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© que € um autor? (2) Jean Wahl — Temes o prazer de ter hoje ‘entre ns Michel Foucault Estivamos um pouco impacients pela sua vinds, inguietos pelo seu atraso, mas ele aquest, Nao vou apresenticlo, ¢ Michel Foucault cle proprio, fo de Ler Motes Chaves, 0 ds tse sobre & Toucura Douthe imediatamente «pala. 1) sQwetce quan meu? i Ballet del Jalbo-Setembre Ge. 1968, pp 7-85 (seguido nto 96-108). ite rept de wa comune sprees pertinent ‘debe — enim exo oil vem Iai ate ome Son Clee 20 Mit Font Michel Foucault — Creio — sem estar, de resto, muito seguro — que é de tadigto teazer a eta Sociedade de Filosofia 0 rel tudo de trabulbos jé acabados, paras pro- por & vossa apreciagio © a vossn erties, nfelizmente,reeio que © que vos tago hoje Scja demasiado insignificante para merecer a vossn tengo: &um projecto que gostria de Submeter 3 vosta opin, um ensaio de ani ie de que sinds mal entrevsjo as grandes linhas: mas pareceusme que ao exorearme por tragl-las dante de vis, 90 podi-vos pars 1s julgarem e rectificarem, estaria, al como tam meurdtico, A procura de um duplo bencti- cio: primeiro, 0 de subtrair os resultados Ae um trabalho que nda no existe ae sigor das vossas objecptes e, por outro lado, o de 6 fazer usuftur, logo & naseenga,ndo somente do vosso “apadriaamento, mas também das vossas sugestes Gostaria ainda de vos ditigie um outro pedido: ndo me levem a mal se, quando aqui « poco me colocarem quesBes, eu sentir anda, e sobretudo aqui, a ausénia de tma vo ie me foi at agora indispensivel, compreenderdo que, dagui & poueo,& ainda 19 meu primeiro mesire que procuro ouvir inelutaelmente, Alina, foi com ele qve p= reir files do meu projecto inci do taba Tho; teria tid com oerteza necessidade que ove fam io? 3 le msistisse a9 seu esbopo © me sjadasse uma vex mais nas minkas incertezas. Mas, pesado tudo, na medida em que a auséncia ‘o lugar prmeiro do diseurso, permitam que «sta noite me dirja a ele em primeiro fuga. (© tema que props, «O que & um autoes, preciso evidentemente de justifii-to diante de vos, Se escohi ratar este questio avez umn pouco estranha foi, antes de mas, porque ‘ern eer ums cents ertea ao que noutros lompos me aonteceu escrever,corrigindo rssim um certo mimero de impradéncias que ‘tio comet. Em Les Mots et les Choses, Vinha tntado analisar massas verbais,espé cies de tevidae discurivos que ato ersm ‘scondidos pela unidades habitais do liv, ‘ls obese str. Falava, om geal ‘ieia natural", ou da “andlise das riquezas", ‘ow da “economia politica", mas quase nada Ale obras ot de excritoes, No entanto, a0 longo de toda essa obra, utilized inocente- ante, 00 sea, de forma selvagem, nomes dle autores. Falei de Buffon, de Cuvier, de Ricardo, ete, e pemiti que estes nomes fun- ‘onasiem corn uma ambiguidade muito ems ragante. Se bem que dos tipos de objccges ipidessem ser legitimamente formulados, ome als 0 foram. Por um lad, dssoran- ‘me: © senhor nfo desreve Buffon nem o 2 Ne Font conjumto da sua obra como deve ser, € 0 que diz sobre Marx 6 ierisoriamenteinsuciene fem relaglo ao pensamento de Marx. Estas ‘objeegdes exam evidentemente Fundament ‘des, mas nfo penso que fssem muito peat- nentes relativamente ao que entio faz porque, para mim, o problema no consists fem descrever Buffon ou Mars, nen em res tur o que eles inham dito ou queido dizer: procurava simplesmente encontar as reras elas quais eles tnham formado um coro himero de concsitos ou de teorise que #2 podem encontrar nas suas obras. Fizeram tums outea objecs¥0: 0 senor forma familias rmonstruosas, aproxima nomes to manifest mente opestos como os de Bullion e de Linew, pe Cuvier 20 lado de Darwin, e tudo {sso contra o jogo mais dbvio do parentesco das somehangasnatursis. Aindaagui, dca aque 2 objecgio me no parece jst, porgue nunca procure fazer um quadto genealénico das indviduslidadesespirituis, nunca pre: tendi contitur wm dagueredsipo itslectsl do stbio on do naturalists dos séevlos XVIL XVIII; nfo quis formar nenhuma familia, nem santa nem perverst, procure simples mente — 0 que é muito mais modesto — a5 condigSes de fincionamento de priticasdis- cursivasespeciiens. Diemedo: eno porqé utilizar, em Les Mots et les Choses, nomes de autores? Cow ‘ira ow nfo utilizar nenbum, ou entdo def hir © modo como sto utilizados, Esta hjeegto jé me parece perfeitamente justi ‘ada: tenei medirthe as impicagdes © as onseguéncias num texto & apatecer em breve; teato agora conferr-Ibe 0 esttuto das andes unidades discursvas, como as que ‘hamamos Histéria Natural ou Economia Politic; ieterrogueime sobre os métodos & vs instrumentos que as podem delta, dvi- sr, analsar edesorever. Eis a primeira parte ‘de um trabalho comegado hi alguns anos € ue agora est terminado ‘Mas uma outra questio se pe: a do sutor —e ¢ dela que gostaria agora de trata. ‘\ nog de autor const o momento forte ‘k individualizagho na histvia das ideas, los conhecimentos, das literaturs, na histé- fia da Blosofa também, e na da eidncas Mesmo hoje, quando se faz hsteia de um eamedto, de’ um género literio ou de um ipo de files, creio que tis unidades con- ‘insam a ser consideradae como recortes == lativamente faces, secundiriase sobrepos- (os em relaplo unidade primeira, sélida © fundamental, que € ado autor © da obra Deixare de lad, pelo menos pela expos so desta tard, m andl histrico-socio- ligiea da personagem go autor. Como 4 {que 0 autor se individvalizou numa cult ‘somo a nosss, que estatuto the foi etibudo, 4 partir de que momento, por exemplo, se imiciaram as pesquisas sobre a autentcidade 4 atribuigto, em que sistem de valrizaio, foi o autor julgado, em que momento se ‘comegou a const vide dos autores de pre fortncia & dos hers, como & que se insat- rou essa categoria Fundamental da critica que “oshomeme--obra” — tudo isto mereceris seguramente ser analisado, Gosttia, para jé e debrugarsme to-r6 sobre a elas do texto ‘om 0 autor, « maneira com o texto aponta para essa figura que Ihe & exterior e anterion, pelo menos em aparinca evo emprestada a Beckett» formulugio para 0 tema de que gostaria de pair «Que fmporta quem fala, disse alguém, que im- porta quem fala.» Creio que se deve reco nhecer nesta indifeengs tm dos princpios sticos fundamentais da escrita contempo. ined, Digo "ético", porque tal indiferensa fio inteiramente um tage que caracerza © modo como se fala ou como se esreve § sobretudo uma espécie de regraianent, constantemente retomada, nunca completa. mente aplicada, um principio que no marca ! eserita como resultado, mas 4 domina como pritea. Néo é necessirio analisar com por- menor esta regra, dado que & por demais ‘meeida: basta especfci-la aqui através de his dos seus grandes temas. rimeir, pode dizese que a eserta de hoje se libertou do ‘oma da expresto: 8 se refere a si propria, tis nfo se deixa porémaprsionar na forme sh inerordade;identifica-e com a sua pro= via exterioridade manifesta. O que quer sizer que eserta & um jogo ovdenado de ignos que se deve menos ao seu conte gnifiativo do que & prépria natureea do ‘gniicante; mas também que esta regulai- sade da eserta est sempre a ser experimen lade nos seus Limtes, estando a0 mesmo lempo sempre em vias de ser transgredida © invertida; 8 eserita desdobra-te como um jogo que vai infalivelmente para lém dae suas eras, deste modo as extravasando, Na sorta, nto se tata de manifestagto ou da cealtagdo do gesto de esrever, nem da fxa- 0 de um sujeito numa lingaagem; & uma {westdo de sbertue de um espago onde 0 sujelto do eset est sempre a deseparecer. © segundo tema € ainda mais familiar; twata-se do parentesco da eserita com 4 morte. sta ligagdo poe em causa um tome tilerar; «narativa ou epopeia dos Gregos destnava-se a perpetuar a imortlidade do het, e seo herSiseitava morrer jover, era ‘ara que sua vida, assim consagrads e glo 36 Meta Foca rifcada pels morte, passasse a imortaidade; 4 narrativa salvava esta morte aceite, De ‘odo distino, a narativa arabe — eston & pensar nas Ml © uma Notes — tina tam- bém como motivasio, como tema e pretext, adiar & morte: contavanse histéias ad de madrgads po fsa a more par evar 19 momento em que © narador se ears. A narativa de Xerazade 6 o denodado revere do assassinio, 6 0 esforgo de todas as noites pra manter # morte fora do eiculo da ex féncia, A nossa cultura mtamorfoseou este tema do narativa ou da eserita dstinadas & conjurar a morte; a esrita ests agora ligada 0 sactfici, x0 stcrifcio da propria vids; spagamento voluntrio que mio tem de ser ‘epreseniado n05 livros, que se cumpre na bripria existéncia do esritor. A obra que tinha o dover de confers imoraldae pas sou a ter 0 divito de mata, de ser a as sina do seu autor. Vejarse 0s casos de Flaubert, Proust, Kafks, Mas ha ainda out, coisa: esta relago da eserita com a morte manifesta-se também no apazamento dos caracteresindividuis do sujeito que escreve; por iatermédio de todo © emaranhado que festabelece entre ele proprio e 0 que esereve, le retin a todos os signos a sua individua- lidade particular a marca do esvtor nfo & mais do que a singularidade da sua auséncia; necessirio representa o papel do moro tu jogo da esrita, Tudo isto € conhecido, ht ti bastante tempo que a eta e a filosoia ‘in realgando este desaparecimento ov esta wort do autor io estou, porém, muito seguro de que se lonha extaido todas x8 conseguincias que a ‘onstatago exigiria, nem que se tena a¥a- lindo com exactidzo o aleance do acontei mento. Mais precisamente, patece-me que tan certo nimero de nogdes que haje se dest ama substitu ao pik do ater acaba por Bloques-lo, fazendo esquecer 0 que Aeveria ser evidenciads. Abordaei apenas suas destas nogdes, que, 2 meu ver, so hoje ‘ingularmente importantes Primeiro, « noo de obra. Diz-se, com feito (¢extamos ainds em presenga de uma ese muito familie), que a fingo da exten fo € detectar a5 felagdes da obra com 0 autor, em recontituestravés do textos am Pensamento ou uma experdncia: ela deve, ‘im, analsar a obra na sua estar, na sua argutectura, na sua forma intrlaseca e no jogo das suas relagdes interna. Ora, & pre- ‘so levantar de imediato am problema: «O (que € uma obra? Em que coasise essa curiosa tmidade que designamos por obra? Que ele- ‘mentos a compen? Uma obra abo & 0 qbe csereveu aquele que se designa por autor?» ‘Vemos sure as difculdades. Se um individuo no fsse um autor, © que ele escrevet ov disse, o que ele deixou nos sous apes, o que dele se herdou,poderiachamarse uma "obra"? Se Sede no fol um autor, que eram ent os seus papsis? Rolos de pape sobre os quis, durante os dias de pristo, cle inserevia os seus fantasmas até a0 infinite ‘Mas suponhamos que nos ecupamos de um autor seri que tudo 0 que ele escreveu 0 disse, tudo 0 que ele deixou ais de si, faz parted sus obra? um problema simultane ‘mente tetico e enico. Quando se empreende, por exemplo, « publicagto dss obras de Niewsche, onde & que se deve parse? Serd com certeza preciso publicar tudo, mas que quer dizer este “tudo”? Tudo o gue 0 propio Nietsche pubicou, sem divida, Os rascunhos das suas obras? Evidentemente, Os projects de aforismos? Sim. As emendas, 24 nots de rodapé? Tamibém. Mas quando, no interior de tum cademo cheio de sforsmos, se encontr tuma referénca, uma indicapto de um encon- tro ou de um caderego, um recibo de avan- dara: obra ou alg? Mas por que fo? E isto indefnidamente, Come defini uma obra ente 05 milhoes de vestgios deixados por algaém Aepois da morte? A teoria de obra nto existe, 0 que ingenuamente empreendem a edigdo "28 cots seat Tat dea to se se » sc «depres os lo ein fe ration Epo contin 49 mil ¢ Mima’ Noltes consttvem uma obra? E os Srromera de Clemente de Alexandria u #8 ‘ides de Dibgenes Lacie? Aperesbeno-0s fo eoseente quid Se queteh ues tem pronto da nogio de cba, De a forma ue nfo basta afirmar:deiemos © trot xinemos ost etaemos ache tov si mesma A palevea cobra” ea unidade tne ele design sho provavelment to ro Semtcas como a inivduldade do er rio haver otra noqlo que loguia 9 seniegto do desaarecinemo do autor © oe de lgum modo rtém 0 peasamento no mir dese spresedo, com subteza, cla reser ins wexitncia do ator Ea noeSo Ue corte, Bn rigor, ela dovera permit to apenas ques digpensase a referencia to autor, mas fab queso esse etatto tuto que se df actulmente 4 nopto da Shevta, sth fora de queso, com feito, Goer © gosto de escrever, quer qualquer traea (infor osigne) do que slguém tee quero dizer evfngamonnos poe et ‘arcom ntiiaprofundiade a conligfo de {user texto, smulteneamente «contigo So epvo nde dipern ed tempo em gue se cecal ” Mi ose Pergunto-me se, oiuzida por vezes 20 so coment, esa nogio nie transpée para lun anonimaio transcendental 0s caracieres fempiticos do auto. Por vezes contentama- tos em apagar as marcas demasiado visiveis {do empirisme do autor, pondo em acjao, tum paraele & outta, uma conta a out, dduss manciras de o earacterizar:« modal dade erica © 4 modaldade religiss. Com feito, atibur & critica um estatuto originie fio, alo seri uma manera de retraducir ex termos tanscendentais, por um lado, afi smagio teoligica do seu earicter sagrado 6, or outro lado, « afirmasto eritca do seu carter eradoe? Admitir que a esrita est, em certa medida pela propria historia que ela tomou possivel,submaida& prova do eague- mento © da represste, no Ser repesenat fem lermos transcendenais © principio rel soso do sentido oculto (com a nocessidade de interpreter) © 0 principio eritico das Signifcapbes implicitas, das detrminagoes silenciogas, dos conteidos obscuroe (com a fnecessidade de coment)? Enfim, pensar a rita como austncia no seh muito im plesmente repetir em termos transcendent © principio relgioso da tradieto,simulianed- ‘mente inaterivel e aunes preenchida, © 0 Principio etic da sobrevivéncia da obra 4 sua manvtengio para além da more © do sou excesso enigmético relativamente 30 Penso, portato, que um tl so da nogdo te esta assca-se a manter os (do autor sob a salvaguarda do ‘la fue subrieti, na luz einzenta de neu Tizago, jogo das represeniagbes que conf- garam una cota imager do autor. O desa- parecimento do autor, que desde Mallarmé “se submetid & clausura transcendental. Nio hhaverd astualmente uma importante linha de pantilha entre os que eréem poder ainda pen- Sar as rupuras de hoje ma tradi histrico- “transcendental do século XIX e oS que se sforsam por se ibrar defnitvamente dessa tradigio? Mas ao chega, evidentemente, repetir 3 sfirmago ea de gue autor dessparece. Do mesmo modo, ndo basta repetrindefin ddamente que Devs © o homem morteram de tum morte conjunta. Treas, sm, de lca ‘aro eapago deinado vazio pelo desaparec- ‘mento do avtor, seguir de perto a reparigdo as Tacunas © das fssuras © perscrutar 05 fspayos, as fangbes livres que ese desaparc ‘imento deina a descobert. ‘Queria primeiro evocar em poucas pals: ‘rap os problemas postos pelo uso do nome a Metal Foca 4 tor. O que é um nome de anor? E como ficiona? Bem longe de vos dar uma solugte, liniter-me-ei a indica algumas das dif, Ades que ele spresenta © nome de autor é um nome préprio: poe ‘9% mesmos problemas que todor os names Préprios (tefro-me aqui, entre outray anit lise, ds de Seate. Evidentement, aio 6 ps, sivel fazer do nome préprio uma referéveta Pura e simples. O nome priptio (at came a ome de autor) tem outras fangdes que nie apenas as indieadoras. E mais do. que ena indicato, um gesto: um ded apontsde pre slguéms em certa media, & equvalene o lms descrisfo. Quando dizemos “Arista, les", empregamos uma palavra que ¢ can ‘alte a uma 36 ova uma serie de desergoes detinidas, do género: “0 autor dos tne, 08", ou “0 fandador da ontolosia, ete Mas ‘fo podemos fearnos por agu; tm nome Proprio nfo tem ums significesio pur ccinn les; quando se descobre que Rimboad lo sscreveu La Chasse Spirituelle, nfo se pode Pretender que esse nome préptio ou eons ome de autor tenka mudado de sentido 0 ome proprio © o nome de autor enconton “Ae situados entre os polos da desrigto ¢ da

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