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MIGUEL GONZALEZ ARROYO Universidade Federal de Minas Gerais, Nfo pretendemos, nestas notas, uma andlise das relagdes entre teoria politica e teona da administragao, Pretendemos, apenas, oferecer alguns ele- mentos, sem davida dispersos, para uma reflexdo sobre as dimensGes politicas as tendéncias atuais na administrago da educagao no Brasil. ‘Um dos pontos tidos como bésico na politica educacional dos tiltimos tempos diz respeito reforma das estruturas administrativas do sistema, a0 preparo de especialistas em administragao educacional e @ introdugio de modelos e métodos tidos como vélidos na administrago das empresas priva- das. Os discurs0s, leis, decretos, pareceres, relatorios, e 0 conjunto de normas atos que exprimem a politica educacional vém insistindo neste ponto: “a ago no campo educacional obedecerd a zeloso, eficiente e correto emprego de recursos, confiados & execugdo de planos objetivos ¢ racionais ¢ a uma estrutura administrativa atualizada”; “cumpre que os complexos aspectos da frea educacional sejam hierarquizados”; “hd necessidade urgente de preparar quadros técnico-cientificos que 0 planejamento e a administragdo racional da educagdo exigem”; ‘a reforma administrativa da universidade tem 0 proposi- to de implantar tum sistema administrativo tipo empresa privada e ndo de servigo pitblico, onde imperem controles exclusivamente internos, objetivos € funcionais que garantam a produgio educativa e impegam a arbitrariedade individual e coletiva”. Estes, entre muitos depoimentos, revelam que a polt- tica educacional coloca a modemizacdo administrativa do sistema como estra- tégia central. A solugZo nfo € posta em criar mais escolas, aplicar mais recu 50S, mas em obter mais e melhor educago com os recursos disponive ‘modernizando as estruturas administrativas, 0s métodos, a organizaydo € funcionamento do sistema escolar, e, sobretudo, criando nos administradores valores ¢ atitudes para a mudanga e inovagdo. Como elementos para uma reflexio sobre a dimensio politica dessas tendéncias na administragio da educago poderemos levantar algumas ‘questdes, Por que a prioridade dada aos aspectos administrativos como solu- 540 para os problemas cronicos da educagZo? quais os condicionantes e 0 contexto sécio-politico e econémico das reformas e teorias administrativas aplicadas ao sistema educacional? que interesses as tornam reformas e teorias 36 dominantes? qual a vinculacdo entre a pritica da administraglo e algumas das dimensies centrais na politica: poder, Estado, liberdade, participacio? & 2 revolugdo tecnol6gica e a divisio do trabalho que configuram a organizagao social ¢ econémica, ou é a organizacfo social e econémica que configuram a revolugdo teenolégica e a divisdo do trabalho? A primeira questo sobre @ qual propomos um debate esta relaeionada com os determinantes e 0 contexto sécio-politico e econdmico em que surge ese incrementa, entre nds, aestratégia de aplicagdo das teorias administrativas 20 sistema educacional. Esta politica se insere numa politica mais ampla de “educaco para 0 desenvolvimento”. O propésito central € a modemnizagdo ¢ racionalizagz0 das instituigdes que complementam o sistema de produedo. Partese do suposto de que o grau de desenvolvimento da economia doméstica esté condi- cionado pela falta de cficigneia ou & nfo disteibuigfo racional dos recursos escassos para fins mais produtivos. A solugdo € posta no aperfeigoamento e modemizagio do imperfeito e anacrénico sistema administrativo. A necessi- dade de modemizacéo da educagdo ¢ justificada pela vinculagio especifica cexistente entre escola, preparo de recuisos humans e construgdo de tecnolo- ia. Hi, ainda, um motivo especial para insistir na racionalizacdo do sistema escolar: a morosidade tradicional deste sistema em acompanhar o ritmo de evolugio da drea econdmica e técnica; “o conseqiiente dessjustamento entre 08 sistema de ensino e o meio a que pertencem, constitui a esséncia da crise ‘mundial da educagdo”. Uma das expressdes deste desajustamento estaria na inércia inerente aos sistemas de ensino que os tem levado a funcionar apatice- ‘mente na adaptagdo de suas estruturas internas as necessidades externas, ainda mesmo quando a escassez de recursos no constitua 0 principal obstaculo & adaptago. O ajustamento entre educagdo ¢ sociedade é visto principalmente fem termos de introduedo de uma administragdo mais dindmica e racional: “a imprescindivel revolugo no ensino deve comegar pela sua administragao”. E interessante prestar atengGo a dimensio politica de tal quadro clinico sobre a crise dos sistemas econdmicos chamados subdesenvolvidos, e especifi- camente sobre a crise do sistema escolar. Somente assim entenderemos a rele- vincia dada a solug6es de ordem administrativa. Este diagnéstico exclui a possibilidade de que as economias centrais desenvolvidas sejam responsiveis, da “ineficigneia” das economias periféricas. A causa do problema seria interno: o fato de o sistema estar operando irracionalmente, ‘A mesma andlise 6 feita para a educacdo. O proprio sistema escolar responsabilizado pelos problemas cronicos que 0 afetam, por estar irracional- mente administrado, A dimensfo politica deste quadro elnico esta em que dando énfase a irracionalidade administrativa do sistema, desvia-se, consciente ou inconscientemente, a atengo dos fatores estruturais, verdadeiros respon: siveis dos fracassos da escola. Oculta-se que a orginizagdo da produgdo, a divisfo técnico-social do trabalho, a distribuigdo da riqueza e do poder em uma sociedade sao fatores condicionantes da distribuigd0 dos recursos educa: 37 cionais, da quantidade, qualidade ¢ nivel de educagZo que pode ser atingido ‘em cada grupo social ‘Sem davida que, em uma sociedade desigual, o sistema escolar pode estar distribuindo desigualmente a educagao com maior e menor grau de eficiéncia, Mas 0 fate de ele distribuir a educagZo de ma:eira desigual, em quantidade e qualidade, pode ser um sintoma de racionalidade. A irraciona- lidade esta em pretender uma escola igual e igualitéria numa sociedade onde © sistema s6cio-econdmico ¢ politico tem que ser desiguais. A itracionalidade, pois, deveria ser buscada no modelo de economia e sociedade. O ajustamento ue se pretende com as reformas administrativas nfo questiona a irracionali dade da sociedade e da economia, Pretende-se antes, reforgé-las. sistema escolar, em muitos paises, ndo esté adaptado a acompanhar as mudangas econémicas, politicas e culturais que sfo exigidas por uma fase especifica da evolugao desse modelo ecuntinive. Este exige mao-de-obra ‘mais educada, mais modemizada, com novos valores de eficécia, amor ao tra- batho, dedicaeo; ¢ mfo-de-obra mais produtiva, melhor qualificada, Exige do sistema escolar que se expanda, mas sempre ajustado ao sistema econdmi- Go e asa capacidace de incorporar os egresios da escola As necesidades da forga de trabalho. Este tipo de ajustamento ou racionalidade do sistema escolar deve ser visto na dimensio que ele tem. F o ajustamento e a racions- lidade que correspondem a necessidades especificas de um modo de produ- G40, e como tais devem ser percebidas com visio critica por quantos dedicam Sua reflexdo ¢ a¢Go aos problemas da administragdo e planejamento da educa g40. O problema, pois, no é tomar o sistema escolar mais racional, mas per- guntar a que objetivos serve a racionalidade e quem se beneficia em ultima instdncia, com tais objetivos. Igualmente 0 problema nfo pode ser reduzido 4 aplicago das ciéncias sociais administracdo escolar, nem & introdugdo de ‘técnicas administrativas modernas para fazer que a escola seja mais produtiva. desafio esta em encarar com realismo a que tipo de “produtividade” server as ciéncias sociaise as técnicas administrativas tidas como modernas. ‘Apés alguns anos de aplicago de principios de racionalidade adminis- trativa nos assuntos educacionais, caberia perguntar em que medida o sistema escolar vem contribuindo para corrigit a irracionalidade e desigualdade da sociedade, para uma organizagfo da producdo mais participante, para uma divisto t6cnico-social do trabalho menos hierérquica, para maior distribuicao da riqueza e do poder na sociedade. Hi sintomas de que o sistema escolar vem. contribuindo para o contrério. Em nome da aplicacdo racional dos recursos escassos vem sendo dada prioridade as reas urbanas, aos pélos de desenvolvi- mento, a formago de recursos humanos para as dreas técnico-cientificas, aos cursos de exceléncia, etc. Em sintese, devemos captar que interesses tornam as reformas e teorias administrativas aplicadas & educagio, reformas € teorias “dominantes”. 38, A introduedo no sistema escolar dos mecanismos e da logica administra- tiva que predominam nas empresas modernas, pode ser analisada em outra mensfo. Podemos refletir sobre a vinculaggo entre administragao e algumas das reas centrais da politica: poder, Estado, liberdade, participacio. Esta vinculagdo torna essencialmente politica qualquer teoria e pritica da adminis- tragio. ‘A administragdo tem sido vista como 0 exere{cio do poder por intermé- dio de um quadro administrativo, que atua como elemento mediador entre os que detém 0 poder de decisio e 0s stiditos. O processo administrativo, seja na esfera privada, seja na piiblica, ndo teria como funeéo primeira o aumento da produtividade da empresa, mas a reproducdo das relag6es de poder que so funcionais a manutengdo da sociedade civil, a manutengdo das relagOes entre capitaltrabalho na empresa de produgdo. A insisténcia em apresentar a racio- nalidade administrativa como necessidade “natural” ao hom funcionamenta das instituig6es oculta a dimensio politica de todo processo administrativo. Esta dimensio politica da administracdo toma-se mais evidente se anali- samos as condigGes histdrieas de ordem sOcio-econémica em que aperecem € se reproduzem as teorias e priticas da administragGo. Elas nfo podem ser vistas apenas como vinculadas a condigdes politicas ou a formas mais ou ‘menos democriticas ou autoritérias de poder na sociedade e na empresa, Os condicionantes devem ser buscados na ordem s6cio-econémica ou na vincu- lagGo entre a historia da teoria da administragio e a historia dos modos de producdo a que servem. A evolucdo das préticas ¢ estruturas administrativas © sua fungZo politica como mediadoras na produgdo das relagSes socias, 86 podem ser compreendidas se analisado o modo de produgo da sociedade e as peculiaridades que adquire num dado momento histérico. A administrago ‘no vive apenas do exercicfo do poder de decisfo. A dimenstio de controle {que ela implica apdiase em fundamentos econémicos. A crescente raciona- lizagdo da economia, a divisio do trabalho, a especializagdo profissional, a separago entre trabalho manual e intelectual, entre fung6es de direcéo e fungoes de execuedo, e sobretudo, a crescente separagZo entre trabalho e controle dos meios de produgdo ¢ a conseqiiente tendéncia a “proletari- zagdo” da forga de trabalho, ¢ & redugio dos produtores auténomos, estariam levando a necessidade de estruturas administrativas mais racionais, de meca- rnismos de decisdo mais controlados, de uma forca de trabalho mais hierarqui- zada, de sistemas de informagGes mais sofisticados e de um corpo gerencial norteado por valores de eficiencia, racionalidade, controle, produtividade.. Hoje contestase se a crescente divisio e especializago das fungoes ¢ tantos outros mecanismos de controle e hierarquizago nas empresas moder- nas sfo inerentes ao aumento de sua produtividade e a chamada revolugao tecnologica ou so, antes, inerentes 4 necessidade do controle do trabalho pelo capital. Em outras palavras, as tendéncias a maior controle e a estru- turas mais hierdrquicas tem seu fundamento na natureza da empresa de produpfo, Esta empresa cada dia mais complexa precisa destes mecanismos 39 para ser mais produtiva, para maior acumulagSo, mas, antes de tudo, a empre- sa precisa desses mecanismos para se manter como tal, Sua natureza tem por ‘base 0 antagonismo entre capital-trabalho. E, pois, vital para sua manutengio, © controle de tal antagonismo. As estruturas administrativas cumprem essa fungo mediadora no antagonismo bésico entre capital-trabalho, seja contro- lando-o, amortecendo-o, diluindo-o ou justificando-o. Portanto a crescente racionalizagdo administrativa das emprésas tanto piblicas quanto privadas estaria cumprindo um papel eminentemente politico, exatemente no nivel em que © politico atinge mais diretamente o econdmico: no caréter antago- ‘nico do proprio ato e processo de produefo. Em sintese, o fundamento das formas administrativas deve ser buscado na natureza da empresa de produ- 40 que se fundamenta na relagfo autoritéria entre capital-trabalho e a subordinagdo deste aquele A administragdo de qualquer empresa adquitira formas diferentes segundo as relag6es sociais predominantes: propriedade comum, relagdes senhor-ervo, senhor-escravo, capitaltrabalho assalariado, A fungdo de dire- 0 ¢ administragio no pode ser vista como mera fungio de coordenacdo da mfo-de-obra cada dia mais complexa ¢ especializada. Isto seria possivel quando as relagdes sociais fossem de propriedade comum e cooperacio simples. Mas quando as relacdes predominantes na empresa sejam antago- nicas, a fungzo dirigente ¢ administrativa participaré do cardter antagénico conseqiientemente passard a significar uma relagfo de controle ¢ conflito no interior do processo de cooperagfo. Aqui adquire sua dimensio politica a administracdo da empresa, A nivel da empresa privada de producdo esta dimensfo politica parece evidente. Onde situar esta dimensdo na empresa publica e especificamente no sistema educacional? Uma resposta fécil seria argiiir que a empresa estatal, sobretudo a empresa de servicos, tem uma funcZo social e, conseqientemente, nfo obedece @ légica da acumulagdo e nfo reproduz o antagonismo capital. trabalho. Andlises recentes sobre 0 papel do Estado nas economias subdesen- Yolvidas ou periféricas do capitalismo vém mostrando que as relagdes entre Estado ¢ sociedade civil, ¢ entre Estado e economia, estdo se redefinindo. O Estado, com os seus aparelhos, vem perdendo sua ambigtiidade de mero regu- Jador da economia e de drbitro da Sociedade, para se tornar um agente nfo ambiguo. O Estado ¢ visto pelas préprias empresas como um pressuposto geral da producfo. Ele tem que criar e manter as condigées para uma lucra- tiva acumulagd0 ¢ para a harmonia social. Mas 0 Estado no cumpre estas fungdes operando de fora, ou por cima, opera por dentro. Isto é, os recurs0s do Estado seriam, neste caso capital que busca se valorizar também. A empre- sa estatal, inclusive de servigos, obedece pois, & logica da valorizagdo da empresa privada; A empresa ¢ a economia racional pressupGem uma socieda- de racionalizada e um Estado racional. Conseqlentemente a racionalidade administrativa que opera no privado se estende ao setor piblico. E a tendén- cia A expansio e burocratizago da méquina estatal. 40 Mas o Estado se toma cada dia mais presente na economia na medida ‘que se faz mais presente em éreas que reproduzem relag6es sociais e politicas convenientes a manutengdo do modelo econémico. A maior presenga do Estado na administragdo e controle do ensino tanto piblico como privado é uum aspecto dessa tendéncia. ‘A administracZo dos recursos educacionais obedece & mesma légics. A reforma insiste em que o sistema escolar (e, especialmente, a universidade) “deve ser concebido como tim sistema de produeo, como uma verdadeira ‘empresa, cuja finalidade € produzir ciéncia, tecnologia e cultura geral. Como toda empresa moderna hé de racionalizar um proceso de produgio pare atingir o mais alto grau de rentabilidade e produtividade”. O argumento apresentado para justficer a crescente racionalizago do processo educacio- nal tem sido a necessidade de modernizagdo do sistema escolar. As teorias 4a modernizagio tim confundido modemizar com univerealizaedo do eéloulo racional ¢ outros valores que so especificos de um modo de produgdo e ‘organizaedo social. Refletir sobre os interesses a que serve a “modernizaco” « racionalizacdo da sociedade, do Estado e da escola, € um caminho para descobrir 0s motives econémicos e politicos que as justificam, ‘A fungo s6cio-econdmica ¢ politica dos produtos da escola, saber, cigncia, tecnologia ¢ cultura, esté mudando na medida em que eles estic sendo colocados a servigo de novos interesses. Os produtos da escola se tomam, cada vez mais, condiges para uma lucrativa acumulagdo e instrumen- tos de controle social. Conseqiientemente as reformas educacionais propostas pelo Estado perdem sua dimensfo de servigo social para insistir em colocer © sistema educacional a servigo do desenvolvimento econémico ¢ de um desenvolvimento sécio-politico que o garanta. ‘Neste sentido exige-se que o saber a ser produzido pela escola seja um saber adaptado ao incremento da producdo, um saber instrumental, aplicado. A instrumentalizagdo do saber se torna uma necessidade da acumulacgo e do controle social. E exatamente a maior vinculagZo entre o saber e o sistema econémico que tornam necesséria a transferéncia para a administragZo dos pprocessos e da logica racional que controlam a empresa de producdo, Contudo a tentativa de introduzir no sistema escolar mecanismos de racionalizagfo usados na administragdo empresarial no deve ser vista como mera transferéncia de modelos formais para dreas em si diferentes e distantes. Entre a escola ¢ a empresa hd sem divida relagbes profundas e a transferéncia de mecanismos semelhantes de administra¢do vem confirmar tais relacbes. Em outros termos, é a tendéncia a maior relagdo entre escola e empresa, entre © sistema escolar ¢ 0 sistema de producZo no processo de capitalizagdo da economia ¢ da sociedade que reclama a adogGo de formas semelhantes de administragao. (© grau de escolarizacdo deixou de ser um mero credencial de status social para se converter em um dos mecanismos que justificam a distribuigao da populagdo na divisio sécio-técnica do trabalho. A nova empresa industrial 41 cexige ndo apenas operérios com maiores habilitagGes, mas antes de tudo, ope- rérios com uma nova ética, com uma visio nova do trabalho, com atitudes © comportamentos novos, adaptados a complexidade da vida na empresa. Entre estas atitudes estd o sentido de autoridade, obediéncia, racionalidade e eficiéncia, familiaridade e aceitagdo de estruturas hierérquicas... Nenhum sis- tema social tem melhores condigdes do que a escola, de criar nas criangas, futura forga de trabalho, tais atitudes e comportamentos. A familia moderna mais aberta, menos autoritiria, vem perdendo sua capacidade de agéacia educadora de hibitos hierdrquicos de obediéncia e submissio, As igrejas perderam sua influéncia relativa como agéncia socializadora, ou insistem em valores ¢ hébitos mais liberais. A escola vincula-se a empresa pela fungdo socializadora que ela exerce sobre a futura forga de trabalho. Funcdo socializadora que nio é exercida, apenas, nem fundamentalmente, pelos contetides que transmite, mas sabre- tudo pela estrutura e organizago que a escola encama, A introdugdo de ‘mecanismos ¢ préticas que predominam na organizacio empresarial fard da estrutura escolar um agente socializador na medida em que ela reproduz, em sua organizagdo, 0 modelo de sociedade a que haveri de adaptar-se 0 estu- dante quando ingressar no mercado de trabalho. Hi ainda outros motivos que levam a escola a ser uma empresa do saber e conseqientemente a precisar de mecanismos de administragdo empre- sarial. Na ciéncia moderna toma-se cada dia mais dificil a figura do cientista isolado, dono de seus meios de produedo cientifica, Cada vez mais a ciéncia depende do auxitio do poder piblico ou do poder de grupos econdmicos e fundagbes. O poder politico e econdmico faz questo de estar cada vez mais presente nas inveneGes cientificas, como instrumento de concorréncia eco- nOmica e politica, de controle e redefinigo de valores sociais. A ciéncia, pois, se torna um instrumento eficaz nas relagGes Estado-sociedade e entre Estados. A cigncia toma-se cada dia mais um instrumento de poder. Administrar @ produgdo da ciéncia, da tecnologia, do saber e do sistema social que a produz adquire., conseqientemente, uma dimensio politica crescente. A relevancia politica € econdmica do saber, eo controle dos recursos e meios da producto ientifica por parte do Estado, grupos econémicos e fundagbes vem levando 4 separagdo entre 0 produtor da cigncia e do saber, pesquisador-docente, seus “meins de produgio” e a utilizacdo do fruto de seu trabalho. E a mesma tendéncia que ocorre na empresa: a separacio entre trabalhadores e meios de rodugo. Esta mudanga qualitariva na Fungo do saber e da cigncia, ena rela- G40 entre seu produtor, meios de produgG0 e controle do produto, é a base das mudangas na estrutura e funcionamento da escola; na reducdo a categoria de empregados e assalariados do pesquisador, docente e administrador; nos ‘mecanismos de contratagGo; nos graus de autonomia e seguranca no emprego; nna fragmentagdo e hierarquiza¢fo; nos cargos e sildrios; nos mecanismos mediadores entre professoraluno, no controle de curriculos, sistemas de avaliagZ0, processos de seleedo, Devemos insistir em que estas mudangas 42 administrativas ndo so inerentes & produgfo da ciéncia ¢ do saber. Sao, sem daivida, nevessérias & produgdo de um tipo especifico de ciéncia e saber. Sfo ainda necessérias @ reprodugio de um tipo de relagSes sociais dentro do sistema escolar que o tornem eficiente para a producdo desse saber especitico. Estes sfo alguns dos pontos em que se vinculam a administragdo educs- cional e a politica, vinculagfo que torna essencialmente politica” qualquer teoria e pritica da administragao. Examinemos algumas implicagSes da dimensfo politica da administ gfo para a formagio de administradores educacionais e para a pritica dos jé formados. ‘Uma implicaggo evidente serd ndo pretender wins ciueia e wun eientista da administrago educacional “neutro” e “apolitico”. Nao é suficiente formar © administrador que racionalize o processo de produedo escolar. E necessério aque ele tenha uma atitude critica sobre os produtos da escola, sobre a funedo s6cio-econémica e politica do saber, da ciéncia, tecnologia e cultura em cuja producdo ele coopera. Nao seri pelo maior embasamento te6rico e pelo melhor preparo para 0 tratamento “cientifico” dos problemas educacionais ‘que o administrador se tornaré mais “neutro” ¢ eficiente, Cada tipo de saber de cigncia tem sua fungio politica ¢ social, na medida em que esse saber aplicado reproduz relagdes especificas de poder. Toda ciéncia ¢ social e poli- tica, nfo s6 porque pode ser aplicada a servigo de objetivos e interesses espe- cfficos, mas sobretudo porque a ciéncia contribui para formular e confirmar ‘um conjunto de teorias que terminam constituindo-se em poderosos instru- mentos de dominagio ou de transformacio. Este fato ¢ ainda mais evidente nas cidncias socials, entre as quais esti a educacdo, que inevitavelmente refletem e expressam © movimento real da sociedade, Pretender uma ciéncia ‘ou um saber “‘neutro” por ser “‘cientifico” &, como minimo, ingenuidade inrealismo, (A pretendida apolitizagdo da educagio é defendida como uma necessi- dade para o aumento da produtividade. O tratamento administrativo racional, livre de ingeréncias da classe politica, e o embasamento técnico-cientifico dos educadores e administradores fazem parte do processo de apolitizagao da educagGo. A pretendida apolitizacdo da educacZo pode ser na verdade uma despolitizagfo dos educadores ¢ administradores a servigo de interesses politicos especificos. Devemos reconhecer que a tendéncia é um sistema educacional cada dia mais atrelado a interesses politicos e econémicos. Pre tender educadores ¢ administradores neutros e apoliticos faz, no minimo, injustica a histéria da educagdo no Brasil e aos grandes educadores e pensa- dores que sempre acompanharam ¢ estiveram atentos a0 movimento real da sociedade, a seus processos de reprodugao e a vinculagfo entre escola-socieda- de-Estado. 43 A nivel concreto, estas considerag6es implicariam em rever o tratamen- to dado aos problemas educacionais nos programas de administracGo escolar. A insisténcia em abordar o sistema educacional em seus aspectos internos, ‘como um universo sistemiético, formal, organizado, ignorando ou minimizan. do seus determinantes s6cio-econdmicos e politicos, significa um retrocesso em relaggo a tendéncia que predominow no tratamento dos problemas da educagao. Isto implica em retomar nos cursos de administracdo e andlise da escola numa dimensio macro-social, inserida no processo global da formaca0 ¢ transformacio da sociedade. A vinculagdo entre politica e administrago da educagdo levanta outras implicagées para a formagdo de administradores e para a pritica dos jé forma. os. Constatamos como as teorias da administragio no podem ser deslocadas dos mecanismos de poder, liberdade, participagio e igualdade predominantes nna empresa e na sociodade. Constatainos que us movimentos de racionalizaczo © participaedo nfo costumam ser concomitantes, antes ao contrério, a tendém cia a racionalizaggo da empresa, da sociedade e do Estado coincide com a reduedo da participagto. Em nome do aumento da eficiéncia justifica-se a transferéncia do controle das instituigdes sociais para uma elite imbuida de ‘mentalidade racional, supostamente agindo em beneficio de um povo irracio- nal, particularista, sem condigées de conhecer seus interesses e de adminis. ‘rar suas instituigSes, como por exemplo a educagdo de seus filhos. Em nome da administracZo racional, a participagdo dos pais e dos grupos sociais na for- magio da politica educacional, na definigao de objetivos e contetidos para a educagdo, vem tornando-se mais remota, Seré inerente & administraco mais racional dos bens piblicos a tendéncia a concentragdo e a reduedo da partici. pacio? E possivel uma administrago que leve a uma maior participasao de todas as camadas no processo educative? que implicagdes traria para os curriculos de administragi0 escolar um sistema de educa¢o com estruturas ‘mais participantes ¢ igualitérias? A questo da democratizagfo da administrago da educagdo_ no pode limitarse & retomada da temética liberal clissica em toro da privatizagdo versus estatizagdo, descentralizagi0 versus centralizagio. Nao se trata de Pretender retomar a um liberalismo politico-administrativo proprio de Sociedades de economia competitiva. A sociedade brasileira vem trilhando ‘outros rumos: uma economia concentrada, e um Estado com fungdes econd- ‘micas € sociais cada vez mais marcantes, Se a crescente presenca do Estado na administragdo e controle dos servigos da sociedade tende a limitar a articipacZo, nem por isso 0 controle por grupos privados garante a maior articipagdo, e a distribuigdo mais igualitéria, A histéria da educago € um exemplo elogiente. Democratizago da administragdo da educago nfo significa eliminar a presenga do Estado dos servigos piblicos, mas buscar mecanismos para submeter as decisdes do estado a0 debate e ao controle pela opinigo publica, pais, grupos e partidos. 44 Este controle, porém, no pode limitar-se a mecanismos formais simbélicos como 2 maior presenca dos pais e da comunidade na escola. A proposta ndo é, também, no sentido de que outras elites intelectuais, politicas ou religiosas (que sempre se debateram nos tradicionais confrontos fem tomo da educacdo e que foram mantidas numa oposigzo silenciosa, quando nao foram cooptadas a aderir a0 modelo tinico) apresentem modelos alternativos para a educacio. A solugdo, aparentemente mais democratica info foge do tradicional tratamento elitista da educagdo. Nenhum dos grupos intelectuais, religiosos, técnicos, sejam da situagfo ou da oposigo, tem elegagdo do povo para definir e administrar a educacéo que ao povo convém. ‘A redemocratizagao das estruturas, da organizago ¢ dos contetidos da educagdo, implica num sistema educacional que sendo produtivo englobe a complexidade, diferenciagdo e até conflito de interesses pliblicos, existentes ‘na trama real das forgas que compfem nossa sociedade. Em outros termos ¢ democratizago do sistema escolar implicaré em formas de administragzo ¢ funcionamento que superem a irresponsabilidade da elite técnica dirigente, perante a clientela do sistema educacional, Isto supSe, a0 menos, reconhecer que © proprio conceito de produtividade — que tem estado na base das reformas administrativas — nfo & homogéneo. A heterogeneidade de interesses na drea educacional € confirmada pelo cardter polémico que caracterizam @ hhist6ria da educagéo no Brasil Esta perspectiva no pretende cair na ilusio de esperar que as massas definam a educagdo que thes convém e organizem a escola que melhor atenda as suas necessidades reais. No podemos esquecer que as proprias massas, pelas condigdes de marginalizacZo a que esto submetidas s4o incapazes de reagit 4 manipulagdo do sistema, demandando uma educego que Ihes garanta alguma participagdo nos frutos do sistema, em vez de uma educagZo que os capacite a participar na construgo de uma sociedade mais igualitéria © movimento seria uma ago pedagégica com base nas forgas sociais existentes, que implique no encontro de intelectuais, educadores,religiosos, administradores, com as bases da sociedade, as massas urbano-rurais, onde as nossas estatfsticas acusam 0s mais baixos indices de produtividade escolar ‘esse encontro de educadores, intelectuais e bases, seriam buscados os meca nismos mais adequados de administracio, estrutura e funcionamento de um sistema escolar adaptado as reais necessidades dessas bases da sociedade. A racionalidade e eficiéncia deste sistema no estaria apenas voltada a ade. quacdo meios-fins, mas exigiria a redefinigdo dos préprios fins da educaca0, ‘ou melhor, implicaria em trazer de volta a0 campo de debate educacional preocupagSes que sempre estiveram presentes entre os grandes educadores brasileiros e que o tratamento formal da educago conseguiu marginalizar. ‘A perspectiva proposta é retomar 0 debate em toro dos fins da educa- 40 e no apenas em tomo da adequagao de meios a fins tidos como tnicos © inquestionaveis. O debate sobre os fins da educagio, inclufdos na preocupa- ‘940 dos especialistas em administracZo escolar, implicaria em aceitar que nfo 4s existe uma racionalidade neutra, ou que a escola por mais racional pode estar a servigo de uns fins e nao de outros. Em ovtras palavras implica em retomar uma perspectiva mais rica do ato de educar o homem para a sociedade. Aceitar que no existe um modelo predefinido nem de homem nem de sociedade e que todo modelo predefinido termina sendo algo imposto a servigo de interesses de alguns dentro de uma sociedade. Estas considerag6es tém implicages para a reestruturagdo dos centros de formaggo de educadores ¢ administradores educacionais. Urge repensar as recentes reestruturagSes das faculdades de educagdo que levam a separagio entre o especialista habiitado para fazer — orientar, supervisionar, adminis- ‘rar ~, 0 educador formado para um pensar — critico, Nao esquecer que esta separagdo entre saber ¢ fazer é funcional e estd na base de um modo de produglo especifico ¢ reproduz a divisio técnico-social do trabalho que ele gera. A proposta implica em retomar, como objetivo central dos cursos, & formagio do educador — docente, administrador, orientador... capaz de um fazer pensado, eritico, atento a0 modelo de um homem a ser educado e 38 relagoes entre a escola e a sociedade. Visar a formagdo do educador-adminis- ‘ador implica antes de tudo em libertar os cursos de pedagogia da camise de forga esterilizante, das especializagdes e habilitagSes prematuras, acriti- 2s, supostamente demandadas por um cercado de trabalho “modemo”. A ‘proposta significa superar a relaedo simplista entre universidade e mercado de trabalho demandado por um'modelo especifico de organizagfo escolar. A sociedade, 20 menos certos grupos sociais, demanda também homens que desempenhem a funedo nova de educadores e intelectuais criticos, stiativos, capazes de redefinir junto com as bases a organizagio escolar existente, recolocando-a a servigo de uma nova cultura, de novos valores e de novos fins Em sintese, as propostas para democratizar a administrago da educs- $40 vo no sentido oposto as tendéncias que vém predominando ultimamente. Em vez de mecanismos administrativos que tém levado a concentragio do poder ¢ das decisoes em mfos de grupos de espertos que propdem as refor- ‘mas, planos, prioridades ¢ contetidos bisicos para uma massa considerada como meros clientes e consumidores. A proposta pretende criar mecanismos ‘que permitam maior participacZo de setores da sociedade na definigzo das politicas, na administragdo e planejamento do sistema educacional. Frente 4 tendéncia a administrago da produgio e dos servigos piblicos que se toma politica na medida em que reforca 0 poder e exclui a participacdo, deve- mos responder com mecanismos politicos, de participagdo e controle pela opinigo pablica, pelos pais, associagdes, partidos, grupos religiosos, intelec- tuais... O problema, pois, € como encontrar mecanismos que gerem um processo de democratizagao das estruturas educacionais através da partici ppardo popular na definigo de estratégias, na organizagio escolar, na aloca- G40 dos recursos e sobretudo na redefinicao de seus contetidos e fins. Fazer com que a administragdo da educagao recupere seu sentido social. 46 me A UNIVERSIDADE, SUA ESTRUTURA E FUNCAO Se PEDRO L. GOERGEN Universidade Estadual de Campinas 1. INTRODUGAO A piimeira questo que se coloce, ao falarmos da ‘universidade brasilei- 12, € se as nossas instituieGes de ensino superior, assim designadas, realmente fazem jus a este nome. Tomando por parimetro as instituigoes universitérias de mages ma's desenvolvidas e de maior tradigdo neste sctor, a resposta certamente deverd ser negativa. Mesmo que as nossas universidedes apresen tem, por vezes, estruturas semelhantes as das universidades estrangeirss, elas ‘io passam de transplantes, que jamis alcangaram a autenticidade que estas instituigdes tém nos seus paises de origem: sua insereio numa realidade Social. A histéria de nossas universidades € demasiado curta para que ela possa ser comparada as seculares instituigGes européias. A primeira universidade bra- sileira foi criada em 1920, sendo abandonada apés cumprir 0 objetivo mais imediato de sua criaglo, outorgar a0 Rei da Bélgice, Alberto I, o titulo de Doctor honoris causa, Bfetivamente, apenas a partir de 1934, quando foi criada a Universidade de Sa0 Paulo, podemos falar de uma ‘universidade bra- sileira’. Um ano ap6s surgia, organizada por Anisio Teixeira, a Universidade do Distrito Federal. Ambos os projetos foram uma tentativa de ultrapassar a ‘mera agregagio de escolas superiores independentes. A terceira ¢ mais auda- ciosa tentativa, conduzida por Darcy Ribeiro, foi a Universidade de Brasilia em 1961. ‘Sabemos que os trés projetos foram frustados em seus propésitos bé: 08 logo apés sua criaglo, de maneira que a ‘universidade brasileira’, permane- cendo fiel & nossa tradigo de escolas superiores independentes, continua sendo, até hoje, uma aglomeragdo de escolas isoladas. “O que se chamou de “universidade’ ndo tinha substancia propria, nem ao nivel estrutural funcional, znem a0 nivel hist6rico. Era uma mera conglomeragio de escolas superiores € lum recurso para preservé-la, fortalecé-las difundi-las, com suas magras virtu. des e seus incontiveis defeitos”.' Quando, nas consideragdes que se seguem, falarmos em ‘universidade brasileira’ estaremos, portanto, nos referindo is instituigBes universitérias aqui existentes, fagam elas jus aeste titulo ou ndo. Nossa intengo, ao abordarmos o tema da ‘estrutura e fungdo’ da uni- versidade, é de apontar alguns problemas encastelados na propria estrutura da 47

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