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Neurociência:

O cérebro do empreendedor
EVA CARNERO
MADRI / SÃO PAULO
Texto publicado pelo jornal EL PAÍS

O empreendedorismo vem fazendo a cabeça de um número cada vez maior de


brasileiros. Motivados pela necessidade ou pelo desejo, hoje no Brasil existem
cerca de 45 milhões de empreendedores, segundo o Monitor Global de
Empreendedorismo (GEM), relatório produzido desde 1999 por um grupo de
universidades internacionais, liderado pela americana Babson College. Isso
significa que hoje no país 34,5% da população entre 18 e 64 anos está envolvida
no próprio negócio, percentual que vem crescendo mais fortemente desde 2011,
quando a taxa era de 26,9%. Quase metade dos empreendedores, contudo,
encontram-se em fase inicial de desenvolvimento de seus negócios (17,2%).

Empreender, de acordo com o levantamento, é o sonho de 43,5% dos


brasileiros. Entretanto, apenas 12% o fazem porque encontraram uma boa
oportunidade de negócio. Como diria Mario Alonso Puig, médico e autor do
livro El cociente agallas (O fator coragem, tradução livre) o desejo de se
aventurar no próprio negócio passa pela vontade de " extrair a melhor versão de
si mesmo". Para isso, as pessoas deixam a sua zona de conforto, salário
garantido e medos de lado em prol de um único objetivo: sobreviver com
os frutos da própria ideia.

Mas por que apenas 12% empreendem por desejo? O que há de especial na
mente desses brasileiros? Especialistas divergem em suas explicações, ainda
que citem as mesmas competências e ingredientes propulsores do
empreendedorismo: proatividade, compromisso, motivação, sacrifício e até
excesso de otimismo.

Segundo Sergio Fernández, diretor do MBA de Empreendedorismo do Instituto


Pensamento Positivo, o que a maioria dos empreendedores têm em comum é a
proatividade. Já para a diretora da Escola de Empreendedores (LEDE), Leticia
Prada, a ilusão é o fator determinante que diferencia os empreendedores dos
não-empreendedores. A essas qualidades e traços psicológicos, Alonso Puig
acrescenta o otimismo, "pois uma pessoa positiva tende a gerar menos emoções
negativas como o medo, a ansiedade e a frustração". Uma nuance: "Um pouco
de medo na medida certa combinado com uma dose apropriada de ilusão e
confiança leva a pessoa a buscar oportunidades sem ignorar os riscos".

Mais rápidos e intuitivos

Vários estudos têm demonstrado, nos últimos anos, que há regiões do cérebro
que os empreendedores desenvolvem mais e melhor do que pessoas que nunca
realizaram uma atividade econômica por sua própria conta e risco. Entre eles, a
pesquisa dirigida pelo professor Maurizio Zollo, do Massachusetts Institute of
Technology (MIT), revela que os empreendedores tomam decisões com mais
rapidez, possuem uma visão geral mais ampla e são capazes de desconsiderar
com mais facilidade eventuais desarmonias do seu ambiente.

Outro trabalho, desenvolvido pelo professor Peter Bryant, da IE Business School,


e os professores da Universidade Complutense de Madri Tomás Ortiz, Augustín
Turrero e Juan M. Santos, chega à conclusão de que um traço que caracteriza
os empreendedores em relação à tomada de decisões é um certo grau de
impulsividade, somado a uma análise cerebral rápida, uma resposta motora
precoce e uma lentidão em concluir o processo cognitivo.

Nesse sentido, Carlos Tejero, da direção da Sociedade Espanhola de Neurologia


(SEN), destaca "a rapidez e a segurança na tomada de decisões como duas
características fundamentais" que diferenciam uma mente empreendedora de
uma que não é. E isso requer uma coordenação de diferentes áreas do cérebro:
"A tomada de decisões ocorre no córtex pré-frontal, mas é preciso que essa
região executiva interaja com as redes sensitivas do lobo parietal, considerando
a informação do conjunto, estabelecendo um julgamento entre prós e contras e
monitorando o êxito de uma decisão".

O jogo da incerteza

"A genética interfere pouco nessa questão do empreendedorismo", afirma


Mercedes Alfonso, presidente da Associação de Empreendedores da
Comunidade de Madri e empresária há mais de 20 anos. Na sua opinião, "um
ambiente propício na família, na escola e nos centros de formação sem dúvida
pode fomentar uma atitude empreendedora".

Alonso Puig e Sergio Fernández também acreditam que não é preciso nascer
empreendedor, já que todas as pessoas são capazes de aprender tudo, inclusive
as aptidões e atitudes necessárias para levar adiante um projeto próprio.

É possível concluir, então, que qualquer pessoa poderia dar esse salto e se
tornar um empreendedor de sucesso, com um treinamento adequado? A
resposta não é fácil.

Alonso Puig alerta para o fato de que possuir tal habilidade não significa ter a
capacidade de se transformar naquilo que deseja, mas sim, em uma versão
melhorada daquilo que já somos. "Da mesma maneira que a semente de uma
macieira nasce para se transformar em árvore, nós somos instigados a
desenvolver todo o nosso potencial e a nos transformar naquilo que temos
vocação de ser, conclui.

Nesse mesmo sentido, Leticia Prada admite a capacidade do ser humano de


adquirir e desenvolver habilidades empresariais, mas limita a possibilidade de
ser um empreendedor àquelas pessoas que possuem algumas características
de personalidade específicas. E destaca: "Para obter êxito, a pessoa não só tem
de ter as aptidões para levar adiante a sua ideia de negócio, como também tem
de saber brincar com a incerteza, pois esta será sua companheira de viagem,
pelo menos nas etapas iniciais”.

A plasticidade do cérebro

A maioria dos especialistas em neurologia concorda com o que Mario Alonso


Puig assinalava: com um treinamento adequado, todo ser humano pode
desenvolver à vontade as regiões do cérebro onde se localizam as habilidades
que favorecem a atividade empreendedora.

"A distribuição da densidade de neurônios em cada região do cérebro depende


de fatores genéticos e de desenvolvimento, mas não se trata apenas de agrupar
neurônios, mas também de conectá-los, e essas conexões podem ser
fomentadas com estímulo. É possível aprender. Pudemos comprovar isso na
reabilitação de pessoas que sofreram danos nessas regiões", assinala o
neurologista Carlos Tejero.

Esse aprendizado é possível graças ao fato de que o cérebro é um órgão


plástico, aberto a melhorias constantes por intermédio da neuroplasticidade. Um
processo central "para a memória, o aprendizado, a gestão do estresse e o
controle do medo", explica Alonso Puig.

Além disso, na sua opinião, podemos estimular o processo


da neuroplasticidade mantendo certos hábitos, como a prática regular de
exercícios físicos. "As pessoas que se movimentam mais geram mudanças
positivas em seus cérebros. Da mesma forma, aquelas que buscam o lado bom
das coisas aprendem a reconhecer e a descobrir mais rapidamente as
oportunidades. Por último, as que nutrem expectativas favoráveis a respeito de
si mesmas e de suas possibilidades controlam suas emoções de uma maneira
muito diferente daquelas que estão sempre esperando pelo pior".

Os caminhos da felicidade

É comum relacionar uma carreira profissional brilhante com o sucesso também


na vida pessoal, ou a felicidade. Alonso Puig, no entanto, condiciona o sucesso
profissional ao pessoal, pois "ele é incompatível com ter de renunciar à sua
saúde, à sua família e aos seus valores". De toda maneira, o caminho para a
realização do nosso sonho empresarial poderia ser identificado com a viagem
rumo à felicidade pessoal. Ao menos é o que acredita o médico e conferencista.
"Ao deixar a zona de conforto, o cérebro começa a gerar mais conexões entre
seus neurônios; começa a progredir. E como a felicidade está muito relacionada
com a percepção de crescimento, as pessoas empreendedoras vivem a vida
com mais intensidade, em vez de apenas vê-la passar", conclui.

Fonte: Jornal EL PAÍS


Acessado em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/12/economia/1415799316_660531.html

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