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Dimensões da Crise e Metamorfoses do Mundo do Trabalho

Antunes, Ricardo
- Elizabeth Luz -
Dimensões Da Crise E Metamorfose Do Mundo Do Trabalho
In. Revista Serviço Social e Sociedade, nº 50, abril/1996
Autor: ANTUNES, RICARDO

Os países de capitalismo avançado viveram na década de 80, a mais aguda crise do


mundo do trabalho. Essa crise teve duas dimensões, a saber:
1. aquela que atingiu a materialidade, a objetividade da classe trabalhadora, acarretando
metamorfoses agudas ao processo de trabalho e ao processo de produção do capital;
2. uma crise no plano da subjetividade do trabalho, que não se desvincula desta
primeira, mas tem características particulares.
Essa crise afetou sensivelmente também e diretamente os organismos de representação
da classe, especialmente os sindicatos e os partidos de esquerda.

Primeira Dimensão da Crise


Década de 80 e sua caracterização:
► Enorme salto tecnológico (desenvolvimento das forças produtivas) uso da robótica e
da microeletrônica, dentre outros (que significou a redução do trabalho vivo e o
aumento sobremaneira, do trabalho morto);
► Padrão toyotista de produção de mercadorias (nasceu na fábrica Toyota inicialmente).

O que vem a ser o padrão toyotista de produção?


Ele se origina no pós-guerra japonês, com a necessidade de destruir o sindicalismo de
classe, por meio dos chamados “expurgos vermelhos”; essa produção se distancia daquele
sistema de produção em série, em larga escala, própria do fordismo. No toyotismo, a produção
é flexível. não há grandes estoques (o estoque é mínimo); a acumulação é flexível, adequada
às alterações ocorridas cotidianamente no mercado.
Observação de Beth da Luz: pode ser que esteja presente aqui a obsolescência
programada das mercadorias, ditada pela voracidade do consumismo.
No processo produtivo toyotista o trabalhador tem que ser polivalente pois precisa saber
operar com várias máquinas ao mesmo tempo.
O autor denomina “sindicalismo de envolvimento”, a característica sindical dos tempos
atuais em que o trabalhador deve ser convencido de que a empresa é a sua casa. Nessa
direção, os ciclos de controle de qualidade (CCQs) se fundamentam nessa ideologia de adesão
aos ideários empresariais.

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Entretanto, com o fenômeno da globalização, esse modelo de produção foi exportado
para outros países do mundo, da Itália aos Estados Unidos, do Japão a América Latina. É a
própria lógica do capital que se mundializa.
O sindicalismo japonês não supõe a eliminação do sindicato e sim a conversão do
sindicato combativo, autônomo, num sindicato de empresa, do qual, aliás, o “sindicato
participativo” pode ser o primeiro passo para chegar a um sindicalismo participativo de
empresa.
Nessa modalidade de produção, o trabalhador toma-se vigia de si próprio. Ele e o déspota
de si mesmo. Não é preciso dizer que esse sistema de flexibilização do trabalho supõe a
flexibilização (ou a desmontagem) dos direitos do trabalho. Um sistema de produção flexível
supõe direitos do trabalho também flexíveis. ou de forma mais aguda, supõe a eliminação dos
direitos do trabalho.

Essa flexibilidade produtiva necessita:


► do trabalhador disponível;
► do trabalho parcial;
► do trabalho de terceiros;
► do trabalho precário.
O autor chama essas várias formas de trabalho de subtrabalho, uma subproletarização
dos trabalhadores, de modo que flexibiliza e dá efetividade a um modo de produção que é
essencialmente destrutivo e que também destrói a mercadoria força de trabalho. Os
trabalhadores terceirizados , em geral, não têm sindicatos, não têm direitos, são menos
remunerados do que aqueles que eram da fábrica, ou seja, cria-se um processo de enorme
fragmentação. Se a classe trabalhadora já é fragmentada, isto é um desafio para uma proposta
anticapitalista, quer tem de caminhar no sentido de incorporar e dar mais coesão a tantas
fragmentações.
Por vários motivos, a esquerda socialista e anticapitalista, tem sido incapaz de mostrar
que essa tragédia do século XX — a tentativa heróica e trágica de construção do socialismo
que não se efetivou (desmoronamento da URSS / Leste Europeu ) — não é a derrota final do
socialismo. Mas, o que fica para as grandes massas, é essa derrota, e isso tem um efeito muito
forte, porque o efeito político-ideológico na consciência dessa classe é um efeito de retração,
de defensidade, de lutar por reivindicações cotidianas. E isso é fundamental para o capitalismo,
na medida em que se retrai o âmbito de luta para esse universo, no universo da luta
meramente imediata e não se vislumbra nada além da imediaticidade, para além do capital.

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Segunda Dimensão da crise


Essa crise atingiu a subjetividade da classe trabalhadora, a sua consciência de classe,
consciência de constituir-se corno ser que vive do trabalho.
Isso questionou e atingiu os seus organismos de representação, tais como os sindicatos e
os partidos.
O sindicalismo europeu e dos paises de capitalismo avançado tem sido incapazes de
resistir a essa onda tecnológica. Eles não têm conseguido sequer sustar a perda dos direitos
sociais e nem mesmo têm conseguido preservar o emprego.
O sindicalismo foi derrotado e portanto, o sindicalismo de participação não foi uma
estratégia eficaz dos sindicatos.
Houve nestas décadas de 70 e 80:
► aumento considerável do desemprego;
► dessindicalização (diminuição das taxas de sindicalização);
► desproletarização do trabalho fabril, industrial;
► subprojetarização ou precarização do trabalho(que chega a 40% ou até 50% da força de
trabalho);
► assalariamento do setor de serviços;
► aumento do trabalho feminino.
O autor chama a atenção para o fato de que a revolução tecnológica faz
desaparecer profissões, mudando a configuração do mundo do trabalho; também sinaliza que
a polivalência exigida no toyotismo, implica a desespecialização do trabalhador, na maioria das
vezes.
Uma dimensão essencial da crise sindical, é que os sindicatos não incorporam esses
trabalhadores da economia informal, esse subproletariado, esse trabalho precário, terceirizado,
e hoje ele é parte importante da classe trabalhadora. Quanto mais ele se distancia dessa
massa de trabalhadores, mais corporativista ele se torna.
O autor conclui ressaltando que as metamorfoses ocorridas no trabalho, só não
eliminaram a ”alienação“ do trabalho, como levaram a uma intensificação do estranhamento,
um estranhamento tanto no processo de produção, como na esfera do consumo. De modo que,
estranhado na produção, estranhado no consumo, estranhado na reprodução e estranhado em
várias dimensões da vida cotidiana, não me parece que a sociedade produtora de mercadorias
tenha eliminado o estranhamento, a alienação do trabalho.

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