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DoT Tod ye CeCe) O DIREITO DE SER, SENDO DIFERENTE, NA ESCOLA“ Maria Teresa Eglér Mantoan SUMO Alege que a proposta de incluir todos os alunos em uma tiie modslidede educacional, 0 ensino regular, terse checado com uma cultura assisencilistaterapéutica da educagdo especial e com o conservadorismo ce nossas pelticas piblicas na area Enfoca a perspectiva de incluso social nos ambite Juridica « educactonal Afitma que, se do pant de vista legal h de se concliar os impasses entre 2 Consttugko de 1988 — que no permite a diferenciacto cela deficiéncia ~e as les infaconsttucionas referentes & educaelo, do ponto de vist educacional, ¢ urgent estimular mudances, buscar edivuigar novas praticas pedagégicase expergncias de suoesso nas nossas escola. Paraa criagdo da escola inlusiva,aduz ser premente a reefinico da educacdo, 2 qual se deve voltar&cidadania global, clea, lve de preconcetos edisposta reconhecer as ciferencas entre as pessoas. Além disso, entende que 2 ecucacso especial, apesar de importante, no constitu um nivel dé ensina, devendo ater-se 20s limites de suas atrbuigbes e complementar 0 processo de escolarizagfo de alunos com defciénca regularmente rmatriculados em escolas comuns. PALAVRAS-CHAVE Educado ~ especial, basics, fundamental inclusive: integracio, incluso; Constituigdo Brasileira de 1988 — art 206; Lingua Brasilere de Sinais ~ Libras; sistema Brale; Len. 9,394/96, da Educagao", realizado pel Cartro de Estudios Judician ri Tuna de Justga, em Brasli-DF. ip Conssho da Justga Federal 36 CEL, Balin. 2, Sj at 2008 11 UMA BREVE INTRODUGAO Pris para atender a um aluno idealizado e pautada por tum projeto educacional elitista meritocratico e homogeneizador, a escola tem produzido situagdes de exclusao que tém, injustamente, pre- judicado a trajetéria educacional do muitos estudantes, Pela auséncia de laudos perk ciais competentes e de queixas es- colares bem fundamentadas, ha alu- nos que corem risco de ser admit dos © considerados pessoas com deficiéncia e assim encaminhados indevidamente aos servigos da edu- cagao especial. Outros sao iguaimen- te discriminados em programas de ensino compensatério e a parte. Ha do se aorescentar também 0 sentido diibio da educacao especi- al, acentuado pela imprecisao dos tex- tos legais que fundamentam nossos planos e propostas educacionais. Ain- da hole, 6 patente a dificuldade de distinguir a educacao especial, tradi- cionaimente praticada, da concep¢ao consenténea @ vigente dessa moda- lidade de ensino: 0 atendimento edu- cacional especializado. Esse quadro situacional perpe- tua desmandos e transgressées a0 direito & educagdo @ @ néo-disorimi- nagao que algumas escolas e redes de ensino estao praticando, por falta de um controle efetivo dos pais, das autoridades de ensino e da Justica em geral As escolas e as instituicdes especializadas ainda resistem muito as mudangas provocadas pela inciu- 880, alegando motivos que expéem a fixidez organizacional dos servigos dispensados a seus alunos ¢ assisti- dos. Desconhecimento @ intoresses corporativistas envolvendo pais, pro- fessores, especialistas fazem com que a educacao de alunos com defi ciéncias se dé em ambientes segre- gados, sem se considerarem as no- vas possibilidades de atendimento a partir de altemativas educacionais includentes. Muitos outros entraves desrespeitam 0 direito de ser diteren- te, nas escolas. Problemas conceituais, des- respeito a preceitos constitucionais, interpretagdes tendenciosas de nos- sa legisiacao educacional ¢ precon- ceitos distorcem o sentido da inclu- 80 escolar, reduzindo-a unicamente a insergao de alunos com deficiéncia no ensino regular. Desconsideram os beneficios que essa inovacao educa- cional propicia a educagao dos alu- CEL, Beaslia, 26, p. 35444, jul et 2004 ‘nos om geral, ao provooar mucangas de base na organizacao pedagogica das escolas ena maneira de se con- ceber o papel da instituigao escolar na formagao das novas geragées. Com isso, nao evoluem as ini- ciativas que visam a adogao de posi- ¢ées/medidas inovadoras para a escolarizagao de todos os alunos, nas escolas comuns de ensino regular, assim como as que se referem aos servigos educacionais especia- lizados. Por outro lado, temos avanga- do do ponto de vista legal, € hd no- vyos caminhos pedagégicos que nos Permitem retragar a trajetéria de nos- a8 escolas, norteados pela inclusdo. 2.UM OLHAR SOBRE A ESCOLA QUE TEMOS: © ensino fundamental ~ nivel de escolaridade obrigatério para to- dos - 0 que mais parece ter sido atingido pela inclusdo escolr. Uma andlise dessa etapa da educagao basica importante, para centendermos a razao de tanta dificul- dade e porploxidade diante da inclu- so, especialmente quando 0 inseri- do € um aluno com deficiéncia. Os alunos do ensino fundamental esto organizados por séries escolares, 0 curriculo 6 estruturado por discipiinas, 8.0 sou contetido ¢ selecionado pe- las coordenagoes pedagagicas, pe- los livros didticos, enfim, por uma “intelig&ncia’, que define os saberes liteis © a seqdéncia em que devem ser ensinados nas escolas, Sabemos que 0 ensino basico (edueagao infantil, ensino fundamen lal e ensino médio) € prisioneio da transmissao dos conhecimentos aca- damicos, © os alunos, de sua repro- dugao, nas aulas @ nas provas. A di- visao do curriculo em disciplinas como Matematica, Lingua Portuguesa etc. fragmenta ¢ especializa os saberes, @ faz de cada matéria escolar um fim fem si mesmo, ¢ nao um dos meios de que dispomos para esclarecer 0 ‘mundo em que vivemos @ nos enten- der mathor. © tempo de aprender 6 0 das séries escolares, porque é necess’- tio hierarquizar a complexidade do conhecimento, sequenciar as etapas de aprendizagem, mesmo sendo este {9 basico, 0 elementar do saber. Uma escala de valores também é atribui- da as disciplinas, em que a Matema- tica reina absoluia, como a mais im- portante e poderosa, enquanto as Artes, a Educacao Fisica quase sem- pre nao sao valorizadas. © conhecimento transmitido pelos professores corresponde a ver- dades prontas, absolutas, imutaveis, @ reprovam-se os alunos que tentam vencer a subordinagao intelectual Com esse perfil organizacional, podemos imaginar o impacto da in- clusao na maioria das escolas, espe- cialmente quando se entende que in- cluir é ensinar a todas as criangas, indistintamente, em um mesmo es- ago educacional: as salas de aula de ensino regular. E como se esse espace fosse de repente invadido todos 08 seus dominios tomados de assaito. A escola se sents ameacada por tudo 0 gue ola criou para se pro- teger da vida que existe para além de seus muros 8 paredes. Novos sa- bores, novos alunos, outras mansiras de resolver problemas, de avaliar a aprendizagem, demandam “artes de fazer” que, como nos diria Gerteau', a contestem e transgridam o seu pro- jeto educativo vigente. De fato, a escola atulhou-se do formalismo da racionalidade e cindiu- se em modalidades de ensino, tipos do servigos, grades curriculares, bu- rocracia, Uma ruptura de base em sua estrutura organizacional, como pro- Oe a incluso, é uma saida para que ela possa fluir, novamente, espalhan- do sua agao formadora por todos os que dela particioam. 3 CRISE E TRANSFORMACAO DAS ESCOLAS COMUNS, 3.1 NOVOS PARADIGMAS E CONHECIMENTO ESCOLAR Vivemos um tempo de crise global, em que os velhos paradigmas da modemidade sao contestados & © conhecimento, matéria-prima da educagao escolar, passa por uma reinterpretacdo. A inclusao € parte dessa con- testagtio e implica a mudanga do paradigma educacional atual, para que se encaixe no mapa da educa- (980 escolar que precisamos retragar. As diferencas culturais, so- ciais, étnicas, religiosas, de género, enfim, a diversidade humana esta sendo cada vez mais desvelada o destacada, e é condigéo imprescin- dive! para entender como aprende- mos © como entendemos o mundo @ a nds mesmos, ‘O modelo educacional jé mos- tra sinais de esgotamento e, no va- Zio de idéias que acompanha a crise paradigmética, surge 0 momento oportuno das transformacées. 37 (...) podemos imaginar o impacto da inclusdo na maioria das escolas, especialmente quando se entende que incluir é ensinar a todas as criangas, indistintamente, em um mesmo espaco educacional: as salas de aula de ensino regular. E como se esse espago fosse de repente invadido e todos os seus dominios tomados de assalto, A escola se sente ameagada por tudo o que ela criou para se proteger da vida que existe para além de seus muros e paredes. As interfaces © conexdes que se formam entre saberes outrora iso- lados ¢ partidos © os encontros da subjetividade humana com o cotidia- 1no, 0 social, 0 cultural apontam para lum paradigma do conhecimento que ‘emerge de redes cada vez mais com- ploxas de relacoes, geradas pala ve- locidade das comunicagdes e infor- mages. As fronteiras das disciplinas estéo se rompendo, estabelecendo novos marcos de compreensao entra as pessoas € 0 mundo em que vive mos Diante dessas novidades, a escola nao pode continuar ignorando ‘9 que acontece ao seu redor, anulan- do marginalizando as diferencas nos processos por meio dos quais forma € instrui 08 alunos. E muito menos desconhecer que aprender implica saber expressar, dos mais variados ‘modos, 0 que sabemos; implica repre- sentar 0 mundo, a partir de nossas origens, valores, sentimentos, O tecido da compreensao nao se trama apenas com os fios do co- nhecimento cientifico. Como Santos? nos aponta, a comunidade académi- ca nao pode continuar a pensar que 86 hd um dnico modelo de cientii- cidade e uma tinica epistemologia € que, no fundo, todo o resto € um sa- ber vulgar, um senso comum que ela contesta em todos os niveis de en- sino € de produgao do conhecimen- to. Aidéia de que o nosso campo de conhecimento é muito mais amplo do ‘que aquele cabivel no paradigma da ciéncia modema traz a ciéncia para ‘um campo de luta mais igual, em que cla tom de reconhecer outras formas de entendimento e perder a posigao hegeménica em que se mantém, ig- norando 0 que foge aos seus dom! nos. A exclusao escolar manifesta- se das mais diversas @ perversas 38 maneiras, @ quase sempre esté em jogo aignoréncia do aluno, diante dos padres de cientificidade do saber escolar. A escola se democratizou abrindo-se a novos grupos sociais, mas no aos novos conhecimentos. Exclui, entéo, 0s que ignoram 0 co- nhecimento que ela valorizae, assim, entende como democratizacao a massificagao do ensino © nao cria a possibilidade de didlogo entre dife- rentes lugares epistemolégicos, nao se abre a novos conhecimentos que nao couberam, até entao, dentro dela © pensamento subdividido em reas especificas 6 uma grande bar- relra para os que pretendem, como nds, inovar a escola. Nesse sentido & imprescindivel questionar esse modelo de compreanso que nos & imposto desde os primeiros passos de nossa formagao escolar @ que prosseque nos niveis de ensino mais graduados. Toda a trajet6ria escolar precisa ser repensada, considerando- $0 0 efeitos cada vez mais nefastos das hiperespecializacoas? dos sabe- res, que nos dificultam a articulagso de uns com os outros e, igualmente, uma viso do essencial © do global Oeensino organizado em disci- plinas isola, separa os conhecimen- tos, ao invés do reconhecer as suas interrelagdes. Na verdade, 0 conhe- cimento evolui por recomposi¢ao contextualizagao ¢ integracao de sa- bores, om redes de entendimento; ndo reduz 0 complexo ao simples, tomando maior a capacidade de ava- liar € aprender o carater muitidimen- sional dos problemas e de suas solu- oes. Os sistemas escolares tam- bém estao calcados em um pensa- mento que recorta a realidade, que permite subdividir os alunos em *nor- mais" e com deficiéncia. A légica dessa organizagao ¢ marcada por uma visao determinista, mecanicista, formalista, reducionista, propria do pensamento cientifico mederno, que ignora 0 subjetivo, o afetiva, o criae dor, sem os quals nao conseguimos romiper com o velho modelo escolar para produzir a reviravolta que a in- clusao impoe. Essa reviravolta exige, em ni- vel institucional, a extingdo das categorizagbes e das oposicbes excludentes ~ iguaisidiferentes, nor- maisideficiontes - ¢, em nivel pes- soal, que busquemos articulagao, fle- xibilidade e interdependéncia entre as partes que se conflitavam nos nos- 505 pensamentos, agdes, sentimen- tos. Essas atitudes diferem muito daquslas tipicas das escoias iradicio- nais, em que ainda atuamos © nas quais foros formados para ensinar. 3.2 IDENTIDADE X DIFERENCA As propostas educacionais que visam a inclusao habitualmente 58 apdiam em dimensdes éticas con- servadoras. Elas se sustentam e se ‘expressam pela tolarancia @ pelo res- peito ao outro, sentimentos que pre- Gisamos analisar com muito culdado, para entender 0 que podem escon- der nas suas entranhas. A tolerdncia, sentimento apa- rentemente generoso, pode marcar uma certa superioridade de quem to- lera. O respeito, como conceito, im- plica um certo ‘essencialismo, uma ‘generalizagao, vinda da compreensao de que as diferencas sao fixas, defi- nitivamente estabelecidas, de tal modo quo s6 nos resta respeité-las. Nessas orientagoes entendem- s@ as deficigncias como fixadas no individuo, como se fossem marcas indeléveis, a partir das quais 86 nos cabe acoité-las, passivamente, pois nada poderd evoluir além do provisto no quadro geral das suas especi- ficagdes estaticas: os niveis de com- prometimento, as categorias educa- Gionais, 0s quociantes de inteligén- cia, predisposigdes para o trabalho @ outras tantas mais, Consoante tais pressupostos, criamos espacos educacionais prote- gidos, a parte, restritos a determina das pessoas, ou seja, aquslas que ‘eufemisticamante denominamos “Por- tadoras de Necessidades Educacio- nis Especiais ~ PNEE* A diferenga, nesses espacos, & o que 0 outro é — branco, religio- 50, deficiente. Como nos afirma Sil- vat, (..) € © que esté sempre no ou- tro, separado de nés para ser prote- gido ou para nos protegermos dele R CEU, Brala,n.26,p. 944, jul et 2004 Em ambos os casos, somos impedi- dos de realizar a experiéncia da dife- renga e de conhecer a sua riqueza. A identidade é o que se , como afirma © mesmo autor ~ sou brasileiro, sou negro, sou estudante ‘Nossa luta pola inclusao esco- lar tem uma dimensao ética critica @ transformadora, A posipao @ oposta a anterior, ao entender que as dife- rengas estdo sendo constantemente feitas e refeitas; pois elas vao diferin- do, infinitamente. As diferengas S40 produzidas © nao podem ser natura- lizadas, como habitualmente pensa- mos. Essa produgao é sustentada por relagdes de poder e merece ser com- preendida, questionada e nao apenas respeitada e tolerada, (Os movimentos em favor da Inclusao, dentre os quais os educacio- naislescolares, devern seguir outros caminhos que nao os propostos por nossas pollticas (equivocadas?) de incluso, pois acreditamos nas acdes que contestam as fronteiras entre 0 regular 8 0 especial, o normal 9 0 de- ficiente, enfim os espacos simbdlicos das diferentes identidades. As acdes educativas inclusivas ue propomos tém como eixos 0 con- vivio com as diferengas, a aprendi- Zagem como experiéncia relacional Parcipativa, que produz sentido para O aluno, pois contempla a sua subje- tividade, embora construida no cole- tivo das saias de aula. Relacdes de poder presidem a produgao das diferengas na escola, mas a partir de uma légica que nao mais 89 baseia na igualdade, como categoria assegurada por principios liberais, iventada e decretada apron e que trata a realidade escolar coma ilusao da homogeneidade, promoven- do @ justificando a fragmentagao do ensino em disciplinas, modalidades de ensino regular, especial, seriacdes, classificagdes, hierarquias de conhe- cimentos, Por tudo isso, a incluso & pro- duto de uma educagao plural, demo- cratica @ transgressora. Ela provoca tuma crise escolar, ou melhor, uma or se de identidade institucional que, por sua vez, abala a identidade dos pro- fessores @ faz com que a identidade do aluno se revista de novo significa do, O aluno da escola inciusiva 6 outro sujelto, sem identidade fxada em mo- delos ideais, oermanentes, essenciais. O direito a diterenca nas es- colas desconstréi, portanto, o siste- ma atual de significagao’ escolar excludente, normativo, elltista, com suas medidas @ mecanismos de pro- dugao da identidade ¢ da diterenga CEL, Beaslia, 26, p. 35444, jul et 2004 Se a igualdade 6 referéncia, podemos inventar 0 que quisermos ara agrupar e rotular 0s alunos como PNEE, deficientes. Se a diferenca é tomada como parametro, nao fixamos mais a igualdade como noma e fa- zemos cair toda uma hierarquia das igualdades @ diferencas que susten- tam a ‘normalizagao’. Esse proces- 80, a normalizagao, pelo qual a edu- cacao especial tem proclamado 0 seu poder, propde sutimente, com base em caracteristicas devidamente selecionadas como positivas, a ole! 0 arbitréria de uma identidade “nor- mal’, como um padrao de hierarqui- zagao e de avaliacdo de alunos, de pessoas. Contrariar a perspectiva de uma escola quo se pauta pela igual- dade de oportunidades é fazer a di- forenga, reconhecé-4a valorizé-a Portanto, temos de reconhecer as diferentes culturas, a pluralidade das manifestades intelectuais, sociais, afetivas, enfim, precisamos construir uma nova ética escolar, que advém de uma consciéncia ao mes- ‘mo tempo individual, social e plane- tara ‘Ao nos referitmos, hoje, a uma cultura global e & globalizagao, pare- ce contraditéria a luta de grupos minoritérios por uma poltica identtaia, polo reconhecimento de suas raizes, como fazem os surdos, os deficien- tes, 08 hispanicos, os negros, as mu- theres, os homosexuals. Hd, pois, um sentimento de busca das raizes ¢ de afirmagao das diferencas. Devido a isso, contesta-se hoje a modemidade nessa sua aversao pela diferenca, Nom todas as diferencas ne- cessariamente inferiorizam as pes- soas. Ha diferengas e hd igualdades: nem tudo deve ser igual ¢ nem tudo dove ser diferente. Entao, como con- lui Santos®, 6 preciso que tanhamos o direito de sermos diferentes, quan- doa igualdade nos descaracteriza, @ © direito de sermos iguais, quando a diferenca nos inferioriza No desejo de assegurar a homogeneidade nos grupos sociais, nas turmas escolares, destruiram-se muitas diferengas que consideramos valiosas e importantes, hoje, nas s2- Jas de aula e para além delas. A identidade fixa, astavel, aca- bada, propria do suijeito cartesiano unificado e racional, também esté em crise’. As identidades naturalizadas dao estabilidade ao mundo social, mas a mistura, a hibridizagao, & mesticagem desestabilizam as iden- tidades, constituindo uma estratégia provocadora e questionadora de toda qualquer fixagao da identidade’ 33 INTEGRAGAO OU INCLUSAO? A indiferenciagao entre os pro- cessos de integracao e inclusao es- colar ¢ outro grande entrave para o entendimento e a evolugao dos pro- cessos do incluso escolar. A discussao em torno da integragao © da inclusao cria ainda inumeras € infindaveis polémicas, provocando as corporagies de pro- fessores @ de profissionais da area de satide que atuam no atendimento as pessoas com deficiéncia — os Paramédicos e outros, que tratam cl nicamente de criangas e jovens com problemas escolares e de adaptagao social. A inclusao também “mexe™ com as associagoes de pais que ado- tam paradigmas tradicionais de as- sisténcia a sua clientela; afeta, 2 mul- to, 08 professores da educagao es- pecial, temerosos de perder 0 espa- 0 que conquistaram nas escolas @ redes de ensino, envolvendo grupos de pesquisa das universidades?, Os professores do ensino re- gular consideram-se incompetentes Para atender as diferencas nas sa- las de aula, especialmente aos alu- nos com deficiéncia, pois seus cole- gas especializados sempre se dis- tinguiram por realizar unicamente 8se atendimento e exageraram a ca- pacidade de fazé-lo aos olhos de todos’, Ha também um movimento contrario de pais de alunos sem def- ciéncias que nao admitem a inclusao, por acharem que as escolas vao bai- ar e/0u piorar ainda mais a qualida- de do ensino se tiverem de receber esses novos alunos, Os vocébulos “integracao” & “incluso”, conquanto tenham signifi cados semelhantes, sao empregados ara expressar situag6es de insergao diferentes © se fundamentam em posicionamentos tedrico-metodo- légicos divergentes. ( processo de insercao esco- lar tem sido entendido de diversas maneiras. © termo “integragao" refe- re-se mais espacificamente a inser- 80 escolar de alunos com deficién- cia nas escolas comuns, mas seu emprego € encontrado até masmo Para designar alunos agrupados em escolas especiais para pessoas com deficigncia, ou mesmo em classes especiais, grupos de lazer, residén- cias para deficientes. ‘Os movimentos em favor da integragao de criangas com deficién- cia surgitam nos paises nérdicos em 4969, quando se questionaram as praticas sociais ¢ escolares de segre- 39 (..) a inclusao implica uma mudanga de perspectiva educacional, pois nao se limita aos alunos com deficiéncia € 0s que apresentam dificuldades de aprender, mas envolve ‘todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral. Os alunos com deficiéncia constituem uma grande preocupacao para os educadores inclusivos, mas ‘todos sabemos que @ maioria dos que fracassam na escola sao alunos que nao vém do ensino especial, mas possivelmente acabardo nele. ‘gacao. Sua nogao basica é o princi- pio de normalizagao que, no sendo especifico da vida escolar, atinge 0 Conjunto de manifestacoes @ ativida- des humanas ¢ todas as tapas da vida das pessoas, sejam elas afeta- das ou nao por uma incapacidade, dificuldade ou inadaptagao Pela integracao escolar, 0 alu- no tom acesso a5 escolas por meio de um leque de possibiidades edu cacionals, que vai da insergao nas salas de aula do ensino regular 20 ensino em escolas especiais. © processo de integracao corre dentro de uma estrutura edu cacional que oferece ao aluno a opor- tunidade de transitar no sistema es- colar, da classe regular a0 ensino ‘especial, em todos os seus tipos de atendimento: escolas especiais, Classes especiais em escolas co- ‘muns, ensino itinerante, salas de re- classes hospitalares, ensino iar @ outros. Trata-se de uma concepeao de inserc&o parcial, por- que 0 sistema preva servigos edu- cacionais segregados. Os alunos que migram das escolas comuns para servicos da educagao especial muito raramente se deslocam para os menos segregados @ dificiimente retornam as salas do aula do ensino reguler. Nas situacoes de integracao escolar, nem todos os alunos com doficiéncia cabem nas turmas de en- sino regular, pois hd uma selagdo pré- via dos que estao aptos a insercao. Para esses casos, 840 indicados: individualizacao dos programas esco- lares, currieulos adaptados, avaliagdes ‘espociais, redugao dos objetivos edu- cacionais para compensar as dificul- dades de aprender. Em uma palavra, a escola ndo muda como um todo, ‘mas os alunos t8m de mudar para se adaptarem as suas exigéncias. 40 Aintegracao escolar pode ser entendida como 0 especial na edu- cacao, ou seja, a justaposigao do ensino especial ao regular, ocasio- nando um inchago dessa modalida- de, pelo deslocamento de profissio- nas, recursos, métodos, técnicas da educagdo especial as escolas regu- lares. Quanto a inclusao, esta ques- tiona nao somente as politicas e a organizacao da educagao especial ¢ regular, mas também 0 préprio con- ceito de integragao. Ela é incompati- vel com a integragao, pois prevé a insergao escolar de forma radical, completa e sistematica. Todos os alu- nos, sem excegdes, devem freqiien- tar a8 salas de aula do ensino regu- ler © objetivo da integracao ¢ in- serir um aluno ou grupo de alunos que j8 foram excluidos, eo mote da inclu- 80, a0 contrario, € nao deixar nine uém no exterior do ensino regular, desde 0 comeco da vida escolar. AS escolas inclusivas propoem um modo de organizagao do sistema educaci- onal que considera as necessidades de todos os alunos e ¢ estruturado em fungao dessas necessidades, Por tudo isso, a inclusao impli- ‘ca uma mudanga de perspectiva edu- cacional, pois ndo se limita aos alu- ‘nos com deficiéncia e aos que apre- sentam dificuldades de aprender, mas envolve todos os demais, para gue obtenham sucesso na corrente educativa geral. Os alunos com def- ciéncia constituem uma grande preo- cupagao para os educadores inclusi- vos, mas todos sabemnos que a maio~ Tia dos que tracassam na escola sto alunos que nao vm do ensino espe- Cial, mas possivelmente acabarao rele" A radicalidade da incluso vem do fato de esta exigir uma mudanga de paradigma educacional. Na pers- pectiva inclusiva, suprime-se a sub- divisdo dos sistemas escolares em modalidades de ensino especial ¢ regular. As escolas atendem as cife- rengas, sem discriminar, sem traba- thar & parte com alguns alunos, sem estabelecer regras especificas para plangjar, aprender, avaliar (curriculos, atividades, avaliagao da aprendiza- ‘gem para alunos com deficiéneia com necessidades educacionais es- peciais), Pode-se imaginar o impacto da inclusao nos sistemas de ensino ao supor a abolicao completa dos serve 08 segregados da educagao espe- Cial, 05 programas de reforco esco- lar, salas de aceleragao, turmas e5- peciais e outros. A inclusao 6 uma provocagao, cuja intencao é melhorar a qualida- de do ensino, atingindo todos os alu- nos que fracassam em suas salas de aula. A distingao entre integracao ¢ inclusao é um bom comego para esclarecermos 0 processo de trans- formagao das escolas, de modo que possam acolher, indistintamente, to- dos 08 alunos, nos diferentes niveis, do ensino 4. AESCOLA QUE QUEREMOS Se pretendemos que a escola soja inolusiva, 6 urgente redefiniram- se seus planos para uma educagao voltada & cidadania global, plena, i- vre de preconceitos € que reconhece ¢ valoriza as diferencas. Chegamos a um impasse, como nos afirma Morin", pois, para reformar a instiluicdo, temos de refor- mar as mentes, mas nao se pode re- formar as mentes sem uma prévia roforma das instituigdes. Conhecemos os argumentos pelos quais a escola tradicional resis- te a inclusao. Eles refletem a sua in- capacidade de atuar diante da com- plexidade, da diversidade, da varie- dade, do quo é real nos seres © nos ‘grupos humanos. Os alunos nao 580 virtuais, objetos categorizaveis. Eles existem de fato, so pessoas que provém de contextos culturais os mais variados; representam diferen- tos segmentos sociais; produzem ‘ampliam conhecimentos 8 tém dese- jos, aspiragoes, valores, sentimentos costumes com os quais se identii- cam. Em uma palavra, esses grupos de pessoas nao sao criagdes da nos- 5a 1aza0, mas existem em lugares @ tempos nao-ficcionais, evoluem, s80 compostos de seres vivos, encarna- dos! R CEU, Brala,n.26,p. 944, jul et 2004 © aluno abstrato justifica a maneira excludente de a escola tra- tar as diferencas. Assim é que se estabelecem as categorias de alunos: deficientes, carentes, comportades, inteligentes, hiperativos, agressivos 8 tantas outras. Por assas classificagoes, per- potuam-se as injustigas. Por detras delas a escola se protege do aluno, nna sua singularidade. Tals especi- ficagdes reforcam a necessidade de se criarem modalidades de ensino, espacos 8 programas segregados, para quo alguns alunos possam aprender. Sem duvida, é mais fécil gerenciar as diferengas formando Classes especiais de objetos, seres vivos, acontecimentos, fenémenos, pessoas. Contudo, como nao ha mal que sempre dure, 0 desafio da incluséo desestabiliza as cabecas dos que sempre defenderam a selecao, a dicotomizaco do ensino nas modali- dades especial e regular, as especia- lizagoes ¢ especialistas, 0 poder das avaliagdes, da visao clinica do ensi- no © da aprendizagem. £, como nao ha bem que sempre ature, esta sen- do dificil manter resguardados @ imu- nes as mudangas todos aqueles que colocam nos ombros dos alunos, ex- clusivamente, a incapacidade de aprender. Os subterfiigios tesricos que distorcem propositadamente 0 concei- to de incluséo - condicionada esta & capacidade intelectual, social e cul tural dos alunos — para atender as oxpectativas 6 exigencias da escola precisam cair por terra com urgéncia, Porque sabemos que podemos refa- Zer a educagao escolar segundo no- \os paradigmas, preceitos, ferramen- tas 6 tacnologias educacionais. As condig6es de quo dispo- mos, hoje, para transformar a escola nos autorizam a propor uma escola Uinica e para todos, em que a coope- racao substituiré a competicao, pois se protende que as diferencas se ar- ticulem @ componham © que os talen- tos de sada um sobressaiam. E inegavel que as ferramentas estéo ai, para promovermos as mu- dangas, reinventarmos a escola desconstruindo a maquina obsoleta que a dinamiza, os conceitos sobre 08 quais ela se fundamenta, 0s pila- res teérico-metodolégicos em que se sustenta. As razbes para justficar a in- lusao escolar no nosso cenario edu- cacional nao se esgotam nas ques toes levantadas neste capitulo. A in- clusao também se legitima porque a CEL, Beaslia, 26, p. 35444, jul et 2004 escola, para muitos alunos, 6 0 Unico ‘espago de acesso aos conhecimen- tos. E 0 lugar que Ihes proporciona condigses de desenvolverem-se tomnarem-se cidadiaos, com identida- de social e cultural que thes confere oportunidades de ser 6 de viver dig- namente. Incluir 6 necessario, primordi- almente, para melhorar as condicdes da escola, de modo que nela se pos- sam formar geracdes mais prepare das para viver a vida na sua plenitu- do, livremente, sem preconceitos, sem barreiras, Nao podemos contem- porizar solugdes, mesmo que seja alto 0 prego a pagar, pois nunca sera tao alto quanto o resgate de uma vida escolar marginalizada, uma evasao, uma crianga estigmatizada, sem mo- tivos, Confirma-se, ainda, mais uma razao de ser da inclusao, um motivo para que a educacao se atualize © 0s professores aperfeicoem as suas pré- ticas, para que escolas publicas & particulares se obriguem a um esfor- 0 de modiemizacao e reastruturagao de suas condigées atuais, a fim de responderem as necessidades de cada um de seus alunos, em suas especificidades, sem cairem nas malhas da educagdo especial e suas modalidades de exclusao. S AVANGOS DA LEGISLAGAO Toda escola, em respeito ao direito a educagao, deve atender aos principios constitucionais, no ex- cluindo nenhum aluno, em razao de sua origem, raga, sexo, cor, idade ou deficiéncia’ A Constituicao brasileira de 1988 6 clara ao eleger como fun- damentos da Reptblica a cidadania ea dignidade da pessoa humana (ar. 1°, ines. Ile Ill) e como um dos seus objetivos fundamentais a promogao do bem de todos, sem preconceitos de origem, raga, sexo, cor, idade @ quaisquer outras formas de discrimi- nagao (art. 3%, inc. IV), Ela ainda ga- rante 0 dirsito a igualdade (art. 5°) 6 trata, no art. 205 8 seguintes, do di- reito de todos a educagao. Esse di- reito deve visar ao pleno desenvolvi- mento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificacao para 0 trabalho. Nossa Constituigao é, pois, um ‘marco na defesa da inclusao escolar elucida muitas questoes e contro- vérsias referentes a essa inovacdo, respaldando os que propoem avan- 08 significativos para a educagao ‘escolar de pessoas com @ sem dofi- ciéncia, Alem disso, ela institui, como tum dos prine'pios do ensino, a igual- dade de condicées de acesso e per- manéncia na escola (art. 206, inc. |), acrescentando que o dever do Esta- do com a educacdo sera efetivado mediante @ garantia de acesso aos hiveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criacao artistica, se- gundo a capacidade de cada um (art. 208, V) Tais dispositivos jé seriam su- ficiontes para que ninguém pudesse negar 2 qualquer aluno o acess a mesma sala de aula, 5.1 ACONVENGAO INTERAMERICANA PARA A ELIMINAGAO DE TODAS AS FORMAS LE DISCRIMINAGAO CONTRA A PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA Este documento -celebradona Guatemala em maio de 1999, do qual © Brasil 6 signatario, aprovado pelo Congresso Nacional por msio do De- creto Legislativo n. 198, de 13 de ju- rnho de 2001, 9 promulgado polo De- creto n. 3.956, de 8 de outubro de 2001, da Presidéncia da Republica — veio reafimar a necessidade de se rever 0 caréter discriminatério de al- gumas de nossas praticas escolares mais comuns € perversas: a exciu- a0 internalizada @ dissimulada pe- los programas ditos compensatérios @.& parte das turmas escolares requ- larmente constituidas, tals como as turmas de aceleragao e outras, que acabam por responsabilizar 0 aluno pelo seu proprio tracasso. ‘A importancia da Convengao para o entendimento ¢ a defesa da inclusdo esta no fato de que deixa Clara a impossiblidade de diferencia a0 com base na deficiéncia, definin- do a discriminagao como (...) toda diferenciacéo, excluséo ou restricéo baseada em deficiéncia, anteceden- te de deficiéncia, consequéncie de deficiéncia anterior ou percepego de deficiéncia presente ou passada, que tenha 0 efeito ou propésito de impe- dir ou anular 0 reconhecimento, gozo ou exercicio por parte das pessoas portadoras de deficiéncia de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais (art. 1,n. 2, a) 0 texto da Convengao, no art. I, n. 2, b, esclarece que nao constitu discriminagao (...) a dlferenciagéo ou preferéncia adotada para promover a integracao social ou 0 desenvolvimen- to pessoal dos portadores de deficién- cia, desde que a diferenciacao ou preferéncia nao limite em si mesma o “1 Os subterfligios tedricos que distorcem propositadamente o coneeito de incluséio — condicionada esta a capacidade intelectual, social e cultural dos alunos — para atender as expectativas e exigéncias da escola precisam cair por terra com urgéncia, porque sabemos que podemos refazer a educagao escolar segundo novos paradigmas, preceitos, ferramentas e tecnologias educacionais. direito 4 igualdade dessas pessoas € que elas no sejam obrigadas a acei- tar tal diferenciagao ou preferéncia. Como a educagao deve visar a0 pleno desenvolvimento humano e 20 preparo para o exercicio da cida- dania, segundo o art. 205 da Consti- tuigao, qualquer restrigao ao acesso a.um ambiente que refita a socieda- do om suas diferengasidiversidade, e que serve como meio de preparar a pessoa para a cidadania, seria uma diferenciacdo ou preferéncia que es- taria limitando, em si mesma o direito 4 igualdade dessas pessoas. Conforme documento editado pelo Ministério Publico Federal—Pro- curadoria-Geral dos Direitos do Cida- «dao - denominado “O acesso de alu- nos com deficiéncia as classes 0 os- colas comuns da rede regular de en- sino", @ de acordo com 0 nove parametro relacionado ao principio da ndo-discriminaeao, trazido pela Con- vengao da Guatemala, espera-se a adocao da maxima (...) trater igual- mente os iguais ¢ desigualmente os desiguais ¢ que se admitam as dife- renciagées com base na deficiéncia somente para pemmitir 0 acesso aos direitos, ¢ nao para o fim de negar 0 exercicio deles. Por esse documento da Proouradoria, caso um aluno com graves problemas motores necessite ‘de um computador para acompanhar suas aulas, esse instrumento deve ser garantido ao menos para ele, se nao for possivel para os outros alunos. Trata-se de uma diferenciagao, em razao de uma deficiéncia, mas para permitir que ele continue tendo aces- 30 a educacao, como todos os de- mais colegas. Pela Convengao, nao sera configurada uma discriminagao, 58 a pessoa nao for obrigada a acel- tar essa diferenciacao. ‘A Convengéo da Guatemala nao esta sendo cumprida, atualmen- 42 te, conquanto ja tenha ocorrido a sua intemalizacao 4 nossa Constituigao Ela representa um avango no sentido de se abolirem todas as normas © Jiretrizes educacionais, escolares, que garantiam as pessoas com defi ciéncia o direito de acesso e freqaén- cia 20 ensino regular “sempre que possivel”, “desde que capazes de se adaptar’. Essas situagoes 20 tipicas da modalidade de insercao escolar de que tratamos anteriormente — a “integragao", que ainda ¢ bastante forte, principaimente no Brasil Esse documento nos faz rever, também, a Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Nacional, LDBEN/1996, nna parte que prescreve como opcio- nal 0 direito das pessoas com deficiéncia e de seus pais ou respon- saveis “educagao especial”. No geral @ na pratica, tal direito 6 des- respeitado pelas escolas e por pro- fissionais que indevidamente a pres- crevem @ impdem aos alunos com de- ficigncia e aqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem. Para nos ajustarmos a Conven- 80, € indispensavel que dos os encaminnamentos de alunos com deficiéncia a servigos complementa- res a escolarizagao ou a atendimen- tos clinico-terapéuticos tenham a con- cordéncia expressa dos pais/respon- saveis ou do aluno, quando possivel. (Os nossos estabelecimentos escolares t6m, por forga da loi, de adotar praticas de ensino adequadas as diferengas dos alunos em geral, oferecendo alternativas que contem= plem suas especificidades. Os ser- vicos complementares @ escola- rizagao, acima referidos, que se fize- rem nacessérios para atendar a5 ne- cessidades educacionais dos edu- candos, com e sem deficiéncias, pre- cisam ser oferecidos, mas com a ga- rantia de que nao discriminem, nao fagam restrigoes @ exclusdes, como comumente ooorre, nos programas de reforgo escolar e em outros que se dizem de apoio, para que alguns alu- nos possam se recuperar dos seus atrasos escolares. Seriam esses atra- 808 de alguns alunos ou da escola, ‘em sua organizacao pedagégica re- trograda, arcaica @ excludente? Como 0 acesso a todas as s6- ries do ensino fundamental é obriga- tério e incondicionalmente garantido a todos os alunos de sate a 14 anos, 695 critérios de avaliagao @ promogao com base no aproveitamento escolar, previstos na LDBEN/1996 (art. 24), terdo de ser reorganizados para cum prir os principios constitucionais da igualdade de direito ao acesso © per- manéncia na escola, bem como aos niveis mais elevados do ensino, da pesquisa da criacdo artistica, se- ‘gundo a capacidade de cada um. Para que se cumpra a Conven- 80 da Guatemala, os érgaos respon- séveis pola omissao de atos norma- tivos infralegais @ administrativos re- lacionados a educagao (Ministério da Educagao, conselhos de educacaio 6 secretarias de todas as esferas ad- mministrativas) deverao emitr diretrizes para a educagao basica, em seus res- pectivos 2mbitos, com orientacdes adequadas o suficientes para que as escolas em geral recebam com qua- lidade todas as criangas @ adolescen- tes. Ao defender as pessoas com deficigncla de situagdes de diserimi- ago, a Convengao da Guatemala & ‘0 brado mais recente em favor do di- reito de ser, sendo diferente, na es- cola. Mas hé ainda outros avancos na interpretacao de nossas leis que es- clarecem e prescrevem a inclusdo ‘scolar. 5.2 DANECESSIDADE DE SE "RE- SIGNIFICAR” A EDUCAGAO ESPECIAL No Capitulo Ill - Da Educacao, da Cultura do Desporto, a Consti- ‘ao diz, em seu art, 208, que o dover do Estado com a educagao sera efetivado mediante a garantia de: (..) atendimento educacional especializa- do aos portadores de deficiencia, pre- ferencialmente na rede regular de en- sino. Esse atendimento 6 comple- mentar @ necessariamente diferente do ensino escolar e destina-se a aten- der as especificidades dos alunos com deficiéncia, abrangendo princi- palmente instrumentos necessarios & eliminagao das barreiras que as pes- R CEU, Brala,n.26,p. 944, jul et 2004 soas com deficiéncia naturalmente tém para relacionar-se com o ambiente extermo, como por exemplo: ensino da Lingua Brasileira de Sinals - LIBRAS; ensino de Lingua Portuguesa para surdos; Sistema Braile; orientacao € mobilidade para pessoas cogas; Soroban; aludas técnicas, incluindo informatica; mobilidade © comunica- 20 altemativa/aumentativa; tecno- logia assistida; educagao fisica es- pecializada; enriquecimento @ apro- fundamento curricular; atividades da vida auténoma e social. © atendimento educacional especializado funciona em moldes similares a outros cursos que suple- mentam conhecimentos adquiridos nos niveis de ensino basico @ sups- rior, como é 0 caso dos cursos de lin- guas, artes, informatica @ outros. Mas, diferentemente de outros cursos l- \vres, oatendimento educacional es- Pecializado foi explicitamente citado na Consiituigdo Federal, para que alu- nos com deficiéncla pudessem ter acesso ao ensino escolar regular. Essa garantia, além do acesso, propicia- ihes também condigdes de freaven- tar a escola comum, com seus cole- gas sem deficiéncia @ da mesma fai- xa eldria, no ambiente escolar, que nos parece o mais adequado para a quebra de qualquer acao discrimi- natéria @ favorece todo tipo de interagao promotora do desenvolvi- mento cognitivo, social, motor, afetivo dos alunos, em geral A Constituigao admite ainda que o atendimento educacional espe- Gializado seja oferecido fora da rede regular de ensino, em outros estabe- lecimentos publicos particulares, dedicados unicamente a esse fim, como as instituigbes especializadas fm pessoas com deficiéncia, em ge- ral, de cunho beneficente ou nao. © direito a0 atendimento edu- cacional especializado esta igualmen- te previsto nos arts. 58, 59 e 60 da Lein, 9394/96 - LDBEN que, para ndo ferir a Constituigdo, a0 usar a expres- sao “educagao especial” deve fazé- lo, segundo’ sua nova interpretacao, baseada no que a Constituicao ino- Vou, 20 prever o atendimento educa- cional especializado, ¢ nao mais a educagao especial, como constava das lagisiagoes anteriores. Dizemos uma nova interpretagao da educagao especial, pois esta sempre foi vista como a modalidade de ensino que podia substituir a escolaridade requ- far, em escolas comuns. Das modalidades de ensino referidas na LDBEN, a educagao de jovens ¢ adultos 6 a'unica com caré- CEL, Beaslia, 26, p. 35444, jul et 2004 ter substitutivo, pois existe para que 98 alunos que nao cursaram o ensi- no fundamental na faixa etaria pré- pria dessa etapa da educacao basi- ca tenham uma outra oportunidade de freqienté-lo e possam dar pros- seguimento aos seus estudos sub- sequentes. A educagao especial, om sua nova concepeao, apenas perpassa & complementa as etapas basica e su- perior da educagao porque, sendo uma modalidade, nao constitul um nivel de ensino. Por esse motivo, o& alunos com deficiénoia, especialmen- te 0s que estéo em idade de cursar 0 ensino fundamental (dos 7 aos 14 anos de idade), nao podem frequen- tar unicamente os servigos de edu- cacéo especial (classes especiais, salas de recursos outros). Devem, obrigatoriamente, estar matriculados ¢ frequentando regularmente as tur- mas de sua faixa otatia, nas escolas comuns. Trata-se de cumprir uma determinagao legal. que diz respeito 0 dirsitoindisponivel de todo 6 qual- ‘quer aluno a educagao @ que, nao sendo acatada, pode acarretar aos pais e responsaveis as penalidades decorrentes do crime de abandono intelectual de seus flhos. Embora existam pessoas com deficiéncias bastante significativas, nao podemos esquecer que, como alunos, t8m 0 mesmo dirsito de aces- 0 a educagao ~ em ambiente esco- lar ndo-segregado - que os seus pa- tes com deficiéncias menos severas 08 alunos sem deficigncia da mes- ma faiva de idade. A participagao de alunos severamente prejudicados nas salas de aula de escolas comuns deve ser, portanto, garantida para que eles possam se beneficiar do ambiente regular de ensino aprender confor- me suas possibilidades. Esses alu- nos, de fato, provocam mudangas drdsticas e necessarias na organiza- 80 escolar ¢ fazem com que seus colegas e professores vivam a expe- rincia da diferenga nas salas de aula, O papel da educagao especial, na perspectiva inclusiva, 8, pois, mui to importante e nao pode ser negado, mas dentro dos limites de suas atri- buigdes, sem que sejam extrapolados (98 seus esparos de atuacao especifi- a. Essas atribuigoes complementam e apciamo proceso de escolarizacao de alunos com deficiéncia regularmen- te matriculados nas escolas comuns. 6 CONSIDERAGOES FINAIS Diante de todo o exposto, a conclusao ¢ de que precisamos re- verter a situagao critica de nossa es- cola, marcada pelo fracasso © pola evasdo de parte significativa de seus alunos, marginalizados pelo insu- cesso, pelas privagdes constantes & pela baixa auto-estima, resultante da fexclusao escolar @ social Os alunos com deficiéncia constituem grande preocupacao para 08 educadores inclusivos, mas a maioria dos alunos que fracassam nas escolas so criangas que nao vem do ensino especial, mas possivelmen- te acabarao nelo"™! So protendemos que a escola seja inclusiva, & urgente que seus pianos se redefinam para uma edu- cagao votada a cidadania global, ple- 1, livre de praconcsites © disposta a reconhecer as diferencas entre as passoas @ a emancipacao intelectual. Nao basta uma educacao para a ci- dadania, 6 preciso educar para a li berdade @, nesse sentido, nenhuma forma de subordinacao intelectual pode ser admitida, 0 mito pedagégico do profes- sor como explicador, eo préprio prin- cipio da explicagdio, como nos ensi- nou Jacotot, é a origem da subordi- nagao intelectual, pois esse principio, que distingue uma inteligéncia supe- rior, que dominao conhecimentoe ou- tra, inferior, que se subjuga a esse dominio, permite ao professor, segun- do Ranciere (..) transmitir seus co- nhecimentos, adaptando-os 4s capa- cidades intelectuais do aluno, e ver ficar se 0 aluno entendeu o que ace- ou de aprender . Temos de inver- ter a légica do sistema explicador Porquanto, segundo uma educagao libertadora,(..) € 0explicador que tem necessidade do incapaz endo 0 con- trario, & ele que constitui o incapaz como tal Em todo o mundo despontam, aqui 9 ali, propostas similares de transformacao das escolas que mui- to nos animam, pois reafirmam a nos- sa determinacdo € de outros educa dores de asseguraro plano direito dos escolares 2 uma educagao de quali- dade®, Certamente nao existe regra geral para construira escola que que- remos — uma escola para todos. Mas podemos nos aproximar cada vez mais dela, se encararmos a transfor- magao das escolas que hoje temos da forma mais realistica possivel, abolindo tudo 0 que nos faz pensé- las organizé-las a partir de mode- los que as idealizam, como temos felto até entao, Ja se Impoe, mesmo timidamente, uma tendéncia de reorientagao das escalas, segundo 43 uma logica educacional regida por principios sociais, democraticos, de justica, de igualdade, contrapondo-se que & sustentada por valores eco- némicos e empresariais de produtivi- dade, competitividade, eficiéncia, modelos ideais, que tantas exclusdes tém provocado na educagao, em to- dos 05 niveis. Temos de acreditar @ dar uma grande virada na educagao escolar. Os desafios para a concre- tizagao dos ideais inclusivos na edu- cacao brasileira sao inimeros, como se pode percaber do que aqui expu- semos. Se, do ponto de vista legal, temos de coneiliar os impasses entra nossa Constituigao @ as leis inftacons- titucionais referentes & educacao, do onto de vista educacional é urgente estimular as mudangas, buscando e divulgando novas praticas pedagégi- cas, experigncias de sucesso, sabe- res adquiridos em estudos desenvol- vides no cotidiano das nossas esco- las, Ha ainda de se vencer os de- safios que nos impde 0 conserva- dorismo das instituigdes especiali- zadas @ enfrentar as presses poll!- cas e das pessoas com deficiéncia, ainda muito habituadas a seus rétu- los ¢ a beneficios que acentuam ait capacidade, a limitagao, 0 paterna- lismo © 0 protecionismo social. essencial 6 que os investi- mentos atuais e futuros na educagao brasileira nao repitam 0 passado & reconhegam e valorizem as diferen- gas na escola. O nosso problema se Concentra em tudo 0 que toma nos- sas escolas injustas, discriminadoras e excludentes, e que, sem soluciona- Jo, nao conseguiremos o nivel de qua- lidade exigido de uma escola mais, que especial, onde os alunos te- nham o direito de ser (alunos), sen- do diferentes. INOTAS BIBLIOGRAFICAS CERTEAU, Michel de. A invengéo do cofalano — 1: anes do fazer. Trad. de Ephvaim F. Aves, Petropolis: Vozes, 1994 2. SANTOS, Boavertura Ge Souza. Ertvisea como Prof Bosvantura de Souze Santos Diggonivel em: Acesso em: 1985, 3. MORIN, Edgar. A cabega bem feita repensar a referma, ceoimar © pensa. mmanto Trad. de Sled Jaccbna, 43. Flo de Jansito: Bernd Brasil, 2001 4 SILVA, Tomas Tadeu da. Jdentidage orferenca: a perspectiva dos estudos cuturais: Pat épols: Vozes, 2000, 44 5 SANTOS, op, it 6 HALL Stuan. Aicentoade cutwalnapée- modernisade. Tad, de Tomes T da Sivas Guaora L. Loure. Re de Janero: DPA 7. SILVA, op. ct: SERBES. Michel. Flasoia mestga ie fers ~ tut. Trad de Mara, Ignez D. 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She states that, under the legal viewpoint, one must conciiate the dead ends between the Btazllan Consttuton of 1988 — which does nat allow d\farantaon base on sleablity ~ and the infe-constituional laws concerning curation On he other hand, under the educational viewpoint, iis urgent foster changes, search for new padagogee practices end suonesstu experiences andto spread them in our sonoaks, Wn a view t© oreating me inclusive ‘sohock she accuces that mperatve the ‘education redefinition, which should aim et & global ul ctzenship, fe rom precces, anc feagy 10 recognize the aifersnces among people. Furhetmare, she uncerstande that, (Gespite he mportance of special education, {does net constitute a level at edueation anc ‘must abide by the mts of s dutes as well as ‘complement the handicapped students" ‘sohoaling prooess whe are regulary ervoledin ‘ordinary schools KEYWORDS - Education - special, asic, elementary, inclusive: integration, Inclusion: Brazkan Consttuton cf 7288 ~ article 208; Brazilan Sign Language ~ Livas: Baile ‘stem; Law n. 9.50406, Maria Teresa Eglér Mantoan 6 pro- fessora da Faculdade de Educagao da Universidade Estadual de Campi- nas - Unicamp/SP. Bras n. 28,p. 36d, jet, 2008

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