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FACULDADE PIO XII

Curso de Pós Graduação em Biologia Molecular e Genética

Jaqueline Vitoriano Melo

SÍNDROME DE LYNCH

VILA VELHA
2022
Jaqueline Vitoriano Melo

GENÉTICA MENDELIANA DE DOENÇAS HEREDITÁRIAS

SÍNDROME DE LYNCH

Trabalho da disciplina de Genética


Mendeliana de Doenças Hereditárias,
da pós graduação em Biologia
Molecular e Genética da Faculdade
Pio XII.

VILA VELHA
2022
1 INTRODUÇÃO

A primeira vez que se ouviu falar sobre a SL foi por volta de 1913, quando
Warthin relatou pela primeira vez o caso de uma família com predisposição
para desenvolver câncer gastrointestinal e ginecológico, sendo denominada de
Família G e o seu pedigree foi usado como modelo para identificar outras
famílias com fenótipo similar. Em 1966, Henry Lynch descreveu duas famílias
(Família N e Família M) que possuíam agregados tumorais similares, e atribuiu
essa característica a uma “síndrome de câncer familial” de origem autossômica
dominante. O termo Síndrome de Lynch foi concebido em 1984 e foi
subcategorizado em SL I e II para diferenciar famílias com predisposição
somente ao CCR daquelas com predisposição a tumores adicionais,
respectivamente (BOLAND; TRONCALE, 1984).

Os primeiros dados moleculares a respeito da síndrome começaram a surgir


em 1993, onde foram identificados dois loci de suscetibilidade ao câncer no
cromossomo 2p, (PELTOMÄKI et al., 1993) e 3p (LINDBLOM et al., 1993).
Inicialmente a alteração molecular notada nos pacientes com a Síndrome de
Lynch foi chamada de fenótipo de erro de replicação (RER) e na
contemporaneidade essa característica é chamada de instabilidade de
microssatélites (MSI) (DE LA CHAPELLE et al.,2003). A associação entre a
instabilidade de microssatélites em tumores colorretais e defeitos no sistema
MMR foi feita através de estudos genéticos feitos em bactérias e leveduras
(BOLAND, 2005).

2 TIPO DE HERANÇA GENÉTICA E GENES ENVOLVIDOS

A síndrome de Lynch é caracterizada como um distúrbio do tipo autossômico


dominante de proteínas de reparo de incompatibilidade (MMR) que resulta em
reparo deficiente de erros de replicação de DNA. Sendo assim, esses erros se
acumulam preferencialmente em regiões do genoma chamadas microssatélites
(COX et al., 2018).
Microssatélites são definidas como regiões de sequências de DNA repetitivas,
nas quais um a poucos nucleotídeos apresentam repetições. Durante a síntese
de DNA, mutações podem ocorrer em microssatélites por conta do
desalinhamento de sequências repetitivas, o que causa o alongamento ou
contração do microssatélite. Esta inconstância no comprimento das repetições
de nucleotídeos de microssatélites é concebida como instabilidade de
microssatélites (MSI), como demonstra abaixo a figura 1. Assim, erros de DNA
são geralmente reparados por proteínas MMR; todavia, com a síndrome de
Lynch, esse processo é prejudicado, ou seja, a MSI é a característica genética
padrão de referência da síndrome de Lynch (COX et al., 2018).

Figura 1. O diagrama ilustra o MSI. Acima: Quando uma alça de DNA


incompatível é detectada, ela é devidamente reparada de modo que o número
original de repetições de nucleotídeos (cinco) seja preservado. Abaixo: MMR
defeituoso resulta em diferentes comprimentos de repetições de nucleotídeos
de microssatélites em diferentes células após a replicação. Neste caso, uma
célula tem três repetições de nucleotídeos e a outra célula tem cinco. Essa
variabilidade no comprimento das repetições de nucleotídeos de
microssatélites é chamada de instabilidade.

Fonte: Cox et al. (2018).


Mutações germinativas dos genes MMR MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2 são
diagnósticas para a síndrome de Lynch. Aproximadamente 70% a 85% dos
casos de síndrome de Lynch são causados por mutações em MLH1 ou MSH2,
e as mutações em MSH6 e PMS2 representam 10% a 20% dos casos. Além
disso, a alteração de um gene upstream, EPCAM, pode causar a repressão da
expressão de MSH2, resultando em um fenótipo semelhante a uma mutação
de MSH2. Raramente, a síndrome de Lynch ocorre quando há uma
modificação epigenética da linha germinativa do MLH1promotor, com
silenciamento gênico resultante; esse fenômeno é conhecido como síndrome
epigenética de Lynch. Mutações nesses genes resultam em expressão proteica
deficiente (COX et al., 2018).

3 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

3.1 CANCRO COLORRETAL

O surgimento de cancro colorretal (CCR) em faixas etárias precoces é a


principal consequência clínica da SL. Estima-se um risco cumulativo, aos 70
anos de idade, de 41% para o gene MLH1 e de 48% para o gene MSH2,
enquanto mutações no gene MSH6 se associam a um risco substancialmente
reduzido. Por mais que esses tumores se localizem principalmente ao nível do
cólon direito, eles podem também estar numa localização mais distal,
especialmente em mulheres. O risco de CCR a curto prazo é altamente
dependente da idade, verificando-se um aumento muito rápido desse risco até
à meia idade. A lesão precursora consiste num pólipo adenomatoso,
caracterizado por um elevado grau de displasia e por uma histologia vilosa. A
taxa de progressão para carcinoma é bastante superior quando comparada ao
CCR esporádico, tendo sido estimado um período de 36 meses, o que dá
ênfase à necessidade de realizar vigilância endoscópica em intervalos mais
curtos comparativamente à população geral. Assim, o CCR do espectro da SL
é caracterizado tipicamente pela presença de IMS e geralmente se associada a
um melhor prognóstico quando comparado aos casos esporádicos (SÁ, 2018).

3.2 CANCRO GINECOLÓGICO


O CE é o segundo tumor mais frequente na SL, apresentando um risco
cumulativo altamente variável que se encontra na dependência do gene
mutado. Foi estimado que uma mulher com SL que apresente CCR como
manifestação inicial e que não realize histerectomia como medida preventiva
apresenta um risco global de cerca de 25% de desenvolver CE dentro de 10
anos. O risco de CE encontra-se de igual forma dependente de fatores
hormonais, como a idade da menarca, a paridade e o uso de contracepção
hormonal. A relação observada é a mesma que se verifica para a população
geral, sendo que o risco é menor perante uma menarca tardia, paridade (pelo
menos um filho) e utilização de contracepção hormonal durante pelo menos um
ano. Mulheres com SL apresentam um risco estimado de desenvolver cancro
do ovário de 9%, sendo que estes tumores são tipicamente diagnosticados em
estadios precoces e apresentam bom prognóstico (SÁ, 2018).

5.3 CANCRO GÁSTRICO

Indivíduos com SL possuem risco aumentado de CG, estimando-se um valor


de cerca de 5% aos 70 anos de idade. Esse risco encontra-se particularmente
associado a mutações nos genes MLH1 e MSH2 comparativamente ao gene
MSH6. Apesar do tipo mais frequente ser o adenocarcinoma gástrico, até cerca
de 20% dos casos de cancro gástrico relacionado com a SL pode ser do tipo
difuso. Para além disso, sabe-se que o risco global é também dependente da
área geográfica, sendo superior em regiões onde a incidência de Helicobacter
pylori é mais elevada, o que sugere uma grande contribuição de fatores
ambientais (SÁ, 2018).

5.4 OUTROS CANCROS

A SL confere, de igual forma, risco aumentado para cancro do intestino


delgado, vias biliares, vias urinárias, glândulas sebáceas, cérebro, mama,
próstata e pâncreas. O cancro do intestino delgado ocorre tipicamente ao nível
do duodeno e do jejuno, sendo raro para mutações no gene MSH6. Em
portadores de mutações nos genes MLH1 e MSH2, foi estimado um risco de
aproximadamente 5% para o seu desenvolvimento. O risco estimado de
cancro das vias biliares não excede os 2%, surgindo mais frequentemente em
homens e depois dos 50 anos de idade. Relativamente às vias urinárias, os
cancros mais frequentes ocorrem ao nível das células de transição do ureter e
pelve renal. Existe também evidência de risco acrescido para cancro da bexiga,
particularmente em portadores de mutações nos genes MSH2. Embora a
prevalência de tumores sebáceos - adenomas, epiteliomas, carcinomas e
queratoacantomas - seja baixa na população geral, a sua associação com a SL
encontra-se bem estabelecida, sendo que mutações nos genes MSH2 e MSH6
parecem ser as mais comuns. Nos casos em que a lesões demonstram
hiperplasia não parece haver relação com defeitos em MMR genes. O tipo mais
frequente de tumor cerebral encontrado em doentes com SL é o glioblastoma.
Existe controvérsia quanto à inclusão do cancro da mama no conjunto de
tumores que constituem a SL, embora estudos tenham demonstrado risco
acrescido para o seu desenvolvimento. Um estudo recente demonstrou a
existência de um risco particularmente significativo para mutações nos genes
MSH6 e PMS2. O cancro da próstata não se encontra descrito como fazendo
parte da SL, havendo, no entanto, dados que sugerem risco superior à
população geral. Um estudo demonstrou que esse risco é aproximadamente
duas vezes superior, enquanto outro estudo aponta para um risco cinco vezes
maior. Atualmente, também se sabe que indivíduos com SL apresentam maior
suscetibilidade para cancro do pâncreas (SÁ,2018).

4 TRATAMENTO

O tratamento mais comum da síndrome de Lynch é a ressecção da lesão


índice com vigilância frequente a procura de outros cânceres de cólon e
quaisquer tumores associados em outros órgãos. Como a maioria dos tumores
da síndrome de Lynch ocorre proximalmente à flexura esplênica, a colectomia
subtotal, deixando intacto o retossigmoide, tem sido sugerida como uma
alternativa. Em ambos os casos, é necessário acompanhamento rigoroso
(NGUYEN, 2021).

5 CONCLUSÕES
É importante sempre nos atentarmos às síndromes hereditárias que possam
estar relacionadas ao câncer colorretal, uma vez que sua incidência não é tão
rara, e pode‐se salvar famílias de todas as complicações possíveis,
principalmente fazendo diagnóstico em estágio mais precoce.
REFERÊNCIAS

BOLAND, C.R; TRONCALE, F.J. Familial colonic cancer without antecedent


polyposis. Ann Intern Med, v.100, n.5, p. 700 –70, 1984.

BOLAND, C.R. Evolution of the nomenclature for the hereditary colorectal


cancer syndromes. Fam Cancer, v.4, n.3, p. 211–218, 2005.

COX, V. L. et al. Síndrome de Lynch: Genômica: Atualização e revisão de


imagens. Radiographics, v.38, n.2, 2018.

DE LA CHAPELLE, A. et al. Microsatellite instability. N Engl J Med, v.349, p.


209–210, 2003.

LINDBLOM, A. et al. Genetic mapping of a second locus predisposing to


hereditary nonpolyposis colon cancer. Nat Genet, v.5, n.3, p. 279 – 282, 1993.

NGUYEN, M. Tumores estromais gastrointestinais (TEGIs). Temple


University, 2021.

PELTOMÄKI, P. Role of DNA mismatch repair defects in the pathogenesis of


human cancer. Journal of Clinical, v.21, n.6, p. 1174-1179, 2003.

SÁ, M. O. Síndrome de Lynch – Diagnóstico e Programas de Vigilância.


Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, 2018.

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