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Pelotas, 2021
Lucas Cantos da Rosa
Pelotas, 2021
Lucas Cantos da Rosa
Banca examinadora:
Durante os quatro anos de graduação esse foi o momento mais esperado. Sinto
nesse instante um sentimento de realização por concluir um sonho antigo e, que hoje
se torna realidade.
Agradeço à Deus pela vida e por ter me cuidado durante esses quatro anos de
graduação. À minha mãe, Cintia, que de uma forma muito especial desempenha um
papel fundamental na minha vida, se doando ao máximo para que eu realizasse meu
sonho. Se estou escrevendo esses agradecimentos hoje, foi graças a essa pessoa
amiga e companheira que tem um coração enorme e sempre nas dificuldades me
incentivou e esteve ao meu lado.
Faço um agradecimento especial ao meu orientador, Aristeu, que sonhou junto
comigo, me mostrou o caminho, corrigiu no momento certo, instruiu para que o trabalho
fosse o mais completo possível.
À minha namorada, Cristiane, que esteve ao meu lado, durante essa graduação
e, sempre me manteve no caminho para continuar trilhando esse sonho.
À minha avó, Edity, que de uma maneira especial torceu por mim e, sempre
acreditou nos meus sonhos.
Faço um agradecimento especial também ao meu amigo, Elson, por contribuir
na minha graduação, com conselhos, conversas e auxílios no inglês.
Por fim, aos meus professores do Curso de História, que indicaram o caminho,
sempre trabalhando com a ciência ao nosso lado. Com eles, aprendi que História é
viajar no tempo sem sair do presente. À Universidade Federal de Pelotas, por me
acolher e se tornar minha segunda casa, por quatro anos.
Resumo
ROSA, Lucas Cantos da. “I like being interpreted more than explaining myself,”
Cinema and History: Analysis of the movie “Getúlio.” 2021. 56. Course Completion
Paper, Institute of Human Sciences, Federal University of Pelotas, Pelotas, 2021.
Historical research has several elements for its research objects, one of them is
Cinema. Film productions are considered visual sources that transmit a different
communication for those studying them, enabling us to enter into countless History
searches. Other objects entered the scene to be investigated with the renewal of
History in the 1960s and 1970s. One of them was the cinema. The film provides the
researcher with a new methodological path for his research, not just sticking to the most
common research objects but expanding these for the contribution within
historiography. The analysis aims to understand how History and Cinema can be allied
concerning new methodological paths and analyze how other researchers approach the
theme of cinema. At first, bringing the relationship between History and Media and its
development over time within the digital age we live in. At a second moment, analyze
the film “Getúlio” directed by João Jardim, released in 2014, and reflect, from a
bibliographical review, how historians approach the figure of Getúlio Vargas in his works
and how this film in question portrays Vargas, in his final moments in the presidency of
the republic.
Keys-words: Cinema and History; Getulio Vargas; New History; Second government
of Vargas
Lista de Figuras
Introdução ............................................................................................................... 09
Conclusão ............................................................................................................... 52
Fontes ...................................................................................................................... 54
Referências ............................................................................................................. 54
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Introdução
Este trabalho que tem como objetivo a análise do filme Getúlio, do ano de
2014 e, busca através de uma revisão bibliográfica mostrar como a representação
de Vargas é feita tanto no filme analisado como nos livros além de mostrar, qual
figura é trabalhada pelos idealizadores e diretores da obra cinematográfica. O
próprio título do trabalho faz referência não somente a uma das biografias sobre a
vida de Vargas, a qual se pauta nos diários de Getúlio, mas como na cena final do
filme, que realiza um fechamento com a frase “gosto mais de ser interpretado do
que de me explicar”. O trabalho pauta-se em mostrar como o cinema é uma fonte
inesgotável de pesquisa, abrindo diversas possibilidades para pesquisas em
diversos segmentos da História, a título de exemplo, trabalhar com a Idade Média,
que possui diversas obras que fazem referência ao período. Esse trabalho se
dedica em analisar o filme, já citado, além das questões pertinentes que são
levantadas pela obra. O objetivo desse trabalho orientasse a partir do cinema
como fonte, mostrando sua importância no meio acadêmico e como os novos
pesquisadores podem pautar-se em novas ferramentas de pesquisa, que outrora
foram levantadas pela Nova História Cultural.
Em determinados momentos o filme revela algumas curiosidades do ex-
presidente, trazendo ao público, gostos, por exemplo, pelo churrasco de São Borja,
no Rio Grande do Sul, mas também que ele não sabia amarrar o sapato. O filme
explora esse lado de curiosidades, mas também abre a possibilidade de
problematização. Isso realmente é uma representação? Isso está contido no real?
Podemos considerar que Getúlio Vargas, na forma que nos é apresentado no filme
não está sendo construído para passar a imagem de um homem limitado e
tentando deixar de lado a sua história de ditador? São apenas breves
questionamentos que podemos realizar nesse trabalho a partir da análise do filme.
Rossini (1999) dialoga com as mudanças do século XIX, a autora expõe que
com a Revolução Industrial, um estilo de mudanças ocorre na humanidade e, com
ele inúmeras invenções são realizadas e, com elas, os novos meios de
comunicação. Monica Almeida Kornis (1992) que debate em um de seus trabalhos
a temática de história e cinema, escreve que a sociedade do século XXI está
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representação.
Segundo Quinsani (2010), no momento que Marc Ferro escreve o artigo
relacionado com o tema “O filme”, o autor busca traçar pontos e deixar cada vez
mais claro, que o filme pode e deve ser considerado um documento para se
trabalhar na História. O cinema, como já citado, abre um leque de possibilidades
para se estudar, qualquer imagem pode ser analisada a partir dos filmes, Marc
Ferro, de acordo com Quinsani (2010) denomina essa nova área como “sócio-
histórica cinematográfica.” (2010, p. 66).
O cinema é um elemento que perpassa o próprio filme, ele acaba se
tornando um agente da história, parte importante que conta a História, de uma
maneira diferente dos livros e outros documentos escritos: “a imagem
cinematográfica vai além da ilustração: no seu verso está expressa a ideologia dos
realizadores e da sociedade.” (QUINSANI, 2010, p. 66) A partir disso, o autor
fomenta que podemos desvendar o que não está visível, aos nossos olhos comuns,
com um olhar crítico, podemos compreender e buscar nas obras cinematográficas
uma forma de revelar o que foi pensando de forma oculta.
Entrando na análise do filme, de maneira introdutória, pois no capítulo dois,
haverá uma discussão maior, Nildo Ouriques (2014) menciona a fala de uma das
idealizadoras do projeto do filme Getúlio que transmite a mensagem que eles,
como idealizadores e direção gostariam de passar para a sociedade, ao passo que
os indivíduos, de forma emocional se envolvessem com a obra e, assim seriam
cativados pelo projeto, que ao assistir o público ficasse fascinado com o que está
sendo representado, pois esta é a história do nosso país. No entanto, a proposta
que desenvolvo neste trabalho é realizar, a partir da historiografia, uma análise de
como a figura de Getúlio Vargas é construída, nos trabalhos acadêmicos e, como
essa mesma figura é retratada no cinema, em especial no filme Getúlio (2014). é
também importante destacar que Vargas é retratado, quase sempre, na
historiografia, com grandes glórias, um líder de destaque na História do país,
entretanto, ao analisarmos o filme, podemos perceber que Vargas não é retratado
com toda essa glória.
A partir desse contexto, podemos realizar diversas problematizações a
respeito do que os autores e diretores do filme queriam transmitir para aqueles que
são apaixonados por filmes, ou até mesmo filmes históricos, ou apenas curiosos. A
intenção de passar para o público um lado do “bom velhinho” de Vargas, aquele
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Capítulo 1
O Cinema e a História
É na década de 1970 que surge a nova História Cultural, ela traz consigo
inúmeros elementos capazes de fomentar ainda mais a produção de conhecimento.
Segundo Peter Burke, ela não é uma descoberta nova, pois já existia na Alemanha,
entretanto com um nome diferente, há pelo menos mais de 200 anos, antes que
houvesse essa virada, como o autor vai chamar, as áreas de conhecimentos
trabalhavam de formas separadas, conforme o autor:
a abordagem interna trata da presente renovação da história cultural como
uma reação às tentativas anteriores de estudar o passado que deixavam
de fora algo ao mesmo tempo difícil e importante de se compreender. De
acordo com esse ponto de vista, o historiador cultural abarca artes do
passado que outros historiadores não conseguem alcançar. (BURKE,
2005, p. 8)
No que tange uma visão mais externa, Burke ainda comenta que a história
cultural agrega em diversos conhecimentos, outrora esquecidos, bem como
percepções que antes não eram vistas, sobre pobreza, medo, cheiro, moda, etc.
Com toda essa virada cultural, encontramos as mídias como pertencentes desse
bloco tais como, os games, as HQs, o cinema, o jornal, entre outros elementos que
podem vir a se tornar objetos de pesquisa.
Ciro Flamarion Cardoso e Ana Maria Mauad (1997), afirmam que a partir do
momento que Bloch e Febvre anunciam que os historiadores saiam de sua zona de
conforto, e partiam para novas experiências, mudanças começaram a ocorrer. Os
autores comentam que o trabalho com fontes não verbais era um desafio, que
muitos pesquisadores não queriam enfrentar, para muitos “a história faz-se com
textos” (1997, p. 568). Essas mudanças partem no sentido de observar não mais o
individual, uma época isolada ou afins, mas partindo para uma investigação do que
os autores irão chamar de transindividual. A partir disso,
16
uma boa história, mas aquele que vende uma boa história que seja
comprada e consumida pelas pessoas. (REBLIN, 2016, p. 26)
Abordando mais aspectos da cultura pop, o autor ainda pondera que por
conta de trabalhar com as opiniões políticas, essas mídias que fazem parte da
cultura pop elas não apenas representam a vida de uma sociedade, mas também
constroem as identidades, algumas narrativas, além de uma base ideológica. O
autor ainda afirma que
se ocupar com a cultura pop na academia, significa, em última instância,
verificar como as pessoas estão cotidianamente adaptando, criando,
transformando, usando símbolos, mitos, modelos, produzindo sentidos,
alimentando desejos dentro do ambiente contemporâneo de suas vidas
privadas e sociais, considerando aqui todas as nuances e as imbricações
de uma rede complexa de relações (econômicas, sociais, religiosas,
mercadológicas, políticas, culturais) que constituem essas mesmas vidas.
Em última instancia, ocupar-se com a cultura pop e seus inúmeros
desdobramentos em termos de produtos e seus impactos, é se ocupar
com a cultura do nosso tempo. (REBLIN, 2016, p. 28 e 29)
Lopes Filho (2019) ainda comenta que a resistência por parte dos
pesquisadores, faz referência a dois cenários, o das coisas sérias e o das coisas
não sérias. Para o autor, no cenário das coisas sérias podemos encontrar objetos
de pesquisa considerados relevantes para a academia, já no campo das coisas
não-sérias estão “abarrotado de (potenciais) objetos de pesquisa, se encontra tudo
aquilo considerado não relevante para o desenvolvimento dessas mesmas áreas
do conhecimento.” (LOPES FILHO, 2019, p. 25)
Segundo o autor (2019) no cenário das coisas não-sérias, um enorme
potencial de discussão, de pesquisa, de novos saberes está esperando
pesquisadores que tentem se reinventar, buscar novos objetos, novas formas de
análise. Lopes Filho (2019, p. 26) ainda comenta que andar pelo caminho das
coisas não-sérias inúmeras vezes trás não haver incentivo, os recursos, por vezes,
são limitados e há um desencorajamento por parte dos pares da mesma área de
conhecimento, de mestres e doutores.
Acionando a autora Beatriz de Carvalho (2007) podemos perceber em um
de seus trabalhos que a autora comenta que a valorização dos quadrinhos vai
ocorrer na Europa, na década de 1960 e, isso se dá por conta de obras como de
Umberto Eco que era um importante teórico das artes plásticas, segundo Carvalho
19
reflexão do passado. Segundo as autoras (2007, p. 258) o passado “não nos lega
testemunhos neutros e objetivos e que todo documento é suporte de prática social,
e por isso, fala de um lugar social e de um determinado tempo, sendo articulado
pela/na intencionalidade histórica que o constituiu.”
A imprensa, segundo Cruz e Peixoto não foi constituída para ser uma fonte
histórica, onde os pesquisadores buscam e através dela realizam suas pesquisas e
afins, ela nasceu como uma representação da vida cotidiana, do social, ela “detém
uma historicidade e peculiaridades próprias, e requer ser trabalhada e
compreendida como tal, desvendando, a cada momento as relações
imprensa/sociedade, e os movimentos de constituição e instituição do social que
esta relação propõe. (2007, p. 260)
É através de elementos midiáticos que surgem trabalhos voltados a esse
tema no meio acadêmico, como por exemplo, falarmos sobre determinado período
da História do Brasil, no que tange a linha temporal da Ditadura Civil militar,
encontraremos diversos documentos oficiais para pautar diversas pesquisas, mas é
na arte que encontraremos, em diversos momentos, expressões contra a ditadura,
músicas contra a ditadura, charges, manifestações que saiam na imprensa e,
através desse objeto, que é o jornal, podemos hoje observar e refletir sobre o
pensamento da sociedade nas décadas de 1970 e 1980. Podemos aqui perceber
que a imprensa possui um grande potencial para contribuir ainda mais nos
trabalhos acadêmicos. Cruz e Peixoto ainda comentam que um dos pontos
principais para considerar a imprensa como fonte é
enfrentar a reflexão sobre a historicidade da Imprensa, problematizando
suas articulações ao movimento geral, mas também a cada uma das
conjunturas especificas do longo processo de constituição, de construção,
consolidação e reinvenção do poder burguês nas sociedades modernas, e
das lutas por hegemonia nos muitos e diferentes momentos históricos do
capitalismo. (2007, p. 257)
Para as autoras (2007) com essa reflexão acima, é importante não apenas
ter a imprensa como um elemento de narrativas, mas tornar a imprensa, como elas
chamam, de “força ativa” (2007, p. 257), pois somente assim partiremos de uma
fonte passiva para ativa, dentro das necessidades da constituição dos diversos
modos de vida e acontecimentos. Ainda podemos considerar que, segundo Cruz e
Peixoto (2007), a escolha da imprensa como fonte histórica é pautada em escolhas
21
que o próprio pesquisador irá realizar, só que para isso se faz necessário um trato
tanto na questão teórica quanto na questão metodológica.
Um dos pontos da questão da imprensa a ser discutido e que fora
mencionado por Cruz e Peixoto (2007) é que a imprensa necessita ser
problematizada, discutida, analisada, investigada não de forma isolada, mas
conversando com diversas áreas, como, por exemplo, na questão social ou política,
vínculos com demais áreas devem ser feitos para que haja, primeiramente uma
pesquisa de fato relevante, é necessário “as conexões e vínculos não só com a
história de outras formas de comunicação, mas também com a história social mais
ampla (...).” (2007, p. 258).
Em relação ao cinema, outra mídia também com um uso mais frequente na
historiografia, é o assunto do tópico seguinte que iremos abordar certos detalhes
para compreender o cinema como uma fonte.
1.2 O cinema
O cinema, segundo Costa (2006) deu seus primeiros passos em 1895,
mas ainda não estava totalmente solidificado, pois estava ligado a outras formas
culturais, vale ainda ressaltar que “os aparelhos que projetavam filmes apareceram
como mais uma curiosidade entre as várias invenções que surgiram no final do
século XIX.” (COSTA, 2006, p. 17) Tudo era novidade para a sociedade da época,
tudo fruto das inovações tecnológicas que estavam surgindo para aquele
determinado período. Rossini (1999) comenta que todo o processo de
transformações tecnológicas que surgiam, era fruto de inovações a partir da própria
Revolução Industrial, nesse momento, como num dito popular, “as portas se
abrem” para novas invenções em diversas áreas e uma delas era o próprio cinema.
Conforme Barros irá escrever sobre o cinema podemos destacar que
considerado por muitos a ‘arte do século’, ele tem constituído, a partir de si
mesmo, uma linguagem própria e uma indústria também específica, e à
par disto não cessou de interferir na história contemporânea ao mesmo
tempo em que seu discurso e as práticas foram se transformando com
esta mesma história contemporânea. (BARROS, 2011, p. 177)
Segundo Oliveira (2002), no início do século XX, os historiadores não
utilizavam fontes não escritas e por muito tempo assim o fizeram, apenas as fontes
escritas eram “utilizadas pelo historiador consagrado, entre aquelas que formavam
22
esse trabalho tem como um dos objetivos, assim como outros trabalhos dentro do
conhecimento científico, se propõe a analisar o filme com um olhar de pesquisador,
historiador, preparado para realizar críticas, apontamentos e uma análise a partir
de diversos campos que nos auxiliem na problematização do trabalho em questão.
E essa problemática de mudança da História para o apelo ao público, será definida
mais para o final deste tópico.
De acordo com Faria o cinema representa a modernidade, um símbolo de
novas fontes que surgem para alçar as pesquisas a um novo patamar, a obterem
novas percepções, segundo Faria “o cinema significou também um meio
extraordinário de circulação do conhecimento, de difusão de novas expectativas e
valores culturais.” (2012, p. 83 apud OLIVEIRA, 2006, p. 135) Barros ainda
complementa sobre o uso do cinema como fonte dizendo que
se o uso do gravador e da fotografia veio trazer instrumentos
importantíssimos para os antropólogos e sociólogos dos últimos tempos,
as práticas cinematográficas vieram trazer uma contribuição fundamental
ao acenarem com a possibilidade do uso filmagem nas pesquisas ligadas
às ciências humanas, aqui considerando que a filmagem permite a
captação de imagens-som em movimento para posterior análise (por
exemplo, o ritual de uma tribo indígena ou as imagens de um determinado
distúrbio social) (BARROS, 2016, p.21)
O estudo do cinema como fonte histórica, como pontua Barros (2011), por
conta do número de obras cinematográficas que existem, e também em especial,
as obras que fazem menção a História, é um campo totalmente novo, pouco
explorado e uma fonte cheia, esperando que pesquisadores caminhem até ela,
Barros ainda consolida seu pensamento, dizendo que
a partir de uma fonte fílmica, e a partir da análise dos discursos e práticas
cinematográficas relacionados aos diversos contextos contemporâneos, os
historiadores podem apreender de uma nova perspectiva a própria história
do século XX e da contemporaneidade. (BARROS, 2016, p. 19)
O cinema, como um elemento de pesquisa, está cada vez mais ganhando
espaço no meio acadêmico, no entanto, outros elementos de pesquisa, digamos,
mais consagrados no meio dos pesquisadores, como livros, cartas, documentos
ainda lideram, possivelmente, como as principais fontes de pesquisa. Por ser um
campo novo, o cinema tende a caminhar em passos mais curtos para chegar a ter
uma notoriedade dentro dos objetos de pesquisa, entretanto Vitória Azevedo (2008)
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pondera que a justificação do cinema como uma fonte histórica já não se faz mais
necessário, pois já é um campo que está solidificado. Mas para além disso, pautar-
se em cima do cinema, como sendo uma fonte, traz diversas possibilidades para os
pesquisadores, Barros, pontua que “os historiadores políticos e culturais podem
examinar os diversos usos, recepções e apropriações dos discursos, práticas e
obras cinematográficas.” (2011, p. 178). O cinema, que tende a História como seu
produto final, está repleto de discussões, temas a serem trabalhos,
problematizações, cabe ao pesquisador utilizar-se dessa fonte para realizar essas
discussões.
Para Kornis
as fontes são os vestígios do que foi, são as marcas que permitem
reconstruir os acontecimentos de outras épocas. Por isso, para o
historiador, fonte implica algo que encerra a verdade, pois é ela que o
levara a reconstruir os fatos, o mais fielmente possível, e deles extrair sua
significação histórica. Para aquele profissional, apoiado exclusivamente na
razão, isso significou aceitar basicamente aquelas fontes que tivessem
sido produzidas racionalmente, como por exemplo um texto de caráter
oficial, ou de natureza administrativa ou política. (1992, p. 41 e 42)
Problematizando o próprio trabalho de Kornis, o historiador precisa observar
a fonte e desconfiar dela realizando perguntas, buscando sempre tentar extrair o
máximo daquela fonte, pois não há verdade absoluta, além disso Kornis escreve
para o século XX, nesse contexto, havia se iniciado o trabalho com as mídias, mas
ainda era em menor escala do que no século XXI. O pensamento dos
pesquisadores outrora era diferente, buscando sempre se utilizar de fontes oficiais,
como ela mesma pontua ou de outras naturezas, mas para o século XX, o cinema,
assim como, as HQs, os games, jornais, era algo impensável. Conforme Kornis
alimenta em seu trabalho, “acreditava-se que a partir deles não era possível se
produzir um conhecimento objetivo, científico, racional e aceitável dentro dos novos
cânones que conduziam as pesquisas nas mais diversas áreas.” (1992, p. 42)
A História, segundo Azevedo (2008), já foi revivida em diversas
temporalidades em obras cinematográficas, desde a Pré História, até a Idade
Contemporânea temos representação da História nas telas dos cinemas. Filme
como Os Croods, que retrata uma família que vive na Pré História, é uma forma de
informação, de passar para o público uma mensagem, esse público em especial,
26
1Base da análise extraída do podcast 022 Círculo de Fogo: cinema, História e distorção do canal
Leitura ObrigaHistória.
27
Capítulo 2
feitos ainda fazem parte no nosso presente. Destaco aqui, a visão de Bresser-
Pereira, como um economista, cientista social e político, que afirma
primeiro, que o estadista é o dirigente político que, não obstante suas
próprias fraquezas e hesitações, tem a visão antecipada do momento
histórico que seu país ou sua nação está vivendo e tem a coragem de
enfrentar o velho em nome do novo; segundo, que um momento decisivo na
história de um povo – o da Revolução Nacional e Industrial – é aquele no
qual esse povo se transforma em uma Nação não apenas formal mas real,
ao mesmo tempo em que completa sua transição para o capitalismo; e,
terceiro, que a democracia só se consolida em um Estado-nação depois que
ele completou sua Revolução Capitalista, de maneira que o controle direto
do poder político deixa de ser condição necessária para a apropriação do
excedente. Sob estas três perspectivas, concluo que Getúlio Vargas foi o
grande estadista que o Brasil teve no século XX. (BRESSER-PEREIRA,
2009, p.3)
Para compreender um pouco sobre quem é Getúlio Dorneles Vargas,
podemos acionar alguns pesquisadores para embasar nossa análise. Em
consonância com Maria Cecilia D’Araújo (2017) Vargas começou sua liderança
política no ano de 1906 quando foi escolhido para dar boas-vindas ao presidente da
época, Afonso Pena, quando este esteve no estado do Rio Grande do Sul. A autora
ainda comenta que no ano seguinte a este episódio, Vargas vai fundar um Bloco
Acadêmico Castilhista para fazer campanha para o candidato republicano à
presidência do estado do Rio Grande do Sul, o que resultou na sua vitória. Mas foi
no ano de 1909 que Vargas, segundo a autora, se torna deputado estadual, ele
vinha de uma família com laços políticos fortes, seu pai, por exemplo, era o prefeito
de São Borja, cidade onde moravam. Vargas, segundo a autora, desponta como
sendo um político, líder de movimentos e é no ano de 1913 que ele é reeleito
deputado estadual, mas renuncia por conta de Borges de Medeiros, que havia sido
eleito presidente do estado, e estava intervindo nas eleições do município de
Cachoeira do Sul para beneficiar os seus protegidos.
A carreira política de Vargas é extensa, além de ser eleito como deputado
estadual nos anos de 1909, e também no ano de 1913, entretanto, de acordo com
D’Araújo, Vargas renuncia pouco tempo depois em desacordo com a interferência de
Borges de Medeiros nas eleições de Cachoeira. É no ano de 1917 que Vargas
retorna a política é eleito como deputado estadual e no ano de 1921 reeleito
novamente. No ano de 1922 inicia seu mandato como deputado federal, no lugar de
um representante que havia falecido. E é no ano de 1924 que Vargas mais uma vez
atua como deputado federal. Entre os anos de 1928 e 1930 esteve à frente da
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Giselly Vieira (2015) vai mencionar que Vargas é uma figura representada por
ser um estadista “que se transforma em cristão convicto no poder, erguendo
bandeiras em favor da pátria, de Deus e da família brasileira.” (2015, p.12). A autora
ainda afirma que Getúlio, era um militante que respondia ao Partido Republicano do
Rio Grande do Sul, no entanto, ele “dialoga com os linhas-duras organizados pelo
país nas Frentes Únicas, exércitos e movimento tenentista, além de defender o
pensamento autoritário quando assume o poder federal pela revolução de 1930.”
(VIEIRA, 2015, p. 12). Vargas, como afirma a autora, possui um lado que é mutável
de acordo com cada necessidade, ou seja, ele sabe dialogar com as classes sociais,
embasar seu discurso para apelar a essas classes que são, em sua maioria, o
trabalhador. No entanto, quando bandeiras de regimes totalitários são erguidas na
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Europa, Vargas acaba por aproximar-se dessas bandeiras. Ele foi uma figura que
pensava a frente de seu tempo, primeiro, para perpetuar-se no poder, segundo ele
precisa de mecanismos para que o poder não saísse de suas mãos, ele “impulsiona
a industrialização e traz a vida urbana como proposta da modernidade (...)” (VIEIRA,
2015, p. 12)
Outros autores ainda comentam sobre a trajetória de Vargas, Segundo
Amorim e Bilhão (2010), a base do governo era sólida, ele conseguia dialogar com
diversos setores, inclusive com os militares que buscam apoiá-lo para que estivesse
lado a lado no poder. São Paulo era um estado com mais recursos financeiros que
os demais, eram considerados, por como a “locomotiva da nação (2010, p.1022).
Eles buscavam que o Governo Federal convocasse eleições para a formação de
uma assembleia constituinte. As autoras (2010) frisam que houve uma guerra civil,
no ano de 1932, dois anos após Vargas dar o golpe no que muitos chamam de
Revolução de 1930. A Revolução Constitucionalista, como assim ficou conhecida a
guerra civil, foi contida pelo governo federal, com seus aliados, o Exército. Neste
episódio, relatado por Amorim, vemos que Vargas era um líder de pulso firme, que
em uma linguagem mais informal, apagava qualquer princípio de incêndio para que
seu governo, que nesta época ainda era provisório, fosse bem-sucedido.
Podemos citar Jorge Ferreira que, ao trabalhar o conceito de populismo, vai
mencionar que o país com a liderança de Vargas começa a desenvolver-se e
conclui dizendo que
as elites liberais que perderam o poder em 1930, contrariadas com o
intervencionismo político, os ataques à tradição liberal individualista, a
elevação dos trabalhadores à categoria de cidadãos e as arbitrariedades da
ditadura do Estado Novo, mas sobretudo assustadas com o movimento
queremista, passaram a explicar o apoio dos assalariados a Vargas
ressaltando a demagogia, a manipulação, a propaganda política, a
repressão policial, entre outros fatores, sugerindo uma relação destituída da
reciprocidade: o Estado, com Vargas, surgia como todo-poderoso, capaz de
influenciar as mentes das pessoas; a sociedade – os trabalhadores em
particular -, amedrontada com a polícia e confundida pela propaganda
política estatal do DIP, era transformada em massa de manobra e, portanto,
vitimizada. (p. 8 e 9)
Podemos ainda mencionar autores como Amorim e Bilhão (2010) que
escrevem um pouco do que foi o governo Vargas em seu primeiro momento. As
autoras mencionam que quando abordamos Vargas, em nosso imaginário passa
uma imagem de um líder populista, que buscava dentro do seu projeto político
alcançar o progresso e se tornar uma grande figura. Podemos ainda considerar que
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O filme “Getúlio”, com direção de João Jardim, lançado no ano de 2014, retrata
os últimos dias de Getúlio Vargas no governo e em vida. Tem como roteirista George
Moura e a direção de João Jardim. O filme é estrelado por Tony Ramos como
Getúlio Vargas, e nos papéis principais, Drica Moraes como Alzira Vargas,
Alexandre Borges como Carlos Lacerda, Adriano Garib como o General Zenóbio da
costa, Marcelo Médici como Lutero Vargas e Thiago Justino como Gregório
Fortunato. a produção e distribuição do filme foram feitas através da distribuidora
Copacabana-filmes. cercado por uma pressão política por conta de fortes acusações
pelo atentado ao jornalista Carlos Lacerda, que era um grande crítico do governo de
Vargas, o presidente cometeu suicídio em 24 de agosto de 1954. fazendo um
grande recorte na vida pública dele, o filme trabalha com esses acontecimentos, ou
seja, os últimos passos de Getúlio como presidente. O filme exclui fatos da vida
pública de Getúlio, como por exemplo, o golpe que ocorre no ano de 1930, a
construção da Constituição de 1934, a ditadura do Estado Novo e grandes
41
das falas mais enfáticas de Vargas, no filme, é que ele só sairia do Palácio morto e
assim acontece no final do drama. Poucas cenas desse medo são mencionadas,
mas bem produzidas, a primeira aparição desse medo, mostra Vargas dentro de
um carro, sentado, com a faixa presidencial e, ao sair do veículo, ele olha para as
mãos e imagina que elas estão algemadas. Esse era o seu maior medo, nos seus
últimos dias de vida.
Segundo Schwarcz e Starling, a tese da responsabilidade mais ou menos
direta de Vargas no atentado era uma obsessão de Lacerda, “a qual foi fartamente
explorada por ele antes mesmo do início da apuração policial.” (2014, p. 500)
Vargas foi duramente acusado pelo atentado. As autoras ainda destacam que
possivelmente a oposição acreditasse que Vargas fosse inocente e, até mesmo
Lacerda, entretanto, “a corrupção cresceu à sombra do Catete, e Vargas, mesmo
ignorando a iniciativa criminosa de Gregório, foi leniente e não tinha como fugir da
responsabilidade.” (2015, p. 501)
Figura 4- representação de Gregório penteando o cabelo de Vargas
Gregório Fortunato penteando o cabelo de Getúlio Vargas em um evento público, 1954. ©FGV
hipótese de que no final é através dessa conversa que Vargas decide pelo suicídio.
Cada elemento do filme, compondo as cenas é carregado de significados e essa tem
o seu. O tiro que culminou na sua morte foi disparado por ele, certeiramente em seu
coração, mas ao ser examinado em uma das cenas, ele sequer sabia onde ficava o
coração. O seu filho o orientou mostrando a localização. Isso culmina na cena final.
Figura 7 – Getúlio escutando seus aliados
forma de contextualização.
Figura 8 – O suicídio de Vargas
Por fim, um trecho da carta que Getúlio Vargas deixou resume toda sua
marca na História do Brasil, “(...) eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a
minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da
eternidade e saio da vida para entrar na História.” (VARGAS, 1954).
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Conclusão
O cinema, como uma ferramenta do construir o conhecimento histórico, vem
conquistando espaço na academia, outrora, havia, como já mencionado, uma certa
resistência por parte de alguns pesquisadores em pautar o cinema como sendo sua
fonte. Ao longo do tempo inseriu-se na academia como uma fonte passível de análise
por parte do historiador, quebrando as correntes das fontes mais tradicionais tornando-
se também em principal objeto de pesquisa. Não somente o cinema, mas outros
elementos midiáticos carregam consigo essa mesma missão de servir para a
construção do conhecimento científico.
O cinema, assim como qualquer outra fonte relacionada às mídias, não possui
um pacto com a verdade, assim eles apresentam uma determinada narrativa, repleta
de nuances, que geralmente exploram um lado cômico, de drama, de suspense, etc.
Diversos filmes surgiram para apresentar a Idade Média, por exemplo, não que aquela
representação seja de fato verdade, mas ela busca representar àquele período sob um
determinado olhar. Assim como os filmes da idade contemporânea que trabalham as
guerras, o próprio Capitão América é um exemplo, de que a partir do contexto de
guerra pôde ser criado um personagem que defenderia os Estados Unidos.
Essa ferramenta que baliza nosso estudo pode nos apresentar diversos
elementos para que se crie problematizações, buscando nessa fonte respostas, não
somente no próprio filme, documentário ou similar, mas que a partir da obra possamos
compreender o contexto, a narrativa, o pensamento da época. Todos esses aspectos
contribuem para a construção do conhecimento científico. A exemplo disso, o próprio
filme analisado é lançado no dia 1º de maio de 2014 – Dia do Trabalhador –, fazendo
referência a Getúlio Vargas que é reconhecido por uma parcela da sociedade como
sendo um grande líder em favor dos trabalhadores. Claro que Vargas concedeu
diversos direitos e benefícios para os trabalhadores como uma forma de ganhar mais
apoio, o que tornou sua figura reconhecida e que o trabalhador lutasse ao seu lado.
Todos os passos, assim como em jogo de xadrez, foram pensados para que Vargas
estendesse sua ditadura.
O filme com sua narrativa, de um Vargas amedrontado, angustiado, cercado de
incertezas explora um lado que pouco conhecemos de um personagem histórico que
ainda gera assunto na atualidade. Todas as curiosidades abordadas no filme tentam
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suavizar a figura de um líder político que reprimiu, que foi um ditador, deu um golpe em
1930, outro em 1937. Toda essa narrativa que os livros nos apresentam, na qual
Vargas é visto sempre como uma representação de poder, pelo tempo que esteve no
governo, de sabedoria, pois soube articular-se com diversos setores da sociedade em
busca de apoio a sua permanência no poder. Além de tudo isso, de discursos
inflamados de palavras que os trabalhadores gostavam de escutar, o próprio programa
radiofônico A Hora Do Brasil criado para dar popularidade a Vargas, serviu para
transmitir seus discursos e apresentar para a sociedade uma figura amiga, que
buscava o bem da nação.
Vargas encerrou a vida, com a célebre frase, “saio da vida para entrar na
história”, de fato entrou, ele ganha destaque na história ao ser abordado como um dos
temas de livros didáticos, de podcasts, de trabalhos como este que buscam analisar,
questionar e não somente criar Getúlio Vargas como sendo o pai dos pobres, mas
como um ditador que foi.
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Fontes
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