Cap - Vinculos e Saude Mental

Você também pode gostar

Você está na página 1de 25
Vinculos e Saude Mental — |IARA L. CAMARATTA ANTON es wr—e—e—y J" nm. “a INOPSYS as si S880 han Gama nton, lara L, Camaratta Vinculos e satide mencal / lara L. Camaratta Anton. — Novo Hamburgo : Sinopsys, 2018, VOx23cm; 448p, ISBN. 978-85-9501-057.4 ' Psicologia Vinculos, 1, Titulo, — CDU 159.922 Monica Ballejo Canto — CRB 10/1023 9 Vinculos e satde mental INTRODUGAO Profissionais da satide tém, cvidentemente, a satide como ideal. A sade fisica ¢ mental. A satide em termos de individuo, familia ¢ so- ciedade. Este ideal enche de vida a propria vida. Implica na compreen- Go de fendmenos complexos, € esta compreensio depende de achados cspontineos, acompanhados por pesquisas Curiosamente, diferentes culturas nomeiam, interpretam ¢ atri m2 origem de diversos softimentos, fisicos e/ou emocionais, a partir Gque associam faros, capazes de influenciar nas justificativas € na busca de solugdes. Apa- a de compreender ¢ e trocas interdisciplinares. de observacées empiricas, tanto na narrativa, quanto rentemente, far parte da nacureza humana a rentacy tos. do de “cobreiro” ¢ julgava- para o outre lado do resolver seus diferentes tipos de padecime Herpes Zéster, por exemplo, era chamat ” Faria com que “nao passasse depressdo ou psicose puct- 4 no period menstrual ou que a “benzedura’ onpo”. Tensoes associadas & menstruagio € ter lavado a cabes: fom que 0 sangue a ela subis- Peral cram atribuidos a © petiodo pos-parto (40 dias!), fazendo « eet 4s boas intengées ligad ncivas (ainda que as a estas crengas popula- hem provavel que inadequadas) pela co- Seyuidas pela medidas pre 194 Vinculos e satide mental munidade e de tentativas de cura em relagéo ao paciente (ainda que ine- ficientes), produzissem algum alivio emocional, pela sensacao de per- tencimento ¢ de amparo. Mas 0 que seria da humanidade, se nao con- tissemos com o avango das diferentes ciéncias, que tanto tém contribui- do com educagio e satide? DSM-5 A wadicional tendéncia a interpretar ¢ tratar os sofrimentos hu- manos a partir de um Angulo essencialmente médico tem criado resis- téncias cada vez maiores, especialmente como resultado do amplo reco- nhecimento acerca da complexidade dos fatos fisicos, Psiquicos e socio- culturais. Pesquisas cientificas enfatizam a necessdria integragao multi- disciplinar e, em relagio as diferentes manifestagdes da dor psiquica, tém sido cada vez mais valorizados estudos referentes a0 apego, aos vin- culos, aos processos perceptivos, A meméria, & aprendizagem, a crengas ¢ valores ¢ a diferentes padroes de comportamento através dos quais, bem ou mal, tenta-se uma solugao para os conflitos. Os diagnésticos de satide mental nao fogem disso € nao se tornaram nem obsoletos ¢ nem desnecessirios ~ muito pelo contritio, Observa-se, entre leigos e também entre intimeros profissionais, um forte receio em relagao as classificages de doengas mentais, como os CIDs € 0s DSMs. O principal tisco alegado € 0 de que rétulos se- jam firmados, em relagio 4 pessoas que sofrem, fazendo com qué 4 partir da, sejam superprotegidas ou, principalmente, discriminadas. Este risco, de fato, existe quando forem feitos maus usos dos referides diagndsticos. No intuito de que que estar muito bem prepar IStO seja evitado, os profissionais © " ados para avaliarem ¢ para dialogare™ com 08 pacientes © seus familiares, A compreensao da dinamica fam" liar € essencial, sob todos ©8 aspectos, as fami- lias necessitam de “bodes expiatério, males € porque muitos fendmenos que expre: m mais inclusive porque algum » em quem projetar scus ssam softimento € causal Vinculos e Saude Mental_195 sofrimento, eventualmente com base genética, “r sio frutos também de interagoes familiares, por f vezes inter ou transgeracionais. Multiplicam-se as pesqui tém como principais objetivos dos diferentes fatores que teferentes a satide mental, € estas ampliar cada vex mais a compreensio rc podem estar na origem de transtornos emo- cionais, favorecer a pritica clinica ¢ terapéutica — € nao de criar rétulos ¢ favorecer discriminagées ou, ainda, a industria farmacolégica como muitos parecem acreditar. O DSM-5 (2014) acentua a relagao entre transtornos mentais € questoes culturais, que considero titil compartilhar neste espago: A cultura é transmitida, revisada ¢ recriada dentro da familia ¢ de outros sistemas sociais ¢ instituigdes. A avaliagio diagnéstica deve, portanto, consi- derar se as experiéncias, os sintomas ¢ 0s comportamentos de um individuo diferem das normas socioculeurais e conduzem a dificuldades de adaptagio nas culturas de origem ¢ em contextos sociais ou familiares especificos (DSM-5, 2014, p. 14). A este respeito, 0 DSM-5 observa que as distintas culturas apre- sentam diferencas em relacao aos conccitos de satide € patologia e, da mesma forma, em relagdo aos limites de tolerancia para sintomas e com- portamentos. As normas culturais internalizadas pelo individuo ¢ pela familia podem conduzir a concepgées erréneas, referentes 4 psicopato- logia, podendo contribuir para a construcéo de estigmas, a vulnerabili- dade ¢ 0 sofrimento de seus membros, mas também, pelo contrario, para o estabclecimento de estratégias de enfrentamento e aumento da resiliéncia, e para 0 acesso a opgées terapéuticas. Em sintese: A cultura pode influenciar a aceitagao ou a tejeigio de um diagnéstico ¢ a adesio ao tratamento, afetando o curso da doenga € sua recuperagio. Ela também afeta a conduta durante a consulta clinica; em consequéncia, di- ferencas cultura jente tém efeito sobre a precisio € is entre 0 clinico € 0 p: 4 aceitagao do diagndstico, bem como as decisoes terapéuticas, as consi- deragoes sobre o prognéstico ¢ a evolugao clinica (DSM-5, 2014, p. 14), Bass 196 Vinculos e saude mental FUNCIONALIDADES E DISFUNCIONALIDADES VINCULARES aminado no livro A escotha do cén- :amico” (Anton, 2012) ¢ permi- Este assunto é amplamente ex _juge: wm entendimento sistémico ¢ psicodin to-me geral dos sistemas” alguns recortes dos capitulos intitulados “Contribuigées da teoria < ¢ “Funcionalidade ¢ disfuncionalidade nas relagées aersrosas”, como elementos a serem considerados ao refletirmos a res- peito de "Vinculos e satide mental”. Koestler (1979), mencionado por Umbarger (1983), adotou a expres- sio “holéns”, para significar a intima relagéo entre a parte ¢ o todo (holos, prefixo grego corresponde ao todo e an, sufixo grego, corresponde a “particu- ia’), E Umbarger (1983, p. 40, in: Anton, 2012, p. 69-70) esclarece: Cada holén (...) € um todo € uma parte ao mesmo tempo (...) desprende sua energia em favor de sua autonomia ¢ de sua autoconservagio como um todo. Mas também € veiculo de energia integradora, em sua condigo de parte. (...) A parte ¢ o todo se contém reciprocamente, em um proces- so continuado, corrente, de comunicagao e inter-relagao. Sigamos com os referidos recortes de A escolha do conjuge, que se encai- xam perfeitamente neste capitulo, referente a “Vinculos ¢ satide mental”: ‘Tem sido muito forte a tendéncia a se analisar individuos ¢ familias sob 0 prisma clinico, seguindo critérios que irio classificd-los como “sadios” ou “doentes”. A teoria sistémica procura um entendimento altamente construtivo, na medida em que descarta rétulos ¢ classificagées, dedicando-se a examinar, espe camente, o funcionamento do sistema familiar ¢ detendo-se, de um modo todo especial, nos “comos” € nos “para qués” das incontaveis trocas, continuamente estabelecidas, nos relacionamentos interpessoai (Anton, 2012, p. 124). ® inerpeses a funcionais sio continentes. Elas abrigam, protegem ¢ possibilitam acada u Pa ; - de seus membros a experiéncia impar de “ser pertencente”, Nes- ’ . - sentido, cada familia se constitui num sistema tinico. Cada familia forma Cw Vinculos e Saude Mental 197 deira unidade. Levada ao extremo, esta unidade, ao investir em uma verda aes vrrsia na tarts de contensio, transformaria 0 lar em prisio. Dai familias funcionais conciliam tal tarefa com uma tarefa oposta, eminente- voc libertadora. E respeitado, oportunizado e, até, estimulado, 0 desejo decrescimento, de autorrealizagao ¢ de integragio, dentro ¢ fora do sistema iar, As tarefas de crescimento implicam em perdas ¢ ganhos, ¢ repre- sm continuos desafios, Para que se cumpra o ciclo vital, ¢ indispensivel » contririo, a tendéncia é que famili sental uc o sistema opere de modo funcional. C ocorram fixacdes, com prejuizos para todas as partes envolvidas. A vida se organiza em ciclos. Cada ciclo tem seu comego, seu desabro- char, seu pleno vigor, seu declinio ¢ recomego. Mas recomega como que em espiral, uma etapa acima da outra, apoiando-se nos recursos, ou nos sendes, que a anterior Ihe deixou (p.125) As pessoas exercem pressio, umas sobre as outras, ndo de modo linear, mas de modo circular, numa constante troca, numa constante reciprocidade. Desse modo, uns ¢ outros, simultaneamente, sofrem ¢ exercem influéncia e, mesmo iméveis ¢ calados, recebem ¢ emitem sinais, ou seja, comunicam-se. Influéncia mvitua € comunicagio tém relagao direta, ainda que esta ocorra de modo nao verbal, pois o ser humano reage muito intensa- mente as diversas sensagdes que experimenta (nio sé as auditivas e vi- s, aos pensamentos), a tudo o que, de qualquer forma, atinja sua seguranga ¢ seu bem-estar. Assim, boa parte da influéncia do sistema sobre o individuo, de um subsistema sobre outro ¢ de sistemas maiores ¢ mais organizados, so- suais), aos diversos sentimentos (nao sé 3 idei bre menores © menos organizados, ocorre sem que os envolvidos che- Bem a percebé-lo claramente , mais ainda, sem perceberem que, de qualquer forma, existe reciprocidade, circularidade, ou seja, existe oven Cria-se um clima favoravel ao desenvolvimento do ci- te jaa nt acterizando-se a funcionalidade do sistema) ou um clima a ue ® tesimento, gerando respostas repetitivas, que caracteri- 6 mae oan) alguma etapa do ciclo vital (p. 126). ecom rl ene nao apenas envolve o individuo, mas nele se introduz Me lee continua troca de estimulos ¢ comunicagées. O indi- (et, decodifica as mensagens, realiza adaptagées, fazendo Uma sintese pe nalidade th a que resulta em seus tragos de carater ou de sua Perso- i 198 _Vinculos e satide mental Sem daivida, uma terapia que fixa 0s olhos no passado pode se constiuie num processo homeostatico, favoravel a cristalizagées, a Congelamentos, Mas passado significa historia, E histéria é algo que implica, necessarig, ja, em presente ¢ em futuro. Naquilo que se é mente, continuidade. Ou ilo € naquilo que se viri a ser. Nesse aspecto, algumas abordagens medics mentosas ¢ terapéuticas sacrficam a qualidade de seus resultados, quando afirmam que 0 que passou... passou. f s origens do modo de ser em seu passado ¢ analisé-la através da transferéncia é um grande recurso terapeutico/ Mas a experiéncia clinica demonstra que outros caminhos também podem gerar belas, profundas ¢ Buscar duradouras mudangas. No entanto, nada funciona, se esbarrar numa rea- lidade individual, intrapsiquica, capaz de operar fortemente em sentido contritio (p. 132), O individuo nao pode bastar a si mesmo. A sobrevivéncia, o desenvolvic mento, a realizagio de anseios, quase tudo do que necessita depende, de alguma forma, da participagio de outros em sua vida (...) Quando um individuo encontra ¢ seleciona outros (tal como parceiros de Profissio, amigos, amantes, amores), bem como quando renuncia a algo Que 0 atrai, estd a servico dos sistemas aos quais representa, Na maior Parte dos casos, nio tem a menor consciéncia disso. Move-se como que Por instinto. E acerta no alvo, ainda que este pareca um sonoro trigico engano (p. 133). O inacabado gera necessidades, cada ver mai 205, sofridos ou causados, sempre is prementes. Os prejui- encontram oportunidade ¢ modos ibertacio das novas geragées, quando ocorte, aparece como uma construcao, de se reapresentarem. A | um caminho a ser aberto por alguém duc ousa introduzir questionamentos © mudangas, Este alguém repre- Senta, necessariamente, uma 133-134). Langar os olhos para uma, duas ou trés geragdes anteriores, faz com que se tenha uma idcia bastante lata de como o sistema se organiza, criando seus membros, delegando-thes fungées hastarre especi fazendo de todos, ede cada um, verdadeiros emissitios, mo sue abelhas © formigas criam suas rainhas? Como se decide quem serio as operirias? Ponta ¢ uma necessidade do sistema (p- ializadas, Pombo . ~ k AL inte Secqgd du _ lowes Vinculos e Satide Mental 199 = ott « De eerta forma, o mesmo vale para os seres humanos (p. 134) fem sintese, as Equi foecosagrao sobrecarregam scus membros de fungoes antinaturais, injustas, rigidas e estereotipadas, Procuram resolver os desafios que a vida Ihes apresenta, aleang ar idcais possiveis, conforta- ¥ & wem-se mutuamente em sittagbes de dor, valorizarem-se, serem felizes SS juntos. Por isso mesmo, nio aprisionam, lao delegam, as futuras gera- v ses, 0 dever de resolver ig vstenciai : S gies, 0 dever de resolverem antigos dilemas existenciais, assumindo con- & © fitosem nome daqueles que jé se foram ou que ainda estio aqui. SS proprio desenrolar do ciclo vital, em familias funcionais, oferece con- digoes propicias ao crescimento ¢ ao bemestar de cada um de bros ¢ da sua coletividade. Em momentos criticos, sd estas as familias mais propensas a buscar ajuda terapéutica, porque so abertas, permed- veis, rzoavelmente humildes, no melhor dos sentidos dessa palavra. Estes momentos criticos séo aqueles em que se apresentam bifurcacées, novas alternativas, por vezes completamente imprevistas. Refletir, para decidir, pode ser tarefa mais facil, com a participagio de um terceiro ade- quadamente escolhido. Um dos momentos criticos é olcasamento,| Este, mesmo que dure pouco tempo, ocorre num ponto em que diferentes sistemas veem cruzarem-se caminhos ¢, consequentemente, possibilidades, interesses em comum. Se estes sio funcionais ou disfuncionais, € questio relevante. A maneira como as respectivas familias se organizaram até entio, como elaboraram onflitos, como superaram seus momentos criticos, tem valor decisiv neste momento crucial, em que dois individuos se unem, para dar se- quéncia a uma longa historia, que atravessou ¢ que seguir atravessando varias geragées (p. 135-136). APEGO, PERDA E SEUS REFLEXOS NA SAUDE MENTAL Bowlby, em sua trilogia referente 2 Teoria do Apego, lembra We, historicamente, a tendéncia foi, na psiquiatria € na psicanilise, econhecer © examinar a estreita ligagio entre experiéncias infantis, Petdas amorosas luto patoldgico como ingredientes dos padecimen- AL fc 200 vineosesaidementnh 1 estudos retrospectivos, baseados nos tela. iqui Joncluiu qu tos psiquicos. Conc ; psiq ser falhos, quando superestimados ¢ con, tos dos pacientes. poderiam ¢ duzindo a generalizagoes. E afirma: Longe de termas acesso direto aos processos psiquicos, defrontamo. roy, iso sim, com uma teia complexa de associagoes livres, relatos de eventos passados do paciente, A tentarmos compreender essas diver. sas manifestagses, selecionamo-las ¢ organizamo-las inevitavelmente de acordo com © nosso esquema preferido; ¢, 20 procurarmos inferir quais processos psiquicos podem estar subentendidos, nelas, abando- namos invariavelmente 0 mundo da observagdo ¢ entramos no mun- do da teoria (Bowlby, 1984, p. 6). Retomando os estudos de Freud (1939/1940) a respeito de efeitos de eventos traumaticos no desenvolvimento do psiquismo humano, es- pecialmente em fases nas quais a crianga é mais vulnerdvel, registra que, segundo o proprio Freud, “quando uma determinada experiéncia pro- voca uma reago patoldgica incomum, é porque ela impée exigéncias excessivas 8 personalidade; isto se dit expondo-se a personalidade a um nivel de excitagio superior a0 que ela pode absorver.” E Bowlby (1984, p- 11) conclui: “o trauma é fungéo de uma interagio”, Bowlby passou a acompanhar muitos pesquisadores, de diferentes especialidades, dando énfase a visdes prospectivas. O que acontece “aqui € agora’, em relacao a pessoas de todas as faixas etirias? Que semelhan- cas ¢ que diferencas sio observiveis entre o universo humano ¢ o reino animal? Que novas hipsteses e que conclusdes temporitias sio vidveis? De que forma estes estudos podem ser titeis ao desenvolvimento da cién- cia © a pratica clinica? Em terapias, individuos, casais ¢ familias ilustram, ao vivo ¢ a co- Fes, suas crengas € valores, seus conflitos ¢ seus recursos perante os desa- fios tipicos de suas proprias vidas. Por mais que muitas abordagens tera- Peuticas se diferenciem ou, até, sejam divergentes entre si, no meu en- tender, a busca de compreensio a respeito dos vinculos estabelecidos Vinculos e Saude Mental_201. pelo paciente € mais do que util. E necesséria. E cabe lembi tilo de apego tipico tende a se reproduzir em relacéo em rar que © es- recendo-nos mais um recurso em favor de um process ferapeuts ofe- construir um bom vinculo ¢ uma boa alianga terapéutica rose, Come sone percepGio € se ela nao for devidamente levada em conta, vansfor. snando-se, cambém, em “material de trabalho”? * eransior Apegos seguros” sio minuciosamente analisados por Bowlby, € ele examina também as diversas modalidades de apegos disfuncionais ou “apegos inseguros”, que podem ser denominados ou clasificados como inseguro, ansioso, ambivalente, desorganizado, medroso, evitador, preocupado, negativo, romantica, etc. (Johnson & Whiffen, 2003). Es- sas diferentes caracteristicas associam modalidades de apego a quadros disfuncionais ¢ a transtornos emocionais. De acordo com Bowlby (1985, p. 39-40), Muitas das emogées mais intensas surgem durante a formagéo, manuten- co, ruprura ¢ renovacio das relagoes de apego, A formagio de um laco é escrita como apaixonar-se por alguém, a manutengio do lago como pessoa querida como softer por alguém. erda provoca ansiedade ¢ a perda real di A manu- amar alguém ca perda de uma Da mesma forma, a ameaga de p origem & tristeza; todas essas situagoes podem provocar a raiva. o € experimentada como uma fonte de uma fonte de alegria. Como essas mani- flexo do estado dos lacos afetivos da ‘a da emogio sao em grande parte patologia dos lacos afetivos. tengio inquestionada de um lag seguranga ¢ sua renovagio, como festagées sto habitualmente um re pessoa, a psicologia e a psicopacologi consideradas como a psicologia ¢ a psico! O comportamento de apego, incluindo 0 que se observa no reino animal, é importante para que s¢ sobreviva, e implica em complementarie- dades: cuidar e ser cuidado. Ele permanece 20 longo de toda a vida, ¢ por Yezes é erroncamente interpretado como fixagao, dependéncia, imaturidade ‘. Fegressio. Este comportamento mostra-s¢ perturbado quando ocorre wh ue foge a normalidade, sendo o Lago afetivo colocado em risco. Even- mente, podem se desenvolver atitudes de autossuficiéncia, com bases 202. Vinculos e saude mental duvidosas, do tipo “falso self”, evitativas, anions ae © desenyol. vimento de, principalmente, transtornos de ane lade, . én ‘xe na ansie. dade de separagi, em agorafobias € em fobias espectficas. Criam-se py, droes, que podem incluir a mazenagens de longo prazo, e os estimulos, sen- mente no SNC, com énfase na amigdala ¢ no hi. pocslamo, A moderna teoria da percepgio analisa esas cOnex6Es ¢ seu pr cessamento dentro ¢ fora da consciéncia, influenciando no significado, no comportamento ¢ na palavra (Bowlby, 1985, p. 46-51). : Bowlby (1985), considera que o luto sadio, em relagao a objetos de apego perdidos, passa especialmente por quatro fases, que podem se alternar ¢ também se superpor. Sao elas: soriais repercurem intens 1. Fase de entorpecimento. 2. Fase do anseio e busca da pessoa perdida: raiva 3. Fase da desorganizagao ¢ desespero e fase de reorganizacdo 4, Persisténcia da relagao. Menciona os tradicionalmente reconhecidos mecanismos de defe- sa (repressao, cisdo, negacdo, dissociacao, projecao, deslocamento, iden- tificagio e formagio de reagao), mas considera especialmente util a “nova abordagem” por ele proposta, ao longo de sua trilogia, e com ba- ses no processamento humano de informacao. E declara: Minha tese é que os processos tadicionalmente denominados defensivos podem ser, todos, compreendidos como exemplo da exclusio defensiva ou da informacao indesejada; ¢ que a maioria deles s6 difere uns dos ou- tros em relacao as proporgées e/ou 4 Persisténcia da exclusio. Muitos sio encontrados tanto nas variantes sadias como nas variantes com distirbios, mas poucos limitam-se as tiltimas (Bowlby, 1985, p. 156). Citando pesquisadores, como P, : , . kes (1 3x 65), Ama ddison ¢ Walker (1967), ent sine eae ae di Te outros, insiste em que o que distingue ° . fempo em que as reacées persistem ¢ # extensao de seus reflexos sobre m ental. E Vinculos e Sade Mental_ 203 a) A maioria, provavelmente a grande maioria, dos que reagem a uma perda importante com o luto perturbado sao pessoas que foram, duran- te toda a sua vida, propensas a estabelecer relagies afetivas doradas de certos aspectos particulares. Entre tais pessoas, esto aquelas cujo apego é inseguro ¢ angustioso, ¢ também as que tém compulsio para prestar cuidados, E também as pessoas que, embora afirmem sua autossuficién- cia emocional, mostram claramente que sua base é preciria. Em todas essas pessoas, as relagées estario provavelmente impregnadas de uma acentuada ambivaléncia, seja declarada ou latente. b) Nem todos os que tém rendéncia a estabelecer relagées afetivas desse tipo reagem a uma perda com um luo perturbado. Alguns dos que pro- clamam sua autossuficiéncia sio, de fato, imunes a perda; (...) ©) Se hi ou nao pessoas predispostas a formas perturbadas de luto, cujas personalidades sio organizadas em linhas diferentes das descritas até aqui, é uma questo que temos de deixar em aberto (Bowlby, 1985, p- 241-241). Em sintese, Bowlby declara deixar em aberto diferentes questées rela- tivas 4 sua Teoria do Apego, o que atesta claramente seu espirito cientifico ¢ empreendedor. Esta breve selecao de scu modo de pensar objetiva instigar aos profissionais que se dedicam ao tratamento de padecimentos psicoemo- cionais a darem cada vez mais énfase aos reflexos de nossos vinculos na sa ado. de mental e na adesao ao processo terapéutico in DISFUNGOES E TRANSTORNOS MENTAIS EM CASAIS E FAMILIAS A presenca de qualquer disfungao emocional ou, mais ainda, de al- 8m transtorno psiquico repercute poderosamente no vinculo do casal ¢ tha familia, sendo que as agées e reagdes do parceiro conjugal ou dos de- mais membros, considerados “sadios”, podem facilitar ou dificultar nao @Penas a convivéncia, como também a eficdcia do tratamento por parte do “emergente familiar” ou do “paciente identificado”. Nao se trata de 208 vinculos ¢ sade mental _ SS mas sim de uma cadeia de influéncias que ados, mente, possamos localizar nem 7 inocentes ou culpa sual de forma cir, sm ques wants, possmns fos sas ¢ nem as consequéncias, nem o Co eG Comportanentos disfancionais ou tipicos ‘e sranstornos enw, jo s6 “resultam de” im” sofrimento, como causam mais fimento ainda, tanto para o paciente quant. para “em com ele Conyj. ve. Em se tratando de transtornos mentais, especial Mente, pode ser og, encial a procuta de ajuda médica e psicoterapeutica, para que se chepy. a.um diagnéstico correto, que expresse a compreensao do que se Passa e a escolha de um tratamento adequado (farmacolégico ¢ tetapéutico), com orientagao suporte, tanto para o paciente identificado, come zambém para seu conjuge c/ou familia. Sabe-se que ainda existe muita desinformacao a respeito dos mais dj. versos transtornos psicoemocionais, sendo estes minimizados (como se fos. sem manifestagdes de infantilidade, impulsividade, egoismo, m4 educa- ¢io...), maximizados (como se representassem, por si s6, insanidades, socio. patias, mau-caratismo...) e/ou tratados com pudor, vergonha e medo, Mui- las veves, 0 paciente ¢ censurado, atacado ¢ até humilhado, como se fosse plenamente responsivel pelas condutas (na verdade, sintomiticas) que ado- ta; ou gera pena, receios ¢ repulsa nas pessoas que o cercam. “Crengas equivocadas” podem ser frutos de ignorancia, associan- do-se a preconceitos, gerando estigmas, afetando atitudes ¢ comporta- mentos € comprometendo a compreensio ¢ o tratamento da bipolarida- de (Moreno, 2015, p. 11) - observagao esta que podemos estender para outras modalidades de transtornos psiquicos. Em compensagio, vale as- sinalar que “a ‘psicologia do senso comum’ tornou-se a base do campo da ‘cognicao social” (Leahy, 2016, p.5) Os sentimentos e as emo xpress tos . Aes sdo. ignorados ou reconhecidos, act » Ou rejeitados, denominados ¢ qualificados, de acordo com a época € 0 Hear em que se vive. Ou, seja, a me s Seja, a cultura influencia forte jente em ag — has intrapsiquicos, direto da cul _ ____Vinculos e Saude Mentaf 203 ) spaptisee funcoes, ensinando a como agir ¢ reagir frente ao que se experi« menta, MESMO | quando disso nem sequer exista plena consciéncia, Leahy (2016), mencionando diversos estudiosos da “emocionologia” Arits, 1962; Kesse, 1965; Spock, 1957), re- Jere a farores culturais ¢ historicos que merecem ser considerados essen- Webber, 1930; Layeh, 1977 sais na “constta30 social do sentimento, determinando mudangas na vi- vjo das emoyoes em diferentes socicdades © épocas; descreve também yma aio socializadas as emogoes (Leahy, 2016, p. 10). E sintetiza: Assim, a emogito foi repetidam te construida ¢ desconstruida na cultura ovidental durante os tiltimos trés mil anos. A historia das emogées reflete \ esa consciéncia crescente de como elas sio vistas, como a socializagio € ©) as normas influenciam a expressio emocional ¢ como algumas emogées Sdeixam de ser usadas, Todas essas mudangas sugerem que as emocée em grande parte, produto da consteus das escolas filosoficas que pri 0 social. A histéria da emogio € legiam a 0 sentimento ow a racionalidade sugere que as eMogdes Ndo S20 simplesmente fendmenos inatos, esponta- is es na ot mnt neos ¢ universais (...), mas que a avaliagao da emogao e as tegras para sua expressio variam considera culturas (Leahy, 2016, p. 13). mente dentro da nossa cultura ¢ entre as _ Assim, dependendo das crengas ¢ valores que cada familia traz den- wo de si, por suas identificagdes com a cultura de origem e por suas vi- véncias atuais, seus membros aprendem a lidar com as proprias emogdes, sendo que a globalizagao ¢ a rapidez com que circulam as informagées na atualidade sao fendmenos também a serem considerados, pois cles podem Gar um significativo descompasso entre 0 que se sente, pensa ¢ diz ¢ nos mportamentos que traduzem essa especie de desorientagao. Divetsos questionamentos, ha algumas décadas impensaveis na cultura ocidental, passaram a ser publicamente ventilados ¢ profunda- mente discutidos, a tal ponto que gera ram mudangas inclusive em crité- ‘ios diagndsticos, tais como DSM ¢ CID. Por que ¢ para que alguns pa- drées sao discriminados ¢ tratados, inclusive, como se doengas fossem? Por que ¢ para que olhar com desconfianga para pessoas ¢ familias que 206 Vinculos e sade mental aceitam com mais facilidade 0 que cra ou é socialmente tepudliado? 0 que a igreja, o poder piiblico ¢ os meios de aa téma ver com isto? Como a familia age € reage ao repassar rene e valores ¢ ag. inibjy ow encorajar determinadas atitudes e determinad Jos comportamentos? O teceio de ser discriminado ¢ Iejeitado éum dos clementos que SU mais conduz a adogao de padrdes cnegbridors frome um falso of por exemplo), ou a formagies reativas. A formacdo de sintomas, © desenvol. vimento de doengas psiquidtricas ¢ a falta de adesio a fratamentos, 38 quando necessirios, podem ser frutos de press6es famili iliares € sociocul- y\ turais, ou da falta de reconhecimento e de apoio as justas necessidades go) cg de cada um de scus membros. REAGGES PERANTE DIAGNOSTICOS CLINICOS/PSIQUIATRICOS Receber o dia ndstico de que vocé tem uma doenca nao ¢ facil, ima- gine entio uma doenga psiquidtrica. Pode ser extremamente desagra- divel, tanto para o individuo como para a familia, sobretudo em ra- zo do estigma e do preconceito, e, por isso, é comum que os pacien- tes psiquidtricos, ao receberem o diagndstico, no 0 aceitem (David & Bio, 2015, p. 44). Uma trajetoria prévia marcada por conflitos interpessoais usual- mente € 0 que conduz & busca de ajuda médica e/ou psicoldgica. Mes- MO assim, aborrecimentos € retaliagdes muituos, sentimentos de culpa e de inadequacao, geram importantes receios em relagdo A consulta, 20 diagndstico, ao Pprognéstico ¢ ao tratamento que, Pensdveis para as mudancas possiveis © necesed animo que a maior parte dos p. cas de atendiment No entanto, sao indis- rias. E é nesse estado de acientes chega ao consultério ou a clini- Veja que nio estamos adotando a ex das”, mas sim “mudan deseja € 0 melhor; pressio “mudangas deseja- Gas possiveis © necessitias”, Nei ‘m sempre o que s¢ hem sempre, sequer, € Vidvel. Geralmente, o que se = Vinculos e Saude Mental_ 207 pretende € o esbatimento de sintomas, o alivio da dor, a finalizagao de conflitos, sem que seja mexido 0 “x” da questao. E, em muitas situagées, faz-se nec rio admitir que se esta diante de quadros para os quais ain- da nao ha cura, tornando-se necessario o emprego de recursos farmaco- logicos ¢ de outros, talvez para sempre. Humildade e’sincero desejo de viver bem a propria vida sao indispensaveis 4 adesio ao tratamento. To- lerincia, respeito e ajuda mutuos também sao essenciais. A saiide mental nio é promovida pela climinacao das emosées, ¢ sim pela identificagao, pela aceitagéo ¢ pela convivencia com as emocées. Nessa perspectiva, salienta-se que as emogées constituem importantes indicado- res das reagées a situacées, 20 passo que a inibigio de sua express4o cons- ticui importante sinalizador de softimento ¢ adoecimento psiquico (Souza & Padovani, 2014, p. 296). Aalianga médico/psicélogo/paciente/familia certamente vai opor- tunizar a adesio ao tratamento. Em primeirissimo lugar, compreender 0 diagndstico e tudo o que cle, de alguma forma, sintetiza (como senti- mentos, impulsos e condutas tfpicos), saber que ha solugées e que o su cesso do investimento depende da plena adesao do paciente e de seus pares, pode abrir espago para a esperanga, as vezes perdida, para a auto- confianga e a confianga nos bons vinculos que a vida oferece. + Modificando a interpretagio de um evento, o individu pode eferivamen- © te reduzit o impacto emocional da experiéncia vivenciada. O significado pessoal que € atribuido a uma situagio é essencial, uma vez que influen- ciard quais tendéncias comportamentais ¢ fisiolégicas poderio emergir em_ uma situagao particular (Souza & Padovani, 2014, p. 299). O autoconhecimento, a aceitagio ¢ 0 controle sobre determinados Pensamentos ¢ agées ajudam a prevenir futuras frustragées, e uma familia soliddria pode ¢ deve contribuir para isso. Riscos mostram-se aumentados quando familiares necessitam “bodes expiat6rios” sobre os quais projetar suas prdprias inabilidades emocionais e culpas inconscientes. 208. Vinculos e satide mental_ a Em sintese, (...) € importante um apoio psicoterapico, que auxilia © Paciente q me thor perceber-se, entender o que é seu € 0 que é da doenga, ter maior compreensio de si ¢ dos outros, suportar melhor as frustragées, Ctiat 6g, tratégias para lidar com o estresse, ter maior oe para lida com os problemas, aprender os seus sna de alerta de um novo epg dio do humor ¢ desenvolver estratégias para reduzir os sintomas (,,.), prevenindo recaidas ¢ aumentando sua qualidade de vida e seu bem. tar (David & Bio, 2015, p. 49). C5 APOIO, INTERVENGOES PSICOEDUCACIONAIS E PSICOTERAPIAS As chamadas “intervenes _psicoeducacionais” uma apresentacao da “pauta’, realizada guida de perguntas e Tespostas, De acordo com Roso ¢ Pellegri: do quadro clinico que exige t nar, sendo imprescin consistem em Por psiquiatra e psicélogo, se- ou seja, de um didlogo com 0 publico. inclli (2015), é buscada a compreensao ratamento medicamento multidiscipli- ivel a plena adesio da familia, tendo em y a estabilizacio do humor, © aumento da autoestima ¢ da qualidade de vida ¢ de vinculos, bem como a Prevengao de recaidas, cate outros fatores. Familias ¢ Pacientes bem informados tendem a aceitar melhor o que se passa, diminuindo o softii lli, 2015, p. 97), 4¢40 inclui inform, €M pauta © métodos Para enfrenta-los a terapia, e nao apenas em sey ista a a tecuperagao do de- autoconfianca, uma melhor reducio de estigmas, sempenho, mento ¢ prevenindo agdes a respeito dos problemas © pode ocorter ao longo de toda inicio. Ela inclui informagées a respeito quando for o caso), ¢ a identificagao dos NTENCOS auttomaticamente associados, das leares e/oy esquemas, e das consequéncias do transtorno apresentado ( nadas € nucl _-—-. SS ———___Vineulos e Satide Mental_ 209 emocionais, comportamentais ou fisicas (Knijnik & Kunzler, 2014 30). De acordo com Melo (2014, p, 27), “tis informagées pre ica ger cerapéuticas ¢ personalizadas, de forma que nao xis vm instr o-padtio que sirva para todos os pacientes". Dentre os métodos para peomover psicoedca ‘do, constam m Ps iaulas, bloco de anotagées, Jeituras ¢ EXCTCICIOS. Grupos de apoio psicoeducacional, por sua vez, sao tradicional- mente adotados pelos AA (Alcodlicos Anénimos), Alanon (formados por familiares de alcoolistas) ¢ por drogaditos. A informalidade e 0 ano- nimato esto entre as principais caracteristicas destas comunidades soli- dirias, nas quais os participantes revelam espontaneamente 0 que tém em comum, ¢ dao-se conta de que jd nao podem negar seus problemas e que, para superd-los, precisam aceitar que os tém ¢ adorar, ativamente, ge medidas necessdrias ao sucesso almejado. Ora, em todas esas situagées, 0 encontro, o acolhimento, 0 dia- logo e as ressignificagées est4o presentes € sao pré-condicées para que miultiplas dificuldades sejam superadas. Observag6es a respeito da dinamica vincular tém oferecido sub- fe titeis ao entendimento ¢ ao tratamento de situa- cis. As informagées se multiplicam, baseadas em pesquisas sdlidas que, devidamente integradas, podem dar origem etros confidveis ¢ Uiteis, em relagao aos mais diversos softimen- sidios potencialment gées particularmente dific a param tos humanos. A convivéncia interpe: Mais ainda quando inclui a preseng: estas fisicas ou mentais, Na tentativa de r determinados conflitos inconscientes, mecanismo' acio ¢, quando demasiadamente intensos ¢ primitivos, cando em maiores sofrimentos ainda. De quem éaculpa . tates compartilhados? Esta é uma questo frequente, que dificulta a bus- @ de ajuda profissional, j4 que esta pode ser usada como argumento Para uma atribuigio de responsabilidades. ssoal por si so ¢ complexa ¢ desafiadora. a de disfungoes € patologias, sejam orar a dor ¢ de se evadir de s de defesa entram em acabam impli- pelos mal-es- finculos e sauide mental 210 A PSICOTERAPIAS EM BUSCA D. RECONSTRUGAO DE SIGNIFICADOS Por que comigo? Por que com ele? O que significa e para Ue se. ve tudo isto? Ao deparar-se com sofrimentos intensos, 0 ser humano tend a fazer miltiplas indagagoes € a busca de ajuda terapéutica tende a signig. car nao apenas a busca de um alivio fugaz, mas sim de sentidos ¢ de tes. significagées. Chama atengao que condutas sintomdticas encontramese na esfera de tudo o que se pode considerar “feio” ou “ilicito”; em dou. trinas religiosas, tendem a ser enquadradas em boa parte daquilo que ¢ considerado pecado. E a tendéncia natural é discriminar e afastar 0 que esteticamente desagrada ou funcionalmente perturba. Assim sendo, é possivel que © portador de algum transtorno psiquico nao se sinta mais desconfortivel ainda ao receber um diagnéstico desta naturcza? F possi- vel que as pessoas que participam de seu circulo de relagées nao o dis- criminem e nao apresentem agées ¢ reacdes inadequadas? Sim, apesar de tantos desafios, é bem possivel administrar bem essa realidade. Em algumas circunstancias, conforme exptinhamos anteriormen- te, 0 estabelecimento de um diagnéstico claro e preciso & necessitio para que dificuldades por parte do p: ciente identificado, de seu parceiro ede sua familia recebam o tratamento indicado, que muitas vezes en- volve acompanhamento psiquidtrico ¢ uso de medicamentos apropria- dos; psicoterapia individual, de casal ou de familias, participagéo em grupos de orientacao e apoio... Nao ha razoes para que se evite a utiliza- G0 dos recursos terapéuticos disponiveis e, vencidas as resisténcias ini- ciais, sao altissimas as possibilidades de éxito. Autopercepgao e autocon- trole andam juntos. Compreender-se compreender ao outro também, sendo que 0 encontro terapéutico tende a favorecer o desenvolvimento dessas essenciais habilidades humanas, ____ 580 atribuidos ¢ compartilhados significados a quase todas as vi véncias humanas. Grandesso (2000), refetindo-se A caminhada terapéu- Vinculos e Satide Mental 211 tica em busca de compreensio miitua, o que implica em chegar a um “acord dos" de modo a favorecer “nov; usa a expresso “deixar-se tocar”, ‘0 entre significados compartilha- ‘88 possibilidades existenciais” . Nesse con- s do terapeuta nao se limit “ cu ‘am a descrigées ou explicagées acerca das realidades vividas, mas merecem 0 status de interpretacées Referindo a Rorty (1988), tem como pressuy reflete a natureza, mas constrdi texto, as fal Posto que “a linguagem nio wreza Significados, organizados em narrativas que dio sentido 3 existéncia” (2000, p. 384-385), Entre casais e famili um dos grandes riscos quando ha conflitos desmedidos é que desaparecam as condicées para o di iilogo ¢ que as pa- lavras sejam usadas de modo inadequado: " ao invés de promoverem 0 encontro, fomentam mais desencontros ainda. Visées parciais ¢ distor- cidas fazem parte da realidade, considerando-se a natural subjetividade do ser humano; mas, quando exeessivas, denotam ¢ reforcam mais do que distungées psicorrelacionais, tornando-se patologizantes. Assim é que, na presenga de quadros clinicos, conflitos ¢ sofri- mentos operam de forma circular, viciosa, e os movimentos executados enrijecem o relacionamento, sendo que a presenga de um paciente iden- tificado implica no risco de que se faga dele uma espécie de “bode ex- piatério”, no qual sao projetadas as origens de todos os males. Mesmo quando este busca atendimento médico ¢ psicoldgico individual, a fa- milia pode simplesmente nao suportar as mudangas supostamente al- mejadas, ¢ ndo colaborar com clas. Como fica, afinal, o funcionamento de cada um dos “sadios”, se nao houver um “doente” a quem atribuir a responsabilidad pelos desequilibrios de cada um? oo Referi-me ao enrijecimento individual, conjugal ¢ familiar. Cabe lembrar que, quando se vive as instabilidades tipicas, por exemplo, do ‘ranstorno bipolar, também se pode considerar que, aqui, hi uma espé- cic de cronicidade ¢ esta, por si 6, merece ser en tetistica “fixa” ou “rigida”, pois tudo se repete ~ © imprevisivel é com- Pletamente previsivel. Exceto em situagdes que envolvem Mente seria justo buscar culpados pelos des maldades, creio que dificil- ncontros ¢ softimentos compartithados. Assim, 0 didlogo terapéutico é essencialmente acolhe- dor, abrindo espago para que fatos, fantasi se sentimentes Sam exe pressos, compreendides ¢ ressignificados. Em lugar le se Presender res- postas definitivas’, busca-se a criagio de “atitudes” potencialmente construtivas ¢ libertadoras. ; De acordo com Grandesso (2000), “hermeneuticamente falando, interpretar implica deixar afetar-se”, oportunizando “trocas subjerivas”, que ocorrem a “partir dos horizontes de cada um”, de modo a emergir “nova experiéncia de sentido”. Vai além: / Cada “histdria” remete a outras “histérias”, € uma nova formulagéo narra- | iva implica novos significados e, portanto, uma nova organiza¢i0 da ex- J perigncia. Antes de tudo, 0 mundo humano est continuamente sendo | construido por meio da atribuigio de significados & experiéncia (Gran- | desso, 2000, p. 386-386). Grandesso (2000, p. 279) usa a expresso “abordagem colaborati- va”, entendendo pacientes ¢ terapeutas como interlocutores, correspon- sdveis pelo “contar, inquirir, interpretar e moldar as narrativas”. Pergunto-me se esta no seria a atitude “normal” ou “ideal” das pessoas em scus rclacionamentos. Nao sendo, certamente a experiéncia vivida no setting terapéutico oportuniza aprendizagens por identificagao € treinamento. Segue a autora, em suas consideragées sobre o relacionamento te- rapéutico: O cliente ¢ » especialista no que diz respeito ao “contetido” ele & quem sabe a respeito de suas experiéncias de vida ¢ das razoes que 0 trouxeram & terapia, O terapeuta, contudo, é 0 especialista no “processo”: sua espec' Jidade consiste em criar um espago dialégico, engajando-se com o cliente cm uma conversagdo na primeira pessoa, (...) Se nds, como terapeutas, aceitamos que a realidade terapéutica que cada um de nés vé nao ¢ “2” re- alidade, mas “uma” realidade que construimas (...) s6 podemos orientar- Nos por uma atitude de respcito. (...) Tal postura reflete uma escuta aberta Vinculos e Saiide Ment¢, 213 para validar a autenticidade de cada uma e de todas as versoes narrativas das pessoas em conversagio (Grandesso, 2000, p.279) As conversagoes cotidianas entre Casais € familias tanto mais provei cosas ¢ agradaveis sto, quanto mais cada uma d as partes fala em seu pré- prio nome, assumindo a responsabilid na decion } I jade em expressar seus desejos ¢ sen- fimentos sem acusagoes c, cm destaque, sem ofensas, Fssa modalidade de distancia interpessoal favorece a aproximagio c o entendimento Mas, frequentemente, em se tratando de telacionamentos onde ha um “bode expiatério” ou um Paciente identificado como portador de al- gum transtomo psiquico, 0 que ocorre é uma espécie de oy. 7 . mistura, onde os mais diversos sentimentos se fundem ¢ s¢ confundem ¢, sim, ha necessi- dade de acompanhamento terapéutico, Para que se construa a distancia necessiria a fim de que olhar ¢ escuta realmente se viabilizem, O atendimento terapéutico individual podcria gerar um novo clima entre o casal ¢ a familia, uma vez que o paciente vai compreendendo a si mesmo € as pessoas que 0 cercam a partir de novos Angulos de visio. Ao “acalmar-se”, a tendéncia é que mudcm suas conversacdes, tespondendo aos estimulos ¢ exercendo influéncia de um modo mais favorivel a si mesmo ¢ aos scus grupos de pertencimento. Este ¢ um faro observivel familias mini- mamente saudaveis, que nao necessitam da doenga do paciente e/ou de seus comportamentos disfuncionais para se que sc mantenham; também em fa- milias que, apesar de emocionalmente desorganizadas, desejam e aceitam as mudangas oportunizadas por aqucle que, embora inconscientemente, pode estar funcionando como seu porta-vor. Maso fato & que alguns ntileos sio nao apenas ignorantes, mas também aferrados. interesses pessoais escusos, boicotando os resultados do tratamento de todas as manei- 1as_crengas ras possiveis, mesmo que acreditem ou que finjam desejar bons resultados. A terapia de casal, 4 semelhanga da familiar, oportuniza encontros nos quais as pessoas, em parceria, buscam melhor compreensio de seus dilemas pessoais ¢ relacionais, o que thes facilita a elaboragio de confli- tos conscientes ¢ inconscientes ¢ o desenvolvimento de uma convivén- cia mais satisfatéria sob todos os aspectos. 214 Vinculos e saude mental E QUANDO OS TRANSTORNOS NAO SAO PROPRIAMENTE MENTAIS, MAS TIPICAMENTE RELACIONAIS? Ha intimeras situagoes nas quais nao ha nenhum diagnéstico clinicg que justifique o tratamento farmacoligico, mas a descrigi 0 de diversas pa- tologias aplica-se perfeitamente ao relacionamento familiar ou conjugal, Nestes casos, a dinimica conjugal esta a servigo de afinidades e/ou comple- mentariedades inconscientes, e ambos cumprem uma espécie de “acordo secreto” em busca do equilibrio possivel. H4 casamentos tipicamente esqui- zoparandides; fobicos ¢ contrafSbicos; sadomasoquistas; aditos a dlcool, drogas, alimentos, jogatina; bipolares... A mudanga em uma das partes ten- de a resultar em desastre para a outra, em rompimento do elo ou na inver- sio de papéis. Aqui, psicoterapias podem se constituir na melhor indicagio, sem que haja necessidade alguma de suporte medicamentoso. Para ilustrar, temos o depoimento de um casal (follow-up) alguns meses apds 0 encerramento de sua terapia. Fernando e Marilia Marilia ~ Sair do quadro crénica de depressio foi wm processo longo e drduo. Pela primeira vez, eu tive um rompante de agressividade durante uma sessids depois de intimeros atrasos ¢ auséncias de Fernando. Naquele dia, abriu-se uma barragem eo que estava contido comeou a sair de mancina assustado” 1a Eu me transformei em uma fera. Ou melhor: apareceu de vex a fort eu tinba dentro de mim, Isso néo é nada facil, é 0 posto de tudo 0 que havia vivido até entio, A imagem que todos tinham a meu respeito ¢ tha autoimagem se desmoronaram. Fux wma ‘santinha-do-pau-oco.. Mas thoes Prin via dosustadora, pois fizemos um acordo de - ss0es de terapia! Tivemos algumas sessies e™ rdric , rio ipl para dar tempo de chegarmos a um consenso, E chegamos. Ag" te fala de qualquer jet, tudo 0 que vinba a eaoca, E voce pert omentava, acabava comando 4 ws, ma histéria de outro modo, ¢ nds" Vinculos e Saide Mental_ 215 surpreendiamos: nio é que voce tinha razio? Aos poucos, fomos incorporando aguele modelo de didlogo em nosso dia a dia, e isso fez toda a diferenca. Fernando — Nio se esquega de mencionar o pior de tudo, a minha depressio, A medi- da que Martlia se fortalecia, eu me sentia cada vez mais fraco, sem vontade de nada. Fiquei muito chocado ao ter que reconhecer que era acelerado, exibido, dono da verdade, incapaz de parar, e ao reconhecer que alimenta- va a solidao ¢ as tendéncias depressivas de Marilia. E ao reconhecer que re- vivia, em nosso casamento, minha antiga trama familiar... Verdade, verda- de mesmo? Eu, até entdo, me achava o melhor dentre os methores. The Best! Tradugéo posterior, devidamente retificada: “Uma besta!”. Tradugao atual, bem mais justa: “um ser humano”. Simplesmente isso: um ser humano. Ti- rei um peso de dentro de mim, sem uso de drogas e nem mesmo de medica- mentos, apesar de, numa época, vocé ter aventado essa possibilidade. Mas eu estava certo: tinha estrutura para aguentar. Era macho o bastante para enfrentar a mim mesmo. Hoje (risos) sou um macho mais humilde. E sou um homem mais feliz. Marilia ~ "Nos" somos mais felizes, né, meu bem? Mas eu queria lembrar que eu ti- nha o diagnostico de depressio e Fernando estava sempre por cima. Um ca- samento bipolar... Mudamos de posigio, como se estivéwemos brincando de gangorra. E esta oscilacéo ocorreu diversas vezes num certo pertodo da tera- Pia. Até que, finalmente, nds estabilizamos numa média bem confortdvel. Nenhum de nds estd, necessariamente, por cima ou por baixo. A gente ba- Langa, balanga, mas sempre em um nivel que imaginamos ser normal. Esta muito bom assim (Anton, 2016, p. 266-267).

Você também pode gostar