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Transtornos

Psicóticos
Primários
SUMÁRIO
1. Introdução e conceitos........................................................................................3
Desorganização do pensamento/discurso................................................................. 4
Comportamento motor grosseiramente desorganizado ou anormal ....................... 4

2. Esquizofrenia......................................................................................................8

3. Transtorno delirante persistente........................................................................15

4. Transtorno psicótico breve................................................................................16

5. Transtorno esquizofreniforme...........................................................................16

6. Transtornos esquizoafetivos..............................................................................18

7. Transtorno (da personalidade) esquizotípica.....................................................21

Referências ...................................................................................................................... 24
1. INTRODUÇÃO E CONCEITOS
Os transtornos psicóticos primários incluem: esquizofrenia, transtorno (de perso-
nalidade) esquizoafetiva e outros transtornos psicóticos.

Conceito: Os transtornos psicóticos são definidos por anormali-


dades em um ou mais dos cinco domínios a seguir:
- Delírios;
- Alucinações;
- Pensamento desorganizado;
- Comportamento motor grosseiramente desorganizado ou anormal (incluindo
catatonia) e;
- Sintomas negativos.

Vamos primeiramente relembrar alguns conceitos importantes para o entendimen-


to dessas síndromes:
Delírios: delírios são crenças fixas e inflexíveis às evidências conflitantes ou con-
trárias. Seu conteúdo pode ser persecutório (crença de estar sendo prejudicado, as-
sediado, perseguido); de referência (crença de que comentários, gestos e estímulos
ambientais são direcionados à própria pessoa); de grandeza (crença de ser muito
famoso, muito rico ou ter alguma habilidade especial); erotomaníacos (a pessoa crê
que alguém – geralmente uma pessoa famosa ou importante – está apaixonado por
ela); niilistas (crença de que acontecerá uma tragédia) e somáticos (crença de que
órgãos internos estão se fragmentando, ou que não possui cérebro – enfim, ques-
tões relacionadas ao corpo e à saúde). Esses dois últimos são os menos comuns,
enquanto o delírio persecutório é o tipo mais comum de delírio.
Além disso, existem os delírios de conteúdos bizarros, que são aqueles que muito
claramente são impossíveis de serem reais, por se expressarem como a crença de
perda de controle sobre o corpo ou a mente. São os casos em que se acredita que os
próprios pensamentos lhe foram “retirados” por uma força externa (retirada de pen-
samento), de que pensamentos estranhos foram colocados em sua mente (inserção
de pensamento) ou de que o corpo e as ações estão sendo manipulados por uma for-
ça externa (delírios de controle).
Diante disso, convém ressaltar que o diagnóstico de delírio deve ser ponderado
à luz do contexto sociocultural e religioso do indivíduo. Em algumas religiões, por
exemplo, admite-se que é possível que um espírito assuma o corpo de alguém, e isso

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deve ser levado em consideração pelo clínico. Logo, deve-se ter a crítica sobre o con-
texto social do paciente.
Alucinações: são alterações na sensopercepção. O indivíduo tem experiências
semelhantes à percepção que ocorrem sem um estímulo externo. São vívidas, claras
e involuntárias. Logo, por exemplo, o indivíduo com alucinação visual vê coisas que
não estão lá; aquele com alucinações auditivas ouve vozes e estímulos sonoros que
não existem fisicamente.

Desorganização do pensamento/discurso
A desorganização do pensamento (transtorno do pensamento formal) é percebida
pelo discurso do indivíduo. Este muda de um tópico para outro tópico constantemen-
te (organização frouxa de ideias ou afrouxamento das associações) e as respostas a
perguntas podem ter uma relação oblíqua ou simplesmente não ter relação alguma
(tangencialidade).

Comportamento Motor Grosseiramente


Desorganizado ou Anormal
Pode manifestar-se desde o comportamento “tolo e pueril” até a agitação
imprevisível.
Comportamento catatônico é uma redução acentuada da reatividade ao ambiente,
podendo variar desde resistência a instruções (negativismo), manutenção de postura
rígida, inapropriada ou bizarra, até a ausência total de respostas verbais e motoras
(mutismo e estupor). Pode, ainda, haver atividade motora e excessiva sem propósito
ou causa óbvia (excitação catatônica) – por exemplo, o indivíduo irá encher copos de
água e jogar a água fora, ou colocar um balde na cabeça, ou ainda bagunçar um saco
de lixo, fazendo tudo isso sem nenhum propósito ou causa. Há ainda os movimentos
estereotipados repetidos, olhar fixo, caretas, mutismo e ecolalia.
Os comportamentos catatônicos, ainda que associados à esquizofrenia, não
constituem sinal patognomônico desta e podem estar presentes em outras condi-
ções médicas ou por uso de substâncias.

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Sintomas negativos: caracterizados pela expressão emocional diminuída (re-
dução de expressões faciais, da prosódia e da linguagem corporal), avolia, alogia,
anedonia e falta de sociabilidade. A avolia é a redução nas atividades autoiniciadas,
motivadas e com uma finalidade. A alogia, por sua vez, é a redução do discurso; a
anedonia, a redução no prazer de estímulos positivos e, por fim, a falta de sociabili-
dade se expressa pela redução nas interações sociais.
Vamos abordar neste capítulo a esquizofrenia, transtorno delirante, transtorno psi-
cótico breve, transtorno esquizofreniforme e transtorno esquizoafetivo. Esses consti-
tuem as principais síndromes psicóticas primárias e diferem entre si na sua duração,
curso, desenvolvimento e prognóstico.
O DSM-V estabelece que as desordens psicóticas são síndromes clínicas, diferin-
do entre si pelos seguintes aspectos:

• Tempo de duração;
• Perfil dos sintomas;
• Relação entre síndromes psicóticas e episódios de humor;
• Causa.
Indivíduos com psicose têm risco aumentado de tentativa de suicídio (34,5%),
abuso de substâncias (74%), situação de rua (prevalência anual de 5%), vítima de vio-
lência (38% em um período de 3 anos) e heteroagressão.

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MAPA MENTAL CONCEITOS

Persecutório Referência Grandeza Erotomaníacos Niilistas Somáticos

Alteração do
Conteúdo
juízo de realidade Mais comum da
esquizofrenia

Expressão emocional Delírio


Auditivas
diminuída

Avolia Visuais
Transtornos
Sintomas negativos Alucinações
psicóticos
Alogia Táteis

Sociabilidade
Comportamento Desorganização Olfativas
diminuída
motor desorganizado do pensamento
ou anormal
Afrouxamento
das ideias

Descarrilamento
das ideias

Dissociação das ideias

Desagregação
das ideias

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Saiba mais! Algumas grandes personalidades que marcaram a
história da humanidade sofreram psicose ou transtornos psicóticos. Você com
certeza já ouviu falar de Vincent van Gogh (1853-1890), pintor holandês e um
dos maiores representantes da pintura pós-impressionista. Van Gogh nasceu
em uma pequena aldeia holandesa e, aparentemente, apresentava uma perso-
nalidade pouco sociável desde a infância.
Nos últimos anos de vida, acredita-se que o pintor sofreu crises psicóticas
recorrentes. Nessa época, pintou autorretratos que, não só são bastante famo-
sos, como levantam discussões sobre seu transtorno mental. Acredita-se que
alguns desses autorretratos foram pintados durante as crises de psicose.

Durante certo período, viveu em companhia de um amigo chamado Gauguin.


Após uma discussão envolvendo um suposto caso entre a amante de van Gogh
e Gauguin, van Gogh agride o amigo com uma navalha. Posteriormente, arre-
pendido, corta a própria orelha e a envia em um envelope para Gauguin. Após
esse episódio, van Gogh pinta o quadro “Autorretrato com a Orelha Cortada”,
em 1889. No ano seguinte, aos 37 anos, o pintor comete suicídio.

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2. ESQUIZOFRENIA
A esquizofrenia é o mais comum e mais importante dos transtornos psicóticos
primários. Caracteriza-se por distorções fundamentais e características do pensa-
mento e da percepção, bem como por afeto inadequado ou embotado. Logo, o pen-
samento, a percepção e o afeto são os domínios essencialmente afetados.
A esquizofrenia afeta 1% da população mundial e é uma das dez doenças que
mais incapacitam os indivíduos afetados. Atinge mulheres e homens em taxas si-
milares, no entanto, a doença tem início mais precoce em homens – dos 20 aos 25
anos – e mais tarde em mulheres – dos 25 aos 30 anos, aproximadamente.
Os indícios da doença aparecem, frequentemente, na adolescência ou primeiros
anos da idade adulta: há geralmente um período antes do episódio psicótico conhe-
cido como período prodrômico, em que há alterações súbitas no comportamento e
declínio funcional. Nessa idade, o período prodrômico pode se manifestar como iso-
lamento social, crenças esquisitas e anormalidades sensoperceptivas. Crianças que,
na fase adulta, desenvolvem esquizofrenia geralmente tem sociabilidade estranha,
“falta de jeito” e déficit de inteligência.
A consciência clara e a capacidade intelectual estão preservadas, mas déficits
cognitivos podem surgir como consequência do curso da doença.
O paciente pode ver a si próprio como o pivô de todos os acontecimentos. São
frequentes as perturbações sensoperceptivas, particularmente a auditiva: o pacien-
te pode ouvir vozes comentando sobre seu comportamento ou lhe dando ordens.
Pode haver ilusões, em que cores e sons parecem vívidos ou alterados. Além disso,
aspectos insignificantes da vida comum podem parecer extremamente importantes,
fazendo com que situações cotidianas adquiram significados especiais e pareçam
destinados especificamente para o indivíduo. Aspectos periféricos e geralmente
insignificantes de um conceito são trazidos para o primeiro plano, adquirindo uma
importância proporcional.
O CID-10 e o DSM-V trabalham com diferentes critérios para o diagnóstico da es-
quizofrenia, os quais veremos a seguir:

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Critérios diagnósticos da esquizofrenia – DSM-V

≥ 2 dos itens a seguir, presentes durante uma quantidade significativa de tempo por no mínimo um mês (ou
menos, se tratado com sucesso). Pelo menos um deles deve ser 1, 2 ou 3:
1. Delírios
UM DESTES DEVE
2. Alucinações
ESTAR PRESENTE
3. Discurso desorganizado
4. Comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico
5. Sintomas negativos

Por período significativo desde o início da doença, há diminuição do nível funcional em uma ou mais das áre-
as importantes do funcionamento: trabalho, relações interpessoais e autocuidado.

Sinais contínuos de perturbação existem por, pelo menos, 6 meses. Nesses 6 meses, deve haver pelo menos
um mês de sintomas que satisfaçam o critério A (sintomas da fase ativa), podendo incluir ainda períodos de
sintomas prodrômicos ou residuais. No período de sintomas prodrômicos ou residuais, pode haver apenas
sintomas negativos ou 2 ou mais sintomas do critério A de forma atenuada.

Transtorno esquizoafetivo, bem como transtorno depressivo ou transtorno bipolar com características psicó-
ticas são descartados, pois: i. Não houve epidósios depressivos maiores ou maníacos concomitantemente
com os sintomas de fase ativa, ou ii. Se houve, sua duração foi breve em relação ao período total da doença
(ativo + prodrômicos + residuais).

Excluem-se efeitos fisiológicos de uma substância ou uma condição médica como causas.

Se há história de transtorno do espectro autista (TEA) ou transtorno de comunicação na infância, diagnosti-


ca-se esquizofrenia apenas se delírios ou alucinações proeminentes, além dos demais sintomas exigidos na
esquizofrenia, estão também presentes por ao menos um mês.

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Critérios diagnósticos da esquizofrenia, CID-10

Eco do pensamento, inserção ou roubo do pensamento, irradiação do pensamento;

Delírios de controle, influência ou passividade;

Vozes que comentam ou discutem entre si sobre o paciente, ou outros tipos de vozes alucinatórias que vêm
de alguma parte do corpo;

Delírios persistentes culturalmente inapropriados e praticamente impossíveis, tais como identidade política ou
religiosa, poder ou capacidade sobre-humanos etc.

Alucinações persistentes de qualquer modalidade;

Intercepções ou bloqueio do pensamento, gerando discurso incoerente, com neologismos;

Comportamento catatônico – excitação, postura inadequada ou flexibilidade cérea, negativismo, mutismo e


estupor;

Sintomas negativos

Alteração significativa e consistente na qualidade global de alguns aspectos do comportamento pessoal, ma-
nifestada por perda de interesse, perda de objetivos, inatividade, retraimento social.

Deve haver 1 sintoma claro (ou pelo menos 2 não tão claros) pertencente ao gru-
po “a” a “d”, ou sintomas de pelo menos dois dos grupos entre “e” a “h”. Esses sinto-
mas devem estar presentes durante a maior parte do tempo por pelo menos 1 mês.
O quadro clínico pode precipitar de forma aguda inicialmente, como uma psicose,
mas mais frequentemente assume um curso insidioso e crônico, com deterioração
progressiva da funcionalidade do paciente.
Existem ainda subtipos da esquizofrenia, descritos abaixo:

• Paranoide: predominam delírios – particularmente o paranoide – e alucinações


– principalmente as auditivas, bem como perturbações na sensopercepção. O
afeto está geralmente menos embotado do que em outros subtipos, com grau
menor de incongruência. Comumente há perturbação do humor: irritabilidade,
raiva, receio, suspeita. Embora estejam presentes, sintomas negativos não pre-
dominam no quadro.
• Hebefrênica ou desorganizada: mudanças afetivas são proeminentes, os de-
lírios e alucinações são fugazes e comumente há presença de maneirismos.
O comportamento é irresponsável e imprevisível. O pensamento e o discurso
são altamente desorganizados e incoerentes. Há tendência à solidão e com-
portamento apragmático, bem como perturbações volitivas e afetivas que são

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muito intensas. Tende a ter início mais precoce – entre 15 e 25 anos – e pior
prognóstico em decorrência dos sintomas negativos que rapidamente evoluem.
Alucinações e delírios, embora presentes, não predominam no quadro.
• Catatônica: há proeminência de perturbações psicomotoras, que podem variar
de hipercinesia e estupor ou obedicência automática e negativismo. Posturas
forçadas podem ser mantidas por longo período de tempo, com rigidez genera-
lizada, e episódios de ação violenta podem ser notáveis.
• Indiferenciada: satisfazem os critérios para esquizofrenia mas não se enqua-
dram em quaisquer das acima, ou ainda podem apresentar características de
várias delas.
• Residual: fase “tardia” da esquizofrenia, que ocorre após um período da doença
(compreendendo um ou mais episódios psicóticos com critérios para esquizo-
frenia). Predominam sintomas negativos.

Se liga! Existe uma teoria de que a psicose seja relacionada a um


aumento da atividade dopaminérgica, o que é explicado pelo fato de a esqui-
zofrenia ser tratada por antipsicóticos antagonistas dos receptores dopami-
nérgicos D2. No entanto, essa teoria não explica o fato de, após a introdução
do antipsicótico, haver uma demora de 2 a 3 semanas para a melhora dos
sintomas. Foi proposto também que alterações na estrutura e funcionamento
dos microcircuitos cerebrais corticais estejam implicados na fisiopatologia da
doença, por meio de estudos post-mortem.

Há evidências de que indivíduos com esquizofrenia possuem menor volume de


substância cinzenta em imagens de ressonância magnética, além de menos den-
dritos e espinhas dendríticas demonstrados em estudos de autópsia. Na fase pro-
drômica da psicose, evidenciou-se maior perda de substância cinzenta nas regiões
pré-frontal e para-hipocampal do que em controles sem psicose. Essa perda de subs-
tância branca tem sido associada a marcadores inflamatórios elevados, tais como
TNF-alfa, que ativa a micróglia por meio de citocinas, sugerindo que a esquizofrenia
seja uma doença inflamatória.

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O tratamento da esquizofrenia consiste, principalmente, na administração de an-
tipsicóticos. Abaixo, temos uma lista dos antipsicóticos mais comumente prescritos:

Medicamento Dose diária habitual (mg) Vias de administração

Oral, intra-muscular (IM), injeção


Haloperidol 2-20
de longa duração (ILD)

Perfenazina 12-24 Oral

Clozapina 150-600 Oral

Risperidona 2-6 Oral, IM, ILD

Olanzapina 10-20 Oral, IM, ILD

Oral, pastilha deliberação


Quetiapina 150-800
prolongada

Ziprasidona 40-160 Oral, IM

Aripiprazol 10-15 Oral, IM, ILD

Pastilha de liberação prolongada,


Paliperidona 6-12
ILD

Iloperidona 12-24 Oral

Asenapina 10-20 Pastilha sublingual

Lurasidona 40-80 Oral

Cariprazina 1.5-6 Oral

Brexpiprazol 2-4 Oral

O episódio agudo pode ser tratado logo após colhida a história, exames físico e
laboratoriais – estes para excluir outras causas. Os antipsicóticos podem ser admi-
nistrados por via oral – sendo esta a via mais comum – ou ainda por injeção intra-
muscular de ação rápida. Com exceção da clozapina, o restante dos antipsicóticos
possui eficácia semelhante.
Caso não haja resposta ao tratamento ou a resposta seja parcial, com perma-
nência de sintomas residuais e psicóticos que afetem a qualidade de vida, deve-se
primeiramente considerar possíveis causas de má resposta: má aderência, interação
medicamentosa e uso de substância. Excluídas essas causas, deve-se considerar
outra abordagem de tratamento. Há algumas medidas que são usadas mas não

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há evidência que suporte seu uso, como a prescrição de doses maiores de antipsi-
cóticos, a adição de um estabilizador de humor e a adição de uma segunda droga
antipsicótica.
A melhor terapia antipsicótica para pacientes com má resposta é a clozapina.
Esta geralmente é feita em regime de 150 a 600 mg, por 8 a 12 semanas. Deve-se
monitorar o paciente por meio de hemograma, particularmente a contagem de neu-
trófilos: níveis entre 500 e 999/μl indicam interrupção do medicamento, retornando
quando níveis voltarem a subir acima de 1000/μl. Se a contagem for <500/μl, deve-se
descontinuar o uso.
Para pacientes com sintomas psicóticos residuais e insight relativamente preser-
vado, recomenda-se ainda a terapia cognitivo-comportamental.
Após o episódio agudo, recomenda-se manter antipsicóticos por tempo indeter-
minado, com o objetivo de prevenir episódios recorrentes, mesmo que a última crise
tenha sido há anos ou décadas.
Caso exista dificuldade de aderência por conta do tempo prolongado de tratamen-
to, pode-se tentar antipsicóticos via intramuscular de depósito, com intervalo de 2 a
12 semanas.

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MAPA MENTAL ESQUIZOFRENIA

Comportamento
Sensopercepção
Delírios Alucinações Discurso desorganizado desorganizado ou
alterada
catatônico

Sintomas Paranoide

Prevalência: 1% Hebefrênica

Homens: início
Epidemiologia Esquizofrenia Tipos Catatônica
mais precoce

Início da idade adulta Indiferenciada

Tratamento Residual

Antipsicóticos

Sem muita diferença


Oral Intramuscular Exceção: clozapina
de eficácia entre eles

Legenda: esquema dos limites do colo uterino. A zona de transformação (ZT) é a faixa de
metaplasia escamosa entre a JEC original e a nova atual. Fonte: Ginecologia – Williams. 2 ed.

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3. TRANSTORNO DELIRANTE
PERSISTENTE
Inclui vários transtornos caracterizados por delírios persistentes, de longa dura-
ção, configurando a única característica marcante – ou a mais marcante. Não podem
ser classificados como orgânicos, esquizofrênicos ou afetivos.
Transtorno delirante: caracterizado por um delírio isolado ou um grupo de delí-
rios relacionados entre si. Variam muito em seu conteúdo, mas são principalmente
persecutórios, hipocondríacos ou grandiosos. Alucinações auditivas e sintomas es-
quizofrênicos não fazem parte do quadro, mas alucinações auditivas transitórias ou
ocasionais não excluem o diagnóstico se não forem esquizofrênicos e não predomi-
narem no quadro. Começa principalmente na meia-idade.
Conforme o CID-10, as diretrizes diagnósticas incluem delírios como a predomi-
nante ou única característica clínica, presentes por pelo menos 3 meses. Sintomas
depressivos ou transtorno depressivo pode ocorrer mas não deve estar presente nas
fases delirantes. Evidência de doença cerebral deve estar ausente.
Em relação ao DSM-5, classifica-se como transtorno delirante os seguintes
critérios:

a. Delírio com duração de um mês ou mais;


b. Critério A para esquizofrenia não atendido;
c. Funcionamento preservado e sem comportamento bizarro;
d. Episódios maníacos ou depressivos, se ocorrerem, devem ser breves em rela-
ção ao delírio;
e. Descartada outra condição médica ou substância como causa e não é melhor
explicada por transtorno dismórfico-corporal ou transtorno obsessivo-compulsivo.

O CID-10 ainda traz outra classificação: “Outros transtornos delirantes persisten-


tes”, cujas características não fecham critério para transtorno delirante. Há vozes
alucinatórias persistentes ou sintomas esquizofrênicos insuficientes para o diag-
nóstico de esquizofrenia.

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4. TRANSTORNO PSICÓTICO BREVE
O transtorno psicótico breve, segundo o DSM-V, tem os seguintes critérios
diagnósticos:

• Pelo menos um ou mais dos sintomas a seguir, sendo um deles (1), (2) ou (3):
• Delírios;
• Alucinações;
• Discurso desorganizado;
• Comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico.
• Duração superior a um dia e inferior a um mês, com retorno completo ao estado
pré-mórbido;
• Não é melhor explicada por transtorno depressivo maior ou bipolar com carac-
terísticas psicóticas, outro transtorno psicótico, uso de substâncias ou outra
condição médica.

Esse transtorno se caracteriza pelo aparecimento repentino de pelo menos um


dos sintomas psicóticos positivos descritos em (A). Por “repentino”, considera-se a
mudança do estado não psicótico para psicótico em duas semanas, geralmente sem
um pródromo.
Parece haver um risco elevado de comportamento suicida durante o transtorno.
Há grande labilidade emocional e, embora breve, o impacto é grave, necessitando de
supervisão.
O transtorno psicótico breve é duas vezes mais comum no sexo feminino, poden-
do aparecer na adolescência ou início da idade adulta. Seu tratamento é feito com
antipsicóticos.

5. TRANSTORNO ESQUIZOFRENIFORME
Dentre os critérios diagnósticos do transtorno esquizofreniforme, segundo o
DSM-V, temos:

• Dois ou mais dos itens a seguir, presentes pela maior parte do tempo por pelo
menos um mês. Um deles deve ser (1), (2) ou (3):
• Delírios;
• Alucinações;
• Discurso desoganizado;

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• Comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico
• Sintomas negativos.
• Sintomas presentes por período superior a um mês e inferior a seis meses.
• Transtorno esquizoafetivo ou transtornos depressivo ou bipolar com caracterís-
ticas psicóticas descartados, pois nenhum episódio de humor ocorreu durante
sintomas da fase ativa ou, se ocorreu, durou pouco tempo em relação aos sin-
tomas das fases ativa e residual.
• Descartadas como causas uso de substância e outras condições médicas.
Seu diagnóstico é feito em duas condições: quando houve episódio da doença,
com duração entre 1 e 6 meses, já melhorado; ou quando um indivíduo está sintomá-
tico há mais de um mês, mas há menos de 6 meses. Nesse caso, descreve-se como
um “transtorno esquizofreniforme (provisório)”, pois não há certeza sobre se é trans-
torno esquizofreniforme ou esquizofrenia.
Cerca de um terço dos indivíduos se recuperam em até seis meses, enquanto os
dois terços restantes desenvolvem a esquizofrenia ou transtorno esquizotípico.
Indivíduos que se recuperam tem boa evolução funcional.
O transtorno esquizofreniforme é tratado com antipsicóticos, seguindo linha de
raciocínio similar ao caso da esquizofrenia.

LINHA DO TEMPO: TRANSTORNOS PSICÓTICO BREVE,


ESQUIZOFRENIFORME E ESQUIZOFRENIA

Transtorno Transtorno
Esquizofrenia
psicótico breve esquizofreniforme

1 mês 6 meses

Legenda: epitélio escamoso normal. As mitoses estão limitadas às camadas


profundas (basais e parabasais). Fonte: Ginecologia – Williams. 2 ed.

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6. TRANSTORNOS ESQUIZOAFETIVOS
São transtornos nos quais ambos os sintomas, afetivos e esquizofrênicos, são
proeminentes dentro do mesmo episódio da doença. Podem estar presentes simulta-
neamente ou afastados por poucos dias.
Pelo DSM-V, os seguintes critérios diagnósticos devem estar presentes:
• Um período ininterrupto da doença durante o qual há a presença concomitante
do critério A da esquizofrenia e de um episódio depressivo maior ou maníaco;
• Delírios ou alucinações durante pelo menos duas semanas na ausência de epi-
sódio depressivo maior ou maníaco durante a duração da doença ao longo da
vida;
• Os sintomas de episódio de humor estão presentes durante a maior parte da
duração das fases ativa e residual da esquizofrenia;
• Descartados o uso de substância ou outra condição médica como causas.
Para diferenciar o transtorno esquizoafetivo do transtorno de humor com carac-
terísticas psicóticas, é necessária a presença de doença psicótica sem sintomas de
episódios de humor, por pelo menos 2 semanas ininterruptas.
Os sintomas de humor devem estar presentes durante a maior parte da doença
psicótica. Se estiver presente durante curto período de tempo em relação à doença
psicótica, o diagnóstico é de esquizofrenia.

TRANSTORNO ESQUIZOAFETIVO: EXEMPLO DE LINHA DO TEMPO

Tempo total do episódio: 6 meses


Período com transtorno de
humor: 4 meses

Sintomas psicóticos +
Sintomas psicóticos episódio de transtorno Sintomas psicóticos
de humor

1º mês 5º mês 6º mês

Legenda: alterações radiográficas na AR. Fonte:


Manual de Clínica Médica – USP. Vol. 5. 2ª ed.

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O grau de funcionalidade geralmente está prejudicado, embora não seja um crité-
rio diagnóstico. Os sintomas negativos costumam ser menos graves e persistentes
do que na esquizofrenia, no entanto, pouco contato social e autocuidado prejudicado
estão associados ao transtorno esquizoafetivo.
Habitualmente, se inicia no início da vida adulta, mas pode desenvolver-se mais
cedo ou mais tarde. Sua prevalência é estimada em 0,3% e seu prognóstico é melhor
do que o da esquizofrenia, mas pior que o dos transtornos de humor.
Existe o transtorno esquizoafetivo do tipo maníaco, no qual há sintomas esquizo-
frênicos e maníacos proeminentes no mesmo episódio. Deve haver uma elevação
persistente do humor, ou uma elevação menos intensa do humor com aumento da
irritabilidade ou excitação.
No transtorno esquizoafetivo do tipo depressivo, sintomas esquizofrênicos e de-
pressivos são proeminentes no mesmo episódio da doença. São menos alarmantes
que o tipo maníaco, porém tendem a durar mais e ter prognóstico mais desfavorável.
Nesse tipo, deve haver depressão proeminente, com pelo menos dois sintomas de-
pressivos característicos ou anormalidades comportamentais.
No transtorno esquizoafetivo do tipo misto, sintomas de esquizofrenia coexistem
com sintomas de um transtorno bipolar do tipo misto.
O tratamento do transtorno esquizoafetivo inclui estabilizadores de humor e anti-
depressivos. Estabilizadores de humor têm se mostrado eficazes para o tratamento
tanto do tipo depressivo como do tipo bipolar.
No transtorno do tipo depressivo, pode-se ainda utilizar antidepressivos, sendo
os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) comumente prescritos,
pelo menor efeito no estado cardíaco e maior segurança em caso de superdosagem.
Pode-se também utilizar os tricíclicos, especialmente em pacientes agitados ou
insones.
Antipsicóticos podem ser utilizados no tratamento dos sintomas psicóticos do
transtorno esquizoafetivo.

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MAPA MENTAL T. ESQUIZOAFETIVO

Misto

Maníaco Prevalência = 0,3%

Depressivo Início da idade adulta

Tipos Epidemiologia

Transtorno
esquizoafetivo

Episódios de humor Tratamento


durante maior parte da
doença psicótica
Estabilizadores de humor

Antidepressivos

Antipsicóticos

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7. TRANSTORNO (DA
PERSONALIDADE) ESQUIZOTÍPICA
O transtorno esquizotípico se enquadra na classificação de transtornos de per-
sonalidade. Pessoas com esse transtorno apresentam comportamento estranho e
marcadamente excêntrico. Pensamento mágico, noções peculiares, ilusões e ideias
de grandeza de referência estão dentre as características do transtorno.
Há um padrão difuso de déficits sociais e interpessoais, além de redução da
capacidade de desenvolver laços íntimos, distorções cognitivas ou perceptivas e
comportamento excêntrico. Frequentemente apresentam ideias de referência – vale
ressaltar que são ideias, não delírios, pois estes se caracterizariam por extrema con-
vicção apesar de evidência contrária. São geralmente supersticiosos e crentes no
paranormal, com crenças de que têm poderes especiais.
Alterações sensoperceptivas podem ocorrer, e seu discurso é desorganizado, des-
conexo, agressivo e vago.
São considerados “esquisitos” ou excêntricos devido a maneirismos incomuns.
Sentem desconforto em se relacionar com outras pessoas e, diante de situações so-
ciais, sua ansiedade não diminui com o passar do tempo – inclusive, pode aumentar,
como consequência do aumento das ideias paranoides. Por fim, diante de evento es-
tressante, podem apresentar episódios psicóticos transitórios.
Os seguintes critérios são utilizados para o diagnóstico, segundo o DSM-V:

• No início da vida adulta, surgimento de déficits sociais e interpessoais difusos,


com desconforto agudo e capacidade diminuída de construir laços íntimos,
bem como distorções cognitivas ou perceptivas e comportamento excêntrico,
conforme a seguir:
• Ideias de referência (exceto delírios);
• Crenças estranhas ou pensamento mágico, que influenciam o
comportamento;
• Experiências sensoperceptivas incomuns – ex.: ilusões;
• Pensamento e discurso estranhos;
• Desconfiança ou ideação paranoide;
• Afeto inadequado;
• Comportamento ou aparência estranha, excêntrica ou peculiar;
• Ausência de amigos próximos – com exceção dos familiares de primeiro
grau;
• Ansiedade social associada a receios paranoides, em detrimento de julga-
mentos negativos.

Transtornos Psicóticos Primários   21


• Não ocorre durante curso de esquizofrenia, transtornos bipolares do humor ou
depressivo com sintomas psicóticos, qualquer outro transtorno psicótico ou
transtorno do espectro autista.

O tratamento do transtorno esquizotípico inclui a psicoterapia e farmacoterapia.


Nesta, medicamento antipsicótico são utilizados para diminuir as ideias de referên-
cia e ilusões. Já antidepressivos podem ser utilizados para pacientes com sintomas
depressivos.

MAPA MENTAL T. ESQUIZOTÍPICO

Déficits sociais e
interpessoais

Redução da capacidade
Comportamento excêntrico
de ter laços íntimos
Transtorno
esquizotípico
Ansiedade que não
Ideias de referência
cessa com o tempo

Distorções cognitivas Distorções perceptivas

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MAPA MENTAL GERAL

Paranoide Hebefrênica Catacônica Residual Inespecífica

Alto grau de Doença psicótica


Mau prognóstico Tipos
disfuncionalidade crônica

Esquizofrenia

Duração maior que 1


dia e menor que 30 dias Transtornos
Transtorno Transtorno Duração maior que 30
psicóticos
psicótico breve esquizofreniforme dias e menor que 6 meses
primários
Bom prognóstico

Transtorno Transtorno
esquizotípico esquizoafetivo

Comportamento excêntrico Maníaco

Redução da capacidade de ter laços íntimos Misto

Distorções cognitivas Depressivo

Ansiedade que não cessa com o tempo Episódios de humor durante


maior parte da doença psicótica
Transtorno de personalidade

Transtornos Psicóticos Primários   23


REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-V). 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
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nicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993.
Lieberman JA, First MB. Psychotic Disorders. N Engl J Med 2018;379:270-80.
Marder SR, Cannon TD. Schizophrenia. N Engl J Med 2019;381:1753-61.
Miguel EC, Gentil V, Gattaz WF. (eds.). Clínica Psiquiátrica – FMUSP. 1. ed. Barueri:
Manole, 2011. v. 1.
Kaplan HI, Sadock BJ. Compêndio de Psiquiatria: ciências do comportamento e psi-
quiatria clínica. 11. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2017.
Frazão D. Biografia de Vincent van Gogh. [internet]. 2021. [acesso em 1 jun. 2021].
Disponível em: https://www.ebiografia.com/van_gogh/.
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te psico­se. Folha de São Paulo. [Internet]. 20 jan. 2020. [acesso em 1 jun. 2021].
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/01/especialistas-
autentificam-pintura-de-van-gogh-como-um-auto-retra­to-feito-durante-psicose.shtml.
Van Gogh pintou este autorretrato durante um grande surto de psicose. El País.
[Internet]. 21 jan. 2020. [acesso em 1 jun. 2021]. Disponível em: https://brasil.elpais.
com/cultura/2020-01-21/van-gogh-pintou-es­te-autorretrato-durante-um-grande-surto-
de-psicose.html.

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