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UNIP-UNIVERSIDADE PAULISTA

CAMPUS SOROCABA

Apostila de Comunicação e Expressão

SOROCABA/ SP
2012

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APRESENTAÇÃO

Caros Alunos,

Estão reunidos nesta apostila todos os itens da ementa de COMUNICAÇÃO E


EXPRESSÃO para o segundo (2º.) semestre do ano letivo de 2012. Nosso trabalho terá como ponto
de partida os conceitos aqui elencados. No entanto, não deveremos ficar restritos a esse material,
uma vez que a vivência de cada um da sala trará elementos novos para enriquecer nossas aulas.
Os conceitos teóricos abordados nesta apostila são embasados na bibliografia recomendada
pelo curso:
FIORIN, José Luiz e PLATÃO, Francisco. (2008). Para entender o texto: leitura e redação. 17. ed.
São Paulo: Ática.

_____. (2006). Lições de texto: leitura e redação. 5. ed. São Paulo: Ática.

KOCH, Ingedore Villaça & ELIAS, Vanda Maria. (2006). Ler e compreender: os sentidos do texto.
São Paulo: Contexto.
Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – Gestar II. Língua Portuguesa. Brasília: Ministério da
Educação, Secretária de Educação, 2008.
Desejo a todos nós um ótimo semestre e que possamos crescer e aprender juntos.

Profa. Ivani Vecina Abib


ivanivecina@terra.com.br

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ESCLARECIMENTO SOBRE O CONTRATO PEDAGÓGICO:

A. Horário de entrada e saída das aulas;


B. Lista de chamada;
C. Uso do material didático (apostila) nas aulas;
D. Situações quanto ao uso de celular durante as aulas;
E. Trabalhos só serão avaliados se entregues ou apresentados na data combinada;
F. O acadêmico será avaliado, por meio de provas, trabalhos e participações;
G. A divulgação da nota bimestral será através do sistema de informática oferecido pela própria
Instituição aos acadêmicos, por meio de seu R.A.;
H. A revisão de prova, resultante das comparações entre colegas de classe, podem resultar tanto no
aumento ou diminuição da nota;
I. Conhecer e utilizar a BIBLIOTECA da Instituição com o objetivo de promover à PESQUISA
para a realização de Trabalhos Acadêmicos;
J. Ter em mãos o CADERNO DE INFORMAÇÕES ACADÊMICAS oferecido pela Instituição,
para possíveis dúvidas quanto ao montante de faltas por disciplina, calendário referente à semana de
provas e outros.

O cumprimento do contrato pedagógico é de extrema importância para o desenvolvimento


de nossas aulas, pois assim podemos evitar conflitos desnecessários durante o semestre, com o
objetivo de executar o processo de ensino-aprendizagem da disciplina, por meio de estudo e
aplicação dos conteúdos a serem seguidos de acordo com a ementa determinada pela instituição.

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SUMÁRIO

UNIDADE 1: Concepções de leitura, interação autor-texto-leitor, leitura e produção de


sentido e fatores de compreensão da leitura .................................................................05

UNIDADE 2: Texto, contexto e unidade de sentido.....................................................10

UNIDADE 3: Intertextualidade.....................................................................................18

UNIDADE 4:
As informações implícitas: pressuposto e subentendido ................................................28

UNIDADE 5:
Argumentação e linguagem........ ....................................................................................32

UNIDADE 6:
Metáfora e Metonímia.....................................................................................................40

UNIDADE 7:
Texto de opinião e resenha..............................................................................................43

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UNIDADE 1: Concepções de leitura, interação autor-texto-leitor, leitura e produção de
sentido e fatores de compreensão da leitura.

Concepção de leitura

Acreditamos na visão centrada na interação, entendendo-se a leitura como processo


dialógico. Conforme a tese de Bakhtin (2003), o leitor pode construir compreensões diferentes das
contidas no texto e/ou pretendidas pelo autor, a partir de hipóteses e inferências que lhe permitem
posicionar-se diante do insumo textual. Ou seja, “o leitor, ao construir o sentido do texto, o faz
baseando-se em seus valores sociais, seus conhecimentos prévios e suas experiências de vida”
(Souza, 2003, p.97). Esse processo é de natureza sociointerativa, uma vez que as hipóteses e
inferências são constituídas a partir de conhecimentos, crenças, valores, costumes, etc. que, a
um só tempo, resultam de determinados padrões de cultura e contribuem para que essa
cultura se construa e reconstrua, num movimento recíproco, como constituída e constituinte,
segundo a visão de Bourdieu (1998).
Assim, não só o leitor constrói os sentidos do texto, como também constrói a si mesmo a
partir do texto, e essas construções repercutem, de alguma forma, no âmbito social.
Além disso, é preciso considerar que um texto sempre está relacionado a outros textos
(Bakhtin, 2003; Silva, 2003; Souza, 2003) e que a percepção dessa intertextualidade é fundamental
no processo da leitura. É essa dimensão que oportuniza ao leitor a interação, não apenas com o texto
que lê, mas através dele com muitos outros textos e autores, que se relacionam uns com os outros,
formando redes de informação, de pensamento, de sentido, que são constituídas ao longo do
processo histórico.

A interação texto e leitor

É essencial, por parte do leitor, ter uma posição ativa diante do texto para que seja possível
“entrar” nele. É preciso que o leitor mobilize seu conhecimento prévio e suas experiências. A
leitura baseia-se na percepção e na interpretação dos elementos linguísticos do texto, e como
já sabemos, é um processo interativo entre o leitor e o texto.
Como processo interativo entre um leitor e um texto, a leitura pode ser tratada em termos de
competência comunicativa. Um leitor que tenha competência comunicativa é aquele que poderá
entender um texto da maneira como o escritor queria que fosse entendido, porém, leituras
diferentes podem ocorrer e são determinadas por compreensões diferentes do tema em
questão.

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Não há só uma leitura correta, já que existem várias interpretações possíveis para um mesmo
texto. No entanto, não se pode dizer que qualquer leitura é válida.
Em relação aos propósitos da leitura, Grabe & Stoller (2002: 11-13) definem que quando
nós começamos a ler, na verdade temos um número de decisões iniciais para serem feitas. Segundo
os autores, nós geralmente tomamos estas decisões muito rapidamente, na maioria das vezes de
forma inconsciente, como, por exemplo, procurar informações simples, passar os olhos no texto
de forma rápida, aprender através dos textos, integrar informações, escrever, criticar textos e
ler para obter uma compreensão geral.

Leitura e produção de sentido do texto

Segundo (KOCH, 2003, 30), um texto se constitui enquanto tal no momento em que os
parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação linguística, pela
atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e
interacional, são capazes de construir, para ela, determinado sentido.
Nota-se assim que “[...] o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no
curso de uma interação” (KOCH, 2003, 30) e para que os indivíduos construam um sentido
“[...] faz-se necessário o recurso aos vários sistemas de conhecimentos e a ativação de
processos e estratégias cognitivas e internacionais”.

Conhecimento Prévio: linguístico, textual e de mundo.

A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de


conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao
longo de sua vida.
Pode-se dizer talvez que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá
compreensão.
O conhecimento linguístico, o conhecimento textual e o conhecimento de mundo devem
ser ativados durante a leitura para o leitor poder chegar ao momento da compreensão, momento esse
em que as partes discretas se juntam para criar um significado.

O conhecimento linguístico

O conhecimento linguístico, que abrange desde o conhecimento sobre como pronunciar as


palavras em uma língua, passando pelo conhecimento de vocabulário e regras gramaticais,
chegando até o conhecimento sobre o uso da língua, desempenha um papel central no

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processamento do texto. Entende-se por processamento aquela atividade pela qual as palavras, ou
seja, unidades discretas e distintas, são agrupadas em unidades ou fatias maiores, também
significativas, chamadas constituintes das frases. À medida que as palavras são percebidas, a nossa
mente está ativa, ocupada em construir significados, e um dos primeiros passos nessa atividade é o
agrupamento destas palavras em frases com base no conhecimento gramatical de constituintes. Este
conhecimento linguístico permitirá que o processamento do texto continue, até se chegar
eventualmente à sua compreensão.

Como exemplo de conhecimento linguístico, temos a coesão e coerência textual:

A coesão textual pode ser conceituada como o fenômeno que diz respeito ao modo como os
elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram interligados entre si, por meio
de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentidos. (KOCH: 2003, 45)
Já a coerência textual, diz respeito ao modo como os elementos subjacentes à superfície
textual vêm a constituir - na mente dos interlocutores - uma configuração veiculada de sentidos.
(KOCH, 2003, 52).

Observem as seguintes expressões:

a) Maria foi ao cinema, mas está feliz.


mas: expressa idéia contrária.
A coerência está comprometida.

b) Eu tenho um gato.
Meu gato é bonito. Gosto muito do meu gato. Meu gato come peixe.
A coesão está comprometida

Conhecimento textual

O conhecimento textual diz respeito, a saber, por exemplo, de que gênero se trata o texto,
qual a sua tipologia, as características desses gêneros textuais, linguagem verbal e não-verbal etc.

Observe o texto a seguir: A polícia revista criança em favela do Rio.

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-Achou alguma coisa? - Nenhum futuro.

Quem conhece o gênero charge, saberá de pronto a intencionalidade pretendida pelo autor,
explorando a linguagem verbal e não-verbal.

O conhecimento de mundo

O conhecimento do mundo, como sinônimo de conhecimento enciclopédico, diz respeito


às informações sobre determinado tópico, armazenadas na memória do leitor. Metodologicamente,
essa delimitação de termos possibilita maior objetividade e clareza, assegurando níveis de
compreensão mais adequados.
Apesar dessa distinção, é importante considerar que a natureza do conhecimento que o leitor
já possui, seja num nível mais geral ou mais específico, é, em alguma medida, semelhante do ponto
de vista cognitivo, já que se trata do armazenamento dos conhecimentos ou experiências
anteriormente vivenciados.
A charge apresentada traz uma ironia com relação a uma situação que ocorre no Rio de
Janeiro. Assim, aquele que tem acompanhado os fatos, terá um conhecimento de mundo
armazenado que tornará fácil a compreensão do texto.

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Texto para reflexão:

A VOVÓ NA JANELA

Em uma pesquisa internacional sobre aprendizado de leitura, os resultados da Coréia


pareciam errados, pois eram excessivamente elevados. Despachou-se um emissário para visitar o
país e checar a aplicação. Era isso mesmo. Mas, visitando uma escola, ele viu várias mulheres do
lado de fora das janelas, espiando para dentro da sala de aula. Eram as avós dos alunos, vigiando os
netos, para ver se estavam prestando a atenção nas aulas.
A obsessão nacional que leva as avós às janelas é a principal razão para os bons resultados
da educação em países co etnias chinesas. A qualidade do ensino é um fator de êxito, mas, antes de
tudo, é uma consequência da importância fatal atribuída pelos orientais à educação.
Foi feito um estudo sobre níveis de stress de alunos, comparando americanos com japoneses.
Verificou-se que os americanos com notas muito altas eram mais tensos, pois não são bem-vistos
pelos colegas de escolas públicas. Já os estressados no Japão eram os estudantes com notas baixas,
pela condenação dos pais e da sociedade.
Pesquisadores americanos foram observar o funcionamento das casas de imigrantes
orientais. Verificou-se que os pais, ao voltar para a casa, passa a comandar as operações escolares.
A mesa da sala transforma-se em área de estudo, à qual todos se sentam, sob seu controle estrito. Os
que sabem inglês tentam ajudar os filhos. Os outros- e os analfabetos- apenas vigiam. Os pais não
se permitem o luxo de outras atividades e abrem mão da TV. No Japão, é comum as mães
estudarem as matérias dos filhos, para que possam ajudá-los em suas tarefas de casa.
Fala-se do milagre educacional coreano. Mas fala-se pouco do esforço das famílias. Lá,
como no Japão, os cursinhos preparatórios começam quase tão cedo quanto a escola. Os alunos mal
saem da aula e têm de mergulhar no cursinho. O que gastam as famílias pagando professores
particulares e cursinhos é o mesmo que gasta o governo para operar todo o sistema escolar público.
Esses exemplos lançam algumas luzes sobre o sucesso dos países do Leste Asiático em
matéria de educação. Mostram que tudo começa com o desvelo da família e com sua crença
inabalável de que a educação é o segredo do sucesso. Países como Coréia, Cingapura e Taiwan não
gastam muito mais do que nós em educação. A diferença está no empenho da família, que turbina o
esforço dos filhos e força o governo a fazer a sua parte.
É curioso notar que os nipo-brasileiros são 0,5% da população de São Paulo. Mas ocupam
15% das vagas da USP. Não obstante, seus antepassados vieram para o Brasil praticamente
analfabetos.
Muitos pais brasileiros de classe média achincalham nossa educação. Mas seu esforço e
sacrifício pessoal tendem a ser ínfimos. Quantos deixam de ver TV para assegurar-se de que os seus
pimpolhos estão estudando? Quantos conversam frequentemente com os filhos? As pesquisas
mostram que tais gestos têm impacto enorme sobre o desempenho dos filhos. Se a família é a
primeira linha de educação e apoio à escola, que lições estamos dando às famílias mais pobres?
O Ministério da Saúde da União Soviética reclamava contra o Ministério da Educação, pois
julgava que o excesso de horas de estudo depois da escola e nos fins de semana estava
comprometendo a saúde da juventude. Exatamente a mesma queixa foi feita na Suíça.
No Brasil, uma pesquisa recente em escolas particulares de bom nível mostrou que os alunos
do último ano do ensino médio disseram dedicar apenas uma hora por dia aos estudos – além da
aulas. Outra pesquisa indicou que os jovens assistem diariamente a quatro horas de TV. Esses são
os alunos que dizem estar se preparando para vestibulares impossíveis.
Cada sociedade tem a educação que quer. A nossa é péssima, antes de tudo, porque
aceitamos passivamente que assim seja, além de não fazer nossa parte em casa. Não podemos
culpar as famílias pobres, mas e a indiferença da classe média? Está em boa hora para um exame de
consciência. Estado, escola e professores têm sua dose de culpa. Mas não são os únicos merecendo
puxões de orelha.

Cláudio de Moura Castro (economista)

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UNIDADE 2: Texto, contexto e unidade de sentido.

Houve um tempo em que se achava que o significado do texto estava essencial e


completamente nele mesmo. Quer dizer: independentemente do leitor e das condições da leitura
(época, lugar, conhecimento e visão de mundo, por exemplo), o texto se esclarece por si só, tem os
elementos capazes de garantir sua significação.
Decorreriam dessa concepção da leitura de um texto, as seguintes afirmações:
a. Todo texto tem sempre um único significado, ao qual sempre chega o leitor experiente.
b. Cabe ao professor ajudar seu aluno a chegar à mesma compreensão do texto que ele mesmo tem.
c. Significados diferentes atribuídos ao mesmo texto indicam problemas de compreensão dos
leitores.
Mais recentemente, ampliou-se uma posição praticamente contrária, segundo a qual a
significação de um texto está nas mãos (ou na cabeça) do leitor, sem o qual o texto inexiste,
portanto, não tem significado. As afirmativas seguintes são muito comuns entre os adeptos dessa
corrente.
a. Toda produção de significado é válida.
b. O professor deve aceitar qualquer significado produzido pelo aluno, com relação a determinado
texto.

Decodificação: conhecimento da correspondência entre sons e letras.

Vamos agora buscar um caminho entre tantas afirmações.


Em primeiro lugar, é fundamental considerar que, para qualquer uma das posições, não nos
parece existir o leitor passivo. Mesmo a tentativa de extrair do texto e só dele um significado deve
ser percebida como um ato que nunca será inconsciente, nem completamente passivo: de todo modo
emoções, reações diversas, reflexões acompanharão sempre a procura do significado imposto ou
não.
Este ato tem como etapa fundamental, sobretudo no processo inicial de leitura, a
decodificação. (Os leitores experientes costumam passar tão rapidamente por ela, que leem os
vocábulos por agrupamentos sintáticos ou sintagmas). Mas a leitura não para aí: os dados
decodificados precisam ser compreendidos, quer dizer, devem criar um significado.
Conhecemos muitos casos de pessoas que decodificam o que está escrito na página, são
capazes de citar palavras do texto, mas não conseguem atribuir um significado a ele.
Mais adiante, vamos discutir mais a relação entre o conhecimento do leitor e a compreensão
do texto.

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A leitura, enfim, pressupõe uma série de procedimentos complexos, nem sempre bem
conhecidos, nos quais o leitor faz constantes interpretações e reinterpretações, até chegar à
compreensão global do texto.
Por outro lado, não podemos imaginar que o significado do texto esteja integralmente a cargo
do leitor e que ele pode atribuir ao que foi lido qualquer significado. Não podemos deixar de
considerar a leitura como uma parceria mais, ou menos, ajustada, mas parceria. Se não fosse assim,
teríamos não uma interação, uma interlocução, mas um monólogo.
A atribuição de um significado inadequado ou incorreto a uma expressão pode não acarretar
grande problema para a compreensão global do texto. Muitas vezes, deve-se prosseguir a leitura
“supondo”, pelo contexto ou por outros meios, um significado para determinada expressão, em vez
de ir ao dicionário a cada momento, a menos que sinta que o significado seja fundamental para a
compreensão do texto. Com esse procedimento, o leitor atribuirá um significado aproximado, e que
isso não trará grande prejuízo para a compreensão global do texto.
Truncar a leitura muitas vezes compromete mais a compreensão do que atribuir a uma palavra
um significado aproximado.
Os valores que carregamos como resultados das diferentes aprendizagens surgidas das
experiências constituem todos os nossos gostos, aversões, crenças, opiniões, princípios ideológicos
e éticos, etc. Muita coisa, não é? Pois tudo isso entra em cena, quando estamos lendo, e é fator
determinante na nossa opção de começar e de continuar lendo ou não um texto, assim como na
produção de seu significado para nós.
Mais comumente, como um ato de vontade própria, o leitor afasta-se ou se aproxima de um
texto em função de seus conhecimentos prévios. Em princípio, por exemplo, não procuramos ler um
livro em russo, ou sobre medicina ortomolecular, se não sabemos aquela língua, ou não somos
médicos. O russo ou a medicina ortomolecular tem de fazer o mínimo de sentido, até para se tornar
um desafio transponível para nós.
Primeiramente, pensemos no conhecimento prévio como uma entrada no texto.
Um ponto importante dos conhecimentos prévios: o fato de eles serem acionados
inconscientemente pelo leitor, ou por meio da intervenção do professor ou outra pessoa, não impede
que eles sejam, muitas vezes, inadequados, preconceituosos, ou mesmo completamente
equivocados. De todo modo, em todos esses casos, não se pode desconsiderar esses conhecimentos.

Conclusão: Os sentidos de um texto não estão centrados no autor, no próprio texto ou no leitor.
A construção do sentido do texto se faz pela tríade AUTOR – OBRA – LEITOR. Além disso, deve-
se considerar o contexto de produção da obra.

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Contexto de produção.
O contexto de produção de um texto pode ser explícito ou implícito na obra. Todo texto
contém um pronunciamento dentro uma realidade mais ampla.
Segundo Platão e Fiorin (2008), “Nenhum texto é uma peça isolada, nem a manifestação da
individualidade de quem o produziu. De uma forma ou de outra, constrói-se um texto para, através
dele, marcar uma posição ou participar de um debate de escala mais ampla que está sendo travado na
sociedade. Até mesmo uma simples notícia jornalística, sob a aparência de neutralidade, tem sempre
alguma intenção por trás.”

Exercícios – Leia o texto a seguir para responder às questões.

Os desastres de Sofia

Qualquer que tivesse sido o se u trabalho anterior, ele o abandonara, mudara de profissão e
passara pesadamente a ensinar no curso primário: era tudo o que sabíamos dele.
O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros contraídos. Em vez de nó na garganta,
tinha ombros contraídos. Usava paletó curto demais, óculos sem aro, com um fio de ouro encimando
o nariz grosso e romano. E eu era atraída por ele. Não amor, mas atraída pelo seu silêncio e pela
controlada impaciência que ele tinha em nos ensinar e que, ofendida, eu adivinhara. Passei a me
comportar mal na sala. Falava muito alto, mexia com os colegas, interrompia a lição com piadinhas,
até que ele dizia, vermelho:
- Cale-se ou expulso a senhor a da sala. Ferida, triunfante, eu respondia em desafio: pode me
mandar!
Ele não mandava, senão estaria me obedecendo. Mas eu o exasperava tanto que se tornara
doloroso para mim ser o objeto do ódio daquele homem que de certo modo eu amava. Não o amava
como a mulher que eu seria um dia, amava-o como uma criança que tenta desastradamente proteger
um adulto, com a cólera de quem ainda não foi covarde e vê um homem forte de ombros tão curvos.
(...)
LISPECTOR. Clarice. A legião estrangeira. São Paulo. Ática. 1977. p. 11 .

Questão 1 – O narrador afirma que o professor tinha "ombros contraídos". Essa característica, fora do
contexto em que está inserida, pode sugerir várias interpretações, como, por exemplo:
— que o professor era velhinho;
— que era frágil fisicamente;
— que era corcunda;
— que era acovardado e submisso às pressões sociais.

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Mas, levando em conta o contexto, apenas uma dessas possibilidades contém uma interpretação
adequada. Indique qual é essa possibilidade e, com outras passagens do texto, justifique a sua
escolha.

Questão 2 – Há várias passagens do texto que o narrador dá a entender que o professor tomava
atitudes contrárias à sua vontade ou tinha características que não combinavam entre si. Cite ao menos
duas passagens do texto que comprovem essa situação.

Questão 3 – Segundo o texto, os sentimentos da aluna pelo professor eram ambíguos, ou seja, se
contrariavam em alguns momentos.
a) Cite algumas passagens em que se manifestam essas contradições.
b) Qual é o motivo dessa ambiguidade?

Questão 4 - O professor diz: “-Cale-se ou eu expulso a senhora da sala”. Diante disso, a aluna
manifesta dois sentimentos ambíguos.
a) Por que ela se sentiu ferida?
b) Por que ela se sentiu triunfante

Questão 5 – Como se sabe, todo texto revela a visão de mundo de quem o produziu. No caso desse
texto, pode-se dizer que ele foi produzido para mostrar que:
(a) todo aluno nutre pelo professor um grande afeto e se irrita quando não é correspondido.
(b) todo professor se dedica à tarefa de ensinar com extremo cuidado e prazer.
(c) o professor não tinha mais condições físicas para executar seu trabalho.
(d) a relação professor e aluno é sempre tensa e contraditória.
(e) as condições da vida prática e a necessidade de seguir regras e normas podem levar o homem a
reprimir suas emoções.

Leia o texto a seguir para responder às questões

O missionário

Entregara-se, corpo e alma à sedução da linda rapariga que lhe ocupara o coração. A
sua natureza ardente e apaixonada, extremamente sensual, mal contida até então pela disciplina do
Seminário e pelo ascetismo que lhe dera a crença na sua predestinação, quisera saciar-se do gozo
por muito tempo desejado, e sempre impedido. Não seria o filho do Padre Ribeiro de Marias, o
devasso fazendeiro do Igarapê-Mirim, se o seu cérebro não fosse dominado por instintos egoísticos,

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que a privação de prezares açulava e que uma educação superficial não soubera subjugar. E como
os senhores padres do seminário haviam pretendido destruir ou, ao menos, regular e conter a ação
determinante da hereditariedade psicofisiológica sobre o cérebro do seminarista? Dando-lhe uma
grande cultura de espírito, mas sob um ponto de vista acanhado e restrito, que lhe excitara o instinto
da própria conservação, o interesse individual, pondo-lhe diante dos olhos, como supremo bem, a
salvação da alma, e como meio único, o cuidado dessa mesma salvação. Que acontecera? No
momento dado, impotente o freio moral para conter a rebelião dos apetites, o instinto mais forte, o
menos nobre, assenhoreara-se daquele temperamento matuto, disfarçado em padre de S. Pulpício.
Em outras circunstâncias, colocado em meio diverso, talvez que Padre Antônio de Marias viesse a
ser um santo, no sentido puramente católico da palavra, talvez que viesse a realizar a aspiração da
sua mocidade, deslumbrando o mundo com o fulgor das suas virtudes ascéticas e dos seus
sacrifícios inauditos. Mas nos sertões do Amazonas, numa sociedade quase rudimentar, sem moral,
sem educação... vivendo no meio da mais completa liberdade de costumes, sem a coação da opinião
pública, sem a disciplina duma autoridade espiritual fortemente constituída... sem estímulos e sem
apoio... devia cair na regra geral dos seus colegas de sacerdócio, sob a influência enervante e
corruptora do isolamento, e entregara-se ao vício e à depravação, perdendo o senso moral e
rebaixando-se ao nível dos indivíduos que fora chamado a dirigir.
SOUZA, H. Inglês de. O missionário. Rio de Janeiro, Ed. De Ouro. 1997.

Questão 1 – Qual era a aspiração do Padre Antônio de Morais em sua mocidade?


Questão 2 - Mais tarde encontra uma linda rapariga, que lhe ocupa o coração. Que faz ele?
Questão 3 – O narrador mostra que três são os elementos que concorrem para fazer Padre Antônio
abandonar seus ideiais e entregar-se à sedução da linda rapariga. Quais são esses elementos?
Questão 4 – Esses elementos agem em conjunto ou isoladamente?
Questão 5 – O narrador condena as atitudes do Padre, mesmo explicando-as por determinados
fatores. Transcreva a passagem do texto em que se pode perceber essa posição do narrador.

Níveis de leitura de um texto:

Os textos carregam, por trás de seus elementos da superfície, uma unidade de sentido, um fio
condutor que estabelece ordem, harmonia e coerência. Para exemplificar isso, veja essa fábula de
Monteiro Lobato. A partir da observação de dados concretos da superfície, pode-se chegar à
compreensão de significados mais abstratos, que dão unidade e organização ao texto.

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O galo que logrou a raposa.
Um velho galo matreiro, percebendo a aproximação da raposa, empoleirou-se numa
árvore. A raposa, desapontada, murmurou consigo: “Deixe estar, seu malandro, que já te curo!...” E
em voz alta:
- Amigo, venho contar uma grande novidade: acabou-se a guerra entre os animais.
Lobo e cordeiro, gavião e pinto, onça e veado, raposa e galinhas, todos os bichos andam agora aos
beijos, como namorados. Desça desse poleiro e venha receber o meu abraço de paz e amor.
- Muito bem! – exclama o galo. Não imagina como tal notícia me alegra! Que beleza
vai ficar o mundo, limpo de guerras, crueldades e traições! Vou já descer para abraçar a amiga
raposa, mas... como lá vêm vindo três cachorros, acho bom espera-los, para que também eles
tomem parte na confraternização.
Ao ouvir falar em cachorro, Dona Raposa não quis saber de histórias e tratou de pôr-se
ao fresco, dizendo:
- Infelizmente, amigo Co-ri-co-có, tenho pressa e não posso esperar pelos amigos cães.
Fica para outra vez a festa, sim? Até logo.
E raspou-se dali.
Moral: Contra esperteza, esperteza e meia.

Num primeiro nível de leitura, elencamos as ações acontecidas no texto, sem


pensarmos em seus sentidos subentendidos e em sua crítica social. Num segundo momento,
podemos organizar a leitura de modo mais abstrato, em que ambos parecem entrar num acordo, mas
que tudo se dá no nível do fingimento e apensar da aparência. Na estrutura profunda, podemos
perceber que o texto trata da belicosidade e da falsa pacificação.

Leia o texto “O homem e a galinha”, que será estudado nas próximas questões.

O homem e a galinha.
Era uma vez um homem que tinha uma galinha.
Era uma galinha como as outras.
Um dia, a galinha botou um ovo de ouro.
O homem ficou contente. Chamou a mulher:
- Olha o ovo que a galinha botou!
A mulher ficou contente:
- Vamos ficar ricos!
E a mulher começou a tratar bem da galinha.
Todos os dias a mulher dava mingau para a galinha. Dava pão-de-ló. Dava até sorvete.

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E todos os dias a galinha botava um ovo de ouro.
Vai que o marido disse:
- Pra que este luxo com a galinha? Nunca vi galinha comer pão-de-ló... Muito menos
sorvete!
Então a mulher falou:
- É, mas esta é diferente. Ela bota ovos de ouro!
E o marido não quis conversa:
- Acaba com isso mulher. Galinha come é farelo.
Ai a mulher disse:
- E se ela não botar mais ovos de ouro?
- Bota sim! – o marido respondeu.
A mulher todos os dias dava farelo à galinha.
E a galinha botava um ovo de ouro.
Vai que o marido disse:
- Farelo está muito caro, mulher, um dinheirão! A galinha pode muito bem comer
milho.
- E se ela não botar mais ovos de ouro? – a mulher perguntou
- Bota sim! – o marido respondeu.
A mulher todos os dias dava milho à galinha.
E todos os dias a galinha botava um ovo de ouro.
Vai que o marido disse:
- Pra que esse luxo de dar milho pra galinha? Ela que cate o de-comer no quintal!
- E se ela não botar mais ovos de ouro? – a mulher perguntou.
- Bota sim! – o marido falou.
E a mulher soltou a galinha no quintal.
Todos os dias ela botava um ovo de ouro.
Um dia, a galinha encontrou o portão aberto.
Foi embora e não voltou mais.
Dizem, não o sei bem, que ela agora está numa boa casa, onde tratam dela a pão-de-ló.
Ruth Rocha. Enquanto o mundo pega fofo. 2. Ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.

Questão 1 – Todos os dias a galinha bota um ovo de ouro. Botar ovos é seu trabalho. O ovo de ouro
é produto de seu trabalho. No entanto, ele não pertence à galinha, mas a seu dono, que, ao fim de
um certo período, estará rico. Qual é o tema que se pode extrair desse texto?

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Questão 2- Em troca do ovo de ouro, a dona dá sucessivamente à galinha: mingua, pão-de-ló e
sorvete, farelo, milho. No final, não lhe dá nada. A galinha tem de catar o de-comer no quintal. Que
significam as figuras mingau, pão-de-ló, etc, considerando que elas constituem o que se recebe para
produzir ovos de ouro?
Questão 3 – A galinha foi embora porque qause não lhe davam nada em troca do que produzia.
Dizem que está numa casa onde a tratam a pão-de-ló. Essas figuras recobrem que sentido mais
abstrato?
Questão 4 – A mulher estava preocupada com o bem-estar da galinha quando lher dava o que
comer?
Análise do texto “Passeio noturno”
Cheguei em casa carregando a paste cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas,
propostas e contrataos. Minha mulher, jogando paciência em cima da cama, um copo de uísque na
mesa da cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas: você está com um ar cansado. Os sons da
casa: minha filho no quarto dela treinando empostaçao de voz, a mpusica quadrafônica do quarto do
meu filho. “Você não vai largar essa mala?” - perguntou minha mulher - “Tira essa roupa, bebe um
uisquinho, você precisa aprender a relaxar.”
Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar iusolado e como sempre
não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa. Não via as letras e os números, eu esperava
apenas. “Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e
ganham a mesma coisa” – entrou minha mulher na sala com o copo não mão. – “Já posso mandar
servir o jantar?”
A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescido, eu e minha mulher
estávamos gordos. “É quele vinho que você gosta” – ela estalou a língua com prazer. Meu filho me
pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor.
Minha mulher nada pediu, nós tinhamos conta bancária conjunta.
“Vamos dar uma volta de carro?”- convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da
novela. “Não se que graça você acha em pessear de carro todas as noites, também aquele carro
custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens materiais” –
minha mulher respondeu.
Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tirasse o
meu carro. Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei os carros
novamente na garagem (...)
1. Leia o texto e perceba a oposição criada entre a figura do narrador e as das demais pessoas da
família. Que oposição é essa? Faça uma tabela com as figuras que representam essa oposição.
2. Os elementos do texto demonstram que a família possui uma boa condição financeira. Cite ao
menos cinco desses elementos.

17
UNIDADE 3: Intertextualidade
Intertextualidade é um acontecimento que, apesar de ter existido sempre, somente foi
enfatizado nos estudos de linguagem mais recentes. Esse acontecimento é o diálogo que cada texto
faz com muitos outros, antigos ou contemporâneos, de tal forma que nenhum texto emerge,
absolutamente original, nas nossas interações.
Podemos dizer que tudo o que pensamos, fazemos, falamos ou escrevemos tem a ver com o
que muitos pensaram, fizeram, falaram ou escreveram. Da mesma forma, embora nem sempre
tenhamos consciência disso, os textos que produzimos são resultado de influência maior ou menor,
mais clara ou quase imperceptível, de outros textos.
Assim como é impossível imaginar nossas vidas desligadas de todas as outras, é muito
difícil pensar na completa desvinculação dos textos que produzimos dos demais, que circulam ou
circularam na nossa cultura.
É desse fenômeno que vamos nos ocupar nesta unidade, procurando mostrar sua presença
não só no nosso cotidiano, como na produção artística. E, como, mesmo levando em conta esse
diálogo, criamos textos novos, vamos também abordar um outro ponto primordial na consideração
da leitura e produção dos textos: o ponto de vista.
Quando percebemos com clareza o processo da intertextualidade, o papel do ponto de vista e
as influências de ambos em nossa vida diária e no contato com as obras de arte, a nossa leitura de
mundo torna-se mais crítica e mais sensível.
É sempre complicado tentar imaginar o que se passou com nossos ancestrais, lá longe, no
início da civilização. Mas não é absurdo supor que desde lá os homens exercem influência uns
sobre os outros, e que somos hoje o que somos, para o bem e para o mal, como herança das muitas
conquistas e dos muitos problemas que as gerações vão legando às seguintes.
A história “mais recente” da humanidade, a partir da Antiguidade, vem mostrando como
homens e culturas são capazes de deixar marcas indeléveis para a posteridade. Pense na importância
dos gregos e romanos, dos árabes, italianos, franceses, em determinados momentos da nossa
história. Pense na influência dos estadunidenses, hoje.
Outro ponto a considerar é que não são apenas esses fatos “históricos” que contam, nos
rumos de nossa vida: fatos miúdos, do cotidiano só nosso, também são marcados por influências
diversas, exercidas por pessoas mais próximas de nossa vida, assim como nossa atuação influencia
outras pessoas. Enfim, atuamos sobre os outros e somos influenciados pela atuação dos outros.
Um último dado a registrar é o fato de que, sobretudo a partir do final do século XX, na
época chamada de pós-moderna, os avanços científicos e tecnológicos, da indústria cultural e da
chamada globalização marcam muitos, rápidos e simultâneos movimentos sociais e culturais, que
têm traços como:

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1 – A facilidade de reprodução das manifestações culturais: os equipamentos de cinema, de vídeo,
de fotografia e gráficos tornam muito mais acessíveis todos os acontecimentos
e as manifestações artísticas ou não.
2 – O entrelaçamento dessas manifestações: nada mais pertence a um campo fechado. A arte, as
ciências estão agora num campo que não é exclusivo e separado. Nas artes, por exemplo, os
recursos de uma linguagem servem às outras manifestações. Aqui, unem-se música, teatro, vídeo
num mesmo espetáculo. Ali, um filme se vale do romance, da música, do desenho.
3 – Tais manifestações como expressões coletivas. Nelas interferem muitas pessoas, e também são
resultado de muitos outros trabalhos.
Essas características de nosso tempo tornam ainda mais fáceis a divulgação e a
“apropriação” das idéias do mundo inteiro. Voltamos ao ponto inicial: nossas produções acabam
apresentando traços mais ou menos perceptíveis de muitas experiências humanas.
Se conhecimentos, ações e valores são em grande parte a herança das gerações anteriores, ou
resultam do acesso cada vez mais fácil ao mundo globalizado, o mesmo podemos dizer de nossas
interações e, portanto, dos textos que produzimos.
Em todas as situações apresentadas até aqui, percebemos que a “voz” (quer dizer: a
experiência ou a expressão) de alguém, ou de uma comunidade, aparece no que fazemos ou
dizemos. Em outras palavras: de maneira mais ou menos clara, em extensão maior ou menor, nossos
textos retomam outros textos.
Atividade: Leia em seguida o texto de Millôr Fernandes.
Em todos esses casos, estamos praticando a intertextualidade, que pode ser conceituada
como a presença de outras vozes em um texto produzido.
Millôr Fernandes é importante autor de textos poéticos e de teatro, além de jornalista de
projeção nacional. Representante histórico de uma imprensa combativa, participou de projetos
jornalísticos como O Pasquim - periódico de oposição da década de 60 - e Bundas, tentativa de
ressuscitar, de certa forma, o jornal anterior. Seus textos jornalísticos são marcados pela crítica e
pelo humor, características que você vai poder observar agora.
A raposa e as uvas
De repente a raposa, esfomeada e gulosa, fome de quatro dias e gula de todos os tempos,
saiu do areal do deserto e caiu na sombra deliciosa do parreiral que descia por um precipício a
perder de vista. Olhou e viu, além de tudo, à altura de um salto, cachos de uvas maravilhosas, uvas
grandes, tentadoras. Armou o salto, retesou o corpo, saltou, o focinho passou a um palmo das uvas.
Caiu, tentou de novo, não conseguiu nem roçar as uvas grandes e redondas. Desistiu, dizendo entre
dentes, com raiva: “Ah, também, não tem importância. Estão muito verdes.” E foi descendo, com
cuidado, quando viu à sua frente uma pedra enorme. Com esforço empurrou a pedra até o local em
que estavam os cachos de uva, trepou na pedra, perigosamente, pois o terreno era irregular e havia o
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risco de despencar, esticou o pata e... conseguiu! Com avidez, colocou na boca quase um cacho
inteiro. E cuspiu. Realmente as uvas estavam muito verdes!
Moral: a frustração é uma forma de julgamento tão boa como qualquer outra.
FERNANDES, Millôr. Fábulas Fabulosas. Rio de Janeiro: Nódica, 1991.
Questão 1 - Com que texto dialoga mais claramente o texto de Millôr Fernandes?
Questão 2 - Que diferenças você percebeu entre o texto original e este?
Questão 3 - Como o narrador estabelece a diferença entre fome e gula?
Você já percebeu que, se está claro que podemos aproveitar o pensamento dos outros, está
evidente também que esse aproveitamento pode acontecer de muitas maneiras. Quando dizemos que
alguém copiou uma idéia nossa, ou que torceu, distorceu, modificou nosso pensamento. Estamos
mostrando que a intertextualidade pode apresentar-se de várias formas, e é disso que vamos tratar
na próxima seção.

As várias formas de intertextualidade.


Nem sempre é fácil classificar todas as ocorrências da intertextualidade, uma vez que ela
toma extensões e formas muito diferentes, na mesma medida em que o próprio texto tem infinitas
possibilidades de realização.
Por exemplo: as adaptações para a televisão, o cinema e o teatro de determinado romance
podem ser mais ou menos fiéis ao original. Às vezes, a telenovela funde duas ou três obras de um
autor. Em outros casos, ela é “inspirada” em um romance: isso quer dizer que o adaptador se sentiu
muito livre para modificar a história, conservando dela apenas alguns pontos, sua questão central ou
algumas personagens.
Em todo caso, há algumas formas bem identificáveis da intertextualidade, que passamos a
ver agora.

Atividade: Você conhece a história do Patinho Feio, um dos contos infantis mais populares em
todo o mundo, escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen. Faça breves anotações – em
tópicos - sobre o enredo dessa história.
Você fez com a história do patinho feio um tipo de intertextualidade chamada paráfrase.
Trata-se da retomada de um texto sem mudar seu fio condutor, a sua lógica.
Quando alguém diz: “Parafraseando Fulano de Tal…”, está afirmando que vai seguir o
pensamento do autor citado. Quando você resume o capítulo da novela, ou conta uma piada que
você acabou de ouvir, está usando a paráfrase.
Resumos, adaptações, traduções tendem a ser paráfrases. Paráfrase é o tipo de
intertextualidade em que são conservados a idéia e o fio condutor do texto original.

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O patinho realmente feio

Era uma vez uma mamãe pata e um papai pato que


tinham sete bebês patinhos. Seis eram patinhos normais. O
sétimo, porém, era um patinho realmente feio.
Todo mundo dizia: “Mas que bando de patinhos tão
bonitinhos... todos, menos aquele ali. Puxa, mas como ele é
feio!”
O patinho realmente feio ouvia o que as pessoas
diziam, mas nem ligava. Sabia que um dia iria crescer e
provavelmente virar um cisne, muito maior e mais bonito que
qualquer outra ave do lago.
Bem, só que no fim ele era apenas um patinho
realmente feio. E quando cresceu, tornou-se apenas um pato
grande realmente muito feio. FIM.

Questão 1 – Além de claramente dialogar com a narrativa de Andersen, há dentro da própria


narrativa acima um outro momento de diálogo com o conto clássico, quando o pato parece “prever”
um futuro melhor para si. Esse dado lhe parece aumentar ou diminuir a decepção final?
Questão 2 – Qual foi a única novidade que o crescimento trouxe para o patinho?

Jon Scieszka é um escritor norte-americano de grande projeção. A maioria de seus contos


reescrevem os clássicos infantis de um ângulo diferente e de forma sempre humorística.
Possivelmente, O Patinho Realmente Feio é muito diferente da história que você contou, um
pouco antes: o fio condutor rompeu-se, com relação ao conto matriz. A idéia da compensação do
sofrimento, da transformação, por exemplo, desaparece aqui.
A narrativa original vem subvertida. Neste caso, temos uma paródia.
Paródia é um tipo de processo intertextual em que o texto original perde sua idéia
básica, seu fio condutor. A narrativa é invertida, ou subvertida. Freqüentemente, a paródia é
crítica e questionadora.
A paráfrase e a paródia são processos intertextuais que abarcam o texto todo.
Outros processos da intertextualidade dizem respeito a uma retomada de pontos específicos
de determinado texto.
Depois de expressões como “Bem diz minha mãe que…”, ou “Como dizia meu avô ...”,
sempre surge uma citação.

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A epígrafe também é sua conhecida: é um texto, em geral curto, transcrito no início de outro
texto, para indicar que o pensamento desenvolvido nesse último tem a ver com o outro, justifica-se
a partir do outro. Ela ocorre tanto em textos literários como científicos.
É um tipo de citação, com a particularidade do espaço em que aparece. A própria citação de
Paulo Freire vira epígrafe frequentemente.
A referência bibliográfica, que fazemos em nossos trabalhos, está relacionada também com
essa prática intertextual: estamos dizendo que lemos muito e que não estamos sozinhos na
exposição de nossas idéias. Quando dizemos que alguém é referência em alguma coisa, estamos
afirmando que seu pensamento orienta a posição de outras pessoas.
Existe ainda a alusão, que é o aproveitamento de um dado de determinado texto, sem
maiores explicitações. Como a alusão não indica a fonte, é um dado mais vago, e o conhecimento
do interlocutor é fundamental para percebê-la ou não.
Vale lembrar que nem sempre temos a consciência de que estamos sendo “intertextuais”, da
mesma forma que o reconhecimento da intertextualidade pelo interlocutor exige uma razoável
“leitura de mundo”.
Depois de tantas retomadas do pensamento alheio, você pode estar se perguntando: onde fica
a originalidade dos textos? Na perspectiva da intertextualidade, existe plágio?
O ponto de vista.
Por que, sempre dialogando com toda a produção cultural anterior, sempre criando a partir
de um texto original, também chamado matriz, dizemos que o ato de interação (na sua realização –
o texto) é um acontecimento “irrepetível”?
Sabemos que o texto ocorre em determinada situação histórico-social e cultural, o que
significa dizer que está sempre exposto a transformações. Cada época e cada lugar assimilam os
acontecimentos da vida e os interpretam de acordo com seus próprios dados. Isso, que ocorre com a
sociedade, ocorre também com cada indivíduo.
Portanto, o diálogo que o sujeito e a sociedade fazem com os textos de outra época e outro
lugar apresenta a maneira particular de olhar que têm tal sujeito e tal sociedade.
Esse olhar peculiar define o ponto de vista. Vamos desenvolver mais essa ideia. O ponto de
vista tem dois sentidos, um concreto e um abstrato. No sentido concreto, ele indica o lugar real,
físico, de onde você vê alguma coisa, que também ocupa um lugar.
Faça uma experiência: sua casa tem muitos lados, quatro, no mínimo, sem contar o telhado.
Dificilmente esses quatro lados serão iguais: mesmo que a construção seja idêntica nos quatro lados
– o que já é pouco provável –, sempre haverá em torno dela plantas, ou cimento, ou a paisagem lá
atrás, algum elemento que torne um lado diferente do outro. Possivelmente, você gosta mais de um
do que de outro.

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IMPORTANTE: Diretores de cinema, fotógrafos, pintores, que entendem muito bem
dessas coisas, escolhem cuidadosamente de onde vão filmar ou pintar, para dar ao “leitor” a
impressão de algum objeto ou pessoa muito grande ou muito pequena. Em outras palavras,
eles escolhem o ponto de vista, ou o ângulo de onde vão fazer o leitor ver determinada cena.
Com isso, criam a sensação de força e poder, ou de insignificância e desamparo.
Aliás, a arte trabalha essencialmente com interpretações, e as grandes obras de arte
estão sempre nos convidando a rever o mundo a partir de uma nova ótica.
Assim como todos os seres animados ou inanimados têm lados, concretamente falando, os
acontecimentos também podem ser observados de lados ou ângulos diferentes. O mesmo fato vai
ser percebido, portanto, de maneira um pouco diferente, conforme o lugar de onde esteja sendo
analisado. Tudo isso que estamos imaginando é bastante objetivo: os ângulos criam possibilidades
de visão, mas também impedem outras. Pense , agora, que o ponto de vista tem também um sentido
abstrato: a visão que você tem de qualquer pessoa ou acontecimento, em decorrência da sua
história, de suas experiências ao longo da vida, de seus valores, pode ser totalmente diferente da de
outra pessoa, que tem forçosamente outra história.
Exercício: Observe essa charge de Quino. É muito difícil fazer o que Quino consegue: num único
quadro, mostrar com tanta clareza reações variadas, portanto, pontos de vista diferentes com relação
a um fato ou cena. Vamos interpretar a figura?

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Questão 1 – O primeiro ponto a considerar é o aproveitamento de uma cena célebre do cinema,
com um dos diretores/atores mais importantes de todos os tempos, criador de uma personagem ao
mesmo tempo lírica e poética, a que aparece na tela da charge.
a) Quem é o diretor/ator?
b) Quem é a personagem?
c) O que mostra a cena do filme?
Questão 2 – Encontramos intertextualidade aqui? Justifique.
Questão 3 – Na charge, percebemos três grupos reagindo à cena do filme. Observe a localização
dos três grupos, o preço e o aspecto de cada balcão, o número de pessoas em cada balcão e o
aspecto de cada grupo. Com base nisso, faça uma pequena análise da crítica social que a charge
veicula.
Questão 4 – A cena pertence a uma comédia. A própria cena é cômica, pelo inusitado, ou absurdo:
o homem está comendo o cadarço da bota, como se fosse um macarrão. Por que os três grupos
reagem à cena de modo tão diferente?

Os ângulos diferentes de ver o mundo e suas ocorrências devem nos ajudar a pensar e
valorizar a democracia: se a mesma coisa tem muitos lados, não podemos simplesmente determinar
que o lado que nós vemos é o melhor, muito menos o único. Essa é uma ilusão autoritária, que nos
cabe combater.
E a originalidade? E o plágio? Esperamos que tenha ficado claro que o olhar diferente
lançado sobre um texto cria um texto diferente, em alguma medida, original. Se houver uma pura e
simples cópia do texto, sem a agregação de nenhum ângulo novo, nenhuma diferença (ainda que
seja a síntese) significativa, então temos o plágio, que pode ser mais, ou menos, consciente. Diante
do plágio, o melhor é buscar o original, ainda que para usá-lo em outro contexto, não é mesmo?

Observe o seguinte texto não verbal.

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Dissociadas, essas duas imagens não constituem uma crítica ao modelo preconceituoso que
vigorava nos Estados Unidos. O contexto em que essa fotografia se insere só é apreendido na
totalidade da imagem. Veja:

Sampa

Caetano Veloso

Alguma coisa acontece no meu coração


Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee


A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto


Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
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E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas


Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba


Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

Exercícios sobre a música “Sampa”


Questão 1 – Sampa refere-se à cidade de São Paulo. O texto relaciona lugares de São Paulo, bem
como poetas, músicos e movimentos culturais que agitavam a cidade na época em que foi escrito.
Identifique essas três referências.
Questão 2 – A mitologia grega apresenta o mito de Narciso. Conta a narrativa mítica que Narciso,
rapaz dotado de grande beleza, um dia, ao curvar-se sobre as águas cristalinas de uma fonte, para
matar a sede, viu sua imagem refletida no espelho d’água e apaixonou-se por ela.
Suas tentativas frustradas de aproximar-se dessa bela imagem levaram-no ao desespero e à
morte. Transformou-se então na flor que tem o seu nome. Freud, ao estudar esse mito, considera-o
uma explicação da existência de personalidades que só amam a própria imagem.
a) Indique uma passagem do texto que faz referência ao mito de Narciso.
b) Qual é o sentido dessa passagem, tomando como referência o mito de Narciso?

Questão 3 – É um clichê muito difundido a afirmação de que São Paulo, ao contrário do Rio, nunca
produziu samba. Indique a passagem do texto em que se faz alusão a isso.

Questão 4 – Há no texto uma referência a uma particularidade climática de São Paulo, que serviu
durante muito tempo de designativo da cidade. Qual é ela?

Questão 5 – O sentido global construído pelo poema autoriza concluir que:

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a) São Paulo não inspira amor primeira vista, mas aos poucos começa-se a perceber seus
encantos e termina por gostar dela.
b) São Paulo é uma cidade feia, que inspira aversão.

c) São Paulo é uma cidade que inspira amor à primeira vista.

d) São Paulo deixa as pessoas indiferentes, não inspira amor nem aversão.

e) São Paulo inspira, ao mesmo tempo, amor e ódio.

Há intertextualidade entre as duas produções artísticas reproduzidas a seguir? Um observador que não
conhecesse a obra “O nascimento de Vênus”, de Botticelli, entenderia a releitura de Maurício de
Sousa? Justifique sua resposta.

O nascimento de Vênus – Botticelli

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Mônica no nascimento de Vênus – Maurício de Sousa

UNIDADE 4: As informações implícitas: pressupostos e subentendidos.


Não é apenas na nossa experiência de mundo, no contexto da interação ou no conhecimento
compartilhado que temos com nossos interlocutores que encontramos as “pistas” para (re) construir
o mundo textual. Muitas das informações não precisam ser explícitas porque podemos recuperá-las
a partir da significação das próprias palavras e expressões que já foram usadas no texto.
É nas relações lógicas de implicação que construímos os significados implícitos. Em outras
unidades, vimos que, ao construir ou ler um texto, muitas idéias ou informações nem precisam ser
explicitadas porque ficam entendidas na própria situação de interlocução. Há também idéias que
ficam implícitas porque decorrem, como, consequência inevitável, de idéias já expressas no texto. É
especificamente destas últimas que estamos tratando aqui: dos significados implícitos ou
implicados.
Mas a depreensão de significados implícitos não serve apenas para acrescentar informações
ao texto. O desrespeito proposital de algumas dessas relações lógicas costuma ser bem explorado
em textos humorísticos. Eles servem para nos tornar conscientes de como alguns significados são
necessariamente articulados a outros. Os textos humorísticos são excelentes exercícios de subversão
das relações lógicas.
Veja esse exemplo:
Pergunta: Qual é a data de seu nascimento?
Resposta: 15 de julho.
Pergunta: Que ano?
Resposta: Todos os anos.
O humor reside, basicamente, no não reconhecimento dos sentidos implicados em algumas
palavras ou expressões. Ou seja: algumas dessas palavras ou expressões têm abrangência de sentido
diferente daquela interpretada pelo ouvinte ou pelo falante. Em situações rotineiras, somos capazes
de recuperar esses sentidos textualmente por causa de nosso conhecimento de mundo.
Reconhecer a abrangência de sentido de uma ideia é importante para atribuir significação ao
texto. É importante, principalmente, para permitir a construção de continuidade de sentidos na
interlocução.
Numa leitura ou numa conversa, a continuidade de sentidos é proposta pelo elaborador ou
autor do texto, mas é na interlocução que se processa a interpretação dos sentidos de um texto. É,
portanto, um trabalho conjunto. Por isso, dizemos que “para bom entendedor, meia palavra basta”: o
conhecimento partilhado pode suprir muitas informações que nem precisam ficar explícitas.
Uma boa leitura, ou compreensão, de texto provoca o exercício constante de associar
informações implícitas às informações explícitas veiculadas. Algumas vezes até nos antecipamos ao
que o texto informa. É como se nosso cérebro estivesse o tempo todo montando e desmontando
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quebra-cabeças: tiramos conclusões de toda a informação que processamos. Essa é mais uma
maneira de construir significados implícitos.
Chama-se conclusão à informação que decorre, necessariamente, de uma ou mais
informações. Assim, numa operação lógica, podemos, a partir do significado de uma idéia, chegar a
outra, ou outras, a ela relacionada. O exemplo clássico de raciocínio lógico para chegar a uma
conclusão é:

Todos os homens são mortais.


Sócrates é homem.
Conclusão: Logo, Sócrates é mortal.

Exercício: A que conclusões podemos chegar a partir dos seguintes pares de informações?

1. Todos os convidados para a festa da empresa são clientes de prestígio. Marcelo é cliente da
empresa, mas não foi convidado.
2. Carlão sempre paga um refrigerante para os colegas quando ganha no futebol. Domingo passado,
não pagou refrigerante para ninguém.
3. Otávio só namora garotas loiras e inteligentes. Carolina é a nova namorada do Otávio.
4. Todos os amigos íntimos de Osvaldo o chamam de Vadico. Eu não o chamo de Vadico.

Essas conclusões exemplificam como usamos o raciocínio sobre a articulação entre


informações para construir o mundo textual. Quando esse caminho para recuperar informações
explícitas fica “bloqueado” – por não fornecer pistas suficientes, por exemplo –, o texto se torna
incoerente porque não permite a recuperação das relações lógicas.
Naturalmente esse “jogo de montar e desmontar” também se aplica ao processo de produção
de textos: escrevemos sempre pensando em como o leitor “montaria e desmontaria” nossas
informações; por isso, é importante que nosso texto marque também as orientações sobre como
articular as informações.
A relação lógica de conclusão é extremamente pertinente na elaboração de textos
argumentativo-dissertativos, por exemplo. Exercícios que desenvolvem o raciocínio lógico para
essa relação são uma boa estratégia de preparação dos alunos para a elaboração de argumentos.

ALGUNS CONCEITOS IMPORTANTES:


Pressuposição
É o conteúdo que fica à margem da discussão, é o conteúdo implícito. Assim, a frase "Pedro
parou de fumar" veicula a pressuposição de que Pedro fumava antes; "Pedro passou a trabalhar à

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noite" contém a pressuposição de que antes ele trabalhava de dia, mas contém também a
pressuposição de que ele não trabalhava antes, dependendo da ênfase colocada em passar a ou em
à noite.
Vale lembrar que, nestes exemplos, a pressuposição é marcada linguisticamente pela
presença dos verbos parar de, passar a. Existem também pressuposições que não apresentam
marca linguística; estes tipos de pressuposição denominam-se inferências.

Inferências

São informações normais que não precisam ser explicitadas no momento da produção do
texto; são também chamadas de subentendidos. O exemplo seguinte ajuda a entender esta noção:
"Maria foi ao cinema, assistiu ao filme sobre dinossauros e voltou para casa." Lendo esta frase, o
ouvinte/leitor recupera os conhecimentos relativos ao ato de ir ao cinema: no cinema existem
cadeiras, tela, bilheteria; há uma pessoa que vende bilhetes, outra que os recolhe na entrada; a sala
fica escura durante a projeção, etc. Enfim, isto não precisa ser dito explicitamente. Se assim não
fosse, que extensão teriam nossos textos para fornecer, sempre que necessário, todas estas
informações? Daí a importância das inferências na interação verbal. Se quiséssemos dizer que
Maria não conseguiu ver o filme até o final, isto teria que ser explicitado, porque, normalmente, a
pessoa vê o filme inteiro.

Implicatura

É um sentido derivado, que atribuímos a um enunciado depois de constatar que seu sentido
literal é irrelevante para a situação. Se perguntamos: "Qual é a função de Pedro no jornal?" e
ouvimos "Pedro é o filho do chefe", podemos depreender dessa resposta que Pedro não tem função
nenhuma que Pedro não faz nada ou que Pedro não precisa fazer nada.

Nem as implicaturas nem as pressuposições fazem parte do conteúdo explicitado. A


diferença entre elas está no fato de que, com respeito às pressuposições, a estrutura lingüística nos
oferece os elementos que permitem depreendê-las; já com as implicaturas isto não acontece -- o
suporte linguístico é menos óbvio e, portanto, elas dependem principalmente do conhecimento da
situação, compartilhado pelo falante e pelo ouvinte. As pressuposições fazem parte do sentido
literal das frases, enquanto as implicaturas são estranhas a ele.

EXERCÍCIOS:

O Ministério da Fazenda descobriu uma nova esperteza no Instituto de Resseguros do Brasil. O


Instituto alardeou um lucro no primeiro semestre de 3,1 bilhões de cruzeiros, que esconde na

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verdade um prejuízo de 2 bi. Brasil, Cuba e Costa Rica são os três únicos países cujas empresas de
resseguros são estatais. (Veja, 1/9/93, pág.31)

Questão 1 - Conclui-se do texto que seu autor

a) Acredita que a esperteza do Instituto de Resseguros gerou lucro e não prejuízo.


b) Dá como certo que o prejuízo do Instituto é maior do que o lucro alardeado
c) Julga que o Instituto de Resseguros agiu de boa fé.
d) Dá a entender que é contrário ao fato de o Instituto de Resseguros ser estatal.
e) Tem informação de que em Cuba e na Costa Rica os institutos de resseguros camuflam seus
prejuízos.

Questão 2 - O adjetivo nova instaura no texto um pressuposto. De que pressuposto se trata? A


instauração de tal pressuposto é utilizada para prestigiar ou para desmoralizar o Instituto de
Resseguros do Brasil? Justifique.

Questão 3 - Ao dizer que o Instituto alardeou um lucro de 3,1 bilhões de cruzeiros, a escolha do
verbo (alardeou) cria mais um pressuposto.

A) Qual é esse pressuposto?

B) Esse segundo pressuposto é bom ou ruim para o Instituto?

Questão 4 - Na frase: “O caso do mensalão tornou-se público”, temos:   

a. O pressuposto de que o mensalão não era praticado.


b. O pressuposto de que o mensalão era uma estratégia de política social
c. O pressuposto de que o mensalão não era do conhecimento público até então.
d. O pressuposto de que o mensalão era uma estratégia de distribuição de renda.

Questão 5 – O texto publicitário a seguir tem um subentendido carregado de um forte conteúdo


irônico que enfatiza o caráter de alerta da propaganda. Que subentendido é esse?

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Unidade 5: Argumentação e linguagem

Tudo que temos visto sobre língua e linguagem nos mostra como nossa própria existência de
seres humanos é moldada pela nossa capacidade de agir pela linguagem. Distinguimo-nos de outras
espécies animais porque somos capazes de nos constituir humanos pelo exercício da faculdade da
linguagem. Assim, cada cultura organiza historicamente seus códigos de comunicação, seja na
formação de seu vocabulário e estruturação sintática e semântica, seja na adequação dos textos às
situações sócio-comunicativas. Pela linguagem organizamos o saber, a vida. Pela linguagem agimos
sobre nossos pares e sobre o mundo. Por isso, todos os seres humanos são, ao mesmo tempo,
origem e produto da linguagem, origem e produto da história que nos leva a construir formas de
comunicação e de atuação específicas.
Visto nessa perspectiva, todo uso da linguagem é argumentativo, pois estabelece uma
interação com o outro, uma relação de fazer social. E toda linguagem é, assim, um processo sempre
em movimento.
Mesmo que a linguagem e as línguas em geral comportem definições e classificações
teóricas e abstratas, cada atividade de linguagem em que nos engajamos tem propósitos e
finalidades.
Se assim considerarmos, toda vez que nos comunicamos buscamos fazer algo, impressionar
o outro, buscar reações, convencê-lo. Esse é um uso argumentativo da linguagem, em seu sentido
mais amplo. Somos seres argumentativos porque objetivamos algo com o uso da linguagem.
Mas podemos distinguir essa argumentatividade mais ampla, inerente a toda manifestação
linguística, de uma argumentatividade mais restrita, que caracteriza especificamente os textos que
têm por objetivo explícito convencer. É desta segunda que trataremos mais detalhadamente nesta
unidade: da construção de textos, verbais e visuais, que buscam uma reação do interlocutor ou
modificação no seu modo de ver o mundo.

Exercícios:
Questão 1 - Leia o texto abaixo, procurando caracterizar o tipo de leitor ao qual ele se destina.
Treinar em regiões com níveis elevados de poluição atmosférica pode afetar o rendimento.
Estudos científicos indicam que isso provoca uma diminuição importante do aproveitamento e da
performance. Em geral, a queda na capacidade de sustentar o esforço mais prolongado ocorre
acompanhada de problemas respiratórios como tosse, dor ao inspirar e decréscimo da capacidade
pulmonar. Uma boa opção é treinar o mais cedo possível, pela manhã, quando a qualidade do ar nas
cidades é melhor.
ISTOÉ, 21/1/2004

32
1. Que características você pode imaginar no “leitor-destinatário” desse texto – o que ele faz, onde
vive, etc.?
2. De que idéia o texto pretende convencer o leitor?
3. Por que o leitor (que treina) deve seguir a recomendação do texto?
5. Que reação você acha que teria um leitor, que leu o texto, ao sentir dor ou tossir quando está
treinando?
4. Por que você acha que o autor do texto mencionou “Estudos científicos”?
Como podemos perceber nessa atividade, em um texto argumentativo, as formas de
convencimento podem ser muito variadas – vão desde a utilização de estudos científicos até o apelo
às sensações físicas do leitor...
Os recursos argumentativos podem ser sutilmente encadeados, mas podem também ser mais
diretivos e vir em forma de ordens explícitas a leitor/destinatário.
Observe como o autor do seguinte texto coloca sua opinião e suas recomendações.

1. Como estão organizadas, em termos de estruturas lingüísticas, de tempos verbais, as


“recomendações”?
2. Que comportamentos se esperam de um leitor convencido das idéias do texto?
3. Qual seria a mudança na força argumentativa caso os verbos fossem escritos no infinitivo? Ex:
Não abusar, dar preferência)

Importante: Os textos argumentativos pretendem convencer o leitor de alguma ideia. A essa


idéia chamamos tese do texto argumentativo. Para convencer sobre a validade da tese, o texto

33
utiliza várias recomendações em forma de ordens ou instruções; essas “recomendações”, que
fornecem a comprovação da tese, constituem os argumentos do texto.

LEMBRE-SE
A tese constitui a idéia principal para a qual um texto pretende a adesão do leitor/ouvinte: é
o objetivo de convencimento do leitor/ouvinte.
Os argumentos são os motivos, as razões utilizadas para convencer o leitor da validade da
tese.

Em busca da longevidade
Enquanto – e quanto mais – a ciência aprimora suas pesquisas para desenvolver o segredo da
imortalidade, não podemos descurar – hoje – das medidas necessárias a perseguir as que nos
conduzem a uma vida longa e saudável.
A natureza concedeu a cada um de nós um conjunto de mecanismos que permite nos
proteger e nos renovarmos constantemente, resistindo a todas as agressões, mesmo aquelas que não
podemos evitar.
A velhice não pode ser catalogada como uma doença, nem pode se apresentar como um
período de sofrimento e desilusão.
Se conduzirmos nossa existência através de um programa disciplinado no que refere à
alimentação, a exercícios, ao estilo de vida, podemos chegar à longevidade com saúde e vitalidade.
É claro que a expectativa de vida não é a mesma nos países em que a taxa de mortalidade
infantil é elevada, a assistência médica precária, a fome e a desnutrição evidentes e a condição
sócio-econômica inconsciente.
Cumpre destacar aqui a diferença entre longevidade máxima e expectativa de vida.Aquela é
um fenômeno ligado à espécie, e esta, uma condição decorrente dos avanços da medicina, da
higiene e das possibilidades econômicas de cada um.
O nosso destino depende do binômio genético-ambiental: se nós pudermos identificar os
indivíduos geneticamente vulneráveis e submetê-los a uma prevenção rigorosa, à erradicação dos
fatores ambientais, possivelmente, em um futuro menos longínquo que possamos pensar, a uma
correção de fatores genéticos, os conduziríamos a um envelhecimento saudável.
Dr. Ernesto Silva, AMBr revista, julho/2003. (com adaptações)

1. Qual é a tese desse texto?


2. Que argumentos são usados para comprovar a validade dessa tese?
3. Que contribuições a ciência pode dar para conduzir a um envelhecimento saudável?

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Os recursos acionados em um texto explicitamente argumentativo podem variar muito, tanto
na relação dos argumentos que sustentam a tese, quanto no apelo que fazem ao interlocutor: a
eficácia no convencimento depende da escolha adequada da organização textual.

A tese e seus argumentos


Já vimos que nenhum texto é produzido sem uma finalidade comunicativa, que todo texto
tem por trás de si um autor que procura convencer o leitor/ouvinte acerca de alguma idéia. Essa
idéia constitui a tese de um texto argumentativo, como já vimos na seção anterior.
Vamos agora voltar nossas atenções para os diferentes recursos – diferentes argumentos – de
que um autor se vale para comprovar essa tese ao organizar uma argumentação.
Vamos analisar como se constrói a argumentação da seguinte “curiosidade”, retirada do
Coquetel – Grande Titã, nº 180.

A velocidade do cérebro
Quando uma pessoa queima o dedo, a dor é um sinal que o tato envia ao cérebro. Este, por
sua vez, transmite outro sinal aos músculos, que reagem afastando a mão do fogo. A velocidade de
circulação dessas mensagens surpreende: elas viajam a 385 km/h, mais rápido que um carro de
Fórmula 1.
1. Que tese pode ser identificada nesse texto?
2. Por que a velocidade das mensagens transmitidas ao cérebro é facilmente aceita pelos leitores?
3. Que argumentos são utilizados para mostrar a validade da tese do texto?
4. Faça uma relação entre o título do texto e a identificação da tese.
Por dependerem muito da aceitação e do reconhecimento dos interlocutores, argumentos de
senso comum, ou baseados em experiências conhecidas, são, geralmente, usados em conjunto com
outros tipos de argumentos que podem reforçá-los, torná-los menos questionáveis.
Uma dessas maneiras de comprovar idéias é recorrer a dados, pesquisas e estatísticas, como
veremos a seguir. Observe como se dá uma das formas mais comuns de argumentação em textos de
jornais e revistas.
O poder dos amigos
Uma pesquisa realizada na Suécia comprovou que bons amigos fazem mesmo bem ao
coração. O estudo acompanhou a evolução do estado de saúde de 741 homens por 15 anos e
concluiu que aqueles que mantinham ótimas amizades apresentaram muito menos chances de
desenvolver doenças cardíacas do que aqueles que não contavam com o ombro amigo de alguém.
ISTOÉ, 3/3/2004.
1. Que tese você identifica nesse texto?
2. Como o texto comprova essa tese?

35
3. Se você, como leitor, quisesse contestar essa tese, que argumento contrário você teria que
apresentar para que fosse aceito como válido?
4. Que relação você estabelece entre o título e a tese do texto?
Como você pode ver nas duas atividades anteriores, o título pode servir de ótimo indicador
para a compreensão das finalidades do texto. Por isso, muitas vezes, conduzimos nosso olhar de
leitor a partir do que antecipamos pela leitura do título.
Por outro lado, ao elaborar um texto, mesmo que não seja necessário dar-lhe um título, ter
em mente uma idéia de que título lhe cabe pode funcionar como um fio condutor da argumentação.
Argumentos baseados em provas concretas recorrem a cifras, estatísticas, fatos históricos;
dão à argumentação uma sensação maior de confiabilidade, de veracidade. Por isso, são muito
empregados em textos acadêmicos e científicos ou em qualquer situação em que se pretende fazer o
interlocutor acreditar com mais facilidade .
A organização desses dados mais objetivos – cifras, estatísticas, dados históricos – pode
variar muito no texto, dependendo das intenções do autor e do conhecimento que ele tem do
interlocutor. Uma forma muito comum de organizar a argumentação com base em provas concretas
é usar um caso singular para comprovar teses mais gerais., como podemos ver no exemplo a seguir,
adaptado do jornal Correio Braziliense, de 1/2/2004.
A retirada de um tumor significa mudança de hábito na vida da família do economista
P.V.S. Há três meses ele foi surpreendido pela descoberta de um câncer de pele. “Levei meu filho
em consulta ao dermatologista e aproveitei para mostrar ao médico umas manchas no corpo.”
Em novembro, P. passou por uma cirurgia para a retirada da lesão e ensina: “Nunca imaginei
que os anos de praia em Santos poderiam me trazer problemas de saúde. Hoje só faço caminhadas
com filtro solar FPS 60.”
Os especialistas alertam que a proteção deve ser iniciada ainda na infância. Em consultórios
e clínicas, eles confirmam que a doença atinge cada vez mais jovens.
1. Para que assunto o texto quer chamar a atenção do leitor?
2. De que idéia o texto pretende convencer o leitor?
3. Apesar de começar contando a história de uma pessoa, como se percebe que o objetivo do texto
não é focado sobre um caso individual?
4. Como o exemplo do economista se integra à argumentação do texto?
5. Que importância tem, para a argumentação, os depoimentos do paciente?
Observe as características argumentativas dos três parágrafos do texto a seguir.
Os melhores amigos do homem
Uma experiência pequena, mas com resultados animadores está empolgando pesquisadores
da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo. O trabalho,

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coordenado pelo Prof. Marcelo Ribeiro, consiste em usar animais para ajudar crianças deficientes
mentais para melhorar o desempenho escolar.
As crianças cuidam de cabras, coelhos, peixes, etc. Durante as atividades, aprendem
conceitos e desenvolvem habilidades de maneira fácil e divertida. Além da evolução no
aprendizado, os pequenos ganham um sentimento que muitos nem sequer haviam experimentado:
auto-estima.
Essa pequena sensação enche de alegria o coração do menino Leonardo Neves, 11 anos,
cada vez que ele monta o cavalo Pantanal. Tetraplégico de nascença (faltou oxigênio durante o
parto), Leonardo hoje é capaz de feitos que, tempos atrás, eram inimagináveis.
Na verdade, o uso de animais no tratamento de várias doenças tem sido um recurso cada vez
mais utilizado. Várias pesquisas demonstram que os bichos têm um fabuloso poder terapêutico.
“Eles são remédios vivos”, afirma a veterinária Hannelore Fuchs, uma das principais especialistas
no assunto do País. De acordo com pesquisas do cientista Dennis Turner, professor da Universidade
de Duke (Estados Unidos), por exemplo, o contato com animais ajuda a reduzir a pressão
sangüínea, a diminuir os níveis de colesterol e de estresse.
Fragmento adaptado de ISTOÉ, 11/2/2004.
1. Qual é a tese desse texto?
2. Que contribuição dão as informações do primeiro parágrafo para a comprovação da tese?
3. Como o segundo parágrafo contribui para a comprovação da tese?
4. Destaque do terceiro parágrafo dois argumentos a favor da tese do texto.
A citação de provas concretas é um recurso argumentativo que se opõe às generalizações e
às opiniões pessoais: é uma forma objetiva de contrabalançar argumentos subjetivos. Por isso, esses
argumentos costumam dar ao texto uma aparência de exatidão e veracidade: de objetividade.
O argumento de autoridade recorre a fontes de informação renomadas, como autores,
livros, revistas especializadas, para demonstrar a veracidade da tese. Este é um dos tipos de
argumentos mais encontrados em livros didáticos ou em textos científicos.
Atividade: Vamos observar no que se apóia a argumentação do seguinte texto, retirado de
Superinteressante, agosto de 2003.
A partir de agora vai ser difícil dizer que uma pessoa não vale nada. Um levantamento da
revista americana Wired mostrou que qualquer um poderia ganhar até 45 milhões de dólares se
retirasse as partes úteis do corpo e as vendesse para transplantes. É claro que, depois, não teria
como aproveitar o dinheiro. Muitos dos órgãos retiráveis são vitais.
1. Qual é a tese do texto?
2. A que “autoridade” recorre o texto para argumentar pela tese?
3. Como, na prática, o texto mostra o absurdo da tese?
4. Por que a pesquisa contribui para sustentar a tese, apesar da lógica do raciocínio final do texto?
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5. Estabeleça a relação de condição em que o argumento final do texto se baseia (Se..., então... )

Essa forma de construir um argumento, estabelecendo relações lógicas, apelando para o


raciocínio, costuma conferir ao texto consistência argumentativa, pois, pelo raciocínio, é difícil ao
leitor contestar as provas. Mas, por outro lado, é importante que o raciocínio proposto esteja
correto, para não provocar o efeito oposto: o de incluir no próprio texto a falsidade da
argumentação.
Se um argumento por raciocínio lógico não estiver, de fato, bem estruturado logicamente,
basta uma só evidência de sua inadequação para que toda a argumentação caia por terra. Se
dizemos, por exemplo, que todos os políticos mentem, basta alguém mostrar que existe um político
que não mente e toda a argumentação se torna falsa.
Por darem a sensação de eficácia na argumentação, raciocínios lógicos são muito usados
para concluir textos argumentativos, como podemos ver nos seguintes exemplos.
Qualidade da Argumentação
Ao mobilizar argumentos para sustentar uma tese, o autor depende de seus pontos de vista,
de seu conhecimento sobre o assunto e daquilo que julga mais eficaz para atingir o raciocínio e a
vontade de seu interlocutor. Com tantos fatores em jogo, uma argumentação pode não ser bem-
sucedida.
A cada argumento bem construído, que vimos na seção anterior, pode corresponder um
argumento mal construído; o que resulta em defeitos de argumentação.
Vamos ver alguns dos casos mais comuns de prejuízo à argumentação.
Uma argumentação é considerada inadequada ou defeituosa quando não dá condições para
que os objetivos sejam atingidos. Há várias razões para isso acontecer: podem ser razões ligadas à
incompreensão ou não-aceitação do interlocutor; podem ser razões ligadas ao desenvolvimento do
texto, ou mesmo razões relacionadas à não-correspondência entre os argumentos e o “mundo real”.
Já vimos que uma construção adequada de argumentação não pode se basear apenas em
opiniões sem comprovação. Por outro lado, o sucesso da argumentação não está em simplesmente
aceitar ou contestar uma opinião do outro.
Como argumentar significa agir sobre a vontade e a opinião do interlocutor, os caminhos da
argumentação são múltiplos e variados.
Enfim, encontramos na escolha dos argumentos vários níveis de adequação e vários níveis
de inadequação quanto à demonstração da tese pretendida. Assim, até aparentes conflitos de opinião
podem compor uma argumentação coerente, desde que adequadamente articulados.
Atividade 01: Analise o seguinte fragmento adaptado da carta de um leitor a uma revista de
circulação nacional, para identificar alguns problemas de argumentação.

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É impressionante ver a imprensa abrir espaço para aquilo que considero um exemplo de
despreparo do brasileiro para conviver com suas próprias limitações.
Ao contrário do que muitos pensam, nem sempre a história tem sido solidária com as
dificuldades deste povo hospitaleiro, alegre, esperançoso. Por isso, todos os brasileiros têm no
carnaval e na música popular seu maior orgulho. Portanto, é necessário que os sonhos e os desejos
de todos os brasileiros sejam objeto de mais respeito: lutamos por isso!
Marque os problemas de argumentação que podem ser percebidos no texto:
(a) é genérico e vago demais para conduzir o leitor à identificação do objetivo, da tese que pretende
defender;
(b) caracteriza o brasileiro por meio de chavões e clichês, que não se aplicam a todos;
(c) faz afirmações sobre todos os brasileiros que correspondem apenas a alguns;
(d) marca como argumentos lógicos – usando Por isso, Portanto – relações entre idéias que não são
evidentes.
(e) as informações (argumentos) dos dois primeiros parágrafos não levam à conclusão do terceiro.
A primeira condição para uma boa argumentação é a clareza do objetivo (da tese a
comprovar); a segunda é a solidariedade entre os argumentos: todos devem conduzir para o
mesmo objetivo – e este objetivo deve ficar claro para o leitor/ouvinte.
Atividade 02: Analise a argumentação do texto a seguir, adaptado da revista Isto é, de 10/12/2003.
Armadilhas da beleza
O desejo de ficar com o corpinho em forma para o verão arrasta uma enorme quantidade de
pessoas às clínicas de medicina estética. A vontade de tirar aquele pneuzinho ou amenizar a celulite
é tamanha que a maioria das pessoas se esquece de perguntar os riscos e as contra-indicações dos
tratamentos. Um dos mais procurados nesta época do ano – e também um dos mais perigosos – é o
bronzeamento artificial. O método já foi inclusive condenado pela Sociedade Brasileira de
Dermatologia por ser um dos responsáveis pelo envelhecimento precoce e pelo aparecimento do
câncer de pele.
Pessoas com qualquer tipo de pele podem sofrer as conseqüências. Mas os que são claros,
que têm casos de câncer de pele na família ou que apresentam lesões com chances de se tornar um
tumor são mais suscetíveis. Assim cuidar da pele por bronzeamento artificial tem atraído cada vez
mais gente interessada em adquirir um tom de pele que vários dias de praia lhe proporcionam, sem a
necessidade de se deslocar de seu local de trabalho. É a moderna tecnologia a serviço da ciência e
da beleza do ser humano.
1. De que tese o texto pretende convencer o leitor?
2. Que argumentos sustentam essa tese?
3. Que relação o terceiro parágrafo tem com os demais na construção da argumentação?
4. Reescreva o terceiro parágrafo, corrigindo o defeito de argumentação.
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UNIDADE 6 – Figuras de linguagem: metáfora e metonímia.
Leia o poema abaixo:
Lua cheia
Boião de leite que a noite leva com mãos de treva,
pra não sei quem beber.
E que, embora levado
muito devagarinho,
vai derramando pingos brancos
pelo caminho.
(CASSIANO Ricnaoo. Poesias completas. Rio de Ja-neiro, J. Olympio, 1957. p. 135.)
As palavras do texto não estão usadas em sentido próprio. "Boião de leite" não significa "vaso
bojudo, de boca larga, cheio de leite", mas "lua cheia"; "pingos brancos" significa "estrelas";
"caminho", "rota seguida pela lua em seu movimento no céu".
Cabe, a essa altura, indagar que tipos de mecanismos permitem essa alteração do significado
das palavras. Essa mudança baseia-se sempre em algum tipo de relação que o produtor do texto vê
entre o significado habitual e o significado novo. Assim, "boião de leite" designa "lua" porque
ambos os significados apresentam pontos de intersecção: a forma arredondada e a cor branca (do
leite e da lua). "Pingos de leite" e "estrelas" também contêm uma intersecção: o tamanho pequeno e
a cor.
Essa relação possibilita ao poeta dar a um termo o significado de outro. Sua funcionalidade no
texto é a de apresentar as coisas do mundo, os fatos e as pessoas de forma nova, mais viva,
enfatizando certos aspectos da realidade. No poema em questão, apresenta-se a lua no cenário
noturno de uma maneira diferente. Consegue-se isso principalmente mostrando a noite como
alguém a carregar cuidadosamente em suas mãos um jarro de leite que vai derramando gotas
brancas. O texto não explorou os termos habitualmente empregados para descrever o céu noturno,
mas termos que normalmente denotam outro tipo de realidade e que, no texto, com novos
significados, serem para mostrar o percurso da lua no céu e o surgimento das estrelas.
Dois são os mecanismos básicos de alteração do sentido das palavras: a metáfora e a
metonímia. Esses dois recursos são chamados normalmente figuras de palavras. Neste livro, como
denominamos figura todo e qualquer termo que remete ao mundo natural (terra, árvore, etc.) e, além
disso, como metáfora e metonímia são recursos de alteração de sentido, preferimos chamá-las
recursos retóricos.
Metáfora: Observe a frase que segue:
O interior de São Paulo está coberto por doces mares, donde se extrai o açúcar. O termo
"mar" significa "grande massa e extensão de água salgada". Nessa frase, no entanto, pode significar
"extensa plantação de cana". Por que se pode alterar o sentido da palavra "mar"? Porque entre os

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dois significados há uma intersecção, isto é, ambos apresentam traços comuns. No caso, mar e
canavial apresentam os seguintes pontos comuns: posição horizontal e grande extensão. Essa
mudança de significado é uma metáfora. Metáfora é, então, a alteração do sentido de uma palavra
ou expressão quando entre o sentido que o termo tem e o que ele adquire existe uma intersecção.
Um outro exemplo: A urbanização de São Paulo está sendo feita de maneira criminosa,
porque está destruindo os pulmões da cidade.
Pulmão aqui significa árvore. Essa alteração de sentido foi possível porque o significado
básico de pulmão e o significado de árvore apresentam uma intersecção: a função de oxigenar.
Como o leitor percebe que um termo é metafórico? Quando, no contexto, a leitura do termo
no seu sentido próprio fica inadequada, imprópria. Por exemplo, no poema "Lua cheia", que aparece
no início desta lição, a leitura de "boião de leite" como "vaso bojudo, de boca larga" é inadequada
na frase "boião de leite que a noite leva", pois a noite não carrega um boião de leite. No entanto,
lido como "lua", percebe-se que a frase significa o movimento da lua no céu à medida que a noite
avança. Uma metáfora, uma vez construída, pode estabelecer um plano de leitura metafórica para
todo o texto. Assim, em "Lua cheia", depois de ter lido a expressão "boião de leite" como uma
metáfora, o texto deve ser entendido no plano metafórico. Assim, "pingos de leite", "derramando"
devem ser lidos como "estrelas", "surgindo".
Metonímia: Observe a seguinte frase: Se o desmatamento de nosso território continuar nesse ritmo,
em breve não restará uma sombra de pé. Sombra, no caso, significa árvore, porque entre o
significado de ambas as palavras existe uma relação de implicação. Sombra implica árvore, já que a
sombra é um efeito produzido pela árvore. Essa mudança de sentido é uma metonímia.
Metonímia é, então, a alteração do sentido de uma palavra ou expressão quando entre o sentido
que o termo tem e o que adquire existe uma relação de inclusão ou de implicação.
Observemos ainda este outro caso: As chaminés deveriam ir para fora da cidade de São Paulo.
Chaminé significa aqui fábrica. Essa alteração de sentido ocorre porque o significado básico de
chaminé inclui-se como parte do significado do todo, fábrica.
Como se pode notar, a metonímia distingue-se nitidamente da metáfora, porque, enquanto esta
se baseia numa intersecção de traços significativos, aquela se fundamenta em relações de inclusão e
de implicação. Também uma metonímia, uma vez construída, pode estabelecer um plano de leitura
metonímica para o restante do texto. Observe o texto seguinte: Comerás o pão com o suor do teu
rosto. Esse pão custará lágrimas. Suor, que é o efeito do trabalho, implicado, portanto, por este,
significa aqui trabalho. A partir dessa metonímia, pão deve ser lido como alimento, e lágrimas,
como sofrimento.
Há certas metáforas e certas metonímias, já desgastadas pelo uso, que constituem clichês e que
devem ser empregadas com extremo cuidado. Dizer, por exemplo, que as nuvens são um alvo tapete

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só tem razão de ser, num texto, para criar certos efeitos de sentido, como, por exemplo, mostrar que
determinado personagem só usa clichês.
Atividades
Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade;
advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste
dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e
os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação
é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso
poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na
morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao
fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que
deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos,
nem estranhos; não há platéia. o olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo
que pisamos o território da morte: não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e
julgue; mas a nós é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada
tão incomensurável como o desdém dos finados.
Assis, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo, Abril Cultural, 1978. p. 54.
1- Há, no texto, uma oposição entre a atitude do homem vivo e a do homem morto. O autor mostra
essas atitudes com metáforas. Separe as metáforas que falam da atitude dos vivos e da dos mortos.
2- Observe que as metáforas apontadas acima, que definem a atitude dos vivos e dos mortos, são
simetricamente contrárias entre si. Por exemplo, "disfarçar os rasgões e os remendos" é contrário a
"deitar ao fosso as lantejoulas". "Trapos velhos" "rasgões", "remendos" significam as coisas que as
pessoas devem ocultar dos outros. Que é que as pessoas devem esconder dos outros?
3- Se "rasgões", "remendos" e "trapos velhos" são coisas a serem ocultadas, que significam "capa" e
"lantejoulas"?
4- Observe os verbos que mostram a atitude dos vivos: calar, disfarçar, embaçar. Revelam um fazer.
Os verbos que manifestam a atitude dos mortos indicam ação contrária: sacudir fora, deitar ao fosso
e três verbos formados com o prefixo des, que significa oposto de. Analisando o significado dos
verbos e dos substantivos, aponte os dois temas opostos revelados pelo texto.
5- No antepenúltimo período (linhas 13 e 14), há uma metáfora que mostra quem obriga cada
homem a calar e a disfarçar. Qual é ela e que significa?
6- A oposição semântica básica do texto é vida versus morte. Qual dos termos é valorizado
positivamente no texto e qual é apresentado de maneira negativa? Justifique sua resposta.
7- Se a franqueza é a primeira virtude de um defunto, qual é a primeira virtude de um vivo?
a) Orgulho. b) Desdém. c) Arrogância. d) Dissimulação.

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UNIDADE 7- Resenha

Muitas pessoas não sabem distinguir uma resenha de um resumo. Para que isso fique claro,
vamos relembrar o que é um resumo.

Resumo é uma condensação das ideias ou fatos de um texto. É uma redução do texto original,
preocupada em captar as ideias essenciais do texto. Nos resumos, não deve haver comentários ou
julgamentos do autor.

Resumir é apresentar, com as próprias palavras, os pontos relevantes de um texto. Fragmentos


do texto original, numa espécie de “colagem”, não é um resumo, pois normalmente não expressão a
ideia global do texto.

Passo a passo para elaborar um bom resumo:

1. Ler o texto ininterruptamente para ter uma noção do conjunto. Essa primeira leitura deve se
preocupar em depreender o tema do texto, ou seja, do que o texto trata.
2. A segunda leitura deve ser feira com uma caneta na mão e um dicionário. Nesta leitura, com
interrupções, deve-se preocupar com os sentidos das palavras relacionais, que estabelecem
conexões entre as partes do texto.

3. Depois, fazer uma segmentação do texto por blocos com unidade de significação. Essa
segmentação pode ser mais simples (cada parágrafo seria uma unidade de sentido) ou mais
complexa ( oposição entre personagens, mudanças de espaço, de tempo, ou outro critério.)

4. Resumir a ideia central de cada segmento com palavras mais abrangentes.

5. Dar a redação final com as próprias palavras, condensando os segmentos e encadeando-os na


progressão em que eles ocorrem no texto.

Resuma o texto a seguir.

Na verdade, por que desejamos, quase todos nós, aumentar nossa renda? À primeira vista,
pode parecer que desejamos bens materiais. Mas, na verdade, os desejamos principalmente para
impressionar o próximo. Quando um homem muda-se para uma casa maior num bairro melhor,
reflete que gente “de mais classe” visitará sua esposa e que alguns pobretões deixarão de frequentar
seu lar. Quando manda o filho a um bom colégio ou a uma universidade cara, consala-se das pesadas
mensalidades e tavas pensando nas distinções sociais que tais escolas conferem a pais e filhos. Em
toda cidade grande, seja na América ou na Europa, casas iguaizinhas a outras ão mais caras num
bairro que noutro, simplesmente porque o bairro é mais chique. Um das nossas paixões mais potentes
é o desejo de ser admirado e respeitado. No pé em que estão as coisas, a admiração e o respeito são
conferidos aos que parecem ricos. Esta é a razão principal de as pessoas quererem ser ricas.

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Efetiuvamente, os bens adiquiridos pelo dinheiro desempenham papel secundário. Vejamos, por
exemplo, um milionário, que não consegue distinguir um quadro do outro, mas adquiriu uma galeria
de antigos mestre com auxílio de peritos. O único prazer que lhe dão os quadros é pensar que se sabe
quanto pagou por eles; pessoalmente, ele gozaria mais, pelo sentimento, se comprasse cromos de
Natal, dos mais piegas, que, porém, não lhe satisfazem tanto a vaidade.
Tudo isso pode ser diferente, e o tem sido em muitas sociedade. Em épocas aristocráticas, os
homens eram admirados pelo nascimento. Em alguns círculos de Paris, os homens são admirados
pelo seu talente artístico ou literário, por estranho que pareça. Num universidade teuta é possível que
um homem seja admirado pelo seu saber. Na Índia, os santos são admirados; na China, os sábios. O
estudo dessas sociedades divergentes demonstra a correção de nossa análise, pois em todas
encontramos grande porcentagem de homens indiferentes ao dinheiro, contanto que tenham o
suficiente para se sustentar; mas que desejam ardentemente a posse dos méritos pelos quais, no seu
meio, se conquista o mérito.

RUSSEL, Bertrand. Ensaios céticos.

Agora, podemos tratar das resenhas propriamente ditas. Resenhar significa eleger aspectos
relevantes para descrever as circunstâncias que o envolvem. O objeto de uma resenha pode ser um
acontecimento da realidade ou textos e obras culturais (romance, teatro, filme).

O resenhista deve escolher aspectos pertinentes do objeto a ser resenhado, ou seja, apenas
aquilo que é funcional para uma intenção previamente definida.

As resenhas podem ser críticas ou descritivas.

Nas resenhas descritivas é necessário:

a) Uma parte em que se veicula informações sobre o texto (nome do autor, título da obra, nome da
editora, lugar e data da publicação, número de páginas.) Nessa parte também pode haver uma breve
descrição das partes da obra

b) Uma parte com o resumo do conteúdo da obra: (indicação do assunto global da obra e do ponto de
vista adotado pelo autor), resumo que apresenta os pontos essenciais do texto e seu plano geral.

Nas resenhas críticas constam esses elementos e os comentários e julgamentos do resenhista


sobre as ideias do autor, o valor da obra, etc.

Exemplo de Resenha

Memória – ricas lembranças de um precioso modo de vida

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O diário de uma garota (Record, Maria Julieta Drummond de Andrade) é um texto que
comove de tão bonito. Nele o leitor encontra o registro amoroso e miúdo dos pequenos nadas que
preencheram os dias de uma adolescente em férias, no verão antigo de 41 para 42.
Acabados os exames, Maria Julieta começa seu diário, anotado em um caderno de capa dura
que ela ganha já usado até a página 49; É a partir daí que o espaço é todo da menina, que se propõe a
registrar nele os principais acontecimentos destas férias para mais tarde recordar coisas já esquecidas.
O resultado final dá conta plena do recado e ultrapassa em muito a proclamada modéstia do
texto que, ao ser concebido, tinha como destinatária única a mãe da autora, a quem o caderno deveria
ser entregue quando acabado.
E quais foram os afazeres de Maria Julieta naquele longínquo verão? Foram muitos,
pontilhados de muita comilança e de muita leitura: cinema, doce-de-leite, novena, o Tico-Tico, doce-
de-banana, teatrinho, visita, picolés, missa, rosca, cinema de novo, sapatos novos de camurça branca,
o Cruzeiro, bem-casados, romances franceses, comunhão, recorte de gravuras. Fon-fon, espiar
casamentos (...) Tudo parecia pouco para encher os dias de uma garota carioca em férias mineiras,
das quais regressa sozinha, de avião.
Tantas e tão preciosas evocações resgatam do esquecimento um modo de vida que é hoje
apenas um dolorido retrato na parede. Retrato, entretanto, que graças à arte de Julieta, escapa da
moldura, ganha movimentos, cheiros, risos e vida.
O livro, no entanto, guarda ainda outras riquezas: por exemplo, o tom autêntico de sua
linguagem, que, se como prometeu sua autora, evita as pompas, guarda, não obstante, o sotaque
antigo do tempo em que os adolescentes que faziam diários dominavam os pronomes cujo/a/os/as,
conheciam a impessoalidade do verbo haver no sentido de existir e empregavam, sem pestanejar, o
mais-que-perfeito do indicativo quando de direito...
Outra e não menor riqueza do livro é o acerto de seu projeto gráfico, aos cuidados de Raquel
Braga. Aproveitando para ilustração recortes que Maria Julieta pregava em seu diário e reproduzindo
na capa do livro a capa marmorizada do caderno, com sua lombada e cantoneiras imitando couro. O
resultado é um trabalho em que forma e conteúdo se casam tão bem casados que este Diário de uma
garota acaba constituindo uma grande festa para seus leitores.

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