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A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO
BRASIL: UM NOVO OLHAR SOBRE
O PARADIGMA DA SAÚDE MENTAL
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Maria Salet Ferreira Novellino
Reforma Psiquiát rica: avanços e desafios das prát icas dos profissionais de um Cent ro de At …
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Problemat izando o cuidado em saúde ment al: a profissionalização do care a part ir dos serviços resid…
Revist a Vért ices (Campos dos Goyt acazes)
A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL:
UM NOVO OLHAR SOBRE O PARADIGMA DA SAÚDE MENTAL 1
Resumo
A Reforma Psiquiátrica no Brasil deve ser entendida como um processo político e social
complexo. Na década de 70 são registradas várias denúncias quanto à política brasileira
de saúde mental em relação à política de privatização da assistência psiquiátrica por
parte da previdência social, quanto às condições (públicas e privadas) de atendimento
psiquiátrico à população. É nesse contexto, no fim da década citada, que surge pequenos
núcleos estaduais, principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais. Estes constituem o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM).
No Rio de Janeiro, em 1978, eclode o movimento dos trabalhadores da Divisão
Nacional de Saúde Mental (DINSAM) e coloca em xeque a política psiquiátrica
exercida no país. A questão psiquiátrica é colocada em pauta, em vista disto, tais
movimentos fazem ver à sociedade como os loucos representam a radicalidade da
opressão e da violência imposta pelo estado autoritário. A Reforma busca coletivamente
construir uma crítica ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na
assistência às pessoas com transtornos mentais.
Palavras chave: Saúde Mental; Reforma Psiquiátrica; Luta Antimanicomial; Lei Federal
10.216/2001.
1
Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em
Caxambu - MG – Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010.
2
Cientista Social – UERJ, Especialista em Filosofia Contemporânea – UERJ, Mestrando em
Estudos Populacionais e Pesquisa Social – ENCE. mesquitajf@hotmail.com
3
Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é
Pesquisadora Titular I e Professora do programa de pós-graduação da Escola Nacional de Ciências
Estatísticas. saletnovellino@gmail.com
4
Pós-doutora na área de epidemiologia psiquiátrica na Universidade de Columbia, Nova York.
Professora adjunta do departamento de psiquiatria da faculdade de medicina da UFRJ, Chefe do
departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ.
mariatavarescavalcanti@gmail.com
1
A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL:
UM NOVO OLHAR SOBRE O PARADIGMA DA SAÚDE MENTAL
INTRODUÇÃO
O modelo mais adotado para conter a loucura foi o asilo. Britto apud Mesquita
7
(2008:3) informa que no Brasil a instituição da psiquiatria encontra-se relacionado à
5
Grifo nosso – Território é a designação não apenas de uma área geográfica, mas das pessoas, das
instituições, das redes e dos cenários nos quais se dão à vida comunitária.
6
- BRASIL, Ministério da Saúde – Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil –
Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos Depois de Caracas. Brasília,
07 a 10 de novembro de 2005.
7
MESQUITA, J. F. de – Quem Disse Que Lugar de Louco É no Hospício? Um estudo sobre os Serviços
Residenciais Terapêuticos, Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais,
ABEP, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.
2
vinda da Família Real Portuguesa em 1808. Foi nesta época que foram construidos os
primeiros asilos que funcionavam como depósitos de doentes, mendigos, deliquentes e
criminosos, removendo-os da sociedade, com o objetivo de colocar ordem na
urbanização, disciplinando a sociedade e sendo, dessa forma, compatível ao
desenvolvimento mercantil e as novas políticas do século XIX.
8
- MESQUITA, J. F. de – Quem Disse Que Lugar de Louco É no Hospício? Um estudo sobre os Serviços
Residenciais Terapêuticos, Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais,
ABEP, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.
9
ROCHA, Gilberto S. – Introdução ao nascimento da psicanálise no Brasil. Rio de Janeiro,Forense
Universitária, 1989.
10
- ROCHA, Gilberto S. – Introdução ao nascimento da psicanálise no Brasil. Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 1989.
3
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, começa a surgir o modelo manicomial
brasileiro, principalmente os manicômios privados. Nos anos 60, com a criação do
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o Estado passa a utilizar os serviços
psiquiátricos do setor privado. Dessa forma, cria-se uma “indústria para o
enfrentamento da loucura” (Amarante, 1995:13). 11
11
AMARANTE, P. D. de C., (coordenador) – Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica na
Brasil. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1995.
12
- Quem foi Franco Basaglia in: http://www.ifb.org.br/franco_basaglia.htm
4
representam a radicalidade da opressão e da violência imposta pelo estado
autoritário”. (Rotelli et al, 1992: 48) 13.
13
- ROTELLI, F. et al, 1992. Reformas Psiquiátricas na Itália e no Brasil: aspectos históricos e
metodológicos, Psiquiatria sem hospícios - contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica (Bezerra, B. et
al orgs) Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 41-55.
14
- Grifo Nosso.
15
- AMARANTE, P. D. de C., (coordenador), Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica na
Brasil. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1995.
5
publicação da lei 10.216 impõe novo impulso e novo ritmo para o processo de Reforma
Psiquiátrica no Brasil, pois mesmo antes de sua aprovação, suas conseqüências já eram
visíveis por meio de diferentes ações, tais como a de criação das SRTs e de programas,
tal como “De volta pra casa” 16
. Novas modalidades para o tratamento do usuário de
saúde mental foram postas em prática.
O Gráfico 1 nos ajuda visualizar a expansão dos CAPs ao longo dos últimos
anos. Ressaltamos que em 2002, com 424 CAPs, tínhamos 21% da população coberta
em saúde mental; em junho de 2009 chegamos a 57% de cobertura, um aumento
significativo enquanto instrumento da desinstitucionalização psiquiátrica.
16
O Programa de Volta para Casa foi instituído pelo Presidente Lula, por meio da assinatura da Lei
Federal 10.708 de 31 de julho de 2003 e dispõe sobre a regulamentação do auxílio-reabilitação
psicossocial a pacientes que tenham permanecido em longas internações psiquiátricas. O objetivo deste
programa é contribuir efetivamente para o processo de inserção social dessas pessoas, incentivando a
organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do
convívio social, capaz de assegurar o bem-estar global e estimular o exercício pleno de seus direitos civis,
políticos e de cidadania. Além disso, o “De Volta para Casa” atende ao disposto na Lei 10.216 que
determina que os pacientes longamente internados ou para os quais se caracteriza a situação de grave
dependência institucional, sejam objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial
assistida. Em parceria com a Caixa Econômica Federal, o programa conta hoje com mais de 2600
beneficiários em todo o território nacional, os quais recebem mensalmente em suas próprias contas
bancárias o valor de R$240,00. Em conjunto com o Programa de Redução de Leitos Hospitalares de longa
permanência e os Serviços Residenciais Terapêuticos, o Programa de Volta para Casa forma o tripé
essencial para o efetivo processo de desinstitucionalização e resgate da cidadania das pessoas acometidas
por transtornos mentais submetidas à privação da liberdade nos hospitais psiquiátricos brasileiros. O
auxílio-reabilitação psicossocial, instituído pelo Programa de Volta para Casa, também tem um caráter
indenizatório àqueles que, por falta de alternativas, foram submetidos a tratamentos aviltantes e privados
de seus direitos básicos de cidadania. http://www.ccs.saude.gov.br/VPC/programa.html Acessado em
06/03/2010.
6
Gráfico 1: Expansão dos CAPs - 1998 à 4 de junho de 2009
1600
94
26
13
13
1400
53
11
Quantidade de CAPs
1200
11
10
1000
8
73
800
5
60
0
600
50
4
42
5
400
29
8
9
20
8
17
14
200
0
Anos
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Fonte:Brasil, Ministério da Saúde, Saúde Mental em Dados, Ano IV, nº 6, Junho de 2009.
18
TENÓRIO (2002:38) aponta para dois grandes marcos da década de 80, no
que tange à Reforma Psiquiátrica: a inauguração do primeiro CAPS na Cidade de São
Paulo e a Intervenção Pública na Casa de Saúde Anchieta (Santos-SP) a qual funcionava
com 145% de ocupação (290 leitos com 470 internados). O internamento asilar não
representava a exclusiva perspectiva para esta classe da população a qual tinha seus
direitos cerceados, impedida de ir e vir, em internações infindáveis onde os usuários em
diversos casos perdiam suas referencia com familiares e grupos afetivos. Efetivando-se
acima de tudo em perda da autonomia destes.
17
- BRASIL, Ministério da Saúde – Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil –
Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos Depois de Caracas. Brasília,
07 a 10 de novembro de 2005.
18
- TENÓRIO, Fernando – A Reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história
e conceitos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, vol. 9(1): 25-59, jan. – abr. 2002:38.
7
assim poder “[...] construir coletivamente uma critica ao chamado saber psiquiátrico e
ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos mentais. [...]”
19
(BRASIL, 2005, P.2) . Em 1990, o Brasil torna-se signatário da Declaração de
Caracas 20 a qual propõe a reestruturação da assistência psiquiátrica.
19
- BRASIL, Ministério da Saúde – Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil –
Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos Depois de Caracas. Brasília,
07 a 10 de novembro de 2005.
20
DECLARAÇÃO DE CARACAS. Documento que marca as reformas na atenção à saúde mental nas
Américas. As organizações, associações, autoridades de saúde, profissionais de saúde mental,
legisladores e juristas reunidos na Conferência Regional para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica
dentro dos Sistemas Locais de Saúde, VERIFICANDO, 1. Que a assistência psiquiátrica convencional
não permite alcançar objetivos compatíveis com um atendimento comunitário, descentralizado,
participativo, integral, contínuo e preventivo; 2. Que o hospital psiquiátrico, como única modalidade
assistencial, impede alcançar os objetivos já mencionados ao: a) isolar o doente do seu meio, gerando,
dessa forma, maior incapacidade social; b) criar condições desfavoráveis que põem em perigo os direitos
humanos e civis do enfermo; c) requerer a maior parte dos recursos humanos e financeiros destinados
pelos países aos serviços de saúde mental; e d) fornecer ensino insuficientemente vinculado com as
necessidades de saúde mental das populações, dos serviços de saúde e outros setores.
CONSIDERANDO, 1. Que o Atendimento Primário de Saúde é a estratégia adotada pela Organização
Mundial de Saúde e pela Organização Pan-americana de Saúde e referendada pelos países membros para
alcançar a meta de Saúde Para Todos, no ano 2000; 2. Que os Sistemas Locais de Saúde (SILOS) foram
estabelecidos pelos países da região para facilitar o alcance dessa meta, pois oferecem melhores
condições para desenvolver programas baseados nas necessidades da população de forma descentralizada,
participativa e preventiva; 3. Que os programas de Saúde Mental e Psiquiatria devem adaptar-se aos
princípios e orientações que fundamentam essas estratégias e os modelos de organização da assistência à
saúde. DECLARAM 1. Que a reestruturação da assistência psiquiátrica ligada ao Atendimento Primário
da Saúde, no quadro dos Sistemas Locais de Saúde, permite a promoção de modelos alternativos,
centrados na comunidade e dentro de suas redes sociais; 2. Que a reestruturação da assistência
psiquiátrica na região implica em revisão crítica do papel hegemônico e centralizador do hospital
psiquiátrico na prestação de serviços; 3. Que os recursos, cuidados e tratamentos dados devem: a)
salvaguardar, invariavelmente, a dignidade pessoal e os direitos humanos e civis; b) estar baseados em
critérios racionais e tecnicamente adequados; c) propiciar a permanência do enfermo em seu meio
comunitário; 4. Que as legislações dos países devem ajustar-se de modo que: a) assegurem o respeito aos
direitos humanos e civis dos doentes mentais; b) promovam a organização de serviços comunitários de
saúde mental que garantam seu cumprimento; 5. Que a capacitação dos recursos humanos em Saúde
Mental e Psiquiatria deve fazer-se apontando para um modelo, cujo eixo passa pelo serviço de saúde
comunitária e propicia a internação psiquiátrica nos hospitais gerais, de acordo com os princípios que
regem e fundamentam essa reestruturação; 6. Que as organizações, associações e demais participantes
desta Conferência se comprometam solidariamente a advogar e desenvolver, em seus países, programas
que promovam a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica e a vigilância e defesa dos direitos humanos
dos doentes mentais, de acordo com as legislações nacionais e respectivos compromissos internacionais.
Para o que SOLICITAM Aos Ministérios da Saúde e da Justiça, aos Parlamentos, aos Sistemas de
Seguridade Social e outros prestadores de serviços, organizações profissionais, associações de usuários,
universidades e outros centros de capacitação e aos meios de comunicação que apóiem a Reestruturação
da Assistência Psiquiátrica, assegurando, assim, o êxito no seu desenvolvimento para o benefício das
populações da região. APROVADA POR ACLAMAÇÃO PELA CONFERÊNCIA, EM SUA ÚLTIMA
SESSÃO DE TRABALHO NO DIA 14 DE NOVEMBRO DE 1990.
8
CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
Brasil, Ministério da Saúde – Saúde Mental em Dados, Ano IV, nº 6, Junho de 2009
http://www.ifb.org.br/franco_basaglia.htm
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_caracas.pdf acessado em
21/03/2010.