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Revista Anhanguera, Goiânia v.18, n. 1, jan/dez. p.

15-24, 2017 15

Sociolinguística: o papel do social na língua


Rodrigo Mazer Etto1, e Valeska Gracioso Carlos2

Resumo

O objetivo desse trabalho é apresentar um breve histórico da Área de estudos conhecida como
Sociolinguística Laboviana ou Quantitativa. Serão apresentados os elementos que constituem essa
área de pesquisa, partindo da Linguística Moderna e chegando ao papel fundamental de William
Labov na sua teorização e metodologia. Para demonstrar o caminho percorrido até se chegar à
Sociolinguística, foram brevemente apresentadas as posições de alguns teóricos da linguagem como
Saussure, Bakhtin, Jakobson, Chomsky e Benveniste sobre a relação entre língua e fatores sociais.
As características da Sociolinguística, também conhecida como teoria da variação, foram baseadas
nos postulados de William Labov, e recorreu-se à Tarallo e Monteiro para melhor interpretação da
teoria laboviana.

Palavras-chave: Linguística. Sociedade. Labov.

Sociolinguístics: the role of social in the language


Abstract

The purpose of this paper is to present a brief history of the Area of​​Studies known as Labovianor
Quantitative Sociolinguistics. It will be presented the elements that make up this are of ​​research,
starting from Modern Linguistics Saussure and reaching the fundamental role of William Labov in
histheorization and methodology. In order to demonstrate the way forward to reach Sociolinguistics,
the positions of some language theorists such as Saussure (2006), Bakhtin, Jakobson, Chomsky
and Benveniste on relationship between language and social factors. The characteristics of
Sociolinguistics, also known as Theory of variation, were based on the postulates of William Labov,
and Tarallo and Monteiro were used for a better interpretation of the Labovians theory.

Key words: Linguistic. Society. Labov.

1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Linguagem, Identidade e Subjetividade da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: etto.
rodrigo@gmail.com
2
Professora da Disciplina Variação Linguística: pluralidade e identidade do Programa de Pós-Graduação em Linguagem, Identidade e Subjetividade
da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: vgracioso@uol.com.br
16 Rodrigo Mazer Etto e Valeska Gracioso Carlos

Introdução O caminho percorrido

A relação entre língua e sociedade é acei- De acordo com o trabalho intitulado


ta por muitos pesquisadores que se dedicam ao Variação e Mudança Linguística (SALOMÃO,
estudo da língua e, apesar de algumas teorias da 2011), o termo sociolinguística surgiu no ano de
linguagem apresentarem interpretações diversas 1939, no artigo Sociolinguistics in India (HOD-
dos fenômenos linguísticos, aproximando-os ou SON, 1939). Contudo, em virtude do objetivo a
distanciando-os do seu papel na vida social, os que se propõe este trabalho, que é o de realizar
estudos sociolinguísticos comprovam ser inegá- um breve panorama retrospectivo do surgimen-
vel a relação entre língua e sociedade, sendo, por- to da Sociolinguística, serão apresentados, nas
tanto, imprescindível o entendimento desse vín- próximas linhas, apontamentos de alguns teóri-
culo quando se discute o fenômeno linguístico. cos da linguagem sobre a relação entre língua e
Para a Sociolinguística, toda língua falada sociedade antes do ano de 1939.
apresenta variações decorrentes da heterogenei- Ferdinand Saussure, o criador da
dade presente nos fenômenos linguísticos, as Linguística Moderna, em 1916, considerando
que a língua possuía uma estrutura fixa e
quais são identificadas e analisadas por meio de
imutável, elabora uma teoria que separa língua
pesquisas de campo, em que o pesquisador so-
e fala, e concentra sua atenção na análise
ciolinguísta registra, descreve e analisa sistema-
da língua, pois, para esse linguista, “[...] a
ticamente diferentes falares, relacionando essas
Linguística tem por único e verdadeiro objeto
variações com fatores sociais, numa tentativa de
a língua considerada em si mesma e por si
identificar qual fator ou grupo de fatores é o res-
mesma” (SAUSSURE, 2006, p. 271).
ponsável por determinada variação.
Treze anos depois, em 1929, contrariando
Este trabalho se divide em quatro partes:
a teoria de Saussure, Michail Bakhtin (1990)
a primeira buscará apresentar o percurso rea-
defendeu a ideia de que a língua possuía um
lizado pelos estudos linguísticos até se chegar à caráter social, que se realizava através de atos
Sociolinguística atual; a segunda parte tratará enunciativos em determinada circunstância de
da imprescindível colaboração de Labov (1978, interação verbal.
1982, 2008) na estruturação, organização e re- Também contrário à teoria do Criador
conhecimento dessa área como campo específi- da Linguística Moderna, Jakobson (1973),
co de estudo da linguagem; a terceira abordará a em 1960, criticou a homogeneidade da língua
metodologia laboviana para a realização de uma defendida por Saussure, por compreender que
pesquisa sociolinguística; e a quarta parte trata- existem inúmeras situações e comunidades
rá da questão do preconceito linguístico, em que linguísticas nas quais os sujeitos interagem de
se tentará responder a seguinte pergunta: como diversas formas e, de acordo com a função e
a Sociolinguística pode contribuir para a dimi- os objetivos de uma dada situação de interação
nuição do preconceito linguístico em relação às comunicacional, esses indivíduos escolhem
variações do Português nas aulas de Língua Por- determinado código linguístico dentre uma
tuguesa ministradas nas escolas? variedade de outros.
Sociolinguística: o papel do social na língua Sociolinguístics: the role of social in the language 17
Por outro lado, em 1965, Chomsky (1965, da linguagem no comportamento de uma socie-
1997), representante do formalismo da escola dade, onde cientistas sociais e alguns linguistas
gerativista, e criador da Gramática Gerativa, de- procurariam interpretar o efeito da língua na
fendia a ideia da existência de um falante ideal, sociedade (PAULSTON; TUCKER, 2003).
inserido em uma comunidade linguisticamen- Para a Sociolinguística, a língua é dotada
te homogênea, cuja competência linguística – a de “heterogeneidade sistemática”, fato que per-
capacidade de compreender e delimitar as regras mite a identificação e demarcação de diferenças
combinatórias e articulatórias de sua língua –, se- sociais na comunidade, constituindo-se como
ria o verdadeiro objeto de estudo do linguista e parte da competência linguística dos indivíduos,
a heterogeneidade da língua não seria conside- o domínio de estruturas heterogêneas (WEIN-
rada. Para esse linguista, a língua é um conjunto REICH; LABOV; HERZOG, 2006, p.101).
infinito de frases, que se define não apenas pelas Em sua formação, a Sociolinguística uti-
já existentes, mas também pelas frases possíveis, lizou-se de basicamente três disciplinas: a Lin-
aquelas passíveis de criação através da interio- guística, a Antropologia e a Sociologia, e pôde
rização das regras da língua, o que torna os fa- mesclar as contribuições de cada uma dessas
lantes aptos a produzir frases mesmo que nunca áreas. A Antropologia colaborou com seus co-
tenham sido ouvidas por ele. nhecimentos de etnografia; a Sociologia com
Em 1968, a relação entre língua e seu cabedal teórico-metodológico; e a Linguísti-
sociedade foi novamente abordada, dessa vez ca com suas teorias sobre a linguagem. A união
por Benveniste (1989), na obra Estrutura da de pesquisadores dessas três áreas do conheci-
Língua e Estrutura da Sociedade. Benveniste mento muito cooperou para o fortalecimento
afirma a possibilidade de estudo, descrição e do que conhecemos hoje como Sociolinguística.
compreensão da sociedade através da língua, Em 1964, Bright (1966, 1974) organizou,
que funcionaria como um instrumento de na Universidade de Los Angeles, uma escola
análise do meio social. teórica dessa nova área de estudos e, juntamente
Foi então, a partir de 1960, após concei- com a colaboração de outros linguistas presentes,
tos e teorias de vários estudiosos da linguagem, definiu a diversidade linguística como objeto de
que a Sociolinguística reivindicou sua posição estudo da Sociolinguística. Segundo Monteiro
de campo específico de estudo e acabou apre- (2000), Bright definiu os fatores condicionantes
sentando duas vertentes distintas para se referir do fenômeno da diversidade linguística como
a essa área que correlaciona língua e sociedade. aqueles ligados ao falante, ao destinatário, às suas
Uma delas denominou-se Sociolinguística, pro- identidades sociais e ao contexto em que se dá a
priamente dita, na qual linguistas e antropólo- comunicação, mas ainda deu à Sociolinguística
gos teriam como objetivo a descrição e análise um papel complementar, ou subordinado às três
da língua na sua relação direta com fatores áreas que lhe deram origem: a Linguística, a So-
sociais, ou seja, a influência de elementos so- ciologia e a Antropologia.
cioculturais no fenômeno linguístico. A outra O pesquisador William Labov encontrava-
ramificação - a sociologia da linguagem - teria se presente nesse encontro e, no início, recusava-
como foco estudar e compreender a influência se a usar o termo Sociolinguística, pois, para ele,
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só existia um tipo de linguística, a social, não presença uma invasão cultural e econômica,
havendo motivo para destacar o caráter social portanto, marcavam a pronúncia desses
da língua na nomenclatura dessa nova área de ditongos como forma de resguardar sua cultura
estudos (LABOV, 2008). e seu espaço. Por outro lado, essa pesquisa
também revelou que o uso da forma padrão, de
A sociolinguística laboviana maior prestígio, demonstrava um sentimento de
insatisfação, uma vontade de deixar a ilha, ou
William Labov foi o criador desse mode- seja, de se diferenciar da identidade social dos
lo teórico-metodológico: a Sociolinguística, que habitantes nativos.
consiste em uma ciência da linguagem social Discordando da ideia de homogeneida-
que estuda a coexistência de variantes linguís- de linguística defendida por Saussure (2006),
ticas e suas probabilidades de uso. Esse modelo e do conceito de falante ideal defendido por
de análise linguística trabalha com números e Chomsky (1965, 1997), para Labov a língua não
estatística dos dados coletados e sua principal é propriedade do indivíduo, mas sim da comu-
característica, em contraposição ao modelo ge- nidade, fato que o leva a crer que o novo modo
rativista, é que Labov “o propôs como uma rea- de fazer linguística é “estudar empiricamente as
ção à ausência do componente social no modelo comunidades de fala” (LABOV, 2008, p.259).
gerativo” (TARALLO, 1994, p. 7). A Sociolinguística é também conhecida
Através de sua famosa dissertação de como Teoria da Variação, pois seus pesquisadores
mestrado, sobre as variações do Inglês utilizado procuram analisar as variações que estão em
por habitantes da ilha de Martha´s Vineyard co-ocorrência, as usadas ao mesmo tempo,
(LABOV, 2006), realizada em 1963, Labov e as concorrentes, as formas linguísticas que
analisou a relação entre fatores sociais como concorrem entre si. A Sociolinguística, cujo
etnia, sexo, ocupação e idade, com a linguagem propósito é estudar as variações linguísticas,
usada pelos nativos dessa ilha, localizada no suas estruturas e evolução no contexto social
estado americano de Massachussets, focalizando de determinada comunidade, cobre a área
seu estudo na pronúncia de certos fonemas do usualmente chamada de Linguística Geral, a
Inglês falado por essas pessoas. Ele constatou que qual lida com Fonologia, Morfologia, Sintaxe e
o uso dos ditongos au e ay servia para os falantes Semântica (LABOV, 2008, p. 184).
se identificarem como nativos, contrapondo com Esse modelo ocupa-se das variações
as formas linguísticas padronizadas utilizadas sistemáticas da língua falada chamadas de
pelos turistas que visitavam a ilha, o que mostrou variantes linguísticas, que são diversas maneiras
que o uso da variante pelos nativos, considerada de se dizer a mesma coisa em um mesmo
estigmatizada em relação à forma padrão, servia contexto e com o mesmo valor de verdade,
para a construção de sua identidade social, como e “a um conjunto de variantes dá-se o nome
descendentes dos Yankees, o grupo étnico que de variável linguística” (TARALLO, 1994, p. 08).
colonizou a ilha no século XVII. Conforme Labov (1978), dois enunciados
Esses habitantes ressentiam-se da presença que se referem ao mesmo estado de coisas com
dos veranistas do continente, considerando sua o mesmo valor de verdade constituem-se como
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variantes de uma mesma variável. A aproximação entre diacronia e sincro-
A título de exemplo, em um determinado nia possibilita o entendimento do processo de
enunciado pode-se ter as variáveis linguísticas mudança, não através das transformações radi-
concordância, ou não concordância do verbo cais, pois:
com o sujeito, muito praticadas por diversos
falantes na linguagem cotidiana. Outro bom [...] para que os sistemas mudem, urge
exemplo são as diversas formas lexicais que que eles tenham sofrido algum tipo de
variação. [...] a partir de tais e tais ca-
as palavras assumem em certas culturas ou racterísticas estruturais e de tais con-
tradições, como o caso das variações linguísticas dições de funcionamento, o sistema,
conhecidas como gírias que, de acordo com os quase que preditivamente, caminhou
fatores sociais que incidem sobre os grupos de na direção X e não na direção Y (TA-
RALLO, 1994, p. 25-26).
falantes que as praticam, possuem significados
diferentes para palavras ou termos usados na
linguagem formal, padronizada. Com relação a Para compreender a forma que uma va-
esses dois exemplos, apesar de serem praticados riante se dissemina dentro de uma comunidade
por diversos falantes no dia a dia, tanto a não de fala, a pesquisa sociolinguística investiga se
concordância do verbo com o sujeito quanto a há tendência de mudança, podendo utilizar al-
utilização de gírias na linguagem oral, não são guns instrumentos para essa análise, por exem-
considerados gramaticalmente adequados, de plo, testes de julgamento pessoal, que, através
acordo com as regras prescritas pela norma da opinião dos entrevistados, possibilitam a ob-
padrão ou culta da Língua Portuguesa. servação, pelo pesquisador, dos valores pessoais
As variáveis linguísticas classificam-se dos falantes sobre determinada variante.
em dependentes e independentes. As primeiras Tanto a análise da influência dos aspectos
são o próprio fenômeno a ser estudado, linguísticos e socioculturais, quanto a observação
como a ocorrência da concordância nominal da reação dos falantes diante de determinadas
em determinado enunciado, cujas variáveis variantes, contribuem para identificar os motivos
seriam o uso ou não da regra de concordância de determinada mudança e sua implementação
gramatical. Já as independentes dizem respeito pelas comunidades de fala (WEINREICH, LA-
aos fatores linguísticos internos (estruturais) e BOV; HERZOG, 1968; LABOV, 1972).
os externos (socioculturais). Contrariando a homogeneidade linguística
Para analisar estatisticamente um das teorias estruturalistas, a Sociolinguística
fenômeno variável, o estudo sociolinguístico procura explicar a heterogeneidade da língua,
busca calcular o peso ou influência de cada fator, através da análise de fatores internos e externos
os linguísticos e os socioculturais, na ocorrência ao sistema linguístico, pois ela “parte do
de determinada variação em um determinado pressuposto de que toda variação é motivada,
momento – sincronismo - ou ao longo do tempo isto é, controlada por fatores de maneira tal
– diacronismo - numa tentativa de aproximação que a heterogeneidade se delineia sistemática e
dos fenômenos sincrônicos e diacrônicos previsível” (MOLLICA, 2004, p. 10).
(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006).
20 Rodrigo Mazer Etto e Valeska Gracioso Carlos

Metodologia algumas experiências pessoais, fazendo-o focar


sua atenção nas suas próprias lembranças e
A Sociolinguística se interessa pelas varia- não no processo de entrevista, tirando do
ções linguísticas que podem ser explicadas siste- informante qualquer tipo de preocupação com a
maticamente, entendendo-se como variação sis- forma ou com a estrutura narrativa, permitindo
temática a maneira alternativa de dizer a mesma que o processo comunicativo ocorra de maneira
coisa, desde que essa maneira seja portadora do natural. Portanto, a própria orientação teórica
mesmo significado referencial (LABOV, 20080). da Sociolinguística recomenda muito cuidado
A metodologia de uma pesquisa sociolin- do pesquisador para se manter neutro durante
guística exige que os dados sejam coletados por a interação com o entrevistado, sendo que
meio de entrevistas estruturadas, previamente essa precaução também deve permitir que
elaboradas pelo pesquisador. Para que se cum- sua presença se torne o mais natural possível
pra o caráter quantitativo que caracteriza a pes- dentro da comunidade estudada, para que a
quisa sociolinguística, é necessário que seja co- naturalidade do evento não seja quebrada.
letado um grande número de dados, que serão Tarallo (1994) aponta outros cuidados a
estatisticamente analisados posteriormente e serem tomados pelo pesquisador no momento da
relacionados aos fatores sociais condicionantes, coleta de dados, como inserir-se na comunidade
como faixa etária, escolaridade, sexo, nível so- através da ajuda de terceiros; deixar claro para
cioeconômico e formalidade ou informalidade o entrevistado a possibilidade de inutilização
do falante. da gravação, se ele assim o desejar; ajustar seu
A Sociolinguística propõe algumas etapas comportamento ao da comunidade em que se
a serem percorridas para a análise de grupos encontra; estabelecer critérios para a seleção
de fatores, visando à facilitação no trabalho de de informantes e, principalmente, não deixar
quantificação de dados, como a consideração do explícito que seu objetivo é estudar a língua.
contexto fonológico, classe morfológica, posição Partindo na noção de prestigio, em
da variável e o estatuto morfológico da palavra que as variantes estão sempre em relação de
que contém a variável (TARALLO, 1994). concorrência, como padrão e não-padrão,
Labov (2008) recomenda uma precaução conservadoras e inovadoras, e de prestígio
para se evitar ou minimizar possíveis e estigmatizadas, em que a variante padrão
influências negativas decorrentes da presença é a mais conservadora e de maior prestígio
do pesquisador e do gravador diante do social, e a não-padrão é a variante inovadora
entrevistado, o que ele denominou de paradoxo e estigmatizada; a pesquisa sociolinguística
do observador. Essa recomendação consiste procura identificar as mudanças linguísticas
em observar e registrar, sem ou com poucas em andamento e também as variações estáveis,
interferências, as falas dos entrevistados, através da correlação dos fatores sociais com
através do uso da entrevista sociolinguística, fatores linguísticos. A análise das variáveis
previamente estruturada por meio de um permite constatar se o processo de variação vai
roteiro de perguntas pré-estabelecido, em que vigorar por muito tempo dentro de um grupo
o pesquisador estimule o entrevistado a narrar de falantes, como é o caso das variáveis estáveis,
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ou se vai ocorrer predominância e mudança de camente com os dados para que possa identificar
uma forma linguística sobre outra, como ocorre quais os grupos de fatores são os responsáveis
com as variáveis com mudança em progresso. pela ocorrência de uma dada variação e quais
Um bom exemplo de situação de variável não o são.
estável ocorre com pessoas pertencentes às
classes de maior status social e com maior Discriminação pela linguagem: o
nível de escolaridade, que apresentam maior preconceito linguístico
frequência de uso das formas de prestígio do
que os falantes de classes sociais mais baixas A diferença de posições no tabuleiro social
(LABOV, 1982, p. 77-78). e a hierarquização dos grupos que compõem
Outro exemplo, agora envolvendo uma uma sociedade permitem que as variedades
situação de mudança em progresso é a consta- linguísticas destaquem a posição social de seus
tação de Chambers e Trudgill (1980, p. 91-93) falantes, consideradas superiores ou inferiores,
de que os falantes com idade intermediária cos- e proporcionem o surgimento de atitudes e
tumam apresentar maior frequência de uso de comportamentos preconceituosos em relação a
formas inovadoras. Esses mesmo autores afir- variedades da língua que fogem à regra padrão.
mam que, na análise das variáveis estáveis, as Segundo Bagno (2004):
faixas etárias intermediárias apresentam maior
frequência de uso das formas de prestígio. O preconceito linguístico se baseia
A metodologia laboviana, para sistema- na crença de que só existe, uma
tizar determinada variação linguística, abrange única língua portuguesa digna de
ser aceita, ensinada nas escolas,
basicamente cinco etapas. Inicialmente é preci- explicada nas gramáticas normativas e
so que seja realizado o levantamento de dados catalogadas nos dicionários e qualquer
da língua a ser estudada, seguida da descrição manifestação linguística que escape
da variável em questão. A terceira fase corres- desse triângulo escola-gramática-
dicionário é considerada, sob a ótica
ponde à análise dos fatores que condicionam tal
do preconceito linguístico, errada,
variação, e a quarta e quinta etapa correspon- feia, estropiada, rudimentar, deficiente
dem ao encaixamento da variável e sua projeção (BAGNO, 2004, p. 38).
histórica, respectivamente.
Para a análise de um fenômeno de Então, para tentar responder a pergunta
variação linguística, a intuição do pesquisador formulada na introdução deste artigo, com base
será de grande valia, para que possa detectar os nos conceitos da Teoria da Variação, primeiro,
fatores ou grupo de fatores que condicionam é necessário que a os cursos de graduação
determinada variação, os quais podem ser de em Letras tenham em sua grade curricular a
natureza interna, como o status informacional disciplina de Sociolinguística, e que ela seja
do falante, ou externa, como faixa etária, classe ministrada com a mesma importância que se dá
socioeconômica ou etnia. às demais disciplinas que compõem esses cursos.
Após ter coletado informações do entre- Isso permitirá que os professores em formação
vistado cabe ao pesquisador trabalhar estatisti- tenham familiaridade com os conceitos da
22 Rodrigo Mazer Etto e Valeska Gracioso Carlos

Teoria da Variação, permitindo a incorporação referência o padrão culto. [...] os estu-


desses pressupostos teóricos e metodológicos dos sociolinguísticos oferecem valiosa
contribuição no sentido de destruir
ao pensamento linguístico atual, e, não apenas,
preconceitos linguísticos e de relativi-
contribuindo para que esses conhecimentos zar a noção de erro, ao buscar descrever
sejam postos em prática quando iniciarem sua o padrão real que a escola, por exem-
carreira docente. plo, procura desqualificar e banir como
Em segundo lugar, é preciso que a ideia expressão linguística natural e legítima
(MOLLICA, 2004, p. 13).
de homogeneidade da língua seja posta de lado
pelos professores que se dedicam atualmente ao
Uma maneira de possibilitar o entendi-
ensino da Língua Portuguesa, pois, ao aceitar
mento das variações linguísticas é a utilização de
o fenômeno da variação como característica
textos como letras de música, notícias de jornal,
inerente a todas as línguas, o próprio conceito
recursos de áudio e vídeo, e outros que mostrem
de certo e errado se torna relativo ao contexto
as variações sendo utilizadas como recurso para
comunicacional.
a construção de sentido ou como uma ferra-
Essa interpretação heterogênea da língua
menta para caracterizar um tipo de personagem
vai possibilitar ao professor entender que o uso
em dada obra, que pode vir a colaborar para o
das variações não deve ser discriminado em sala
despertamento da consciência dos alunos no
de aula, pelo contrário, elas devem servir como
uso das variantes linguísticas, bem como possi-
ponto de partida para o ensino das formas mais
bilitar que eles utilizem várias formas, segundo
prestigiadas, pois provavelmente, essa transição
de uma forma desprestigiada para uma forma a circunstância e o contexto de comunicação.
padrão irá facilitar o processo de aprendizagem
dos alunos e colaborar para a desconstrução Considerações finais
de práticas pedagógicas monolíngues que
favorecem o surgimento e ocorrência do A variação linguística pode ser verificada em
preconceito linguístico. todas as sociedades, até mesmo em comunidades
Com o estudo e a aplicação de seus postu- primitivas, e conforme as sociedades vão se
lados teórico-metodológicos, a Sociolinguística tornando mais complexas, seus integrantes
pode realizar uma grande contribuição para a assumem mais papéis sociais, possibilitando que
desconstrução de atitudes e comportamentos ocorram mais fenômenos de variação linguística
discriminatórios decorrentes da linguagem, que (LÓPEZ MORALES, 1993, p. 111). Essa posição
reforçam ainda mais os processos de exclusão que considera como característica de todas as
social, presentes na sociedade atual, pois: línguas a capacidade de sofrerem variações é
compartilhada por muitos linguistas brasileiros
[...] o preconceito linguístico tem sido como Faraco (2008), Mussalin e Bentes (2009) e
um ponto bastante debatido na área, Silva e Moura (2000) e outros.
uma vez que se nota ainda a predomi-
Contrária à ideia de homogeneidade lin-
nância de práticas pedagógicas assen-
tadas em diretrizes maniqueístas do guística das teorias estruturalistas (SAUSSURE,
tipo certo/errado, que tomam como 2006), a Teoria da Variação, também conhecida
Sociolinguística: o papel do social na língua Sociolinguístics: the role of social in the language 23
como Sociolinguística Quantitativa ou Labo- BAKTIN, M. Marxismo e filosofia da
viana, considera a língua dotada de “hetero- linguagem. 5.ed. São Paulo: Hucitec, 1990.
geneidade sistemática”, o que indica, portanto, BENVENISTE, E. Estrutura da língua e estrutura
ser parte da competência linguística dos indi- da sociedade. In: Problemas de linguística
víduos, o domínio das estruturas heterogêneas. geral II. São Paulo: Cia. Editora Nacional/
Essa heterogeneidade permite a identificação EDUSP, 1989.
dos vários grupos sociais que compõem uma
sociedade, e sua ausência seria considerada dis- BRIGHT, W.  Sociolinguistics: proceedings of
the UCLA Sociolinguistics Conference, 1964.
funcional (WEINREICH; LABOV; HERZOG,
v. 20. Mouton &Company, 1966.
2006, p.101).
Este trabalho não tem a pretensão de __________. As dimensões da sociolinguísti-
abranger a história da Sociolinguística em sua ca.  Sociolinguística. Rio de Janeiro: Eldorado,
totalidade, com apresentação e perfeita ordem 1974.
cronológica de todos os pesquisadores e teorias CHAMBERS, J. K.; TRUDGILL, P.  Dialectol-
da linguagem que culminaram com o surgimen- ogy. Cambridge: Cambridge University Press,
to da Sociolinguística, pois existem diversas for- 1980.
mas de se olhar para o fenômeno linguístico e,
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mesmo dentro da área onde é consenso a relação
Cambridge, Massachusetts, the MIT Press, 1965.
entre língua e sociedade, existem contrapontos
nos quais divergem alguns autores. ____________. Conhecimento da História
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passando por teorias de Bakhtin (1990), em Linguística Teórica e Aplicada, v.  13, p.
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de descrições têm sido elaborados buscando a desatando alguns nós. São Paulo: Parábola,
compreensão da língua e sua delimitação como 2008.
campo científico de estudo, todavia, pode-se
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afirmar que a Sociolinguística permitiu, assim, o
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