos. A província não tinha uma receita de tantos mil citado ano. Havia “um pórtico sôbre colunas de ordem
contos, nem a vereança uma despesa de outros tantos coríntia, de 152 palmos de extensão, de madeira pintada
mil. Os dois poderes, porém, iam a passos, um apoiado imitando mármore claro”; aí foram fixadas bem ilumi-
no outro, remendando a cidade e procurando manter nada.
seus créditos e o nome herdado daquêles maiores que se Em um palanque à esquerda do chatarís, que tira-
bateram com Madeira, seguindo o exemplo dos velhos ram em 1911 para plantar quando e onde Deus determi-
avós que venceram os holandeses. Por isso, quando sua nar e fôr servido, duas bandas militares, revesadamente,
magestade disse que vinha ver a terra onde Moema nas- “tocavam escolhidos pedaços de música extraídos de
ceu, foram varridas as ruas, caiadas as casas e todo mun- óperas, à proporção que chegavam as senhoras, e depois
do mandou fazer roupa nova. Os veteranos da Indepen- que começou o baile, nos intervalos das dansas”. As hon-
dência exuitaram e Francisco Moniz Barreto afinou a ras da casa foram feitas pelas distintas senhoras: dd.
livra para aquêles sublimes versos, que tanto calaram no Helena Auta Belens Nobre, Joana Cândida da Silva Go-
coração do augusto visitante. dinho, Elesiária Carolina Teixeira Gomes, Aurélia Acióli
Coimbra Viana, Rosa Clementina Leite Pereira, Ana
O corpo do comércio não quis ficar atrás. Não podia.
Era uma corporação, como é, importante, que devia dar Kleinschimidt e Umbelina Constança Cezimbra.
uma prova de seu amor, seu respeito, sua veneração ao Sua majestade que estava no viço da mocidade, pois
bom monarca, que olhava com olhos amigos os homens contava 34 anos de idade, apresentou-se trajando o uni-
de trabalho, mormente aquêles que se ocupavam em me- forme de almirante, e a sua bôa consorte, vestido de séda
dir algodão do sertão e guardar a erva santa. Então a preta, “tendo apenas uma grinalda de flores brancas na
associação reuniu-se em assembléia geral e deliberou dar cabeça, e no pescoço um colar de brilhantes”.
um baile em seu edifício à praça dos Tamarindos. Foi
logo aberta uma subscrição que rendeu CrS 28.,00. Compareceram 160 damas e 600 cavalheiros, não
obstante terem sido distribuidos mil convites. Hoje, no
Chamaram, no dia seguinte, pedreiros, carapinas,
pintores, armadores e serventes; contrataram-se criados (33) As grades foram removidas por volta dos festejos
do primeiro centenário da Independência.
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Ce
A BAHIA DE OUTRORA
RE,
di |
D. João VI, por A. Baêta, Lisboa — 1907;
Visconde de Cairú, por Vieira de Campos, em 1908;
Conselheiro
Rodrigues Pai,
Pedro
em 1882;
Luís Pereira de Sousa, por Lopes
4 Eb |
[m
Comendador Manoel Belens de Lima;
Ae)
Cotegipe e Barão de Araújo Góes, trabalho do artista L.
de Martino, em 1873, oferta da antiga firma Marinho &
Companhia.
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MANUEL QUERINO
289
“290
O Chafarís do Largo do Teatro
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A BAHIA DE OUTRORA
Assistiu, porém, ao combate de 24 de maio de 1866, Numa eleição muito disputada para deputados ge-
cuja medalha possuia como padrão de honra militar. rais um político quis suborná-lo com dinheiro: êle repe-
liu dizendo:
O marechal Hermes Ernesto da Fonseca, a quem
— Doutor, me respeite; voto contra o argentário,
Pedro Bala conhecia da campanha manifestava grande
sou liberal de tradição.
satisfação em ouvir o voluntário baiano recitar de cór a
ordem do dia do general Osório referente àquele feito
darmas.
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MANUEL QUERINO
A nemeação do brigadeiro Pedro Labatut para o cargo Labatut, efetivamente, era bravo e disciplinador;
de comandante em chefe do exército pacificador, con- mas, de um rigor que tocava à desumanidade. Filiado à
forme comunicação do Príncipe Regente aos deputados escola do conde de Lipp e apreciador das proezas de Fre-
da Junta Provisória da Bahia, pela Carta Régia de 9 de derico II, da Prússia, sendo mal recebido pelos seus su-
julho de 1222, fôra mal recebida pelos que haviam ini- bordinados, não mediu consequências no seu poderio.
ciado o movimento da Independência. (36) Mandava fusilar sob qualquer pretexto, não só militares,
mas também a quem quer que fosse, Pobres escravisados,
Os patriotas julgaram-se ofendidos nos seus brios
porque pertenciam a portugueses, foram vítimas dessas
pela preferência dada ao estrangeiro, tanto mais quanto
atrocidades, havendo benevolência para as mulheres, que
havia brasileiros capazes de desempenhar tão árdua co-
eram, apenas, surradas.
missão.
No Rio de Janeiro, donde Labatut saíu a 14 de Julho, Logo em princípio começaram as divergências do
os oficiais de artilharia fizeram-lhe manifestações de general com a Junta Governativa de Cachoeira, preten-
dendo êle desautorá-la; aos oficiais de qualquer gradua-
(36) Sôóbre os episódios da nossa Independência na Ba- ção êle prendia, por qualquer fato simples, não escapando
hia fôóram publicadas, por ocasião do primeiro centenário, di- o próprio visconde de Pirajá, o idolo do povo baiano.
versas monografias entre as quais avultam:
Cheio de ódios, como estava, não podia continuar, numa
Braz do Amaral — História da Independência na Bahia;
Bahia, 1923,
emprêsa tão delicada,
Bernardino Ferreira Nóbrega — “Memória Histórica s0- O valoroso tenente-coronel Falção de Lacerda con-
bre as vitórias alcançadas pelos Itaparicanos", reedição feita
por Pirajá da Silva; Bahia, 1923. sentiu então que prendessem a Labatut, que estava no
Bastante valiosa sóbre o assunto é também a “Breve No- seu acampamento, sem a menor resistência, tal o des-
tícia” de Antônio Moniz de Souza nas “Viagens e Observações contentamento que existia. O coronel Felisberto Gomes
de um Brasileiro”, obra reimpressa no vol. 71 da Rev. do Inst.
Caldeira era o desafeto mais ostensivo, e, por isso, o alvo
Geogr. e Hist. da Bahia, 1945.
das iras de Labatut, que, de mais a mais, fôra instigado
nos
=0s
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A BAHIA DE OUIRORA MANUEL QUERINO
pelo carmelita fr. José Maria Brayner, comandante do presos pelo major de Legião Alexandre Gomes d'Argólo
batalhão de Couraças. Ferrão, depois brigadeiro e barão de Cajaíba, que, estan-
do em exercício com o seu batalhão, efetuou a diligência,
E' certo que o exército estava obediente pelo terror,
e por isso solapado pela desafeição a seu chefe. Prêso O dr. Antônio Calmon du Pin e Almeida, juiz de ór-
Labatut, e destituído do comando, seguiu para o Rio de fãos da capital, a única autoridade que não abandonou
Janeiro, com o fim de defender-se das acusações que lhe o seu posto, dirigiu-se ao local do acontecimento e aí
imputavam, continuando o exército nas operações de procedeu a corpo de delito. Atendendo à exaltação dos
guerra, até ao desenlace desejado, qual o da nossa auto- ânimos, despediu os lacaios com a cadeirinha de arruar,
nomia política. foi ter ao Arsenal de Marinha, alí embarcou e entendeu-
se com o presidente, a bordo da fragata, entregando-lhe
Retirado Labatut do teatro dos acontecimentos, pois os papéis referentes ao corpo de delito; notando que no
não lhe coube a glória de terminar a guerra, os seus pai- trajeto fôra acompanhado por uma escolta, cujos intúi-
tidários exasperaram-se contra o coronel Felisberto Go- tos eram ignorados, mesmo porque não conheciam o
mes Caldeira; e, a 25 de outubro de 1824, rebentou o destino que levava o dr. Calmon.
motim militar promovido pelo batalhão de Periguitos, o
Enquanto isto se passava, os amotinados foram a re-
qual, começando às 5 horas da manhã teve como epilogo
sidência do dito juiz, no edifício onde está funcionando
sangrento a morte do governador das armas, atravessado
a Escola de Belas Artes, procuraram ao dr. Calmon, e,
por quatorze balas, quando, já prêso, descia a escada do
não o encontrando, pediram os papéis do corpo de delito.
quartel general, sito à ladeira do Berquó. Os amontina-
Não sendo atendidos, quebraram móveis, espalharam
dos, depois de praticado o crime, procuraram o presidente
pelo chão papéis, livros e outros objetos e espancaram
da província, dr. Francisco Vicente Viana, em sua resi-
os carregadores da cadeira, como manifestação de desa-
dência, à rua de S. Pedro, e lhe declararam: “Matamos
grado.
o tirano”. Respondeu-lhe o presidente: “Si foi a bem da
pátria, fizeram bem”. Satisfeitos com a resposta, retira- E como na ocasião, o oficial mais graduado era o
ram-se. tenente-coronel Manuel Goncalves da Silva, comandante
do batalhão Henrique Dias, tão bravo como delicado, as-
O presidente, com receio, retirou-se, numa cadeiri- sumiu o comando das armas e o govêrno da província,
nha de arruar, tôda fechada, dirigindo-se para a casa de até que ficou restabelecida a ordem.
seu cunhado Pedro Rodrigues Bandeira, à baixa da So-
ledade. Pouco depois, daí encaminhou-se para Água de O coronel Felisberto Gomes Caldeira era um militar
Meninos, tomou um saveiro, com destino a uma fragata distinto, disciplinador; tinha contra si a má vontade dos
do general Labatut, porque o exército estava
ancorada no pôrto, e aí mandou içar o pavilhão do go- afeiçoados
vêrno. As autoridades que lá foram ficaram em sua dividido.
companhia. O batalhão revoltoso ficou por algumas ho- Uma testemunha da época, escrevendo a um amigo,
ras senhor da cidade; mas, afinal, oficiais e praças fôram dias depois do acontecimento, assim se exprimia: “De-
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Uust, de Ligia.
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MANUEL QUERINO
nos, que desconheciam a organização militar. O general Um dos seus apologistas, comentando o fato, assim se
em chefe adestrou-os, instruiu-os, deu-lhes a orientação externou: “Não era, nem devia ser, pensamos nós, essa
necessária; mas, também, abusou tanto do seu poder a prisão efetuada traçoeiramente.
ponto de não aceitar a menor observação da Junta Go- “... mas êle temeu que a divisão do comando de
vernativa, que era o govêrno reconhecido por Pedro I, o Felisberto rompesse em hostilidade, opondo-se à sua pri-
imperador. são; entregou-se, perdeu o prestígio de chefe, e querendo
Se a junta nomeava um oficial, êle não o aceitava; obstar a guerra civil, como julgava, sacrificou-se, só ha-
dirigia o exército discricionariamente; apenas, ouvia em vendo um homem — o carmelita Brayner — comandante
tudo e concordava com o seu secretário e ajudante. La- do batalhão dos Couraças, que quis levantar-se em seu
batut começou a dar provas de seu gênio atrabiliário logo favor pois tinha ficado inteiramente desmoralisado: por-
que fôra investido no comando: além dos atos de despo- que o poder que cede é o poder que se suicida; o poder
Lismo praticados a bordo do navio em que viajava, com deve cair da sua altura com honra, qualquer que seja a
oficiais distintos, cercou a casa do cônsul inglês, em Ma- sua queda”.
ceió, fazendo arrombar as portas a machado, atacando
Espalhada a notícia da prisão de Felisberto Caldeira,
assim o asilo sagrado do cidadão.
o exército alarmou-se, Lima e Silva estremeceu e fez pon-
Em Sergipe, fez depor a junta provisória que tinha derações que não foram aceitas por Labatut, que se pre-
aclamado a regência; promovia a oficiais subalternos, parou para reagir sem elementos.
por afeição, com acintosa preterição dos que se haviam
No dia imediato, reuniram-se em conselho todos os
já distinguido na peleja; convidou para seu secretário
oficiais das brigadas do centro e da direita do exército,
um afamado cirurgião, de compostura duvidosa, De uma
para deliberar sôbre o assunto, quando chegou a notícia
feita, reuniu cinquenta e um escravos, sômente por per-
tencerem a portugueses, e mandou metralhá-los, com a da prisão de Labatut, sendo Felisberto Caldeira pôsto em
maior desumanidade; casava, descasava, negociava com liberdade e nomeado comandante chefe o general Lima
pau brasil declarando-se ditador, alegando possuir carta e Silva, pelo govêrno interino, que Labatut não queria
branca do monarca; abriu luta com a Junta Governa- considerar.
tiva, por esta querer conhecer a importância total dos A divergência por espírito de nacionalidade existia
valores arrecadados, no engenho da Passagem; cometeu
no exército; tanto assim que o major Sátiro da Cunha
uma série de abusos, que descontentava a todos. ao exército lu-
comandante d'artilharia e que pertencera
Nestas condições, o general estava impossibilitado sitano, passou para O nacional e foi quem planejou e
de continuar no exércício de suas funções. levou a efeito o assassínio de Caldeira, como auxiliar de
Em 19 de maio de 1823 mandou êle chamar à sua Labatut,
presença, a objeto de serviço, o coronel Felisberto Cal- Mas, pagou caro sua temeridade, sendo despido das
deira; apresentado êste, Labatut deu-lhe voz de prisão. honras e fuzilado.
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A tradição oral não regista um fato arbitrário pra- mandantes, oficiais e soldados, que o compõem. Pelas pre-
ticado por oficiais brasileiros, ainda mesmo na posição cipitadas medidas do general Labatut e por suas ordens
de comandante em chefe; ao passo que inúmeros são os não refletidas, espalhou-se o descontentamento em todo
atribuídos a Labatut. J. Brígido, no seu estudo biográ- o exército, e, com especialidade, na brigada da esquerda,
fico sôbre Labatut, assim se exprimiu... “as formas a prisão de cujo comandante havia êle general ordenado
grosseiras e as noções mui superficiais de govêrno, que e feito verificar, no dia 20 do corrente; seguindo-se a ela
tinha o general, não era de vez para pronta solução do o rumor de que a dita brigada tinha pretenções sôbre a
problema baiano”. liberdade do seu comandante, o general, entregue ao
Referindo-se aos fuzilamentos, acrescenta: “A bru- furor de seu gênio e esquecido da prudência que convi-
talidade de Labatut bem mereceu os ultrajes e amargu- nha em tal negócio, se propôs a atacar e suplantar pela
ras que lhe estavam por diante; mas, naquêle instante, fôrça aquela referida brigada, o que, vindo talvez ao co-
não despertou a execução dos patriotas”. nhecimento dela, pegou em armas no dia 21 e fez depôr
e prender, à ordem do imperador, o general.
Apesar da grande proteção que o acobertava, o go-
vêrno imperial viu-se na contingência de, por decreto de Quartel-general em Pirajá, 27 de maio de 1823”.
5 de fevereiro de 1829, mandar eliminá-lo do quadro do
Porque, pois, essa glorificação especial, quando existe
exército, determinando a sua retirada, em seis dias, do
um monumento reconhecendo os servicos de todos os he-
território brasileiro. De modo que, durante o reinado de
róis da Independência?
Pedro I, não fôra mais incumbido de negócio algum. No-
meado pela Regência para servir no Rio Grande do Sul, Cogita-se de uma memória a Labatut, e atiram-se no
por contrariar as ordens recebidas fôra demitido em 1841 limbo do esquecimento outros bravos, de igual ou maior
e submetido a conselho de investigação, em virtude de merecimento. Que justiça é essa, que levanta a um e des-
acusações que lhe fizera o general em chefe das fôrças. presa os outros? Não tem justificativa essa romaria anual
ao túmulo de Labatut, sem que sejam prestadas iguais
Apreciador de intrigas e ávido de bajulação, não homenagens aos demais batalhadores. Não foi o inicia-
saíiu-se bem quando serviu no exército da Colúmbia. dor, nem lhe coube a glória de terminar a luta.
O glorioso coronel Lima e Silva, comunicando a Lord
Cochrane a sua nomeação de comandante em chefe do
exército, assim se expressou:
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em data de 20 de abril de 1657, assim se exprimia: “As prata, a que o gênio de um artista brasileiro havia pro-
injustiças e tirania, que se tem executado nos naturais porcionado assinalada vitória na concorrência dos anti-
destas terras, excedem muito às que se fizeram na África; gos similares portuguêses.
em espaço de quarenta anos se mataram e se destruiram
por esta costa e sertões mais de dois milhões de índios e Para satisfazer a cobiça dos filhos da metrópole, que
mais de quinhentas povoações, com grandes cidades, e representaram contra os brasileiros natos, D. Maria I
disto nunca se viu castigo”. mandou prender e assentar praça os mestres e anrendi-
zes de diversos ofícios, mandou fechar as lojas, demolir
Aconselhando ao monarca umas tantas providências,
as forjas, sequestrar as ferramentas de trabalho, extin-
lembrou o egrégio jesuita: “Que os governadores e capi-
guir fábricas e manufaturas de ouro, prata, sêda, linho,
taes mores que viessem a êste Estado sejam pessoas de
algodão e lã existentes no Brasil, e, bem assim, aplicar
consciência; e porque estas não costumam vir cá, que
surra e calcêta a quem se dedicasse à cultura do arroz.
ao menos tragam entendido que mui deveras hão de ser
castigados, se em qualquer coisa quebrarem a dita lei Ordenou a retirada do sábio Barão de Humboldt que
e regimento”, O referido Padre Vieira, em carta de 20 aqui fazia investigações científicas. D. João V chegou
de maio de 1630, ainda observava: “As causas até agora ao delírio de possuir bacios de ouro, tendo como asas se-
de se ter feito tão pouco fruto com estas gentes são prin- rafins em adoração.
cipalmente as tiranias aue com êle temos usado, havendo
capitão que obrigou a atar dez murrões acesos nos dez Toca às raias da fábula o modo porque a metrópole
dedos das mãos de um principal de uma aldeia para que revolvia as entranhas das terras do Brasil. Batalhões vi-
lhe desse escravos, dizendo que o havia de deixar arder nham com a exclusiva incumbência de arrancar o ouro
enquanto lhos não desse, e assim fez”. das minas.
O Alvará de 20 de outubro de 1621 ordenou que ne-
Por informações exatas. sabe-se que, de 1730 a 1810,
nhum negro ou mulato nem indio, pôsto que fôrros, exer-
seguiam para Portugal anualmente, nunca menos de
cesse a arte de ourivesaria.
57.120 arróbas de ouro; e 50.000 cruzados em diamantes.
O governador do Maranhão mandou ao govêrno
Por ocasião do terremoto que destruiu a cidade de
amostras de ferro descoberto na Ilha de São Luis, e a
carta régia de 23 de março de 1688 declarou que não con- Lisboa criou-se um impôsto especial, para a sua recons-
vinha continuar nessa manufatura, por ser o ferro a trução: e, para êsse fim, os naturais do Brasil foram fin-
melhor droga que de Portugal podia ir para o Brasil. O tados por espaço de quarenta anos.
decreto de 20 de fevereiro de 1690 declarou não permitir tratando da colo-
Um eminente publicista lusitano,
consumo algum de sal que não proviesse de Portugal,
nização do Brasil, disse:
nem mesmo do que a natureza produzisse em salinas e
lagoas do Brasil. Em 1766, mandavam-se fechar as flo- “Lepislamos, como se foram os portuguéses de além-
rescentes oficinas de ourivesaria e escultura em ouro e
e
si
2
A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
Governamos, como se o Brasil fôsse apenas uma her- lados de longa data explodissem numa reação vitoriosa,
cade, onde trouxéssemos agages obscuros e opressos jor- pois era latente a fermentação da liberdade em repre-
naleiros, sália à opressão, que tantos desesperos produzia nos âni-
mos dos perseguidos.
Deiendemos-lhe a comunicação e o trato de gentes
peregrinas. Reduzimos a estanco e monopólio grande Em Minas Gerais, os governadores promoviam os
parte das suas mais valiosas produções. Proibimos-lhe cabos de esquadra, seus ordenanças, aos postos de tenen-
que erigisse um tear, uma forja, uma oficina. Declara- tes e capitães, com flagrante preterição dos brasileiros
mos por atentado que um só prelo difundisse timida- oficiais do quadro.
mente a sua luz naquelas regiões escurecidas. Condena-
A conjuração mineira fôra tramada de modo a pro-
mos por subversivas as sociedades literárias. Receamos
clamar-se a república; e para que esta fôsse duradoira, os
que a minima ilustração do pensamento nos roubasse a
conjurados colocaram-se scb a proteção dos Estados Uni-
colônia emancipada”.
dos. Como é sabido, o movimento devera explodir por
E observa o mesmo escritor: “O que nos sobra em ocasião da derrama do ouro. Mesmo assim o fim que ti-
elória de ousados e venturosos navegantes, míngua-nos veram os conjurados não influiu no ânimo dos brasileiros
em fama de enérgicos e previdentes colonizadores. para que calcassem no fundo do coração qualquer idéia
de liberdade.
Conquistamos a Índia para que estranhos a logras-
sem. Devassamos a China, para que utilizassem depois Não padece dúvida que a metrópole receava qual-
os seus comércios. Levamos ao Japão o nosso nome para quer surprêsa; tanto mais que mudou de rumo, adoçan-
que outros mais felizes implantassem naquela terra sin- do o seu manifesto terror contra os brasileiros natos. E
gular os primeiros rudimentos da civilização ocidental, tanta consciência tinha o govêrno português das atro-
Lustramos a Africa para que alheios povos, tachando- cidades cometidas pelos seus delegados, que, de muito
nos de inertes e remissos, nos disputássem o que não sou- longe, vinha procurando desviar dos filhos do Brasil tôda
bemos nunca aproveitar. e qualquer idéia de emancipação. Notória era a vigilância
De infindos territórios, que a nosso poderio avassa-
exercida sóbre os estudantes brasileiros que, nos cursos
lamos, resta-nos apenas no Oriente quanto de terra era de Coimbra, davam prova de capacidade intelectual e mo-
sobeja par” cravar, como heróica tradição, a bandeira ral, pois os seus entusiasmos, as suas opiniões eram su-
nacional”, (*)
ficientes para despertar maiores cuidados do govêrno.
Com êsse intuito, à proporção que os moços brasileiros
Diante desta situação acabrunhadora, premente e iam completando o curso eram logo despachados para o
insuportável, era legítimo e natural que os ódios acumu- exercício de cargos públicos em Portugal, sendo que os
nascidos em Portugal eram despachados para o Brasil.
(x) Latino Coelho — Elogio Histórico de José Bonifácio Aí estão, para não citar outros exemplos, as nomea-
— Lisboa 1877. ções de Gregório de Matos, para Juiz do Crime e de Or-
313
314
o
A BAHIA DE OUIRGRA MANUEL QUERINO
fãos da cidade de Lisboa, por volta do ano de 1671, e de tes às necessidades da lavoura, cuidadosamente tratas-
José Bonifácio de Andrada e Silva para o lugar de lente sem do objeto primordial.
de Coimbra.
Entre os propagandistas do movimento figuraram:
No governo do Marquês de Pombal, elevou-se muito o Marquês de Abrantes, o Visconde de Jequitinhonha,
a cotação dos brasileiros para os cargos públicos da me- Visconde dos Fiais, Dr. Cassiano Espiridião de Melo e
trópole, notadamente entre o Clero, em que era abun- Matos, seu irmão, Dr. Eustáquio de Melo e Matos, Vis-
dante o número de capacidades. conde de Monserrate, Des. Manuel Messias de Leão, Dr.
No Rio de Janeiro, o séquito de fidalgos que acom- Francisco Teixeira de Sá, Marquês de Caravelas, Dr.
Antônio Calmon du Pin e Almeida, Dr. Miguel de Mas-
panharam a d. João VI, em 1808, apossava-se da pro-
priedade alheia, de uma maneira bem singela. Chega- carenhas, Dr. Policarpo Cabral, Dr. Vicente Ferreira de
Magalhães, Dr. Cezar Jacobina, Dr. Lino Coitinho, Dr.
vam numa casa e diziam ao morador: precisamos dêste
Henrique de Paiva, Dr. Bernardo Pereira de Vascon-
aposento. O meirinho que os acompanhava escrevia a
celos, Marquês de Olinda, Marquês de Sapucaí, os irmãos
giz, na porta, as maiúsculas — P. R. (Principe Regente).
Dr. Bernardo Manuel de Souza Magalhães, fundadores
O proprietário ou inquilino retirava-se em vinte e quatro
da Escola de Direito do Recife, e José Manuel de Souza
horas; e o fidalgo instalava-se muito à vontade no apo-
Magalhães, fundador da de S. Paulo.
sento alheio,
A lavoura foi o elemento que serviu de pretexto às
Em 1820, a cidade do Pôrto deu o grito de liberdade,
manifestações da liberdade, pois dos seus comícios nas-
que intensa repercussão teve no Brasil, avigorando as
ceu a conspiração. Na Bahia, o movimento iniciou-se na
idéias de emancipação. José Bonifácio, bastante conside-
Vila de Santo Amaro, onde o Visconde de Monserrate
rado pelo seu saber, dispondo de grande influência e
exercia o cargo de Juiz de Fora.
prestígio, encontrou ensejo de preparar os ânimos para
a luta. Por êsse tempo, a colônia brasileira residente em Estava combinado o grito de liberdade para o dia 29
Portugal costumava reunir-se sob a direção do patriarca, de junho, na Vila de S. Francisco. Circunstância, porém,
que distilava no ânimo dos ouvintes idéias liberais e pa- imprevista, determinou a chegada de uma barca lusitana
trióticas sóbre o assunto. no pórto de Cachoeira e êsse fato apressou aí a procla-
mação do Príncipe Regente, no dia 25 de junho de 1822.
Em continuadas palestras, ficou assentado que os
rapazes que concluíssem o curso da Universidade, de 1819 Não resta dúvida que o movimento emancipador partiu
a 1821, nenhum dêles aceitasse colocação oferecida pelo da Vila de São Francisco e a prova está em que a Junta
dos
govêrno da metrópole; que se recolhessem todos ao Bra- de Cachoeira teve que indicar e convidar para um
seus membros ao Marquês de Abrantes.
sil, dirigindo-se cada um para o lugar de seu nascimento,
2, aí, propugnassem e animassem o movimento emanci; O povo brasileiro não percebia bem os salutares cfei-
pador. Para isso levar a efeito, deveriam promover a cria- o sofrimento. Se a
tos da liberdade: rebelava-se contra
ção de associações, onde, a pretexto de discussão referen- no momento, um
metrópole lhe houvesse outorgado,
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A BAHIA DE OUTRORA
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
Era natural que as primeiras tentativas não fôssem noel Jacques Jourdan montaram também outra oficina
coroadas do melhor êxito; mas, nem por isso desanimceu de gravura.
o artista, tanto assim que, em 1840, os seus trabalhos já
Como animação à nascente arte de gravador, a So-
apresentavam notório valor sôbre os primitivos, e os pro-
ciedade de Belas-Artes estabeleceu em 1856 exposições
gressos se acentuaram de tal maneira que, em 1845, Ca-
anuais, premiando com duzentos mil réis o melhor tra-
pinan montou uma oficina litográfica.
balho exibido de pintura, escultura, gravura em desenho
A afluência de aprendizes não se fez esperar, e Os de qualquer natureza sôbre motivo de história pátria.
curiosos se entregaram à fatura de figurinhas e emble-
mas moldados em casca de cajazeira, destinados aos
Algum tempo depois, Tito Nicolau Capinan, filho do
artista do mesmo nome, de sociedade com Camilo Lélis
frontespícios de pequenos jornais.
Masson fundaram por sua vez, uma oficina sob a direção
Em 1848, José Maria Cândido Ribeiro estabeleceu de Leopoldo Armanino, gravador italiano.
secretamente uma oficina de gravura, onde fabricou em
larga escala a moeda falsa, e tão perfeita era a imitação
Aí iniciaram a sua aprendizagem os artistas Herá-
clio Odilon e Job de Carvalho, mais tarde doutor em me-
que se tornava diiícil distinguir uma nota falsa da ver-
dicina e professor de latim do Instituto Normal. Em
dadeira. Devo aquí abrir um parêntesis: em se tratando
1856, apareceu nesta capital a primeira gazeta ilustrada,
de um fato histórico, qual o da introdução da gravura
A Buzina, de propriedade do poeta satírico Manuel Pes-
na Bahia, não me fôra lícito calar o nome do artista e
dos seus trabalhos, de modo que a alusão que faço à fa- soa da Silva,
bricação de notas do govêrno, de sorte alguma encerra a Em 1867, Heráclio Odilon e os sergipanos Brício
intenção de deprimir-lhe a memória. Cardoso e Severiano Cardoso criaram o periódico — A
Bahia Ilustrada, de formato igual ao da Semana Tlhus-
Cândido Ribeiro não fôra só consumado desenhista,
trada do Rio de Janeiro. Além de Heráclio Odilon teve a
mas reputado retratista a óleo.
Bahia Ilustrada a colaboração dos artistas Emílio Baião,
Conta-se que em um dos interrogatórios, a que foi Antônio Vera-Cruz, André Pereira e Bernardino de Oli-
submetido pelo chefe de polícia, desenhou a lapis o re- veira. A gravura do tempo de Capinan era grandemente
trato da aludida autoridade, a quem ofereceu. Presos e rudimentar; no entanto, confrontando êsse trabalho com
processados o artista e seus cúmplices, seguiu-se certo os da Bahia Ilustrada verifica-se que notáveis foram os
progressos da litografia, de 1835 a 1867.
retraiímento em trabalhos de gravura, motivado pelo re-
ceio de qualquer suspeita.
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a2n
MANUEL QUERINO
seguindo vara Pernambuco e dalí para S. Paulo e Rio de Sinto ver os meus filhos na orfandade.
Janeiro, onde faleceu em 1879. João Nepomuceno deu à Eu, soldado e herói da liberdade.
estampa os seguintes trabalhos: Nunca tremeu-me a mão pegando à espada
Para ela e para o rei;
Relatório Poético, oferecido a S. M. LI. por ocasião
de sua viagem à Bahia, em 1859;
A farda de suor já desbotada
Os Mistérios da Bahia, contendo: Biblioteca Baiana, Nem uma hora tirei:
Biografia do Arcebispo Marquês de Santa Cruz, Descri- E furioso contra o inimigo
ção do Baile, oferecido ao Imperador pelo Comércio da Eu fiz a independência e sou mendigo.
Bahia, etc. 1861;
E como escritor soube que eu era
As Cortinas da Relação — sátira;
A única razão
Os Mortos ne Posteridade, poema em três cantos. Foi aquela que em casa lhe trouxera;
Bahia, 1863 — 2 volumes; Que eu tendo ocasião,
De escrever do Brasil sua memória
Lopez — poema — Bahia, 1866; Contasse de um soldado a dura história.
A Sapeca — Sátiras — Pernambuco, 1861;
Sátiras — Rio de Janeiro — 1864; “os my
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A BAHIA DE OUTRORA
MANUEL QUERINO
Saudando a terra do seu berço, assim cantou o — Ai, Jesús, sim, coitadinha,
poeta: E' uma pobre santinha,
Devota de São Gregório.
Mais carinhosas, mais puras Sem nenhum bem desejar,
Como nenhuma, as baianas, Só gasta a noite em rezar
Nas portas do oratório.
A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
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cre rt nm
o
MANUEL QUERINO
O destino, sempre lógico e invencível, poderoso em Por ocasião da Sabinada, em 1837, fizera parte de
seus desígnios, incumbe-se de corrigir a fraqueza hu- um dos corpos organizados, no Recôncavo, pelo govêrno
mana; e para isso há produzido indivíduos capazes de provisório, para manutenção da ordem pública, obtendo
vingar os erros dos que se julgam autorizados à prática o pôsto de alferes, por serviços prestados.
de tôdas as loucuras, deprimindo a todos e a tudo, avas-
Em 1845, sendo desafeto do redator do único jornal
salando conciências e perseguindo os que não se subor-
que defendia a administração do general Andréa, o ci-
dinam ou não comungam na taça de suas depredações.
tado jornalista, munido dessa importância, solicitara a
A individualidade de que me ocupo fôra um desses demissão de Manuel Pessoa.
predestinados, por seu espírito lúcido e vantajosamente
O general, fazendo vir à sua presenca o altivo fun-
instruído, para vingar, na sátira incisiva e penetrante,
cionário, pôs-lhe a mão sôbre o ombro, familiarmente, e,
a sociedade ultrajada de seu tempo.
com riso traiçoeiro, pediu-lhe que se demitisse, pois lhe
govêrno,
(39) Manuel Pessoa da Silva é outro vate da sátira à es- daria lugar mais vantajoso, na secretaria do
pera do seu biógrato. De tais estudos muito lucrariam os nos- de honra, sr, presi-
A isso observou Pessoa: Palavra
sos sentimentos de brio, tão achincalhados de algum tempo a
esta parte, dente?
Sal
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A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
coração ardente, desenvolvido pelas poderosas influên- Mania, que tem tomado, de um dia
cias dêste ciima americano, eu nunca pude deixar de se- De arcebispo vestir a roxa murça,
guir-lhe os impulsos para o amor extremo da liberdade;
Do atual prelado pela morte;
— desde que senti no mundo o desabrochar da minha
E por que se um direito a isto faça
razão, e o desferir dos primeiros voos do fraco gênio que,
Procura a um govêrno — em seu destino
por natural partilha, me coube, todos os frutos da minha
razão têm sido consagrados à liberdade; em todos os sons
da minha lira têm respirado até hoje o seu nome — Acompanhar nas horas de perigo?
grande como êle é, pura como pura descendera de Deus Não raia, senhor cônego, em tal coisa;
aos homens: sempre na posição honrosa do seu defen- Em um tão grande risco se não meta,
sor, jâmais o poder infame das conveniências desviou-me Presága — lhe aconselho — enternecida —
do seu estandarte glorioso para a fileira de seus adver- Eu lhe peço por ésse ardente beijo,
sários”, Que — primeiro, — na flor da minha idade,
Na cheirosa coroa pespeguei-lhe.
Nesse livro fez alusões ferinas, não só ao dr. Gon-
Aquí um ai quebrou choroso a velha;
calves Martins, mas também ao ilustrado sacerdote cô-
E, na falta de lenço no semblante
nego Joaquim Cajueiro de Campos, por êste ter acompa-
Com a ponta da fralda o pranto enxuga”.
nnado ao dr. Manuel Vieira Tosta, depois Marquês de
Muritiba, presidente nomeado para sufocar a revolução
Chamado à responsabilidade, no dia marcado apre-
praicira em Pernambuco, satirizando-o dêste modo:
sentou-se em juízo, perante numeroso auditório tra-
jando casaca azul com botões dourados, calça de case-
“Em vão porqu'o convença que não parta mira alvadia, chapéu de castor, bengala de unicorne com
A velha Companheira assim lhe fala: castão de ouro, sobraçando o seu livro. Aberta a audi-
O que vai fazer senhor cônego? — tão fácil ência, Manuel Pessoa pediu a palavra e disse;
Quer em terra de guerra arriscar-se?
“Meus senhores, sou chamado à barra do Tribunal,
Não tem dó de seus filhos? não receia,
apenas, por ter usado a liberdade de pensamento,
Que às suas rubras meias desacatem?
Que o seu chapéu de borlas não respeitem? Quando Juvenal desnudava, na praça pública, as
Que a sua larga banda não venerem? vergonhas de Messalina, essa mulher que sedenta de vo-
Pois não lhe satisfaz em santo ócio! lúpia, entrava nos quartéis e não saía saciada, não houve
Ir a sua prebenda desfrutando; juiz que O responsabilizasse. Tendo de escrever q meu
Do latim gozar professorado poema, de teitura de meus alfarrábios, aproveitei a vida
cônego devasso, relapso, e o tomei para Protago.
de um
O rendimento, além de outras pexinxas? nista.
Este seu frenesi será por essa O que me admira é que no cabido da Sé mM etr
trajar co m Opoli-
tana haja um cônego que se queira o Manto
sas
30
à BaHiA DE QUIRORA MANUEL QUERINO
a38
A BAHIA DE QUTRORA
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MANUEL QUERINO
42
A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
Conta-se a seu respeito, o seguinte episódio; áito professor que incontinente verteu em latim a sen-
“Um músico espanhol iniciara aqui, uma série de tença dêste modo.
concertos, e Veiga Murici lhe fôra apresentado como “Medicus enim filosofus dei similis est”.
grande artista. Em certa ocasião exibiram-se os dois,
Até com a unha, que de propósito não aparava, num
em presença de seleto auditório. O espanhou tocou dois
polegar de um dos pés tocava admirávelmente o violão.
trechos difíceis, na flauta; e Murici, depois repetiu-os de
Velho, sem recursos, invejado e perseguido pela sua vasta
modo que o artista espanhol admirou-se da execução tão
ilustração e saber, viu-se o erudito professor na precária
perfeita de música antiga ou clássica, que julgava des-
contingência de implorar um lugar de continuo na Se-
conhecida entre nós.
cretaria da Câmara dos Deputados, da então província,
Em 1849, inscreveu-se no concurso para o provi- intercedendo a seu favor um deputado que nada conse-
mento da cadeira de língua grega, no antigo Liceu Pro- guiu, pois a mesa da Câmara respondeu-lhe que — Deus
vincial, Diz a tradição que o seu competidor, professor a livrasse de propor a nomeação de um homem diante
da Faculdade de Medicina e jornalista, obtivera os pon- de quem não poderiam éles falar.
tos de véspera. A luta, porém, fôra renhida, dadas as ha- A modéstia foi o apanágio da sua longa existência.
bilitações dos candidatos que tiveram aprovação distinta, O entusiasmo, manifestado pelos admiradores dos seus
e como era de prever, Murici não fôra o escolhido. Veiga dotes peregrinos, não lhe alterava a nobreza de senti-
Murici frequentava assiduamente a imprensa e no “Diá- mentos que êle tinha como fundamento de todo o seu
rio da Bahia” proveitosa polêmica sustentou com o notá-
valor moral.
vel homem de letras, dr. J. J. Barbosa d'Oliveira, a pro-
Devorado de pobreza insubmissa, mesmo assim, nun-
pósito do pronome — Se, acuindo em seu auxílio O
distinto professor Belarmino Gratulino de Aquino, então ca se escravizou às ruins paixões.
Secretário da Escola Normal. O eminente dr. José Pedro Excluídos os artigos insertos nas páginas volantes da
de Souza Braga, um dos luzeiros da Faculdade de Medi- imprensa, a bibliografia do professor Murici é constituida
cina dêste Estado, deparou em um tratado de medicina das seguintes obras, a qual julgamos a mais completa
com uma sentença em língua grega. Não conhecendo possível, porquanto neste particular dispendemos grande
êsse idioma, recorreu, como era natural, aos helenistas interêsse:
que a fama então celebrava, e diante da impossibilidade
1 Autoridade Pontifícia, 1845.
da versão, de primeira vista, foi o passo confiado para
2 A Trindade Filosófica,
uma tradução posterior, que nunca chegou às mãos do
3 Curso abreviado de Filosofia, 1846.
dr. Braga, o qual narrando o ocorrido em círculo de
4 Revelações Cristãs do Paganismo.
amigos, disseram-lhe: “Não perca tempo com semelhante
5 Compêndio de Filosofia Moral,
impostores; vá a Murici”. Procurou então o dr. Souza 1858,
6 Reflexões Gramático-Filosóficas,
Braga, o professor Muricí, na sua humilde habitação, e,
m Várias Odes em Latim.
depois de contar-lhe o ocorrido entegrou o livro ao eru-
8 Pontuação Arrazoada, 1864.
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344
A BAHIA DE OUTRORA MANUEL QUERINO
O Grão Pastor -— (Poema Religioso em dez can- À tóda terra dou felicidade.
ts
Bailes Pastoris: Adonis, Jovino, Graça, Eficaz, Comércio, indústria, fôro, agricultura,
ma
tiu à luz dos princípios filosóficos, os seguintes As ciências sem mim são vãos cuidados.
Chamem-me embora — Espirito do Érro,
pontos:
Não perco aos meus ditames todo o aferro.
1.º A escravidão proveniente das guerras.
Em campo estou, disposto a combater
20 A escravidão dos descendentes do homem já es- A quanto se opuzer ao meu poder.
cravo. Como ninguém disputa a minha glória,
30º A escravidão feita por homens que vão à Costa Devo entoar o hino da vitória,
d'África comprar os africanos vendidos por seus
Canta
conterrâneos.
Não há no mundo quem tenha
4º A escravidão voluntária.
Como eu tanto poder:
O professor Murici é o autor da música dos conhe- Governando a tóda gente,
cidos cânticos da Noite de Reis. Quanto queira hei de fazer.
Bem poucos conterrâneos nossos sabem dessa cir- O professor João da Veiza Murici faleceu nesta Ca-
cunstância Como poeta, o professor Murici se mostrava pital, em 24 de fevereiro de 1890, aos 84 anos de uma exis-
espírito superior até nas composições mais ligeiras. Como tência txuberante de triunfos e cheia de dissabores e de-
é sabido, o baile pastoril, consiste, principalmente, em senganos.
louvar € enaltecer o nascimento de Cristo, entrelaçada Tal é a vida dos grandes homens que vivem pela pá-
essa composição de episódios profanos, como para ale- tria e para a pátria. (41)
grar ou quebrar a singela monotonia do assunto religioso
(411 João da Veiga Murici, eis ai uma personalidade que
da peça. de Filo-
se presta como poucas para uma tese na Faculdade
Entre os bailes pastorís deixados pelo professor Mu- A sua qualidade de professor de filosofia e de
sofia da Bahia.
rici, destaca-se o da Graça Eficaz, em que uma das per- grego, a sua atuação na imprensa e principalmente o incidente
sonagens, diz: com D. Romualdo constituem assuntos sempre palpitantes por
interessarem diversos setores da vida baiana.
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MANUEL QUERINO
pags.
ASTAOdA GALHO msi nei re es ei eie aaS 161
ASCAVALNAÇAS: osasco raio o sida jera sa Ta no oca 0 ARO ano 166
Os diteitos: dO POVO: «iisiar siabasa mara fado fa aa ata ta ea 169
Acombúta SIGILOrAL -..... jeto praia era nro o a ispata No apare SE 174
E À Bahia e a campanha do Paraguai ............ 180
INDICE OM ECULAMENTO! era lab io Posssererd a aços are 193
Festejos: CAMPESLres 1.0 G salsa ave alo a e era tao re ala ala 196
págs. OMOCOLO. mes eo- nene assi e com rE im 6/64 viafio topo fofoca DONA 202
Za | Ee oO:Colatino nas:buchas” aiii sais ato e nro ri ta O DIY 208
Prefácio a terceira CAiÇÃO: . .)sseajero
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INTRODUÇÃO: ias as ie 9 Ea
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O Natal scr copmtepenoto aro ora ra ro no Toa RR 15
É ; OrRdores dO/DOVO: scro er jé iss foto score jara ra é fare geo te aca are 219
A Noite de Reis aviao io) cistorolqe calota aretolo rate ReR sacia 35 o jo 1 o 994
A Noite primeira de Julho .......ccsesrereers 44 BRs O DELA DOR eo) oa let ea feat aa
; COSTUMES AD MATOES erre ae arara rateio se ooo fo aca tela 234
CRecanças) ca ssaielacavaço ara no)aallo loja o fe caaro lona eo oo cena aE 62 Santar at
Cucumbis: care eraloirrsivio oia fo (etanol olavo oro oesata no snes oVo favo 69 o pie a er co li o ereifNST a 3) eU da Orbis feia cho ra 244
À CAPOBILA cores snes curioso rr 73 ú ndo GADO MC io o io oracao
Milícia, Ordenanças e Guarda Nacional ........ 81 = a ci pç SR E
A procissão de fogaréus .... cen ama 86 A instrução primária .....,..sussissscrsmenos 248
A festa do Espírito Santos. aaa enem 89 Cerração no mar ......... oiii iii iiiisiiioo 250
SUDEISHIÇÃO meses nd De E 92 O Atom ODILISMO: = cre rezermie areias mio al aterro ro vo) aaa 254
A: AMA PUeNISA 13. 7./0rofasopova tato aa paca aaa 99 A segunda-feira do Bonfim ........citicesmenis 256
A Irmandade de Santa Cecília .......cccsececus 103 Os DODOS .. scr rn rr remene sr eemsuereeramemas 267
O Colégio de São Joaquim .....i.cisccscosesers 107 Cantor de AH OCINHAS ocorre o faciais veia é foto colpro oe lea ia 272
Asprocissão de! cinzas er RT 111 E Um baile ........ PR o Fe ane ounaçÃa alo ope o 280
AVIDA NO JAR axo emrcrarer crejpse near a ara 114 Associação Comercial da Bahia ................ 286
A cadeirinha de arruar ......ccpcinsassenananad 122 A retreta .......cuscrere
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A festa da “Mãe dágualtl o 126 O Chafaris do Largo do Teatro ........cciso.. 292
A chapelinha das moças .............liiiosos 128 Pedro Bala ......... ss da sis é ia dae a e o ate o o a mma aça 294
A eXLLEMA-UTIÇÃO) » ra cio ro faço) ntoro jato oia faa Re aro ana a OD Fatal 131 Episódio da Independência MD naserearopesaais a 297 |
Os estudantes de Coimbra .......sccsccs cuca 135 Episódio da Independência (11) AA ei OP E 303
A romaria dos jangadeiros ........cccsessesess 137 Primórdios da Independência .......cccciiisi, 309
Oradores de sobremesa star japao a eiose aaja atada 141 A Litografia e a Gravura ........ciiioirio..., 318
A lavapgemido Bonfim) er oras torto o dana 143 João Nepomuceno da Silva ......ciciiis civis, 321
A guerra das pedras «cera cernieio arecorererara
irao asennraa 158 Manuel Pessoa da Silva sjava/arapiatoVerara ae ie e laVERaÇ 331
João da Veiga Murici .u...iccsiiitissisiriias, 340
348
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e Ligia) Manucl Querino BIBLIOTECA JURÍDICA
Rodrigues de Brito « CRÍTICA DO TESTEMUNHO C. Agartágaray
A ECONOMIA BRASILEIRA Góes Calmon A EVOLUÇÃO Bo DIREITO R. von Iherins
FRONTEIRAS DO BRASIL João Ribeiro O DIREITO PUR É. Picard
CORRESPONDÊNCIA DE RUY Afonso Ruy de Sousa IDEOLOGIA E Ciência POLÍTICA Nelson Sampaio
CULTURA E OPULÊNCIA DO BRASIL André João Anconil ESTUDOS DE DIREIT Yobias Barreto
ORIA DO BRASIL (6 volumes) Robert Southey DO PECULATO Demetrio Tourinho
STÓRIA DA AMÉRICA PORTUGUEZA S. da Rocha Pires CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA Cs Indee comiussiva
ESTUDANTE NA HISTÓRIA DO BRASIL Renaso Bahia QUESTÕES DO DIREITO R. von Iiceiny
HISTÓRIA DE RUY BARBOSA Rubem Nogueira
CONTOS TRADICIONAIS DO BRASIL Luís da Câmara Cascudo
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O RIO S. FRANCISCO (edição ilustrada) Teodoro Sampaio
CÓDIGO FISCAL E EXECUÇÃO DA DIVIDA ATIVA C/ formulários
No Preto: CÓDIGO DE MINAS
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DIALOGOS DAS GRANDEZAS DO BRASIL CÓDIGO DE MENORES
HISTÓRIA DO BRASIL (5 volumes) Pe. Roplucl Gallant
Robere Smith LEI DE FALÊNCIA — NOTAS — FORMULÁRIO E
AS ARTES NA BAHIA ÍNDICE Prof, Gilberto Valente
O BRASIL (edição ilustrada) Ferdinand Dénis
A BAHIA DO SÉCULO XVHI (edição ilustrada) L. Santos Villzna PROBLEMAS DO NOSSO TEMPO
ANCHIETA Pe Pedro Rodrigues
UM NATURALISTA INGLÊS NO BRASIL CJ. Fox Bunbuty O PROBLEMA DAS GRANDES CONCENTRAÇÕES
DIÁRIO DA ESQUADRA DE LORD COCHRAN Fe. Manoel M. P. Dutos URBANAS David Lilienthal
UMA DEMOCRACIA EM MARCHA: O VALE DO
FSPIOES, POLICIAIS E AVENTUREIROS TENESSEE Ebenezer Howard
ESPIÕES A. Kat Graves TEMAS DE NOSSO SECULO
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O HOMEM MEDIOCRE José Ingenierus
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POLICIAIS DE ROMANCE E DE Ea Edmond Locard AS MENTIRAS CONVENCIONAIS Max Nordeaux
SUTTER. CONQUISTADOR DA CALIFORN J. P. Zollinger O SÉCULO TARTUFO Paulo de Montegarss
OURO, ESCRAVOS E MARFIM Theodore Canot OS CRIMINOSOS NA ARTE E NA LITERATURA Enrico Ferri
NO TEMPO EM QUE” os BICHOS FALAVAM L. Câmara Cascudo JUDEUS SEM DINHEIRO Michael Gold
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AVENTURAS DE UM BONECO DE PÃO
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