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DIREÇÃO EDITORIAL

Gláucia Maria Moraes de Oliveira

Olga Ferreira de Souza

Fernando Eugênio dos Santos Cruz Filho

Evandro Tinoco Mesquita

Cesar Gerson Pereira Subieta

REVISÃO ACADÊMICA
Maria Lucia Brandão

PROJETO GRÁFICO
Conecte Estúdio Design

CAPA
Alessandra Herrero | Conecte Estúdio Design

DIAGRAMAÇÃO
Jefferson Montessi | Conecte Estúdio Design
EDITORES DE ÁREA

Emergências
Evandro Tinoco Mesquita
Vinício Elia Soares

Unidade Coronariana
Marco Antonio de Mattos
Ricardo Mourilhe Rocha

Doença Isquêmica / Doença Crônica


Fernando Oswaldo Dias Rangel
Roberto Esporcatte

Arritmias
Fernando Eugênio dos Santos Cruz Filho
Olga Ferreira de Souza

Doença Reumática e Valvar


Cynthia Karla Magalhães
Maria Eulália Thebit Pfeiffer

Prevenção Cardiovascular
Andréa Araújo Brandão
Nelson Albuquerque de Souza e Silva

Medicina Baseada em Evidências


Hans Fernando Rocha Dohmann
Suzana Alves da Silva

Cardiogeriatria
Elizabete Viana de Freitas
Roberto Gamarski

Exame Clínico, Semiologia e Check-Up Cardíaco


Dany David Kruczan
Maria Eliane Campos Magalhães

Exames Complementares não Invasivos em Cardiologia


Mário Luiz Ribeiro
Ronaldo de Souza Leão Lima

Exames Complementares Invasivos em Cardiologia


Ângelo Leone Tedeschi
Esmeralci Ferreira

Avaliação Pré e Per Operatória


Jacqueline Sampaio dos Santos Miranda
Luiz Antônio de Almeida Campos

Cirurgia Cardíaca
Alexandre Siciliano Colafranceschi
Henrique Murad

Reabilitação Cardíaca, Prevenção e Atividade Física


Cláudio Gil Soares de Araújo
Salvador Manoel Serra

Doenças Congênitas
Francisco José Araújo Chamié de Queiroz
Luiz Carlos do Nascimento Simões

Cardioncologia
Hugo Tannus Furtado de Mendonça Filho
Wolney de Andrade Martins

Insuficência Cardíaca
Denilson Campos de Albuquerque
Marcelo WesterlundMontera

Miocardiopatias
João Manoel de Almeida Pedroso
Marcelo Imbroinise Bittencourt
ISBN: 978-85-99409-02-2

DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

1a. edição 2012

Nenhuma parte desta publicação poderá ser


reproduzida por qualquer meio ou forma
sem a prévia autorização da SOCERJ.
A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal.

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Botafogo - Rio de Janeiro - RJ | CEP: 22250-040
http://socerj.org.br

Contato com o editorial: socerj@socerj.org.br

1.5
AGRADECIMENTOS

Quando nos deparamos com uma obra pronta, pensamos pouco sobre o trabalho e os
custos de sua publicação. A fantasia dos leitores é de que o autor, ungido por alguma
inspiração divina, idealiza a obra e que esta se materializa pela vontade, sem qualquer
esforço adicional. Quisera fosse assim.

Esta obra nasceu do empenho de nossos cardiologistas, com esforço, suor, custos,
alegrias e angústias próprias de qualquer projeto.

Esta obra não pertence a uma só pessoa. É produto do esforço individual de vários
autores e nasceu de uma idealização coletiva da diretoria da SOCERJ. Foi decisiva a
determinação obstinada da Dra Glaucia Maria Moraes de Oliveira de que o livro fosse
lançado ainda no início de sua gestão. Tivemos, portanto, poucos meses, desde a
escolha dos autores até a publicação.

Cada um dos autores, diferente da ideia da “unção divina”, contou com o esforço de
anos de estudo, pesquisas e de suas experiências profissionais, além de horas de seu
tempo pessoal para elaborar seus capítulos. Agradecemos de forma individual a cada
um deles, bem como aos editores de área, que revisaram cada palavra escrita e cada
opinião presente neste livro.

Gostaríamos de direcionar um agradecimento especial aos funcionários da SOCERJ


que, em nossa opinião, deram vários passos além do que seria sua obrigação
profissional. Um pouco do DNA deles está presente aqui.

Agradecemos aos nossos parceiros nessa empreitada: a revisora pedagógica Maria


Lucia Brandão, e a Conecte Estúdio Design na figura de sua diretora, Alessandra
Herrero.

Deixamos o último agradecimento, não por descuido, mas para dar destaque, aos
nossos patrocinadores. Mais que recursos, eles demonstraram que acreditam e
incentivam o desenvolvimento científico de nossos cardiologistas. Foi espantoso
perceber o crédito que deram a esse projeto. Amil, Pró-Cardíaco e TotalCor, obrigado.
Nós também acreditamos em vocês.
NOTA

O conhecimento científico está em constante evolução. Os dados e as informações


presentes nesta obra refletem as pesquisas e experiências clínicas do momento em que
vivemos no período da publicação. Protocolos e medidas de segurança devem ser
adotados no sentido de prover o atendimento clínico com os melhores resultados e
menores riscos. Cabe ao médico, baseado em sua experiência e conhecimento, escolher
o melhor tratamento ao seu paciente, de forma individual. Os editores, organizadores e
colaboradores se isentam da responsabilidade relacionada com quaisquer medidas,
terapêuticas ou diagnósticas, que possam ter sido decorrentes desta publicação.
COLABORADORES

Ademir Batista da Cunha


Hospital Universitário Antonio Pedro – Serviço de Cardiologia - Universidade Federal
Fluminense (UFF) – Niterói, RJ - Brasil

Adriano Fonseca de Moraes


Instituto Nacional de Cardiologia /MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Alberto José de Araújo


Instituto de Doenças do Tórax - Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – UFRJ
– Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Alcides Ferreira Junior


Clínica Status Cor - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital de Clínicas Mario Leoni - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Alexandre Rouge
UTI Cirúrgica - Instituto Nacional de Cardiologia/MS - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
CTI de Pós-operatório - Hospital Barra D’Or – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Alexandre Siciliano Colafranceschi


Instituto Nacional de Cardiologia/ MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Alexandro Souza Coimbra


Setor de Reabilitação Cardíaca - MEX Medicina do Exercício - Rio de Janeiro, RJ -
Brasil
Fit Center – Centro de Reabilitação Cardíaca e Performance Humana – Niterói, RJ -
Brasil

Aline de Souza Abreu


Serviço de Cardiologia da Criança e do Adolescente - Instituto Nacional de
Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Amanda Dias Bonfim


Departamento de Valvuloplastias - Instituto Nacional de Cardiologia/MS – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil

Ana Amaral Ferreira Dutra


Unidade Coronariana - Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Ana Cristina Baptista da Silva Figueiredo


Hospital Barra D’Or – Rio de Janeiro, RJ – Brasil
Hospital Federal da Lagoa - Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Ana Inês da Costa Bronchtein


Hospital Copa D’Or – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Ana Luiza Ferreira Sales


Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Ana Paula dos Reis Velloso Siciliano


Serviço de Imagem Cardiovascular - Clínica Radiológica Dr. Luiz Fellipe Mattoso -
Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Serviço de Ecocardiografia - Instituto Nacional de Cardiologia / MS - Rio de Janeiro,
RJ - Brasil

Ana Santinho Soares


Hospital Municipal Miguel Couto – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Anna Karinina
Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ – Brasil
Hospital Samaritano – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Anderson WilnesSimas Pereira


INCORDIS – Cabo Frio, RJ - Brasil

Andréa Araujo Brandão


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Andrea De Lorenzo
Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Instituto Nacional de Cardiologia/ MS - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Andréa do Carmo Ribeiro Barreiros London
Cardiologista – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

André Luiz da Fonseca Feijó


Laboratório de Intervenção Cardiovascular - Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro,
RJ - Brasil
Realcath - Laboratório de Hemodinâmica - Hospital Realcordis - Rio de Janeiro, RJ -
Brasil

André Luiz Silveira Sousa


Hospital Pró-Cardíaco– Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Faculdade de Medicina -Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói, RJ - Brasil

Angelo Leone Tedeschi


Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil
Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - Hospital Procordis –
Niterói, RJ - Brasil

Antonio Felipe Sanjuliani


Disciplina de Fisiopatologia Clínica e Experimental – CLINEX - Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Antonio José Lagoeiro Jorge


Serviço de Cardiologia – Hospital Universitário Antonio Pedro – Universidade Federal
Fluminense (UFF) – Niterói, RJ - Brasil

Antonio Sergio Cordeiro da Rocha


Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Aristarco Gonçalves de Siqueira Filho


Faculdade de Medicina e do Instituto do Coração da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Armando Marcio Gonçalves dos Santos


Unidade Cardiointensiva do Hospital Quinta D’Or - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Serviço de Cardiologia do Hospital Badim - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Augusta Leite Campos


Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Aurora Felice Castro Issa


Hospital Municipal Miguel Couto – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ –Brasil

Bernardo Kremer Diniz Gonçalves


Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil
Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - Hospital Procordis –
Niterói, RJ - Brasil

Braulio dos Santos Rua


Hospital Barra D’Or – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Bruno Ganimi
Hospital Pró-Cardiaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Bruno Santana Bandeira


Unidade Cardiointensiva - Hospital Quinta D’Or – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Cecília Segadaes Romeiro


Serviço de Cardiologia da Criança e do Adolescente - Instituto Nacional de
Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Cesar Nascimento
Setor de Ecocardiografia - Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ
- Brasil

Claudia Lucia Barros de Castro


Clínica de Medicina do Exercício – CLINIMEX - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Serviço de Medicina Física e Reabilitação - Hospital Universitário Clementino Fraga
Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Claudia Maria Rachman Dargains


Centro Municipal Oscar Clark - SMS/RJ – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Claudio Munhoz da Fontoura Tavares


Serviço de arritmias cardíaca do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) - Rio de
Janeiro, RJ - Brasil
Serviço de arritmia da Rede D'or de hospitais - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Claudio Tinoco Mesquita


Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Universitário Antonio Pedro – Universidade Federal Fluminense (UFF) -
Niterói, RJ - Brasil

Clerio Francisco de Azevedo Filho


Serviço de Ressonância e Tomografia Cardiovascular - Rede Labs D'Or – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil
Serviço de Tomografia Cardiovascular - Hospital Universitário Pedro Ernesto –
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)- Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Constantino González Salgado


Laboratório de Intervenção Cardiovascular - Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro,
RJ - Brasil
Laboratório de Hemodinâmica - Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Pedro
Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ -
Brasil

Cristiane da Cruz Lamas


Instituto Nacional de Cardiologia, Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Cynthia Karla Magalhães


Instituto Nacional de Cardiologia - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Cyro Vargues Rodrigues


Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - Hospital São Vicente de
Paulo – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Clínica Status Cor - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Daniel ArkaderKopiler
Serviço de Reabilitação Cardíaca - Instituto Nacional de Cardiologia/MS - Rio de
Janeiro, RJ - Brasil
Clínica Vitacor de Medicina do Exercício – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Daniel Xavier de Brito Setta


Unidade Coronariana (UCOR) do Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ – Brasil
Unidade Cardiointensiva do Hospital Universitário Pedro Ernesto / Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Dany Davi Kruczan


Setor de Cardiologia Clínica - Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro
(IECAC) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Delma Machado da Cunha


Universidade Gama Filho – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Edgard Freitas Quintella


Setor de Hemodinâmica do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro
(IECAC)- Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do Estado do Rio de Janeiro -
Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Edison Carvalho Sandoval Peixoto


Serviço de Cardiologia – Hospital Universitário Antonio Pedro - Universidade Federal
Fluminense (UFF) – Niterói, RJ - Brasil
Cinecor - Hospital Evangélico – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Eduardo Benchimol Saad


Serviço de Arritmia e Centro de Fibrilação Atrial - Hospital Pró-Cardíaco – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil
Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Eduardo Costa Gonçalves


Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC) – Rio de Janeiro, RJ -
Brasil

Eduardo Nagib Gaui


Hospital Totalcor – Rio de Janeiro, RJ –Brasil

Eduardo Nani Silva


Faculdade de Medicina - Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói, RJ -
Brasil

Elias Antonio Yunes


Serviço de Cardiologia - Hospital Dr. Beda - Rio de Janeiro, RJ –Brasil

Elizabete Viana de Freitas


Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Erika Maria Gonçalves Campana


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Ernesto de Meis
Instituto Nacional de Câncer (INCA) - Área de Trombose e Hemostasia - – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil

Esmeralci Ferreira
Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ – Brasil
Clínica Status Cor - Hospital Mario Leoni - Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Evandro Tinoco Mesquita


Serviço de Cardiologia – Hospital Universitário Antonio Pedro – Universidade Federal
Fluminense (UFF) – Niterói, RJ - Brasil

Fabio Antonio Abrantes Tuche


Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Felipe Neves de Albuquerque


Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Fernando Cesar de Castro e Souza


Serviço de Reabilitação Cardíaca - Instituto Nacional de Cardiologia/MS - Rio de
Janeiro, RJ - Brasil
Serviço de Reabilitação Cardíaca - Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ –
Brasil

Fernando Eugênio dos Santos Cruz Filho


Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Fernando Mendes Sant’Anna


Clínica Santa Helena - Cabo Frio, RJ - Brasil

Fernando Oswaldo Dias Rangel


Unidade Coronariana (UCOR) do Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ – Brasil
CTI de Pós-operatório do Instituto Nacional de Cardiologia / MS - Rio de Janeiro, RJ –
Brasil

Francisco José AraujoChamié de Queiroz


Serviço de Cardiologia – Setor de Cardiologia Intervencionista dos Defeitos
Estruturais e Congênitos - Hospital dos Servidores do Estado / MS- Rio de Janeiro, RJ
- Brasil

Gabriel Camargo
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Gláucia Maria Moraes de Oliveira


Faculdade de Medicina e o do Instituto do Coração da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ – Brasil
Presidente da SOCERJ – Biênio 2012-13

Guilherme Lavall
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Gustavo Salgado Duque


Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Helena Cramer Veiga Rey


Instituto Nacional de Cardiologia - INC/MS - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Hélder Konrad de Melo


UTI Materna - Hospital da Mulher HeloneidaStudart – São João do Meriti, RJ - Brasil
Unidade Coronariana- Hospital Municipal Miguel Couto - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Unidade de Pós-operatório - Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Hugo Tannus Furtado de Mendonça Filho


Cardiologia do Instituto Nacional de Câncer (INCA) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Pesquisa Clínica do PROCEP - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Iara Atié
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de
Janeiro – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Ilan Gottlieb
Clínicade Diagnóstico por Imagem (CDPI) e Multi-Imagem – Rio de Janeiro, RJ -
Brasil
Instituto Nacional de Cardiologia/ MS - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Jacqueline Sampaio dos Santos Miranda


Hospital Quinta D’Or – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

João Carlos Tress


Setor de Ecocardiografia - Hospital de Clínicas de Niterói – Niterói, RJ - Brasil

João Felipe Franca


Clínica de Medicina do Exercício – CLINIMEX - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

João Manoel de Almeida Pedroso


Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

João Mansur Filho


Hospital Samaritano e Hospital dos Servidores do Estado – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Joaquim Henrique de Souza Coutinho


Serviço de Cirurgia Cardíaca – Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Jorge Sabino
Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

José Antônio Caldas Teixeira


Serviço de Cardiologia – Setor de Reabilitação Cardíaca – Hospital Universitário
Antonio Pedro – Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói, RJ - Brasil
Fit Center/Fit Labor – Clínica de Medicina do Exercício e Reabilitação Cardíaca -
Niterói, RJ - Brasil

José Ary Boechat Salles


Hospital Geral de Bonsucesso - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Cardiotrauma - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

José Geraldo de Castro Amino


Disciplina de Cardiologia - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
RJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC) – Rio de Janeiro, RJ -
Brasil

José KawazoeLazzoli
Instituto Biomédico - Centro de Ciências Médicas - Universidade Federal Fluminense
(UFF) – Niterói, RJ - Brasil
Serviço de Cardiologia / Cor Diagnose – Hospital Santa Teresa – Petrópolis, RJ -
Brasil

Kalil LaysMohallem
Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Luciano Mannarino
Serviço de Emergência - Hospital TotalCor-RJ - Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Luis Felipe Camillis Santos


Clínica São Vicente – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Instituto Nacional de Cardiologia / MS - Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Luis Felipe Cícero Miranda


Instituto Nacional de Cardiologia /MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Luiz Antonio Ferreira de Carvalho


Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Luiz Antônio Inácio,Charles Slater


Serviço de Arritmias Cardíacas e Estimulação Cardíaca Artificial - Centro de
Fibrilação Atrial - Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Luiz Carlos do Nascimento Simões


Serviço de Cardiologia da Criança e do Adolescente - Instituto Nacional de
Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Luiz Eduardo Camanho, Charles Slater


Setor de Arritmia Invasiva e Estimulação Cardíaca Artificial - Hospital Pró-Cardíaco –
Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Marcel Coloma
Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo / UFRJ – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Clínica PARARFUMAR – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Marcela Cedenilla dos Santos


Enfermaria de doencas orovalvares do INC/MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Clinica Total Care Amil – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Marcello Augustus de Sena


Cardiologia intervencionista do Hospital Procordis – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Cardiologia intervencionista do Instituto Nacional de Cardiologia/MS – Rio de Janeiro,
RJ - Brasil

Marcelo Bueno Silva Rivas


Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Marcelo Hadlich
Instituto Nacional de Cardiologia/ MS - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Labs D’Or - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Marcelo Imbroinise Bittencourt


Serviço de Cardiologia – Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Serviço de Insuficiência Cardíaca e Cardiomiopatias - Hospital Pró-Cardíaco – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil

Marcelo Iorio Garcia


Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Clementino Fraga Filho –
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Marcelo Luiz da Silva Bandeira


Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Clementino Fraga Filho –
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Marcelo Muniz Lamberti


Hospital Municipal Miguel Couto - Rio de Janeiro, RJ –Brasil

Marcelo Rivero
Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Marcelo WesterlundMontera
Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Márcia Arruda Gondim


Serviço de Cardiologia da Criança e do Adolescente - Instituto Nacional de
Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Marcia Maria Barbeito Ferreira


Departamento de Valvuloplastias - Instituto Nacional de Cardiologia /MS – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil

Márcio José da Costa Montenegro


Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do Estado do Rio de Janeiro -
Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Márcio Luiz Alves Fagundes


Serviço de Cardiologia - Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ –
Brasil

Marcio Roberto Moraes de Carvalho


Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – Universidade Federal do Rio de
Janeiro – Rio de Janeiro, RJ –Brasil

Maria Angela Magalhães de Queiroz Carreira


Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Antônio Pedro – Universidade Federal
Fluminense (UFF) – Niterói, RJ - Brasil
Ergometria - Med-Rio Check-Up – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Maria Cristina Meira Ferreira


Serviço de Hemodinâmica - Hospital Naval Marcílio Dias - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Maria de Lourdes Montedônio


Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Maria Eliane Campos Magalhães
Setor de Hipertensão Arterial e Lípides - Hospital Universitário Pedro Ernesto -
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Centro de Hipertensão Arterial - Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Maria Eulália Thebit Pfeiffer


Serviço de Cardiopediatria - Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro
(IECAC) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Maria Helena Carvalho Coutinho


Departamento de Valvulopatias - Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil

Mario Coli Junqueira de Moraes


Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Mario Fritsch Neves


Departamento de Clínica Médica. Clínica de Hipertensão Arterial e Doenças
Metabólicas Associadas (CHAMA) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Mário Luiz Ribeiro


Departamento de Medicina Clínica - Faculdade de Medicina - Universidade Federal
Fluminense (UFF) – Niterói, RJ - Brasil
Cardiomed - Serviço de Diagnóstico em Cardiologia – Niterói, RJ – Brasil

Mario Ricardo Amar


Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital de Clínicas de Niterói (AMIL) – Niterói, RJ – Brasil

Marlon Dutra Torres


Unidade Cardiointensiva do Hospital Quinta D’Or - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Unidade Coronariana do Hospital Federal da Lagoa - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Martha Valéria Tavares Pinheiro


Rede D'Or – Setor de Arritmia - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Mauro Paes Leme, Henrique Murad


Serviço de Cirurgia Cardiotorácica - Hospital Universitário Clementino Fraga Filho –
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ.) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Miguel Antonio Neves Rati


Rede D’Or de Hospitais – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Nádia Barreto Tenório Aoun


Setor de Cardiopediatria - Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Pedro
Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ -
Brasil
Baby-Cor Cardiologia Pediátrica e Fetal- Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Nelson Albuquerque de Souza e Silva


Instituto do Coração Edson Saad – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –
Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Nilson Araujo de Oliveira Júnior


Rede D’Or de Hospitais - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital São Vicente de Paulo - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Olga Ferreira de Souza


Serviço de Arritmia, Eletrofisiologista e Estimulação Cardíaca - Rede D’Or Hospitais
– Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Pablo Marino Corrêa Nascimento


Fit Center/Fit Labor – Clínica de Medicina do Exercício e Reabilitação Cardíaca -
Niterói, RJ - Brasil
Centro de Cardiologia do Exercício - Reabilitação Cardíaca - Instituto Estadual de
Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Paolo Blanco Villela


Hospital Samaritano – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Pedro Paulo Nogueres Sampaio


Hospital Federal dos Servidores do Estado - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Plínio Resende do Carmo Júnior


Serviço de Cardiologia – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho -
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Barra D’Or - Rio de Janeiro, RJ –Brasil
Rafael Coutinho Alves
Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Rafael Tostes Muniz


Hospital TotalCor – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Reinaldo Mattos Hadlich


Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC) – Rio de Janeiro, RJ –
Brasil

Regina Elizabeth Müller


Instituto Nacional de Cardiologia - INC/MS - Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Renata Mattos
Instituto Nacional de Cardiologia INC/MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Renato Vieira Gomes


Divisão de Procedimentos Diagnósticos - Instituto Nacional de Cardiologia/MS – Rio
de Janeiro, RJ - Brasil
Unimed Federação Rio – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Ricardo Crespo Corvisier


Setor de Doenças Orovalvares e Próteses – Serviço de Cardiologia - Hospital
Universitário Pedro Ernesto (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Ricardo Maia Coelho


Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC) – Rio de Janeiro, RJ –
Brasil

Ricardo Mourilhe-Rocha
Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Unidade Coronariana - Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ –Brasil

Ricardo Trajano Sandoval Peixoto


Cinecor - Hospital Evangélico – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Médico do Corpo de Bombeiros – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Ricardo Vivacqua Cardoso Costa


Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Roberta Siuffo Schneider


Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ –Brasil

Roberto Bassan
Disciplina de Cardiologia - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
RJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC) – Rio de Janeiro, RJ -
Brasil

Roberto Esporcatte
Serviço de Cardiologia – Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Rodrigo do Souto da Silva Sá


Hospital Copa D’Or – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Roberto Gamarski
Hospital Pró-Cardiaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Roberto Muniz Ferreira


Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Roberto Pozzan
Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Rodrigo Coelho Segalote


Hospital Nacional de Cardiologia / MS - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

Rodrigo Periquito Cosenza


Rede D’Or de Hospitais – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Rodrigo Trajano Sandoval Peixoto
Cardiologia intervencionista do Hospital Procordis – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Cardiologia intervencionista do Instituto Nacional de Cardiologia - INC/MS – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil

Ronaldo de Souza Leão Lima


Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI) - Rio de Janeiro, RJ –Brasil

Roselee Pozzan
Disciplina de Diabetes e Metabologia - Faculdade de Ciências Médicas - Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ – Brasil.
Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC-Rio) – Rio
de Janeiro, RJ –Brasil

Rubens Giambroni Filho


Serviço de Cirurgia Cardiotorácica – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho –
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Sabrina Bernardez Pereira


Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Sergio Villela Abbês


Departamento de Valvulopatias - Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil

Silvia Helena Boghossian


Serviço de Eletrofisiologia – Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Suzana Alves da Silva


Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Vinício Elia Soares


Hospital Municipal Miguel Couto – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Vitor Agueda Salles


Unidade Cardiointensiva - Hospital Quinta D’Or – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Unidade de Insuficiência Cardíaca e Transplante – Instituto Nacional de Cardiologia /
MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Unidade Cardiointensiva - Hospital Federal dos Servidores do Estado – Rio de
Janeiro, RJ - Brasil

Viviane Soares
Instituto Nacional de Cardiologia / MS – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Walter Homena Jr.


UTI Cirúrgica - Instituto Nacional de Cardiologia/MS - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
CTI de Pós-operatório - Hospital Barra D’Or – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Washington Andrade Maciel


Serviço de Arritmias e Marcapasso do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de
Castro - – Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Wellington Bruno Santos


Hospital Pró-Cardíaco - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Wilma Felix Golebiovski


Departamento de Valvulopatias - Instituto Nacional de Cardiologia / MS - Rio de
Janeiro, RJ –Brasil

Wolney de Andrade Martins


Departamento de Medicina Clínica - Faculdade de Medicina – Universidade Federal
Fluminense (UFF) – Niterói, RJ - Brasil
Grupo de estudos em Cardio-Oncologia do Curso de Pós-Graduação em Ciências
Cardiovasculares - Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói, RJ - Brasil
APRESENTAÇÃO

Esta obra é uma inovação em todos os sentidos. O fato mais evidente é o de ser um
livro eletrônico, mas existem diferenças substanciais em relação às outras excelentes
publicações disponíveis no mercado. Primeiramente, este não é um livro-texto, que
procura esgotar o conhecimento a respeito de um tema. Em nenhum momento foi nossa
intenção competir com os ótimos compêndios publicados por outras sociedades, mas
introduzir um formato de fácil leitura e assimilação. Buscamos mimetizar o processo de
atendimento clínico, quando um paciente, do qual não temos qualquer informação, nos
procura e provoca os questionamentos que se passam durante os processos diagnóstico
e terapêutico. Este é o racional do formato adotado, em que cada capítulo se inicia com
um caso clínico, seguido de cerca de dez perguntas que procuram delinear o
atendimento clínico-cardiológico.

Procuramos aproveitar as vantagens do formato eletrônico, com links para a internet,


mas por uma questão prática, decidimos diminuir seu uso. A internet é um recurso
absolutamente dinâmico e tantas páginas são criadas como são retiradas da rede, ou têm
seu endereço (ou hyperlink, para usar um anglicismo corrente) modificado. Por
exemplo, as referências bibliográficas apontavam para a página da publicação no
PubMed, mas decidimos retirar esse recurso porque o endereço dessas páginas poderia
mudar, gerando “ligações quebradas”, com mensagem de página inexistente.
Pensaremos como ser mais criativos na próxima edição.

O maior desafio foi o de entender a linguagem e os simbolismos próprios de um livro


eletrônico. Portanto, elementos como tamanho e tipo da fonte (da letra, para os menos
familiarizados com o mundo digital), tamanho de figuras, equilíbrio entre resolução de
recursos gráficos e tamanho do arquivo, entre outras, tiveram que ser considerados.
Tudo isso influencia como o leitor lida com essa interface nova. Outra grande diferença
está na abstração da página. Como o tamanho da fonte pode ser mudado, não existe
número de página neste livro, pois ele todo é reformatado quando a fonte tem seu
tamanho modificado. Esse foi um aspecto particularmente desafiador na diagramação
do livro. Como implicações, eventuais separações de legendas de figuras ou tabelas, ou
de quebras de páginas em locais inconvenientes acontecerão e devem ser entendidas
como uma limitação tecnológica. A flexibilidade cobra seu custo.
Essencialmente, o livro é fácil de ser usado. O ponto de partida está na lista de
capítulos que direciona o leitor para cada capítulo com um toque. Neste formato, a
última página lida é sincronizada em todas as formas de suporte, seja no smartphone,
no computador pessoal, ou do trabalho, de forma que se o leitor estiver em um
determinado capítulo quando estiver lendo no tablet, ele será direcionado para a
mesma posição quando retomar a leitura em seu computador pessoal. As anotações e
realces de texto também são sincronizados. Quando diversos leitores realçarem um
determinado trecho do livro, o leitor poderá escolher se também deseja realçar esse
trecho. Algumas figuras podem parecer pequenas. Para ampliá-las basta aplicar um
toque nas figuras ou esticá-las ao fazer um movimento em pinça para fora com o
indicador e o polegar nas telas “multi-touch”.

Desejamos aos leitores um ótimo proveito deste livro, e os convidamos para enviar
sugestões, críticas e questionamentos ao e-mail socerj@socerj.org.br
PREFÁCIO

Para uma nova época, um novo formato de livro. Inovando, avançando junto com a
dinâmica do estado atual da Cardiologia, a SOCERJ se coloca como uma das grandes
sociedades regionais em nível internacional. A Sociedade de Cardiologia do Estado do
Rio de Janeiro tem destacada importância no Brasil. Sempre esteve presente em todas
as atividades científicas da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Sua participação
ajudou a SBC a tornar-se uma das mais fortes e pujantes Sociedades do mundo.

O extraordinário desenvolvimento da cardiologia, os progressos nos tratamentos


clínicos, o contínuo desenvolvimento do tratamento intervencionista, as novas técnicas,
o entendimento da biologia molecular e da terapia gênica estão ao alcance do
cardiologista num clicar de mouse. Esta é a grande vantagem de um livro virtual como
este. Com mais de 2000 páginas, tem fácil manuseio.

Trata-se de um trabalho que só uma sociedade pode organizar. São 18 seções, com dois
editores cada; 122 capítulos, com dois autores cada. Estamos diante, portanto, do
trabalho de mais de 200 colegas que colocaram o associativismo, a causa de uma
sociedade acadêmica, ao lado de todas as suas atividades diárias. Tudo para chegar a
esta proposta. A partir de um caso clínico, são discutidos os temas da cardiologia.
Seguem-se perguntas, soluções, apresentação de vídeos, imagens, fotos. Assim, nós,
cardiologistas, podemos dialogar com o novo, com as mudanças que se fazem
necessárias, com o conhecimento científico mais atual.

Temos grandes e pequenos estudos, educação continuada das mais variadas formas,
Congressos, Simpósios, Jornadas, Diretrizes, Jornais, Revistas. E a internet nos dando
atualização, acesso aos mais variados sites de cardiologia. Sem contar com o Dr
Google! Mas um livro como este proposto pela SOCERJ traz os assuntos tratados com
profundidade, na sua total amplitude, do caso concreto, das dúvidas de como resolvê-lo
da melhor forma, até o tratamento. Os livros são e continuarão sendo nossas bíblias.
Neles vamos procurar o verdadeiro conhecimento de forma apropriada. O livro virtual
é a continuidade da tradição dos escribas, mas renovada pelas múltiplas possibilidades
de acesso que proporciona.
Parabéns, SOCERJ por esta iniciativa! Nós, como cardiologistas clínicos, agradecemos
aos colegas do estado do Rio de Janeiro pelo envolvimento nesta obra que nos será
muito útil.

Jorge Ilha Guimarães


Presidente da SBC 2010/2011
Coeditor do Tratado de Cardiologia da SBC

Jadelson Pinheiro de Andrade


Presidente da SBC 2012/2013
Abreviaturas usadas nesta obra

AC - Antraciclínicos
ACC - American College of Cardiology
ACV - Aparelho cardiovascular
AD - átrio direito
AE - Átrio esquerdo
AHA - American Heart Association
AO - aorta
AP - Artéria pulmonar
AR - aparelho respiratório
ARC - Academic Research Consortium
ASLO - antiestreptolisina-O
AVA - área valvar aórtica
AVE - acidente vascular encefálico
B4 - quarta bulha
BB - Betabloqueador adrenérgico
BEE - Bordo esternal esquerdo
BM - Biomarcadores
BNF - Bulhas normofonéticas
BNP - Peptídeo natriurético tipo B
bpm - Batimentos por minuto
BRA - Bloqueadores dos receptores da angiotensina
BRE - bloqueio de ramo esquerdo
CA - Câncer
CF - Classe funcional
CIV - comunicação interventricular
CR - cardiopatia reumática
Cr - Creatinina
CRC - cardiopatia reumática crônica
CRM - Cirurgia de revascularização do miocárdio
CS - coreia de Sydenham
DAC - Doença arterial coronariana
DBT - dobutamina
DCNT - Doenças crônicas não transmissíveis
DCV - Doença cardiovascular
DDVE - Diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo
DLP - dislipidemia
DM - Diabetes mellitus
DPN - Dispneia paroxística noturna
DSVE - Diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo
EA - estenose aórtica
EAM - Estalido de abertura mitral
EAO - Estenose aórtica
EBGA - estreptococo beta-hemolítico do grupo A
ECO - Ecocardiografia
ECOTT - Ecocardiograma transtorácico
EM - estenose mitral
ERO - Orifício regurgitante efetivo
ESCARDIO - Sociedade Europeia de Cardiologia
FA - Fibrilação atrial
FC - frequência cardíaca
FE - Fração de ejeção
FEVE - Fração de ejeção do ventrículo esquerdo
FR - Frequência respiratória
FReu - Febre reumática
GLS - Global longitudinal strain
HAP - Hipertensão arterial pulmonar
HAS - hipertensão arterial sistêmica
Hb - Hemoglobina
Hto - Hematócrito
HVE - Hipertrofia ventricular esquerda
IA - Insuficiência aórtica
IAM - infarto agudo do miocárdio
IAO Insuficiência aórtica
IC - Insuficiência cardíaca
ICD - Insuficiência cardíaca descompensada
ICFEN - Insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal
IECA - Inibidor da enzima conversora de angiotensina
IL-6 - Interleucina-6
IM - insuficiência mitral
IMC - índice de massa corporal
INC - Instituto Nacional de Cardiologia
INR - International Normalized Ratio
IRC - Insuficiência renal crônica
irm - Incursões respiratórias por minuto
IT - Insuficiência tricúspide
IVE - insuficiência ventricular esquerda
K - Potássio
LES - lúpus eritematoso sistêmico
Leuco - Leucograma
M1 - Componente mitral da primeira bulha
MAPSE - excursão sistólica do plano anular mitral
Mg - Magnésio
MIS - Membros inferiores
MSD - membro superior direito
MSE - membro superior esquerdo
MV - Murmúrio vesicular
Na - Sódio
NYHA - New York Heart Association
P2 - Componente pulmonar da segunda bulha
PA - pressão arterial
PAP Pressão de artéria pulmonar
PCR - Proteína C-reativa
PCR-t - proteína C-reativa titulada
PE - derrame pericárdico
PHT - Tempo de meia-pressão (pressure half time)
PN - Peptídeos natriuréticos
PSAP - Pressão sistólica de artéria pulmonar
PVM - prolapso da válvula mitral
QT - Quimioterapia
RCD - Rebordo costal direito
RCR - Ritmo cardíaco regular
RI - resistência insulínica
RNM - Ressonância nuclear magnética
RT - Radioterapia
RX - Raios X
Sat - saturação de oxigênio
SC - Stent convencional
SCA - Síndrome coronariana aguda
SCR - Síndrome cardiorrenal
SCRA - Síndrome cardiorrenal aguda
SVE - sobrecarga ventricular esquerda
TC - tamponamento cardíaco
TD - Tempo de desaceleração
TJ - turgência jugular
Tn - Troponina
TRIV - Tempo de relaxamento isovolumétrico
TS - Trombose de stent
TVM - Troca valvar mitral
Ur – Ureia
VA - Valva aórtica
VD - ventrículo direito
VE - ventrículo esquerdo
VEd - Diâmetro diastólico VE
VEs - Diâmetro sistólico VE
VHS - velocidade de hemossedimentação
VM - Valva mitral
VMPB - valvuloplastia mitral por cateter-balão
VO - via oral
VRI - Ventriculografia radioisotópica
VR - Volume regurgitante
VSVE - via de saída do ventrículo esquerdo
VT - Valva tricúspide
Sumário

Colaboradores
Apresentação
Prefácio

SEÇÃO 1. Emergências

Dor Torácica no Serviço de Emergência

Abordagem Inicial da Síndrome Coronariana Aguda

Doença Cardíaca Traumática

Choque

Dissecção Aórtica Aguda

Tromboembolismo Pulmonar

Parada Cardiorrespiratória

Doença Hipertensiva Específica da Gestação

SEÇÃO 2. Unidade Coronariana

Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST

Síndrome Coronariana Aguda sem Elevação do ST

Estratificação de Risco Pós Infarto Agudo do Miocárdio

Choque Cardiogênico

Taquiarritmia no IAM e Indicação de Desfibrilador Implantável

Bradiarritmias e Indicação de Pace Pós-IAM

Complicações Mecânicas no Infarto Agudo do Miocárdio (IAM)

Pericardite / Tamponamento em Pacientes com Síndrome Coronariana Aguda

Emergências Hipertensivas

Suporte Ventilatório na Unidade Coronariana


SEÇÃO 3. Doença isquêmica / Doença crônica

A História e o Exame Físico na Doença Coronariana Crônica

Linhas Gerais da Estratificação do Risco: Evidências e Recomendações na Prática Clínica

Tratamento Farmacológico: Conceitos e Aplicação Clínica das Evidências

Paciente com Doença Univascular Proximal da Artéria Descendente Anterior

Doença Multivascular com Função Sistólica Preservada

Doença Multivascular com Disfunção Sistólica do Ventrículo Esquerdo

SEÇÃO 4. Arritmias

Fibrilação Atrial - Enfoque Clínico e Anticoagulação

Fibrilação Atrial - Enfoque na Ablação

Taquicardia Ventricular e Indicação de Cardiodesfribilador Interno

Terapia de Ressincronização Cardíaca

Síncope em Coração Normal

Flutter Atrial

Infecção e Dispositivos Implantáveis

Tratamento da Extrassistolia e Taquicardia Ventricular não Sustentada em Pacientes com

Coração Estruturalmente Normal

Taquicardias Supraventriculares 1

Taquicardias Supraventriculares 2

SEÇÃO 5. Doença Reumática e Valvar

Febre Reumática

Insuficiência Mitral

Prolapso Valvar Mitral

Estenose Mitral

Insuficiência Aórtica

Estenose Aórtica

Doença Mitroaórtica
Abordagem da Insuficiência Tricúspide: Fatores Determinantes

Endocardite Infecciosa Subaguda: Abordagem Diagnóstica e Terapêutica

Prótese Valvar em Mulher Jovem x Anticoagulação

SEÇÃO 6. Prevenção Cardiovascular

Análise Crítica dos Escores de Risco

Eficácia e Efetividade das Intervenções Medicamentosas

Avaliação Multifatorial dos Fatores de Risco Cardiovascular

Hipertensão Arterial Com Hipertrofia Ventricular Esquerda

Dislipidemia e Obesidade

Diabetes com Acometimento Renal

Tabagista com Doença Vascular Periférica

Síndrome Metabólica

Pós-Acidente Vascular Encefálico

Pós-Infarto Agudo do Miocárdio

SEÇÃO 7. Medicina Baseada em Evidências

O Modelo SIMPLE

Uso da AngioTC de Coronárias Para Avaliação da Doença Arterial Coronariana

Probabilidade, Performance e Utilidade no Diagnóstico da Insuficiência Cardíaca

Probabilidade, Performance e Utilidade no Tratamento da Estenose Aórtica no Idoso

Probabilidade, Performance e Utilidade Relacionada aos Testes Genéticos em Cardiologia

para Predição de Resposta Terapêutica

SEÇÃO 8. Cardiogeriatria

Hipertensão Arterial em Paciente Diabético

Síncope no Idoso

Fibrilação Atrial

Estenose Aórtica em Idosos e o Implante de Válvula Aórtica por Cateter


Doença Coronariana Crônica

SEÇÃO 9. Exame Clínico, Semiologia e Check up Cardíaco

Aspectos Relevantes da História Clínica do Paciente Cardiopata

Interpretação Semiológica de um Caso Clínico

Os Ruídos Cardíacos Normais e Patológicos

O Racional Para Solicitação dos Exames

Check Up Cardiovascular - Caso Clínico

SEÇÃO 10. Exames complementares não invasivos em Cardiologia

Teste Ergométrico

Ecocardiograma

Aplicações Clínicas da Cintilografia de Perfusão Miocárdica

TC do Coração: Escore de Cálcio e Angio-TC Coronariana

Ressonância Magnética Cardíaca

SEÇÃO 11. Exames complementares invasivos em Cardiologia

Angina Estável em Pacientes com Lesões Moderadas. Uso do FFR

Ultrassom Intracoronariano na Avaliação e Mudança de Estratégia na Doença Coronariana:

Indicação e Aspectos Atuais

Intervenção Coronariana Percutânea em Lesão de Tronco (Não Protegido) da Coronária

Esquerda M

Síndrome Coronariana Aguda Devido à Trombose de Stent

Angioplastia Primária no Infarto Agudo do Miocárdio (IAM)

Reestenose Intrastent: Abordagem Atual

Valvuloplastia Mitral em Paciente por Balão na Estenose Mitral

Tratamento Percutâneo da Doença Valvar Aórtica

Oclusão do Apêndice Atrial Esquerdo em Paciente com Fibrilação Atrial Permanente


SEÇÃO 12. Avaliação Pré e Peroperatória

Cirurgia Cardíaca de Emergência

Acompanhamento Cardiovascular Peroperatório

Cuidados Pós-Imediatos de Cirurgia Cardíaca

Pré-Operatório em Cirurgia Cardíaca

Avaliação Global do Cardiopata em Cirurgias Não Cardíacas

SEÇÃO 13. Cirurgia Cardíaca

Tratamento Cirúrgico da Insuficiência Mitral

Cirurgia na Estenose Aórtica

Revascularização do Miocárdio

Tratamento Cirúrgico das Dissecções Aórticas

Cirurgia na Insuficiência Cardíaca

SEÇÃO 14. Reabilitação Cardíaca, Prevenção e Atividade Física

Exercício Físico Regular e Prevenção de Doenças Cardiovasculares

Contribuição do Teste Cardiopulmonar de Exercício Máximo para a Prescrição da Intensidade

do Exercício Aeróbico

Exercícios de Fortalecimento Muscular em Hipertensos e Coronariopatas

Exercício Físico Aeróbico para o Coronariopata: Riscos e Benefícios da Alta Intensidade

Prescrição de Exercício Físico no Coronariopata Crônico em Tratamento Clínico e Não

Revascularizado

Participação em Atividades Desportivas em Indivíduos Aparentemente Saudáveis e

Coronariopatas de Meia-Idade: Evidências e Subsídios para a Orientação Médica

SEÇÃO 15. Doenças Congênitas

Sopro Inocente na Infância e na Adolescência

Como Avaliar o Recém Nascido com Suspeita de Enfermidade Cardiovascular Congênita?


Forame Oval Patente: Quando Está Indicada a Intervenção Por Cateter?

Hipertensão Arterial Pulmonar

O Ducto Arterioso no Adolescente e no Adulto: Intervenção por Técnicas Hemodinâmicas

SEÇÃO 16. Cardio-oncologia

Cardio-Oncologia – Nova Área de Estudo Interdisciplinar

Endomiopericardiopatias e Insuficiência Cardíaca no Paciente com Câncer

Doença Tromboembólica no Paciente com Câncer

Estratificação e Gerenciamento de Risco em Cirurgia Oncológica

Métodos de Imagem em Cardio-Oncologia

SEÇÃO 17. Insuficiência Cardíaca

Insuficiência Cardíaca Aguda

Manuseio da Insuficiência Cardíaca Aguda Avançada

Insuficiência Cardíaca Crônica Descompensada

Insuficiência Cardíaca Crônica Avançada

Insuficiência Cardíaca Refratária

Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Normal

SEÇÃO 18. Miocardiopatias

Cardiomiopatia Dilatada

Cardiomiopatia Hipertrófica

Cardiomiopatia Restritiva

Miocardites

Cardiomiopatia Chagásica

Cardiomiopatia de Takotsubo

Miocárdio Não Compactado Isolado


Seção 1. Emergências

Dor Torácica no Serviço de Emergência


Abordagem Inicial da Síndrome Coronariana Aguda
Doença Cardíaca Traumática
Choque
Dissecção Aórtica Aguda
Tromboembolismo Pulmonar
Parada Cardiorrespiratória
Doença Hipertensiva Específica da Gestação
DOR TORÁCICA NO SERVIÇO DE
EMERGÊNCIA

Ana Santinho Soares

CASO CLÍNICO
Paciente do sexo masculino, 55 anos, ativo, sem sintomas clínicos e sem problemas
médicos conhecidos até então, apresenta dor precordial de forte intensidade, opressiva,
em repouso, com irradiação para membro superior esquerdo, acompanhada de
sudorese. A dor se estende por vários minutos e motiva a procura de atendimento em
serviço de emergência. O paciente é então medicado (não sabe informar com que
drogas) e, após alguma melhora da dor, liberado do serviço de emergência. Não houve
realização de eletrocardiograma.

Já em sua residência ocorre recorrência da dor, desta feita acompanhada de desconforto


respiratório. O paciente, já com mais de 24 horas após a primeira manifestação clínica,
procura então outro serviço de emergência. Nesse novo serviço verifica-se, ao exame
físico: PA =80/65mmHg, FC =120bpm, enchimento capilar lento, galope ventricular, FR
=32cpm, estertores bilateralmente em ½ inferior de campos pulmonares. O
eletrocardiograma realizado nesse momento é a seguir apresentado (Figura 1).
Figura 1
Eletrocardiograma realizado no paciente relatado.

OBJETIVOS
1. Identificar a dor torácica e outros sintomas sugestivos de isquemia
miocárdica como a grande procura de atendimento médico de emergência.
2. Descrever os princípios básicos que norteiam a abordagem de pacientes com
dor torácica nos serviços de emergência.
3. Sintetizar características clínicas, métodos diagnósticos relevantes e
peculiaridades específicas das condições médicas de maior gravidade que se
manifestam com dor torácica.
4. Apresentar uma proposta de sequência de ações que objetive identificação e,
consequentemente, tratamento de condições de risco ou descarte das mesmas,
possibilitando a liberação do serviço de emergência com segurança.

Transcrição do texto da Diretriz de Dor Torácica na Sala de Emergência da


Sociedade Brasileira de Cardiologia1:

“Estima-se que de cinco a oito milhões de indivíduos com dor no peito ou outros
sintomas sugestivos de isquemia miocárdica aguda sejam vistos anualmente nas
salas de emergência nos Estados Unidos. Esse número representa cerca de 5% a 10%
de todos os atendimentos emergenciais naquele país. Como a maioria desses
pacientes são internados para se avaliar uma possível síndrome coronariana aguda,
isto gera um custo médio estimado de 3 a 6 mil dólares por paciente. Ao final desse
processo diagnóstico, cerca de 1,2 milhão de pacientes recebem o diagnóstico de
infarto agudo do miocárdio e outro tanto de angina instável. Por conseguinte, cerca
da metade a 2/3 dos pacientes com dor torácica internados acabam não confirmando
uma causa cardíaca para os seus sintomas, resultando num gasto desnecessário de 5
a 8 bilhões de dólares por ano nos Estados Unidos.

No nosso País não existem números ou estimativas da quantidade de atendimentos


por dor torácica nas salas de emergência. Dados do Datasus e do Ministério da
Saúde indicam a ocorrência de perto de 76.600 mortes por doença isquêmica do
coração em 1999 (incluindo 58.000 por infarto agudo do miocárdio). Nesse ano, o
número de internações por infarto agudo do miocárdio na rede pública e conveniada
com o SUS (cerca de 6.400 hospitais do total de 7.100 hospitais no País) foi de
37.650, com 6.250 óbitos hospitalares (16,6%), número de internações 3,5% maior
que o valor médio visto no período de 1993-1997.

Baseado no número de atendimentos anuais por dor torácica nos EUA e na


proporção populacional entre esse país e o Brasil, e assumindo a mesma prevalência
de doença coronariana, poderíamos estimar um quantitativo de 4 milhões de
atendimentos anuais por dor torácica no Brasil. Como diversos estudos indicam que
5% a 15% dos pacientes atendidos com dor torácica nas salas de emergência norte-
americanas têm infarto agudo do miocárdio, o quantitativo de infartos esperado no
nosso País seria de aproximadamente 400 mil por ano, um número quase 10 vezes
maior do que o apresentado pelo SUS” (p.3).

PERGUNTAS
1. Quais são os princípios que devem nortear a abordagem de pacientes com dor
torácica?

a) Imediata identificação de condições ameaçadoras da vida


Vários órgãos e sistemas podem ser fonte de dor torácica. Sendo assim, a dor torácica
ocorre na apresentação clínica tanto de distúrbios com risco de morte imediato quanto
em condições mórbidas de menor gravidade. O rápido reconhecimento de condições
médicas de risco extremo deve deflagar condutas diagnósticas e terapêuticas que
objetivem redução de mortalidade e de morbidade através de sequências de ações e
fluxos hospitalares ágeis e efetivos1.
Como exemplos: a terapia fibrinolítica ou intervenção percutânea coronariana primária
para síndromes coronarianas isquêmicas agudas com supradesnível do segmento ST e a
cirurgia para dissecção aórtica aguda interessando segmento ascendente (Quadro 1).

Quadro 1
Diagnóstico diferencial da dor torácica e categorias de risco

b) Adequação da abordagem de condições médicas de emergência

Uma vez afastadas as condições imediatamente ameaçadoras da vida, deve-se


identificar e abordar as emergências. É de grande relevância a adequação da relação
entre risco e benefício das propostas diagnósticas e terapêuticas para condição mórbida
com a qual se esteja lidando.
Como exemplos: a terapia antiplaquetária e anticoagulante agressiva para pacientes
com síndromes coronarianas isquêmicas agudas sem supradesnível de ST de alto risco
e a estratégia invasiva precoce para esses mesmos pacientes (Quadro 1).

c) Reconhecimento e orientação para as condições de baixo risco

Pacientes com condições médicas de baixo risco não devem ser inadequadamente
hospitalizados e tampouco permanecer por períodos de tempo excessivos nos serviços
de emergência para terem suas condições de baixo risco esclarecidas. Hospitalizações
indevidas e permanência prolongada desnecessária em serviços de emergência geram
problemas de natureza técnica, logística, administrativa e econômica (Quadro 1).

2. Como diferenciar as condições médicas de maior gravidade que se apresentam


com dor torácica?

a) Infarto agudo do miocárdio

História clínica

Desconforto ou dor torácica


Característica de opressão, constrição, queimação, facada
Habitualmente de intensidade moderada a intensa
Localização retroesternal / torácica (não restrita)
Manifestações em repouso (frequentemente) ou desencadeadas por emoções
ou esforços físicos
Início agudo com acentuação rápida e progressiva
Muitas vezes com irradiação para membros superiores (E>D), dorso,
pescoço, mandíbula, dorso, abdome (epigastro)
Duração prolongada (classicamente mais que 15min / 30 min)
Habitualmente sem alívio com nitratos ou repouso
Sudorese, tonteira, náusea, vômito, dispneia, fadiga são manifestações
associadas frequentemente.
Possível em muitas ocasiões a identificação de fatores de risco para doença
coronariana ou eventos cardiovasculares prévios.

Exame físico

Aparência de doença grave, agitação, ansiedade


Hipotensão ou hipertensão
Taquicardia ou bradicardia
Sudorese é frequente
Pode haver evidências de má perfusão periférica
B4 (evidencia disfunção diastólica), B3 (evidencia disfunção sistólica),
sopro sistólico apical é comum, hipofonese de bulhas pode ocorrer.
Estertores pulmonares (secos e úmidos) em caso de congestão
Turgência jugular quando complicado com insuficiência cardíaca
Oligúria no baixo débito

Métodos complementares

Eletrocardiograma evidenciando supradesnível persistente (mais de 20min)


de ST em derivações relacionadas ou bloqueio de ramo agudo ou
presumivelmente agudo, com subsequente desenvolvimento de onda Q de
necrose na maioria dos casos.
Nas apresentações sem supradesnível de ST pode haver infra de ST, inversão
de onda T ou supradesnível transitório de ST (menos de 20min).
Extrassístoles e taquiarritmias (de maior ou menor complexidade) além de
distúrbios de condução sinoatrial e atrioventricular podem ocorrer.
Elevação e queda de marcadores de necrose miocárdica com padrão
cronológico relacionado ao início dos sintomas.
Comentários

Mulheres, idosos e diabéticos não raramente têm apresentações atípicas.


Dispneia, síncope, eventos neurológicos, sintomas digestivos podem
eventualmente ser mais exuberantes que o desconforto torácico.

Terapia

Antiplaquetários, anticoagulantes, controle do duplo-produto (terapia anti-


isquêmica)
Reperfusão precoce (farmacológica ou mecânica) para apresentações com
supra de ST
Estratégia invasiva (urgente, precoce ou não precoce em função da categoria
de risco) para apresentações sem supra de ST

b) Angina instável

História clínica

Desconforto ou dor com as mesmas características (localização, irradiação,


sensações) do IAM, porém com duração e intensidade geralmente menores.
Ocorrência em repouso ou com fatores desencadeantes com limiares
progressivamente menores ou com repetições mais frequentes e mais intensas
das crises anginosas
Resposta variável ao nitrato e repouso
Eventualmente sudorese, tonteira, náusea, vômito, desconforto respiratório
(menos que no IAM)
Como no IAM, é possível em muitas ocasiões a identificação de fatores de
risco para doença coronariana ou eventos cardiovasculares prévios.

Exame físico
Mesmas considerações do IAM com magnitude dos eventos de uma maneira
geral menos exuberante.

Métodos complementares

Alterações de ST/T e eventualmente arritmias cardíacas


Eletrocardiograma normal não descarta a possibilidade de evento
coronariano agudo.
Sem elevação de marcadores de necrose (elevação de troponina sem
elevação de CK-MB caracteriza dano miocárdico mínimo)

Comentários

Como no IAM, podem ocorrer apresentações atípicas (particularmente em


mulheres, idosos e diabéticos).
Também como no IAM, manifestações outras que não a dor ou desconforto
torácico (dispneia, síncope, eventos neurológicos, sintomas digestivos)
podem ser expressão de isquemia miocárdica (equivalente anginoso).

Terapia

Antiplaquetários, anticoagulantes, controle do duplo-produto (terapia anti-


isquêmica).
Estratégia conservadora ou invasiva em função da categoria de risco

c) Pericardite

História clínica

Dor pleurítica, penetrante, relacionada com incursões respiratórias e


mudanças da postura.
Caráter eventualmente recorrente
Sem alívio com nitratos ou narcóticos, melhora com anti-inflamatórios.
Muitas vezes antecedida de quadro viral

Exame físico

Atrito pericárdico
Eventualmente sinais de tamponamento (hipotensão, turgência jugular, pulso
paradoxal, abafamento de bulhas)

Métodos complementares

Eletrocardiograma com supradesnível difuso de ST, sem efeito recíproco e


muitas vezes com infra de PR (frequentemente bem evidente em D2).
Alternância elétrica no eletrocardiograma sugere significativo derrame
pericárdico.
Elevação de marcadores de necrose miocárdica caso haja miocardite
concomitante.
Leucocitose e elevação de marcadores inflamatórios (PCR, VHS)
Ecocardiograma pode evidenciar derrame pericárdico (ausência de derrame
não afasta o diagnóstico).

Comentários

Atenção para o diagnóstico diferencial com IAM, pois a administração


equivocada de fibrinolíticos oferece risco de hemopericárdio e
tamponamento.

Terapia

Abordagem de urgência em caso de tamponamento (pericardiocentese ou


tratamento cirúrgico definitivo)
Anti-inflamatórios não hormonais e, eventualmente, corticoides.
d) Dissecção aórtica aguda

História clínica

Dor com início abrupto, excruciante, com intensidade máxima já no início do


quadro (“rasgando”), pode migrar (evolução da dissecção) e irradiar para o
dorso (localização interescapular).
Possível identificação na história patológica pregressa de hipertensão
arterial ou doenças do colágeno.

Exame físico

Hipertensão, hipotensão
Eventualmente anemia e hipoperfusão periférica
Assimetria de pulsos arteriais
Sopro de insuficiência aórtica, atrito pericárdico (pericardite ou
hemopericárdio)
Derrame pleural (mais frequente do lado esquerdo)
Isquemia de membros ou de vísceras
Acidente vascular encefálico

Métodos complementares

Eletrocardiograma com alterações inespecíficas de ST/T e/ou com critérios


de hipertrofia ventricular esquerda
Radiografia de tórax com alargamento de mediastino em 80% dos casos de
dissecção aórtica proximal
Ecocardiograma (particularmente transesofágico) e/ou tomografia de tórax
habitualmente confirmam o diagnóstico.

Comentários
Atenção para o diagnóstico diferencial com IAM, pois a administração
equivocada de fibrinolíticos oferece enorme risco.

Terapia

Emprego de betabloqueadores e vasodilatadores para controle da pressão


arterial, da frequência cardíaca e da dP/dt (“terapia antipulso”).
Cirurgia para dissecção aórtica aguda proximal
Tratamento medicamentoso, cirurgia ou intervenção percutânea (dependendo
da condição clínica) para dissecção aguda distal

e) Embolia pulmonar

História clínica

Início agudo com dispneia e dor (dispneia habitualmente mais evidente que a
dor), tosse é comum, eventualmente hemoptise.
Dor anginosa central (cor pulmonale), dor pleurítica (infarto pulmonar)
Fatores de risco para doença venosa tromboembólica estão muitas vezes
presentes (imobilidade, cirurgia, gestação, anticoagulantes, neoplasias,
insuficiência cardíaca, trombofilia).

Exame físico

Dispneia e ansiedade
Taquipneia, taquicardia, estertores pulmonares
Evidências clínicas de cor pulmonale ou de trombose venosa profunda
podem estar presentes.
Insuficiência respiratória em algumas oportunidades

Métodos complementares
D-dímero tem importante valor preditivo negativo
Radiografia de tórax muitas vezes é normal.
Redução de PaO2 e aumento da D(A-a)O2 muitas vezes são observadas
(PaO2 normal não afasta o diagnóstico).
Elevação de troponina e/ou BNP conferem critérios de maior risco.
Tomografia e cintigrafia são importantes ferramentas diagnósticas.
Eco com Doppler venoso auxilia no diagnóstico da trombose venosa
profunda.

Comentários

A mortalidade é elevada se a embolia pulmonar não for reconhecida.

Terapia

Anticoagulantes
Fibrinólise para condições de alto risco
Cirurgia ou intervenção baseada em cateter para casos muito selecionados

f) Pneumotórax espontâneo

História clínica

Início abrupto de dor (muitas vezes pleurítica), dispneia, tosse


Dor habitualmente lateral, mas pode ser central em pneumotórax grande.

Exame físico

Redução do MV, aumento da ressonância na percussão, desvio da traqueia,


enfisema subcutâneo
Insuficiência respiratória e choque com PVC elevada no pneumotórax
hipertensivo

Métodos complementares

Radiografia de tórax define o diagnóstico do pneumotórax.


Diagnóstico do pneumotórax hipertensivo deve ser clínico.

Comentários

Atenção para doença pulmonar obstrutiva crônica, ventilação mecânica e


punções venosas centrais.

Terapia

Descompressão imediata com agulha (pneumotórax hipertensivo)


Drenagem do tórax com dreno tubular

g) Rotura de esôfago

História clínica

Dor com início abrupto, retroesternal, habitualmente antecedida de vômitos.


Dor pode ser epigástrica, irradiação pode ser a mesma da síndrome
coronariana isquêmica aguda.
Dor persistente, piora com deglutição e flexão do pescoço.
História de doença de esôfago, alcoolismo, vômitos, ingestão de cáusticos,
trauma, imunodeficiência, iatrogenia.

Exame físico

Dispneia
Síndrome de resposta inflamatória sistêmica, insuficiência respiratória,
choque (geralmente após 24 horas)

Métodos complementares

Radiografia de tórax pode revelar pneumomediastino, pneumotórax, derrame


pleural.

Comentários

Doenças do esôfago são relativamente comuns, mas a rotura não é comum.


O diagnóstico precoce da condição reduz a mortalidade.

Terapia

Reposição volêmica, analgesia, antibioticoterapia


Consulta ao cirurgião

3. Como proceder para se liberar com segurança, do serviço de emergência,


pacientes que se apresentam com dor torácica?

a) Não liberar indevidamente do hospital paciente de risco

Pacientes com síndromes coronarianas isquêmicas agudas que não foram identificadas e
que são indevidamente liberados do hospital têm, como consequência, um expressivo
aumento de mortalidade e de morbidade2.

Problemas de caráter ético e jurídico para o profissional médico individualmente e


para as instituições de saúde como um todo, além de custos com seguros de prática
médica são comuns nesse cenário3.

Avaliação médica equivocada da condição clínica do paciente, não realização de


eletrocardiograma, interpretação errônea do eletrocardiograma e não obediência aos
protocolos pré-estabelecidos são algumas das causas que motivam a liberação indevida
dos serviços de emergência de pacientes com síndromes coronarianas isquêmicas
agudas.
b) Liberação segura do paciente do serviço de emergência

Pacientes ainda sem diagnóstico confirmado, mas que tiveram descartadas condições
ameaçadoras da vida e de emergência e que permanecem estáveis clinicamente após um
determinado período de tempo de observação (de 4-12 horas dependo da instituição e
do perfil do paciente), sem alterações no eletrocardiograma e sem elevação de
marcadores de necrose miocárdica em determinações seriadas, podem ser submetidos a
um método de estresse e serem liberados do serviço de emergência, caso não haja
evidências de isquemia induzida pelo estresse (Quadro 2).

Quadro 2
Sequência de ações
IAM=infarto agudo do miocárdio; ECG=eletrocardiograma; BRE=bloqueio de ramo esquerdo; ICP=intervenção
coronariana percutânea primária, 1ª=primária; IECA=inibidor da enzima de conversão da angiotensina;
ETE=ecocardiograma transesofágico; TC=tomografia computadorizada; ETT=ecocardiograma transtorácico;
BNP=peptídeo natriurético do tipo B; cTnI=troponina cardíaca; AI=angina instável; FEVE=fração de ejeção do
ventrículo esquerdo; RM=revascularização miocárdica cirúrgica; AINH=anti-inflamatórios não hormonais
O teste ergométrico em esteira é o método ideal para essa finalidade. Métodos de
imagem com estresse farmacológico são alternativas para pacientes incapazes para o
exercício. Métodos de imagem (com exercício ou estresse farmacológico) também são
alternativas para pacientes com limitação na interpretação do eletrocardiograma de
repouso4.

Alternativamente, os pacientes estáveis podem ser liberados e referenciados para a


realização de método de estresse em curto espaço de tempo, caso a logística hospitalar
não ofereça condições para realização de método de estresse ainda no serviço de
emergência5.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
1. Sabatine MS, Cannon CP. Approach to the patient with chest pain. In: Bonow
RO, Mann DL, Zipes DP, Libby P, eds. Braunwald’s Heart Disease: a
Textbook of Cardiovascular Medicine. 9th ed. Philadelphia: Elsevier; 2011.
p.1076-86.
2. Bassan R, Pimenta L, Leães PE, Timerman A, Volschan A, Polanczyk C, et al;
Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz de Dor Torácica na Sala de
Emergência. Arq Bras Cardiol. 2002;79(supl. 2):1-22.
3. Brown JE, Hamilton GC. Chest Pain. In: Marx JA, Hockberger RS, Walls
RM, Adams J, Barsan W, Biros M, eds. Rosen’s Emergency Medicine:
concepts and clinical practice. 7th ed. Philadelphia: Mosby/Elsevier; 2009.
p.132-41.
4. Daubert MA, Jeremias A, Brown DL. Diagnosis of acute myocardial
infarction. In: Jeremias A, Brown DL, eds. Cardiac Intensive Care. 2nd ed.
Philadelphia: Saunders / Elsevier; 2010. p.97-105.
5. Field JM. Pathophysiology and initial triage of acute coronary syndromes. In:
Field JM, Kudenchuk PJ, O’Connor RE, Hoek TLV, Bresler MJ, Mattu A, et
al. The Textbook of Emergency Cardiovascular Care and CPR. Philadelphia:
Lippincott Williams & Wilkins; 2009. p.1-10.
ABORDAGEM INICIAL DA SÍNDROME
CORONARIANA AGUDA

Aurora Felice Castro Issa

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 52 anos, portador de hipertensão arterial, dislipidemia, ex-
tabagista e com história familiar positiva para doença arterial coronariana, foi admitido
em serviço de emergência com relato de desconforto torácico. Relata ter apresentado,
aproximadamente 18 horas antes da chegada ao hospital, quadro de dor retroesternal
durante exercício em academia, que melhorou alguns minutos após cessar exercício. Em
sua residência voltou a apresentar desconforto torácico em repouso, com duração mais
prolongada. Relata na chegada melhora do quadro álgico, porém ainda com desconforto
residual. Nega outros sinais e sintomas.

Ao exame: algo ansioso; eupneico.


PA =160x100mmHg; FC=80bpm; ACV: RCR; 3T (B4)
AR: Pulmões limpos
Pulsos periféricos e carotídeos isócronos e isóbaros; sem sopros.
Eletrocardiograma: Ritmo sinusal; sobrecarga átrio esquerdo; infradesnível 1mm do
segmento ST com inversão onda T de V3 a V6.

OBJETIVOS
1. Analisar os princípios terapêuticos do tratamento a pacientes com suspeita
clínica de síndrome coronariana aguda (SCA).
2. Sistematizar o atendimento multidisciplinar a ser realizado nos pacientes com
SCA na sala de emergência.
3. Discutir as medidas não farmacológicas e farmacológicas à luz das
evidências científicas atualmente disponíveis na SCA.

PERGUNTAS
1. O quadro clínico descrito é compatível com síndrome coronariana aguda?

Sim. O paciente apresenta fatores de risco para doença arterial coronariana e a dor
torácica referida possui características sugestivas de angina típica.

2. Quais os princípios terapêuticos do tratamento das síndromes coronarianas


agudas e quais as diferenças de conduta nas suas diferentes apresentações?

Os princípios terapêuticos de todas as síndromes coronarianas agudas (SCA) são


fundamentalmente semelhantes. Os objetivos comuns do tratamento são:

1. Equilibrar a relação oferta/oxigênio miocárdico;


2. Limitar a formação de trombo: terapia antiplaquetária e anticoagulante;
3. Restabelecer a patência luminal.

A distinção entre o tratamento do infarto agudo do miocárdio com supra ST das


síndromes coronarianas agudas sem supra ST é a urgência e velocidade com a qual o
fluxo sanguíneo miocárdico deve ser restabelecido para prevenir dano transmural
irreversível, consequentemente, ênfase na rápida terapia de reperfusão.

É recomendado pelo ACC/AHA que todos os hospitais estabeleçam uma equipe


multidisciplinar para desenvolver protocolos específicos a cada instituição, na triagem
e manejo de pacientes que se apresentem com sintomas sugestivos de síndrome
coronariana aguda – classe I para escolha do tratamento inicial pelo médico
emergencista, baseado no protocolo institucional1. Recomenda-se consulta sequencial
de um cardiologista para dirimir as dúvidas não abordadas pelo protocolo. Se a SCA é
o diagnóstico mais provável, as intervenções iniciais devem ser rapidamente
realizadas.

3. Qual a abordagem inicial e quais as intervenções que devem ser realizadas?

Abordagem inicial:

Diagnóstico
Eletrocardiograma
Manter à beira do leito equipamentos de ressuscitação cardiopulmonar
Avaliação cardiológica de emergência para pacientes com SCA com choque
cardiogênico, insuficiência ventricular esquerda (IVE) ou taquiarritmia
ventricular sustentada.

Intervenções iniciais:

Avaliar e estabilizar via aérea, respiração e circulação.


Fornecer oxigênio suplementar é uma prática rotineira. No entanto, em
pacientes com saturação de oxigênio normal, a capacidade de transporte da
hemoglobina sanguínea e da concentração de oxigênio sanguíneo solúvel é
minimamente alterada pelo aumento na concentração de oxigênio inalado. A
administração de oxigênio suplementar é o tratamento-padrão para qualquer
paciente com hipoxia estabelecida, mas também é considerada razoável em
qualquer paciente com síndrome coronariana aguda nas primeiras seis horas
da apresentação1,2. Deve-se ter como meta manter a saturação de oxigênio
acima de 90%.
Providenciar monitorização cardíaca contínua e de saturação de oxigênio.
Tratar taquicardia ventricular sustentada rapidamente de acordo com
Advanced Cardiac Life Support (ACLS).
Administrar aspirina 162-325mg (não tamponada) para ser mastigada e
engolida o mais breve possível em relação ao início dos sintomas (exceto se
o diagnóstico de dissecção aórtica esteja sendo cogitado). Aspirina bloqueia
a ativação plaquetária limitando a produção de tromboxane através da via da
cicloxigenase. Na ausência de terapia de reperfusão, a aspirina isoladamente
reduz a mortalidade em aproximadamente 25%3. Para pacientes alérgicos à
aspirina, uma dose de ataque de clopidogrel deve ser dada alternativamente
(300-600mg)4.
Realizar história e exame físico direcionados para procurar sinais de
comprometimento hemodinâmico e insuficiência ventricular esquerda (IVE);
determinar funções neurológicas basais, particularmente se a terapia
fibrinolítica for uma opção terapêutica.
Obter amostra sanguínea para marcadores cardíacos bioquímicos
(preferencialmente troponina), eletrólitos, estudos de coagulação,
hematócrito/hemoglobina.
Tratar IVE, se presente: administrar redutores da pós-carga (nitrato
sublingual e/ou nitroglicerina venosa, quando certificada a não ingestão de
inibidores da fosfodiesterase, como para disfunção erétil 24 horas antes ou
72 horas para os de longa ação); diurético de alça (furosemida intravenosa).

4. Quais são as medicações que devem ser administradas na SCA?

Administrar dinitrato de isossorbida sublingual (5mg) até três doses, um a


cada vez, se o paciente persistir com dor precordial ou sinais de
insuficiência cardíaca, na ausência de hipotensão (como no infarto de
ventrículo direito) e na ausência de uso prévio de inibidores da
fosfodiesterase, pela propensão a causar hipotensão potencialmente grave.
Adicionar nitroglicerina venosa se os sintomas persistirem. A prática do uso
de nitratos é considerada bastante razoável, porém não existem benefícios
comprovados na mortalidade na SCASSST5 ou no IAM com supra ST6 no
contexto atual de estratégia de reperfusão.
Administrar betabloqueador (metoprolol 25mg via oral) se não houver sinais
de insuficiência cardíaca e sem alto risco para insuficiência cardíaca, sem
sinais de comprometimento hemodinâmico, sem distúrbios de condução
(PR>0,24s, bloqueio atrioventricular de 2º ou 3º grau) e na ausência de
hiperreatividade brônquica. Se o paciente se apresentar hipertenso, pode ser
iniciado betabloqueador venoso (metoprolol 5mg IV a cada 5 minutos, até
três doses). A administração de betabloqueadores para pacientes com IAM
com supra ST demonstrou reduzir as taxas de isquemia recorrente e de
reinfarto em pacientes submetidos à terapia de reperfusão7. No entanto, o uso
indiscriminado de betabloqueadores pode levar a aumento na incidência de
choque cardiogênico e se sobrepor aos benefícios. As diretrizes atuais não
recomendam o uso rotineiro de administração intravenosa de
betabloqueadores para pacientes com IAM com supra ST8.
Sulfato de morfina (2-4mg IV lentamente a cada 5-15 minutos) para
desconforto torácico persistente ou ansiedade. É um agente de segunda linha
bastante útil para aliviar a dor torácica nos pacientes em que o nitrato é
contraindicado ou não foi suficiente para aliviar a dor2. Dados retrospectivos
sugerem maior morbidade em pacientes com síndrome coronariana aguda
sem supradesnível do segmento ST (SCASSST) que recebem morfina, porém
sem o estabelecimento de relação causal9. Morfina pode reduzir a
estimulação simpática causada pela dor e ansiedade, diminuindo assim o
trabalho cardíaco e os riscos com excesso de catecolaminas.
Iniciar estatina, preferencialmente atorvastatina 80mg o mais breve possível,
se possível antes de angioplastia, em pacientes sem uso prévio de estatina.

5. Quais distinções devem ser feitas no tratamento de síndromes coronarianas


agudas com e sem supradesnível do segmento ST?

Manejo agudo de infarto agudo do miocárdio com supra ST

Selecionar estratégia de reperfusão: angioplastia (PTCA) primária


fortemente preferida, especialmente para pacientes com choque cardiogênico,
insuficiência cardíaca, apresentação tardia ou com contraindicações à
fibrinólise. Ativar equipe de hemodinâmica. Para pacientes com sintomas há
mais de 12 horas, a terapia fibrinolítica não está indicada, mas angioplastia
emergencial pode ser considerada, particularmente se o paciente se
apresentar com evidência de isquemia em evolução ou aqueles de alto risco.
Tratar com fibrinólise, se a angioplastia não estiver disponível dentro de 90-
120 minutos, sintomas menores que 12 horas e sem contraindicações ao seu
uso.
Terapia antiplaquetária adicional à aspirina para todos os pacientes:

1. Pacientes tratados com terapia fibrinolítica: clopidogrel com dose de ataque


de 300mg, se idade >75 anos; se maior 75 anos, dose de ataque de 75mg.
2. Pacientes sem terapia de reperfusão: preferencialmente ticagrelor com dose
de ataque de 180mg.
3. Pacientes tratados com PTCA primária: preferencialmente ticagrelor com
dose de ataque de 180mg ou prasugrel com dose de ataque de 600mg (se não
houver contraindicações: acidente vascular encefálico (AVE) prévio, ataque
isquêmico transitório (AIT), ou contraindicação relativa para prasugrel nos
pacientes com idade >75 anos, peso <60kg). Pacientes com alto risco de
sangramento, clopidogrel 300-600mg (preferencialmente 600mg) é preferível
ao ticagrelor ou prasugrel.

Terapia anticoagulante para todos os pacientes:

1. Heparina não fracionada ou


2. Enoxaparina

Manejo agudo angina instável ou IAMSSST

Terapia antiplaquetária associada à aspirina para todos os pacientes:

1. Pacientes não tratados com estratégia invasiva: preferencialmente ticagrelor


com dose de ataque de 180mg. Pacientes com muito alto risco (desconforto
isquêmico recorrente, alterações eletrocardiográficas dinâmicas ou
instabilidade hemodinâmica): considerar adicionar inibidor GPIIb/IIIa
(tirofiban).
2. Pacientes tratados com estratégia invasiva precoce: preferencialmente
ticagrelor com dose de ataque de 180mg (na apresentação) ou prasugrel dose
de ataque de 60mg (após coronariografia diagnóstica)
3. Para pacientes tratados com estratégia invasiva tardia: ticagrelor dose carga
180mg.
4. Para pacientes com idade >74 anos, peso <60kg, ou passado AVE ou AIT,
ticagrelor (ou clopidogrel 300-600mg) é preferível ao prasugrel. Para
pacientes com alto risco para sangramento devido a AVE hemorrágico
prévio, sangramento em evolução, diátese hemorrágica ou anemia ou
trombocitopenia clinicamente relevantes, clopidogrel 300-600mg é uma
opção.
5. Para pacientes submetidos a estratégia invasiva que estão sob alto risco
(desconforto isquêmico recorrente, alterações eletrocardiográficas dinâmicas
ou instabilidade hemodinâmica), considerar adição inibidor GPIIB/IIIa.

Terapia anticoagulante em todos os pacientes:

1. Heparina não fracionada ou


2. Enoxaparina

6. Que outras medidas devem ser tomadas no tratamento das síndromes


coronarianas agudas?

SCA relacionada cocaína: benzodiazepínicos como necessário para aliviar


sintomas; não administrar betabloqueadores.
Interromper anti-inflamatório não esteroide, se possível
Corrigir anormalidades eletrolíticas, especialmente hipopotassemia e
hipomagnesemia.

A Figura 1 a seguir apresenta a síntese da abordagem da síndrome coronariana aguda.


Figura 1
Sumário da abordagem da síndrome coronariana aguda

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
1. Antman EM, Anbe DT, Armstrong PW, Bates ER, Green LA, Hand M, et al.
ACC/AHA Guidelines for the Management of Patients with ST-elevation
Myocardial Infarction; A report of the American College of
Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines
(Committee to revise the 1999 Guidelines for the Management of Patients
with Acute Myocardial Infarction). J Am Coll Cardiol. 2004;44(3):E1-E211.
2. Roger VL, Go AS, Lloyd-Jones DM, Adams RJ, Berry JD, Brown TM, et al;
American Heart Association Statistics Committee and Stroke Statistics
Subcommittee. Heart disease and stroke statistics--2011 update: a report from
the American Heart Association. Circulation. 2011;123(4):e18-e209. Erratum
in: Circulation. 2011;123(6):e240; 2011;124(16):e245.
3. ISIS-2 (Second International Study of Infarct Survival) Collaborative Group.
Randomised trial of intravenous streptokinase, oral aspirin, both, or neither
among 17,187 cases of suspected acute myocardial infarction: ISIS-2. ISIS-2
(Second International Study of Infarct Survival) Collaborative Group. Lancet.
1988;2(8607):349-60.
4. Harrington RA, Becker RC, Ezekowitz M, Meade TW, O'Connor CM,
Vorchheimer DA, et al. Antithrombotic therapy for coronary artery disease:
the Seventh ACCP Conference on Antithrombotic and Thrombolytic Therapy.
Chest. 2004;126(3 Suppl):513S-48S.
5. ISIS-4 (Fourth International Study of Infarct Survival) Collaborative Group.
ISIS-4: a randomised factorial trial assessing early oral captopril, oral
mononitrate, and intravenous magnesium sulphate in 58,050 patients with
suspected acute myocardial infarction. ISIS-4 (Fourth International Study of
Infarct Survival) Collaborative Group. Lancet. 1995;345(8951):669-85.
6. Rude RE, Muller JE, Braunwald E. Efforts to limit the size of myocardial
infarcts. Ann Intern Med. 1981;95(6):736-61.
7. Roberts R, Rogers WJ, Mueller HS, Lambrew CT, Diver DJ, Smith HC, et al.
Immediate versus deferred beta-blockade following thrombolytic therapy in
patients with acute myocardial infarction. Results of the Thrombolysis in
Myocardial Infarction (TIMI) II-B Study. Circulation. 1991;83(2):422-37.
8. Canadian Cardiovascular Society; American Academy of Family Physicians;
American College of Cardiology; American Heart Association, Antman EM,
Hand M, Armstrong PW, Bates ER, Green LA, Halasyamani LK, et al. 2007
focused update of the ACC/AHA 2004 Guidelines for the Management of
Patients with ST-elevation Myocardial Infarction: a report of the American
College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice
Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2008;51(2):210-47. Erratum in: J Am Coll
Cardiol. 2008;51(9):977.
9. Meine TJ, Roe MT, Chen AY, Patel MR, Washam JB, Ohman EM, et al;
CRUSADE Investigators. Association of intravenous morphine use and
outcomes in acute coronary syndromes: results from the CRUSADE Quality
Improvement Initiative. Am Heart J. 2005;149(6):1043-9.
DOENÇA CARDÍACA TRAUMÁTICA

Vinício Elia Soares

CASO CLÍNICO
Paciente do sexo masculino, 55 anos, sem antecedentes mórbidos conhecidos, ao reagir
a assalto foi vítima de lesões por arma branca. O instrumento utilizado pelo agressor
foi uma faca de cozinha pontiaguda. Cinco facadas foram desferidas, quatro
promoveram lesões cutâneas e de partes moles sem maiores gravidades; a última,
entretanto, atingiu a face anterior do hemitórace esquerdo e teve como consequência,
expressiva hemorragia quando a vítima, numa reação praticamente instintiva, removeu a
faca que havia se alojado em seu tórax.

A vítima foi então levada por seus familiares, por meios próprios, para um hospital
com serviço de emergência. Deu entrada em estado crítico, com respiração agônica,
francamente hipotenso e extremamente bradicárdico. Em curtíssimo intervalo de tempo,
após a chegada ao hospital, ocorreu parada cardíaca.
(caso continua ao final do capítulo)

OBJETIVOS
1. Discutir as modificações no suporte básico de vida e no suporte avançado de
vida em cardiologia no cenário do trauma.
2. Descrever noções básicas sobre ressuscitação com tórax aberto e suas
indicações.
3. Sintetizar aspectos relevantes relacionados aos mecanismos de lesão,
reconhecimento diagnóstico e manuseio inicial de pacientes vítimas de
injúria cardíaca traumática penetrante e não penetrante.
4. Analisar pericardiocentese e toracotomia no cenário da injúria cardíaca
traumática.

PERGUNTAS
1. Que medidas devem ser adotadas imediatamente neste caso?

Suporte básico de vida e suporte avançado de vida em cardiologia para pacientes


vítimas de trauma são, em suas essências, os mesmos que aqueles destinados para
pacientes com parada cardíaca primária (controle de vias aéreas, suporte respiratório e
suporte circulatório)1,2. Causas reversíveis de parada cardíaca no cenário do trauma
(hipovolemia, hipoxemia, pneumotórax hipertensivo, tamponamento cardíaco,
hipotermia) devem ser consideradas e imediatamente corrigidas.

• Modificações no suporte básico de vida no trauma:

No paciente politraumatizado ou quando o trauma atinge a cabeça e o pescoço deve


haver o cuidado para estabilização cervical.

Para abertura de vias aéreas, a tração no ângulo da mandíbula sem inclinação da cabeça
(jaw thrust) deve ser empregada em vez da elevação da ponta da mandíbula com
inclinação da cabeça (head tilt – chin lift).

Hemorragias visíveis devem ser interrompidas com compressão direta e realização de


curativos apropriados.

No paciente que não responde, a ressuscitação cardiopulmonar básica padrão e a


desfibrilação devem ser empregadas, se indicadas.
• Modificações no suporte avançado de vida em cardiologia no trauma:

No estabelecimento de via aérea avançada, deve-se manter o cuidado para a


manutenção da estabilização cervical. Caso uma via aérea avançada não seja possível e
a ventilação se faça de modo inadequado, uma via aérea cirúrgica deve ser considerada
e realizada por profissional experiente.

Redução unilateral do murmúrio vesicular com a ventilação com pressão positiva


(desde que não haja entubação seletiva) leva à imediata suspeita de pneumotórax,
hemotórax ou lesão de diafragma.

Controle do sangramento ativo e reposição volêmica em pacientes com perdas


significativas são medidas fundamentais do suporte circulatório no trauma.

Fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso são tratadas com


desfibrilação.

Documentação de atividade elétrica sem pulso e de ritmos bradiassistólicos motivam


suspeita de causas passíveis de correção.

A toracotomia de emergência oferece, em termos de sobrevida, melhores resultados que


a pericardiocentese em pacientes com tamponamento cardíaco causado por trauma3.

2. Quando deve ser realizada a ressuscitação com tórax aberto?

A ressuscitação com tórax aberto consiste de compressão manual direta do coração


através de uma toracotomia (habitualmente no 5º espaço intercostal esquerdo). Essa
técnica gera fluxo anterógrado e pressão de perfusão coronariana maiores que os
atingidos com a compressão torácica convencional (fisiologicamente superior), mas
demanda, obviamente, qualificação e habilidade cirúrgica para seu emprego
(logisticamente inferior)4.

As evidências médicas contemporâneas, ponderando risco e benefício, são insuficientes


para recomendar de modo rotineiro a ressuscitação com tórax aberto. Ela pode ser
empregada, entretanto, em casos selecionados como na parada cardíaca fora do
ambiente hospitalar, com curto intervalo de tempo de transporte para centro médico
com facilidades cirúrgicas, em vítimas de trauma penetrante.
A ressuscitação com tórax aberto também pode ser considerada na parada cardíaca no
centro cirúrgico em pacientes que se encontrem com tórax ou abdome já abertos ou na
parada cardíaca que ocorra no pós-operatório precoce de cirurgias cardíacas ou
torácicas5.

3. Quais são as considerações relevantes para o clínico sobre a injúria cardíaca


penetrante?

A injúria cardíaca penetrante é uma das principais causas de morte no contexto da


violência urbana. Projéteis de armas de fogo e facas são agentes frequentemente
envolvidos nesse tipo de lesão. O ventrículo direito, pela sua localização anatômica
anterior, é a cavidade cardíaca mais frequentemente envolvida. Comprometimento de
múltiplas câmaras pode acontecer e tal ocorrência é relacionada a prognóstico pior.
Laceração de artérias coronárias pode ocorrer em 5% dos casos. São raramente
acometidos o septo interventricular, as válvulas cardíacas, os músculos papilares e as
cordas tendíneas. Nessas circunstâncias, rapidamente podem se manifestar edema
agudo de pulmão e choque cardiogênico. Classicamente duas condições podem se
manifestar após a injúria cardíaca penetrante: choque hipovolêmico hemorrágico ou
tamponamento cardíaco.

• Choque hipovolêmico hemorrágico:

Acontece quando ocorre livre comunicação entre cavidades cardíacas e espaço pleural.
Tal condição muitas vezes ocorre em vítimas de lesões por arma de fogo. Em
hemorragias maciças, as vítimas frequentemente evoluem rapidamente para parada
cardíaca e muitas vezes morrem antes de receberem cuidados médicos. Para aqueles
que chegam ao hospital, a toracotomia no Serviço de Emergência pode ser indicada
(Figura 1).

Figura 1
Injúria traumática cardíaca penetrante
• Tamponamento cardíaco:

Acontece no caso de contenção da hemorragia pelo pericárdio. A frequência de


tamponamento é em torno de 2% em lesões penetrantes torácicas ou que envolvam o
andar abdominal superior. De 60% a 80% das vítimas de injúrias cardíacas penetrantes
por arma branca desenvolvem tamponamento.

Os clássicos componentes da tríade de Beck (turgência das veias do pescoço,


abafamento de ruídos cardíacos e hipotensão) e o pulso paradoxal (redução inspiratório
além de 10mmHg na pressão arterial sistólica) para o diagnóstico do tamponamento
cardíaco, nem sempre são adequadamente apreciados no cenário do trauma6. O
tamponamento pode se manifestar sem turgência venosa pela hipovolemia
frequentemente associada (pode tornar-se evidente após reposição volêmica), a
ausculta cardíaca muitas vezes é prejudicada pelos ruídos do ambiente dos serviços de
emergência e a hipotensão é uma manifestação de inúmeras outras condições
relacionadas ao trauma. A ecocardiografia é uma ferramenta de fundamental
importância para o diagnóstico do tamponamento. De fato, de modo geral, o ultrassom
vem sendo cada vez mais utilizado à beira do leito como parte de protocolos de
ressuscitação em serviços de emergência para vítimas de trauma (Fast exam).

A pericardiocentese é uma medida salvadora de vidas em pacientes com instabilidade


hemodinâmica decorrente de tamponamento cardíaco. No cenário do trauma, entretanto,
deve-se lembrar que o acúmulo de sangue no espaço pericárdico oferece “certo grau de
proteção” no sentido de conter a hemorragia. Dessa maneira, não se tratando de
pacientes com risco iminente de parada cardíaca, os esforços devem ser direcionados
para a rápida transferência do paciente para o centro cirúrgico, para realização de
toracotomia e reparo das lesões, e não para realização de imediata da
pericardiocentese. Há que se salientar também que a pericardiocentese pode não ser
efetiva na evacuação de sangue do espaço pericárdico em função da formação de
coágulos.

A realização de toracotomia imediata ou de urgência, no serviço de emergência ou no


centro ciúrgico, deve levar em conta as circunstâncias clínicas do paciente em
determinado momento.

4. Quais são as considerações relevantes para o clínico sobre a injúria cardíaca não
penetrante?
A injúria cardíaca não penetrante usualmente resulta de colisões entre veículos
automotores em alta velocidade. Atropelamentos, acidentes com bicicletas, golpes
sobre o tórax (eventualmente em práticas desportivas), entre outros, também podem
promover injúrias cardíacas não penetrantes7.

Clinicamente a injúria cardíaca não penetrante pode se manifestar através de:

alterações eletrocardiográficas e elevação de marcadores de necrose


cardíaca;
arritmias cardíacas (de menor ou maior complexidade);
trombose de artéria coronária;
rotura de parede livre de cavidade cardíaca;
dano estrutural (septo interventricular, músculo papilar, corda tendínea) ou
insuficiência cardíaca.

O comprometimento do coração deve ser suspeitado em qualquer condição de trauma


torácico não penetrante. Avaliação clínica, emprego de marcadores específicos de
necrose cardíaca (troponinas), realização de eletrocardiograma e de ecocardiograma
são as ferramentas básicas para o diagnóstico.

A maior parte dos pacientes com injúria cardíaca não penetrante apresentar-se-á com
alterações eletrocardiográficas e de marcadores de necrose de menor relevância.
Embora muitos tenham um curso hospitalar benigno e não requeiram medidas de maior
complexidade, as alterações eletrocardiográficas e de marcadores de necrose podem
ser preditores de evolução desfavorável (hipotensão, arritmias, insuficiência cardíaca).
Assim sendo, tal grupo de pacientes deve ser acompanhado com atenção.

Um percentual razoável de pacientes com injúria cardíaca traumática apresentar-se-á


com arritmias de menor ou maior complexidade, sendo possível inclusive a ocorrência
de fibrilação ventricular. O tratamento dependerá do tipo de arritmia verificada.
Arritmias complexas levando à parada cardíaca, induzidas por golpe desferido sobre o
tórax, sem achado na patologia de alterações cardíacas estruturais (commotio cordis)
são a segunda causa mais frequente de morte súbita em jovens atletas.
Apresentação com insuficiência cardíaca é menos frequentemente observada nas
vítimas de injúria cardíaca não penetrante. Habitualmente o tratamento nessas
circunstâncias envolve medidas de suporte com emprego de fármacos inotrópicos e
vasopressores. A contrapulsação intra-aórtica pode ser considerada, mas há que se
considerar o risco da anticoagulção no trauma recente.

A apresentação com rotura de cavidade é menos comum que a apresentação com


insuficiência cardíaca. Muitas vítimas com rotura de cavidade morrem antes de chegar
ao hospital ou mesmo antes de receber os primeiros socorros. Na eventualidade de uma
rotura em câmara de baixa pressão ou de rotura de alguma forma parcial e contida pelo
pericárdio, o paciente pode sobreviver e necessitará de toracotomia e correção
cirúrgica da lesão8.

Continuação do caso clínico

O paciente foi submetido, ainda no serviço de emergência, à ressuscitação


cardiopulmonar com o tórax aberto e foi imediatamente levado para o centro cirúrgico.
A cirurgia consistiu de correção de perfuração de ventrículo direito e de ligadura de
descendente anterior que havia sido lesada e motivara o sangramento a partir de seu
segmento médio. Houve, no pós-operatório, documentação, através de
eletrocardiografia, de infarto com onda Q em topografia anterior e de importante déficit
contrátil, na ecocardiografia, em segmentos anteriores.

O paciente recebeu, após a cirurgia, monitorização hemodinâmica invasiva, suporte


com inotrópicos e vasopressores, hemoderivados e hemocomponentes, ventilação com
pressão positiva, técnicas de substituição de função renal, diversos regimes
antimicrobianos, terapia nutricional entre outras medidas de terapia intensiva.

Após 72 dias de internação hospitalar, o paciente recebeu alta para sua residência. Um
ano depois, retornou ao hospital para rever a equipe de profissionais envolvida em seu
tratamento. Encontrava-se totalmente reabilitado para suas atividades de vida, feliz e
com planos para o futuro de sua família.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
1. Cave DM, Gazmuri RJ, Otto CW, Nadkarni VM, Cheng A, Brooks SC, et al.
Part 7: CPR techniques and devices: 2010 American Heart Association
Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency
Cardiovascular Care. Circulation. 2010;122(18 Suppl 3):S720-8.
2. Vanden Hoek TL, Morrison LJ, Shuster M, Donnino M, Sinz E, Lavonas EJ,
et al. Part 12: cardiac arrest in special situations: 2010 American Heart
Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency
Cardiovascular Care. Circulation. 2010;122(18 Suppl 3):S829-61. Erratum
in: Circulation. 2011;123(6):e239; 2011;124(15):e405.
3. Working Group, Ad Hoc Subcommittee on Outcomes, American College of
Surgeons. Committee on Trauma. Practice Management Guidelines for
Emergency Department Thoracotomy. Working Group, Ad Hoc Subcommittee
on Outcomes, American College of Surgeons ─ Committee on Trauma. J Am
Coll Surg. 2001;193(3):303-9.
4. Wall MJ, Tsai PI, Mattox KL. Traumatic heart disease. In: Bonow RO, Mann
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cardiovascular medicine. 9th ed. Philadelphia: Elsevier; 2011. p.1672-8.
5. Cook CC, Gleason TG. Great vessel and cardiac trauma. Surg Clin North
Am. 2009;89(4):797-820.
6. Eckstein M, Henderson SO. Thoracic trauma. In: Marx JA, Hockberger RS,
Walls RM, Adams JG, Barsan WG, Biros MH, et al., eds. Rosen’s
Emergency Medicine: concepts and clinical practice. 7th ed. Philadelphia:
Mosby/Elsevier; 2009. p.387-413.
7. Winfield RD, Lottenberg L. Secondary and tertiary triage of the trauma
patient. In: Gabrielli A, Layon AJ, Yu M, eds. Civetta, Taylor and Kirby’s
Critical Care. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2009.
p.1109-28.
8. Working Group, Ad Hoc Subcommittee on Outcomes, American College of
Surgeons. Committee on Trauma. Practice Management Guidelines for
Emergency Department Thoracotomy. Working Group, Ad Hoc Subcommittee
on Outcomes, American College of Surgeons ─ Committee on Trauma. J Am
Coll Surg. 2001;193(3):303-9.
CHOQUE

Marcelo Muniz Lamberti

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 60 anos, em tratamento para hipertensão arterial e diabetes, com
amlodipina, enalapril e metformina, é admitido na emergência com quadro de dor
torácica sudorese e hipotensão, iniciado após atividade física.

Exame físico:
PA =72x38mmHg; FC =135bpm; Peso =90,60kg; Altura =1,72m; Cintura abdominal
=115cm; IMC =30,6kg/m2
Turgência de jugulares a 45°
AC RR em 4t c/ b4+b3; pulmões limpos; sem edemas em MSIS
Glicemia capilar =180g/dL; Gasometria arterial: Ph =7,12; PO2 =68,4; PCO2 =28,2;
SO2 =81%.
ECG: Elevação do segmento ST em DI, aVL, V1 a V6
Radiografia de tórax: Hipertensão venocapilar pulmonar
OBJETIVOS
1. Analisar as ferramentas para o diagnóstico de choque.
2. Descrever o quadro clínico e aspectos fisiopatológicos do choque.
3. Discutir medidas farmacológicas e não farmacológicas para o tratamento do
choque cardiogênico.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar a causa dos sintomas
apresentados por este paciente?

O choque cardiogênico ocorre em aproximadamente 5% a 15% dos pacientes com


infarto agudo do miocárdio (IAM). Sua mortalidade ainda é elevada (60% a 80%) e
relaciona-se com isquemia e/ou necrose de VE significativas. Infarto do ventrículo
direito e lesões estruturais (rotura do septo ventricular, insuficiência mitral aguda,
aneurisma e rotura) também são causas de choque cardiogênico no cenário do infarto
agudo do miocárdio1.

Miocardites, cardiomiopatias, contusão, cirurgia cardíaca com circulação


extracorpórea prolongada, disfunção ventricular após parada cardíaca, depressão da
função miocárdica por agentes tóxicos ou farmacológicos ou por sepse grave, estenose
aórtica, cardiomiopatia hipertrófica, mixoma, taquiarritmias e bradiarritmias, também
podem ser causas de choque cardiogênico2.

2. Como confirmar o diagnóstico e compreender os modelos hemodinâmicos?

Na fisiopatologia do choque, salienta-se a inadequação do transporte ou a utilização de


oxigênio para satisfação da demanda metabólica tecidual. A Figura 1 sintetiza as
relações entre transporte de oxigênio, consumo de oxigênio e demanda metabólica. A
Figura 2 traz o conceito de choque com enfoque fisiopatológico1.
Figura 1
Relações entre transporte de oxigênio, consumo de oxigênio e demanda metabólica, além de alterações da saturação
venosa de oxigênio em diferentes circunstâncias clínicas.
Reduções do débito cardíaco, da concentração de hemoglobina e da saturação arterial de oxigênio causam,
respectivamente, hipóxia circulatória, hipóxia anêmica e hipóxia hipóxica. Nessas circunstâncias, verifica-se aumento
compensatório da extração de oxigênio para atender à demanda metabólica e, consequentemente, redução da
saturação venosa de oxigênio. Processos patológicos que causem redução da extração de oxigênio ou alterações
metabólicas teciduais podem cursar com inadequação da utilização de oxigênio sem redução da saturação venosa de
oxigênio (disóxica)2.
Hgb=hemoglobina, SaO2=saturação arterial de oxigênio; DO2=transporte de oxigênio; VO2=consumo de oxigênio;
MRO2=demanda metabólica tecidual; ATP=trifosfato de adenosina; SvO2=saturação venosa de oxigênio
Figura 2
Conceito de choque com base na fisiopatologia da utilização de oxigênio.
Ocorre choque quando o consumo de oxigênio fica aquém da demanda metabólica tecidual1.
Hgb=hemoglobina, SaO2=saturação arterial de oxigênio, DO2=transporte de oxigênio, VO2=consumo de oxigênio,
MRO2=demanda metabólica tecidual, ATP=trifosfato de adenosina

• Choque hipovolêmico

Pode ser hemorrágico, se secundário a trauma (sangramento interno, externo) ou


hemorragia gastrintestinal, e outras; e não hemorrágico, se secundário a vômitos,
diarreia, poliúria (diuréticos, hiperosmolarilade), queimaduras extensas, fístulas e
sequestro em terceiro espaço.

Suas manifestações clínicas são: taquicardia, hipotensão, pulso filiforme, enchimento


capilar lento (>2s), jugulares e veias periféricas colabadas, taquipneia, palidez cutânea
e mucosa, pele fria e pegajosa, sudorese, oligúria (diurese <0,5ml/kg/h por 2 horas) e
alteração do estado mental.

O perfil hemodinâmico é caracterizado por redução da pressão venosa central (PVC),


redução da pressão de oclusão de arterial pulmonar (POAP), redução do débito
cardíaco (DC), aumento da resistência vascular, redução do DO2, aumento da extração
de O2 e redução da saturação venosa de oxigênio (SvO2).
O diagnóstico de choque é feito em pacientes que apresentam uma síndrome clínica
caracterizada por distúrbio circulatório agudo que resulta em perfusão tecidual ineficaz
que, por sua vez, desencadeará se não corrigida, grave disfunção de órgãos e sistemas.

Os critérios clínicos são:

Hipotensão:

PAS < 90mmHg


PAM < 60mmHg
redução > 40mmHg na PAS de base

Hipoperfusão:

alteração do estado mental


oligúria
acidose lática

Categorias funcionais:

Choque hipovolêmico
Choque cardiogênico
Choque obstrutivo
Choque distributivo

A via final comum de todos os modelos é a morte celular e disfunção de mútiplos


órgãos e sistemas.

• Choque cardiogênico

Os critérios para diagnóstico se baseiam nas evidências clínicas de hipoperfusão como


PA sistólica <80/90mmHg, pressão de oclusão de artéria pulmonar ≥18mmHg e índice
cardíaco ≤1,8L/min/m2, além de evidência de anormalidade cardíaca por método
gráfico (ECG), elevação de marcadores de necrose miocárdica ou de imagem
(ecocardiograma)3.

As manifestações clínicas são secundárias à disfunção miocárdica pela isquemia,


levando a baixo débito como taquicardia, hipotensão, pulso filiforme, enchimento
capilar lento, turgência jugular, galope atrial (B4) e/ou ventricular (B3), sopro (IM,
rotura do septo), taquipneia, estertores pulmonares (pulmões limpos no infarto de VD),
palidez cutânea, pele fria e pegajosa, oligúria, alteração do estado mental3.

O perfil hemodinâmico na disfunção do VE é caracterizado por PVC normal ou


elevada, POAP elevada (geralmente >18mmHg), débito reduzido (IC <1,8-
2,0l/min/m2), aumento da resistência vascular, redução do trabalho sistólico do VE,
redução do DO2, aumento da extração de O2 e redução da SvO21.

Na disfunção do VD observa-se PVC elevada (geralmente >10mmHg), POAP reduzida,


normal ou elevada, relação entre PVC e POAP >0,7 ou 0,8, X e Y proeminentes, sinal
de Kussmaul, podendo haver equalização diastólica, débito reduzido, aumento da
resistência, redução do DO2 e redução da SvO21.

O perfil hemodinâmico na regurgitação mitral por disfunção de músculo papilar


apresenta PVC normal ou elevada, POAP elevada, onda V evidente, POAP >PDFAP
(pressão diastólica final de artéria pulmonar), débito cardíaco reduzido, aumento da
resistência vascular, redução do DO2, podendo ainda haver aumento do SvO2.

Na rotura do septo observam-se PVC, PAP e POAP elevadas, aumento da pressão de


pulso de AP, pode haver onda V evidente (fluxo), real débito cardíaco reduzido
(superestimado pela termodiluição), aumento da resistência vascular, salto oximétrico,
( de 10% na SO2 entre o AD e a AP)3.

• Choque distributivo

A síndrome de resposta inflamatória sistêmica é causada por sepse, pancreatite, trauma,


grande queimado, assim como anafilaxia, neurogênico, trauma medular, anestésicos,
vasodilatadores, diazepínicos, hipertireoidismo, mixedema e disfunção adrenal1.

No choque séptico as manifestações clínicas na fase inicial compreendem: taquicardia,


hipotensão (até sem hipotensão), enchimento capilar rápido, “pele quente”, febre,
evidências de infecção, oligúria, alteração do estado mental. Os parâmetros
hemodinâmicos evidenciam débito elevado e resistência reduzida, pressões de
enchimento normais ou reduzidas, contratilidade, volume sistólico e FE reduzidos,
extração de oxigênio muitas vezes reduzida, SvO2 reduzida, normal ou elevada.
Quando se avança à fase tardia no choque séptico encontram-se: taquicardia,
hipotensão, enchimento capilar lento, “pele fria”, disfunção de órgãos (SARA, CID,
outras). As alterações hemodinâmicas revelam débito reduzido e resistência elevada,
pressões de enchimento normais ou elevadas e SvO2 reduzida, raramente elevada4.

3. Quais são as metas terapêuticas nos pacientes com choque ?

As metas terapêuticas compreendem o suporte hemodinâmico, a otimização da


utilização de O2, a reversão da disfunção de órgãos e a abordagem da causa do choque.
Para tal os seguintes parâmetros devem ser alcançados5:

Suporte hemodinâmico

FC < 110bpm
PAM >60-65mmHg (não cardiogênico), PAM >80mmHg ? (coronariopatia)
POAP entre 14-18mmHg (não cardiogênico), POAP entre 20-25mmHg ?
(cardiogênico)

IC >2,1-2,5l/min/m2 (não distributivo), IC >3,0-4,5l/min/m2 (distributivo)

ITSVE >55g/m/bat/m2

IRVS entre 1800-2500din/s/cm5/m2

Otimização da utilização de O2

hemoglobina >8g%
SaO2 >92%, PaO2 >60mmHg
SvO2 >55-65%, SvcO2 > 70%
lactato sérico <2,2mEq/L

IDO2 >600ml/min/m2 ou >14ml/kg/min (?)

IVO2 >170ml/min/m2 ou >3,5ml/kg/min (?)


normalização da taxa de extração de O2

A reversão da disfunção de órgãos deve contemplar a reversão da encefalopatia, débito


urinário acima de 0,5ml/kg/h, normalização de escórias nitrogenadas, reversão da
disfunção hepática e melhora da função pulmonar, amparada nos parâmetros de
utilização de O2 acima descritos2.
Nas Figuras 3 e 4 estão apresentadas as sequências de ações em pacientes com
distúrbios hemodinâmicos4.

Figura 3
Condutas iniciais, com base na avaliação clínica, de pacientes que se apresentam com distúrbios hemodinâmicos.
Figura 4
Abordagem escalonada de pacientes com distúrbios hemodinâmicos.
PVC=pressão venosa central; POAP=pressão de oclusão de artéria pulmonar; IC=índice cardíaco; VO2=consumo de
oxigênio; SDMO=síndrome de disfunção de múltiplos órgãos

4. Que considerações podem ser feitas sobre o tratamento do choque cardiogênico?

Medicamentos usados no tratamento de choque cardiogênico melhoram os sintomas,


mas somente o restabelecimento do fluxo coronariano melhora o prognóstico. Terapia
de droga adjunta é geralmente baseada no uso de catecolaminas e/ou inibidores da
fosfodiesterase (IPD). Todas as catecolaminas atuam nos adrenorreceptores de
membrana mediadas pela proteína-g e um segundo mensageiro (AMP cíclico) adenosina
monofosfato cíclico. Finalmente, catecolaminas produzem um suplemento de cálcio
intracelular no miócito e essa sobrecarga pode favorecer a presença de arritmias
induzida de cálcio e aumentar as demandas metabólicas dos miócitos3.

Para complementar esses efeitos indesejáveis, as catecolaminas podem condicionar


apoptose celular particularmente em concentrações elevadas como norepinefrina.
Novas drogas têm aparecido em ordem de crescentes níveis de AMPc produzindo
vasodilatação. O IPD atua como droga inodilatadora, embora seus efeitos indesejáveis
também incluam trombocitopenia. Tratamento crônico com milrinone para insuficiência
cardíaca aumenta a mortalidade.

Outros dispositivos usados para melhorar o estado de choque são: o balão intra-aórtico
cujo objetivo é melhorar a perfusão coronariana para inflar em diástole, gerando maior
pressão de pulso; e um desinflar na sístole, que diminui a resistência à expulsão do
fluxo de sangue através do coração, reduzindo as exigências de oxigênio. Dispositivos
de assistência ventricular são úteis mas sempre indicado como ponte para transplante
cardiaco3.

5. Quando estaria indicada a realização de revascularização em pacientes com


choque cardiogênico?

A conduta no choque cardiogênico baseia-se no reestabelecimento do fluxo coronariano


no menor tempo possível. A literatura evidencia 90 minutos como tempo máximo para
revascularização percutânea6. A apresentação do estado de choque define o
comportamento de imediato para executar. Terapia trombolítica é indicada em pacientes
com infarto quando não se conta com sala de hemodinâmica para procedimento
primário7,8. Quando a apresentação é maior que 12 horas, terá que descartar qualquer
complicação mecânica e em ambos os casos deve ser transferida para um centro
equipado com sala homodinâmica para realização de angiografia coronária. O balão
intra-aórtico é indicado como parte do tratamento inicial6.

Esta abordagem de tratamento é eficaz em reduzir a mortalidade e a morbidade

6. Existe alguma estratégia para prevenção do choque cardiogênico?

Apesar do recente declínio na mortalidade ajustadas por idade, em 2005, as doenças


cardiovasculares (DCV) foram a principal causa de 864.480 mortes (35,3% do total) e
a causa secundária em outras 507.520 mortes nos Estados Unidos. De fato, a doença
cardiovascular tem sido a principal causa de morte nos Estados Unidos durante os
últimos 100 anos. Enquanto taxas de mortalidade ajustadas por idade, as doenças
cardiovasculares supostamente estão em declínio nos Estados Unidos, e estão a
aumentar em muitos países em desenvolvimento. Tais países irão sucumbir à transição
epidemiológica que afetou os Estados Unidos, representando um desafio importante
para esses países que passam por um desenvolvimento social e econômico, como
economias de mercado emergentes. A forma mais evitável de doença cardiovascular é
doença arterial coronariana (DAC). Nos Estados Unidos a DAC anualmente resulta em
502.000 mortes, das quais 185.000 são devidas ao infarto do miocárdio (IAM)9.

Prevenção primária reduz IAM e insuficiência cardíaca, diminuindo a necessidade de


procedimentos de revascularização coronariana e ampliando e melhorando a qualidade
de vida.

A prevenção secundária se baseia na detecção precoce do processo da doença e a


aplicação das intervenções para impedir a progressão da doença

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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improving outcomes. Circulation. 2008; 117:686-97.
2. Beal AL, Cerra FB. Multiple organ failure syndrome in the 1990s. Systemic
inflammatory response and organ dysfunction. JAMA. 1994;271:226-33.
3. Antman EM, Anbe DT, Armstrong PW, Bates ER, Green LA, Hand M, et al;
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Practice Guidelines; Canadian Cardiovascular Society. ACC/AHA
Guidelines for the Management of Patients with ST-elevation Myocardial
Infarction: A report of the American College of Cardiology/American Heart
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1999 Guidelines for the Management of Patients with Acute Myocardial
Infarction). Circulation. 2004;110:e82-292. Erratum in: Circulation.
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4. Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, et al;
Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goal-directed
therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med.
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7. Widimský P, Groch L, Zelizko M, Aschermann M, Bednár F, Suryapranata H.
Multicentre randomized trial comparing transport to primary angioplasty vs
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catheterization laboratory. The PRAGUE study. Eur Heart J.
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8. Widimský P, Budesínský T, Vorác D, Groch L, Zelízko M, Aschermann M, et
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angioplasty vs immediate thrombolysis in acute myocardial infarction. Final
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9. National Heart Lung and Blood Institute. [Internet]. Health Information for the
Public. Health Topics. What is cardiogenic shock? [cited 2011 Jul 27].
Available from:
<http://www.nhlbi.nih.gov/health/dci/Diseases/shock/shock_what.html>
DISSECÇÃO AÓRTICA AGUDA

Plínio Resende do Carmo Júnior

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 62 anos, com história de hipertensão arterial de longa data com
tratamento irregular, foi admitido em Unidade de Emergência com queixa de dor em
região anterior do tórax, de forte intensidade, com irradiação para o dorso. Foi
realizado ECG que não evidenciou alterações isquêmicas agudas.

Ao exame físico apresentava palidez cutânea mucosa; PA =220/130mmHg (BD),


170/120mmHg (BE); FC =110bpm; FR =30irpm; ACV: RCR em 2t sopro diastólico em
foco aórtico e aórtico acessório; AR: Estertores crepitantes em bases pulmonares.
Abdome: flácido, algo distendido, doloroso difusamente
MMII: Tibiais posteriores palpáveis e amplos
HPP: Diabetes II, AIT há três anos, sem sequelas
HFAM: HAS e DAC
H Social = Tabagismo (carga tabágica >800 cigarros ano), sedentarismo.

OBJETIVOS
1. Discutir o diagnóstico diferencial de dor torácica na sala de emergência.
2. Analisar os aspectos fisiopatológicos, epidemiológicos, as manifestações
clínicas e os métodos diagnósticos da dissecção aórtica aguda.
3. Avaliar a abordagem terapêutica atual da dissecção aórtica aguda.

Com relação ao caso clínico apresentado, algumas características devem ser


ressaltadas que tornam o diagnóstico de dissecção aórtica provável:

A caracterização da dor torácica e irradiação


A história de hipertensão arterial
A presença de regurgitação aórtica ao exame do precórdio
A diferença de pressão entre os membros superiores
A presença de fatores de risco para aterosclerose
O eletrocardiograma não evidenciando alterações isquêmicas agudas

PERGUNTAS
1. Quando se deve suspeitar do diagnóstico de dissecção aórtica?

Pacientes com dissecção aórtica (DA) tipicamente têm apresentação de dor torácica de
forte intensidade, de caráter agudo, tipo “cortante ou rasgando o peito” com localização
torácica anterior, quando a aorta ascendente está envolvida; ou posterior, quando há
envolvimento da aorta descendente. O Registro Internacional de Dissecção Aórtica
(IRAD)1 observa que 73% dos pacientes têm esse tipo de apresentação.

Dissecção sem dor tem sido reportada, mas é relativamente incomum. Em subanálise do
registro IRAD1, 6,4% dos pacientes não tinham dor torácica como apresentação inicial.
Esses pacientes eram mais idosos, com prevalência maior de diabetes. Outros sintomas
como síncope, insuficiência cardíaca (IC) e acidente vascular encefálico (AVE) também
são mais frequentes nesse grupo de pacientes2.
Na presença de dor torácica, a ausência de alterações eletrocardiográficas
características de isquemia levam à forte suspeita de DA, especialmente quando
associada à história de hipertensão arterial sistêmica1.

Quando se atende um paciente com dor torácica, outros diagnósticos etiológicos devem
ser lembrados, como: síndromes coronarianas agudas com ou sem supradesnivelamento
do segmento ST, pericardite, embolia pulmonar, insuficiência aórtica sem dissecção,
aneurisma aórtico, dor musculoesquelética, pleurite, colecistite, úlcera péptica e
pancreatite. Para se realizar um diagnóstico diferencial preciso, é fundamental a
valorização de sinais e sintomas característicos a cada uma delas.

2. Quais são os pacientes com maior risco de desenvolver dissecção aórtica?

A dissecção aórtica é bem menos frequente do que a doença arterial coronariana. Os


dados que avaliam a incidência de DA na população geral são limitados. Estima-se que
a frequência de DA seja de 2,6 a 3,5 por 100.000 habitantes/ano3.

Em revisão de 464 pacientes do registro IRAD1, 65% dos pacientes eram homens com
idade média de 63 anos. O fator predisponente mais importante da DA é a HAS, tendo
sido encontrada em 72% dos pacientes no registro IRAD; história de aterosclerose foi
encontrada em 31% dos pacientes1,4.

Em pacientes jovens, outros fatores predisponentes devem ser avaliados como:


aneurisma aórtico pré-existente; vasculite (arterite de células gigantes, Takayasu, artrite
reumatoide); doenças do colágeno (síndrome de Ehlers-Danlos e síndrome de Marfan;
50% dos pacientes com DA <40 anos têm Marfan); válvula aórtica bicúspide: 9% DA
<40 anos; coarctação da aorta; by-pass cardiopulmonar; cateterismo cardíaco e uso de
cocaína/crack5,6.

O trauma torácico raramente causa uma clássica dissecção, mas pode ocasionar uma
ruptura localizada na região do istmo aórtico por mecanismo de desaceleração em
acidentes automobilísticos7. A gestação, em especial no terceiro trimestre, pode estar
associada à DA na presença de síndrome de Marfan. A gestação isolada não parece
associada à DA1,8-10.

3. Como se classifica a DA e qual a sua importância no prognóstico?

A classificação de DeBakey et al.11 ─ um marco na abordagem terapêutica da dissecção


aórtica ─ tem como base o local de origem da dissecção, sendo o tipo I aquele que se
inicia na aorta ascendente e se propaga pelo menos até o arco aórtico; o tipo II que se
origina e fica restrito à aorta ascendente; e o tipo III que se origina na aorta descendente
após a subclávia, podendo progredir para a aorta distal ou proximal.

A classificação de Daily et al.12 do grupo de Stanford é a mais utilizada atualmente


porque orienta a estratégia terapêutica a ser utilizada. A DA é classificada em: tipo A
(proximal) quando há envolvimento da aorta ascendente, independente do sítio de
entrada, e as outras dissecções como tipo B (distal). As dissecções proximais são duas
vezes mais frequentes do que as distais. A dissecção isolada da aorta abdominal é
esporádica e pode ser iatrogênica, espontânea ou traumática, sendo a espontânea mais
comum na porção infrarrenal da aorta abdominal13.

4. Quais são os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na DA e sua importância na


apresentação clínica e prognóstica?

O evento primário na DA é uma ruptura da camada íntima. Degeneração da camada


média aórtica, a necrose cística da média, parece ser a base histológica para o
desenvolvimento da DA. O sangue passa para a camada média através da lesão da
íntima, separando a camada média em duas partes: uma parte ligada à íntima e a outra à
adventícia, criando o que denominamos falsa-luz. Não é completamente esclarecido se
o mecanismo inicial é a ruptura primária da íntima com dissecção secundária da média
ou hemorragia dentro da camada média e subsequente ruptura da íntima4.

A propagação da dissecção pode ocorrer tanto distal quanto proximal ao local da


ruptura, envolvendo os ramos dos vasos, a válvula aórtica ou romper para o saco
pericárdico ou espaço pleural. Tal propagação é responsável pela maioria das
manifestações clínicas, incluindo isquemia (coronariana, cerebral, medular ou
visceral), regurgitação aórtica e tamponamento cardíaco. Múltiplas comunicações
podem formar-se (reentradas) entre a “verdadeira-luz” e a “falsa-luz”9 (Figura 1).
Figura 1
Imagem de ETE de aorta descendente evidenciando a “verdadeira luz” (com fluxo) e a “falsa-luz” (sem fluxo).

A síncope durante a DA está associada ao pior prognóstico. Nallamouth et al.10


avaliaram 728 pacientes com DA e 96 (13%) que tiveram síncope. Quase todas
apresentavam envolvimento proximal da aorta e uma incidência maior de tamponamento
cardíaco e AVE.

Apesar de a história de HAS ser comum, a hipertensão como apresentação inicial é


mais frequente em pacientes com envolvimento distal da aorta do que proximal (70%
vs. 36%, no registro IRAD)1. Os outros sintomas associados com DA estão
relacionados ao comprometimento do fluxo para os órgãos ou membros ocasionados
pela dissecção original ou pela propagação proximal ou distal da dissecção.

A presença de comprometimento vascular periférico é manifestada por déficit de pulso,


definido como redução da amplitude do pulso ou ausência de pulso carotídeo, braquial
ou femoral resultando do flap da íntima ou compressão pelo hematoma da “falsa-luz”.
Esses pacientes têm maior mortalidade do que aqueles sem alterações de pulso1,14.

5. O que são variantes ou apresentações atípicas da DA e no que diferem da


dissecção clássica?
As formas mais comuns das apresentações atípicas da DA são: o hematoma aórtico
intramural (HAI) e a úlcera penetrante (UP), como classificados por Svensson et al. em
199915.

O HAI é caracterizado pela presença de hematoma na parede aórtica na ausência de


ruptura da íntima. Sua incidência é de 5% a 13% dos pacientes que se apresentam com
sintomas compatíveis com DA. A “falsa-luz” provavelmente é produzida pela ruptura
da vasa vasorum da camada média.

A UP é causada pela perfuração de uma placa aterosclerótica levando a hematoma


intramural que pode penetrar e perfurar a aorta ou dissecá-la16. As UP são
predominantemente encontradas nas dissecções tipo B17.

6. Há diferença na apresentação clínica da dissecção proximal e distal?

Sim, os pacientes com o envolvimento da aorta ascendente podem ter as seguintes


apresentações clínicas1,9,18:

Insuficiência aórtica aguda (IA), levando a sopro aórtico em decrescendo,


hipotensão ou insuficiência cardíaca. Sua incidência varia de 1/3 a 1/2 dos
pacientes com DA proximal. O sopro de IA da DA é mais audível na borda
esternal direita (foco aórtico), diferente da IA crônica, onde o sopro é mais
audível na borda esternal esquerda (foco aórtico acessório). O sopro é curto
refletindo um rápido aumento das pressões de enchimento do VE,
equalizando as pressões entre o VE e aorta.
Isquemia miocárdica aguda ou IAM devido à oclusão coronariana (Figura 2):
a coronária direita é mais frequentemente envolvida pela progressão da
dissecção; esta é mais comum pela parede lateral direita da aorta.
Tamponamento cardíaco e morte súbita devido à ruptura da aorta dentro do
saco pericárdico, sendo mais comum no sexo feminino19.
Hemotórax: se a dissecção se estende através da adventícia com hemorragia
do saco pleural.
Variação >20mmHg na pressão sistólica dos dois braços.
Alterações neurológicas, incluindo AVE ou redução do nível de consciência
devido ao comprometimento dos vasos carotídeos ou pela diminuição da
pressão de perfusão cerebral.
Síndrome de Horner e rouquidão pela compressão, respectivamente, do
gânglio simpático cervical e laríngeo recorrente, são apresentações raras.

Figura 2
ETE com imagem de dissecção envolvendo o tronco coronariano esquerdo.
Os pacientes com envolvimento da aorta descendente podem se apresentar com isquemia visceral, insuficiência renal,
isquemia de membros inferiores ou sinais de paraplegia devido à isquemia medular.

7. Como fazer o diagnóstico de DA?

De acordo com estudo de Von Kodolitsch et al.20 que avaliou 250 pacientes com
suspeita de DA, dos 128 pacientes que tiveram o diagnóstico confirmado, 96%
apresentavam alguma combinação de três características clínicas: dor torácica de início
abrupto de caráter cortante, alargamento de mediastino na radiografia de tórax e
variação >20mmHg na pressão sistólica de membros superiores. Apesar da utilidade
dessa estratégia diagnóstica, a maioria dos pacientes necessita de exames de imagens
para confirmação diagnóstica1.

Os exames de imagem para diagnóstico de DA só devem ser realizados após a


estabilização clínica inicial dos pacientes. Em 2000, o registro IRAD1 evidenciou que a
maioria dos pacientes realiza mais de um método de imagem para o diagnóstico de DA
(média de 1,83 exames por paciente); o exame inicial foi tomografia computadorizada
(TC) em 61%, ecocardiografia transtorácica e transesofágica (ETT e ETE) em 33%,
aortografia em 4% e ressonância magnética em 2% dos pacientes.

A rápida identificação das dissecções envolvendo a aorta ascendente é de particular


importância, já que são consideradas emergências cirúrgicas.

Os objetivos dos exames de imagem são9:

Avaliar o envolvimento da aorta ascendente, o que determina uma indicação


cirúrgica de emergência.
Determinar a extensão da dissecção e os sítios de entrada e reentrada.
Diagnosticar a presença de trombo na falsa-luz.
Avaliar o comprometimento de ramos aórticos e de artéria coronária.
Verificar a presença, mecanismo e gravidade da insuficiência aórtica.
Diagnosticar a presença de derrame pericárdico.

Eletrocardiograma

A natureza e a localização da dor torácica e a ausência das alterações isquêmicas no


ECG usualmente permitem distinguir a dissecção aórtica de angina ou IAM como causa
da dor torácica. As alterações mais encontradas são a hipertrofia do VE e alterações
inespecíficas da repolarização ventricular. O envolvimento coronariano, especialmente
da coronária direita, levando a IAM, é encontrado em até 5% dos pacientes1.

Radiografia de tórax

O registro IRAD1 reviu 464 pacientes e encontrou alargamento de mediastino em 63%


nas dissecções tipo A, sendo que em 11% nenhuma anormalidade foi encontrada no RX.
O alargamento de mediastino é bem menos frequente nas dissecções tipo B (16%). O
derrame pleural foi encontrado em 19% dos pacientes. Outros achados menos
específicos são: alargamento do botão aórtico, sinal do cálcio e opacificação da janela
aortopulmonar.1

O achado de alargamento de mediastino no RX de tórax reforça a hipótese inicial de


DA, porém não exclui a necessidade de exame de imagem (ETE, TC, RM) para
confirmação diagnóstica.

Aortografia

A aortografia invasiva envolve a injeção de contraste na aorta, permitindo a


identificação do sítio da dissecção, a comunicação entre a luz verdadeira e a falsa-luz e
a visualização dos ramos da aorta. Bansal et al.21 encontraram uma sensibilidade de
77% e especificidade de 87% para o diagnóstico de DA. As razões para a redução da
especificidade são: opacificação simultânea das duas luzes, não opacificação do
hematoma e a presença de hematoma intramural.

A aortografia tem sido substituída pelos métodos menos invasivos. Sua indicação fica
restrita quando os exames menos invasivos não estão disponíveis ou são inconclusivos
e existe uma forte suspeita de dissecção envolvendo a aorta ascendente.

Tomografia computadorizada

Erbel et al.22 avaliaram 162 pacientes e observaram uma sensibilidade de 83% e


especificidade de 87% para o diagnóstico de DA pela TC. Outro estudo, realizado por
Nienaber et al.23, encontrou 98% de sensibilidade e 100% de especificidade.

As vantagens da TC incluem ser um exame de rápida aquisição, ideal em situações de


emergência e ter um uma boa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico. As
desvantagens são: nefrotoxicidade pelo contraste, visualização inadequada do “flap da
íntima” e sítio de entrada da dissecção. A TC helicoidal e de múltiplos detectores
permite melhor estudo da aorta, facilitando a visualização tanto do “flap da íntima
como do sítio de entrada”24. Atualmente, a TC é o exame mais utilizado para o
diagnóstico da DA, especialmente pela rápida aquisição da imagem1.

Ressonância magnética

A RM tem uma sensibilidade de 98% e uma especificidade de 85% para a identificação


do sítio de entrada, segundo estudo de Nienaber et al.22. Apesar de ser um exame com
boa acurácia, é bem menos utilizado do que a TC e ETE para o diagnóstico de DA, pois
demanda maior tempo para realização e pela dificuldade de monitorização
hemodinâmica adequada durante o exame, o que é fundamental no acompanhamento da
dissecção. As contraindicações à sua realização são: claustrofobia, marca-passo, certos
tipos de clips ou implantes metálicos oculares e auriculares. Existe recomendação para
que o gadolínio não seja utilizado em pacientes com insuficiência renal moderada a
grave, em especial para pacientes em regime de diálise pelo risco de desenvolvimento
de fibrose nefrogênica sistêmica.

Na maioria dos serviços a RM fica reservada para os pacientes em que a TC não foi
capaz de definir adequadamente o sítio de entrada da dissecção, informação importante
para a programação cirúrgica (Figura 3).

Figura 3
Imagem de reconstrução de ressonância com linha de dissecção em aorta descendente (tipo B).

Ecocardiograma transtorácico
O ETT, apesar de ser o exame de imagem mais utilizado para a avaliação do coração,
fornecendo dados relevantes, é limitado no estudo da aorta, com análise inadequada da
aorta ascendente distal, arco aórtico e aorta descendente. Em alguns pacientes pode-se
diagnosticar um flap em aorta proximal, mas a sensibilidade é baixa. O ETT é mais útil
para o diagnóstico das complicações da dissecção, incluindo a análise da insuficiência
aórtica, derrame pericárdico e função ventricular22.

Ecocardiograma transesofágico

Em estudo com 112 pacientes, os autores demonstraram uma alta sensibilidade e


especificidade (98% e 95%, respectivamente) do ETE no diagnóstico de DA quando a
sonda biplana ou monoplana foi utilizada. Tem a vantagem de ser um exame rápido,
portátil, podendo ser realizado na sala de emergência. O ETE tem a capacidade de
identificar o flap e o sítio de entrada, identificar as duas luzes, avaliar o grau de
trombose da falsa-luz (importância prognóstica), determinar o grau da insuficiência
aórtica e o seu mecanismo e diagnosticar complicações como derrame pericárdico e
dissecção do tronco coronariano25 (Figura 4).
Figura 4
Imagem de ETE com sítio de entrada da dissecção em aorta ascendente
(dissecção tipo A).

8. Qual o método ideal para o diagnóstico da DA?

Segundo as recomendações da European Society of Cardiology26 publicadas em 2001


a escolha do método de imagem ideal depende da situação clínica do paciente, da
experiência com o método e a acessibilidade a este26.

O ETE deve ser realizado nos pacientes com grande suspeita diagnóstica e
instabilidade hemodinâmica. O exame deve ser realizado após sedação e ventilação
mecânica. A TC é geralmente indicada para screening diagnóstico, como exame inicial,
especialmente em departamento de emergência. Se os resultados da TC não são
diagnósticos e a suspeita de DA persiste, o ETE ou a RM estão indicados. A RM é
preferida em pacientes com dissecção crônica e hemodinamicamente estáveis ou para
acompanhamento da dissecção. A aortografia deve ser reservada para pacientes com
forte suspeita de dissecção e quando todos os métodos disponíveis forem inconclusivos
(Figura 5).

Figura 5
Algoritmo de manejo da dissecção aórtica
RNM=ressonância magnética; ETT=ecocardiograma transtorácico; ETE=ecocardiograma transesofágico; Angio
TC=angiotomografia computadorizada

9. Todo paciente com indicação de correção cirúrgica de DA deve realizar


coronariografia?

A coronariografia é geralmente segura em pacientes estáveis, contudo se representar


atraso para a cirurgia, deve ser evitado. Estudos retrospectivos sugerem que não há
benefício na realização da coronariografia pré-operatória de rotina. A coronariografia
deve ser considerada em pacientes com história prévia de angina ou IAM, idade >60
anos ou com múltiplos fatores de risco27.
10. Como deve ser inicialmente tratado um paciente com suspeita de DA?

O tratamento do paciente com suspeita de DA deve ser iniciado na sala de emergência,


mesmo antes de encaminhá-lo para a realização de exame diagnóstico. Após a
confirmação diagnóstica, ele deve ser internado em unidade de terapia intensiva. A
morfina pode ser utilizada para alívio da dor. A entubação orotraqueal está indicada
para o paciente hemodinamicamente instável ou com depressão respiratória26,28.

O controle inicial da pressão arterial (PA) é obtido com betabloqueador intravenoso


com o objetivo de reduzir a frequência cardíaca <60bpm que, associada à redução da
PA, irá diminuir a tensão na parede aórtica. Pode-se utilizar propranolol (1mg a 10mg
de ataque e 3mg/h de manutenção), metoprolol (5mg de ataque a cada 5 minutos,
máximo de três doses e 2-5mg/h de manutenção), labetalol (20mg de ataque e
manutenção 0,5-2mg/min).

O esmolol (50-200mcg/kg/min), por ter uma meia-vida curta, pode ser de mais fácil
manuseio. Em pacientes com contraindicação ao uso de betabloqueador, utilizar o
verapamil ou diltiazem intravenoso28. O alvo da PA deve ser 100-120mmHg de
sistólica ou o menor nível tolerado. Se após o uso de betabloqueador a PA permanecer
acima desses níveis, inicia-se o nitroprussiato de sódio (0,25-0,5mcg/kg/min), somente
após o controle da FC. O seu efeito vasodilatador pode induzir taquicardia reflexa,
aumentando a tensão na parede aórtica. A monitorização contínua da PA com uma linha
intra-arterial é indicada para pacientes que estejam em uso de nitroprussiato. Apesar de
o nitroprussiato ser o agente anti-hipertensivo ideal, outras drogas como enalaprilato
venoso, verapamil ou diltiazem podem ser utilizados. Outros vasodilatadores como
hidralazina que aumentam o estresse da parede aórtica devem ser evitados28.

Os pacientes que evoluem com hipotensão mantida sem uso de drogas anti-
hipertensivas devem ser avaliados quanto à perda sanguínea, hemopericárdio com
tamponamento ou insuficiência cardíaca. A reposição volêmica como medida inicial
para estabilização hemodinâmica deve ser utilizada. Deve-se evitar o uso de
inotrópicos porque por aumento da tensão da parede aórtica, podem piorar a dissecção.
Em casos de tamponamento, a pericardiocentese pode acelerar o sangramento e
choque16,28. O ETT e ETE são os procedimentos diagnósticos de escolha para o rápido
diagnóstico da DA e determinação da causa da instabilidade hemodinâmica16.

11. A dissecção aórtica é sempre cirúrgica ?


As dissecções aórticas envolvendo a aorta ascendente são consideradas emergências
cirúrgicas. Em contrapartida, dissecções localizadas em aorta descendente podem ser
tratadas conservadoramente, a menos que os pacientes evoluam com progressão da
dissecção ou hemorragia pleural ou retroperitoneal.

Em revisão de 464 pacientes do registro IRAD, 72% dos pacientes com dissecção tipo
A foram tratados cirurgicamente, em contraste com somente 20% do tipo B1.

Os objetivos da terapia cirúrgica são: excisão da íntima rota, correção do sítio de


entrada proximal, reconstituição da aorta com interposição de enxerto sintético e
restauração da competência valvar aórtica em pacientes que desenvolvem insuficiência
aórtica. A correção aórtica pode ser realizada por suspensão do folheto aórtico ou por
troca da valva aórtica, onde se utiliza um tubo valvado29 (Figura 6).

Figura 6
Foto de correção cirúrgica de dissecção com colocação de tubo valvado.

Uma abordagem cirúrgica mais agressiva com correção do arco aórtico pode ser
necessária quando há envolvimento do arco aórtico com ruptura ao nível dos vasos da
base. Parada circulatória com hipotermia pode ser necessária nesses casos30.

A taxa de mortalidade para DA tipo A é alta, 1-2% por hora após o início dos
sintomas9. A mortalidade cirúrgica para o tipo A varia de 7% a 36% em centros com
experiência. Essa mortalidade é bem mais baixa do que aquela com tratamento clínico
que é de 50% nas primeiras 48 horas do início dos sintomas1.

Os fatores preditivos mais importantes da mortalidade hospitalar são: idade >70 anos,
início abrupto da dor, hipotensão choque ou tamponamento, insuficiência renal,
ausência de pulso e supra de ST no ECG31.

Os pacientes com DA tipo B de Stanford ou tipo III de DeBakey não complicados


devem ser tratados inicialmente com tratamento clínico. A mortalidade hospitalar
desses pacientes está em cerca de 10%32 A intervenção cirúrgica em aorta descendente
é reservada para pacientes com complicações como oclusão de grande ramo, extensão
da dissecção (dor recorrente ou persistente), presença de aneurisma, ou evidência de
ruptura16.

A utilização de endopróteses para correção de DA tipo B é uma alternativa à cirurgia,


tendo sido avaliada em meta-análise com 39 estudos, envolvendo 609 pacientes com
dissecção crônica e aguda. Os achados desse estudo revelam que o procedimento teve
sucesso inicial em 98%; que as maiores complicações foram AVE (1,9%) e paraplegia
(0,8%) e a mortalidade hospitalar foi 5,2% para DA crônicas e 9,8% para DA
agudas33.

A experiência do tratamento da DA tipo A com endoprótese é limitada. Em uma série


com 15 pacientes obteve-se o fechamento da falsa-luz em 1434. Recentemente Chen et
al.35 apresentaram uma série de 30 casos onde foi utilizada endoprótese ramificada
para correção de DA tipo A, envolvendo o arco aórtico. Maiores estudos são
necessários para avaliar o papel das endopróteses nesses pacientes35.

A fenestração com balão ou a colocação de stents pode ser necessária para tratamento
de isquemia mesentérica, renal ou periférica que persiste após o tratamento cirúrgico
das DA tipo A ou tratamento clínico das DA tipo B36.
As causas de reintervenção cirúrgica ou percutânea são: recorrência ou extensão da
dissecção, formação aneurismática localizada, deiscência ou infecção do enxerto ou
regurgitação aórtica37.

12. Como o paciente com DA deve ser acompanhado após a alta hospitalar?

A formação tardia de aneurisma tem relação com o diâmetro inicial da falsa-luz, como
foi demonstrado por Song et al.38. Nesse estudo, um diâmetro ≥22mm da falsa-luz
relacionou-se com o surgimento de aneurisma.

Um exame de imagem, de preferência RM, deve ser realizado antes da alta hospitalar
com acompanhamento em três, seis e doze meses, mesmo em pacientes assintomáticos;
e posteriormente a cada dois anos se não houver evidência de progressão da dissecção.
As seguintes anormalidades devem ser investigadas: extensão ou recorrência da
dissecção, formação de aneurisma, e leak nos pontos de anastomose ou sítios dos
stents16.

Todos os pacientes devem receber terapia com betabloqueador com o objetivo de


reduzir a pressão arterial e a frequência cardíaca, diminuindo o risco de progressão da
dissecção. Uma PA <120/80mmHg é aconselhável, por isso outras drogas anti-
hipertensivas podem ser necessárias. É recomendável evitar exercícios físicos
extenuantes16.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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TROMBOEMBOLISMO PULMONAR

Marcio Roberto Moraes de Carvalho


Gláucia Maria Moraes de Oliveira

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 72 anos, secretária, atendida previamente em emergência
cardiológica com quadro de fibrilação atrial associada à estenose valvar mitral
reumática com área valvar mitral aferida ao ecocardiograma em 1,1cm2. Na sequência
de sua evolução, já em preparo pré-operatório, após o quarto dia de internação,
apresentou hemiplegia em dimídio direito. Submetida à tomografia computadorizada de
crânio, identificou-se infarto cerebral frontoparietal esquerdo, atribuído a
tromboembolismo, com degeneração hemorrágica. Naquele momento encontrava-se
anticoagulada com enoxaparina na dose de 1mg/kg aplicada duas vezes ao dia, que foi
prontamente suspensa, sendo então utilizadas meias elásticas em coxas e pernas
bilateralmente para profilaxia da trombose venosa profunda. Após 14 dias de
internação a paciente foi liberada para seguimento ambulatorial. Em 10 dias retornou
ao hospital com referência a novo episódio de dispneia em repouso acompanhada de
sudorese fria e hemoptise.
O exame físico revelava:
PA =60x30mmHg; FC =103bpm; FR =38rpm
Palidez cutâneo-mucosa; Turgência jugular a 45º
Ausculta pulmonar com diminuição do murmúrio vesicular em terço inferior do
HTD na face anterior.
RCR 2T B1 aumentada P2 aumentada
Abdômen atípico
Membro inferior direito com plegia e aumento de volume em relação ao esquerdo
com dor à breve mobilização pelo examinador. Panturrilha direita sem
“empastamento”.

Foram solicitados exames:


Gasometria arterial: Ph =7,30; P02 =64,8mmHg; PC02 =27,3mmHg;
HCO3=17,2meq/L; BE= - 5,0; Sat02 =92%
Glicemia =102mg%; Ureia =43mg%; Creatinina =1,3mg%; Sódio =138meq/L;
Potássio =3,7meq/L
Hematimetria =3.700.000; Hgb =9,1g%; HT =32%
Leucometria: 8.900 0/2/0/0/6/67/27/2
Troponina I =1,2ng%
D-dímero =3000mg%

Eletrocardiograma (Figura 1):

Figura 1
Eletrocardiograma da paciente relatada
Sinal de McGuinn-White: S1Q3T3
EcoDoppler colorido venoso dos membros inferiores: Ausência de trombos ou refluxos
anormais no sistema venoso dos membros inferiores.

Diante da instabilidade hemodinâmica expressa pela hipotensão arterial sistêmica foi


solicitado ecocardiograma transesofágico que identificou massa de ecos compatível
com trombo no átrio direito, além do sinal de McConnell (Figura 2).

Figura 2
Ecocardiograma transesofágico da paciente

Diante das repercussões da terapêutica no contexto do acidente vascular encefálico


recente foi indicada, após a estabilização da paciente, a realização de angiotomografia
computadorizada helicoidal de tórax, cuja imagem pode ser vista na Figura 3,
observando-se trombos em ramo esquerdo da artéria pulmonar.
Figura 3
Angiotomografia computadorizada helicoidal da paciente

Foi indicado implante de filtro de veia cava inferior.

OBJETIVOS
1. Analisar as condições clínicas afeitas à intercorrência de embolia pulmonar.
2. Discutir a abordagem diagnóstica e terapêutica sistematizada de embolia
pulmonar.
3. Descrever as medidas preventivas para o tromboembolismo pulmonar.
4. Avaliar o prognóstico de curto e longo prazo, descrevendo-se os preditores
de mortalidade.
PERGUNTAS
1. Qual a importância do diagnóstico de embolia pulmonar e que critérios adotar
para o diagnóstico de certeza?

O estudo da epidemiologia da EP apresenta dificuldades no que tange a limitações no


diagnóstico da afecção devido às diversas formas de apresentação, que incluem a
possibilidade de ser integralmente assintomática ou com quadros clínicos
inespecíficos, sendo por vezes atribuída a outras doenças1.

Os Estados Unidos da América têm uma estimativa de 900.000 pacientes/ano com


tromboembolismo sintomático, do qual 300.000 irão a óbito. Dos 600.000 casos/ano
não fatais, 60% decorrem de tromboembolismo venoso e 40% de tromboembolismo
pulmonar, acarretando um custo de 5,8 a 7,8 bilhões de dólares, em 2004. Essa
incidência varia de 5:100.000 habitantes na faixa etária abaixo dos 15 anos de idade,
para uma expressiva taxa de 500:100.000 habitantes naqueles acima de 80 anos, ou seja
0,5% ao ano. Apesar do uso de anticoagulantes, a EP recorre nos meses subsequentes,
após um dado evento, numa taxa de 7% nos primeiros seis meses. A mortalidade pode
chegar a 12% após um mês do primeiro diagnóstico2.

Os critérios diagnósticos compõem um conjunto de evidências obtidas em exames


complementares, que pretendem certificar o diagnóstico e justificar o emprego da
terapêutica indicada3,4. A identificação de qualquer dos critérios abaixo é considerada
necessária e suficiente. Assim não é correto buscar redundâncias para certificar o
diagnóstico, salvo diante de suspeita de imprecisão da evidência laboratorial.

A) Visualização do trombo em artéria pulmonar através de:


Angiografia pulmonar
Angiotomografia computadorizada helicoidal de tórax
Angiorressonância do tórax
Ecocardiograma bidimencional transtorácico ou transesofágico

B) Visualização do trombo ou perda da compressibilidade de veias do sistema venoso


profundo através do EcoDoppler venoso colorido, associada à suspeita clínica de
embolia pulmonar.

C) Alta probabilidade de embolia pulmonar na cintilografia pulmonar de ventilação e


perfusão.
2. Os escores são superiores à suspeita clínica para o diagnóstico de
tromboembolismo pulmonar?

A avaliação empírica considera dados de história, exame físico, alterações


radiológicas, eletrocardiográficas, gasometria arterial, ecoDoppler venoso colorido
dos membros inferiores e ecocardiograma com Doppler. Se comparados aos resultados
da cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão (CPVP) pode-se encontrar, nos
pacientes com baixa probabilidade clínica, uma positividade de 15%; nos de
probabilidade intermediária, 38%; e nos de alta probabilidade clínica 79%5.

Na série do PIOPED6 essas cifras oscilaram em 9%, 30% e 68%, respectivamente. O


elemento comum a essas avaliações é a incidência crescente do diagnóstico de EP à
CPVP, na exata medida do crescimento da probabilidade clínica. A avaliação
padronizada corresponde a uma série de escores, oriundos de diversas publicações que
pretendem sistematizar o diagnóstico e classificar os pacientes em faixa de
probabilidade clínica. Desses, o sistema de escores de Geneva, quando comparado ao
de Wells, mostrou-se segundo Iles et al.7 capaz de determinar a probabilidade pré-teste
para EP, independente do nível de experiência do médico responsável pela avaliação
do paciente8. Ambos os sistemas integram probabilidade clínica e manifestações
clínicas. Os Quadros 1 e 2 exibem o escore de Wells e Geneva, respectivamente.

Quadro 1
Escore de Wells8
EP=embolia pulmonar; bpm=batimentos por minuto

Quadro 2
Escore de Geneva revisado8

Em suma, há evidências suficientes de que a avaliação da probabilidade clínica de EP,


seja empírica ou padronizada por sistemas de escores, é capaz de estratificar os
pacientes. Recentemente um sistema que pretende descartar o diagnóstico de EP
denominado PERC (Pulmonary embolism Rule-out Criteria), associado à baixa
probabilidade pré-teste, mostrou-se eficaz para excluir o diagnóstico sem propedêutica
adicional9.

3. Qual a aplicabilidade da avaliação diagnóstica complementar à avaliação clínica


no TEP?

A grande diversidade de manifestações clínicas e a dificuldade em determinar o


diagnóstico de EP mobiliza um arsenal propedêutico extenso na avaliação diagnóstica.

Telerradiografia de tórax:
A identificação de uma telerradiografia de tórax normal é útil no diagnóstico da EP
quando o paciente se apresenta com dispneia, dor torácica pleurítica e taquicardia. É
um elemento útil no descarte do diagnóstico diferencial, ainda que seu valor preditivo
negativo seja limitado. O exame normal é menos frequente em pacientes idosos.

O ICOPER identificou que 82% dos pacientes >70 anos apresentavam telerradiografia
de tórax anormal. Outras anormalidades listadas foram: a atelectasia, o infiltrado
parenquimatoso, a efusão pleural, a elevação do diafragma homolateral ao pulmão
afetado10.

Eletrocardiograma:
O eletrocardiograma é um dos exames iniciais a serem realizados em casos de suspeita
de EP, e tem sido amplamente estudado. É útil não só para o diagnóstico de EP,
notadamente nos casos em que ela é maciça, mas também para excluir outras doenças
como as síndromes isquêmicas coronarianas agudas e a pericardite. Há de se acentuar
que as alterações eletrocardiográficas são precoces e transitórias, podendo estar
presentes somente nas primeiras 48 horas, o que implica que ele deve ser realizado de
modo precoce e seriado, pois os achados eletrocardiográficos geralmente desaparecem
quando a disfunção do VD retorna ao normal.

As alterações eletrocardiográficas são igualmente frequentes em todas as faixas etárias


e podem se apresentar como diagnóstico diferencial das síndromes coronarianas agudas
com elevação do segmento ST de V1 a V4, ondas T invertidas e até mesmo a presença
de ondas Q de necrose11.

Gasometria Arterial
A gasometria arterial em vigência da EP revela frequentemente hipoxemia, um aumento
do gradiente alveolocapilar e alcalose respiratória. Nenhum desses dados pode ser
utilizado para diagnosticar ou descartar o diagnóstico de EP. Isso é particularmente
verdadeiro no paciente idoso, no qual há uma natural queda da pressão parcial arterial
de oxigênio e um aumento do gradiente alveolocapilar de oxigênio. A melhor aplicação
da gasometria arterial no paciente com suspeita diagnóstica de EP é a orientação quanto
à suplementação de oxigênio ou intervenções no equilíbrio ácido-básico12.

Dímero-D
Diversos métodos de identificação têm sido desenvolvidos com sensibilidades
variadas, desde quase 100% a 80%. Testes poucos sensíveis (como a aglutinação do
látex ou de hemácias) não devem ser utilizados para, isoladamente, excluir a EP. Já o
teste ELISA, um ensaio imunológico, exibe uma sensibilidade de 84,8% e uma
especificidade de 68,8%, enquanto que na dosagem pelo Látex, a sensibilidade não é
maior do que 75%, com um nível de especificidade semelhante13. Entretanto, apesar de
sensibilidade maior, o ELISA requer de 3-4 horas para ser realizado. Considerando sua
baixa especificidade, especialmente na presença de outras doenças, seu uso fica de
sobremaneira limitado ao atendimento de emergência.

Diversas condições como o câncer, infecções ou doenças inflamatórias se acompanham


com a formação de fibrina e sua degradação. A consequência de maior relevância é a
queda da especificidade e, portanto, do valor do dímero-D como exame diagnóstico em
pacientes no ambiente hospitalar e com a concomitância de outras doenças.

Outro elemento que reduz a especificidade do teste é o envelhecimento, observando-se


um decréscimo progressivo da especificidade do dímero-D. A utilidade do dímero-D
se mostra, então, inversamente proporcional à idade, sendo de pouca utilidade para
certificar o diagnóstico de EP no idoso, porém sua normalidade pode ser utilizada para
descartar o diagnóstico e orientar o diagnóstico diferencial13.

EcoDoppler venoso colorido dos membros inferiores


O EcoDoppler venoso colorido dos membros inferiores (EDVC) é um exame de grande
acuidade diagnóstica para os pacientes com trombose venosa profunda (TVP) dos
membros inferiores, local de origem preferencial dos trombos embolizados para o
pulmão. A sensibilidade do exame está intimamente relacionada aos indícios de EP e à
presença de sinais de TVP. Pacientes com EP e que não apresentem sinais de TVP têm
uma positividade ao ECDV que oscila de 10% a 20%. No entanto, na presença de
manifestações clínicas de TVP, esta se eleva para 50%.
Na avaliação rotineira da presença de TVP, usa-se a compressão dinâmica das partes
moles dos segmentos avaliados, habitualmente os membros inferiores. Permite a
discriminação entre as veias normais e as ocluídas. Os segmentos trombosados
distinguem-se dos normais pela sua não compressibilidade. A avaliação do Doppler
colorido permite detectar o fluxo venoso espontâneo normal e sua variação respiratória
e, havendo obstrução, a sua consequente alteração. A compressibilidade completa das
veias excluiu o diagnóstico de TVP. Outros critérios diagnósticos também foram
utilizados, como: a ausência de fluxo ao Doppler colorido, a perda da fase respiratória
do fluxo sanguíneo e o contraste espontâneo intraluminal

A ausência de anormalidades no EDCV é incapaz de descartar o diagnóstico de EP,


sendo necessário a repetição do exame após duas semanas. Cerca de 20% dos
pacientes com suspeita de EP, mas com cintilografia pulmonar ventilação/perfusão com
critérios diagnósticos e EDVC normal, apresentam EP. Nesses, habitualmente, há um
trombo residual de difícil identificação (geralmente na panturrilha) ou nenhum trombo,
demonstrando que a frequência de EP com identificação angiográfica na ausência de
TVP pode chegar a 30%. Embora a origem dos êmbolos geradores de EP predomine
nos membros inferiores, pode-se ter uma prevalência de até 7% de EP sintomática em
portadores de TVP nos membros superiores14.

Ecocardiogramas Transtorácico e Transesofágico


Permitem a visualização direta do trombo embolizado nas câmaras cardíacas direitas e,
quando presente, nos troncos centrais das artérias pulmonares. Podem também indicar o
diagnóstico de EP pela identificação de seus sinais indiretos, como a dilatação, a
disfunção ventricular direita, ou mesmo uma insuficiência valvar tricúspide sem
correlação ao contexto cardiológico do paciente.

Ainda que o método exiba uma série de vantagens potenciais, a literatura aponta uma
sensibilidade reduzida do ecocardiograma transtorácico (50%), com uma
especificidade de 90% para a EP.

O ecocardiograma transesofágico, em contrapartida, oferece especificidade elevada


(90%) para a identificação de trombos nos troncos arteriais pulmonares (artéria
pulmonar, ramo direito e porção proximal do ramo esquerdo) e sensibilidade ainda
pouco determinada, mas que fica em torno de 30%. Ainda que limitado em sua
sensibilidade, o ecocardiograma é capaz de identificar em 40% desses pacientes,
anormalidades no ventrículo direito, além de facilitar o diagnóstico diferencial com
outras doenças como: infarto agudo do miocárdio, dissecção aguda da aorta e
tamponamento cardíaco14.
A identificação de hipocinesia da parede livre do VD, com uma mobilidade apical
normal (sinal de McConnell), é um aspecto peculiar da ecocardiografia em poder
sugerir o diagnóstico de EP, mesmo na ausência de trombos visualizados14.

Cintilografia Pulmonar de Ventilação /Perfusão


A CPVP é um teste frequentemente utilizado para o diagnóstico de EP, porém tem seu
valor limitado na concomitância de outras doenças pulmonares ou na presença de
insuficiência respiratória que demande assistência ventilatória mecânica. Durante três
décadas ocupou papel central na sistemática diagnóstica da EP e é de grande valor
quando a sua interpretação é definitiva. Na presença de uma CPVP normal, a EP pode
ser excluída e a anticoagulação dispensada.

A interpretação do CPVP atende a critérios padronizados pelo PIOPED que classifica


os resultados em: normal, inespecífico, baixa probabilidade, probabilidade
intermediária e de alta probabilidade. Segundo os critérios desse estudo marcante, 14%
de seus casos foram classificados como de probabilidade normal ou inespecífica e
30% como de alta probabilidade. Ainda que tais resultados sejam úteis para a
orientação terapêutica, a maioria dos casos (66%) situa-se nas faixas de probabilidade
baixa e intermediária, que nada acrescentará na definição diagnóstica. Situações
clínicas intercorrentes como: doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência
cardíaca congestiva, bronquiectasias, pneumonia, doença pulmonar intersticial e o
câncer de pulmão podem dificultar o diagnóstico6,14.

Tomografia Computadorizada, Ressonância Nuclear Magnética e Angiografia na


Embolia Pulmonar
A angiografia tomográfica computadorizada helicoidal (angio-TCH) representa um
avanço notável no diagnóstico da EP. Permite a visualização direta do êmbolo, com a
identificação de anormalidades parenquimatosas compatíveis com o diagnóstico, bem
como a indicação de alternativa diagnóstica ao quadro clínico em investigação.

O método dispõe de sensibilidade variável de 57% a 100%, além de uma


especificidade na faixa de 78% a 100%. Entretanto, a sensibilidade diferenciada do
método se circunscreve aos embolismos dos ramos da pulmonar ou dos ramos
segmentares, que chega a 86%. Para os ramos subsegmentares, a sensibilidade declina
para 21%, porém o advento recente dos sistemas de multidetecção possibilita a melhor
avaliação dos ramos subsegmentares, que representam 20% dos casos de EP. A
identificação de trombos na árvore arterial pulmonar é diagnóstica, porém a angio-TCH
normal de forma alguma é capaz de excluir o diagnóstico, dada a sua baixa
sensibilidade para trombos periféricos. Sua limitação consiste na necessidade do uso
de contraste iodado15.

Ressonância Nuclear Magnética


Tem sido bem menos avaliada em comparação à angio-TCH, ainda que possa oferecer
uma acuidade semelhante. Os resultados iniciais não foram encorajadores, pela
frequência de artefatos causados pelos movimentos respiratórios e pela concentração
inadequada de contraste na região do trombo. Recentemente o uso de gadolinium
permite melhor resolução na aquisição de imagem em apenas um ciclo respiratório,
constituindo-se uma alternativa para pacientes que estão impossibilitados de realizar o
estudo tomográfico, como os portadores de insuficiência renal16.

A angiografia pulmonar (AGP) é considerada o padrão-ouro do diagnóstico da EP. A


sensibilidade e a especificidade do método não podem ser formalmente avaliadas por
se tratar de exame de referência, entretanto avaliações baseadas no seguimento clínico
aferiram a sensibilidade em torno de 98% e a especificidade na faixa de 94% a 98%.
Por ser um exame invasivo e depender intensamente de equipamentos especiais e de
recursos humanos diferenciados, a angiografia pulmonar tem sido reservada para
situações especiais, quando o diagnóstico por métodos não invasivos não é alcançado.
As contraindicações relativas para o exame compreendem o risco de sangramento e a
insuficiência renal. Suas complicações incluem arritmias, insuficiência renal,
hematomas inguinais e, eventualmente, a morte14,16..

4. Que fluxograma diagnóstico poder-se-ia utilizar para a determinação do


diagnóstico de embolia pulmonar?

A interação entre a abordagem clínica e laboratorial é elemento essencial para a


obtenção do diagnóstico de EP. Carvalho et al.4 propõem um fluxograma para a
orientação do sequenciamento de métodos diagnóstico diante da suspeita clínica de EP
(Figura 4).

O fluxograma (Figura 4) tem a intenção de traduzir uma dinâmica de atitudes que


favoreça o diagnóstico de embolia pulmonar. O princípio básico é a seleção de
pacientes com probabilidade elevada para o diagnóstico e exclusão daqueles com baixa
probabilidade, verificando o estado clínico para orientar atitudes que influam na sua
estabilização clínica, ventilatória e hemodinâmica.
Figura 4
Fluxograma para a orientação do sequenciamento de métodos diagnóstico diante da suspeita clínica de EP.
Fonte: Carvalho et al.4

Segue-se a interposição do D-dímero para a exclusão do diagnóstico de EP naqueles


com probabilidade baixa ou moderada. No entanto, deve-se observar que pacientes
com alta probabilidade para o diagnóstico e D-dímero negativo, não devem ter o
diagnóstico excluído e deverá seguir na propedêutica, com a realização do ecoDoppler
colorido venoso em membros inferiores e ecocardiograma transtorácico. Ambos são
exames não invasivos e podem ser realizados à beira do leito. Apesar das limitações da
sensibilidade, sua boa especificidade pode estabelecer o diagnóstico.

Uma etapa final do fluxograma parte da conjectura da localização do trombo baseado


em manifestações clínicas. Se possivelmente periférico em face da presença de dor
pleurítica, derrame pleural e hemoptise, indica-se a cintilografia pulmonar de
ventilação e perfusão. No contexto clínico de uma possível localização central do
trombo tais como: hipotensão arterial, síncope, sobrecarga ou disfunção do ventrículo
direito, indica-se preferencialmente a angiotomografia helicoidal de tórax ou
angiorressonância de tórax ou ecocardiograma transesofágico.

O caso clínico apresentado descreve uma paciente com alta probabilidade clínica de
embolia pulmonar, com repercussões hemodinâmicas graves (hipotensão arterial). A
proximidade temporal do acidente vascular hemorrágico impõe contraindicação
absoluta ao emprego de trombolíticos ou mesmo a anticoagulação por qualquer método.
Os exames complementares de patologia clínica apenas orientaram a conduta
terapêutica sindrômica inicial.

O eletrocardiograma revelando ritmo sinusal indica uma provável reversão espontânea


da fibrilação atrial. O sinal de McGuinn-White surpreendido pela precocidade do
atendimento, já sugeria o diagnóstico de embolia pulmonar. A dosagem do D-dímero
exibia uma baixíssima possibilidade de ser negativa em face do infarto cerebral
recente, mas um resultado negativo se empregado métodos de alta sensibilidade como o
ELISA, poderia fomentar a pesquisa de outros diagnósticos13.

O emprego do ecoDoppler venoso constituiu um método acessível diante da presença


de aumento do volume do membro inferior da paciente. Entretanto na ausência de sinais
de trombose venosa profunda, a sensibilidade do método pode se limitar a 20%. O
ecocardiograma transesofágico não conseguiu estabelecer o diagnóstico, porém a
presença de trombo localizado no átrio direito além de elevar a chance de um
diagnóstico positivo, identificou a provável origem do tromboembolismo14.

A necessidade da confirmação diagnóstica e a apresentação clínica com hipotensão


arterial fez seguir a busca de um trombo de localização central na árvore arterial
pulmonar. A propriedade do angiotomografia computadorizada helicoidal de identificar
trombos em 80% dos casos, especialmente no tronco da artéria pulmonar15 e em seus
ramos, foi útil na definição do diagnóstico.

5. Qual são os mecanismos fisiopatológicos da EP e o que define um episódio de EP


maciço?

O êmbolo pulmonar habitualmente se origina de trombos assestados no sistema venoso


profundo das extremidades inferiores, que migram pela circulação venosa até o leito
vascular pulmonar, gerando uma diversidade de síndromes clínicas. Êmbolos de
pequena dimensão alocam-se nas regiões mais distais da circulação pulmonar,
desencadeando sintomas locais como a dor pleurítica, a tosse ou podem ser
essencialmente assintomáticos; de outro modo, trombos maiores se assestam no tronco
da artéria pulmonar ou nos ramos lobares, podendo provocar graves repercussões
hemodinâmicas e morte17,18.

Os fatores de risco primários para a formação do trombo são: a estase venosa, a lesão
endotelial e a hipercoagulabilidade, já de há muito descritas por Virchow2. A estase
venosa pode se originar de imobilizações devido a fraturas, especialmente do quadril e
membros inferiores, de lesão neuromotora, ou de outra condição incapacitante. Outras
causas de estase são: a elevação da pressão venosa pela insuficiência cardíaca
congestiva, as sequelas de eventos trombóticos prévios, as compressões extrínsecas por
tumores pélvicos, além de estados de hiperviscosidade17,18.

A resposta hemodinâmica à EP é dependente do tamanho do êmbolo, da doença


cardiopulmonar pré-existente e dos fatores neuro-humorais. Além de um efeito
oclusivo, a resistência vascular pulmonar eleva-se pela hipóxia gerada pelo evento
embólico agudo. Em pacientes que não apresentem doença cardiopulmonar prévia, a
pressão média na artéria pulmonar pode duplicar o seu valor, atingindo níveis em torno
de 40mmHg. Níveis mais elevados podem ser atingidos em pacientes que já apresentem
hipertensão arterial pulmonar, inclusive excedendo os níveis sistêmicos. A
descompensação hemodinâmica não se deve somente à obstrução física do fluxo
sanguíneo, mas também aos efeitos humorais de fatores como serotonina, liberada das
plaquetas; da trombina oriunda do plasma e da histamina tissular17,18.

A elevação da pós-carga do ventrículo direito pode desencadear uma série de eventos


deletérios que incluem: a dilatação e hipocinesia ventricular, a insuficiência valvar
tricúspide pela dilatação anular e, por fim, a falência ventricular direita. Esse processo
fisiopatológico pode se expressar após uma latência de até 24 horas, causando ao
médico a falsa percepção de que o paciente se encontra hemodinamicamente estável.
Não obstante, hipotensão refratária à terapêutica e parada cardiorrespiratória podem
ocorrer de forma abrupta17,18.

Classicamente, a EP cria imbróglios à hematose e à difusão do dióxido de carbono nos


pulmões. A hipoxemia e o aumento do gradiente alveolocapilar de oxigênio são as
anomalias mais frequentes das trocas gasosas. O espaço morto total aumenta. Ocorre
um distúrbio de ventilação e de perfusão caracterizado pelo redirecionamento do fluxo
das artérias ocluídas para leitos intactos e pelo shunt de sangue venoso para a
circulação sistêmica. A relação ventilação/perfusão (V/Q), que é normalmente em torno
de 1, diminui de valor, devido a aumento efetivo do espaço morto17,18.

No espectro de apresentação clínica da EP, a embolia pulmonar maciça é


responsabilizada pela metade das mortes na primeira hora de apresentação. A definição
anatômica da EPM compreende a obstrução de mais de 50% do leito vascular arterial
pulmonar ou a oclusão de duas ou mais artérias lobares. Tal definição não contempla a
combinação das dimensões embólicas e o status cardiopulmonar do indivíduo. A
expressão dessa interação se faz sentir na perspectiva dos pacientes que evoluem com
choque e exibem uma mortalidade de 30%, elevando-se de forma assintótica para 70%
se ocorrer uma parada cardíaca.

Entretanto a exata combinação entre o status cardiopulmonar e a magnitude da embolia


permanece ainda obscura. O sinal de alerta para um implemento tão intenso da
mortalidade nos pacientes com EP tem sido imputado à identificação da disfunção
ventricular direita no paciente aparentemente estável. Todavia esse ponto dicotômico
ainda abriga um grupo de pacientes com disfunção, mas com mortalidade ainda baixa. A
identificação clínica de sinais de gravidade como a hipotensão arterial pode ser tardia,
diante da perspectiva de morte. A ocorrência de síncope também pode ser associada a
essa percepção, uma vez que se pode atribuí-la à perda da consciência secundária à
hipotensão .

A falência cardíaca advinda da EPM resulta das combinações entre a majoração do


estresse parietal, da isquemia do miocárdio ventricular direito e o declínio do débito
sistólico do ventrículo esquerdo. A intensidade dessa situação é resultante não só da
obstrução mecânica e do status cardiopulmonar, mas também de fatores adicionais
como a vasoconstricção pulmonar neurorreflexa, a liberação de fatores humorais de
plaquetas (serotonina e fator de ativação plaquetária), fatores plasmáticos (trombina e
os peptídeos vasoativos C3a e C5a, fatores tissulares (histamina) e a hipoxemia arterial
sistêmica. O acréscimo súbito da pós-carga do VD gera, portanto, efeitos diversos nas
funções de VD e VE17,18.

O enchimento de VE é dependente do débito do VD e da mesma forma estará reduzido


pela diminuição de sua distensibilidade pelo deslocamento à esquerda do septo
interventricular (efeito Bernheim). Em um momento inicial a pressão arterial sistólica
poder-se-á manter normal pela resposta adrenérgica reflexa à queda do débito
cardíaco. A perfusão do miocárdio do VD é dependente do gradiente entre a pressão
arterial sistêmica média e a pressão subendocárdica de VD. Sua demanda tissular de
oxigênio eleva-se proporcionalmente ao acréscimo do estresse parietal. A conjunção
entre esses dois elementos resulta na isquemia do miocárdio de VD, a qual se imputa a
falência ventricular direita na evolução da EPM17,18.

6. A abordagem inicial deve ser com heparina não fracionada ou heparina de baixo
peso molecular?

A utilização de anticoagulantes é capaz de diminuir a recorrência de trombos, prevenir


a ampliação de trombos já existentes, e reduzir a incidência de EP em 60% a 70%19.
Trata-se da principal estratégia terapêutica da EP, devendo ser aplicada em todos os
pacientes, com exceção daqueles que apresentem sangramento, afecções intracranianas
como hemorragias ou neoplasia. Todo paciente sob o uso de anticoagulantes tem um
risco majorado de sangramento, mas os idosos são especialmente suscetíveis a essa
complicação. Essa população apresenta um risco diferenciado de sangramento, mesmo
após o controle de qualquer eventual comorbidade. Um menor uso de anticoagulantes
no idoso pode ser fator contributivo para maior taxa de mortalidade nessa faixa etária.

O tempo ideal do uso do cumarínico ainda suscita controvérsias. Atualmente se


preconiza duração de três meses nos pacientes que apresentaram fatores predisponentes
temporários, como procedimento cirúrgico ortopédico e indefinidamente naqueles com
fatores de risco permanentes, como os portadores de neoplasia. Portadores de
trombofilia devem usar pelo menos três meses, sendo a extensão da terapia guiada por
um balanço entre o benefício e o risco individual de sangramento19,20.

A administração parenteral da HNF é comprovadamente capaz de prevenir a


recorrência da EP e a morte. É lícito administrá-la já nas primeiras manifestações
clínicas que indique a ocorrência da doença. Sendo o efeito terapêutico variável entre
os indivíduos, recomenda-se a monitoração sistemática do tempo parcial de
tromboplastina ativado (TPTa) com a manutenção de uma razão em torno de duas vezes
e meia o padrão13.

As HBPM são atualmente preferidas às HNF, por serem seguras, efetivas e dispensarem
monitoramento laboratorial. Situações como sangramentos graves, trombocitopenia e
osteoporose são menos frequentes com HBPM do que com heparina não fracionada.
Ainda que esta tenha estabelecido sua eficácia ao longo de meio século, há uma
tendência atual em substituir o predomínio do seu uso pelo das HBPM13.

Quando o nível terapêutico é atingido, inicia-se o anticoagulante oral. Eventualmente


pode-se utilizar anticoagulação prolongada com heparinas, habitualmente as de baixo
peso molecular, quando houver recorrência de trombos em vigência de warfarin,
situação encontrada em portadores de neoplasias21.

Por fim, contemporaneamente, dispõem-se dos antitrombínicos orais, com perspectiva


de uso na prevenção primária e secundária do tromboembolismo venoso. Dentre estes,
cite-se o ximelagatran que se mostrou superior ao warfarin com uma prevalência
equivalente de sangramento, sendo considerada alternativa promissora aos cumarínicos.
Entretanto ainda não se dispõe de evidências adequadas que permitam a padronização
desses fármacos na embolia pulmonar3.
7. A presença da disfunção ventricular direita ao ecocardiograma em paciente
estável clinicamente indica a utilização de trombólise química?

De uma maneira diferente das heparinas e o warfarin, cujo efeito essencial é a


anticoagulação, os trombolíticos agem pela dissolução dos coágulos venosos e êmbolos
pulmonares. Devido à grande taxa de complicações, esses agentes são habitualmente
reservados a pacientes que exibam instabilidade hemodinâmica consequente à EP
maciça. O objetivo da terapia trombolítica é obter a dissolução rápida do trombo
embolisado, e então reverter a disfunção ventricular direita. A vantagem de administrar
trombolíticos em pacientes que apresentem disfunção ventricular direita na ausência de
instabilidade hemodinâmica é controvertida22.

Os agentes trombolíticos disponíveis no mercado brasileiro e aprovados para o


tratamento do tromboembolismo pulmonar com instabilidade hemodinâmica estão
descritos no Quadro 33:

Quadro 3
Agentes trombolíticos disponíveis no mercado brasileiro e aprovados pelo FDA para emprego na EP 3

8. Que complicações e suas implicações na decisão terapêutica podem ser


esperadas dos trombolíticos em pacientes com embolia pulmonar?

O uso de agentes trombolíticos está associado a um incremento de mais de três vezes no


risco de sangramento, quando comparado com a terapêutica anticoagulante como a
heparina. O sangramento maior, definido como uma hemorragia fatal, um sangramento
intracraniano e um sangramento que requeira atendimento cirúrgico ou transfusão, é
aferido em 12%, qualquer que seja o agente trombolítico usado.

A ocorrência de sangramentos intracranianos oscila entre 1% a 2% e tende a ser mais


frequente na população idosa, porém tais dados são baseados em estudos de
trombolíticos no infarto agudo do miocárdio, que utilizaram doses maiores que as
usadas na EP. Em geral, nos idosos, a indicação de trombolíticos é feita numa
proporção seis vezes menor que a população mais jovem, pelo receio de sangramento
grave22.

9. Que estratégias preventivas devem ser empreendidas na embolia pulmonar? Em


que oportunidade se deve indicar o filtro de veia cava?

A terapêutica da EP compreende o tratamento e a prevenção da TVP. Dessa forma o


tratamento mais efetivo para EP é a prevenção da formação do trombo no leito venoso
profundo. Vários elementos farmacológicos e métodos mecânicos são capazes de
reduzir a formação do trombo e diminuir a mortalidade consequente à EP. Todavia
nenhuma dessas estratégias foi capaz de reduzi-la a zero.

Os regimes farmacológicos de maior efetividade para a prevenção da TVP são aqueles


que administram a heparina não fracionada (HNF) em baixas doses (5.000 unidades a
cada 12 horas), a heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou o warfarin.
Paradoxalmente, a importância da prevenção da TVP e da EP não é uma prática
sistemática naqueles que exibem fatores predisponentes21.

A HNF via subcutânea, na dose de 5.000 unidades a cada 12 horas, mostra-se eficaz na
redução do risco de EP; no entanto sua recomendação se circunscreve a pacientes de
risco moderado como aqueles submetidos a cirurgias gerais ou em pacientes clínicos,
incluindo os idosos hospitalizados portadores de doenças agudas. As heparinas de
baixo peso molecular exibem vantagens adicionais com relação à heparina não
fracionada. Estas incluem uma maior biodisponibilidade e uma meia-vida maior, o que
permite que sejam administradas duas ou três vezes por dia. Ambas dispensam controle
laboratorial.

O warfarin, um composto cumarínico, é menos utilizado para a profilaxia de curta


duração para a TVP, porque apresenta em sua farmacodinâmica um retardo para atingir
seu efeito anticoagulante. Necessita de controle ostensivo do seu efeito terapêutico
através de dosagens frequentes do INR (International Normal Ratio). Apesar de se
associar frequentemente a complicações hemorrágicas, o uso crônico do warfarin é
bastante apropriado para prevenir a formação de trombos21.

Mesmo com a correta profilaxia para tromboembolismo pulmonar, recente revisão


sistemática observou que 1 em cada 100 pacientes submetidos a artroplastia parcial ou
total de joelho, e 1 em cada 200 pacientes submetidos a artroplastia parcial ou total de
joelho desenvolverão tromboembolismo sintomático antes da alta hospitalar23.

Para a prevenção mecânica da TVP, utilizam-se dispositivos de compressão pneumática


ou uso de meias elásticas. Os primeiros são tão eficazes quanto as HBPM na prevenção
de TVP das panturrilhas, tendo como contraindicações ao seu uso a doença arterial
periférica e úlceras de extremidades. As meias elásticas proporcionam uma
compressão externa dos membros inferiores progressivamente menor da porção mais
distal para a proximal. São efetivas na prevenção da TEV24.

A inserção de filtro na veia cava inferior (FVCI) tem o objetivo de evitar que êmbolos
migrem para os pulmões, considerando que, predominantemente, os êmbolos se
originam dos membros inferiores. A inserção do FVCI é eficaz na prevenção da
recorrência da EP e do óbito a ela relacionada, no período intra-hospitalar a partir de
então. A incidência da recorrência a partir da instalação do filtro varia de 2,6% a
5,6%, sem nenhuma diferença significativa entre os diversos modelos disponíveis. As
razões da recorrência são: a migração do filtro na luz da cava inferior, a instalação
inadequada, a formação de trombos a partir do filtro, filtração inadequada do material
embólico e trombose da cava proximal no ponto de implantação25.

As indicações para o implante do FVCI abrangem pacientes com trombose comprovada


das extremidades inferiores, nos quais o uso do anticoagulante esteja contraindicado;
que tenham indicação para uma anticoagulação prolongada e, no entanto, apresentem
complicação hemorrágica de maior importância, ou ainda recorrência do
tromboembolismo, apesar de anticoagulação adequada documentada por exames
laboratoriais26.

A eficácia do uso prolongado do FVCI ainda é incerta uma vez que esse não interfere na
formação de trombos nem no desenvolvimento da circulação colateral. A morte
relacionada ao implante do FVCI é rara, ainda que situações como a migração do filtro
ou perfuração da cava inferior possam ocorrer.

Revisão sistemática, realizada pela Cochrane27 em 2010, observou limitações


metodológicas nos estudos disponíveis que impediram conclusões adequadas. Desse
modo, sua indicação deve ser individualizada, considerando-se os riscos e benefícios
para cada paciente27.
10. Qual a perspectiva prognóstica após um episódio de EP?

A taxa de mortalidade da EP varia desde 5% naqueles que mantêm estabilidade clínica


até 58% nos que desenvolvem choque cardiogênico. A estratificação dessa população
heterogênea é, portanto, bastante útil. Os dois objetivos principais são: definir
pacientes com baixo risco que possam ser conduzidos ambulatorialmente; e seleção de
pacientes de alto risco de desenvolver complicações, mas que não atingiram critérios
para trombólise química.

Elementos como hipotensão arterial ou choque e elevação da troponina sérica são


considerados como indicadores de mau prognóstico28,29. Em adição a esses fatores,
Sanchez et al.30 propuseram um sistema de escore que considera: o estado mental, a
presença de choque cardiogênico, neoplasia, dosagem do BNP (Brain Natriuretic
Peptide) e avaliação ecocardiográfica da função ventricular direita e esquerda.

No Brasil, o estudo multicêntrico prospectivo EMEP31, com 582 pacientes


consecutivos, admitidos em emergências e unidades de terapia intensiva, com
diagnóstico confirmado de tromboembolismos pulmonar, observou uma mortalidade
global de 14,1%. As seguintes variáveis foram associadas ao óbito de pacientes com
estabilidade hemodinâmica de forma independente: idade >65 anos, permanência no
leito >72 horas, cor pulmonale crônico, taquicardia sinusal e taquipneia. Após
estratificação e ajuste, a mortalidade variou de 5,4%, 17,8% e 31,3%, respectivamente,
nos indivíduos de baixo, moderado e alto risco.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA

Luciano Mannarino

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 81 anos, branco, casado, aposentado, procurou atendimento no
ambulatório de cardiologia do hospital com queixa de dor torácica e cansaço.

DA: Início há um mês com cansaço e dor torácica retroesternal típica aos médios
esforços. Não referiu queixas respiratórias, digestivas ou neurológicas. No momento do
atendimento referiu cansaço, mal-estar geral e soluços.

HPP: Hipertensão arterial sistêmica; DAC com angioplastia (implante de stent


farmacológico) de CX há quatro meses e lesão de CD programada para abordagem
posterior; diabético sob controle regular em uso de metformina; hipercolesterolemia; e
ex-tabagista de meio maço/dia por mais de 40 anos.

História familiar: Sem dados informados


Exame físico: Lúcido, orientado, corado, eupneico, hidratado e afebril. Ritmo cardíaco
regular em 3 tempos com B4 audível no foco mitral, sem sopros ou arritmias. PA
=170x90mmHg; FC =100bpm; FR =16inc/min; Peso =88kg; Altura =1,68m;
circunferência abdominal =108cm. Pulmões normais à ausculta. Pulsos periféricos
isócronos e diminuídos +/4 em MMII. Demais dados ao exame físico, sem relevância.

Foi solicitado eletrocardiograma, inicialmente, e o paciente encaminhado à sala de


ECG (Figura 1):

Figura 1
ECG inicial do paciente relatado
Cedido pelo Serviço de Emergência do Hospital totalCor-RJ

Imediatamente após a realização do ECG, o paciente começou a referir mal-estar geral


em decúbito dorsal e evoluiu com perda da consciência. Os sinais vitais antes da
inconsciência eram: PA =90x60mmHg e FC =116bpm. O médico foi chamado
imediatamente à sala do ECG que se apresentava conforme a Figura 2.

Figura 2
ECG 2 do paciente relatado
Cedido pelo Serviço de Emergência do Hospital totalCor-RJ

OBJETIVOS
1. Rever as Diretrizes Internacionais de RCP da International Liaison
Comittee on Resuscitation (ILCOR)
2. Analisar os novos fluxogramas de condutas usadas no suporte básico (BLS) e
avançado de vida em cardiologia (ACLS).
3. Discutir medidas farmacológicas e elétricas vitais utilizadas na RCP.

PERGUNTAS
1- Como foram organizadas as diretrizes de ressuscitação cardiopulmonar da
International Liaison Committee on Resuscitation?

As diretrizes de ressuscitação cardiopulmonar da International Liaison Committee on


Resuscitation (ILCOR) são o resultado de uma ampla revisão da literatura sobre as
emergências cardiocirculatórias e a ciência da ressuscitação e reflete o consenso
internacional publicado no Circulation em outubro 2010 1.

Essas diretrizes seguiram uma rigorosa política de controle do conflito de interesses e


reuniu 356 especialistas seniors e dezenas de milhares de trabalhos científicos
produzidos e analisados em 29 países, além de 411 revisões de evidências científicas
em 277 tópicos sobre a ressuscitação e os cuidados cardiorrespiratórios de
emergência. É considerado, atualmente, o maior consenso mundial na área médica.

2- Quais as condutas imediatas para o caso e em qual sequência de prioridade


devem ser realizadas?

A morbidade e a mortalidade dos pacientes vítimas de parada cardiorrespiratória


(PCR) estão diretamente relacionadas ao tempo de início das manobras de suporte
básico e avançado de vida1.

A cada minuto de retardo na reversão da PCR, a mortalidade aumenta entre 7% e 10%,


sendo que ao final de 10 minutos de parada do coração, sem nenhuma assistência
artificial, a mortalidade será de 100% (Figura 3).
Figura 3
Percentual de sobrevida após parada cardiorrespiratória

A fibrilação ventricular (FV), descrita inicialmente por Carl Ludwig (1816-1895) 1, é o


ritmo mais frequente encontrado na parada cardíaca de adultos, e depende
exclusivamente da desfibrilação precoce para a sua reversão. O suporte básico de vida
permite retardar os efeitos deletérios provocados pela falta de oxigênio aos órgãos
vitais, em especial o coração e o cérebro, mas não é capaz de reverter a fibrilação
ventricular.

A síndrome coronariana aguda está em primeiro lugar entre as cardiopatias que podem
apresentar fibrilação ventricular. Esse desfecho não apresenta relação direta com a
gravidade da coronariopatia e pode se manifestar a qualquer momento da evolução da
doença.

Em todos os casos, as manobras de suporte básico de vida devem ser iniciadas


imediata e ininterruptamente, incluindo as compressões torácicas e as ventilações com
dispositivo enriquecido com O2 a 100% até que o desfibrilador esteja disponível,
ligado e pronto para ser aplicado sobre o tórax da vitima, inconsciente e sem qualquer
sinal de respiração espontânea, evidenciada à ectoscopia.

As novas diretrizes internacionais propõem as seguintes medidas como prioridade no


suporte básico e avançado na RCP1,2:

1. RCP é encorajada com compressões torácicas somente para o leigo que testemunha
uma parada cardíaca súbita, pois é mais fácil de ser executada por indivíduos não
treinados e pode ser facilmente instruída por telefone pelo atendente do Serviço
Médico de Emergência (SME).
2. A avaliação da respiração "Ver, ouvir e sentir” foi removida do algoritmo de SBV.
Esses passos demonstraram ser inconsistentes, além de consumir tempo.

3. Na sequência para o atendimento, a recomendação é que se iniciem as compressões


torácicas antes da ventilação de resgate. A antiga sequência A-B-C (vias Aéreas - Boa
ventilação - Compressão Torácica) mudou agora para C-A-B.

4. A sequência A-B-C permanece para o cuidado neonatal, pois quase sempre a causa
de PCR nos recém-nascidos é a asfixia.

5. Não houve alteração na recomendação referente à relação compressão-ventilação de


30:2 para um único socorrista de adultos, crianças e bebês (excluindo-se recém-
nascidos).

6. A ênfase maior das Diretrizes 2010 é a necessidade de uma RCP de alta qualidade,
incluindo:

Frequência de compressão mínima de 100/minuto (em vez de


"aproximadamente" 100/minuto, como anteriormente)
Profundidade de compressão mínima de 5cm em adultos
Retorno total do tórax após cada compressão
Minimização das interrupções nas compressões torácicas
Evitar excesso de ventilação e hiperóxia

7. O soco precordial não deve ser usado em PCR extra-hospitalar não presenciada. O
soco precordial poderá ser considerado para pacientes com TV instável (inclusive TV
sem pulso) presenciada e monitorizada se não houver um desfibrilador imediatamente
pronto para uso. No entanto, ele não deverá retardar a RCP nem a aplicação dos
choques.

8. As novas diretrizes minimizam a importância de checar o pulso pelos profissionais


de saúde treinados. A detecção do pulso é difícil mesmo para provedores experientes,
principalmente quando a pressão arterial está muito baixa. Quando executada, não deve
demorar mais do que 10 segundos.

9. As recomendações anteriores de se utilizar o desfibrilador externo automático


(DEA) o quanto antes, em caso de PCR extra-hospitalar presenciada, foi reforçada.
Quando a PCR não for presenciada, a equipe do SME deve iniciar RCP (se já não
estiver sendo realizada pelo leigo) enquanto o DEA verifica o ritmo. Nestes casos,
pode-se considerar 1-3 minutos de RCP antes do primeiro choque de desfibrilação.

10. Foi estimulada a implementação de programas que estabeleçam DEA acessíveis em


locais públicos nos quais exista uma probabilidade relativamente alta de PCR
presenciada. A AHA recomenda que esses programas sejam acompanhados de
planejamento, treinamento e integração com o SME para melhor eficácia dos elos da
cadeia de sobrevivência.

11. Reafirmando as recomendações de 2005, ao presenciar uma PCR extra-hospitalar e


havendo um DEA/ DAE prontamente disponível no local, o socorrista deverá iniciar a
RCP com compressões torácicas e usar o DEA/ DAE o quanto antes (Choque primeiro
versus RCP primeiro).

12. O protocolo de um choque versus a sequência de três choques foi estabelecido nas
diretrizes de 2010. Devem ser usadas cargas de 360J e 200J nos desfibriladores com
onda elétrica monofásica e bifásica, respectivamente. Se um choque não eliminar a FV,
o benefício incremental de outro choque é baixo, e o reinício da RCP provavelmente
terá maior valor do que outro choque imediato.

13. Na desfibrilação com desfibrilador / cardioversor implantado, as posições


anteroposterior e subclavicular-anterolateral E ou D são geralmente aceitas em
pacientes com marca-passos e desfibriladores implantados. A colocação das pás/pás
manuais não deve retardar a desfibrilação. Convém evitar colocar as pás ou pás
manuais diretamente sobre o dispositivo implantado.

14. Após obter o acesso venoso (IV) ou intraósseo (IO), adrenalina deverá ser utilizada
na dose de 1mg a cada 3-5 minutos, podendo ser substituída pela vasopressina na dose
de 40UI em substituição à primeira ou segunda dose da adrenalina2.

15. Amiodarona deverá ser utilizada na dose de ataque de 300mg IV seguida de nova
dose de 150mg IV nos casos de FV refratária às manobras de ressuscitação.

16. A capnografia quantitativa com forma de onda está indicada para a avaliação da
efetividade das manobras de ressuscitação, quando disponível.

O algoritmo circular do suporte avançado foi simplificado para facilitar a sua


compreensão e aderência (Figura 6).
3. Qual o mecanismo fisiopatológico que explica a evolução do caso?

No infarto agudo do miocárdio, a trombose aguda de uma placa em artéria coronária


acarreta o desbalanço entre a oferta e o consumo de O2 pelo miocárdio, levando ao
sofrimento isquêmico do coração. Essa isquemia provoca alterações nos canais iônicos
transmembrana dos miócitos, com consequente aparecimento de diferenças entre os
potenciais de ação e os períodos refratários das células. Nessas condições existe o
aparecimento de flutuações cíclicas na amplitude ou polaridade da onda T, provocando
um significativo grau de dispersão da repolarização ventricular com recuperação não
homogênea, favorecendo a ocorrência de microáreas de reentrada para o estímulo
elétrico e a consequente desorganização elétrica de todo o miocárdio ventricular com
arritmias fatais (FV) e a perda da função de bomba contrátil3.

4. Qual o prognóstico do paciente?

Resumidamente, o prognóstico do doente estará inversamente ligado ao tempo de início


das manobras de suporte básico e avançado de vida, à desfibrilação precoce e à
reversão da FV.

Revertida a fibrilação ventricular, a avaliação do risco de morte deverá ser realizada


usando-se o escore de risco usado para o paciente com infarto agudo do miocárdio com
supradesnível do segmento ST (IAMCSST) do TIMI risk score4 (Quadro 1).

Quadro 1
TIMI risk score para o IAMCSST
5. Qual a propedêutica indicada para o caso?

Os principais objetivos no manejo de pacientes recuperados de parada cardíaca são:


estabelecer a situação clínica em que o evento ocorreu e tratá-la; reconhecer os
possíveis fatores desencadeantes; tratar as complicações secundárias à parada cardíaca
e evitar que o evento se repita.

No caso clínico apresentado está indicada a revascularização imediata do vaso


comprometido com o tratamento hemodinâmico percutâneo (angioplastia) ou o químico
com o uso de trombolíticos, quando a abordagem hemodinâmica não for disponível num
período inferior a 90 minutos5.

Deverão ser solicitados: a dosagem laboratorial da glicemia e dos eletrólitos, o


coagulograma, a avaliação da função renal (ureia e creatinina) e dos marcadores
plasmáticos de injúria miocárdica incluindo a mioglobina, a CPK massa e a troponina
para o acompanhamento da evolução.

O RX de tórax é muito importante pelas informações cardiovasculares e pulmonares


que pode acrescentar à análise médica, em especial na avaliação das doenças
pulmonares crônicas, quando presentes.

O ecocolorDopplercardiograma deverá ser realizado particularmente para a análise da


função global do ventrículo esquerdo e dos segmentos comprometidos pelo infarto do
miocárdio, na fase aguda. Este também permitirá a avaliação adicional da função
contrátil do ventrículo direito, do aspecto morfofuncional das valvas cardíacas bem
como da raiz da aorta, úteis ao manejo propedêutico de cada doente.

6. Existe alguma estratégia para a prevenção de um novo evento?

O paciente coronariopata deverá manter sob controle rigoroso: as taxas sanguíneas de


glicose e de colesterol total / LDL-c; da pressão arterial sistêmica; o abandono do
tabagismo em caráter permanente; o controle do peso com uma dieta balanceada e
pobre em lipídeos; o início da prática de exercícios aeróbicos sob a supervisão do
cardiologista logo que for possível; e finalmente o uso regular e ininterrupto das
medicações que mantenham o processo aterosclerótico e o inflamatório do endotélio
coronariano sob controle, incluindo também a dupla inibição da agregação plaquetária
com o ácido acetilsalicílico e os tienopiridínicos.

Evidências mais recentes indicam que apenas os betabloqueadores e a amiodarona,


entre os antiarrítmicos, são capazes de controlar as arritmias sintomáticas, sem
aumentar a mortalidade quando comparada a placebo ou a outros antiarrítmicos6.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

1. Field JM, Hazinski MF, Sayre MR, Chameides L, Schexnayder SM, Hemphill
R, et al. Part 1: Executive Summary: 2010 American Heart Association
Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency
Cardiovascular Care. Circulation. 2010;122(18 Suppl 3):S640-56.
2. Deakin CD, Morrison LJ, Morley PT, Callaway CW, Kerber RE, Kronick SL;
Advanced Life Support Chapter Collaborators. Part 8: Advanced life
support: 2010 International Consensus on Cardiopulmonary Resuscitation and
Emergency Cardiovascular Care Science with Treatment Recommendations.
Resuscitation. 2010;81(Suppl 1):e93-e174.
3. Scanavacca MI, Brito FS, Maia I, Hachul D, Gizzi J, Lorga A, et al;
Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes para Avaliação e Tratamento
de Pacientes com Arritmias Cardíacas. Arq Bras Cardiol. 2002;79(supl.
5):1-50.
4. Morrow DA, Antman EM, Parsons L, de Lemos JA, Cannon CP, Giugliano
RP, et al. Application of the TIMI risk score for ST-elevation MI in the
National Registry of Myocardial Infarction 3. JAMA. 2001;286(11):1356-9.
5. Piegas LS, Feitosa G, Mattos LA, Nicolau JC, Rossi Neto JM, et al;
Sociedade Brasileira de Cardiologia. IV Diretriz da Sociedade Brasileira de
Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com
Supradesnível do Segmento ST. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6 supl. 2):e179-
e264. Erratum in: Arq Bras Cardiol. 2010;95(4):553.
6. Amiodarone Trials Meta-Analysis Investigators. Effect of prophylactic
amiodarone on mortality after acute myocardial infarction and in congestive
heart failure: meta-analysis of individual data from 6500 patients in
randomised trials. Amiodarone Trials Meta-Analysis Investigators. Lancet.
1997;350(9089):1417-24.
DOENÇA HIPERTENSIVA ESPECÍFICA DA
GESTAÇÃO

Hélder Konrad de Melo

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 41 anos, procurou atendimento médico por “dor de cabeça” e “falta
de ar”, iniciada há 24 horas. Refere que a “dor de cabeça” não obteve alívio
satisfatório com novalgina e paracetamol, e que o desconforto respiratório não teve
melhora após mudança de decúbito em domicílio.

Encontra-se na vigésima sexta semana de sua primeira gestação (datada pela USG de 1º
trimestre). Participou de quatro consultas de pré-natal, sem intercorrências nas
consultas. Exames realizados no pré-natal, de sangue e urina, não tiveram alterações.
Nega comorbidades. Faz uso de sulfato ferroso desde a última consulta.

Ao exame: Apresenta-se lúcida e orientada, ainda referindo “dor de cabeça e falta de


ar”. Corada, hidratada, com leve taquipneia, porém sem esforço respiratório.
FC =98bpm; PA =160x110mmHg; FR=22irpm
ACV: RCR, 2T, BNF
AR: MVUA, s/ RA
ABD: Gravídico, fundo uterino 22cm, sem dor à palpação
MMII: Edema 2+/4+ bilateral, panturrilhas sem empastamento
Exame neurológico: Sem alterações

Exames laboratoriais:
Hemoglobina =10,2g/dL; LDH =380U/l; Ur =38mg%; Cr =1,1mg%; TGO =60U/l;
Ácido úrico =7,2mg%; Bilirrubina total =1,1mg%; Proteinúria de 24 horas
=5068mg/24h

ECG: Ritmo sinusal, dentro da normalidade

Condução do Caso:

A paciente do caso em questão foi admitida, inicialmente em ambiente de terapia


intensiva. Foi estabilizada com medicações endovenosas e orais para controle da
pressão arterial. Recebeu terapia com sulfato de magnésio para profilaxia de
eclâmpsia. Recebeu corticoterapia com betametasona para maturação pulmonar fetal.
Avaliação de bem-estar fetal satisfatória, sem evidência de sofrimento agudo. Perfil
laboratorial materno evidenciou alteração sanguínea apenas de forma transitória, e
manteve-se estável. Coletas de proteinúrias de 24 horas semanais também não
evidenciaram deterioração clínica.

Apesar de preencher critérios de gravidade, pela primiparidade, a grande vontade da


mãe e do pai em reduzir os riscos fetais da prematuridade (feto prematuro extremo,
idade gestacional de 26 semanas, com menos de 1000g), a paciente foi mantida
internada, com coleta diária de exames laboratoriais, avaliação seriada do bem-estar
fetal, até a trigésima quarta semana de gestação. Qualquer deterioração clínica (materna
ou fetal) determinaria a interrupção imediata da gestação. Assim foi permitido o manejo
conservador inicial e a indução do parto por via baixa.

O caso foi conduzido em hospital especializado, com equipe de enfermagem,


fisioterapeutas, obstetras e cardiologistas especializados em gestação de alto risco,
com excelente adequação de recursos, bom suporte de terapia intensiva adulto e
neonatal e vigilância seriada, o que permitiu desfecho favorável. Esta não é a realidade
da maior parte das instituições.

OBJETIVOS
1. Revisar conceitos relacionados à doença hipertensiva específica da gravidez.
2. Discutir as medidas farmacológicas e não farmacológicas para o seu manejo
clínico.

PERGUNTAS
1. Qual o diagnóstico diferencial para os sinais e sintomas apresentados pela
paciente? Que exames laboratoriais devem ser solicitados na avaliação inicial?

Edema de membros inferiores, dispneia e cefaleia são queixas frequentes, em especial


no terceiro trimestre da gestação1. Podem fazer parte de uma evolução fisiológica
normal.

No contexto clínico da paciente, chama a atenção o distúrbio hipertensivo. Esta é uma


complicação comum, com incidência de 5-10% na gestação2, podendo representar
desde leves elevações isoladas até hipertensão severa com disfunções de múltiplos
órgãos3,4. Tem, portanto, grande potencial de morbimortalidade materno-fetal.

Clinicamente, o distúrbio hipertensivo pode ser classificado em hipertensão


gestacional; pré-eclâmpsia (formas leves ou graves) ou hipertensão crônica1,5.

É fundamental o conhecimento da tipagem sanguínea (ABO e fator RH), anti-HIV e


VDRL, hemograma completo + esfregaço periférico, glicemia de jejum, sorologias
(CMV, toxoplasmose, rubéola e hepatite B), TAP/PTT, bilirrubinas, ALT, AST, LDH,
creatinina, ureia, eletrólitos (sódio, potássio, cálcio, magnésio). Solicitar também EAS,
urocultura e iniciar coleta de proteinúria de 24 horas.

Essa avaliação deve ser individualizada. Exames considerados de relevância clínica


podem ser acrescentados a cada caso a fim de esclarecimento diagnóstico, evolução
clínica e orientação da terapêutica.

2. Como se pode explicar o mecanismo fisiopatológico da hipertensão gestacional?

A patofisiologia da hipertensão gestacional ainda não é conhecida. Não está claro se a


hipertensão gestacional e a pré-eclâmpsia são doenças diferentes com o mesmo
fenótipo (hipertensão) ou se a hipertensão gestacional é um estágio precoce e leve da
pré-eclâmpsia6.

Existem evidências sugerindo que são entidades diferentes; contudo 15-25% das
gestantes com hipertensão gestacional evoluem para pré-eclâmpsia, passando a
apresentar características diferentes das hipertensas sem proteinúria6.

Apesar de hipertensão e proteinúria serem marcos da pré-eclâmpsia, esta doença é na


verdade complexa e multissistêmica. Caracteriza-se por disfunção endotelial difusa e
profunda inflamação sistêmica, semelhante em diversos aspectos à síndrome de
resposta inflamatória sistêmica (SIRS) vista em outros perfis de pacientes. Contudo a
diferença-chave é que nos pacientes com SIRS ocorre significativa hipotensão, ao
contrário da hipertensão vista nas pacientes com pré-eclâmpsia7.

A pré-eclâmpsia se torna aparente clinicamente em fase tardia da gestação, contudo sua


origem remete aos estágios iniciais da gravidez. Interações anormais entre o trofoblasto
fetal e a decídua materna, incluindo as células do sistema imune materno, levam à
invasão placentária inadequada e remodelamento vascular materno8.

A placentação inadequada é um dos degraus da cascata de eventos que culminam com a


disfunção orgânica materna. Condições maternas predisponentes à inflamação e
patologia vascular9,10; fatores fetais (incluindo gestação múltipla e macrossomia)11;
exposições ambientais12,13 (incluindo patógenos infecciosos – Chlamydia pneumoniae,
citomegalovírus, malária, infecções do trato urinário e periodontal); todos parecem
contribuir para a liberação de produtos placentários, incluindo moléculas
antiangiogênicas (sFLT-1 e endoglina solúvel), na circulação materna. Estes podem agir
diretamente ou indiretamente sobre o endotélio dos órgãos, como rins, fígado e
cérebro14-16.

A liberação de espécies reativas de oxigênio, citocinas e microtrombos de endotélio


lesado contribui ainda mais para a disfunção orgânica, anemia hemolítica e
trombocitopenia17.

A patofisiologia resulta de: resposta de vasoconstrição exacerbada a substâncias


vasoativas (como angiotensina II e endotelina); redução de volume plasmático causado
por extravasamento capilar e redistribuição do volume extracelular total do
intravascular para o compartimento intersticial; ativação plaquetária, iniciada pela
lesão endotelial, que leva à trombose intravascular e consumo plaquetário17,18.
3. Quais são os efeitos sobre os principais órgãos?

A lesão renal característica é a endoteliose glomerular19. Esta e a proteinúria são


provavelmente secundárias à deficiência de VEGF (fator de crescimento endotelial
vascular) mediada por sFLT-1 ao nível dos podócitos. A insuficiência de VEGF resulta
em quebra da função normal do endotélio glomerular, induzindo proteinúria, oligúria e
elevação de creatinina. Hiperuricemia também pode ser observada, resultante de
reabsorção de sódio (em resposta à redução de fluxo sanguíneo renal e angiotensina
II)19.

Isquemia hepática causada por depósitos de fibrina intravasculares e,


consequentemente, redução de fluxo sanguíneo20. Isto se torna clinicamente aparente por
dor epigástrica ou em quadrante superior direito do abdome, elevação de transaminases
(achado precoce) ou coagulopatia (achado tardio). Manifesta-se de forma extrema por
formação de hematoma subcapsular e rotura hepática1,3.

As anormalidades hematológicas encontradas na síndrome HELLP devem-se


provavelmente à ativação plaquetária e formação de trombos de fibrina em relação à
microcirculação. Isso leva à obstrução dos leitos vasculares, formação de fluxo
sanguíneo turbulento, e consequente anemia hemolítica microangiopática e consumo de
plaquetas. Há aumento do risco de hemorragias e redução de perfusão orgânica21.

Complicações neurológicas incluem: convulsões eclâmpticas, síndrome de


leucoencefalopatia reversível posterior (PRES) e mais raramente, hemorragia
intracraniana. É incerto se a eclampsia resulta de vasoespasmo cerebrovascular ou
desregulação autonômica do fluxo sanguíneo cerebral resultante do rápido aumento da
pressão arterial1,22.

A complicação cardiopulmonar mais frequente é o edema pulmonar. Aumento de


permeabilidade capilar, redução de pressão coloidosmótica plasmática e disfunção do
ventrículo esquerdo podem contribuir para o seu desenvolvimento. Contudo, é mais
frequentemente visto no contexto de sobrecarga de volume iatrogênica1,22.

Mulheres com pré-eclâmpsia podem desenvolver outras complicações


cardiopulmonares como infarto agudo do miocárdio, síndrome de angústia respiratória
aguda, cardiomiopatia periparto e insuficiência cardíaca congestiva.
4. Como fazer o diagnóstico?

Considerando o potencial de complicações e a necessidade de tratamento precoce, a


diferenciação entre as entidades se torna retrospectivo. As seguintes definições devem
ser aplicadas:

Hipertensão gestacional:

Desenvolvimento de hipertensão na gravidez ou nas primeiras 24 horas pós-parto, sem


sinais ou sintomas de pré-eclâmpsia ou hipertensão prévia. A pressão arterial deve
retornar ao normal em até seis semanas após o parto. Hipertensão é definida como PA
sistólica ≥140mmHg ou PA diastólica ≥90mmHg1,2.

Pré-eclâmpsia e Eclâmpsia:

A tríade clássica da pré-eclâmpsia inclui hipertensão, proteinúria e edema. Atualmente


assume-se que edema não seja essencial para o diagnóstico; até 1/3 das mulheres com
eclâmpsia nunca desenvolvem edema.

Em geral, pré-eclâmpsia é definida primariamente como hipertensão gestacional mais


proteinúria. Esta última é definida como proteinúria >300mg em 24 horas1,2,23.

Na ausência de proteinúria, a pré-eclâmpsia deve ser considerada quando houver


hipertensão em associação a sintomas cerebrais persistentes, dor epigástrica ou no
quadrante superior direito do abdome mais náuseas e vômitos, restrição ao crescimento
fetal ou existirem alterações em exames laboratoriais (plaquetopenia ou aumento de
enzimas hepáticas).

Na pré-eclâmpsia leve, a PA sistólica se mantém <160mmHg e a PA diastólica


<110mmHg. Eclâmpsia é a presença de convulsões na ausência de outra causa
atribuível1,2.

Hipertensão crônica:

Hipertensão presente antes da gravidez ou diagnosticada antes da vigésima semana de


gestação. Hipertensão persistente após 42 dias de puerpério1,2,23.

Pode ocorrer associação das condições clínicas. Uma mulher com hipertensão crônica
pode desenvolver piora dos níveis de pressão arterial, proteinúria ou novas alterações
de exames laboratoriais (plaquetometria ou enzimas hepáticas), configurando caso de
pré-eclâmpsia sobreposta1,2,23.

5. Como definir a gravidade da pré-eclâmpsia?

Critérios foram estabelecidos para classificar a pré-eclâmpsia como grave1,2,5, dentre


eles:

Sintomas de disfunção do sistema nervoso central: visão turva, escotomas,


alteração do estado mental, dor de cabeça grave (incapacitante, ou “a dor
mais forte que eu já tive”) ou dor de cabeça que persiste e piora apesar da
analgesia.
Sintomas de distensão de cápsula hepática: dor em quadrante superior direito
ou dor epigástrica.
Injúria hepatocelular: transaminase maior que duas vezes o limite superior.
Elevação grave da pressão arterial: PAS ≥160mmHg ou PAD ≥110mmHg em
duas aferições com intervalo de pelo menos seis horas.

Plaquetopenia: <100.000/mm3
Proteinúria: ≥5g nas 24 horas
Oligúria: <500ml nas 24 horas
Restrição severa ao crescimento fetal
Edema pulmonar ou cianose
Acidente cerebrovascular

A síndrome HELLP é uma das formas de pré-eclâmpsia grave; seu diagnóstivo envolve
demonstração de hemólise, elevação de enzimas hepáticas e plaquetopenia. Os
seguintes critérios1,2,5 devem estar presentes:

Esquizocitose em lâmina de sangue periférico. Outros achados sugestivos de


hemólise são LDH elevado, bilirrubina indireta elevada ou baixa
concentração sérica de haptoglobina (≤25mg/dl).
BT >1,2mg/dl ou LDH >600U/l
TGO >70U/l

Plaquetas <100.000/mm3

6. Como deverá ser o manuseio da paciente ?


O manuseio da paciente com qualquer distúrbio hipertensivo relacionado à gestação
deve ser pelo menos inicialmente realizado em meio intra-hospitalar. Envolve
inicialmente a estabilização do quadro clínico materno, avaliação do bem-estar fetal e
estratificação da paciente, com prioridade na segurança materna1,5,24.

Gestantes com hipertensão gestacional leve e pré-eclâmpsia leve, após estabilização,


podem ter seu tratamento continuado em domicílio ou em hospital-dia5. Gestantes com
pré-eclâmpsia grave ou hipertensão gestacional severa devem ter manuseio intra-
hospitalar até o término da gestação e estabilização clínica5.

A condição clínica materna e fetal, e a sua estabilidade, são determinantes na decisão


do momento oportuno para a cessação da gravidez, única medida que determina o
término do processo patológico.

O manejo da pré-eclâmpsia leve e hipertensão gestacional, de maneira geral, é


conservador1,5,24. Na pré-eclâmpsia grave, na síndrome HELLP e na eclâmpsia, a
conduta expectante, normalmente é a exceção.

Conduta expectante envolve estado fetal tranquilizador (sem sinais de sofrimento fetal),
estado materno tranquilizador (PA controlada, ausência de sintomas, exames
laboratoriais estáveis ou preferencialmente normais), idade gestacional menor que 34
semanas e ausência de maturidade fetal.

A Figura 1 apresenta o fluxograma da pré-eclâmpsia grave.

7. Como fazer a profilaxia da eclâmpsia ?

Seja para a profilaxia da eclâmpsia seja para a profilaxia da recorrência das crises
convulsivas eclâmpticas, gestantes com diagnóstico ou suspeita diagnóstica de pré-
eclâmpsia grave devem ser submetidas à terapia com sulfato de magnésio. Pacientes
sob essa terapia devem ter sua diurese mensurada com periodicidade horária por meio
de cateter vesical de demora.

Quatro estudos25-28, incluindo 6343 pacientes, compararam sulfato de magnésio com


placebo ou outros anticonvulsivantes. A taxa de crises convulsivas foi
significativamente menor com o sulfato de magnésio vs. placebo ou outras terapias
(0,6% vs. 1,9-3,2%)5.

A via endovenosa é o método de preferência; injeção intramuscular de sulfato de


magnésio é dolorosa e pode ocasionalmente levar à formação de abscesso glúteo22.
Faz-se um ataque inicial de 6g de magnésio em 20-30min (12ml de sulfato de magnésio
a 50% em 100ml de soro glicosado a 5%). Mantém-se, depois, com infusão de 2g/hora,
endovenosa, por pelo menos 24 horas, ou até a estabilização materna. Solução de 40ml
de sulfato de magnésio a 50% adicionados a 460ml de soro glicosado a 5%, com
infusão inicial de 50ml por hora, obtém infusão de 2g/hora22.

Monitoração clínica de sinais de toxicidade deve ser realizada com frequência através
da avaliação de reflexos tendinosos profundos, nível de consciência e frequência
respiratória. Em sinais de intoxicação, deve ser interrompida a infusão imediatamente,
e a paciente deve receber 10ml de gluconato de cálcio a 10%, em 3min, como antídoto.

O efeito do gluconato de cálcio é transitório, podendo ser necessárias novas doses para
antagonismo do magnésio. Parada cardíaca ou respiratória por toxicidade deve ser
imediatamente tratada com medidas de ressuscitação, incluindo entubação orotraqueal e
ventilação mecânica.

Pacientes recebendo sulfato de magnésio têm risco aumentado de hemorragia pós-parto


por atonia uterina. Isto deve ser antecipado. O magnésio é eliminado por via urinária;
assim, os pacientes que desenvolvem oligúria estão sob risco aumentado de
intoxicação.

8. Como controlar a hipertensão?

A hipertensão da pré-eclâmpsia deve ser encarada como uma emergência hipertensiva,


sendo implementada terapia agressiva para obter uma PA sistólica-alvo entre 130-
150mmHg e PA diastólica-alvo entre 80-100mmHg5,22,29.

O nível de pressão arterial-alvo pode ainda ser individualizado, tendo em vista que
muitas gestantes possuem níveis tensionais basais muito baixos (<90x75mmHg),
apresentando assim sintomatologia com 150x100mmHg. O controle da pressão arterial
deve ser implementado simultaneamente ao inicio da terapia com sulfato de magnésio
para profilaxia de eclâmpsia.

Nesta seção será utilizada a classificação do FDA para drogas e medicamentos de


1980, revisada por Yamkotiz e Niebyl, em 200130 (Quadro 1):

Quadro 1
FDA: nível de drogas na gestação – riscos inerentes

Fonte: FDA - Yamkotiz e Niebyl, 200130

8.1 Que drogas utilizar no manejo agudo da hipertensão?

O manejo agudo envolve o emprego de droga endovenosa; deve ser iniciado


precocemente, concomitante à terapia com sulfato de magnésio. A droga disponível no
Brasil, e mais estudada, é a hidralazina endovenosa.

Hidralazina: Nível C pelo FDA. Inicia-se com 5mg intravenoso em 1-2 minutos; se o
alvo não é atingido em 20 minutos pode ser administrada outra dose em bolus de 5-
10mg, dependendo da resposta inicial. A dose máxima em bolus é 20mg.

Nitroglicerina: Nível C pelo FDA. Preferência nos casos de pré-eclâmpsia com edema
pulmonar por sua propriedade venodilatadora. Pode ser empregada nas doses de 5-
200mcg/min, sendo uma droga segura na gravidez.

Nitroprussiato: Nível C pelo FDA. Pouco estudada na gravidez. Podem ser


necessárias doses de 0,25-8mcg/kg/min. Dose elevada (>2mcg/kg/min) e tempo de
administração prolongado relacionam-se com toxicidade materna, principalmente em
insuficiência renal ou hepática concomitante. Doses >10mcg/kg/min não devem ser
utilizadas por mais de 10 minutos. Os poucos estudos animais ou relatos de caso na
gravidez não demonstraram toxicidade materno-fetal nas doses farmacológicas
regulares; porém a literatura recomenda limitar o uso a quatro horas por risco de
toxicidade fetal.

Nifedipino: Nível C na gestação pelo FDA. Droga menos utilizada atualmente em


cardiologia pelos relatos de complicações cardiovasculares, porém com evidência na
literatura obstétrica. Pode ser utilizada a formulação de liberação rápida. Utilizar 10-
20mg VO a cada 30min, com dose máxima de 50mg.

8.2 Que drogas utilizar no manejo em longo prazo da hipertensão?

É consenso que se devem evitar inibidores da enzima conversora de angiotensina


(IECA), antagonista dos receptores da angiotensina (BRA) e inibidores diretos da
renina, na gestação. Assim, é melhor descontinuar seu uso em mulheres que planejem
engravidar.

No Brasil, as drogas disponíveis com melhor perfil de segurança e a respectiva


classificação de risco pelo FDA30, são:

Metildopa: Nivel B pelo FDA. Dose: 750mg-3gramas/dia em 3-4 tomadas.


Hidralazina: Nível C pelo FDA. Dose: 75-300mg/dia em 3-4 tomadas.
Nifedipino: Nível C pelo FDA. Utilizar formulação de liberação lenta. Nifedipina
oros: iniciar 30mg 1x/dia, dose máxima de 120mg/dia. Nifedipina retard: iniciar 10mg
2x/dia com dose máxima de 60mg/dia.

Outras drogas podem ser associadas, porém com menor evidência na literatura ou
menor perfil de segurança fetal: betabloqueadores, diuréticos e clonidina.

8.3 Que esquema anti-hipertensivo deve ser mantido após o parto?

Não existem dados suficientes para determinar se o esquema anti-hipertensivo antenatal


deve ser mantido após o parto, ou qual o melhor anti-hipertensivo para se manter. É
certo que até 25% das pré-eclâmpsias sofrem deterioração clínica após o parto,
requerendo monitorização subsequente.

De maneira geral, o uso de anti-hipertensivos é necessário por mais tempo em pacientes


com pré-eclâmpsia (usualmente duas semanas) do que nas pacientes com hipertensão
gestacional (usualmente uma semana); no entanto há extrema variabilidade1,5.

Sabe-se que todos os agentes anti-hipertensivos são encontrados no leite materno.


Porém, assumindo que ocorre uma ingesta menor que 10% da dose terapêutica pelo
infante em amamentação, a Academia Americana de Pediatria33 considera que os anti-
hipertensivos habitualmente utilizados na gravidez são “usualmente aceitáveis” durante
a lactação, em adição ao captopril e ao enalapril5.

Não existem estudos dos efeitos dos anti-hipertensivos em infantes prematuros em


amamentação ou nos nascidos com baixo peso. Também os efeitos em longo prazo da
exposição aos anti-hipertensivos (antenatal ou através do leite materno) não foram
estudados5.

Recomenda-se que o esquema anti-hipertensivo deva ser mantido após o parto,


especialmente nos casos de pré-eclâmpsia grave. Salvo indicação materna (presença de
comorbidades como diabetes mellitus ou cardiomiopatia), IECA e BRA devem ser
evitados pelos seus possíveis efeitos na função renal neonatal.

9. Como fazer a corticoterapia antenatal?

Essa terapia acelera a maturação pulmonar fetal, tanto da arquitetura quanto


bioquímica. Reduz a incidência de síndrome respiratória aguda, hemorragia
intraventricular, enterocolite necrotizante, sepse e mortalidade neonatal em cerca de
50%5,1, sendo, portanto, obrigatória nos casos de risco de interrupção em gestantes com
feto entre 24 e 34 semanas.

Prefere-se a betametasona 12mg 1x/dia, num total de duas doses. Como segunda opção,
pode ser utilizada a dexametasona 6mg 2x/dia, por dois dias consecutivos (total de
quatro doses)5. Na ausência dessas duas drogas, a eficácia de hidrocortisona
endovenosa, na dose de 500mg a cada 12 horas, por 48 horas (quatro doses), é
questionável5.

Mulheres que estejam recebendo terapia com hidrocortisona por qualquer outra
indicação, também devem receber a terapia com betametasona ou dexametasona5.

10. Quais as medidas não farmacológicas que podem ser implementadas? Que
outras terapias podem ser utilizadas?

Restrição de sal: não existem evidências que suportem essa medida. Estudo
observacional em pacientes com pré-eclâmpsia não demonstrou redução da pressão
arterial com restrição de sal, mas demonstrou um aumento na velocidade de depleção
de volume, o que pode ser danoso31.

As evidências são insuficientes para apoiar o repouso absoluto no leito1,5. Acredita-se


que associar esse fator de risco para tromboembolismo venoso ao risco já pronunciado
pela gestação não seja uma prática adequada pelas evidências atuais. Sugere-se
repouso para pacientes admitidas em UTI, até a estabilização dos níveis pressóricos.
Sugere-se evitar exercício físico vigoroso na gestação, em pacientes com pré-
eclâmpsia, conforme recomendação da Sociedade Canadense de Ginecologia e
Obstetrícia (SOGC) de 2003 sobre exercício na gestação32.

Recomenda-se a profilaxia para trombose venosa profunda, antenatal ou pós-natal, de


acordo com o contexto clínico da paciente. Esta deve ser empregada quando a restrição
ao leito for indicada. Pode ser realizada com heparina de baixo peso molecular ou
heparina não fracionada1,5.

Aspirina em dose baixa não é recomendada para tratamento de pré-eclâmpsia5.

Novas terapias para pré-eclâmpsia são baseadas na sua patogênese, envolvendo


vasoconstrição, inflamação, hipercoagulabilidade e estresse oxidativo. A informação
ainda é insuficiente para avaliar os efeitos de proteína-C ativada, antitrombina,
heparina, L-arginina, N-acetilcisteína, probenecida e sildenafil5.
Figura 1
Fluxograma de pré-eclâmpsia grave.
Fonte: Hospital da Mulher

Recomendações Finais

A doença hipertensiva específica da gestação é uma entidade frequente, com alto


potencial de morbimortalidade materno-fetal. Dados canadenses e ingleses estimam que
ela seja responsável por 14-15% das mortes maternas23. Segundo o relatório Saúde
Brasil 2009, é a maior causa de óbito materno do Brasil (15,1%)34. É também
responsável por mais de 50% das internações em unidades especializadas35. Nos casos
graves, as disfunções orgânicas necessitam de suporte substitutivo prolongado em
terapia intensiva com severo comprometimento materno-fetal.

O cardiologista clínico deve estar familiarizado com a sua fisiopatologia e tratamento.


Cabe a ele, como objetivo maior, a estabilização materna e seu acompanhamento até o
período pós-parto.

Deve também desenvolver habilidades para em conjunto com a equipe multidisciplinar,


monitorizar, preservar e promover o bem-estar fetal, sempre antecipando potencial
dano ao feto decorrente das terapêuticas empregadas.

Muitas vezes o cardiologista é o responsável por indicar aborto terapêutico ou a


cessação de uma gestação ainda em fase prematura extrema com baixíssima viabilidade
fetal para garantir a sobrevida materna.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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Seção 2. Unidade Coronariana

Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesível do Segmento ST


Síndrome Coronariana Aguda sem Elevação do ST
Estratificação de Risco Pós Infarto Agudo do Miocárdio
Choque Cardiogênico
Taquiarritmia no IAM e Indicação de Desfibrilador Implantável
Bradiarritmias e Indicação de Pace Pós-IAM
Complicações Mecânicas no Infarto Agudo do Miocárdio (IAM)
Pericardite / Tamponamento em Pacientes com Síndrome Coronariana
Aguda
Emergências Hipertensivas
Suporte Ventilatório na Unidade Coronariana
INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO COM
SUPRADESNÍVEL DO SEGMENTO ST

Eduardo Nagib Gaui


Rafael Tostes Muniz

CASO CLÍNICO

Paciente masculino, 54 anos, com história prévia de hipertensão, dislipidemia,


sedentarismo, tabagismo e sobrepeso (IMC=27,4kg/m²). Apresenta ainda história
familiar positiva de DAC (pai com infarto agudo do miocárdio (IAM) aos 62 anos). Em
uso irregular de enalapril, hidroclorotiazida, sinvastatina. Nega diabetes mellitus,
alergia medicamentosa. Joga bola aos sábados apenas no período da tarde. Após o
futebol, sentiu mal-estar precordial, em aperto, de intensidade moderada, associado à
sudorese fria, ânsia de vômito seguido de irradiação da dor para o braço esquerdo e
para a mandíbula.

Como a dor não cessasse após 30 minutos, resolveu procurar atendimento médico em
unidade pública de pronto atendimento, próxima ao local do futebol. Ao chegar à
consulta, aproximadamente 50 minutos após, o médico solicitou eletrocardiograma de
12 derivações, constatando supradesnivelamento de 2mm, de V2 a V6.

OBJETIVOS
1. Discutir a conduta diagnóstica para a síndrome coronariana com
supradesnível do segmento ST.
2. Analisar a fisiopatologia do IAMCSSST
3. Identificar a melhor estratégia terapêutica para a síndrome coronariana com
supradesnível do segmento ST.
4. Analisar o tratamento adjuvante para esta síndrome.

PERGUNTAS
1. Qual a hipótese diagnóstica para o caso clínico apresentado?

Infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST.

O diagnóstico de IAM se estabelece quando há aumento característico e diminuição


gradual da troponina ou aumento e diminuição mais rápidos para creatinaquinase CK
fração MB (CK-MB), com pelo menos um dos seguintes critérios:

1. sintomas isquêmicos;
2. alterações eletrocardiográficas indicativas de isquemia (elevação, depressão
do segmento ST ou bloqueio completo do ramo esquerdo (BCRE) novo);
3. desenvolvimento de ondas Q patológicas ao eletrocardiograma;
4. evidência, em exames de imagem, de perda de viabilidade miocárdica ou
contratilidade segmentar anormal1.

2. Qual é a fisiopatologia do IAMCSST?

O substrato fisiopatológico do infarto agudo do miocárdio com supradesnível do


segmento ST (IAMCSST), em 2/3 das vezes, decorre da rotura ou fissura de uma placa
aterosclerótica e subsequente oclusão da luz arterial coronariana por um trombo2. A
trombose é ocasionada pela exposição de elementos subendoteliais aos componentes
existentes no sangue circulante, e a exacerbação da adesividade plaquetária tem papel
fundamental nesse contexto.

A vulnerabilidade da placa é consequente a fatores como a espessura da capa fibrosa, o


número de macrófagos recrutados, o nível de fator tecidual, o conteúdo lipídico e a
magnitude do processo inflamatório ocasionado por citocinas e proteases, que levam à
degradação das macromoléculas da matriz e a apoptose das células endoteliais3-5.

O dano ao músculo cardíaco está diretamente relacionado ao grau de oclusão da artéria


responsável pelo infarto e o tempo em que esta permanece ocluída. Está bem
documentado que quanto mais rápido se obtém a recanalização da artéria relacionada
ao infarto menor é a necrose miocárdica e maior é a redução da mortalidade6.

O tamanho do infarto é um fator importante no prognóstico dos pacientes com


IAMCSST. A disfunção ventricular grave decorrente da magnitude da área de
miocárdio infartado pode levar à disfunção ventricular importante e ao choque
cardiogênico, de alta letalidade na fase de internação hospitalar e taxas de mortalidade
bem maiores em longo prazo, quando comparadas às de pacientes que sobrevivem a
infarto com menor área de necrose miocárdica7. O conceito de que o tamanho do infarto
e de que as estratégias que visam à sua modificação têm importância prognóstica é
pedra angular na abordagem terapêutica moderna do IAMCSST8.

A recanalização da artéria “culpada”, seja por meio da infusão de agentes fibrinolíticos


seja por meio mecânico através da angioplastia coronariana, o mais precocemente
possível, enquadra-se nesse contexto9.

3. Neste caso, quais seriam a melhor abordagem inicial e estratégia de reperfusão,


considerando a não existência de laboratório de hemodinâmica?

Desde os primeiros relatos de que o infarto agudo do miocárdio decorria da obstrução


da artéria coronariana por um trombo e a evidência da lise do coágulo intracoronariano
em animal experimental por agentes fibrinolíticos, até o uso disseminado destes no
tratamento de pacientes com IAMCSST, muitos anos se passaram10.

A publicação do estudo GISSI9,11, em 1986, com mais de 11000 pacientes, com a


demonstração de que o uso da estreptoquinase administrada em até 6 horas após o
início dos sintomas reduzia significativamente as taxas de mortalidade dos pacientes
com IAMCSST, estabeleceu o uso de fibrinolíticos no tratamento do infarto agudo do
miocárdio9.

Os maiores benefícios observados na mortalidade em 10 anos no estudo GISSI


(Gruppo Italiano per lo Studio della Streptochinasi nell’Infarto Miocardico)
ocorreram antes da alta hospitalar, especialmente naqueles pacientes que foram
submetidos a tratamento trombolítico na primeira hora do infarto11.

O estudo ISIS-2 (Second International Study of Infarct Survival)12 foi outro grande
marco na história do tratamento do infarto, ao demonstrar o benefício da associação do
ácido acetilsalicílico ao fibrinolítico na redução de mortalidade no tratamento nesse
grupo de pacientes12.

Inicialmente, e por pouco tempo, advogou-se a trombólise intracoronariana como forma


de fibrinólise no infarto, o que envolvia cateterismo cardíaco e todas as dificuldades
logísticas que decorrem dessa estratégia. As evidências de que a fibrinólise
endovenosa era eficaz na recanalização da artéria coronária e tinha impacto na redução
da mortalidade tornou a terapia trombolítica intracoronariana um procedimento raro e
aplicado a casos excepcionais.

O Fibrinolytic Therapy Trialists Collaborative Group (FTT)13, em meta-análise que


revisou nove estudos de terapia trombolítica com mais de 58.600 pacientes, observou
redução de 18% na mortalidade em curto prazo. Entre os pacientes que foram tratados
em até seis horas do início dos sintomas, aproximadamente 30 mortes foram evitadas
por mil pacientes tratados; e entre 7-12 horas foram evitadas 20 mortes por mil
pacientes tratados13. Os benefícios demonstrados não ocorrem com a utilização da
terapia trombolítica decorridas 12 horas do início dos sintomas.

Os pacientes idosos, com mais de 75 anos de idade, foram objeto de diversas


investigações com resultados inconclusivos, porém dados do FTT tornaram evidentes
os benefícios para estes pacientes, submetidos a fibrinólise até 12 horas do início dos
sintomas, com redução significativa da mortalidade em comparação com o grupo-
controle14.

Quanto mais precoce o emprego dos agentes fibrinolíticos, maior é o benefício


alcançado tanto em relação à área de miocárdio salvo e a consequente preservação da
função ventricular quanto à redução da mortalidade. A terapia fibrinolítica empregada
na primeira hora desde o início dos sintomas salva 65 vidas por mil pacientes tratados,
enquanto se empregada entre 6-12 horas apenas 10 vidas em cada 1000 pacientes,
tornando evidente a necessidade de se instituir o mais precocemente possível essa
forma de abordagem terapêutica para o infarto agudo do miocárdio15.

A IV Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto


Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST16 estabelece o emprego da
terapia fibrinolítica como observado no Quadro 116.

O emprego dos fibrinolíticos é seguro, porém alguns efeitos adversos são bem
conhecidos. Estão associados, se houver excesso, a quatro acidentes vasculares
encefálicos (AVE), principalmente hemorrágicos, a cada mil pacientes tratados. Os
preditores independentes para AVE devido à fibrinólise são: idade avançada, baixo
peso, sexo feminino, antecedente de doença cerebrovascular e hipertensão arterial na
admissão.

Outras complicações hemorrágicas são comuns, na maioria das vezes não


significativas. Os sangramentos maiores não cerebrais que necessitam de transfusão
podem ocorrer entre 4-13%, dependendo da série estudada, e tem como preditores a
idade avançada, o sexo feminino e o baixo peso16. Pode ocorrer hipotensão com a
estreptoquinase, geralmente reversível com a redução da velocidade de infusão ou
interrupção da administração do fármaco e com hidratação com solução salina, se
necessário. Ocorrem raros casos de reação alérgica com a estreptoquinase.

Quadro 1
Emprego dos fibrinolíticos no infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST
IAM=infarto agudo do miocárdio; ECG=eletrocardiograma; SK=estreptoquinase

As contraindicações absolutas e relativas ao emprego da fibrinólise estão bem


estabelecidas e estão relacionadas a seguir16.

Contraindicações absolutas:
Qualquer sangramento intracraniano
Acidente vascular encefálico isquêmico nos últimos três meses
Dano ou neoplasia no sistema nervoso central
Trauma significante na cabeça ou face nos últimos três meses
Sangramento ativo ou diátese hemorrágica (exceto menstruação)
Qualquer lesão vascular cerebral conhecida (malformação arteriovenosa)
Suspeita de dissecção da aorta

Contraindicações relativas:
História de acidente vascular encefálico isquêmico ou patologias
intracranianas não listadas nas contraindicações absolutas
Gravidez
Uso atual de antagonistas da vitamina K: quanto maior o INR maior o risco
de sangramento
Sangramento interno recente < 2 a 4 semanas
Ressuscitação cardiopulmonar traumática ou prolongada (>10min) ou
cirurgia <3 semanas
Hipertensão arterial não controlada (pressão arterial sistólica >180mmHg ou
diastólica >110mmHg)
Punções não compressíveis
História de hipertensão arterial crônica importante e não controlada
Úlcera péptica ativa
Exposição prévia à estreptoquinase (mais de cinco dias) ou reação alérgica
prévia

Dois grandes estudos, o GISSI-2 (Gruppo Italiano per lo Studio della Sopravvivenza
nell’Infarto Miocardico II)17 e o ISIS-3 (Third International Study of Infarct
Survival)18 compararam a estreptoquinase com o rt-PA e não encontraram diferença na
mortalidade entre os dois fibrinolíticos, cabendo ressaltar que em ambos foi utilizada
como terapia coadjuvante a heparina subcutânea, o que pode ter influenciado a eficácia
do rt-PA.

O estudo GUSTO (Global Utilization of Streptokinase and Tissue Plasminogen


Activator)19, que incluiu mais de 42.000 pacientes e utilizou o rt-PA com heparina
endovenosa e regime acelerado de infusão (90min), demonstrou uma redução de 10
mortes por cada mil pacientes tratados com o rt-PA, embora o risco de AVE tenha sido
maior19.

A partir do rt-PA foram desenvolvidos fármacos com características farmacocinéticas


mais favoráveis e maior facilidade de administração, podendo ser utilizados em bolus
EV, sendo as principais a reteplase e a tecneteplase. A tenecteplase (TNK-tPA),
disponível no Brasil, tem maior potência fibrinolítica, maior especificidade pelo
fibrinogênio ligado à fibrina e resistência à inativação pelo PAI-1.

O ASSENT II20, que incluiu cerca de 17000 pacientes com até seis horas do início dos
sintomas de IAM, comparou a TNK-tPA com o regime acelerado da rt-PA e demonstrou
eficácia equivalente entre os dois agentes, incidência de hemorragias cerebrais
idênticas, menor necessidade de transfusões e menor taxa de hemorragias não cerebrais
com o TNK-tPA. A grande vantagem da TNK-tPA é o modo de administração, através
de bolus único, o que reduz os erros de dosagem e facilita sua aplicação em regime
pré-hospitalar.

O regime de administração dos trombolíticos, as doses preconizadas e o esquema de


anticoagulantes e antiplaquetários adjuvantes estão apresentados no Quadro 2.

Quadro 2
Regime de doses de fibrinolíticos

Aspirina e clopidogrel devem ser administrados a todos os pacientes, desde que não haja contraindicação para seu uso.
HNF=heparina não fracionada

4. Qual a melhor estratégia de reperfusão considerando a possibilidade de se dispor


do laboratório de hemodinâmica?

A melhor estratégia de reperfusão em vigência de IAMCSST é a angioplastia


coronariana percutânea com ou sem o emprego do stent, a ser iniciada, de forma ótima,
em até 90min após o início dos sintomas. Em pacientes com contraindicação ao
fibrinolítico ou na vigência de choque cardiogênico, a ICP primária também é a opção
preferencial de reperfusão16.

Há também a ICP facilitada, quando relacionado à utilização de farmacologia prévia, e


de salvamento ou de resgate, esta decorrente do insucesso da fibrinólise1.. A ICP
primária em comparação ao fibrinolítico é capaz de restabelecer o fluxo epicárdico
normal (TIMI grau 03) em mais de 90% dos casos, e com menores taxas de isquemia
recorrente ou de reinfarto, com menor risco de complicações hemorrágicas graves, tais
como o AVE16.

5. E no caso de não haver laboratório de hemodinâmica disponível, mas havendo a


possibilidade de transferência para um centro com esta disponibilidade, como
proceder?

Em 2000, Widimský et al.21 publicaram o estudo PRAGUE, demonstrando que


transferir os doentes de hospitais comunitários a um centro terciário com angioplastia
na fase aguda do infarto do miocárdio é viável e seguro. Essa estratégia mostrou
associação com redução significativa na incidência de reinfarto e dos desfechos
clínicos combinados de morte / reinfarto em 30 dias quando comparados à terapia-
padrão com trombolítico no hospital da comunidade de origem, levando em
consideração que o tempo médio entre admissão e reperfusão fora de 106-96min21.

Grines et al.22, em 2002, constataram que pacientes com alto risco de IAM em hospitais
sem laboratório de cateterismo podem ter um resultado melhor quando transferidos para
PTCA primária versus trombólise no local. No entanto, isso exigirá um estudo mais
aprofundado. O atraso marcado no processo de transferência sugere um papel para a
triagem de pacientes diretamente pelos centros especializados em ataque cardíaco22.

Steg et al.23 verificaram que o tempo do início dos sintomas deve ser considerado
quando se seleciona a terapia de reperfusão no IAM. Trombólise pré-hospitalar pode
ser preferível à ICP primária para aqueles pacientes tratados dentro das primeiras duas
horas após o início dos sintomas, cuja transferência para um centro com ICP primária
seria além desse tempo, não havendo impacto sobre o desfecho primário em 30 dias
combinado de morte, reinfarto não fatal e acidente vascular encefálico incapacitante23.

Widimský et al.21 concluíram que o transporte de longa distância a partir de uma


comunidade para um hospital terciário com centro para PCI primária, na fase aguda do
IAM, é seguro. Essa estratégia marcadamente reduz a mortalidade em pacientes com
mais de três horas após o início dos sintomas. Para estes pacientes, os resultados com
trombolíticos apresentam resultados semelhantes para o transporte de longa distância
para PCI primária, além das três horas24.

De Luca et al.25 ao estudarem o tempo de atraso do tratamento do infarto agudo do


miocárdico constataram que cada minuto de atraso na angioplastia primária para o
IAMCSST afeta em um ano a mortalidade, mesmo após ajuste para características
basais6. Portanto, todos os esforços devem ser feitos para encurtar o tempo total de
isquemia, não só para a terapia trombolítica mas também para angioplastia primária25.

Ratcliffe et al.26 relatam que a trombólise tem sido a estratégia de reperfusão pilar para
o IAMCSST, por vários anos. Os resultados clínicos a curto e longo prazo são
superiores quando se opta pela reperfusão com ICP primária; porém a incorporação
dessa estratégia no cenário do NHS (National Health System), em que pese oferecer
melhores desfechos clínicos, exigirá uma substancial reorganização dos serviços26.

Fosbøl et al.27, sabendo que a angioplastia tem sido superior à fibrinólise em pacientes
jovens com IAMCSST, resolveram estudar esse fato na população idosa8. Concluíram
que os efeitos em longo prazo (acompanhamento de três anos) da angioplastia primária
comparados à fibrinólise em pacientes com IAMCSST não são afetados pela idade27.

Nielsen et al.28 na análise do estudo DANAMI-2 constataram que os benefícios da


angioplastia primária a longo prazo (média de seguimento de 7,8 anos) foram mantidos.
Houve redução do risco de reinfarto e redução da mortalidade. Esses dados reforçam
que a angioplastia primária deve ser oferecida a todos os pacientes com IAMCSST
quando o transporte inter-hospitalar para um hospital com laboratório de hemodinâmica
puder ser completado em um prazo de até 120min (2 horas)28.

Em recente publicação, de 2011, Bueno et al.29, ao estudarem angioplastia primária em


pacientes com idade ≥75 anos, constataram que a angioplastia primária parece ser a
melhor terapia de reperfusão para IAMCSST mesmo em pacientes mais idosos. Na
atualidade, a terapia fibrinolítica pode ser uma alternativa segura para a angioplastia
primária quando esta não estiver disponível29.

Di Lorenzo et al.30, em recente estudo randomizado ─ o PASEO Study ─, constataram


que entre pacientes com IAMCSST submetidos à angioplastia primária, o emprego de
stents farmacológicos revestidos com sirolimus ou com paclitaxel foram seguros e
associados com benefícios significantes em termos de revascularização da lesão-alvo,
em acompanhamento de dois anos. Esses benefícios precisarão ser confirmados por
trials de longo seguimento. Deve-se lembrar, no entanto, que os stents farmacológicos
podem ser considerados em pacientes com IAMCSST30.

Stone et al.31 relatam que em pacientes com IAMCSST submetidos a angioplastia


primária, o implante de stent revestido com paclitaxel, quando comparado ao stent
metálico, reduziu significantemente a evidência angiográfica de reestenose e de
isquemia recorrente31.

6. E quanto ao tratamento adjuvante?


Aspirina

Com base em estudos de 30 anos atrás, sabe-se que a aspirina reduz a recorrência do
IAM e a morte nos pacientes com diagnóstico de angina instável.

A dose de ataque recomendada é de 150-300mg32. Dose de manutenção de 75-100mg


tem a mesma eficácia de doses maiores com baixo risco de sangramento
gastrintestinal33.

Outros antiplaquetários

Além do ácido acetilsalicílico, o antiagregante mais utilizado é o derivado


tienopiridínico clopidogrel, com mecanismo de ação baseado na inibição do receptor
P2Y12 da membrana da plaqueta. Após o estudo COMMIT-CCS34, a recomendação
atual é a de adicionar 75mg/dia de clopidogrel às doses habituais de ácido
acetilsalicílico, independente da utilização de terapia fibrinolítica, por no mínimo duas
semanas. O uso prolongado pós-hospitalar por um ano, por exemplo, apresenta grau de
recomendação IIa, extrapolando-se da experiência e resultados positivos em pacientes
com síndrome coronariana sem supradesnível do segmento ST e também naqueles que
recebem intervenção coronariana percutânea com implante de stents, visto não haver
estudos clínicos com terapia antiplaquetária dupla prolongada no cenário de IAM com
elevação persistente do segmento ST16.

Nos pacientes submetidos à intervenção coronariana percutânea com implante de


stents, seja primária, de resgate ou eletiva pós-IAM, é obrigatório o uso do clopidogrel
em associação ao ácido acetilsalicílico, por um período mínimo de 30 dias, e com
recomendação atual de se prolongar o uso por um ano no mínimo, principalmente com
stent farmacológico, para prevenção da trombose intra-stent35.

Novos antiplaquetários

Mais recentemente foram incorporados à terapia antiplaquetária dois novos fármacos: o


prasugrel e o ticagrelor.

No estudo Trial to Assess Improvement in Therapeutic Outcome by Optimizing


Platelet Inhibition with Prasugrel-Thrombolisys in Myocardial Infarction (TRITON-
TIMI 38) o prasugrel, um tienopiridínico, na dose de ataque de 60mg seguida de
10mg/d foi comparado com o clopidogrel na dose de ataque de 300mg seguida de
75mg/d em pacientes submetidos à angioplastia coronariana, tanto primária no cenário
do IAMCSST, quanto para aqueles com IAMSST recente ou síndrome coronariana sem
supradesnível do segmento ST de alto risco36.

O maior benefício foi obtido no grupo tratado com prasugrel em relação ao desfecho
combinado primário (morte cardiovascular, infarto do miocárdio ou acidente vascular
encefálico) (9,3% x 11,2%), principalmente pela redução significativa de infarto do
miocárdio não fatal com redução do risco relativo de 23,9%.

Observou-se grande benefício sem aumento do risco de sangramento nos pacientes


diabéticos. Houve maior ocorrência de sangramento não relacionado à cirurgia de
revascularização miocárdica no grupo tratado com prasugrel (2,4% x 1,8%)36.

O ticagrelor pertence a uma nova classe química, ciclopentil-triazolopirimidina, e é um


inibidor reversível do receptor plaquetário do receptor plaquetário P2Y12, com meia-
vida plasmática de aproximadamente 12 horas.

No estudo Platelet Inhibition and Patient Outcomes (PLATO) pacientes com síndrome
coronariana aguda sem supra de ST (estratégia conservadora ou invasiva) ou
IAMCSST com planejamento para angioplastia primária foram randomizados para
clopidogrel 75mg/d com dose de ataque de 300mg ou ticagrelor com dose de ataque de
180mg e 90mg, duas vezes ao dia. Os pacientes indicados para a angiolplastia
poderiam também receber uma dose adicional de 300mg de clopidogrel (dose total de
ataque de 600mg)37. O desfecho primário combinado (morte por causa vascular, infarto
do miocárdio ou acidente vascular encefálico) foi reduzido de 11,7% no grupo
clopidogrel para 9,8% no grupo ticagrelor. A morte por causa vascular foi
significativamente reduzida de 5,1% para 4,0% e infarto do miocárdio de 6,9% para
5,8%. Não houve diferença significativa nas taxas de sangramento na comparação entre
os dois grupos.

Os efeitos adversos observados com ticagrelor foram dispneia transitória, aumento da


frequência de pausas ventriculares sem aumento da necessidade de implante de marca-
passo e aumento assintomático de ácido úrico37.

Anticoagulantes

O uso rotineiro da heparina fracionada está bem estabelecido. A enoxaparina reduziu o


desfecho primário combinado de morte ou infarto não fatal, sem aumento importante de
sangramento38. Deve ser administrada na dose de 30mg em bolus seguida de 1mg/kg de
peso a cada 12 horas nos pacientes <75 anos de idade. Nos mais idosos não se
recomenda a dose de bolus e as demais tomadas são na dose de 0,75mg/kg de peso de
12 em 12 horas.

Nitratos

O emprego de nitratos por via venosa está indicado na presença isolada ou associada
de isquemia persistente, falência de bomba, IAM extenso e hipertensão arterial
sistêmica. A indicação rotineira nas primeiras 24-48 horas não possui evidências de
vantagem.

As situações que contraindicam seu uso por via endovenosa são o comprometimento
clínico e/ou eletrocardiográfico de ventrículo direito, hipotensão e bradicardia16.

Betabloqueadores

O benefício do uso dos betabloqueadores é conhecido desde estudos antigos na angina


instável e no infarto agudo sem supra desnível do segmento ST39,40.

Meta-análise sugere que os betabloqueadores estejam associados a uma redução de


risco relativo de 13% na evolução para SCA41.

O registro Crusade42 observou benefício na utilização dessa classe terapêutica com


redução do risco relativo para mortalidade intra-hospitalar estimada em 34% (3,9% x
6,9%; p<0,001)42.

Uma grande revisão sistemática não demonstrou benefício inequívoco dos


betabloqueadores na redução da mortalidade intra-hospitalar e concluiu que não há
evidência disponível que endosse o seu uso nas primeiras oito horas da SCA43. No
entanto, uma análise excluindo o estudo COMMIT da meta-análise mostra uma redução
de risco relativo de 24% com o uso dos betabloqueadores.

Bloqueadores dos canais de cálcio

O diltiazem e o verapamil mostraram eficácia semelhante a dos betabloqueadores no


alívio dos sintomas44,45.

Os estudos com verapamil, DAVIT-I e DAVIT-II em conjunto mostram redução


significativa de morte súbita, reinfarto e mortalidade total, sendo os maiores benefícios
observados nos pacientes com função ventricular normal. Tendências similares foram
observadas em estudos com diltiazem46.

Inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona

Reduzem as taxas de mortalidade nos casos de infarto agudo do miocárdio, infarto


agudo do miocárdio recente e disfunção ventricular esquerda, diabetes mellitus
associado à disfunção sistólica do ventrículo esquerdo e num amplo espectro de doença
coronariana crônica.

Fármacos deste grupo estão indicados nas primeiras 24 horas na presença de congestão
pulmonar ou fração de ejeção ≤40, na ausência de hipotensão (PA sistólica <100mmHg)
ou contraindicações para o seu uso (estenose bilateral de artéria renal,
hipersensibilidade, gravidez)16.

Estatinas

Dezenove estudos documentaram redução de eventos adversos maiores com o


tratamento intensivo com estatinas nas 24 horas de admissão de pacientes com SCA.
Vários estudos mostraram redução de morte e IAM não fatal em 30 dias de seguimento
com a continuação do uso ou início precoce desse tratamento comparado com sua
descontinuação após a admissão hospitalar. E alguns outros também demonstraram a
redução de marcadores de necrose e inflamação, inclusive no cenário da intervenção
percutânea47.

Não há evidências de risco ou considerações a respeito de falta de segurança do início


precoce das estatinas nas internações por síndrome coronariana aguda47.

7. Quais são as possíveis complicações do IAMCSST?

As complicações podem ser muitas, desde aquelas decorrentes do próprio infarto até
aquelas decorrentes do seu tratamento 16. São elas:

1. Complicações hemorrágicas decorrentes do uso dos agentes antiagregantes e


anticoagulantes
2. Angina pós-infarto
3. Infarto do ventrículo direito
4. Pericardite pós-IAM precoce (após a primeiras 24 horas); tardia (síndrome
de Dressler – 2 a 12 semanas após)
5. Falência miocárdica e choque cardiogênico
6. Complicações mecânicas como a regurgitação mitral aguda com ou sem
ruptura do músculo papilar, ruptura do septo interventricular, ruptura da
parede livre do ventrículo, aneurisma do ventrículo esquerdo
7. Taquicardias supraventriculares
8. Taquicardias ventriculares
9. Bradiarritmias e bloqueio atrioventricular total e indicações de marca-passo
provisório ou permanente
10. Parada cardiorrespiratória

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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SÍNDROME CORONARIANA AGUDA SEM
ELEVAÇÃO DO ST

Adriano Fonseca de Moraes


Luis Felipe Cícero Miranda

CASO CLÍNICO

Paciente masculino, 67 anos, branco, hipertenso, dislipidêmico, tabagista corrente há


mais de 40 anos, é atendido em Pronto Socorro por dor precordial opressiva
recorrente. Relata que iniciou precordialgia aos esforços físicos há cerca de três meses,
que atribuiu à distensão abdominal, automedicando-se com antiácidos, sem melhora.
Houve progressão dos sintomas aos pequenos e mínimos esforços e, nas últimas 12
horas, apresentou três episódios autolimitados em repouso, por cerca de 5min, sendo
que o último ocorreu cerca de duas horas antes de sua chegada à emergência,
acompanhado de diaforese.

Faz uso regular de ácido acetilsalicílico (AAS), sinvastatina, enalapril e anlodipino.


À admissão encontra-se assintomático e eupneico. PA =140x85mmHg; FC =88bpm;
SpO2 =92% ar ambiente.
Aparelho cardiovascular com ritmo cardíaco regular (RCR) com B4.
Pulmões limpos. Abdome inalterado. Membros sem edema e panturrilhas livres.

O eletrocardiograma basal (ECG) exibe ritmo sinusal e infradesnível do segmento ST


de 1mm de V1 a V4.

Laboratório à admissão: Hb =13,9g/dL; Hto =41%; plaquetas =235.000, G =110mg/dL;


U =63mg/dL; C =1,4mg/dL (Cl Cr estimado =60,83mL/min); Troponina =1,37 (valor
normal Vn até 0,04).

OBJETIVOS
1. Descrever a fisiopatologia das síndromes coronarianas sem supra de ST.
2. Discutir a abordagem risco-dependente das síndromes coronarianas agudas
sem supra de ST.
3. Analisar as evidências das novas terapias antitrombóticas disponíveis.
4. Discutir risco trombótico versus risco hemorrágico na escolha das opções
terapêuticas a serem adotadas.
5. Avaliar o momento adequado para a realização da intervenção coronariana.

PERGUNTAS
1. Como descrever a fisiopatologia das síndromes coronarianas agudas (SCA) sem
supra de ST?

A aterosclerose é o substrato da grande maioria dos casos de SCA. O evento é iniciado


com a erosão ou ruptura de uma placa aterosclerótica, seguida de adesão e agregação
plaquetária e formação de trombo que resulta em súbita e importante redução do fluxo
coronariano. No complexo processo de ruptura da placa, a inflamação desempenha
papel central. Causas não ateroscleróticas de SCA incluem arterite, trauma, trombose,
embolia, uso de cocaína e anomalias congênitas.

2. Baseado nos dados apresentados, como estimar o risco de eventos adversos do


paciente? Como esses escores podem ajudar na tomada de decisão da estratégia?

As síndromes coronarianas agudas representam cerca de 1,7 milhão de internações


hospitalares anuais nos Estados Unidos1, das quais 75% decorrem de SCA sem supra
de ST (incluídas a angina instável e o infarto do miocárdio). A doença isquêmica do
coração é a causa líder de mortalidade em países industrializados. Tais fatos
demonstram a importância na identificação desses pacientes dentro do universo de
pacientes com dor torácica que se apresentam nas unidades de emergência.

Para a estratificação do risco de eventos adversos é importante inicialmente classificar


a angina. Deve-se ressaltar que, no momento da admissão, é impossível a diferenciação
entre infarto e angina, o que só ocorrerá após a avaliação de marcadores de necrose
miocárdica. A classificação mais utilizada é a de Braunwald2, que considera a
gravidade dos sintomas, as circunstâncias clínicas e a intensidade do tratamento
(Quadro 1):
Quadro 1
Classificação de Braunwald para angina instável2

A classificação de Braunwald2 é um instrumento apropriado para estimar o risco do


paciente com maior incidência de eventos, e a necessidade de intervenções nos
pacientes em classe III comparados aos pacientes em classe I e naqueles em classe C
comparados aos pacientes em classe B.

Alguns achados estão relacionados a risco aumentado de eventos adversos e pior


prognóstico como dor contínua e prolongada (>20min), edema pulmonar, presença de
sopro de regurgitação mitral, B3, estertores pulmonares e hipotensão2.

O eletrocardiograma é outra ferramenta fundamental para avaliação do risco. Pacientes


com ECG normal têm melhor prognóstico que aqueles com alterações da onda T.
Pacientes com depressão do segmento ST têm o pior prognóstico e este é dependente da
magnitude e extensão do infradesnível3,4.

Os biomarcadores também têm papel central no diagnóstico e prognóstico das SCA.


Troponinas T e I são os marcadores de eleição para diagnosticar e predizer o risco de
infarto e morte a curto e longo prazo5. Cerca de 30% dos pacientes com infarto sem
supra apresentam alterações de troponina com níveis de CK-MB normais.
Recentemente, com a introdução das troponinas de alta sensibilidade, o diagnóstico de
infarto pode ser feito com mais precisão e de forma mais precoce além de ter um valor
preditivo negativo superior a 95%, permitindo maior segurança na liberação de
paciente com dor torácica6,7.

Outros biomarcadores também carregam informações prognósticas como o BNP


(relacionado a estresse parietal e função ventricular) e a proteína C-reativa (PCR)
ultrassensível (relacionado à resposta inflamatória), tendo sido extensamente testados
no cenário das SCA. Pacientes com BNP ou NT-proBNP aumentado têm mortalidade
três a cinco vezes maior comparado aos níveis normais8. A PCRus é o marcador
inflamatório mais estudado e relacionado ao aumento na mortalidade9. Outros
marcadores também têm impacto no prognóstico dos pacientes com SCA como:
glicemia, série vermelha, contagem de leucócitos, clearance de creatinina,
mieloperoxidase, lipoproteína associada a fosfolipase A2, entre outros.

O paciente em questão apresenta angina progressiva, com sintomas em repouso


recorrentes, Braunwald IIIB1, associado a infradesnível de ST, troponina elevada e
clearance de creatinina alterado, o que o coloca na categoria de alto risco.

Os escores de risco mais utilizados para predizer risco a curto e médio prazo de
eventos isquêmicos são o TIMI e o GRACE10. Estes escores guardam diferenças entre
si quanto a: população estudada, desfechos, características basais, mas são ferramentas
úteis que auxiliam o clínico a tomar decisões em relação à abordagem terapêutica.

Pelo seu poder discriminativo, o escore GRACE comparado ao escore TIMI fornece
maior acurácia na estratificação de risco na admissão e na alta10. É importante salientar
que qualquer escore de risco funciona apenas como instrumento para ajudar o médico
no seu processo de decisão, não podendo nunca ser o único balizador na estratégia a
ser adotada.

À medida que a terapia antitrombótica evoluiu, com inibição cada vez maior da cascata
de coagulação e agregação plaquetária, o risco isquêmico foi progressivamente
reduzido à custa de substancial aumento no risco hemorrágico. Sangramento está
associado a aumento da mortalidade intra-hospitalar e em longo prazo. Esse aumento de
mortalidade decorre do sangramento diretamente e também da necessidade de
hemotransfusão e suspensão de drogas antitrombóticas.

Alguns escores para estimar o risco de sangramento não relacionado à cirurgia de


revascularização estão disponíveis, sendo o mais utilizado o escore derivado de
registro CRUSADE11, que considera: hematócrito, clearance de creatinina, sexo,
frequência cardíaca, PA sistólica, presença de diabetes, doença vascular prévia e
disfunção ventricular.

O maior desafio é justamente balancear o risco trombótico e hemorrágico para oferecer


a melhor terapia individualizada aos pacientes. Portanto é altamente recomendável o
cálculo rotineiro do risco isquêmico e hemorrágico de cada paciente para guiar a
terapêutica a ser instituída.

3. Como selecionar os pacientes para estratégia conservadora ou estratégia


invasiva? A estratégia invasiva também se aplica aos idosos ?

Frente ao paciente com SCA sem supra de ST, duas estratégias distintas podem ser
adotadas. A primeira, considerada conservadora ou funcional, consiste na otimização
da terapia anti-isquêmica e, se houver estabilização clínica, segue-se uma estratificação
funcional. A angiografia e a intervenção ficam reservadas para os pacientes que não se
estabilizam inicialmente ou demonstram isquemia espontânea ou induzida por teste
provocativo. A segunda, considerada invasiva ou anatômica, prevê coronariografia
rotineira e intervenção coronariana quando justificada.

Diferente da angina estável em que a revascularização não muda a mortalidade, as SCA


sem supra de ST impactam favoravelmente no prognóstico.

A questão da melhor estratégia a ser adotada foi avaliada em vários estudos e meta-
análises12-16. A comparação entre esses estudos não é simples, pois existem diferenças
em metodologia, população e taxa de revascularização nos braços conservadores.
Analisadas em conjunto, as principais conclusões dessas meta-análises são12-16:
do momento da randomização até o fim do seguimento dos estudos a
estratégia invasiva foi capaz de reduzir o desfecho combinado de morte e
infarto;
quanto maior a diferença de taxas de revascularização entre os grupos, maior
o benefício a favor da estratégia invasiva;
o benefício é claramente maior nos pacientes de alto risco;
não há diferença por sexo quanto ao benefício em pacientes de alto risco,
portanto homens e mulheres devem ser abordados da mesma forma.
mulheres de baixo risco não se beneficiaram da estratégia invasiva.

As principais sociedades de cardiologia2 recomendam, portanto, uma estratégia


invasiva de rotina para pacientes considerados de risco intermediário a alto,
reservando aos pacientes de baixo risco a possibilidade de uma estratégia funcional.

Os pacientes idosos (>75 anos) em geral apresentam um risco maior de eventos quando
se apresentam com SCA. O quadro clínico nem sempre é claro. Sintomas atípicos e de
menor intensidade são comuns. Por outro lado, o diagnóstico diferencial de dor torácica
se expande. Pneumonia, embolia pulmonar, doença musculoesquelética e doença do
refluxo gastroesofageano são comuns e dificultam o diagnóstico correto.

A estratégia invasiva geralmente não é adotada nesse subgrupo de pacientes após SCA.
Entretanto, estudos científicos mostram que esses pacientes são os que mais se
beneficiam dessa estratégia, de modo que a idade, per se, não deve ser utilizada como
critério para se adotar uma estratégia conservadora17,18.

4. Qual o momento ideal para realizar a intervenção?

Outra questão que é sempre motivo de debate diz respeito ao melhor momento para que
a intervenção seja realizada. É bem estabelecido que os pacientes que se apresentam
com instabilidade clínica ou hemodinâmica (dor refratária à terapia máxima,
insuficiência cardíaca, arritmias ventriculares complexas, hipotensão) são de muito alto
risco e devem, por esse motivo, ser submetidos o mais rápido possível a estudo
hemodinâmico e procedida a revascularização. Felizmente a maioria dos pacientes se
apresenta de modo estável e para esses pode-se definir o momento ideal para a
intervenção.

O momento ideal foi avaliado extensamente em diversos estudos. Meta-análise13


publicada em 2005 já apontava para a possiblidade de a intervenção muito precoce
estar relacionada à maior quantidade de eventos e demonstrou que a estratégia invasiva,
do momento da randomização dos ensaios até o final da hospitalização, foi inferior à
estratégia conservadora. Quando avaliados os períodos iniciados após a hospitalização
até o fim do acompanhamento, e o período total do momento da randomização até o fim
do acompanhamento dos ensaios, a estratégia invasiva demonstrou superioridade em
relação à estratégia conservadora13.

A ideia de uma estratificação ultraprecoce (nas primeiras horas após a admissão)


comparada com estratificação nos dias subsequentes foi analisada em alguns estudos19-
23, que demonstraram redução de isquemia recorrente e tempo de hospitalização
principalmente em pacientes de maior risco (GRACE escore >140), mas sem redução
de desfechos duros, e com tendência a aumento nas taxas de infarto relacionado ao
procedimento19-23.

Parece haver um tempo mínimo para que a terapia antiplaquetária atinja seu efeito
máximo protetor de forma que, se a intervenção for realizada imediatamente ou nas três
primeiras horas da admissão, há um nítido aumento de complicações relacionadas ao
procedimento em si, com oclusão de ramos colaterais e embolização de material
aterotrombótico. Com o tempo, a terapia antitrombótica atinge seu efeito pleno e a
incidência de eventos relacionados à intervenção é reduzida; entretanto se o momento
do procedimento é atrasado demais, novamente a incidência de eventos trombóticos se
eleva pelo risco natural da doença. O maior desafio é, portanto, definir a melhor janela
de tempo que permita o benefício máximo da terapia antiplaquetária sem expor o
paciente ao risco de uma intervenção tardia.

Uma boa linha de cuidado para definir o momento da intervenção é estabelecer uma
abordagem risco-dependente, indicando intervenção imediata para aqueles pacientes
instáveis; nas primeiras 24 horas naqueles de alto risco com GRACE escore ≥140 e nas
primeiras 72 horas para aqueles com GRACE escore <140.

5. No paciente com disfunção renal, que cuidados devem ser tomados em relação
aos medicamentos e à coronariografia?
É comum a presença de algum grau de disfunção renal em pacientes com SCA. Nos
pacientes com doença renal crônica é comum a apresentação de insuficiência cardíaca.
Os sintomas de dor torácica são incomuns. O uso de antiplaquetários e anticoagulantes
nesses pacientes representa um risco maior de sangramento e, geralmente, eles não
recebem toda a terapia orientada pelas diretrizes.

A princípio os pacientes devem receber o esquema antitrombótico estabelecido, apenas


com atenção ao ajuste posológico de acordo com o grau de disfunção renal. Exemplo: A
dose da enoxaparina deve ser reduzida para 1mg/kg 1x/dia em pacientes com taxa de
filtração glomerular (TFG) <30 ml/min.

Além do risco de sangramento, esses pacientes apresentam risco maior de nefropatia


induzida pelo contraste. Esse risco é expressivo nos idosos e diabéticos. A estratégia
protetora deve incluir hidratação pré e pós-procedimento, o uso de contraste isosmolar
e a utilização do menor volume de contraste possível.

6. Qual a terapia anti-isquêmica clássica. Há novidades?

O objetivo do tratamento anti-isquêmico é reduzir a demanda de oxigênio miocárdico


ou aumentar sua oferta.

As evidências de benefício dos betabloqueadores são encontradas, principalmente, nos


estudos de infarto com supra e angina estável Eles reduzem o tônus adrenérgico,
frequência cardíaca, pressão arterial e contratilidade. Dois pequenos estudos e uma
meta-análise demonstraram redução do risco de evolução para infarto com supra, mas
nenhum impacto em mortalidade24-26.

Nitratos reduzem a pré-carga através de seu efeito venodilatador e dilatam coronárias


normais e ateroscleróticas, o que aumenta o fluxo coronariano colateral. Não há estudos
randomizados, controlados, avaliando a eficácia dessa classe de drogas na redução de
desfechos duros nas SCA sem supra. É fundamental questionar o uso de inibidores de
fosfodiesterase (sildenafil, vardenafil, tadalafil) nas horas anteriores pelo risco de
hipotensão grave.

Antagonistas dos canais de cálcio têm três subclasses com efeitos e características
hemodinâmicas distintas. Nifedipina foi comparada com metoprolol em estudo
interrompido precocemente por excesso de reinfarto no grupo nifedipina23. Verapamil e
diltiazem em pacientes com função ventricular normal demonstraram benefício
reduzindo reinfarto e morte súbita27,28.
Duas drogas, mais recentemente, foram adicionadas ao arsenal terapêutico das SCA
sem supra de ST. A ivabradina, um inibidor seletivo do nó sinusal, que pode ser uma
ótima opção em pacientes selecionados com contraindicação aos betabloqueadores29.
Ranolazina demonstrou redução de isquemia recorrente e classe de angina no estudo
MERLIN30, mas não foi capaz de reduzir a mortalidade.

7. Com tantas opções, como escolher a terapia antiplaquetária? Como proceder nos
casos de pacientes com necessidade de cirurgia e que já estão recebendo terapia
antiplaquetária?

O início da formação do trombo tem na plaqueta o seu principal substrato. Portanto, o


papel principal no tratamento das SCA sem supra de ST cabe às drogas que inibem a
agregação plaquetária. A terapia antiplaquetária deve ser instituída na chegada do
paciente à sala de emergência para reduzir o risco de eventos isquêmicos. A
complexidade da plaqueta, no entanto, não permite a uma única droga a inibição efetiva
de sua agregação, visto que várias vias podem ser utilizadas na agregação.

O ácido acetilsalicílico (AAS) inibe a formação de tromboxane A2 via cicloxigenase, e


sua eficácia na prevenção de infarto recorrente e morte remonta a estudos da década de
1980, sendo droga de primeira linha em todos os pacientes que não apresentem
contraindicação à sua utilização.

Os tienopiridínicos são antagonistas do ADP que se liga ao receptor plaquetário


P2Y12, além de inibirem parcialmente os receptores de glicoproteína IIb/IIIa. O
principal representante dessa classe, por mais de 10 anos, foi o clopidogrel. Na dose
de 300mg seguido de 75mg/dia ele demonstrou ser capaz de reduzir a incidência de
morte, infarto ou AVE quando associado ao AAS numa comparação com AAS
isoladamente no estudo CURE31. Desde então, a utilização de duas drogas inibidoras de
diferentes vias da agregação plaquetária passou a ser a recomendação de diretrizes das
principais sociedades de cardiologia2. Obviamente um aumento nas taxas de
sangramento maior decorreu dessa associação, mas sem aumento de sangramento fatal e
as análises de benefício global (incluindo desfechos de eficácia e segurança) foram
favoráveis à associação.

O início de ação do clopidogrel é considerado lento, mesmo após uma dose de ataque
de 300mg e, como já discutido, a rapidez no início de ação é fundamental para maior
proteção de novos eventos isquêmicos. Estudo32 comparou a dose de 600mg como
ataque, seguida de 150mg/dia por sete dias; e, a partir daí, 75mg/dia com a dose
clássica 300mg/75mg. A maior dose esteve associada a aumento nas taxas de
sangramento sem melhora na redução de desfechos isquêmicos. O único subgrupo que
se beneficiou dessa estratégia de dose dobrada foi aquele que realizou intervenção
coronariana percutânea32. Uma dose de 600mg tem início de ação mais rápido e mais
potência na inibição da agregação plaquetária, sendo atualmente a melhor dose para
pacientes nos quais a estratégia invasiva foi a selecionada.

Apesar do benefício de seu uso em associação ao AAS, o clopidogrel tem uma série de
limitações. Pode-se citar que é uma pró-droga que necessita dupla metabolização
hepática, que 85% da droga é inativada pelas esterases plasmáticas, que há ampla
variedade na resposta farmacodinâmica, polimorfismo genético, interação com outras
drogas, presença de pacientes hiporrespondedores. Essas limitações da droga
motivaram a busca por novas opções terapêuticas que fossem mais eficazes e com
maior preditibilidade na resposta.

Prasugrel, um tienopiridínico mais potente e de início de ação mais rápido que o


clopidogrel, também é uma pró-droga que requer oxidação em seu metabólito ativo. Ele
foi testado contra o clopidogrel no cenário das SCA no estudo TRITON-TIMI 3833 em
pacientes tratados de forma invasiva, nos quais a intervenção percutânea estava
planejada. O desfecho composto de morte cardiovascular, infarto ou AVE foi
significativamente reduzido com prasugrel, assim como trombose de stent. Houve
aumento na taxa de sangramento maior não relacionado à cirurgia, sangramento com
risco de vida e sangramento fatal no grupo prasugrel. Houve ainda evidência de dano
em pacientes com passado de doença cerebrovascular e não foi observado benefício
clínico em pacientes >75 anos e <60kg. Infarto com supra e diabéticos foram as
subpopulações mais beneficiadas33.

Nesse ensaio, prasugrel foi testado apenas após a anatomia coronariana ser conhecida e
a intervenção planejada, sendo portanto esse o único contexto em que sua utilização foi
aprovada. Estudo (TRILOGY-ACS) ainda em andamento, está testando seu uso em
pacientes de alto risco, selecionados para tratamento conservador, com doses reduzidas
para idosos e pacientes de baixo peso corporal.

Ticagrelor pertence a uma classe diferente dos tienopiridínicos, e inibe direta e


reversivelmente os receptores plaquetários P2Y12. Também tem início de ação mais
rápido e maior capacidade de inibição de agregação plaquetária que o clopidogrel.
Numa comparação direta entre as duas drogas, no estudo PLATO34, o desfecho
composto de morte cardiovascular, infarto ou AVE foi significativamente reduzido no
grupo ticagrelor. Quando analisados separadamente os componentes do desfecho
primário, observou-se significativa redução de morte cardiovascular e infarto, mas não
de AVE34. Mortalidade global e trombose de stent também foram reduzidas com
ticagrelor, entretanto houve mais sangramento menor e hemorragia intracraniana.

Um dado interessante demonstrado no estudo foi a redução de mortalidade também nos


pacientes que necessitaram cirurgia de revascularização e usaram o ticagrelor como
terapia antiplaquetária inicial. Houve maior incidência de dispneia não relacionada à
piora da função ventricular, mas a interrupção do tratamento foi incomum. Pausas
ventriculares também foram mais comuns entre os que usaram ticagrelor, motivo pelo
qual a droga deve ser evitada em portadores de doença sinoatrial ou bloqueios
cardíacos avançados.

As recomendações mais atuais derivadas de diretrizes sugerem o uso do ticagrelor


como primeira opção para pacientes de risco moderado a alto independente da
estratégia a ser adotada, mesmo que já estejam pré-tratados com clopidogrel. Outra
opção igualmente aceitável é o prasugrel para pacientes sem pré-tratamento com outro
tienopiridínico, especialmente diabéticos, se a angioplastia estiver programada e o
risco hemorrágico não for alto. Clopidogrel ficaria reservado para aqueles que não
possam receber ticagrelor ou prasugrel.

Após a abordagem inicial das SCASSST, se a revascularização cirúrgica estiver


indicada, o AAS não deve ser descontinuado. Sempre que possível o clopidogrel deve
ser suspenso pelo menos cinco dias antes da cirurgia. Se prasugrel for o tienopiridínico
utilizado, um intervalo de pelo menos sete dias é recomendado. Ticagrelor deve ser
descontinuado pelo menos cinco dias antes, por recomendação do fabricante; entretanto
no estudo PLATO pacientes foram submetidos à cirurgia de revascularização um a três
dias após o uso da droga e não houve diferença nas taxas de sangramento.

8. Pode-se utilizar inibidores de bomba de prótons em pacientes que estão em uso


de clopidogrel?

Os inibidores de bomba de prótons (IBP) podem reduzir o metabolismo dos


tienopiridínicos, em especial o clopidogrel por sua potencial metabolização via
CYP2P19, promovendo assim competição e potencial redução da droga ativa na
circulação. Essa classe de drogas é prescrita com frequência em pacientes em uso de
terapia antiplaquetária dupla para minimizar o risco de sangramento gastrointestinal e
dessa forma minimizar também o risco de interrupção precoce dos antiplaquetários35.
Estudo36avaliou a associação de inibidores de bomba de próton com a eficácia
farmacodinâmica e clínica do clopidogrel e prasugrel, utilizando as populações dos
estudos TRITON e PRINCIPLE. Os achados indicam que a associação dessas drogas
atenuam os efeitos farmacodinâmicos do clopidogrel e, em menor extensão, do
prasugrel, mas não afetam os desfechos clínicos com nenhum dos tienopiridínicos; e
ainda houve redução dos desfechos hemorrágicos36. As conclusões dos diversos
estudos em relação à associação dos IBP com os tienopiridínicos em termos de impacto
na incidência de eventos isquêmicos são controversas.

É recomendável, portanto, o uso de IBP em combinação com terapia antiplaquetária


dupla em pacientes de alto risco para sangramento digestivo, história de úlcera péptica
ou passado de sangramento digestivo.

9. Os inibidores de glicoproteína IIb/IIIa ainda são considerados entre as drogas


para o tratamento das SCASSST? Qual o papel dos anticoagulantes?

A maioria dos estudos avaliando a eficácia dessa classe de drogas nas SCA foi
conduzida em uma época anterior aos novos antiagregantes plaquetários, o que torna
difícil a avaliação de sua real efetividade no tratamento contemporâneo. A avaliação
conjunta desses estudos demonstrou redução de morte e infarto apenas naqueles em que
a intervenção foi realizada37.

O melhor momento da administração dos inibidores de glicoproteína IIb/IIIa também foi


avaliado em alguns estudos38,39 que compararam o início precoce, antes da intervenção
com sua utilização provisional na sala de hemodinâmica. Com a disponibilidade das
novas drogas antiplaquetárias, não foi observado benefício na utilização precoce,
havendo inclusive mais sangramento pelo maior tempo de exposição à droga38,39.

Anticoagulantes nas SCA têm a função de inibir a geração e atividade da trombina. São,
portanto, efetivos no tratamento das SCASSST, mas sua efetividade máxima para
reduzir infarto está na associação com a terapia antiplaquetária40.

Da mesma forma que os antiplaquetários atuam em diferentes sítios de agregação das


plaquetas, vários anticoagulantes com ação em diferentes níveis da cascata de
coagulação já foram testados no tratamento das SCASSST.

O primeiro anticoagulante a ser empregado foi a heparina não fracionada (HNF) que
inibe de forma indireta a trombina; é usada em infusão venosa contínua, necessita
monitorização constante pelo TTPa e tem faixa terapêutica estreita entre 50-75s.
Valores <50s têm risco trombótico elevado e >75s aumentam o risco hemorrágico sem
benefício antitrombótico adicional.

As heparinas de baixo peso molecular (HBPM) têm atividade balanceada contra a


trombina e o fator Xa. Têm absorção quase completa por via subcutânea, sendo por isso
a via de escolha podendo ser precedida de bolus IV. Enoxaparina é a HBPM mais
testada e utilizada no tratamento das SCASSST. Deve ser ajustada pelo peso corporal,
porém ajustes adicionais são necessários em pacientes idosos e com insuficiência
renal.

Meta-análise41comparando enoxaparina e HNF não demonstrou nenhuma diferença na


mortalidade em 30 dias. A avaliação do desfecho combinado morte ou infarto em 30
dias foi significativamente favorável à enoxaparina. Não houve diferença em
sangramento e transfusão41. Mais recentemente, o estudo SYNERGY42, comparando
diretamente enoxaparina e HNF em pacientes de alto risco submetidos à estratificação
invasiva, demonstrou a importância da terapia consistente, mantendo a mesma droga do
início ao fim do tratamento, evitando a troca de uma heparina por outra, prática essa
que resultou em excesso de sangramento e que deve ser fortemente desencorajada42.

Fondaparinux é um pentassacáride inibidor seletivo do fator Xa, com meia-vida maior


que a enoxaparina e também com excelente absorção pela via subcutânea. Na dose
única diária de 2,5mg demonstrou não ser inferior à enoxaparina nos desfechos morte,
infarto ou isquemia refratária ao final de nove dias, mas com claro benefício na redução
de sangramento maior no estudo OASIS-543, o que resultou em redução de mortalidade
em 30 dias e 6 meses43. Durante a intervenção percutânea, o uso de fondaparinux esteve
associado a maiores taxas de trombose em cateter, problema resolvido com a utilização
de HNF durante a intervenção.

Fondaparinux é sabidamente um anticoagulante menos potente que a enoxaparina, o que


explica as menores taxas de sangramento e mais trombose em cateter. Apesar disso não
demonstrou inferioridade para prevenir desfechos isquêmicos, o que sugere que diante
de uma terapia antiplaquetária efetiva o nível de inibição do fator Xa necessário para a
redução de eventos trombóticos deve ser menor.

Outra opção ainda, não disponível no Brasil, mas já recomendada em diretrizes


internacionais2 é a bivalirudina, um inibidor direto da trombina. Também demonstrou
não inferioridade em relação às heparinas em reduzir desfechos isquêmicos nas
SCASSST e significativa redução nas taxas de sangramento44.

As diretrizes2 recomendam a utilização de um anticoagulante em conjunto com dupla


terapia antiplaquetária, balanceando o risco isquêmico e hemorrágico para a escolha da
droga a ser utilizada.

10. Quais as novas perspectivas farmacológicas para o tratamento das SCA? Quais
as estratégias a serem adotadas para evitar sangramento?

Rivaroxabaninibe atua diretamente por via oral no fator Xa e dessa forma,


potencialmente, poderia reforçar o arsenal terapêutico antitrombótico das SCA. Foi
avaliado com essa indicação no estudo ATLAS ACS 2–TIMI-5145, recentemente
publicado e demonstrou reduzir o desfecho primário de morte cardiovascular, infarto ou
AVE nas doses de 2,5mg e 5mg, em duas tomadas diárias. Houve aumento no risco de
sangramento maior e hemorragia intracraniana, mas não de hemorragia fatal45.

Vorapaxarum, antagonista do receptor PAR1, que inibe a ativação plaquetária induzida


pela trombina foi testado contra placebo nas SCASSST no estudo TRACER46 também
recentemente publicado, mas não reduziu os desfechos isquêmicos (morte
cardiovascular, infarto, AVE, nova hospitalização por isquemia recorrente ou
revascularização de urgência) e aumentou significativamente o risco de sangramento
maior, incluindo hemorragia intracraniana46.

Mais evidências são necessárias para definir o real papel dessas drogas na abordagem
das SCASSST.

Sangramento é a complicação não isquêmica mais frequente das SCA. Sua incidência é
difícil de avaliar pela variedade de definições empregadas nos estudos. Sangramento
maior quando ocorre, aumenta o risco de morte em quatro vezes, infarto em cinco vezes
e AVE em três vezes nos 30 dias seguintes47. A melhor abordagem do sangramento é sua
prevenção. O risco hemorrágico de cada paciente deve ser estimado como primeiro
passo para prevenir futuros sangramentos. Escolha de drogas com melhor perfil de
segurança, ajuste apropriado de doses corrigidas por peso, idade e função renal,
exposição aos antitrombóticos pelo menor tempo possível, escolha do acesso radial
sobre o femoral para intervenção quando possível, utilização de dispositivos de
oclusão arterial quando optado pelo acesso femoral são algumas das medidas que
reduzem o risco de complicações hemorrágicas48,49.
Sangramentos gastrointestinais são a manifestação hemorrágica mais frequente após
SCA. Se não houver contraindicação, inibidores de bomba de prótons devem ser
usados de forma rotineira nos pacientes de maior risco48,49.

Outras recomendações fundamentais que impactam favoravelmente no prognóstico são a


não suspensão das drogas antitrombóticas se o sangramento não for importante ou
contínuo e evitar hemotransfusões, sempre que possível48,49.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO PÓS-INFARTO
AGUDO DO MIOCÁRDIO

Gabriel Camargo
Ronaldo de Souza Leão Lima

CASO CLÍNICO

Paciente feminina, branca, 80 anos, hipertensa há muito tempo (em uso de


hidroclorotiazida (25mg/dia) e amlodipina (10mg/dia)) e diabetes mellitus tipo II.
Negava outros fatores de risco. Procurou atendimento na emergência, relatando que não
havia conseguido dormir à noite, pois estava se sentindo “muito abafada”. Negava dor
precordial, mas relatava que nas últimas 12 horas apresentara sensação de
formigamento em ambos os braços (região medial) mas que não sentia mais naquele
momento.

Sinais vitais: PA =120x70mmHg; FC =104bpm; FR =20irpm; T.ax =36,9C.


O exame físico não apresentava alterações significativas exceto pela diminuição dos
pulsos tibial e pedioso direitos.
O eletrocardiograma (ECG) revelava presença de onda Q em DI, aVL, V5 e V6 com
supra de 1,0mm nessas derivações.
Baseado na ausência de dor precordial, sintomas há mais de 12 horas e ECG sugerindo
fase subaguda do infarto agudo do miocárdio (IAM), optou-se por tratamento
conservador e admissão da paciente em Unidade Coronariana.

A paciente apresentou enzimas cardíacas aumentadas e o ecocardiograma (ECO)


realizado nas primeiras 24 horas revelou função ventricular preservada com acinesia
apical e lateroapical.

No terceiro dia de internação, a paciente foi submetida à cintilografia miocárdica após


estresse farmacológico com dipiridamol que revelou área de fibrose nos segmentos
anteroapical, apical e lateroapical; e isquemia nos segmentos anterior basal e médio
(Figuras 1 e 2). Sua função ventricular basal estava preservada com fração de ejeção
(FE) de 55% com hipocinesia apical, mas a avaliação pós-estresse revelava uma
significativa queda 16 pontos percentuais e hipocinesia inferolateral não identificada na
imagem de repouso (Figura 3).
Figura 1
Cortes em eixo curto, longo horizontal e longo vertical do VE mostrando a captação do radiotraçador em estresse e
repouso. Há hipocaptação fixa em estresse e repouso anteroapical, apical e lateroapical correspondendo à fibrose. Em
estresse existe hipocaptação reversível no repouso nos segmentos anterior basal e médio, correspondendo à isquemia.
Figura 2
Mapa polar e representação tridimensional da captação do radiotraçador em estresse e repouso mostrando as mesmas
alterações descritas na figura 1.
Figura 3
Quantificação dos volumes ventriculares e fração de ejeção à cintilografia com aquisição sincronizada ao ECG
(GATED). Queda significativa na fração de ejeção entre o repouso (55%) e o estresse (39%).

OBJETIVOS
1. Discutir como estratificar clinicamente, de maneira simples, um paciente
após um infarto agudo do miocárdio.
2. Identificar métodos complementares não invasivos disponíveis para essa
avaliação.
3. Identificar métodos complementares invasivos que estão disponíveis para
essa avaliação.
4. Avaliar quando indicar e o que esperar de cada uma dessas ferramentas de
auxílio diagnóstico e prognóstico.
PERGUNTAS
1. Qual o objetivo da estratificação de risco pós-IAM?

As síndromes coronarianas agudas (SCA) estão entre as maiores causas mundiais de


morte. Cerca de 1/3 dos pacientes não irá sobreviver ao evento, sendo que desses,
metade morrerá na primeira hora. Os 2/3 que sobrevivem à fase aguda formam um
grupo heterogêneo, incluindo desde pacientes jovens sem comorbidades e,
consequentemente menor risco, até pacientes idosos, com múltiplas comorbidades e
infarto prévio, já submetidos à terapia de revascularização no passado, sendo portanto
de mais alto risco. Sendo assim, a escolha da melhor opção terapêutica deverá ser
individualizada.

O objetivo da estratificação de risco pós-IAM é prever os eventos adversos e


determinar o prognóstico. Os eventos mais importantes são a morte cardíaca, novo
infarto do miocárdio e presença de isquemia miocárdica residual; disfunção ventricular
esquerda e arritmias cardíacas são os principais determinantes prognósticos. Os
pacientes podem ser estratificados em três grupos, definidos pela sua apresentação
clínica, em relação ao prognóstico de eventos futuros. Cerca de 20% a 25% que
apresentam os três tipos de indicadores, são considerados de alto risco e têm
mortalidade em um ano de 24% a 45%. Um grupo intermediário, com um ou dois dos
marcadores, corresponde a 25% dos casos, com mortalidade variando de 15% a 20%
no primeiro ano. O terceiro grupo, formado por 50% a 55% dos pacientes, evolui sem
complicações e tem prognóstico muito favorável, com apenas 1% a 3% de mortalidade
prevista para o primeiro ano.

A mortalidade média no primeiro ano é de 10% (passando para 5%/ano nos anos
seguintes). A grande maioria dos óbitos (85%) no primeiro ano ocorre por doença
arterial coronariana (DAC), sendo 50% dos casos por morte súbita; 50% dos casos
previstos para os primeiros três meses e 33% nas três primeiras semanas

Terapia medicamentosa otimizada é o pilar do tratamento de pacientes portadores de


doença arterial coronariana (DAC) após o diagnóstico e certamente após
instabilização. Porém essa medida isoladamente pode oferecer benefício apenas parcial
em um subgrupo de pacientes que se beneficiaria da associação de terapia de
revascularização cirúrgica ou percutânea. Em geral, quanto maior o risco de novo
evento agudo ou morte, maior o benefício da associação da revascularização.

Inúmeras ferramentas estão disponíveis para a identificação desses pacientes, partindo


de dados clínicos colhidos continuamente desde o atendimento inicial do paciente à sua
alta hospitalar, até métodos complementares que acrescentam poder discriminador e
são fundamentais nos casos em que apenas variáveis clínicas e exames iniciais de
menor complexidade falham em precisar o risco (p.ex. pacientes com classificação
intermediária).

A escolha da melhor estratégia de estratificação irá depender das características do


paciente, da disponibilidade do método e experiência local na sua utilização.

2. Como estratificar o paciente na fase aguda do infarto?

A anamnese e o exame físico auxiliam a compor o quadro do paciente com risco maior.
História de idade avançada, sexo feminino, IAM antigo, diabetes e hipertensão arterial
ou achados de hipotensão, taquicardia, localização do IAM e, se na parede anterior, o
tipo de síndrome coronariana aguda, a extensão do infarto e a identificação de
arritmias. A classificação de Killip é um sistema interessante de estratificação pela sua
simplicidade e por permitir identificação de subgrupos com riscos bastante diferentes.
Uma rápida caracterização das funções sistólica e diastólica em repouso, a
identificação de isquemia miocárdica espontânea e, tão logo o paciente ultrapasse 72
horas iniciais até aproximadamente o 5º dia pós-IAM, uma rápida identificação da
capacidade de exercício e a detecção de isquemia miocárdica residual. Finalmente, a
informação da gravidade e extensão da doença obstrutiva coronariana determinada por
cinecoronariografia previamente realizada também auxiliará na predição dos resultados
adversos no pós-IAM.

Outro aspecto decisivo é verificar se foi feita angioplastia primária ou administração


de trombolíticos, já que a mortalidade nesses pacientes é menor.

Existem diversos modelos probabilísticos para a estratificação de pacientes pós-infarto


(Quadros 1 e 2). Desses, os publicados pelo grupo Trombolysis in Myocardial
Infarction (TIMI) são muito empregados e foram resultado de pesquisa em dezenas de
milhares de pacientes1,2.

Quadro 1
Critérios e pontuação do escore TIMI para pacientes com IAM com supradesnivelamento do segmento ST.
Fonte: Morrow et al.1

Quadro 2
Escore TIMI para angina instável e IAMSSST.

Fonte: Antman et al.2

3. Qual o papel do ecocardiograma na estratificação de risco pós-IAM?

A ecocardiografia, por sua grande acessibilidade, baixo custo e consequente ampla


disponibilidade, é um exame extremamente versátil e rico na capacidade de trazer
informações que auxiliarão na conduta desde os minutos iniciais do atendimento. Deve
ser realizado de rotina na assistência dos pacientes admitidos com SCA.
Sua realização precoce, à beira do leito, ainda no setor de emergência, tem papel
inicial de diagnóstico podendo confirmar um evento cardíaco isquêmico (alterações
segmentares evidentes), ou apontar diagnóstico alternativo para um quadro de angina
e/ou dispneia (tromboembolia pulmonar, dissecção aórtica, pericardite).

Além da capacidade de auxiliar no diagnóstico, uma vez confirmado o quadro de SCA,


o método fornece rotineiramente duas informações muito ligadas ao prognóstico: a
quantificação das dimensões do ventrículo esquerdo (VE) (diâmetros e volumes) e a
FE. Tanto a ressonância magnética quanto a cintilografia miocárdica e o eco de repouso
são adequados para avaliação da função sistólica do VE e volumes ventriculares, sendo
que o último tem a vantagem de não utilizar material radioativo, ser de mais baixo custo
e poder ser realizado à beira do leito. A quantificação objetiva deve ser realizada
preferencialmente pela técnica de Simpson modificada em ao menos dois planos de
eixo longo, considerando-se que são esperadas alterações segmentares nesses
pacientes, as quais podem não ser contempladas pela análise simplificada ao
unidimensional (Teichholz).

O achado de uma FE abaixo de 40% identifica aumento progressivo da mortalidade


nesse grupo (Multicenter Post Infarction Research Group)3. Além disso, entre os
pacientes com disfunção, quanto pior a FE ainda pior será o prognóstico. Estudo
demonstrou que pacientes pós-IAM que apresentaram maiores diâmetros diastólicos e
sistólicos bem como FE <28%, além de uma razão diâmetro diastólico/espessura da
parede posterior >4, tiveram uma taxa anual de mortalidade >25%, enquanto que
aqueles que tiveram a FE >28%, a taxa de mortalidade foi <13% no mesmo período4.

As curvas de mortalidade desses trabalhos mostram uma faixa de platô, onde se


encontram os pacientes com FE normal, o que transmite a falsa impressão que não há
diferença de risco nessa população. Por isso é importante ressaltar que mesmo no grupo
de pacientes com fração de ejeção normal e a princípio baixo risco por esse critério, a
pesquisa, por exemplo, de viabilidade e isquemia residual, ainda é capaz de identificar
um subgrupo de alto risco, o que mostra que esse dado (FE) embora de grande
importância, não deve ser mal interpretado e supervalorizado, mas sim utilizado no
contexto de cada paciente em conjunto com diversos outros marcadores de risco
discutidos neste capítulo.

A análise de contratilidade segmentar realizada ao bidimensional e em múltiplas


incidências classifica e pontua os segmentos em quatro categorias (normocinesia: 1;
hipocinesia: 2; acinesia: 3; discinesia: 4). A soma dessa pontuação divida pelo número
de segmentos avaliados é chamada de índice de contratilidade segmentar (ICS), sendo
diretamente proporcional ao grau de disfunção sistólica ventricular.

Outro papel para ecocardiografia de repouso, não só na fase aguda mas em toda a
evolução do quadro, é a pesquisa de complicações mecânicas do IAM. A necrose do
músculo cardíaco pode evoluir para ruptura levando à comunicação interventricular
(CIV)5 se ocorrer ao nível do septo interventricular, ou à hemorragia intrapericárdica
se acometer a parede livre do VE6,7. Enquanto a CIV com seu fluxo interventricular
turbulento e intenso pode ser mais facilmente reconhecida com o uso do Doppler e
mapeamento em cores, a ruptura de parede livre é mais difícil de ser identificada,
chamando a atenção a presença de derrame pericárdico e sinais de tamponamento
(nenhum dos dois achados é patognomônico desse diagnóstico em pacientes com SCA).

Outra complicação temida e também facilmente avaliada pelo eco é a ocorrência de


insuficiência mitral que apresenta três mecanismos distintos nesses casos: dilatação do
anel mitral secundário à dilatação da cavidade do VE, disfunção isquêmica da
musculatura papilar e ruptura do músculo papilar8,9. Todas as complicações mecânicas
do IAM, por provocarem mudanças hemodinâmicas abruptas sem que haja tempo de
compensação, requerem diagnóstico e tratamento imediatos. Por exemplo, a ruptura de
músculo papilar possui mortalidade de 75% em 24 horas se não abordada
cirurgicamente.

Passada a fase aguda, após a estabilização clínica, o ecocardiograma continua um


grande aliado do clínico. Não apenas pela capacidade do eco de repouso acompanhar
evolutivamente a melhora (ou piora) do paciente ajudando na otimização terapêutica,
esse exame realizado sob estresse físico ou farmacológico pode acrescentar
informações prognósticas decisivas.

O ecocardiograma de estresse (ecoestresse), assim como a cintilografia e a ressonância


magnética de perfusão miocárdica, é capaz de identificar a presença de isquemia
residual10 e viabilidade11. O reconhecimento de novo déficit contrátil ou piora da
contratilidade regional durante o exame é indicador de isquemia estresse-induzida.
Além do dado qualitativo (isquemia presente pior prognóstico vs. ausente melhor
prognóstico), a ocorrência de alterações contráteis em múltiplos segmentos e territórios
vasculares, bem como seu aparecimento precoce durante o estresse farmacológico,
apontam para ainda pior prognóstico12,13 e provável maior benefício com a associação
de terapia de revascularização.

Outro dado que pode ser obtido com esse exame é a presença ou ausência de
viabilidade miocárdica e o número de segmentos viáveis. Embora estudo randomizado
recente14 tenha levantado dúvidas quanto à importância desse achado, ainda é
amplamente aceito que negar tratamento de revascularização a pacientes que tenham
miocárdio viável em território isquêmico significa privá-los de maiores chances de
sobrevivência, ao menos no médio prazo15.

Várias respostas contráteis podem ser observadas durante o eco de estresse


farmacológico que indicam viabilidade, entre elas a resposta bifásica, ou seja, a
melhora inicial de contratilidade com baixas doses de dobutamina seguida de piora
com doses maiores é a que apresenta maior especificidade entre todos os métodos que
têm a finalidade de prever recuperação da função contrátil16.

Considerando-se que a ecocardiografia de estresse pode ser feita sob monitorização


contínua de múltiplos parâmetros vitais (ECG de 12 derivações, pressão arterial e
oximetria), que independe do uso de radiação ionizante, e que o equipamento de
ecocardiograma tem custo bem menor que uma gama-câmara ou uma ressonância
magnética, é coerente que uso do método e a capacitação de profissionais para realizar
o exame de forma adequada, sejam incentivados.

Tanto em exames de repouso quanto estresse, a utilização de contraste com microbolhas


é capaz de melhorar significativamente a detecção dos bordos endocárdicos,
aumentando a precisão da análise contrátil e das medidas cavitárias17. Esse recurso é
especialmente útil naqueles pacientes que apresentam janela ecocardiográfica limitada.
Embora seja possível com a utilização de contraste especial visualizar a perfusão
miocárdica em repouso e estresse, com validação na literatura, esse recurso é pouco
utilizado na prática18.

Na paciente em questão, o diagnóstico de IAM já havia sido feito com os dados


clínicos, ECG e enzimas, mas o ecocardiograma de repouso realizado precocemente na
internação teria sido capaz confirmar a suspeita diagnóstica ao mostrar o déficit
segmentar apical que respeitava um território vascular. Independente disso, o exame foi
capaz de mostrar uma função sistólica global normal do ventrículo esquerdo apesar do
déficit segmentar, além de excluir a presença de complicações mecânicas, duas
informações de grande importância na condução do caso.

Na escolha de uma estratégia de estratificação não invasiva, o ecocardiograma de


estresse poderia ter sido realizado, pois apesar de a paciente não poder se exercitar
devido à dificuldade de deambular, não havia contraindicação ao estresse
farmacológico e não foi relatado que a janela ecocardiográfica era inadequada, o que
poderia dificultar muito a interpretação do exame. Apesar disso, na escolha do exame
complementar é preciso levar em consideração também a experiência local com sua
utilização. Deve-se destacar que os estudos que visam a pesquisar a acurácia do
método, em geral são conduzidos em centros onde há grande experiência no seu uso, e
que os resultados não devem ser extrapolados de maneira indiscriminada.

4. Como a ergometria contribui para estratificação do risco pós-IAM?

Considerando a simplicidade, baixo custo, grande disponibilidade e familiaridade na


interpretação dos resultados, o teste ergométrico em geral é o teste não invasivo de
escolha na estratificação de risco pós-IAM. Pacientes que estejam completamente
estáveis clínica e hemodinamicamente, sem sinais de isquemia ou disfunção do VE,
capazes de se exercitar em esteira e com ECG interpretável do ponto de vista de
análise do segmento ST devem ser encaminhados a essa estratégia que já se mostrou
custo-eficaz19. Aqueles que não possam se exercitar ou possuam ECG não interpretável
devem ser dirigidos aos métodos de imagem não invasiva.

O poder de estratificação do teste ergométrico é amplamente reconhecido. A


incapacidade de se exercitar até 5MET, queda na pressão arterial no esforço, depressão
do segmento ST em baixa carga, angina limitante e sinais de congestão pulmonar no
esforço ou imediatamente após, estão entre os achados do exame que apontam para um
pior prognóstico20. O escore de Duke que leva em consideração essas variáveis21 é útil
em separar os pacientes em três categorias crescentes de risco, estando a mais elevada
relacionada a uma mortalidade de 3,4% em apenas seis meses.

A capacidade funcional por si só é um grande marcador de risco. Pacientes incapazes


de atingir 6MET apresentam três vezes mais morte e reinfarto que pacientes que
atingem mais de 8MET22. Era de se esperar, pois a simples incapacidade de se
exercitar é um importante dado prognóstico, tendo os pacientes inábeis uma
mortalidade, em seis meses, cinco vezes maior do que aqueles aptos ao exercício20.
Mesmo nos pacientes submetidos à revascularização durante a internação por SCA, o
teste ergométrico pré-alta mantém seu valor em estratificar o risco22.

Embora a obtenção de dados prognósticos seja a maior motivação para a realização do


teste ergométrico, este ainda é capaz de fornecer outros dados importantes para
condução do caso, como a necessidade de otimização terapêutica e informações que
irão guiar a prescrição de reabilitação cardíaca.

A paciente do caso era idosa e apresentava dificuldade em deambular (passado de


fratura do colo do fêmur), não podendo realizar o teste ergométrico em esteira. Uma
opção seria a utilização de outro ergômetro ao qual a ela pudesse se adaptar, como por
exemplo, uma bicicleta ergométrica. Infelizmente a única opção no local era de fato
uma esteira, e por esse motivo não foi possível contar com as importantes informações
desse exame.

5. Qual o papel da cintigrafia de perfusão miocárdica ?

A cintilografia de perfusão miocárdica (CPM) pode ser realizada com a administração


do radiofármaco em repouso, durante a dor torácica ou na fase inicial do IAM
(primeiras horas). Devido às suas características, os traçadores ligados ao tecnécio-
99m, como o sestamibi e o tetrofosmin, não modificam sua distribuição após a injeção.
Este fato cria uma oportunidade de avaliação única para esse método, pois após a
injeção o paciente pode ser submetido a qualquer tipo de intervenção (trombólise,
angioplastia, drogas anti-isquêmicas) sem que haja modificação do padrão perfusional
obtido nas imagens.

O intervalo de tempo para que a cintilografia seja obtida nessa situação é de mais de
seis horas após a injeção e ainda assim estarão representando o momento pré-
intervenção23. Uma nova cintigrafia feita 24 horas após e comparada com essa de fase
aguda permite de forma incomparável determinar a quantidade de miocárdio salvo pelo
procedimento. Esse fato de prognóstico comprovado infelizmente é de difícil
aplicabilidade, pois exige um Laboratório de Medicina Nuclear funcionante a qualquer
hora (7 dias/ 24 horas). Após a fase aguda em pacientes de risco baixo e intermediário,
é utilizado o estresse farmacológico, geralmente com dipiridamol. O estresse físico
submáximo também pode ser realizado antes da alta hospitalar.

A vantagem do estresse farmacológico é a possibilidade de ser aplicado mais


precocemente, a partir de 48 horas. Num grande estudo de Heller et al.24 essa hipótese
foi testada, demonstrando a segurança da cintilografia miocárdica associada a essa
modalidade de estresse e, consequentemente, encurtando o tempo de internação e a
redução dos custos24.

Devido à possibilidade de avaliar simultaneamente a perfusão miocárdica


(quantificando a área infartada e de isquemia residual ou a distância) e a função
ventricular basal e pós-estresse (com a aquisição GATED), a cintilografia fornece uma
avaliação bastante completa após o IAM. Quando associada ao exercício físico ainda
fornecerá informações adicionais como capacidade funcional, resposta tensional e
identificação de arritmias.
Os fatores prognósticos de risco pela cintilografia miocárdica de perfusão estão
relacionados ao grau de disfunção ventricular e a presença de isquemia residual
(Quadro 3).

Quadro 3
Preditores de alto risco em exame de cintilografia de perfusão miocárdica.

A paciente relatada foi submetida à cintilografia de perfusão miocárdica com estresse


farmacológico como opção de estratificação não invasiva. O exame mostrou diversas
alterações que apontaram para alto risco de morte ou eventos cardíacos, como a queda
da fração de ejeção do ventrículo pós-estresse e envolvimento de mais de um território
coronariano. Com esses achados, ficou claro que essa paciente deveria ser
encaminhada ao estudo anatômico da circulação coronariana
(cineangiocoronariografia), já como programação para uma terapia de
revascularização, da qual ela deveria se beneficiar como já amplamente demonstrado.

Um conceito que merece ser comentado no resultado do exame, diz respeito à indução
de déficits contráteis e queda da fração de ejeção à cintilografia. Tratando-se de
pacientes com maior probabilidade de doença multivascular, as informações obtidas
pelo gated-SPECT aumentam as chances de identificar padrões de alto risco sem
comprometer a acurácia25. Embora as imagens de perfusão reflitam a distribuição
sanguínea no pico do estresse, a análise da contratilidade global e segmentar é feita
apenas durante a aquisição das imagens, o que costuma ocorrer em geral 15min após
exercício físico ou 30-45min após o estresse farmacológico. Pode-se então deduzir que
as alterações contráteis diagnosticadas pelo gated-SPECT indicam a presença de
atordoamento miocárdico pós-isquemia significativa. Além disso, a droga utilizada foi
o dipiridamol, que tem a função de provocar vasodilatação coronariana, levando à
heterogeneidade de fluxo entre os territórios vasculares, porém a indução de isquemia
verdadeira (fenômeno de roubo) é incomum e ocorre com maior frequência em
pacientes multiarteriais25.

6. Como empregar a ressonância magnética para a estratificação do risco pós-


IAM?

A ressonância magnética cardíaca (RMC) é uma poderosa ferramenta na avaliação de


pacientes após IAM. Desde a apresentação do quadro até a alta hospitalar e o
acompanhamento pós-alta, esse método é capaz de fornecer informações de alta
relevância clínica.

Além de contar com alta resolução espacial, temporal e reprodutibilidade, a RMC é


capaz de caracterizar tecidos, identificado nesses pacientes áreas de músculo viável,
fibrose, edema (área em risco), trombos intracavitários, no-reflow e áreas de
hemorragia intramiocárdica, além de avaliação da perfusão miocárdica de primeira
passagem com uso de contraste.

Com a técnica de cinerressonância, a quantificação da função e volumes ventriculares,


parâmetros intimamente relacionados ao prognóstico26 são medidos de forma
extremamente precisa, sendo o método considerado o padrão-ouro para essa
avaliação27. A capacidade de avaliar toda a extensão de ambos os ventrículos de forma
tridimensional permite que as medidas sejam feitas de forma independente de qualquer
inferência sobre forma ou contratilidade regional, sendo uma grande vantagem nos
pacientes pós-IAM28.

O gadolíneo, contraste utilizado em exames de ressonância magnética, tem distribuição


extracelular e consequentemente tende a se acumular em regiões onde haja aumento
desse compartimento. A fibrose que se estabelece no miocárdio após infarto é um
exemplo de tecido rico em colágeno e pobre em células, o que faz com que o meio de
contraste se acumule nessa região, e não seja removido com a mesma rapidez que em
regiões adjacentes de músculo saudável densamente povoado de células contráteis.
Dessa maneira, é possível identificar precisamente a extensão e distribuição da necrose
miocárdica29. Esse dado por si só já tem grande implicação prognóstica30, mas a
técnica de realce tardio ainda é capaz de delimitar também de forma acurada as regiões
viáveis, ou seja, aquelas capazes de recuperar sua função contrátil após o
reestabelecimento do fluxo sanguíneo.

Kim et al.31, em 2000, demonstraram que segmentos miocárdicos que apresentavam


realce tardio (fibrose) superior a 50% da espessura parietal, recuperavam a função
contrátil em apenas 10% dos casos após revascularização, contrastando com
recuperação superior a 40% se a área de realce fosse de 26-50%, chegando a 77% de
recuperação em áreas sem realce tardio31. Estudos comparativos mostram que a técnica
de realce tardio tem boa sensibilidade e especificidade em prever a recuperação da
função contrátil após revascularização32, informação crítica em pacientes
coronariopatas que já tenham apresentado IAM (Figuras 4 e 5).

Figura 4
Imagens de realce tardio à RMC.
(A) Eixo curto segmento apical do VE mostrando intensa captação transmural do meio de contraste envolvendo o
septo, a parede anterior e lateral do VE (delimitação pontas de seta).
(B) Corte de eixo longo três câmaras do VE também evidenciando intensa captação transmural do meio de contraste
envolvendo o septo anterior, região apical e lateroapical (delimitação pontas de seta). A chance de melhora de
contratilidade nesses segmentos após revascularização é inferior a 2%.
Figura 5
Imagens de realce tardio à RMC.
(A) Eixo curto segmento médio do VE mostrando captação endocárdica do meio de contraste envolvendo menos de
50% da espessura parietal do segmento inferolateral (ponta de seta).
(B) Corte de eixo longo três câmaras do VE não evidenciando significativa captação do meio de contraste. A chance
de melhora de contratilidade nesses segmentos após revascularização é superior a 40%, sendo superior a 70% em
áreas sem realce.

Utilizando técnicas de aquisição rápida, é possível obter-se imagens de todos os


segmentos miocárdicos durante a primeira passagem do meio de contraste pelo
coração. A análise da dinâmica da passagem do contraste pelo miocárdio permite
diferenciar áreas perfundidas de forma deficiente (isquêmicas) de áreas com fluxo
sanguíneo normal. Esse estudo realizado em repouso na fase aguda permite delimitar a
área sob risco. Além disso, após as primeiras 48 horas de evolução estáveis e sem
recorrência da dor, a RMC pode ser realizada sob estresse farmacológico tanto com
dipiridamol quanto dobutamina para pesquisa de isquemia residual, com acurácia
equivalente às técnicas de medicina nuclear33,34. Conforme comentado, esse dado é
muito importante no que diz respeito à escolha de estratégia terapêutica35.

A pesquisa de trombo intracavitário deve ser rotineira após a utilização de meio de


contraste e possui alta sensibilidade e especificidade.

Outras informações que podem ser obtidas com o exame, porém ainda com pequena
utilização e menor validação, são: avaliação da extensão do edema miocárdico
utilizando imagens pesadas em T2, estando esse achado relacionado à área sob risco
(estimativa de miocárdio a ser salvo); pesquisa e injúria de reperfusão (no-reflow) e
hemorragia intramiocárdica, ambos os achados relacionados a pior prognóstico36,37.

Assim com a cintilografia de perfusão miocárdica, a RMC com estresse farmacológico


seria capaz de trazer as mesmas informações (isquemia, fibrose e piora contrátil pós-
estresse). Como comentado em relação ao ecocardiograma de estresse, a experiência
local e a presença de contraindicações deve ser levada em consideração. A aquisição
de imagens da RMC de estresse leva aproximadamente 30-40 minutos, devendo o
paciente ser capaz de permanecer em decúbito a zero grau durante todo esse período.
Para a aquisição de imagens de alta qualidade é imprescindível que haja ritmo cardíaco
predominantemente regular, e que o paciente seja capaz de realizar apneia por
aproximadamente 10-15 segundos no mínimo. A ausência de qualquer desses dois
critérios não impossibilita a realização do exame, mas reduzem consideravelmente a
sua qualidade. Além disso, é necessário utilizar contraste durante o exame, e embora o
gadolíneo seja um dos meios de contraste mais seguros da radiologia, complicações
graves podem ocorrer quando utilizado em pacientes com insuficiência renal grave e
principalmente naqueles que dependem de diálise. Nesses casos, é preciso pesar risco
e benefício e buscar alternativas.

7. Qual o objetivo dos testes invasivos na estratificação?

Com o objetivo de se avaliar o leito anatômico e a função contrátil global e segmentar,


o estudo angiográfico contrastado após o infarto do miocárdio passou a ser
rotineiramente feito em muitos centros, com aplicação em larga escala.

O uso da coronariografia na abordagem inicial do infarto com ou sem


supradesnivelamento do segmento ST foge ao escopo deste capitulo e deverá ser
discutido por outros colaboradores. No entanto, se realizado, obviamente fornece
diversos dados importantes para determinar o risco desses pacientes. Os principais
determinantes de mau prognóstico são: presença de lesão de tronco de coronária
esquerda, presença de doença multivascular (principalmente trivascular), acometimento
do terço proximal da artéria descendente anterior, disfunção ventricular esquerda e
complicações mecânicas.

Os escores TIMI de fluxo coronariano e de perfusão miocárdica (blush) também têm


valor independente de prognóstico. O primeiro se baseia na numeração de 0 a 3,
variando desde a coronária ocluída até fluxo normal. Pacientes TIMI 0 têm mortalidade
três vezes maior que pacientes TIMI 3 (9,3% vs. 3,7%; p<0,0001). O escore de
perfusão também gradua de 0 a 3, variando desde a ausência completa de perfusão a
uma perfusão normal que desaparece rapidamente.

Com o tempo, limitações ao raciocínio: “artéria aberta=miocárdio viável” e


“fechada=não viável” tornaram-se evidentes, quando ficou demonstrado que tanto em
repouso38-41 quanto durante o exercício dinâmico42,43, uma circulação colateral
abundante e bem distribuída pode sustentar a função miocárdica. Mais modernamente,
com o advento da era trombolítica, configurou-se a certeza que uma artéria coronária
patente após trombólise não é evidência suficiente para se poder afirmar que há
viabilidade residual no miocárdio dissinérgico que está sendo perfundido por essa
artéria aberta44.

Recentemente, as técnicas de imagem que avaliam a viabilidade miocárdica com base


na perfusão miocárdica, integridade da membrana celular, atividade metabólica,
percentual de fibrose e recrutamento de reserva contrátil ganharam substancial
popularidade e sucesso clínico.

Esses métodos permitiram maior precisão na avaliação do que pode ser feito, muito
superior ao que se depreende apenas da análise da anatomia coronariana, da função
regional isolada em repouso ou a presença ou ausência de ondas Q no ECG.

A contradição de resultados, que não eram previstos, no comportamento funcional de


áreas comprometidas do ventrículo esquerdo, observadas antes e após a
revascularização, por pontes aortocoronarianas e mais tarde por angioplastia
coronariana, mostrou a necessidade de uma avaliação mais precisa/adequada, como
elemento de valor na indicação e seleção de pacientes para os procedimentos de
revascularização. Nascia assim o conceito da viabilidade miocárdica e a necessidade
da sua avaliação a partir daí ficou bem sedimentada.

Diante do resultado da cintilografia apontando diversos critérios de gravidade, a


paciente foi submetida a uma cineangiocoronariografia que evidenciou lesão que
determinava estenose grave (>70%) no tronco da coronária esquerda. No caso, a
anatomia já justificaria a indicação de revascularização por se tratar de lesão
importante nessa topografia, porém mesmo que a localização fosse outra, os dados
colhidos com a estratificação não invasiva já autorizavam uma intervenção.

A paciente foi submetida à cirurgia de revascularização do miocárdio, evoluindo sem


complicações intra-hospitalares e recebendo alta em tratamento clínico otimizado após
três semanas de internação.
Apesar de a estratégia invasiva com estratificação baseada na anatomia ainda
predominar no pós-IAM, baseando-se em informações conflitantes entre qual seria de
fato a melhor45-48, frequentemente há espaço para uma avaliação mais ampla. Mesmo
que no final, como no caso aqui relatado, uma cineangiocoronariografia seja realizada,
a maneira de lidar com o resultado desse exame muda significativamente, em muitos
casos, diante das informações fornecidas pelos métodos não invasivos.

Outro método invasivo de valor em pacientes pós-IAM é o estudo eletrofisiológico


(EEF). A chance de morte súbita é maior nessa população, principalmente no primeiro
mês e naqueles que evoluem com disfunção ventricular49. Embora o implante de
cardiodesfibrilador (CDI) esteja indicado em pacientes com fração de ejeção (FE)
<30%50, alguns pacientes que se encontram com FE >30% ainda podem se beneficiar
dessa terapia.

Estudo demonstrou que pacientes com FE <40% e taquicardia ventricular não


sustentada apresentavam maior mortalidade, quando desenvolviam taquicardia
ventricular sustentada ao estudo eletrofisiológico51 e teriam benefício com o uso de
CDI. Além de selecionar pacientes para o implante de cardiodesfibrilador, o método é
útil para mapear áreas indutoras de arritmia, direcionando terapia ablativa em
pacientes que já possuam o dispositivo e vem apresentando descargas frequentes52. Em
pacientes pós-IAM que apresentam queixas sugestivas de arritmias ventriculares
(palpitação, pré-síncope e síncope), o EEF pode auxiliar no diagnóstico53.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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CHOQUE CARDIOGÊNICO

Fernando Dias Rangel


Glaucia Maria Moraes de Oliveira

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 73 anos, com antecedentes de infarto do miocárdio de parede
inferior há cinco anos, sem terapia de reperfusão. Histórico de diabetes mellitus do tipo
2, hipertensão arterial, hipercolesterolemia e tabagismo. Foi admitido na Unidade de
Emergência com dor torácica de início há três horas, do tipo constrictiva.

À admissão encontrava-se em confusão mental, agitado, pálido, sudoreico,


extremidades frias, tempo de enchimento capilar periférico prolongado. PA
=100x60mmHg; FC =118bpm; FR =28irpm; RCR, B3, sem sopros expressivos,
estertores crepitantes no 1/3 inferior do tórax.

ECG: Taquicardia sinusal, infarto inferior antigo, supradesnível de ST de concavidade


superior ,ondas T de base alargada e ondas R amplas de V1 a V6. Gasometria arterial;
PH =7,28; HCO3 =17meq/l; PaO2 =58mmHg, SatO2 =78%, lactatemia elevada.
Coronariografia: artéria descendente anterior com trombo oclusivo em sua porção
proximal, artéria circunflexa com estenose de 70% imediatamente antes de grande ramo
marginal e artéria coronária direita com aspecto de oclusão crônica, na porção
proximal.

OBJETIVOS
1. Identificar precocemente os sinais de choque cardiogênico (CC), suas causas
e fatores precipitantes.
2. Discutir a fisiopatologia e o diagnóstico do choque cardiogênico.
3. Discutir o prognóstico e a importância da revascularização precoce.

PERGUNTAS
1. Como interpretar os dados do caso clínico apresentado?

No caso clínico, o paciente é idoso, diabético, hipertenso e com histórico de infarto


prévio. Apresenta-se à Unidade de Emergência com dor torácica sugestiva de infarto,
com eletrocardiograma demonstrando a fase superaguda de IAM anterior extenso.
Situação denotativa de expressiva área de acometimento pelo processo isquêmico-
necrótico em evolução.

Observa-se taquicardia sinusal, que é fator preditivo para o desenvolvimento de choque


e pressão arterial limítrofe, que pode corresponder à queda significativa em relação
aos níveis habituais. Percebem-se nítidos sinais clínicos de hipoperfusão tissular
(baixos débitos sistêmico e cerebral) corroborados pelos achados gasométricos de
acidose metabólica, com redução do PH e da concentração de bicarbonato e desvio do
metabolismo para anaeróbico, com acúmulo de ácido lático no plasma.

2. Qual deveria ser a abordagem diagnóstica e terapêutica deste paciente?

Embora não esteja com hipotensão arterial à admissão, o paciente já apresenta sinais
clínicos de baixo débito cardíaco e consequente má perfusão orgânica. O
eletrocardiograma demonstra sinais de infarto prévio da parede inferior e alterações
compatíveis com infarto anterior extenso na fase superaguda (primeiras três horas de
evolução).

A anatomia demonstra acometimento trivascular, com oclusão crônica da artéria


coronária direita, associada ao infarto inferior antigo e oclusão trombótica aguda da
artéria descendente anterior. A terapêutica inclui a assistência respiratória, com
ventilação mecânica invasiva ─ evidencia-se hipoxemia ─ antecedida por adequada
sedação intravenosa. Frequentemente durante os procedimentos de sedação e entubação
orotraqueal ocorre hipotensão acentuada, devido à redução do estímulo adrenérgico
compensatório e agravamento da depressão miocárdica. Faz-se necessário o uso de
fármacos vasoativos, sendo clássica a utilização de dobutamina e norepinefrina. Nesse
contexto, o implante do balão intra-aórtico de contrapulsação é de grande importância
para a estabilização hemodinâmica, com aumento da perfusão coronariana, redução do
consumo de oxigênio miocárdico, queda das pressões de enchimento do coração e
aumento do débito cardíaco. A imediata transferência do paciente para a sala de
hemodinâmica é essencial para o sucesso do tratamento.

A artéria relacionada ao infarto, a descendente anterior, deve ser recanalizada,


utilizando-se técnicas contemporâneas de intervenção percutânea no IAM:
trombectomia e angioplastia com implante de stent. A injeção intracoronariana de
abciximab pode ser feita pelo intervencionista, devido à elevada carga trombótica, com
a intenção de melhorar a microcirculação e prevenir o fenômeno de no-reflow.

Após restabelecer o fluxo normal na artéria culpada, pode-se tratar também a artéria
circunflexa devido à persistência do choque circulatório e da importância anatômica do
vaso e da oclusão crônica da artéria coronária direita. Se a despeito da adequada
revascularização percutânea e de todas as medidas de suporte orgânico implementadas,
o paciente persistir com sinais de baixo débito cardíaco (avaliado pelo cateter de
Swan-Ganz) e de má perfusão periférica, pode-se evoluir em complexidade com o
implante, por exemplo, de um dispositivo de assistência ventricular esquerda, para que
se mantenha a viabilidade orgânica, enquanto se espera a melhora da disfunção
ventricular esquerda (miocárdio “estonteado”). As medidas mais agressivas de
assistência circulatória devem ser avaliadas em relação ao estado neurológico e de
viabilidade dos órgãos e sistemas, dentro de uma expectativa de recuperação clínico-
funcional do paciente.

3. Qual é a definição e as manifestações clínicas do CC?

O choque cardiogênico é uma condição clínica definida pela inadequada perfusão


orgânica secundária à disfunção cardíaca primária na presença de pressões de
enchimento adequadas ou elevadas.

As manifestações clínicas clássicas do choque cardiogênico incluem:

Hipotensão arterial sistêmica (por definição pressão arterial sistólica


inferior a 90mmHg) ou queda de 30% em relação à pressão sistólica basal)
ou necessidade de drogas vasopressóricas ou de balão de contrapulsação
aórtica, persistente por pelo menos 30min. A pressão de pulso encontra-se
reduzida e a pressão venosa central elevada.
Sinais de hipoperfusão sistêmica e baixo débito cardíaco como extremidades
frias, oligúria com diurese <30ml/hora, extremidades frias e cianóticas,
acidose metabólica), insuficiência renal aguda e alteração do estado mental.
Presença de taquicardia ou bradicardia sinusal além taquicardia ventricular
sustentada e bloqueios atriventriculares avançados.
Achados no exame físico como galope atrial (B4) e/ou ventricular (B3) e
hiperfonese de P2.
Dificuldade respiratória devido à congestão pulmonar. Dispneia, ortopneia e
estertores podem estar presentes e a radiografia de tórax demonstrar achados
compatíveis com edema pulmonar. Pressão capilar pulmonar elevada está
frequentemente presente e se torna evidente após um desafio de volume.
Podem estar presentes: edema periférico, ascite, derrame pleural e refluxo
hepatojugular.

Edema pulmonar e galope de terceira bulha são sinais de acometimento do ventrículo


esquerdo. Alguns pacientes, entretanto, podem manter valores normais de pressão
sistólica, na fase incipiente da síndrome do choque, em consequência da liberação
excessiva das catecolaminas. Salienta-se que nessas situações o emprego de fármacos
sedativos, com frequência irá precipitar a hipotensão, fenômeno que deve ser previsto
pela equipe médica assistente.

Em pacientes que se apresentam com tamponamento cardíaco observa-se o pulso


paradoxal que pode estar associado a atrito pericárdicos na fase inicial e a bulhas
abafadas tardiamente.

O surgimento de sopros sugere disfunção valvar aguda ou comunicação interventricular


como complicação do IAM ou endocardite.

Pacientes em choque cardiogênico secundário à disfunção ventricular direita


geralmente apresentam quadro caracterizado pela ausência de congestão pulmonar e
pela presença de distensão da veia jugular e do sinal de Kussmaul.

A diminuição da perfusão tecidual secundária à redução da pressão de perfusão nas


artérias coronárias no choque cardiogênico pode levar ao reinfarto ou isquemia
recorrente do miocárdio.

Considerando-se o tempo para início dos sinais e sintomas, a maioria dos pacientes que
desenvolve choque cardiogênico por infarto agudo do miocárdio, desenvolvem-no após
a internação, mais especificamente dentro das primeiras 24 horas após o infarto. Os
casos restantes ocorrerão nos dias seguintes, com alguns casos sendo adiados por até
uma semana1-4.

O choque desenvolve-se significativamente mais tarde entre os pacientes com


síndromes coronarianas agudas sem supradesnivelamento de ST em relação àqueles
com elevação do segmento ST5.

O desenvolvimento de choque cardiogênico tardio pode estar relacionado à isquemia


recorrente ou reinfarto ou ao aparecimento de complicações mecânicas, como a ruptura
do septo ventricular, da parede livre ventricular ou dos músculos papilares. Nesses
casos, a apresentação clínica geralmente consiste de dor torácica recorrente, de
elevação ou de repetição da elevação do segmento ST e de hipotensão. Alguns
pacientes apresentam início súbito de dispneia em vez de precordialgia, representando
um equivalente anginoso. Isso ocorre com maior frequência nos idosos, mulheres e
portadores de diabetes mellitus.

4. Quais são os critérios diagnósticos e fatores precipitantes do CC?

Fazem parte dos critérios diagnósticos do choque cardiogênico2-4:

Critérios hemodinâmicos:

Pressão arterial sistólica (PAS) <90mmHg por mais de 30min


Queda da PAS >30mmHg abaixo dos valores basais por um período superior
a 30min em pacientes hipertensos
Uso de vasopressores e inotrópicos para manter PAS >90mmHg

Índice cardíaco (IC) <2,2L/min/m2


Pressão de oclusão da artéria pulmonar >18mmHg

Sinais de hipoperfusão tecidual (o perfil hemodinâmico “frio e molhado” –


hipoperfusão tecidual com congestão pulmonar):

Periferia pálida, fria e úmida


Lentificação do tempo de enchimento capilar
Estado mental alterado / confusão mental
Oligúria (<0,5mL/kg/h)
Congestão pulmonar
Taquicardia
Aumento de lactato
Acidose metabólica
Saturação venosa mista <65%.

São fatores de risco para o desenvolvimento de choque cardiogênico em pacientes com


infarto agudo do miocárdio4-10:

Idade avançada
Infarto do miocárdio de localização anterior
História de hipertensão arterial
História de diabetes mellitus
Doença coronariana multivascular
História de infarto do miocárdio prévio
Diagnóstico prévio de insuficiência cardíaca
Infarto com supradesnivelamento do segmento ST
Presença de bloqueio de ramo esquerdo no eletrocardiograma
Insucesso no tratamento trombolítico
Fluxo TIMI <3 depois da revascularização percutânea
Níveis aumentados de proteína C-reativa
Presença de doença arterial periférica e doença cerebrovascular

Destacam-se como preditores da ocorrência de choque cardiogênico as seguintes


variáveis3:

Idade - Risco aumenta com a idade


Valor da pressão arterial sistólica - Risco aumenta com a ocorrência de
hipotensão
Valor da frequência cardíaca - Risco aumenta com a ocorrência de
taquicardia
Classe Killip > I

5. Qual é a etiologia do CC?

Qualquer causa de disfunção ventricular aguda, esquerda, direita ou biventricular pode


ser causa de choque cardiogênico2,5.

As causas do choque circulatório podem ser didaticamente classificadas em três


grandes grupos: hipovolêmico, distributivo (vasoplégica) e cardiogênico. Nas
etiologias hipovolêmica e distributiva ocorre inadequado retorno do sangue venoso ao
coração, enquanto que a cardiogênica tem como pressuposto inicial a falência da função
contrátil do coração. O choque cardiogênico pode decorrer das seguintes condições:

Falência de bomba (infarto do miocárdio - miopático e complicações


mecânicas - e outras condições: cardiomiopatia dilatada, miocardite,
depressão miocárdica pós-circulação extracorpórea). A etiologia miopática é
a mais prevalente e corresponde àquela verificada no caso clínico.
Distúrbios do enchimento diastólico (cardiomiopatias hipertróficas e
restritivas).
Taquicardias e bradicardias
Obstruções ao fluxo sanguíneo devido às valvopatias, à embolia pulmonar
maciça e ao tamponamento cardíaco.

Em relação às etiologias do choque cardiogênico após o infarto agudo do miocárdio,


observaram-se as seguintes proporções, no Shock Trial Registry9 (Figura 1):

1. Miopático (IVE): 78,5%


2. Choque do ventrículo direito isolado: 2,8%
3. Insuficiência mitral: 6,9%
4. Comunicação interventricular: 3,9%

5. Ruptura de parede livre do ventrículo esquerdo: 1,4%4,5

A etiologia mais comum do choque cardiogênico é o infarto agudo do miocárdio (93%


dos casos). Destes casos, 78% são secundários ao IAM com disfunção ventricular
esquerda. Outras complicações do IAM que podem cursar com choque cardiogênico
incluem as complicações mecânicas, tais como regurgitação mitral aguda (7%), a
ruptura de parede ventricular (4%) e o tamponamento cardíaco (1%). A disfunção
ventricular direita isolada é responsável por 3% dos casos. Causas não relacionadas ao
IAM incluem: a cardiomiopatia hipertrófica, as doenças valvares (particularmente as
insuficiências agudas como na endocardite), a miocardite, a intoxicação aguda por
betabloqueadores ou bloqueadores de canal de cálcio, as causas pós-cirurgia cardíaca,
entre outras.

Grave disfunção do ventrículo esquerdo associada ao infarto agudo do miocárdio está


mais frequentemente associada ao infarto anterior, mas pode resultar do infarto
miocárdico em qualquer localização, principalmente em pacientes com infarto prévio.
A maioria dos pacientes que evolui para CC apresenta infarto com elevação do
segmento ST (onda Q), mas o choque cardiogênico também ocorre em cerca de 2,5%
dos pacientes sem elevação de segmento ST.
Estudos de autopsia3,6 em pacientes que morreram com choque cardiogênico secundário
a infarto agudo do miocárdio revelaram que ≥40% do miocárdio do ventrículo
esquerdo estava infartado (infartos prévios e agudos)3,6. A maioria dos pacientes era
portadora de doença coronariana trivascular ou lesão de tronco de coronária esquerda.

Pacientes com grave doença cardíaca prévia, como doença valvar, e associada com
reserva cardíaca limitada, podem apresentar choque cardiogênico mesmo após um
pequeno infarto ou como consequência de endocardite bacteriana aguda.

A grave disfunção do ventrículo direito geralmente é vista no infarto inferior. O infarto


isolado de VD ocorre em 3% a 5% dos casos de IAM e apenas um pequeno percentual
desses casos (inferior a 1%) cursará com CC, sendo mais comum a ocorrência de CC
quando há associação de IAM inferior+VD. A mortalidade do choque cardiogênico
secundário à falência do ventriculo direito é quase tão alta quanto aquela relacionada à
disfunção do ventrículo esquerdo. É importante lembrar que esses pacientes não
desenvolvem congestão pulmonar a menos que haja envolvimento concomitante do
ventrículo esquerdo, ocorrência que não é rara em pacientes idosos.

Figura 1
Etiologias do choque cardiogênico. Casuísticas combinadas do Shock Trial Registry e do Shock Trial (total de 1422
pacientes). Outras causas incluem choque causado por valvopatias graves, cardiomiopatia dilatada, hemorragia,
intoxicações por betabloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio, obstruções dinâmicas ao trato de saída do
ventrículo esquerdo, embolismo pulmonar e dissecção aórtica.
Fonte: adaptado de Hochman et al.5
6. Quais são as complicações mecânicas do IAM?

Ruptura da parede livre do ventrículo esquerdo é mais prevalente em


mulheres hipertensas na sétima década de vida. É mais comum no IAM
transmural lateral ou anterior com acometimento de massa ventricular
superior a 20%. A taxa de mortalidade é de aproximadamente 90%, sendo
decorrente de hemopericárdio e tamponamento ventricular. Está associada
com o uso tardio de trombolíticos (após oito horas do início do IAM).
Caracteriza-se por distensão da veia jugular (em 29% dos casos), pulso
paradoxal (em 47%), dissociação eletromecânica e finalmente o CC.

Ruptura do septo interventricular ocorre em mulheres com idade avançada e


no IAM anterior extenso ou de VD, podendo haver comprometimento dos
músculos papilares em 20% dos casos. A magnitude do shunt é função do
tamanho da comunicação interventricular, da resistência vascular sistêmica e
pulmonar e da razão entre as funções dos ventrículos direito e esquerdo.
Ocorre quando o comprometimento isquêmico é multiarterial e evolui para
falência biventricular em poucas horas. Caracteriza-se ao exame físico por
sopro intenso holossistólico na borda esternal esquerda, irradiando-se para a
base, ápex e área paraesternal direita, com frêmito palpável em metade dos
pacientes e galope com B3 de VE e VD, além de acentuação do componente
pulmonar da 2a bulha. Cursa menos comumente com edema agudo de pulmão.

Insuficiência mitral aguda grave pode resultar da ruptura de músculo papilar


e cordas tendíneas ou da disfunção do músculo papilar. É mais comum no
infarto inferoposterior, mas pode ocorrer em qualquer localização do infarto.
A ruptura do músculo posteromedial é mais comum do que a do anterolateral.
Caracteriza-se por dispneia abrupta com edema agudo de pulmão e
hipotensão que pode evoluir para o CC. Ao exame físico observa-se novo
sopro sistólico suave, sem frêmito, com sinais variáveis de sobrecarga
ventricular direita, edema pulmonar grave e choque cardiogênico. A
mortalidade com o tratamento clínico é de 90% e com o tratamento cirúrgico
varia de 40% a 90%. O comprometimento da massa ventricular é menos
extenso do que aquele encontrado na ruptura do septo interventricular, o
mesmo acontecendo com o acometimento das artérias coronárias.
Taquirritmias tais como fibrilação ou flutter atrial ou taquicardia ventricular.

7. Como ocorre a fisiopatologia do CC?

A oclusão trombótica aguda da porção proximal da artéria descendente anterior ou de


outro vaso de grande importância anatomofuncional leva à interrupção aguda e
completa do fluxo sanguíneo ao miocárdio. Esse fenômeno quando prolongado por
algumas horas, acarreta anóxia, hipóxia e isquemia no território irrigado pela artéria
ocluída, resultando num IAMCSST extenso. Segue-se uma acentuada hipocontratilidade
ventricular esquerda, com reduções do débito cardíaco, da pressão arterial e da
perfusão coronariana, o que deteriora progressivamente a função sistólica ventricular.

Observam-se também, em consequência do processo isquêmico agudo, o


comprometimento da função diastólica do ventrículo esquerdo, com aumento
significativo da pressão diastólica final do VE, congestão venocapilar pulmonar,
hipoxemia e agravamento do processo isquêmico-necrótico em curso. A hipoperfusão
sistêmica origina respostas neuro-humorais, mediadas pelos sistemas adrenérgico,
renina-angiotensina-aldosterona e arginina-vasopressina, com vasoconstricção
compensatória que, por sua vez, também contribui para a disfunção miocárdica. Os
agentes inotrópicos e vasoconstrictores melhoram temporariamente o débito cardíaco e
a perfusão sistêmica, porém não interrompem este ciclo vicioso.

O rápido emprego de contrapulsação intra-aórtica alivia a isquemia e mantém a


circulação, porém não constitui uma terapêutica definitiva. A recanalização precoce da
artéria coronária ocluída através de intervenção percutânea ou cirúrgica tem grande
impacto na reversão desta sequência fisiopatológica e no prognóstico.

A disfunção do ventrículo direito (VD) pode contribuir ou causar o choque, o que


ocorre em 5% dos casos de choque cardiogênico associados ao infarto do miocárdio. O
aumento da pressão diastólica final do VD acarreta um deslocamento do septo
interventricular para a esquerda, com aumento da pressão do átrio esquerdo e redução
da pressão de enchimento do VE e disfunção ventricular esquerda, em consequência à
alteração na geometria ventricular. A persistência do distúrbio hemodinâmico após
adequação da pré-carga do VD impõe o tratamento com agentes inotrópicos para
melhorar a performance cardíaca.

Estudos3,6 de autopsias mostraram que pelo menos 40% do miocárdio ventricular deve
estar envolvido (infartos novos e antigos) nos pacientes com choque circulatório. No
entanto, várias observações provenientes dos estudos Shock Trial9 e Shock Trial
Registry5,7 põem em dúvida essa tradicional fisiopatologia do choque cardiogênico:

A média dos valores da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE)


não estava acentuadamente reduzida e houve grandes variações das FEVE
e das dimensões ventriculares.

Os valores da FEVE são semelhantes em vigência do distúrbio circulatório do choque e


duas semanas depois, quando o estado funcional é totalmente diferente.
Aproximadamente 50% dos pacientes com choque cardiogênico têm dimensões
ventriculares esquerdas preservadas, o que pode representar falha do mecanismo de
dilatação aguda para manter o volume de ejeção, na fase inicial do IAM.

A média dos valores da resistência vascular sistêmica não era elevada.


Evidência clínica de síndrome de resposta inflamatória sistêmica.
A maioria dos sobreviventes apresenta classe funcional I (NYHA) a longo-
prazo.

Hochman et al.9 elaboraram o novo paradigma fisiopatológico dos pacientes com


choque circulatório miopático após IAM, envolvendo a síndrome de resposta
inflamatória sistêmica (Figura 2). Essa síndrome pode ser desencadeada por inúmeros
estímulos não infecciosos: traumas, circulação extracorpórea, pancreatite, grandes
queimaduras, dentre outros. O IAM extenso leva à liberação sistêmica de interleucinas
inflamatórias (fator de necrose tumoral-α, interleucina-1, interleucina-6), que deflagram
as manifestações clínico-laboratoriais clássicas de inflamação: febre, leucocitose,
taquicardia, taquipneia, aumento de marcadores de fase aguda (proteína C-reativa,
proteína amiloide) e do complemento8.

O óxido nítrico (NO) é produzido a partir da L-arginina pela família das sintetases de
NO. Há três formas da óxido nítrico-sintetase (NOS): neural (n NOS), indutível (iNOS)
e endotelial (eNOS). O NO produzido em níveis baixos pela eNOS endotelial é uma
molécula protetora, com importante papel na regulação do tônus vascular basal, da
pressão arterial e da perfusão tissular. No entanto, os elevados níveis de óxido nítrico
liberados pelos macrófagos, através da iNOS, podem ser tóxicos para agentes
microbianos, parasitários ou tumorais, mas também para as células sadias.

As citocinas inflamatórias liberadas pelo infarto extenso, notadamente o fator de


necrose tumoral e a interleucina-1, induzem a expressão da iNOS com a consequente
produção de quantidades exuberantes de óxido nítrico, que reagem com o ânion
superóxido para originar formas tóxicas de NO, como o peroxinitrito.

O excesso de NO e peroxinitrito possuem efeitos deletérios de grande relevância


fisiopatológica para o desenvolvimento do choque cardiogênico: depressão da
contratilidade ventricular, supressão da respiração mitocondrial do miocárdio não
isquêmico, alterações glicêmicas, inflamação sistêmica, redução da responsividade às
catecolaminas e vasodilatação sistêmica9-13.

Figura 2
A clássica espiral fisiopatológica do choque miopático está à direita, em preto. O papel da síndrome de resposta
inflamatória sistêmica do choque cardiogênico está à esquerda, em vermelho
Fonte: adaptada de Hochman et al.9

Trabalho experimental de IAM demonstrou que animais geneticamente modificados,


para não expressar iNOS, tiveram melhor performance ventricular esquerda e menor
mortalidade comparados ao grupo-controle14. Em modelos de isquemia e reperfusão, a
inibição da iNOS originou efeitos benéficos metabólicos, com redução do
estonteamento miocárdico e aumento do fluxo coronariano15.
Cotter et al.16 estudaram 11 pacientes com choque cardiogênico persistente apesar das
medidas terapêuticas empreendidas, tais como angioplastia primária, ventilação
mecânica, balão intra-aórtico de contrapulsação e aminas vasoativas. Inibidor de
síntese da NO-sintase (L-NAME) foi administrado em infusão de cinco horas com
acentuada melhora hemodinâmica, redução no tempo de ventilação mecânica e de
contrapulsação, alcançando 64% de sobrevida em um mês de acompanhamento (24%
no grupo-controle)16. No entanto, grande ensaio clínico multicêntrico, randômico e
controlado –TRIUMPH17 – não demonstrou redução na mortalidade de pacientes com
choque cardiogênico com a utilização do inibidor da óxido nítrico-sintase, a NG-
monometil-L-arginina17.

Lim et al.18 analisaram 62 pacientes com choque cardiogênico, e observaram 65% de


mortalidade, sendo que 22% devido à arritmia fatal, 35% com índice cardíaco baixo e
45% com índice cardíaco normal ou elevado. Apenas nove pacientes apresentaram
documentação de infecção. Concluiu-se que muitos pacientes com choque cardiogênico
morrem a despeito de um índice cardíaco normalizado, com choque distributivo e baixa
resistência vascular sistêmica18.

Menon19 concluiu que pacientes com choque cardiogênico miopático podem apresentar
síndrome clínica semelhante à sepse, com resistência vascular sistêmica normal ou
reduzida e aumento das citocinas inflamatórias19.

A ativação do complemento no IAM também é um importante mediador do processo


inflamatório relacionado aos infartos extensos, às lesões de reperfusão miocárdica e às
evoluções clínicas desfavoráveis. O Comma Trial20 analisou o uso do pexelizumab, um
inibidor do complemento (anticorpo anti-C5) em pacientes com IAM. Não houve
benefício da droga em limitar o tamanho do infarto, porém observou-se significativa
redução na mortalidade (90 dias). O sistema complemento é um mediador central da
inflamação e promove efeitos tóxicos às células, síntese de citocinas, aumento da
atividade da iNOS e apoptose. A inibição desses efeitos poderia prevenir a ocorrência
do choque cardiogênico. No entanto, essa hipótese não foi confirmada em trabalho
recente que analisou o efeito do pexelizumab nos pacientes com infarto agudo do
miocárdio submetidos à angioplastia primária21.

Estudo de Kohsaka11 et al. verificou que aproximadamente 20% dos pacientes com
infarto agudo do miocárdio e choque cardiogênico apresentavam grave síndrome de
resposta inflamatória sistêmica e, naqueles com resultados positivos de rastreamento
microbiológico, observou-se risco dobrado de mortalidade, quando comparados aos
que não tiveram culturas positivas. Concluiu-se que a redução da resistência vascular
sistêmica, no início da síndrome do choque circulatório, em pacientes que apresentaram
positividade nas culturas, poderia significar que a vasodilatação inapropriada tenha
papel relevante na fisiopatologia e no mecanismo de manutenção do choque,
constituindo risco para infecção11.

8. Qual é a abordagem diagnóstica empregada no CC?

Eletrocardiograma

A realização do eletrocardiograma faz parte do diagnóstico de IAM e auxilia na


definição da necessidade de reperfusão de emergência (supradesnivelamento do
segmento ST). Também é importante no diagnóstico de arritmias que possam estar
contribuindo para a hipotensão.

Achados laboratoriais

Os achados laboratoriais mais sugestivos de choque são acidose metabólica


(bicarbonato <20mEq/l, pH <7,3, BE <0) e o aumento do lactato sérico. Observa-se
também acidose metabólica associada à alcalose respiratória, hipoxemia, leucocitose
ou leucopenia, trombocitopenia, aumento de escórias nitrogenadas, aumento das
transaminases, das bilirrubinas, das enzimas pancreáticas, redução dos níveis de
albumina e alterações nos parâmetros da coagulação (prolongamento do TAP e PTT,
redução dos níveis de fibrinogênio e aumento dos produtos de degradação da fibrina).
Esses distúrbios laboratoriais atestam a natureza sistêmica e o acometimento orgânico
múltiplo da síndrome do choque circulatório22-25.

Radiografia de tórax

Apesar das limitações do método quando realizado em pacientes gravemente enfermos


e acamados, pode auxiliar no diagnóstico da causa de base e na documentação da
congestão pulmonar.

Ecocardiografia

Quando o choque cardiogênico é suspeito, a avaliação deve começar com a realização


de ecocardiografia com Doppler de fluxo em cores. É possível a avaliação da função
ventricular esquerda (global e segmentar) e direita, a detecção de tamponamento
cardíaco, de insuficiência valvar grave, da ruptura ventricular septal e da dissecção
aórtica proximal.

O ecocardiograma transtorácico é normalmente realizado. No entanto, pode ser difícil


obter imagem adequada com essa modalidade em pacientes criticamente enfermos
(janela acústica ruim), especialmente naqueles sob ventilação mecânica. Nesse
contexto, o ecocardiograma transesofágico (ETE) pode ser necessário. O ETE não é a
primeira escolha em todos os pacientes porque existe algum risco inerente ao
procedimento (lembrar que são paciente graves, muitas vezes anticoagulados,
hipotensos e em franca insuficiência respiratória, que não tolerariam bem a sedação
necessária ao procedimento).

Monitorização hemodinâmica

Os critérios hemodinâmicos definidores do choque cardiogênico podem ser


confirmados pela inserção de cateter de artéria pulmonar (cateter de Swan-Ganz) e pela
monitorização invasiva da pressão arterial (linha arterial). Segundo as orientações do
American College of Cardiology / American Heart Association (ACC/AHA)26 a
cateterização da artéria pulmonar deve ser realizada nas seguintes situações:

Em pacientes com hipotensão progressiva, quando não respondem à


administração de volume ou quando a administração de volume está
contraindicada.
Em pacientes com suspeita de complicações mecânicas do infarto (ruptura do
septo ventricular, ruptura de músculo papilar ou ruptura da parede livre).

O cateterismo da artéria pulmonar também pode ser considerado útil nas seguintes
situações:

Na presença de hipotensão arterial em paciente sem congestão pulmonar que


não respondeu à tentativa inicial de administração de volume.
No diagnóstico e manejo do choque cardiogênico.
Durante a administração e titulação de vasopressores e/ou inotrópicos.
Na insuficiência cardíaca ou edema pulmonar graves ou progressivos que
não respondem rapidamente ao tratamento.
Na presença de sinais persistentes de hipotensão ou hipoperfusão, sem
congestão pulmonar.

Seguindo as orientações da ACC/AHA26, a monitorização invasiva da pressão arterial


deve ser realizada nas seguintes situações (Quadro1):

Na vigência de choque cardiogênico com hipotensão arterial grave.


Durante a administração de drogas vasoativas e/ou inotrópicas.

Quadro 1
Perfil hemodinãmico do choque cardiogênico e suas diversas etiologias

PVC=pressão venosa central; POAP=pressão de oclusão da artéria pulmonar; DC=débito cardíaco; RVS=resistência
vascular sistêmica; PDFAP=pressão diastólica final da artéria pulmonar; VD=ventrículo direito

Cinecoronariografia

A definição precoce da anatomia coronariana é essencial no manejo dos pacientes com


choque cardiogênico de origem isquêmica. Recomenda-se nos Estados Unidos26, que os
pacientes atendidos em hospitais comunitários com IAM e choque cardiogênico sejam
imediatamente transferidos para centro capacitado para intervenção coronariana. O
intervalo de tempo transcorrido até o estabelecimento da reperfusão da artéria
relacionada ao infarto tem grande impacto no prognóstico nos pacientes com choque
cardiogênico.

No diagnóstico e acompanhamento do choque cardiogênico, a avaliação laboratorial


também é importante e inclui:
Monitorização de eletrólitos - Cujos distúrbios podem predispor a arritmias;
Hemograma completo -Monitorização do hematócrito e hemoglobina
(importante em pacientes isquêmicos), acompanhamento da leucometria
(diagnóstico de processos infecciosos) e da plaquetometria (importante em
paciente anticoagulados e antiagregados);
Escórias nitrogenadas - Dosadas para acompanhamento da função renal e
ajuste de doses de drogas;
Glicemia - Importante na manutenção de adequado controle glicêmico;
Coagulação - Importante no controle de tratamento e no preparo para
procedimentos invasivos;
Gasometria arterial - Avaliação dos distúrbios metabólicos (geralmente
acidose) e respiratórios (por exemplo a hipoxemia na congestão pulmonar);
Saturação de oxigênio no sangue venoso central ou no sangue venoso misto -
Auxiliar no diagnóstico e no controle evolutivo do tratamento/perfusão
tecidual;
Lactato arterial e deltaCO2 - Importante na análise evolutiva da perfusão
tecidual;
Marcadores de necrose miocárdica - Importantes para a confirmação
diagnóstica e para o diagnóstico de reinfarto (nova elevação de CKMB
massa);
Marcadores inflamatórios -como a proteína C-reativa;
Marcadores de lesão/disfunção orgânica. Exemplo: função hepática.

9. Qual é o tratamento do CC?17,18

O tratamento do choque cardiogênico se baseia primordialmente no tratamento da causa


básica e no suporte às funções vitais. Causas reversíveis de choque devem ser
prontamente reconhecidas e tratadas (por exemplo, tamponamento cardíaco e
pneumotórax hipertensivo).
Todo paciente em choque cardiogênico deve ser acompanhado em ambiente de terapia
intensiva sob monitorização contínua.
Tratamento do infarto agudo do miocárdio

Como na maioria dos pacientes o choque cardiogênico se segue ao infarto agudo do


miocárdio, o tratamento clínico deste, seguindo protocolos baseados em evidências, é
de extrema importância.

A presença de hipotensão arterial impedirá a abordagem inicial com o uso de morfina,


nitrato e betabloqueadores, porém deve-se prontamente administrar AAS 200mg oral e
instituir suporte ventilatório com oxigênio. A oferta de oxigênio deve ser guiada pela
monitoração com oximetria de pulso.

Quando administrada a pacientes hipotensos, a fibrinólise é relativamente ineficaz, com


taxas de sobrevida a longo-prazo entre 32% e 55%, no período de acompanhamento de
até 11 anos. No entanto, os fibrinolíticos podem ser empregados na impossibilidade de
se realizar intervenção coronariana25. A trombólise exige pressão de perfusão
coronariana adequada para que seja efetiva. Quando se optar pela fibrinólise, esta deve
ser realizada em conjunto com método de suporte hemodinâmico que aumente a
perfusão coronariana (suporte circulatório mecânico por balão intra-aórtico). A
trombólise é indicada quando não existe possibilidade de angioplastia (serviços sem
hemodinâmica, distantes de centros de referência ou quando o transporte do paciente é
contraindicado).

A definição da anatomia deve ser seguida rapidamente pela definição da modalidade de


revascularização. Orientações do ACC/AHA recomendam26 a realização de
intervenção percutânea ou cirurgia de revascularização miocárdica em até 18 horas
após o início do choque em pacientes infartados, com idade <75 anos que desenvolvam
choque cardiogênico em até 36 horas do início do IAM (recomendação classe I).
Pacientes >75 anos também podem ser candidatos ao tratamento de revascularização,
mas com menor nível de evidência (classe IIa)26.

A intervenção coronariana percutânea (ICP) é na maioria das vezes o tratamento de


escolha. Recomenda-se a ICP da artéria relacionada ao infarto aos pacientes com
lesões uni ou bivasculares. O registro americano de infarto (National Registry of
Myocardial Infarction-NRMI-4)27 demonstrou redução da mortalidade, na fase
hospitalar do choque cardiogênico, de 60,3% em 1995 para 47,9% em 2004, sendo a
ICP primária variável prognóstica independente.

O Shock Trial9 demonstrou significativo benefício da revascularização miocárdica


precoce em relação à abordagem conservadora de estabilização, com aumento absoluto
de 13% na taxa de sobrevida em um ano, correspondendo ao NNT <8 para salvar uma
vida. No seguimento a longo-prazo, média de seis anos, verificou-se a manutenção do
benefício da estratégia de revascularização precoce em relação à de estabilização
médica inicial, com taxas de sobrevida, respectivamente, de 62,4% e 44,4%; ou seja,
2/3 dos pacientes submetidos à revascularização precoce, que receberam alta
hospitalar, permaneceram vivos após seis anos. As taxas de sobrevida a longo-prazo,
em outros estudos variaram entre 32% (6 anos) e 55% (11 anos).

A relação entre o fluxo coronariano e a sobrevida após o infarto agudo do miocárdio


foi demonstrada por Stone et al.28, que analisaram as relações entre os fluxos
coronarianos na artéria relacionada ao IAM, antes e após a intervenção coronariana
primária e a taxa de sobrevida em seis meses. Quando havia fluxo TIMI-3 pré e pós-
intervenção, a sobrevida foi 100%; quando o fluxo era TIMI 0 a 2 antes e TIMI-3 após
a ICP, a mortalidade foi 3,6%; mas com a manutenção de fluxo TIMI 0 a 2 após o
procedimento, observou-se elevação da taxa para 8,6%28.

Web et al.29 analisaram os seguintes intervalos para a reperfusão: até 3 horas, entre 3-6
horas, e ≥6 horas, e observaram as seguintes taxas de mortalidade, respectivamente:
31%, 50% e 62%29. O tratamento de reperfusão tem benefício quando ocorre até 12-18
horas do início do choque7-10,22,23,30,31.

A qualidade da ICP primária no choque cardiogênico, atestada pela precocidade da sua


realização e da obtenção da taxa de fluxo TIMI-3, é fator fundamental na determinação
do prognóstico, dessa grave enfermidade32-34.

A utilização de stents e de abciximab na intervenção percutânea foi variável


prognóstica independente para mortalidade nos pacientes com IAM complicado pelo
choque cardiogênico33-35.

Os benefícios do abciximab, nesse contexto, podem ser explicados pelos seguintes


aspectos: aumento da taxa de fluxo TIMI-3; redução do fenômeno de no-reflow;
redução do grau de estenose residual da lesão; aumento da recuperação contrátil,
regional e global, do ventrículo esquerdo; interação sinérgica com os stents e atividade
anti-inflamatória. A utilização do fármaco reduz em 50% a taxa de eventos graves
combinados (morte, reinfarto e revascularização do vaso-alvo) em 30 dias36,37.

Numa série de angioplastia primária, em único centro hospitalar, analisada pelo


autor33,34, verificou-se a presença de choque cardiogênico em 18% dos pacientes,
superior às taxas de outros trabalhos (7-10%)38,39, provavelmente devido ao fato de a
instituição ser referência na área cardiológica. No subgrupo com choque cardiogênico,
o intervalo de tempo porta-balão mediano foi 66min, a taxa de fluxo TIMI-3 após a ICP
foi 81,2%, foram implantados stents em cerca de 80% e utilizou-se abciximab em 84%
dos pacientes33,37. O conjunto desses fatores explica a reduzida mortalidade na fase
hospitalar de 27%33. Destaca-se que a mortalidade para os pacientes com idade >75
anos foi 46,7%, justificando o tratamento intervencionista e precoce nos mais idosos,
observando-se as particularidades clínicas de cada caso33,39. No registro americano, no
mesmo período (1999-2003) a mortalidade foi em média de 31% para aqueles com
idade <75 anos e de 53% para os pacientes com idades mais avançadas40.

A letalidade a longo prazo (28 meses em média) foi 40,5%33,34, comparando-se


favoravelmente àquela obtida em um ano (54%), num grande estudo de choque
cardiogênico, que demonstrou benefícios da ICP ao longo do tempo41.

No Shock Trial9, 40% dos pacientes revascularizados precocemente foram submetidos


à cirurgia, e a mortalidade cirúrgica foi menor que àquela observada com a ICP (28%
vs. 46%, respectivamente)42. No registro americano, a taxa de cirurgia de
revascularização é muito menor e vem diminuindo recentemente, de 11,5% para 8,8%40.
A Diretriz de Intervenção Coronariana Percutânea43, publicada em 2011, recomenda o
tratamento angioplástico para pacientes com IAM complicado por choque cardiogênico
(classe I com nível B de evidência)43.

Nas lesões trivasculares, com oclusão da ARI e lesões <90% nos dois outros
principais, aconselha-se intervenção imediata na ARI e revascularização completa
depois. No caso de lesões graves no tronco da coronária esquerda ou dos três vasos
>90%, a indicação seria de cirurgia de revascularização imediata43.

Uma vez que 87% dos pacientes com choque cardiogênico têm acometimento
multivascular, a discussão se situa sobre as modalidades de revascularização: ICP, ICP
de múltiplos vasos ou cirurgia. Observa-se nítida tendência nos últimos anos, de
aumento das intervenções percutâneas múltiplas, embora a Sociedade Americana9 de
Cardiologia recomende a revascularização cirúrgica para a doença trivascular grave9.
Diretriz43 recentemente publicada recomenda a revascularização completa nos
pacientes com choque cardiogênico, devendo-se realizar a intervenção percutânea em
todos as grandes artérias epicárdicas com estenoses críticas43.

Manejo transfusional
Pacientes instáveis podem se beneficiar de um protocolo transfusional baseado na
medida da saturação venosa central, sendo o gatilho (trigger) para hemotransfusão uma
saturação venosa central de oxigênio <70% (considerando hematócrito <30%,
hemoglobina <10g/dL e o paciente já adequadamente ressuscitado
hemodinamicamente).

Em pacientes estáveis hemodinamicamente com déficits perfusionais resolvidos e na


ausência de isquemia miocárdica, hipoxemia grave, hemorragia aguda, cardiopatias
cianóticas ou acidose lática, recomenda-se a adoção de uma estratégia restritiva com
hemotransfusão apenas quando a hemoglobina se encontrar <7g/dL, almejando-se uma
taxa de 7g/dL em adultos.

Em pacientes com doença arterial coronariana, níveis de hemoglobina que deveriam


indicar a hemotransfusão ainda não estão bem definidos pela enorme quantidade de
dados contraditórios na literatura. Embora o real benefício da transfusão nesse grupo de
pacientes nunca tenha sido diretamente provado, as práticas transfusionais atuais
terminam por aumentar o uso de concentrado de hemácias (CH) nos pacientes com
doença cardíaca isquêmica, a ponto de este grupo específico ser responsável por
14,3% de todas as transfusões de CH realizadas. À luz dos dados atualmente
disponíveis, pode-se inferir apenas que, normalmente, não são necessários níveis de
hematócrito >30% (podendo a hemotransfusão nesse caso aumentar a mortalidade); em
pacientes com doença coronariana instável, níveis próximos a 30% talvez fossem os
mais indicados (principalmente para os pacientes que se apresentam com síndromes
coronarianas agudas com supra de ST, não ficando tão claro o benefício para aqueles
com síndromes sem supra); e que pacientes com doença coronariana estável podem
tolerar hematócritos de 25% sem a necessidade de hemotransfusão.

A melhor abordagem desse grupo de pacientes com doença arterial coronariana


provavelmente é a reavaliação constante do balanço entre a oferta miocárdica de
oxigênio e a demanda (alterações dinâmicas do eletrocardiograma, ecocardiograma,
saturação venosa de oxigênio, etc.) hemotransfundindo quando a oxigenação for
inadequada e a adoção de medidas não transfusionais não for possível ou não surtir
efeito (Ex.: redução da frequência cardíaca). Vale destacar também, que muitas vezes
essas alterações são reversíveis com práticas transfusionais mínimas (com um aumento
de 1-2g/dL da taxa de hemoglobina).

Manejo de volume
A hipovolemia pode estar presente nesses pacientes e contribuir para a má perfusão
orgânica. A reposição de volume é difícil e idealmente deve ser feita de forma
judiciosa, com etapas de aproximadamente 250mL, e guiada pela união de parâmetros
clínicos, laboratoriais e hemodinâmicos. O exame físico com ênfase na ausculta
pulmonar deve ser realizado antes e depois de cada etapa de volume. O débito urinário
deve ser monitorado. Parâmetros laboratoriais que indiquem a adequação da
microcirculação/perfusão tecidual (saturação venosa central ou de sangue venoso
misto, deltaCO2, lactato) devem ser utilizados como meta de tratamento.

Pacientes que não tenham respondido à prova inicial de volume ou que já apresentem
sinais de grave congestão pulmonar devem ser monitorados de forma invasiva, e a
reposição de volume guiada pela avaliação evolutiva de parâmetros hemodinâmicos: a
cada etapa de volume devem ser avaliadas as alterações na pressão capilar pulmonar e
no débito cardíaco. Se possível, um método de avaliação de parâmetros
hemodinâmicos dinâmicos, ao invés de parâmetros estáticos, deve ser utilizado para
guiar a terapêutica.

O líquido utilizado, se cristaloide ou coloide, não interfere no resultado final. O uso de


coloides, no entanto, envolve maiores custos.

Controle da inflamação sistêmica

Analisando-se a fisiopatologia do choque cardiogênico, era de se supor que a redução


das elevadas concentrações de óxido nítrico pudessem diminuir a sua mortalidade. No
entanto, o estudo TRIUMPH17 falhou em demonstrar benefícios do uso de tilarginina
(um inibidor não específico da óxido nítrico-sintase) na redução da mortalidade em 30
dias no CC consequente a IAM, com artéria culpada reperfundida com sucesso,
ocorrendo inclusive aumento da mortalidade no grupo que utilizou essa droga17.

Suporte ventilatório

Em todos os pacientes com choque cardiogênico devem ser mantidas adequadas a


ventilação e a oxigenação. Para tal, pode ser necessária a utilização de ventilação
invasiva ou não invasiva com o intuito de se manter adequado suprimento de oxigênio
em situações de insuficiência respiratória. Nesses pacientes a insuficiência respiratória
pode ser secundária à congestão pulmonar ou estar relacionada a outras causas como
embolia pulmonar ou sepse pulmonar.
A utilização do suporte não invasivo muitas vezes já é suficiente para garantir a
adequação da saturação de oxigênio, a redução do trabalho respiratório e o conforto do
paciente, reduzindo a necessidade de entubação traqueal e suporte invasivo. Pacientes
com alteração do nível de consciência podem necessitar da entubação traqueal para
proteção de vias aéreas.

Suporte circulatório

O suporte circulatório pode ser dividido em tratamento farmacológico e não


farmacológico44,45.

Tratamento farmacológico

No tratamento farmacológico do choque cardiogênico, com o intuito de manter a


perfusão tecidual, podem ser utilizadas drogas que melhorem a contratilidade cardíaca
(inotrópicos positivos) ou drogas que aumentem a resistência vascular periférica
(vasopressores).

A escolha da droga pode ser guiada pelo nomograma abaixo. Já a sua titulação deve
envolver, assim como o manejo de volume, a união de parâmetros clínicos,
laboratoriais e hemodinâmicos.

Dopamina O aumento do consumo miocárdico de oxigênio associado à


vasoconstricção coronária resultantes do uso de altas doses de dopamina pode resultar
em isquemia miocárdica em pacientes com cardiopatia isquêmica. Outro efeito
indesejável da dopamina nesses pacientes seria seu efeito arritmogênico. Apesar de seu
efeito inotrópico positivo, a dopamina eleva a pressão capilar pulmonar. Ampla faixa
de doses (3-20mcg/kg/min) com efeitos dose-dependentes em receptores
dopaminérgicos e adrenérgicos.

Norepinefrina Aumenta substancialmente o fluxo coronariano, tanto por efeito dilatador


direto quanto pela elevação da pressão arterial. Seu efeito de elevação da resistência
vascular periférica limita a melhora do débito cardíaco e aumenta o trabalho
miocárdico. Também eleva a pressão capilar pulmonar. Dose inicial: 0,1mcg/kg/min
com titulação até doses tão altas quanto 2,0mcg/kg/min.

Vasopressina-hormônio antidiurético é liberada pela hipófise e age nos receptores V2


dos túbulos coletores renais com reabsorção de água. A segurança e a eficácia da
vasopressina como agente pressórico no choque cardiogênico não foram definidas.
Tanto a vasoconstricção como a vasodilatação coronariana já foram demonstradas em
modelos experimentais do fármaco. A vasopressina, em concentrações elevadas
restabelece o tônus vascular nos estados de choque vasoplégico, de etiologias séptica
ou cardiogênica, agindo sobre os receptores V1 na musculatura lisa vascular e na
modulação de canais de potássio e do metabolismo do óxido nítrico.

Estudo prospectivo45 demonstrou que, em pacientes com choque cardiogênico


associado ao IAM e hipotensão arterial refratária à dopamina, a adição de vasopressina
aumentou significativamente a pressão arterial média e não afetou os valores do índice
cardíaco, nem da pressão de oclusão da artéria pulmonar. A adição de norepinefrina
aumentou a PAM, mas também a pressão de oclusão da artéria pulmonar, o índice
cardíaco e o poder cardíaco. Além disso, a adição de vasopressina aumentou o débito
urinário e a perfusão tissular avaliada pela tonometria gástrica, além de reduzir a
frequência de taquiarritmias, quando comparada à norepinefrina45.

O ensaio clínico randômico e controlado norepinefrina isolada com a associação de


norepinefina e vasopressina em pacientes com choque séptico, e não mostrou diferenças
no prognóstico. Doses altas de vasopressina foram relacionadas à isquemia cardíaca,
esplâncnica e periférica (digital), devendo ser empregadas apenas no contexto de
refratariedade aos demais vasoconstrictoresVASST46 comparou a utilização de 46. A
terlipressina tem efeitos farmacodinâmicos semelhantes aos da vasopressina, porém
com duração mais prolongada47.

Recomenda-se a monitoração do débito cardíaco quando forem utilizados agentes com


ação vasoconstrictora exclusiva48. Ainda não há estudos randômicos para a definição
do melhor esquema farmacológico inotrópico e pressórico no choque cardiogênico
relacionado ao infarto do miocárdio48.

A discussão sobre a melhor abordagem inicial com vasopressores após a infusão de


volume permanece controversa. Embora a AHA recomende iniciar o tratamento do CC
com dopamina26, a utilização da norepinefrina como terapêutica inicial do CC
demonstrou que essa droga é bem tolerada, aumentando a perfusão tissular sem
promover aumento do consumo de oxigênio26.

Dobutamina - Reduz as pressões de enchimento. Aumenta o débito cardíaco e o volume


sistólico. Com seu uso em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada a
resistência vascular periférica ou não se altera ou sofre pequena redução; entretanto seu
efeito na resistência vascular de pacientes em choque cardiogênico, principalmente
quando hipovolêmicos, é difícil de ser predito, podendo ocorrer hipotensão. O aumento
da frequência cardíaca e seu efeito arritmogênico limitam a elevação da dose. O
aumento do consumo miocárdico pelo efeito inotrópico positivo pode piorar a
isquemia. Seus efeitos apresentam tolerância após alguns dias de uso. Dose inicial:
2,5mcg/kg/min com titulação até 20mcg/kg/min.

Inibidores da fosfodiesterase III (amrinona, milrinona) - Levam ao aumento da


contratilidade e vasodilatação periférica (queda da resistência vascular periférica) com
consequente aumento do débito cardíaco. Promove vasodilatação coronariana e
redução da resistência vascular pulmonar. Provoca redução da sobrevida das plaquetas
com consequente plaquetopenia. Pode ser utilizada em substituição (após
desenvolvimento de tolerância) ou associada à dobutamina. Tem seu uso contraindicado
em pacientes com hipotensão grave. Dose inicial (milrinona): dose de ataque com
50mcg/kg, seguida de manutenção com infusão contínua de 0,37mcg/kg/min a
0,75mcg/kg/min.

Levosimendam - Agente inotrópico sensibilizador de cálcio. Aumenta o débito cardíaco


sem aumento do consumo de oxigênio (melhora da eficiência cardíaca) e reduz a
pressão capilar pulmonar. Seu uso pode se associar com o prolongamento do intervalo
QT. Os estudos comparativos com a dobutamina apresentaram resultados controversos.
Pode ser utilizado em pacientes usuários de betabloqueador sem consequências em seus
efeitos benéficos, diferente de fármacos catecolaminérgicos como a dobutamina. Dose
inicial: dose de ataque com 12mcg/kg/min a 24mcg/kg/min infundida em 10 minutos,
seguida de manutenção com infusão contínua de 0,1mcg/kg/min a 0,2mcg/kg/min por 24
horas. No entanto, não há dados em estudos randômicos para indicar a utilização do
fármaco nos pacientes com choque cardiogênico.

Medicações comprovadamente relacionadas à redução de mortalidade de pacientes


com insuficiência cardíaca devem ser introduzidas após a estabilização dos pacientes.
Ao longo da primeira semana após a estabilização devem ser iniciados inibidores da
enzima conversora da angiotensina e espironolactona. Betabloqueadores devem ser
iniciados somente em pacientes totalmente estabilizados, sem uso de inotrópicos ou
vasopressores, e titulados lentamente.

Tratamento não farmacológico Suporte circulatório mecânico


Baseia-se na instalação de dispositivos auxiliares à circulação. Deve ser considerado
em situações específicas, como nas complicações mecânicas do IAM e no choque
cardiogênico refratário ao tratamento farmacológico.

Balão intra-aórtico (BIA): É o método de suporte circulatório mecânico mais


comumente utilizado. Um cateter-balão é instalado na aorta torácica descendente de
forma que a sua extremidade distal fique posicionada abaixo da emergência da artéria
subclávia esquerda. Através da contrapulsação diastólica eleva a pressão de perfusão
diastólica coronariana e reduz a pós-carga sistólica. O sincronismo é estabelecido por
eletrocardiograma, onda de pressão arterial invasiva ou por marca-passo externo49.

O correto controle do tempo de insuflação e de esvaziamento do balão é fundamental


para o seu ótimo funcionamento. O BIA favorece o equilíbrio entre a oferta e a demanda
de oxigênio ao mesmo tempo em que eleva o débito cardíaco. É possível iniciar o
desmame do BIA quando o paciente apresenta melhora hemodinâmica com uso de
baixas doses de inotrópicos e ausência de uso de vasopressores. Insuficiência valvar
aórtica, dissecção aórtica e doença aortoilíaca grave são contraindicações absolutas à
contrapulsação. Devido à necessidade de anticoagulação durante o seu uso, diáteses
hemorrágicas são contraindicações relativas ao uso da contrapulsação.

A exata ação do BIA na microcirculação permanece controversa. Recentemente foi


relatado que a retirada do BIA aumentou de forma paradoxal o fluxo na
microcirculação. Esses dados foram independentes dos parâmetros hemodinâmicos e
oximétricos22.

A instalação sistemática de BIA no CC decorrente de IAM vem sendo questionada,


especialmente nos pacientes submetidos à revascularização precoce por angioplastia
coronariana23.

Dispositivos de assistência ventricular (leia o artigo): Pode assistir o ventrículo


direito, esquerdo ou ambos através da circulação por bomba centrífuga com produção
de fluxo contínuo. Podem ser utilizados em conjunto com o BIA, naqueles pacientes em
choque cardiogênico refratário após a associação do tratamento farmacológico com o
BIA. É considerado um procedimento “ponte” para a revascularização miocárdica ou
transplante cardíaco49.

O suporte circulatório mecânico temporário com assistência ventricular esquerda tem


como premissa a interrupção da espiral fisiopatológica de isquemia, hipotensão,
disfunção ventricular e reversão dos distúrbios neuro-humorais49. Entretanto, as
complicações relacionadas aos dispositivos e à síndrome de disfunção orgânica
constituem, na prática, importantes limitações. O princípio do dispositivo de
assistência ventricular (LVAD) consiste na circulação de sangue oxigenado através de
um dispositivo que drena o sangue do lado esquerdo do coração e retorna pelas artérias
sistêmicas com fluxo pulsátil ou contínuo. Os dispositivos implantados cirurgicamente
removem o sangue através de uma cânula colocada no ápice do ventrículo esquerdo e
retorna o sangue para a porção ascendente da aorta. Os LVAD também podem ser
implantados pela via percutânea.

O Tandem Heart é um exemplo de dispositivo, de curta permanência, de inserção


percutânea, de nova geração de bomba centrípeta de fluxo contínuo, com utilização de
uma cânula venosa de influxo colocada no átrio esquerdo, através de punção transeptal
e dilatação da fossa oval. Uma cânula de 17 french é introduzida na artéria femoral e as
duas cânulas são conectadas a uma bomba centrífuga extracorpórea através de tubos. O
sangue oxigenado é removido do átrio esquerdo e retorna para a artéria femoral, com
perfusão retrógrada da aorta abdominal50 (Veja a figura: Diagrama da inserção
transeptal do cateter e cânula arterial conectada à bomba centrífuga Tandem Heart. No
canto superior direito, observa-se o cateter transeptal no átrio esquerdo, com o orifício
final grande e 14 orifícios laterais).

IMPELLA, outro dispositivo percutâneo, é uma bomba de fluxo axial e contínuo,


equipado com cateter pig-tail na extremidade, inserido através da valva aórtica no
ventrículo esquerdo. A estenose aórtica e a presença de prótese mecânica em posição
aórtica são contraindicações ao implante. Esses dispositivos, devido à elevada
velocidade de rotação, podem provocar hemólise significativa50 (Veja a figura: bomba
de fluxo axial posicionada através da valva aórtica, no ventrículo esquerdo).

Apesar da melhora hemodinâmica promovida pelos dispositivos percutâneos de


assistência ventricular esquerda (Tandem HeartTM, Impella) eles não se mostraram
superiores em termos de aumento da sobrevida inicial quando comparados com o BIA,
permanecendo, nesse momento, como abordagem terapêutica sequencial ao BIA nos
portadores de CC refratário até que seja possível a terapia definitiva24.
Contraindicações ao estabelecimento de suporte circulatório mecânico:

Ressuscitação cardiopulmonar prolongada com perfusão inadequada


Idade avançada
Neoplasia avançada
Disfunção orgânica pré-existente: doença pulmonar obstrutiva crônica
avançada, doença pulmonar intersticial, cirrose hepática, acidente vascular
encefálico prévio com sequela grave, demência e insuficiência renal crônica
terminal, sendo esta última uma contraindicação relativa;
Contraindicação à anticoagulação (relativa)
Contraindicação ao transplante cardíaco (relativa)

O suporte circulatório extracorpóreo (ECLS) envolve a circulação extracorpórea do


sangue através de um oxigenador de membrana, substituindo as funções dos ventrículos
esquerdo e direito e dos pulmões. A anticoagulação é necessária para a circulação
extracorpórea e para os LVAD percutâneos, sendo opcional para os cirúrgicos.

O uso sequencial de ECLS e dos LVAD tem ocorrido em pacientes com choque
cardiogênico, geralmente como ponte para o transplante cardíaco5. Estudo51
retrospectivo de 138 pacientes com choque cardiogênico após IAM com supradesnível
de ST analisou dois grupos: um conservador, que recebeu apenas tratamento médico
intensivo e balão intra-aórtico; e o agressivo, que foi tratado com angioplastia, cirurgia
e/ou suporte circulatório mecânico (ECMO - oxigenador com membrana extracorpórea-
e/ou LVAD) como ponte para o transplante. O grupo que recebeu revascularização teve
menor mortalidade que o conservador (63% vs. 81%). O subgrupo de revascularização
que recebeu dispositivo de assistência circulatória/transplante teve menor mortalidade
que aquele sem os dispositivos (33% vs. 63%). O benefício da redução de mortalidade
se estendeu ao longo do período de seguimento de 48±16 meses51.

Na maior série de pacientes com choque cardiogênico pós-infarto, que receberam


LVAD demonstrou-se que 74% dos pacientes sobreviveram para o transplante e que
87% dos transplantados sobreviveram até a alta hospitalar40. Contudo, estudo sobre o
tratamento cirúrgico com LVAD, associado ou não à cirurgia de revascularização do
miocárdio, mostrou que houve aumento da mortalidade com a utilização dos
dispositivos precocemente após a cirurgia51.

Estudo52 randômico comparou o Tandem Heart com o balão intra-aórtico nos pacientes
com choque cardiogênico após o IAM. No primeiro, com 41 pacientes, constatou-se
benefício hemodinâmico do LVAD em relação ao BIA, porém houve maior número de
complicações com os dispositivos, tais como hemorragia grave, isquemia de membros
ou febre. As taxas de mortalidade em 30 dias foram, respectivamente, 42% no primeiro
grupo e 45% no segundo (p=0,86)52.

Resultados semelhantes foram observados num segundo ensaio multicêntrico


randômico. Concluiu-se que houve melhora nas variáveis hemodinâmica e metabólica
nos pacientes que receberam o dispositivo percutâneo de assistência circulatória,
porém estes apresentaram maior incidência das síndromes de resposta inflamatória
sistêmica e de disfunção de múltiplos órgãos, não havendo diferença entre as taxas de
mortalidade entre os dois grupos50,53.

Os dispositivos de assistência circulatória podem ser indicados para terapia de destino


em pacientes viáveis com choque cardiogênico refratário, que podem ou não ser
candidatos ao transplante cardíaco.

Ensaios clínicos randômicos são necessários para a avaliação mais completa do papel
das diferentes modalidades de suporte circulatório nos pacientes com choque
cardiogênico após infarto.

Suporte metabólico
Manter controle glicêmico de acordo com protocolos locais.

10. Qual o prognóstico do CC? 5,11,13


A incidência de choque cardiogênico decaiu no últimos 30 anos, após a era da
reperfusão miocárdica, assim como a sua mortalidade, que no passado atingia taxas de
70% a 80% e hoje varia entre 40% e 60%. Acredita-se que esse declínico esteja
relacionado com a reperfusão precoce do IAM, tanto percutânea quanto cirúrgica26,27.
Mesmo assim, atualmente o CC é uma das maiores causas de óbito em pacientes
internados por infarto agudo do miocárdio.

Em relação às taxas de mortalidade relativas ao choque após IAM5:

Total: 60,1%
Miopático (insuficiência ventricular esquerda): 59,2%
Comunicação interventricular (CIV): 87,3%
Insuficiência mitral: 55%
Infarto do ventrículo direito: 55%
Tamponamento cardíaco: 55%

A estratégia de revascularização precoce instituída no protocolo do ensaio SHOCK9


mostrou benefícios em longo prazo. Com uma média de acompanhamento de seis anos,
demonstrou-se uma redução absoluta da taxa de mortalidade de 13,2% e relativa de
67% quando a estratégia de revascularização precoce foi comparada à estratégia de
estabilização com tratamento clínico, além de um NNT de oito. Foram descritas como
variáveis para a mortalidade em 30 dias: o índice cardíaco, a pressão arterial sistólica
em vigência de métodos de suporte, o trabalho sistólico do VE e o índice de força
cardíaco. As variáveis independentes associadas com a mortalidade de longo prazo
foram: idade, fração de ejeção do ventrículo esquerdo e creatinina sérica28.

A idade aumentada, a história de IAM prévio, a presença de oligúria e a existência de


alterações no nível de consciência são preditores de mortalidade em 30 dias, em
pacientes com choque cardiogênico após IAM com supradesnivelamento de ST que
receberam trombólise. Apesar de o choque ser mais comum no IAM com supra do
segmento ST, a taxa de mortalidade no choque cardiogênico é igual no IAM com e sem
supradesnivelamento de ST26.

Seis preditores de mortalidade parecem estar associados com a reperfusão percutânea


inadequada no CC: a idade, o sexo feminino, o nível sérico de creatinina, a obstrução
total da artéria descendente anterior e a impossibilidade do emprego associado de
stents e de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa29.

Analisando-se os registros30 de cerca de 700.000 pacientes submetidos à cirurgia de


revascularização do miocárdio acometidos ou não por choque cardiogênico observou-
se que apesar de os pacientes em CC serem a minoria, cerca de 2,1%, a associação foi
responsável por 14% de todas as mortes relacionadas à cirurgia de revascularização do
miocárdio. Essa taxa de mortalidade pode variar de acordo com a abordagem
cirúrgica: 20% na revascularização isolada, 33% quando há a necessidade de troca
valvar associada e 58% na correção da comunicação interventricular pós-IAM. Os
autores elaboraram um modelo preditivo de risco, empregando as seguintes variáveis:
tipo de cirurgia, idade, níveis séricos de creatinina no pré-operatório, fração de ejeção
do ventrículo esquerdo, sexo feminino, uso de balão de contrapulsação aórtico, cirurgia
cardíaca prévia, parada cardiorrespiratória prévia à cirurgia de revascularização, IAM
uma semana antes da cirurgia, terapia imunossupressora e status da cirurgia (salvação x
emergente ou urgente)30.

Durante a evolução do choque cardiogênico, aqueles pacientes que desenvolvem


insuficiência renal aguda apresentam pior prognóstico. Estudo canadense31, envolvendo
9750 pacientes em CC, evidenciou que a admissão em centro terciário que disponha de
cuidados terapêuticos invasivos foi um preditor independente de sobrevida,
demonstrando a necessidade de transferência desses pacientes o mais rápido
possível31.
As únicas variáveis hemodinâmicas obtidas nas primeiras 24 horas de admissão na
Unidade de Terapia Intensiva que foram significativamente associadas com a
mortalidade em 28 dias no CC foram: o índice cardíaco e o índice de força cardíaca
(pressão arterial média x índice cardíaco / 451)32.

Técnicas mais modernas de ecocardiografia empregando o Doppler tissular


demonstraram que os pacientes que apresentam maior velocidade sistólica na admissão
têm menores taxas de mortalidade, sinalizando um possível marcador que precisa de
investigação subsequente33. O marcador ideal que pudesse predizer a mortalidade no
CC ainda está por ser alcançado34.

Apesar de a mortalidade dos pacientes com choque cardiogênico ainda ser elevada,
83% dos pacientes que sobrevivem apresentam classe funcional I ou II em um anoo que
justifica a alocação de recursos médicos para o tratamento dessa grave enfermidade.41,

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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83.
TAQUIARRITMIA NO IAM E
INDICAÇÃO DE DESFIBRILADOR
IMPLANTÁVEL

Luis Felipe Camillis Santos


Nilson Araujo de Oliveira Júnior

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 61 anos, natural do Rio de Janeiro.
Queixa principal: “Muitos choques do aparelho”
HDA: Paciente dá entrada no setor de emergência relatando ser portador de
cardioversor-desfibrilador automático (CDI) implantado há quatro anos, tendo hoje
apresentado três choques deflagrados pelo dispositivo em intervalo de
aproximadamente oito horas. Relata ainda que sua história se iniciou há 15 anos quando
teve quadro de infarto anterior extenso, sendo atendido com várias horas de início do
quadro, optando-se por tratamento conservador.

Evoluiu com disfunção de ventrículo esquerdo (VE), sendo medicado, na época, com
inibidores de enzima de conversão (IECA), diuréticos, estatina, carvedilol e AAS. Há
quatro anos teve episódio de síncope precedida de palpitação. Procurou assistência
médica, sendo realizado Holter que revelou vários episódios de taquicardia ventricular
não sustentada. O ecocardiograma revelou acinesia anterior extensa e fração de ejeção
(FE) de 30%.

Foi submetido à investigação com estudo eletrofisiológico que induziu taquicardia


ventricular monomórfica sustentada (TVMS). Associada amiodarona ao esquema
terapêutico e implantado um CDI. Desde então vem sendo acompanhado
trimestralmente sem problemas com o dispositivo. Teve apenas um acionamento,
detectado numa revisão, revertido por sobre-estimulação pelo CDI (terapia
antitaquicardia). O paciente apresenta-se normocorado, eupneico e ansioso.

PA =145X96mmHg; FC =76bpm
RCR 3T B3, SS +/6+ foco mitral. Restante sem anormalidades.
Durante o exame clínico o paciente fica subitamente pálido e relata que “vai tomar um
choque” e, poucos minutos depois, recebe acionamento do dispositivo, retornando ao
normal.

O paciente é admitido no hospital, monitorizado e medicado com ansiolítico.


Prontamente o responsável pelo acompanhamento do dispositivo é contatado e o mesmo
é interrogado por telemetria, que revela acionamentos apropriados por TVMS com
frequência de 180bpm.

OBJETIVOS
1. Discutir a fisiopatologia das arritmias ventriculares nos pacientes portadores
de IAM.
2. Revisar as indicações para o implante de cardioversores-desfibriladores
automáticos.
3. Discutir o manejo clínico desses pacientes e as possíveis complicações do
uso desses dispositivos.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso em questão?
Uma das complicações decorrentes do uso de CDI é o acionamento repetitivo. Quando
ocorre o acionamento repetitivo, duas hipóteses diagnósticas são cabíveis:
acionamentos apropriados por arritmias ventriculares malignas de caráter repetitivo ou
incessante (tempestade ventricular) ou acionamentos inapropriados por causas várias
(arritmias supraventriculares, interferências externas e problemas com cabo-eletrodo).
A definição de acionamento repetitivo é variável, mas em geral se considera como
anormal a ocorrência de mais de três acionamentos em 24 horas.

2. Como se conduzir diante de um paciente portador de CDI com acionamentos


repetitivos?

É fundamental entender que se trata de um paciente potencialmente grave. Algumas


séries demonstram sobrevida de apenas 15% após quatro anos de episódio de
tempestade elétrica. As consequências psicológicas também são muito importantes.
Sedação e antiarrítmicos venosos podem ser utilizados. Pesquisa de causas reversíveis
como distúrbios hidroeletroliticos e realização de uma telerradiografia de tórax devem
ser solicitados para afastar fraturas ou desposicionamentos de eletrodos. É fundamental
contatar o responsável pelo acompanhamento do paciente para avaliação do dispositivo
e verificar se são acionamentos apropriados ou não.

3. Qual a fisiopatologia das arritmias ventriculares nos pacientes com IAM?

Pacientes que sofrem de IAM têm maior risco de morte súbita por causas cardíacas,
sobretudo taquiarritmias ventriculares.

A presença de arritmias ventriculares na fase aguda do IAM, que ocorre


frequentemente, é causada por reentrada, pela não homogeneidade elétrica miocárdica
devido à isquemia da obstrução coronariana (taquicardia ventricular
polimórfica/fibrilação ventricular). Na fase crônica predominam as arritmias
ventriculares monomórficas sustentadas, que decorrem de fenômenos de reentrada nas
áreas cicatriciais4 .

A sobrevida pós-IAM melhorou nos últimos 30 anos, porém ainda existe risco de morte
súbita por taquiarritmia ventricular, principalmente em pacientes com remodelamento
cardíaco e disfunção VE5.

Antes da abordagem atual do IAM com reperfusão, antiplaquetários, betabloqueadores


e inibidores da enzima de conversão da angiotensina, acreditava-se que a presença de
extrassístoles ventriculares frequentes (mais de cinco por minuto), extrassistolia
multifocal, acoplamento precoce (fenômeno R sobre T), extrassistolia pareada ou em
salva antecedia a fibrilação ventricular (FV).

No entanto, a presença dessas arritmias não é indicador de futura FV, pois ocorre
igualmente nos pacientes com e sem FV. A presença de episódios de taquicardia
ventricular não sustentada que se apresentam na fase aguda do IAM não parece estar
associada a maior risco de morte durante a hospitalização ou no primeiro ano pós-IAM.
Mais ainda, a supressão dessas arritmias, supostamente premonitórias, mostrou-se não
somente ineficaz em prevenir a ocorrência de FV, como deletéria, aumentando a
mortalidade total6.

Estudos realizados nos anos 1980 revelaram que a FE diminuída, esta sim era fator
preditor de morte após o IAM, notadamente quando na presença de arritmia ventricular
espontânea observada em acompanhamento ambulatorial7.

Os episódios de TV ocorrem mais tardiamente pós-IAM, sendo mais comuns em


infartos transmurais com disfunção de VE e nas arritmias ventriculares sustentadas,
podendo levar à morte.

O maior risco de morte súbita ocorre nos primeiros dois anos pós-IAM. Apesar de
vários métodos terem sido propostos para se estratificar pacientes com maior chance
para morte súbita (variabilidade do QT, Holter, estudo eletrofisiológico invasivo,
eletrocardiografia de alta resolução) nenhum se mostrou útil para uso rotineiro. Existem
marcadores de alerta que podem indicar o paciente de alto risco para presença de
arritmias ventriculares malignas, como a presença de FE <35% associada à ocorrência
de taquicardia ventricular não sustentada ao Holter e à presença de episódios sincopais
ou de palpitações taquicárdicas inexplicadas7.

4. Como tratar o paciente com TVMS pós-IAM?

Estudos prévios em pacientes pós-IAM com terapia antiarrítmica para supressão de


arritmia ventricular para se diminuir morte súbita revelaram aumento de mortalidade da
mesma forma como quando se utilizavam fármacos como a encainida, flecainida e
moricizina (CAST Trial)6 e sotalol (SWORD)8. Estudos com uso de amiodarona
(EMIAT9 e CAMIAT10) revelaram discreta diminuição da morte elétrica, porém com
altos níveis de suspensão da medicação por intolerância e sem diminuição da
mortalidade total. Estes achados desencorajaram o uso de antiarrítmicos para
prevenção de morte súbita cardíaca.

O uso do CDI foi visto como promissor desde seus primeiros implantes, em 1979, no
intuito de reduzir morte súbita por taquiarritmia ventricular pós-IAM. Eles são
projetados para diagnosticar arritmias ventriculares graves e reverter a arritmia através
de terapia elétrica. Essa terapia apresenta um sucesso maior que 97%4.

Vários estudos clínicos mostraram redução de mortalidade em pacientes randomizados


para implante de CDI em comparação com terapia convencional em pacientes com
disfunção VE após algumas semanas do IAM4.

A utilização de CDI na prevenção secundária em pacientes que sobreviveram a


taquiarritmias ventriculares foi comprovada por estudos (CIDS11 e CASH12) e é
amplamente aceito e utilizado nessas situações13.

A utilização de CDI na prevenção primária de morte súbita pós-IAM é mais difícil de


definir. Resultados dos estudos MADIT14, MUSTT15, MADIT-II16, SCD-HeFT17,
DINAMIT18 e IRIS19 mostraram que o implante de CDI pós-IAM deve ser avaliado
pela FE do VE, pela presença de insuficiência cardíaca (ICC) de acordo com a
classificação da New York Heart Association (NYHA), pelo tempo pós-IAM, e pelas
condições coexistentes.

Pacientes com FE >35% pós-IAM não são candidatos a implante de CDI; pacientes
com FE entre 30% e 40% devem ter a FE reavaliada a cada seis ou 12 meses4; entre
25% e 35% os maiores benefícios se situam no grupo de pacientes com FE próximo de
25%; entre 30% e 35%, a presença de fatores coexistentes com ICC classe funcional
NYHA II ou III, taquicardia ventricular não sustentada ou induzida e a presença de
complexos QRS prolongados confirmam a necessidade do implante de CDI; já na
ausência desses fatores, com FE entre 30% e 35%, o CDI pode ser postergado4,10,12;
com FE ≤25% o CDI pode ser indicado mesmo sem fatores coexistentes.

Estudos (DINAMIT18 e IRIS19) que avaliaram o momento do implante do CDI pós-IAM


revelaram que em até 40 dias pós-IAM não ocorria redução da mortalidade no grupo
tratado com CDI e tratamento farmacológico convencional versus o grupo de tratamento
farmacológico convencional isolado; portanto a indicação do CDI para prevenção
primária deve aguardar pelo menos 40 dias pós-IAM20.

Os estudos realizados para prevenção primária e secundária da morte súbita não


incluíram pacientes em classe funcional IV da NYHA com idade acima de 75 anos,
devendo nesses casos a terapia com CDI ser individualizada4.

5. Qual o papel da ablação por radiofrequência no manejo desses pacientes?

A ablação por radiofrequência, apesar de raramente ser curativa nesse subgrupo de


pacientes, tem ampliado sua indicação. Essa modalidade de tratamento tem importante
papel no controle de tempestades elétricas e na melhoria da qualidade de vida e
sobrevida21.

O grande desafio é que a maioria dessas arritmias não é tolerada hemodinamicamente,


o que impede sua ablação por técnicas tradicionais. A identificação do substrato
arritmogênico, principalmente adicionado ao uso do mapeamento eletroanatômico, tem
permitido a ablação dessas arritmias em ritmo sinusal com elevado percentual de
sucesso. É importante salientar que não se deve postergar demais o uso da ablação no
manejo desses pacientes. A ocorrência de repetidos acionamentos leva ao uso de altas
doses de antiarrítmicos com efeitos deletérios na função ventricular e agravamento da
ICC, evoluindo para choque refratário e morte.

Evolução do caso:
O paciente foi admitido e causas reversíveis foram eliminadas. Foi submetido à
ablação por radiofrequência com mapeamento de substrato, ocorrendo eliminação dos
acionamentos durante o seguimento (Figura 1).
Figura 1
Registro de acionamento do CDI por unidade de tempo. O gráfico de barras relata o número de episódios de arritmias
tratado pelo CDI no período de um ano. Nota-se aumento do número de acionamentos até a data do procedimento de
ablação (). Após este procedimento, não foi mais detectado nenhum acionamento.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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BRADIARRITMIAS E INDICAÇÃO DE PACE
PÓS-IAM

Luiz Antônio Inácio


Charles Slater

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 65 anos, hipertenso, em uso atual de atenolol 50mg e clortalidona
12,5mg/dia para tratamento de hipertensão arterial sistêmica. Apresentou queixa de dor
torácica, acompanhada de sudorese e náuseas, de caráter opressivo, que se acentuou ao
final de oito horas. Procurou Unidade de Pronto Atendimento para avaliação do quadro,
uma vez que houve piora da dor bem como sensação de fadiga em repouso.
PA =110x50mmHg; FC =40bpm FR =28irpm
Não havia turgência jugular, entretanto foi observada a ocorrência de ondas A “em
canhão”.
Ritmo cardíaco regular em dois tempos, com pulmões limpos e sem edemas em MMII.

Exames laboratoriais: Troponina =10,2mcg/L; CPK-Massa =5ng/ml

Eletrocardiograma (Figura1): observa-se ritmo sinusal, sem sinais de sobrecarga atrial,


associada à dissociação atrioventricular e frequência ventricular estimada em 40bpm,
caracterizando a presença de bloqueio atrioventricular total. Observa-se também a
presença de corrente de lesão subepicárdica em derivações correspondentes à parede
inferior, maior em D3 que em D2, bem como imagem em espelho em derivações
correspondentes à parede lateral alta.

Foi submetido a tratamento para síndrome coronariana aguda com uso de trombolítico
(estreptoquinase 1.500.000UI), com presença de critérios clínicos de reperfusão. Fez
uso também de antiplaquetários, estatinas, sendo na ocasião evitado o uso de nitratos e
betabloqueadores, uma vez que apresentava discreta hipotensão arterial e bradicardia.

Figura 1
Eletrocardiograma inicial do paciente

Aproximadamente após duas horas da admissão hospitalar, apresentou redução da


frequência cardíaca para 35bpm. Optou-se por implante de marca-passo provisório
para garantir a estabilidade clínica. Após cinco dias da admissão, houve recuperação
da condução AV 1:1, sendo retirado o eletrodo de estimulação provisória e transferido
para a enfermaria.
No 20° dia de pós-infarto, queixou-se de sintomas de fadiga em repouso e lipotímia
com documentação ao Holter de 24 horas de bradicardia sinusal e períodos de bloqueio
AV total (BAVT) intermitente, relacionados à sintomatologia referida. Foi submetido,
então, a implante de marca-passo definitivo, dupla-câmara DDD. Em avaliações
ambulatoriais posteriores o paciente encontrava-se assintomático e completamente
dependente de estimulação ventricular.

OBJETIVOS
1. Discutir bradicardia pós-infarto agudo, descrevendo as características
clínicas dos pacientes, fatores de risco para essa condição e condução
adequada do quadro.
2. Identificar os pacientes com real necessidade de estimulação cardíaca
temporária e definitiva.

PERGUNTAS
1. Como explicar os mecanismos fisiopatológicos e a incidência das bradiarritmias
pós-IAM?

Bradiarritmias e distúrbios de condução são complicações reconhecidas pós-infarto


agudo do miocárdio (IAM). As causas para esse fenômeno são multifatoriais e o
conhecimento da fisiopatologia envolvida é de grande relevância para o manejo clínico
seguro dos pacientes.

A bradicardia sinusal é a arritmia mais comumente encontrada, sendo associada


especialmente ao IAM da parede inferior. Está presente em até 40% dos pacientes,
ocorrendo principalmente dentro da primeira hora do IAM inferior. A etiologia está
relacionada a aumento do tônus vagal nas primeiras 24 horas após o infarto. A despeito
de seu caráter benigno, o alentecimento da frequência cardíaca pode se manifestar de
forma bastante intensa, inclusive, em alguns casos, evoluir para disfunção do nódulo
sinusal transitória e sintomática devido à isquemia do miocárdio atrial ou mesmo do
nódulo sinusal.

Os distúrbios da condução atrioventricular (AV), notadamente o bloqueio


atrioventricular (BAV) avançado e o bloqueio atrioventricular total (BAVT) ocorrem,
segundo dados de ensaios clínicos randomizados1, em aproximadamente 7% dos casos
de IAM, sendo preditores de maior risco de óbito intra-hospitalar, principalmente em
virtude de desequilíbrio autonômico e isquemia ou necrose do sistema de condução.

Esses distúrbios têm sua fisiopatologia, forma de apresentação e prognóstico


intimamente relacionados à região de acometimento isquêmico2,3. Em pacientes que
sofreram infarto da parede inferior, por exemplo, o mecanismo de bloqueio
atrioventricular é, com frequência, relacionado ao aumento do tônus vagal comumente
encontrado no acometimento isquêmico desta parede, ou mesmo à presença de edema
na região da junção atrioventricular decorrente da obstrução ao fluxo da artéria do
nódulo atrioventricular, ramo da artéria coronária direita. De toda forma, tais
características conferem um caráter proximal ao bloqueio (o sítio do bloqueio é no
nódulo atrioventricular, proximal ao sistema His-Purkinje).

Já nos pacientes com infarto da parede anterosseptal do VE, pode ocorrer uma lesão
isquêmica aguda do sistema His-Purkinje, devido à necrose septal associada. Estes
pacientes, a despeito da gravidade da lesão coronariana, também estão sob risco de
evolução para BAVT, necessariamente devido a bloqueio em regiões mais distais do
sistema de condução, conferindo um caráter mais grave a esta condição4.

2. Qual o papel da terapia de reperfusão coronariana em pacientes com bradicardia


pós-IAM?

Ao longo dos anos, com o desenvolvimento de novas modalidades terapêuticas para o


tratamento do IAM (incluindo trombólise e intervenção coronariana percutânea), a
incidência de bloqueios AV pós-IAM, apesar de ainda permanecer elevada, apresentou
redução1-3,5. Estudo multicêntrico5 anterior ao desenvolvimento da terapia de
reperfusão mostrou uma incidência de 22% de BAV de alto grau. Uma revisão que
incluiu os quatro grandes estudos da era trombolítica, entretanto, evidenciou uma taxa
de 7% de distúrbios avançados de condução AV pós-IAM1.

Essa complicação implica pior prognóstico, bem como aumento significativo na taxa de
mortalidade. O aumento do risco de morte observado nos primeiros 30 dias pós-IAM
inferior e anterior está bem estabelecido. No entanto, quando o bloqueio da condução
AV ou intraventricular complica o infarto agudo do miocárdio, o prognóstico de longo
prazo para sobreviventes está relacionado principalmente à extensão da lesão
miocárdica, o grau de insuficiência cardíaca e à maior incidência de complicações
hemodinâmicas. A mortalidade intra-hospitalar média do infarto inferior complicado
por BAV é de 23%, e chega a 29% quando o bloqueio AV é total, mesmo com uso
adequado de estimulação ventricular provisória.

A incidência de distúrbios da condução ventricular, avaliada em estudos com pacientes


que sofreram IAM e que foram tratados com trombolíticos, sugere que a incidência de
bloqueio de ramo não tenha sido alterada significativamente por essa terapia6. O
bloqueio intraventricular pode ocorrer transitoriamente em até 18,4% dos pacientes e
de maneira persistente em até 5,3%, também sendo um marcador de maior risco de
óbito intra-hospitalar6.

3. Qual o tempo médio para a ocorrência do bloqueio AV no infarto inferior?

Cerca de 1/3 dos pacientes que evoluem com BAVT associado a infarto inferior já
apresentam arritmia na chegada à sala de emergência. Os outros 2/3 desenvolvem graus
mais acentuados de bloqueio AV nas próximas 24 horas. Na maioria dos casos,
portanto, o aparecimento de BAV de alto grau costuma ocorrer nos primeiros três dias
após o IAM inferior7.

4. Qual a diferença prognóstica do bloqueio AV pós-IAM de parede anterior e


inferior?

O prognóstico no bloqueio atrioventricular possui relação direta com a localização do


infarto (anterior ou inferior), o local do bloqueio (intranodal ou infranodal) e a natureza
do ritmo de escape.

O infarto de parede inferior, na grande maioria dos pacientes, cursa com um bloqueio
AV localizado acima do feixe de His. Geralmente está associado com bradicardia
transitória, com ritmo de escape de frequência de aproximadamente 40bpm, QRS
estreito e uma baixa mortalidade. As anormalidades de condução, nesse contexto,
tendem a ser transitórias (resolução dentro de sete dias), geralmente responsivas à
atropina e isoproterenol, sendo muitas vezes bem toleradas8,9. Portanto, em tais
circunstâncias, geralmente não há necessidade de implante de MP definitivo.

O bloqueio AV relacionado ao IAM de parede anterior, por sua vez, está mais
frequentemente localizado abaixo do NAV10, associado com um ritmo de escape
instável, de QRS largo e com uma mortalidade extremamente elevada (até 80%). O grau
de complicações arrítmicas está diretamente relacionado à extensão da necrose
miocárdica. Além disso, distúrbios da condução intraventricular ocorrem mais
frequentemente, num contexto de IAM anterosseptal, como resultado de isquemia e
necrose do sistema de condução5,10. A presença de distúrbios da condução
intraventricular durante um IAM está associada a prognóstico desfavorável a curto e a
longo prazo, além de risco aumentado de morte súbita cardíaca (MSC)6.

5. Qual a importância dos bloqueios intraventriculares pós-infarto agudo do


miocárdio?

A presença de novo bloqueio de ramo esquerdo no contexto de dor torácica típica


sugere a presença de infarto anterior extenso com elevada probabilidade de
desenvolvimento de BAV completo e insuficiência ventricular aguda5,6. A colocação
preventiva de um eletrodo de estimulação temporária pode ser necessária nestes casos.

Segundo alguns estudos11-13 a oclusão aguda da artéria descendente anterior proximal


ao primeiro ramo septal pode se manifestar com um padrão eletrocardiográfico típico
de bloqueio de ramo direito agudo (qR em V1), devido à lesão isquêmica aguda do
sistema His-Purkinje secundária à necrose septal associada. O conhecimento desse
padrão de bloqueio intraventricular no contexto de infarto anterior pode, além de
prever as consequências hemodinâmicas, facilitar a identificação de pacientes em
elevado risco para a evolução de bloqueio AV distal grave4.

6. Quais são as indicações de estimulação por marca-passo provisório no pós-IAM?

A estimulação ventricular temporária pode ser necessária em pacientes com infarto


agudo do miocárdio, porém não há, nestes pacientes, uma relação direta com a
necessidade de estimulação permanente no futuro. As Diretrizes da American Heart
Association e do American College of Cardiology12 recomendam estimulação cardíaca
temporária nas seguintes situações em pacientes com infarto agudo do miocárdio:

Bloqueio atrioventricular total


Bloqueio de ramo alternante
Bloco bifascicular novo ou de início indeterminado (BRD com HAE ou HPE
ou BRE) com prolongamento do intervalo PR
Assistolia
Bradicardia sintomática de qualquer etiologia, incluindo bradicardia sinusal
e BAV 2º grau Mobitz I, na presença de hipotensão ou irresponsividade à
atropina.
Bloqueio atrioventricular de 2º grau Mobitz II
Bradicardia induzida por taquiarritmias

Uma consideração importante no cenário do infarto agudo do miocárdio é que a


bradicardia extrema, mesmo que assintomática ou transitória, pode causar diminuição
do fluxo sanguíneo coronariano e da perfusão miocárdica reduzida. Portanto, em
algumas situações, a indicação de estimulação cardíaca temporária deverá ser
individualizada.

Neste caso clínico, o paciente foi submetido à estimulação cardíaca temporária pois
apresentava BAVT com frequência ventricular de 35bpm não responsiva à infusão de
atropina e hipotensão associada.

7. Quais as indicações de implante de marca-passo definitivo no pós-IAM?

Segundo as Diretrizes Brasileiras para Dispositivos Eletrônicos Implantáveis do


Departamento de Estimulação Cardíaca Artificial (DECA - SBCCV)13 as indicações
para implante de marca-passo definitivo pós-IAM são:

Classe I
BAV do 3º grau (total), consequente a IAM, persistente >15 dias (Nível de evidência
C).

Classe IIa

BAV 2º grau tipo avançado, permanente ou intermitente e irreversível ou persistente pós


15 dias de infarto agudo do miocárdio (IAM) - (Nível de evidência C).

No caso clínico citado, o paciente evoluiu com bradicardia sinusal associada à BAVT
intermitente após 15 dias de observação. Optou-se pelo implante de marca-passo
definitivo dupla-câmara DDD, que foi realizado sem intercorrências.
Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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COMPLICAÇÕES MECÂNICAS NO
INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO (IAM)

Ana Cristina Baptista da Silva Figueiredo


Braulio Santos Rua

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 75 anos, branco, aposentado, natural do Rio de Janeiro.

Queixa principal: dor no peito há quatro dias.


Paciente relata que há quatro dias iniciou quadro de dor torácica opressiva, sudorese e
dispneia associada, com irradiação para membro superior esquerdo e mandíbula.
Procurou atendimento médico em serviço de emergência, onde foi admitido com dor
torácica mantida, sinais vitais estáveis, sem alterações na ausculta cardíaca ou
pulmonar.

O eletrocardiograma (ECG) realizado demonstrava supradesnivelamento do segmento


ST em parede anterior (Figura 1).

Foi medicado inicialmente com terapia antiplaquetária, ácido acetilsalicílico (AAS),


heparina não fracionada, betabloqueador, nitrato e inibidor da enzima conversora da
angiotensina.

No terceiro dia de internação evoluiu com piora do quadro de dispneia, com franca
congestão pulmonar, hipotensão arterial (PA =70/50mmHg), além de extremidades frias.
Feito diagnóstico de choque cardiogênico, sendo o paciente transferido para um
hospital equipado com laboratório de hemodinâmica.

Figura 1
ECG de admissão

À admissão em hospital terciário, o paciente se apresentava ainda hipotenso (PA


=100/60mmHg), taquicárdico (FC =110bpm), taquipneico (FR =28irpm), com
estertores crepitantes à ausculta pulmonar, e sopro sistólico em regurgitação em focos
mitral e tricúspide ++++/4, com irradiação para todo o precórdio.
Não havia relato de terapia de reperfusão no hospital de emergência.

Os exames laboratoriais de admissão revelaram: CK massa =6,0ng/ml (N= até


5,0ng/ml) e troponina de 70ng/ml (N= até 0,05ng/ml), restante sem alterações
importantes. O ECG mantinha padrão semelhante ao inicial.

O paciente foi encaminhado ao laboratório de hemodinâmica, após estabilização do


quadro respiratório, sendo evidenciada oclusão proximal de artéria coronária
descendente anterior, artérias circunflexa e direita com irregularidades, acinesia
anterossepto-apical, além de comunicação interventricular (CIV).

O ecocardiograma revelou disfunção grave do ventrículo esquerdo, com acinesia septal


e apical. Presença de CIV em septo médio, medindo 10mm, com gradiente VE-VD de
56mmHg.

OBJETIVOS
1. Avaliar as possíveis complicações do infarto agudo do miocárdio, sua
incidência e fatores de risco.
2. Identificar as manifestações clínicas do IAM.
3. Descrever os exames complementares para diagnóstico do IAM.
4. Discutir a terapêutica adequada para o IAM.

PERGUNTAS
1. Qual a incidência e os fatores de risco relacionados às complicações mecânicas
após IAM?

Há três complicações mecânicas principais após IAM: ruptura da parede livre de VE


(RPLVE); ruptura do septo interventricular, com consequente comunicação
interventricular (CIV); e regurgitação mitral (IM) aguda, devido à ruptura do músculo
papilar.

Incidência

Sua incidência irá variar de acordo com a presença ou não de terapia de reperfusão1,2:

CIV: 1-3% sem terapia de reperfusão; 0,2-0,34% com terapia trombolítica;


3,9% nos pacientes com choque cardiogênico3.
Ruptura da parede livre do VE: 0,8-6,2% - terapia trombolítica não reduz o
risco, enquanto angioplastia primária parece ter efeito protetor3.
IM aguda: cerca de 1% - a ruptura do músculo papilar posteromedial é mais
frequente3.

Fatores de risco

Ruptura da parede livre do VE: a incidência de RPLVE é menor em pacientes com


infarto agudo do miocárdio com supra do segmento ST (IAMCSST) tratados com
intervenção coronariana percutânea (ICP), em comparação com pacientes tratados com
terapia trombolítica3,4.

Podem ser citados ainda outros fatores relacionados2,5:

Pacientes sem história prévia de IAM – fator relacionado à ausência de fluxo


colateral
Grandes infartos transmurais, com valores de creatinoquinase fração MB
>150UI/L
Idade >70 anos
Sexo feminino
Hipertensos

CIV

A CIV pós-IAM pode ser observada tanto nos pacientes com lesão univascular
(especialmente artéria descendente anterior) ou multivascular, necrose miocárdica
extensa e circulação colateral insuficiente. O risco é maior quando ocorre oclusão
completa do vaso6-8.

As terapias de reperfusão estão associadas a menor incidência de CIV9. Contudo, o uso


de agentes fibrinolíticos, apesar de reduzir o tamanho do IAM, em alguns casos pode
estar associado a um processo de ruptura mais precoce do septo por dissecção
hemorrágica do miocárdio10. Na ausência de terapia trombolítica, a CIV ocorre
geralmente na primeira semana pós-IAM, enquanto nos pacientes que recebem
trombolíticos, o tempo médio para a ocorrência de CIV é de 24 horas9.

Nos casos de IAM anterior, a CIV é geralmente apical e simples; entretanto, em


pacientes com IAM inferior a ruptura envolve o septo inferoposterior e é geralmente
mais complexa.

IM aguda

As causas de IM após IAM estão relacionadas ao deslocamento do músculo papilar


(previamente conhecido como disfunção do músculo papilar), dilatação do VE, ou
ruptura do músculo papilar ou cordoalha tendinosa.

A maioria dos pacientes com IM sem ruptura do músculo papilar e que permanecem
hemodinamicamente estáveis, apresentarão melhora com tratamento clínico (uso de
trombolítico) ou intervencionista (realização de ICP), não necessitando de troca ou
reparo valvar mitral11,12.

A ruptura do músculo papilar é uma condição com elevado risco de morte, podendo ser
parcial ou completa. A ruptura do músculo posteromedial é muito mais frequente
quando comparada ao anterolateral. O primeiro tem irrigação sanguínea da artéria
descendente posterior, enquanto o último tem dupla irrigação, proveniente das artérias
descendente anterior e circunflexa11,13,14.

A ruptura do músculo papilar pode ocorrer tanto no IAMCSST como também em


pacientes com IAMSSST. A grande maioria dos pacientes tem área de necrose limitada,
com pouca circulação colateral. Isquemia pós-IAM pode ser um fator contribuinte11,14.

2. Quais são as manifestações clínicas e alterações ao exame físico?

Ruptura da parede livre de VE (RPLVE)

A RPLVE pode se manifestar como morte súbita em pacientes com IAM silencioso ou
não detectado. Nos casos de ruptura completa usualmente ocorre hemopericárdio e
morte por tamponamento cardíaco. A ocorrência de atividade elétrica sem pulso em
paciente com primeiro episódio de IAM, na ausência de sinais clínicos evidentes de
insuficiência cardíaca confere um valor preditivo de 95% para o diagnóstico de
RPLVE15. Nos casos de ruptura incompleta ou subaguda, existe a presença de um
trombo organizado, e o pericárdio “veda” a perfuração ventricular. Estes casos podem
evoluir com ruptura completa e tamponamento, formação de um falso aneurisma ou um
divertículo de VE16-18.

Manifestações clínicas principais13:


• Dor torácica tipo anginosa, pleurítica ou pericárdica
• Hipotensão arterial
• Náuseas
• Agitação
• Arritmias

O exame físico pode revelar: sinais de falência de VD com turgência jugular, pulso
paradoxal e choque cardiogênico13.

CIV

Os pacientes com CIV pós-IAM se apresentam com sinais de falência biventricular,


inicialmente IVD, dor torácica, dispneia e progressão para choque cardiogênico13,14.

O exame físico habitualmente revela a presença de sopro holossistólico ao longo da


borda esternal esquerda, irradiando para a base, ápice e borda esternal direita,
podendo ser observado frêmito em 50% dos casos, além de B3, hiperfonese de B2 e
congestão pulmonar13,14,19.

IM aguda

As principais manifestações clínicas dos pacientes com IM devido à ruptura do


músculo papilar incluem: início súbito de dispneia, edema agudo de pulmão e
hipotensão arterial.

O exame físico revela presença de sopro holossistólico, geralmente sem frêmito,


podendo se irradiar, além de sinais de franca congestão pulmonar11,13. Alguns pacientes
podem se apresentar sem soprologia à medida que a pressão cai e diminui o gradiente
VE/AE13.

3. Quais exames complementares são importantes para o diagnóstico?

RPLVE

A sobrevida dos pacientes com RPLVE depende primariamente do reconhecimento


precoce dessa condição, para terapia imediata. O ecocardiograma à beira do leito faz o
diagnóstico e permite a realização de pericardiocentese guiada, caso haja a presença de
líquido13.

CIV

A confirmação diagnóstica pode ser feita com a inserção de cateter na artéria pulmonar,
que demonstra um shunt esquerdo-direito. Ocasionalmente, pode ser visualizada no
traçado de pressão capilar pulmonar uma onda V gigante, em decorrência da acentuada
sobrecarga de volume e reduzida complacência atrial e ventricular. O ecocardiograma
uni e bidimensional com Doppler colorido na maioria das vezes estabelece o
diagnóstico; eventualmente há necessidade de realização de ecocardiograma
transesofágico para melhor avaliação da extensão do defeito septal13 (Figura 2).

Figura 2
Ecocardiograma evidenciando defeito septal23

IM aguda

A combinação de um novo sopro sistólico e instabilidade hemodinâmica no contexto de


pacientes com infarto agudo do miocárdio sugere o diagnóstico de ruptura ou disfunção
grave do músculo papilar. O ecocardiograma uni e bidimensional com Doppler
colorido tipicamente confirma o diagnóstico; entretanto, em alguns casos é necessária a
realização de ecocardiograma transesofágico, para melhor definição diagnóstica
(Figura 3). Usualmente cateterismo cardíaco é realizado para definição da anatomia
coronariana13.
Figura 3
Ecocardiograma transesofágico com o Doppler colorido mostrando insuficiência mitral24

4. Como tratar as complicações mecânicas do IAM?

RPLE

Uma vez confirmada a presença de sangue na pericardiocentese, a cirurgia de


emergência deve ser indicada. O tratamento clínico deve ser focado na estabilização do
quadro até a realização da cirurgia, incluindo suporte inotrópico, vasopressores,
pericardiocentese de alívio e balão de contrapulsação intra-aórtica (BIA)20. Quando
ocorre ruptura incompleta/subaguda e um falso aneurisma está presente, cirurgia eletiva
deverá ser realizada precocemente devido ao risco de ruptura completa13.

CIV

A monitorização invasiva é fundamental nesses pacientes, sobretudo com implante de


cateteres em cavidades direitas o que permitirá a identificação do “salto oximétrico”
(aumento súbito na saturação de oxigênio entre amostras de sangue do átrio direito e do
ventrículo direito ou artéria pulmonar). O tratamento clínico inclui o uso de
vasodilatadores, agentes inotrópicos, diuréticos e BIA, até que a correção cirúrgica
definitiva possa ser realizada13.

Em pacientes que não necessitem de outras intervenções cirúrgicas (troca valvar,


revascularização), o fechamento percutâneo do CIV poderá ser realizado21.

IM aguda

O desfecho favorável requer diagnóstico precoce, tratamento clínico imediato e


cirurgia de emergência. A terapia clínica consiste no uso de vasodilatadores para a
redução da pós-carga, diuréticos e BIA. O reparo valvar deve ser primeira escolha nos
centros com experiência na realização desse procedimento, desde que não haja necrose
músculo-papilar. A realização de revascularização miocárdica concomitante parece
melhorar o prognóstico desses pacientes22..

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.


Referências
1. Figueras J, Alcalde O, Barrabés JA, Serra V, Alguersuari J, Cortadellas J, et
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rupture. Heart Lung. 1992;21(4):356-64.
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2008;61(12):1360-1.
PERICARDITE/ TAMPONAMENTO EM
PACIENTES COM SÍNDROME
CORONARIANA AGUDA

Ricardo Mourilhe-Rocha
Ana Amaral Ferreira Dutra

CASO CLÍNICO
Paciente L.M.C., masculino, 65 anos, foi admitido em unidade de emergência com dor
torácica típica. Apresentava em sua história clínica hipertensão arterial sistêmica
(HAS), resistência insulínica (RI) e dislipidemia (DLP).

Em seu primeiro eletrocardiograma, já era notório um supradesnivelamento do


segmento ST em parede anterior. Foi encaminhado rapidamente à sala de hemodinâmica
e realizada angioplastia percutânea de artéria coronária descendente anterior, em seu
terço proximal, com implante de stent farmacológico. Houve evolução inicial
satisfatória, tendo recebido alta hospitalar, porém apresentou nova dor torácica após 15
dias, de forte intensidade, com irradiação para o trapézio, que piorava com a
respiração profunda associada à febre.
Ao exame:

Agitado, hipocorado (+/4+), hidratado, acianótico e anictérico.


PA =120x65mmHg; FC =90bpm; FR =28irpm; Sat O2 =96% (em ar ambiente)
AR: Leve taquipneia. Murmúrio vesicular universalmente audível.
ACV: RCR, B4, atrito pericárdico sistólico, bulhas ligeiramente abafadas.

Exames complementares iniciais:


Radiografia de tórax: Aumento da área cardíaca, parênquima pulmonar normal.
Laboratório: Leucometria total =13.500; bastões =6%; VHS =50; PCR-t =10. Função
renal e eletrólitos normais.

ECG: Ritmo cardíaco regular, sinusal. Presença de supradesnivelamento do segmento


ST difusamente, poupando AVR e V1.

OBJETIVOS
1. Identificar a pericardite e o tamponamento cardíaco como complicações
possíveis das síndromes coronarianas agudas.
2. Discutir a abordagem diagnóstica da pericardite e do tamponamento
cardíaco.
3. Discutir o manejo clínico da pericardite e do tamponamento cardíaco no
contexto de pós-infarto agudo do miocárdio (IAM).

PERGUNTAS
1. Qual é a principal hipótese diagnóstica para o quadro clínico apresentado e seus
principais diagnósticos diferenciais?

No caso clínico relatado, como o paciente esteve assintomático e voltou a ter sintomas
no 15º dia de IAM, pode-se considerar uma complicação de origem mais tardia como
novo infarto, trombose intra-stent ou pericardite tardia (Síndrome de Dressler). Devido
à exuberância dos dados clínicos e eletrocardiográficos, o diagnóstico de Síndrome de
Dressler parece ser o mais apropriado.
As principais complicações agudas e subagudas do IAM são:

Comunicação interventricular (CIV)


Insuficiência mitral aguda (IM)
Rotura de parede livre de ventrículo esquerdo ou direito
Insuficiência ventricular esquerda e/ou direita
Pericardite aguda ou tardia
Derrame pericárdico
Aneurisma ventricular
Tamponamento cardíaco
Angina pós-infarto
Reinfarto (nova trombose do leito nativo ou da prótese implantada)

Há duas formas de pericardite pós-infarto agudo do miocárdio: uma precoce e outra


tardia. A pericardite precoce, causada diretamente por exsudação, ocorre em 5-20%
dos infartos transmurais, muito embora nem sempre seja diagnosticada1. A tardia,
também conhecida como síndrome pós-infarto do miocárdio, geralmente ocorre entre a
primeira e a oitava semana após o evento agudo2.

Dressler3 citou a incidência dessa síndrome em 3% a 4% de todos os pacientes com


IAM, em 1957, mas a incidência declinou rapidamente desde aquela época.
Clinicamente, os pacientes com síndrome de Dressler apresentam mal-estar, febre,
desconforto pericárdico, leucocitose, elevação da velocidade de hemossedimentação
(VHS) e derrame pericárdico. Na autopsia, os pacientes geralmente demonstram
pericardite fibrinosa localizada, contendo leucócitos polimorfonucleares. A causa
dessa síndrome não está claramente estabelecida, embora a detecção de anticorpos
contra o tecido cardíaco sugira um processo imunopatológico2.

De um modo geral, a pericardite pode produzir dor do primeiro dia até seis semanas
após um infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST. A dor
da pericardite pode ser confundida com angina pós-infarto, infarto recorrente ou
ambos2.
Uma característica importante para a distinção é a irradiação da dor para ambas as
bordas do músculo trapézio, um achado quase patognomônico de pericardite e que,
raramente, é observado no desconforto isquêmico. O desconforto da pericardite
geralmente se torna pior durante a inspiração profunda, tendo alívio ou diminuição
quando o paciente se senta ou se inclina para a frente (por vezes em posição de “prece
maometana”)2.

Apesar de atritos pericárdicos transitórios serem relativamente comuns entre os


pacientes com infarto transmural nas primeiras 48 horas, a dor ou as alterações
eletrocardiográficas ocorrem muito menos frequentemente2. É notório que o
desenvolvimento de atrito pericárdico parece estar correlacionado com infartos de
grande extensão e com maior comprometimento hemodinâmico.

Os diagnósticos diferenciais da pericardite incluem:

Pneumonia ou pneumonite com pleurite


Embolia ou infarto pulmonar
Costocondrite
Doença do refluxo gastroesofágico
Reinfarto

2. Qual seria a melhor forma de confirmação diagnóstica?

Pode-se confirmar o diagnóstico a partir de:


Aspectos clínicos: características da dor e manobras de melhora ou piora da mesma;
presença de atrito pericárdico ou sinais de tamponamento cardíaco (em casos de
derrame pericárdico avançado).
Eletrocardiograma: surgimento de supradesnivelamento extenso e persistente do
segmento ST, poupando derivações direitas (AVR e V1), além de alternância elétrica ou
redução da amplitude dos complexos QRS2.
Radiografia: pode-se ter aumento da área cardíaca, sugerindo derrame pericárdico2.
Exames laboratoriais: aumento de marcadores inflamatórios como PCR-t e VHS2.
Ecocardiograma ou Ressonância magnética miocárdica: presença de área extensa de
necrose associada a derrame pericárdico de proporções variadas1.
3. Qual a terapêutica indicada?

O tratamento do desconforto pericárdico consiste em administrar um anti-inflamatório


não esteroide como a aspirina, geralmente em doses maiores do que as prescritas de
rotina após o infarto. Podem ser necessárias doses de até 650mg a cada 4 ou 6 horas.

Deve-se evitar o uso de outros anti-inflamatórios não esteroidais e esteroidais, pois


podem interferir no processo de cicatrização e remodelamento miocárdico, além de
aumentar o risco de rotura ventricular e de aumentar a resistência vascular coronariana.
A aspirina isoladamente, em doses elevadas, é eficaz, causando menos efeitos
colaterais; porém há evidências recentes de benefício, principalmente na recorrência
dos sintomas, da associação de colchicina2.

A complicação mais devastadora da pericardite aguda é a recorrência dos episódios de


inflamação do pericárdio, que correspondem de 15% a 32% dos casos de pericardite
aguda. Não é evidente ainda a melhor forma de prevenção dessa complicação; porém
muito se discute sobre o uso de anti-inflamatórios não esteroidais, corticoesteroides,
agentes imunossupressores ou até pericardiotomia. Entretanto, foi baseado nos bons
resultados do uso da colchicina em pacientes com Febre Familiar do Mediterrâneo que
seu uso foi estrapolado na prevenção da recorrência da pericardite aguda4.

O estudo CORE5 fez recente análise incluindo 84 pacientes, randomizados em dois


grupos: os que receberam somente aspirina e os que receberam aspirina e colchicina.
Demonstrou que o tratamento com colchicina é seguro, sem toxidade e com resultado
positivo. Os pacientes tratados com colchicina mostraram redução importante tanto no
desfecho primário – recorrência (24% vs. 51%) como também no desfecho secundário
– persistência dos sintomas por 72 horas (10% vs. 31%) quando comparado com a
aspirina isoladamente4.

Em outro estudo randomizado – COPE6 -, a colchicina em adição à aspirina mostrou-se


não só eficaz na recorrência como também no tratamento da pericardite aguda.

Embora a utilização de anticoagulação claramente aumente o risco de pericardite


hemorrágica precoce no pós-IAM, essa complicação não tem sido descrita com
frequência suficiente a ponto de haver uma proibição absoluta desses agentes quando o
atrito pericárdico estiver presente, principalmente após o advento da fibrinólise
(provavelmente por reduzir a extensão de necrose muscular no IAM).
Apesar disso, a detecção de baixa voltagem ou variação de alternância elétrica dos
complexos QRS ao eletrocardiograma pode sugerir uma descontinuação de
anticoagulação, assim como a sua equivalência em métodos de imagem ─ a presença de
derrame pericárdico moderado ou grave ao exame de ecocardiograma bidimensional.

4. Como diagnosticar e tratar um tamponamento cardíaco (TC) no IAM?

Deve-se pensar em TC no IAM sempre que houver evidência clínica de redução do


débito cardíaco ou da perfusão tecidual periférica e, principalmente, quando houver
instabilização hemodinâmica abrupta ou parada cardiorrespiratória sem outras causas
evidentes de descompensação. Situações como insuficiência mitral aguda e extensão de
área de tecido miocárdico infartado devem ser consideradas.

As causas mais comuns de TC são a rotura da parede livre do VE e a transformação


hemorrágica de uma pericardite constritiva. Como a complacência pericárdica em
derrames agudos é pequena, pequenos volumes de líquido pericárdico podem gerar
graves alterações hemodinâmicas nos ventrículos (direito e, posteriormente, esquerdo)
no período pós-IAM.

O surgimento de taquicardia reflexa compensatória inicialmente, pulso paradoxal,


dispneia sem congestão pulmonar importante, ou, mais tardiamente, da tríade de Beck
(turgência jugular patológica, hipotensão arterial e abafamento de bulhas cardíacas)
associadas a outras evidências clínicas de choque, confirmam o diagnóstico de
tamponamento. Pode-se também visualizar no pulso venoso, o sinal da raiz quadrada
(ausência da descendente “Y”) em casos selecionados.

O tratamento deve sempre ser instituído precocemente, tão logo feito o diagnóstico.
Deve-se realizar imediatamente a drenagem percutânea do líquido pericárdico às cegas,
ou com auxílio de ecocardiograma bidimensional, para guiar o melhor ponto de
introdução da agulha.

A realização de janela miocárdica cirúrgica é uma opção nos centros com cirurgiões
cardíacos, em que haja suspeita de derrames loculados ou que não tenham volume
suficiente para tornar a pericardiocentese – método de eleição – um método seguro.
O tratamento da complicação que gerou o derrame pericárdio é imperioso. Intervenções
cirúrgicas devem ser recomendadas precocemente para tratamento das complicações
mecânicas e manutenção de drenagem pericárdica até a resolução do quadro que
propiciou este evento.
Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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Task Force on the Diagnosis and Management of Pericardial Diseases of the
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Colchicine as first-choice therapy for recurrent pericarditis: results of the
CORE (COlchicine for REcurrent pericarditis) trial. Arch Intern Med.
2005;165(17):1987-91.
6. Imazio M, Bobbio M, Cecchi E, Demarie D, Demichelis B, Pomari F, et al.
Colchicine in addition to conventional therapy for acute pericarditis: results
of the COlchicine for acute PEricarditis (COPE) trial. Circulation.
2005;112(13):2012-6.
EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS

Anderson Wilnes Simas Pereira


Pedro Paulo Nogueres Sampaio

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 60 anos, hipertenso e dislipidêmico há pelo menos cinco anos, em
uso irregular de medicamentos anti-hipertensivos. Nega tabagismo. Faz uso de enalapril
10mg/dia, anlodipina 5mg/dia, hidroclorotiazida 25mg/dia e sinvastatina 10mg/dia. Há
três dias, não fazia uso de medicações. Foi admitido no setor de emergência de um
hospital geral com agitação psicomotora, não tolerando decúbito, apresentando intensa
dispneia e desconforto precordial.

Ao exame físico apresentava-se: agitado, cianótico +(4+), anictérico, corado e


hidratado, tiragem intercostal, taquipneico e apresentando turgência jugular patológica.

Sinais vitais: PA =210x110mmHg; PR =100bpm; FR =38irpm; Tax=36,5oC; SpO2


=86%.
Ap. respiratório: Estertores crepitantes até os ápices pulmonares bilateral.
Ap cardiovascular: RCR, taquicárdico, BNF, presença de B4 sem sopros.
Abdômen e MMII: sem alterações importantes.

Realizados os seguintes exames na admissão: eletrocardiograma (Figura 1), radiografia


de tórax (Figura 2), gasometria arterial e exames laboratoriais, incluindo marcadores
de necrose miocárdica e BNP. Foi providenciada a imediata transferência para a
Unidade Cardiointensiva.

Figura 1
Eletrocardiograma do paciente à admissão
Figura 2
Radiografia de tórax do paciente à admissão

ECG: Taquicardia sinusal, sinais de sobrecarga atrial e ventricular esquerda e


alterações de repolarização ventricular tipo infradesnivelamento do segmento ST e
inversão assimétrica de onda T difusas, sugerindo padrão strain.

Radiografia de tórax: Infiltrado intersticial alveolar peri-hilar bilateral tipo “asa de


borboleta” e presença de linhas B de Kerley.
Exames laboratoriais:
Gasometria arterial: ph =7,32; pCO2 =28; pO2 =85; HCO3 =22; BE = -2; SaO2 =87%
CK Total =102mg/dl; CK-massa =1,0ng/ml; Troponina I <0,01
Glicose =202mg/dl; Ureia =90mg/dl; Creatinina =2,1mg/dl
BNP =1059pg/ml; Dímero-D =100mg/dl

OBJETIVOS
1. Discutir a abordagem da dispneia na sala de emergência.
2. Conceituar emergência e urgência hipertensiva definindo seus objetivos
terapêuticos.
3. Discutir o tratamento farmacológico e não farmacológico do edema agudo de
pulmão.
4. Identificar condições de risco elevado para o desenvolvimento de
complicações da hipertensão arterial e suas consequências.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso descrito e como os exames
complementares auxiliam na confirmação diagnóstica?

A dispneia na sala de emergência é um desafio para cardiologistas e emergencistas.


Caracteriza-se pela instalação súbita e pela presença de sinais ao exame físico
(taquicardia, turgência jugular patológica, estertoração pulmonar) de congestão
pulmonar e a presença de níveis bastante elevados de pressão arterial. A cianose e a
agitação psicomotora indicam a provável presença de hipoxemia que torna a
apresentação clínica ainda mais grave. Soma-se ainda uma sensação de desconforto
precordial que levanta a hipótese de doença arterial coronariana ou hipertensão arterial
pulmonar associada.

Principais hipóteses diagnósticas: edema agudo de pulmão secundário à crise


hipertensiva, síndrome coronariana aguda (SCA) de alto risco, tromboembolismo
pulmonar (TEP), insuficiência cardíaca crônica agudizada e causas relacionadas a
doenças primariamente pulmonares como doença pulmonar obstrutiva crônica
(DPOC)1-8.

A ausência de história prévia de doença pulmonar e de tabagismo, e exame físico sem


broncoespasmos ou achados de hipoxemia crônica, além da gasometria arterial sem
hipercapnia sinalizam a ausência de doença pulmonar.

O TEP configura um importante diagnóstico diferencial de todas as situações clínicas


onde existe dispneia e hipoxemia. Apesar de também ter instalação súbita e poder
cursar com dor torácica, a probabilidade clínica é considerada baixa devido à ausência
de fatores predisponentes (como sinais de trombose venosa profunda, imobilismo, TEP
prévio, hemoptise). Além disso, a dosagem de Dímero-D (produto de degradação da
fibrina) normal tem alto valor preditivo negativo para praticamente excluir a
possibilidade de doenças que envolvam mecanismo trombótico.

O eletrocardiograma sem alterações do segmento ST e da onda T sugestivas de doença


coronariana e a troponina negativa sugerem que a gênese principal da apresentação
clínica esteja relacionada a aumento da pressão capilar pulmonar e, consequentemente,
gerando congestão pulmonar e hipoxemia. A hipóxia pode até levar à angina, mas nesse
caso, não parece ser a instabilidade de placas ateroscleróticas (principal fator
desencadeante de SCA) o fator principal1-8.

A principal hipótese passa então a ser síndrome de insuficiência cardíaca. Segundo a


Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC)9, a insuficiência cardíaca pode ser
classificada em seis grupos distintos que, por vezes, se interpõem: insuficiência
cardíaca hipertensiva, insuficiência ventricular direita (isolada), insuficiência cardíaca
congestiva (descompensada), baixo débito cardíaco (choque cardiogênico), edema
agudo de pulmão, SCA e insuficiência cardíaca.

A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)5 utiliza a classificação de Gheorghiade


que considera o início de aparecimento de sintomas classificando em IC de início
recente ou crônica agudizada, e dividindo-a em três grupos de acordo com a
apresentação da pressão arterial (baixa, normal ou alta). Apesar de a insuficiência
cardíaca crônica agudizada ser a apresentação mais frequente de descompensação, o
caso descrito pode ser classificado como insuficiência cardíaca aguda hipertensiva ou
edema agudo de pulmão hipertensivo, como complicação de crise hipertensiva.

A congestão pulmonar no edema agudo hipertensivo ocorre devido ao aumento da


pressão diastólica final no ventrículo esquerdo, ocasionando a falência deste na sua
função de bomba. O aumento da pressão nas câmaras cardíacas esquerdas provoca o
aumento da pressão capilar pulmonar que, em indivíduos normais, é em torno de
12mmHg. De acordo com o mecanismo de Frank-Starling, os líquidos em alta pressão
irão atravessar a membrana alveolocapilar e ocasionar o acúmulo de líquido no espaço
alveolar, gerando dispneia e hipoxemia.

Na radiografia de tórax observa-se uma boa correlação com a pressão arterial


pulmonar: até 8mmHg a vasculatura pulmonar encontra-se normal; com cerca de
12mmHg observa-se inversão do padrão vascular pulmonar; de 12-18mmHg observa-se
a transudação alveolar através da presença de linhas B de Kerley; e acima de 18mmHg
observa-se o infiltrado peri-hilar ou em asa de morcego ou borboleta.
2. Qual a diferença entre emergência e urgência hipertensiva?

Crise hipertensiva é a elevação súbita, rápida e intensa da pressão arterial,


frequentemente sintomática e com risco de deterioração dos órgãos-alvo6. Os níveis de
pressão arterial são habitualmente 180x120mmHg ou superiores. A crise hipertensiva
compreende a urgência e a emergência hipertensiva (Quadro 1).

Quadro 1
Diferenças clínicas entre urgências e emergências hipertensivas

Fonte: Passarelli Jr et al.6

Urgência hipertensiva (UH) é a elevação crítica da pressão arterial, porém com


estabilidade clínica e sem lesões de órgãos-alvo. A pressão arterial diastólica é
bastante elevada e geralmente superior a 120mmHg. Pacientes com UH tem maior
probabilidade de eventos cardiovasculares futuros. O objetivo terapêutico é a
normalização da pressão arterial em até 24 horas, e o tratamento pode ser feito com
fármacos por via oral.

Emergência hipertensiva (EH) é a condição clínica que se caracteriza pelo risco


iminente de morte, deterioração aguda dos órgãos-alvo e requer redução imediata
(minutos a poucas horas) da pressão arterial. As EH têm como exemplos: encefalopatia
hipertensiva, hemorragia cerebral, infarto agudo do miocárdio, hemorragia cerebral,
edema agudo de pulmão, angina instável, dissecção aórtica e eclampsia (Figura 3).

O tratamento deve ser realizado com fármacos administrados por via parenteral
iniciados na sala de emergência e continuados, quando possível, em ambiente de
terapia intensiva. O objetivo terapêutico é a redução de 25% da pressão arterial na
primeira hora; em seguida a redução para níveis em torno de 160x110mmHg da segunda
à sexta hora; e a normalização da pressão em seguida, em 24 horas. Reduções abruptas
podem estar relacionadas à má perfusão cerebral, renal e coronariana. Algumas
situações como acidente vascular cerebral isquêmico necessitam da manutenção de
pressão de perfusão cerebral elevada e o objetivo deve ser a manutenção de uma
pressão arterial média de 100mmHg.

Nas dissecções da aorta, a pressão arterial deve ser reduzida de forma mais abrupta e
para valores menores de 100mmHg de pressão arterial sistólica, acompanhada de
adequada redução da frequência cardíaca. Nesses casos, é bastante utilizada a
associação de betabloqueador endovenoso (labetalol, esmolol ou metoprolol) e
nitroprussiato de sódio.

Surge ainda a necessidade de conceituar outras duas situações clínicas que, apesar de
semelhantes àquelas previamente descritas, não fazem parte das crises hipertensivas.
São elas: a pseudocrise hipertensiva e a hipertensão grave assintomática.

Figura 3
Manifestações clínicas das emergências hipertensivas

A pseudocrise hipertensiva se caracteriza pela elevação da pressão arterial, por dor de


origem não cardíaca, mal estar inespecífico e distúrbio de ansiedade. Não apresenta
sinais de lesão aguda dos órgãos-alvo e pode estar também associada à suspensão do
tratamento anti-hipertensivo. Requer tratamento sintomático, ansiolíticos se necessário
e medicamentos de uso crônico7.

A hipertensão grave assintomática é a hipertensão arterial grave (PAD >120mmHg), de


forma assintomática como a anterior, sem lesão aguda de órgãos-alvo, detectada em
avaliação de rotina e associada à interrupção ou uso irregular da medicação. Requer o
ajuste e o reinício dos anti-hipertensivos.

Estima-se que cerca de 1% dos pacientes hipertensos tenham crise hipertensiva no ano
ou 1/4 das emergências clínicas seja de natureza hipertensiva6. Levando-se em conta
que a prevalência da hipertensão arterial na população adulta mundial é elevada (cerca
de 30%), é imperativo que medidas preventivas e terapêuticas adequadas sejam
instituídas para a redução da morbidade e da mortalidade por doenças
cardiovasculares.

Sugestão de sistematização no atendimento inicial das EH, após o seu diagnóstico


inicial:

1 a 2 acessos venosos para infusão de fármacos parenterais e demais fluidos,


iniciando o tratamento anti-hipertensivo e da doença de base do paciente.
Monitorização cardíaca contínua, conduzindo o paciente para unidade de
tratamento intensivo e avaliando a necessidade conforme o tipo de EH, da
avaliação hemodinâmica invasiva e do débito urinário.
Repetir o exame físico minucioso e por sistemas:

Neurológico: Nível de consciência, utilizando a escala de coma de Glasgow;


déficit motor; hiperestesias; convulsões focais; pupilas.
Fundo de olho: Exsudatos, hemorragias e papiledemas.
Cardiovascular: Ritmo cardíaco, sopros, bulhas, pulso jugular, pulsos
arteriais periféricos (incluindo aorta e carótidas), perfusão e pressão
arterial.
Respiratório: Ausculta pulmonar, frequência respiratória e sinais de esforço
respiratório.
Abdômen: Massas pulsáteis ou não, tensão do abdômen, descompressão
dolorosa, sopros e presença ou não de ruídos hidroaéreos.
Membros inferiores: edemas, cianose e perfusão distal, sinais de
insuficiência venosa, úlceras, pulsos.

Exames complementares básicos iniciais:

Exames de sangue: hemograma, glicose, ureia, creatinina, sódio e potássio.


CK-MB ou troponina, se houver suspeita de isquemia do miocárdio.
Gasometria arterial, se a presença de hipoxemia ou acidose forem suspeitas.
Exame de urina tipo 1 ou EAS
Radiografia de tórax
Eletrocardiograma

3. Qual a fisiopatologia da emergência hipertensiva?

A elevação abrupta da pressão arterial pode ser entendida pelo importante aumento da
resistência vascular em resposta ao excesso de produção de catecolaminas,
angiotensina II, vasopressina, aldosterona, tromboxano e/ ou endotelina, ou a deficiente
produção de vasodilatadores endógenos, como óxido nítrico (NO) e prostaciclina,
parecem precipitar o aumento da vasorreatividade e levar à EH.

O comprometimento da autorregulação acarreta isquemia tecidual, aumentando a


liberação de mais vasoconstrictores, em um círculo vicioso, provocando mais
vasoconstricção, lesão isquêmica e proliferação miointimal. Isto acontece
particularmente nos leitos cerebral e renal, tendo o sistema renina-angiotensina-
aldosterona importante papel nessa patogênese.

4. Qual o tratamento proposto para as emergências e urgências hipertensivas?

O tratamento farmacológico das EH deve ser realizado, conforme já mencionado, com


drogas parenterais. As doses e vias de administração estão explicitadas no Quadro 2.
No tratamento do edema agudo de pulmão hipertensivo deve-se contemplar o uso de
diuréticos como a furosemida, com o objetivo de tratar a hipervolemia e provocar certa
vasodilatação. Com a finalidade de reduzir a pressão arterial, a escolha está entre
vasodilatadores como o nitroprussiato de sódio, que causa vasodilatação venosa e
arterial e pode, em casos de SCA, provocar vasodilatação do leito arterial sadio,
alterando o fluxo coronariano e levando ao agravamento da angina; a nitroglicerina que
causa vasodilatação preferencialmente venosa e constitui o vasodilatador de escolha
nas SCA; e o tratamento com opioides, como a morfina que, além de provocar
vasodilatação e consequente queda da pressão arterial, atua também produzindo
sensação de bem-estar e ansiólise, reduzindo a descarga adrenérgica.

Quadro 2
Anti-hipertensivos de uso mais frequente, suas doses e efeitos colaterais

Fonte: Passarelli Jr et al.6

Novos fármacos estão surgindo como alternativas interessantes no tratamento das crises
hipertensivas, porém ainda não estão disponíveis para uso no Brasil. Dentre eles
destacam-se: clevidipina, um bloquedor dos canais de cálcio di-hidropiridínico de
terceira geração com ação seletiva; a nicardipina, outro bloqueador de canais de cálcio
de segunda geração com alta seletividade vascular; e o fenoldopan, um agonista
dopaminérgico com ação sistêmica e renal 8. As vantagens dos novos fármacos estão
fundamentalmente na sua ação rápida e seletiva, conforme demonstrado no Quadro 3.

Além do tratamento medicamentoso, o edema agudo de pulmão deve ser tratado com
suporte ventilatório adequado, visto que a hipoxemia presente constitui uma ameaça à
vida.

O posicionamento adequado do paciente no leito, com a elevação da cabeceira constitui


medida inicial. O oxigênio suplementar por intermédio de máscara pode corrigir a
hipoxemia, causando diminuição da pressão pulmonar média e aumentando o débito
cardíaco.

Quadro 3
Vantagens dos novos fármacos para as crises hipertensivas

FC= frequência cardíaca; EH=emergência hipertensiva

Na ausência de contraindicações, a ventilação não invasiva (VNI) com pressão positiva


tem grau de recomendação I e nível de evidência A2. Constituem contraindicações
absolutas a essa técnica: rebaixamento do nível de consciência com incapacidade de
proteção de via aérea, malformação facial, hipersecreção pulmonar, instabilidade
hemodinâmica e sangramento respiratório ou gastrintestinal ativo. Em casos de
contraindicação ou falência da VNI, pode ser necessária a sedação e a entubação
orotraqueal com ventilação mecânica.
A VNI reduz o retorno venoso, reduzindo a pré-carga para o ventrículo esquerdo.
Consequentemente reduz a pressão arterial, diminuindo a pós-carga e melhorando o
desempenho cardíaco. Além disso, a pressão positiva recruta unidades alveolares não
ventiladas e diminui o trabalho respiratório por redução da carga imposta à musculatura
respiratória.

Meta-análise com 15 ensaios clínicos randomizados e controlados com 843 pacientes


demonstrou que a utilização de VNI quando comparada ao tratamento convencional
reduz a mortalidade e a necessidade de entubação orotraqueal2. Alguns trabalhos
demonstram risco de utilização de VNI em pacientes com SCA devido a possível
aumento do trabalho cardíaco e, consequentemente, aumento no consumo miocárdico de
oxigênio.

Precauções no manuseio da EH em determinados subgrupos de pacientes7:

Pacientes mais idosos são mais vulneráveis a variações da PA;


Hipertensos crônicos apresentam maior tolerância a níveis de PA elevado e
são mais vulneráveis a reduções acentuadas;
Doenças coronarianas e cerebrovasculares prévia representam risco de
isquemia miocárdica e encefálica com redução inadequada da PA;
Pacientes hipovolêmicos podem ter efeito exagerado na redução da PA com o
uso de vasodilatadores;
Pacientes com edema de retina e/ ou papiledema podem apresentar amaurose
se a redução da PA for abrupta;
Pacientes com disfunção renal prévia podem ter agravamento com a redução
inadequada da PA.

Nas urgências hipertensivas (UH), devido ao caráter assintomático dessa condição, a


meta terapêutica deve ser atingir valores menores que 160x100mmHg. O tempo para
atingir esses níveis é ainda controverso. Acredita-se que uma redução rápida e abrupta
possa causar alterações de perfusão em órgãos-alvo, como o sistema nervoso central.
Sendo assim a meta terapêutica deve ser atingida em algumas horas, podendo-se utilizar
medicações por via enteral, não necessitando de drogas endovenosas. Normalmente
esses indivíduos são tratados na sala de emergência onde permanecem em observação
por algumas horas e raramente necessitam de internação hospitalar. Após esse período,
idealmente devem ser monitorados e a terapêutica ajustada conforme a necessidade, a
fim de evitar o retorno à sala de emergência.

Considera-se como estratégia inicial de tratamento para as UH, identificar o paciente e


colocá-lo em repouso em ambiente tranquilo (apenas essa medida é capaz de reduzir
cerca de 10-20mmHg)1. É fundamental tentar identificar fatores que possam estar
contribuindo na gênese da UH, como: estresse emocional, aumento da ingesta de sódio,
uso de drogas como corticosteroides, presença de dor e situações clínicas ameaçadoras
em evolução, como: acidente vascular cerebral, dissecção aórtica, bloqueios
atrioventriculares dentre outras (que caracterizariam uma EH).

Posteriormente, são identificados dois grupos de pacientes: aqueles que já fazem uso de
medicação anti-hipertensiva e pacientes sem diagnóstico e tratamento prévios de HAS.
Naqueles pacientes já em uso de medicação, as medidas seriam: reajuste de doses,
identificação de pacientes não aderentes à terapêutica e retorno do tratamento, adição
de diuréticos ao esquema terapêutico e redução da ingesta de sódio. Nesses pacientes,
o tempo de atingimento das metas terapêuticas pode ser de mais de 24 horas. Em
pacientes sem tratamento anti-hipertensivo prévio, a redução da pressão arterial pode
ser feita em algumas horas com a utilização de drogas como furosemida (20mg),
clonidina (0,2mg) e captopril (12,5mg).

Essas medidas visam a assegurar uma redução de 20-30mmHg na pressão arterial e


permitir a alta do paciente mediante o início de esquema anti-hipertensivo adequado
para longo prazo, respeitando-se o perfil de cada um. Além disso, é importante que o
paciente esteja inserido em plano terapêutico que contemple uma abordagem
multifatorial da doença e um seguimento terapêutico cujo acesso ao tratamento esteja
garantido. A abordagem multidisciplinar pode contribuir muito para o tratamento,
principalmente nas modificações de hábitos de vida e aderência terapêutica.

5. Quais os fatores predisponentes para o desenvolvimento de complicações


hipertensivas e seu impacto prognóstico?

Uma das maiores causas de crises hipertensivas é o uso de medicamentos anti-


hipertensivos de curta duração em doses não ideais e o uso irregular ou suspensão das
medicações de uso crônico. A aderência terapêutica está diretamente relacionada a
fatores socioculturais, sendo o sexo masculino, em geral, menos atento aos cuidados
básicos com a saúde, além de uma percepção mais tardia de sinais de gravidade.

Pacientes portadores de feocromocitoma com crises adrenérgicas recorrentes são


frequentes vítimas de crises hipertensivas. Pacientes com estenose de artéria renal (na
maioria das vezes bilateral) podem apresentar quadro de edema agudo de pulmão
recidivante, conhecido como flash pulmonary edema.

Sabe-se ainda que pacientes com hipertensão arterial em estágio III, com hipertensão
arterial resistente (pressão arterial não controlada apesar do uso de três fármacos em
dose plena) e portadores de nefropatia ou cardiopatia associada necessitam de um
seguimento ambulatorial mais curto com ajustes posológicos quando necessário, pois
podem desenvolver complicações hipertensivas com maior frequência3.

Mesmo antes do desenvolvimento da crise hipertensiva que, por si, já identifica o


indivíduo como portador de risco elevado para desenvolvimento de evento
cardiovascular futuro, segundo classificação proposta pela VI Diretriz de Hipertensão
Arterial da SBC4, o paciente em questão estaria classificado como risco adicional alto
ou muito alto de doenças cardiovasculares (Quadro 4). A presença de cardiopatia
hipertensiva proposta pelo eletrocardiograma e da possível nefropatia hipertensiva do
paciente indicam comprometimento de órgão-alvo, agregando pior prognóstico ao
indivíduo.
Quadro 4
Estratificação do risco cardiovascular global: risco adicional atribuído à classificação de hipertensão arterial de acordo
com fatores de risco, lesões de órgãos-alvo e condições clínicas associadas (Classe IIa, Nível C)

Fonte: VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão4

Potencial Conflito de Interesses


Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

1. Bonow RO, Mann DL, Zipes DP, Libby P, eds. Braunwald’s Heart Disease: a
textbook of cardiovascular medicine. 9th ed. Philadelphia: Saunders; 2011.
2. Knobel M, Knobel E, Sousa JMA. Condutas em Terapia Intensiva
Cardiológica Rio de Janeiro: Atheneu; 2009.
3. Chobanian AV, Bakris GL, Black HR, Cushman WC, Green LA, Izzo JL Jr, et
al; National Heart, Lung, and Blood Institute Joint National Committee on
Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure;
National High Blood Pressure Education Program Coordinating Committee.
The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention,
Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Pressure: the JNC 7
report. JAMA. 2003;289(19):2560-72. Erratum in: JAMA. 2003;290(2):197.
4. Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade Brasileira de Hipertensão;
Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de
Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1 Suppl):1-51. Erratum in: Arq
Bras Cardiol. 2010;95(4):553.
5. Montera MW, Almeida DR, Tinoco EM, Rocha RM, Moura LA, Réa-Neto A,
et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. II Diretriz Brasileira de
Insuficiência Cardíaca Aguda. Arq Bras Cardiol. 2009;93(3 Suppl 3):2-65.
6. Passarelli O Jr, Povoa R, Martin JFV, Colombo FMC. Emergências
Hipertensivas na Prática Clínica. São Paulo: Segmento Farma; 2009. p.211-
8.
7. Brandão AA, Amodeo C, Nobre F, Fuchs FD, eds. Hipertensão. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2006.
8. Cline DM, Amin A. Drug Treatment for Hipertensive Emergencies: new
concepts and emerging technologies for emergency physicians. Emergency
Medicine Cardiac Research and Education Group. January, 2008 volume 1.
Available from:
<http://www.emcreg.org/pdf/monographs/2008/Cline2007.pdf>
9. Dickstein K, Cohen-Solal A, Filippatos G, McMurray JJ, Ponikowski P,
Poole-Wilson PA, et al; ESC Committee for Practice Guidelines (CPG). ESC
Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure
2008: the Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic
Heart Failure 2008 of the European Society of Cardiology. Developed in
collaboration with the Heart Failure Association of the ESC (HFA) and
endorsed by the European Society of Intensive Care Medicine (ESICM). Eur
Heart J. 2008;29(19):2388-442. Erratum in: Eur Heart J. 2010;12(4):416;
2010;31(5):624.
SUPORTE VENTILATÓRIO NA UNIDADE
CORONARIANA

Roberta Siuffo Schneider


Ricardo Mourilhe-Rocha

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 75 anos, negra, hipertensa de longa data, admitida na UC com queixa
de cansaço e falta de ar, iniciados há aproximadamente uma hora. Ao exame físico
apresentava PA = 210x120mmHg e FC =90bpm. Cianose de extremidades. RCR com
B4 de VE. MVUA com estertores crepitantes até ápice de ambos os hemitórax. Não
havia sopros ao exame cardiológico. Nega doença pulmonar ou tabagismo. Nega
alergias. Faz uso irregular de enalapril 10mg/dia e hidroclorotiazida 25mg/dia.
Impressão clínica: Edema agudo de pulmão de etiologia hipertensiva.

OBJETIVOS
1. Discutir as indicações de suporte ventilatório na Unidade Coronariana (UC).
2. Discutir os parâmetros ventilatórios ideais nos pacientes submetidos à
ventilação mecânica.
3. Avaliar os benefícios da ventilação não invasiva e invasiva.
4. Avaliar os efeitos da ventilação com pressão positiva sobre o sistema
cardiovascular.

PERGUNTAS
1. Quais as indicações de suporte ventilatório na UC e seus objetivos?

Em condições normais, durante o repouso, o oxigênio consumido pela musculatura


respiratória representa aproximadamente 5% do consumo total de oxigênio do
organismo. Em condições adversas, todavia, essa porcentagem do consumo total pode
chegar a 50%, principalmente em situações de broncoespasmo grave, edema pulmonar,
ou durante o desmame da ventilação mecânica1. Portanto, pacientes que cursem com
dispneia, taquipneia e esforço respiratório devem ser avaliados quanto à necessidade
de suporte ventilatório invasivo ou não invasivo.

No caso clínico apresentado, um paciente com diagnóstico de edema agudo de pulmão


hipertensivo deve ter seus valores pressóricos tratados com vasodilatador arterial ou
venoso como nitroprussiato ou nitroglicerina; deve ser avaliado o uso de diuréticos e
também para suporte ventilatório, inicialmente não invasivo. O uso da pressão positiva
contínua em vias aéreas (CPAP) ou pressão positiva a dois níveis (BIPAP) reduz mais
rapidamente a hipercapnia nesses pacientes e também melhora significativamente a
hipoxemia. Além disso, reduz a necessidade de entubação orotraqueal (IOT) e também
reduz a mortalidade2. Caso não haja melhora clínica com o uso do CPAP, ou haja
sonolência importante, fadiga respiratória ou incapacidade de coordenação com a
máscara não invasiva, deve ser instituída a IOT.

Pacientes admitidos com insuficiência cardíaca aguda de qualquer etiologia também


devem ser submetidos ao uso de CPAP ou BIPAP na descompensação; apresentam
redução em torno de 40% de mortalidade intra-hospitalar e de 50% de IOT2. Casos em
que a fibrilação atrial de alta resposta ventricular é a causa da descompensação
cardíaca, cursando com congestão pulmonar, também podem ser tratados na admissão
com VNI até que o tratamento farmacológico seja devidamente instituído com melhora
clínica satisfatória2.
Pacientes admitidos em choque cardiogênico que apresentem esforço respiratório não
devem ser mantidos em VNI, a não ser até que o material de IOT esteja devidamente
preparado.

A ventilação mecânica invasiva com pressão positiva ocasiona redução da pré e pós-
carga sem reduzir a pressão arterial média; portanto os pacientes podem se beneficiar
muito dessa estratégia e, nas situações clínicas, o alívio da musculatura respiratória
associado à diminuição das incursões negativas torácicas pode melhorar
significativamente o paciente3.

Em casos de IAM com falência ventricular esquerda e congestão pulmonar, a utilização


de CPAP pode ser benéfica por gerar redução da pré-carga e também da pressão de
enchimento de ventrículo esquerdo (VE). Pode haver necessidade de ajuste de
vasodilatadores ou infusão de cristaloides para melhor ajuste volêmico. Não se deve
insistir na VNI se houver sinais de instabilidade clínica2,3.

São objetivos fisiológicos da ventilação mecânica4:

1. Manter ou modificar a troca gasosa pulmonar

• Ventilação alveolar (PaCO2 e pH)


O suporte ventilatório tem como objetivo intervir na ventilação alveolar. Em certas
circunstâncias, o objetivo pode ser aumentar a ventilação alveolar (hiperventilação
para reduzir a pressão intracraniana) ou reduzir a ventilação alveolar de maneira
controlada (hipercapnia permissiva); porém o objetivo usualmente adotado é
normalizar a ventilação alveolar.

• Oxigenação arterial (PaO2, SaO2 e CaO2)


O objetivo é atingir e manter valores aceitáveis de oxigenação arterial (PaO2
>60mmHg, SaO2 >90%). A oferta de oxigênio aos tecidos (D’O2) deve ser
considerada, corrigindo fatores como o conteúdo arterial de oxigênio (hemoglobina) e
o débito cardíaco.

2. Aumentar o volume pulmonar

• Insuflação pulmonar inspiratória final


Visa a prevenir ou tratar atelectasia.

• Otimizar a capacidade residual funcional (CRF)


Utilizar a PEEP em situações em que a redução na CRF pode ser prejudicial (redução
da PaO2, maior injúria pulmonar), como na SDRA e em pós-operatório com dor.

3. Reduzir o trabalho muscular respiratório

Os objetivos clínicos da ventilação mecânica4 são:

Reverter hipoxemia: aumentando a ventilação alveolar, aumentando o volume


pulmonar, diminuindo o consumo de oxigênio e aumentando a oferta de
oxigênio.
Reverter a acidose respiratória aguda
Reduzir o desconforto respiratório
Prevenir ou reverter atelectasias
Reverter fadiga dos músculos respiratórios
Permitir sedação, anestesia ou uso de bloqueadores neuromusculares
Reduzir o consumo de oxigênio sistêmico e miocárdico
Reduzir a pressão intracraniana
Estabilizar a parede torácica

4. Quando utilizar a ventilação não invasiva?

O uso da ventilação não invasiva com pressão positiva (VNI) para tratamento de
pacientes com insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada foi, certamente, um
dos maiores avanços da ventilação mecânica nas últimas duas décadas.

O uso da VNI em grupos selecionados de pacientes, como por exemplo, pacientes com
exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), é responsável pela
diminuição da necessidade de entubação, mortalidade e custos do tratamento, motivo
pelo qual seu uso vem se tornando cada vez mais frequente.

Como a VNI é uma modalidade de suporte ventilatório parcial e sujeita a interrupções,


não deve ser utilizada em pacientes totalmente dependentes da ventilação mecânica.
É importante que o paciente esteja bem acoplado à ventilação não invasiva, devendo-se
escolher a máscara que gera maior conforto ao paciente, assim como ser avaliada a
necessidade de sedação leve para que o paciente permita, com tranquilidade, o uso da
máscara até que apresente melhora clínica.

A cooperação do paciente é importante para o sucesso da VNI, tornando o seu uso


limitado nos pacientes com rebaixamento do estado de consciência ou com agitação. Da
mesma forma, pela inexistência de uma prótese traqueal, a VNI só deve ser utilizada
naqueles pacientes capazes de manter a permeabilidade da via aérea superior, assim
como a integridade dos mecanismos de deglutição e a capacidade de mobilizar
secreções. Instabilidade hemodinâmica grave, caracterizada pelo uso de aminas
vasopressoras, e as arritmias complexas são consideradas contraindicações para o uso
da VNI. Pacientes com distensão abdominal ou vômitos não devem utilizar VNI pelo
risco de aspiração. Pós-operatório imediato de cirurgia do esôfago é contraindicação
para VNI, entretanto dúvidas persistem acerca da segurança do seu uso no pós-
operatório de cirurgias gástricas. Trauma de face, lesão aguda e/ou sangramento de via
aérea são também consideradas limitações para o uso da VNI4.

• Interfaces

As máscaras nasais ou oronasais são as interfaces mais frequentemente utilizadas para a


aplicação da VNI em ambiente hospitalar. A máscara nasal é mais confortável, porém
pode haver vazamento de ar pela boca e também resistência das narinas ao fluxo de ar,
em alguns pacientes4,5. A máscara oronasal é a interface mais utilizada para pacientes
com insuficiência respiratória aguda, permitindo maior volume corrente e, portanto,
correção mais rápida das trocas gasosas6.

A máscara facial total tem a vantagem de diminuir o vazamento e possibilitar o uso de


maiores pressões inspiratórias. Uma maior área de contato entre a máscara e a face do
paciente pode diminuir as lesões de pele relacionadas ao uso da máscara e tornar o seu
uso mais confortável7. Os capacetes têm a vantagem de eliminar o contato da interface
com a face do paciente, evitando assim a lesão de pele. O grande espaço-morto dos
capacetes e a sua parede muito complacente levam, respectivamente, à reinalação de
CO2 e à necessidade do uso de maiores valores de pressão inspiratória para garantir a
correção das trocas gasosas8.

• VNI nas diversas situações clínicas


a) EAP cardiogênico

CPAP (Continuous positive airway pressure) é um modo ventilatório empregado com


frequência para o suporte ventilatório não invasivo de pacientes com edema agudo de
pulmão (EAP). Deve-se utilizar um valor mínimo de 10cmH2O para garantir os
benefícios hemodinâmicos e ventilatórios do CPAP. Pelo consenso brasileiro de
ventilação mecânica tem grau de recomendação A4.

O trabalho de Räsänen et al.9 comparou o tratamento convencional isolado ou


associado ao uso de pressão positiva contínua em vias aéreas (CPAP=10cmH2O) para
pacientes com edema pulmonar de origem cardíaca. Nesse estudo, houve apenas uma
melhora rápida da hipoxemia no grupo que usou CPAP. No estudo de Bersten et al.10, 39
pacientes com EAP cardiogênico e alto risco de entubação foram randomizados para
receber terapia convencional, associada ou não a CPAP=10cmH2O. Houve melhora
rápida da hipercapnia e da hipoxemia no grupo que recebeu CPAP, sendo que nenhum
paciente desse grupo foi entubado, contra 35% daqueles em tratamento convencional.
No trabalho de Lin et al.11, foi aplicado CPAP em níveis progressivamente maiores,
num intervalo de duas horas e meia. O resultado foi concordante com o estudo de
Bersten et al.10. A análise conjunta desses três estudos12 demonstrou uma redução na
necessidade de entubação (diferença de risco = –26%, IC95%= –13% a –38%) e uma
tendência à redução na mortalidade (diferença de risco = –6,6%, IC95% = 3% a –16%)
com o uso do CPAP.

Meta-análise publicada em 201113 avaliou 34 estudos com um total de mais de 3 mil


pacientes admitidos com EAP cardiogênico e demonstrou redução de mortalidade
significativa do grupo de pacientes que fez uso de VNI (RR 0,63; 95%CI 0,44-0,89).
Não houve diferença entre os grupos que utilizaram CPAP ou BIPAP13.

Estudo publicado em 2010 mostra efetividade das técnicas de VNI em pacientes com
quadro de EAP de etiologia isquêmica, mostrando melhora dos parâmetros oximétricos
e hemodinâmicos, com redução dos índices de IOT e também de mortalidade14.

b) DPOC

A evidência mais forte para o benefício do uso da VNI, tanto para a diminuição da
necessidade de entubação quanto para a redução da mortalidade, é no tratamento da
exacerbação da DPOC.

Três meta-análises15-17 baseadas em estudos controlados e randomizados realizados em


pacientes com DPOC agudizada comprovam o benefício do uso da VNI para diminuir
tanto a necessidade de entubação quanto a mortalidade hospitalar nesses pacientes.
Entretanto, a análise de Keenan et al.16 encontrou que esses benefícios não foram
demonstrados em pacientes com exacerbações mais leves de DPOC, enfatizando o
conceito de que a VNI é indicada para pacientes com exacerbações mais graves,
acompanhadas de hipercapnia e acidose respiratória.

Pelo consenso brasileiro de ventilação mecânica tem grau de recomendação A4.

c) Resgate pós-extubação

Insuficiência respiratória após a extubação pode ocorrer mesmo após uma adequada
condução do desmame; até o momento não há nenhum parâmetro objetivo que possa
identificar os pacientes em risco. Cerca de 13% a 19% dos pacientes extubados
necessitam de reentubação. Eles apresentam mortalidade sete vezes maior que os
extubados com sucesso4.

No entanto, dois estudos18,19 randomizados não confirmaram o benefício da ventilação


não invasiva como método de resgate da insuficiência respiratória após extubação. Os
pacientes foram randomizados em dois grupos: um grupo recebeu tratamento
convencional e o outro recebeu ventilação não invasiva por máscara facial associado
ao tratamento convencional. Em ambos os estudos não foram observadas diferenças
significativas nas taxas de reentubação, tempo de permanência na UTI e no hospital,
mortalidade na UTI e no hospital, entre os pacientes que receberam ventilação não
invasiva e o grupo-controle. Baseando-se nesses dois estudos, pode-se concluir que a
ventilação não invasiva não foi eficaz em evitar a reentubação na falência respiratória
que ocorreu após a extubação em grupos de pacientes não selecionados.

d) Estratégia de desmame

Meta-análise recente20 avaliou cinco ensaios controlados e randomizados, abordando o


uso da ventilação não invasiva como estratégia de desmame para pacientes submetidos
à ventilação mecânica invasiva para tratamento de insuficiência respiratória. Foram
incluídos 171 pacientes, com predomínio de portadores de DPOC. A conclusão foi que
a ventilação não invasiva, como estratégia de desmame, reduziu a duração total do
suporte ventilatório, a incidência de pneumonia associada ao ventilador, a permanência
na UTI e no hospital e a mortalidade (RR=0,41; IC95% = 0,22 a 0,76). A análise do
subgrupo de pacientes em ventilação mecânica por exacerbação de DPOC demonstrou
que estes foram os que mais se beneficiaram do uso da VNI como estratégia de
desmame. Ainda assim, a evidência foi considerada insuficiente para recomendar seu
uso rotineiro. Dessa forma, a ventilação não invasiva como estratégia de desmame foi
considerada promissora, embora evidências do seu benefício clínico ainda sejam
insuficientes.

O Quadro 1 sintetiza as contraindicações ao uso da VNI4:

Quadro 1
Contraindicações ao uso da VNI4

5. Quais são as indicações de suporte ventilatório invasivo e suas complicações?

De acordo com o consenso brasileiro de ventilação mecânica4 as indicações da


ventilação mecânica invasiva são:

IResA já estabelecida, decorrente de alterações da função pulmonar: da


mecânica ventilatória e da troca gasosa.
Profilática: consequente às condições clínicas que podem potencialmente
levar à insuficiência respiratória (Ex: pós-operatório).
Disfunção em outros órgãos e sistemas (Ex: choque, hipertensão
intracraniana).

Pacientes admitidos em EAP cardiogênico devem ser submetidos à VNI como primeira
linha de tratamento caso não apresentem contraindicações.
Em situações clínicas em que existe instabilidade clínica, sonolência importante ou
fadiga respiratória, deve ser instituída prontamente a ventilação mecânica invasiva, sem
tentativa de ventilação não invasiva.

Em situações em que existe choque circulatório, em vista da dependência anormal entre


oferta e consumo de oxigênio, não se deve postergar a assistência ventilatória invasiva,
pois o consumo energético exigido pela musculatura acessória vai ocasionar roubo de
fluxo para outros órgãos, podendo favorecer o desenvolvimento de falência orgânica
múltipla21.

Os resultados do registro BEAT, publicados em 2011, mostram que pacientes admitidos


por infarto agudo do miocárdio (IAM) que necessitam de ventilação mecânica invasiva
representam um grupo de alto risco clínico, com mortalidade em torno de 50% nos
quase 500 pacientes estudados22.

• Modos ventilatórios

Como métodos de ventilação mecânica deve-se entender todo e qualquer método de


suporte ventilatório capaz de prover, com o menor dano e custo possível, a melhor
ventilação e oxigenação capazes de suprir a demanda do paciente.

Os métodos de suporte ventilatório mais praticados na rotina assistencial e, por isso,


considerados convencionais, são os seguintes:

Ventilação com pressão positiva intermitente, assistida e/ou controlada,


ciclada a volume ou pressão (IPPV)
Ventilação à pressão controlada (PCV)
Ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV)
Ventilação com suporte pressórico (PSV)
Pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP)
Associações: SIMV + PSV, PSV + CPAP, SIMV + CPAP

6. Interação cardiopulmonar: quais são os efeitos hemodinâmicos da ventilação?


É importante considerar que pacientes admitidos na UC submetidos à ventilação com
pressão positiva, apresentarão alterações de débito cardíaco e retorno venoso
dependendo do modo ventilatório utilizado. A interação cardiopulmonar nos diferentes
cenários clínicos pode ser complexa, e avalia a interdependência entre ventilação
mecânica, troca gasosa e seus efeitos hemodinâmicos.

A utilização da pressão positiva em situações em que há colapso alveolar acarreta em


aumento da PaO2 e redução da PaCO2. Essa melhora se deve à abertura de alvéolos
colapsados, com consequente redução dos efeitos shunt e espaço-morto3.

A adição de pressão positiva contínua em vias aéreas em indivíduos normais costuma


levar à redução do retorno venoso e, consequentemente, à queda do débito cardíaco23.

Quedas consideráveis do débito cardíaco cursam com piora da oxigenação arterial.


Isso se deve à queda acentuada da saturação venosa de oxigênio, causada pela
lentificação dos fluxos teciduais. Quanto maior a queda do DC, pior a PaO2, segundo
ilustrado na Figura 124:

Figura 1

Efeitos da mudança do débito cardíaco sobre a PaO2 na presença de diversas relações V/Q pulmonares3
O aumento do débito cardíaco eleva o efeito de shunt pulmonar, porém gera redução do
espaço-morto. A adoção de medidas auxiliares (infusão de dobutamina, hemácias,
controle de temperatura) pode elevar a pressão venosa de oxigênio e consequentemente
da pressão arterial de oxigênio em algumas situações clínicas de hipoxemia refratária24.

O uso de ventilação com pressão positiva resulta em aumento das pressões intrapleural
e intra-abdominal, assim como elevação dos volumes intrapulmonares. A extensão das
consequências dessas variações relativas a qualquer que seja a pressão das vias aéreas
depende da complacência da parede torácica e pulmonar do paciente. A PEEP causa
queda do retorno venoso, que pode ser mais acentuada em casos de hipovolemia
significativa. O principal responsável pelo retorno venoso sistêmico é a pressão interna
de átrio direito, que depende da interação complexa entre quatro variáveis que são:
pressão pleural, pressão venosa sistêmica, volemia e tônus simpático3,24.

Situações em que há elevado esforço respiratório geram queda da pressão pleural, com
consequente aumento do retorno venoso para o átrio direito e redução do retorno
venoso para o átrio esquerdo3.

Em pacientes com choque cardiogênico por falência de VD, a utilização de ventilação


com pressão positiva deve ser considerada com muita cautela. Isto porque o uso de
PEEP aumenta a resistência vascular pulmonar, o que piora a hipertensão pulmonar,
podendo agravar ainda mais a disfunção de VD, a menos que se evite cuidadosamente a
hiperdistensão pulmonar, favorecendo assim a contratilidade miocárdica3,24.

A PEEP aumenta a resistência vascular periférica, agravando a hipertensão pulmonar e


consequentemente a função de VD. Por outro lado, a PEEP reduz a pressão transmural
do VE. Em pacientes com disfunção de VE, o aumento da pressão intratorácica diminui
o volume diastólico final de VE menos do que diminui o volume sistólico, resultando
em aumento do débito cardíaco3.

A ventilação mecânica com pressão positiva ocasiona redução da pré e pós-carga,


porém com a peculiaridade de não causar queda da pressão arterial média. Portanto,
pacientes com choque cardiogênico ou edema agudo de pulmão podem se beneficiar
muita dessa estratégia e, nessas situações clínicas, o alívio da musculatura respiratória
associado à diminuição das incursões negativas torácicas podem melhorar
significativamente o paciente25.

A avaliação do débito cardíaco apresenta um caráter bifásico durante qualquer modo de


ventilação mecânica. Logo no início da inspiração, observa-se aumento fugaz do débito
cardíaco, devido ao aumento temporário do retorno venoso para câmaras esquerdas,
obtido a partir da compressão do sangue armazenado nos vasos pulmonares. Numa
segunda fase, porém, observa-se queda de débito cardíaco, causada pelo efeito
contrário preponderante sobre a pré-carga de câmaras direitas, observando-se, então,
diminuição do fluxo sanguíneo pulmonar e queda do retorno venoso para o átrio
esquerdo26.

Em condições de variações de volemia, pode desaparecer essa resposta bifásica. Em


casos de hipovolemia, a pressão positiva alveolar é capaz de impulsionar pouco
volume sanguíneo a partir dos capilares alveolares, e a diminuição do retorno venoso
esquerdo pode ser o fenômeno preponderante, mesmo no início da inspiração. Ao
contrário, em condições de hipervolemia, o "roubo de sangue" a partir dos capilares
extravasculares é pequeno em relação ao restante fornecido pelo colapso dos capilares
alveolares, predominando o aumento inicial do retorno venoso esquerdo2,3 (Figura 2).

Figura 2
Variação da interação cardiopulmonar: da ventilação espontânea à ventilação controlada3.

7. Como ventilar o paciente?

Como citado, pacientes que apresentam disfunção de VD apresentam piora clínica com
o uso de PEEP por piora do débito cardíaco. Esses pacientes devem ser ventilados com
baixos valores de volume corrente (5-6ml/kg), com níveis de PEEP baixos (em torno de
5-6) e em modos controlados até que haja estabilidade clínica2,3.

No caso de pacientes com disfunção de VE, a ventilação mecânica com pressão


positiva funciona com um "vasodilatador" venoso e arterial, causando diminuição na
pré e na pós-carga, respectivamente, com a peculiaridade de não causar queda no valor
absoluto da pressão arterial média3. Os objetivos da ventilação mecânica nesses
pacientes são: descanso da musculatura respiratória, redução do consumo de oxigênio e
da pós-carga, além de aumento da contratilidade miocárdica. Aqueles que apresentam
estabilidade clínica podem ser ventilados com volumes correntes mais elevados (entre
7-9 ml/kg) e valores de PEEP mais elevados. Nos casos em que houver hipotensão, não
devem ser utilizados valores elevados de VC ou PEEP2,3.

A ocorrência súbita de broncoespasmos durante o processo de desmame — desde que


não presentes durante o período de ventilação controlada — pode alertar o clínico para
a existência de cardiopatia latente (principalmente de origem isquêmica)3.

Em pacientes que apresentam edema pulmonar cardiogênico, conforme apresentado no


caso clínico, o uso da ventilação com pressão positiva gera melhora da performance
cardíaca, redução do retorno venoso, e queda da pressão capilar pulmonar e do
trabalho respiratório. O emprego da pressão positiva através da ventilação não
invasiva é uma técnica que deve ser utilizada, reduzindo a mortalidade nesses
pacientes13.

Assim, as variáveis respiratórias e hemodinâmicas de cada paciente devem ser


avaliadas para que se possa tomar a melhor decisão clínica quanto ao suporte
ventilatório a ser utilizado, considerando-se sempre as consequências hemodinâmicas
do suporte ventilatório escolhido.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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Seção 3. Doença isquêmica / Doença
crônica

A História e o Exame Físico na Doença Coronariana Crônica


Linhas Gerais da Estratificação do Risco: Evidências e Recomendações na
Prática Clínica
Tratamento Farmacológico: Conceitos e Aplicação Clínica das Evidências
Paciente com Doença Univascular Proximal da Artéria Descendente
Anterior
Doença Multivascular com Função Sistólica Preservada
Doença Multivascular com Disfunção Sistólica do Ventrículo Esquerdo
A HISTÓRIA E O EXAME FÍSICO NA
DOENÇA CORONARIANA CRÔNICA

Antonio Sergio Cordeiro da Rocha


Marcelo Rivero

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 69 anos de idade, apresentando há 12 meses desconforto torácico
anterior, localizado em região retroesternal, relatado como uma sensação de aperto ou
peso, sem irradiação, que surgia ao subir rápido os três andares do local onde trabalha
e que melhorava com repouso, com duração aproximada de 5min. Há seis meses o
desconforto passou a lhe acometer ao subir dois lances de escada. Negava dispneia,
palpitações, síncope ou pré-síncope, náuseas ou vômitos.

É portador de hipertensão arterial sistêmica diagnosticada há dez anos, em tratamento


irregular com losartana 25mg/dia; dislipidemia tratada regularmente com atorvastatina
10mg/dia; obesidade e sedentarismo. Não faz uso de outras medicações e não tem
outros fatores de risco cardiovascular. Relata ansiedade relacionada ao trabalho.

Ao exame físico: mucosas coradas, acianóticas e anictéricas. Pulsos palpáveis nas


quatro extremidades. Pulsos carotídeos com boa amplitude e sem sopro em seus
trajetos.

O íctus era invisível, mas palpável em decúbito lateral esquerdo na linha


hemiclavicular esquerda, ocupando menos de duas polpas digitais, com onda pré-
sistólica palpável. A frequência estava em 78bpm. A 1ª bulha era normofonética, assim
como a 2ª bulha, que apresentava desdobramento fisiológico e componente aórtico mais
intenso do que o pulmonar. Em ponta auscultava-se uma 4ª bulha.

Pulmões limpos, com murmúrio vesicular audível em ambos os hemitórax. Não havia
visceromegalias, nem edema de membros inferiores. PA =140x90mmHg em ambos os
braços e 148x86mmHg em ambas as pernas.

Eletrocardiograma em repouso mostrava ritmo sinusal, com segmento PR normal, eixo


do AQRS a 30º, sem sinais de sobrecargas cavitárias ou outras alterações do QRS ou
do segmento ST/T.

OBJETIVOS

1. Discutir a contribuição da história e do exame físico na doença coronariana


crônica
2. Conceituar, classificar e identificar a dor torácica de origem isquêmica.
3. Identificar fatores de risco para a dor torácica de origem isquêmica.

PERGUNTAS
1. Como identificar a dor torácica de origem isquêmica (anginosa)?

A descrição detalhada dos sintomas permite ao médico caracterizar a dor torácica.


Cinco componentes são essenciais nessa avaliação: qualidade, localização, duração,
fatores desencadeantes e fatores aliviadores da dor1-3.

Vários adjetivos têm sido utilizados para descrever a qualidade da dor que, muitas
vezes, não é interpretada pelos pacientes como uma dor em si, mas um desconforto
descrito como: “aperto”, “queimação”, “peso” ou “sufocante”1,3. Dificilmente, a
isquemia miocárdica produz dor em pontada ou aguda e não sofre modificações com a
posição do corpo ou respiração1,3. Os episódios de isquemia miocárdica, em geral,
duram poucos minutos. Habitualmente, produz dor retroesternal que pode se irradiar
para pescoço, mandíbula ou braços1-3.

Dor acima da mandíbula, abaixo do epigástrio ou localizada no lado esquerdo do tórax,


raramente é produzida por isquemia miocárdica3. Qualquer dor localizada entre a
cicatriz umbilical e a mandíbula pode ser sinal de isquemia miocárdica. A dor
relacionada com a isquemia miocárdica é precipitada pelo esforço físico ou estresse
emocional e comumente alivia com o repouso. Pode existir, no entanto, um platô de 10-
30min de dor que, posteriormente, mesmo com a manutenção do exercício,
desaparece2,3. A dor provocada por isquemia miocárdica alivia, também, em poucos
segundos ou minutos com o uso de nitroglicerina ou dinitrato de issosorbida
sublingual1,2. Um sinal clássico do paciente com o punho cerrado sobre o esterno para
descrever a característica da dor (sinal de Levine) apresenta alta acurácia para o
diagnóstico de dor provocada por isquemia miocárdica (angina)1.

2. Como classificar a dor torácica isquêmica (anginosa)?

Uma das classificações mais utilizadas na prática clínica, cuja importância é a de


unificar a linguagem sobre o tema, subgrupa a dor torácica em angina típica, angina
atípica e dor não anginosa2,3.

A angina é considerada típica quando três das seguintes características estão presentes:
dor em aperto relacionada aos esforços ou emoções, retroesternal e que alivia com o
repouso ou nitrato sublingual. A angina é atípica quando apresenta duas destas
características; e dor não anginosa quando apresenta apenas uma destas
características2,3.

A angina pode ser ainda classificada em estável e instável. Esta classificação é


importante porque a angina instável sinaliza a presença de processo fisiopatológico
diferente da angina estável e prediz um risco de evento cardíaco maior em curto prazo.
A classificação mais utilizada para angina instável é a de Braunwald1, que a categoriza
em classes e tipos.

Quanto à gravidade:
Classe I: quando a angina é de recente começo, grave ou acelerada, com
menos de dois meses de duração, ocorrendo mais de três vezes ao dia e
precipitada por menos exercício, mas sem dor em repouso, nos últimos dois
meses1.
Classe II: quando a angina ocorre em repouso, subaguda, dentro do mês
precedente, mas não nas últimas 48 horas.
Classe III: quando a angina ocorre em repouso, aguda, dentro das últimas 48
horas1.

Quanto às condições clínicas:

Classe A: quando a angina é secundária ao aumento de consumo de oxigênio


miocárdico.
Classe B: quando é angina primária.
Classe C: quando ocorre após infarto agudo do miocárdio1.

Quanto à intensidade do tratamento:

1: na ausência ou tratamento mínimo


2: na vigência de tratamento-padrão
3: quando sob tratamento máximo1

3. Que outros sintomas são importantes na anamnese, em paciente com dor


torácica (angina)?

Durante a anamnese a presença de outros sintomas como dispneia, náuseas e/ou vômitos
e síncope ou pré-síncope também devem ser questionados, uma vez que dispneia pode
ser um equivalente anginoso em pacientes com isquemia miocárdica, principalmente
nos portadores de diabetes mellitus (DM). Náuseas e vômitos podem estar presentes em
casos de infarto agudo do miocárdio e angina instável grave; e síncope ou pré-síncope
podem ser manifestações clínicas de baixo débito ou arritmias ventriculares graves1-3.
Existe a possibilidade de precipitação de angina durante o uso de tabaco e cocaína e o
uso recente de ambos deve também ser questionado1,3.

4. Quais são os fatores de risco importantes na história de dor torácica isquêmica


(angina)?
Após o detalhamento da dor, é importante caracterizar a presença de fatores de risco
para a doença arterial coronariana (DAC)1,3. Tabagismo, dislipidemia, DM, hipertensão
arterial sistêmica e história familiar de DAC prematura isolados ou associados
agregam maior risco de DAC1-3. História pregressa de doença cerebrovascular ou
doença vascular periférica aumentam a probabilidade da presença DAC1-3.

5. Que sinais devem ser procurados em pacientes com dor torácica isquêmica
(angina)?

O exame físico habitualmente é normal em pacientes com angina estável. Todavia, a


detecção de uma 4ª bulha (mais comum) ou 3ª bulha, desdobramento paradoxal da 2ª
bulha (por assinergia na contração ventricular e prolongamento da contração do
ventrículo esquerdo com atraso no fechamento da valva aórtica), sopro de insuficiência
mitral ou estertores bibasais durante episódio de angina e que desaparecem com o
cessar da dor apontam fortemente para a presença de DAC1,2.

Mesmo considerando que o exame físico, em geral, não é muito útil para confirmar a
presença de DAC, exame cuidadoso pode revelar a presença de doença valvar ou
cardiomiopatia hipertrófica, que são condições associadas com angina1,2. A evidência
de aterosclerose extracardíaca, como diminuição de pulso carotídeo, sopro em uma das
carótidas, diminuição dos pulsos em membros inferiores, índice tornozelo-braquial
anormal ou aneurisma abdominal aumentam a chance de DAC2.

A presença de xantomas, xantelasmas, elevação da pressão arterial e alterações no


fundo de olho apontam para a presença de fatores de risco de DAC1,2. A palpação da
caixa torácica pode revelar áreas dolorosas causadas por síndromes
musculoesqueléticas torácicas, mas que não afastam a possibilidade de angina causada
por DAC3. A presença de atrito pleural ou pericárdico denota a presença de doença
pleural ou pericárdica1,2.

6. Como são classificados os pacientes com dor torácica?

Após a história e o exame físico estarem completos, o importante é verificar se o


coração é o responsável pelo sintoma. Assim, é necessário estabelecer uma estimativa
da presença de DAC, porque o resultado dos testes complementares, que
necessariamente se seguem à primeira etapa de avaliação, será influenciado pela
prevalência da doença no paciente que está sendo avaliado. Nesse contexto, quanto
menor a probabilidade pré-teste da doença, maior a chance de resultado pós-teste
positivo ser falso.

Por outro lado, em paciente com alta prevalência pré-teste de doença, um teste negativo
não afasta a possibilidade do diagnóstico. Embora seja bastante especulativo predizer a
probabilidade da presença da DAC pela história e exame físico, Diamond e Forrester5
(Tabela 1), em estudo clinicopatológico, demonstraram que é possível por meio do tipo
de dor, idade e sexo, predizer com boa acurácia a probabilidade de DAC4,5. Esse
estudo foi posteriormente confirmado em estudos prospectivos realizados na
Universidade de Duke e Stanford7-9. A presença de fatores de risco como tabagismo,
dislipidemia, diabetes e alterações eletrocardiográficas (presença de ondas Q ou
alterações do ST-T) aumentam o valor preditivo do método4,5. Desses fatores, o
diabetes é o que tem maior influência sobre o risco5. O estudo de Stanford mostrou que
o modelo funciona bem para pacientes com angina típica, mas para pacientes mais
jovens com dor atípica o modelo magnifica a probabilidade da DAC7.

Pode-se também graduar a intensidade da angina de acordo com a classificação


funcional da Canadian Cardiovascular Society descrita no Quadro 11,2.

Tabela 1
Probabilidade pré-teste de DAC em pacientes sintomáticos de acordo com idade e sexo

Fonte: adaptação de Diamond e Forrester5 e CASS6

Quadro 1
7. Quais os diagnósticos diferenciais que devem ser considerados em pacientes com
dor torácica?

Utilizando as informações da história e do exame físico, o médico pode considerar a


presença de outras condições clínicas que causam ou contribuem para a angina em
pacientes com baixa probabilidade de DAC, assim como considerar diagnósticos
alternativos1-3. Aumento na demanda de oxigênio pode ocorrer no hipertireoidismo,
hipertermia e abuso de cocaína1-3. Angina pode ocorrer em paciente com hipertensão
arterial sistêmica grave e não controlada, devido ao aumento da tensão intraparietal
miocárdica, com diminuição da perfusão subendocárdica1-3. Esses mesmos mecanismos
contribuem para a angina associada à cardiomiopatia hipertrófica e estenose valvar
aórtica1,3. Taquicardias supraventriculares ou ventriculares sustentadas podem aumentar
o consumo de oxigênio e contribuir para o aparecimento de angina1-3. Condições que
reduzem o suprimento de oxigênio para o miocárdio, como anemia e qualquer doença
pulmonar que induza hipóxia, devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de
pacientes com angina1-3.

8. Como avaliar o paciente do caso clínico?

O paciente descrito apresenta sintomas clássicos de angina típica e estável. A primeira,


caracterizada pela presença de dor retrosternal em aperto, relacionada aos esforços que
melhora com o repouso; a segunda pelo início e mudança do padrão de dor há mais de
dois meses. Ele apresenta uma piora de classe funcional (CF) da angina, que evolui de
CF I para II, de acordo com a classificação da CCS10,11.

De acordo com a estimativa proposta por Diamond e Forrester5 (Tabela 1), sendo o
paciente do sexo masculino, com 69 anos de idade e história de angina típica, pode-se
deduzir uma probabilidade da presença de DAC obstrutiva significativa de
aproximadamente 94%. Como, além disso, o paciente apresenta três fatores de risco
para aterosclerose coronariana: hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia e história
familiar prematura de DAC, a probabilidade pode chegar a 97%.

Apesar da otimização do tratamento clínico, houve progressão da CF, com o paciente


chegando a CF III. Ele foi submetido à cineangiocoronariografia que revelou a presença
de lesões obstrutivas significativas das três principais artérias coronárias.

Este caso ilustra a importância que a história clínica e o exame físico têm na estimativa
da presença de DAC obstrutiva estável4,5,7-9.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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LINHAS GERAIS DA ESTRATIFICAÇÃO DO
RISCO: EVIDÊNCIAS E RECOMENDAÇÕES
NA PRÁTICA CLÍNICA

Roberto Esporcatte
Elias Antonio Yunes

CASO CLÍNICO
Paciente do sexo masculino, 65 anos, com história prévia de hipertensão, diabetes
mellitus tipo 2 e dislipidemia, procura atendimento ambulatorial por quadro de
desconforto precordial em aperto, de moderada intensidade, com irradiação para o
membro superior esquerdo, desencadeada aos esforços como caminhada de
aproximadamente 15 minutos ou subir dois lances de escada, e que melhora ao cessar o
esforço. Faz uso regular há cinco anos de hidroclorotiazida 25mg/dia, losartan 50mg
2xd, metformina 850mg 3xd e glibenclamida 5mg 2xd.

Ao exame físico apresentava-se eupneico, corado, hidratado, c/ RCR BNF s/ sopros,


MVUA s/ RA, abdome e membros inferiores sem alterações. PA =140/80mmHg; FC
=88bpm; IMC =27kg/m2.
Os exames laboratoriais encontram-se apresentados no Quadro 1.

Quadro 1
Exames laboratoriais do paciente relatado

O ECG realizado encontra-se na Figura 1.

Figura 1
ECG do paciente relatado
OBJETIVOS
1. Avaliar a importância da probabilidade pré-teste para a tomada de decisão
em relação à investigação diagnóstica e estratificação de risco.
2. Discutir os diferentes aspectos a serem avaliados para definir o risco de
eventos cardiovasculares
3. Discutir os exames complementares que podem ser utilizados para auxiliar na
estratificação de risco e suas indicações na prática clínica.
4. Propor um algoritmo com a sequência de avaliação e indicação dos métodos
complementares para diagnóstico e estratificação de risco.

PERGUNTAS
1. Qual o primeiro passo na investigação diagnóstica do paciente em questão?

A confiabilidade e a acurácia de qualquer teste dependem não somente da sua


sensibilidade e especificidade, mas também da prevalência da doença na população a
ser estudada. Seguindo esse princípio pode-se evitar o uso indiscriminado dos exames
complementares e garantir que o teste a ser realizado acrescentará informações
importantes à avaliação clínica para definir a estratégia terapêutica.

Diante de um paciente que se apresenta com queixa de dor precordial, o primeiro passo
a ser dado é definir qual a probabilidade pré-teste de se confirmar o diagnóstico de
doença arterial coronariana (DAC), pois a partir dessa avaliação serão definidos os
próximos passos na investigação. A probabilidade de o paciente ser portador de DAC
baseia-se nas características clínicas da dor, no sexo e na idade do paciente. (Tabela
1)1 Os três elementos da dor a serem considerados são:

1. Desconforto ou dor retroesternal


2. Provocada por esforço físico ou estresse emocional
3. Aliviada com repouso ou com nitroglicerina

A angina deve ser considerada típica quando as três características estão presentes;
atípica (provável) quando duas destas estão presentes; e não anginosa quando uma ou
nenhuma característica estiver presente2. A probabilidade pré-teste é considerada baixa
quando <10%; intermediária quando entre 10% e 90%; e alta quando >90%3.

Tabela 1
Probabilidade (%) de DAC em pacientes sintomáticos

Fonte: adaptado de Diamond e Forrester1; Emond et al.3

Na anamnese, além de se caracterizar detalhadamente a dor precordial, incluindo-se aí


a sua graduação frente ao esforço físico, também devem ser levantados os fatores de
risco como hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), dislipidemia,
tabagismo e história familiar, bem como os antecedentes pessoais para DAC.

2. Como classificar o risco do paciente e quais os aspectos a serem analisados para


a estratificação do risco?

A estratificação do risco do paciente tem dupla importância: fornecer informações


sobre o prognóstico do paciente e auxiliar na escolha da melhor proposta terapêutica. O
modelo de classificação de risco proposto pela Sociedade Europeia de Cardiologia4,
baseado em resultados de estudos clínicos, determina como de alto risco pacientes com
mortalidade cardiovascular anual >2%; intermediário entre 1-2%; e de baixo risco com
mortalidade anual <1%. Já as diretrizes brasileiras7 e norte-americanas8 consideram
valores >3%, entre 1-3% e <1%, respectivamente.

Os quatro aspectos da DAC que podem ser analisados para estratificação do risco são:
avaliação clínica, resposta aos testes provocativos, quantificação da função ventricular
e extensão da doença pela avaliação da anatomia coronariana4. Vale lembrar que essa
não é uma sequência de avaliação linear e nem todos os pacientes precisam ter, na sua
estratificação, os quatro aspectos investigados, já que em pacientes de baixo risco
provavelmente não será necessária a avaliação da anatomia coronariana.
3. Qual a importância da avaliação clínica inicial na estratificação de risco?

A estratificação pela avaliação clínica deve ser sempre a primeira a ser utilizada e é
um passo imprescindível na avaliação do risco cardiovascular. A história e o exame
físico podem dar informações prognósticas fundamentais. A graduação da dor é um
ponto importante na anamnese, e pode ser feita usando-se a classificação da Sociedade
Canadense de Cardiologia (Quadro 2)5. Na história clínica, além de caracterizar o
padrão dos sintomas, a identificação de fatores de risco com importância prognóstica
como HAS, DM, dislipidemia, tabagismo e história familiar, a idade do paciente, os
sintomas de IC e a história prévia de IAM são fundamentais6. Também devem ser
pesquisadas outras condições que possam desencadear ou exacerbar isquemia (Quadro
3)7.

O exame físico em geral não colabora para o diagnóstico por não apresentar sinais
clínicos específicos, mas pode ser útil para a identificação de fatores de risco e
comorbidades que auxiliem no diagnóstico como HAS, sinais de doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC), xantelasma, doença vascular aterosclerótica não
coronariana (pulsos diminuídos, sopro carotídeo ou renal, aneurisma de aorta
abdominal)8. O exame durante episódio anginoso pode revelar algumas alterações
como terceira ou quarta bulhas, sopro de insuficiência mitral ou estertores basais.

Nessa etapa da estratificação também devem ser incorporados alguns exames como o
ECG, os exames laboratoriais e a radiografia de tórax.

Quadro 2
Graduação da angina de peito, segundo a Sociedade de Cardiologia Canadense

Fonte: Campeau5
Quadro 3
Condições que podem desencadear ou exacerbar isquemia

Fonte: Gibbons et al.8

Radiografia de tórax

Normalmente é o primeiro exame de imagem a ser realizado, sendo importante para o


diagnóstico diferencial da dor torácica. A presença de sinais compatíveis com
insuficiência ventricular esquerda (IVE) está associada a pior prognóstico9.

Exames laboratoriais

São importantes no auxílio à avaliação clínica para a identificação de fatores de risco


com implicação prognóstica e de comorbidades que possam alterar o curso da
estratificação de risco.

Eletrocardiograma

O eletrocardiograma de repouso (ECG) deve ser realizado em todos os pacientes com


suspeita de angina, mas em aproximadamente 50% deles não mostrará nenhuma
alteração. Na outra metade, as alterações mais comumente encontradas são: alterações
inespecíficas da onda T e segmento ST, sobrecarga ventricular esquerda e onda Q
patológica8,9. A ausência de alterações no ECG não tem correlação com a gravidade da
doença aterosclerótica, mas a presença de algumas alterações como a inversão da onda
T ou o infradesnivelamento do segmento ST, principalmente em vigência de dor, têm
correlação prognóstica, são importantes para o diagnóstico e para classificar o paciente
como de alto risco. Mesmo assim essas alterações não são específicas e podem estar
presentes em outras condições.

Metade dos pacientes com ECG normal apresenta alterações de ST ou da onda T no


momento da dor, o que confere alto valor preditivo positivo ao exame. Também pode
ser indicativo de isquemia na vigência da dor a normalização de alterações de ST-T
presentes no ECG de repouso (pseudonormalização)4. A presença de distúrbios de
condução e de sobrecarga ventricular pode denotar o comprometimento da função
ventricular esquerda (FVE), o que também é um marcador de pior prognóstico. De
qualquer forma, a presença no ECG de repouso de bloqueio de ramo esquerdo,
bloqueio do fascículo anterior do ramo esquerdo, HVE, evidência de IAM prévio,
bloqueio AV de segundo ou terceiro graus e fibrilação atrial podem refletir dano
miocárdico e também representam maior risco de eventos cardiovasculares futuros. A
monitorização ambulatorial do ECG pode também identificar pacientes com isquemia
silenciosa.

A história clínica, o exame físico, a avaliação do perfil de risco cardiovascular e o


ECG de repouso são considerados classe I-B na estratificação de risco de todos
pacientes com DAC crônica4.

4. A função ventricular esquerda é relevante para estratificar o risco do paciente?

A avaliação clínica inicial pode ser capaz de identificar sinais e sintomas de


insuficiência ventricular esquerda (IVE), mas uma grande parte dos pacientes é
assintomática.

A estratificação de risco considerando a função ventricular é importante já que o maior


preditor de sobrevida a longo prazo é a função ventricular esquerda (FVE)3. Angina
associada à fração de ejeção <35% ao ecocardiograma de repouso está associada a
uma taxa de mortalidade >3% ao ano. As dimensões do ventrículo esquerdo também
têm importância prognóstica10.

O ecocardiograma de repouso para estratificação de risco em pacientes com quadro de


DAC crônica é recomendado como classe I em pacientes com clínica de IVE, história
de IAM prévio, HAS ou DM e naqueles com alterações no ECG de repouso, como
distúrbios de condução, presença de onda Q ou alterações de ST-T4.
5. Quais as opções de exames não invasivos para determinar o risco cardiovascular
quanto à resposta frente ao estresse?

A decisão sobre a sequência da investigação deve considerar a probabilidade pré-teste


de DAC e o objetivo do teste não invasivo. Para aqueles em início de acompanhamento
a necessidade do diagnóstico se impõe, sendo o objetivo determinar a presença de
isquemia por lesão aterosclerótica obstrutiva. Nos pacientes com doença já
estabelecida, predomina a necessidade da estratificação de risco e de evoluir para
avaliação invasiva da anatomia coronariana e possível tratamento.

Os testes podem ser feitos sem ou com imagem e, nesse caso, com estresse físico ou
farmacológico. A informação sobre prognóstico vem não só da detecção da isquemia,
mas principalmente de sua gravidade, extensão e da capacidade funcional do paciente.
O Quadro 4 apresenta a especificidade e a sensibilidade dos testes provocativos para o
diagnóstico de DAC11.

Os resultados dos testes podem ser classificados como: negativos, indeterminados,


positivos não alto risco e positivos de alto risco, independentemente da gravidade dos
sintomas. Pacientes assintomáticos com resultados de alto risco também devem seguir
para a investigação da anatomia coronariana e se beneficiar de uma possível
revascularização10. Por outro lado, testes negativos mesmo em pacientes sintomáticos
demonstram bom prognóstico que, em geral, não pode ser melhorado pela
revascularização.

Normalmente testes de estresse não devem ser indicados para pacientes assintomáticos
sem DAC conhecida, mas pode ser razoável no caso de diabéticos que pretendam
iniciar atividade física vigorosa, para os que têm evidência de isquemia na
monitorização ambulatorial do ECG ou para aqueles com calcificações coronarianas
graves na tomografia computadorizada9.

Quadro 4
Especificidade e sensibilidade dos testes não invasivos11
TE= teste de esforço; Eco=ecocardiograma; RM=ressonância magnética; PET=tomografia por emissão de pósitrons

Teste ergométrico

O teste ergométrico (TE) é um exame de ampla disponibilidade, baixo custo e boa


acurácia, recomendado como primeira escolha para todos os pacientes com
probabilidade alta ou moderada de DAC, exceto aqueles que não podem se exercitar ou
que apresentam anormalidades no ECG que comprometam a interpretação das
alterações de ST-T, bem como naqueles pacientes em que a gravidade da apresentação
clínica já impõe uma avaliação invasiva inicial12,13. A estratificação de risco com a
ergometria também deve ser realizada nos pacientes já com diagnóstico estabelecido de
DAC crônica que apresentem mudança no padrão da angina aos esforços.

A especificidade do exame é reduzida em mulheres de meia-idade, com uma taxa de


falso-positivo estimada em 17%14.

Os marcadores prognósticos do exame são a capacidade máxima de exercício,


alterações hemodinâmicas, alterações eletrocardiográficas e a indução de dor.

Uma ferramenta útil na estratificação de risco é o escore de DUKE15, inicialmente


desenvolvido para este fim, mas depois também validado para avaliação diagnóstica.
Este escore considera apenas três variáveis do TE, sendo calculado pela seguinte
fórmula: tempo de exercício (em minutos) – (5 x o maior desnível ST em mm) – (4 x
angina, sendo: ausência de angina=0; angina=1; angina limitante=2). A pontuação final
do escore varia de ≥+15 pontos a ≤25 pontos, sendo alto risco definido por um escore
≤-11 pontos, com mortalidade anual ≥3%; moderado risco, de -10 a +4 pontos, com
mortalidade anual de 1% a 3%; e baixo risco ≥+5 pontos, mortalidade ≤1%. O escore é
limitado em pacientes assintomáticos, idosos acima de 75 anos, após revascularização
cirúrgica do miocárdio e após infarto do miocárdio recente7,15,16.
Recomendações segundo as diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia4:

Todos os pacientes em avaliação inicial sem alteração significativa no ECG:


( I-B).
Pacientes com DAC crônica com mudança no padrão dos sintomas: (I-C).
Pacientes pós-revascularização com piora do padrão dos sintomas: (IIa-C).

Cintilografia miocárdica

Pode ser realizada tanto com estresse físico quanto farmacológico, sendo este último
indicado a pacientes que não sejam capazes de realizar o esforço físico ou que
apresentem alterações no eletrocardiograma que impossibilitem a interpretação do
resultado no estresse físico. O exame realizado com estresse físico agrega várias
informações prognósticas importantes dadas pela ergometria, como a presença de
sintomas, tolerância ao esforço e alterações hemodinâmicas. Tem indicações não só
para estratificação de risco, mas também para diagnóstico e pesquisa de
viabilidade17,18.

Em comparação com a ecocardiografia de estresse apresenta maior sensibilidade e


menor especificidade, mas ambos têm maior sensibilidade e especificidade que a
ergometria isolada19. Pacientes com perfusão miocárdica normal, desde que apresentem
também FVE preservada, têm baixo risco anual de mortalidade e IAM (<1%). Achados
de alto risco (>2%) incluem área extensa de hipoperfusão, múltiplos territórios de
isquemia e dilatação transitória do VE pós-esforço7.

Recomendações segundo as diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia4,17:

a) Com estresse físico:

Pacientes capazes de se exercitar com anormalidades no ECG de repouso


que dificultem a interpretação correta das alterações eletrocardiográficas na
ergometria: (I-C).
Pacientes com probabilidade pré-teste intermediária ou alta com teste
ergométrico inconclusivo: (I-B).
Pacientes pós-revascularização com piora dos sintomas: (IIa-B).
Como alternativa ao teste ergométrico, em centros onde as condições de
custo, estrutura e recursos humanos permitam: (IIa-B).

b) Com estresse farmacológico:

Pacientes incapazes de se exercitar.


Pacientes com indicação de realizar o exame em centro que não seja possível
realizá-lo com estresse físico.

Ecocardiograma de estresse

Assim como a cintilografia, também pode ser realizado com estresse físico ou
farmacológico e pode ser usado para avaliação diagnóstica, prognóstica e de
viabilidade. Apresenta também alto valor preditivo negativo18. O risco de eventos
futuros depende e é proporcional tanto ao número de alterações segmentares no eco em
repouso quanto ao número de regiões com alteração segmentar induzida pelo
estresse4,17.

As recomendações são as mesmas da cintilografia miocárdica e as limitações são


relacionadas à janela para aquisição da imagem e à experiência do examinador.

O Quadro 5 apresenta os achados nos testes não invasivos e sua correlação com o risco
anual de morte7.

Quadro 5
Resultados dos testes não invasivos e risco anual de morte
Fonte: Gibbons et al.8

Ressonância magnética

A ressonância magnética cardíaca (RMC) de estresse é uma técnica relativamente


recente realizada exclusivamente com estresse farmacológico e que também apresenta
um alto valor preditivo negativo9. Foi favoravelmente comparada ao ecocardiograma
de estresse pela melhor qualidade de imagem e por também ser capaz de avaliar outras
estruturas cardíacas e a viabilidade miocárdica17,20. É recomendada para pacientes
sintomáticos com probabilidade pré-teste intermediária e ECG não interpretável ou
incapazes de se exercitar, na suspeita de anomalias coronarianas e em pacientes com
angiografia coronariana mostrando placas de importância duvidosa4.

6. Quem são os pacientes que se beneficiam da estratificação de risco invasiva?

Coronariografia
A angiografia coronariana tem papel importante na investigação diagnóstica e avaliação
prognóstica da doença coronariana estável. Ela fornece informações sobre a função
ventricular e a anatomia coronariana, ajudando a definir as possíveis opções
terapêuticas, mas não é capaz de mostrar a importância funcional da lesão coronariana
como os métodos não invasivos. Alguns achados que classicamente conferem mau
prognóstico são a doença multivascular e a estenose grave do tronco da coronária
esquerda (TCE) ou do terço proximal da artéria descendente anterior (DA). Em
pacientes sintomáticos tratados, a identificação de apenas uma das três artérias
coronárias principais com estenose >50% já eleva a taxa de mortalidade anual para
aproximadamente 2%.

Estudos angiográficos mais recentes apontam a relevância prognóstica da quantidade de


placas não obstrutivas em associação às lesões estenóticas significativas, já que
representam sítios possíveis para futuros eventos coronarianos agudos21,22.

A grande limitação do método decorre do princípio de que o impacto da lesão


coronariana está ligado à redução do fluxo coronariano em repouso e induzido por
estresse e no seu potencial para ruptura de placa. A angiografia coronariana não é um
bom indicador da importância funcional da estenose, nem sensível à presença de
trombo; portanto não é capaz de identificar lesões de alto risco para eventos futuros.

Técnicas invasivas mais recentes, como o uso da ultrassonografia intravascular, trazem


informações adicionais quanto à detecção e quantificação da aterosclerose coronariana,
além de identificar a vulnerabilidade do ateroma. A determinação da reserva de fluxo
coronariano pode permitir uma avaliação funcional da estenose. Esses métodos podem
colaborar na confirmação da limitação ao fluxo coronariano e na decisão sobre a
necessidade de revascularização9.

Recomendações segundo as diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia4:

Pacientes de alto risco para eventos adversos de acordo com testes não
invasivos, mesmo que apresentem apenas sintomas leves ou moderados: (I-
B).
Pacientes com angina estável classe III (CCS), principalmente se refratários
ao tratamento medicamentoso: (I-B).
Pacientes com angina estável e indicação de cirurgia de grande porte
(principalmente as vasculares) que apresentem critérios de risco alto ou
moderado nos testes não invasivos: (I-B).
Pacientes com testes não invasivos inconclusivos ou com resultados
conflitantes: (IIa-C).
Pacientes com alto risco de reestenose após ICP se a localização da possível
lesão tem importância prognóstica: (IIa-C).

A coronariografia não deve ser realizada em pacientes que recusem procedimentos


invasivos ou propostas de revascularização, que não sejam candidatos à
revascularização ou naqueles em que o procedimento em questão não implicará
melhora de qualidade de vida.

Tomografia computadorizada cardíaca (TCC)

A TCC é um método não invasivo relativamente recente para avaliação da anatomia


coronariana através de uma angiografia, e para detecção de calcificação coronariana.
Pelo seu alto valor preditivo negativo tem lugar na investigação diagnóstica tanto em
pacientes sintomáticos quanto assintomáticos, mas não é recomendada para avaliação
rotineira de doença arterial coronariana na maior parte dos pacientes4,21.

Pela capacidade de detectar a calcificação coronariana, que é um marcador acurado de


aterosclerose com alta sensibilidade, tem sido usada por muitos centros como técnica
para rastreamento de DAC, baseando-se no escore de cálcio, que é um índice
quantitativo do cálcio arterial coronariano detectado pela TC. Porém a relação entre o
índice e os eventos coronarianos subsequentes em pacientes assintomáticos ainda não
foi completamente determinado. Também em pacientes com DAC conhecida o método
tem suas limitações, pois a especificidade do achado das calcificações coronarianas na
identificação de pacientes com doença obstrutiva é estimada em apenas 50%9.

O exame é considerado apropriado para diagnóstico em pacientes com suspeita de


DAC crônica nos seguintes casos23:

Pacientes com sintomas não agudos e probabilidade pré-teste intermediária


com ECG interpretável e capacidade de se exercitar.
Pacientes com sintomas não agudos e probabilidade pré-teste baixa e
intermediária com ECG não interpretável, e aqueles incapazes de se
exercitarem.
Pacientes com sintomas mantidos e teste de estresse com ou sem imagem
normal.
Pacientes sem DAC conhecida e com diagnóstico clínico de IVE recente com
fração de ejeção reduzida e probabilidade pré-teste baixa ou moderada.
Pacientes com teste de estresse prévio com escore de Duke de risco
intermediário.
Pacientes com resultados discordantes entre o teste ergométrico e método de
imagem.
Pacientes com exame de estresse com imagem com resultado duvidoso.
Pacientes sintomáticos já revascularizados para avaliação da patência dos
enxertos.
Pacientes sintomáticos com escore de cálcio <100 agatstons ou entre 100-
400 agatstons.
Avaliação de risco em pacientes assintomáticos pós-revascularização
submetidos previamente à angioplastia de tronco da coronária esquerda com
stent de diâmetro ≥3mm.

Algoritmo de avaliação diagnóstica e estratificação de risco4:

A Figura 2 apresenta o algoritmo proposto pela Sociedade Europeia de Cardiologia4


para avaliação diagnóstica inicial e estratificação de risco em pacientes com sintomas
sugestivos de angina.
Figura 2
Algoritmo de avaliação diagnóstica e estratificação de risco, segundo a Sociedade Europeia de Cardiologia

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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Echocardiography; American Society of Nuclear Cardiology; North
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TRATAMENTO FARMACOLÓGICO:
CONCEITOS E APLICAÇÃO CLÍNICA DAS
EVIDÊNCIAS

Roberta Siuffo Schneider


Rafael Coutinho Alves

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 68 anos, hipertenso, veio à consulta cardiológica devido à dor
precordial opressiva, sem irradiação, ao carregar peso ou subir escada e melhora da
dor ao interromper o esforço. Nega dor a pequenos esforços ou repouso. Relata início
do quadro há aproximadamente dois meses, sem progressão dos sintomas desde então.
Refere uso irregular de enalapril 10mg 1x/dia e AAS 100mg em dias alternados. Nega
doença pulmonar, tabagismo ou claudicação intermitente. Nega também alergia
medicamentosa.

À consulta apresentava bom estado geral, PA =150x90mmHg e FC =90bpm. Não havia


sopros carotídeos ou sinal de doença arterial periférica. Ausculta cardíaca e pulmonar
inocentes. Exames feitos uma semana antes da consulta: Lipídios: colesterol total
=260mg/dL; LDL =150mg/dL; HDL =40mg/dL; TG =260mg/dL; Glicemia jejum
=98mg/dL.
OBJETIVOS
1. Sintetizar as evidências existentes sobre tratamento farmacológico da angina
estável.
2. Analisar o racional do tratamento farmacológico em angina estável, visando
à prevenção de eventos cardiovasculares e a melhorar a qualidade de vida
dos pacientes.

PERGUNTAS
1. O que diz a literatura sobre o tratamento farmacológico da angina estável?

Ácido acetilsalicílico (AAS)

O AAS causa bloqueio irreversível da ciclooxigenase-1, com consequente bloqueio da


síntese de tromboxano A2. Meta-análise ─ Antithrombotic Trialists’ Colaboration1 ─
envolvendo mais de 140.000 pacientes randomizados em 300 estudos, comparou o uso
de aspirina vs. placebo ou outro antiagregante. Aproximadamente 3000 pacientes eram
portadores de angina estável e, nesses pacientes, o uso de AAS reduziu, em média, 33%
o risco de eventos cardiovasculares (morte, infarto e acidente vascular encefálico)1.

O estudo SAPAT (Swedish Angina Pectoris Aspirin Trial)2 avaliou 2.035 pacientes,
com idade entre 30-80 anos, randomizados para receber 75mg/dia de AAS ou placebo.
No seguimento em 50 meses, o AAS reduziu a incidência de eventos primários de IM e
morte súbita em 34% e de incidência de eventos vasculares secundários em 32%.

Sendo assim, o AAS é o antiplaquetário de escolha para os pacientes com doença


coronariana crônica, devendo ser sempre prescrito, exceto nos casos de
contraindicação (alergia ou intolerância, sangramento ativo, hemofilia, úlcera péptica
ativa), ou em pacientes com alta probabilidade de eventos hemorrágicos, quando o
risco-benefício deve ser avaliado3,4. A dose de 75-100mg de AAS parece ter efeitos
antiplaquetários comparáveis com doses mais elevadas, e cursam com menos eventos
hemorrágicos nesses pacientes5.
Clopidogrel

O clopidogrel é um derivado tienopiridínico que previne a ativação plaquetária


mediada pela adenosina difosfato (ADP). Inúmeros estudos avaliaram o clopidogrel no
contexto da síndrome coronariana aguda, porém poucos estudos foram desenhados para
avaliar seu benefício na doença coronariana crônica.

CAPRIE6, estudo randomizado e duplo-cego, foi desenhado para avaliar a eficácia do


clopidogrel (75mg/dia) e AAS (325mg/dia) em pacientes com diagnóstico prévio de
IAM, acidente vascular encefálico (AVE) ou doença vascular periférica. Foram
incluídos cerca de 19.000 pacientes, com mais de 6.300 em cada subgrupo e
seguimento médio de dois anos. Pacientes tratados com clopidogrel obtiveram redução
relativa anual de eventos combinados (AVE, IM e morte vascular) de 8,7%. Entretanto,
apenas no subgrupo com doença vascular periférica houve significância estatística. Não
houve diferença significativa quanto à segurança do uso das duas medicações em
relação a eventos hemorrágicos. O mesmo estudo mostrou que no subgrupo de pacientes
com contraindicações ao uso de AAS, o clopidogrel pode ser utilizado com desfechos
clínicos semelhantes6.

O estudo CHARISMA7 randomizou mais de 15.000 pacientes com doença


cardiovascular diagnosticada ou múltiplos fatores de risco para uso de AAS (75mg-
162mg) com clopidogrel 75mg ou AAS (75mg-162mg) com placebo. A incidência de
desfechos primários de IAM, AVE ou morte cardiovascular foi semelhante nos dois
grupos, mostrando que o uso combinado de AAS e clopidogrel em pacientes com
múltiplos fatores de risco para doença coronariana não mostrou benefício. Houve
benefício do uso de terapia antiplaquetária com as duas drogas em pacientes com
história de doença aterotrombótica com manifestações clínicas7.

Portanto, o clopidogrel não apresenta benefício clínico se associado ao AAS em


pacientes portadores de doença coronariana estável, salvo em casos de pacientes com
doença aterotrombótica manifesta previamente, e deve ser prescrito para pacientes que
não possam fazer uso regular de AAS.

Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA)

Os IECA são recomendados para pacientes com angina estável com infarto do
miocárdio, disfunção ventricular (fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE)
<40%), hipertensão, diabetes ou doença renal crônica (Grau de recomendação I, nível
de evidência A). Podem ser utilizados em todos os pacientes com DAC ou outras
doenças cardiovasculares (Grau de recomendação IIa, nível de evidência B)8.

Os potenciais benefícios dos IECA incluem redução da hipertrofia ventricular


esquerda, da hipertrofia vascular, da progressão de aterosclerose, da ruptura de placas
de ateroma e da trombose, além de potenciais efeitos favoráveis na relação
oferta/demanda de O2, hemodinâmica cardíaca e atividade simpática. Influenciam na
função vasomotora endotelial coronariana em pacientes com DAC e podem reduzir
sinais de inflamação9,10.

Dois grandes estudos demonstraram que os IECA são eficazes em reduzir


morbimortalidade em pacientes de alto risco cardiovascular. O estudo HOPE11 incluiu
mais de 9000 pacientes com evidências de doença vascular ou diabetes (sem doença
vascular clínica) sem disfunção ventricular esquerda, associado a fator de risco
adicional cardiovascular randomizados para ramipril (10mg/dia) ou placebo. No
seguimento em quatro anos, o ramipril reduziu de forma significativa a mortalidade por
qualquer causa em 16%, IAM em 20%, AVE em 31%11. O estudo EUROPA12
randomizou mais de 12000 pacientes com doença cardiovascular estabelecida para
perindopril (8mg/dia) ou placebo. No seguimento médio de 4,2 anos, observou-se
redução de eventos primários combinados no grupo perindopril (morte cardiovascular,
IM ou parada cardíaca), à custa de redução significativa em IAM não fatal (RRR 22%),
não apresentando diferença significativa na mortalidade cardiovascular ou total12.

No PEACE13, 8.290 pacientes com doença cardiovascular e fração de ejeção >40%


foram randomizados a trandolapril ou placebo, seguidos por cinco anos. Não se
observaram diferenças significativas nos desfechos primários e compostos (morte
cardiovascular, IAM não fatal ou revascularização)13.

Analisando o resultado dos três estudos, a população do EUROPA apresentava maior


utilização de betabloqueadores e estatinas e um perfil de risco menor do que o HOPE
(mortalidade do grupo-placebo – HOPE =12% vs. EUROPA =7%), o que poderia
explicar a redução não significativa na mortalidade no EUROPA. O estudo PEACE
demonstra uma mortalidade no grupo-placebo ainda menor (1,6%), sugerindo que em
pacientes com DAC estável, sem fatores de risco, em tratamento clínico otimizado e
com mortalidade anual similar à população geral, a introdução de IECA não altera
favoravelmente o prognóstico. Assim, para pacientes com DAC conhecida, porém sem
disfunção ventricular esquerda, diabetes, doença renal crônica, doenças vasculares ou
hipertensão, seu uso é opcional11-15.

Betabloqueadores
Os efeitos benéficos dos betabloqueadores em pacientes com angina estável são
mediados pela redução na demanda de oxigênio miocárdio, pela diminuição da
frequência cardíaca (FC), da contratilidade e do estresse da parede ventricular
esquerda. Esta classe de drogas aumenta o tempo de diástole, com isso reduz o
consumo de oxigênio e melhora a perfusão coronariana. No esforço físico reduz a
elevação da pressão arterial e melhora a capacidade de exercício. Aumenta o limiar de
angina e reduz sua frequência, além de diminuir a necessidade do uso de nitratos.
Entretanto, há ausência de evidências do uso de betabloqueadores para melhorar a
sobrevida ou reduzir a incidência de IAM em pacientes com angina estável na ausência
de infarto do miocárdio prévio ou insuficiência cardíaca9,16.

Algumas características farmacológicas devem ser consideradas quando se escolhe um


agente desta classe. Algumas drogas possuem metabolização hepática como
propranolol e metoprolol e atingem altas concentrações no sistema nervoso central
(SNC). O atenolol, sotalol e o bisoprolol concentram menos no SNC e possuem
metabolização renal, devendo ser evitadas em pacientes portadores de insuficiência
renal crônica (IRC)9,16,17.

Agentes cardiosseletivos como atenolol, metoprolol e bisoprolol bloqueiam


preferencialmente os receptores beta-1 cardíacos, portanto não causam efeitos
sistêmicos do bloqueio beta-adrenérgico como broncoespasmo ou vasocontricção
periférica. Entretanto, há perda da seletividade em doses elevadas. Agentes com
atividade simpaticomimética (pindolol, acebutolol) apresentam estimulação beta em
baixo grau em repouso, levando a menor diminuição da FC em repouso ou da função
ventricular esquerda. Estas drogas são raramente empregadas em pacientes com angina
estável, exceto possivelmente em pacientes com bradicardia em repouso. Não devem
ser utilizadas em pacientes com IAM prévio ou insuficiência cardíaca. Agentes com
efeito alfa e beta, como carvedilol e labetalol apresentam propriedades vasodilatadoras
como resultado do antagonismo alfa-1, reduzindo resistência vascular coronariana e
periférica9,17,18.

Nos casos de pacientes portadores de disfunção ventricular esquerda, devem ser


utilizadas as drogas que reduzem mortalidade neste grupo, como carvedilol, bisoprolol
e metoprolol15.

Os efeitos colaterais comuns à classe dos betabloqueadores incluem diminuição da FC,


da contratilidade e da condução do nodo atrioventricular; vasoconstricção brônquica;
agravamento dos sintomas de doença vascular periférica ou fenômeno de Raynaud;
fadiga, insônia, pesadelos, alucinações e disfunção sexual17,19.

A retirada abrupta dos betabloqueadores pode elevar a atividade isquêmica do


miocárdio, devendo-se então reduzir a dose da medicação em duas a três semanas antes
de sua suspensão19,20.

Bloqueadores dos canais de cálcio (BCC)

Os BCC são um grupo heterogêneo de drogas que atuam inibindo o movimento do


cálcio iônico através dos canais de membranas de células cardíacas e musculares lisas
pelo mecanismo de bloqueio competitivo dos canais L voltagem-dependentes9.

Seu mecanismo de ação inclui relaxamento da musculatura lisa, redução da pós-carga,


inotropismo negativo (dependendo da droga) e redução do consumo de oxigênio8. Esse
último efeito é a base de sua utilização na doença coronariana crônica já que os BCC
aumentam a oferta de oxigênio ao miocárdio e ajudam a reduzir o seu consumo9.

O grupo dos BCC di-hidropiridínicos atua efetivamente na musculatura lisa causando


vasodilatação. Seu efeito na redução da angina advém da redução do consumo
miocárdico pela diminuição da pós-carga e aumento da oferta pela vasodilatação
coronariana9. Os di-hidropiridínicos, hoje comercializados no Brasil com indicação
para o tratamento da angina estável, são a nifedipina retard, anlodipina e nisoldipina.
Essas drogas têm se mostrado eficazes em reduzir a frequência de crises anginosas, a
necessidade do uso de nitratos, prolongar o tempo de esforço no teste ergométrico e
melhorar as alterações isquêmicas do segmento ST em repouso e no esforço21.

A anlodipina, possivelmente o BCC com maior evidência clínica neste grupo, no estudo
PREVENT22, mostrou redução de eventos coronarianos e pode ser utilizada em
pacientes com disfunção ventricular esquerda por apresentar pouca, se alguma,
atividade inotrópica negativa. Os BCC di-hidropiridínicos são recomendados em
pacientes que não toleram os betabloqueadores (Grau de recomendação I, nível de
evidência B) ou associados a um betabloqueador quando este não consegue
isoladamente controlar a angina (Grau de recomendação I, nível de evidência B)8.
Associados a um betabloqueador, bloqueia-se o principal efeito adverso do grupo que é
a taquicardia reflexa. A combinação do betabloqueador com o BCC costuma ser
particularmente benéfica quando da coexistência de angina e hipertensão arterial8.

Diltiazem e verapamil representam os BCC não di-hidropiridínicos. Ambos são


capazes de reduzir a condução sinoatrial (SA) e atrioventricular (AV) além de deprimir
a contratilidade miocárdica. Como todos os BCC, sua ação relaxa a musculatura lisa
vascular e aumenta o fluxo coronariano, melhorando a oferta de oxigênio ao músculo
cardíaco21. Apresentam resposta clínica muito similar e a diferença mais marcante é
vista no grau de depressão ventricular, sendo mais acentuada no caso do verapamil que
no diltiazen.

O estudo INVEST23 constatou uma redução no número de pacientes com angina de 65%
para 25% utilizando verapamil em vez de atenolol, sem diferença na mortalidade após
dois anos. As indicações atuais deste grupo são o tratamento da angina estável,
isquemia silenciosa e vasoespasmo. Em pacientes com angina, ambos têm boa
indicação naqueles intolerantes aos betabloqueadores (Grau de recomendação I, nível
de evidência B). Quando associado a um betabloqueador, a fim de potencializar o
efeito cronotrópico negativo e a redução da pós-carga e consequentemente o consumo
miocárdico, seu uso deve ser feito com cautela pelo risco elevado de bradicardia (Grau
de recomendação IIb, nível de evidência B). Tanto o diltiazem quanto o verapamil são
contraindicados em pacientes anginosos com insuficiência cardíaca descompensada e
no período pós-infarto agudo do miocárdio devido ao seu efeito inotrópico negativo8.

Nitratos

O primeiro relato do uso de nitrato oral para angina pectoris data de 1867. As
impressões iniciais indicavam um efeito relaxante sobre a musculatura vascular e na
performance cardíaca. Indivíduos com angina do peito, testados com nitrato,
apresentaram melhora da gravidade da dor e até mesmo a resolução completa do
sintoma quando usado no início do desconforto24.

O benefício advindo dos nitratos possivelmente é multifatorial, envolvendo efeitos


vasodilatadores, redução na agregação e adesão plaquetária, controle da função
endotelial e do fator de crescimento, e na contratilidade miocárdica. Estes eventos
parecem decorrer de sua biodegradação, promovendo a liberação do óxido nítrico25.

Os nitratos têm sido usados no manejo sintomático de pacientes com síndromes


coronarianas agudas e crônicas secundárias à doença aterosclerótica. Em pacientes com
angina estável, os nitratos provaram aumentar o limiar de tolerância ao exercício, o
limiar para aparecimento de dor, e reduzir o infradesnível do segmento ST durante o
teste ergométrico26. No entanto, nenhum estudo até então mostrou benefício do seu uso
para redução de morbimortalidade no pós-infarto ou na angina estável8.
Uma das desvantagens dos nitratos decorre de sua interação com receptores contendo
sulfidrila, que são necessários para o relaxamento da musculatura vascular. A
adminstração repetida da nitroglicerina tende a produzir depleção desses receptores e
consequente tolerância. O espaçamento das doses e um intervalo maior livre de nitrato
parece reduzir esse efeito24. O uso de inibidores da fosfodiesterase-5 (sildenafil,
tadalafil e vardenafil) está contraindicado em usuários de nitrato pelo risco de
hipotensão grave. Caso se permita o seu uso, deve-se aguardar um intervalo livre de
nitrato de 24 horas para o sildenafil e o vardenafil e de 48 horas para o tadalafil27.

Segundo as diretrizes de doença coronariana crônica, os nitratos na forma sublingual ou


spray são a medicação de escolha para o tratamento da crise anginosa (Grau de
recomendação I, nível de evidência C)8. Nessas formulações sua ação é quase imediata
(3-5 minutos após a dissolução), estando indicado o mais breve possível ao
aparecimento da dor. Crises anginosas que não respondem a nitrato sublingual devem
ser valorizadas como possível infarto agudo do miocárdio e devem ser abordadas em
ambiente hospitalar.

Na sua formulação de liberação prolongada, os nitratos estão indicados para o


tratamento crônico de pacientes que mantenham sintomas anginosos apesar de doses
otimizadas de betabloqueadores e/ou bloqueadores dos canais de cálcio (Grau de
recomendação I, nível de evidência B)8.

Trimetazidina

A trimetazidina é uma droga antianginosa sem qualquer efeito na hemodinâmica


cardiovascular ou no fluxo coronariano28. Seu mecanismo de ação parece ser
intracelular, protegendo o miocárdio de injúria através de modificação no uso dos
substratos energéticos no coração. A isquemia miocárdica ocasiona desarranjos iônicos
e metabólicos nos miócitos, incluindo uma mudança metabólica de oxidação da glicose
para oxidação de ácidos graxos livres. A trimetazidina demonstrou experimentalmente
reduzir o metabolismo de ácidos graxos e aumentar a oxidação da glicose nos miócitos,
além de melhorar o desbalanço iônico causado pela isquemia29.

No estudo TRIMPOL II29, a administração de trimetazidina associada a metoprolol


melhorou parâmetros no teste de esforço e reduziu sintomas após 12 semanas quando
comparado a metoprolol e placebo. Meta-análise de 12 ensaios clínicos mostrou que a
trimetazidina foi capaz de reduzir o número de ataques anginosos semanais e aumentou
o tempo necessário à depressão de 1mm do segmento ST durante o teste ergométrico30.
Seu uso foi aprovado como monoterapia antianginosa ou associado a nitratos na
presença de intolerância a betabloqueadores e BCC (Grau de recomendação IIa, nível
de evidência C), ou quando apesar do uso otimizado o paciente se mantém sintomático
(Grau de recomendação IIa, nível de evidência B)8.

Estatinas

Além da aspirina e inibidores da ECA, os inibidores da enzima HMG-Coa redutase, ou


estatinas são os únicos fármacos que mostraram benefício na redução da mortalidade e
morbidade de pacientes com doença coronariana estável e função ventricular
preservada9.

A relação entre níveis lipídicos e aterosclerose foi sugerida em 1856 pelo alemão
Rudolph Virchow. Até poucos anos antes do aparecimento das estatinas havia relatos de
crianças com hipercolesterolemia familiar da forma monozigótica, sem outros fatores
de risco, que morriam de infarto aos 10 anos ou 15 anos de idade. Ao mesmo tempo,
populações como a japonesa, que possui níveis de lipídeos notoriamente baixos,
apresentava baixa incidência de eventos coronarianos31. Os primeiros hipolipemiantes
usados eram de difícil aceitação devido aos inúmeros efeitos colaterais. Em 1994, foi
publicado o Scandinavian Simvastatin Survival Study 32 (4S), apresentando a primeira
estatina que reduzia o colesterol e a incidência de infartos miocárdicos.

Atualmente as estatinas possuem ampla faixa de atuação, sendo indicadas tanto na


prevenção primária em pacientes com dislipidemia, como nos pacientes que já
apresentaram algum evento cardiovascular, como infarto miocárdico ou acidente
vascular encefálico isquêmico. Sua potência e consequente impacto na redução lipídica
variam dependendo da droga, sendo a rosuvastatina atualmente a mais potente, seguida
na sequência por atorvastatina, sinvastatina, lovastatina, pravastatina e fluvastatina33.
Além da redução do LDL-C, as estatinas reduzem os triglicerídeos e aumentam o HDL-
C34.

A Diretriz Brasileira de Doença Coronariana Crônica8 recomenda as estatinas como


primeira opção no tratamento da redução do LDL-C em adultos. As metas de redução
lipídicas são baseadas no risco cardiovascular de cada indivíduo. Pacientes com
angina estável são considerados como portadores de doença aterosclerótica manifesta
e, consequentemente, apresentam alto risco para novos eventos cardiovasculares
(>20% em 10 anos).

Segundo a IV Diretriz Brasileira de Dislipidemia34 esses pacientes têm indicação de


modificações do estilo de vida, incluindo dieta e exercícios físicos, e tratamento
farmacológico (nível de evidência A). As metas terapêuticas são a redução do LDL-C
para níveis <100mg/dL (opcional: <70mg/dL) e do colesterol não HDL (LDL-C +
VLDL-C) para valores <130mg/dL (opcional: <100mg/dL)34. Pacientes com múltiplos
fatores de risco, incluindo diabetes, fatores de risco malcontrolados e síndrome
coronariana aguda parecem se beneficiar dos valores "opcionais" (nível de evidência
C)35.Todo tratamento com estatinas deve ser precedido por dosagem sérica de
transaminases e creatinoquinase. Caso durante o uso haja aumento maior que três vezes
o limite superior das transaminases, dor muscular, ou maior que 10 vezes o limite
superior da creatinoquinase, deve-se suspender o seu uso8.

É razoável a associação com ácido nicotínico ou colestiramina (nível de evidência B)


ou ezetimiba (nível de evidência C) para pacientes que não toleram ou que não atinjam
as metas definidas com doses adequadas de estatinas8,35. A ezetimiba é particularmente
útil associada a 10mg de uma estatina quando o paciente possui intolerância a uma dose
mais alta da estatina e tolera mal os fibratos e ácido nicotínico8.

Os triglicerídeos devem ser tratados quando em valores ≥200 mg/dL usando uma
estatina. O objetivo é reduzir o colesterol não HDL para <130mg/dL. Valores
≥500mg/dL levam a risco aumentado de pancreatite e devem ser tratados com uma
associação de estatina e fibratos8,35.

2. O que se objetiva no tratamento da angina estável?

O tratamento deve visar, sempre que possível, à redução da mortalidade, através da


prevenção de eventos maiores (morte, IAM, angina instável), além de melhorar a
qualidade de vida, reduzindo os episódios de dor e elevando o limiar anginoso. Do
ponto de vista fisiopatológico, objetiva-se tanto a redução da demanda de oxigênio pelo
miocárdio como o aumento da sua oferta. A demanda depende da frequência cardíaca,
pressão arterial sistólica (pós-carga), contratilidade e estresse da parede ventricular
esquerda. A oferta depende do fluxo sanguíneo e da pressão de perfusão coronariana.

3. Como iniciar o tratamento da angina estável? Quais drogas priorizar?

O tratamento da angina estável apoia-se em dois pilares: a modificação do estilo de


vida (MEV) e a terapia farmacológica. O tratamento não farmacológico já foi discutido
em outro capítulo neste livro. Em relação ao tratamento medicamentoso, é fundamental
iniciá-lo com medicações que reduzam a morbimortalidade. As drogas que em estudos
controlados reduziram mortalidade na doença coronariana estável são: o ácido
acetilsalicílico (AAS), as estatinas, e os inibidores da enzima de conversão da
angiotensina (IECA)1,9.

Os betabloqueadores geram melhora dos sintomas e performance no exercício, porém


apenas reduzem mortalidade em pacientes com disfunção de ventrículo esquerdo e
pacientes após infarto agudo do miocárdio (IAM), quando também reduzem o reinfarto.
Além disso, pacientes hipertensos em uso de betabloqueadores apresentam menor risco
de apresentar síndrome coronariana aguda (SCA) modelo IAM e angina9.

4. Quais as drogas que associadas reduzem os sintomas e melhoram a qualidade de


vida?

Os bloqueadores de canal de cálcio (BCC), nitratos e a trimetazidina são a escolha na


hora de otimizar a terapia anti-isquêmica. Estes medicamentos visam a reduzir a
isquemia e controlar os episódios anginosos.

5. Como abordar o paciente apresentado no caso clínico?

O paciente ilustrado apresenta hipertensão arterial tratada irregularmente e


provavelmente doença coronariana caracterizada por uma angina estável classe
canadense I. Segundo o escore de Framingham36, o paciente teria 49,4% de risco de
evento cardiovascular em 10 anos, classificando-o na categoria de risco muito alto.
Devido à presença de angina, o AAS 100mg deveria ser prescrito diariamente. O
enalapril 10mg 1x/dia deveria ser aumentado para 2x/dia, melhorando o controle
pressórico e evitando a perda do efeito próximo à dose seguinte. Como o paciente não
apresenta contraindicações ao uso do betabloqueador, este deveria ser prescrito na
primeira consulta, objetivando a redução da frequência cardíaca de repouso para
valores <70bpm.

Nas consultas seguintes, o IECA e o betabloqueador deveriam ser titulados com o


objetivo de reduzir a PA para <130x80mmHg, conforme a VI Diretriz Brasileira de
Hipertensão Arterial37. Caso o controle do duplo-produto (FC e PA) não seja capaz de
suprimir a ocorrência da angina de esforço, poderia se associar BCC ou nitrato oral,
com o cuidado de evitar hipotensão arterial, ou a trimetazidina que não altera a
hemodinâmica. As metas de lipídeos para o paciente de risco muito alto, recomendam o
início de uma estatina com o objetivo de redução do LDL-C para níveis <100mg/dL e
do colesterol não HDL para valores <130mg/dL. Ainda se recomendaria uma mudança
de hábitos de vida, um exame laboratorial com avaliação da função renal,
transaminases, ácido úrico, potássio e creatinoquinase, além de eletrocardiograma e
ecocardiograma para pesquisa de hipertrofia e disfunção do ventrículo esquerdo.

6. Na situação ilustrada, a hipertensão arterial piora o prognóstico da doença


coronariana?

A associação entre elevação da pressão arterial, mortalidade, e gravidade da doença


coronariana estável é bem estabelecida. O risco de isquemia dobra para cada elevação
de 20mmHg na pressão arterial sistólica. No caso relatado, o paciente se encontra fora
da meta de pressão arterial, devendo assim ter sua dose de IECA otimizada e
possivelmente associada à outra classe de droga anti-hipertensiva9.

7. Se o paciente ilustrado também fosse portador de diabetes tipo 2, isso alteraria o


plano terapêutico?

Pacientes portadores de DM apresentam maior morbidade por doença coronariana e


uma mortalidade em torno de três vezes maior do que pacientes não diabéticos9. Além
disso, o resultado de procedimentos de intervenção coronariana percutânea é inferior,
com maior número de eventos de reestenose intra-stent.

O controle rigoroso da pressão arterial e do peso corporal, além dos níveis séricos de
lipídeos e glicemia, é capaz de diminuir significativamente os eventos
cardiovasculares. De acordo com as recomendações das diretrizes brasileiras de
hipertensão, pacientes diabéticos com PA entre 130-139mmHg e 80-89mmHg podem
ser tratados com modificação de estilo de vida por um tempo máximo de três meses.
Pacientes com PA ≥140x90mmHg no momento do diagnóstico ou durante o seguimento
devem receber tratamento medicamentoso em conjunto com modificação do estilo de
vida. Sugere-se que a meta de PA seja 130x80mmHg37.

Todos os agentes anti-hipertensivos podem ser utilizados, sendo que na maioria das
vezes, dois ou mais deles precisam ser associados para que os objetivos do tratamento
sejam atingidos. Existem vantagens no uso de bloqueadores do SRAA e na associação
destes com um antagonista dos canais de cálcio. A associação de IECA com BRA se
mostrou eficiente para promover maior redução da proteinúria.
Mais recentemente, a associação do inibidor direto da renina, alisquireno, com a
losartana, também resultou em redução adicional da albuminúria em pacientes com
nefropatia diabética. Os betabloqueadores devem ser utilizados nos pacientes
diabéticos portadores de DAC crônica, e o carvedilol se mostrou efetivo em reduzir
proteinúria em pacientes diabéticos37.

Nos diabéticos, as dislipidemias habitualmente encontradas são hipertrigliceridemia,


redução do HDL-C e aumento do volume de partículas de LDL, com número absoluto
semelhante aos dos indivíduos não diabéticos. Os pacientes devem ser orientados à
prática diária de exercícios físicos e também controle da dieta e dos níveis glicêmicos
de forma rigorosa. A persistência de níveis de glicemia elevados nesses pacientes
aumenta a velocidade de progressão da doença coronariana.

Estudos clínicos têm demonstrado que a redução do LDL-C nos diabéticos promove
benefício similar à redução do LDL-C em pacientes com doença coronariana manifesta.
Estudos clínicos consistentes demonstraram que a redução do LDL-C <70mg/dL
promove redução adicional na manifestação de eventos cardiovasculares em pacientes
com doença coronariana quando comparada à redução para a meta de LDL-C
<100mg/dL. Assim, a Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção de
Aterosclerose34 inclui a meta <70mg/dL como opcional para os pacientes diabéticos,
uma vez que estes são considerados como grupo de risco equivalente aos portadores da
doença aterosclerótica (Grau de recomendação IIa, nível de evidência D). As estatinas
devem ser utilizadas como primeira linha para tratar esses pacientes, e quando houver
intolerância ou refratariedade já com uso de estatinas em altas doses, deve ser
associada a ezetimiba34.

8. Quais os ajustes que precisariam ser feitos na terapia farmacológica e que


cuidados seriam necessários se o paciente relatado fosse portador de doença renal
crônica (DRC)?

A meta de PA a ser atingida com o tratamento da HAS em pacientes com DRC deve ser
PA ≤130x80mmHg. Todas as classes de anti-hipertensivos são eficazes na redução da
PA nesses pacientes37.

O tratamento anti-hipertensivo nesses pacientes deve visar não apenas à redução da PA,
mas também à redução da proteinúria. Os IECA e os BRA II reduzem a proteinúria e a
progressão da DRC independentemente da doença de base. Os inibidores diretos de
renina parecem efetivos na redução da PA e da albuminúria em pacientes diabéticos,
porém o número de estudos ainda é reduzido e poucos pacientes dos estudos são
portadores de DRC estágios 4 e 5. Em muitos desses pacientes, a hipervolemia
contribui significativamente para a hipertensão.

Assim, os diuréticos devem ser utilizados nos esquemas anti-hipertensivos.


Antagonistas dos canais de cálcio não di-hidropiridínicos são efetivos na redução da
proteinúria em pacientes com DRC secundária à nefropatia diabética. Os
betabloqueadores devem fazer parte do arsenal terapêutico dos pacientes portadores de
DAC crônica e é importante ressaltar que o carvedilol se mostrou eficaz na redução da
albuminúria em pacientes portadores de DM37. Antagonistas da aldosterona também se
mostraram efetivos na redução da albuminúria, mesmo em pacientes que já utilizam
IECA ou BRA, porém o seu uso aumenta o risco de hipercalemia; por isso, não devem
ser utilizados em pacientes com creatinina acima de 2,5mg/dl37.

Cerca de 90% dos pacientes portadores de DRC apresentam hipercolesterolemia.


Hipertrigliceridemia e HDL-C baixo estão presentes em 60% desses pacientes34.
Pacientes portadores de DAC crônica e DRC devem ser investigados e tratados com
hipolipemiantes.

A Diretriz Brasileira de Dislipidemia34 adotou a presença de microalbuminúria,


clearance de creatinina <60mL/minuto e/ou creatinina superior a 1,5mg/dL como fator
agravante, elevando o seu portador à categoria de risco imediatamente superior (Grau
de recomendação IIa e nível de evidência B). Todo indivíduo portador de DRC deve,
portanto, ser avaliado quanto à presença de dislipidemias (Grau de recomendação IIa e
nível de evidência B) e sua hipercolesterolemia tratada. O uso de estatinas ou fibratos
nesses pacientes exige monitorização cuidadosa da creatinoquinase pelo risco de
rabdomiólise, especialmente naqueles com redução acentuada da função renal
(clearance <60mL/minuto). Nestes deve-se evitar o uso de genfibrozil e preferir
estatinas com menores taxas de excreção renal, como atorvastatina e rosuvastatina.

9. E o paciente idoso, com mais que 80 anos, como seria tratado?

O Brasil tem atualmente uma população de idosos crescente, sendo que até 2020, esta
será a sexta maior população do mundo. O idoso possui características próprias na
forma de apresentar a doença coronariana, no modo de responder ao tratamento
farmacológico e no modo de manifestar efeitos colaterais. Soma-se a este fato a
carência de estudos grandes e controlados que tenham incluído esses pacientes, de
maneira que muitas vezes o uso de certas drogas é uma extrapolação dos achados para
pacientes mais jovens8.

O AAS na dose 75-325mg/dia deve ser prescrito para todo paciente idoso, exceto
aqueles com alergia ou doença péptica importante. Seu efeito adverso mais comum
nessa faixa etária é o desconforto gastrintestinal e sangramento. Geralmente uma
formulação entérica melhora sua tolerância. O clopidogrel serve como opção nos
intolerantes.

Pelo menos duas meta-análises já demonstraram redução de risco relativo de eventos


coronarianos em pacientes idosos usando estatinas38,39. O estudo PROSPER40
investigou o uso da pravastatina numa popualação entre 70-82 anos, mostrando
benefício na redução de morte e IAM não fatal de 19% quando comparado ao placebo.
Uma subanálise ainda revelou que nesses pacientes, o HDL-C é um marcador
possivelmente mais importante de risco coronariano que o LDL-C.41

Já o estudo HOPE estudou o uso do IECA ramipril em pacientes com doença vascular
ou diabetes e pelo menos um fator de risco para DAC. Dos 9000 incluídos, 55% eram
>65 anos, e os benefícios da terapia com ramipril mostrou-se mais impressionante do
que nos mais jovens. O uso dos IECA deve ser considerado em todo idoso com
isquemia miocárdica, independente de sintomas ou função ventricular, a não ser que
haja contraindicações42. Estudos que usaram betabloqueadores em pacientes com
angina e em prevenção secundária demonstram que tais agentes possuem benefício em
todas as faixas etárias. Geralmente estes são bem tolerados tanto em jovens como em
idosos. Deve-se ter cuidado especial com a bradicardia induzida (ajuntada a doenças
do sistema de condução) e naqueles com história de broncoespasmo. Outras condições
que justificam o uso cauteloso são: diabetes, doença vascular periférica grave e
depressão mental43.

Os BCC não são primeira linha no tratamento de síndromes coronarianas agudas em


idosos e não demonstraram redução de eventos nesses pacientes pós-IAM. Seu uso se
justifica no controle da angina associado a outras drogas. A nifedipina de liberação
prolongada, por ser um potente vasodilatador coronariano, pode ser utilizada no
controle da angina, assim como o verapamil e diltiazen, porém com cuidado especial
devido ao inotropismo negativo e à bradicardia43. Nitratos devem ser usados para o
alívio da angina ou na prevenção de ataques recorrentes. Seu uso pode ser limitado
pela ocorrência de cefaleia, comum em idosos, e por hipotensão excessiva. A
trimetazidina já foi testada em idosos com angina estável demonstrando redução no
número de episódios anginosos e consequente melhora na qualidade de vida44.
10. Existem outras drogas anti-isquêmicas a serem consideradas?

A ranolazina é o antianginoso mais recente liberado pelo FDA americano, não sendo
comercializado no Brasil, por enquanto. Nos EUA é liberado para uso em pacientes não
controlados pelos antianginosos clássicos. Sua ação limita o influxo de sódio para
dentro do miócito e assim o subsequente influxo de cálcio ocasionado pela isquemia.
Esse efeito normaliza a disfunção diastólica e melhora o balanço demanda-oferta de
oxigênio no miocárdio. Em vários pequenos estudos mostrou alívio da angina estável e
aumento do tempo para o aparecimento de angina durante o esforço21.

O nicorandil é um antianginoso com duplo-mecanismo de ação: facilita a condução de


potássio pelos canais ATP-sensível, ativando a enzima guanilato-ciclase; e venodilata.
Seu uso no estudo IONA21, com 5126 pacientes com angina, produziu uma redução
significativa de 17% em re-hospitalização por angina, IAM e morte. Também não está
disponível no Brasil.

A ivabradina é um agente bradicardizante inibidor da corrente If das células do nodo


SA. No estudo BEAUTIFUL45, em pacientes com angina, disfunção ventricular e FC
>70bpm, a droga reduziu o risco de IAM e necessidade de revascularização45. Pode ser
utilizado em associação com nitratos e betabloqueadores para otimizar o controle
anginoso ou naqueles intolerantes aos betabloqueadores. Já está comercializado no
Brasil.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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PACIENTE COM DOENÇA UNIVASCULAR
PROXIMAL DA ARTÉRIA DESCENDENTE
ANTERIOR

José Geraldo de Castro Amino


Roberto Bassan

CASO CLÍNICO

Paciente, 55 anos, procura o médico no consultório trazendo o resultado de uma


cinecoronariografia que mostra uma obstrução de 70% proximal (pré -1º ramo septal)
da artéria descendente anterior. O exame havia sido solicitado porque um check-up
mostrou alteração inconclusiva para isquemia miocárdica no teste ergométrico.

OBJETIVOS
1. Analisar os fatores a serem considerados na tomada de decisão terapêutica:
fatores de risco coronariano e comorbidades, sintomatologia sugestiva de
isquemia miocárdica, grau/carga de isquemia miocárdica objetiva.
2. Discutir a utilização de tratamento anti-isquêmico apropriado/otimizado.
3. Avaliar a presença de disfunção ventricular esquerda segmentar e/ou global.
4. Avaliar a necessidade de investigação invasiva adicional.
5. Identificar a melhor forma de tratamento para estes pacientes.

PERGUNTAS
1. Quais são os fatores de risco e os antecedentes cardiovasculares e clínicos a
serem considerados?

1. Faixa etária
2. Sexo
3. Outros fatores de risco coronariano
4. IAM prévio
5. Revascularização miocárdica prévia
6. ICC
7. Comorbidades

Faixa etária
Faixas etárias mais avançadas podem favorecer a escolha do tratamento clínico
isolado, seja pela menor expectativa de vida e consequente menor impacto na
sobrevida independente da forma terapêutica, pela menor atividade física habitual
(muitas vezes por limitações ortopédicas) ou pela presença de comorbidades que
aumentam o risco do emprego dos métodos terapêuticos invasivos. No entanto, não
representam uma contraindicação formal para a intervenção, especialmente em relação
à angioplastia coronariana. Além disso, não se deve deixar de considerar o fato de que
mesmo os pacientes idosos, quando clinicamente muito limitados pela angina do peito
(apesar do tratamento farmacológico otimizado), podem ter maior benefício com o
tratamento de revascularização.
Sexo
Muito embora o sexo, em si, não seja critério importante para a escolha do tipo de
tratamento, deve ser lembrado que as mulheres podem apresentar sintomatologia clínica
menos precisa e típica do que os homens. Esse fato tem sido atribuído a diferenças na
percepção dolorosa, mecanismos fisiopatológicos distintos, fenômenos de vasoespasmo
da macro e da microcirculação, muito mais frequentes nas mulheres que nos homens, e
que tanto podem mitigar a expressão clínica da doença como também magnificar a
repercussão de uma lesão anatômica1. Além disso, as mulheres, apesar de todo o
progresso tecnológico recente, ainda exibem resposta tardia menos favorável do que os
homens quando submetidas à revascularização miocárdica2.

Outros fatores de risco coronariano


Podem ter grande influência no planejamento terapêutico dos pacientes já que, quando
devidamente tratados, representam grande arma no favorecimento do tratamento médico
isolado, mesmo em presença de lesões anatômicas graves e isquemia miocárdica, como
recentemente demonstrado no estudo COURAGE3.

Assim, o controle adequado da hipertensão arterial pode contribuir para reduzir a


isquemia miocárdica e o uso de estatinas pode minimizar a disfunção endotelial e
interromper a progressão das placas ateroscleróticas4. Por outro lado, a presença do
diabetes pode ter implicações na tomada de decisão a favor da cirurgia de
revascularização miocárdica, como demonstrado no estudo BARI-2D quando comparou
os desfechos combinados de morte, infarto e AVE5. O diabetes deve também favorecer
a preferência pelo uso de um stent farmacológico quando se decide por uma
intervenção percutânea6.

Infarto prévio e/ou disfunção ventricular esquerda


A presença de infarto do miocárdio prévio pode interferir de forma significativa na
conduta terapêutica dos pacientes, independentemente da anatomia coronariana. A
extensão do envolvimento da parede anterior pelo infarto prévio, avaliada de forma
simples pelo ECG, pode indicar a quantidade do miocárdio envolvido e ter relação
com a presença de disfunção ventricular esquerda. Esse fato implicará a necessidade de
realização de exames não invasivos para determinar a localização, a extensão e a
gravidade da disfunção ventricular, bem como a existência de isquemia e viabilidade
miocárdica na região infartada, fatores fundamentais para a indicação ou não de
revascularização miocárdica.

Neste sentido, a ecocardiografia basal ou de estresse, a cintilografia miocárdica (com


protocolos adequados à determinação de músculo viável ou isquêmico) e a ressonância
magnética podem ser utilizadas na dependência de cada caso e da experiência
individual de cada serviço.

Angioplastia coronariana prévia


A existência de reestenose intra-stent da artéria descendente anterior proximal implica
a necessidade de nova intervenção percutânea ou cirúrgica, principalmente se o
paciente estiver sintomático e/ou apresentar sinais objetivos de isquemia miocárdica.

Comorbidades
A presença de outras doenças clínicas e cardiovasculares, como a insuficiência renal, o
enfisema pulmonar, as neoplasias, o acidente vascular encefálico, a doença
aterosclerótica carotídea, a síndrome da imunodeficiência adquirida, etc., no contexto
de uma lesão proximal da artéria descendente anterior, está associada a aumento de
morbimortalidade a curto/médio prazo independentemente da forma de tratamento a ser
adotado.

O risco adicional inerente a essas doenças deve ser muito bem avaliado na tomada de
decisão de qualquer procedimento invasivo de revascularização miocárdica nesses
pacientes e a presença de um determinado tipo de comorbidade ou de várias de suas
combinações, pode, adicionalmente, contribuir para que a escolha da revascularização
se incline para a angioplastia ou para a cirurgia.

2. Qual a importância da existência de angina do peito e a sua graduação funcional?


Como isto deve ser feito?

Quando presente - o que ocorre na maioria dos casos onde existe obstrução com
significado hemodinâmico – a angina do peito é o principal guia a indicar a magnitude
da isquemia miocárdica e a eficácia ou não do tratamento, seja medicamentoso ou por
revascularização. Pode, eventualmente, não estar presente (isquemia silenciosa),
meramente por características próprias do paciente, já que o diabetes, a idade avançada
e a hibernação miocárdica são fatores predisponentes da sua ausência7-9. Outras vezes
ela se expressa de forma sutil e atípica, porém não menos importante, através de
desconforto ou mal-estar torácico, dispneia de esforço ou sinais de baixo débito
cerebral (equivalente anginoso).

Com relação à gravidade da isquemia, devem ser valorizadas a intensidade e duração


das crises anginosas, o grau de limitação que causam ao paciente (classe funcional) e
outras manifestações clínicas de sofrimento miocárdico isquêmico como a disfunção
sistólica e/ou diastólica aguda e crônica do VE e os sinais de baixo débito sistêmico.
De modo geral as diretrizes não recomendam revascularização miocárdica em
pacientes assintomáticos a não ser em situações excepcionais (obstrução >50% de
tronco de artéria coronária esquerda, demonstração de importante isquemia miocárdica
em repouso e/ou estresse)10-12.

3. Qual a importância de se determinar a existência e a carga de isquemia


miocárdica objetiva? Qual o melhor teste para este caso?

A determinação da isquemia miocárdica, através de métodos não invasivos, pode


desempenhar um papel decisivo na avaliação desses pacientes. A sua existência e
quantidade (esta determinada através da massa ventricular esquerda envolvida)
traduzem o significado funcional da obstrução. Além disso, guardam relação direta com
o prognóstico a longo prazo e, consequentemente, é de fundamental importância na
escolha do tipo de terapêutica a ser adotada. Assim é que pacientes com graus de
isquemia leve a moderada (<10% da massa do VE), estáveis no tempo, sob adequado
tratamento farmacológico e com controle dos seus fatores de risco, podem ser
manuseados com segurança apenas com tratamento clínico10-13.

Ao contrário, em pacientes sob tratamento farmacológico otimizado, a presença de


angina do peito e/ou a demonstração de isquemias extensas, especialmente se
associadas à disfunção ventricular esquerda durante o estresse ou mesmo em repouso,
representam sempre um prognóstico desfavorável com o tratamento clínico isolado,
indicando a necessidade de revascularização miocárdica10-12,14. Da mesma forma, em
pacientes com infarto prévio, a comprovação da reversibilidade da isquemia durante a
fase de repouso e da viabilidade miocárdica nos segmentos envolvidos pelo infarto são
essenciais para a indicação de uma intervenção por cirurgia ou angioplastia
coronariana10-12,15. Embora o teste ergométrico possa avaliar a intensidade da isquemia
miocárdica através de sua relação direta com a baixa tolerância ao esforço (avaliada
pelo número de MET alcançado), os métodos de imagem com estresse como a
cintilografia miocárdica e o ecocardiograma permitem uma avaliação mais adequada da
carga isquêmica ao revelarem a localização, a intensidade e a extensão da(s) parede(s)
envolvida(s).

4. Qual a importância em saber se o paciente está recebendo tratamento anti-


isquêmico e se este está apropriado/otimizado?
O tratamento clínico da isquemia miocárdica exige a utilização plena do arsenal
terapêutico disponível, aí incluído o controle dos fatores de risco e mudanças de
hábitos de vida. Na existência de angina em paciente sob qualquer tratamento
farmacológico torna-se obrigatória a verificação da adequação dos fármacos anti-
isquêmicos prescritos (e se são realmente utilizados!) e se suas doses são as
preconizadas ou se estão otimizadas (e se são tomadas!). Se essa não for a situação não
se pode afirmar que o tratamento médico está esgotado e cabe ao cardiologista
prescrever e otimizar as drogas apropriadamente e instruir diligentemente o paciente
sobre a necessidade do controle de todos os fatores de risco.

Por outro lado, alguns pacientes não toleram determinadas drogas ou suas doses
recomendadas, ou definitivamente não aderem às mudanças de hábitos de vida
(supressão do tabagismo, dieta hipossódica e/ou hipoglicídica, etc.), o que poderá
limitar o tratamento clínico ou qualquer outro a ser preconizado.

5. Qual a importância em saber se existe disfunção sistólica ventricular esquerda


segmentar e/ou global? Qual o melhor teste neste caso?

A existência de disfunção ventricular esquerda, sintomática ou não, impõe pior


prognóstico aos pacientes com doença arterial coronariana. No caso do paciente com
obstrução proximal da artéria descendente anterior é fundamental verificar se essa
disfunção segmentar está ou não ligada à lesão, se resulta de isquemia miocárdica ou
fibrose, e se há ou não viabilidade tecidual. Essas informações são fundamentais para a
tomada de decisão de revascularizar ou não o miocárdio envolvido16. Na existência de
disfunção global moderada ou grave, principalmente se houver áreas de acinesia ou
hipocinesia grave, os protocolos cintilográficos de avaliação de viabilidade - do tipo
repouso com reinjeção -, o ecoestresse com dobutamina e a ressonância magnética -
através da verificação do realce tardio - são mais aconselháveis por serem mais
sensíveis para a detecção de reserva contrátil com potencial de recuperação após a
revascularização17.

6. Que outros dados invasivos podem auxiliar neste caso?

Na imensa maioria dos pacientes com obstrução proximal da artéria descendente


anterior, a avaliação cuidadosa e minuciosa dos dados clínicos e dos métodos de
investigação não invasiva já mencionados, associada ao dado angiográfico, permite ao
médico indicar com segurança a melhor forma de tratamento. No entanto, algumas vezes
pode ser necessária também a avaliação invasiva funcional da lesão obstrutiva através
da medida da reserva fracionada do fluxo coronariano (FFR), já que, como
demonstrado recentemente, quando associado à obstrução coronariana, aumenta a
precisão da indicação de intervenção percutânea18. Outras vezes uma avaliação também
invasiva, através do ultrassom intracoronariano (USIC) torna-se necessária,
especialmente quando houver dúvidas sobre o verdadeiro grau de obstrução
angiográfica de uma lesão19.

7. Qual a melhor forma de tratamento para este paciente com doença univascular
proximal da artéria descendente anterior?

Sabe-se, por experiência clínica e evidência científica que um paciente com lesão
obstrutiva de 70% na porção proximal da artéria descendente anterior não tem,
necessariamente, que ser tratado por angioplastia coronariana ou por cirurgia, já que a
indicação de revascularização miocárdica baseada apenas na anatomia coronariana não
reduz a mortalidade nem previne um futuro IAM3,10-12,20.

Por outro lado, parâmetros clínicos e de imagem que detectam isquemia e disfunção
ventricular esquerda têm grande importância na tomada de decisão de se revascularizar
ou não um determinado paciente com esse perfil anatômico, por identificarem aqueles
que realmente podem se beneficiar com a revascularização e os que podem permanecer
(e se beneficiar) em tratamento clínico isolado10-12,21. Esses conhecimentos
contemporâneos baseados em evidências e diretrizes enfatizam a necessidade e
importância da participação do cardiologista clínico na tomada de decisão do tipo de
tratamento a ser aplicado no paciente, a partir do conjunto dos dados clínicos,
invasivos e não invasivos.

Assim sendo, no caso em questão, a primeira informação necessária é saber se o


paciente pode ou não ser submetido a processo de revascularização miocárdica.
(Figura 1). Se, por qualquer razão clínica ou mesmo devido às características próprias
da lesão anatômica, existir restrição ou contraindicação à abordagem invasiva, a
decisão é pelo tratamento clínico que deve ser otimizado ao máximo, incluindo a
reabilitação cardiovascular.

Se não houver impedimento à revascularização, vem a próxima e mais importante


questão: se o paciente tem angina do peito ou equivalente anginoso:

1) Se não tem, é importante saber se tem isquemia miocárdica de esforço. Se não tem
isquemia, o tratamento da obstrução próxima da artéria descendente anterior é clínico,
com forte ação sobre os fatores de risco e utilização de aspirina e estatina10-12. Por
outro lado, se tem isquemia ao esforço, mas é assintomático, é necessário graduar essa
isquemia.

2) Se a carga isquêmica for moderada a alta, principalmente com baixa a moderada


carga de esforço, deve-se otimizar o tratamento farmacológico (ou iniciá-lo com doses
plenas) e repetir o teste de estresse. Se desaparecer a isquemia, o tratamento permanece
clínico10-12. Se persistir com carga isquêmica além de baixa, a revascularização
miocárdica está indicada10-12.

3) Se o paciente é sintomático, o processo acima de demonstração e gradação da


isquemia miocárdica se repete. O desaparecimento da angina, principalmente quando
associado à redução/desaparecimento da isquemia ao estresse, permite deixar o
paciente em tratamento clínico10-12. Entretanto, se a carga isquêmica não se reduzir
(mesmo com a diminuição/desaparecimento da angina) pode-se optar pela
revascularização miocárdica se esse procedimento for de baixo risco e alta
probabilidade de sucesso22,23. Já a persistência de angina em classe funcional III ou IV
apesar do tratamento farmacológico otimizado é indicação de revascularização
miocárdica10-12.

4) Se o paciente apresenta disfunção sistólica segmentar e/ou global, com ou sem


angina presente, a conduta é semelhante, ou seja, se o processo é persistente apesar do
tratamento anti-isquêmico, especialmente se o grau de disfunção é moderado ou grave,
a revascularização miocárdica deve ser indicada10-12.

5) Os métodos invasivos de medida da reserva de fluxo coronariano e o ultrassom


intracoronariano (Figura 1) devem ser considerados apenas como métodos
complementares de tomada de decisão quando houver dúvidas entre a sintomatologia
clínica, os métodos não invasivos e a lesão anatômica.

6) Uma vez decidido pela revascularização, o conhecimento e avaliação dos escores de


risco cirúrgico (EuroSCORE)22 (ver site) e de gravidade angiográfica
(SYNTAXScore)23 (ver site) é de fundamental importância para a tomada de decisão
final, ou seja, se o paciente deve ser submetido a angioplastia coronariana ou cirurgia.
Nesse sentido, é importante que o cardiologista clínico se familiarize com a
interpretação desses dados para que sua conduta decisória esteja embasada na mais
atual e consistente evidência científica sobre esse tipo de dilema terapêutico.
Figura 1
Juntando as peças para a tomada de decisão

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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DOENÇA MULTIVASCULAR COM FUNÇÃO
SISTÓLICA PRESERVADA

Daniel Xavier de Brito Setta


Fernando Oswaldo Dias Rangel

CASO CLÍNICO
Paciente do sexo masculino, 68 anos, negro, natural do Rio de Janeiro, apresentando
episódios de dor precordial opressiva, irradiada para o membro superior esquerdo, de
curta duração, desencadeada por esforços de intensidade moderada (andar dois
quarteirões), iniciada há um ano.

História patológica pregressa (HPP): Hipertensão arterial sistêmica em tratamento


irregular; dislipidemia; obesidade grau I; ex-tabagista; sedentário. Nega: diabetes
mellittus, história familiar para doença arterial coronariana e infarto agudo do
miocárdio.

História medicamentosa: em uso regular de AAS 100mg, losartana 50mg pela manhã,
hidroclorotiazida 25mg, atenolol 25mg pela manhã e sinvastatina 20mg.
Exame físico: PA =170x100mmHg; FC =88bpm; Peso =98,20kg; Altura =1,78m; Cintura
abdominal =108cm; IMC =30,09kg/m2.
Lúcido, corado, hidratado. Sem turgência de jugulares, RCR B4, sem sopros, PVJ
normal, pulsos carotídeos sem alterações. MV audível universalmente sem ruídos
adventícios. Edemas em MMII 2+/4+

Exames complementares: Hemoglobina =14,2g/dL; Glicose =98g/dL; Hemoglobina


glicada =5,8%; Creatinina =1,24mg/dL; Colesterol total =239mg/dL; HDL colesterol
=35mg/dL; Triglicerídeos =168mg/dL; LDL =170mg/dL.

ECG: Ritmo sinusal, PR =140ms; FC =86bpm; AQRS 900, repolarização ventricular


dentro dos padrões de normalidade.

Ecocardiograma: Função sistólica global e contratilidade segmentar de ventrículo


esquerdo preservadas em repouso. Redução do relaxamento do ventrículo esquerdo.

Teste ergométrico: FC máxima 130bpm, 8MET, infradesnível de ST de 1mm, em DII,


DIII, aVF, que desapareceu no primeiro minuto da fase de recuperação. Não apresentou
dor precordial durante o teste, que foi interrompido por exaustão.

Coronariografia: doença arterial coronariana trivascular, com lesão de 70% em artéria


coronária descendente anterior (1/3 médio), circunflexa (70% proximal), coronária
direita (70% 1/3 médio).

OBJETIVOS

1. Discutir a abordagem terapêutica de pacientes coronariopatas


multivasculares com função ventricular preservada baseando-se nas
principais evidências disponíveis.
2. Definir subgrupos de pacientes portadores de DAC crônica que se
beneficiam da revascularização miocárdica percutânea, ou da
revascularização miocárdica cirúrgica ou do tratamento clínico otimizado.
3. Discutir as principais vantagens ou desvantagens das diferentes modalidades
de tratamento.
PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso apresentado?

Neste caso, as hipóteses diagnósticas são restritas uma vez que a manifestação clínica
apresentada é fortemente sugestiva de angina típica, e o paciente apresenta alta
probabilidade de ser portador de doença arterial coronariana (DAC) frente ao quadro
clínico característico, às diversas comorbidades apresentadas e à resposta isquêmica
ao teste ergométrico.

A angina é uma síndrome clínica causada pela obstrução de vasos epicárdicos,


caracterizada por dor ou desconforto torácico irradiado para o tórax, mandíbula,
ombro, dorso ou membros superiores, sendo tipicamente desencadeada com atividades
físicas, estresse emocional, ou exposição ao frio, e atenuada pelo repouso ou uso de
nitratos. Podem-se ainda observar quadros de precordialgia típica em pacientes
portadores de doença valvar cardíaca, cardiomiopatia hipertrófica, espasmo
coronariano e hipertensão não adequadamente controlada.

Há vários outros diagnósticos a serem considerados em pacientes portadores de dor


torácica atípica, como alterações relacionadas ao esôfago, estômago, pulmão,
mediastino, pleura e parede torácica. No caso apresentado, a possibilidade de outra
etiologia para a dor precordial torna-se remota pelos motivos apontados
anteriormente1-3.

Para a melhor definição quanto às diferentes estratégias para o tratamento (tratamento


medicamentoso [TM], tratamento percutâneo [ICP] ou a cirurgia de revascularização
miocárdica [CRVM]) é fundamental avaliar se o paciente se encontra em tratamento
medicamentoso otimizado, determinar a intensidade dos sintomas, o limiar para o
desencadeamento da angina e a função ventricular. As modalidades terapêuticas não são
mutuamente exclusivas, podendo-se mudar a estratégia de acordo com a evolução
clínica.

2. Como confirmar o diagnóstico?

Para confirmação diagnóstica bem como para avaliação prognóstica podem ser usados
os exames complementares como o eletrocardiograma, o teste ergométrico, o
ecocardiograma de estresse, a cintilografia miocárdica de esforço e repouso e a
ressonância magnética. O exame confirmatório é a coronariografia na qual se pode
utilizar exames como o ultrassom intracoronariano ou a reserva de fluxo fracionada
(FFR) para estimar a gravidade das lesões.

Eletrocardiograma (ECG)
Um eletrocardiograma normal não é capaz de excluir a presença de obstrução
coronariana. Porém algumas alterações podem sugerir a presença de doença arterial
coronariana como áreas de inatividade elétrica, onda T negativa, pontiaguda e
simétrica, onda T positiva, pontiaguda e simétrica ou infradesnivelamento do ponto J e
do segmento ST em derivações que exploram uma área determinada.

Teste ergométrico (TE)


O TE visa especialmente à confirmação diagnóstica, determinação prognóstica e
consequentemente a definição da conduta terapêutica. Esse exame pode ser de
fundamental importância para a definição da estratégia terapêutica a ser empregada em
pacientes com DAC estável. Devem ser considerados os sintomas apresentados (angina
esforço-induzida), a capacidade funcional, as respostas eletrocardiográficas e as
respostas hemodinâmicas. As variáveis mais relacionadas ao diagnóstico de obstrução
coronariana são: depressão do segmento ST ≥1mm, com configuração horizontal ou
descendente, e a presença da dor anginosa. Para o diagnóstico de isquemia miocárdica,
os resultados dos testes devem ser relacionados com a probabilidade pré-teste de
DAC1,2.

Os principais marcadores prognósticos são: baixa capacidade funcional (≤4MET) e a


depressão ou elevação do segmento ST em cargas baixas de esforço físico. Outras
variáveis de alto risco: depressão do segmento ST em múltiplas derivações; depressão
persistente do segmento ST na recuperação (>5min); inadequada resposta cronotrópica;
queda da pressão arterial sistólica durante o esforço; arritmia ventricular grave em
nível baixo de esforço, na presença de depressão do segmento ST ou de dor anginosa4-
9. O paciente do caso clínico não apresenta características de alto risco, ao teste
ergométrico.

Os principais ensaios clínicos que demonstraram equivalência entre o tratamento


medicamentoso e os procedimentos de revascularização miocárdica não incluíram
pacientes com critérios de gravidade ao teste ergométrico ou em outros métodos de
estratificação funcional, como se verá adiante.

Ecocardiografia
O ecocardiograma de repouso pode contribuir para o diagnóstico e o prognóstico dos
pacientes portadores de DAC estável, sendo considerado uma ferramenta fundamental
para a definição terapêutica. Anormalidades da motilidade parietal regional
(hipocinesia, acinesia ou discinesia) sugerem a presença de doença arterial
coronariana. O relaxamento ventricular, refletido pela velocidade de enchimento
ventricular diastólico precoce, pode estar prejudicado em pacientes portadores de
DAC crônica. O enchimento diastólico se torna ainda mais anormal ao exercício
quando a isquemia se intensifica. A pressão diastólica final ventricular esquerda pode
estar elevada secundariamente à complacência ventricular diminuída, à falência
ventricular esquerda sistólica ou à combinação desses dois processos. A avaliação da
função ventricular sistólica, pelo ecocardiograma de repouso, será relevante para a
definição da estratégia terapêutica a ser empregada uma vez que os pacientes com
disfunção ventricular sistólica são os que mais se beneficiam dos procedimentos de
revascularização miocárdica10.

Ecocardiografia de estresse
A ecocardiografia sob estresse apresenta boa acurácia para detecção de isquemia
miocárdica em pacientes com probabilidade pré-teste intermediária ou alta de serem
portadores de doença arterial coronariana11-13. Quando comparada ao teste
ergométrico, a ecocardiografia sob estresse tem maior sensibilidade e especificidade
para o diagnóstico de DAC. Tanto o estresse farmacológico com dobutamina ou o
estresse pelo exercício físico apresentam acurácia diagnóstica semelhantes (83% e
85%, respectivamente). O exame pode ser aplicado em pacientes impossibilitados de
realizar atividades físicas ou mesmo em pacientes com limitações à realização do teste
ergométrico, tais como: alterações eletrocardiográficas, bloqueio do ramo esquerdo,
hipertrofia ventricular esquerda e portadores de marca-passo. A avaliação da
gravidade da doença arterial coronariana pelo ecocardiograma de estresse também
pode ser decisiva para a definição do melhor tratamento a ser empregado.

Cintilografia miocárdica de esforço e repouso


A cintilografia miocárdica de perfusão com estresse físico ou farmacológico é superior
ao teste ergométrico isolado na detecção de doença arterial coronariana crônica, na
localização de áreas isquêmicas e na determinação da magnitude de miocárdio
isquêmico, informações relevantes para o julgamento clínico e para a escolha entre as
diferentes estratégias terapêuticas disponíveis (TM, ICP, RVM).

Esse exame pode fornecer uma sensibilidade média de 88% e uma especificidade de
72%, resultados superiores ao eletrocardiograma de esforço. O exame pode ser
particularmente útil naqueles pacientes que apresentam contraindicações relativas ou
absolutas ao uso do teste ergométrico convencional com anormalidades no ECG de
repouso, bloqueio de ramo esquerdo, hipertrofia ventricular esquerda ou uso de
digitálicos. Pelo fato de ser um exame relativamente caro, não deve ser usado como
teste de rastreamento em pacientes nos quais a prevalência de DAC é baixa. Para os
pacientes com dificuldade para se exercitar adequadamente, o estresse farmacológico
com dipiridamol ou adenosina pode ser usado com acurácia diagnóstica semelhante10.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico da doença arterial coronariana crônica?

A angina ocorre quando a demanda miocárdica por oxigênio excede a oferta. Diferentes
fatores podem aumentar o trabalho cardíaco e, consequentemente, a demanda
miocárdica por oxigênio. A elevação da frequência cardíaca, da pressão arterial, da
contratilidade miocárdica e da tensão na parede ventricular podem desencadear
episódios de angina em pacientes portadores de lesões coronarianas significativas. O
aumento no consumo de oxigênio comumente provém da liberação de norepinefrina dos
terminais adrenérgicos no coração e no leito vascular coronariano, que representa a
resposta fisiológica ao esforço, emoção ou estresse mental.

O dano endotelial nas artérias coronárias ateroescleróticas também pode resultar na


diminuição da produção de substâncias vasodilatadoras ou na produção de substâncias
vasoconstrictoras como o tromboxano A2 e a serotonina, que podem levar à resposta
vasoconstrictora anormal ao exercício e a outros estímulos.

A angina estável é definida como aquela que pode ser desencadeada por um nível
determinado de esforço físico e ser aliviada por repouso ou mesmo pelo uso de
nitratos. Os objetivos no tratamento dos pacientes portadores de doença arterial
coronariana crônica envolvem o uso de terapias para aliviar os sintomas, minimizar a
isquemia, reduzir as taxas de infarto agudo do miocárdio (IAM) e melhorar a
sobrevida. Esses objetivos podem ser alcançados através de diferentes tratamentos
como a terapia farmacológica anti-isquêmica, mudanças nos hábitos de vida ou através
da revascularização miocárdica percutânea ou cirúrgica. Este capítulo tem como
objetivo definir como esses tratamentos podem influenciar a evolução dos pacientes
coronariopatas multivasculares com função ventricular preservada.

4. De acordo com os estudos clínicos, quais as comorbidades que estão mais


associadas ao caso?

Dados epidemiológicos extraídos de bases populacionais, como o estudo de


Framingham14, forneceram a melhor avaliação dos fatores de risco que contribuem para
o desenvolvimento da doença arterial coronariana e ainda a forma como ela
progride14,15. Essas bases de dados estão menos afetadas pelo viés de seleção
inevitavelmente encontrado em ensaios clínicos. Alem disso, dados epidemiológicos
fornecem informações críticas em relação às metas para a prevenção primária e
secundária da doença arterial coronariana.

Os fatores de risco apontados por esses estudos são amplamente difundidos e o seu
detalhamento foge ao escopo deste capítulo. Pode-se ressaltar, no entanto, a
importância da hipertensão arterial sistêmica que pode estar associada à presença de
coronariopatia subclínica. Essa predisposição dos hipertensos persistiu mesmo quando
os pacientes com diabetes e hipertrofia ventricular esquerda foram excluídos15. A
presença de diabetes também foi apontada como importante fator de risco para
coronariopatia silenciosa, principalmente no subgrupo de pacientes do sexo masculino.
Além desses, o tabagismo, a elevação do colesterol total, a redução do HDL colesterol,
a presença de outras doenças vasculares, a história familiar precoce da enfermidade e a
idade avançada estão relacionadas com a presença de doença arterial coronariana
aterosclerótica16.

Apesar de parecer precipitado predizer a probabilidade de DAC após a história clínica


e o exame físico, alguns autores, como Diamond e Forrester1, demonstraram ser
possível essa análise1. Combinando os dados de estudos angiográficos realizados entre
as décadas de 1960 a 1970, verificou-se que a simples observação clínica e
caracterização da dor, idade, sexo foram importantes preditores para DAC.

O estudo Coronary Artery Surgery Study (CASS)17, realizado em 15 centros diferentes,


com cerca de 20.000 pacientes, comparou os achados clínicos com os angiográficos,
sendo o resultado muito próximo ao do estudo inicial de Diamond-Forrester1. Assim,
recomenda-se que pacientes apresentando dor torácica sejam submetidos a
levantamento pormenorizado dos sintomas, além do exame físico completo e da
pesquisa dos fatores de risco relacionados. De posse das informações, torna-se
possível estimar a probabilidade de existir DAC significativa, podendo-se presumir um
risco baixo, moderado ou alto.

5. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza os desfechos (morte e


internação) nos pacientes com doença arterial coronariana estável multivascular e
função ventricular preservada? O tratamento pode ajudar no controle da evolução
da doença?

Enquanto pacientes portadores de síndrome coronariana aguda mostraram amplo


benefício para o tratamento intervencionista precoce em detrimento do tratamento
conservador, o mesmo não foi demonstrado para doença arterial coronariana crônica.
As evidências atuais no contexto da doença coronariana crônica estável abrangem
discussões sobre a limitação da revascularização (percutânea ou cirúrgica) em reduzir
desfechos graves, quando comparada ao tratamento clínico, principalmente em
pacientes com função ventricular preservada. Nesse sentido, importantes ensaios
clínicos recentes mostraram equivalência entre as duas estratégias, quanto à redução
das taxas de morte e de infarto17-21. Contudo, a CRVM se mostrou melhor que a ICP e o
TM para prevenir a recorrência da angina e a necessidade de novas intervenções
coronarianas19.

O estudo CASS17 foi um ensaio clínico multicêntrico, randomizado, desenhado para


avaliar o efeito da cirurgia de revascularização miocárdica na redução da mortalidade
de pacientes com doença arterial coronariana estável multivascular (comprometimento
biarterial 40% e triarterial 31,5%)17. Nele, 780 pacientes foram alocados para receber
tratamento cirúrgico (n=390) ou tratamento clínico (n=390). Após cinco anos de
acompanhamento, a taxa de mortalidade anual nos pacientes alocados no grupo
cirúrgico foi 1,1%, índices semelhantes ao tratamento clínico da época. Quando
avaliados apenas os pacientes que apresentavam fração de ejeção >50% (75%), perfil
semelhante ao do caso clínico apresentado neste capítulo, a mortalidade foi semelhante
entre o tratamento cirúrgico e o clínico: 0,6% x 0,8% na doença bivascular e 1,2% e
1,2% na doença trivascular, respectivamente. A taxa anual de revascularização
miocárdica no grupo inicialmente alocado para o tratamento medicamentoso foi 4,7%.

Concluindo, o estudo CASS não demonstrou diferença entre o tratamento clínico e a


revascularização miocárdica em relação à mortalidade, infarto do miocárdio com onda
Q ou sobrevivência livre de eventos no período de seguimento de cinco anos. O
benefício da RVM estaria restrito ao subgrupo triarterial, com disfunção ventricular (FE
<50%).

A excelente taxa de sobrevida observada nos dois subgrupos permite concluir,


baseando-se nesse trabalho, que pacientes com DAC estável multivascular e fração de
ejeção preservada podem, com segurança, adiar o tratamento cirúrgico quando
submetidos ao tratamento clínico otimizado17.

No estudo MASS II19 avaliou-se em pacientes portadores de doença arterial


coronariana crônica e função ventricular preservada (perfil semelhante ao do caso
clínico apresentado), a eficácia das três modalidades terapêuticas disponíveis:
revascularização miocárdica cirúrgica, angioplastia e tratamento medicamentoso19. Os
desfechos primários avaliados foram mortalidade cardiovascular, infarto agudo do
miocárdio com onda Q ou angina refratária necessitando revascularização. Um total de
610 pacientes para receber RVM (n=203), angioplastia (n=205) e tratamento
medicamentoso (n=203). As taxas de sobrevida em um ano foram 96% para
revascularização miocárdica cirúrgica, 95,6% para angioplastia e 98,5% no grupo em
tratamento medicamentoso. A taxa de pacientes livres de IAM com onda Q em um ano
foi 98% no grupo submetido ao tratamento cirúrgico, 92% no grupo submetido ao
tratamento percutâneo e de 97% no grupo em tratamento clínico. Após um ano de
seguimento, 8,3% dos pacientes em tratamento medicamentoso e 13,3% dos pacientes
submetidos à angioplastia necessitaram de intervenções adicionais em comparação com
apenas 0,5% dos pacientes que foram submetidos inicialmente à revascularização
miocárdica cirúrgica.

Concluindo, esse trabalho demonstrou que todos os três esquemas terapêuticos


apresentaram baixas taxas de IAM e de mortalidade cardiovascular. No entanto, os
pacientes submetidos ao tratamento percutâneo apresentaram maior recorrência da
angina necessitando mais frequentemente de nova revascularização, se comparados aos
pacientes submetidos às outras estratégias. Mesmo o tratamento medicamentoso foi
associado com menor incidência de eventos e menor necessidade de revascularização
adicional quando comparado ao tratamento percutâneo. A revascularização miocárdica
foi superior aos outros tratamentos na redução dos sintomas anginosos19.

O estudo COURAGE20 foi um ensaio clínico randomizado e controlado que avaliou, em


50 centros ao redor do mundo, 2287 pacientes com angina estável classe canadense II
ou III, comparando o tratamento clínico otimizado com a angioplastia coronariana com
stents convencionais associada ao tratamento clínico otimizado20. O desfecho primário
foi morte por qualquer causa e infarto do miocárdio não fatal durante período de
seguimento de 2,5 anos a 7,0 anos (média de 4,6 anos).

Para a inclusão, os pacientes deveriam apresentar evidências objetivas de isquemia


coronariana (isquemia induzida com estresse físico ou farmacológico ou alterações
dinâmicas do segmento ST ou onda T invertida no ECG de repouso), além de doença
coronariana significativa. Os critérios de exclusão foram angina classe canadense IV,
lesão de tronco >50%, teste ergométrico com critérios de gravidade (depressão
importante do segmento ST ou hipotensão esforço-induzida durante o estágio 1 do
protocolo de Bruce), insuficiência cardíaca refratária ao tratamento clínico, choque
cardiogênico e disfunção ventricular (fração de ejeção <30%) e lesões coronarianas
não passíveis de angioplastia. Dos pacientes incluídos, 2/3 apresentavam doença
coronariana multivascular. O tratamento médico nos dois grupos incluía ácido
acetilsalicílico, clopidogrel para os candidatos à angioplastia, metoprolol de ação
prolongada, mononitrato de isossorbida, lisinopril ou losartan, amlodipina além de
terapia agressiva para controle do LDL-colesterol (meta de 60-85mg/dL), do HDL
colesterol (meta terapêutica >40mg/dL) e triglicerídeos (meta terapêutica 150mg/dL)20.

O desfecho primário, morte por qualquer causa e infarto agudo do miocárdio não fatal
incidiu sobre os dois grupos de forma semelhante (19% no grupo da angioplastia
associada ao tratamento medicamentoso e 18,5% no grupo do tratamento
medicamentoso isolado). Mesmo quando os infartos agudos do miocárdio
periprocedimentos foram excluídos, a taxa de eventos foi semelhante (16,2% e 17,9%,
respectivamente). A taxa de hospitalização por síndromes coronarianas agudas foi
12,4% no grupo da angioplastia e 11,8 % no grupo do tratamento médico otimizado. A
curva de mortalidade nos dois grupos foi virtualmente idêntica. Após o
acompanhamento por 4,6 anos, 21,1% dos pacientes do grupo da angioplastia
necessitaram de revascularização adicional comparado aos 32,6% dos pacientes que
estavam no grupo em tratamento medicamentoso otimizado (p<0,001)20.

Algumas críticas foram feitas ao estudo COURAGE20. Entre elas está o fato de apenas
6,4% dos pacientes inicialmente considerados para participar do ensaio clínico terem
efetivamente entrado no estudo. Foram excluídos os pacientes que não tiveram lesões
angiograficamente passíveis de intervenção, falha medicamentosa e pacientes graves
com angina refratária, insuficiência cardíaca, disfunção ventricular grave, lesão de
tronco ou estratificação funcional com critérios de gravidade. Outra importante crítica
foi que, apesar da terapêutica medicamentosa otimizada, a ocorrência de angina
progressiva resultou em uma elevada taxa de crossover (33%) para revascularização,
em pacientes randomizados para tratamento clínico isolado.

Concluindo, a estratégia de angioplastia precoce não foi capaz de reduzir o desfecho


primário, composto por morte e IAM não fatal, nesse ensaio clínico. Entretanto, o grau
de alívio da angina no grupo submetido à angioplastia foi maior que o encontrado no
grupo em tratamento medicamentoso otimizado. Assim, o estudo sugere que a
intervenção coronariana possa trazer benefício adicional ao tratamento medicamentoso
otimizado, principalmente em relação ao controle da angina, mas não na redução das
taxas de mortalidade e de infarto agudo do miocárdio20.

Um grande número de ensaios clínicos comparam a eficácia da angioplastia percutânea


com o tratamento clínico otimizado21. Nesses trabalhos, os pacientes submetidos à
angioplastia apresentaram taxas semelhantes de morte ou infarto agudo do miocárdio,
porém com melhor controle da angina nos primeiros anos após o procedimento.
Em 2009, uma meta-análise avaliou as taxas de IAM ou morte, em estudos comparando
o tratamento percutâneo e o tratamento médico otimizado em mais de 25.000 pacientes
portadores de DAC crônica22. Não foram constatadas diferenças significativas nas
taxas de morte ou IAM. Em 2010, outra meta-análise com o mesmo propósito constatou
que um número maior de pacientes estava livre de angina após o tratamento
percutâneo23.

O estudo BARI 2D24, que avaliou pacientes diabéticos com DAC, não apresentou
diferenças significativas na mortalidade de pacientes submetidos à CRVM associada ao
tratamento clínico otimizado em comparação aos pacientes que apenas receberam o
tratamento clínico otimizado24. Nesse trabalho foram excluídos pacientes com doença
de tronco, e foi incluído apenas um pequeno número de pacientes com disfunção
ventricular e doença proximal de DA o que pode ter influenciado os resultados.

Posteriormente, uma meta-análise contemplando sete ensaios clínicos randomizados,


que analisaram 2649 pacientes, demonstrou que a RVM melhora a sobrevida de
pacientes com doença de tronco de coronária esquerda ou doença coronariana
trivascular quando comparada ao tratamento clínico apenas25. Esses estudos também
demonstraram que a RVM se apresentou mais eficaz no alívio da angina. Em avaliação
após 10 anos da randomização inicial do estudo MASS II26, pacientes com doença
arterial coronariana multivascular tratados com RVM apresentaram menor taxa de IAM,
menor necessidade de RVM adicional ou morte relacionada a eventos cardíacos26.

O SYNTHAX trial27 é um estudo recente e extremamente importante para se avaliar o


impacto das estratégias de intervenção coronariana percutânea e de cirurgia de
revascularização miocárdica no tratamento de pacientes com doença aterosclerótica
coronariana complexa27,28. Foram analisados 1800 pacientes com doença coronariana
trivascular ou doença de tronco da artéria coronária esquerda, a maioria com angina de
peito estável (57%) e fração de ejeção preservada (acima de 97,5%), randomizados
para cirurgia de revascularização do miocárdio ou intervenção coronariana percutânea
com implante de stents farmacológicos. A taxa de desfecho primário (morte, AVE,
IAM, repetição de procedimento de revascularização) em 12 meses foi
significativamente maior no grupo de ICP em relação ao grupo cirúrgico: 17,8% x
12,4%, respectivamente (p=0,002), em grande parte devido ao aumento da taxa de
repetição de revascularização coronariana: 13,5% para angioplastia e 5,9% para
cirurgia (p<0,001). Em 12 meses, as taxas de morte e IAM foram semelhantes.
Entretanto, a incidência de AVE foi significativamente maior no grupo submetido à
cirurgia de revascularização: 2,2% x 0,6%, respectivamente.
De acordo com a gravidade das lesões coronarianas foi desenvolvido o escore
SYNTAX de pontos: baixo (0 a 22), intermediário (23-32) e alto (≥33). No grupo de
ICP, as incidências de eventos cardíacos ou cerebrais foram maiores naqueles com
escores elevados (23,4%) em relação àqueles com escores baixos (13,6%) e
intermediários (16,7%). Porém, no grupo de cirurgia, as taxas de eventos cardiológicos
ou cerebrovasculares foram semelhantes para aqueles com escores baixos (14,7%),
intermediários (12%) e elevados (10,9%). Conclui-se que houve grande interação entre
os escores de complexidade angiográfica e os grupos de tratamento: aqueles com
escores baixos ou intermediários obtiveram incidências de eventos cardiológicos e
cerebrovasculares similares com angioplastia ou cirurgia, mas os pacientes com
elevados escores tiveram mais eventos adversos com ICP (23,4%) do que com cirurgia
(10,9%).

A análise do SYNTAX trial27 com seguimento de três anos, também demonstrou não
haver diferenças significativas nas taxas de eventos cardiológicos ou
cerebrovasculares em pacientes com escores SYNTAX baixos, tratados com ICP ou
cirurgia. Nos pacientes com escores intermediários, as taxas de repetição de
revascularização foram significativamente maiores naqueles tratados com ICP (CRM
10,1% x ICP 17,4%; p=0,01), assim como as taxas de IAM ou de eventos
cardiovasculares (IAM: CRM 3,2% x ICP 7,6%; p=0,02; eventos cardiovasculares:
18,9 CRM x 27,4% ICP; p=0,02). Em pacientes com lesões coronarianas mais
complexas (escores SYNTAX 33) os eventos cardiovasculares, exceto o AVE, foram
mais frequentes naqueles tratados com ICP (19,5% x ICP 34,1%; p<0,001).

Não se observaram diferenças nas taxas de eventos cardiológicos ou cerebrais naqueles


com doença de tronco da coronária esquerda que apresentaram escores SYNTAX
baixos (CRM 23% x ICP 18%) ou intermediários (CRM 23,4% x ICP 23,4%). Porém
nos que apresentavam escores SYNTAX elevados e lesão de tronco, as taxas de
eventos cardiológicos graves foram significativamente maiores nos pacientes
submetidos à ICP (37,3%) do que à CRM (21,2%); p=0,003.

Em três anos, a incidência de IAM foi significativamente maior no grupo ICP em


relação ao cirúrgico e a as taxas de AVE similares entre os dois grupos de tratamento, o
que contrastou com os achados de um ano de acompanhamento. Se comparadas com os
resultados de um ano, as taxas de morte de origem cardíaca foram maiores no grupo de
ICP em relação ao de cirurgia, sobretudo naqueles com escores de complexidade das
lesões mais elevados. A maioria das mortes de origem cardíaca (60%) ocorreu no
primeiro ano após o tratamento, nas duas modalidades, sendo que 40% foram
observadas no segundo e terceiro anos de seguimento.
A maioria dos casos de infarto ocorreu na primeira semana após a revascularização
miocárdica, tanto no grupo de angioplastia quanto de cirurgia. A provável causa do
aumento de IAM, no seguimento até três anos, no grupo de intervenção percutânea foi a
reestenose e consequente revascularização adicional em pacientes com doença
aterosclerótica difusa e de grande complexidade angiográfica. A maior parte dos casos
de oclusão de enxertos não levou ao IAM, mas sim à necessidade de novo
procedimento de revascularização. Entretanto, a oclusão de um stent tem consequências
clínicas mais graves, acarretando com frequência o infarto agudo do miocárdio.

Concluiu-se que a cirurgia de revascularização do miocárdio permanece como o


tratamento de escolha em pacientes trivasculares, com risco operatório aceitável e com
anatomia coronariana complexa (escores SYNTAX intermediário e alto), enquanto que
a intervenção coronariana percutânea teve resultados semelhantes à cirurgia, naqueles
com escores SYNTAX <22, podendo constituir uma alternativa aceitável ao
procedimento cirúrgico27,28.

Outros estudos aplicaram, em caráter retrospectivo, o SYNTAX escore e demonstraram


correlação da complexidade anatômica angiográfica com a ocorrência de eventos
cardíacos adversos graves, validando-o como instrumento de avaliação
prognóstica29,30.

A Sociedade Americana de Cardiologia, em seu mais recente Guidelines31, considera


classe IIa com nível de evidência B, a escolha da cirurgia de revascularização do
miocárdio para aumentar a sobrevida, em relação ao tratamento clínico, de pacientes
com doença coronariana trivascular complexa (SYNTAX escore>22), com ou sem
acometimento proximal da artéria descendente anterior, que tenham condições clínicas
adequadas para a cirurgia, enquanto que classificou a intervenção percutânea como IIb
nível de evidência B, com benefícios incertos. A mesma recomendação IIb nível B foi
considerada, favorecendo a cirurgia em relação à angioplastia, quando o objetivo
terapêutico era reduzir sintomas, em pacientes com as mesmas condições
supracitadas31.

Já a Sociedade Europeia de Cardiologia32 considera classe IIa nível de evidência B, o


emprego da intervenção coronariana percutânea no paciente com acometimento
trivascular, com escore SYNTAX <2232.
Concluindo, a cirurgia de revascularização miocárdica não apresentou, em estudos nas
décadas de 1970 e 1980, melhora significativa da mortalidade, para todos os grupos de
pacientes, em comparação com a terapia médica otimizada25,33,34. Principalmente
quando foram incluídos pacientes com DAC crônica e função ventricular preservada, os
benefícios relacionados aos procedimentos cirúrgicos ou percutâneos não foram
evidentes. No entanto, a sobrevida foi aumentada em grupos selecionados de pacientes,
como aqueles que apresentavam doença arterial coronariana grave, acometendo extensa
área miocárdica ou ainda aqueles com doença arterial coronariana estável e disfunção
ventricular esquerda. Os grupos que possivelmente apresentaram melhora da sobrevida
com a revascularização miocárdica foram:
─ Pacientes com doença arterial coronariana trivascular e disfunção ventricular (FE
<40%)35-38.
─ Pacientes com lesão de tronco de coronária esquerda39-42.
─ Pacientes com lesão proximal de artéria descendente anterior40,42.
─ Pacientes com doença bivascular incluindo DA proximal42-44.
─ Pacientes com doença bivascular e isquemia extensa demonstrada por exame não
invasivo45.

6. O tratamento pode ajudar no controle da evolução da doença?

Os objetivos do tratamento da angina estável são o retardo ou a prevenção da


progressão da doença arterial coronariana, o alívio sintomático, e a redução de
desfechos como morte ou infarto agudo do miocárdio. Como discutido anteriormente, o
tratamento medicamentoso otimizado pode ser tão efetivo quanto a CRVM ou o
tratamento percutâneo para a redução de desfechos maiores em grupos selecionados de
pacientes.

Como demonstrado anteriormente, a CRVM promove um controle do quadro anginoso


mais efetivo e prolongado que as outras alternativas terapêuticas20. Aproximadamente
95% dos pacientes apresentam melhora parcial ou completa da angina após a CRVM. O
estudo CASS17 demonstrou que um percentual maior de pacientes permaneceu livre de
angina após a CRVM quando comparados ao grupo em tratamento medicamentoso (66%
vs. 30%, respectivamente)17. Após 10 anos essa diferença desapareceu (47% vs. 42%).
Essa evolução se deve ao fato de um elevado número de pacientes inicialmente
alocados para o tratamento medicamentoso terem necessitado de CRVM.

O mais recente seguimento dos pacientes incluídos no estudo MASS II26 comparou o
resultado entre a CRVM, a ICP e o TM após 10 anos de seguimento. O desfecho
primário (taxas de morte, infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento
ST ou angina refratária) ocorreu em 33,0% dos pacientes do grupo CRVM, 42,4% no
grupo ICP e 59,1% no grupo em TM (p<0,001). No acompanhamento dos primeiros
cinco anos, não houve diferença significativa dos desfechos primários entre a ICP e o
TM (hazard ratio [HR] 0,93; IC95% 0,67–1,30); porém houve efeito protetor da CRVM
em relação à ICP (HR 0,53; IC95% 0,39–0,72; p<0,001) e ao TM (HR 0,43; IC95%
0,32–0,58; p<0,001) em 10 anos.

Quando foi avaliada isoladamente a mortalidade, não houve diferença significativa


entre os grupos em cinco e 10 anos (p=0,824 e p=0,089, respectivamente). Esses
resultados de melhor prognóstico com a CRVM divergem de outros importantes estudos
descritos anteriormente como o CASS17 e o COURAGE20.

7. Existe alguma estratégia para a prevenção (primária e secundária)?

Diferentes abordagens podem ser utilizadas para reduzir os malefícios da doença


cardiovascular para a população como: recomendações gerais disseminadas para toda
a população, identificação dos indivíduos de alto risco para a prevenção primária,
intervenções terapêuticas para a prevenção secundária em pacientes com doença
conhecida. Dentre as principais estratégias destacam-se:

1. Combate ao tabagismo
2. Controle da dislipidemia
3. Controle da hipertensão arterial
4. Controle dos níveis glicêmicos e do diabetes
5. Tratamento da obesidade
6. Combate ao sedentarismo

Quanto à terapêutica medicamentosa, os antiagregantes plaquetários, hipolipemiantes,


em especial as estatinas, bloqueadores beta-adrenérgicos e inibidores da enzima
conversora de angiotensina reduzem a incidência de infarto e aumentam a sobrevida,
enquanto os nitratos e os antagonistas dos canais de cálcio reduzem os sintomas e os
episódios de isquemia miocárdica, melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
Assim, é prioritário e fundamental iniciar o tratamento com medicamentos que reduzam
a morbimortalidade e associar, quando necessário, medicamentos que controlem a
angina e reduzam a isquemia miocárdica. O detalhamento sobre o tratamento clínico e
as metas terapêuticas a serem alcançadas serão delineadas em outro capítulo.
8. Como conduzir o caso clínico em questão?

O paciente do caso clínico tem sintomas anginosos aos médios esforços, com função
ventricular esquerda preservada e anatomia coronariana com acometimento trivascular.
O teste de esforço não o inclui num grupo de alto risco funcional. As medicações
cardiológicas não estão otimizadas, podendo-se aumentar a dose de betabloqueador,
acrescentar nitrato e, se necessário, bloqueador de canais de cálcio de longa duração,
do tipo di-hidropiridínico.

Há necessidade de se reduzir os níveis de LDL colesterol para valores <70mg/dl,


aumentando a dose de sinvastatina ou trocando para uma estatina com maior potência,
se o objetivo não for alcançado. A perda de peso com orientações dietéticas e atividade
física sob supervisão médica, após ajuste farmacológico, são também medidas
importantes.

Considerando-se que a as lesões angiográficas são passíveis de revascularização


percutânea ou cirúrgica, com grau baixo de complexidade anatômica, medido pelo
SYNTAX escore (<22) e tendo o paciente boas condições clínicas para cirurgia,
poderia ser indicada a revascularização cirúrgica ou, como alternativa, a
revascularização percutânea com múltiplos stents farmacológicos, principalmente se o
paciente persistir sintomático ou se desenvolver disfunção ventricular esquerda, apesar
das modificações realizadas no estilo de vida e na terapêutica farmacológica.

Deve-se fazer a análise, preferencialmente, em reunião da equipe cardiológica,


composta por: cardiologista clínico, cardiologista intervencionista e cirurgião
cardíaco. A abordagem pelo heart team é reconhecida com indicação classe I nível de
evidência C, pelas sociedades internacionais de cardiologia para casos de doença
aterosclerótica coronariana com maior complexidade angiográfica45.

Deve-se considerar na decisão do modo de revascularização, vários outros aspectos


relevantes: os resultados das equipes cirúrgica e de intervenção percutânea, os custos
dos procedimentos, a exequibilidade da manutenção da terapia antiplaquetária dupla em
longo-prazo (pelo menos um ano) e as preferências do paciente.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.


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DOENÇA MULTIVASCULAR COM
DISFUNÇÃO SISTÓLICA DO VENTRÍCULO
ESQUERDO

Marcelo Iorio Garcia


Marcelo Luiz da Silva Bandeira

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 66 anos, natural de Mambaí (GO), foi encaminhada ao ambulatório
de cardiologia geral com queixa de cansaço e dispneia progressiva aos médios
esforços, com cerca de oito meses de evolução.

Em uso regular de anlodipina 10mg/dia, propranolol 40mg 2x/dia e hidroclorotiazida


50mg/dia. Relata tabagismo há 35 anos (CT: 30 maços/ano). Trouxe coronariografia
realizada há mais de um mês, evidenciando lesões proximais de 90% em artérias
descendente anterior, circunflexa e em terço médio de coronária direita, todas com leito
distal de bom calibre; tronco de coronária esquerda livre de lesões, ventriculografia
com hipocinesia difusa e disfunção moderada do VE. Realizou também ecocardiograma
que revelava moderada a grave disfunção do VE, com hipocinesia difusa de suas
paredes e FE 27%.

Ao exame físico: IMC =34kg/m2; PA =146x86mmHg; FC =82bpm.


Ectoscopia sem anormalidades. Ausência de turgência jugular patológica.
Ritmo cardíaco regular, bulhas hipofonéticas, sem bulhas acessórias ou sopros.
Pulmões limpos. Abdome globoso, sem visceromegalias. Membros inferiores com
edema +/4+.
ECG: Ritmo sinusal, BRD e HBAE, alterações inespecíficas da repolarização
ventricular.
Laboratório: Ureia =46mg/dl; Creatinina =1,2mg/dl; Glicemia de jejum =119mg/dl; Hb
glicada =5,7%; HDL colesterol =33mg/dl; LDL colesterol =128mg/dl; Hb =15,4g/dl; Ht
=43%; Tropo i <0,01.

OBJETIVOS

1. Analisar o uso racional de recursos diagnósticos no portador de disfunção


ventricular esquerda secundária à coronariopatia crônica.
2. Discutir o papel do tratamento clínico frente ao de modalidades
intervencionistas.
3. Apresentar possíveis formas de prevenção da disfunção de VE de origem
isquêmica.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar o quadro clínico?

O diagnóstico diferencial a esclarecer em quadros de dispneia é extenso, de forma que


se deve conduzir de forma objetiva. A presença de BRD associado à HBAE em
pacientes oriundos de áreas endêmicas para doença de Chagas direciona para
cardiopatia chagásica. O uso de alta carga tabágica levanta a possibilidade de quadro
pulmonar associado e responsável, pelo menos parcialmente, pelos sintomas
apresentados, principalmente naqueles que apresentem hipoxemia grave e suas
consequências (como hipertensão pulmonar e cor pulmonale em fases mais
avançadas).
A própria obesidade pode determinar esses sintomas devido ao condicionamento físico
inadequado e ao sedentarismo frequentes nesses pacientes, principalmente se associado
a outras condições, como hipotireoidismo e até quadros de depressão. Entretanto, o
diagnóstico clínico de doença arterial coronariana após os 65 anos apresenta certas
peculiaridades. Apenas 20% a 30% dos idosos relatam queixas anginosas, em parte
devido às próprias limitações físicas comumente encontradas nessa faixa etária,
levando a uma frequência menor de caracterização de angina aos esforços. Há também
maior incidência de relatos de equivalentes anginosos, principalmente dispneia, a qual
pode ser explicada por um aumento da pressão diastólica final do VE decorrente da
coexistência de doença coronariana e redução da complacência do VE secundária ao
envelhecimento e/ou hipertrofia ventricular esquerda1.

Diante de um quadro clínico muito evidente de cansaço progressivo, com a


cineangiocoronariografia (cine) revelando uma doença multivascular, deve-se
classificar a paciente relatada do ponto de vista sindrômico: cardiopatia isquêmica com
moderada a grave disfunção ventricular.

2. Como confirmar o diagnóstico?

Neste caso o diagnóstico está confirmado através do método complementar considerado


o padrão-ouro, que é a cine. Em seguida há que se definir a estratégia: intervenção ou
tratamento com fármacos visando ao controle dos sintomas. Como a paciente apresenta
doença multivascular, de acometimento coronariano proximal, com anatomia distal
passível de revascularização, na presença de disfunção do ventrículo esquerdo (VE),
desenham-se os seguintes questionamentos:

1. A revascularização miocárdica cirúrgica (RMC) é superior ao tratamento


farmacológico otimizado (TFO)?
2. A identificação de viabilidade miocárdica é importante para predizer a
melhora da função ventricular após a RMC? Que métodos diagnósticos
podem ser utilizados?

A evolução clínica a médio e longo prazo, nos pacientes portadores de disfunção


ventricular esquerda, de etiologia isquêmica e caráter crônico, na presença ou ausência
de sintomas de IC, ainda é incerta. Com base nos resultados de estudos em pacientes
isquêmicos com função sistólica preservada, como no BARI-2D2, alguns subgrupos
com benefícios puderam ser identificados. Até então, o único estudo randomizado que
procurou abordar a disfunção ventricular isquêmica foi o STICH3. As diretrizes que
norteiam a prática atual são baseadas em pequenos estudos, não randomizados, ou de
subanálises de estudos de RMC há mais de 30 anos. Com a terapia medicamentosa
atual, bem mais agressiva, não se sabe se essa intervenção traria benefícios ou
adicionaria riscos aos pacientes.

O objetivo do estudo STICH3 foi avaliar se a RMC associada ao TFO acrescentaria


benefícios em longo prazo quando comparada com o TFO isolado. Trata-se de um
ensaio clínico randomizado, multicêntrico, aberto e controlado, envolvendo 22 países,
com os pacientes recrutados entre julho 2002 e maio 2007 (seguimento médio de 56
meses). Cinquenta e dois por cento dos pacientes encontravam-se em CF II NYHA e
37% em CF III. Os pacientes com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE)
<35% e doença arterial coronariana (DAC) passível de RMC foram randomizados para
TFO ou RMC associada ao TFO.

Em relação ao desfecho primário avaliado, morte por todas as causas, não houve
vantagens da cirurgia em relação ao tratamento farmacológico contemporâneo. Essa
notícia trouxe um alvoroço na comunidade médica, pois até então esses eram os
pacientes que realmente se beneficiavam da intervenção. Porém se deve ter cautela na
interpretação desses resultados, pois se observa uma alta taxa de crossover nesse
estudo. Nove por cento dos pacientes randomizados para RMC passaram para o grupo
de TFO. Dezessete por cento dos pacientes no “braço clínico” passaram para o grupo
da RMC (essa alta taxa de crossover se deu pela piora nos sintomas, por
descompensação aguda do quadro ou ainda pela decisão da família ou mesmo do
médico assistente). Com isso, os resultados foram apresentados conforme a intenção de
tratamento (intention to treat, que representa uma análise pré-especificada) e conforme
o protocolo (per protocol, que por não ser especificada previamente, coloca os
resultados em questionamento). Após o crossover, como saber se os grupos mantiveram
a mesma homogeneidade? Observando os resultados apresentados per protocol, houve
uma redução de 24% na mortalidade global dos pacientes do grupo RMC, porém esse
benefício só foi notado após dois anos de seguimento.

Analisando-se o perfil clínico dos pacientes do estudo STICH3, observa-se que


independente da estratégia utilizada, eles permaneceram sob risco elevado, com
mortalidade global em torno de 40% em cinco anos. Ou seja, precisam-se selecionar
melhor os candidatos, pesquisando aqueles que realmente irão obter benefício com a
RMC. Será que os pacientes com viabilidade miocárdica documentada são os de real
benefício?
A pesquisa de viabilidade miocárdica em pacientes com cardiopatia isquêmica e
disfunção ventricular é utilizada para predizer a reversibilidade da disfunção após a
revascularização. O impacto dessa pesquisa na sobrevida dos pacientes nunca tinha
sido avaliado através de um estudo clínico. A decisão até então era baseada em estudos
retrospectivos.

Em 2002, Allman et al.4 publicaram meta-análise envolvendo 24 estudos


retrospectivos, todos eles antes de 1999. Foram 3088 pacientes, com FEVE 32±8%,
submetidos à avaliação de viabilidade miocárdica antes da revascularização e que
foram acompanhados por 25±10 meses. Em pacientes com miocárdio viável, a
revascularização foi associada com uma redução de 79,6% na taxa de mortalidade
anual (comparada com o TFO), em oposição aos pacientes em que a viabilidade era
mínima ou ausente (sem vantagens prognósticas).

Com base nesta meta-análise, o Guidelines europeu de revascularização cirúrgica5,


graduou as indicações da seguinte forma:

RMC é uma intervenção efetiva em pacientes com DAC e FEVE<35%, sem


angina significativa e evidência de miocárdio viável – recomendação classe
IIa, nível evidência B (nesse cenário a revascularização percutânea foi
graduada como IIb, evidência C).

Existe uma série de limitações nessa meta-análise, sendo as principais o fato de todos
os estudos serem retrospectivos e não randomizados; o maior estudo incluiu apenas 353
pacientes, e 12 estudos incluíram menos de 100 pacientes cada.

No início dos anos 2000, os betabloqueadores foram introduzidos para o manejo dos
pacientes com disfunção ventricular, visto a alta efetividade na redução da
morbimortalidade no contexto da IC6. Logo, a eficácia da revascularização deveria ser
reavaliada, à luz dos bloqueadores adrenérgicos e devices implantáveis, outra
importante ferramenta.

Mais recentemente, outra meta-análise7 examinou 14 estudos desenvolvidos com


técnicas estabelecidas para avaliar viabilidade em pacientes com DAC e FEVE≤45%,
publicados entre 1998 e 2006. Similar à primeira meta-análise, eles encontraram
redução absoluta na mortalidade, de aproximadamente 12% para os pacientes com TFO
para 4% nos pacientes submetidos à RMC, em vigência de miocárdio viável.

Novamente o estudo STICH8 (subestudo) avaliou o impacto da pesquisa de viabilidade


em pacientes com DAC e disfunção do VE. Essa subanálise estudou os 619 pacientes
que tinham pesquisa de viabilidade miocárdica, visando a avaliar se a pesquisa era
capaz de predizer quem teria benefício com a estratégia cirúrgica. Dentre os 619
(pesquisa de viabilidade realizada antes da RMC), 479 pacientes realizaram a pesquisa
através do SPECT e 299 através do ecocardiograma com dobutamina (ED). Após o
seguimento médio de 5,1 anos, a mortalidade foi 37% para o grupo com miocárdio
viável e 51% para o grupo sem viabilidade. Após ajustes para variáveis clínicas, essa
associação com a mortalidade não foi significativa (p=0,21). Ou seja, no mesmo ano e
na mesma revista, outro resultado enfático: a pesquisa de viabilidade miocárdica em
pacientes com DAC e disfunção grave do VE (FEVE<35%) não foi capaz de predizer
aqueles que teriam benefício do tratamento cirúrgico.

Novamente deve-se ter cautela na interpretação desses resultados. Repare que 619
pacientes representam apenas 51% dos 1212 pacientes do estudo STICH. Ou seja, 49%
da população não realizou nenhuma pesquisa de viabilidade! Ainda pior, essa pesquisa
não foi realizada de forma randômica, e sim a critério do investigador! (as
características basais dos subgrupos podem ter influenciado na indicação do teste de
viabilidade). E mais, como seriam os resultados da viabilidade se fossem aplicados
outros métodos, como a ressonância magnética ou a tomografia com emissão de
pósitrons (PET)?

À luz dos resultados atuais, a pesquisa de viabilidade não deve ser abandonada da
prática clínica. A tomada de decisão médica ainda deve ser respaldada em estudos
antigos, até que se tenham dados que apontem, de forma cega e randômica, a real
evolução clínica dos pacientes com miocárdio viável e disfunção ventricular, com
estratégias diferentes de tratamento.

3. Que mecanismos fisiopatológicos estão envolvidos na gênese deste quadro


clínico?

O ponto-chave na tomada de decisões para esta paciente está em se saber se alguma


terapêutica intervencionista permitirá a recuperação funcional, portanto, é necessário
definir a viabilidade miocárdica desta paciente. Um segmento miocárdico viável
cronicamente desfuncionante pode ser classificado de duas formas: hibernado ou
cronicamente atordoado. A diferença entre os dois está no fato de o primeiro estar
associado com um estado de hipoperfusão em repouso, enquanto que o segundo se
correlaciona com perfusão normal no repouso9.

Sob o ponto de vista fisiopatológico, a hibernação miocárdica é uma resposta


adaptativa e protetora das células a uma injúria isquêmica de instalação progressiva,
levando-as a um processo de reprogramação mitocondrial que culminará numa
capacidade contrátil reduzida, porém adaptada ao estado de hipoperfusão10.

Entretanto, um ensaio clínico11 avaliando pacientes com infarto com supra de ST


tratados com angioplastia primária e FEVE em torno de 50% não evidenciou
correlação direta entre porcentagem da massa infartada e redução da fração de ejeção
do VE (medida dois a seis dias após o procedimento). Outro estudo12, mas com
coronariopatas submetidos a transplante cardíaco que tiveram o coração explantado
analisado, evidenciou um volume médio de fibrose do VE de 28%, sendo que apenas
pouco mais de 30% desse volume correlacionava-se com áreas de infarto prévio.
Portanto, parte do miocárdio desfuncionante, em diferentes modelos de coronariopatia,
não se correlaciona diretamente com áreas de hipoperfusão.

O estudo STICH8 avaliou viabilidade em aproximadamente metade dos pacientes,


porém teve como objetivo principal caracterizar o impacto do tratamento cirúrgico em
pacientes com disfunção grave do VE de origem isquêmica. Anteriormente fora
publicado o estudo randomizado PARR-213 que avaliou o impacto do uso da tomografia
por emissão de pósitrons com 18-fluorodeoxiglicose (PET – FDG) no desfecho clínico
de pacientes com disfunção grave do VE sob suspeita de doença coronariana, quando
utilizado para avaliação de viabilidade miocárdica. O desfecho primário foi o evento
combinado óbito cardiovascular / IAM / internação por angina ou IC, destacando-se
que a FEVE foi feita por meio da ventriculografia com radionuclídeo (FEVE média de
28%). O seu impacto não teve significância no desfecho primário, salvo na ocorrência
de óbitos cardiovasculares em indivíduos sem coronariografia prévia nos últimos seis
meses, com redução de risco absoluto de 9,6%. Essa subpopulação apresentava maior
número de pacientes anteriormente operados, era mais idosa, com maior número de
infartos prévios, mais disfunção e com pior função renal se comparada aos com estudo
invasivo prévio. Isso reforça o fato de que quanto mais grave a população, maior é o
beneficio de determinar o grau de viabilidade.

Portanto, o uso de estratégias mais adequadas para definir viabilidade miocárdica é


fundamental para decidir pela associação ou não de terapêuticas intervencionistas. O
caso da paciente relatada exige como conduta terapêutica definitiva a cirurgia de
revascularização miocárdica tendo em vista sua grave disfunção de VE associada à
doença trivascular com um bom leito distal. Ainda assim, o fato de a disfunção
ventricular ser dependente também de áreas de atordoamento crônico - e não apenas
áreas hibernadas - devem reforçar a importância do tratamento clínico independente da
terapia intervencionista a ser indicada.
4. Quais são as bases do tratamento a ser proposto com impacto na sobrevida,
independente da intervenção coronariana a ser realizada?

A melhor tomada de decisão que respeite uma prática clínica baseada em evidências
exige o cumprimento de um processo sequencial: obter a queixa clínica do paciente de
modo que se possa desenvolver a pergunta correta; realizar a pesquisa adequada na
literatura e, finalmente, validar e aplicar os resultados a realidade de cada paciente.

A evolução clínica em coronariopatas com disfunção ventricular esquerda de instalação


crônica não é totalmente conhecida a médio e longo prazo, à luz dos estudos atuais.
Mesmo que a revascularização miocárdica seja a melhor opção, a participação do
paciente na tomada de decisão é fundamental na prática clínica atual. Partindo-se desse
pressuposto, o tratamento a ser proposto para esta paciente se baseia em duas
modalidades: não farmacológica e farmacológica.

As medidas não farmacológicas iniciais envolvem o combate a fatores de risco


modificáveis, visando a reduzir a progressão da doença aterosclerótica. Suporte
nutricional baseado na ingestão de carboidratos integrais associada a lipídios mono- e
poli-insaturados (incluindo ômega-3). Deve-se coibir o tabagismo, etilismo inveterado
e uso inadvertido de AINES. E por fim, deve-se considerar a reabilitação cardíaca
como um recurso associado à terapia farmacológica otimizada, desde que sejam
pacientes estabilizados sob o ponto de vista coronariano, e que tenha como objetivo
uma melhora funcional e da qualidade de vida, visto que os dados referentes a impacto
na sobrevida ainda são limitados14.

Dentre as terapias modificadoras de prognóstico, os IECA representam terapia de


primeira linha para portadores de doença coronariana com disfunção sintomática ou
não, naqueles com disfunção pós-infarto e nos diabéticos. Caso a paciente em questão
venha a desenvolver sinais de intolerância ao IECA utilizado – como insuficiência
renal e hipercalemia – pode-se considerar o uso dos bloqueadores dos receptores de
angiotensina II, os quais também têm impacto na mortalidade em todos os portadores de
disfunção.

O uso de antagonistas da aldosterona está recomendado na fase pós-IAM para pacientes


já em uso da associação betabloqueadores e IECA / BRA, que tenham FE <40% e
tenham diabetes ou sintomas de IC, desde que a função renal e o potássio sérico não
sejam proibitivos15.
Os betabloqueadores estão indicados a todo coronariopata com disfunção,
principalmente na disfunção pós-IAM, independente da presença de sintomas de
insuficiência cardíaca, por determinarem uma redução tanto da morbimortalidade
cardiovascular quanto dos sintomas anginosos. Entretanto o propranolol não foi
avaliado em grandes ensaios clínicos com portadores de disfunção, de modo que no
caso da paciente em questão se poderia considerar o uso de bisoprolol, carvedilol ou
succinato de metoprolol, tanto sob a forma de monoterapia inicial como também em
associação aos IECA ou BRA15.

O uso de antiplaquetários é bem estabelecido em portadores de DAC, a despeito da


função ventricular, devendo-se destacar que a aspirina só deve ser substituída por
derivados tienopiridínicos (ticlopidina e clopidogrel) em pacientes que desenvolvem
sinais de intolerância. E por fim, há indicação também para iniciar terapia com estatina
para esta paciente visando ao LDL-colesterol <70mg/dl, tendo em vista as evidências
de doença aterosclerótica significativa associada à disfunção16.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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Seção 4. Arritmias

Fibrilação Atrial - Enfoque Clínico e Anticoagulação


Fibrilação Atrial - Enfoque na Ablação
TV em CMI (CDI)
Terapia de Ressincronização Cardíaca
Síncope em Coração Normal
Flutter Atrial
Infecção e Dispositivos Implantáveis
Tratamento da Extrassistolia e Taquicardia Ventricular não Sustentada em
Pacientes com Coração Estruturalmente Normal
Taquicardias Supraventriculares 1
Taquicardias Supraventriculares 2
FIBRILAÇÃO ATRIAL - ENFOQUE CLÍNICO
E ANTICOAGULAÇÃO

Olga Ferreira de Souza


Silvia Helena Boghossian

CASO CLÍNICO

Paciente masculino, 65 anos, com episódios de palpitações e taquicardia de caráter


irregular há três anos. Há um ano foi diagnosticada fibrilação atrial (FA) através do
registro pelo eletrocardiograma basal (ECG) e iniciado tratamento com amiodarona. O
paciente era portador de hipertensão arterial sistêmica (HAS) há 15 anos e
dislipidemia. Em tratamento atual com besilato de anlodipino 10mg, sinvastatina 20mg
e hidroclorotiazida 25mg.

Apresentava também sintomas de sonolência diurna e cansaço aos médios esforços.


Após seis meses de tratamento persistia com sintomas e surtos sustentados de FA, sendo
encaminhado para o tratamento através da ablação por cateter. Nos três meses
subsequentes ao procedimento o paciente permaneceu assintomático, porém após esse
período voltou apresentar episódios não sustentados e sustentados de FA, duas a três
vezes por semana, acompanhados de sintomas de mal-estar generalizado e cansaço.

Nessa ocasião fazia uso regular de amiodarona 300mg/dia, varfarina sódica cristalina
3,75mg/dia, sinvastatina e besilato de anlodipino 10mg/dia.

História familiar: Pais portadores de hipertensão arterial e diabetes mellitus.


Exame físico: Paciente normocorado, hidratado e sem turgência de jugulares.
Peso =83,20kg; Altura =1,58m; Cintura abdominal =112cm; IMC =33,3kg/m2
Pressão arterial =148x92mmHg; Frequência cardíaca (FC) =88bpm
ACV: ritmo regular em três tempos com quarta bulha; pulmões limpos
Abdome globoso sem visceromegalias
Edema discreto de membros inferiores. Pulsos periféricos palpáveis e boa amplitude.

Exames laboratoriais:
Hemoglobina =12,2g/dL; Glicose =110mg/dL; Hemoglobina glicada =6,2%; Creatinina
=1,12mg/dL; Taxa de filtração glomerular (TFG) =59,63mL/min, T4 livre =1,2; TSH
=2,4.

Eletrocardiograma: Ritmo sinusal com crescimento do átrio esquerdo (AE).


Ecocardiograma transtorácico: Cavidades cardíacas com dimensões, espessuras
musculares e contratilidade global e segmentar do ventrículo esquerdo (VE) e
ventrículo direito (VD) normais. Aumento do AE ao corte apical =20cm²..
Diâmetros: AE =3,7mm; VEd =5,8mm; VEs =3,3mm; S =0,9mm; PP =1,0mm; FE =74%.
Holter 24 horas: Ritmo sinusal com FC mínima de 47bpm e máxima de 110bpm (média
de 70bpm).
Alta incidência de ectopias atriais (4566 extrassístoles atriais isoladas e 6 pareadas).
Um surto de FA com duração de 7min. Ausência de arritmias ventriculares.

OBJETIVOS
1. Discutir mecanismos e fatores de risco para a ocorrência de FA e sua
associação com a síndrome metabólica e a apneia do sono.
2. Avaliar a importância do controle e tratamento dos fatores clínicos que
agravam e perpetuam a FA.
3. Analisar as medidas farmacológicas e não farmacológicas que visam ao
controle dos episódios de fibrilação atrial.
4. Identificar os fatores de risco para ocorrência de eventos tromboembólicos e
como fazer a anticoagulação.

PERGUNTAS
1. Quais são os mecanismos e os fatores de risco para a ocorrência de FA e sua
associação com a síndrome metabólica e a apneia do sono?

A FC elevada e a irregularidade do ritmo causam na maioria dos pacientes sintomas


como palpitações e taquicardia de caráter irregular, sugestivos da presença de FA. No
início a arritmia se manifesta de forma não sustentada, e à medida que se torna mais
frequente pode adquirir a forma sustentada.

Wijffels et al.1, em 1995, utilizando a estimulação elétrica atrial rápida (400bpm) por
várias semanas induzindo FA por períodos curtos, demonstraram que a própria arritmia
poderia gerar FA de caráter sustentado (FA perpetua FA). Esse processo foi
denominado remodelamento elétrico, caracterizado por encurtamento da refratariedade
atrial com perda da adaptação do período refratário efetivo (PRE) atrial a mudanças de
FC e, com isso, aumentando a vulnerabilidade atrial.

Essas alterações fisiopatológicas que acontecem no átrio em consequência da FA são


chamadas de e podem ser analisadas do ponto de vista elétrico, anatômico e contrátil
(Figura 1).
Figura 1
Esquema do remodelamento elétrico, contrátil e estrutural causado pela FA.
P=período; Vel=velocidade; AE=átrio esquerdo; CX=conexina

A FA é uma doença progressiva, iniciando com a forma paroxística, evoluindo para


persistente e, por fim, permanente. O fenômeno de remodelamento é responsável por
essa evolução, ocasionando alterações estruturais (dilatação, fibrose, infiltração
gordurosa, hipertrofia dos miócitos atriais, etc.) e bioquímicas (mudanças na
distribuição, densidade e funcionamento de canais iônicos)2.

O diagnóstico da arritmia pode ser confirmado pelo registro da FA através do ECG


basal, sistema Holter, teste ergométrico, monitor de eventos ou eletrogramas
intracavitários dos dispositivos implantáveis. Em alguns casos a FA pode ser um
achado de exame complementar e o paciente estar assintomático. A presença de fatores
clínicos como: idade avançada, HAS, diabetes mellitus (DM), insuficiência cardíaca
congestiva (ICC), infarto agudo do miocárdio (IAM), valvopatia (reumática ou não) e
cirurgia cardiotorácica estão associados à maior prevalência de FA3,4.
Fatores de risco como obesidade, síndrome metabólica, apneia do sono, estatura
elevada e excesso de atividade física também são considerados fatores para a
ocorrência de FA5.

Para o diagnóstico de síndrome metabólica são necessários pelo menos três dos cinco
fatores: obesidade visceral, hipertensão arterial, hipertrigliceridemia, níveis baixos de
colesterol HDL e glicemia de jejum >110mg/dl. O estado pró-inflamatório, o estresse
oxidativo e a dilatação do AE são fatores comuns na patogenia da síndrome metabólica
e da HAS e no mecanismo da FA, induzindo o processo de remodelamento atrial6.

A síndrome da apneia obstrutiva no sono acarreta: hipoxemia, hipercapnia, tônus


simpático aumentado, oscilações bruscas da pressão arterial, pressão negativa
adicional sobre as câmaras cardíacas ativando canais iônicos atriais modulados por
estiramento. Essas alterações contribuem para o processo de remodelamento atrial
favorecendo a ocorrência de FA.

O paciente relatado apresentava HAS, síndrome metabólica, síndrome de apneia


obstrutiva no sono e uma evolução de três anos com sintomas de palpitações por
prováveis episódios de FA não sustentada ou surtos sustentados. O tratamento para
prevenção da arritmia iniciou-se apenas no último ano quando a FA se tornou
persistente em decorrência da evolução do remodelamento atrial.

Nesta fase, para a prevenção de novos surtos, o tratamento dos fatores associados é
fundamental para a interrupção do remodelamento atrial e controle da arritmia. O
tratamento farmacológico para prevenção da arritmia não foi eficaz e também não
houve tratamento dos fatores associados, tendo sido o paciente indicado à ablação por
cateter, que também não conseguiu um controle adequado dos surtos de FA.

2. Qual a importância do controle e tratamento dos fatores clínicos que agravam e


perpetuam a FA?

A HAS é um fator de risco independente para ocorrência de FA. O tratamento eficaz


reduz o estresse oxidativo, o estiramento atrial e previne a hipertrofia dos miócitos.
Vários estudos têm demonstrado que o uso dos inibidores do sistema renina-
angiotensina e os bloqueadores de receptores de angiotensina representam papel
importante na prevenção da fibrose atrial, interferindo no processo de remodelamento
atrial, sendo estes os grupos de fármacos de eleição para o tratamento de HAS em
pacientes portadores de FA7.
Controle da síndrome metabólica, redução dos níveis de triglicerídeos, correção do
HDL colesterol e redução de peso são obrigatórios para a interrupção do processo de
dilatação e fibrose atrial.

Estudo8 comparou pacientes portadores de FA e síndrome da apneia obstrutiva no sono,


tratados com cardioversão elétrica, fármacos antiarrítmicos e CPAP, com um grupo de
pacientes sem o CPAP. A recorrência de FA foi de 82% no grupo sem CPAP e de 42%
no grupo tratado.

3. Quais as medidas farmacológicas que visam ao controle dos episódios de


fibrilação atrial?

O tratamento para a prevenção de recorrências no paciente portador de FA deve ser


iniciado após a reversão do episódio agudo. A escolha da terapêutica antiarrítmica visa
ao controle de novos surtos, a fim de se prevenir o remodelamento elétrico atrial.
Quanto mais precoce o tratamento antiarrítmico for iniciado, mais efetiva será a
reversão e o controle das alterações eletrofisiológicas.

A FA é causada por mecanismos múltiplos, desencadeadas por gatilhos que atuam


diretamente no substrato arritmogênico, gerando a FA, sendo necessária em alguns
casos a associação com outros fármacos para controle da arritmia. A utilização de
betabloqueadores ou de antagonistas de canais de cálcio auxilia os fármacos
antiarrítmicos na reversão do remodelamento elétrico. Os inibidores de enzima de
conversão e os antagonistas do sistema renina-angiotensina têm o seu papel na
prevenção do remodelamento contrátil e na modulação do sistema nervoso autônomo.

As diretrizes que orientam o tratamento da FA9 recomendam a escolha criteriosa do


fármaco antiarrítmico a fim de se evitar risco de pró-arritmia, como a taquicardia
ventricular polimórfica. Portanto a escolha deve ser baseada na presença de
cardiopatia estrutural, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca e hipertrofia
ventricular esquerda (Quadro 1).

Quadro 1
Tratamento de prevenção de recorrências de FA baseado na presença de cardiopatia estrutural.
HA=hipertensão arterial; DAC=doença arterial coronariana; IC=insuficiência cardíaca; HVE=hipertrofia ventricular
esquerda; NYHA=New York Heart Association
Fonte: European Heart Rhythm Association22

No Brasil são utilizados a propafenona, a amiodarona e o sotalol para a prevenção de


recorrências de FA. A propafenona é um fármaco classe IC e a medicação de escolha
naquele paciente sem cardiopatia estrutural, ou portador de HAS, porém com
hipertrofia de grau leve. Também pode ser utilizada na reversão do episódio agudo. A
dose para manutenção em ritmo sinusal varia de 300mg a 900mg/dia e quanto mais alta
a dose maior a chance de efeitos pró-arrítmicos. Normalmente a dose de 450mg ou
600mg/dia é eficaz no controle da FA10.

A amiodarona é o fármaco antiarrítmico mais eficaz na prevenção de novos surtos de


FA, devido às suas características eletrofisiológicas com efeitos betabloqueadores,
antagonista de canais de cálcio e propriedades classe I e III com prolongamento do
período refratário atrial e ventricular. É o fármaco de escolha no paciente portador de
cardiopatia estrutural. No estudo AFFIRM11, a amiodarona foi superior (62%) aos
outros fármacos antiarrítmicos na manutenção do ritmo sinusal no período de um ano.
Um dos problemas com o seu uso a médio e longo prazo são os efeitos colaterais
cardíacos e extracardíacos, como hipertireoidismo, hipotireoidismo, fibrose pulmonar
e neuropatia periférica. A dose de manutenção para prevenção de recorrência de FA
deve ser entre 200-400mg. Entretanto é necessária uma impregnação do fármaco nos
primeiros 15 dias do seu uso devido ao mecanismo de ação.

A terceira opção é o sotalol, fármaco do grupo III da classificação de Vaughans


Willians que tem características betabloqueadoras e também de prolongamento do
período refratário atrial. Apresenta eficácia inferior à amiodarona e à propafenona,
porém é mais uma opção terapêutica naqueles pacientes sem cardiopatia, ou com HAS
e hipertrofia ventricular leve e portadores de doença arterial coronariana.

No paciente em questão o fármaco inicialmente utilizado foi a amiodarona, sendo a


dose aumentada ao longo do tratamento.

4. Quais são os fatores de risco para a ocorrência de eventos tromboembólicos e


como fazer a anticoagulação?

As complicações tromboembólicas, principalmente o acidente vascular encefálico


(AVE), quando associadas à FA trazem graves consequências, aumentando a morbidade
e a mortalidade. Pacientes com FA têm um risco cinco vezes maior de ocorrência de
AVE, na ausência de anticoagulação. O risco de AVE na vigência de FA dobra a cada
década de vida após os 55 anos de idade, sendo >25% a incidência em pacientes acima
de 80 anos12.

A incidência de FA se eleva com o envelhecimento da população, numa projeção de 3,1


novos casos (entre os homens) e 1,9 (nas mulheres) a cada 1000 pessoas por ano na
faixa etária de 55-64 anos; de 38 casos e 31,4 casos, para homens e mulheres,
respectivamente, nas idades entre 85 anos e 94 anos13,14. Psaty et al.15 observaram que
negros têm a metade do risco de desenvolver FA em comparação aos brancos.

O estudo de Framingham16 avaliou o impacto da FA na incidência de AVE em 5070


participantes no período de seguimento de 34 anos. Os resultados desse estudo
mostraram que o percentual de AVE atribuído à FA aumenta dramaticamente com a
idade, sendo essa arritmia a maior causa de AVE em idosos. O risco de ocorrência de
AVE é o mesmo nas formas de apresentação da FA paroxística, persistente ou
permanente (3,2% x 3,3%) e o risco se mantém quando a arritmia se apresenta de forma
assintomática16.

Portanto o envelhecimento da população, a presença de fatores que aumentam o risco


de AVE, comum em pacientes idosos, como HAS, DM, ICC e IAM e a maior
prevalência de FA nessa população têm sido motivo de grande preocupação,
especialmente para os cardiologistas e neurologistas que apontam para uma elevada
prevalência de FA e AVE para as próximas décadas.

A identificação de fatores que predispõem à ocorrência de FA e de fenômenos


tromboembólicos tem sido analisada em diversos estudos que tentam buscar preditores
de maior risco, selecionando aqueles pacientes que vão se beneficiar com a terapia
antitrombótica e reduzindo assim a expectativa dramática de elevado número de AVE
por FA nos próximos anos.

Na década de 1990 vários estudos randomizados foram realizados em pacientes com


FA não valvar. Foram analisados cerca de 20.000 pacientes durante um período médio
de 1,6 anos, com o objetivo de avaliar o benefício da terapia antitrombótica. O
resultado desses estudos mostrou que o tratamento anticoagulante (com antagonistas da
vitamina K, especialmente a varfarina) em pacientes com FA não valvar reduziu a
incidência de AVE em cerca de 70%, com risco anual de AVE de 1,4% contra 4,5%
com placebo17,18. Essa redução do risco foi aproximadamente de 84% em mulheres e de
60% em homens, contribuindo para redução de 33% da mortalidade total (p=0,01) e em
48% dos eventos combinados: AVE, embolia sistêmica e óbitos (p<0,001).

Grande meta-análise, incluindo 13 principais estudos de terapia antitrombótica na FA,


concluiu que o tratamento com a varfarina reduziu significativamente a ocorrência tanto
de AVE quanto de embolização sistêmica19. O tratamento com ácido acetilsalicílico
(AAS) previne bem menos que a varfarina e reduziu em apenas 22% as complicações
tromboembólicas20.

Dentre os diversos esquemas de avaliação clínica para a estratificação de risco de


tromboembolismo na FA, o CHADS2 (Cardiac failure, Hypertension, Age, Diabetes,
Stroke) incluiu aspectos de diversas publicações, no qual a história de AVE ou ataque
isquêmico transitório recebe 2 pontos e idade acima de 75 anos, HAS, DM ou IC
recente recebem 1 ponto cada (Quadro 2)21. O escore 0 é considerado baixo risco;
escore 1-2, moderado risco; e >2, alto risco. Escores mais altos relacionam-se com
maiores taxas de ocorrência de AVE. Escores ≥2 devem receber anticoagulação. Para
se obter os efeitos desejados com a anticoagulação, é extremamente importante a
monitorização periódica e confiável do INR.

Quadro 2
Critério CHADS2 para identificação de pacientes portadores de FA e risco de eventos tromboembólicos
AVE=acidente vascular encefálico; AIT=ataque isquêmico transitório
Fonte: European Heart Rhythm Association22

As diretrizes europeias e americanas22,23 que orientam o tratamento de FA associaram


ao critério CHADS2 mais alguns fatores que também estão relacionados à maior
chance de ocorrência de AVE. Esse critério foi denominado de CHA2DS2-VASC
(Quadro 3 e Tabela 1); nos pacientes com maiores pontuações, observou-se maior taxa
de AVE. Os fatores de risco foram classificados em: maiores e não maiores.

Quadro 3
Critério CHA2DS2-VASC para a identificação de pacientes portadores de FA e risco de eventos tromboembólicos
Fonte: European Heart Rhythm Association22

Tabela 1
Fatores de risco maior e não maior para a ocorrência de AVE e eventos tromboembólicos em pacientes com FA não
valvar
Fonte: European Heart Rhythm Association22

A doença vascular aterosclerótica foi incorporada como importante fator de risco para
eventos tromboembólicos. Diversos estudos anteriores já tinham ressaltado o risco de
AVE em pacientes com IAM, porém a presença de infarto prévio não era considerada
quando se avaliava o risco de AVE no paciente com FA. A presença de placas
complexas, na aorta ascendente ou torácica, também confere um prognóstico ruim nos
pacientes com FA e representam fatores de risco independentes. Uma informação nova,
de grande relevância clínica, foi a identificação de que o sexo feminino representa
grupo de risco para a ocorrência de eventos tromboembólicos. A idade acima de 75
anos é um dos critérios utilizados pelo CHADS2, porém o risco de AVE e eventos
tromboembólicos inicia-se no paciente >65 anos, sendo este risco contínuo à medida
que se associam outros fatores de risco e a arritmia se torna mais frequente. No novo
critério do CHA2DS2-VASC a idade acima de 75 anos passou a contar 2 pontos.

Em resumo, a utilização dos critérios do CHADS2 permite a identificação de pacientes


de alto risco; e a associação do CHA2DS2-VASC a seleção dos pacientes de baixo
risco que não eram contemplados anteriormente.

4.1 Como e quando iniciar a anticoagulação?


Os antagonistas da vitamina K são eficazes, mas uma série de limitações os torna
agentes difíceis de usar na prática clínica diária, como:

Janela terapêutica estreita (RNI 2,0-3,0)


Farmacocinética e farmacodinâmica variáveis e imprevisíveis
Grande variedade de interações medicamentosas e alimentares
Necessidade de monitoramento regular e de ajustes de dosagem
Início e término lentos do efeito anticoagulante

Essas limitações reduziram a sua utilização deixando os pacientes expostos a


ocorrência de eventos tromboembólicos.

Novos agentes anticoagulantes surgiram nos últimos três anos em busca de uma opção
terapêutica à varfarina. Dois agentes se destacaram nesse cenário: o inibidor direto da
trombina e os inibidores do fator Xa. O primeiro a ter seus resultados apresentados foi
a dabigatrana no estudo RE-LY24 (Randomized Evaluation of Long-term
anticoagulant therapY with dabigatran etexilate), mostrando ser uma opção segura e
eficaz em comparação à varfarina.

Esse estudo analisou cerca de 18.000 pacientes com FA e pelo menos um fator de risco
para eventos tromboembólicos em 951 centros em 44 países. A varfarina foi comparada
ao dabigatran na dose de 110mg ou 150mg em duas tomadas/dia. Pelo perfil de
segurança e eficácia já estabelecida com a varfarina, foi um estudo de não inferioridade
em que a dose de 110mg não foi inferior à varfarina, enquanto a dose de 150mg foi
superior à varfarina na redução de eventos tromboembólicos sem aumentar o risco de
sangramento. Ambas as doses reduziram significativamente sangramento intracerebral.
Este fármaco já foi aprovado pelo Federal Drug Administration (FDA) e pela
ANVISA sendo uma nova opção terapêutica para a prevenção de fenômenos
tromboembólicos nos pacientes com FA. Por ser um fármaco com excelente perfil de
segurança e eficácia, que não necessita de monitorização sanguínea e não apresenta
interação com alimentos, acredita-se ser uma excelente opção terapêutica nessa
população de pacientes.

No grupo dos inibidores do fator Xa, dois novos fármacos: o rivaroxaban e o apixaban
tiveram seus resultados recentemente apresentados. O estudo ROCKET FA
(Rivaroxaban Once-daily oral direct factor Xa inhibition Compared with vitamin K
antagonism for prevention of stroke and Embolism Trial in Atrial Fibrillation)25
avaliou o rivaroxabana em cerca de 14.000 pacientes com FA e pelo menos dois ou três
fatores de risco para eventos tromboembólicos em 45 países e 1178 centros. A
varfarina foi comparada à rivaroxabana na dose de 20mg ou 15mg uma vez ao dia. A
dose de 15mg foi reservada aos pacientes com clearance de creatinina entre 30-
49ml/min. O estudo também foi de não inferioridade em que de acordo com o desfecho
primário de eficácia o tratamento com dose fixa, uma vez ao dia de rivaroxabana foi
não inferior à varfarina em relação à prevenção de AVE ou embolia sistêmica. Em
relação à segurança, frequência de sangramentos e de eventos adversos foi semelhante à
varfarina. Nesse estudo, observou-se um aumento de sangramentos pelo trato
gastrointestinal, entretanto menos hemorragias intracranianas, sangramentos de órgãos
críticos e menos hemorragias fatais. Este novo agente anticoagulante já foi aprovado
pelo Federal Drug Administration (FDA).

O estudo ARISTOTLE (Apixaban versus Warfarin in Patients with Atrial


Fibrillation)26 comparou o novo anticoagulante apixaban na dose de 5mg em duas
tomadas/dia com a varfarina em uma população de 18.000 pacientes com FA não valvar
e pelo menos um fator de risco para eventos tromboembólicos. O desenho desse estudo
seguiu o modelo dos anteriores de não inferioridade. Em relação ao desfecho primário,
que foi redução de AVE e embolia sistêmica, o apixaban reduziu em 21% esse risco,
sendo superior à varfarina. Na análise de segurança houve uma redução de 31% no
sangramento e de 11% na mortalidade. Esse estudo foi o primeiro que mostrou redução
de mortalidade.

Este é o novo cenário da terapia anticoagulante no mundo, em que a varfarina continua


sendo utilizada com eficácia comprovada, porém com as dificuldades inerentes ao seu
mecanismo de ação e os novos anticoagulantes com excelente eficácia e perfil de
segurança, aumentando assim as opções de escolha de terapia antitrombótica na FA.

O esquema de estratificação do CHADS2 deve ser usado inicialmente para avaliação


do risco de AVE, principalmente para médicos generalistas e não especialistas. Em
pacientes com CHADS2 ≥2, terapia anticoagulante com antagonista da vitamina K está
recomendada mantendo o INR entre 2,0 e 3.0 caso não tenha contraindicação.

Em pacientes com CHADS2 de 0 a 1 ou quando uma avaliação de risco mais detalhada


está indicada, é recomendado o uso do esquema CHA2DS2-VASC (Figura 2). Quando
este indicar a presença de um fator de risco, está recomendada a anticoagulação.
Através dessa nova abordagem são identificados os pacientes que antigamente eram
classificados com baixo risco ou intermediário e que não se recomendava o uso de
terapia anticoagulante.
Figura 2
Fluxograma para orientação da terapia antitrombótica em pacientes com FA não valvar
AVE=acidente vascular encefálico; AIT=ataque isquêmico transitório; DM=diabetes mellitus
Fonte: European Heart Rhythm Association22

Avaliação do risco de sangramento deve ser realizada no momento em que se decide


iniciar a anticoagulação oral. O risco de hemorragia intracerebral tem sido relatado em
torno de 0,1% a 0,6% dos casos, mais baixo que os 2% referidos no passado. O
controle do INR mantendo-se na faixa ideal entre 2,0 e 3,0 garante eficácia da terapia e
baixo risco de sangramento. Quando o INR se eleva acima de 3,5 ou 4,0 o risco de
sangramento aumenta. Vários escores de risco para avaliar sangramento têm sido
testados nos últimos anos, também classificando os pacientes em categorias de baixo,
moderado ou alto risco.

A partir dos dados da Euro-Heart Survey27, uma coorte com 3978 pacientes com FA,
foi proposto um esquema para avaliação de risco de sangramento chamado HAS-BLED
(Hypertension, abnormal renal/liver function, stroke, bledding history or
predisposition, labile INR, elderly >65 years, drug/alcohol concomitantly) (Quadro
4). Um escore de risco ≥3 indica alto risco e, portanto, um cuidado maior com o
paciente, devendo ser realizadas avaliações regulares de INR assim que se inicia a
terapia anticoagulante. Pode-se observar que são semelhantes os fatores de risco para
eventos tromboembólicos e para sangramento, portanto o HAS-BLED pode auxiliar na
identificação daqueles pacientes com maior potencial de sangramento; este escore não
deve ser utilizado como contraindicação à terapia anticoagulante.

Quadro 4
Critério para avaliar risco de sangramentoHAS-BLED

Escores ≥ 3 indicam maior risco de sangramento


Fonte: European Heart Rhythm Association22

No paciente relatado, a conduta adotada foi de controle dos fatores de risco,


objetivando redução de peso, controle dos níveis pressóricos e tratamento da síndrome
da apneia no sono. Nesse período o fármaco antiarrítmico escolhido foi a amiodarona
por ter maior eficácia na prevenção de novos surtos de FA. Após seis meses de
tratamento com redução discreta do peso, foi realizado o segundo procedimento de
ablação para melhor controle da arritmia.

De acordo com o critério de CHADS2 o paciente tinha 2 pontos (HAS e DM) e,


portanto, indicada a terapia antitrombótica com varfarina. O tratamento com
amiodarona foi suspenso três meses após o procedimento de ablação e mantida a
terapia com varfarina.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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Fibrillation: a report of the American College of Cardiology/American Heart
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the 2001 Guidelines for the Management of Patients with Atrial Fibrillation):
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FIBRILAÇÃO ATRIAL: ENFOQUE NA
ABLAÇÃO

Eduardo Benchimol Saad


Nilson Araújo Oliveira Jr.

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 71 anos, hipertenso, com episódios diários de palpitações,
síncopes e lipotímia. História prévia de ablação de flutter atrial há um ano e em uso de
propafenona e warfarina. Holter de 24 horas evidenciava ritmo sinusal bradicárdico
(FC média de 50bpm) com episódios de fibrilação atrial (FA) paroxística seguida de
pausas sinusais sintomáticas de até 4,5s. Ecocardiograma transtorácico mostrou
ausência de cardiopatia estrutural e leve aumento de átrio esquerdo (AE: 44mm).
Encaminhado pelo médico assistente com diagnóstico de doença do nó sinusal e
indicação de implante de marca-passo.

Foi submetido a implante de marca-passo definitivo dupla-câmara e durante consulta de


avaliação do dispositivo, continuava se queixando de palpitações, porém sem novos
episódios de perda da consciência. Avaliação revelou presença de múltiplos episódios
de fibrilação atrial (FA), com carga total de 50% do período monitorado, apesar do uso
de drogas antiarrítmicas (sotalol e posteriormente amiodarona) (Figura 1).
Figura 1
Histograma de episódios de FA registrados pelo marca-passo. As linhas pretas representam a carga de FA (horas)
apresentada pelo paciente no decorrer do tempo. À esquerda, demonstrado os diversos episódios de FA (seta verde)
que levaram ao procedimento de ablação (seta azul). Após um período de aproximadamente dois meses sem episódios
de FA, foi registrado um episódio de 1h 20min (seta vermelha)m caracterizando recorrência precoce.

Foi então realizado novo procedimento de ablação, agora para isolamento das veias
pulmonares para tratamento da FA (Figura 2), mantendo-se em uso de warfarina e
sotalol. Em consulta de follow-up, 30 dias pós-ablação, a monitorização de eventos do
marca-passo mostrou ausência de novos eventos arrítmicos, sendo suspensa a droga
antiarrítmica. Na consulta de revisão de três meses não apresentava queixas, porém foi
identificado um único episódio de FA com duração de 1 hora e 20 minutos ocorrido
dois meses após o procedimento (Figura 1), sendo mantida a warfarina.
Figura 2
Mapeamento eletroanatômico do átrio esquerdo realizado durante o procedimento de ablação, demonstrando as lesões
de radiofrequência aplicadas ao redor das veias pulmonares (pontos vermelhos, cinzas e amarelos) que levaram ao
isolamento elétrico.

Reavaliação seis meses pós-procedimento, por sua vez, mostrou inexistência de novos
eventos arrítmicos (Figura 3), sendo suspenso o uso de warfarina, substituído pela
aspirina. Após três anos de acompanhamento, o paciente se mantém assintomático e sem
episódios de FA documentado na monitorização de eventos do marca-passo (Figura 4).
Figura 3
Histograma de episódios de FA registrados pelo marca-passo. Após o episódio de recorrência precoce (seta
vermelha), nenhum outro episódio foi documentado nos meses subsequentes (seta azul), mesmo na ausência de drogas
antiarrítmicas.

Figura 4
Histograma de episódios de FA registrados pelo marca-passo, demonstrando ausência total de FA três anos após o
procedimento.

OBJETIVOS
1. Analisar criticamente as indicações atuais para ablação de FA.
2. Rever as opções de tratamento de pacientes portadores de doença do nódulo
sinusal e FA paroxística.
3. Discutir os resultados e as indicações de terapia anticoagulante em pacientes
submetidos à ablação de FA.
4. Demonstrar a capacidade dos marca-passos definitivos de monitorar a
ocorrência de arritmias atriais.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar a causa dos sintomas?

Palpitações paroxísticas são bastante comuns na prática diária do cardiologista. No


entanto, muitas vezes o diagnóstico etiológico é desafiador. A história clínica oferece
elementos importantes, como o início súbito das crises, sua duração, a percepção de
regularidade e a localização da palpitação (no tórax ou na fúrcula esternal). Fatores de
risco como idade, alterações estruturais do coração, história familiar, sobrepeso,
hipertensão arterial, dentre outros podem aumentar a suspeita da FA como arritmia
causadora de palpitações.

A disfunção sinusal é caracterizada por uma ou mais das seguintes manifestações


eletrocardiográficas: bradicardia sinusal, parada sinusal, bloqueio sinoatrial, síndrome
braditaquicardia1. A presença de sintomas associada às alterações citadas define a
doença do nó sinusal (DNS).

O implante de marca-passo definitivo, apesar de não aumentar a sobrevida, é a


principal alternativa terapêutica para tratamento da DNS. Os pacientes portadores de
DNS apresentam uma incidência anual de FA de 5,2%, sendo esta a principal hipótese
para os sintomas deste paciente. Diversos estudos demonstraram que a estimulação
cardíaca pelos modos AAI e DDD levou à regressão de sintomas, redução na
incidência de FA e de eventos tromboembólicos2-4.

Deve-se lembrar também que o portador de marca-passo pode experimentar


palpitações por ausência de sincronia AV quando estimulados no modo VVI, ou em
pacientes com perda de captura atrial por problemas no eletrodo.

O paciente permaneceu com FA sintomática e refratária à terapia medicamentosa a


despeito do implante do dispositivo, necessitando de terapia ablativa para controle da
arritmia.

2. Como confirmar o diagnóstico de FA?

O diagnóstico de FA paroxística se dá predominantemente pelo registro


eletrocardiográfico de um episódio. Testes provocativos, como a estimulação elétrica
programada durante o estudo eletrofisiológico, carecem de
sensibilidade/especificidade para uso na maioria dos pacientes.

O advento de recursos de monitorização prolongada, como o Holter de 24h, monitores


de eventos externos e implantáveis tornam possÍvel a detecção de um número cada vez
maior de pacientes com FA paroxística. A disponibilidade dos sistemas de
monitorização dos marca-passos torna muito fácil a detecção desses fenômenos nos
pacientes portadores desses dispositivos, e seu uso deve sempre ser lembrado tanto
pelo médico clínico como pelo especialista. No paciente em questão, o dispositivoi foi
muito útil na confirmação do diagnóstico e na avaliação da terapêutica instituída.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico que explica o aparecimento de FA em


pacientes com doença do nódulo sinusal?

A doença do nódulo sinusal é causada por degeneração e fibrose progressiva do


sistema de condução. O processo de envelhecimento é a maior causa, porém doenças
como amiloidose, sarcoidose e doença de Chagas podem também ser causadoras. A
presença de áreas de fibrose parece ser facilitadora para a manutenção da FA, podendo
ser uma explicação para a maior ocorrência dessa arritmia em pacientes com doença
sinusal. Os períodos de bradicardia alteram também os períodos refratários dos
tecidos, facilitando a ocorrência de gatilhos deflagradores da arritmia.
4. Quais as indicações para a ablação de FA?

Nos últimos anos, a ablação por cateter se consolidou como uma opção terapêutica bem
estabelecida para o controle do ritmo em pacientes portadores de FA. O
acompanhamento a longo prazo dos pacientes submetidos à ablação, confirmou o
elevado índice de sucesso da manutenção do ritmo sinusal com esse procedimento,
comparativamente ao uso de drogas antiarrítmicas5. A maioria dos estudos incluiu
pacientes com FA paroxística ou persistente, sintomática na doença cardíaca estrutural
mínima ou inexistente.

Assim, a abordagem invasiva se estabeleceu como uma opção terapêutica segura e


confiável para pacientes com FA sintomática e resistentes a pelo menos uma droga
antiarrítmica. Essa prática é apoiada pelos resultados de estudos multicêntricos
randomizados, bem como meta-análises que demonstraram a superioridade da ablação
por cateter comparada ao tratamento antiarrítmico no que diz respeito ao controle do
ritmo6-10. Observou-se também melhora dos sintomas, da capacidade funcional e do
escore de qualidade de vida.

As Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial11, publicadas em 2009, incluíram a


ablação de FA como opção terapêutica (Classe I - NE B) para pacientes portadores de
FA paroxística sintomática, com coração estruturalmente normal sem resposta ou com
efeitos colaterais a pelo menos duas drogas antiarrítmicas, e para pacientes portadores
de FA paroxística sintomática sem cardiopatia estrutural, com evolução há pelo menos
seis meses e refratários a uma droga do grupo IC ou sotalol (Classe IIa - NE B).

O paciente em questão apresentava refratariedade às drogas antiarrítmicas com


diversos episódios sintomáticos de fibrilação atrial, apresentando indicação inequívoca
de ablação por cateter.

De acordo com as diretrizes, deve-se também indicar o procedimento em pacientes com


formas persistentes da FA e na presença de cardiopatia estrutural (Classe IIa), porém o
procedimento nesses grupos é mais extenso e as recidivas são maiores que nos
pacientes com a forma paroxística.

5. De acordo com os estudos clínicos, que fatores estão associados a pior


prognóstico na ablação da FA?

Apesar de ainda controverso, aumento do volume atrial esquerdo, sexo feminino,


duração maior que um ano (formas persistente e permanente), fibrose atrial, fatores
inflamatórios, hipertensão arterial sistêmica e apneia obstrutiva do sono severa têm
sido apontados como fatores de risco para recorrência pós-ablação.

6. Qual o papel da ablação na redução de eventos tromboembólicos?

É indispensável o uso de anticoagulantes orais (ACO) por um período mínimo de dois


meses após o procedimento. Isso se deve às extensas aplicações de radiofrequência no
átrio esquerdo, que necessitam de um a dois meses para a cicatrização completa.

Além disso, está também estabelecido que recorrências da FA nesse período inicial
(denominada “recorrência precoce”) ocorrem em até 30% dos pacientes, sendo essa
também uma razão para manutenção da ACO nesse período. A recorrência precoce não
indica falência do procedimento e provavelmente está relacionada a fatores
inflamatórios, apesar de estatisticamente ser um fator preditivo de risco para
recorrência tardia da arritmia. No caso em questão, o paciente apresentou um episódio
de FA sustentada (1h e 20min - Figura 1) documentada pelo dispositivo. Apesar disso,
evoluiu sem nenhum outro episódio no acompanhamento em longo prazo, mesmo na
ausência de drogas antiarrítmicas.

Apesar de a ablação de FA estar estabelecida como terapia definitiva para o tratamento


da FA, a maioria das diretrizes ainda recomenda a manutenção da ACO, baseando a
seleção nos fatores de risco tromboembólicos pré-procedimento. Assim, é
recomendado que pacientes com escore CHADS2 ≥2 sejam mantidos sob ACO12-14.
Esta recomendação é baseada na ausência de dados na literatura que comprovem a
segurança da suspensão da ACO e na possível presença de episódios assintomáticos de
FA em pacientes aparentemente em ritmo sinusal15.

No entanto, é razoável considerar que a eliminação da FA é capaz de reduzir o risco de


complicações tromboembólicas. Recentemente, dois estudos foram publicados nesse
sentido16,17. Estes envolveram pacientes submetidos ao procedimento e acompanhados
em longo prazo (mais de cinco anos), nos quais a ACO foi suspensa independente do
CHADS2 basal e trocada por antiplaquetário em pacientes que mantinham ritmo
sinusal. Nesses estudos, demonstrou-se que pacientes com CHADS2 até 3 apresentaram
indíce de eventos cerebrovasculares menor que naqueles mantidos sob ACO. Esses
resultados ocorreram pela baixa incidência de eventos isquêmicos e pela ocorrência de
eventos hemorrágicos naqueles sob ACO.
Apesar de esses dados não serem ainda suficientes para mudar as recomendações das
diretrizes atuais, representam a primeira evidência nesse sentido. Estudos maiores e
randomizados são necessários para confirmar esses achados.

O paciente em questão é portador de marca-passo dupla-câmara o que viabiliza uma


monitorização permanente e fidedigna da recorrência de FA, mesmo que assintomática.
Dessa forma, possibilita uma tomada de decisão segura no que diz respeito à suspensão
do ACO e substituição por aspirina.

7. A ablação da FA reduz desfechos robustos (morte e internação)?

Esta pergunta ainda não está completamente respondida. Pequenos trabalhos têm
sugerido que a mortalidade de pacientes submetidos à ablação com êxito é semelhante à
de pacientes sem FA. Há estudos multicêntricos com grande número de pacientes em
andamento atualmente (CABANA e RAAFT2) que vão ajudar a elucidar essa questão.

8. O tratamento de comorbidades pode ajudar no sucesso da ablação de FA?

Esta também é uma questão controversa. Os estudos disponíveis não demonstraram


benefícios de drogas adjuvantes (estatinas, inibidores da enzima conversora ou
bloqueadores do receptor da angiotensina) no prognóstico de pacientes pós-ablação,
embora alguns estudos tenham sugerido seu papel em pacientes com estágio muito
inicial da doença.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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TAQUICARDIA VENTRICULAR E
INDICAÇÃO DE CARDIODESFIBRILADOR
INTERNO

Maila Seifert Macedo Silva


Washington Andrade Maciel

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 58 anos, casada, do lar, natural do Rio de Janeiro, residente em
Guadalupe. Em tratamento para hipertensão arterial e diabetes com losartana 50mg/dia
e metformina 850mg/dia. Em dezembro 2010 foi atendida em UPA próxima à sua
residência por palpitação, dispneia e sudorese fria de início súbito, evoluindo com
rebaixamento do nível de consciência e apresentando ao ECG de entrada taquiarritmia
com QRS largo (Figura 1). Realizada cardioversão elétrica (CVE) e iniciada
amiodarona. A Figura 2 mostra o ECG feito após a cardioversão.
Figura 1
ECG 1: dez 2010
Taquicardia com QRS largo preenchendo critérios de Brugada para taquicardia ventricular (TV): batimentos de fusão,
intervalo RS >100ms em precordiais e duração do QRS >140ms.
Figura 2
ECG 2: após cardioversão elétrica (dez 2010)
Ritmo sinusal, presença de bloqueio de ramo direito de terceiro grau.

Após melhora do estado hemodinâmico, a paciente recebeu alta da UPA sendo


orientada para que procurasse um cardiologista. Desde então, refere ter apresentado
diversos episódios de palpitação, sudorese fria e síncope em domicílio. Em 11/03/2011
procurou novamente a emergência, agora de outro hospital e com os mesmos sintomas
da internação anterior. ECG demonstrou taquiarritmia com QRS largo (Figura 3).
Figura 3
ECG de nova internação – 11/03/2011
Taquicardia com QRS largo preenchendo critérios de Brugada para taquicardia ventricular (TV): dissociação AV,
intervalo RS >100ms e duração do QRS>140ms.

Exames laboratoriais à internação: 11/03/2011


Hm =4,9 milhões/mm3; Hb =13,8g/dL; HTo =40%; PLQ =223.000/mm3; Leuco
=12.300/mm3 0/1/0/0/5/71/17/6; Gli =211mg/dL; Ur =45mg/dL; Cr =0,8mg/dL; Na
=140mmol/L; K =4,5mmol/L; Ca++ =9,2; CPK =143; CK-MB =19; Troponina: negativa.

Evolução clínica:
Após o diagnóstico de taquicardia ventricular (TV) e CVE com retorno ao ritmo sinusal
foi iniciada amiodarona intravenosa (IV). Durante sua permanência houve recidiva da
TV com incremento da amiodarona IV, sendo realizada nova CVE, evoluindo com
bradicardia sinusal sintomática e instalação de marca-passo (MP) provisório. A
paciente apresentou recidiva da TV, sendo submetida a várias CVE seguidas e após
suas reversões apresentava baixa frequência cardíaca (FC) e instabilidade
hemodinâmica. Foi posteriormente transferida para outra instituição em 13/3/2011.

Admitida em TV sustentada monomórfica, submetida à nova CVE; após reversão ao


ritmo sinusal, houve degeneração para TV. Realizado novo bolus de amiodarona e
metoprolol IV, nova CVE à noite. Suspenso amiodarona e iniciado atenolol. Após nova
recidiva da TV, tendo sido interrompida com lidocaína.

Nesta instituição realizou cineangiocoronariografia que não evidenciou lesões


obstrutivas. Iniciado levofloxacina para tratamento de pneumonia, sendo suspenso e
trocado por amoxicilina e clavulanato (Figura 4).

Figura 4
ECG de evolução da paciente em uso de amiodarona e levofloxacina
Ritmo sinusal com intervalo QT prolongado e taquicardia ventricular polimórfica do tipo Torsades de Pointes
deflagrado por batimento ventricular sobre a onda T.

Em 28/3/2011 foi encaminhada para o quarto hospital para estudo eletrofisiológico


(EEF). Admitida em ritmo de MP. Após desmame do MP a TV foi facilmente induzida
durante EEF, realizado mapeamento elétrico de VE e VD durante taquicardia (Figura 5).

Figura 5
EEF em 28/03/11
Ritmo sinusal; QRS 90ms; Int. PR 174ms; QT 520ms; QTc 498ms; A-H 56ms; H-V 54ms.
Figura 6
Indução de taquicardia ventricular durante estimulação ventricular com protocolo de extra-estímulos em ponta de VD.

Figura 7
Ablação da TV durante EEF/ Ablação com sucesso
Demonstração da aplicação de radiofrequência durante TV com reversão a ritmo sinusal na zona-alvo. Após essa
aplicação de RF a arritmia não foi mais induzível.

Após EEF evoluiu sem novos episódios de TV, hemodinamicamente estável e com
recuperação progressiva da FC com redução de drogas.

O ecocardiograma realizado em 30/3/2011 no INC apresentou os seguintes resultados:


AO =2,8; AE =3,9; Ved =5,2; VEs=3,0; VD =2,8; SIV =1,1; PPVE =1,0; FE =74% (T)
Hipocinesia leve inferobasal de VE
FSVE preservada, disfunção diastólica grau II
IM e IT leves
VD discretamente aumentado com função sistólica preservada. Não foi observada
aumento de trabeculação ou discinesias
Cabo de MP em VD

Ressonância magnética (RM) cardíaca, realizada no dia 6/4/2011 no INC, apresentou:

Sem critério de displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD)


VD com realce tardio mesocárdico em toda parede livre
VE com discreto realce tardio mesocárdico inferobasal
Imagem em VE sugestiva de trombo aderido em parede inferobasal

Após a extensa avaliação clínica descrita acima e tratamento da taquicardia ventricular


através de ablação por radiofreqüência chegou-se à conclusão de que a paciente
apresentava fibrose extensa como cicatriz de miocardite idiopática prévia, dados que
foram confirmados pela RM cardíaca.

OBJETIVOS

1. Discutir as ferramentas atuais para abordagem de paciente com TV


incessante.
2. Discutir a indicação de implante de cardiodesfibrilador interno (CDI).

As respostas contidas neste capítulo estão fundamentadas nas Diretrizes Brasileiras de


Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI)- SOBRAC/SBC1.

PERGUNTAS
1. Quais são as hipóteses diagnósticas para o caso apresentado?

A paciente possui fatores de risco para doença coronariana como hipertensão arterial,
diabetes mellitus e sedentarismo. Recebeu investigação para doença coronariana,
através de cineangiocoronariografia, com resultado negativo. Em pacientes com fatores
de risco para doença coronariana e taquicardia ventricular documentada, torna-se
necessário descartar a presença de doença coronariana ativa como substrato reentrante
para a taquicardia ventricular e, se for o caso, tratá-la1-3.

Pacientes com história prévia de infarto, angina e revascularização miocárdica também


necessitam de investigação adicional para doença coronariana em atividade, mas
também é imperiosa a investigação de cardiomiopatia, ou seja, investigar se existe
disfunção ventricular esquerda importante (fração de ejeção (FE) ≤35%)4-6. Esta
também atua como fator de risco e substrato para arritmias ventriculares, como a
taquicardia ventricular sustentada e morte súbita cardíaca (MSC)7-9.

Em pacientes que apresentam cardiomiopatia dilatada isquêmica com FE ≤35% e


descartada a doença coronariana em atividade, está indicada prevenção primária ou
secundária (após evento prévio de MSC) de morte cardíaca através do implante de
CDI1,10-15.

A paciente do caso clínico não apresentava disfunção ventricular esquerda grave apesar
dos fatores de risco, mas durante a evolução apresentou diversos episódios de
taquicardia ventricular monomórfica, de caráter incessante e com instabilidade
hemodinâmica, de etiologia a esclarecer. Durante a evolução, a paciente apresentou
alargamento do intervalo QT após início de drogas antiarrítmicas, como a amiodarona e
outras drogas potenciais como a levofloxacina que podem causar alargamento
secundário do intervalo QT e arritmias ventriculares por mecanismo de pós-potenciais
tardios. Neste caso, deve-se suspender a droga antiarrítmica para impedir novo surto de
taquicardia ventricular ou seu caráter incessante e, caso necessário, está indicado o
implante de marca-passo provisório para manter a frequência cardíaca um pouco mais
elevada e prevenir novos surtos até a normalização do intervalo QT16-23.

Doenças cardíacas hereditárias e canalopatias também devem ser pesquisadas,


principalmente a taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica síndrome do
QT longo congênito, síndrome de Brugada, displasia arritmogênica do ventrículo
direito (DAVD) e cardiomiopatia hipertrófica24-68.

Na paciente em questão foi realizada investigação extensa através de


cineangiocoronariografia, ECO, EEF/Ablação e RM que não evidenciaram critérios
diagnóticos definitivos para nenhuma das enfermidades descritas, apesar de ter sido
evidenciada hipocinesia leve inferobasal de VE ao ecocardiograma e também a
presença de realce tardio mesocárdico em VD e VE na RM. A presença de fibrose
miocárdica nessas regiões, evidenciada por método de imagem, confirmou o
diagnóstico final de fibrose extensa como cicatriz de miocardite idiopática prévia69-73.

2. Existem estudos clínicos para profilaxia secundária de morte súbita em


portadores de TV sustentada?

Os principais estudos para profilaxia secundária de morte súbita apresentam


cardiopatia estrutural e os casos especiais incluem as cardiopatias hereditárias e as
canalopatias. A última Diretriz Brasileira sobre Dispositivos Cardíacos Eletrônicos
Implantáveis (DCEI)- SOBRAC/SBC determina a prevenção secundária de morte
cardíaca1:

Classe I

Parada cardíaca por TV/FV de causa não reversível, com FE ≤35% e


expectativa de vida de pelo menos um ano - (NE A);
TVS espontânea com comprometimento hemodinâmico ou síncope, de causa
não reversível, com FE ≤35% e expectativa de vida de pelo menos um ano
(NE A).

Classe IIa

Sobreviventes de parada cardíaca, por TV/FV de causa não reversível, com


FE ≥35% e expectativa de vida de pelo menos um ano (NE B);
Pacientes com TVS espontânea, de causa não reversível, com FE ≥35%,
refratária a outras terapêuticas e expectativa de vida de pelo menos um ano
(NE B);
Pacientes com síncope de origem indeterminada com indução de TVS
hemodinamicamente instável e expectativa de vida de pelo menos um ano
(NE B).

Classe III

TV incessante (NE C)
3. Quais são os estudos clínicos internacionais sobre o tema?

São os estudos, AVID, CIDS e CASH7,11,12 que demonstraram redução da mortalidade


total em portadores de CDI em relação àqueles em tratamento com antiarrítmicos. A
meta-análise que avaliou conjuntamente os resultados desses três estudos demonstrou
50% de redução relativa na mortalidade arrítmica (p<0,0001) e 28% na mortalidade
total entre os pacientes com CDI em comparação aos que receberam tratamento
antiarrítmico, com NNT=29 (p<0,00006). O benefício foi maior em pacientes com FE
<35%; considerando seguimento de seis anos, pacientes com CDI tiveram aumento de
sobrevida de 4,4 meses.

Os resultados desses estudos permitem afirmar que o CDI é o tratamento mais eficaz
para a prevenção secundária de MSC em portadores de cardiopatia estrutural.

4. Qual foi a estratégia utilizada na paciente?

A paciente apresentava surtos incessantes de taquicardia ventricular com instabilidade


hemodinâmica. Foi inicialmente tratada clinicamente com cardioversão elétrica e
drogas antiarrítmicas32,41,42. Após investigação clínica foi descartada a presença de
doença coronariana e/ou doença cardíaca que preenchesse critérios para displasia
arritmogênica de ventrículo direito (DAVD)65-68.

A paciente foi então encaminhada ao EEF/Ablação. Durante o estudo, induziu-se a


taquicardia clínica através de protocolo de extra-estímulos e durante a taquicardia foi
realizado mapeamento do ventrículo direito e observado potencial ventricular mais
precoce em região inferobasal. Foi aplicada energia de radiofrequência (RF) com
controle de temperatura a 60oC por 60s, com interrupção imediata da taquicardia. A
estimulação ventricular programada, realizada após a ablação, não foi capaz de induzir
a taquicardia clínica, mesmo após a infusão de isoproterenol (Figura 8).
Figura 8
Visualiza-se nesta imagem a precocidade do potencial durante a taquicardia (no segundo batimento em destaque) e o
início da RF (a partir do terceiro batimento), logo após houve término da taquicardia durante sua aplicação.

A paciente continua atualmente em acompanhamento cardiológico e não apresentou


novos eventos de arritmias ventriculares desde sua ablação. Optou-se então pelo
tratamento clínico otimizado e a não realização do implante de cardioversor
desfibrilador interno (CDI)52,53. A paciente continua atualmente em acompanhamento
cardiológico clínico ambulatorial.

5. Como discutir este caso?

Pacientes em tempestade elétrica ou TV incessante como neste caso clínico não


apresentam indicação de implante de CDI de urgência até a sua reversão ou tratamento
e estabilização elétrica1,2,52. Há que se realizar investigação clínica extensa,
identificando o fator causal da arritmia e com isso realizando o tratamento adequado o
mais rápido possível32,34.

Para os pacientes já tratados, que possuem substrato cardíaco estrutural que preencham
os critérios das diretrizes brasileiras/internacionais1,7,30,31 para a prevenção secundária
de MSC ou doenças cardíacas hereditárias com indicação de terapia através de choque
ou burst, está indicado o implante de CDI7,12,39,40.

A ressonância magnética cardíaca (RMC) com realce tardio para a investigação de


pacientes com taquicardia ventricular é um exame que trouxe grande contribuição para
a cardiologia nos últimos anos69,70. A RMC é o padrão-ouro para a quantificação da
área infartada e para avaliar a presença de inflamação e fibrose na cardiomiopatia71;
diferencia doença isquêmica de não isquêmica e é o melhor exame de imagem para o
diagnóstico da displasia arritmogênica do ventrículo direito23,24,60, além de ser de
grande acurácia diagnóstica para a cardiomiopatia hipertrófica46-48. Portanto o realce
tardio permite a identificação, quantificação e distribuição das áreas de fibrose
miocárdica, podendo ser encontrada em até 80% de pacientes portadores de
cardiomiopatia hipertrófica, por exemplo49-51.

A RMC em pacientes não isquêmicos e que não apresentam realce tardio parece
demonstrar um baixo risco de eventos (TV/FV), o que poderia questionar a indicação
do CDI nesses pacientes70,71. Entretanto mais estudos ainda devem ser realizados para
que efetivamente se possam conhecer os fatores que conferem maior risco de eventos
nos pacientes com miocardiopatia e selecionar aqueles que mais se beneficiariam da
prevenção com CDI72,73.

No caso clínico apresentado, a paciente apresentava taquicardia ventricular incessante


que foi tratada com ablação58,59. A cineangiocoronariografia demonstrou ausência de
doença coronariana, mas o ecocardiograma evidenciou hipocinesia leve inferobasal de
VE. A RMC constatou a presença de realce tardio mesocárdico em toda parede livre de
VD e discreto realce tardio mesocárdico em região inferobasal de VE, constatando a
presença de fibrose miocárdica e confirmando o diagnóstico final de fibrose extensa
por cicatriz de miocardite idiopática prévia.

Considerando tratar-se de prevenção secundária, em paciente com função ventricular


normal, não há dados robustos que indiquem a necessidade de implante de CDI, sendo
esta uma indicação IIa1,3,7. Como o resultado da ablação foi a supressão completa de
qualquer arritmia indutível, optou-se pelo acompanhamento clínico da paciente, com
terapia otimizada associada à amiodarona12,13,15.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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TERAPIA DE RESSINCRONIZAÇÃO
CARDÍACA

Claudio Munhoz da Fontoura Tavares

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 42 anos, portador de miocardiopatia dilatada idiopática
sabidamente há cinco anos. Quando feito o diagnóstico, apresentava sintomas discretos
de cansaço aos grandes esforços. Na ocasião o ecocardiograma demonstrava aumento
de câmaras esquerdas e uma fração de ejeção (FE) de 40%.

O eletrocardiograma apresentava ritmo sinusal com padrão de bloqueio de ramo


esquerdo (BRE) de 3º grau e duração do QRS de 120ms. Foi instituído tratamento
clínico com enalapril, carvedilol, furosemida e digoxina com expressiva melhora dos
sintomas.

Permaneceu oligossintomático por três anos quando voltou apresentar cansaço


expressivo aos esforços, sendo associada espironolactona e otimizadas as doses de
enalapril e carvedilol. Novo ecocardiograma transtorácico demonstrou aumento
adicional das câmaras esquerdas, insuficiência mitral de moderada a importante e
redução da fração de ejeção para 27% (Simpson).

O eletrocardiograma apresentava ritmo sinusal com padrão de BRE com duração de


160ms. Inicialmente estava em classe funcional II, mas depois em classe funcional III.
Submetido à ressonância magnética cardíaca que evidenciou FE de 25%, sem déficit
segmentar ou presença de realce tardio. Indicada então a terapia de ressincronização
cardíaca através do implante de marca-passo multissítio. Houve resposta imediata no
quadro clínico do paciente com redução da classe funcional de III para I. Foram
mantidas as medicações para insuficiência cardíaca. Ecocardiograma seis meses após
demonstrava redução das cavidades esquerdas em 30% e aumento da FE para 47%.

Figura 1
Eletrocardiograma basal do paciente relatado, demonstrando bloqueio de ramo esquerdo.

OBJETIVOS
1. Entender a fisiopatologia da dissincronia cardíaca.
2. Analisar o processo de ressincronização e discutir as possíveis respostas ao
tratamento.
3. Identificar pacientes que possam se beneficiar da terapia de ressincronização
cardíaca.
4. Discutir perspectivas futuras relacionadas à técnica.
PERGUNTAS
1. Qual a definição de dissincronia cardíaca e seu significado na insuficiência
cardíaca

O bom funcionamento do coração como bomba depende de uma sequencia correta de


ativação das câmaras cardíacas. É necessário que o sistema elétrico cardíaco esteja
íntegro para que haja sincronia elétrica dessas câmaras. Alterações nos tempos de
condução cardíacos levam a desarranjo na sequencia contrátil das câmaras cardíacas
com prejuízo à sua função global. Assim, atrasos da condução interatrial,
atrioventricular, interventricular e mesmo intraventricular definem a dissincronia
cardíaca1.

Na insuficiência cardíaca (IC) a presença de bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e o


atraso na condução atrioventricular são os distúrbios de ativação que mais afetam a
função ventricular esquerda e mais comumente levam à dissincronia cardíaca com
repercussão clínica.

2. Como identificar pacientes que apresentam dissincronia cardíaca?

A dissincronia cardíaca decorre da alteração na sequencia de ativação das câmaras


cardíacas. Existem basicamente dois tipos de dissincronia: a elétrica e a mecânica. A
dissincronia elétrica é diagnosticada pelo eletrocardiograma através da presença de
bloqueios atrioventriculares e bloqueios de ramo (Figura 1). Quanto maior a duração
do bloqueio atrioventricular e maior a duração do QRS, maior a dissincronia.

A dissincronia mecânica se manifesta com diferentes regiões do ventrículo esquerdo


contraindo-se em momentos distintos. Essas alterações levam a diferentes graus de
estresse parietal nas diferentes regiões com perda da função global. A dissincronia
mecânica deve ser diagnosticada por métodos de imagem como o ecocardiograma, a
ressonância magnética cardíaca e a cintilografia miocárdica2.

3. Como tratar a dissincronia cardíaca (terapia de ressincronização cardíaca)?

Corrigir os desajustes nos tempos de ativação do coração é o objetivo principal da


terapia de ressincronização cardíaca (TRC). Essas correções são obtidas através da
estimulação atrial seguida da estimulação de ambos os ventrículos de forma simultânea,
principalmente da parede lateral do ventrículo esquerdo e do septo interventricular.

A técnica atualmente utilizada consiste no implante de marca-passo provido de três


eletrodos para estimulação do átrio direito, ventrículo direito e ventrículo esquerdo
(VE). A estimulação do VE se dá através de eletrodo introduzido no interior do seio
coronariano (SC) e posicionado em uma das veias tributárias do SC, preferencialmente
uma veia posterolateral já que costuma ser esta parede a última a ser avivada na
presença de bloqueio de ramo esquerdo (BRE). Eventualmente a anatomia venosa do
SC e suas tributárias não favorece o implante de eletrodos (ramos em topografia que
não correspondem à parede com ativação mais tardia ou que são muito finos, não
permitindo o posicionamento do eletrodo). A alternativa é o implante de eletrodo
epicárdico através de minitoracotomia esquerda.

Com esse sistema de estimulação, consegue-se corrigir o intervalo atrioventricular e


desfazer o atraso de condução e retardo na ativação da parede lateral do VE causado
pelo BRE. Assim, minimiza-se a dissincronia das câmaras cardíacas e busca-se o
remodelamento reverso do ventrículo esquerdo, ou seja, redução dos seus diâmetros e
aumento da fração de ejeção.

Figura 2
Eletrocardiograma do paciente após ser submetido a implante de marca-passo ressincronizador.

4. Qual o impacto da terapia de ressincronização cardíaca (TRC) na IC?

Os dois principais estudos randomizados, controlados, com número expressivo de


pacientes e desfechos robustos de redução de mortalidade e de internação por causas
cardiovasculares foram o CARE-HF3 e o COMPANION4.

O estudo CARE-HF3 randomizou pacientes com miocardiopatia dilatada isquêmica e


não isquêmica, com FE <35%, classe III e IV e QRS >150ms para um grupo com
terapêutica farmacológica otimizada, e outro para terapia de ressincronização cardíaca;
caso o QRS tivesse duração entre 120ms e 150ms deveria haver a presença de dois
parâmentros ecocardiográficos de dissincronia mecânica para que os pacientes fossem
incluídos. Os pacientes que foram submetidos à TRC apresentaram redução
significativa dos desfechos primários em comparação ao tratamento clínico otimizado.

O estudo COMPANION4 randomizou 1520 pacientes com FE <35%, classe III e IV e


QRS >120ms entre três grupos: tratamento médico otimizado, TRC e TRC associado ao
tratamento com o desfibrilador implantável (TRC-D). Houve redução do desfecho
combinado de internação ou morte com a TRC quando comparado ao tratamento
clínico. A mortalidade global foi reduzida de forma significativa com a TRC-D e com a
TRC observou-se uma tendência à redução em comparação ao tratamento clínico
(p=0,059).

Em suma, a terapia de ressincronização cardíaca é o único tratamento que pode


melhorar a função contrátil aguda e cronicamente, aumentando a sobrevida5.

5. Qual o paciente candidato à terapia de ressincronização cardíaca?

Baseado nos critérios de inclusão utilizados pelos grandes estudos, a Sociedade


Brasileira de Cardiologia definiu em 2007 os critérios para indicar a TRC6:

Classe I

1. Pacientes com FE ≤35%, ritmo sinusal, IC com CF III ou IV, apesar de


tratamento farmacológico otimizado e com QRS >150ms (NE A)
2. Pacientes com FE ≤35%, ritmo sinusal, IC com CF III ou IV, apesar de
tratamento farmacológico otimizado, com QRS de 120ms a 150ms e
comprovação de dissincronismo por método de imagem (NE A).

Classe IIa

1. Pacientes com IC em CF III ou IV, sob tratamento medicamentoso otimizado,


com FE ≤35%, dependentes de marca-passo convencional, quando a duração
do QRS >150ms ou quando houver dissincronismo documentado por método
de imagem (NE B).
2. Pacientes com FE ≤35%, com FA permanente, IC com CF III ou IV, apesar de
tratamento farmacológico otimizado e com QRS >150ms (NE C).
3. Pacientes com FE ≤35%, FA permanente, IC com CF III ou IV apesar de
tratamento farmacológico otimizado e com QRS de 120ms a 150ms com
comprovação de dissincronismo por método de imagem (NE C).

Em 2010, a Sociedade Europeia de Cardiologia7 fez uma atualização dos critérios de


indicação de TRC. O estudo MADIT-CRT8 avaliou pacientes com FE <30%, classe
funcional I e II (84% eram II) e QRS ≥130ms. Foram randomizados para cardioversor
desfibrilador (CDI) ou TRC com CDI. Houve redução expressiva no número de eventos
cardiovasculares, basicamente os relacionados à insuficiência cardíaca. A análise de
subgrupo mostrou que o resultado era restrito aos pacientes que apresentavam QRS
>150ms.

As atualizações nas diretrizes europeias para indicação de TRC foram7:

Classe I

1. Pacientes em ritmo sinusal, FE ≤35%, CF III e IV (ambulatorial), com


QRS≥120ms.
2. Pacientes em ritmo sinusal, FE ≤35%, CF II, com QRS ≥150ms.

Classe IIa

1. Pacientes em fibrilação atrial, FE ≤35%, CF III e IV (ambulatorial), com


QRS≥130ms.
2. Pacientes em ritmo sinusal, com indicação para marca-passo definitivo,
FE≤35%, CF III e IV (ambulatorial), com QRS ≤120ms.

6. Por que nem todos os pacientes respondem à terapia de ressincronização?

A definição de resposta à TRC consiste em resposta clínica (redução de uma classe


funcional) e resposta ecocardiográfica (redução de 15% no volume sistólico final seis
meses após o implante). Habitualmente em torno de 30% dos pacientes submetidos à
TRC não apresentam resposta, mesmo que estes preencham os critérios estabelecidos
para o implante de ressincronizador.

Os marcadores de não resposta são: não correlação entre a parede com ativação mais
tardia e a localização do eletrodo do ventrículo esquerdo e a quantidade de fibrose
ventricular avaliada pela cintilografia miocárdica ou ressonância magnética cardíaca.
Parece que a resposta tende a ser superior em paciente com miocardiopatia dilatada
não isquêmica do que isquêmica. A otimização dos intervalos de estimulação
atrioventricular e interventricular pelo ecocardiograma (método de Ritter para o
intervalo AV e integral do fluxo aórtico para o intervalo VV) podem conseguir um
benefício adicional.

Algumas subpopulações apresentam respostas distintas:

1. Portadores de fibrilação atrial demonstram resposta positiva em relação à


TRC, porém atenuada quando comparada a pacientes em ritmo sinusal. A
resposta parece estar intimamente relacionada ao tempo de estimulação
biventricular eficaz (sem fusão ou pesudofusão) que o paciente obtém1.
2. Pacientes com bloqueio de ramo direito sempre constituíram uma pequena
parcela dos pacientes incluídos nos estudos de TRC. Meta-análise desses
estudos demonstram que os pacientes não apresentam beneficio clínico à
terapia de ressincronização cardíaca1.
3. Pacientes com QRS estreito (<120ms) e evidência de dissincronia mecânica
ao ecocardiograma, miocardiopatia dilatada e FE <35% não se beneficiam
da TRC. O estudo RethinQ9 não conseguiu mostrar aumento no pico de
consumo de oxigênio em seis meses entre pacientes tratados com TRC e o
grupo-controle9.

O estudo PROSPECT2 tentou definir variáveis eletrocardiográficas que pudessem


definir os pacientes respondedores à TRC em uma população com critérios clássicos
de indicação de TRC. Nenhuma das 12 variáveis estudadas foram capazes de predizer
resposta clínica ou ecocardiográfica2.

7. Quais são as perspectivas futuras para a TR?

A insuficiência cardíaca assincrônica representa um subgrupo de pacientes com IC, com


peculiaridades eletrocardiográficas, mecânicas moleculares e gênicas. O melhor
entendimento da fisiopatologia desse grupo, bem como a evolução das técnicas de
detecção de dissincronia (seckle-tracking strain, ECO 3D) pode auxiliar na
identificação de melhores candidatos à TRC. Possíveis avanços tecnológicos
relacionados à técnica de implante e ao dispositivo em si facilitarão seguramente os
pacientes com difícil abordagem anatômica.
Em suma, a TRC teve um desenvolvimento mais rápido que várias outras terapêuticas
para IC basicamente pela sua capacidade de melhora do desempenho cardíaco sem
aumento de consumo metabólico miocárdico e com manutenção de resultados a longo
prazo. A instituição mais precoce dessa terapia já se mostrou eficaz em pacientes com
classe funcional II. O seu potencial benefício em pacientes assintomáticos com
disfunção e dissincronia ainda está em estudo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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4. Bristow MR, Saxon LA, Boehmer J, Krueger S, Kass DA, De Marco T, et al;
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Fagundes AA, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia; Sociedade
Brasileira de Arritmias Cardíacas; Departamento de Estimulação Cardíaca
Artificial. Diretrizes Brasileiras de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos
Implantáveis (DCEI). Arq Bras Cardiol. 2007;89(6):e210-38.
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Device Therapy in Heart Failure: an update of the 2008 ESC Guidelines for
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Heart Rhythm Association. Eur Heart J. 2010;31(21):2677-87.
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reverse remodeling and relation to outcome: multicenter automatic
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failure with narrow QRS complexes. N Engl J Med. 2007;357(24):2461-71.
SÍNCOPE EM CORAÇÃO NORMAL

Ana Inês da Costa Bronchtein


Rodrigo do Souto da Silva Sá

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 24 anos, sem história de cardiopatia prévia, em avaliação de perda
súbita e recorrente da consciência e possibilidade de liberação médica para atividade
física.

Relata diversos episódios de perda súbita e transitória da consciência desde a infância,


em sua maioria precedida por visão escurecida e outras sem pródromos. Os episódios
geralmente eram associados a mudanças bruscas de posição, calor, emoções e dor,
porém em algumas situações ocorreram na posição sentada. Há relato de abalos
convulsivos após a queda, além de diversos episódios com trauma associado. Relata
que todos os episódios eram acompanhados de rápida recuperação. Nega déficits
motores ou alteração do sensório no momento da recuperação.
Faz uso crônico de anticoncepcional oral.

História familiar: Pai hipertenso e mãe hígida. Não tem irmãos. Desconhece histórico
de morte súbita ou inexplicada na família.

Exame físico: Lúcida, orientada, corada, hidratada, eupneica, afebril. Sem queixas.
Pulmões limpos. RCR 2T BNF s/sopros. Pulsos periféricos palpáveis e isócronos
bilateralmente. Abdome e membros sem alterações significativas.

ECG: Ritmo sinusal. FC =45bpm; PRi = 160ms; QT =420ms (Figura 1).


Ecocardiograma transtorácico: normal.
Realizou teste de inclinação que mostrou resposta cardioinibitória com assistolia de
20s durante a inclinação (Figura 2).
Deseja iniciar atividade física regular (ginástica, spinning e musculação), mas está
insegura e procurou consultório cardiológico para avaliação e orientação.
Figura 1
ECG basal
Figura 2
Traçado de ECG durante tilt test.

OBJETIVOS

1. Identificar e confirmar o diagnóstico de síncope como causa da perda


transitória de consciência.
2. Otimizar a abordagem diagnóstica com a valorização de dados pertinentes de
história e exame físico e orientações para o uso racional dos métodos de
investigação complementar.
3. Compreender o mecanismo fisiopatológico envolvido tornando possível a
exclusão dos diagnósticos diferenciais.
4. Identificar as medidas farmacológicas e não farmacológicas disponíveis,
compreender seus impactos e educar o paciente e seus familiares.
5. Definir prognóstico e orientar o tratamento em longo prazo.

PERGUNTAS

1. Quais as hipóteses diagnósticas que podem explicar a perda transitória de


consciência neste caso?

Quando o médico se depara com um paciente jovem e coração normal com relato de
perda súbita da consciência, grande número de fatores etiológicos pode estar
envolvido. Sendo assim, o raciocínio clínico deve ser direcionado para as hipóteses
diagnósticas inerentes a esse grupo.

A anamnese é o ponto-chave inicial para a investigação diagnóstica, e perguntas


direcionadas devem ser aplicadas: O episódio de perda da consciência foi transitório?
O início do evento foi súbito? A duração do evento foi curta? Houve recuperação
espontânea?

Quando a resposta é afirmativa a essas perguntas, depara-se com um quadro de “perda


transitória da consciência” (PTC) e, afastadas causas traumáticas de PTC, restam
quatro hipóteses diagnósticas diferenciais: síncope propriamente dita, epilepsia,
pseudossíncope psicogênica e outras raras causas de perda transitória da consciência
como a cataplexia.

2. Como confirmar o diagnóstico e diferenciá-lo de uma convulsão epiléptica?

Apesar de todo o avanço diagnóstico, a investigação da síncope continua sendo um


grande desafio devido basicamente à dificuldade na reprodução e documentação da
causa responsável pelo evento. As causas de síncope podem ser identificadas apenas
pela história e exame físico em até 45-60% dos pacientes1,2. Por outro lado, a causa
subjacente permanecerá desconhecida em 13-31% dos casos, mesmo após uma ampla
investigação diagnóstica com os mais complexos e invasivos exames complementares3-
5.

A anamnese deve ser a base da investigação, pois determinados sintomas são


prevalentes nos quadros sincopais. Devem ser questionados: periodicidade dos
eventos, fatores precipitantes (ex: dor e ansiedade), situação da ocorrência dos
episódios (ex: lugares quentes, filas de banco), tempo de recuperação, estado após a
recuperação, comorbidades (sobretudo cardiovasculares), medicações de uso regular,
história familiar de morte súbita, entre outros.

O exame físico deve ser orientado no sentido de afastar cardiopatias estruturais


subjacentes, buscar distúrbios do ritmo, variações ortostáticas da pressão arterial (com
medidas da PA na posição deitada, sentada e de pé), diferenças de pressão arterial
entre os membros, sinais de anemia, déficits neurológicos, entre outros.

Quando a epilepsia se manifesta por crises tônico-clônicas e de grande mal pode levar
à perda transitória da consciência; no entanto, comumente, os pacientes estarão não
responsivos por tempo mais prolongado e apresentarão estado pós-comicial típico
(sonolência, algum grau de desorientação, dor muscular). Abalos musculares podem
estar presentes tanto na síncope como na epilepsia, sendo a principal diferenciação
entre ambos a duração do episódio: enquanto na epilepsia o episódio tende a ser
prolongado, na síncope envolverá apenas alguns segundos de duração. Outro dado de
suma importância é que na síncope os movimentos ocorrerão após a perda da
consciência e queda ao solo, enquanto na epilepsia habitualmente ocorrerão antes da
perda de consciência6.

Os eventos sincopais usualmente apresentam um fator desencadeador, enquanto a


epilepsia raramente o tem. A presença de aura é típica na epilepsia, enquanto palidez e
sudorese ocorrem com mais frequência na síncope. Mordedura lateral da língua ocorre
habitualmente na epilepsia; incontinência urinária pode acontecer em ambas as
situações e a recuperação da consciência na síncope será muito rápida diferente da
epilepsia6.

O eletroencefalograma (EEG) da crise epiléptica vai estar alterado no momento da


crise, porém tem pouco valor diagnóstico entre as crises. O teste de inclinação pode ser
usado para determinar o diagnóstico de síncope convulsiva, especialmente se há
resposta cardioinibitória documentada como no caso clínico apresentado. Em alguns
casos recomenda-se a realização do teste de inclinação com EEG simultâneo.

3. Quais as causas e os mecanismos fisiopatológicos mais comumente envolvidos na


síncope de um paciente com coração estruturalmente normal?

Nos pacientes com coração estruturalmente normal as causas de síncope podem ser
divididas em: situações relacionadas à queda da resistência vascular periférica e
alteração do controle autonômico, como as síncopes reflexas e as disautonomias e em
estados de diminuição do débito cardíaco como na hipovolemia, nas obstruções
dinâmicas ao fluxo sanguíneo e os distúrbios do ritmo cardíaco, resultando em queda da
pressão arterial e hipoperfusão cerebral global7.

Entre pacientes com coração estruturalmente normal, as síncopes neuromediadas e as


síndromes de intolerância postural ortostática correspondem à maior parte dos casos de
origem conhecida. Arritmias cardíacas e doenças extracardíacas podem ter sua
relevância embora ocupem uma fatia menor dos casos.

A posição ortostática acarreta sequestro de sangue nos membros inferiores, com


consequente redução do retorno venoso e do volume sistólico. A pressão arterial será
mantida principalmente por intermédio da vasoconstricção mediada inicialmente pelo
sistema nervoso autonômico simpático e com a manutenção do ortostatismo por
influência humoral. A diminuição súbita do fluxo sanguíneo cerebral por um período
mínimo de 6-8s já pode ser suficiente para causar perda completa da consciência7.

A síncope neuromediada ou vasovagal é a forma mais frequente de apresentação dos


distúrbios do controle autonômico da pressão arterial, também denominadas síncopes
reflexas, incluindo-se nestas as síncopes situacionais (tussígena, após evacuação,
micção e deglutição) e a hipersensibilidade do seio carotídeo – resposta hipotensora
e/ou cardioinibitória exacerbada após ativação espontânea dos mecanorreceptores
carotídeos, presentes exclusivamente em pacientes idosos.

O sistema nervoso autonômico (SNA) controla de forma involuntária a maior parte das
funções vitais do corpo, incluindo o sistema cardiovascular, gastrointestinal, urinário, o
controle da temperatura corporal, do sistema metabólico e reprodutivo. Quando existe
uma falha nesse complexo sistema, está-se diante de um processo chamado
disautonomia também conhecida como falência autonômica.

A principal diferença entre a falência autonômica e a síncope reflexa é que na primeira


o sistema nervoso autonômico (SNA) assume o controle da pressão arterial de modo
correto, mas existe uma falha crônica da atividade simpática ao nível final dos
neurotransmissores, gerando uma vasoconstricção ineficaz e em alguns casos síncope;
enquanto na síncope neuromediada ou reflexa, o SNA agirá de modo incorreto com
simpaticoinibição e vagotonia predominante8.

A falência autonômica pode ser primária quando existe comprometimento neurológico


degenerativo (falência autonômica pura, atrofia multissistêmica, falência associada ao
Parkinson e demência de Lewy); secundária quando envolve dano autonômico
provocado por doenças específicas que atingem mais gravemente os órgãos do que o
próprio SNA (diabetes, amiloidose e polineuropatias) ou induzida por medicamentos8.

A hipotensão ortostática (HO) induzida por medicamentos é a causa mais prevalente de


HO e os fármacos mais comumente envolvidos são anti-hipertensivos, diuréticos,
antidepressivos tricíclicos e o álcool. Enquanto na falência autonômica primária e
secundária a alteração ocorre por dano estrutural ao SNA (central ou periférico), na
HO induzida por fármacos a falência é funcional. Diante de uma suspeita clínica de
disautonomia por falência autonômica, seja ela primária ou secundária, a avaliação
neurológica especializada é fundamental.

4. Existem escores validados na literatura que auxiliam na estratificação de risco


de pacientes com síncope ? Quando e como utilizá-los?

Na avaliação prognóstica dos pacientes com síncope, isto é, na estratificação de risco,


dois pontos importantes devem ser valorizados: a) Qual o risco de morte e/ou eventos
ameaçadores da vida? e b) Qual o risco de recorrência da síncope e consequente
injúria física?

Quando se considera o risco de morte, a presença de doença cardíaca estrutural e


doenças cardíacas primariamente elétricas são os principais fatores de risco
envolvidos na morte cardíaca súbita e na mortalidade total em pacientes com síncope.
Alguns trabalhos demonstram que o risco e o prognóstico vão depender diretamente das
comorbidades associadas9-11. Esse dado vale também para a hipotensão ortostática, que
se associa a risco de morte duas vezes maior que o da população geral atribuído à
gravidade das comorbidades associadas12. Por outro lado, pacientes jovens vítimas de
síncopes reflexas em que foram afastadas doenças cardíacas estruturais e elétricas, têm
excelente prognóstico13.

De acordo com recentes publicações sobre morte súbita e estimulação cardíaca, os


principais fatores preditores para alto risco de eventos cardíacos graves relacionados à
síncope são: presença de cardiopatia estrutural significativa ou doença arterial
coronariana (ICC, FE baixa ou IAM prévio); história familiar de morte súbita ou
qualquer canalopatia; síncope durante exercício ou na posição supina;
eletrocardiograma (ECG) anormal; início súbito de palpitação imediatamente seguido
por síncope; comorbidades importantes (anemia severa e distúrbios eletrolíticos).

Estudos populacionais revelam que cerca de 1/3 dos pacientes apresentam recorrência
do evento sincopal em três anos de seguimento, sendo o número de episódios de
síncope ao longo da vida o maior preditor dessa recorrência (Tabelas 1 e 2)14,15.

Tabela 1
Prognóstico dos pacientes com diagnóstico incerto e baixo risco >40 de acordo com o
número de episódios sincopais ao longo da vida

Fonte: adaptado de EHRA Scientific Documents Committee15

Tabela 2
Prognóstico dos pacientes com diagnóstico incerto e baixo risco > 40 de acordo com o número de episódios sincopais
nos últimos dois anos

Fonte: adaptado de EHRA Scientific Documents Committee15

Para a estratificação de risco de morte e desfechos graves, uma série de escores


clínicos já validados estão disponíveis16,17(Quadro 1). Quanto à avaliação de
recorrência, escores têm sido desenvolvidos e necessitam de maiores estudos para sua
validação.
Quadro 1
Escores para a estratificação de risco durante avaliação inicial
5. Quando realizar o teste de inclinação e como interpretá-lo?

O teste de inclinação (TI) é um exame importante na investigação da síncope,


particularmente na ausência de cardiopatia estrutural. Trata-se de um teste provocativo
que induz estresse ortostático e mudanças fisiológicas ou patológicas no controle
autonômico, determinando a susceptibilidade à síncope de origem reflexa18.

Embora a síncope vasovagal seja a causa mais frequente de apresentação da PTC


envolvendo um arco reflexo, o TI também é capaz de documentar outras alterações da
função autonômica tais como: hipotensão ortostática, taquicardia postural ortostática,
disautonomias e hipersensibilidade do seio carotídeo através da realização de
massagem do seio carotídeo ainda na posição inclinada ao final do período
potencializado do teste.

É um exame com um caráter educativo importante, pois o paciente aprende a reconhecer


seus sintomas e visualizar as alterações envolvidas, aumentando assim seu
entendimento e aderência ao tratamento.

O teste consiste em uma mesa inclinável com plataforma para apoio dos pés, cintos de
segurança e monitorização da FC e da PA através de pletismografia digital que
fornecerá os dados a cada batimento do coração. O paciente permanece deitado
inicialmente por 10-20 minutos (fase de repouso) e logo após a cama é inclinada a 60º
ou 70º. A fase inclinada dura de 20min a 45min, dependendo do protocolo utilizado.
Durante a inclinação é realizada potencialização com nitrato ou nitroglicerina
sublingual para aumentar a sensibilidade do teste.
A classificação das respostas, inicialmente proposta por Sutton, foi modificada no
estudo VASIS II (Quadro 2)18.

Quadro 2
Classificação das respostas ao Tilt Test

Fonte: adaptado de Vasovagal Syncope International Study18

É importante ressaltar que a forma cardioinibitória da síncope como demonstrada no


caso clínico apresentado é uma resposta neuralmente mediada (ou seja, mediada por
ação vagal), causando bradicardia ou assistolia e não uma alteração primária da
formação e propagação do impulso elétrico pelo nó sinusal.

O teste de inclinação não deve ser indicado em pacientes com hipotensão postural
detectada ao exame físico; em pacientes com histeria de conversão; ataque isquêmico
transitório e/ou acidente vascular encefálico ou infarto agudo do miocárdio nos últimos
três meses; estenose aórtica moderada a grave; hipertensão pulmonar e doença
coronariana e/ou cerebrovascular críticas.

6. Qual o papel dos demais exames complementares em pacientes com síncope e


coração estruturalmente normal?

Eletrocardiograma (ECG): Deve ser realizado em todos os pacientes com síncope.


Observar a frequência cardíaca basal, o ritmo (sinais de disfunção sinoatrial ou
atrioventricular evidenciados por bloqueios ou pausas), presença de pré-excitação,
áreas de condução lenta (bloqueios de ramo, outros distúrbios de condução
intraventricular), intervalo QT, alterações do segmento ST-T, entre outros. No entanto
em menos de 5% dos pacientes o achado determinará a causa da síncope4,19.
Ecocardiograma: Afasta a presença de doença cardíaca estrutural, fundamental na
avaliação prognóstica.

Laboratório: Bioquímica e hematimetria devem ser solicitadas somente quando houver


sinais clínicos de alterações significativas (ex: anemia grave, intoxicação digitálica,
distúrbio eletrolítico grave, etc.).

Teste ergométrico: Importante na avaliação de síncope relacionada ao exercício. É


capaz de identificar alterações isquêmicas e, sobretudo, arritmias esforço-induzidas,
sendo neste último o padrão-ouro para o diagnóstico.

Monitorização eletrocardiográfica: O ideal é que se obtenha um registro


eletrocardiográfico durante o episódio da síncope, em tempo real, pois arritmias podem
estar presentes mesmo em pacientes com coração normal.

Vários sistemas estão disponíveis para monitorização eletrocardiográfica prolongada:


Holter convencional 24-48h, a monitorização intra-hospitalar com possibilidade de
resgate do registro, monitor de eventos (looper) – externo ou implantável e a telemetria
remota.

A monitorização por Holter 24-48h na síncope tem mais valor quando os sintomas são
muito frequentes. Para eventos mais raros a monitorização de eventos (sistema looper)
ou até mesmo o sistema implantável pode ser de grande valia para a correlação evento
x sintoma, ou mesmo para a sua exclusão (sintoma sem evento arrítmico) (Quadro 3).
Quadro 3
Critérios diagnósticos para monitorização eletrocardiográfica da síncope

Fonte: adaptado de Guidelines for the Diagnosis and Management of Syncope (version 2009)6

Estudo eletrofisiológico: Mapeamento invasivo do sistema elétrico cardíaco com o


intuito de identificar alterações nos tempos de condução e recuperação do nó sinusal e
atrioventricular, além de documentar arritmias atriais ou ventriculares indutíveis
(Quadro 4).

Quadro 4
Indicações atuais para realização do EEF

Fonte: adaptado de Guidelines for the Diagnosis and Management of Syncope (version 2009)6

Testes neurológicos:
Eletroencefalograma (EEG): Somente indicado na suspeita clínica de epilepsia. Pode
ser útil para diagnosticar pseudossíncope psicogênica (com vídeo EEG) quando normal
durante um ataque provocado.

Tomografia computadorizada do crânio (TC) e ressonância nuclear magnética (RNM):


TC crânio ou RNM na síncope sem trauma cranioencefálico (TCE) devem ser evitados.

Doppler de carótidas: Nenhum estudo recomenda a realização deste exame na


avaliação da síncope6.

7. Existe tratamento ? Qual o seu impacto ?

Tendo-se em vista o bom prognóstico relacionado à síncope em corações


estruturalmente normais, o tratamento não tem impacto direcionado para redução de
mortalidade, e sim melhora da qualidade de vida desses pacientes através do controle
dos sintomas e redução da recorrência dos eventos6.

A educação dos pacientes e seus familiares sobre os mecanismos envolvidos na


síncope, os riscos de recorrências e traumas secundários aos eventos, orientação sobre
o baixo risco de morte cardíaca e benignidade nos pacientes com coração normal e o
reconhecimento e resposta rápidos aos sintomas de alerta com manobras específicas
devem ser reforçados pelo médico.

O baixo custo e o alto impacto das orientações chamadas não farmacológicas


(dietéticas e comportamentais) facilitam sua utilização pela maioria dos pacientes. As
orientações não farmacológicas consistem basicamente em: aumentar a ingesta hídrica e
de sal, evitar fatores precipitadores (calor, ortostatismo prolongado, dor, emoções,
punções venosas, etc.), uso de meia elástica de média compressão (30-40mmHg),
realização de atividade física regular e manobras de contrapressão.

A suplementação de sal para indivíduos normotensos com síncope neuromediada e que


possuam excreção de sódio <170mmol/dia deve ser rigorosa com até 10g de sódio por
dia20. Atividade física regular, aeróbica e isométrica, a primeira com o objetivo de
melhor modulação autonômica, a segunda para o fortalecimento muscular dos “corações
periféricos”, são coadjuvantes importantes no retorno venoso.

Medidas posturais como dormir com cabeceira levemente elevada colocando um calço
nos pés da cama (cerca de 20cm de altura), levantar-se em etapas e de forma lenta ao
acordar ou após longos períodos em posição supina. Manobras de contrapressão
isométricas: atos como cruzar e descruzar as pernas, contração da musculatura das
panturrilhas como durante a flexão plantar e apertos de mão ou contração dos braços
podem ser úteis e devem ser recomendados aos pacientes com episódios
anunciados21,22.

O treinamento postural (tilt training), inicialmente descrito por Ector et al.23 tem
ganhado espaço no manejo não medicamentoso dos pacientes com síncope
neurocardiogênica recorrente, sobretudo pelo seu baixo custo e facilidade de execução.
Orienta-se o paciente à realização de pelo menos uma e idealmente duas sessões
diárias de treinamento postural, com duração média de 30-40min, recomendando-se
apoiar as costas sobre uma parede vertical com os pés 15-20cm de distância da mesma,
em ambiente livre de objetos que possam trazer lesões em caso de queda, com apoio
próximo e sob a observação de algum familiar, garantindo assim a segurança do
treinamento. O mecanismo pelo qual o treinamento postural é capaz de melhorar a
tolerância ortostática ainda não é bem conhecido, acredita-se vir da dessensibilização
de receptores autonômicos relacionados ao disparo da reação neurocardiogênica24,25.

O tratamento medicamentoso envolve a utilização de drogas que agem sobre os


supostos mecanismos fisiopatológicos envolvidos. Os betabloqueadores, inicialmente
acreditados como drogas eficazes na prevenção das síncopes neuromediadas26,27 não se
mostraram mais efetivos que o placebo em alguns estudo controlados de longa
duração28-30.

Uma droga útil, sobretudo no manejo de pacientes com hipotensão postural ortostática
e, em alguns casos, de síncopes vasovagais, é a fludrocortisona (dose: 0,1-0,4mg/dia),
um mineralocorticoide que promove aumento da retenção de sódio e expansão do
volume circulante efetivo31. Outras alternativas são os agentes alfaestimulantes como a
midodrina (5-40mg/dia divididos em três a quatro tomadas), vantajosa por seus poucos
efeitos colaterais e eficácia na redução de episódios32.

Outras drogas têm sido utilizadas com algum sucesso no manejo de pacientes com
síncopes refratárias; é o caso dos inibidores de recaptação de serotonina como a
fluoxetina e a sertralina33, e drogas como a eritropoietina capaz de corrigir estados
anêmicos e agir como vasoconstrictora direta relacionada a seu efeito sobre o ácido
nítrico periférico34.

A utilização de estimulação cardíaca artificial representa artifício terapêutico para o


manejo de boa parte dos pacientes com hipersensibilidade do seio carotídeo e em casos
selecionados de síncopes vasovagais, mas não constituindo primeira linha de
tratamento nesse último caso. A Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda o uso
de marca-passo em síncopes vasovagais recorrentes, somente nos casos refratários à
terapia medicamentosa e com componente cardioinibitório documentado pelo teste de
inclinação, pelo Holter de 24h, monitor de eventos ou espontaneamente35.

Deve-se lembrar que apesar do tratamento, mais de 30% dos pacientes continuam a
experimentar episódios regulares de síncope vasovagal.

8. Há limitação de algum tipo de atividade física e/ou profissional nesse grupo de


pacientes?

Pelo contrário, a atividade física aeróbica e em especial o fortalecimento muscular em


membros inferiores é fundamental no controle clínico desses pacientes, tanto para
melhora do retorno venoso ao coração como no controle dos transtornos da ansiedade e
estresse emocional bastante peculiar a esse grupo de pacientes.

A atividade física controlada e de forma regular promove treinamento autonômico e


melhor balanceamento simpático-vagal, fundamentais para a manutenção do bem-estar
físico do paciente com síncope recorrente.

Atividades profissionais que envolvam alto risco para o paciente e para terceiros (ex:
piloto de avião, motorista profissional, atletas de alta performance) devem ser
reconsideradas e o paciente orientado a se afastar da atividade até o controle completo
dos sintomas6.

9. Que etiologias mais raras devem entrar no diagnóstico diferencial do caso em


questão?

Uma pequena parcela dos pacientes com síncope e coração estruturalmente normal
apresenta uma doença grave muitas vezes não identificada através dos métodos
habituais de avaliação. Entre elas estão: a síndrome de Wolff- Parkinson-White e as
canalopatias (síndrome de Brugada, síndrome do QT longo, QT curto, TV
catecolaminérgica e FV idiopática).

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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35. Martinelli Filho M, Zimerman LI, Lorga AM, Vasconcelos JTM, Rassi A Jr;
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC); Sociedade Brasileira de
Arritmias Cardíacas (SOBRAC/SBC); Departamento de Estimulação
Cardíaca Artificial (DECA/SBCCV). Diretrizes Brasileiras de Dispositivos
Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI). Arq Bras Cardiol.
2007;89(6):e210-e38.
FLUTTER ATRIAL

Martha Valéria Tavares Pinheiro

CASO CLÍNICO
L.F.B.S., 76 anos, hipertenso leve, controlado com losartana 50mg/dia. Refere história
de palpitação taquicárdica regular em surtos de curta duração há cerca de 10 anos.
Esses sintomas se intensificaram em duração e frequência nos últimos seis meses. No
momento, além de palpitação persistente refere cansaço progressivo até aos pequenos
esforços e desconforto precordial tipo opressão.

Ao exame físico:
PA =146x85mmHg; FC =90-150bpm; RCR com breves períodos de irregularidade, 2T
BNF.
Estertores crepitantes bibasais na ausculta pulmonar. Abdômen sem alterações.
Membros inferiores com edema perimaleolar com cacifo bilateral discreto.
Figura 1
ECG de admissão

Na unidade de emergência foi realizado ecocardiograma bidimensional com Doppler e


dosagem de enzimas cardíacas O exame de ecocardiograma revelou: dimensões
cavitárias esquerdas aumentadas; VE com hipocinesia difusa e disfunção sistólica
global moderada.

Como o paciente tivesse apresentado mínima elevação dos níveis de troponina foi
realizada a cinecoronariografia que não evidenciou lesões ateroscleróticas obstrutivas
significativas.

OBJETIVOS
1. Discutir os critérios eletrocardiográficos e os aspectos fisiopatológicos,
epidemiológicos e clínicos que caracterizam a taquiarritmia.
2. Discutir o tratamento farmacológico e não farmacológico: quando e como
indicar.
3. Analisar complicações da taquiarritmia e indicações de anticoagulação.

PERGUNTAS
1. Qual a principal hipótese diagnóstica para o caso relatado?
Trata-se de síndrome taquicárdica associada à insuficiência cardíaca (classe funcional
II – NYHA) e síndrome edemigênica com leve congestão pulmonar e sistêmica.

Análise do traçado eletrocardiográfico permite extrair as seguintes informações:


Ritmo taquicárdico caracterizado por linha de base com aspecto de dente de serra nas
derivações relacionadas à parede inferior (DII, DIII e aVF). Cada onda f (dente da
serra) representa uma ativação atrial regular em morfologia e orientação vetorial com
frequência de 240bpm a 340bpm. Trata-se, portanto, de flutter atrial (FLA).

O complexo QRS é estreito caracterizando origem supraventricular da arritmia. A


frequência cardíaca (FC) depende basicamente da velocidade de condução
atrioventricular e está sujeita à variação devido a numerosos fatores, entre eles
influência do sistema nervoso autônomo sobre o nodo atrioventricular.

A análise apurada da repolarização ventricular, bem como a aferição do intervalo QT


podem ficar prejudicados pela irregularidade da linha de base.

2. Quais são as características epidemiológicas do flutter atrial?

Flutter atrial é uma taquiarritmia atrial regular macrorreentrante primordialmente


localizada no átrio direito. Tem incidência estimada de 0,88% na população geral,
progredindo para cerca de 5,9% nos indivíduos acima de 80 anos, e mais comum em
homens.

Em geral é um ritmo paroxístico, porém quando se torna mais prolongado evolui


frequentemente para fibrilação atrial (FA). Pode ocorrer em até 10% dos pacientes de
pós-operatório de cirurgia cardíaca e, nesses casos, está relacionada à cicatriz da
atriotomia. Está associado também à doença pulmonar obstrutiva crônica, valvopatia
mitral ou tricuspídea e tireotoxicose.

3. Quais são os principais aspectos eletrofisiológicos do flutter atrial típico?

Análises da sequência de ativação atrial através de estudo eletrofisiológico mostraram


que a região limitada entre anel valvar tricuspídeo, orifício da veia cava inferior e
óstio do seio coronariano é onipresente no circuito arritmogênico do FLA típico.

Tomando-se como referência o anel valvar tricuspídeo observado em incidência


oblíqua anterior esquerda, o FLA é denominado típico quando a ativação do circuito
arritmogênico acontece em torno do anel valvar no sentido anti-horário. Ao ECG de 12
derivações observar-se-á ondas f com polaridade negativa em DII, DIII e aVF e
positiva em V1, exatamente como no caso clínico em discussão (vide ECG). Quando
ocorre no sentido horário o FLA é denominado típico reverso e tem orientação oposta
das ondas f no ECG.

4. Como se dá a apresentação clínica da taquiarritmia?

Geralmente se caracteriza por sintomas agudos de palpitação, dispneia, fadiga ou dor


torácica. Pode, no entanto, ser a responsável por sintomas mais insidiosos como
progressão da insuficiência cardíaca, além de palpitação e tonteira aos esforços,
quando a condução atrioventricular (AV) favorecida pode elevar significativamente a
resposta ventricular e provocar sintomas de baixo débito. Palpitação de característica
irregular pode ser explicada por períodos de condução AV irregular.

5. Qual o tratamento indicado na sala de emergência?

Inicialmente deve-se avaliar o grau de estabilidade hemodinâmica. Para pacientes


instáveis (com sinais de baixo débito, angina instável ou insuficiência cardíaca) está
indicada reversão imediata com choque sincronizado (cardioversão elétrica). A
reversão do FLA ao ritmo sinusal geralmente exige energia de 50J (aparelho
monofásico) ou menor para os equipamentos bifásicos e tem eficácia de 95-100%.
Recomenda-se, da mesma forma que para fibrilação atrial e na ausência de
contraindicação, a anticoagulação com heparina antes da reversão.

Na maioria dos casos, no entanto, os pacientes apresentam-se estáveis


hemodinamicamente e tem condução atrioventricular 2:1 ou acima. Quando a história
clínica sugere duração de até 48 horas da arritmia, além das estratégias de controle do
ritmo via cardioversão química ou elétrica, pode-se utilizar estimulação atrial rápida
via estimulação transesofágica ou via eletrodo atrial (especialmente útil em pacientes
com marca-passo epicárdico em pós-operatório de cirurgia cardíaca).

Em relação à cardioversão química, os agentes classe III intravenosos ibutilide e


dofetilide são os que têm maior eficácia na conversão ao ritmo sinusal, entretanto não
estão disponíveis no Brasil. A amiodarona tem baixa efetividade para reversão do
ritmo, porém pode ser usada para controle de frequência. O uso da propafenona,
também pouco eficaz na estratégia de controle do ritmo, deve ser acompanhado de
fármaco com efeito dromotrópico negativo, pois ao alentecer a condução intra-atrial
pode favorecer o tráfego pelo nodo atrioventricular e aumentar paradoxalmente a
resposta ventricular.

Nas situações em que o contexto clínico sugere duração acima de 48 horas, devem-se
usar medicações para controle da resposta ventricular (betabloqueador ou antagonistas
dos canais de cálcio intravenosos) e anticoagulação.

6. Como conduzir a reversão ao ritmo sinusal?

Na maioria dos casos, o FLA faz parte de processo agudo de doença, tais como: pós-
operatório de cirurgia torácica, infarto agudo do miocárdio ou doença pulmonar
descompensada, de modo que habitualmente não é necessário tratamento de manutenção
após a recomposição do ritmo sinusal.

Para os casos recorrentes ou maltolerados, a ablação por cateter é o tratamento de


eleição, devido ao seu alto grau de eficácia (90-100% quando circuito do flutter é
istmo-dependente) e baixo índice de complicações.

7. Que complicações podem estar associadas ao flutter atrial?

A complicação mais temida nas taquiarritmias que causam hipocontratilidade atrial,


caso da fibrilação e do flutter atrial, é o evento cardioembólico.

Convém destacar que tais arritmias (FLA e FA) têm risco semelhante para a ocorrência
desses eventos e, portanto, a decisão pela profilaxia via anticoagulação deve estar
baseada na classificação de risco.

Segundo o escore CHADS2, o paciente em questão tem elevado risco para evento
cardioembólico, pois recebe grau 3: insuficiência cardíaca + hipertensão arterial +
idade >75 anos (vide capítulo de fibrilação atrial para maiores detalhes). Existe,
portanto, indicação para anticoagulação contínua com warfarina.

Outra complicação que pode estar presente em taquiarritmias crônicas de origem atrial
ou ventricular é a taquicardiomiopatia, forma reversível de insuficiência cardíaca
caracterizada pela dilatação e disfunção sistólica do ventrículo esquerdo que
geralmente regride quando a taquiarritmia é controlada.
No caso clínico em questão o tratamento escolhido foi ablação por radiofreqüência que
resultou em resolução completa dos sinais e sintomas de insuficiência cardíaca e
significativa melhora da função sistólica do VE em exame ecocardiográfico evolutivo,
caracterizando a presença de taquicardiomiopatia associada.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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INFECÇÃO E DISPOSITIVOS
IMPLANTÁVEIS

Luiz Eduardo Camanho


Charles Slater

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 74 anos, hipertenso de longa data, em uso regular de losartana e
hidroclorotiazida. Evoluiu com queixa de pré-síncope de repetição nos últimos dois
meses, quando foi documentada a presença de bloqueio atrioventricular total com
escape ventricular em torno de 35bpm. Encaminhado para serviço especializado,
submeteu-se a implante de marca-passo definitivo dupla-câmara. Recebeu alta
hospitalar em 24 horas, sem intercorrências. Após cinco meses do implante, começou a
apresentar adinamia, cansaço aos esforços, febre baixa vespertina e perda ponderal.
Foi então encaminhado para avaliação cardiológica.

PA =130x80mmHg; FC =96bpm; Peso =61kg; Altura =1,59m, T.ax. =37,7ºC.


AC: RR em 2 tempos; pulmões limpos; sem edemas de MMII.
À inspeção da loja, havia sinais de erosão da pele com exposição do gerador (Figura
1). O paciente referia drenagem espontânea de secreção purulenta.
ECG: ritmo de marca-passo dupla-câmara normofuncionante (em modo VDD) -
frequência sinusal =96bpm.

Na análise do aparelho, os parâmetros estavam adequados e o paciente dependente do


marca-passo (sem escape ventricular). Foi internado e realizou exames laboratoriais,
hemocultura e ecocardiograma transesofágico (ETE).

Os exames complementares demonstraram: Hemoglobina =10,5g/dL; Leucócitos =7.500


sem desvio; PCR =7,6. Função renal preservada.
Hemocultura (três amostras): positivo para Staphylococcus aureus.
ETE: massa (vegetação) aderida ao eletrodo atrial próxima da válvula tricúspide,
estimada em 3,0cm.

O diagnóstico de endocardite relacionada ao marca-passo foi confirmado e iniciado


antibioticoterapia venosa imediatamente após. O paciente submeteu-se à extração
manual de todo sistema de estimulação e permaneceu com eletrodo de marca-passo
provisório de fixação ativa (através de veia jugular direita). Após quatro dias do
explante submeteu-se a nova hemocultura, tendo sido negativa. Como o paciente era
dependente do marca-passo, foi reimplantado um novo sistema contralateral (à
esquerda) no oitavo dia, e permaneceu internado por seis semanas até completar o
curso de tratamento antibiótico. Recebeu alta hospitalar e encontra-se clinicamente bem
e assintomático, em período de acompanhamento de três anos.

OBJETIVOS
1. Analisar as características e condições clínicas suspeitas de infecção
relacionada ao marca-passo.
2. Discutir o manejo e o tratamento desta condição.
3. Rever as opções de tratamento e possíveis complicações relacionadas.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar a causa dos sintomas?

Após o implante de uma prótese (marca-passo ou cardioversor-desifibrilador – CDI), a


ocorrência de sintomas inflamatórios sistêmicos e/ou locais (sinais flogísticos de loja,
secreção purulenta ou extrusão do gerador) deve alertar o médico para a possibilidade
de se tratar de infecção relacionada ao marca-passo. Este termo inclui uma série de
cenários clínicos possíveis, tais como: infecção local de loja, erosão de loja, infecção
do eletrodo, endocardite relacionada ao marca-passo e bacteremia relacionada ao
marca-passo1.

A taxa de ocorrência descrita dessa complicação varia de 0,13% a 19,9% em marca-


passo e de 0,7% a 1,2% em CDI2,3. A detecção e o diagnóstico de tal condição são
fundamentais, uma vez que a mortalidade varia de 31% a 66%, se a prótese não for
explantada e 18% ou menos, quando se associa à antibioticoterapia com o explante total
do sistema3,4. De qualquer forma, é uma complicação grave com elevada taxa de
mortalidade.

Essa condição pode ocorrer precocemente (até seis meses do implante) e tardiamente
(após seis meses)1. A infecção relacionada ao marca-passo pode se manifestar no
primeiro ano após o implante ou até vários anos depois5,6.

2. Como confirmar o diagnóstico de infecção relacionada ao MP?

O diagnóstico de infecção relacionada ao marca-passo inclui achados locais


inflamatórios, tais como: eritema, calor local, flutuação, drenagem purulenta, erosão de
pele e extrusão com exposição do gerador ou eletrodos.

A presença de endocardite relacionada ao marca-passo é confirmada quando uma


vegetação valvar ou aderida ao eletrodo é confirmada por ecocardiografia ou se os
critérios de Duke7,8 para endocardite forem encontrados. Vegetação é definida como
uma massa intracardíaca relacionada aos eletrodos, folhetos valvares ou ao endocárdio
em mais de um plano ecocardiográfico, com hemocultura e/ ou cultura da ponta do
cateter positivas3. Aproximadamente 2/3 das hemoculturas são positivas e 1/3,
negativa. A principal causa de hemocultura negativa é a extensa terapia antibiótica
prévia a que esses pacientes comumente são submetidos9.

Os principais agentes etiológicos encontrados são: Staphylococcus (aureus e


epidermidis), bactérias gram-negativas (Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas sp,
Proteus mirabilis, entre outras) e bactérias gram-positivas raras (Enterococcus
faecalis, Enterobacter cloace, Mycobacterium fortuitum, entre outras)9. As variadas
cepas de Staphylococcus respondem por aproximadamente 60-80% dos casos. O
Staphylococcus epidermidis (coagulase-negativa) faz parte da flora normal da pele, e é
o principal agente patológico nessa condição. Geralmente apresenta um curso menos
agressivo e virulento que o Staphylococcus aureus.

A contaminação per-operatória parece ser a principal fonte de infecção subcutânea10. O


diagnóstico diferencial deve incluir tromboflebite jugular séptica ou de membros
inferiores e embolia pulmonar.

3. Quais são os principais fatores de risco associados à infecção de marca-passo?

Inúmeros fatores de risco e comorbidades descritos estão associados à infecção de


prótese, sendo os principais11:

1. Diabetes mellitus
2. Doença neoplásica de base
3. Reintervenção precoce (em especial, troca de gerador)
4. Idade avançada
5. Inexperiência do operador
6. Tratamento prévio com anticoagulante ou corticoide
7. Insuficiência cardíaca ou renal (clearence de creatinina <60ml/min)
8. Febre nas últimas 24 horas antes do implante
9. Utilização de marca-passo temporário antes do implante

A reintervenção precoce da loja é considerada o principal fator de risco associado12.


Segundo Baman et al.13, alguns critérios clínicos e ecocardiográficos de risco estariam
relacionados a maior mortalidade nessa população. Seriam eles: embolização
sistêmica, regurgitação tricúspide moderada a grave, disfunção ventricular direita e
insuficiência renal. Segundo os autores, a disfunção renal seria um fator de risco para
infecção, bem como um preditor de maior mortalidade13.

4. Existe alguma estratégia preventiva de infecção de prótese?


Indiscutivelmente, a principal estratégia preventiva de infecção de prótese é a técnica
cirúrgica asséptica e em ambiente seguro, uma vez que os relatos epidemiológicos e
microbiológicos sugerem que a contaminação com a flora bacteriana da pele é
responsável por um significativo percentual de casos.

A utilização de antibioticoterapia profilática em dose única, uma hora antes do


implante, está indicada. Essa estratégia comprovadamente reduz a probabilidade dessa
grave complicação14,15. As drogas mais comumente utilizadas são: cafazolina (1g-2g, 1
hora antes da incisão) ou vancomina (1g, 90min a 120min antes da incisão)16.

5. Qual a abordagem terapêutica indicada nestes casos?

Os componentes principais do tratamento consistem em: antibioticoterapia, remoção


total do sistema e reimplante posterior de novo sistema de estimulação15.

Nos casos de infecção superficial ou incisional da pele, sem envolvimento do sistema,


a remoção do sistema não é necessária. A utilização de antibioticoterapia oral com
atividade antiestafilocócica por 7-10 dias, geralmente é suficiente e resolutiva15.

Nos demais casos, a remoção completa do sistema deve ser o principal objetivo
terapêutico. A remoção percutânea é o método preferencial pela menor morbidade
associada, mas requer operadores experientes e treinados para tal. Dessa forma, a
remoção cirúrgica (cardiotomia) é uma opção válida e utilizada em diversos centros.
Vale lembrar que os eletrodos antigos (implante de longa data) representam um desafio
e apresentam maior dificuldade técnica para o explante percutâneo, em função da
extensa fibrose desenvolvida ao longo do tempo17. A extração percutânea completa é
obtida em 81% a 93% dos casos, com uma taxa de complicação maior em torno de
2,5% e mortalidade que varia de 0,04% a 0,6%17.

A antibioticoterapia deve ser iniciada de imediato, assim que se confirme o diagnóstico


ou desde que haja uma forte suspeição clínica. Parece razoável iniciar vancomicina, até
que o resultado da hemocultura esclareça o patógeno e o perfil de resistência
bacteriana, a fim de ajustar o esquema antimicrobiano15.

Não há na literatura consenso a respeito do tempo ideal da antibioticoterapia. A


realização de hemocultura após o explante deve ser realizada em todos os pacientes.
Quando a infecção está limitada à loja, sem hemocultura positiva ou endocardite, a
utilização de antibiótico por 10-14 dias após o explante, parece razoável15. Se o
paciente apresentar hemocultura positiva, a duração da antibioticoterapia deverá ser de
no mínimo 14 dias, podendo se estender por até quatro semanas. Nos casos
complicados com endocardite, tromboflebite séptica, osteomielite ou hemocultura
positiva após o explante do sistema, a antibioticoterapia deverá ser mantida por quatro
a seis semanas15.

6. Qual o momento de reimplantar um novo sistema de estimulação?

Antes de definir a estratégia de reimplante, é obrigatório reavaliar a necessidade do


implante. Aproximadamente 30% a 50% dos pacientes não irão necessitar de um novo
sistema de estimulação por diversos fatores, dentre eles: ausência de indicação precisa
prévia, mudanças nas condições clínicas do paciente ou reversão do processo
patológico que precipitou o implante3.

Quando indicado, não há consenso a respeito do momento ideal. Acredita-se que o


aconselhável seja efetuar o reimplante após o resultado negativo da hemocultura3,18.

Nos indivíduos que são dependentes do marca-passo e, portanto, necessitam de


estimulação cardíaca temporária até o implante do sistema definitivo, devem ser
utilizados eletrodos de fixação ativa para garantir a captura ventricular. Essa estratégia
parece ser mais segura, permitindo a mobilização do paciente, além de reduzir a
probabilidade de deslocamento de eletrodo, ressuscitação devido à bradicardia
extrema e infecção local19.

Quando o reimplante é realizado, o mesmo deve ser contralateral ao sítio de extração.


As outras opções seriam: implante através da veia ilíaca ou epicárdico.

Segundo o estudo de Margey et al.20, o tempo médio de reimplante foi de 28 dias e, nos
pacientes dependentes do marca-passo, foi de sete dias após o explante do sistema.

A terapia antimicrobiana em longo prazo, sem a remoção do sistema, pode ser


considerada em pacientes não candidatos ao explante por condições clínicas
desfavoráveis e que tenham apresentado estabilização clínica com a terapia antibiótica.
No entanto, por se tratar de tratamento não usual, não há na literatura trabalhos
comparativos que definam a droga e posologia ideais21.

7. Nos pacientes com endocardite, o tamanho da vegetação é importante para


definir o modo de extração?

Já há alguns relatos da literatura que demonstram o receio de embolização séptica em


portadores de vegetação acima de 1cm7,22.

Klug et al.7 demonstraram uma incidência de 35% de embolização séptica pulmonar


pré-operatória em portadores de grandes vegetações, comprovada por cintigrafia de
ventilação-perfusão. No entanto, estudos envolvendo portadores de endocardite direita
com grandes vegetações demonstram maior potencial de embolização, porém, com
excelente prognóstico e nenhum impacto na sobrevida23,24.

Embora o risco de embolização exista de fato, acredita-se que pacientes com


vegetações de até 4cm, possam se submeter a explante percutâneo com segurança e sem
repercussão clínica mais grave4.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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TRATAMENTO DA EXTRASSISTOLIA E
TAQUICARDIA VENTRICULAR NÃO
SUSTENTADA EM PACIENTES COM
CORAÇÃO ESTRUTURALMENTE NORMAL

Fernando Eugênio dos Santos Cruz Filho


Iara Atié

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 40 anos, casado, auxiliar de telecomunicação, natural do Rio de
Janeiro, com queixas de coração com batimentos descompassados. A queixa se referia
à ocorrência diária de irregularidade dos batimentos há cerca de dois anos. Nos
últimos seis meses, houve piora da falta de ar, referida como ocorrendo aos médios
esforços (NYHA classe funcional II).

AD: Nega edemas de MMII, dispneia paroxística noturna e dor precordial. Nega
processo infeccioso agudo.
HPP: Uso de amiodarona e atenolol sem melhora da sintomatologia.
H Social: Ex-tabagista de 20 cigarros diários tendo parado há um ano. Etilista social.
Exame Físico
Paciente vígil, orientado, corado, hidratado, eupneico, acianótico, anictérico e afebril
PA =120x70mmHg; FC =82bpm. Íctus palpável no 6º espaço intercostal esquerdo com
duas polpas digitais. Ritmo cardíaco irregular em 2 tempos, sem sopro ou turgência
jugular. Pulmões limpos. Abdômen flácido, indolor, peristáltico, sem massas ou
megalias. Membros com pulsos palpáveis e sem edemas.

Laboratório
Hemograma: sem alterações em séries vermelha e branca e nas plaquetas.
Bioquímica: eletrólitos, escórias nitrogenadas, hepatograma e hormônios tireoidianos
normais.
Imunologia: Sorologia para HIV, doença de Chagas e hepatite A, B e C negativas.

ECG:
O eletrocardiograma apresentado era semelhante a muitos obtidos durante as crises de
palpitação referidas pelo paciente. Ritmo apresentado sempre sinusal, sem alterações
específicas da repolarização com um padrão bigeminado pela presença de extrassístole
ventricular (ESV) monomórfica, com morfologia do tipo bloqueio de ramo direito
(BRD) e SÂQRS em torno de 90º. Na derivação V1 o padrão morfológico era qR
(Figura 1).

Figura 1
Eletrocardiograma com ritmo sinusal, padrão bigeminado pela presença de extrassístole ventricular monomórfica,
morfologia do tipo bloqueio de ramo direito.
Na derivação V1 o padrão morfológico era qR

OBJETIVOS
1. Discutir a abordagem diagnóstica, utilizando a análise sistemática do ECG na
localização da extrassistolia ventricular e taquicardia ventricular não
sustentada no coração estruturalmente normal.
2. Discutir os diagnósticos diferenciais das doenças que cursam com as
arritmias ventriculares com a finalidade de estratificação de risco de morte
cardíaca súbita.
3. Analisar medidas farmacológicas e não farmacológicas que visem ao
tratamento da extrassistolia ventricular e taquicardia ventricular não
sustentada (TVNS) no coração estruturalmente normal.

PERGUNTAS
1. Qual a prevalência de extrassístoles na população?

As extrassístoles são as arritmias mais frequentemente observadas na prática


cardiológica e, por isso, mais prevalentes. Em militares estadunidenses saudáveis, a
incidência geral foi de 0,8%, sendo 0,5% abaixo dos 20 anos de idade e 2,2% acima
dos 50 anos de idade1. Em amostra não selecionada (com e sem cardiopatia) foi
realizado um Holter de 6h. Observou-se alteração do ritmo ventricular em 62% dos
indivíduos analisados, e as ESV ocorreram em mais da metade dos casos2. Em
corações sem doença cardíaca estrutural, as ESV mais frequentes têm origem em trato
de saída do ventrículo direito. Kennedy et al.3 estudaram pacientes assintomáticos
demonstrando a ausência de risco atribuível isoladamente à ESV em população sem
cardiopatia identificável.

No paciente do caso clínico, a incidência de ESV era alta. Utilizando monitorização


eletrocardiográfica de 24h (Holter), 38.114 ESV (44%) foram gravadas nas 24h.
Longos períodos de bigeminismo foram registrados e a distribuição de ESV nas 24h era
homogênea, sem predominância diurna ou noturna. Doze surtos de TVNS de até três
batimentos ventriculares sucessivos com frequência de 122bpm foram documentados.
Não houve documentação de extrassistolia atrial. O teste ergométrico confirmou esta
alta incidência (Figura 2A) com alta supressão no pico do exercício (Figura 2B). O
paciente apresentou tolerância regular ao esforço (10,85 MET).

Na Figura 3 pode-se observar um trecho do Holter de 24h com documentação de longo


ciclo de bigeminismo ventricular e de TVNS. O gráfico de incidência de ESV hora a
hora e a variação da FC nas 24h está apresentado na Figura 4.

Figura 2A
Figura 2B

Figuras 2A e 2B
Teste ergométrico com alta prevalência de extrassístoles ventriculares. (Figura 2A) e supressão no pico do exercício
(Figura 2B).
Figura 3
Holter de 24h da paciente com longo ciclo de bigeminismo ventricular e de taquicardia ventricular não sustentada.
Figura 4
Holter 24h com gráfico de incidência de extrassístoles hora a hora e a variação da frequência cardíaca nas 24h.

2. A morfologia da extrassístole ventricular monomórfica correlaciona-se com seu


local de origem?

A morfologia da extrassístole ventricular obtida pela análise do ECG de 12 derivações


tem uma boa correlação com seu local de origem4. Didaticamente, dividimos as
extrassístoles em dois padrões eletrocardiográficos, levando-se em conta a morfologia
do complexo QRS na derivação V1. Dois padrões são inicialmente analisados: o
padrão do tipo bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e outro do tipo BRD. As ESV com
padrão do tipo BRE apresentam origem provável em ventrículo direito; as ESV com
padrão do tipo BRD têm origem em ventrículo esquerdo.

ESV com morfologia do tipo BRE


Basicamente são dois tipos de padrões de morfologia; as que se originam na via de
saída do VD (mais frequentes) e as que se originam na via de entrada. As ESV do trato
de saída do VD vão apresentar morfologia do complexo QRS do tipo BRE com SÂQRS
desviado para a direita ou inferior. Já as ESV com origem em via de entrada,
geralmente na região subtricuspídea posterior, têm um padrão que lembram as vias
acessórias posterosseptais direitas, ou seja, um padrão do complexo QRS do tipo BRE
com SÂQRS desviado para a esquerda (QS em DIII e AVF) e transição precoce de V1
para V2 do complexo QRS (de negativo (QS) para positivo (Rs).

ESV com morfologia do tipo BRD


A ESV mais frequente é de localização na região do fascículo posteroinferior esquerdo,
apresentando uma morfologia típica do tipo BRD com SÂQRS desviado para a
esquerda (rS em DII, DIII e aVF). A morfologia do complexo QRS em V1 pode ser do
tipo qR ou rSr’. Outra localização de ESV de origem em VE ocorre em corações
anatomicamente normais ou na doença de Chagas: é a região basal da parede posterior
e posterolateral, denominada continuidade mitroaórtica; e na doença de Chagas
denominada istmo chagásico. A localização nessa região determinará um padrão do
complexo QRS do tipo BRD com eixo para a direita, lembrando muito o ECG
preexcitado de uma via anômala lateral esquerda.

No caso do paciente relatado, a análise da morfologia da ESV, obtida pelo ECG de 12


derivações aponta para uma origem da arritmia no ventrículo esquerdo na região
posterolateral basal submitral.

3. Quais as hipóteses diagnósticas de cardiopatias que poderiam cursar com as


arritmias presentes neste paciente?

Como visto, a morfologia da ESV/TVNS correlaciona-se com seu local de origem. Isso
também é verdade para a correlação da morfologia, localização da arritmia e presença
de cardiomiopatia subjacente.

Como exemplo, temos a cardiomiopatia/displasia arritmogênica do VD (C/DAVD) que


apresenta infiltrado fibroadiposo no VD e, portanto, o paciente apresenta ESV/TV de
morfologia do tipo BRE, refletindo o substrato histopatológico com origem em VD. A
concomitante presença de arritmias de origem em VE na C/DAVD refletem o
acometimento conjunto do VE.

Já na doença de Chagas, o substrato arritmogênico em decorrência da parasitose ocorre


no VD e VE. Entretanto, o ápex de VE e a parede inferoposterior e lateral da região
basal do VE são comumente afetados, sendo uma origem típica de ESV e TV decorrente
dessa etiologia.

Nos pacientes portadores de doença arterial coronariana, há boa correlação entre a


morfologia da arritmia e a região de injúria/isquemia/infarto do miocárdio. Isso foi
bem estudado durante a análise de ritmos idiopáticos ventriculares que ocorreram
durante reperfusão miocárdica pós-trombolítico, angioplastia ou recanalização
espontânea3.

A análise do ECG de 12 derivações da ESV orienta o clínico quando da investigação


diagnóstica da cardiopatia. Apresenta informações relevantes que orientam outros
métodos de imagem na procura de alterações como áreas hipocinéticas, acinéticas,
discinéticas (aneurismas) e de fibrose.

O paciente foi submetido à avaliação ecocardiográfica para melhor análise da


contração segmentar, medidas das dimensões cavitárias e fração de ejeção. O
ecocardiograma demonstrou leve aumento do VE (dimensão sistólica de 4,0cm e
diastólica de 5,8cm. Fração de ejeção (Teichholz) de 58%. Função sistólica preservada
em repouso e movimento assincrônico do septo interventricular (Figura 5).

Figura 5
Ecocardiograma com leve aumento do ventrículo esquerdo (dimensão sistólica de 4,0cm e diastólica de 5,8cm). Fração
de ejeção (Teichholz) de 58%. Função sistólica preservada em repouso e movimento assincrônico do septo
interventricular.
4. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar a causa da disfunção
ventricular?

Normalmente a frequência cardíaca (FC) média nas 24h, avaliada pelo Holter, situa-se
entre 60-70bpm. A ocorrência de FC média aumentada pela presença de quantidade
elevada e frequente de ectopias pode, por si só, levar ao aparecimento de disfunção
ventricular. Cardiomiopatia induzida por taquicardias supraventriculares5,6 e
ventriculares7 incessantes tem sido descrita, bem como sua reversão quando o processo
taquicárdico é revertido. Como contraponto, as miocardiopatias podem estar
acompanhadas de arritmias ventriculares de diferentes morfologias e complexidades
como ESV e surtos de TVN. A ocorrência de taquicardiomiopatia é normalmente
acompanhada de morfologia de ESV ou TVN, ou pelo menos uma delas é mais
prevalente, enquanto que na presença de miocardiopatias existem diferentes ectopias,
traduzindo processo mais difuso da doença miocárdica.

5. Existe algum tratamento para esses casos?

O tratamento de pacientes com extrassístoles e/ou taquicardia ventricular não


sustentada depende de alguns balizadores, dentre eles: presença de cardiopatia
estrutural, sintomas e resposta à medicação antiarrítmica.

Em pacientes com coração estruturalmente normal, a extrassístole de via de saída de


VD é a mais frequente, raramente ocorre morte súbita nesse grupo, entretanto esses
pacientes são comumente sintomáticos, sendo necessário o uso de antiarrítmicos. A
ablação por cateter deve ser considerada em alguns casos selecionados. O sucesso da
ablação das taquiarritmias ventriculares idiopáticas é cerca de 85%8.

Em pacientes sintomáticos com TV sustentada de VD e de VE refratária ao tratamento


medicamentoso ou quando houver intolerância às drogas, há indicação de ablação
(Recomendação A Nível 2)9.

A indicação de ablação está presente em pacientes sintomáticos com TVNS refratária


ao tratamento medicamentoso, ou quando houver intolerância às drogas (Recomendação
B1 Nível 4)8,9.

A ablação é o tratamento para pacientes com ESV frequente e sintomática,


predominantemente monomórfica, de difícil controle medicamentoso, intolerantes a
drogas ou que não desejam usar medicação (Classe IIa Nível de evidência C)9.

Ablação por radiofrequência de pacientes com ESV assintomáticos deve ser


considerada quando as ESV são muito frequentes para evitar ou tratar a
taquicardiomiopatia (Classe IIb Nível de evidência C)9.

Considerando as indicações das diretrizes, o paciente foi submetido a estudo


eletrofisiológico (EEF) e ablação por radiofrequência, com mapeamento minucioso do
ventrículo esquerdo por via retrógrada. A Figura 6 mostra o ritmo bigeminado
incessante durante o início do EEF no momento em que o cateter foi posicionado na
região basal, lateral esquerda e válvula mitral. Nessa região foi registrado um
eletrograma pelo cateter de mapeamento, com uma precocidade de 100ms sugerindo
que essa posição era a origem da ESV (Figura 7).

A Figura 8 mostra a posição radiológica do cateter de ablação, nas duas oblíquas


direita e esquerda, respectivamente, OAD e OAE. Nessa região-alvo foi realizada
estimulação (pace-mapping), visando a obter uma concordância nas 12 derivações, ou
seja, similaridade do complexo QRS estimulado com o QRS da ESV, indicando que o
local da estimulação é o mesmo da origem da ESV (Figura 9).

Considerando esses achados, foi realizada aplicação de energia de RF (ablação) nessa


região (Figura 10), com desaparecimento das ESV (Figura 11). A Figura 12 mostra o
ECG pré e pós-ablação.
Figura 6
Estudo eletrofisiológico com ritmo bigeminado incessante.

Figura 7
Estudo eletrofisiológico do paciente, registrando eletrograma pelo cateter de mapeamento com uma precocidade de
100ms, sugerindo que essa posição seja a origem da extrassístole ventricular.

Figura 8
Estudo eletrofisiológico. Mostra a posição radiológica do cateter de ablação, nas duas oblíquas direita e esquerda,
respectivamente, OAD e OAE.
OAE=oblíqua anterior esquerda; OAD=oblíqua anterior direita

Figura 9
Estudo eletrofisiológico com estimulação (pace-mapping), visando a obter uma concordância nas 12 derivações com
similaridade do complexo QRS estimulado com o QRS da extrassístole ventricular, indicando que o local da
estimulação é o mesmo da origem da extrassístole ventricular.
Figura 10
Estudo eletrofisiológico com aplicação de energia de radiofrequência na ablação.
Figura 11
Estudo eletrofisiológico demonstrando o desaparecimento das extrassístoles ventriculares após ablação.
Figura 12
Eletrocardiograma pré-ablação e pós-ablação.

Após a ablação foi repetido o Holter, que evidenciou redução importante no número de
ESV, ficando com 311 ESV e assintomático. A Figura 13 exibe o gráfico de incidência
de ectopias ventriculares antes e depois da ablação, demonstrando a diminuição
significativa das arritmias ventriculares.

No follow-up de um mês foi possível demonstrar regressão dos sintomas e o ECG sem
ESV. O ecocardiograma mostrou normalização da FE com diminuição dos diâmetros
cavitários (Figura 14).

Em conclusão, pacientes com extrassístole de alta incidência com caráter incessante


podem se beneficiar clinicamente da eliminação da arritmia ventricular. A presença de
taquicardiomiopatia é uma indicação robusta do procedimento de ablação por cateter.
Pré-ablação

Pós-ablação

Figura 13
Estudo eletrofisiológico com gráfico de incidência de ectopias ventriculares antes e depois da ablação com diminuição
significativa das arritmias ventriculares.
Figura 14
Eletrocardiograma da paciente após ablação.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
1. Hiss RG, Lamb LE. Electrocardiographic findings in 122,043 individuals.
Circulation. 1962;25:947-61.
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Cardiovascular (SBCCV); Departamento de Estimulação Cardíaca Artificial
(DECA) da SBCCV. Diretriz para Avaliação e Tratamento de Pacientes com
Arritmias Cardíacas. Arq Bras Cardiol. 2002;79(supl. 5):1-50.
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European Society of Cardiology Committee for Practice Guidelines;
European Heart Rhythm Association; Heart Rhythm Society. ACC/AHA/ESC
2006 Guidelines for Management of Patients with Ventricular Arrhythmias
and the Prevention of Sudden Cardiac Death. A report of the American
College of Cardiology/American Heart Association Task Force and the
European Society of Cardiology Committee for Practice Guidelines (Writing
Committee do develop Guidelines for Management of Patients with
Ventricular Arrhythmias and the Prevention of Sudden Cardiac Death)
developed in collaboration with the European Heart Rhythm Association and
the Heart Rhythm Society. Europace. 2006;8(9):746-837.
TAQUICARDIAS SUPRAVENTRICULARES
PARTE 1

Rodrigo Periquito Cosenza

CASO CLÍNICO
Paciente de 23 anos, com história de palpitações desde os 16 anos de idade, de início e
término súbitos, em precórdio, com duração de cerca de 15min, término espontâneo e
sem relação com o esforço.

Esteve diversas vezes em pronto-atendimentos durante as crises de palpitações, porém


nunca houve registro de arritmias pelo eletrocardiograma basal (ECG).
PA =116x54mmHg; FC =74bpm; ACV: RCR 2T, BNF, sem sopros
Ecocardiograma transtorácico normal.
ECG de repouso pode ser observado na Figura 1.
Figura 1
ECG basal, revelando intervalo PR curto e presença de onda delta.

OBJETIVOS
1. Descrever o mecanismo das taquiarritmias nas síndromes de pré-excitação
ventricular.
2. Apresentar as características clínicas e avaliação de risco da síndrome.
3. Analisar as possibilidades de tratamento clínico e invasivo por estudo
eletrofisiológico e ablação por radiofrequência.

PERGUNTAS
1. Quais são as hipóteses diagnósticas para o caso descrito?
A associação de crises de taquicardias paroxísticas em pacientes jovens com um
padrão eletrocardiográfico de intervalo PR curto e bloqueio de ramo, durante o ritmo
sinusal, foi descrita em 1930 por Wolff-Parkinson-White (WPW)1. A existência desses
achados no ECG de repouso sugere tratar-se de uma arritmia que utiliza uma via
acessória como parte do circuito.

Esses pacientes podem apresentar outras arritmias como, por exemplo, fibrilação atrial
(FA) e flutter que não dependem da via acessória como parte do circuito, mas que
também ativa parte do ventrículo através dela e por isso são chamadas taquicardias
pré-excitadas.

2. Como confirmar o diagnóstico de síndrome de pré-excitação ventricular?

O diagnóstico de síndrome de pré-excitação ventricular não requer exames


complementares sofisticados. A confirmação é realizada pelo ECG de repouso, através
dos seguintes achados: 1- intervalo PR curto (<120ms); 2- presença de onda Delta
(ativação lenta da porção inicial do QRS) e 3- QRS largo. O exame de Holter pode
ajudar no diagnóstico, quando se tratar de via acessória com condução anterógrada
intermitente.

3. Quais são os mecanismos fisiopatológicos para as crises de arritmia?

As vias acessórias são conexões musculares que promovem uma continuidade elétrica
entre o átrio e o ventrículo e podem ser classificadas conforme suas conexões
anatômicas2,3: a) via atrioventricular (feixe de Kent clássico), que une átrio ao
ventrículo pelo anel valvar, tanto mitral quanto tricuspídeo b) via nódulo-ventricular,
que conecta o nódulo AV direto ao ventrículo; e c) via fascículo-ventricular, que
conecta o sistema His-Purkinje ao ventrículo.

Durante o ritmo sinusal, a ativação ventricular ocorre por duas frentes – através do
sistema His-Purkinje (tecido de condução lenta) e através da via acessória (tecido de
condução rápida). Como o impulso atrial passa diretamente para o ventrículo pela via
acessória, sem o atraso da condução nodal, o intervalo PR do ECG encontra-se curto. A
onda Delta é caracterizada pelo alargamento da porção inicial do QRS, em virtude da
ativação ventricular através da via acessória. Como não existe a presença de sistema de
condução nesse momento, a propagação do impulso elétrico no ventrículo ocorre
lentamente, como na extrassístole ventricular. Após o impulso atrial passar pelo nódulo
AV, ocorre uma rápida ativação do restante do ventrículo, através do sistema His-
Purkinje, levando a um estreitamento do restante do QRS no ECG.

A arritmia mais comum na síndrome de pré-excitação ventricular é a taquicardia


reentrante AV (taquicardia ortodrômica), que se apresenta com características
paroxísticas, regular, QRS estreito e frequência cardíaca entre 150bpm e 250bpm.
Durante essa arritmia, os ventrículos são ativados por impulsos que se propagam
anterogradamente através do nódulo AV-His e que retornam para os átrios através de
condução retrógrada pela via acessória (Figura 2).

Figura 2
ECG realizado durante a crise de taquicardia.

A taquicardia antidrômica é clinicamente rara (<6% dos pacientes com WPW)4. A


ativação cardíaca assume um sentido inverso da anterior, com ativação ventricular
através de condução anterógrada pela via acessória e condução retrógrada para os
átrios, pelo His-nódulo AV. O ECG revela QRS largo, com pré-excitação máxima, em
virtude da ativação ventricular exclusivamente pela via acessória.

O terceiro tipo de arritmia na síndrome de WPW corresponde às arritmias atriais pré-


excitadas, sendo as mais importantes a FA e o flutter, que podem evoluir com fibrilação
ventricular. O ECG durante essas arritmias revela irregularidade do RR e QRS de
duração variável, conforme o grau de pré-excitação de cada batimento.

A presença de vias acessórias com condução exclusivamente retrógrada, chamadas


ocultas, pode corresponder a 15-50% das crises de TPSV. Elas são responsáveis por
crises de arritmia (taquicardia ortodrômica), porém o ECG basal não revela a pré-
excitação clássica, já que não existe ativação ventricular anterógrada pela via
acessória.

4. Quais são as comorbidades associadas à Síndrome de WPW?

Apesar de se tratar de alteração congênita, a maior parte dos pacientes portadores de


síndrome de WPW apresenta uma forma esporádica da doença, não estando relacionada
a outra cardiopatia. Algumas famílias revelam alterações genéticas, com mutações do
gen PRKAG25, com cardiomiopatia hipertrófica associada à pré-excitação. Existe
também uma clara associação entre a anomalia de Ebstein e a pré-excitação ventricular.
Nessas duas ultimas condições é comum a presença de mais de uma via acessória.

5. Qual é o prognóstico da síndrome de pré-excitação ventricular?

A história natural e a apresentação clínica dos pacientes com VA são bastante variáveis.
Os pacientes com WPW apresentam sintomas de palpitações, desconforto torácico e
síncope, relacionados às crises de taquicardia ortodrômica. Essa arritmia apresenta
característica benigna, porém pode influenciar enormemente na qualidade de vida do
paciente, além do risco de degeneração para FA.

A incidência de morte súbita nos pacientes com pré-excitação ventricular é de 1:1000


pacientes/ano e está relacionada à fibrilação atrial, conduzida para os ventrículos
através da via acessória, gerando frequências ventriculares muito rápidas e
degeneração para fibrilação ventricular. Os marcadores de risco de morte súbita são6,7:
1) intervalo RR pré-excitado menor que 250ms, durante FA; 2) história de taquicardia
sintomática; 3) múltiplas vias acessórias e 4) doença de Ebstein. A presença de pré-
excitação intermitente já caracteriza que a VA apresenta período refratário longo, com
baixo risco de indução de FV8.

A maior dúvida está exatamente nos pacientes assintomáticos. A fibrilação ventricular,


apesar de rara, é um evento trágico e a maioria dos centros recomenda uma
estratificação do risco da via acessória nesse grupo, inclusive com a realização de
estudo eletrofisiológico9.

6. Qual o papel do estudo eletrofisiológico?


O estudo eletrofisiológico (EEF) permite a localização da via acessória, a avaliação de
suas propriedades de condução e a sua quantificação, servindo como padrão-ouro para
a avaliação de risco. Não há dúvida de que os pacientes que já apresentaram episódios
de fibrilação atrial, com intervalos RR pré-excitados curtos, devem ser submetidos a
EEF e que este deve ser seguido por procedimento de ablação curativa.

A maioria dos pacientes não se encontra nesse grupo de alto risco. Muitos apresentam
crises de taquicardia reentrante AV ortodrômica, sem ter complicado com fibrilação
ventricular e exibem pré-excitação constante no ECG. Como o risco de morte súbita
nesse grupo é bastante variável, a avaliação através de EEF se torna importante. Os
achados do EEF que traduzem maior risco incluem: 1) período refratário anterógrado
<250ms; 2) múltiplas vias acessórias; 3) indutibilidade de taquicardia ortodrômica; e
4) localização septal da via acessória.

Entre os pacientes assintomáticos, o risco de morte súbita é próximo ao da população


geral, porém pode ser a primeira manifestação da doença em 50% dos casos. O EEF
pode demonstrar fibrilação atrial rápida, com intervalo RR <250ms em até 20% desses
pacientes10. Apesar de não ser consenso, a maioria dos centros indica avaliação com
EEF para esses pacientes9. Para aqueles que já atingiram os 40 anos de idade sem
sintomas, torna-se muito pouco provável seu aparecimento a partir dessa idade.

7. Qual o tratamento farmacológico na crise aguda? E em longo prazo?

No momento da crise aguda da taquicardia ortodrômica AV, o tratamento inicial de


escolha é a manobra vagal, que pode ser obtida com a compressão dos seios
carotídeos. Caso não ocorra reversão, devem ser administradas drogas venosas,
preferencialmente adenosina ou bloqueadores de canais de cálcio não di-
hidropiridínicos (verapamil ou diltiazem). A adenosina é a droga de escolha, exceto
nos pacientes asmáticos, devido à sua ação ultrarrápida e meia-vida curta. Ela age
diretamente sobre o nódulo AV, promovendo um período curto de BAVT. Como o
circuito da taquicardia depende da passagem do impulso elétrico pelo nódulo AV,
ocorre sua reversão. Os bloqueadores de canais de cálcio e os betabloqueadores
podem ser usados em pacientes com recorrências das crises, já que apresentam tempo
de ação mais prolongada. Nos pacientes em que ocorre instabilização hemodinâmica, a
cardioversão elétrica sincronizada é a terapia de escolha.

A fibrilação atrial pré-excitada representa risco de degeneração para fibrilação


ventricular e deve ser tratada com cardioversão elétrica imediata.
As drogas utilizadas em longo prazo para a profilaxia das crises de arritmias podem ter
ação sobre a condução do nódulo AV (bloqueadores de canais de cálcio,
betabloqueadores, digoxina) ou podem atuar na condutividade dos átrios, dos
ventrículos ou da via acessória (antiarrítmicos classes Ia, Ic e III). As drogas de
escolha são a propafenona e o sotalol. A amiodarona não revelou qualquer vantagem
em relação às demais no controle das crises de arritmia11. Esta informação, acrescida
dos conhecidos efeitos colaterais de seu uso em longo prazo, fazem a amiodarona ser
pouco utilizada nesta situação.

8. Quando indicar a ablação por radiofrequência?

A ablação é efetuada junto com o estudo eletrofisiológico. Esse procedimento é


realizado através de punções de veias femorais e, em algumas situações, através de
punção da artéria femoral. Cateteres com capacidades de registro de sinais elétricos
locais, estimulação cardíaca e aplicação de radiofrequência são posicionados dentro
das câmaras cardíacas. Uma vez identificada a localização da via acessória, é realizada
sua cauterização através de aplicações de radiofrequência. As vias acessórias
localizadas no anel da válvula tricúspide podem ser acessadas diretamente com cateter
ascendendo pela veia femoral. Já as vias acessórias posicionadas no anel mitral são
localizadas com cateter ascendendo retrogradamente pela aorta ou através de punção do
septo interatrial.

A taxa de sucesso inicial da ablação é de 95%12. Em aproximadamente 5% dos casos


pode ocorrer sua recorrência após o sucesso, em virtude da resolução de inflamação e
edema local pós-ablação.

A taxa de complicação da ablação é baixa (1,82%)13, fazendo deste um procedimento


muito seguro. As complicações mais comuns são hematomas, lesões vasculares,
pseudoaneurisma, fístula arteriovenosa, lesão valvar, perfuração cardíaca e
tamponamento e bloqueio atrioventricular (BAVT).

Conforme as indicações da diretriz do ACC/AHA/ESC14 pacientes com pré-excitação


ventricular e taquicardia sintomática apresentam indicação classe I para a realização de
EEF e ablação. O uso de drogas antiarrítmicas apresenta indicação IIa nesses casos.
Nos pacientes com WPW e que já experimentaram crises de FA, está indicada a
realização de ablação (classe I), sem possibilidade de tratamento farmacológico.
Pacientes com pré-excitação ventricular, assintomáticos, apresentam indicação classe
IIa para a realização de ablação.

O paciente do caso em questão apresenta sintomas de palpitações, além de pré-


excitação e, por isso, deverá ser submetido a EEF e à ablação (Figura 3).

Figura 3
ECG pós-ablação, revelando desaparecimento da onda delta e intervalo PR normal.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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Arrhythmias. ACC/AHA/ESC Guidelines for the Management of Patients
with Supraventricular Arrhythmias--executive summary: a report of the
American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on
Practice Guidelines and the European Society of Cardiology Committee for
Practice Guidelines (Writing Committee to Develop Guidelines for the
Management of Patients with Supraventricular Arrhythmias). Circulation.
2003;108(15):1871-909.
TAQUICARDIAS SUPRAVENTRICULARES
PARTE 2

Rodrigo Periquito Cosenza

CASO CLÍNICO

Paciente feminina, 32 anos, com crises de palpitações há aproximadamente 15 anos, de


início e término súbitos, associadas à pré-sincope e sudorese. Os episódios duram
cerca de 10min e apresentam alívio espontâneo. As palpitações são mais bem
percebidas em região do pescoço, com sensação de “coração saindo pela boca”. A
paciente já esteve várias vezes em emergências hospitalares.

Diagnóstico de transtorno de ansiedade, fazendo uso regular de paroxetina 10mg por


dia e alprazolam na dose de 0,5mg.
Ecocardiograma: presença de um pequeno prolapso da válvula mitral
Eletrocardiograma basal (ECG): normal (Figura 1).

Foi novamente admitida no hospital por palpitações com as mesmas características,


sendo esta última crise iniciada há cerca de duas horas.
ECG da admissão mostrou taquiarritmia com complexos QRS estreitos (Figura 2).

Figura 1
Eletrocardiograma basal: normal

Figura 2
Eletrocardiograma mostrando taquiarritmia com complexos QRS estreitos.

OBJETIVOS
1. Discutir possibilidades diagnósticas para TPSV.
2. Explicar o mecanismo da taquicardia supraventricular.
3. Descrever a apresentação clínica de taquicardia supraventricular.
4. Discutir as possibilidades de tratamento clínico e invasivo de TPSV.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso apresentado?

A taquicardia paroxística supraventricular (TPSV) corresponde a qualquer


taquiarritmia iniciada nos átrios, acima da região da junção AV. Sua incidência é de
35:100.000 pessoas/ano1. Podem ser classificadas em vários tipos, conforme seu
mecanismo:

1. taquicardia reentrante nodal


2. taquicardia ortodrômica mediada por vias acessórias
3. taquicardias atriais
4. flutter / fibrilação atrial
5. taquicardia sinusal
6. taquicardia juncional

O caso em questão trata de taquicardia por reentrada nodal. Esta corresponde há cerca
de 50% das TPSV, sendo bem mais comum em mulheres, na terceira década de vida.
Encontra-se ainda alta incidência próxima aos 60 anos de idade. A frequência cardíaca
oscila entre 100bpm e 280bpm. Diferente das outras arritmias, as palpitações na
taquicardia por reentrada nodal (TRN) são mais bem percebidas em pescoço e não no
precórdio.

Outros sintomas associados são: sudorese, lipotímia e síncope, poliúria e palidez


cutânea. Como se observa, esses sintomas estão também presentes em transtornos de
ansiedade (fazem parte dos critérios diagnósticos pela DSM-IV), sendo o principal
diagnóstico diferencial neste caso. Por esse motivo o diagnóstico da TRN pode ser
retardado em até 20 anos, desde o início dos sintomas.

Outra confusão diagnóstica é o prolapso de válvula mitral (PVM). Por ser tratar de
arritmia de pacientes jovens, sem cardiopatias, o PVM pode ser evidenciado ao acaso
durante investigação, sem que tenha qualquer relação com o quadro clínico.

2. Como confirmar o diagnóstico?

O diagnóstico de palpitações por TRN é bem simples quanto existe o registro do ECG
durante a crise. O ECG característico revela taquicardia com QRS estreito (menor
120ms), RR regular e intervalo RP’ curto (distância entre o início do QRS e a onda P
retrógrada), gerando uma onda pseudo-r’ em V1. No entanto a maioria dos pacientes
pode passar longos anos sem conseguir documentar as crises, já que estas apresentam
duração variável e pode ocorrer resolução espontânea antes da avaliação médica em
emergências.

A TPSV com QRS largo (maior 120ms) pode ocorrer quando um dos ramos se torna
refratário na presença de frequência cardíaca elevada ou pela sequência ciclo longo-
ciclo curto (fenômeno de Ashman).

Pacientes com TPSV frequentemente se encontram assintomáticos durante a avaliação


médica. Por isso a valorização da história clínica é fundamental para o diagnóstico. A
presença de palpitações irregulares sugere a presença de fibrilação atrial/flutter.
Extrassístoles são geralmente percebidas como pausas cardíacas, seguidas pela
sensação de batimento cardíaco mais forte. Pacientes sem cardiopatias, com crises de
palpitações, principalmente se sentidas em pescoço, de início e término súbitos,
associadas ou não a outros sintomas, podem apresentar TRN mesmo sem o registro pelo
ECG. Ao contrário disso, são diagnosticados como ansiedade e pânico. Síncope é
observada em até 15% dos pacientes com TPSV2.

O ecocardiograma é fundamental para excluir doença estrutural cardíaca, mas não


revela alterações específicas relacionadas à TRN.
O ECG de repouso também não apresenta alterações específicas para TRN, porém
exclui a presença de áreas de fibrose, hipertrofias, QT longo e a presença de pré-
excitação ventricular.

O Holter de 24h tem pouco valor nessa investigação, já que depende da presença de
sintomas exatamente nas 24h de monitorização, exceto para os pacientes que
apresentam sintomas frequentes (várias crises por semana). O monitor de eventos (até
14 dias) tem melhor indicação.

O teste de esforço também tem pouca utilização, a não ser nos casos em que a arritmia
seja iniciada por esforço.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico da taquicardia supraventricular?

A indução da TRN depende da existência de mecanismo de dupla-via nodal. A presença


de duas vias, uma de condução atrioventricular (AV) rápida e outra de condução lenta,
não corresponde apenas à dissociação longitudinal da condução nodal. Evidências mais
atuais sugerem que essas vias representem diferentes conexões atrionodais3,4, estando a
área de condução rápida superior ao tendão de Todaro (fora do trígono de Koch) e a
zona de condução lenta entre o anel tricúspide e o seio coronariano5.

Durante o ritmo sinusal, o impulso elétrico se propaga para o ventrículo através da via
de condução rápida (beta), que apresenta período refratário longo, e produz o complexo
QRS. O mesmo impulso sinusal também se propaga pela via lenta (alfa), que apresenta
período refratário mais curto, e atinge o nódulo AV/Feixe de His após este ter sido
ativado pela via de condução rápida beta, encontrando-se em período refratário.

Um extraestímulo atrial pode ser bloqueado na via rápida, por apresentar período
refratário mais longo, sendo conduzido para os ventrículos pela via lenta. Isso provoca
um prolongamento do intervalo PR. O atraso da condução AV pela via lenta pode ser
suficiente para que a via rápida recupere a sua excitabilidade, conduzindo o impulso
elétrico retrogradamente para os átrios, o que dará inicio à taquicardia conforme
esquema a seguir (Figura 3).

Figura 3
Mecanismo da forma comum de TRN
Em A: mecanismo de dupla-via nodal
Em B: ativação ventricular durante o ritmo sinusal
Em C: ativação atrioventricular durante a taquicardia

Este mecanismo corresponde à descrição da forma comum da TRN, tipo lenta/rápida.


No entanto podem ocorrer apresentações incomuns, como rápida/lenta e lenta/lenta.

A característica eletrocardiográfica dessa arritmia, com QRS estreito e intervalo RP’


curto (início do QRS até a onda P retrógrada), ocorre exatamente do fato de existir uma
ativação quase simultânea anterógrada para os ventrículos e retrógrada para os átrios
(Figura 4).

Figura 4
Primeira parte do ECG revelando taquicardia por reentrada nodal. Observe a presença de onda P’ retrógrada muito
próxima ao QRS (intervalo RP’ curto), assemelhando-se à onda R’. Segunda parte do ECG em ritmo sinusal.
Observe o desaparecimento da pseudo-onda R’.

4. Quais as comorbidades associadas à TRN?

Os pacientes que apresentam crises de palpitações por taquicardia reentrante nodal são
geralmente jovens e saudáveis, por isso a dificuldade no diagnóstico. Não existem
comorbidades ou outras condições predisponentes para esta arritmia.

5. Qual o prognóstico das TPSV?

As TPSV apresentam características de arritmias benignas, por não levarem a risco de


morte súbita. Apesar dessa benignidade, elas acarretam uma série de complicações
para os pacientes, como admissões hospitalares repetidas, internações em CTI, perda
de capacidade laborativa, síncopes com riscos de acidentes pessoais, crises de
ansiedade, algumas vezes taquicardiomiopatia e efeitos colaterais pelo uso prolongado
de drogas antiarrítmicas.

6. Qual o tratamento da fase aguda da crise? E a longo prazo?

Manobras vagais, como compressão carotídea, são as primeiras medidas a serem


adotadas nas TPSV. Se não houver resposta, drogas antiarrítmicas devem ser
administradas para pacientes hemodinamicamente estáveis. A adenosina ou
bloqueadores de canais de cálcio são os agentes de escolha. A vantagem da adenosina
está no seu início de ação muito rápido e meia-vida curta, sendo a droga de escolha,
exceto nos pacientes com história de asma. Seu principal efeito adverso é a indução de
fibrilação atrial (1% a 15%), sendo esta, geralmente, transitória.

Bloqueadores de canais de cálcio ou betabloqueadores podem ser escolhidos para


pacientes com recorrência da arritmia após sua reversão ou para aqueles com
extrassístoles atriais frequentes, que podem servir como gatilho para desencadear nova
taquicardia. Amiodarona não deve ser utilizada em virtude de ter seu tempo de início
de ação prolongado.

A cardioversão elétrica sincronizada ou a adenosina são as medidas de escolha para


pacientes com instabilidade clínica e sinais de baixo débito.

Pacientes com sintomas recorrentes e que preferem tratamento medicamentoso oral a


longo prazo, em vez de ablação por radiofrequência, devem ser tratados inicialmente
com bloqueadores de canais de cálcio, betabloqueadores ou digoxina6-8. Propafenona
pode ser usado nos pacientes que não responderem às primeiras opções9. A taxa de
controle clínico com o emprego dessas drogas fica em torno de 30-50%.

7. Qual a indicação para a realização de ablação por radiofrequência?

A ablação por radiofrequência corresponde ao tratamento a longo prazo de escolha. A


técnica inicial consistia na ablação da via rápida, junto ao ápex do trígono de Koch,
resultando em taxa de sucesso de 90%, porém com 5% a 10% de BAVT10,11. A
alteração da técnica para ablação da região anatômica da via lenta resultou em uma taxa
de cura da arritmia de 96,1%, com 1% de BAVT12.

Por não se tratar de arritmia com iminente risco de morte, a indicação de ablação
dependerá de fatores clínicos e da preferência do paciente. A decisão terapêutica será
influenciada pela frequência e duração dos sintomas, resposta ao tratamento clínico,
tolerância à crise, resposta ao tratamento clínico e necessidade de uso de drogas a
longo prazo.

Conforme a última diretriz da AHA/ACC13, a ablação por radiofrequência apresenta


recomendação classe I para pacientes com crises de TRN e instabilidade
hemodinâmica; para pacientes com sintomas recorrentes ou para aqueles que
apresentam sintomas esporádicos ou únicos e que não desejam fazer uso de
medicações.

Drogas como o verapamil, diltiazem e betabloqueadores apresentam indicação classe


IIa para os pacientes com instabilidade hemodinâmica e classe I para pacientes com
sintomas recorrentes.

A paciente do caso em questão já apresenta sintomas há 15 anos, recorrentes, sendo,


portanto, indicada a realização de estudo eletrofisiológico e ablação por
radiofrequência.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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Arrhythmias. ACC/AHA/ESC Guidelines for the Management of Patients
with Supraventricular Arrhythmias--executive summary: a report of the
American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on
Practice Guidelines and the European Society of Cardiology Committee for
Practice Guidelines (Writing Committee to Develop Guidelines for the
Management of Patients with Supraventricular Arrhythmias). Circulation.
2003;108(15):1871-909.
Seção 5. Doença Reumática e Valvar

Febre Reumática
Insuficiência Mitral
Prolapso Valvar Mitral
Estenose Mitral
Insuficiência Aórtica
Estenose Aórtica
Doença Mitroaórtica
Abordagem da Insuficiência Tricúspide: Fatores Determinantes
Endocardite Infecciosa Subaguda: Abordagem Diagnóstica e Terapêutica
Prótese Valvar em Mulher Jovem x Anticoagulação
FEBRE REUMÁTICA

Maria Eulália Thebit Pfeiffer


Regina Elizabeth Müller

CASO CLÍNICO
Dados básicos: adolescente, sexo feminino, 13 anos, peso 45kg, altura 1,50cm.
Doença principal: FReu
Comorbidades: amigdalites de repetição
Fatores de risco cardiovascular: avó materna hipertensa; primo paterno com FReu.

Quadro clínico:
Adolescente atendida em setor de emergência com queixas de febre moderada e
dores articulares intensas, acompanhadas de edema e calor locais há alguns dias,
inicialmente em joelho direito passando ao esquerdo, com impotência funcional.
Concomitante a esse quadro, tem sentido cansaço aos esforços, dor precordial e
taquicardia.

Outros dados relevantes:


Relata história de episódio de amigdalite há aproximadamente um mês, sem
tratamento adequado. Há um ano apresentou dores articulares menos intensas, em
diversas articulações, após um “quadro viral”, que evoluíram favoravelmente com
analgésicos e repouso por orientação médica.

Exame físico:
Bom estado geral, acianótica, palidez cutâneo-mucosa, leve taquipneia, sem
edemas. TAx. 37,5°C
PA =100/60mmHg; FC =120bpm; pulsos palpáveis com amplitude um pouco
diminuída; jugulares não túrgidas.
ACP: RCR 3T B1 hipofonética, B2 normofonética, presença de B3
SSR ++/4+ em FM com irradiação para axila esquerda
Pulmões limpos
Abdome sem visceromegalias
Membros inferiores sem edema. Dor à palpação do joelho esquerdo, com edema e
calor locais.
Medicação em uso: sem medicação até atendimento em setor de emergência.

Exames complementares
ECG: taquicardia sinusal. PR =0,20s. Sinais de hipertrofia ventricular esquerda.
Radiografia de tórax (RX): cardiomegalia leve a moderada; congestão venocapilar
pulmonar.

OBJETIVOS
1. Analisar um caso de clínico de febre reumática aguda com ênfase na forma
clássica da doença, reiterando a diversidade desse aspecto e a importância
da história no diagnóstico.
2. Apresentar as possibilidades de diagnóstico diferencial e os critérios
clínicos e laboratoriais disponíveis para a confirmação da doença.
3. Traçar as condutas terapêuticas mais bem indicadas em cada situação clínica
e nos diferentes graus de comprometimento do aparelho cardiovascular e de
outros sistemas envolvidos.
4. Destacar a importância do tratamento profilático primário e secundário da
febre reumática no contexto epidemiológico da prevenção de novos surtos e
também na redução de sua prevalência.
PERGUNTAS
1. Qual o diagnóstico mais provável neste caso, e que diagnósticos diferenciais
devem ser excluídos com base na história clínica?

O quadro descrito é altamente sugestivo de febre reumática aguda. A febre reumática


(FReu) é uma doença sistêmica, inflamatória, não supurativa com base imunológica,
autolimitada, que se manifesta após faringoamigdalites estreptocócicas, atingindo
vários sistemas do organismo e deixando, frequentemente, sequelas cardíacas em
indivíduos susceptíveis.

Acomete pessoas geralmente na faixa etária de 5-15 anos e é considerada a maior causa
de cardiopatia adquirida em crianças e jovens nos países subdesenvolvidos e em
desenvolvimento, representando no Brasil um sério problema de saúde pública, pois é
responsável por um grande número de admissões hospitalares e cirurgias cardíacas
para tratamento das sequelas valvares. Comprometendo pessoas jovens, em fase de
formação escolar e crescimento profissional, acarreta ônus familiar e social bastante
relevantes1-3.

No caso em questão, trata-se de uma criança de 13 anos, com história de amigdalites de


repetição, sem tratamento adequado, que já havia apresentado um episódio de
poliartralgia em surto anterior, aparentemente sem confirmação de comprometimento
cardiovascular, cujo diagnóstico não foi realizado e não houve tratamento adequado e,
consequentemente, não houve prevenção para novos surtos.

Nesse segundo episódio, a paciente apresenta além da poliartrite e febre, sinais de


comprometimento cardíovascular, com história de quadro de amigdalite prévia, o que
reforça a hipótese diagnóstica. A poliartrite é bem típica, em grandes articulações,
migratória, gerando impotência funcional, com dor muito intensa e flogose.

Deve-se fazer o diagnóstico diferencial com outras doenças que apresentam


características semelhantes como as doenças reumatológicas, dentre elas o lúpus
eritematoso sistêmico e a artrite idiopática juvenil; a anemia falciforme,
miopericardites virais e infecciosas; leucemias; endocardite infecciosa e várias
outras2,4. Cada doença, entretanto, tem suas peculiaridades. É muito importante a
caracterização do comprometimento articular que nessas doenças é mais atípico, da
mesma forma que as alterações cardíacas são de menor monta e, geralmente, não
apresentam antecedentes de amigdalite estreptocóccica5.
O diagnóstico da febre reumática pode se constituir em grande desafio para os clínicos,
pediatras e cardiologistas, devido à semelhança com várias outras entidades, à sua
diversidade clínica, e por não haver exames laboratoriais específicos. Daí a
importância das informações serem bem colhidas na história e da cronologia dos dados
que serão associados aos exames complementares.

2. O que se deve considerar em relação aos aspectos epidemiológicos da FReu?

A febre reumática (FReu) é considerada importante problema de saúde pública,


principalmente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, sendo chamada de
“doença de países pobres”, onde se estima seja responsável por 60% das doenças
cardiovasculares em crianças e adultos jovens. É uma complicação tardia de infecções
da orofaringe, em indivíduos geneticamente suscetíveis, causadas pelo estreptococo
beta-hemolítico do grupo A de Lancefield (EBGA) que responde por 15-20% do total
de faringoamigdalites, tendo uma incidência variável de acordo com o país, fatores
socioambientais, idade do paciente e condições assistenciais de saúde3,6.

É uma doença de distribuição universal, cuja prevalência muito alta no século passado
apresentou queda importante após o maior acesso ao uso de antibióticos, na segunda
metade do século XX, mas de maneira mais significativa nos países desenvolvidos7.
Acredita-se que essa redução seja devida não somente ao uso de antibióticos, mas às
melhores condições socioeconômicas e provável menor virulência das cepas
estreptocócicas. Em países como Japão, Inglaterra e Estados Unidos, estima-se uma
prevalência média abaixo de 0,5-1:100.000 habitantes8. Entretanto, nas duas últimas
décadas, tem sido observado um novo aumento da incidência, principalmente na
América do Norte e Europa, associada a formas mais agressivas do agente
estreptocócico, como os sorotipos M1, M5 e M189.

Em países como Índia, China, Indonésia e Paquistão, a prevalência da doença é


bastante alta e responde por um número significativo de óbitos. Na Índia, a prevalência
da FReu é estimada em 0,5 a 11/1000. A estimativa da Organização Mundial de Saúde8
em 2005 é de 15,6 milhões de pacientes portadores de cardiopatia reumática, com um
número aproximado de 233.000 mortes/ano8.

Há poucos estudos epidemiológicos na América Latina e, no Brasil, a incidência de


faringoamigdalites bacterianas não é bem determinada. De acordo com o censo do
IBGE10 de 2000 e utilizando-se o modelo epidemiológico da OMS, estima-se que
ocorram 10 milhões de faringoamigdalites estreptocócicas/ano, com um total de 30.000
novos casos/ano de FReu, dos quais 50% deles poderiam apresentar complicações
cardíacas10.

Segundo alguns estudos em escolares no Brasil, a prevalência estimada é de 1-7


casos/1000 crianças. Embora se tenha observado redução nos números da doença em
relação às internações hospitalares, essa prevalência é consideravelmente mais alta que
aquela de países desenvolvidos, mostrando claramente a necessidade de maiores
investimentos no controle e prevenção da FReu no Brasil11,12.

3. Quais são os mecanismos etiopatogênicos da FReu que explicam este quadro?

A FReu é desencadeada pelo EBGA, através da infecção na orofaringe de indivíduos


geneticamente suscetíveis que não foram tratados adequadamente, principalmente
crianças e adolescentes. A doença decorre de uma extensa e complexa rede de
alterações imunológicas consequentes a essa infecção. Sabe-se que há uma associação
da doença reumática a diversos alelos HLA de classe II e que cada população tem seu
marcador, sendo os alelos HLA-DR7 e DR53 os mais frequentemente encontrados.
Outros marcadores genéticos, associados à doença, também foram identificados, como
os alelos que codificam para a produção de proteínas pró-inflamatórias como TNF-α7.

As reações autoimunes, que geram as lesões reumáticas teciduais, ocorrem por


mimetismo molecular entre o EBGA e as proteínas teciduais. Na estrutura do EBGA
foram identificadas proteínas M, T e R envolvidas no mecanismo de aderência da
bactéria à orofaringe, principalmente a proteína M. Essa proteína possui estrutura
semelhante às proteínas humanas, como a miosina cardíaca e a tropomiosina, formando
a base da resposta imune à infecção e levando às lesões agudas e crônicas da FR6.

Os anticorpos e linfócitos T do paciente, dirigidos contra os antígenos da bactéria,


também reconhecem estruturas do paciente, iniciando o processo autoimune. Essa
resposta parece ser mais intensa nos pacientes com cardite grave. Os anticorpos
reativos se fixam ao endotélio valvar e favorecem a infiltração por macrófagos,
neutrófilos e principalmente linfócitos T, gerando inflamação e necrose locais.

Os nódulos de Ashoff, considerados patognomônicos da FReu, são compostos por


macrófagos e monócitos e produzem várias citocinas inflamatórias que influenciam a
evolução da doença. A citocina IL-4, reguladora de inflamação, tem baixa produção nas
células das regiões valvares que se correlacionam com a progressão da lesão valvar,
enquanto no miocárdio há maior produção dessa citocina, levando à cura da miocardite
em algumas semanas6,13 .

4. Quais são os critérios clínicos e exames necessários para confirmação


diagnóstica da FReu?

O diagnóstico de FReu é basicamente clínico, não havendo exames laboratoriais


específicos ou sinais patognomônicos que confirmem a doença. Ele é feito através da
associação dos quadros clínico e laboratorial, que atestam a presença do processo
inflamatório e da infecção estreptocócica, além de ajudar no processo evolutivo da
doença.

A confirmação diagnóstica às vezes se torna difícil dada à variabilidade das


manifestações clínicas, ocorrendo, com certa frequência, diagnósticos errados. Em
1944, Duckett Jones14 estabeleceu critérios diagnósticos maiores ou menores, conforme
a especificidade que, após algumas revisões, permanecem atuais, sendo muito úteis
para o clínico. A última revisão foi realizada em 2002 pela American Heart
Association15 (AHA), sendo utilizada para o diagnóstico dos casos de primeiro surto.
Nova revisão pela OMS3, em 2004, contempla os casos de recorrência ou cronicidade.
Pode-se dizer que existe alta probabilidade da doença quando há evidências de
estreptococcia anterior, com aumento dos níveis de antiestreptolisina-O (ASLO) e a
presença de dois critérios considerados maiores, ou um maior e dois menores (Quadro
1)15.

Quadro 1
Critérios de Jones revisados em 2002
A artrite é a manifestação mais frequente da FReu, ocorrendo em 60-80% dos casos; é
autolimitada e não deixa sequelas. Está, com frequência, associada à cardite ou outros
sinais maiores. A forma típica da doença ocorre de duas a quatro semanas, em média,
após a infecção estreptocóccica, podendo envolver várias articulações, geralmente as
maiores, de caráter migratório, até cinco dias em cada articulação. Ocorrem: limitação
aos movimentos e sinais de edema e calor locais, sendo a dor intensa, porém
respondem bem aos salicilatos. À parte desse quadro típico, podem ocorrer
monoartrite, acometimento de pequenas articulações e resposta insatisfatória aos
salicilatos3.

A cardite é a manifestação mais grave da doença, pode deixar sequelas orovalvares e


causar óbito, ocorrendo em 40-70% dos casos, geralmente após três a quatro semanas
da fase aguda. Caracteriza-se por pancardite em graus variáveis de intensidade e
repercussão, desde inaparente à grave, com sinais de insuficiência cardíaca16.

A coreia de Sydenham (CS) ocorre geralmente em pacientes do sexo feminino, rara nos
maiores de 20 anos, cuja prevalência varia entre 5-36%, de apresentação mais tardia,
até seis meses após a estreptococcia. Pode vir isolada ou associada à cardite17. É uma
desordem neurológica, caracterizando-se por movimentos incoordenados e
involuntários, labilidade emocional e disartria.
O eritema marginado se caracteriza por área avermelhada com bordas nítidas,
irregulares e centro claro, principalmente em tronco, fugazes. É raro, ocorrendo em
torno de 3% dos casos. Os nódulos subcutâneos são também pouco frequentes, 2-3%
dos casos, mas muito associados à cardite grave. São arredondados, até 2cm de
diâmetro, firmes, móveis, indolores, na superfície de tendões extensores17.

Os critérios menores são mais inespecíficos, como: febre no início do quadro, sem
características especiais, melhora com anti-inflamatórios; artralgia de grandes
articulações, sem impotência funcional, também migratória, deve ser considerada
apenas na ausência de artrite; o intervalo PR do ECG pode estar aumentado acima de
0,20s. Os reagentes inflamatórios da fase aguda, embora inespecíficos, ajudam na
identificação da inflamação e no seguimento. São utilizados: a velocidade de
hemossedimentação (VHS), que aumenta nas primeiras semanas; a proteína C-reativa
(PCR), que aumenta no início da fase aguda; a alfa-1-glicoproteína ácida, que também
aumenta no início e se mantém mais tempo e a alfa-2-globulina, que também se eleva no
início e se mantém, podendo ser utilizada no seguimento da doença1.

Devem ser solicitados ainda outros exames complementares, como: o


eletrocardiograma (ECG), que é inespecífico, mas pode mostrar o alargamento do
espaço PR e sinais de sobrecarga de câmaras, dentre outras alterações; a radiografia de
tórax, na avaliação da cardiomegalia e congestão pulmonar, que vão estar presentes nos
quadros mais graves. O ecocardiograma tem sido visto como uma ferramenta
diagnóstica muito importante, principalmente nos casos de cardite subclínica, na
avaliação da extensão do comprometimento cardíaco e na avaliação de indicação
cirúrgica18,19.

5. Como diagnosticar a presença e o grau de cardite? É recomendado


hospitalização?

A cardite tende a surgir em torno de quatro a seis semanas após o quadro infeccioso e
pode variar amplamente em sua forma de apresentação, com quadros clínicos muito
leves ou inaparentes até os extremamente graves, geralmente sob a forma de
pancardite1.

Seu diagnóstico pode ser mais difícil quanto mais brando for o acometimento. Essas
situações são preocupantes, pois podem resultar em sequelas cardíacas valvares
importantes.
Os sinais clínicos mais comuns são taquicardia, presença de sopro cardíaco por
insuficiência valvar e insuficiência cardíaca (IC). As válvulas mais acometidas são,
primeiramente a mitral, depois mitral e aórtica e por último, aórtica. É pouco frequente
o acometimento tricúspide e raro o pulmonar. O exame clínico pode mostrar soprologia
sistólica mitral, sopro diastólico da insuficiência aórtica, sopro diastólico em casos de
valvulite mitral (sopro de Carey Coombs) e atrito pericárdico devido à pericardite.
Esta pode vir com derrame pericárdico, em geral leve a moderado, causando
abafamento das bulhas, que não evolui para constrição. Nesses casos, o paciente se
queixa de dor precordial atípica20,21.

A gravidade da cardite e sua apresentação clínica estarão na dependência da


intensidade do comprometimento cardíaco (Quadro 2).

Quadro 2
Formas de apresentação da cardite reumática conforme o nível de gravidade

A paciente em questão apresenta um quadro de poliartrite e cardite de moderada a


grave intensidade, com dor precordial, taquicardia, soprologia mitral e B3. O ECG tem
sinais de sobrecarga esquerda e o RX mostra cardiomegalia e congestão pulmonar.
Deve ser solicitado o ecocardiograma transtorácico bidimensional com Doppler que,
nesse caso, vai mostrar o grau de insuficiência valvar mitral, se há comprometimento
mais significativo do aparelho subvalvar, rotura da cordoalha mitral e prolapso com
falha de coaptação, que podem ocorrer e aumentar a gravidade do processo1,22.

Está indicada a internação hospitalar para melhor avaliação dos sintomas, orientação
ao paciente e introdução da medicação com vistas ao controle da IC e do processo
inflamatório, além da erradicação do foco estreptocócico1,23.

6. Como conduzir o tratamento? Está indicado, neste caso, o uso de corticoide ou


de anti-inflamatórios não hormonais? Qual seria a conduta mais adequada?

O controle da IC é feito à base de diuréticos, vasodilatadores e restrição hídrica. São


utilizados a furosemida 1-6mg/kg/dia, espironolactona 1-3mg/kg/dia e inibidores da
enzima de conversão da angiotensina, o captopril, 1-2mg/kg/dia, ou enalapril 0,5-
1mg/kg/dia. O uso de digital se restringe à presença de disfunção ventricular ou
fibrilação atrial.

O repouso, no caso de cardite moderada a grave, deve ser relativo, por quatro semanas,
na dependência da normalização da provas laboratoriais.

O uso de corticoide está indicado, apesar de não haver evidências da melhora do


prognóstico da lesão, mas reduz o tempo de evolução da doença e a atividade
inflamatória, reduzindo o tempo de internação. Preconiza-se a dose de 1-2mg/kg dia,
máximo 60-80mg/dia, VO, por duas semanas e, a partir daí, regressão gradativa de
aproximadamente 20%/semana, em um total de tratamento de 12 semanas em média.
Pode ser utilizado endovenoso, se houver dificuldades por via oral.

Nos pacientes mais graves ou refratários, pode ser indicada a pulsoterapia com
metilprednisolona venosa, na dose de 30mg/kg/dia, máximo de 1g/dia, durante três dias
e repetir semanalmente, até a melhora do quadro, tomando cuidado com outros focos
infecciosos do paciente. Nos casos de cardite leve, não há consenso, podendo ser
indicado o uso de corticoide ou não, ou então anti-inflamatório não hormonal (AAS),
embora a tendência seja o tratamento com uso de corticoide, pois os pacientes evoluem
com melhora mais rápida1,21,23.

7. Como indicar a profilaxia na erradicação do foco e na prevenção de novos surtos


de FReu?
O tratamento adequado e precoce da amigdalite é fundamental na prevenção do
primeiro surto da febre reumática. Deve ser instituído nos primeiros dias da infecção
da orofaringe, para evitar que indivíduos suscetíveis desenvolvam o surto reumático.
Em meta-análise recente24 sobre o uso de antibióticos para tratamento de infecções de
garganta sugestivas de etiologia estreptocócica, com aspecto purulento e adenomegalia
cervical, foi observada uma redução no risco de febre reumática em 70-80%24.

O tratamento profilático inclui a fase primária e a secundária:

Profilaxia primária: é a erradicação do estreptococo e prevenção de um


primeiro surto, sendo a penicilina o antibiótico de escolha. Em alérgicos, a
primeira opção é a eritromicina.
Profilaxia secundária: é feita através do uso regular do antibiótico na
prevenção de novos surtos, e, para tal, a droga ideal é a penicilina benzatina.
Nos casos de alergia à penicilina, podem ser utilizadas a sulfadiazina ou a
eritromicina.
As recomendações da profilaxia primária e secundária, conforme as
diretrizes brasileiras, estão apresentadas nos Quadros 3 e 4.

Quadro 3
Recomendações para profilaxia primária da FReu
Quadro 4
Recomendações para profilaxia secundária da FReu

8. O que se pode afirmar em relação ao prognóstico dos pacientes com cardiopatia


reumática?

O prognóstico do paciente com cardiopatia reumática depende inicialmente da


evolução da cardite, uma vez que cerca de 3% dos pacientes podem evoluir para óbito
na fase aguda, por IC congestiva11. Complicações anatômicas como a ruptura da
cordoalha mitral ou a perfuração de folhetos valvares pode ser indicativo do tratamento
cirúrgico de urgência nessa fase da doença, para o controle hemodinâmico do
paciente1.
Após o término da fase aguda, o prognóstico do paciente com cardite pode ser muito
favorável com 65% a 75% dos pacientes evoluindo sem complicações futuras24. No
entanto, dados brasileiros apontam a evolução de cardite para cardiopatia reumática
crônica (CRC) em cerca de 70% dos pacientes, tendo sido identificados como fatores
prognósticos para cardiopatia grave: a presença de cardite moderada a grave no surto
inicial, a escolaridade materna abaixo da 4ª série e a ocorrência de recidivas da
doença11.

As recidivas são consequência da falta de adesão à profilaxia secundária da FReu,


fator protetor reconhecido há muitos anos na literatura internacional3,26. Estudo
publicado recentemente de uma coorte no Rio de Janeiro referiu 16,5% de recidivas,
sendo identificados como fatores associados: a idade mais precoce, o sexo masculino e
menor adesão ao tratamento27. As manifestações clínicas nas recidivas em geral
mimetizam o primeiro surto, mas levam a agravamento das lesões valvares28.

A história natural do paciente com CRC traduz a evolução das lesões da válvula mitral
na maioria dos casos. Inicialmente lesões de insuficiência valvar que são bem toleradas
às vezes durante muitos anos, podem evoluir para dupla-lesão mitral ou para
calcificação e fibrose com desenvolvimento de estenose da válvula nos casos mais
graves.

As lesões de insuficiência levam à sobrecarga de volume, dilatação das cavidades


esquerdas (AE e VE) e progressiva disfunção ventricular esquerda; enquanto que as
lesões de estenose levam à sobrecarga de pressão e grande aumento do AE no caso da
estenose mitral (EM). O aumento do AE pode levar ao aparecimento da fibrilação atrial
com consequente tromboembolismo e acidentes vasculares encefálicos (AVE), ou
embolias sistêmicas. A incidência de embolia sistêmica tem sido estimada em 1,5% a
4,7% por ano para os pacientes com CRC mitral, incluindo os AVE. Essa incidência
aumenta de forma significativa após o início da FA, sendo consideravelmente maior
para os pacientes com EM, comparados àqueles com IM pura3.

Outra complicação encontrada nas lesões mitrais é a hipertensão arterial pulmonar,


secundária ao aumento de pressão no AE, que pode ser seguida por disfunção
ventricular direita, edema e ascite.

Finalmente, uma grave comorbidade, muito temida na CRC é a endocardite infecciosa,


com alta morbimortalidade e que, com frequência, evolui para necessidade de
indicação cirúrgica de urgência na vigência de complicações29,30.
O paciente pode necessitar de cirurgia valvar e medicação anticongestiva em qualquer
fase da CRC, que são consideradas medidas de profilaxia terciária da FR31. No entanto,
a indicação cirúrgica na criança deve ser considerada como medida de exceção, e no
adolescente e adulto deve seguir os níveis de recomendação das diretrizes, que levam
em consideração desde a sintomatologia apresentada até a avaliação de risco e
resultados dos procedimentos para cada valvopatia específica32,33.

Há de se lembrar que o desafio lançado por Braunwald et al.em 1976, no sentido de se


buscar uma prótese “ideal” para crianças ainda não foi alcançado. Essa prótese ideal,
segundo os autores, deveria: promover “alívio” adequado para a alteração
hemodinâmica; permitir o crescimento da criança; não causar obstrução intracardíaca;
não ter risco de falha estrutural; estar livre de riscos de tromboembolismo; e apresentar
baixo risco de infecção.34,

9. Existem alternativas a curto ou médio prazo para a erradicação da febre


reumática?

Após a importante queda da incidência de FReu nos países desenvolvidos há cerca de


50 anos, a erradicação da doença parecia estar próxima; entretanto, novos surtos da
doença foram relatados nos Estados Unidos na região de Utah na década de 1980, e
dessa vez em famílias de classe média, a maioria sem história de faringoamigdalite
sintomática e com quadro predominante de cardite9. Ficou claro que ainda havia um
longo caminho a percorrer até a compreensão da fisiopatologia e dos mecanismos
envolvidos nessa doença.

Outra publicação recente relata a persistência da FReu aguda (novos casos) na região
de Abruzzo, na Itália35; os autores têm o cuidado de esclarecer de que não se trata de
pacientes imigrantes, mas sim de crianças de origem italiana, de classe média e sem
dificuldades de acesso a serviços de saúde. Eles concluem afirmando que “a FReu
aguda está longe de ser erradicada, mesmo em países ocidentais desenvolvidos”.

Através dos estudos genéticos é reconhecido hoje que 1% a 5% da população em todo


o mundo tem predisposição a desenvolver a FReu, caso vivencie uma faringoamigdalite
estreptocócica tratada de forma inadequada6. É fundamental, então, buscar oferecer a
esses pacientes o melhor tratamento para as faringoamigdalites bacterianas (profilaxia
primária) e, para os que tiveram o primeiro surto da doença, garantir a administração
de penicilina benzatina regularmente para evitar os novos surtos da doença1,3,31,36.
É necessário, no entanto, obter a adesão dos pacientes à realização dessa terapêutica
com medicação injetável, dolorosa, prolongada, e que não encontra facilitadores na
rede básica de saúde, onde é frequente a resistência dos profissionais de saúde à
aplicação da penicilina27,35,37.

Programas de prevenção têm se mostrado eficazes em outros países, e com alta relação
custo-benefício, tanto para profilaxia primária, quanto para secundária3,38,39. No Brasil,
iniciativas regionais têm sido realizadas ao longo dos últimos 30 anos1,40-44; no entanto,
o Ministério da Saúde ainda não reconheceu a FReu como uma doença negligenciada e
que necessita de organização em todo o território nacional e normatização através de
um programa amplo, com registro de participantes, priorização no atendimento e
internação, controle de faltosos, e medidas educativas garantidas, como está
pressuposto no desenho de um programa de profilaxia eficaz1,3,39,45.

Finalmente, progressos têm sido realizados na pesquisa para o desenvolvimento de uma


vacina antiestreptocócica eficaz, estando no Brasil atualmente a esperança mundial para
os bem sucedidos testes e para a aprovação da StreptInCor. Essa vacina está sendo
desenvolvida pelo Laboratório de Investigação em Imunologia do INCOR (São Paulo)
e deve entrar em teste em humanos em futuro próximo1,46.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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INSUFICIÊNCIA MITRAL

Nádia Barreto Tenório Aoun

CASO CLÍNICO
Dados básicos: paciente masculino, 38 anos, peso 70kg, altura 1,70cm
Doença principal: febre reumática
Comorbidades: amigdalites de repetição, arritmia cardíaca
Fatores de risco cardiovascular: pai hipertenso. Avô paterno coronariopata.

Quadro clínico:
Paciente vem apresentando, nos últimos seis meses, queixas de cansaço aos esforços
anteriormente tolerados como: subir escadas e caminhar mais rápido e ainda episódios
de palpitação relacionados aos esforços maiores.

Outros dados relevantes:


Relata quadro de febre reumática aos 8 anos, com poliartrite migratória e sinais de
insuficiência cardíaca. Na época foi internado para tratamento. Realizou profilaxia
secundária com penicilina benzatina dos 8 aos 21 anos.

Exame físico:
Bom estado geral, eupneico e normocorado.
Aparelho cardiovascular: íctus visível e palpável no 6o EIE, para fora da linha
hemiclavicular anterior. Foi palpado também um frêmito sistólico no foco mitral e B3
na ponta. O ritmo cardíaco era regular com FC =92bpm. A B1 estava hipofonética, o
componente pulmonar da segunda bulha se apresentava hiperfonético e havia a presença
da B3. Foi detectado um sopro holossistólico +++ /4+. Os pulsos eram normais e a PA=
120x80mmHg. O restante do exame físico era normal.

Exames complementares:
O ECG mostra ritmo sinusal, com extrassístoles supraventriculares ocasionais, sinais
de sobrecarga atrial e ventricular esquerdas.

OBJETIVOS
1. Analisar as ferramentas para o diagnóstico clínico da insuficiência mitral.
2. Descrever os aspectos da fisiopatologia da insuficiência mitral.
3. Discutir os aspectos dos principais exames complementares para elucidação
diagnóstica e quantificação da lesão.
4. Discutir as medidas para o tratamento clínico e cirúrgico da insuficiência
mitral.

PERGUNTAS
1. Quais as principais causas da insuficiência mitral?

A insuficiência mitral (IM) é a lesão valvar cardíaca mais prevalente1-3. Nos países em
desenvolvimento, a principal causa dessa alteração é a febre reumática, que provoca
fibrose, rigidez e retração de um ou ambos os folhetos, além da fusão das cordoalhas
tendinosas e músculos papilares, resultando na falha de coaptação dos folhetos durante
a sístole. Nos países desenvolvidos, onde a febre reumática foi praticamente
erradicada, a causa mais comum de IM é o prolapso da valva mitral, seguido das
degenerações com calcificação anular, da endocardite infecciosa, das cardiomiopatias
e das dilatações do anel nas cardiopatias isquêmicas3-5.
2. Como explicar os sintomas da IM?

A maioria dos pacientes permanece assintomática ou oligossintomática por muitos anos.


A presença dos sintomas já é sinal de insuficiência valvar significativa. A IM resulta da
inadequada coaptação dos folhetos durante a sístole, permitindo um fluxo reverso de
alta pressão do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo, que apresenta baixa pressão
durante a fase de ejeção ventricular. Nas formas moderadas e graves do defeito, grande
parte do volume sistólico é ejetado de forma reversa, o que provoca sobrecarga
volumétrica do ventrículo esquerdo, com dilatação do anel e piora da regurgitação. Em
geral, o átrio esquerdo se torna hipercomplacente, muito aumentado, mantendo as
pressões pulmonares normais, ou levemente aumentado por um longo período de tempo,
às vezes ultrapassando duas décadas entre o surto inicial e o aparecimento dos
sintomas.

O cansaço e fadiga aos esforços se devem inicialmente à redução do volume sistólico


que é ejetado na aorta nas formas mais graves da doença. A fração de ejeção costuma
ser de normal a elevada devido à sobrecarga volumétrica do ventrículo esquerdo que se
dilata mas, com o tempo, instala-se a disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, com
consequente aumento nas pressões do átrio esquerdo e pressões venosas pulmonares.
Nesse momento, ocorre dispneia e aparecimento das arritmias atriais que podem se
episódicas ou crônicas. O aparecimento de fibrilação atrial pode provocar sintomas de
palpitações, de insuficiência cardíaca e está associado a grande risco de fenômenos
tromboembólicos.

Com a evolução da doença, a IM grave, se não tratada, provoca em fase mais avançada,
hipertensão pulmonar, dilatação e disfunção do ventrículo direito. Nessa fase, os sinais
e sintomas de insuficiência cardíaca descompensada - edema de membros inferiores,
hepatomegalia dolorosa e turgência jugular - estarão presentes3-5.

3. Que aspectos do exame físico são importantes na quantificação da lesão?

A presença do íctus desviado para fora da linha hemiclavicular esquerda já traduz


aumento do ventrículo esquerdo. Na ausculta, com o aumento da fração de regurgitação,
ocorre redução do componente mitral da primeira bulha e a B1 torna-se abafada. Da
mesma forma, o aumento nas pressões do átrio esquerdo e nas pressões venosas
pulmonares resulta na hiperfonese do componente pulmonar da segunda bulha. A
presença da B3 resulta da sobrecarga volumétrica do ventrículo esquerdo, que acontece
nas formas moderadas e graves da doença.
A presença do sopro sistólico é o dado mais característico da lesão e sua intensidade
costuma estar diretamente relacionada com a gravidade. Sopros holossistólicos que
produzem frêmitos traduzem lesões com repercussão hemodinâmica6,7.

4. Que aspectos dos exames complementares são importantes na avaliação da


gravidade da lesão?

Os exames complementares principais, entre eles, o eletrocardiograma, a radiografia de


tórax e o ecocardiograma são de grande importância na identificação, quantificação e
acompanhamento das lesões valvulares.

O eletrocardiograma é útil para avaliação do ritmo e das sobrecargas cavitárias. Nas


formas leves da IM costuma ser normal, já nas formas moderadas e graves observa-se
sobrecarga do átrio esquerdo. Nas lesões mais graves podem estar presentes sinais de
sobrecarga ventricular esquerda ou biventricular. Na radiografia de tórax, os achados
de aumento do átrio esquerdo são os mais frequentemente encontrados. Nas formas mais
graves da lesão, o aumento de ambos os ventrículos e sinais de hipertensão venocapilar
pulmonar podem estar presentes3,7.

O ecocardiograma é, sem dúvida, a ferramenta preferencial na detecção e quantificação


da IM. Deve ser realizado em pacientes com exame clínico e sintomas sugestivos para:
determinação da etiologia da lesão; acompanhamento semestral ou anual da função do
ventrículo esquerdo nos portadores de IM grave assintomática; e ainda na avaliação
após correção cirúrgica da IM. É também importante na mudança do perfil clínico dos
pacientes que estão em acompanhamento, visando à identificação de possíveis
complicações como: endocardite infecciosa, presença de trombos intracardíacos
especialmente naqueles com fibrilação atrial, e frente a suspeita de infarto agudo do
miocárdio.

A gravidade da IM é determinada pelo ecocardiograma através de vários critérios,


entre eles: grau de aumento das cavidades esquerdas, presença de hipercinesia do
ventrículo esquerdo devido à sobrecarga volumétrica e do grau de regurgitação da
valva mitral. O grau de regurgitação pode ser quantificado pela observação direta do
fluxo regurgitante ao Color-Doppler, da área do orifício regurgitante pelo método de
PISA (área do orifício ≥0,4cm2 indica IM grave) e pela vena contracta que é definida
como as áreas transversais mais estreitas do jato regurgitante obtidas pelo Doppler dos
fluxos a cores (valores entre 0,6cm e 0,7cm indicam IM grave, enquanto valores abaixo
de 0,4cm indicam IM leve). Ainda são usados na avaliação a velocidade da onda E do
fluxo mitral obtida pelo Doppler (valores >1,2m/s são encontrados na IM grave), a
obtenção de fluxo reverso nas veias pulmonares durante a sístole e sinais de aumento
do ventrículo direito e de hipertensão pulmonar.

Nos pacientes em que a janela transtorácica é inadequada para a avaliação, o


ecocardiograma transesofágico pode ser utilizado para visualização adequada da
anatomia da valva mitral e para os cálculos de gravidade da regurgitação. Também
fornece informações adicionais nos casos de suspeita de endocardite infecciosa. O
ecocardiograma também é útil na quantificação da fibrose e calcificação da valva
mitral e do aparelho subvalvar na determinação do tipo de correção cirúrgica,
principalmente quando se utiliza o recurso tridimensional8-11.

Outros exames complementares que podem ser úteis na determinação da gravidade da


IM: ressonância magnética cardíaca (fornece informações precisas das dimensões e do
volume sistólico e diastólico do ventrículo esquerdo, do volume regurgitante e do
débito cardíaco) e angiocardiografia ventricular esquerda (também fornece medidas
dos volumes sistólico e diastólico do ventrículo esquerdo e da fração de regurgitação
mitral). Esses dois últimos exames são menos utilizados na prática clínica, a não ser na
presença de suspeita de complicações como doença coronariana associada, ou quando
o ecocardiograma não permitiu a definição adequada da gravidade da lesão12,13.

5. Qual o tratamento adequado para IM?

Existem muitas dúvidas e incertezas a respeito do tratamento farmacológico na IM


grave. Uma vez que não há aumento significativo na pós-carga, o uso de
vasodilatadores sistêmicos não fornece benefícios significativos. Estudos com o uso de
inibidores da enzima de conversão e betabloqueadores na IM crônica e com função
ventricular preservada não forneceram evidências de benefícios hemodinâmicos14-16.
Nos pacientes sintomáticos, com sinais de disfunção ventricular ou de insuficiência
cardíaca, podem sem utilizados tanto os inibidores da enzima conversora quanto os
betabloqueadores associados ou não a diuréticos de alça, por um período curto,
visando à melhora clínica para a programação do tratamento cirúrgico. Em situação de
exceção - pacientes que têm contraindicação cirúrgica -, o uso padronizado dessas
medicações de longo prazo é recomendado. Naqueles em que há a presença da
fibrilação atrial crônica, a anticoagulação é recomendada15,16.

A questão mais importante para os portadores de IM crônica é se há indicação do


tratamento cirúrgico, já que, sem este, o prognóstico de longo prazo da doença é ruim.
Para pacientes assintomáticos, nos quais a IM foi considerada leve ou de leve a
moderada, a revisão cardiológica e realização anual do ecocardiograma são úteis no
acompanhamento da lesão. Já nos portadores de IM moderada a grave ou grave,
assintomáticos, nos quais o ecocardiograma mostra critérios de gravidade entre eles,
fração de ejeção ≥60% (lembrar que devido à sobrecarga volumétrica crônica, ocorre
um estado de hipercinesia do ventrículo esquerdo e frações de ejeção próximas a 60%
já traduzem algum grau de disfunção sistólica) e dimensão sistólica final do ventrículo
esquerdo ≥4,0cm, devem ser encaminhados ao tratamento cirúrgico.

Apesar de o “momento adequado” para o tratamento cirúrgico nesses pacientes


permanecer controverso, diversos estudos mostram alto risco de mortalidade e
complicações cardíacas entre 5-10 anos naqueles que foram mantidos em tratamento
clínico. Ainda: nos portadores de IM crônica grave, o risco de fibrilação atrial e suas
complicações é alto, necessitando de anticoagulação. Nos sintomáticos, com exames
complementares compatíveis, o tratamento cirúrgico é inquestionável. Nos pacientes
sintomáticos, com IM grave, disfunção sistólica, fibrilação atrial e sinais de
hipertensão pulmonar apresentam maior risco de morte e complicações pós-
operatórias. A mortalidade cirúrgica geral para IM isolada, considerando todas as
etiologias, é de 3% a 6% nos pacientes assintomáticos17-19.

As técnicas cirúrgicas para correção da IM incluem: reparo da valva mitral ou troca


valvar por prótese metálica ou biológica. Atualmente, é largamente aceito que o reparo
da valva, quando possível, é o tratamento de escolha. Essa técnica frequentemente é
bem sucedida em crianças e adolescentes, em portadores de prolapso da valva mitral e
na dilatação do anel. Está relacionada a menor mortalidade cirúrgica, menor incidência
de infecção pós-operatória, menor risco de reoperação, preservação mais frequente da
função ventricular e exclui a necessidade de anticoagulação.

Na impossibilidade do reparo, por razões anatômicas, a troca valvar pode ser feita com
próteses biológicas ou metálicas. Não há diferenças de morbimortalidade entre as duas,
porém, as próteses biológicas têm o benefício de não necessitar de anticoagulação de
longo prazo. No entanto, as biopróteses apresentam um risco maior de degeneração e
disfunção, principalmente nos pacientes mais jovens (marcadamente nas crianças e
adolescentes), necessitando de reoperação em 10-15 anos. Já as próteses metálicas têm
maior durabilidade, porém requerem anticoagulação por toda a vida, com maior risco
de complicações hemorrágicas ou trombóticas. Em ambas as próteses, a incidência de
disfunção ventricular progressiva no pós-operatório é maior que nos reparos da valva
e, além disso, a presença de próteses cardíacas representa situação de alto risco para
endocardite infecciosa17-21.
6. Como deve ser feita a profilaxia secundária para febre reumática?

Nos pacientes que não apresentaram comprometimento cardiológico, a profilaxia com


penicilina benzatina deve ser feita até os 21 anos ou cinco anos após o último surto, o
que for maior. Naqueles que apresentem lesão valvar leve residual, a profilaxia deve
ser feita até os 21 anos ou 10 anos após o último surto, o que for maior. Nos portadores
de lesão residual de moderada a grave, até os 40 anos. Nos que foram submetidos à
correção cirúrgica, por toda a vida22.

No caso apresentado, a profilaxia foi suspensa aos 21 anos; no entanto, como aos 38
anos o paciente já apresentava sinais clínicos e laboratoriais de IM grave, com
indicação cirúrgica, é provável que aos 21 anos, a lesão fosse leve a moderada ou
moderada e a profilaxia deveria ter sido mantida.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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PROLAPSO VALVAR MITRAL

Ricardo Maia Coelho


Reinaldo Mattos Hadlich

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 61 anos, divorciada, cabeleireira, natural do Espírito Santo,
residente em Magé, RJ.
Doença principal: prolapso de válvula mitral
Comorbidades: hipertensão arterial sistêmica (HAS), infarto agudo do miocárdio
(IAM) em 1995, tuberculose pulmonar 2007 tratada, depressão. Etilista social.
Fatores de risco cardiovascular: hipertensão arterial, etilismo, dislipidemia
Queixa principal: dor torácica e palpitação

Quadro clínico:
Paciente relata início, há um ano, de dispneia aos esforços moderados e dor torácica,
que melhorava com o repouso e em decúbito dorsal, além de palpitação que iniciava e
cessava espontaneamente. Relata ainda episódio de tonteira, algumas vezes com perda
da consciência (síncope).
Exame físico:
PA =120x80mmHg; MSD =130x80mmHg; MSE =135x82mmHg; IMC =25kg/m2;
eupneica, hipocorada, anictérica, boa perfusão periférica, extremidades quentes em
regular estado geral.

Aparelho cardiovascular: discreta pulsatilidade na fúrcula, pulsos com amplitudes


normais, íctus impalpável em decúbito dorsal, fracamente palpável em decúbito lateral
esquerdo com características normais. Ventrículo direito (VD) normal, RCR, B1
normofonética e B2 hiponética, sopro telessistólico sem características especiais,
audível em todos os focos, e melhor audível no foco mitral.

Aparelho respiratório: normal.


Abdômen flácido, sem visceromegalias. Membros inferiores sem edemas.
Medicação: propranolol 40mg (2x), hidroclorotiazida 25mg (1x), AAS 100mg (1x),
sinvastatina 20mg (1x), amitriptilina 25mg (1x), carbamazepina 200mg (1x).

Exames complementares:
Radiologia do tórax: área cardíaca normal, retificação do arco médio, átrio esquerdo
(AE) aumentado, sugere aumento do VD, circulação pulmonar normal (Figuras 1 e 2).
ECG: ritmo regular sinusal, 75bpm, bloqueio de ramo esquerdo 1º grau, sobrecarga
atrial esquerda (Figura 3).
Fonocardiograma (fono): B1 normofonética, sopro telessistólico, B2 normofonética,
pulso carotídeo com forma e amplitude normais (Figuras 4 e 5).

Figuras 1 e 2
Radiografia de tórax em PA e perfil da paciente relatada.
Figura 3
ECG da paciente relatada

Figura 4
Fono e ECG da paciente relatada.

Figura 5
Pulso carotídeo e ECG da paciente relatada.

OBJETIVOS

1. Explicar a semiotécnica para a abordagem do prolapso mitral.


2. Discutir os meios diagnósticos do prolapso de válvula mitral.
3. Analisar os meios terapêuticos para a abordagem do prolapso mitral.

PERGUNTAS
1. Qual o provável diagnóstico do caso clínico?

O diagnóstico mais provável é o prolapso da válvula mitral (PVM), também conhecido


como síndrome de Barlow. Afeta 5% a 10% da população, sendo mais frequente em
mulheres, numa proporção de 2:11.

O PVM primário, congênito, é muitas vezes encontrado em vários membros da mesma


família, sendo relativamente frequente na síndrome de Marfan. Pode também ser
secundário a deformações da válvula mitral por febre reumática, coronariopatias ou
ocorrer em situações nas quais há redução da cavidade ventricular esquerda, como por
exemplo, na cardiomiopatia hipertrófica e na comunicação interatrial.

Na forma primária, o substrato anatômico é a degeneração mixomatosa, resultante da


proliferação acentuada da camada esponjosa que compõe o tecido mixomatoso do
suporte da válvula. O excesso de mucopolissacarídeo causa fragmentação do colágeno,
determinando menor rigidez da válvula. Isso facilita a ocorrência do prolapso e também
de outras alterações estruturais produzindo aspecto de concha ou cúpula da referida
válvula1-3 .

Em função dessas alterações, durante a sístole ventricular, parte de um folheto ou


ambos elevam-se acima da junção atrioventricular, havendo deslocamento valvular
para o átrio esquerdo1-3.

2. Quais as manifestações clínicas e como fazer o diagnóstico à beira do leito do


PVM?

De uma forma geral os pacientes permanecem estáveis e assintomáticos, entretanto 5%


a 10% evoluem com regurgitação mitral severa e suas complicações1,4-6.

As queixas mais comuns relacionadas ao PVM são: dor torácica atípica, palpitações
secundárias a arritmias, fadiga, intolerância aos exercícios e transtornos psiquiátricos
como: ansiedade, síndrome do pânico, sudorese, palidez e hipotensão postural6-8.

A ausculta clássica revela: a) primeira e segunda bulhas com características normais;


b) presença de clique mesotelessistólico habitualmente associado a sopro
mesotelessistólico.

No caso clínico em questão, o fonocardiograma registrou apenas um suave sopro


telessistólico sem clique. Essa modificação poderia estar relacionada ao uso de
medicação betabloqueadora.

Para o diagnóstico à beira do leito, é importante a utilização de manobras que


diminuam a impedância (teste com vasodilatadores), aumentem a contratilidade
(esforço físico) ou promovam diminuição do volume intraventricular esquerdo
(inspiração profunda), aproximando o clique e o sopro da primeira bulha.

Também há manobras que aumentam a impedância (teste com vasoconstritores),


diminuem a contratilidade (uso de betabloqueadores) e aumentem o volume
intraventricular esquerdo (expiração profunda), aproximando o clique e o sopro da
segunda bulha.

O clique audível no PVM se deve à tensão produzida pelo alongamento das cordas
tendíneas, da cúspide ou cúspides da válvula mitral durante o prolapso em direção ao
átrio esquerdo e o sopro pela abertura valvular, permitindo turbilhonamento do sangue
oriundo do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo nesta fase sistólica9.

3. Quais as alterações eletrocardiográficas, radiológicas e ecocardiográficas


observadas no PVM?

No ECG podem-se observar:

1. Alterações do segmento ST-T, inversão de onda T em DII, DIII e aVF.


2. Arritmias: arritmia sinusal, bradicardia sinusal, fibrilação atrial, batimentos
prematuros ventriculares1,6.

No RX tórax: vai depender do comprometimento hemodinâmico1,6,8

1. Quadro radiológico normal, nos portadores de PVM sem repercussão


hemodinâmica.
2. Dilatação do átrio e ventrículo esquerdos e pulmões normais, naqueles cuja
válvula mixomatosa, evolutivamente, aumentou o grau de insuficiência mitral
de forma lenta e progressiva.
3. Dilatação do átrio e ventrículo esquerdos, sinais de hipertensão pulmonar,
causando sobrecarga do coração direito, nos casos com insuficiência mitral
mais severa.
4. Pequeno grau de dilatação do átrio e ventrículo esquerdos, com sinais
intensos de hipertensão venocapilar pulmonar, nas formas agudizadas da
insuficiência mitral secundária ao prolapso. Por ex: pós-endocardite
infecciosa.

Ao ecocardiograma:

O ecocardiograma bidimensional com Doppler é o exame padrão-ouro para o


diagnóstico do PVM. Mede a severidade do prolapso e o grau de regurgitação mitral.
Detecta a degeneração mixomatosa da válvula mitral, possíveis espessamentos,
vegetações, perfurações valvulares, rotura de cordas como consequência de
endocardite; avalia o diâmetro das cavidades esquerdas assim como as funções
sistólicas e diastólicas10.

4. Como se expressa a síndrome do pânico nesses pacientes? Podem ocorrer


alterações neurológicas?

A síndrome do pânico tem sido um achado frequente. Os pacientes referem cansaço e


dispneia algumas vezes relacionados ao esforço e, em outras ocasiões, surgem em
repouso. Muito frequentemente apresentam palidez e sudorese. Relatam tremores,
tonteira ou mesmo desmaio. Formigamentos nos braços e pernas e algumas áreas do
corpo anestesiadas. Todo este quadro clínico subjetivo ocorre associado a palpitações
e taquicardia11. Em relação a alterações neurológicas, já foram descritos na literatura
médica relatos de isquemia cerebral transitória relacionada à degeneração mixomatosa
(provável embolia de microagregados fibrino-plaquetários)1,2.

5. Quais os pacientes que merecem acompanhamento médico rigoroso?

Os pacientes devem ter acompanhamento clínico regular. Alguns pacientes devem ter
observação mais rigorosa, no caso daqueles que apresentam1,2,6-8:

Regurgitação mitral moderada a grave


Fração de ejeção <50%
Átrio esquerdo >40mm
Folhetos instáveis
Idade >50 anos
Fibrilação atrial, arritmias complexas
Hipertensão arterial pulmonar
Sinais de insuficiência cardíaca
Eventos cerebrovasculares
Tromboembolismo arterial
Endocardite infecciosa

É importante salientar que aqueles que evoluem com regurgitação mitral severa,
arritmias ventriculares complexas, prolongamento do intervalo QT no ECG e história
de síncope, apresentam potencial para morte súbita cardíaca12.

6. No caso clínico em questão como o diagnóstico ficou comprovado?

O diagnóstico foi confirmado pelo ecocardiograma. A paciente apresentava aumento do


AE, diâmetros sistólico e diastólico do ventrículo esquerdo normais. Função sistólica e
diastólica normais. Presença de degeneração mixomatosa dos folhetos da válvula
mitral. Regurgitação mitral leve ao colorDoppler.

Conclusão: prolapso do folheto anterior da válvula mitral, regurgitação mitral leve a


moderada sem sinais de hipertensão pulmonar.

A presença no exame clínico e fonomecanocardiográfico das variações do sopro e do


clique, como demonstrado na Figura 6, indicando o diagnóstico de PVM.
Figura 6
Registro do fono sem uso de propranolol

7. Como deve ser feito o tratamento dos pacientes portadores do PVM?

A necessidade do tratamento dependerá do grau de comprometimento da válvula, assim


como da presença ou não de sintomas. Deve-se considerar o grau de regurgitação
mitral, a identificação de arritmias, a função ventricular assim como história de
tromboembolismo e síncope.

De uma forma geral, condutas clínicas como indicar exercícios aeróbicos, cortar
cafeína e álcool, controle de estresse, melhoram muito os sintomas.

Aqueles que apresentam palpitações frequentes secundárias às arritmias podem se


beneficiar com o uso de betabloqueadores. Pacientes com pânico e ansiedade devem
ser encaminhados à consulta psiquiátrica, pois podem precisar de uso de medicação
específica1,2,6,13.

8. Quando se recomenda a profilaxia para endocardite infecciosa?

Os pacientes que devem receber antibioticoterapia para profilaxia de endocardite são


aqueles nos quais se identifica o complexo sopro/clique sistólicos, ou aqueles nos
quais se identifica, à ausculta, apenas clique, mas o ecocardiograma demonstra
regurgitação mitral patológica e ou espessamento valvar.

Há controvérsias quanto à necessidade de profilaxia em pacientes com clique sem


regurgitação mitral, exceto se existir degeneração mixomatosa14.
9. Quais são os pacientes que evoluem com insuficiência mitral e necessitam
tratamento cirúrgico?

De acordo com a Diretriz Brasileira de Valvopatias-SBC 2011/Diretriz Interamericana


de Valvopatias-SIAC 2011, os pacientes com os seguintes critérios devem ser
conduzidos com indicação cirúrgica15:

1. IM sintomática aguda quando a plastia é provável (Classe I).


2. Pacientes com sintomas em classe funcional II, III ou IV da NYHA, com
função ventricular esquerda normal, definida como fração de ejeção >0,60 e
diâmetro sistólico final <45mm (Classe I).
3. Pacientes sintomáticos ou assintomáticos, com leve disfunção ventricular
esquerda, fração de ejeção 0,50 a 0,60 e diâmetro sistólico final de 45mm a
50mm (Classe I).
4. Pacientes sintomáticos ou assintomáticos, com disfunção ventricular
esquerda moderada, fração de ejeção 0,30 a 0,50 e/ou diâmetro sistólico
final de 50mm a 55mm (Classe I).
5. Pacientes assintomáticos, com função ventricular esquerda preservada e
fibrilação atrial (Classe II-a).
6. Pacientes assintomáticos, com função ventricular esquerda preservada e
hipertensão pulmonar (pressão sistólica da artéria pulmonar >50mmHg em
repouso ou maior que 60mmHg ao exercício) (Classe II-a).
7. Pacientes assintomáticos, com fração de ejeção 0,50 a 0,60 e diâmetro
sistólico final <45mm e pacientes assintomáticos com fração de ejeção >0,60
e diâmetro sistólico final de 45mm a 55mm (Classe II-a).
8. Pacientes com grave disfunção ventricular esquerda (fração de ejeção <0,30
e/ou diâmetro sistólico final >55mm), nos quais há grande probabilidade de
preservação de cordas tendíneas na correção valvar (Plastia valvar ou
substituição valvar com preservação de cordas tendíneas) (Classe II-a).
9. Pacientes assintomáticos com IM crônica, com função ventricular esquerda
preservada, nos quais a plastia da valva mitral é altamente provável (Classe
II-b).
10. Pacientes com PVM e função ventricular esquerda preservada que
apresentam arritmias ventriculares recorrentes, apesar da terapia médica
(Classe II-b).
11. Pacientes assintomáticos, com função ventricular esquerda preservada nos
quais existe grande dúvida sobre a possibilidade de plastia mitral (Classe
III).

10. Como tratar a paciente do caso clínico apresentado?

Trata-se de uma paciente muito sintomática, porém com poucas alterações nos exames
complementares. No ECG não há distúrbio no ritmo cardíaco e/ou aumento de
cavidades (cabe ressaltar que a paciente, por apresentar palpitação, deveria ser
submetida a exame de Holter 24h). O ecocardiograma evidencia sinais de degeneração
mixomatosa mitral, mas não demonstra sobrecarga de cavidades.

Os sintomas relacionados de palpitação, dor precordial, dispneia e síncope se


enquadram como síndrome do pânico.

Não houve relato de sintomas e sinais relacionados à disfunção ventricular e/ou


hipertensão pulmonar. Não se observou arritmia ou agravamento estrutural do aparelho
valvular.

De acordo com a diretrizes mencionadas para tratamento cirúrgico, o caso clínico em


questão não se enquadra nas indicações para cirurgia de plastia ou troca valvar mitral,
no momento.

O tratamento clínico instituído deverá ser mantido e o acompanhamento médico


periódico.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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ESTENOSE MITRAL

Wilma Felix Golebiovski

CASO CLÍNICO

Paciente feminina, 47 anos de idade, IMC =23kg/m2, natural do Rio de Janeiro.


Doença principal: Cardiopatia reumática.
Comorbidades: HAS.
Fatores de risco cardiovascular: HAS.
Quadro clínico: Valvulopatia reumática conhecida há três meses. Evoluiu com cansaço
e dispneia progressiva aos médios esforços.
Sintomas e sinais e medicações em uso regular: TJ patológica, pulsos de amplitude
diminuída, íctus de VE normal, B1 palpável, e frêmito diastólico no ápice cardíaco.
Ritmo cardíaco regular em 2 tempos, B1e B2 hiperfonéticas, estalido de abertura da
válvula mitral, ruflar diastólico 2 a 3 +/6+ no foco mitral e sopro sistólico de 2+/6+ no
foco tricúspide, Rivero-Carvallo positivo. Pulmões com crepitações bibasais, fígado
aumentado e doloroso à palpação e discreto edema de membros inferiores. Estava em
uso de furosemida e atenolol.

Exames complementares: Hemoglobina =12,1g/dl; Glicose =88mg/dl; Creatinina


=0,47mg/dl
ECG: sinusal, com aumento atrial esquerdo
Radiografia de tórax: aumento atrial esquerdo e congestão venocapilar pulmonar
Ecocardiograma: estenose mitral grave, insuficiência tricúspide moderada e
hipertensão arterial pulmonar.

OBJETIVOS
1. Reconhecer a alta especificidade da anamnese e exame clínico no
diagnóstico da doença valvular.
2. Analisar os exames complementares disponíveis que confirmam o
diagnóstico e determinam a estratégia terapêutica.
3. Discutir as estratégias terapêuticas e sua intervenção no curso da doença.
4. Analisar as medidas de prevenção primária e secundária da estenose mitral.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso apresentado?

Dispneia e cansaço aos esforços são sintomas comuns em pacientes com estenose mitral
(EM) além de hemoptise, tromboembolismo e insuficiência ventricular direita.

A doença reumática (DR) é a causa predominante de EM. A EM isolada corresponde a


25% de todos os pacientes com doença valvar reumática, sendo 2/3 dos pacientes do
sexo feminino.

O espessamento e a imobilidade dos folhetos da valva mitral resultam em obstrução do


fluxo sanguíneo do AE para o VE. A obstrução mecânica leva a aumento da pressão
intra-atrial esquerda, da vasculatura pulmonar e do lado direito do coração, resultando
nos sinais e sintomas acima descritos1.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com mixoma atrial esquerdo, EM congênita,
doenças infiltrativas (mucopolissacaridoses), endocardite infecciosa, LES, artrite
reumatoide e síndrome carcinoide2,3.
2. Como confirmar o diagnóstico de EM?

O ecocardiograma é o método de maior acurácia diagnóstica e de avaliação da EM,


sendo o exame de escolha para detecção, quantificação e definição da gravidade da
EM2-4.

Para confirmar a gravidade da EM são utilizados os seguintes parâmetros:


Gradiente médio de pressão AE/VE, área valvar pela planimetria, área
valvar pelo PHT e área valvar pela equação de continuidade (Figuras 1 e 2)
Morfologia da VM (Figura 3)
Presença e gravidade de IM associada (Figura 4)
Tamanho e função do AE (Figura 5)
Avaliar a presença de trombo no AE antes de valvuloplastia mitral
percutânea por balão (VMPB) (Figura 5)
Pressão sistólica da artéria pulmonar
Tamanho e função do VE e VD (Figuras 6 e 7)
Avaliação de envolvimento reumático das valvas aórtica e tricúspide
Figura 1
Estenose mitral: área valvar mitral pela planimetria
Figura 2
Estenose mitral: área valvar pelo PHT
Figura 3
Estenose mitral: morfologia da válvula mitral
Figura 4
Estenose mitral com IM associada
Figura 5
Estenose mitral: átrio esquerdo
Figura 6
Estenose mitral: quatro cavidades
Figura 7
Estenose mitral: ventrículo esquerdo

Com os parâmetros acima descritos pode-se classificar a gravidade da EM (Quadro 1):


Quadro 1
Classificação do nível de gravidade da estenose mitral

PSAP=pressão sistólica da artéria pulmonar; EM= estenose mitral

O ecocardiograma de esforço não é um exame de rotina na avaliação da EM. Pode ser


útil quando existe discrepância entre os sintomas e a gravidade da lesão valvar. Define
a classe funcional e quantifica o grau de gravidade dos parâmetros hemodinâmicos pelo
eco no repouso e com exercício (pressão arterial pulmonar e gradiente médio
transvalvar mitral).

Os pacientes que são sintomáticos com aumento da pressão sistólica da artéria


pulmonar (PSAP) >60mmHg ou gradiente transvalvar mitral >15mmHg durante o
exercício, apresentam EM grave e devem ser encaminhados para intervenção4.

O cateterismo cardíaco não é utilizado como rotina diagnóstica nem como


acompanhamento da EM. É realizado quando há dissociação entre os dados do
ecocardiograma e os achados clínicos nas lesões valvares múltiplas, na monitorização
das pressões e gradiente pré e pós-VMPB ou na investigação de coronariopatia em pré-
operatório de cirurgia valvular4,5.

A radiografia de tórax mostra o aumento do AE, a dilatação da artéria pulmonar e


cavidades direitas além de sinais de congestão pulmonar, achados da EM grave.

O ECG mostra o aumento do AE, a fibrilação atrial e hipertrofia do VD nas lesões


moderadas e graves.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico da EM?

A área valvular mitral em adultos normais varia de 4,0cm2 / 6,0cm2. Quando ocorre
redução dessa área para 1,0cm2, caracteriza-se uma grave obstrução na válvula mitral,
resultando em aumento do gradiente diastólico AE/VE. Esse processo é secundário à
fusão comissural, ao espessamento e encurtamento das cordoalhas, fibrose e
espessamento dos folhetos. As consequências desse processo incluem aumento da
pressão atrial esquerda e na vasculatura pulmonar, levando à congestão passiva, edema
intersticial e progressivo aparecimento dos sintomas4,5 (Figura 8).
Figura 8
Fisiopatologia da estenose mitral

4. Qual o prognóstico de EM?

A progressão da doença, quando não ocorre correção da lesão valvar, é lenta em


pacientes assintomáticos, mas torna-se rápida após o início dos sintomas. A taxa de
progressão é variável com a área geográfica. Na América do Norte e Europa o período
de latência entre a infecção inicial e o aparecimento dos sintomas é de 20-40 anos. Nos
países em desenvolvimento, esse período é bem mais curto com sintomas em pacientes
adultos jovens, adolescentes e mesmo em crianças3-5.

O conhecimento da história natural da EM é baseado em séries de casos anteriores4 à


ampla viabilidade do tratamento cirúrgico e pequenos grupos que recusavam a cirurgia.
Esses estudos mostraram que a mortalidade em 10 anos foi 33% a 70% e que em 20
anos foi 80% a 87%. A fibrilação atrial e a progressão para hipertensão arterial
pulmonar grave também são marcadores de pior prognóstico5.

O tratamento da EM com VMPB em pacientes elegíveis traz uma sobrevida livre de


eventos (nova valvuloplastia, troca valvar ou morte) de 60% a 85% em três a cinco
anos5. Os resultados em longo prazo da cirurgia de troca valvar também são
encorajadores, mas dependem da durabilidade da prótese, do risco de anticoagulação
crônica, de anormalidades anatômicas e hemodinâmicas residuais (HAP e disfunção de
VD) e doenças em outras válvulas.
5. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos (morte e
internação) neste caso?

A terapia medicamentosa alivia os sintomas, mas não interrompe a progressão da


obstrução ao fluxo transvalvar. O uso de diuréticos, restrição hídrica e de sal são
indicados quando existe congestão pulmonar ou insuficiência ventricular direita. Os
betabloqueadores (atenolol e metoprolol) e digitálicos são fundamentais no controle da
frequência cardíaca e na fibrilação atrial. Os cumarínicos são indicados em pacientes
com eventos embólicos prévios, trombo no AE e fibrilação atrial. A associação de
cumarínicos com baixas doses de AAS (50mg a 100mg/dia) é recomendada nos casos
de trombo no AE e evento embólico em pacientes previamente anticoagulados.

Atualmente os pacientes com EM e indicação de intervenção dispõem da VMPB,


comissurotomia cirúrgica e troca valvar. A VMPB revolucionou o tratamento da EM. A
seleção do paciente para VMPB é feita pelo ecotransesofágico através do escore de
Wilkins que pontua de 0 a 4 cada um dos seguintes itens: grau de mobilidade dos
folhetos; grau de espessamento dos folhetos; grau de calcificação dos folhetos; e grau
de acometimento do aparelho subvalvar (calcificação e espessamento).

Esse escore é um preditor de resultado do procedimento. Escore ≥10 se correlaciona


com maior incidência de IM grave, maior custo hospitalar, menor sobrevida e maior
incidência de cirurgia de troca valvar. O escore ≤8 é preditor de maior área valvar
pós-procedimento sem regurgitação mitral. A incidência de complicações é de 0,5% a
1% para AVE; 0,7% a 1,0% para tamponamento cardíaco e 0,9% a 2,0% para IM grave
e mortalidade <0,5%6-10.

As contraindicações para VMPB são IM moderada à grave, trombo em AE, escore >8,
outras lesões valvares com indicações cirúrgicas e coronariopatia associada com
indicação de revascularização. A melhor modalidade de intervenção baseia-se na
classe funcional, risco cirúrgico, anatomia valvular e experiência da equipe cirúrgica.
A intervenção cirúrgica ou percutânea para tratamento da EM grave prolonga a vida,
evita complicações (FA e eventos tromboembólicos) e melhora a qualidade de vida.

6. O tratamento pode ajudar no controle da evolução da doença?

Os pacientes submetidos à VMPB têm sobrevida de 80% a 90% em três a cinco anos de
acordo com vários estudos e livres de eventos (nova VMPB e troca valvar) de 60% a
85%. Os melhores resultados são naqueles pacientes com menor escore
ecocardiográfico (≤8), pacientes jovens, menor grau de HAP, ritmo sinusal e melhor
classe funcional antes do procedimento6-10.

A comissurotomia mitral cirúrgica traz sobrevida média em 15 anos de quase 96%, com
sobrevida livre de complicações valvares em torno de 92%. A troca valvar mitral
também prolonga a vida e diminui a morbidade.

A EM é fator predisponente para endocardite infecciosa (EI) em menos de 1% dos


casos. Atualmente não se recomenda a profilaxia para EI.

7. Existe alguma estratégia para a prevenção (primária e secundária ?)

A febre reumática é a principal causa de doença valvular adquirida em crianças e


adultos jovens nos países em desenvolvimento. É uma complicação de
faringoamigdalite causada pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A, associado à
pobreza e más condições de vida, permanecendo um grande problema de saúde
pública.

Estima-se que no Brasil anualmente ocorram cerca de 10 milhões de faringoamigdalites


estreptocócicas, perfazendo um total de 30.000 novos casos de FReu, dos quais
aproximadamente 15.000 poderiam evoluir com acometimento cardíaco.

A prevenção primária (Quadro 2) se faz com tratamento com antibióticos da


faringoamigdalite após identificação do estreptococo através do teste rápido ou da
cultura da orofaringe, visando a evitar o primeiro surto de FReu em indivíduo
susceptível ou novo surto em quem já teve a doença anteriormente (profilaxia
secundária). A profilaxia secundária previne recorrências da doença e diminui a
gravidade da cardiopatia residual11 (Quadro 3).

Vários fatores são considerados para definir a duração da profilaxia da FReu: idade do
paciente, intervalo do último surto, presença de cardite no surto inicial, número de
recidivas, condição social e gravidade da cardiopatia reumática residual (Quadro 4).

Quadro 2
Recomendações para profilaxia primária da FR11
Quadro 3
Recomendações para profilaxia secundária da FR11
Quadro 4
Recomendações para a duração da profilaxia secundária da FR11
O maior desafio para controle efetivo da FReu é o desenvolvimento de uma vacina
contra o estreptococo beta-hemolítico. Atualmente há cerca de 12 modelos de vacinas,
a maioria em fase pré-clínica.

8. Quais são as complicações que podem piorar o prognóstico neste caso?

A fibrilação atrial (FA) relaciona-se com a gravidade da EM e com a idade do


paciente. Em séries de VMPB recentes2, a prevalência de FA variou de 4% (600
pacientes na Índia, com média de idade de 27 anos), 27% (em uma série de 4.832
pacientes na China, com média de idade de 37 anos) e 40% (em uma série de 1024
pacientes na França, com média de idade de 49 anos).

A FA pode precipitar ou piorar os sintomas da EM, pois predispõe à formação de


trombos no AE e embolismo sistêmico. FA + EM piora o prognóstico com sobrevida
em cinco anos de 64%. Em pacientes com FA sem EM a sobrevida em cinco anos é de
85%4.

A maioria dos eventos embólicos ocorreu em pacientes com FA, mas alguns pacientes
estavam em ritmo sinusal e tinham trombo no AE e metade desses êmbolos foi
encontrada nos vasos cerebrais.

A HAP é outra complicação que piora o prognóstico dos pacientes com estenose mitral.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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and natural history of acquierd mitral valve stenosis. Eur Heart J.
1991;12(Suppl B): 55-60.
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SBC 2011. I Diretriz Interamericana de Valvopatias - SIAC 2011. Arq Bras
Cardiol. 2011;97(5 supl. 1):1-67.
4. Otto CM. Valvular heart disease. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 2004.
p.247 e p.272.
5. American College of Cardiology; American Heart Association Task Force on
Practice Guidelines (Writing Committee to revise the 1998 Guidelines for the
Management of Patients with Valvular Heart Disease); Society of
Cardiovascular Anesthesiologists, Bonow RO, Carabello BA, Chatterjee K,
de Leon AC Jr, Faxon DP, Freed MD, et al. ACC/AHA 2006 Guidelines for
the Management of Patients with Valvular Heart Disease: a report of the
American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on
Practice Guidelines (Writing Committee to revise the 1998 Guidelines for the
Management of Patients with Valvular Heart Disease) developed in
collaboration with the Society of Cardiovascular Anesthesiologists endorsed
by the Society for Cardiovascular Angiography and Interventions and the
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7. Palacios IF, Block PC, Wilkins GT, Weyman AE. Follow-up of patients
undergoing percutaneous mitral balloon valvotomy. Analysis of factors
detemining restenosis. Circulation. 1989;79(3):573-9.
8. Levin TN, Feldman T, Bednarz J, Carroll JD, Lang RM. Transesophageal
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after balloon mitral valvotomy. Am J Cardiol. 1994;73(9):707-10.
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thrombus. Heart. 2005;91(8):1088-9.
10. Kandpal B, Garg N, Anand KV, Kapoor A, Sinha N. Role of oral
antioagulation and inoue balloon mitral valvulotomy in presence of left atrial
thrombus: a prospective serial transesophageal echocardiographic study. J
Heart Valve Dis. 2002;11(4):594-600.
11. Barbosa PJB, Müller RE, Latado AL, Achutti AC, Ramos AIO, Weksler C, et
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Sociedade Brasileira de Reumatologia. Diretrizes Brasileiras para
Diagnóstico, Tratamento e Prevenção da Febre Reumática. Arq Bras Cardiol.
2009;93(3 supl. 4):1-18.
INSUFICIÊNCIA AÓRTICA

Ricardo Crespo Corvisier

CASO CLÍNICO
Dados básicos: masculino, 54 anos, branco, casado, natural do Rio de Janeiro.
Doença principal: insuficiência aórtica.
Comorbidades: hipertensão arterial.
Fatores de risco cardiovascular: tabagismo, dislipidemia familiar.

Quadro clínico: paciente com diagnóstico de hipertensão arterial em uso de anlodipina


10mg/dia. Consultou o cardiologista devido à detecção de sopro diastólico em exame
periódico e alargamento de mediastino. Apresentava períodos de cansaço intermitente
ao subir ladeiras.

Ao exame físico: PA =180/40mmHg; FC =84bpm; RR c/ B3; sopro sistólico +++/6+;


foco aórtico com irradiação para as carótidas; sopro diastólico ++++/6+, tipo
aspirativo em foco aórtico.
Exames complementares:
RX de tórax com aumento do ventrículo esquerdo (VE) e alargamento do mediastino
superior
ECG com sinais de sobrecarga ventricular esquerda (SVE)
Ecocardiograma com aumento dos diâmetros do VE, valva aórtica calcificada, sinais de
insuficiência aórtica severa, diâmetro de Aorta (AO) =5,8cm, FE =52%, VE: diâmetro
sistólico =55mm, diâmetro diastólico =75mm.
AO: Doppler demonstra sinais de refluxo transvalvar severo e fluxo reverso
holodiastólico em AO descendente.
Função ventricular esquerda no limite inferior da normalidade.

OBJETIVOS
1. Discutir os critérios para o diagnóstico de insuficiência aórtica.
2. Descrever a história natural e os critérios para indicação cirúrgica de acordo
com as diretrizes atuais de insuficiência aórtica.
3. Discutir o prognóstico de insuficiência aórtica.

PERGUNTAS
1. Quais as causas possíveis de insuficiência aórtica?

A insuficiência aórtica pode ser causada por acometimento dos folhetos valvar, doenças
da aorta proximal ou ambos associados.

Existem inúmeras causas de insuficiência aórtica (IA) isolada, sendo as mais


frequentes: dilatação idiopática da aorta, alterações congênitas da valva aórtica (valva
bicúspide), degeneração cálcica, febre reumática (comum no Brasil, abrangendo 15%
dos casos), endocardite infecciosa, hipertensão arterial, degeneração mixomatosa,
dissecção de aorta e síndrome de Marfan1. Causas menos comuns incluem: injúria
traumática à valva aórtica, artrite reumatoide, osteogênese imperfeita, síndrome de
Ehlers-Danlos, síndrome de Reiter, estenose subaórtica e defeito septal ventricular com
prolapso de valva aórtica1.

A maioria das lesões causa IA crônica com dilatação progressiva do ventrículo


esquerdo e fase assintomática prolongada. Outras lesões como endocardite infecciosa,
dissecção aórtica e trauma causam IA aguda, com súbito aumento da pressão
intraventricular e baixo débito cardíaco1.
O paciente relatado apresenta comprometimento tanto da valva (valva calcificada)
como da parede aórtica (AO=58mm). A degeneração cálcica associada à dilatação de
aorta proximal está associada, com frequência, à valva aórtica bicúspide. As alterações
hemodinâmicas, ao longo dos anos, com estresse sobre os folhetos de uma valva com
alteração congênita, causam deformidade progressiva com consequente estenose ou
dupla lesão valvar. Os pacientes com valva aórtica bicúspide apresentam alterações
vasculares do tecido conjuntivo com perda de tecido elástico da parede da aorta, que
resultam em dilatação de raiz ou aorta ascendente mesmo na ausência de estenose ou
insuficiência valvar.

2. Como confirmar o diagnóstico de IA?

O diagnóstico de insuficiência aórtica crônica severa pode ser feito com base em sopro
diastólico no ápex ventricular esquerdo desviado lateral e inferiormente, e impulsivo,
pressão de pulso alargada e nos achados periféricos de um pulso amplo.

Comparado com a ecoDopplercardiografia, a sensibilidade da ausculta na detecção da


IA varia de 37% a 73% e a especificidade varia de 85% a 92%. A intensidade do
sopro se correlaciona, em alguns casos, com a severidade da IA. Em muitos pacientes
também se pode auscultar um sopro sistólico intenso que corresponde ao grande
aumento do volume sistólico. Os achados de uma pressão de pulso aumentada se
manifestam por uma hipertensão sistólica e uma baixa pressão diastólica.

Os sinais clássicos periféricos só irão se manifestar em casos de doença avançada, o


que atualmente são mais raros de se observar devido à indicação cirúrgica em momento
mais adequado. O sintoma inicial mais comum é a dispneia de esforço devido à
elevação da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo durante o exercício.

O teste ergométrico ajuda na avaliação dos pacientes que apresentam sintomas


equivocados ou nos sedentários, que limitam inconscientemente a atividade física à
medida que os sintomas vão aparecendo.

Quando o sopro diastólico é audível no terceiro e quarto espaços intercostais


esquerdos, a insuficiência aórtica resulta geralmente de dilatação da raiz da aorta. O
RX de tórax e o ECG geralmente demonstram os achados característicos de sobrecarga
ventricular esquerda, porém são inespecíficos.

O ecocardiograma é, sem dúvida, o exame mais importante para a confirmação


diagnóstica. Confirma o diagnóstico de IA quando existem dúvidas na ausculta,
identifica a causa baseado na morfologia da valva e permite uma análise
semiquantitativa da severidade da IA. Determina o aumento das cavidades esquerdas,
função sistólica do VE e diâmetro da raiz da aorta.

Caso o ecocardiograma não seja de qualidade suficiente para confirmar o diagnóstico,


pode-se utilizar a ressonância magnética ou a angiografia com radionuclídeo para o
estudo da função ventricular esquerda.

Angina de esforço pode ocorrer na ausência de doença coronariana devido à


diminuição na pressão de perfusão do miocárdio hipertrofiado ou ao aumento na
demanda de oxigênio pelo aumento na tensão de parede. Síncope e morte súbita são
raras, mas podem ocorrer na IA severa de longa duração com extrema dilatação
ventricular.

No paciente relatado, pode-se confirmar o diagnóstico pelos sinais do exame clínico


que demonstram sopro diastólico associado aos exames complementares que mostram
sinais de sobrecarga ventricular esquerda.

O ecocardiograma serve para confirmar os achados e mostra disfunção ventricular


esquerda inicial, através da análise subjetiva da contratilidade. A fração de ejeção,
apesar de ainda encontrar-se acima de 50%, demonstra um declínio, provavelmente,
pelo aumento progressivo do diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico na evolução de paciente com IA?

A IA severa representa verdadeira combinação de sobrecarga de volume e de pressão.


O ventrículo esquerdo responde à sobrecarga crônica de volume com uma série de
mecanismos de compensação. A sobrecarga volumétrica constante provoca uma
replicação dos sarcômeros em série, aumentando a complacência ventricular e
mantendo a pressão diastólica final em níveis normais2,3.

O volume sistólico aumentado representa maior pós-carga e, com isso, provoca


replicação dos sarcomêros em paralelo, causando hipertrofia e assim mantendo a
tensão de parede em níveis normais2.

A maior parte dos pacientes se mantém assintomática durante esse período, que pode
durar décadas. Porém, à medida que a sobrecarga aumenta, existe um esgotamento da
capacidade replicativa e com isso dilatação ventricular progressiva e aumento da
pressão ventricular esquerda. À medida que o ventrículo dilata, passa a apresentar uma
geometria mais esférica e, com isso, alterações na contratilidade e consequente queda
da fração de ejeção.

É nesse momento que geralmente aparecem os sintomas de dispneia. A disfunção


ventricular esquerda, de início, é um processo reversível caso se proceda à troca
valvar. A diminuição da reserva de fluxo coronariano no miocárdio hipertrofiado pode
causar angina de esforço. A transição para uma fase de descompensação ventricular é
insidiosa e muitos pacientes permanecem assintomáticos mesmo com disfunção severa.

Grande número de estudos identificou as variáveis que mais influenciam a sobrevida


pós-operatória: função ventricular esquerda, representada pela fração de ejeção, e o
diâmetro sistólico final do VE. Outros fatores que influenciam o prognóstico são: a
severidade dos sintomas pré-operatórios ou redução da tolerância ao exercício, a
severidade da depressão da fração de ejeção e a duração da disfunção ventricular no
pré-operatório.

4. Qual a história natural na evolução da IA?

Não são encontrados estudos que tenham feito acompanhamento em longo prazo desses
pacientes. A maioria dos estudos representa série de casos e muitos comparam séries
de diferentes padrões. A melhor informação sobre a história natural provém da análise
de nove estudos publicados, envolvendo 593 pacientes com IA4.

Os pacientes assintomáticos com função ventricular normal têm uma taxa de progressão
para sintomas ou disfunção ventricular esquerda <6% ao ano. A progressão para
disfunção do VE (queda da fração de ejeção) assintomática é <3,5% ao ano e o risco de
morte súbita <0,2% ao ano. Os pacientes assintomáticos com disfunção ventricular
esquerda têm uma taxa de progressão para sintomas >25% ao ano. Os sintomáticos têm
uma taxa de mortalidade >10% ao ano5.

Análise multivariada de Bonow et al.6, com seguimento de oito anos, mostrou que um
dos parâmetros mais importantes para o seguimento a longo prazo é o diâmetro
sistólico final do VE determinado pelo ecocardiograma. Quando esse é <40mm a taxa
de progressão para disfunção é de 0% ao ano; entre 40mm e 50mm é de 6%; e >50mm é
de 19% ao ano6.

5. Qual a indicação do tratamento medicamentoso na IA?


A terapia com vasodilatadores (IECA e bloqueadores dos canais de cálcio) não
demonstrou ainda, pela análise de poucos estudos, ser benéfica, em pacientes
assintomáticos e com função ventricular esquerda normal. A terapia está indicada
quando o paciente apresenta sintomas de IVE e está sendo preparado para a cirurgia de
troca valvar (classe IIa) ou naqueles pacientes que não podem ser submetidos a
tratamento cirúrgico por risco elevado (classe I), tornando-se, portanto, tratamento
paliativo7.

No caso relatado, o paciente é medicado com bloqueador de canal de cálcio, que


corretamente está indicado para controle da hipertensão arterial nesses casos, apesar de
as evidências não demonstrarem que essa medida venha a postergar a indicação de
troca valvar em longo prazo.

Os pacientes devem ser instruídos a manter boa higiene oral e exame periódico na
odontologia. De acordo com as diretrizes de prevenção de endocardite da AHA7 de
2007, a profilaxia não está recomendada na doença de valvas nativas, salvo em casos
de história prévia de endocardite7.

6. Baseado nas diretrizes atuais, quais são os critérios para indicar a troca valvar
aórtica?

Os objetivos da cirurgia são: diminuir os sintomas, prevenir o desenvolvimento de


insuficiência cardíaca e morte súbita, e evitar as complicações em pacientes que
apresentem aneurisma de aorta. As recomendações cirúrgicas são similares nas
diretrizes do ACC/AHA, Sociedade Europeia de Cardiologia e Sociedade Brasileira
de Cardiologia4-8.

Os pacientes sintomáticos com função ventricular esquerda normal têm indicação de


troca valvar quando em classe funcional III e IV da NYHA. Aqueles pacientes em
classe II, que apresentem dúvida nos sintomas, têm indicação para a realização de teste
ergométrico para a diferenciação entre sintomas de descondicionamento físico e os
verdadeiros sintomas cardíacos.

Os pacientes sintomáticos com disfunção ventricular esquerda têm indicação quando em


classes II, III e IV. Os pacientes em classe IV com disfunção severa (fração de ejeção
<25%) ainda assim se beneficiam do tratamento cirúrgico apesar de mortalidade
operatória mais elevada, em torno de 10%.
A indicação nos pacientes assintomáticos ainda é cercada de controvérsias, porém é
recomendada aos pacientes que apresentam severa dilatação ventricular (diâmetro
diastólico final >75mm ou diâmetro sistólico final >55mm). Os pacientes que não
apresentam diâmetros extremos, mas que apresentam dilatação progressiva (diâmetro
diastólico final entre 70mm e 75mm ou sistólico final entre 50mm e 55mm) devem ser
acompanhados frequentemente com ecocardiogramas seriados a cada três ou seis
meses9.

Deve-se lembrar de que existem subgrupos de pacientes que apresentam evolução


diferenciada por doenças concomitantes, como a hipertensão arterial, doença arterial
coronariana, estenose mitral, idosos e mulheres com baixo peso corporal. Nesses
casos, a indicação deve ser individualizada porque muitos não alcançam os diâmetros
ventriculares para indicação cirúrgica e apresentam indícios de disfunção ventricular.

Nos pacientes com IA devido a alargamento da aorta, a indicação cirúrgica ocorre


independente da resposta do ventrículo esquerdo à IA.

Nos casos de síndrome de Marfan e valva aórtica bicúspide a abordagem deverá ser
mais agressiva, sendo indicada a correção com diâmetros >45mm e 50mm,
respectivamente. Na maioria das outras etiologias, um diâmetro >55mm já indica a
correção.

No caso aqui apresentado, pode-se observar que já existem sintomas classe II


associados a início de disfunção ventricular esquerda e diâmetros cavitários nos limites
de indicação cirúrgica. Como existe a dilatação de aorta ascendente com diâmetro
>55mm, a melhor opção seria a troca valvar associada à correção do aneurisma com
um tubo valvado aórtico.

A insuficiência aórtica é um tipo de lesão valvar que vem aumentando a incidência na


ultima década devido a um aumento na sobrevida da população. A etiologia
degenerativa vem apresentando incidência crescente principalmente na sétima década.
Apresenta um longo período de evolução assintomática, com sobrecarga ventricular
esquerda volumétrica e pressórica, podendo atingir índices de massa ventricular
extremos com poucos sintomas.

O acompanhamento desses pacientes é realizado por métodos não invasivos, sendo o


ecocardiograma que mostra a menor relação custo x beneficio e melhor avaliação de
prognostico a longo prazo. A observação de insuficiência ventricular incipiente e
precocidade na indicação cirúrgica desses pacientes levam a um melhor prognóstico
pós troca valvar a curto e longo prazo (Figura 1).

As diretrizes são uteis para direcionar os pacientes para o melhor tipo de tratamento
mas devemos sempre individualizar as indicações principalmente no que se relaciona a
indivíduos idosos ou do sexo feminino.

Figura 1
Fluxograma de decisão na insuficiência aórtica crônica

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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Practice Guidelines (Writing Committee to revise the 1998 guidelines for the
management of patients with valvular heart disease); Society of
Cardiovascular Anesthesiologists, Bonow RO, Carabello BA, Chatterjee K,
de Leon AC Jr, Faxon DP, Freed MD, et al. ACC/AHA 2006 guidelines for
the management of patients with valvular heart disease: a report of American
College of Cardiology/ American Heart Association Task Force on Practice
Guidelines (Writing Committee to revise the 1998 guidelines for the
management of patients with valvular heart disease) developed in
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Society of Thoracic Surgeons. J Am Coll Cardiol. 2006;48(3):e1-148.
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the natural history of asymptomatic patients with chronic aortic regurgitation
and normal left ventricular systolic function. Circulation. 1991;84(4):1625-
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Cardiovascular Surgery and Anesthesia; Quality of Care and Outcomes
Research Interdisciplinary Working Group. Prevention of infective
endocardits: guidelines from the American Heart Association Rheumatic
Fever, Endocarditis, and Kawasaki Disease Committee, Council on
Cardiovascular Disease in the Young, and the Council on Clinical
Cardiology, Council on Cardiovascular Surgery and Anesthesia and the
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RR. Importance of preoperative hypertrophy, wall stress and end-systolic
dimension as echocardiographic predictors of normalization of left
ventricular dilatation after valve replacement in chronic aortic insufficiency.
Am J Cardiol.
ESTENOSE AÓRTICA

João Mansur Filho


Dany David Kruczan

CASO CLÍNICO
Dados básicos: paciente feminina, 70 anos, branca, casada, natural do RJ.
Doença principal: estenose aórtica.
Comorbidades: não relata.
Fatores de risco cardiovascular: dislipidemia familiar.

Quadro clínico:
História de dispneia aos pequenos esforços iniciada há um ano, com evolução
progressiva, sendo que nos últimos dois meses progrediu para dispneia em repouso e
paroxística noturna. Refere também precordialgia aos pequenos esforços.

Outros dados relevantes:


Procurou serviço médico com finalidade de esclarecimento do quadro clínico face à
suspeita de cardiomiopatia dilatada ou presença de estenose aórtica, frente a vários
exames já realizados, com resultados conflitantes em relação à etiologia.

Exame físico:
Paciente com dispneia aos pequenos esforços durante o exame. FC =101bpm; PA
=106/62mmHg; Peso =54kg; Altura =1,53m. Saturacão de O2 de 92%.
Pulso carotídeo de amplitude diminuída.
RCR em 3 tempos com presença de B4, sopro sistólico em FA com irradiação para a
região cervical, 2+/6+, pico tardio, A2 diminuída e discreto sopro (1+/6+),
holosistólico, em região de foco mitral.O sopro sistólico aórtico diminuía com manobra
isométrica.

Exames complementares:
ECG: Ritmo sinusal. Sobrecarga do AE. BRE III grau.

Ecocardiograma: Demonstrando aumento das dimensões do VE com função sistólica


comprometida de grau moderado a importante com FE de 30% e com movimento
assincrônico do SIV (BRE). Válvula aórtica tricúspide calcificada, com restrição de
abertura apresentando gradiente máximo de 43mmHg e médio de 26mmHg, e área
valvar calculada pela equação de continuidade de 0,64cm2. Regurgitacão aórtica e
mitral leves. Pressão sistólica de 47mmHg em artéria pulmonar.

Ecocardiograma de estresse: A paciente foi submetida ao ecocardiograma com


dobutamina, iniciando com dose de 5mcg/kg/min em doses crescentes até
20mcg/kg/min. Como resultado, observou-se aumento do gradiente máximo para
64mmHg e do médio para 38mmHg, e a área valvar aórtica permaneceu em 0,64cm2.
Houve melhora da função contrátil do VE com a dobutamina (aumento de 17%).

Coronariografia: Sem lesões obstrutivas e gradiente semelhante ao do ECO.

Conduta terapêutica adotada:


Diante de tais resultados caracterizou-se a paciente como portadora de estenose aórtica
verdadeira e efetuou-se a troca valvar aórtica. Paciente no momento com grande
melhora da classe funcional e da função do VE.

OBJETIVOS
1. Descrever o quadro de estenose aórtica com sua miríade de apresentações e
conduta em caso específico.
2. Discutir o diagnóstico diferencial e conduta apropriada em cada subgrupo.
3. Propor medidas terapêuticas e analisar novas perspectivas de tratamento.
PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar a causa dos sintomas?

Para a qualidade de vida ser preservada com o aumento crescente da expectativa de


vida é importante identificar e tratar apropriadamente doenças comumente encontradas
nos idosos. É estimado que 1% a 4% dos adultos >65 anos tenham estenose aórtica e
muitos desses pacientes necessitarão troca valvar, pois desenvolverão obstrução
importante.

A estenose aórtica (EA) ocorre quando há obstrução à ejeção de sangue oriundo do


ventrículo esquerdo, mais frequentemente devido à obstrução a nível valvar. Outras
causas obstrutivas são as obstruções supravalvares e subvalvares, incluindo a
cardiomiopatia hipertrófica.

Há três causas primárias de EA valvar:

Válvula aórtica anormal congênita, unicúspide ou bicúspide, com


calcificação de seu(s) folheto(s).
Doença calcificada da valva tricúspide (anteriormente chamada degenerativa
ou senil).
Doença valvar reumática

Outras causas menos comuns são estenose aórtica causada por doença aterosclerótica
da aorta e da valva. Esta forma é mais frequente em pacientes com hipercolesterolemia
importante, e é observada em crianças com hiperlipoproteinemia homozigótica tipo II.
Envolvimento da artrite reumática da valva é raro e resulta em espessamento nodular da
valva e porção proximal da aorta. Ocronose e alcaptonuria são outras causas raras de
EA assim como irradiação torácica prévia e doença de Paget.

A frequência relativa das causas de EA isolada varia de acordo com a região. A doença
valvar reumática é ainda muito comum no mundo, porém, quase invariavelmente,
acompanhada de envolvimento da valva mitral. Nos Estados Unidos e na Europa, a
doença valvar aórtica é quase em sua totalidade devida à doença calcificada tricúspide
ou bicúspide congênita. Nos EUA, em uma série de 933 pacientes submetidos à troca
valvar aórtica para EA, a valva aórtica bicúspide estava presente em mais de 50%,
incluindo 2/3 em <70 anos e 40% naqueles >70 anos1,2.

A estenose aórtica importante em pacientes sintomáticos geralmente tem uma melhora


dos sintomas e aumento da sobrevida após troca valvar aórtica. Esses benefícios
ocorrem também em pacientes que apresentam disfunção do ventrículo esquerdo e
Insuficiência cardíaca3,4.

Os pacientes com EA importante com baixo gradiente valvar e baixo débito cardíaco
(disfunção do VE) frequentemente criam um dilema diagnóstico para o clínico, porque
sua apresentação clínica e achados hemodinâmicos podem ser indistinguíveis daqueles
pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada e valva calcificada sem estenose
significativa, porém com abertura reduzida devido ao baixo débito cardíaco5,6.

2. Como se pode confirmar o diagnóstico?

Sabe-se que na EA o paciente fica um prolongado período assintomático com mínima


mortalidade; porém quando aparecem os sintomas a mortalidade é alta e a indicação
cirúrgica se torna necessária.

Os sintomas cardinais que orientam a indicação cirúrgica são: insuficiência cardíaca,


angina ou síncope. O sintoma mais comum é a diminuição da tolerância ao exercício ou
dispneia aos esforços.

A área valvar aórtica normal é estimada em 3cm2 - 4cm2 e os distúrbios


hemodinâmicos ocorrem quando houver redução de 75% dessa área. Deve-se,
inicialmente, caracterizar a gravidade da estenose aórtica que, de acordo com o
tamanho da área valvar, do gradiente sistólico VE-Aorta médio e da velocidade
máxima do fluxo aórtico pode ser considerada leve, moderada ou grave (Quadro 1).

Quadro 1
Critérios para caracterização da gravidade da estenose aórtica
VM=velocidade máxima; VA=válvula aórtica; EA=estenose aórtica

Observações: A estenose aórtica importante também pode ser considerada se a área


valvar indexada à superfície corporal for <0,6cm2/m2. Estenose aórtica crítica tem sido
definida com uma área valvar aórtica <0,75cm2 e/ou uma velocidade do fluxo aórtico
>5,0m/s 2.

Estenose aórtica de baixo gradiente e baixo fluxo é definida como uma área valvar
<1cm2, uma fração de ejecão <40% e um gradiente médio <30mmHg. Portanto, a EA de
baixo gradiente é vista em pacientes com baixo fluxo através da valva aórtica em
pacientes com disfunção importante do VE e com reduzida fração de ejeção.

É extremamente importante distinguir os pacientes com EA de baixo gradiente (que se


beneficiarão da cirurgia de troca valvar e melhorarão sua sobrevida), que é a estenose
aórtica verdadeira, daqueles que têm disfunção do VE e estenose aórtica leve a
moderada, considerada pseudoestenose. Nestes, os sintomas são devidos à disfunção
do VE e não à doença valvar, não tendo portanto sentido a abordagem valvar cirúrgica.

Portanto, o diagnóstico diferencial é preciso e de suma importância, sendo realizado


através do ecocardiograma.

Pode-se usar a resistência valvar aórtica como parâmetro de gravidade no contexto dos
pacientes de baixo fluxo/baixo gradiente porque é menos dependente do fluxo em
relação ao calculado pela área valvar. Uma resistência valvar acima de
250dynes.s/cm5 é indicativo de estenose aórtica importante, enquanto uma resistência
valvar abaixo de 200dynes.s/cm5, provavelmente não.

Entretanto, o ecocardiograma de estresse com dobutamina (DBT) é necessário para


estabelecer o diagnóstico com precisão. O teste com DBT deve ser realizado com
infusão gradativa, iniciando-se com 5mcg/kg/min e doses adicionais de 5mcg a cada
3min até a velocidade do TSVE alcançar 0,8m/s a 1,2m/s ou o TVI da VSVE alcançar
20cm a 25cm. Estes valores normalmente são alcançados com a dose de 15-
20mcg/kg/min.

A EA deverá ser considerada importante, e necessitando de troca valvar, se a área


valvar for ≤1,0cm2 e o gradiente médio >30mmHg após a dose máxima de DBT. Assim,
é importante considerar tanto a área valvar quanto o gradiente médio.

Outro dado importante no estudo da DBT é a reserva contrátil do VE, sendo satisfatório
um acréscimo do volume sistólico >20% com DBT. A falta de reserva inotrópica do VE
com DBT acarreta uma mortalidade peroperatória pior em comparação com aqueles
com boa reserva inotrópica. Porém, mesmo com uma baixa reserva inotrópica, a
cirurgia de troca valvar ainda é a melhor opção de tratamento.

Nos pacientes com pseudoestenose, o aumento do fluxo transvalvar aórtico resulta em


aumento significativo da área valvar >0,2cm2, porque com os folhetos flexíveis eles
abrem numa maior extensão, enquanto o gradiente transvalvar aumenta levemente.
Entretanto, pequeno aumento da área valvar aórtica pode ser visto em alguns pacientes
com EA importante, confirmados cirurgicamente e, portanto, não exclui uma doença
valvar fixa. Isto se deve ao fato de que a infusão de DBT leva a aumento variável do
fluxo transaórtico e em alguns pacientes uma taxa de fluxo satisfatória poderia não ser
alcançada. Numa tentativa de padronizar estes achados, foi usada uma área valvar
aórtica projetada. Essa abordagem requer cálculos e medidas mais complexas e
posterior necessária validação7.

Outro exame que pode ser usado é o peptídeo natriurético cerebral (BNP) na tentativa
de separar os pacientes com EA verdadeira daqueles com pseudoestenose. Foram
avaliados 69 pacientes com gradiente médio baixo (≤40mmHg) e baixo fluxo (área
valvar aórtica –AVA - ≤0,6cm2/m2). Após classificação pelo ecocardiograma com DBT,
aqueles com EA verdadeira tinham BNP maior em relação àqueles com pseudoestenose
(média de 743x471pg/ml). Entretanto outros estudos são necessários para validação
desse método para o diagnóstico diferencial8.

Um estudo inicial sobre a excursão sistólica do plano anular mitral (MAPSE) ou o


deslocamento do anel pode ser útil em distinguir a estenose aórtica pelo menos
moderada (MAPSE <9mm) daqueles com estenose moderada (MAPSE ≥9mm)9.

3. Como podemos explicar o mecanismo fisiopatológico da EA?


Nesse grupo de pacientes a disfunção do VE é geralmente decorrente de um aumento
indevido da pós-carga (afterload mismatch). Então, a área e o gradiente podem estar
subestimados nessas condições de baixo fluxo porque, tanto a fórmula de Gorlin, quanto
a equação de continuidade, medem a área efetiva valvar10.

Durante o estado de baixo fluxo, a valva aórtica pode não abrir em toda a sua extensão
devido ao baixo débito. Portanto um paciente com área valvar calculada de 0,7cm2 num
contexto de baixo débito cardíaco e baixo fluxo transvalvar poderia ter uma estenose
aórtica com uma doença somente moderada e não grave, pois a valva não teria uma
abertura maior devido à cardiomiopatia subjacente. Tal paciente, portanto, não se
beneficiaria de uma troca valvar. Por outro lado, é evidente que alguns pacientes teriam
uma disfunção do VE secundária a uma estenose aórtica anatomicamente importante.
Esses pacientes apresentam, frequentemente, uma hipertrofia do VE inadequada que faz
com que o estresse de parede aumente dramaticamente de tal modo que a função do VE
deteriore. O alívio da pós-carga com a troca valvar melhora a função do VE e resulta
em bom resultado clínico.

4. Qual o prognóstico? Existe algum tratamento que comprovadamente reduza


desfechos (morte e internação) neste caso?

A troca valvar aórtica é recomendada em pacientes com EA importante e com sintomas,


porque melhora o prognóstico com aumento da expectativa de vida e também a
sintomatologia.

Normalmente a decisão de cirurgia não é baseada unicamente nos dados


hemodinâmicos, pois os doentes assintomáticos poderão ser seguidos clinicamente com
atenção ao aparecimento da sintomatologia típica (insuficiência cardíaca, síncope e
angina). Porém naqueles com EA importante e assintomáticos com disfunção de VE
(caracterizada como fração de ejeção <50%) são considerados como classe I para
indicação cirúrgica, ou uma calcificação valvar importante com rápida progressão da
estenose (classe IIb) também são considerados como candidatos à abordagem
cirúrgica11,12.

Os pacientes com a EA de baixo gradiente e baixo débito cardíaco apresentam uma


morbidade e mortalidade consideráveis com a cirurgia de troca valvar e o risco ainda é
maior naqueles que têm concomitantemente doença arterial coronariana13,14.

Em relato de 52 pacientes com FE do VE ≤35% (média de 26%) e um gradiente médio


transvalvar <30mmHg (média de 26mmHg), a mortalidade peroperatória (30 dias) foi
21% e a sobrevivência em três a cinco anos foi 62% e 39%, respectivamente.
Entretanto, entre os sobreviventes houve melhora na classe funcional e FE do VE14. A
cirurgia é recomendada naqueles com disfunção do VE com EA verdadeira porque o
resultado cirúrgico é melhor que o tratamento médico.

Outro fator prognóstico é a reserva contrátil: entre aqueles que se submeteram à troca
valvar aórtica, os que tinham reserva contrátil apresentavam menor mortalidade
peroperatória (21% vs. 79%). Por outro lado, em relato de 66 pacientes, a melhora da
FE do VE e da classe funcional foram similares com ou sem reserva contrátil15.

Em síntese, com o aumento da idade e o uso mais disseminado do ecocardiograma, a


EA está sendo mais diagnosticada. Pacientes com EA importante e sintomas deverão ser
submetidos à cirurgia de troca valvar. Qualquer sintoma, mesmo que leve, deve ser
considerado para intervenção cirúrgica.

O teste de esforço pode ser indicado em casos de dúvida, porém sempre em ambiente
hospitalar. Não deve ser realizado em pacientes sintomáticos.

Os sintomas principais para a indicação cirúrgica são: angina, síncope e insuficiência


cardíaca.

O ecocardiograma é o exame fundamental no diagnóstico da EA e com o uso da DBT no


diferencial entre estenose verdadeira e pseudoestenose. Também é útil no cálculo da
reserva contrátil.

Embora os pacientes com EA e disfunção do VE tenham maior risco de mortalidade


peroperaória, eles devem ser submetidos à intervenção cirúrgica.

Atualmente pode-se considerar a possibilidade de troca valvar percutânea em casos


selecionados que, segundo a Diretriz Brasileira de Valvopatias - SBC 2011 e a I
Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 201116 seguem os seguintes critérios:
pacientes com EAo grave e sintomática que tenham idade >80 anos, tenham
comorbidades que elevem de forma proibitiva o risco para a cirurgia cardíaca
tradicional e que tenham condição anatômica, morfológica e funcional favorável ao
procedimento percutâneo.

Recentemente, uma nova entidade descrevendo pacientes com EAo importante e baixo
gradiente na presença de fração de ejeção normal tem sido relatada. Esses pacientes
talvez possam representar um subgrupo de EAo importante em estágio avançado com
volume de ejeção reduzido em razão da função ventricular comprometida apesar da FE
preservada. Esses pacientes teriam pior prognóstico, especialmente se a cirurgia não
for indicada. Entretanto, segundo a Diretriz de Valvopatias-SBC 2011e a I Diretriz
Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 essa conduta ainda não está bem
estabelecida16.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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tricuspid aortic valves in adults having isolated aortic valve replacement for
aortic stenosis, with or without associated aortic regurgitation. Circulation.
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Patients with Valvular Heart Disease: a report of the American College of
Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines
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Patients with Valvular Heart Disease): endorsed by the Society of
Cardiovascular Anesthesiologists, Society for Cardiovascular Angiography
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Management of Valvular Heart Disease of the European Society of
Cardiology. Eur Heart J. 2007;28(2):230-68.
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Severe aortic stenosis with low transvavular gradient and severe left
ventricular dysfunction: result of aortic valve replacement in 52 patients.
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Influence of preoperative left ventricular contractile reserve on postoperative
ejection fraction in low-gradient aortic stenosis. Circulation.
2006;113(14):1738-44.
16. Tarasoutchi F, Montera MW, Grinberg M, Barbosa MR, Piñeiro DJ, Sánchez
CRM, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretriz Brasileira de
Valvopatias – SBC 2011. I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC
2011. Arq Bras Cardiol. 2011;97(5 supl. 1):1-67.
DOENÇA MITROAÓRTICA

Marcela Cedenilla dos Santos


Clara Weksler

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 56 anos, branca, natural do Rio de Janeiro, com histórico de febre
reumática (FReu) e uso de penicilina benzatina até os 40 anos. Há 16 anos passou a
apresentar dispneia e cansaço progressivos. Há 10 anos submeteu-se a valvuloplastia
mitral percutânea. Evoluiu assintomática por três anos quando voltou a apresentar os
mesmos sintomas.

Ultimamente, vem apresentando cansaço aos mínimos esforços, edema de membros


inferiores, palpitações e ortopneia. Relata ainda episódios de dor precordial em aperto
com irradiação para a mandíbula. A precordialgia ocorre durante os esforços e
eventualmente em repouso. Em virtude desses sintomas foi internada na enfermaria de
doenças orovalvares do Instituto Nacional de Cardiologia (INC) com diagnóstico de
insuficiência cardíaca (IC) descompensada. Nessa ocasião encontrava-se em uso de
furosemida 80mg/dia, atenolol 50mg/dia, captopril 25mg/dia, aldactone 25mg/dia e
varfarina 5mg/dia. Nega comorbidades associadas.
À internação a paciente encontrava-se em regular estado geral, eupneica, com pressão
arterial (PA) =140x60mmHg, pulsos irregulares e frequência cardíaca (FC) =92bpm.
Peso =65kg; Altura =1,62m.

Pulso carotídeo visível, de amplitude aumentada do tipo bisferiens e com frêmito


sistólico. Jugulares túrgidas com uma onda V bastante pronunciada. Íctus do ventrículo
esquerdo (VE) visível e palpável com três polpas digitais na linha axilar anterior.
Pronunciado batimento do ventrículo direito (VD). O ritmo cardíaco era anárquico, e
havia uma terceira bulha palpável no foco mitral. Hiperfonese da primeira bulha e do
componente pulmonar da segunda bulha (P2). No foco aórtico, sopro sistólico ejetivo
2+/6 e sopro diastólico +3/6 aspirativo que se irradiava para a borda esternal
esquerda. No foco mitral encontrava-se um ruflar diastólico com intensidade de +2/6 e
a presença de um estalido de abertura mitral. No foco tricúspide, sopro sistólico +2/6
que aumentava com a inspiração.

Murmúrio vesicular universalmente audível e sem ruídos adventícios. Hepatomegalia


dolorosa e discreto edema de membros inferiores.

Eletrocardiograma (Figura 1): fibrilação atrial (FA), com critérios de voltagem para
hipertrofia ventricular esquerda (HVE).

Radiografia de tórax (Figura 2): acentuado aumento da área cardíaca, à custa do VE,
abaulamento do arco médio e sinal de duplo-contorno, configurando aumento de átrio
esquerdo. Presença de hipertensão venocapilar e arterial pulmonar.

Figura 1
Eletrocardiograma. Verifica-se a presença de fibrilação atrial com frequência cardíaca de 72bpm, eixo a 0º, e critérios
de voltagem para hipertrofia do VE com alterações secundárias da repolarização ventricular.

Figura 2
Radiografia de tórax em PA. Verifica-se ausência de alterações pleuropulmonares e aumento da área cardíaca com
presença do sinal do duplo-contorno, presença de quarto arco e abaulamento do arco médio (sinais de aumento do AE
e de HAP), e com uma borda cardíaca inferior esquerda proeminente denotando significativo aumento do VE.
OBJETIVOS
1. Discutir as principais dificuldades encontradas no manejo de pacientes com
lesões multivalvares.
2. Identificar os exames complementares que possam auxiliar no esclarecimento
da gravidade das lesões e necessidade de correção cirúrgica.
3. Discutir o prognóstico dos pacientes com doença multivalvar.

PERGUNTAS
1. Como caracterizar a doença mitroaórtica?

As lesões multivalvares podem ser adquiridas ou congênitas. A febre reumática é a


principal etiologia em todo o mundo, porém sua incidência nos países desenvolvidos
tem diminuído nas ultimas décadas. O envolvimento aórtico está presente em 40% dos
pacientes com lesão mitral reumática, entretanto o acometimento isolado da valva
aórtica é incomum1. A doença mitrotricuspídea é mais frequentemente encontrada em
pacientes com degeneração mixomatosa da valva mitral e insuficiência tricúspide
secundária à hipertensão pulmonar com dilatação do VD. A síndrome de Marfan e
outras doenças do tecido conjuntivo podem provocar prolapso valvar mitral e dilatação
anular aórtica. A degeneração fibrocálcica acomete tanto a valva aórtica quanto o anel
mitral, provocando estenose aórtica e regurgitação mitral2. Ao contrário da doença
valvar isolada, não existem recomendações específicas para o manejo das lesões
combinadas. Cada caso deve ser considerado individualmente, e a conduta é baseada
no entendimento dos distúrbios hemodinâmicos e no efeito dos mesmos sobre a função
ventricular. Na avaliação desses pacientes, o caminho mais simples é determinar a
lesão dominante e direcionar a conduta com base na lesão principal3.

2. Com base nos dados clínicos relatados, quais são as prováveis causas dos
sintomas apresentados pela paciente?

A provável causa dos sintomas é a combinação de insuficiência aórtica (IAO) grave e


estenose mitral (EM) moderada. As lesões combinadas determinam o desenvolvimento
de hipertensão venocapilar e arterial pulmonar, com repercussão no lado direito do
coração.
O pulso arterial de amplitude aumentada, a pressão arterial divergente, a presença de
um íctus desviado para a esquerda, de um sopro diastólico de características
aspirativas no foco aórtico e de uma terceira bulha são compatíveis com o diagnóstico
de IAO importante. A presença de uma primeira bulha marcada e do estalido de
abertura, associados ao ruflar diastólico mitral são compatíveis com o diagnóstico de
EM concomitante. A IAO parece ser a lesão predominante, já que apesar da presença
da EM, o VE aumentou de tamanho deslocando o íctus para a linha axilar à palpação.

A presença dos sinais periféricos da IAO é outro achado que confirma o predomínio da
IAO sobre a EM. A EM não é a lesão predominante, porém é hemodinamicamente
significativa. A paciente apresenta hiperfonese de P2, indicativo de hipertensão
pulmonar, sinais de insuficiência cardíaca direita e fibrilação atrial, achados
característicos da EM.

3. Com diagnóstico clínico de EM moderada e IAO grave, quais os exames a serem


realizados para o esclarecimento do caso?

O ecocardiograma é o primeiro método a ser solicitado para confirmar a presença e a


gravidade das lesões3. O ecocardiograma pode auxiliar na definição da etiologia das
lesões valvares e demonstrar as repercussões hemodinâmicas das lesões. O grau de
dilatação do VE documentado pelo ecocardiograma é importante na avaliação da lesão
valvar dominante, e determina a conduta3.

A presença de um VE pequeno é incompatível com diagnóstico de IAO grave. Os dados


apresentados ao ecocardiograma (Quadro 1) confirmam o aumento das cavidades
esquerdas e a hipótese clínica de IAO grave.

Quadro 1
Resultados ao ecocardiograma

Ao=aorta; AE=átrio esquerdo; SIV=septo interventricular; PP=parede posterior do VE; VED=ventrículo esquerdo na
diástole; VES=ventrículo esquerdo na sístole; FE=fração de ejeção; PHT=tempo de meia-pressão; PSAP=pressão
sistólica de artéria pulmonar

O gradiente transmitral e a área valvar calculados pelo eco são compatíveis com o
diagnóstico de EM leve. No entanto, o exame físico sugere comprometimento
significativo da valva mitral. Pacientes com lesão aórtica isolada não costumam
apresentar sinais de insuficiência cardíaca direita ou de hipertensão arterial pulmonar
grave. O grande aumento do átrio esquerdo e a presença de fibrilação atrial são
compatíveis com a presença de lesão mitral significativa. Como se observa, o
ecocardiograma não evidenciou lesão mitral significativa. É importante ressaltar que a
área valvar estimada pelo método do tempo de meia-pressão (PHT) costuma estar
superestimada na presença de IAO importante. Nesses casos, a medida da área valvar
feita pela planimetria é mais fidedigna4.

A fibrilação atrial também dificulta a quantificação da gravidade da lesão mitral. Em


virtude da variação dos tempos de enchimento ventricular faz-se necessário obter a
média de pelo menos sete a 10 ciclos para a estimativa adequada da área valvar. O
ECO bidimensional também avalia o grau de comprometimento anatômico da valva, a
presença de calcificação significativa e o grau de abertura dos folhetos. Essas
informações auxiliam no diagnóstico da gravidade da lesão.

O estudo hemodinâmico pode auxiliar na quantificação da gravidade das lesões em


pacientes sintomáticos. Este exame está indicado quando os testes não invasivos são
inconclusivos ou quando há discrepância entre os achados clínicos e o
ecocardiograma3. Como havia dúvidas sobre a indicação cirúrgica da estenose mitral e
a paciente apresentava sintomas de angina pectoris típica, foi indicada a
cineangiocoronariografia com estudo hemodinâmico. A cineangiocoronariografia é
realizada de rotina no pré-operatório de pacientes portadores de doença orovalvar com
suspeita de doença arterial coronariana ou >40 anos de idade3.

A paciente apresentava coronárias normais, o estudo hemodinâmico foi compatível com


o diagnóstico de IAO grave, EM grave e HAP grave.

O ecocardiograma de estresse pode ser de grande auxílio na indicação cirúrgica das


lesões combinadas e também muito útil nas lesões mitroaórticas. Quando há dúvida
sobre a importância das lesões valvares, o desenvolvimento de hipertensão pulmonar
grave (>60mmHg) confirma a necessidade de intervenção cirúrgica5.

O ecocardiograma de esforço ou com dobutamina pode ser realizado quando há dúvida


na quantificação da importância da EM. Durante o esforço, o ecocardiografista pode
documentar um aumento significativo do gradiente transmitral, da pressão do átrio
esquerdo e da artéria pulmonar. Pacientes que desenvolvem hipertensão pulmonar
>60mmHg ou que apresentam gradiente transmitral médio >15mmHg durante o
exercício, são considerados portadores de EM grave. Durante a infusão de dobutamina,
uma elevação do gradiente transmitral médio >18mmHg prediz eventos clínicos com
90% de acurácia6.

O teste ergométrico fica reservado para a avaliação da classe funcional e nos pacientes
com sintomas duvidosos3.

4. Qual o tratamento cirúrgico mais indicado no caso descrito?

A combinação de troca valvar aórtica e mitral geralmente está associada a risco mais
elevado e sobrevida pior do que a troca de apenas uma das valvas7, sendo o risco
operatório cerca de 70% maior na dupla-troca. O banco de dados do comitê da
Sociedade Americana de Cirurgia Torácica8 demonstra uma taxa de mortalidade
operatória de 9,6% para troca valvar múltipla, comparada com 4,3% e 6,4% para a
troca valvar aórtica e mitral, respectivamente8.

Em virtude da elevada morbimortalidade peroperatória, recomenda-se maior cautela na


indicação de cirurgia em pacientes com doença multivalvar. Dessa maneira, a cirurgia
só está indicada a pacientes em classe funcional III ou IV da NYHA e naqueles com
piora progressiva da função ventricular2.

No caso clínico descrito, a indicação cirúrgica se justifica por se tratar de uma paciente
com sintomas de insuficiência cardíaca avançada. A plastia da valva mitral realizada
em conjunto com a troca da valva aórtica tem menor risco cirúrgico, e é preferível à
dupla-troca, devendo ser realizada sempre que possível8. Na paciente em questão foi
indicada a troca da valva aórtica associada à comissurotomia mitral, visto que a valva
mitral apresentava anatomia favorável - escore de Block <8 (Quadro 1).

5. Qual o prognóstico desta pacientes após a correção cirúrgica das lesões


apresentadas?

Os fatores de risco que reduzem a sobrevida após a dupla-troca são: idade avançada,
classe funcional III ou IV da NYHA, disfunção sistólica do VE, dilatação do VE e
doença arterial coronariana concomintante8. A paciente em questão parece ter bom
prognóstico, visto que o melhor preditor de sobrevida a longo prazo nos pacientes com
doença mitroaórtica é o estado da função ventricular no pré-operatório9.

A presença de regurgitação valvar tricúspide grave é o segundo maior preditor de


sobrevida a longo prazo. A menor mortalidade e o bom prognóstico em longo prazo
tornam obrigatória a troca valvar antes que ocorra deterioração da função ventricular.

A insuficiência cardíaca pode se instalar de maneira insidiosa muitos anos após a troca
valvar, e o transplante pode ser necessário quando a insuficiência cardíaca é refratária
à terapia medicamentosa. Pacientes com sobrecarga volumétrica importante no pré-
operatório e função miocárdica deprimida têm maior chance de evoluir tardiamente
para transplante cardíaco após a troca valvar9.

6. Quais as principais características dos pacientes com lesões orovalvares


combinadas?

Na maioria dos casos, o envolvimento multivalvar é provocado pela febre reumática.


Diversas síndromes clínicas e hemodinâmicas podem ser produzidas por diferentes
combinações de anomalias valvares2.

As manifestações clínicas dependem da gravidade relativa de cada uma das lesões.


Quando as lesões são de gravidade semelhante, as manifestações clínicas decorrentes
da lesão mais proximal predominam, isto é, o acometimento mitral predomina nos
pacientes com doença mitroaórtica, e o acometimento da valva tricúspide predomina
naqueles com doença mitrotricuspídea2.

O acometimento multivalvar é de difícil diagnóstico. O predomínio de uma lesão valvar


proximal pode mascarar as manifestações clínicas e ecocardiográficas da lesão distal.
A quantificação adequada dessas lesões é muito importante, uma vez que a falha na
correção de todas as lesões significativas no momento da cirurgia pode aumentar de
maneira significativa a mortalidade e diminuir a sobrevida a médio e longo prazo.
Assim, a determinação adequada da gravidade das lesões requer uma avaliação
criteriosa e abrangente, englobando os dados clínicos, ecocardiográficos e as
informações hemodinâmicas derivadas do cateterismo cardíaco direito e esquerdo.

Cerca de 2/3 dos pacientes com EM grave apresentam sopro diastólico ao longo da
borda esternal esquerda com pulso e pressão arterial normais2. Em aproximadamente
90% desses pacientes, o sopro é devido à insuficiência aórtica leve ou moderada, em
geral de pouca importância clínica. Todavia, cerca de 10% dos pacientes com EM
apresentam IAO grave10.

A regurgitação aórtica pode passar despercebida nos pacientes com EM grave. O pulso
arterial pode ser normal ou de amplitude muito pouco aumentada. A pressão arterial
pode não ser divergente, e o VE nem sempre se encontra aumentado. Por outro lado, o
ruflar da EM pode ser confundido com o sopro de Austin-Flint. A presença de uma
primeira bulha marcada e do estalido de abertura levantam a suspeita de estenose mitral
associada. A manobra de hand-grip pode ser útil no diagnóstico diferencial, pois o
sopro de regurgitação aórtica e o sopro de Austin-Flint aumentam com ela.

Quando EM e estenose aórtica (EAO) coexistem, a primeira pode mascarar as


manifestações da segunda10. O débito cardíaco tende a ser mais reduzido do que
naqueles pacientes com estenose aórtica isolada. A EM reduz o enchimento ventricular
esquerdo (pré-carga), a pressão sistólica ventricular esquerda e o gradiente de pressão
transvalvar aórtico. Essas alterações hemodinâmicas retardam o aparecimento de HVE,
reduzem a incidência de angina e adiam o desenvolvimento de calcificação valvar
aórtica2.

Por outro lado, congestão pulmonar, fibrilação atrial e embolia sistêmica ocorrem mais
frequentemente quando a EM se associa a EAO do que naqueles com EAO isolada. A
quarta bulha pode estar ausente nos pacientes com EAO grave e EM mitral
concomitante. O volume sistólico reduzido pela presença de EM associada pode tornar
o sopro da EAO discreto. Nos pacientes com EM e indicação de valvuloplastia mitral
percutânea, o diagnóstico de doença valvar aórtica significativa é crucial. Esse
procedimento pode ser arriscado. Um VE anteriormente protegido pela EM pode não
resistir à súbita sobrecarga hemodinâmica produzida pela correção da EM, o que
muitas vezes precipita a congestão pulmonar e o edema agudo de pulmão2.

A combinação de EAO grave e regurgitação mitral é perigosa, uma vez que a obstrução
ao fluxo de ejeção do VE aumenta o volume de regurgitação mitral2. Além disso, a
regurgitação mitral pode dificultar a avaliação da gravidade da EAO devido a uma
redução do fluxo anterógrado. O resultado é uma redução de débito cardíaco e
incremento no grau de hipertensão atrial esquerda e venosa pulmonar. A regurgitação
mitral também pode superestimar a fração de ejeção e, dessa maneira, mascarar o
desenvolvimento de disfunção sistólica causada pela EAO4.

A presença concomitante de regurgitação mitral e aórtica é relativamente comum e


acarreta uma grave dilatação do VE2. As características clínicas da regurgitação aórtica
predominam. Muitas vezes é difícil determinar se a regurgitação mitral é orgânica ou
secundária à dilatação do anel, secundária ao aumento do VE. A combinação de IM e
IAO graves é pouco tolerada, já que o sangue pode refluir da aorta através de ambas as
câmaras esquerdas para o interior das veias pulmonares2.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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(eds). Braunwald: Tratado de Doenças Cardiovasculares. 8a ed. Rio de
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RO (eds). Braunwald: Tratado de Doenças Cardiovasculares. 8a ed. Rio de
Janeiro: Elsevier; 2010. p.1625-93.
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revise the 1998 Guidelines for the Management of Patients with Valvular
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mitral valve area flow-dependent in mitral stenosis? A dobutamine stress
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Thorac Surg. 1999;67(4):943-51.
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& Wilkins; 2000. p 291-337.
ABORDAGEM DA INSUFICIÊNCIA
TRICÚSPIDE: FATORES DETERMINANTES

Marcia Maria Barbeito Ferreira


Amanda Dias Bonfim

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 36 anos, natural do Rio de Janeiro, professora primária, sem religião
específica.
Queixa principal: Falta de ar e barriga inchada.
HDA: Há dois anos início de dispneia progressiva, chegando aos médios esforços,
associada a palpitações. Evoluindo até que há um ano, além da dispneia aos pequenos
esforços, associou-se dispneia paroxística noturna (DPN), ortopneia, aumento do
volume abdominal e edema de membros inferiores (MIS). Refere uso irregular da
medicação. Fazia atualmente uso irregular de betabloqueador, diurético.

HPP: doenças comuns da infância, amigdalite de repetição, e alguns episódios de


reumatismos que não sabe precisar.
HFís, social e familiar: sem fatores de importância.

Exame físico:
Paciente emagrecida, acianótica, hipocorada 1+/4+, anictérica.
PA =110x70mmHg; FC=100bpm; FR=12irm
ACV: Pulso jugular com onda V, pulso carotídeo de baixa amplitude, irregular, sem
frêmitos ou sopros, restante dos pulsos de amplitude diminuída também. Sem
adenomegalias.
Íctus tópico, impulsão de ventrículo direito (VD), segunda bulha palpável no bordo
esternal esquerdo (BEE). RCIRR 2T, M1 algo diminuída, P2 hiperfonética, ruflar
diastólico 3+/6+, SS 3+/6+ em meso, holossistólico com manobra de Rivero Carvalho
positiva. Não se ouvia estalido de abertura da válvula mitral (EAM).

Aparelho respiratório: Murmúrio vesicular (MV) universal, mas diminuído em ambas


as bases com alguns estertores subcrepitantes, também nas bases.
Abdômen: Volume abdominal aumentado, com hepatimetria aumentada, dolorosa à
palpação, com refluxo hepatojugular. Baço impalpável.
Membros inferiores (MIS): Edema 3+/6+, mole e indolor, sem sinais flogísticos.

Exames complementares:
ECG: ritmo de fibrilação atrial com FC =104bpm; ÂQRS 90°, SAE, SVD.
RX tórax: Aumento de átrio esquerdo (AE), VD, congestão pulmonar, hipertensão
venocapilar pulmonar. Derrame pleural pequeno à direita.
Ecocardiograma (Figura 1): AE =58mm; Ao=33mm; VEd =45mm; VEs =32mm, Septo e
PPVE =10mm; FE=40%.
Função VE normal em repouso, AE aumentado, VD aumentado com sinais de disfunção.
Válvula mitral reumática, calcificada, espessada, com Block =11mmHg. Válvula
aórtica levemente espessada com regurgitação leve.
Insuficiência tricúspide grave e pressão de artéria pulmonar (PAP) =80mmHg.

A paciente foi medicada com diurético venoso, espironolactona e betabloqueador para


controle da frequência, com melhora clínica, redução da ascite, retorno do fígado ao
tamanho normal, sem edema de MIS e redução da intensidade do sopro da IT.

Evolução
Ecocardiograma após ajuste terapêutico: AE =55mm; Ao =33mm; VEd =46mm; VEs
=30mm; septo e PPVE =10mm; FE =53%.
AE aumentado, boa função de VE em repouso, VD aumentado, sem sinais de disfunção,
insuficiência tricúspide leve, PAP =55mmHg. Estenose mitral grave.
Figura 1
EcoDoppler: corte apical quatro câmaras evidenciando IT grave.

Figura 2
Ressonância magnética cardíaca da paciente relatada.

OBJETIVOS

1. Conceituar e caracterizar a lesão tricúspide, pontuando a sua importância.


2. Discutir as opções de tratamento e conduta.
3. Discutir o momento ideal e a melhor abordagem da válvula tricúspide.
PERGUNTAS
1. Qual a hipótese diagnóstica para o caso clínico apresentado?

O diagnóstico da paciente é estenose mitral (EM) reumática grave, com insuficiência


tricúspide (IT), hipertensão arterial pulmonar (HAP), congestão sistêmica e fibrilação
atrial (FA) com FC elevada que favoreceu a descompensação. Após controle da FC e
redução da volemia, desaparecem os sinais de congestão pulmonar e também sistêmica,
e a insuficiência tricúspide torna-se leve1.

2. Como conduzir o caso e quais são os exames a serem solicitados?

A paciente deverá se manter com a medicação para controle da FC, não necessitando de
digital, apesar da congestão e leve disfunção do VD, pois a redução da frequência e da
volemia melhorou a pressão da artéria pulmonar e aliviou o VD. Um novo
ecocardiograma provavelmente confirmará os achados clínicos.

Deveriam ser solicitados ainda provas de atividade reumática, apesar da idade, devido
à profissão que coloca a paciente em grupo de risco maior de doença reumática ativa
em pacientes mais velhos. Também deveria ser mantida a profilaxia por toda a vida1.

3. Como fazer a avaliação do ventrículo direito por ressonância nuclear magnética?

A avaliação do ventrículo direito é importante marcador do prognóstico e do risco


cirúrgico. Uma avaliação acurada de sua função pode ser bastante difícil devido à
complexidade da geometria dessa cavidade. Ao contrário do ventrículo esquerdo que
possui uma forma elipsoide simétrica, o ventrículo direito possui formato em crescente
numa secção transversal e um formato triangular quando em visão lateral. Devido à
complexidade tanto do formato quanto da contratilidade do VD, os modelos
matemáticos para acessar tanto seu volume quanto sua função são difíceis e de pouca
acurácia. Atualmente apenas os exames com resolução em 3D podem fornecer dados
mais precisos.

A RNM tem a capacidade de avaliar o coração por inteiro e em qualquer plano e, ao


contrário da ecocardiografia, as imagens não são limitadas pela janela acústica. Isso é
particularmente importante quando se refere ao ventrículo direito e seu acesso pela
janela subesternal. Por essa razão, a RNM cardíaca é considerada o padrão-ouro para a
avaliação funcional e estrutural do ventrículo direito. Uma avaliação acurada do VD é
fundamental para definir o mecanismo da disfunção e, com isso, a definição terapêutica
correta.

Além dos pacientes com janelas acústicas ruins, aqueles com ecocardiogramas
conflitantes também se beneficiariam da RNM. Este exame pode identificar importantes
alterações que passam despercebidas pelo ECOTT, tais como defeitos do seio venoso,
ducto arterioso patente e drenagem venosa anômala. Entretanto, como todo exame
complementar, este também apresenta suas limitações; frequentemente necessita de
apneia, de ritmo cardíaco regular para um melhor resultado e exclui todos os pacientes
portadores de marca-passos, ressincronizadores e cardiodesfibriladores implantáveis.
Além disso, é um exame de alto custo e pouco disponível2,3 (Figura 2).

4. Qual a conduta diante da melhora clínica e ausência de sintomas, no momento?

A conduta não se modifica com a ausência dos sintomas após o tratamento, pois a
paciente apresenta EM grave, HAP e IT, com disfunção de VD. Sua melhora e a redução
da gravidade da IT e da HAP não reduzem a gravidade da paciente. Já existe um
acometimento importante do VD pela hipertensão pulmonar crônica. O desaparecimento
da IT e a redução dos níveis de HAP só demonstram que a paciente ainda tem reserva
de VD, mas que ao ser sobrecarregado, a disfunção insipiente reaparece1,4,5.

5. Qual seria o tratamento para esta paciente?

O tratamento para esta paciente seria o implante de uma prótese mitral mecânica, pela
idade e nível intelectual, associado à plastia da válvula tricúspide e ablação da FA6,7.

6. Mas por que abordar a IT se agora ela se tornou leve?

A hipertensão pulmonar e a insuficiência tricúspide residuais são marcadores de


prognóstico da cirurgia corretiva a curto, médio e longo prazo. Estudos mostram que a
persistência da IT moderada a grave no pós-operatório a médio e longo prazo é um
marcador independente de insuficiência cardíaca classe III e IV da NYHA, morte
relacionada à insuficiência cardíaca e mesmo de todas as causas de morte em cinco
anos8-13.
Outros estudos mostram que apenas 50% dos pacientes que ficaram com IT grave
residual, após troca valvar mitral, sobreviveram também em cinco anos14. Portanto a
não abordagem da IT ou a sua persistência no pós-operatório será marcador de
prognóstico. A reintervenção cirúrgica para abordar somente a válvula tricúspide
apresenta prognóstico ruim, com alta mortalidade, baixa sobrevida em longo prazo e
pouca melhora na capacidade funcional em muitos desses pacientes. A mortalidade
peroperatória pode alcançar entre 11% e 20%. Os resultados se mostram melhores
quando os pacientes têm função ventricular direita preservada e, portanto, com
indicação cirúrgica no momento adequado14-16.

Além da IT, a hipertensão arterial pulmonar e a função do VD são marcadores de


prognóstico. Kaul et al.5 mostraram que pacientes com maior hipertensão pulmonar no
pré-operatório tinham menos IT residual no seguimento, melhor capacidade funcional e
melhor sobrevida. Então como explicar que hipertensão pulmonar é marcador de
prognóstico? No trabalho, os autores observaram que as pressões de artéria pulmonar
baixa se deviam à disfunção do VD.

A causa da IT secundária a doenças do lado esquerdo se deve à dilatação anular.


Antunes e Barlow15 sugerem que a doença reumática acometa diretamente o anel
tricúspide, tornando-o mais fraco, circular e plano, causando a IT. O anel tricúspide
normal mede em torno de 2,8±0,5cm e existe uma boa correlação do volume
regurgitante tricúspide e o diâmetro do anel6.

Trabalhos com hipertensão pulmonar e dilatação de anel tricúspide mostram que a


redução desta causada por queda da pressão, por lise do êmbolo em caso de
hipertensão e em embolia pulmonar7, ou por valvuloplastia mitral por balão, não altera
o diâmetro do anel. Isso implica que a dilatação do anel tricúspide é irreversível,
explicando o mecanismo da IT tardia nas doenças mitrais4.

Por tudo isso, a abordagem da IT na doença mitral é de suma importância e deve ser
sempre discutida, considerando-se o grau da IT, o momento em que foi avaliada, o nível
de pressão da artéria pulmonar, o diâmetro do anel tricúspide e a função do ventrículo
direito. Anuloplastia tricúspide melhora a sobrevida e a capacidade funcional sem
aumentar de forma significativa a morbidade e mortalidade cirúrgica17.

7. Para quais pacientes deve-se indicar a abordagem da válvula tricúspide?

De acordo com os guidelines da AHA e ESC, pacientes com indicação cirúrgica para
troca ou reparo da válvula mitral e IT grave – classe I1.

Com base nos dados disponíveis e experiência deste grupo, deve ser indicada a plastia
tricúspide profilática em pacientes com indicação cirúrgica para troca ou reparo valvar
mitral se o anel tricúspide for ≥3,0cm (ao ecocardiograma), independente do grau de
insuficiência tricúspide, especialmente nos pacientes de etiologia reumática.

A melhor evidência da utilidade da anuloplastia e a importância do tamanho do anel


tricúspide encontra-se no estudo de Dreyfus et al.13. Eles estudaram 311 pacientes
submetidos a reparo mitral (65% etiologia degenerativa e 14% reumática). O diâmetro
do anel foi medido no intraoperatório da comissura anterosseptal à comissura
anteroposterior. O reparo tricúspide com anel Carpentier-Edwards foi indicado,
independente do grau de insuficiência, se o tamanho anular ≥7cm (equivalente a 4cm no
ECOTT). A plastia foi realizada em 48% dos pacientes; destes 88% tinham
insuficiência tricúspide leve. Apesar de os pacientes serem mais graves, eles
apresentaram maior sobrevida, melhor capacidade funcional e sobrevida livre de IT em
acompanhamento de longo prazo (10 anos)13 (Figura 3).

Figura 3
Algoritmo para a decisão de cirurgia mitral16
8. Qual a melhor técnica cirúrgica?

Quando se fala em IT funcional, a anuloplastia é a técnica de escolha. A dilatação do


anel ocorre preferencialmente na sua porção mural. Baseado nisso, De Vega, citado por
Tang et al.17 desenvolveu seu procedimento que consiste em realizar uma plicatura das
porções posterior e anterior do anel com uma dupla-sutura contínua, preservando a sua
porção septal17.

O uso rotineiro de um anel rígido ou semirrígido, como o anel de Carpentier, tem sido
considerado superior e recomendado por alguns grupos15,18. O reparo tricúspide com
anel resultou em maior sobrevida livre de eventos e livre de IT quando comparado à
plastia de De Vega, em estudo realizado por Tang et al.17. A plastia com anel também
foi um preditor de sobrevida em longo prazo nesse estudo.

A durabilidade do reparo tricúspide também foi revista por McCarthy et al.18. Todas as
técnicas de reparo tiveram uma taxa de falha imediata de 14%. Enquanto os pacientes
que utilizaram o anel semirrígido não apresentaram progressão da IT, mais de 30% dos
pacientes submetidos ao procedimento de De Vega apresentaram IT significante após
oito anos. De acordo com esses dados, a anuloplastia com anel seria o melhor
procedimento para correção ou prevenção da IT na maioria dos casos17.

A troca valvar ficaria restrita àqueles pacientes que não possuam anatomia favorável
para reparo e/ou com evidência de lesão orgânica da válvula tricúspide. Nestes casos,
habitualmente, indica-se a bioprótese. As próteses mecânicas apresentam um aumento
importante na incidência de fenômenos tromboembólicos19.

9. Como fazer a abordagem da insuficiência tricúspide tardia?

A IT tardia está preferencialmente associada à doença reumática e tem um prognóstico


ruim. Ocorre em pacientes que não tiveram a IT ou o diâmetro do anel tricúspide
abordados durante a intervenção mitral ou que evoluíram com falência da plastia
tricúspide5,17,18. Deve-se sempre afastar a possibilidade de disfunção da prótese ou da
plastia mitral através do ecocardiograma transesofágico11,16.

Uma vez que o paciente se torne sintomático, a terapia agressiva com diuréticos de alça
associada à espironolactona é indicada. Essa terapêutica pode reduzir a severidade de
IT por reduzir a distensão do VD e diminuir a pressão no AD9,19. Se isso não for
suficiente, deve-se considerar a cirurgia isolada da válvula tricúspide11.

Porém, a reintervenção cirúrgica abordando somente a válvula tricúspide apresenta um


prognóstico ruim, com alta mortalidade, baixa sobrevida em longo prazo e pouca
melhora na capacidade funcional em muitos desses pacientes. A mortalidade
peroperatória pode alcançar entre 11% e 20%11,13. Classe funcional da NYHA elevada,
alta pressão de artéria pulmonar, aumento e disfunção do VD são fatores adicionais de
mau prognóstico na reoperação da válvula tricúspide15,20.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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Practice Guidelines; Society of Cardiovascular Anesthesiologists; Society for
Cardiovascular Angiography and Interventions; Society of Thoracic
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tricuspid valve replacement. Circulation. 2011;123(18):1929-39.
ENDOCARDITE INFECCIOSA SUBAGUDA:
ABORDAGEM DIAGNÓSTICA E
TERAPÊUTICA

Cristiane da Cruz Lamas


Cynthia Karla Magalhães

CASO CLÍNICO
Paciente admitido para abordagem cirúrgica de insuficiência valvar aórtica.
Sexo masculino, 33 anos, com história de febre baixa, vespertina, diária, iniciada 10
meses antes. Perda ponderal de 9kg no período. Sabia-se portador de valvulopatia
reumática há três anos, tendo história de febre reumática na infância. Naquela época
teve diagnóstico de hipertensão arterial também, sendo iniciado carvedilol e
furosemida, que suspendeu por conta própria após seis meses de uso, por piora da
dispneia e por impotência. Sua profissão: técnico em Tecnologia da Informática (TI),
cursando TI em nível superior.

É homem que faz sexo com homens, tendo parceiro fixo, com quem reside há 13 anos. É
natural do estado do Rio e morador da Região dos Lagos. Tem um cão em casa. Não
tem relato de viagens para fora do Estado. Foi tratado empiricamente para infecção do
trato urinário, e investigado para HIV, hepatite B e hepatite C, sendo as sorologias
negativas para doença aguda ou crônica. Radiografia de tórax sem imagem para
tuberculose, PPD não reator. Teve sorologia IgM reativa para toxoplasmose um mês
antes da internação, sendo tratado por três semanas com sulfametoxazol-trimethoprim.
Foi identificado “novo sopro de regurgitação” em seguida a esse diagnóstico, mudando
sua conduta terapêutica.

À internação, apresentava ao exame físico:


Hipocorado 1+/4, temperatura axilar 37,8ºC, sem linfonodomegalias, orofaringe com
dentição em regular estado.
ACV RCR 2T, SD 3+/6 em FA, SS 3+/6 em FM com aumento à manobra de handgrip,
SD 2+/6 em FM com irradiação do sopro para carótidas, E>D. Pulsos periféricos em
martelo d’água. Presença de batimento em fúrcula esternal. PA =150x60mmHg em MSD
e 150x55mmHg em MSE, FC =102bpm.
AR MVUA sem RA, eupneico (FR =14irpm)
Abdome sem visceromegalias palpáveis; Traube timpânico.
Membros inferiores sem edema.
Sem estigmas periféricos de endocardite infecciosa.

OBJETIVOS

1. Discutir endocardite infecciosa subaguda esquerda e seus diagnósticos


diferenciais.
2. Avaliar as indicações para abordagem cirúrgica na EI.
3. Discutir o rastreamento para eventos embólicos no pré-operatório de cirurgia
cardíaca.
4. Rever a profilaxia antimicrobiana para endocardite infecciosa.

PERGUNTAS
1. Quais são as hipóteses diagnósticas para o caso apresentado?

As hipóteses diagnósticas para o caso de um homem jovem, com valvulopatia reumática


prévia, com febre prolongada, morador do estado do Rio de Janeiro, sem viagens
recentes, homem que faz sexo com homem, são:

-Endocardite infecciosa subaguda


-Sindrome de mononucleose (por vírus Eptein Barr)
-Sindrome de mononucleose símile:
Infecção por citomegalovírus
Infecção por Toxoplasma gondii
Infecção por HIV
Infecção pelo vírus B crônica
Infecção pelo vírus C crônica
-Neoplasia hematológica
-Neoplasia de órgão sólido, principalmente adenocarcinoma renal (“tumor do
internista”)
-Malária por Plasmodium vivax
-Colagenose, principalmente lúpus eritematoso sistêmico
-Reação de hipersensibilidade a fármacos, sobretudo antiepilépticos, anti-inflamatórios
não esteroides ou mesmo antimicrobianos.
-Bartonelose (síndrome da arranhadura do gato, em sua forma disseminada)

2. Como confirmar o diagnóstico de endocardite infecciosa?

O diagnóstico de endocardite infecciosa, reiterada nas referências da Universidade de


Duke1,2, baseia-se em critérios clínicos, ecocardiográficos e microbiológicos Os
critérios clínicos no caso são febre (>38ºC) e predisposição valvar (valvulopatia
reumática). Os critérios microbiológicos se baseiam nos resultados de hemoculturas
colhidas no momento zero, 1 hora após e 12 horas após a primeira coleta. Micro-
organismos típicos isolados, como estreptococos do grupo viridans (dentre eles
S.bovis), enterococos, Staphylococcus aureus e Gram negativos do grupo HACEK são
critério maior de EI. Micro-organismos isolados repetidamente das hemoculturas, em
quatro ou mais amostras colhidas de um total de seis, também são critério maior.

No caso do paciente, quatro de quatro amostras foram positivas para cocos Gram
positivos em cadeia. Esses Gram positivos eram fastidiosos, e não cresceram em placa,
sendo provavelmente estreptococos do gênero Granulicatella ou Abiotrophia,
anteriormente classificados como grupo viridans.
Embora não estritamente definida como endocardite hemocultura negativa, cenário não
incomum em endocardite subaguda3-7, que ocorre principalmente pelo uso prévio de
antimicrobianos como no caso apresentado, o tratamento se torna mais difícil, uma vez
que sem o isolamento de micro-organismos não é possível estabelecer o teste de
sensibilidade aos antimicrobianos.

Achados ecocardiográficos de vegetação característica, abscesso perivalvar,


regurgitação valvar nova e, no caso de próteses valvares, deiscência com leak
perivalvar, são considerados critérios maiores ecocardiográficos. Esses critérios são
definidos pela ecocardiografia transesofágica (ETE)2,3, não sendo mais incluídos
critérios menores, uma vez que a sensibilidade do ETE deve permitir a certeza de
achados maiores.

No caso, o paciente apresentava imagens algodonosas, móveis, aderidas à face atrial do


folheto posterior e anterior da válvula mitral, com regurgitação moderada, medindo a
maior 1,8 cm em sua maior medida. A valva mitral apresentava folheto posterior com
mobilidade menor, sugerindo espessamento por envolvimento reumático. A válvula
aórtica se apresentava espessada, com imagens filamentosas aderidas à face
ventricular, com insuficiência aórtica moderada a grave. Havia imagem sugestiva de
abscesso perianular em fase inicial. Esses dados ecocardiográficos confirmam como
critério menor a predisposição valvar (valvas espessadas e com regurgitação, que não
se tem como identificar como novas) e os critérios maiores vegetação e abscesso
perivalvar.

Assim, o paciente apresenta dois critérios maiores para endocardite, o microbiológico


e o ecocardiográfico, fechando o diagnóstico definitivo clínico de EI.

3. Como realizar o rastreamento de eventos embólicos no pré-operatório de


cirurgia cardíaca?

É muito importante realizar o rastreamento quando o paciente portador de EI será


submetido à cirurgia cardíaca aberta com circulação extracorpórea (CEC), uma vez que
o não diagnóstico de eventos embólicos pode levar a desfechos graves. Os exemplos
mais comuns desses desfechos são o não diagnóstico antes da cirurgia, de:

1. abscesso esplênico que, se não abordado, resulta em foco que posteriormente


pode semear a prótese recém-implantada, ou ainda sangrar pós-CEC.
2. aneurisma micótico, infarto ou sangramento intracerebral: esses achados
podem evoluir com sangramento pós-CEC, e por isso contraindicam cirurgia
cardíaca antes de sua abordagem (no caso do aneurisma) ou necessitam
espera para o momento operatório (infartos isquêmicos, cerca de duas
semanas, infartos hemorrágicos, cerca de quatro semanas). O rastreamento
dos eventos embólicos é feito com tomografia computadorizada de crânio e
de abdome8.

O paciente relatado, embora assintomático para eventos neurológicos e sem queixas


abdominais, apresentava tomografia computadorizada (TC) de crânio com lesão
hipodensa em cisterna pontocereberal de aspecto cístico, desviando o tronco encefálico
para a esquerda. Tal achado foi avaliado pelo neurologista, que não o julgou associado
à EI e não contraindicou cirurgia cardíaca. TC de abdome mostrou esplenomegalia
moderada homogênea, sem imagens de infarto ou abscesso em baço ou outros órgãos.

Parecer odontológico, com avaliação da cavidade oral, é obrigatório no pré-operatório


se a cirurgia não se caracteriza como emergencial. O paciente tinha cáries e tártaro,
sendo submetido à raspagem e remoção de cáries no pré-operatório.

4. Como tratar a EI e as complicações embólicas?

A endocardite infecciosa subaguda não se constitui usualmente em emergência


médica8,9. No caso relatado, o paciente evoluiu com infecção endocárdica por meses.
Isso vem confirmar o conceito da coleta de hemoculturas como fundamental antes do
início de antimicrobianos, respeitando o tempo de 12 horas entre a primeira e a terceira
coletas.

Após essas coletas, está recomendado o início de penicilina cristalina, associada ou


não a aminoglicosídeo, sendo a gentamicina a mais utilizada. Outra opção é ampicilina
mais gentamicina; este é o esquema determinado pelo protocolo de tratamento de EI do
INC, pois a ampicilina está associada a menos eventos adversos na infusão
endovenosa. A indicação cirúrgica no caso foi de destruição valvar aórtica com
regurgitação grave, que embora não fosse emergencial, seria mais bem abordada na
mesma internação10.

Caso houvesse abscesso esplênico, a conduta seria esplenectomia. Nos casos


abordados no INC, esta usualmente é feita aberta, antes da cirurgia cardíaca. É
importante lembrar que os pacientes devem receber vacina antipneumocócica e
antimeningocócica 10 dias antes da esplenectomia, ou ambulatorialmente, quando
receberem alta.

5. Qual a abordagem com relação à profilaxia antimicrobiana para endocardite, no


caso relatado?

No histórico do paciente, não há relato de visitas ao odontólogo nas duas a três


semanas que precederam a instalação do quadro de endocardite infecciosa. Isto é o
caso para a maioria absoluta das endocardites, cujo fator de risco para aquisição de EI
subaguda, com organismos provenientes da cavidade oral, se dá não pelo risco do
procedimento odontológico, mas principalmente pelo descuido na higiene da cavidade
oral. Este é o caso do paciente, que apresentava cáries e tártaro, que foram abordados
no pré-operatório.

Guidelines11,12 internacionais publicados em 2006 e 2007 pelos britânicos e norte-


americanos enfatizam a escassez de dados que relacionam procedimentos dentários à
endocardite infecciosa, e afirmam que o risco cumulativo de endocardite pela
bacteremia diária da escovação de dentes é seis milhões de vezes maior do que aquela
relacionada a uma única extração dentária.

Sabe-se também que o mau estado da dentição, com ou sem o ato de mastigação, pode
ser causa de bacteremia. Apesar disso, deixar de fazer profilaxia em situações
específicas seria uma orientação não apoiada por profissionais da saúde e pacientes
por sua radicalidade. Assim, ênfase é colocada no uso de profilaxia em pacientes que
apresentam risco de adquirir endocardite e que, se infectados, teriam morbidade e
letalidade elevadas.

No Instituto Nacional de Cardiologia, foram propostas por um grupo de trabalho em


2007, modificações aos guidelines internacionais, considerando a elevada incidência
de valvulopatia reumática e a precária higiene dentária e acesso a saúde oral no Brasil.
Deste modo, foi recomendada para pacientes nas seguintes situações:

1. História de endocardite infecciosa prévia


2. Portador de prótese valvar
3. Portador de shunts pulmonares ou sistêmicos construídos cirurgicamente
4. Portador de valvulopatia reumática com regurgitação aórtica e/ou
regurgitação mitral
5. Portador de estenose aórtica em válvula bicúspide
6. Portador de cardiopatia congênita complexa
7. Portador de PCA não corrigido e CIV não corrigido

Com relação aos procedimentos que têm indicação de profilaxia, todos estão incluídos,
exceto:

radiografias e remoção de fios de sutura, salvo em presença de infecção


injeções através de tecidos não infectados
ajuste de próteses ortodônticas
sangramento por trauma a lábios ou à mucosa oral

É importante a profilaxia tópica, que deve ser ministrada a todos os pacientes, com
bochecho de clorexidina 0,2%, 10ml durante 1min, imediatamente pré-procedimento
odontológico. Os esquemas antimicrobianos propostos, por faixa etária, estão
apresentados no Quadro 1.

Quadro 1
Esquema profilático por via oral ou endovenosa para profilaxia de endocardite infecciosa em pacientes de risco
*amoxicilina=50mg/kg de peso; **clindamicina=20mg/kg de peso; a=administração em pelo menos 10 minutos

Em profilaxia com amoxicilina via oral, o procedimento deve ser realizado no tempo
de 30 minutos até 2 horas depois da tomada do antibiótico. É necessária nova dose de
500mg VO, caso o procedimento se estenda além de 2 horas e meia. Para a
clindamicina, o repique deve ser em 5 horas do procedimento. Não é necessário
repique com azitromicina.

Evolução do caso

O paciente foi submetido à cirurgia cardíaca, com substituição da válvula aórtica e


mitral por biopróteses, cinco dias após a internação. Achados cirúrgicos foram:
espessamento e retração importante da válvula aórtica com vegetação na face
ventricular das cúspides coronarianas direita e esquerda; retração importante do folheto
posterior da válvula mitral e espessamento do anterior, com presença de grande
quantidade de vegetações na face ventricular dos folhetos e nas cordoalhas. Não foi
evidenciado abscesso.

As valvas ressecadas não foram enviadas para cultura, mas o exame histopatológico
evidenciou, ao corante PAS (Periodic Acid of Schiff) presença de grumos de cocos, e
infiltrado neutrofílico com endocardite bacteriana em atividade. Em virtude do achado
histopatológico, o paciente foi tratado por seis semanas com ceftriaxona endovenosa,
contados a partir do ato operatório. Teve alta sem intercorrências, 45 dias após a
internação. Foi examinado seis semanas após alta, em uso de warfarina (programada
para três meses pós-implante de biopróteses).

Observações em relação à evolução:

É obrigatório o envio de valvas para exame histopatológico, não apenas para confirmar
o diagnóstico de endocardite infecciosa, uma vez que o padrão-ouro diagnóstico é a
histopatologia valvar13, mas também para adequar o tempo de tratamento
antimicrobiano pós-operatório.

É protocolo no INC utilizar seis semanas de antimicrobianos quando o exame


histopatológico mostrar presença de bactérias e infiltrado neutrofílico. Também o
tratamento é feito durante seis semanas quando a cultura da válvula é positiva. Contudo,
a cultura da válvula tem sensibilidade de 30% e a ocorrência de falso- positivos não é
infrequente, o que torna realmente de maior valor diagnóstico o exame histopatológico.

O tempo de tratamento antimicrobiano pós-excisão cirúrgica da válvula infectada não


está bem estabelecido; há que se pesar o risco aumentado de endocardite precoce de
prótese nos pacientes operados por endocardite, com os riscos inerentes ao uso de
cateter vascular, sobretudo bacteremias, quando o tempo de uso de antimicrobianos for
prolongado. No caso em questão: a) não havia dúvida diagnóstica quanto à endocardite;
b) dificilmente o micro-organismo cresceria em tecido valvar, uma vez que o Gram
positivo isolado não cresceu em placa, por ser nutricionalmente exigente; c) o exame
histopatológico definiu bem a atividade da doença e o tempo de tratamento foi decidido
com base nesse dado.

Em relação à anticoagulacão, é protocolo mantê-la por três a seis meses em


biopróteses.
Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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endocarditis: utilization of specific echocardiographic findings. Duke
Endocarditis Service. Am J Med. 1994;96(3):200-9.
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3. Kupferwasser LI, Darius H, Müller AM, Martin C, Mohr-Kahaly S, Erbel R,
Meyer J. Diagnosis of culture-negative endocarditis: the role of the Duke
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4. Fournier PE, Thuny F, Richet H, Lepidi H, Casalta JP, Arzouni JP, et al.
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8. Habib G, Hoen B, Tornos P, Thuny F, Prendergast B, Vilacosta I, et al; ESC
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9. Baddour LM, Wilson WR, Bayer AS, Fowler VG Jr, Bolger AF, Levison ME,
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Circulation. 2005;111(23):e394-434. Erratum in: Circulation.
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10. Prendergast BD, Tornos P. Surgery for infective endocarditis: who and when?
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12. Wilson W, Taubert KA, Gewitz M, Lockhart PB, Baddour LM, Levison M, et
al; American Heart Association Rheumatic Fever, Endocarditis, and
Kawasaki Disease Committee; American Heart Association Council on
Cardiovascular Disease in the Young; American Heart Association Council
on Clinical Cardiology; American Heart Association Council on
Cardiovascular Surgery and Anesthesia; Quality of Care and Outcomes
Research Interdisciplinary Working Group. Prevention of Infective
endocarditis: guidelines from the American Heart Association: a guideline
from the American Heart Association Rheumatic Fever, Endocarditis, and
Kawasaki Disease Committee, Council on Cardiovascular Disease in the
Young, and the Council on Clinical Cardiology, Council on Cardiovascular
Surgery and Anesthesia, and the Quality of Care and Outcomes Research
Interdisciplinary Working Group. Circulation. 2007;116(15):1736-54.
Erratum in: Circulation. 2007;116(15):e376-7.
13. Lepidi H, Durack DT, Raoult D. Diagnostic methods current best practices
and guidelines for histologic evaluation in infective endocarditis. Infect Dis
Clin North Am. 2002;16(2):339-61.

Nota dos editores

A proposta de prevenção da endocardite em portadores de cardiopatia valvar reumática crônica está embasada na
experiência do grupo de profissionais do Instituto Nacional de Cardiologia, representando um ponto de vista válido na
ausência de níveis mais elevados de evidência científica.

Esta é a opinião dos autores, devendo os leitores decidirem de forma individualizada os riscos e os benefícios do
emprego ou não da antibioticoprofilaxia nesses casos.
PRÓTESE VALVAR EM MULHER JOVEM X
ANTICOAGULAÇÃO

Maria Helena Carvalho Coutinho


Sergio Villela Abbês

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 22 anos, branca, estudante.
Queixa principal: assintomática.
HDA: Paciente tem história de FReu aos 10 anos de idade, que motivou sua internação
hospitalar naquela época. Informa que após alta hospitalar evoluiu assintomática,
usando penicilina benzatina 1.200.000U intramuscular de 21/21 dias. Desde então, vem
em acompanhamento médico devido a “sopro no coração”, mantendo atividades físicas
sem restrições.

Há quatro meses apresentou queixa de palpitações, sendo diagnosticado FA ao


eletrocardiograma e IM grave ao ecocardiograma transtorácico. Essa arritmia cardíaca
foi revertida com sucesso com amiodarona. Desde então ela se manteve assintomática,
sem restrições de atividades físicas, em ritmo sinusal, e em uso de amiodarona e
penicilina benzatina 21/21 dias.
A paciente foi encaminhada ao Serviço para acompanhamento médico e decisão
terapêutica.
HPP: FReu aos 10 anos de idade; varicela e pneumonia na infância.
HS: Negou etilismo e tabagismo.
HPF: História familiar de HAS.

Exame físico:
Eupneica, mucosas normocoradas, escleróticas, anictéricas, turgência jugular a zero
graus de decúbito, onda “V” no pulso venoso, pulsos periféricos regulares, isócronos e
com amplitudes normais.
Peso =65kg; Altura =1,68cm; IMC =23,4kg/m2; PA =120x80mmHg.

Íctus de VE visível e propulsivo no 6º espaço intercostal esquerdo, na linha


hemiclavicular esquerda, RCR3T, B3, B1 hipofonética, B2 hiperfonética, FC =80bpm,
sopro sistólico 3+/6+, holossistólico, timbre suave, em ponta com irradiação para
região axilar esquerda e dorso, sopro sistólico 2+/6+ em foco tricúspide.
Murmúrio vesicular audível universalmente e sem ruídos adventícios.
Abdome flácido, indolor à palpação, sem visceromegalias palpáveis, Traube livre.
Sem edema de membros inferiores.

OBJETIVOS

1. Identificar a prótese ideal em paciente do sexo feminino, em idade fértil e


portadora de IM crônica grave.
2. Discutir o dilema do uso regular de anticoagulante oral em mulher jovem em
idade fértil.

PERGUNTAS
1. Qual a hipótese diagnóstica para o caso clínico apresentado?

Baseado na história clínica e no exame clínico da paciente, a hipótese diagnóstica é de


IM crônica grave.
2. Como confirmar o diagnóstico?

1. Eletrocardiograma: ritmo sinusal, aumento AE, repolarização ventricular


esquerda normal, eixo elétrico normal.
2. Radiografia de tórax: aumento AE, arco da artéria pulmonar retificado.
3. Ecocardiograma transtorácico: AE=4,2; DDVE=5,6; DSVE=3,6; FE=62%;
%encurtamento sistólico =28%; espessuras parietais normais, função
sistólica global de VE preservada, sem alteração da contratilidade segmentar
de VE, AD e VD normais, AO normal, VA discretamente espessada e sem
restrição à sua abertura, IA mínima, VM com folhetos espessados, aspecto
reumático e com falha de coaptação, IM grave, ERRO =0,6cm2, VR =50ml,
vena contracta =7mm, volume AE indexado =62ml/m2, VT normal, IT leve a
moderada, PSAP =66mmHg.
4. Teste ergométrico: CF I (New York Heart Association - NYHA), muito fraca
aptidão cardiorrespiratória =7MET (American Heart Association - AHA).

3. Qual é o mecanismo fisiopatológico da IM?

Pacientes com IM crônica apresentam duas vias de escape: a via de saída pela AO com
a ejeção ventricular esquerda e a regurgitação de volume sanguíneo pela VM
insuficiente em direção ao AE, que em geral está aumentado e muito complacente,
facilitando o esvaziamento ventricular esquerdo.

Mais de 50% do VR é ejetado dentro do AE, antes da abertura da VA, eliminando a fase
de contração isovolumétrica do VE. Como o AE dilatado apresenta baixa impedância
em relação à AO, ocorre uma redução da pós-carga ventricular e melhora dos
parâmetros de ejeção ventricular, notadamente a FE, que durante a fase compensada e
assintomática da doença encontra-se muito elevada, refletindo uma falsa ideia da
função ventricular esquerda. Durante toda essa fase compensada, o VE trabalha com
grande sobrecarga de volume que gradualmente vai afetar a performance miocárdica.

Do mesmo modo, o AE muito complacente ao acomodar todo o VR apresenta pressões


normais no seu interior, poupando o leito vascular pulmonar, determinando assim que
os sintomas de congestão pulmonar ocorram tardiamente na evolução da doença.
Portanto, pacientes com IM crônica grave, assintomáticos, com função sistólica de VE
aparentemente normal, já podem estar com a função ventricular comprometida, e devem
ser criteriosamente avaliados quanto a seu real estado funcional, para que não se perca
o momento cirúrgico ideal do paciente, o que poderia acarretar, com o implante da
prótese e a correção da via de escape, o desenvolvimento de disfunção sistólica de VE
significativa no pós-operatório, e muitas vezes irreversível.

4. Qual é o prognóstico?

Tratava-se de uma paciente jovem e sem comorbidades, com IM crônica grave, em CF


I, com fraca aptidão cardiorrespiratória, em ritmo sinusal, com diâmetro do VE normal,
FE normal e HAP ao exame ecocardiográfico. A indicação cirúrgica desta paciente
deveria ser postergada, tendo ela um perfil de baixo risco operatório e ausência de
comorbidades? Não. Baseado nas Diretrizes1 da indicação cirúrgica da IM crônica
grave, deve-se intervir em pacientes assintomáticos quando a FE for ≤60% ou DSVE
for ≥4,0 cm ou que tenham CF comprometida.

Novos estudos demonstraram que o desenvolvimento de HAP e a ocorrência de FA


(mesmo transitória) são marcadores importantes de mau prognóstico pós-operatório.
Então não se deve esperar que o paciente se torne sintomático e/ou desenvolva
disfunção do VE e/ou HAP grave para que ele seja encaminhado para tratamento
cirúrgico.

A cirurgia é recomendada em pacientes com IM grave com função de VE preservada,


com episódio de FA e/ou HAP >50mmHg (recomendação Classe IIa- nível de evidência
C do Guidelines of American College of Cardiology - ACC/AHA- 20081). O nível de
evidência C mostra que a importância da HAP é fruto somente de dados de opiniões de
especialistas, mas vários estudos, principalmente o publicado por Barbieri et al.2,
reforçado em editorial da mesma publicação3, com acompanhamento a longo prazo de
grande número de pacientes e multicêntrico, mostrou que os pacientes operados antes
do desenvolvimento de HAP mais importante, tinham prognóstico pós-operatório bem
mais favorável. Acredita-se, pela experiência, e com novos estudos que estão surgindo,
que o nível de evidência com relação à HAP seja mais valorizado, permitindo
intervenção mais precoce, em especial em pacientes jovens, com boa expectativa de
vida, com ausência de comorbidades e baixo risco cirúrgico.

Estudo retrospectivo de longo prazo4 demonstrou que pacientes com IM grave e ERO
>0,4cm2 apresentam pior evolução, sendo um excelente preditor de eventos e de mau
prognóstico, com taxa anual de morte cardíaca de 4%.
Em outro estudo5 foi demonstrado que o volume do AE indexado >60ml/m2 é um
importante marcador de risco e que a cirurgia cardíaca realizada com volume do AE
indexado menor foi acompanhada de menos eventos cardíacos e melhor expectativa de
vida.

5. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos (morte e


internação) neste caso?

A paciente do caso clínico relatado apresentava PSAP>60mmHg, história de episódio


FA, ERO=0,6cm2, volume de AE indexado=62ml/m2 e fraca aptidão
cardiorrespiratória, estando a cirurgia cardíaca indicada.

A partir da indicação cirúrgica, delineia-se o dilema da escolha da prótese valvar ideal


para o paciente. As próteses valvares cardíacas são divididas em dois grupos:
mecânicas e biológicas.

Próteses mecânicas são classificadas em três grupos principais: tipo “bola e gaiola”
(Starr-Edwards); tipo disco único (Medtronic-Hall e Omniscience) e tipo duplo-disco
(St Jude Medical).

A produção da prótese Starr-Edwards foi interrompida em 2007. Devido ao seu alto


perfil, esta prótese não era adequada na posição mitral em pacientes com cavidade de
VE pequena ou na posição aórtica naqueles pacientes com anel aórtico pequeno ou com
indicação de tubo valvado aórtico.

A prótese de duplo-disco (St Jude Medical) é a mais comumente implantada. Esta


prótese apresenta baixo perfil, fornecendo uma área de orifício valvar maior, menor
gradiente transvalvar e, portanto, com melhor perfil hemodinâmico do que as próteses
de disco único.

Com relação à durabilidade das próteses mecânicas não foi demonstrado superioridade
de um tipo sobre o outro.

O risco de trombose e tromboembolismo é maior para qualquer tipo de prótese


mecânica quando implantada na posição mitral, e necessita de um maior nível de
anticoagulação (INR entre 2,5-3,5) em relação àquela implantada na posição aórtica
(INR entre 2,0-3,0)1. A incidência de tromboembolismo com próteses de duplo-disco
parece ser um pouco menor do que as de disco único (0,5% e 0,7%, respectivamente)6;
no entanto na prática clínica esse fator não tem grande importância.

A formação do trombo depende também da posição da prótese, dos fatores de risco do


paciente e principalmente da anticoagulação adequada. O manejo inadequado da terapia
anticoagulante e a falta de aderência ao tratamento é a principal causa da formação do
trombo.

As biopróteses disponíveis são: os heteroenxertos, derivados de espécies diferentes


(porcinas, valvas aórticas de porco e as de pericárdio bovino), e os homoenxertos,
derivados de doadores da mesma espécie (cadáveres humanos).

As valvas porcinas podem ser montadas sobre um suporte (stent valves) ou sem suporte
(stentless valves). Esta última tem a vantagem de ser de baixo risco trombogênico,
menor gradiente transvalvar, sendo útil para pacientes com raiz aórtica pequena.
Contudo novas gerações de biopróteses com stent (pericárdio bovino - Carpentier-
Edwards) apresentam melhores resultados que as próteses antigas.

O maior problema das biopróteses é sua limitada durabilidade. A deterioração valvar


se inicia em torno de 7-8 anos para as valvas porcinas e de 11-12 anos para prótese
Carpentier-Edwards Perimount - pericárdio bovino7. A bioprótese de pericárdio
bovino tem uma taxa de deterioração mais favorável que a das valvas porcinas7.

Preditores de risco de deterioração das biopróteses incluem: pacientes jovens,


implantação na posição mitral, IRC e hiperparatireoidismo. HAS, HVE, disfunção VE e
o tamanho da prótese também têm sido relacionados com a deterioração valvar na
posição aórtica.

Vários estudos8 têm demonstrado que o tamanho da prótese em desproporção com anel
valvar do paciente (Prothesis-Patient Mismatch) tem sido associado a resultados
clínicos mais desfavoráveis e pior prognóstico pós-operatório.

De um modo geral, recomenda-se o implante de prótese valvar mecânica nas seguintes


situações: 1) pacientes com longa expectativa de vida; 2) portadores de prótese
mecânica em outra posição; 3) pacientes com IRC; 4) pacientes já em uso de
anticoagulante ou com indicação do uso de anticoagulante devido a fatores de risco de
tromboembolismo; 5) pacientes <65 anos com indicação para TVA ou <70 anos para
TVM; 6) opção do paciente.
O implante de bioprótese é mais adequado nas seguintes situações: 1) pacientes sem
possibilidade de aderência à anticoagulação; 2) pacientes >65 anos com indicação para
TVA e sem fatores de risco para tromboembolismo; 3) pacientes >70 anos com
indicação para TVM sem fatores de risco para tromboembolismo; 4) quando a terapia
anticoagulante é contraindicada, 5) mulheres em idade fértil, 6) opção do paciente.

Em paciente jovem e de bom nível sociointelectual, a prótese mais adequada é a


mecânica, em função da sua maior durabilidade, da expectativa de vida desse paciente
e da degeneração mais acelerada da bioprótese, evitando-se cirurgias de retroca valvar
futuras.

Vários trabalhos mais recentes demonstram que a gravidez não acelera a degeneração
da bioprótese, apesar de estudos anteriores terem sugerido o oposto. Estudo recente9,
além de afastar a gravidez como fator de aceleração de degeneração da prótese
biológica, a morbidade e a mortalidade de uma futura cirurgia de retroca foram muito
baixas.

6. Existe alguma estratégia de prevenção da FReu?

A FReu é um problema de saúde pública nos países em desenvolvimento. Como


prevenção primária devem ser feitas ações para melhorar as condições de higiene e
saúde da população, campanhas de conscientização das pessoas em relação à gravidade
dessa doença e a importância do tratamento adequado e precoce de amigdalites
bacterianas nas crianças e adolescentes. Quando ela é diagnosticada, para prevenção de
novos surtos (prevenção secundária), deve ser prescrito penicilina benzatina
1.200.000U intramuscular 21/21 dias, pelo menos até 45 anos de idade10.

7. Como conduzir o caso clínico?

No caso clínico em questão, a paciente era do sexo feminino e jovem, portanto em


idade fértil, e manifestou desejo de engravidar. Durante a gravidez existe um estado de
hipercoagulabilidade, aumentando o risco de tromboembolismo em pacientes com
prótese valvar mecânica, sendo importante a manutenção de medicação anticoagulante
em dose plena de acordo com o INR, com riscos de acidentes hemorrágicos, efeitos
teratogênicos do cumarínico e maior taxa de morbimortalidade materna e fetal. Diante
disso, a bioprótese valvar surge como melhor opção para pacientes do sexo feminino
em idade fértil.
A paciente foi encaminhada para a cirurgia de TVM por bioprótese. Evoluiu nos pós-
operatório sem intercorrências. Recebeu alta hospitalar com orientação para uso
regular de cumarínico na dose sob controle do INR durante três meses e de penicilina
benzatina 1.200.000U intramuscular de 21/21 dias.

Cerca de 30 dias após a cirurgia a paciente foi avaliada no ambulatório. Estava em CF


I e sem história de intercorrências desde a data da alta hospitalar.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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MD, et al; American College of Cardiology/American Heart Association
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Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to
revise the 1998 Guidelines for the Management of Patients with Valvular
Heart Disease). Endorsed by the Society of Cardiovascular
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and Society of Thoracic Surgeons. J Am Coll Cardiol. 2008;52(13):e1-e142.
2. Barbieri A, Bursi F, Grigioni F, Tribouilloy C, Avierinos JF, Michelena HI, et
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Nkomo V, et al. Quantitative determinants of the outcome of asymptomatic
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5. Le Tourneau T, Messica-Zeitoun D, Russo A, Detaint D, Topilsky Y, Mohoney
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regurgitation. J Am Coll Cardiol. 2010;56(7): 570-8.
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prosthesis and long-term management. Circulation. 2009;119(7):1034-48.
9. Cleuziou J, Hörer J, Kaemmerer H, Teodorowicz A, Kasnar-Samprec J,
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10. Bonow RO, Mann DL, Zipes DP, Libby P (eds). Braunwald’s Heart Disease:
a textbook of cardiovascular medicine. 9th ed. Philadelphia: Saunders; 2011.
Seção 6. Prevenção Cardiovascular

Análise Crítica dos Escores de Risco


Eficácia e Efetividade das Intervenções Medicamentosas
Abordagem Multifatorial dos Fatores de Risco Cardiovascular
Hipertensão Arterial Com Hipertrofia Ventricular Esquerda
Dislipidemia e Obesidade
Diabetes com Acometimento Renal
Tabagista com Doença Vascular Periférica
Síndrome Metabólica
Pós-Acidente Vascular Encefálico
Pós-Infarto Agudo do Miocárdio
ANÁLISE CRÍTICA DOS ESCORES DE
RISCO

Aristarco Gonçalves de Siqueira Filho


Gláucia Maria Moraes de Oliveira

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 46 anos, natural de Sergipe, pedreiro, casado, sedentário, fumante
desde os 14 anos – 30 cigarros/dia.
Assintomático. Refere estar preocupado por ter perdido irmão com 55 anos de infarto.
Nunca havia procurado médico antes porque se achava saudável.

Dados relevantes:
PA =129x80mmHg; FC =78bpm .
Circunferência abdominal =79cm .
Peso =62kg; Altura =1,68m; IMC =23,05kg/m2 .
Glicemia de jejum =100mg/dL.
Colesterol total =258mg/dL.
LDL-C =172mg/dL; HDL-C =40mg/dL.
Creatinina =1,0mg/dL.
EAS e ECG normais.

OBJETIVOS
1. Demonstrar que os escores de risco, ainda que imperfeitos, são bons
instrumentos para identificar a população que poderá se beneficiar de
medidas de prevenção primária.
2. Avaliar criticamente os novos marcadores de risco e mostrar que necessitam
ainda passar por validação científica quanto à sua utilidade clínica antes de
serem incluídos nos modelos preditores.
3. Concluir que a predição de eventos cardiovasculares, obtidas com os escores
de risco, não modificam a essência das estratégias já estabelecidas de
prevenção primária, que devem ser aplicadas a toda a população como:
mudança do estilo de vida, controle da pressão arterial, redução dos níveis
séricos de colesterol e prática regular de exercício físico. Apenas para um
pequeno grupo de indivíduos o emprego da aspirina e das estatinas é custo-
efetivo.

PERGUNTAS
1. Qual a importância de se realizar a aferição dos escores de risco para predição
de eventos cardiovasculares?

As doenças do aparelho circulatório (DAC) são as principais causas de morte nos


países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Entre as 10 principais causas de óbitos,
as DAC são responsáveis por 28,7% dos óbitos em países em desenvolvimento e por
26,6% nos países desenvolvidos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde1. No
Brasil, representavam 1/3 de todos os óbitos e quase 30% do total de mortes na faixa
etária de 20 anos a 59 anos de idade, no ano de 2006, atingindo a população adulta em
plena fase produtiva2. Dentre as DAC destacam-se as doenças cerebrovasculares
(DCBV) e as doenças isquêmicas do coração (DIC) que, em 2006, compuseram
respectivamente 32% e 30% dos óbitos por DAC3.

Assim, é fundamental que sejam desenvolvidos protocolos para a prevenção das


doenças cardiovasculares, especialmente com identificação dos indivíduos de alto
risco, através de estratégias validadas, a fim de instituir terapias eficazes que possam
mudar o prognóstico de curto e longo prazo. Objetivando a modificação da prática
clínica com instituição de medidas preventivas eficazes para diminuir os eventos
cardiovasculares maiores e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos, algumas
estratégias para aferição do risco cardiovascular foram desenvolvidas. A utilização de
critérios clínicos simples, dos escores de predição clínica, de exames de imagem e de
biomarcadores são os mais empregados.

A aplicação clínica de um marcador de risco cardiovascular deve ser aferida por sua
capacidade em afetar o manejo terapêutico e o prognóstico dos indivíduos. Um novo
marcador ou modelo de risco deve ser avaliado em várias fases subsequentes como a
comprovação do conceito inicial, a validação prospectiva em populações
independentes, a documentação da informação incremental que adiciona aos modelos
vigentes, a validação de seu efeito na modificação da conduta clínica e no prognóstico
dos pacientes, além do seu custo-efetividade4. Na avaliação do novo marcador e/ou
modelo de risco, também devem ser lembradas as possibilidades de outros
diagnósticos que possam interferir na sua interpretação e na sua especificidade.

2. Quais as vantagens e desvantagens de se estimar os escores de risco para


doença cardiovascular?

Dependendo do escore empregado para estimar o risco cardiovascular um mesmo


paciente pode estar em categorias diferentes, embora as medidas terapêuticas a serem
empregadas não difiram substancialmente.

Todos esses escores padecem de limitações que implicam restrições no uso


indiscriminado em populações que não foram contempladas na coleta e validação dos
dados5, como a população brasileira. Estudos realizados, objetivando ajustes para
recalibrar esses escores para determinada população, não foram suficientes para
melhorar seu desempenho, ainda que possam prever melhor o risco para determinado
continente como o SCORE desenhado para a população europeia.

Os escores de predição de risco cardiovascular também são úteis na perspectiva


populacional, permitindo comparações entre diferentes populações e em diversos
períodos de tempo. A prevalência dos fatores de risco cardiovascular tem se
modificado com magnitude e direção diversas ao longo dos últimos anos. Observa-se a
redução dos níveis séricos dos lipídeos e do tabagismo devido a mudanças no estilo de
vida ou ao uso de medicamentos. Por outro lado, a modificação do estilo de vida em
determinadas populações aumentou a prevalência da inatividade física, da obesidade e
por consequência, do diabetes.

Essas tendências também diferem quando se analisa sua ocorrência por idade e sexo. A
utilização dos escores de predição do risco cardiovascular possibilita a tomada de
decisão nas estratégias populacionais, quantificando a eficácia das medidas
empregadas na prevenção primária, especialmente quando se recorda que 80% das
mortes cardiovasculares ocorrem nos países em desenvolvimento, com pequena
disponibilidade de recursos6.

Outra questão importante a ser esclarecida é o quanto cada um desses escores explica o
risco cardiovascular e sua capacidade de reclassificação dos pacientes ditos de risco
baixo e intermediário.

3. Qual a estimativa de risco do paciente relatado pelo escore de Framingham?


Quais as vantagens e limitações deste escore?

Figura1
Escore de Framingham para homens
Fonte: Adaptado de Kannel et al.9

Como pode ser observado, o escore de Framingham para o este paciente soma 15
pontos; o cálculo estimado do desfecho composto por angina, eventos
cerebrovasculares, doença vascular periférica e insuficiência cardíaca é de 20% em 10
anos.

Os estudos de coorte de residentes de Framingham, em Massachusetts, tiveram início no


final do século passado e se baseiam em taxas de mortalidade cardiovascular mais
elevadas com superestimação do risco atual de diversas populações, como acontece na
Europa e no Brasil7,8. Esse estudo teve início em 1948, baseado em três gerações, de
cerca de 14.500 homens e mulheres na quinta década de vida, residentes na cidade de
Framingham, em Massachusetts. A segunda geração foi recrutada em 1971, sendo
formada pelas crianças da seleção inicial com faixa etária mais jovem; a terceira teve
início em 2002, com 4095 indivíduos.

Os fatores de risco tradicionais foram derivados desse estudo, tendo sido desenvolvida
uma equação para estimativa do risco de desenvolver doença arterial coronariana em
10 anos, através de uma análise multivariada envolvendo a idade, o sexo, o hábito de
fumar, a pressão arterial sistólica, o colesterol total e HDL colesterol, definidos como
variáveis categóricas9-12. O desfecho avaliado foi composto por angina, eventos
cerebrovasculares, doença vascular periférica e insuficiência cardíaca13,.

As principais limitações do escore de Framingham são: instrumento que não foi


desenvolvido ou adaptado para o contexto brasileiro, estimativa de risco de curto
período, não mensura os fatores agravantes que reclassificam o risco dos pacientes de
risco baixo e intermediário, não inclui a história familiar e demais fatores atualmente
conhecidos e superestima ou subestima o risco em populações não brancas14.

Uma revisão sistemática de 27 estudos, envolvendo cerca de 71.700 indivíduos,


comparou o risco predito de acordo com o escore de Framingham e o risco observado
nessas coortes. Observou que o risco em 10 anos foi subestimado em populações de
alto risco (0,43 IC95% 0,27-0,67) e superestimado nas de baixo risco (2,87 IC95%
1,91-4,31)15. O escore de Framingham explicou melhor o risco nas populações do EUA
e da Austrália e foi pior nas populações europeias, provavelmente devido a fatores
étnicos, socioeconômicos, genéticos e ambientais16. Para extensão da predição do risco
foram construídos modelos que estimam o risco nos 30 anos subsequentes ou durante
toda a vida, porém esses modelos carecem de validação17,18.

Outro problema desse escore é que não leva em consideração uma série de fatores
atualmente considerados relevantes, como: índice de massa corporal e obesidade, etnia,
fatores socioeconômicos, história familiar, presença de comorbidades como a doença
renal concomitante, inatividade física e prevalência da doença cardiovascular nas
diversas populações.

4. Qual a estimativa de risco do paciente relatado pelo SCORE? Quais as


vantagens e limitações deste escore?

O SCORE (Systematic Coronary Risk Evaluation) se baseou em 12 estudos de coorte


realizados na Europa, que incluíram cerca de 205.000 pessoas. Foram estimados os
riscos para doença arterial coronariana em regiões de baixo e de alto risco. A equação
se baseou em cinco variáveis: idade, sexo, tabagismo, pressão arterial sistólica e
colesterol total ou a razão colesterol total/HDL colesterol e estimou o risco de um
evento aterosclerótico fatal representado por síndrome coronariana aguda, acidente
vascular encefálico e aneurisma de aorta nos 10 anos subsequentes. Os desfechos foram
padronizados entre os centros, o mesmo não acontecendo com os instrumentos de
medida19.

Como pode ser observado, o SCORE para este paciente é de 2%, em 10 anos, de morte
por síndrome coronariana aguda, acidente vascular encefálico ou aneurisma de aorta
nos países de baixo risco e de 4% nos de alto risco, bem diferente do descrito no
escore de Framingham. Deve-se notar, por outro lado, que os desfechos estimados
foram diferentes nos dois escores de risco citados.
Figura 2
SCORE em países de baixo risco
Fonte: Adaptado de Conroy et al.17
Figura 3
SCORE em países de alto risco
Fonte: Adaptado de Conroy et al.17

5. Como são constituídos os escores ASSIGN, PROCAM e NHANES? Quais são as


vantagens e limitações destes escores?

ASSIGN (Assessing Cardiovascular Risk to Scottish Intercollegiate Guidelines


Network/SIGN to Assign Preventative Treatment)20
Esse escore foi desenvolvido na Escócia, em uma população de homens e mulheres
entre 30 anos a 74 anos sem doença cardiovascular, e incorporou a história familiar e
um índice de status social. Estima o risco cardiovascular em 10 anos, predizendo o
risco de morte cardiovascular, qualquer internação por doença coronariana, doença
cerebrovascular ou procedimentos de revascularização miocárdica percutânea ou
cirúrgica. Esse escore ainda não está adequadamente calibrado e o seu poder de
discriminação está por ser determinado20.

PROCAM (Prospective Cardiovascular Münster Heart Study)21


Foi derivado de um estudo prospectivo realizado na cidade de Münster, na Alemanha.
Como acontece com o escore de Framingham, houve superestimação do risco quando
aplicado a outras populações europeias21.

Figura 4
Tabuladora para o escore PROCAM
Fonte: Adaptado de Assmann et al.19

NHANES (National Health and Nutrition Examination Survey)22


O emprego de escores para estimar o risco cardiovascular com variáveis laboratoriais
e não laboratoriais foi testado em estudo de coorte prospectivo com 14.407
americanos, com idade variando entre 25 anos e 74 anos, no período de 1971 a 1975. O
NHANES I Followup Study Cohort comparou dois modelos de predição de ocorrência
do primeiro evento cardiovascular fatal e não fatal. As variáveis empregadas para o
modelo laboratorial foram: idade, pressão arterial sistólica, tabagismo, colesterol total
e diabetes referida. No modelo que não utilizou variáveis laboratoriais, a dosagem
sérica do colesterol total foi substituída pelo índice de massa corporal.

Em 21 anos de seguimento de 6.186 indivíduos, ocorreram 38% de mortes por causas


cardiovasculares. Para as mulheres, a estatística-C foi 0,829 para o modelo com
variáveis laboratoriais e 0,831 para o modelo sem variáveis laboratoriais. Para os
homens a estatística-C foi 0,784 e 0,783, respectivamente. Esses resultados
demonstraram capacidade similar de aferição do risco cardiovascular com bom
desempenho no que tange aos eventos fatais, em cerca de 5-10 minutos de uma
avaliação rotineira, possibilitando a orientação imediata de medidas de prevenção
primária. Essas estratégias ainda necessitam de validação nos países em
desenvolvimento22.

6. O que é Escore de Reynolds? Há vantagens em se estimar o risco do deste


paciente por este escore?

O escore de Reynolds23 foi inicialmente desenvolvido para estimar o risco


cardiovascular em mulheres saudáveis. Foi derivado de 35 variáveis coletadas em um
ensaio clínico que arrolou cerca de 25.000 profissionais de saúde, tendo como
desfecho composto a ocorrência de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular
isquêmico, revascularização coronariana e morte cardiovascular nos 10 anos
subsequentes. Os fatores de risco como pressão arterial e superfície corporal foram
referidos e o escore só foi validado na mesma população original, o que gera
limitações no seu emprego23.

Equação similar foi desenvolvida posteriormente para os homens24. As variáveis


mensuradas foram: idade, pressão arterial sistólica, hemoglobina glicada nos
diabéticos, tabagismo, colesterol total e HDL colesterol, proteína C-reativa de alta
sensibilidade e história familiar de infarto agudo do miocárdio antes dos 60 anos de
idade. Necessita de maior validação para ser empregado na prática clínica.

Embora a PCR de alta sensibilidade seja um preditor independente de eventos, não foi
demonstrado incremento na estatística-C do escore de Reynolds em relação ao
Framingham (0,018). Demonstrou-se que as reclassificações corretas não superaram as
reclassificações incorretas e que quase toda a reclassificação se fez para o nível
inferior, não agregando valor na abordagem clínica desses indivíduos24. Portanto, não
há vantagem de se avaliar a PCR de alta sensibilidade no caso do paciente relatado.
Figura 5
Tabuladora para o escore de Reynolds
Fonte: Adaptado de Ridker et al.20,21

7. O que é QRISK? Há vantagens em se estimar o risco do paciente relatado por


este escore?

QRISK (QRESEARCH cardiovascular risk algorithm)25,26 é o maior escore


disponível, construído a partir de 1,3 milhões de ingleses referidos para cuidados
primários de saúde, com idade variando entre 35 anos e 74 anos, sem doença
cardiovascular ou diabetes, e validado em cerca de 610.000 indivíduos da mesma
população. Estima o risco de doença cardiovascular em 10 anos representado por
doença coronariana, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e
isquemia cerebral transitória.

As variáveis empregadas foram: idade, sexo, tabagismo, pressão arterial sistólica,


razão entre o colesterol total e HDL colesterol, índice de massa corporal, história
familiar de doença coronariana em parentes de primeiro grau antes dos 60 anos de
idade, status social e tratamento com agentes anti-hipertensivos25,26. Como esse escore
é derivado de informações obtidas na prática diária ele poderá ser continuamente
modificado para melhorar seu desempenho.
Em 2008 seus autores criaram a segunda versão - QRISK227 adicionando outras
variáveis como, etnia referida e presença de comorbidades: diabetes do tipo 2,
hipertensão arterial tratada, artrite reumatoide, doença renal e fibrilação atrial27.
Estudos preliminares evidenciaram melhor desempenho em reação à versão anterior e
ao escore de Framingham, constituindo-se em instrumento promissor para aferição do
risco cardiovascular27.

Figura 6
Tabuladora para o escore QRISK2
Fonte: Adaptado de Hippisley-Cox et al.25

8. É importante solicitar a medida da espessura médio-intimal através da


ultrassonografia das carótidas nos pacientes?

Não foi observado valor incremental dessa medida em relação à estimativa obtida pelo
cálculo de escore de Framingham de acordo com as coortes dos estudos
Atherosclerosis Risk In Communities (ARIC)28 e Multi-Ethnic Study of
Atherosclerosis (MESA)29 que demonstraram variação de 0,01 na estatística-C. Estudo
mais recente reporta benefício com essa medida, porém classificando as estimativas de
risco em quatro grupos, o que certamente superestima o poder de classificação desse
método de imagem30.

9. É importante obter a medida do escore de cálcio nos pacientes?

O escore de cálcio coronariano parece oferecer algum valor incremental ao escore


Framingham. No estudo MESA29, o incremento da estatística-C foi de 0,0531 com NRI
(net reclassification improvement). No entanto, apesar da mensuração do escore de
cálcio apresentar valor incremental, não está claro na literatura se essa medida é capaz
de trazer benefício na abordagem clínica dos indivíduos. Não são encontrados ensaios
clínicos randomizados demonstrando que o escore de cálcio coronariano, se realizado
de forma subsequente, seja capaz de mudar o desfecho do paciente, especialmente
quando se consideram os riscos causados pela exposição à radiação ionizante32..

Figura 7
Tabuladora para o escore MESA
Fonte: Adaptado de Folsom et al.28
10. Os pacientes que apresentam risco intermediário pelo escore de Framingham
devem ser reclassificados para a realização das medidas de prevenção primária?

Não há diferença relevante entre o emprego das medidas de prevenção primária nos
pacientes de médio e de alto risco. O emprego das estatinas e da aspirina nesse grupo
de pacientes deve ser individualizado, considerando-se a meta de LDL-colesterol
<100mg/dl, mesmo nos diabéticos e nos pacientes com aterosclerose subclínica nos
quais não foi possível evidenciar benefícios incrementais do uso rotineiro nessas
populações33,34. O benefício da reclassificação, em teoria, residiria nos pacientes de
baixo risco, onde efetivamente poderia haver mudança na estratégia de prevenção
primária35.

Os agravantes que devem ser procurados nos pacientes com risco intermediário de
acordo com a IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia e Prevenção da
Aterosclerose35 são: história familiar de DAC prematura (parente de primeiro grau
homem <55 anos ou mulher <65 anos), síndrome metabólica (IDF), micro ou
macroalbuminúria (>30g/min), hipertrofia ventricular esquerda, insuficiência renal
crônica (creatinina ≥1,5mg/dl ou clearance <60 ml/min), proteína c-reativa de alta
sensibilidade >3mg/L e exame complementar com evidência de doença aterosclerótica
subclínica- estenose/espessamento de carótida (IMT) >1mm, escore de cálcio
coronariano >100 ou >percentil 75 para idade e sexo, índice tornozelo braquial - ITB
<0,935.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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EFICÁCIA E EFETIVIDADE DAS
INTERVENÇÕES MEDICAMENTOSAS

João Manoel Pedroso


Roberto Muniz Ferreira

CASO CLÍNICO

Paciente feminino, 42 anos, assintomática, comparece à consulta ambulatorial para


realizar um check up cardiológico. Relata ser portadora de hipertensão arterial
sistêmica há três anos, descoberta em consulta médica de rotina e confirmada em outras
duas ocasiões, estando em uso regular de enalapril 5mg/dia desde então. Desconhece
apresentar qualquer outra comorbidade, negando tabagismo ou história familiar de
doença cardiovascular. Afirma que sempre gostou de praticar atividade física aeróbica,
porém está sem realizar qualquer tipo de exercício há dois anos.

Ao exame físico: Lúcida, orientada, eupneica, corada, acianótica.


FC =70bpm; PA =144x88mmHg aferida no membro superior direito na posição sentada;
140x90mmHg aferida no membro superior esquerdo na posição sentada.
Peso =73kg; Altura =1,70m; IMC =25,2kg/m2; Circunferência abdominal =79 cm.
MVUA sem RA.
RCR 2T BNF sem sopros. Ausência de TJP a 45º.
Abdome flácido, indolor, sem massas ou visceromegalias palpáveis.
MMII sem edema, pulsos palpáveis.

Exames iniciais: Hemograma normal; G =105mg/dL; U =30mg/dL; Cr =0,8mg/dL; Na


=141mEq/L; K =4,8mEq/L; ColT =240mg/dL; LDL =156mg/dL; HDL =40mg/dL; TG
=220mg/dL.
Urina (amostra): índice albumina/creatinina =20mg/g.
ECG: normal.

OBJETIVOS
1. Diferenciar a eficácia e a efetividade das intervenções medicamentosas.
2. Analisar um contexto clínico onde intervenções medicamentosas possam
estar indicadas para a prevenção primária de doença cardiovascular.
3. Definir desfechos substitutos e desfechos compostos em estudos clínicos.
4. Diferenciar estudos de superioridade e de não inferioridade.
5. Avaliar criticamente a eficácia e efetividade das intervenções
medicamentosas para a prevenção primária de doença cardiovascular.

PERGUNTAS
1. Quais são as hipóteses diagnósticas?

As doenças cardiovasculares são as principais causas de morte entre homens e


mulheres no Brasil e no mundo. A doença arterial coronariana (DAC) apresenta um
longo período de latência e, embora esse tempo seja variável entre as pessoas ele
fornece a oportunidade de intervir sobre os fatores de risco associados à progressão da
doença. Assim, mediante consulta clínica de uma paciente assintomática é fundamental
que esses fatores sejam identificados e posteriormente tratados com ou sem a utilização
de intervenções farmacológicas.

Segundo a IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose1,


existem múltiplos fatores de risco que podem ser identificados clinicamente ou por
exames complementares. Aqueles considerados mais significativos por essa diretriz
são: idade>60 anos, história familiar de DAC, diabetes mellitus, hipertensão arterial
sistêmica, dislipidemia, nefropatias e tabagismo. Além desses, também são
considerados fatores que apresentam correlação com risco cardiovascular aumentado:
intolerância à glicose, obesidade, aumento da circunferência abdominal e da relação
cintura/quadril, hiperuricemia, microalbuminúria e o aumento da proteína C-reativa1.

Os exames complementares não estão indicados de rotina para todos os pacientes,


devendo ser solicitados de acordo com o risco cardiovascular inicial determinado
pelos principais fatores de risco. Isso permite que os achados sejam interpretados de
acordo com a probabilidade pré-teste de doença, evitando que resultados falso-
positivos levem a uma conduta clínica equivocada.

Assim, analisando o caso em questão, já é possível identificar pela história e exame


físico a presença de hipertensão arterial sistêmica estágio 1 e sobrepeso, uma vez que o
índice de massa corporal (IMC) está acima de 25kg/m2 (IMC=peso/altura2). Os exames
complementares também evidenciam intolerância à glicose (glicemia de
jejum≥100mg/dl) e dislipidemia mista (colesterol total >200mg/dl e TG >200mg/dl). A
identificação desses fatores e posterior determinação do prognóstico da paciente são
fundamentais para definir as estratégias de intervenção e estão diretamente relacionadas
à eficácia e efetividade dos tratamentos.

2. Como confirmar os diagnósticos?

Os fatores de risco cardiovascular devem ser diagnosticados respeitando-se as


principais diretrizes nacionais e internacionais. Entre os principais, como HAS,
diabetes, dislipdemia e história familiar de DAC, vale destacar algumas
particularidades. Segundo a VI Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial2, o
diagnóstico de hipertensão arterial no consultório é estabelecido mediante valores
≥140x90mmHg em no mínimo três ocasiões diferentes. O diagnóstico também poderá
ser feito utilizando a automedida da pressão arterial (AMPA), monitorização
ambulatorial da pressão arterial (MAPA) ou a monitorização residencial da pressão
arterial (MRPA), quando então o limite passa a ser 130x85mmHg2.

Segundo a American Diabetes Association3, o diabetes mellitus pode ser diagnosticado


por quatro métodos diferentes: glicemia após jejum de no mínimo oito horas
(≥126mg/dl), hemoglobina glicada (≥6,5%), teste de tolerância oral à glicose
(≥200mg/dl 2h após 75g de glicose) ou por uma medida aleatória da glicemia
(≥200mg/dl na presença de sintomas de hiperglicemia)3. Os três primeiros critérios
devem ser confirmados em mais de uma ocasião, caso o paciente seja assintomático.
Por outro lado, a intolerância à glicose é definida por glicemia de jejum entre 100-
125mg/dl ou entre 140-200mg/dl no teste de tolerância oral à glicose. Esses pacientes
também apresentam risco cardiovascular aumentado e têm uma chance alta de evoluir
para diabetes no futuro (20-50% em 10 anos).

O conceito de dislipidemia é mais amplo, pois varia de acordo com o risco


cardiovascular do paciente. Portanto, os alvos de colesterol total e LDL são
inversamente proporcionais a esse risco, como mostra a IV Diretriz Brasileira Sobre
Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose1. Por último, a história familiar para
doença coronariana só deve ser valorizada quando um parente de primeiro grau
manifestou a doença com menos de 55 anos, se for do sexo masculino, ou 65 anos, se
for do sexo feminino.

3. Qual o prognóstico da paciente?

O prognóstico de pacientes sem diagnóstico prévio de DAC pode ser estimado pela
avaliação em conjunto dos fatores de risco. O escore de risco criado pelo estudo
Framingham4 é o mais utilizado para essa finalidade, e considera: idade, sexo, pressão
arterial sistólica na vigência ou não de tratamento medicamentoso, colesterol total,
HDL colesterol e tabagismo. Com essas informações, o risco de IAM ou morte em 10
anos pode ser estimado dentro de três categorias: baixo (<10%), médio (10-20%), ou
alto (>20%). Vale lembrar que o diabetes atualmente é considerado um equivalente de
DAC em termos de risco e por isso não é mais considerado no cálculo de acordo com o
novo escore, divulgado no último Adult Treatment Panel III5.

Entretanto, segundo a diretriz estadunidense para prevenção de doença cardiovascular


em mulheres6, publicada em 2011, a classificação abrange três novas categorias de
acordo com vários critérios clínicos: alto risco, sob risco e estado de saúde
cardiovascular ideal. Essa última classificação foi desenvolvida de acordo com o que
há atualmente de evidência em relação à efetividade das intervenções para prevenção
primária e secundária das doenças cardiovasculares como um todo e não somente DAC,
como no caso do escore de Framingham.

Assim, a estimativa do risco é feita de forma mais precisa, evitando qualquer


subestimativa que poderia estar associada à análise de somente um componente do
espectro das doenças cardiovasculares. Segundo o escore de Framingham, a paciente
do caso clínico apresentado seria classificada como baixo risco (2% em 10 anos) e, de
acordo com a nova classificação estadunidense, ela estaria na categoria sob risco de
desenvolver alguma forma de doença cardiovascular, por causa da presença de
hipertensão arterial, dislipidemia e sedentarismo6. Esta seria uma faixa intermediária,
onde poderiam ser consideradas intervenções não contempladas anteriormente somente
se utilizando a estimativa pelo escore de Framingham.

4. Qual a diferença entre a eficácia e a efetividade das intervenções


medicamentosas?

Frequentemente o médico atende pacientes no consultório, na enfermaria ou mesmo em


unidades de terapia intensiva que diferem dos pacientes que são estudados em ensaios
clínicos e inseridos em recomendações de diretrizes nacionais e internacionais. Nesses
casos, sempre surge dúvida: se as intervenções terapêuticas ainda proporcionarão os
efeitos observados nos estudos controlados quando aplicadas na prática. Esse ponto
depende da validade externa do estudo, ou seja, da capacidade de generalização dos
seus resultados para outros pacientes que não participaram da pesquisa. Os estudos
randomizados controlados de intervenções farmacológicas são ótimas ferramentas para
a avaliação da eficácia dos tratamentos, que corresponde à magnitude do efeito
esperado da droga que pode ser alcançado sob condições ideais. Deve-se considerar
que durante a formulação e aplicação dos ensaios clínicos muitos vieses podem
comprometer as suas validades externas. Assim, os pacientes estudados tendem a ser
mais jovens e com menos comorbidades e cointervenções medicamentosas do que a
maioria dos casos observados na prática clínica7,8.

Por outro lado, a efetividade do tratamento corresponde à magnitude do efeito esperado


da droga, que pode ser alcançado sob condições clínicas usuais. Uma intervenção é
considerada efetiva se ela mantém o seu benefício terapêutico fora do contexto clínico
ideal dos ensaios randomizados, ou seja, em pacientes com mais comorbidades e
utilizando outras medicações que não foram testadas em combinação com a droga em
questão. Esta definição aborda como a droga se comporta no “mundo real”.

Há ainda o conceito de eficiência, que diz respeito ao custo-benefício da droga tanto


para o indivíduo quanto para a sociedade7,8. Assim, a droga mais eficaz pode ser pouco
eficiente se ela for muito onerosa e, consequentemente, pouco disponível para os
pacientes. Não há dúvida que a determinação da eficácia de uma droga é o primeiro
passo para que ela seja empregada na prática. Porém, para o médico, a sua efetividade
e eficiência são os dois dados mais importantes no momento da tomada de decisão
clínica, pois respondem a duas perguntas fundamentais: 1) Qual a probabilidade de a
intervenção funcionar nesse paciente? 2) O paciente terá acesso ao tratamento?

5. O que são desfechos substitutos? E desfechos compostos?

Os ensaios clínicos são fundamentais para a avaliação da eficácia de intervenções


medicamentosas, mas a definição de eficácia varia de acordo a intervenção e o
respectivo benefício proporcionado no estudo. Esse benefício é avaliado no estudo
comparando-se a incidência dos desfechos pré-definidos no grupo tratado com a
intervenção nova, com o grupo que não a recebeu. Os desfechos mais relevantes para os
pacientes são aqueles relacionados a eventos clínicos como infarto agudo do miocárdio
(IAM), acidente vascular encefálico (AVE) e principalmente morte.

Entretanto, para que esses desfechos sejam avaliados, muitas vezes o estudo precisa
apresentar um número grande de participantes e sua duração deverá ser prolongada, o
que significa um custo mais elevado para a pesquisa se concretizar. Este é um ponto
fundamental, pois o desfecho primário de um ensaio clínico é que definirá se o
tratamento é eficaz ou não, para aquele contexto específico. Justamente por haver essa
questão de tempo e custo elevado, muitos estudos acabam adotando desfechos
substitutos como desfechos primários.

Os desfechos substitutos são marcadores clínicos ou laboratoriais que estão associados


ao risco de desenvolver um desfecho clínico mais robusto9. A glicemia é exemplo de
desfecho substituto para medicamentos hipoglicemiantes. Como o nível sérico de
glicose é diretamente proporcional ao risco de desenvolvimento de complicações
clínicas micro e macrovasculares do diabetes, assume-se que um medicamento que
reduza a glicemia irá reduzir também a incidência dessas complicações.

O mesmo raciocínio é válido para a dislipidemia e a hipertensão arterial, quando


muitas vezes o nível de pressão é escolhido como o desfecho em ensaios de anti-
hipertensivos novos. Um estudo que avalia apenas desfechos substitutos é mais barato e
curto, o que possibilita que a droga seja lançada no mercado com mais rapidez. O
problema é que, na maioria das vezes, a relação entre o desfecho substituto e o
desfecho clínico não é linear e depende da influência de muitas variáveis que podem
não ser conhecidas e, consequentemente, não serem controladas. Como existe uma
distância entre o marcador intermediário e o desfecho clínico, a droga pode atuar de
forma aparentemente benéfica sobre o marcador, mas depois piorar a evolução clínica
por outros mecanismos imprevistos. Assim, a eficácia clínica do medicamento passa a
ser apenas presumida, e as decisões terapêuticas acabam sendo apoiadas em
hipóteses9.

Por exemplo, a decisão de prescrever ou não um medicamento hipolipemiante deveria


ser baseada apenas na evidência de que a droga reduz as complicações clínicas
associadas à doença, como o IAM, AVE e morte. Essa relação não pode ser presumida
somente mediante uma melhora do perfil lipídico. Além disso, a magnitude da redução
desses eventos também deverá ser clinicamente relevante e nesse contexto é importante
que seja avaliado o número necessário para tratar (NNT =1/redução do risco absoluto
em percentual). Esse valor informa quantos pacientes precisam ser tratados durante o
período de tempo do estudo para reduzir o desfecho que havia sido definido. Quanto
menor for o seu valor, maior será a eficácia da intervenção, que também depende do
prognóstico do paciente. No caso apresentado, considerando que a paciente é de baixo
risco pelo escore de Framingham, seria necessário tratar 133 pacientes durante 4,3 anos
para reduzir um IAM não fatal, sem haver alteração da letalidade10. Os outros 132
pacientes não teriam benefício do uso da droga e ainda estariam expostos aos seus
efeitos colaterais.

Um exemplo importante dos riscos associados ao uso de desfechos substitutos como


única evidência de eficácia é o torcetrapib. Esta foi uma droga desenvolvida nos anos
2000 para aumentar os níveis de HDL, como adjuvante no tratamento da dislipidemia e
prevenir eventos cardiovasculares. Laboratorialmente a droga foi muito eficaz, porém
quando foram avaliados desfechos clínicos em um grande ensaio randomizado com
mais de 15 mil pacientes, ela esteve associada a aumento da mortalidade
cardiovascular e global11. Um mecanismo proposto foi o aumento da pressão arterial, o
que não havia sido antecipado. Se a droga tivesse sido lançada no mercado apenas
baseando-se no desfecho substituto laboratorial, ela teria causado mais dano do que
benefício.

O desfecho substituto pode ser usado numa etapa anterior à realização de um estudo
com desfechos clínicos, como uma maneira de otimizar a utilização dos recursos de
pesquisa, mas não deve ser usado como única evidência de eficácia e muito menos de
efetividade.

Além disso, mesmo quando desfechos clínicos são utilizados é comum encontrar várias
complicações diferentes compondo o desfecho primário. Este também é um recurso que
reduz o custo do estudo, pois menos pacientes precisam ser recrutados e como mais
eventos clínicos são contabilizados, o tempo do estudo acaba sendo menor. Entretanto,
se a droga se mostra capaz de reduzir o desfecho primário composto, muitos
profissionais assumem que o benefício é válido para todos os componentes do
desfecho, o que na maioria das vezes não é verdade. Sempre é necessário avaliar cada
desfecho de forma independente antes de concluir que o resultado do desfecho primário
é válido para todos os seus componentes. Nesse contexto, é fundamental que todos os
componentes tenham a mesma relevância clínica, pois eles são avaliados como
equivalentes dentro do desfecho composto12.

Um exemplo é o estudo CLARITY-TIMI 2813, que avaliou o uso do clopidogrel em


pacientes com IAM com supra de ST submetidos a trombólise. Nesse estudo, o
desfecho primário composto foi constituído por morte, infarto recorrente ou fluxo TIMI
0-1 na coronariografia, e o estudo concluiu que o clopidogrel aumentou a patência do
vaso “culpado” e reduziu eventos isquêmicos. Entretanto, ao analisar cada desfecho
isoladamente, somente a redução do fluxo TIMI 0-1 alcançou significância estatística,
enquanto não houve diferença na incidência de morte ou IAM recorrente entre os dois
grupos13. Há ainda o agravante da associação de um desfecho substituto angiográfico
com um tão robusto quanto a morte dentro do mesmo desfecho primário.

Vale lembrar também que quando o desfecho composto contém morte, e esta não se
mostra reduzida pelo tratamento quando analisada isoladamente, haverá a possibilidade
de malefício mesmo que outro componente do desfecho primário tenha sido reduzido,
como infarto não fatal14. No mesmo estudo citado13, a razão de chances de morte no
grupo do clopidogrel quando comparado ao placebo foi 1,17 (IC 95% 0,75-1,82). O
intervalo de confiança sugere que o efeito do tratamento sobre a letalidade do IAM
nesse estudo foi indeterminado, mas há a chance de um aumento de letalidade que pode
ser até 82% maior do que no grupo-placebo. Nesses casos, são necessários estudos
maiores, com mais poder para demonstrar essa potencial diferença, que pode ser
maléfica ou benéfica.

6. O que são estudos de superioridade e de não inferioridade?

Quando duas intervenções são comparadas em um ensaio clínico, o objetivo do estudo


é de rejeitar uma hipótese nula em favor de uma hipótese alternativa. Entretanto,
dependendo do tipo de estudo, essas duas hipóteses podem variar. Quando o objetivo é
demonstrar que o tratamento experimental é superior ao padrão, a hipótese alternativa
seria que as duas intervenções são diferentes (HA:Δ≠0), rejeitando a hipótese nula de
que os dois são iguais (H0:Δ=0). Nesse caso trata-se de um estudo de superioridade,
quando o intervalo de confiança de 95% (IC 95%) é bicaudal, e não deverá conter 0
para que a hipótese nula seja rejeitada. Como as duas intervenções nunca serão
idênticas, sempre haverá uma diferença entre elas na incidência dos desfechos
avaliados, por menor que ela seja. A questão fundamental é que qualquer diferença,
mesmo se for aparentemente pequena, pode se tornar estatisticamente significante se o
tamanho da amostra do estudo for grande o suficiente, o que não necessariamente
representará um achado clinicamente relevante15. Justamente por isso, esses estudos
tendem a ser mais onerosos, pois muitas vezes necessitam de milhares de pacientes
para que a diferença entre as intervenções alcance uma significância estatística.

Com a evolução dos tratamentos, tem sido cada vez mais difícil desenvolver novas
terapias que sejam superiores àquelas existentes. Assim, a indústria farmacêutica tem
se concentrado em produzir novas drogas que sejam tão eficazes quanto os tratamentos-
padrão, porém que sejam de custo mais baixo, seguras e fáceis de administrar. Para esta
finalidade são utilizados estudos de não inferioridade, que envolvem menos pacientes e
custos do que os estudos de superioridade. Neste tipo de estudo, a hipótese nula é que a
diferença entre a eficácia dos dois tratamentos é maior do que uma margem pré-
estabelecida, conhecida como margem de não inferioridade (H0:Δ>ΔNI). Dessa forma,
a hipótese alternativa a ser provada seria que a diferença entre os dois tratamentos é
menor do que essa margem (HA:Δ<ΔNI), o que permitiria dizer que o tratamento novo
é não inferior ao padrão. Para que isso ocorra, somente o limite superior do IC95% é
analisado (IC95% unicaudal) e ele deverá ser menor do que a margem de não
inferioridade. Entretanto, a determinação dessa margem é complexa, pois muitas vezes
envolve uma estimativa subjetiva dos autores, e também deverá considerar que o
tratamento novo é mais eficaz do que o placebo. É importante frisar ainda que esses
estudos não permitem estabelecer que um tratamento é superior ao outro15.

A Figura 1 resume as diferenças entre os estudos de superioridade e de não


inferioridade.
Figura 1
Diferença entre estudos de superioridade e de não inferioridade que compararam um tratamento experimental (E)
contra o controle (C), considerando um desfecho de mortalidade em 30 dias. A margem de não inferioridade foi
definida como 1%.
IC95%: intervalo de confiança de 95% 15.

7. Quais são as intervenções farmacológicas de prevenção primária que poderiam


ser eficazes no caso anterior?

As intervenções farmacológicas só devem ser implementadas no contexto da prevenção


de doenças cardiovasculares em pacientes selecionados e sempre em associação com
modificações no estilo de vida que também auxiliem no controle dos fatores de risco.
Assim, a cessação do tabagismo, a realização de atividade física regular, a adoção de
uma dieta equilibrada, o consumo limitado de álcool e o controle do peso são alvos que
devem ser perseguidos por todos os pacientes. O benefício do controle medicamentoso
dos fatores de risco é diretamente proporcional ao risco de desenvolvimento de eventos
cardiovasculares no futuro, que pode e deve ser estimado clinicamente.

De acordo com as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial2, o tratamento


medicamentoso está indicado junto com o não medicamentoso para todos os pacientes
que apresentem no mínimo um risco intermediário para eventos cardiovasculares
futuros e para aqueles de baixo risco que não responderam às intervenções não
farmacológicas por seis meses. Por outro lado, a diretriz estadunidense para prevenção
de doença cardiovascular em mulheres6, publicada em 2011, recomenda que os
medicamentos sejam iniciados quando a pressão arterial estiver ≥140x90mmHg, pois
neste caso a paciente é considerada, no mínimo, de risco intermediário. Em pacientes
com doença renal ou diabetes o alvo terapêutico passa a ser <130x80mmHg.

Essa mesma publicação recomenda ainda que os diuréticos tiazídicos sejam as drogas
de primeira linha na maioria dos casos, exceto quando houver alguma contraindicação
ou outra justificativa específica para utilizar outra classe6. Porém, de uma forma geral,
o alvo pressórico parece ser mais importante do que a droga utilizada, pois a maior
parte dos pacientes (>60%) acaba necessitando de mais de uma droga.

De acordo com diversos ensaios clínicos já publicados, estima-se que o controle da


hipertensão arterial esteja associado à redução de até 40%, 25% e 50% nas incidências
de AVE, IAM e insuficiência cardíaca (IC), respectivamente. Estima-se que no contexto
da prevenção primária em pacientes de alto risco, uma redução sustentada de 12mmHg
na pressão arterial sistólica ao longo de 10 anos, leve a um NNT de apenas 11 para o
desfecho de morte. Em pacientes com doença cardiovascular estabelecida (prevenção
secundária), esse valor seria ainda menor (NNT=9)16.

Entretanto, somente em 2011 foram publicados os primeiros resultados demonstrando


que o tratamento anti-hipertensivo está associado à redução da letalidade
cardiovascular. Isto foi visto após 22 anos de acompanhamento dos pacientes
participantes do estudo SHEP17, que avaliou a eficácia da clortalidona em reduzir
eventos cardiovasculares em pacientes hipertensos idosos (>60 anos). Os resultados
mostraram ganho de um dia de vida para cada mês de uso de clortalidona, o que
correspondeu a aumento médio de 105 dias na sobrevida dos pacientes17.

Em relação à dislipidemia, os alvos terapêuticos são cada vez mais rigorosos à medida
que o risco do paciente aumenta. A IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e
Prevenção da Aterosclerose1 recomenda que a intervenção farmacológica seja
associada às mudanças no estilo de vida quando os alvos de LDL-C e não HDL-C não
forem atingidos após seis meses e três meses em pacientes de baixo e médio risco,
respectivamente (LDL-C <160mg/dl e <130mg/dl). Em pacientes de alto risco ou com
aterosclerose manifesta, a recomendação é que o uso de drogas seja feito desde o início
do tratamento, com reavaliação das metas (LDL-C<100mg/dl e <70mg/dl,
respectivamente) após três meses, no máximo1.

Os triglicerídeos e o HDL-C são alvos secundários, pois as intervenções


farmacológicas, como os fibratos, são menos eficazes na redução do risco
cardiovascular do que as estatinas. Entretanto, vale lembrar que o uso de estatinas na
prevenção primária de eventos cardiovasculares ainda não esteve associado a aumento
da sobrevida. Por esse motivo, é fundamental que o tratamento seja individualizado,
sempre se avaliando os riscos e benefícios da intervenção. As diretrizes ajudam a guiar
as decisões clínicas e devem ser utilizadas em conjunto com a avaliação crítica do
profissional, não podendo ser generalizadas de maneira uniforme para todos os
pacientes.

Uma meta-análise10 publicada em 2006, que avaliou quase 43 mil pacientes tratados
com estatinas para a prevenção primária, em sete ensaios clínicos, não mostrou
qualquer benefício na letalidade global ou cardiovascular, embora tenha mostrado uma
redução na incidência de IAM não fatal e AVE. Porém mesmo nesses desfechos, o
benefício é extremamente dependente do risco basal do paciente. Em pacientes de baixo
risco, seria necessário tratar 133 ou 268 pacientes ao longo de quatro anos para
prevenir um IAM não fatal ou um AVE, respectivamente. Ao serem considerados
aqueles com risco elevado, esses valores passariam para 40 e 12510.

Outra meta-análise18, publicada em 2010, com mais de 65 mil pacientes de alto risco
tratados com estatinas no contexto da prevenção primária, também não mostrou
qualquer redução na letalidade associada ao uso dessas drogas. Esses dados mostram
que toda a capacidade das estatinas em reduzir o colesterol, na maioria das vezes, não é
traduzida em redução de desfechos clínicos, principalmente no contexto da prevenção
primária. Assim, o uso criterioso desses medicamentos é fundamental para não expor o
paciente somente aos seus efeitos colaterais.

Por último, é importante frisar que o uso da rosuvastatina como prevenção primária em
homens >50 anos ou mulheres >60 anos, com LDL-C <130mg/dl e PCR-t >2mg/l ainda
é controverso e não pode ser generalizado, pois até então somente um estudo sugeriu
algum benefício e com apenas 1,9 anos de acompanhamento médio19.

O diabetes e a intolerância à glicose são outros fatores de risco que devem ser
abordados na prevenção primária. O diabetes é considerado um equivalente de doença
coronariana em termos de risco de eventos futuros e por isso deve ser tratado como tal.
Porém vale lembrar que, embora o controle glicêmico rigoroso já tenha demonstrado
ser capaz de reduzir as complicações microvasculares relacionadas à doença
(nefropatia, retinopatia e neuropatia), o mesmo não foi observado nos eventos
macrovasculares (IAM e AVE)20.

Um estudo publicado21 em 2009 mostrou os resultados de 10 anos de acompanhamento


de quase 3 mil pacientes com intolerância à glicose. Eles foram estratificados em três
grupos de acordo com o tratamento recebido: mudanças no estilo de vida, metformin ou
placebo. O desfecho primário era a incidência de diabetes. Após cerca de três anos de
estudo, todos os grupos receberam recomendações de mudanças no estilo de vida
devido aos benefícios demonstrados; entretanto o grupo randomizado inicialmente para
esse tratamento apresentou uma redução de 34% no desenvolvimento de diabetes ao
longo de 10 anos em relação ao placebo. O grupo randomizado para metformin também
apresentou uma redução significante em relação ao placebo (18%), porém de menor
magnitude se comparado àqueles submetidos às mudanças no estilo de vida21.

Esse estudo sugere que embora o metformin possa ser eficaz em prevenir diabetes, a
perda de peso, dieta e exercício físico são ainda mais eficazes, com menos efeitos
colaterais e provavelmente associados a outros benefícios que vão além da prevenção
do diabetes. Além disso, ainda não foi demonstrado que a prevenção medicamentosa do
diabetes corresponderá a uma redução de eventos cardiovasculares no futuro, embora
tal associação seja presumida. Por isso, essa droga deve ser usada como uma
alternativa de segunda linha nesse contexto.

A aspirina (AAS) é outra intervenção farmacológica que pode ser cogitada na


prevenção primária de eventos cardiovasculares. A US Preventive Services Task Force
(USPSTF)22, publicada em 2009, recomenda o uso de AAS em dose antiplaquetária
(75-162mg por dia) para homens entre 45-79 anos e mulheres entre 55-79 anos, quando
os benefícios superarem os riscos. É justamente essa avaliação que determina a
indicação ou não da intervenção, pois à medida que o risco de eventos
cardiovasculares ultrapassa o de sangramentos, o uso do AAS se justifica.

Até então o AAS não mostrou reduzir a letalidade cardiovascular quando utilizado para
a prevenção primária. Entretanto o seu uso está associado à redução média de 32% de
IAM não fatal em homens, e de 17% de AVE em mulheres22. O aspecto fundamental é
individualizar o seu uso de acordo com o risco de sangramento do paciente. A Tabela 1
mostra o risco em 10 anos de IAM não fatal em homens e AVE em mulheres por faixa
etária, a partir do qual o uso de AAS poderia ser justificado.

Tabela 1
Risco de eventos cardiovasculares em 10 anos por sexo e faixa etária a partir do qual o número de infartos ou
acidentes vasculares encefálicos supera os eventos hemorrágicos, justificando o uso de aspirina22
DAC=doença arterial coronariana; AVE=acidente vascular encefálico

Se o risco desses eventos for estimado como inferior aos valores definidos na tabela
para cada faixa de idade, o AAS não deve ser prescrito, pois o risco de sangramento
será maior. O aumento da faixa etária é acompanhado por uma elevação no risco de
hemorragias e por isso torna-se necessário um aumento proporcional no risco
cardiovascular para justificar a intervenção.

Uma vez considerando os riscos e benefícios dessas intervenções, algumas observações


são necessárias em relação ao caso clínico relatado. Trata-se de uma paciente
considerada sob risco de desenvolver algum evento cardiovascular em 10 anos, embora
o seu risco Framingham seja baixo. Assim, segundo a diretriz estadunidense para
prevenção de doença cardiovascular em mulheres, a terapêutica anti-hipertensiva
estaria indicada associada a mudanças no estilo de vida para alcançar um alvo
<140x90mmHg. Entre as opções terapêuticas estariam a troca do esquema atual por um
diurético tiazídico ou simplesmente o aumento da dose do enalapril, acompanhando os
níveis séricos de potássio.

Além disso, o alvo de LDL-C dessa paciente seria <160mg/dl de acordo com a mesma
diretriz e de acordo com as recomendações das diretrizes brasileiras, uma vez que não
há fatores agravantes. Portanto, uma estatina não estaria indicada nesse momento. Em
relação à intolerância à glicose, estariam indicados apenas a perda de peso, a dieta e o
exercício físico regular que são mais eficazes do que o metformin na prevenção do
diabetes, além de ajudar no controle da dislipidemia.

Por último, não há evidências de benefício da aspirina na prevenção primária de


eventos cardiovasculares em mulheres <55 anos, podendo até haver malefício.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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AVALIAÇÃO MULTIFATORIAL DOS
FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR

Nelson Albuquerque de Souza e Silva


Gláucia Maria Moraes de Oliveira

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 54 anos, comparece à consulta ambulatorial porque deseja iniciar a
prática de exercício físico. Relata ser portador de hipertensão arterial sistêmica há sete
anos, descoberta em consulta médica de rotina, estando em uso regular de enalapril
10mg/dia desde então. Está inteiramente assintomático e desconhece apresentar
qualquer outra comorbidade.

Relata tabagismo, fumando um maço/dia desde os 15 anos de idade. Nega história


familiar de doença cardiovascular. Afirma que sempre gostou de jogar futebol, porém
não pratica qualquer tipo de atividade física há três anos, desde a sua promoção na
empresa onde trabalha.

Exame físico:
PA =146x90mmHg no membro superior direito e 140x92mmHg no esquerdo. FC
=76bpm; Peso =86,0kg; Altura =1,75m; IMC =28kg/m2.
Restante do exame físico foi normal, inclusive exame de fundo de olho.

Após anamnese e exame físico, o paciente mostrou os resultados de alguns exames


solicitados por um colega seu que é médico e que incluíam: hemograma completo,
glicemia e hemoglobina glicada, ureia, creatinina, ácido úrico, sódio e potássio, urina:
elementos anormais e sedimento, colesterol total, colesterol HDL, triglicerídeos,
lipoproteína “a” (Lpa), homocisteinemia, proteína C-reativa ultrassensível,
interleucina–6, fator de necrose tumoral alfa (FNTα), angiotomografia computadorizada
de tórax com determinação do escore de cálcio das artérias coronárias.

OBJETIVOS

1. Identificar o método clínico como aquele indicado para julgar a melhor


conduta a ser adotada em qualquer caso clínico.
2. Analisar as bases conceituais da teoria de sistemas complexos dinâmicos
adaptativos e sua importância para a prática clínica através da melhor
compreensão das relações entre indivíduo, organização socioeconômica e
ambiente na manutenção da saúde.
3. Entender a “doença” como estado evolutivo da vida ou alterações desse
equilíbrio dinâmico ao longo do tempo.
4. Aplicar este conceito de doença para o controle dos problemas de saúde
individuais e coletivos (organização dos sistemas de saúde) modificando o
conceito de causalidade.
5. Discutir, com base na hermenêutica, as informações provindas de estudos que
utilizam diversos métodos de investigação, com vistas a melhor julgamento e
decisão clínicos, especialmente para o controle das doenças
cardiovasculares.

PERGUNTAS
1. Qual é conceito de método clínico?
O clínico lida com o indivíduo, mas não pode se dissociar do fato de que esse
indivíduo vive em um ambiente sociocultural, e no qual habita. Portanto, para tomar
decisões visando a manter ou restabelecer a saúde das pessoas há necessidade de
conhecer as complexas inter-relações entre os diversos sistemas fisiológicos que
possibilitam manter este ser vivo, constituído a partir de sua base genética, em
constante evolução e em equilíbrio com o complexo sistema socioeconômico-cultural-
ambiental.

Para lidar com essa complexidade, há que se modificar a racionalidade médica


determinística, reducionista, que vem predominando principalmente a partir da segunda
metade do século XX, com base no positivismo científico.

Lida-se com incertezas e não com verdades absolutas. Lida-se com interconectividades,
com relações não lineares e organização. Portanto, precisa-se sair do mundo das
certezas para lidar com fenômenos complexos ou sistemas complexos dinâmicos
adaptativos. O método clínico e o julgamento clínico com base na teoria de sistemas
complexos permitem melhor compreender e atuar sobre o complexo problema das
doenças cardiovasculares, e o que atualmente se denominam fatores de risco
cardiovascular. Por isso há necessidade de compreendê-los dentro de uma nova
racionalidade não determinística e não linear1.

O objetivo da Medicina é a saúde e se convencionou que ela tem características das


ciências e das artes. A essência da arte de curar consiste em poder voltar a produzir o
que já foi produzido. O médico produz a saúde através de sua arte, ou melhor, mantém
ou restabelece a saúde que já existia2.

O conhecimento médico evoluiu ao longo do tempo, incorporou informações provindas


de estudos que passaram a utilizar diversos métodos, alguns ditos “científicos”,
advindos de diversas áreas de conhecimento. No último século, a prática clínica foi
invadida pela incorporação de uma avalanche de novas técnicas, nem sempre validada
por métodos científicos. Nem sempre essas novas técnicas trouxeram benefícios aos
pacientes. O julgamento clínico, arte médica que evoluiu durante milênios e base das
decisões clínicas, passou a receber críticas como sendo “não científico”, como se a
observação clínica e interpretação de sinais e sintomas e também da compreensão dos
resultados dos estudos científicos, se afastassem da verdade. No entanto, só o
julgamento clínico permite a interpretação da realidade para se aproximar da verdade,
utilizando a observação criteriosa do paciente ao longo do tempo, analisando as
influências que o paciente troca com seu ambiente socioeconômico-cultural e no qual
habita, e interpretando o “conhecimento científico” existente com bases hermenêuticas3.
O médico busca restaurar o equilíbrio alterado ou manter o equilíbrio existente de um
ser vivo, o ser humano, um sistema complexo dinâmico adaptativo, em permanente ou
contínuo equilíbrio também com o sistema complexo do ambiente no qual habita. A
teoria de sistemas complexos fornece a base teórica para o método clínico4. Para
analisar os dados observados podem ser utilizados modelos estocásticos,
probabilísticos, não lineares ou outros métodos de análise.

O Método Clínico pode ser assim conceituado:

“A Clínica se consubstancia na prática à beira do leito ou em qualquer lugar que se


dê o encontro médico-paciente (a pessoa que busca ajuda para um possível problema
com sua saúde). O médico colhe o maior número possível de informações relevantes
sobre a pessoa (considerada como um sistema complexo dinâmico adaptativo) e sua
doença (um estado evolutivo da vida). Raciocina em um contexto de incerteza com
base epidemiológica (o paciente e seu ecossistema) e decide sobre o diagnóstico
(padrão de símbolos ou dimensões que caracterizam o estado evolutivo da vida) mais
provável (limites nebulosos), escolhendo o tratamento mais adequado em função do
prognóstico mais favoráve”3.

Fica claro, pelo método clínico, que para tomar decisões, sempre com base em
incertezas, na tentativa de solucionar qualquer caso clínico, necessita-se percorrer
todas as suas etapas, na tentativa de minimizar os erros inerentes ao processo decisório.

A palavra hermenêutica deriva do grego hermeneuein que significa expressar, explicar,


traduzir ou interpretar. Pode assim ser conceituada como ciência ou método de
interpretação que considera a prática não subordinada à teoria como simples técnica
resultante da dedução de um saber teórico, sendo uma forma mais ampla de
interpretação buscando o simbólico que não consegue ser expressado por técnicas
puramente científicas. Saber estimar probabilidades diagnósticas, prognósticas e
resultados de tratamento com bases epidemiológicas e clínicas e raciocinar, no
processo de decisão clínica com base em incertezas, utilizando diversas
racionalidades, incluindo decisões heurísticas, são a base do emprego do método
clínico.

2. Como empregar o método clínico na avaliação multifatorial dos fatores de risco


cardiovascular?

O método clínico é utilizado pela medicina ocidental há mais de 2.000 anos. Está bem
sistematizado na estrutura da anamnese: identificação da pessoa, queixa principal,
história da doença atual, interrogatório complementar ou revisão de sistemas, história
patológica pregressa, história familiar, história social, história fisiológica, seguida do
exame físico. As informações captadas são julgadas e interpretadas, influenciando e
sendo influenciadas pelo ambiente, um relacionamento em constante evolução temporal
ou coconstrutivismo biocultural5.

O julgamento dos dados obtidos apenas pela anamnese e pelo exame físico em conjunto
com os dados epidemiológicos permite alcançar um diagnóstico e tomar decisões
terapêuticas corretas em mais de 2/3 dos casos. O “modelo científico” convencional
adotado pela Medicina, principalmente ao longo da última metade do século XX, e
utilizando enorme arsenal técnico é reducionista. Baseia-se na noção linear de
causalidade, nega ou reduz a importância da conectividade entre os elementos, não
permite incorporar valores e ainda sofre grande influência de Descartes separando
corpo e mente.

O modelo explicativo em Medicina, baseado no positivismo científico, não é mais


suficiente. A teoria de sistemas complexos surgiu para tentar explicar o funcionamento
ou o comportamento de sistemas compostos por vários elementos. Os seres vivos e o
ambiente são sistemas complexos. O que se denomina de “complexidade”? É a
multiplicidade, interconectividade diversa e em vários níveis e o dinamismo dos
eventos observáveis. Como lidar com essa complexidade? Os métodos utilizados pela
“medicina baseada em evidências” trouxeram avanços no conhecimento, mas utilizam
em sua grande maioria modelos lineares para relacionar variáveis, buscam-se
“evidências” com uma conotação determinística de difícil aplicação, face à
variabilidade dos seres vivos e seu ambiente.

Não se pode, em face dessa complexidade, reduzir as ações a regras que parecem
simples, mas que levam a enormes erros. Definir que se deve intervir com drogas nos
pacientes que apresentam níveis de colesterol ou de índice de massa corporal ou de
glicemia ou de pressão arterial acima de valores fixos e cada vez menores, não parece
uma atitude clínica adequada. Apenas para exemplificar essa complexidade, apresenta-
se o resumo dos resultados de estudo recente6 no qual foi realizada uma meta-análise de
14 estudos de associação genética e doença coronariana, compreendendo 22.233
indivíduos com doença arterial coronariana e 64.762 indivíduos-controle de
descendência europeia, seguida da genotipagem de 56.682 indivíduos com sinais de
associações maiores. Essa análise identificou 13 novos loci associados com um
aumento de 6% a 17% do risco de doença coronariana por alelo. Somente três dos
novos loci mostraram associação significativa com os fatores de risco tradicionais6.

Com esses dados, não há surpresa quando se observa redução da mortalidade das
doenças cardiovasculares ao mesmo tempo em que fatores de risco clássicos, como o
diabetes e a obesidade, aumentam de prevalência e o controle de outros fatores, como a
hipertensão arterial e as dislipidemias, está longe de apresentar resultados satisfatórios.
As intervenções medicamentosas em geral são feitas com drogas desenvolvidas para
interferir em apenas um determinado sistema fisiológico conhecido. No entanto,
apresentam também inúmeros outros efeitos (muitos indesejáveis), como são de se
esperar, face à complexidade dos sistemas biológicos. Sendo assim, fica fácil entender
porque não apresentam resultados brilhantes, com reduções de risco absoluto de apenas
2% a 4% em pacientes com níveis de risco abaixo de 15% em geral.

3. O que são sistemas complexos?

Sistema complexo dinâmico adaptativo é um conjunto de agentes individuais, com


liberdade para agir de modo nem sempre previsível e cujas ações são interconectadas,
de modo que a ação de um agente muda o contexto dos demais agentes7.

Eles possuem várias características básicas das quais se destacam: limites nebulosos ─
ações dos agentes são interconectadas e possuem regras internas; os agentes e o sistema
são adaptativos no tempo e a adaptação pode ser para melhor ou para pior, dependendo
do ponto de vista considerado; a interação entre os agentes pode produzir
comportamento imprevisível do sistema, as interações entre os elementos do sistema
não são lineares, isto é, o resultado de uma ação depende do estado dos elementos
naquele momento bem como da intensidade da ação e estão relacionados a outros
sistemas e coevolvem; interagem e são influenciados pelo ambiente; são sistemas
abertos e, portanto, quando observados o observador torna-se parte do sistema. A não
linearidade é inerente ao sistema.

Portanto, para lidar com a complexidade crescente nos cuidados de saúde deve-se:
aceitar e compreender a limitação dos modelos lineares e utilizar modelos não lineares
na busca do conhecimento; aceitar a imprevisibilidade e a previsibilidade limitada no
tempo com constantes adaptações dos modelos preditivos com base em novas
observações; respeitar e utilizar a autonomia e a criatividade; responder com
flexibilidade aos padrões emergentes e oportunidades e compreender que os seres
vivos se auto-organizam e nem sempre se precisa intervir na sua evolução.

4. Em que a teoria de sistemas complexos dinâmicos adaptativos auxilia na


compreensão dos problemas relacionados ao controle das doenças cardiovasculares
e seus fatores de risco e na aplicação do método clínico para tomar decisões
diagnósticas, prognósticas, terapêuticas ou de causalidade de doenças?

Atenção inicial para as seguintes distorções de compreensão dos problemas clínicos


que são enfrentados nas ações básicas da medicina: o diagnóstico, o prognóstico, o
tratamento e a causalidade:

Primeiro erro: Quanto maior o número de exames complementares solicitados, mais


precoce, maior e melhor será a detecção de doenças e o estabelecimento de seu
prognóstico, com benefícios para o paciente.

Os testes não são independentes entre si e podem não acrescentar nenhuma informação
adicional à anamnese e ao exame físico para a tomada de decisão. Isto implica que o
clínico deve não apenas conhecer as propriedades operacionais dos testes
isoladamente, mas também saber utilizar testes diagnósticos em série ou em paralelo.
Torna-se necessário também conhecer as probabilidades condicionais, isto é, a
sensibilidade e especificidade de um teste, condicional ao resultado do outro teste, face
ao mesmo padrão-ouro de diagnóstico8. Implica também conhecer os métodos de estudo
aplicáveis ao conhecimento da performance dos exames de diagnóstico9. Em grande
parte dos testes, os valores “normais” são estimados com bases estatísticas (com uma
margem de erro) e não clínicas. Quanto mais testes forem feitos, maior será a
probabilidade de erro ou de que um dos testes venha fora dos intervalos considerados
normais. Antes de ordenar um teste diagnóstico, o médico deve questionar qual o risco
inerente à realização do teste e à probabilidade de erro (falso-positivos e falso-
negativos) e suas consequências adversas; se o resultado do teste mudará a conduta
diagnóstica ou terapêutica; e quais os resultados esperados das intervenções
disponíveis.

Segundo erro: Os dados epidemiológicos sobre prevalência, incidência e prognóstico


de doenças na população são para os epidemiologistas e não servem para o clínico. O
clínico em geral negligencia o valor dessas informações epidemiológicas, associadas
aos dados de anamnese e exame físico, para a indicação de exames complementares ou
para guiar as intervenções terapêuticas. No entanto, essas informações auxiliam na
estimativa de probabilidades que serão a base sobre a qual se adicionarão os dados de
anamnese e exame físico, para aproximação aos diagnósticos mais prováveis. A
detecção precoce de fatores de risco cardiovascular em pacientes assintomáticos
também deve ser considerada nessa perspectiva9.

Terceiro erro: A utilização rotineira do raciocínio predominantemente determinístico


dentro da forma de construção “lógica”: se X está presente, então Y é verdade”. O
raciocínio probabilístico ou “bayesiano”, em geral é mais apropriado para a decisão
clínica, ou seja, a probabilidade diagnóstica pós-teste é dependente das propriedades
operacionais do teste e da probabilidade pré-teste da doença fornecida pelos dados
epidemiológicos e de anamnese e exame físico.

A indicação de exames complementares e posteriores intervenções não dependem,


portanto, apenas das probabilidades pré-teste de doença e das propriedades
operacionais isoladas do teste, mas dependem também do prognóstico da doença, com e
sem intervenções terapêuticas, ou seja, da eficácia e eficiência dos tratamentos
disponíveis. O teste diagnóstico só será útil se para a doença em questão existir uma
intervenção benéfica para o paciente, e se esta intervenção estará indicada dependente
dos seus resultados ou do número de pacientes que serão ou não serão beneficiados ou
podem ter resultados maléficos da intervenção. Decisões para ordenar exames
complementares ou para intervir no prognóstico do paciente não podem ser tomadas de
modo determinístico e sim com a teoria de sistemas complexos10.

5. Há necessidade de se obter exames complementares para detectar a presença


de fatores de risco cardiovascular, clássicos e novos, em pacientes assintomáticos?

Quais são os “novos” fatores de risco? Entre os inúmeros “novos” fatores de risco,
pode-se citar: hiper-homocisteinemia, hiperfibrinogenemia, hiper-reatividade
plaquetária, resistência” à aspirina, aumento da lipoproteína “a” (Lpa), aumento de
marcadores séricos de inflamação: selectinas E e P, molécula de adesão intercelular
(ICAM-1 Intercellular Adhesion Molecule-1), molécula de adesão vascular (VCAM-1
Vascular Adhesion Molecule-1), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α Tumor Necrosis
Factor–α), interleucina-6 (IL-6), proteína C-reativa hipersensível (h-CRP
hipersensitive C-Reactive Protein); aumento dos marcadores séricos de estresse
cardiovascular: peptídio natriurético pró-atrial mediorregional (PNproA-MR), pró-
adrenomedulina mediorregional (proADM-MR), pro-endotelin-1 Cterminal (proET-
1CT-), copeptina e escore de cálcio.

Mais de 200 fatores de risco cardiovascular já foram descritos. É necessário medir


todos os FRCV para “estratificar” o risco do paciente e definir as possíveis
intervenções? Os resultados desses exames são confiáveis ou ainda apresentam
variações decorrentes das técnicas de dosagem ou erros de interpretação?

A seleção dos exames a serem ordenados tem que ser baseada em cada caso para saber
se naquele contexto o exame será útil ou não. As regras ou diretrizes são, como o nome
indica, apenas orientações de conduta e não podem ser interpretadas de modo
determinístico.
Para os FRCV clássicos, a prevalência é mais bem conhecida do que para os “novos”
FRCV. Assim, nos EUA, em 2003, aproximadamente 37% dos adultos relataram
apresentar dois ou mais FRCV clássicos e 90% dos pacientes com doença coronariana
apresentavam pelo menos um FRCV11.

Dados do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES)12 2005-


2008 indicam que 33,5% dos adultos norte-americanos >20 anos de idade
apresentavam hipertensão e só 48% dos que conheciam o seu diagnóstico estavam
controlados. Em 2010, 21,2% dos homens e 17,5% das mulheres ainda fumavam; em
2007-2008, 40,1% dos não fumantes apresentavam níveis elevados de cotinina no
sangue indicando fumo passivo; 15% dos adultos >20 anos de idade apresentavam
níveis de colesterol sérico ≥240mg/dl e 8% dos adultos tinham diabetes mellitus. A
prevalência de obesidade ou sobrepeso em 2012 atingiu 67,3% dos adultos e 31,7%
das crianças de 2-19 anos de idade12.

Na Europa, as seguintes prevalências foram encontradas na população adulta, no ultimo


inquérito (2007)13: hipertensão arterial: 61%; diabetes mellitus: 28%; obesidade: 38%
e hipercolesterolemia: 46%; tabagismo: 18%. É evidente que essas prevalências são
menores se forem incluídos pacientes <20 anos de idade e considerados apenas os
casos assintomáticos13.

No Rio de Janeiro (população da Ilha do Governador)14 a prevalência desses fatores de


risco foi: hipertensão arterial: 38%; tabagismo: 33%; obesidade: 13%; diabetes
mellitus: 7,6% com diferenças relativas a sexo e nível socioeconômico14. A
prevalência de cada um desses fatores é variável em diferentes populações e ao longo
do tempo e para muitos, principalmente os “novos” FRCV, ainda não existem dados
adequados. No entanto, quanto à prevenção primária, a maioria dos pacientes não
apresentará anormalidades e há que se considerar o custo-efetividade em grandes
populações.

Outro dado epidemiológico fundamental para a tomada de decisão clínica é o


conhecimento da prevalência e o prognóstico de uma determinada doença na população.
Os resultados de outro estudo de longo prazo servem para exemplificar a importância
de se considerar os dados de prognóstico, mesmo com os erros de estimativas e
generalizações, no processo decisório clínico3.

Nesse estudo, pacientes do sexo feminino foram triadas para a presença de fatores de
risco cardiovascular de 18-39 anos de idade. Acompanhadas por mais de 35 anos,
apresentaram eventos cardiovasculares a uma taxa de 0,7:10.000 pacientes-ano caso
não apresentassem qualquer FRCV ao serem triadas. Essa taxa aumentou em cinco
vezes, mas para apenas 5,7:10.000 pacientes–ano caso tivessem dois ou mais FRCV.
Portanto, mesmo com dois ou mais fatores de risco cardiovascular presentes antes dos
40 anos de idade, considera-se a probabilidade de redução de eventos de apenas
5,0:10.000 pacientes-ano, sendo maximamente eficazes15.

Quanto mais cedo se intervier nas condições de vida da população (não


necessariamente com drogas), tanto maior será a probabilidade de manter o sistema
complexo dinâmico adaptativo (o ser humano) em equilíbrio saudável com o sistema
complexo ambiental no qual vive. Embora existam estudos indicando que a presença
dos novos FRCV aumenta o risco cardiovascular, a informação adicional é de pouco
valor clínico para modificar as decisões a serem tomadas16,17. Quaisquer que sejam os
resultados desses exames a conduta clínica será a mesma.

As intervenções medicamentosas serão de pouca eficácia e eficiência e as intervenções


gerais de adequação nutricional, exercício físico, melhorias de condições ambientais de
habitação e trabalho e de renda, devem ser adotadas por serem eficazes e eficientes em
todos os pacientes, independente dos resultados dos testes diagnósticos. Isto não
significa que não os casos de mais alto risco não devem ser tratados. Em vez de se
aumentar o número de exames complementares solicitados na investigação de
pacientes, devem ser implementadas medidas que reduzam a mortalidade
cardiovascular e alterem para melhor os fatores de risco clássicos e alguns desses
novos fatores, ou seja, medidas que interfiram em todo o sistema complexo que é o ser
humano vivendo em seu ambiente.

6. Qual a importância dos dados epidemiológicos para avaliar a presença de um


diagnóstico e o risco ou prognóstico do paciente em análise? Face ao prognóstico,
as intervenções disponíveis podem melhorá-lo? A que custos individuais e sociais?

No caso clínico apresentado, o paciente procurou atendimento de saúde para realizar


exercícios físicos, indicando que reconhece o seu sedentarismo e os benefícios do
exercício físico. O paciente é do sexo masculino, tem 54 anos de idade, está
assintomático e a anamnese e o exame físico indicam a presença de quatro fatores de
risco cardiovascular: sedentarismo, tabagismo, hipertensão arterial em tratamento, mas
sem complicações e, excesso de peso. Aplicando o método clínico, deve-se indagar:

a. Quais os dados epidemiológicos que podem ser úteis no caso?


Não há sintomas ou sinais de qualquer alteração do estado de saúde do paciente,
apenas a presença dos fatores mencionados. Considerando os indicadores de saúde, as
principais doenças a serem consideradas na ausência de manifestações clínicas são:
doença aterotrombótica vascular e cânceres mais prevalentes para os quais há métodos
diagnósticos e intervenções: próstata, pulmão, cólon intestinal; e a doença pulmonar
obstrutiva crônica.

b. Que dados clínicos são importantes ressaltar?


No caso, os dados positivos importantes são a história de tabagismo e sedentarismo, o
índice de massa corporal =28kg/m2 e o nível de pressão arterial em uso de medicação
anti-hipertensiva, por serem fatores associados à doença aterotrombótica vascular. No
entanto, há que ressaltar os dados negativos que são importantes para reduzir a
probabilidade de doenças: a ausência de alcoolismo, de alterações de fundo de olho e
de sinais indicativos de doença aterotrombótica em leitos vasculares periféricos.
Ressalte-se também a ausência de dados que poderiam ser úteis na conduta clínica do
caso: dados socioeconômico-culturais mais detalhados e do ambiente de trabalho.

c. Há necessidade de solicitar exames complementares? Os exames que foram


solicitados são úteis ou desnecessários? Qual a justificativa para os mesmos?
As dosagens de glicemia e colesterol total podem ser úteis no caso, pois as
prevalências conhecidas de diabetes mellitus e de dislipidemias podem justificá-las.
Seus resultados podem influenciar no cálculo de risco cardiovascular e indicar futuras
intervenções benéficas. Ordenar um lipidograma completo nada acrescentaria ao caso,
pois esse paciente tem que perder peso e esses exames seriam mais úteis para definir a
necessidade de intervenção com drogas após a perda de peso, que será a conduta
inicial.

As dislipidemias familiares são raras e sua busca seria mais eficaz após a restauração
do peso ideal. A dosagem de creatinina sérica e do exame de urina (elementos anormais
e sedimento) poderiam ser justificadas pelo fato de o paciente ser hipertenso Esses
exames seriam úteis para avaliar a função renal ou a presença de doença renal e
influenciar na escolha e doses de drogas anti-hipertensivas. O hemograma pode também
ser útil pela prevalência de anemia na população, seja associada a fatores nutricionais
seja associada a neoplasias. Em homem, com condições de emprego aparentemente
satisfatórias e assintomático, sem perda de peso, essa possibilidade também é baixa.

Ordenar os demais exames solicitados no caso pode ser inteiramente dispensável, pois
aumentarão o custo e nada contribuirão para a conduta do paciente. Apenas o K+ sérico
estaria indicado, pois o paciente vem em uso de droga e ela pode auxiliar no
diagnóstico de hiperaldosteronismo (embora doença com prevalência menor que 10%
dos pacientes com hipertensão arterial).
O escore de risco deste paciente seria de 39,4, ou seja, um escore comparável ou
semelhante ao escore médio de um homem com essa idade (escore de 37). Com o
escore abaixo de 40, o risco de morte por doença cardiovascular nos próximos cinco
anos é 2,1%, comparável ao risco médio para um homem da mesma faixa de idade de
1,7% em cinco anos. Considerando o escore de Framingham, o risco deste paciente em
10 anos seria 16%, comparável também ao risco médio de sua idade de 14%18.

Considerando este risco, há necessidade de se buscar o diagnóstico de doença


coronariana assintomática? Ressalte-se que o risco de manifestação clínica da doença
foi estimado em cinco ou em 10 anos. A probabilidade de a doença estar presente no
momento do exame e de forma assintomática é bem menor do que essa estimativa a
longo prazo. Considerando que este paciente tenha probabilidade pré-teste de ter
doença coronariana assintomática de <9% (consideremos 5%), e as propriedades
operacionais dos testes (por ex: teste de esforço com sensibilidade de 70% e
especificidade de 80% em populações que tinham uma prevalência de doença de 60%),
mesmo que o teste seja positivo, a probabilidade pós-teste de doença será 15%.

Quais os resultados dos ensaios clínicos de intervenções invasivas em pacientes


assintomáticos? A angioplastia carrega uma probabilidade de morte durante a
intervenção de cerca de 1% e a cirurgia cardíaca de cerca de 8% embora alguns
centros operem com mortalidades inferiores a 3%.

O que um paciente teria de aumento de sobrevida considerando esses riscos? Em geral,


as intervenções invasivas só são úteis em pacientes sintomáticos que não respondem ao
tratamento clínico; e a revascularização cirúrgica só estaria indicada em pacientes
também com manifestações clínicas e que tivessem lesões de tronco ou de três vasos
com disfunção ventricular, possibilidades muito baixas neste paciente (abaixo de 5%).
Portanto, neste caso, em que se necessita de drogas para controlar a pressão arterial, a
conduta mais adequada é reduzir peso, iniciar programa de exercício físico, parar de
fumar utilizando as técnicas atualmente conhecidas e trocar a droga anti-hipertensiva
por betabloqueador, pois é droga indicada caso exista doença coronariana associada.

Se este paciente controlar seus fatores de risco, seu escore de risco baixaria para 28,7,
seu risco de morte em cinco anos baixaria para 0,7% e seria agora classificado de
baixo risco, em que nenhuma intervenção invasiva estaria indicada.

Fica claro, portanto, que com poucos exames e com intervenções simples, podem-se
mudar as probabilidades de risco do paciente e mudar as indicações para possíveis
intervenções invasivas.
Finalmente, nos cuidados de saúde deste paciente, há que utilizar o método clínico para
definir a necessidade de indicar exames, buscando o diagnóstico de neoplasias ocultas
bem como proceder a intervenções como as vacinações indicadas em adultos para
prevenir doenças: vacinas anti-hepatites, anti-influenza, antipneumonia pneumocócica,
anti-herpes zoster e antitetânica.

7. Como controlar o conjunto dos fatores de risco cardiovascular em populações?

Para melhor compreensão das doenças crônicas de modo a planejar modelos de


intervenção mais eficazes e a rede de serviços necessária, é preciso abandonar
parcialmente os modelos causais determinísticos unicausais ou mesmo multicausais e
basear-se em modelos de sistemas complexos adaptativos que trazem novas
informações científicas, que apontam para novos modelos causais de doenças,
especialmente as doenças crônicas19-23.

Quase 80% das mortes cardiovasculares prematuras, AVE e diabetes, e 40% das mortes
por câncer podem ser prevenidas por medidas simples como dieta adequada, exercício
físico e eliminação do tabagismo e alcoolismo24.

Vários programas para o controle de fatores de risco cardiovascular têm sido


implementados em populações diferentes em várias partes do mundo. Em geral esses
programas de controle visam a fatores de risco isolados como a hipertensão arterial ou
o diabetes ou o tabagismo ou a obesidade. Os resultados dessas intervenções isoladas
apresentam em geral, resultados pouco satisfatórios. Por outro lado, programas de
intervenção mais abrangentes, visando a modificar hábitos e condições de vida de toda
a população, e não apenas a população de mais alto risco e com ações intersetoriais
(fora do setor saúde) e com a participação da comunidade, têm se mostrado mais
eficazes em reduzir a mortalidade cardiovascular como é o caso do estudo de North
Karelia25.

A experiência internacional indica que o sucesso das intervenções em doenças crônicas


necessita da participação da comunidade, suporte das decisões políticas, ações
intersetoriais, legislação apropriada, reforma do sistema de saúde, colaboração com
organizações não governamentais, com a indústria e com o setor privado. Conseguem-
se maiores ganhos em saúde em termos de prevenção, influenciando políticas públicas
em domínios fora do setor saúde como educação, comércio, produção de alimentos e
produtos farmacêuticos, agricultura, desenvolvimento urbano, políticas de impostos, do
que mudanças isoladas das políticas de saúde.
As doenças não comunicáveis estão intimamente associadas ao desenvolvimento social
e econômico. Essas doenças e seus fatores de risco estão intimamente associados à
pobreza e contribuem para a pobreza.

Ações globais, nacionais e locais, devem ser implementadas para responderem aos
determinantes sociais das doenças, promovendo a saúde e equidade. Cada indivíduo é
único, embora carreie traços comuns a outros, e a sua resposta aos fatores externos,
inclusive às intervenções terapêuticas, pode se assemelhar, mas nunca ser exatamente
igual a de outro indivíduo, principalmente se existirem variações temporais. Daí a
importância de se acompanhar a história pessoal dos indivíduos, não somente durante a
doença, para compreender as diversas reações que aquele organismo apresenta aos
estímulos ambientais. Os modelos de sistemas complexos permitem melhor entender os
mecanismos de aparecimento ou emergência dos estados de saúde ou de doença.

A Figura 1 apresenta um modelo (simplificação da realidade) que expressa essas


complexas interações.
Figura 1
Modelo causal de doenças

Fica evidente que para reduzir o impacto socioeconômico das doenças crônicas não se
pode atuar dentro dos modelos clássicos de programas voltados para cada um dos
fatores de risco apontados de forma isolada, ou mesmo para vários fatores em conjunto
(intervenção 2 da Figura 1).

Os resultados serão menores ainda se a atuação for após as manifestações clínicas das
doenças (intervenção 3 da Figura 1), mesmo utilizando procedimentos de alta
complexidade. A probabilidade de mudar o prognóstico, nesse estágio evolutivo de
doença é reduzida; portanto, não pode ser surpresa o fato de ser encontrado nos ensaios
clínicos de uso de drogas para tratamento da hipertensão arterial ou do diabetes
mellitus ou das dislipidemias, resultados tão pouco efetivos.

Considere-se, para exemplo, um NNT de 20. Nesse caso, se tratarmos 1.000


indivíduos, a probabilidade individual de cada um se beneficiar é de 5%, ou 50 em
1.000, mas a probabilidade de que dois destes pacientes sejam beneficiados ao mesmo
tempo cai para 0,25%, ou seja, 2,5:1.000. De três pacientes se beneficiarem ao mesmo
tempo, a probabilidade cai para 0,0125% ou 1,25:10.000.

A Figura 2 evidencia graficamente a probabilidade de benefício esperado de acordo


com o NNT (lado esquerdo da figura) e a probabilidade de benefício de um
procedimento com RRR (redução relativa de risco) dado um determinado risco basal
de determinado desfecho clinicamente relevante (morte ou infarto não fatal, por
exemplo) em um paciente.
Figura 2
Probabilidade de beneficiar um paciente de acordo com o NNT da intervenção (esquerda) e probabilidade de
beneficiar um paciente com uma intervenção com RRR de 20% de acordo com o risco basal (direita)26.

No gráfico da esquerda observa-se que a probabilidade de cada paciente tratado se


beneficiar em relação a um não tratado, com um NNT de 20 para uma determinada
intervenção, é de apenas 5%. No gráfico da direita observa-se a probabilidade de um
paciente ser beneficiado por uma intervenção com RRR (redução relativa de risco) de
20% em relação ao risco de base do evento em questão. Novamente, para conseguir
0,05 ou 5% de probabilidade de um benefício, é necessário um risco basal de 25% do
evento, logo ter um alto risco de morte.

Fica evidente que, atuando sobre o meio ambiente e, portanto sobre as condições de
vida das pessoas, atua-se sobre o conjunto de variáveis adversas e benéficas que
compõem o sistema complexo ambiental antropossociocultural (intervenção 1 da Figura
1). Portanto os resultados esperados serão melhores do que fazer intervenções
individuais, mesmo nos de alto risco (que representam também a minoria dos casos)27.

Más condições de vida materno-infantil, más condições de habitação ou de higiene,


desemprego, baixa escolaridade, baixa renda, alimentação inadequada, exclusão social
são claramente, e plenamente demonstrados cientificamente, fatores determinantes das
condições de saúde e sobre eles devem ser concentrados os esforços de “saúde de alta
complexidade” na perspectiva da nova concepção de “alta complexidade”
apontada28,29.

A OMS propõe as seguintes ações para os Estados membros24:

1. Acessar e monitorar a carga de doenças relacionada às doenças não


comunicáveis e seus determinantes sociais com referência especial às
populações pobres e marginalizadas.
2. Incorporar explicitamente a prevenção e o controle das doenças não
comunicáveis nas estratégias de redução da pobreza e nas políticas sociais e
econômicas relevantes.
3. Adotar abordagens ao desenvolvimento de políticas que envolvam todos os
departamentos do governo, assegurando que os assuntos de políticas de
saúde recebam uma resposta apropriada transetorial.
4. Implementar programas que tenham como alvo os determinantes sociais das
doenças, particularmente: saúde na infância, saúde dos pobres urbanos,
financiamento adequado e acesso aos serviços de atenção primária.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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HIPERTENSÃO ARTERIAL COM
HIPERTROFIA VENTRICULAR ESQUERDA

Erika Maria Gonçalves Campana


Andréa Araujo Brandão

CASO CLÍNICO
Dados básicos: Paciente masculino, 61 anos, masculino, pardo, natural do Rio de
Janeiro, motorista de táxi, casado.
Doença principal: Hipertensão arterial sistêmica
Comorbidades: Hipertrofia ventricular esquerda
Fatores de risco cardiovascular: Obesidade central, hipertrofia ventricular esquerda,
dislipidemia, etilismo intenso, sedentarismo
Resumo caso clínico: Sabe ser hipertenso desde os 55 anos; iniciou o tratamento para
hipertensão (HA) há dois anos, mas nunca fez acompanhamento médico regular. Refere
já ter feito uso de várias medicações anti-hipertensivas, sem alcançar controle
satisfatório da pressão arterial (PA).

Há três meses iniciou queixa de tosse associada a cansaço inespecífico. Há uma semana
esteve em unidade de pronto atendimento com queixa de “dor de cabeça” e “falta de
ar”, sendo verificado na ocasião PA de 170/100mmHg. Após atendimento de urgência
foi liberado com orientação para procurar atendimento de cardiologia.

Refere ter colesterol elevado, nega diabetes melitus (DM) e doença renal. Informa
história familiar com mãe hipertensa, avó materna com história de acidente vascular
encefálico e pai que faleceu “com coração grande”. Nega tabagismo, informa ingestão
de bebida alcoólica (cerveja e mais raramente vinho, cerca de três doses / dia), é
sedentário.

Medicação de uso regular: Chega à consulta ambulatorial cardiológica em 15 de


março de 2011, informando uso irregular de enalapril 20mg/dia e hidroclorotiazida
12,5mg em dias alternados.

Exame Físico
Corado, hidratado, acianótico, anictérico, eupneico.
PA sentado (MSD): 166/104mmHg; 158/100mmHg e 160/96mmHg (média da PA:
161/100mmHg). FC =88bpm; peso =82,7kg; altura =1,68m; índice de massa corporal
(IMC) =29,3kg/m²; circunferência da cintura =106cm. Carótidas sem sopros, pulsos
periféricos palpáveis e sem anormalidades. ACV: ritmo cardíaco regular em três
tempos (B4). AR: murmúrio vesicular universalmente audível, sem ruídos adventícios.
Abdome: globoso (aumento do panículo adiposo), sem massas ou visceromegalias e
sem sopros. Membros inferiores com sinais de insuficiência venosa periférica e sem
edema.

Dados de exames complementares/laboratoriais mais relevantes: Exames


complementares trazidos pelo paciente (05/03/2011): Hemograma normal; ureia
=33,4mg/dl; creatinina =1,0mg/dl; ácido úrico =5,8mg/dl; potássio =4,9mEq/dl;
colesterol total =234mg/dl; colesterol HDL =41mg/dl; triglicerídeo =136mg/dl;
colesterol LDL (calculado pela fórmula de Friedewald (HVE1) =165,8mg/dl; glicemia
de jejum =96mg/dl; EAS normal.

Eletrocardiograma convencional:

O eletrocardiograma convencional realizado na ocasião da consulta (Figura 1)


evidenciava sobrecarga de átrio esquerdo, sinais de sobrecarga ventricular esquerda e
extrassístole ventricular isolada.

Ecocardiograma (05/03/2011): Átrio esquerdo (AE) levemente aumentado (4,2mm);


hipertrofia ventricular esquerda (HVE) concêntrica (massa ventricular esquerda
244g/m² e índice de massa ventricular esquerda estimado em 126,42g/m²); espessura de
parede posterior do ventrículo esquerdo e do septo intraventricular =12mm); função
sistólica global e segmentar preservadas, disfunção diastólica grau I; valvas sem
anormalidades; aorta sem alterações.

Figura 1
Eletrocardiograma convencional

OBJETIVOS
1. Entender a importância da hipertensão arterial dentro do continuum
cardiovascular.
2. Analisar as ferramentas para a estratificação do risco cardiovascular global
do paciente, com ênfase na detecção da hipertrofia ventricular esquerda.
3. Discutir as metas de PA, as opções terapêuticas recomendadas nessa situação
e seu impacto na redução do risco cardiovascular.

PERGUNTAS
1. Quais as principais possibilidades diagnósticas para este paciente e sua
importância dentro do continuum da doença cardiovascular?
No caso clínico descrito, o paciente apresenta várias situações clínicas relevantes que
envolvem fatores de risco cardiovascular e lesões em órgãos-alvo da hipertensão
arterial, descritos a seguir.

HA estágio 2:

Diversos estudos já demonstraram que a HA é um fator de risco cardiovascular maior,


expondo os indivíduos a um risco aumentado de eventos por doença isquêmica do
coração, cerebrovascular e da circulação periférica além de doença renal terminal.
Paralelamente, a redução do risco para eventos cardiovasculares está relacionada de
modo direto com a diminuição da PA¹. No Brasil, a prevalência da HA estimada em
diversos inquéritos epidemiológicos é superior a 30%, e essa condição clínica
apresenta custos médicos e socioeconômicos elevados¹. No paciente relatado, os níveis
pressóricos verificados durante a consulta (média de 161/100mmHg), classificam o
mesmo como HA estágio 2, segundo as VI Diretrizes Brasileiras de HA1.

Obesidade central:

A prevalência de indivíduos com excesso de peso está estimada em 40,8% de acordo


com os dados do Ministério da Saúde, de 20032,3. A relação entre o excesso de peso e
incidência de doença cardiovascular tem sido abundantemente descrita na literatura. A
obesidade é um fator de risco independente para a ocorrência de eventos
cardiovasculares, especialmente doença coronariana, insuficiência cardíaca e acidente
vascular encefálico1,2,4.

Paralelamente, o acúmulo de gordura na região do abdome (obesidade central) vem


sendo descrito como o tipo de obesidade que oferece maior risco para a saúde dos
indivíduos, estando relacionada com o aumento da ocorrência de eventos
cardiovasculares, também por sua associação com outros fatores de risco que
contribuem para aumentar o risco cardiovascular global do paciente1,2.

Este paciente apresenta IMC de 29,3kg/m² e circunferência da cintura =106cm,


apresentando sobrepeso e obesidade central, de acordo com a IV Diretriz Brasileira
Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Aterosclerose
da Sociedade Brasileira de Cardiologia2.

Hipertrofia ventricular esquerda (HVE) com disfunção diastólica:


A HA é um dos principais fatores relacionados de forma direta com o aumento da
massa ventricular esquerda (MVE) e ocorrência de HVE, que representa um fator de
risco cardiovascular importante e independente1. A prevalência da HVE é estimada
entre 20% e 50% em diversos estudos envolvendo hipertensos, e varia de acordo com o
método utilizado para sua detecção; aumenta progressivamente com a idade e é
diretamente proporcional aos níveis pressóricos e ao índice de massa corporal1.

A HVE é reconhecidamente um importante fator de risco para a morbidade e a


mortalidade dos pacientes portadores de HA, e está diretamente relacionada a maior
risco de insuficiência cardíaca (sistólica e diastólica), acidente vascular encefálico,
doença coronariana e doença arterial obstrutiva periférica, sendo considerada um forte
preditor de todas as causas de morte cardíaca em adultos maiores de 40 anos1. A
associação entre a MVE e o risco cardiovascular em hipertensos não complicados é
direta e contínua, de natureza exponencial, mesmo com valores dentro dos atuais limites
da normalidade, e persiste mesmo após ajuste para fatores de risco tradicionais1,5.

Outro aspecto a ser considerado é a agregação de fatores de risco cardiovascular em


populações que apresentam HVE, o que confere a esse grupo um maior risco
cardiovascular global1.

As VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão1 consideram o índice de massa do


ventrículo esquerdo normal até 125g/m2 para os homens e 110g/m2 para as mulheres1. O
paciente em questão apresenta critérios eletrocardiográficos e ecocardiográficos de
HVE.

Dislipidemia:

A DCV é responsável por mais de 300 mil mortes/ano no Brasil, sendo a doença
isquêmica do coração (DIC) a segunda causa de morte no país1, após o AVE. Os fatores
de risco cardiovasculares maiores classicamente definidos para as populações adultas
(idade, história familiar, tabagismo, HA, diabetes e dislipidemia) estão associados à
ocorrência de aterosclerose e suas complicações1,2. Quanto maior a quantidade e a
complexidade das placas ateroscleróticas existentes, maior é o risco de DIC1,2.

Considera-se dislipidemia os valores dos lipídeos séricos a seguir: triglicerídeos


=150mg/dL; LDL colesterol >100mg/dL ou HDL <40mg/dL e <50mg/dl em homens e
mulheres1,3, respectivamente. Os exames trazidos pelo paciente na ocasião da consulta
demonstravam a presença de dislipidemia com o colesterol LDL estimado em
165,8mg/dl.

Etilismo intenso:

A ingestão excessiva de bebidas alcoólicas por período de tempo prolongado está


associada a aumento da PA, aumento da prevalência de HA e aumento da morbidade e
mortalidade cardiovascular de forma independente. A taxa de prevalência de consumo
abusivo de bebidas alcoólicas segundo o Datasus, em 2008, era 17,6% na população
brasileira1,3. Os valores de consumo de etanol considerados deletérios à saúde,
segundo as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão1 são >30g de etanol ao dia para
homens e >15g de etanol ao dia para as mulheres, o que corresponde a uma dose
(650ml de cerveja ou 300ml de vinho ou 100ml de destilado) por dia para homens, e
metade desse volume para as mulheres. O paciente relatado informa na anamnese o
consumo habitual de três doses diárias de bebida alcoólica, caracterizando um consumo
muito superior ao recomendado pelas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão1.

Sedentarismo:

Atividade física reduz a morbidade e a mortalidade CV. A prática regular de atividade


física está relacionada com a prevenção de diversas doenças, entre elas: obesidade,
HA, DM e osteoporose. Por essa razão, o sedentarismo representa um fator de risco
para tais doenças1. A prevalência de atividade física considerada satisfatória no tempo
livre nas diferentes capitais brasileiras segundo dados do Datasus, de 2008, é de 15%,
representando uma prevalência de sedentarismo da ordem de 85%3.

As VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão1 recomendam a realização de 30min


diários de atividade física moderada de forma contínua ou acumulada para a
manutenção de uma boa saúde cardiovascular e qualidade de vida. O paciente informou
na anamnese ser sedentário.

2. Como deve ser a avaliação inicial de um paciente hipertenso?

Os principais objetivos da avaliação clínica e laboratorial inicial do hipertenso são


confirmar o diagnóstico de HA, identificar fatores de risco adicionais para as doenças
cardiovasculares, pesquisar as lesões em órgãos-alvo clínicas ou subclínicas e a
presença de outras doenças associadas, permitindo a estratificação do risco
cardiovascular global e a avaliação de indícios de HA secundária. Para atingir tais
objetivos é fundamental uma cuidadosa avaliação clínica (anamnese e exame físico) e a
solicitação de exames complementares pertinentes. A avaliação complementar inicial
de rotina para o paciente hipertenso está no Quadro 11.

Quadro 1
Avaliação complementar inicial de rotina na HA1

Neste paciente, além da lista de diagnósticos anteriormente citados, deve-se destacar a


presença da quarta bulha ao exame físico o que reforça a suspeita de HVE e sugere a
presença de disfunção diastólica.

Avaliação complementar adicional, orientada para detectar lesões de órgãos-alvo


clínicas ou subclínicas, baseada nas recomendações das VI Diretrizes Brasileiras de
Cardiologia1, estará indicada quando houver suspeita de doença cardiovascular, em
pacientes diabéticos com idade superior a 40 anos ou em pacientes com dois ou mais
fatores de risco, caso do paciente relatado.

3. Que exames complementares adicionais deveriam ser solicitados na avaliação


inicial de um paciente hipertenso quando há suspeita de hipertrofia ventricular
esquerda?
Neste caso aqui apresentado, houve suspeita clínica de HVE, com possível disfunção
diastólica associada. A HVE está intimamente relacionada à insuficiência cardíaca,
tanto na sua forma com função sistólica preservada quanto com função sistólica
reduzida. A disfunção diastólica com fração de ejeção normal tem mostrado
prevalência crescente e está associada a taxas de morbidade e mortalidade elevadas.
Estudos de coorte mostram que entre os indivíduos com insuficiência cardíaca clínica,
metade tem fração de ejeção reduzida e metade tem fração de ejeção normal.
Paralelamente, cerca de 75% dos indivíduos com insuficiência cardíaca têm HA na sua
trajetória clínica6.

O ECG é um método amplamente disponível, de fácil realização e baixo custo para o


diagnóstico da HVE. A sensibilidade é baixa, mas a especificidade elevada. Todo
paciente hipertenso deve realizar um eletrocardiograma. Os critérios
eletrocardiográficos mais bem conhecidos são os de Cornell voltagem, Cornell
produto, o índice de Sokolow-Lyon e o sistema de escore de Romhilt-Estes1,7.

Além do ECG, foi realizada a avaliação complementar adicional com ecocardiograma


uni e bidimensional para detectar a HVE. Esse método apresenta maior sensibilidade
que o eletrocardiograma e menor custo que outros métodos de imagem, como a
ressonância nuclear magnética, na detecção dessa lesão de órgão-alvo. Ele permite
ainda, através do Doppler, a avaliação da função diastólica do VE e o diagnóstico da
insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal1,8.

O ecocardiograma, se disponível, deve ser o método de escolha para a identificação da


HVE, pois a sua sensibilidade se aproxima de 100% e a especificidade alcança 86%.
Entretanto, é imperativo que seja calculado o índice de massa ventricular esquerda e
não apenas a espessura das paredes ventriculares. Atualmente é considerado HVE
quando o valor da massa ventricular esquerda indexado pela área de superfície
corporal é ≥125g/m2 e 110g/m2, para homens e mulheres, respectivamente1,9. O índice
de massa ventricular esquerda estimado para este paciente foi 126,49g/m², acima dos
limites de normalidade atualmente definidos, permitindo o diagnóstico de HVE.

A ressonância magnética é atualmente o método padrão-ouro para a identificação da


HVE. Possui maior acurácia e reprodutibilidade do que o ECO. Entretanto seu uso na
prática clínica é limitado pelo custo elevado e disponibilidade limitada1,10.

4. Qual a estratificação do risco cardiovascular neste paciente?


O prognóstico dos pacientes hipertensos é significativamente afetado não apenas pelos
valores da PA, mas também pela presença de outros fatores de risco cardiovascular, ou
de lesões em órgãos-alvo (clínicas e subclínicas) secundárias à HA e pela presença ou
ausência de complicações cardiovasculares ou condições clínicas associadas. A
concomitância dessas diferentes condições clínicas tem um efeito potencializador,
acarretando risco cardiovascular global maior que a soma de seus componentes
individuais e isso deve ser levado em conta na tomada da decisão terapêutica1.

Estimar o risco cardiovascular global exige o uso de ferramentas ou escores de risco.


Diversos escores podem ser utilizados com essa finalidade e estratificam os indivíduos
como portadores de alto, médio ou intermediário e baixo risco. As VI Diretrizes
Brasileiras de Hipertensão1 propõem uma estratificação de risco (Quadro 2) na qual os
pacientes hipertensos são divididos em subgrupos de risco de acordo com a avaliação
das características clínico-laboratoriais (classificação da HA, a presença de fatores de
risco adicionais, de lesões em órgãos-alvo clínicas e subclínicas e de condições
associadas), e para cada estrato de risco são definidas uma estratégia terapêutica e uma
meta de PA a ser alcançada.

Quadro 2
Estratificação do risco individual do paciente hipertenso: risco cardiovascular adicional de acordo com a classificação
da HA e a presença de fatores de risco, lesões de órgãos-alvo e condições clínicas associadas (Classe IIa, Nível C)1
LOA=lesão em órgão-alvo; DCV=doença cardiovascular; DM=diabetes mellitus; SM=síndrome metabólica
*Doença cerebrovascular (acidente vascular encefálico hemorrágico ou isquêmico, alteração da função cognitiva) ou
Doença cardíaca (infarto, angina, revascularização coronariana, insuficiência cardíaca) ou Doença renal (nefropatia
diabética, déficit importante de função = clearance <60ml/min) ou Retinopatia avançada (hemorragias ou exsudatos,
papiledema) ou Doença arterial periférica

Este paciente apresenta HA estágio 2 (PA: 161/100mmHg), acumula três fatores de


risco adicionais (dislipidemia, sedentarismo e obesidade central) e apresenta ainda
lesão de órgão-alvo (HVE). Pode-se caracterizá-lo, portanto, como um paciente de alto
risco cardiovascular, onde a taxa de risco para a ocorrência de eventos
cardiovasculares em 10 anos é superior a 20%1.

5. Qual é a meta de pressão arterial a ser alcançada com o tratamento e a decisão


da estratégia terapêutica neste caso?

A estratificação do risco global do paciente possibilitará a tomada de decisão


terapêutica e o início do tratamento. O principal objetivo do tratamento da HA é reduzir
os valores de PA para as metas desejadas e, como consequência, reduzir a
morbimortalidade cardiovascular1. As VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão1
estabeleceram como PA-alvo para atingir esses objetivos um valor inferior a
140/90mmHg nos hipertensos estágios 1 e 2 com risco CV baixo e médio. Em presença
de risco cardiovascular alto ou muito alto, como indivíduos com múltiplos fatores de
risco ou presença de lesões em órgãos-alvo, caso do paciente aqui em discussão, a PA-
alvo proposta é de 130/80mmHg.

O tratamento da HA deverá, obrigatoriamente, basear-se em modificações do estilo de


vida (MEV) e tratamento medicamentoso (TM), na dependência da estratificação global
de risco do paciente. Neste paciente com risco cardiovascular global alto, a decisão
terapêutica deverá envolver medidas não medicamentosas e medicamentosas
associadas.

6. Quais são as medidas não medicamentosas a serem empregadas neste paciente e


qual é o seu impacto no controle da pressão arterial e na regressão da HVE?

As medidas não medicamentosas são fundamentais em todos os indivíduos hipertensos,


independente dos valores de PA e da estratificação do risco cardiovascular global, pois
o controle dos fatores de risco permite redução das cifras pressóricas,
consequentemente das lesões em órgãos-alvo e finalmente do risco cardiovascular1.

Para este paciente, as mudanças de estilo de vida foram estimuladas com ênfase
especial na perda de peso, introdução de atividade física regular e orientações para o
abandono do consumo abusivo de álcool.

7. Qual é a estratégia farmacológica mais indicada para este paciente?

Qualquer fármaco anti-hipertensivo comercialmente disponível no país pode ser


utilizado para o tratamento medicamentoso da HA. As evidências de literatura
demonstram redução de morbidade e de mortalidade cardiovascular com as principais
classes de anti-hipertensivos, benefícios estes que parecem independer da classe de
medicamentos utilizada1 e estarem mais relacionados à redução da PA (Quadro 3).

Quadro 3
Principais efeitos clínicos das classes de fármacos anti-hipertensivos a partir de resultados de ensaios clínicos em
hipertensão arterial1,11,12,17
IECA= inibidor da ECA; BRA=bloqueador do receptor de angiotensina; IDR=inibidor direto da renina;
BCC=bloqueador do canal de cálcio; Beta=betabloqueador; CV=cardiovascular; DM=diabetes melitus;
ICC=insuficiência cardíaca; HVE=hipertrofia ventricular esquerda
De acordo com as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão1, hipertensos nos estágios 2
e 3 ou pacientes com risco cardiovascular alto ou muito alto (mesmo em estágio 1 de
HA) devem iniciar a terapêutica farmacológica com uma combinação de fármacos11,12.
As evidências demonstram que mais de 2/3 dos pacientes necessitam de associação de
fármacos para o controle da PA, notadamente pacientes de mais alto risco
cardiovascular global, caso do paciente em questão1. Outro conceito importante,
oriundo dos resultados do estudo VALUE13, recomenda que nos pacientes hipertensos
de alto risco, as metas de PA sejam alcançadas em um tempo máximo de seis meses
para efetiva proteção contra desfechos cardiovasculares.

Em algumas situações especiais, diferentes classes de fármacos podem representar


escolha terapêutica preferencial pela capacidade de maior redução de morbidade e
mortalidade associadas. No caso clínico apresentado, a presença de HVE representa
uma condição clínica onde se deve considerar a escolha de classes preferenciais de
fármacos anti-hipertensivos1,11.

Estudos clínicos têm demonstrado a eficácia do tratamento anti-hipertensivo para a


redução da HVE e há evidências de que a sua regressão se associa à redução dos riscos
associados, bem como se acompanha de normalização da função ventricular
diastólica1,14. Uma meta-análise de medicações anti-hipertensivas em pacientes com
HVE (controlada para a magnitude da queda da pressão arterial), realizada em 2003,
mostrou que os bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) foram a classe de
agentes anti-hipertensivos mais eficazes para a redução da MVE15. Os BRA diminuíram
a massa ventricular em 13%, seguidos pelos bloqueadores dos canais de cálcio (BCC)
com 11%, inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) com 10%,
diuréticos com 8% e betabloqueadores com 6%. Resultados semelhantes foram
confirmados em outra meta-análise14. Por essa razão, o bloqueio do sistema renina-
angiotensina-aldosterona (SRAA) deve ser utilizado preferencialmente para o
tratamento da HA acompanhada de HVE, a menos que haja contraindicação para o seu
uso.

Considerando-se a lista de problemas apresentada neste caso clínico, os


betabloqueadores devido aos seus efeitos adversos sobre a incidência de novos casos
de diabetes, sobre o peso corporal, o perfil lipídico e a sensibilidade à insulina1 devem
ser evitados quando não houver indicação para o seu uso. Por esse mesmo efeito de
prejuízo metabólico destacado acima, os diuréticos tiazídicos em altas doses também
devem ser evitados neste paciente. Por outro lado, devido à presença de obesidade, as
formulações que utilizam baixas doses de tiazídicos, em combinação com fármacos
bloqueadores do SRAA, apresentam menor custo metabólico e podem ser consideradas
opções interessantes nesta situação1. Também a combinação de bloqueadores do SRAA
e antagonistas dos canais de cálcio pode ser particularmente útil e benéfica, pois ambos
são hipotensores eficientes, não possuem efeitos deletérios ao metabolismo lipídico e
glicídico e comprovadamente reduzem a morbidade e a mortalidade cardiovascular1.

O duplo bloqueio do SRAA foi testado no estudo clínico ALLAY12, realizado em


hipertensos portadores de HVE, utilizando-se a associação de losartana e alisquireno
em comparação ao uso de cada um dos fármacos isoladamente. Não houve
superioridade do uso de alisquireno na redução da MVE comparado ao uso da
losartana em monoterapia. Porém, o duplo bloqueio do sistema renina-angiotensina-
aldosterona com a associação dos dois fármacos promoveu maiores reduções da MVE
que cada fármaco isoladamente, mas a diferença não alcançou significado estatístico12.

Alguns estudos demonstraram que a adição de determinados fármacos pode


potencializar a capacidade de interferência positiva sobre o SRAA, promovendo maior
regressão da HVE, o que seria útil neste paciente16. Foi possível demonstrar que em
indivíduos hipertensos, a adição de baixas doses de espironolactona a um IECA17 ou a
um BRA18 foi acompanhada de uma grande diminuição na MVE. Finalmente, existem
evidências em estudos experimentais de que o bloqueador do canal de cálcio
amlodipina é capaz de atenuar diversos pontos do processo de apoptose celular,
condição que se encontra presente na fisiopatologia da HVE e suas complicações19.

Assim sendo, pelos motivos expostos, as classes terapêuticas com maior poder de
alcançar o objetivo clínico de redução da PA e regressão da HVE colocam em destaque
os IECA e os BRA, associados a diuréticos em baixas doses ou antagonistas dos canais
de cálcio. Entretanto, a despeito da classe terapêutica escolhida, as metas fundamentais
no tratamento dos indivíduos hipertensos devem ser o controle rigoroso dos níveis
tensionais e dos demais fatores de risco cardiovascular, a regressão da hipertrofia
ventricular esquerda e, em última análise, a redução das altas taxas de morbidade e
mortalidade associadas a essa condição1.

8. Quais as orientações gerais e prescrição para este paciente?

As principais orientações que deveriam fazer parte da prescrição deste paciente ao


final da consulta médica estão relacionadas abaixo.

Estabelecer mudanças de hábitos de vida com ênfase em: redução do peso


corporal e da circunferência da cintura, atividade física regular e redução da
ingestão de bebidas alcoólicas.
Tratamento farmacológico da HA iniciando com combinação de fármacos
incluindo uma droga bloqueadora do sistema renina-angiotensina-aldosterona
(BRA ou IECA), escolhendo o segundo agente baseado nos demais fatores de
risco presentes, sendo os diuréticos tiazídicos em baixas doses e os
antagonistas dos canais e cálcio, as opções mais interessantes. Se as metas de
controle da PA não forem atingidas com a combinação de dois fármacos,
deverá ser considerada a adição de um terceiro medicamento anti-
hipertensivo de outro grupo terapêutico e assim sucessivamente até que a
meta proposta seja atingida.
Combater os fatores de risco adicionais, notadamente a dislipidemia.

9. É possível prevenir a HA e a HVE?

A prevenção da HVE se confunde com a prevenção da HA. As ações preventivas


devem atingir indivíduos com maior risco de desenvolver HA. Incluem-se nessa
categoria os portadores de fatores de risco implicados no desenvolvimento da HA
(idade, história familiar positiva para HA, excesso de peso, consumo excessivo de
álcool, ingestão excessiva de sal, sedentarismo, cor negra, fatores socioeconômicos
como menor escolaridade, e genética). Destacam-se também nesse cenário os
portadores de cifras pressóricas em faixa normal-alta, consideradas como pré-
hipertensão1.

Já existem evidências consistentes na literatura demonstrando que mudanças no estilo


de vida são acompanhadas de redução da PA e da mortalidade cardiovascular. Assim, a
adoção de hábitos saudáveis faz parte da estratégia de prevenção da HA e de suas
complicações1.

Nos últimos anos tem crescido o interesse na investigação da intervenção


farmacológica como estratégia de prevenção primária da HA, principalmente
envolvendo indivíduos com níveis pressóricos em faixas definidas como pré-
hipertensão PAS: 130-139mmHg e/ou PAD: 80-89mmHg1. Os resultados dos principais
estudos até o momento destacam os bloqueadores do sistema renina-angiotensina-
aldosterona como as possíveis ferramentas para o manejo desses indivíduos pré-
hipertensos de alto risco para eventos cardiovasculares, com o objetivo de prevenir a
HA, quando as mudanças de hábitos de vida são ineficazes. Ainda não há resultados de
ensaios clínicos utilizando outras classes de anti-hipertensivos com o objetivo de
estudar seu impacto na prevenção primária da HA20,21.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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DISLIPIDEMIA E OBESIDADE

Eduardo Nagib Gaui


Rafael Tostes Muniz

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 42 anos, em tratamento para hipertensão arterial, com captopril e
hidroclorotiazida.
QP: “problemas de colesterol elevado”.
HDA: Veio à consulta de avaliação com o cardiologista após solicitação de exame de
sangue pelo clínico e por apresentar lipidograma com os seguintes valores: CT
=288mg/dL; Triglicerídeos =244mg/dL; HDL-c =36mg/dL; LDL-c =204mg/dL; VLDL-c
48mg/dL. Nega tabagismo.

Ao exame clínico e cardiológico: PA =128x82mmHg; FC =84bpm; Peso =93,20kg;


Altura =1,62m; Cintura abdominal =118cm; IMC =35,51kg/m2.
AC RR sem bulhas acessórias; pulmões limpos; sem edemas em MMII.
Hemoglobina =12,2g/dL; Glicose =110g/dL; Hemoglobina glicada =6,2%; Creatinina
1,12mg/dL.
ECG: Ritmo sinusal, sem sinais de alterações sugestivas de HVE.

OBJETIVOS
1. Discutir as ferramentas para o diagnóstico e as condutas mais atuais na
abordagem terapêutica das dislipidemias e da obesidade.
2. Identificar e analisar medidas farmacológicas e não farmacológicas que
visam à prevenção e ao tratamento das dislipidemias e da obesidade.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso clínico apresentado?

As doenças cardiovasculares são as principais causas de morte do mundo desenvolvido


e em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Os principais fatores de risco são a
hipertensão arterial e a doença isquêmica do coração. As doenças isquêmicas têm como
principais fatores de risco a própria hipertensão arterial, a dislipidemia, a obesidade, o
tabagismo, o diabetes mellitus, a obesidade, o sedentarismo e a história familiar
positiva1.

No caso clínico apresentado, observa-se que o paciente apresenta diagnóstico de


hipertensão arterial sistêmica, assim definido em conformidade com a IV Diretriz de
Hipertensão Arterial da SBC1; é portador de dislipidemia conforme os critérios da IV
Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia e Prevenção de Aterosclerose do Departamento
de Aterosclerose da SBC2 e ainda se apresenta com diagnóstico de obesidade grau II,
com IMC>30kg/m2 2-4.

2. Como confirmar o diagnóstico?

A hipertensão arterial sistêmica é definida quando os valores pressóricos são


≥140mmHg para pressão arterial sistólica, e/ou valores ≥90mmHg para pressão
arterial diastólica ou história prévia de uso de anti-hipertensivos1.

A dislipidemia foi diagnosticada por análise do perfil lipídico de amostra de sangue


após jejum de 12-14 horas, em que se evidenciou colesterol total (CT) >200mg/dL,
LDL-c >160mg/dL e a presença de triglicerídeos >150mg/dL. O LDL-c pode ser
calculado pela equação de Friedewald (LDL-c=(CT-HDL-c)–TG/5), onde TG/5
representa o colesterol ligado à VLDL ou VLDL-c, ou diretamente mensurado no
plasma2. Entende-se, no entanto, que alguns fatores podem interferir nas análises
laboratoriais, como a variabilidade biológica, a duração do jejum (que deve ser entre
12-14 horas), a postura na coleta (que deve respeitar em média 10-15min na posição
sentada, para evitar os efeitos posturais) e a duração do torniquete em torno de no
máximo um minuto2.

As dislipidemias podem ser classificadas tanto com bases genotípicas quanto


fenotípicas. A classificação fenotípica possui maior aplicabilidade na abordagem
terapêutica, a saber2-9:

Hipercolesterolemia isolada: caracterizada por LDL-c ≥160mg/dL.


Hipertrigliceridemia isolada: caracterizada por elevação isolada dos
triglicerídeos ≥150mg/dL.
Hiperlipidemia mista: quando há os valores aumentados de ambos, LDL-c
≥160mg/dL e triglicerídeos ≥150mg/dL.
HDL colesterol baixo: quando HDL-c <40mg/dL nos homens e <50mg/dL nas
mulheres.

Portanto, o paciente relatado receberia a classificação de dislipidemia mista ou de


hiperlipidemia mista.

Excesso de peso é definido quando o índice de massa corporal (IMC) se situa entre
25kg/m2 - 29,9kg/m2; obesidade quando o IMC for ≥30kg/m2 4, através de análise da
relação dos parâmetros de peso e altura conforme a fórmula: peso/altura2 4 (peso
dividido pelo quadrado da altura). O paciente em questão encontra-se em grau II de
obesidade conforme o Quadro 1.

Quadro 1
Classificação de obesidade de acordo com o IMC2,4
A medida da circunferência abdominal permite identificar portadores de obesidade
central, que frequentemente está associada à síndrome metabólica. Essa forma de
obesidade deve ser avaliada com o paciente de pé, ao final da expiração, no ponto
médio entre o último arco costal e a crista ilíaca anterossuperior, com fita inelástica,
em posição horizontal e é definida, se a circunferência abdominal for >94cm para
homens e >85cm para mulheres2,3.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico ?

Os mecanismos fisiopatológicos para explicar a hipertensão arterial são multifatoriais,


que vão desde a predisposição genética até o estilo de vida, sendo inúmeros os fatores
como o envelhecimento, o sedentarismo, a dieta rica em sal, rica em gordura, o ganho
de peso, o tabagismo e o estresse1.

Quanto à dislipidemia, o substrato fisiopatológico se deve ao acúmulo de quilomícrons


e/ou de VLDL-c no plasma. E o acúmulo de lipoproteínas ricas em colesterol, como a
LDL-c, ocasiona a hipercolesterolemia. As dislipidemias possuem em sua
fisiopatologia um substrato de alteração genética, que pode ser com padrão monogênico
(isto é, uma alteração em um único gene) que levaria à hipertrigliceridemia ou à
hipercolesterolemia; ou podem possuir um padrão poligênico, onde várias mutações em
múltiplos genes envolvidos no metabolismo dos lipídios levariam às hiperlipidemias
poligênicas2,9-12. Nesses casos, as interações genéticas com os fatores ambientais
determinariam o fenotípico do perfil lipídico. Já a questão da obesidade se explica pela
alteração da relação peso e altura, advinda da herança genética e do estilo de vida.

4. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas ao


caso?

A dislipidemia e a obesidade estão inseridas no contexto da síndrome metabólica,


conforme a publicação NCEP-III-ATP4, e compreende:
Triglicerídeos ≥150mg/dl3;
CA: Homens ≥102cm e Mulheres ≥88cm;
Glicose ≥110 mg/dl;
HDL-c: Homens <40mg/dl e Mulheres <50mg/dl;
PA ≥130x85mmHg.

A prevalência de dislipidemia aumenta com a idade. O estilo de vida moderno aumenta


a prevalência de dislipidemia e de obesidade. A hipertensão acelera o desenvolvimento
da aterosclerose e as dislipidemias agravam a doença renal hipertensiva, a hipertrofia
miocárdica e os eventos cardiovasculares do paciente hipertenso5.

O diabetes se tornou um dos mais importantes problemas de saúde pública, uma


consequência da crescente conscientização e um aumento dramático no número de
pessoas que recebem diagnóstico de diabetes tipo 26. A distribuição de gordura é que
influencia o metabolismo da glicose por meio independente, por mecanismos de
adição6. O mesmo acontece com a resistência à insulina, que resulta em aumento dos
níveis plasmáticos de glicose e insulina. Há um contínuo debate sobre o efeito dos
genes e do ambiente na obesidade e diabetes tipo 26.

O sobrepeso acomete cerca de 35% da população brasileira, sendo que 10%


apresentam obesidade2, e a maior prevalência está no sexo feminino2.

5. Qual prognóstico do paciente relatado?

O prognóstico e a prevenção das doenças isquêmicas do coração ainda continuam um


grande desafio do mundo moderno, pois nenhum escore, tabela de risco ou análise
pontual é capaz de prever totalmente o prognóstico de um paciente. Um dos escores de
risco mais conhecidos e talvez um dos mais antigos e utilizados seja o escore de risco
de Framingham, que aborda entre outras variáveis o colesterol total e o HDL colesterol,
variáveis do diagnóstico das dislipidemias1,2.

Para este paciente em particular, seu risco absoluto é de 6% em 10 anos de acordo com
o escore Framingham (Tabelas 1 e 2)

Tabela 1
Escores de risco de Framingham
Fonte: IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose2

Tabela 2
Escores de risco de Framingham (ERF) para cálculo do risco absoluto de infarto e morte em 10 anos para homens e
mulheres (Fase 2)
Fonte: IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose2

6. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos, do tipo morte


e internação, neste caso?

Analisando um estudo de coorte com 4.857 crianças indígenas americanas, sem


diabetes, com média de idade de 11,3 anos, que nasceram entre 1945 e 1984, Franks et
al.13 avaliaram se o índice de massa corporal (IMC), a tolerância à glicose, a pressão
arterial e os níveis de colesterol seriam capazes de predizer o risco de morte
prematura. Os fatores de risco foram padronizados de acordo com sexo e idade. Os
autores concluíram que a obesidade, a intolerância à glicose e a hipertensão na infância
foram fortemente associadas com aumento das taxas de morte prematura por causas
endógenas nessa população. Em contraste, hipercolesterolemia na infância não foi um
preditor importante de morte prematura por causas endógenas13.

Estudos populacionais têm demonstrado consistentemente que os níveis de lipoproteína


de alta densidade (HDL) colesterol é um preditor inverso forte e independente de
doença cardiovascular. Barter et al.14 constataram que o nível de colesterol HDL em
pacientes recebendo estatinas foi preditiva de eventos cardiovasculares maiores (morte
por doença cardíaca coronariana, infarto não relacionado ao procedimento do
miocárdio não fatal, ressuscitação após parada cardíaca ou acidente vascular
encefálico fatal ou não fatal) em toda a coorte do estudo TNT, tanto quando o colesterol
HDL foi considerado uma variável contínua como quando os indivíduos foram
estratificados de acordo com os quintis de nível de colesterol HDL. Nessa análise post
hoc, os níveis de colesterol HDL foram preditores de eventos cardiovasculares maiores
em pacientes tratados com estatinas. Essa relação também foi observada entre os
pacientes com níveis de colesterol LDL <70mg/dL14.

LaRosa et al.15, comparando as doses de 10mg/dia e 80mg/dl de atorvastatina em


pacientes com doença coronariana estável, constataram redução absoluta da taxa de
eventos cardiovasculares maiores (definida como morte por doença coronariana,
infarto não relacionado com o procedimento do miocárdio não fatal, ressuscitação após
parada cardíaca ou acidente vascular encefálico fatal ou não fatal), de 2,2% e 22%,
respectivamente, redução relativa do risco (hazard ratio 0,78; IC95% 0,69 a 0,89;
p<0,001)15.

7. O tratamento pode ajudar no controle da evolução da doença?

Sim, a terapia nutricional para redução da hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia


que envolve o consumo menor de gordura de origem animal, em especial as vísceras,
leite integral e seus derivados, embutidos, frios, pele de aves e frutos do mar (camarão,
ostra, marisco, polvo, lagosta)2. Aliado a essa orientação, soma-se o aumento do
consumo de ácidos graxos insaturados, de fibras, de fitoesteróis e de antioxidantes2.

O aumento da prática de atividade física promove redução dos níveis plasmáticos de


TG, aumento dos níveis de HDL-c, porém sem alterações significativas sobre as
concentrações de LDL-c2. Essa modalidade de tratamento não farmacológico deverá ser
trabalhada de forma específica para cada caso, que deve incluir exercícios aeróbios,
tais como caminhadas, corridas leves, ciclismo, natação. Os exercícios devem ser
realizados de três a seis vezes por semana, em sessões de duração de 30-60 minutos.

Todas as medidas mencionadas contribuem também para a redução do peso,


principalmente no que se refere à obesidade.

Fernandes et al.7, em estudo transversal envolvendo 2.720 adultos, de ambos os sexos,


residentes em oito cidades do Estado de São Paulo, concluíram que a prática
continuada de exercícios físicos ao longo da vida foi associada à menor ocorrência de
dislipidemia entre adultos naquele estado7.

Ensaios clínicos randomizados têm consistentemente demonstrado os efeitos que os


inibidores de 3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A redutase (estatinas) apresentam em
reduzir as taxas de eventos cardiovasculares8. As estatinas reduzem os efeitos adversos
cardiovasculares e retardam a progressão da aterosclerose coronariana em proporção à
sua capacidade de reduzir a lipoproteína de baixa densidade (LDL) colesterol8.

Nicholls et al.8, em seu artigo sobre regimes de altas doses de atorvastatina e de


rosuvastatina, concluíram que regimes máximos de rosuvastatina e atorvastatina
resultaram em regressão significativa da aterosclerose coronariana. Apesar do mais
baixo nível de colesterol LDL e do maior nível de colesterol HDL obtidos com
rosuvastatina, um grau semelhante de regressão de VPA (volume da placa de ateroma)
foi observada nos dois grupos de tratamento8 .

Kastelein et al.16 constataram em seu estudo que a associação da ezetimiba, um inibidor


da absorção de colesterol (10mg) mais sinvastatina (80mg) não foi capaz de reduzir a
progressão da aterosclerose vascular, embora tenham constatado menor redução do
LDL colesterol e dos níveis de proteína C-reativa, em pacientes com
hipercolesterolemia familiar. Esse fato merece mais estudos para se entender os
meandros da correlação exata em níveis de LDL colesterol plasmático, inflamação e a
progressão da aterosclerose vascular16.

Os investigadores do estudo SPARCL constataram que em pacientes com AVE ou AIT


recentes e sem doença coronariana conhecida, 80mg de atorvastatina por dia reduziram
a incidência global de acidentes vasculares encefálicos e de doenças
cardiovasculares18.

Ballantyne et al.19 demonstraram que ezetimiba / sinvastatina foi mais eficaz do que a
atorvastatina na redução do LDL-c em cada comparação de dose, desde maior aumento
da HDL-c com dose de 40mg, e 80mg dose de atorvastatina. Ezetimiba / sinvastatina é
altamente eficaz, sendo opção de tratamento bem tolerado em pacientes
hipercolesterolêmicos19.

8. Existe alguma estratégia para prevenção (primária e secundária)?

As estratégias de prevenção primária começam com a mudança do estilo de vida. A


atividade física, a reeducação alimentar (grau de recomendação I, nível de evidência
B) e a cessação do tabagismo estão entre as medidas primárias a serem estabelecidas
(grau de recomendação I, nível de evidência A)2.

LeBlanc et al.12 demonstraram que em amostra constituída por 1.235 adolescentes (12-
19 anos de idade), pequenas quantidades de moderada a vigorosa atividade física
estavam associadas à grande redução na probabilidade de valores elevados de HDL
colesterol e triglicérides, em amostra representativa de adolescentes12.

O tratamento farmacológico deve ser iniciado naqueles de risco baixo (seis meses
após) ou intermediário (três meses após) que não atingirem as metas após medidas não
farmacológicas2. Já nos pacientes de alto risco devem ser iniciados simultaneamente as
duas formas de tratamento (não farmacológico e farmacológico)2..

As estatinas ─ inibidores da 3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A (HMG-CoA)


redutase ─ são inequivocamente úteis para diminuir os níveis de colesterol em
pacientes com dislipidemias, caracterizados por elevações nos níveis de colesterol
total ou colesterol de baixa densidade da lipoproteína. A redução do colesterol sérico
pelas estatinas reduz a morbidade e a mortalidade cardiovascular. Além de diminuir os
níveis de colesterol, as estatinas proporcionam outros benefícios. Elas melhoram a
atividade de óxido nítrico, inibem a atividade da quinase Rho, têm efeitos anti-
inflamatórios, e para baixo-regulam a expressão de angiotensina tipo 1 receptores.
Todos esses efeitos contribuem para melhorias na função endotelial e complacência
arterial17 (Quadro 2).

Quadro 2
Medidas terapêuticas iniciais e período de reavaliação2

MEV=modificação do estilo de vida

Encontram-se ainda as recomendações4:


Perda de peso produzida por modificações de estilo de vida reduz a pressão
arterial acima do peso em não hipertensos (Evidências Categoria A4).
Aumento da atividade aeróbica para aumentar a aptidão cardiorrespiratória
reduz a pressão arterial independente da perda de peso (Evidências
Categoria A4).
Perda de peso é recomendada para reduzir a pressão arterial elevada em
pessoas com sobrepeso e obesidade com pressão arterial elevada
(Evidências Categoria A4).
Perda de peso produzida por modificações de estilo de vida reduz
triglicérides e aumenta o HDL-colesterol, e geralmente produz algumas
reduções no colesterol total e LDL-colesterol. (Evidências Categoria A4).

Baigent et al.11 conduziram estudo randomizado e duplo-cego com placebo, com


sinvastatina mais ezetimiba, incluindo 9.270 pacientes com insuficiência renal crônica
(3.023 em diálise) sem história conhecida de IAM ou revascularização coronariana;
concluíram que a redução do LDL-colesterol com sinvastatina 20mg + ezetimiba
10mg/dia diminui de maneira segura a incidência de eventos ateroscleróticos
importantes em grande variedade de paciente com doença renal avançada11.

Taylor et al.20 mostraram que o uso de niacina de liberação prolongada provoca uma
regressão significativa da espessura da camada íntima-média quando combinado com
uma estatina, sendo a niacina superior à ezetimiba, nessa avaliaçao em pacientes com
doença coronariana e em pacientes com fatores de risco para doença coronariana20.

James et al.21, ao analisarem indivíduos com doenças preexistentes cardiovascular que


estavam recebendo tratamento a longo prazo com sibutramina, em programa de perda de
peso, verificaram um risco aumentado de infarto do miocárdio não fatal e acidente
vascular encefálico não fatal, mas não de morte cardiovascular ou morte por qualquer
causa21.

Atualmente a droga indicada e liberada pela ANVISA para o tratamento da obesidade,


conforme publicação do Diário Oficial da União, n° 195, Seção 01 ISSN 1677- 704222
é a sibutramina, que é um inibidor moderador de apetite. Embora tenha sido liberado,
este fármaco está sob vigilância constante da ANVISA22.
Para o tratamento da obesidade também se pode utilizar tratamento cirúrgico que inclui
algumas técnicas como a banda elástica e a cirurgia bariátrica.

9. Quais são as diretrizes e força-tarefa que apoiam a decisão diagnóstica e


terapêutica?

A Sociedade Brasileira de Cardiologia possui seu próprio documento para a prevenção


e tratamento da doença aterosclerótica2.

Em dezembro 2011, foi publicado no Jornal Europeu de Cardiologia9 uma força-tarefa


para o manejo nas dislipidemias, que reforça todo o empenho necessário à prevenção e
tratamento das dislipidemias9.

10. Qual a importância das dislipidemias em jovens?

Carvalho et al.10, ao avaliar adolescente entre 14-17 anos, matriculados na rede ensino
público do estado de São Paulo, demonstraram que a prevalência de dislipidemia fora
observada em 66,7% dos estudantes, e a alteração do HDL-colesterol, verificada em
56,7% destes. Os autores registraram associação estatisticamente significativa (p<0,05)
do índice de massa corporal, categorizado em tercis com o colesterol total e sua fração
LDL, inclusive quando estratificados por sexo e tipo de escola. Concluíram que há
necessidade da adição de medidas preventivas, a fim de se evitar que cada vez mais
crianças e adolescentes venham a se tornar adultos portadores de obesidades e outras
doenças crônicas10.

A prevenção das doenças cardiovasculares deve começar o mais cedo possível e a


conscientização da população para esse fato deve ser o foco dos médicos, profissionais
de saúde, dos governos e das entidades médicas.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de
Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1 supl.1):1-51.
2. Sposito AC, Caramelli B, Fonseca FA, Bertolami MC, Afiune Neto A, Souza
AD, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. IV Diretriz Brasileira Sobre
Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Departamento de Aterosclerose
da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2007;88(supl.
1):2-19.
3. Sociedade Brasileira de Hipertensão; Sociedade Brasileira de Cardiologia;
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia; Sociedade
Brasileira de Diabetes; Associação Brasileira para Estudos da Obesidade,
Brandão AP, Brandão AA, Nogueira AR, Suplicy H, Guimarães JI, Oliveira
JE, et al. I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome
Metabólica. Arq Bras Cardiol. 2005;84(supl. I):1-28.
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Report. National Institutes of Health. Obes Res. 1998;(6 Suppl 2):51S-209S.
Erratum in: Obes Res. 1998;6(6):464.
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Cardoso ML, et al. Prevalência de dislipidemia em indivíduos fisicamente
ativos durante a infância, adolescência e idade adulta. Arq Bras Cardiol.
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atorvastatin after stroke or transient ischemic attack: The Stroke Prevention
by Aggressive Reduction in Cholesterol Levels (SPARCL) Investigators. J
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atorvastatin in patients with hypercholesterolemia: the Vytorin Versus
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Am Heart J. 2005;149(5):882.
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21. James WP, Caterson ID, Coutinho W, Finer N, Van Gaal LF, Maggioni AP, el
al; SCOUT Investigators. Effect of sibutramine on cardiovascular outcomes
in overweight and obese subjects. N Engl J Med. 2010;363(10):905-17.
22. Resolução RDC nº 52. Diário Oficial da União (DOU) n° 195, Seção 01,
p.55 de 06/10/2011. Disponível em:
<http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?
data=10/10/2011&jornal=1&pagina=55&totalArquivos=128>
DIABETES COM ACOMETIMENTO RENAL

Antonio Felipe Sanjuliani


Mario Fritsch Neves

CASO CLÍNICO
Dados básicos: Paciente masculino, 55 anos, natural do RJ.
Doença principal: Hipertensão arterial há 10 anos.
Comorbidades: Diabetes mellitus recém-diagnosticado.
Fatores de risco cardiovascular: Sedentarismo, nega história familiar de doença
cardiovascular ou tabagismo.
Breve quadro clínico: Refere perda de 4kg no ultimo mês.
Outros dados relevantes: Aumento da diurese.

Sintomas e sinais, medicações em uso regular: Atualmente em uso de anlodipino


10mg/dia. Ao exame apresenta PA =138x86mmHg, FC =92bpm. RCR, BNF, sem
sopros. Aparelho respiratório e abdome sem alterações. Membros inferiores sem
edema. Altura =1,78m; peso =79kg; circunferência abdominal =89cm.

Dados de exames complementares/laboratoriais mais relevantes: Hemograma


normal, glicemia de jejum =302mg/dl, HbA1C =9,2%; creatinina =1,2mg/dl; potássio
=3,6mEq/l; colesterol total =200mg/dl; HDL-c =34mg/dl; LDL-c =130mg/dl;
triglicerídeos =180mg/dl. Amostra de urina com sedimento normal e relação
albumina/creatinina urinária de 220mg/g.

OBJETIVOS
1. Distinguir as possíveis formas de diagnóstico de diabetes mellitus e
identificar o pré-diabetes como condição de risco aumentado para
desenvolver diabetes.
2. Saber identificar microalbuminúria e reconhecer a importância da presença
de microalbuminúria para as doenças cardiovasculares.
3. Identificar a disfunção renal como fator de risco cardiovascular e conhecer
as diferentes formas de estimar a taxa de filtração glomerular.
4. Determinar os mecanismos patogênicos da nefropatia diabética.
5. Definir os critérios diagnósticos para síndrome metabólica.
6. Avaliar o risco cardiovascular no paciente hipertenso.
7. Apresentar as metas de tratamento no paciente hipertenso e diabético.
8. Descrever os medicamentos de escolha no indivíduo com hipertensão e
diabetes mellitus tipo 2.

PERGUNTAS
1. Como confirmar o diagnóstico de diabetes mellitus?
De acordo com as diretrizes atuais da Sociedade Brasileira de Diabetes1, para o
diagnóstico de diabetes mellitus é necessário considerar um dos seguintes critérios: a)
glicemia de jejum ≥126mg/dl; b) glicemia 2 horas após sobrecarga com 75g de glicose
≥200mg/dl; c) glicemia ao acaso ≥200mg/dl com sintomas clássicos de hiperglicemia
ou crise hiperglicêmica; d) hemoglobina glicada ≥6,5%, por método certificado pelo
NGSP (National Glycohemoglobin Standardization Program).

O estado de pré-diabetes, que equivale a risco elevado de desenvolver diabetes, é


definido por glicemia de jejum entre 100-125mg/dl ou por uma glicemia 2 horas após
sobrecarga com 75g de glicose entre 140-199mg/dl. Atualmente, hemoglobina glicada
entre 5,7-6,4% também pode ser utilizada para a definição de pré-diabetes1.

No caso clínico em discussão, pode-se estabelecer o diagnóstico de diabetes mellitus


baseado tanto no valor da glicemia ao acaso acima de 200mg/dl associado à poliúria,
como pelo valor de hemoglobina glicada acima de 6,5%.

2. Existe micro ou macroalbuminúria?

Microalbuminúria é definida quando a excreção urinária de albumina está entre 30-


300mg em 24 horas. Quando os valores ultrapassam esse limite, fica estabelecida a
presença de macroalbuminúria. É importante lembrar que algumas condições como
exercícios físicos, febre e infecção urinária facilitam a presença de microalbuminúria,
por isso o exame deve ser repetido para confirmar a presença de albuminúria
relacionada com disfunção glomerular.

Devido à dificuldade para coleta de urina por 24 horas, está validada a pesquisa de
microalbuminúria através da relação entre albumina e creatinina (UACR – urinary
albumin-creatinine ratio) na primeira amostra (spot) de urina da manhã. Da mesma
forma, quando os resultados indicam valores entre 30-300mg/g, a microalbuminúria é
confirmada2. Importante também notar que a unidade da albumina urinária deve estar
entre mg/dl e a da creatinina urinária em g/dl, para a correta interpretação da UACR em
miligramas de albumina por gramas de creatinina. Para uma adequada conclusão, esses
valores devem ser repetidos em pelo menos duas de três amostras no período de três a
seis meses.

3. Qual a relevância em se detectar microalbuminúria?

A detecção de microalbuminúria tem sido correlacionada com elevado valor preditivo


para progressão de doença renal. Um aumento da permeabilidade do endotélio
glomerular pode ser usado como marcador de disfunção endotelial difusa3. Em
pacientes com diabetes mellitus tipo 2, o aumento da mortalidade geral e do risco
relativo para mortalidade por doença coronariana foram associados com o
aparecimento de microalbuminúria. Enquanto no diabetes mellitus tipo 1 a
microalbuminúria pode ser uma manifestação precoce de nefropatia diabética, nos
pacientes com diabetes mellitus tipo 2 parece refletir mais a presença de doença
cardiovascular subjacente4,5.

4. A função renal pode ser considerada normal?

De acordo com as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial6, a função renal


deve ser estimada em todo paciente hipertenso6. Há alguns anos, o padrão-ouro era o
cálculo do clearance de creatinina após coleta de urina de 24 horas. Entretanto, devido
à dificuldade na coleta de urina por esse tempo prolongado e pela secreção tubular
progressiva de creatinina, esse método passou a ser menos considerado para a detecção
de disfunção renal.

A creatinina sérica varia inversamente com a taxa de filtração glomerular (TFG).


Todavia, a produção de creatinina varia de indivíduo para indivíduo e até no mesmo
sujeito, de acordo principalmente com a dieta ingerida e com a perda ou ganho de
massa muscular. Ainda mais importante, um declínio inicial da taxa de filtração
glomerular leva apenas a uma pequena elevação da creatinina sérica, geralmente dentro
da faixa normal. Quando os níveis de creatinina sérica chegam próximos a 1,5mg/dl,
pode-se concluir que já houve uma perda de pelo menos 1/3 da função renal.

A doença renal crônica é classificada de acordo com a taxa de filtração glomerular


estimada (TFGe) (Quadro 1). Atualmente são dois os métodos mais utilizados para
estimativa da taxa de filtração glomerular: o mais conhecido é a fórmula de Cockroft-
Gault: TFGe = ((140-idade) x peso)/(creatinina x 72), multiplicando esse valor por
0,85 se do sexo feminino7. A desvantagem desse método é que nos indivíduos obesos a
TFG é superestimada devido ao elevado valor do peso, na fórmula. O outro método
para estimar a TFG é conhecido como MDRD, baseado no estudo Modification of Diet
in Renal Disease. Não utiliza o peso, sendo a fórmula abreviada baseada apenas na
idade, sexo e valor da creatinina sérica8.

TFGe (MDRD)= 186,3 x creatinina-1,154 x idade-0,203 , multiplicando por 0,742 se do


sexo feminino. No caso em questão, a TFGe pela fórmula Cockroft-Gault é de
77ml/min, enquanto que pelo MDRD é de 67ml/min. De uma forma geral, quando TFG
está acima de 60ml/min a fórmula de Cockroft-Gault é mais precisa, enquanto o MDRD
está mais indicado nos estágios 3 e 4 da doença renal crônica.

Quadro 1
Classificação da doença renal crônica
TFG=taxa de filtração glomerular

5. Qual a relevância da presença de disfunção renal?

A doença renal crônica (DRC), especialmente quando nos estágios 3, 4 ou 5, ou seja,


com taxa de filtração glomerular estimada abaixo de 60ml/min, é reconhecida como
fator de risco cardiovascular. De fato, pacientes com DRC no estágio 3 ou 4 morrem
mais de eventos cardiovasculares do que de progressão para doença renal terminal.
Elevação da pressão arterial, disfunção endotelial, dislipidemia, inflamação, ativação
do sistema renina-angiotensina-aldosterona e calcificações específicas são mecanismos
pelos quais a disfunção renal pode agravar ou induzir o aparecimento de doença
cardiovascular.

Já foi estabelecida a relação linear entre o grau de redução da taxa de filtração


glomerular e o risco de eventos cardiovasculares. Alguns fatores de risco presentes
nessa associação são considerados modificáveis e podem ser atenuados com medidas
terapêuticas atuais como controle da pressão arterial, tratamento mais agressivo da
dislipidemia, redução da ingestão proteica, otimização do metabolismo do cálcio e
ação contra hipercoagulabilidade3.

6. Que mecanismos estão envolvidos na patogênese da nefropatia diabética?

A nefropatia diabética é a maior complicação microvascular do diabetes tipo 1 e 2.


Tradicionalmente se pensava ser ela decorrente de alterações hemodinâmicas e
metabólicas9,10. Entretanto, conhecimentos atuais indicam que a extensão do dano renal
no paciente com diabetes não é completamente explicado por aumento da pressão
sistêmica e intraglomerular, secundárias a fatores metabólicos ou hemodinâmicos ou
mesmo pelas alterações de moléculas expostas à hiperglicemia11,12.

Pesquisas realizadas nos últimos 10 anos mostram que a etiologia da nefropatia


diabética está relacionada a modelos celulares e moleculares, e a inflamação seria o
modelo fisiopatológico mais importante dessa lesão9-12. A relação entre a inflamação e
o desenvolvimento da nefropatia diabética envolve um processo e uma rede molecular
bastante complexa9-12.

Componentes do diabetes atuam sobre as células dos rins ativando diversas cascatas de
sinalização intracelular. A via Iĸ quinase ativa a NFĸ, uma das principais responsáveis
pela regulação de muitas citocinas químicas, citocinas inflamatórias, células de adesão
e outra moléculas relevantes na patogênese da nefropatia diabética. A MAPK controla a
expressão do fator de crescimento das células endoteliais renais e é essencial na
regulação de muitos processos celulares (inflamação, transcrição de gene, ativação de
proteínas individuais, alteração na permeabilidade da membrana e da motilidade
celular, diferenciação, crescimento e morte celular). A JAK-STAT media a sinalização
dos efeitos do fator de crescimento, de citocinas e angiotensina II resultando em
aumento da expressão e ativação da TGF-, produção de colágeno de fibropectina e
estimulando o crescimento de células mesangiais nas células glomerulares
tubulointersticiais. A ativação dessas vias resulta em infiltração pelas células
inflamatórias circulantes que amplifica e perpetua o processo inflamatório nos rins,
finalmente resultando no desenvolvimento e progressão da nefropatia diabética. Além
disso, o aumento da proteinúria (uma característica da lesão renal no paciente com
diabetes) completa o círculo vicioso do dano renal.

7. Há critérios para o diagnóstico de síndrome metabólica?

Sim. De acordo com a mais recente harmonização dos critérios para o diagnóstico da
síndrome metabólica (SM)13, propostos pela International Diabetes Federation
(IDF); National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLI); American Heart
Association (AHA); World Heart Federation (WHF); International Atherosclerosis
Society (IAS) e International Association for the Study of Obesity (IASO)13 o
diagnóstico da SM será feita com a presença de três das seguintes variáveis:
circunferência da cintura abdominal ≥90cm para homens sul-americanos e ≥80cm para
mulheres sul-americanas; triglicérides ≥150mg/dL ou tratamento específico para essa
dislipidemia; HDL-col <40mg/dl para homens e <50mg/dl para mulheres ou tratamento
específico para essa dislipidemia; pressão arterial (PA) sistólica ≥130mmHg ou
diastólica ≥85mmHg ou em tratamento com hipotensores; glicemia de jejum ≥100mg/dl.
Destaca-se que, por esse consenso, não há a obrigatoriedade da obesidade abdominal.

O paciente descrito apresenta alterações nos níveis de triglicérides, HDL-col, glicemia


e PA, ou seja, quatro variáveis necessárias para caracterizar a SM, embora não
apresente obesidade abdominal (tem circunferência da cintura de 89cm) .

8. Como classificar o risco neste paciente?

De acordo com a European Society Hypertension-European Society Cardiology (ESH-


ESC) Practice Guidelines for the Management of Arterial Hypertension: ESH-ESC
Task Force on the Management of Arterial Hypertension14, a estratificação de risco
cardiovascular deste paciente deve considerar a presença de: 1) dois fatores de risco:
idade (>55 anos) e a presença de dislipidemia (colesterol >190mg/dl; triglicerídeos
>150mg/dl; HDL-col <40mg/dl e LDL >115mg/dl); 2) presença de lesão em órgão-
alvo: microalbuminúria (albumina/creatinina urinária 30-300mg/g); 3) diabetes. A
presença do item 2 ou do item 3 isoladamente são suficientes para imputar, para este
paciente, risco cardiovascular alto (20-30% de probabilidade de um evento
cardiovascular nos próximos 10 anos).

Se for utilizado o escore The Framingham Heart Study15: considerando a idade (4


pontos), sexo, nível de PA sistólica (1 ponto), níveis de colesterol total (1 ponto) e
HDL-colesterol (2 pontos), ausência de tabagismo (nenhum ponto) e presença de
diabetes (2 pontos) o escore total é de 10 pontos e um risco absoluto para doença
coronariana também alto (25% de probabilidade de doença coronariana nos próximos
10 anos).

9. Que metas devem ser atingidas neste paciente?

As metas devem considerar a estratificação de risco cardiovascular do paciente, ou


seja, alto e, sobretudo com a presença de diabetes. Assim, para esse risco as metas a
serem atingidas com o tratamento são:

Pressão arterial: <130/80mmHg (VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão6,


Sociedade Brasileira de Diabetes1, European Society of Hypertension14,
Canadian Hypertension Education Progran16, The Seventh Report of the
Joint National Committee17).
Glicemia de jejum: <100mg/dl (Sociedade Brasileira de Diabetes1 e
American Diabetes Association18).

Glicemia pós-prandial: <140mg/dl (Sociedade Brasileira de Diabetes1 e


American Diabetes Association18).

Hb glicada A1C: <7% (Sociedade Brasileira de Diabetes 1 e American


Diabetes Association18).
LDL-col: <100mg/dl (opcional <70mg/dl) (IV Diretriz Brasileira Sobre
Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose19).
Não HDL-col: <130mg/dl (opcional <100mg/dl) (IV Diretriz Brasileira
Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose19).
HDL-col: >50mg/dl (IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e
Prevenção da Aterosclerose19).
Triglicerídeos: <150mg/dl (IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e
Prevenção da Aterosclerose19).

10. Que medicamentos devem ser utilizados para atingir as metas estabelecidas?

Hipertensão arterial: Inúmeros estudos randomizados mostram que qualquer


hipotensor utilizado em diabéticos pode ter um efeito protetor renal que pode estar
associado à redução da PA per se6. Há também evidências da superioridade dos
inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) e dos bloqueadores de
receptores da angiotensina (BRA) particularmente na prevenção e redução da
microalbuminúria e da proteinúria20.

Teoricamente, os IECA, os BRA e mesmo os inibidores diretos de renina (IDR)


reduzem a pressão intraglomerular de forma mais eficaz que outros hipotensores e
podem ser utilizados como terapia inicial nesses pacientes21. A associação de IECA
com BRA parece ser mais eficiente em reduzir a proteinúria20. Assim o bloqueio do
sistema renina-angiotensina (SRA) deve ser a escolha terapêutica inicial desses
pacientes. A adição de uma segunda droga como antagonista de canais de cálcio (tem
sido registrado um efeito benéfico dessa associação em hipertensos com risco
cardiovascular alto)20,22 ou diurético tiazídico em baixas doses podem potencializar o
efeito hipotensor do bloqueio do SRA. Mais recentemente observou-se que a
associação de BRA com IDR resultou em redução adicional da albuminúria em
pacientes com nefropatia diabética23.

No caso em questão, como o paciente é diabético, tem microalbuminúria e não atingiu a


meta de pressão arterial adequada, recomenda-se que seja suspensa a amlodipina e
introduzido IECA ou BRA em doses plenas e, se necessário, acrescentar doses baixas
de diuréticos ou mesmo retornar a amlodipina associada ao bloqueio do sistema renina-
angiotensina.

Diabetes: Considerando a perda de 4kg em um mês e de acordo com o último


Posicionamento Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes/20111 e da American
Diabetes Association18, iniciar insulinoterapia imediatamente e reavaliar a condição
clínica posteriormente para a introdução de medicação oral após controle adequado da
glicemia.

Dislipidemia: Iniciar com as estatinas que devem ser administradas, em dose única
diária, preferencialmente à noite para drogas de meia-vida curta (ex. sinvastatina de
20-80mg/dia) ou em qualquer horário para fármacos com meia-vida longa (ex.
atorvastatina de 1-80mg/dia e a rosuvastatina de 10-40mg/dia)19. Lembrando que o
efeito terapêutico só será mantido com doses diárias, não deve ser suspenso (exceto se
houver efeito colateral) ou mesmo utilizado em dias alternados.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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tratamento do diabetes tipo 2. Atualização 2011. Posicionamento Oficial
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TABAGISTA COM DOENÇA VASCULAR
PERIFÉRICA

Marcel Coloma
Alberto José de Araújo

CASO CLÍNICO

Paciente feminina, 44 anos, amasiada, negra, comerciante, natural da cidade do Rio de


Janeiro, foi encaminhada para tratamento do tabagismo pelo cirurgião vascular, durante
o período de hospitalização, em julho de 2004, em Hospital Universitário.
Queixas e HDA: A paciente referia muita ansiedade, dores intensas nos dedos das
mãos e dos pés, principalmente durante o tempo frio. Sente as extremidades roxas e
frias, obrigando-a a usar meias e luvas. Descreveu o seu estado de saúde como
“crítico” e que tinha muito medo de amputar os dedos. Iniciou tratamento de sua doença
há um ano, mas já apresentava os sintomas há três anos, quando houve suspeita de
doença do colágeno.

No momento da avaliação inicial, estava fazendo tratamento para úlceras nos dedos das
mãos e dos pés e iria se submeter à amputação de duas polpas digitais (indicador e
médio da mão direita) que haviam necrosado e infeccionado. Usa diazepam de 10mg há
cinco anos. Já fez uso de fluoxetina 20mg durante seis meses.

HPP: as principais comorbidades referidas foram: ansiedade, episódios depressivos


recorrentes e gengivite crônica, levando à perda de dentes. Faz uso de cerveja 2-3
vezes por semana, às vezes de forma abusiva. Nega uso de outras drogas. Sem história
de crise convulsiva, arritmia, úlcera, pneumopatia, hepatopatia ou nefropatia.

História tabágica: a paciente começou a experimentar cigarros aos 10 anos, quando


costumava acender o cigarro para seus pais. A partir dos 12 anos passou a fumar
regularmente de quatro a seis cigarros/dia, aumentando para um maço/dia quando
começou a trabalhar aos 14 anos. A partir da gravidez aos 16 anos aumentou para dois
maços/dia e, nos últimos cinco anos, estava fumando de 50-60 cigarros/dia durante a
semana e de 60-80 cigarros/dia no final de semana.

Teste de nicotino-dependência de Fagerström: 10 pontos (dependência muito


elevada). Fuma o primeiro cigarro logo ao se levantar e eventualmente acorda na
madrugada para fumar. Atualmente, com a internação, foi obrigada a reduzir para 10-20
cigarros/dia (mesmo sabendo que não se pode fumar no hospital, fuma bem cedo, após
as visitas médicas e, principalmente, à noite).

Em relação ao ano passado relatou que agora estava fumando mais (desde que soube do
diagnóstico ficou mais nervosa) e que dependendo do momento em que está vivendo
fuma 2-3 cigarros seguidos. Já fez duas tentativas para deixar de fumar, a última há um
ano na Igreja em que frequenta e, em nenhuma delas, conseguiu parar. Chegou a usar
adesivos de nicotina por conta própria, durante cinco dias, mas fumou junto e sentiu
mais dores nos dedos, tendo que interromper.

Associações Comportamentais com o cigarro: café, após refeições, bebidas,


tristeza/depressão e quando está vendo os clientes fumarem.
Razões para fumar: para relaxar/acalmar; ter alguma coisa nas mãos; poder
se concentrar; esquecer os problemas da vida.
Motivos para deixar: o que mais pesa é por afetar a saúde. “O cirurgião
disse que posso ter meus membros amputados”, refere também motivos
religiosos, e por gastar muito dinheiro.
Estágio de motivação: em relação à sua motivação aponta a frase que melhor
se encaixa: “eu penso em parar algum dia na vida, porém ainda não estou
certa de marcar uma data em 30 dias” (estágio contemplativo)1.
Autoeficácia: sente-se pouco preparada para deixar de fumar, embora atribua
grande importância, não se sente confiante ou capaz de conseguir; “talvez
com ajuda, se pudesse reduzir um pouco” (baixa autoeficácia)2. A paciente
referiu que gosta de fumar apesar de tudo que o cigarro causa.
Barreiras para deixar de fumar: refere o temor de ganhar peso e de não saber
como enfrentar as situações de estresse e de dor muito forte sem o cigarro,
embora refira que logo depois de fumar, a dor volta pior. Refere que tem
mais dificuldade em deixar porque tem um trailer no bairro onde
comercializa cigarros, bebidas, sanduíches e salgados.

História Social & Ocupacional: refere que o marido trabalha de ajudante de pedreiro e
que parou de fumar sozinho há cinco anos. Ela trabalha no trailer há oito anos, no
período noturno, onde complementa a renda da família. Tem duas filhas adolescentes
não fumantes que pedem muito que ela pare de fumar.

História Familial: os pais eram fumantes, o pai morreu devido a infarto do miocárdio e
a mãe tem bronquite crônica. Dos quatro irmãos, dois fumam. Somente ela tem esse
problema de saúde vascular.

Estilo de vida: sedentária, alimentava-se irregularmente, sem distúrbios do sono, é


hiperativa e muito ansiosa, não tem nenhum tipo de lazer, diz ter pouco prazer na vida.
Onde encontra mais suporte é com suas filhas, alguns amigos e o médico cirurgião
vascular.

Exame Físico: ACV: RCR, 2T; BNF PA =130x80mmHg; FC =72bpm; FR =16irpm;


pulsação rápida e fina. AR: MV rude, sibilos inspiratórios esparsos, sem outros ruídos
adventícios. Cavidade oral: sinais de gengivite crônica, com perda de elementos
dentários. Membros: presença de fenômeno de Raynaud, sinais de isquemia com
cianose nas extremidades e áreas de necrose nas polpas digitais do 3º e 4º
quirodáctilos direito. Teste de Allen (+), dor à palpação no trajeto dos nervos mediano
e tibial.

Exames laboratoriais e Testes de rotina: Monóxido de carbono no ar expirado:


46ppm (valor normal: 0–6ppm). HAD: Escala de ansiedade: 16 (em 21 possíveis);
Depressão: 5 (em 21 possíveis), ponto de corte: 11 pontos. ECG: sem alterações no
traçado. Espirometria: distúrbio obstrutivo, em grau leve. Bioquímica sérica e urinária,
hepatograma, hemograma e lipidograma: parâmetros laboratoriais no limite da
normalidade.
Protocolo terapêutico e evolução:
Na primeira tentativa, no ano de 2004, havia contraindicação absoluta para o uso de
goma de mascar, e relativa para o uso de adesivos de nicotina. Na ocasião, o custo da
bupropiona era inacessível para a paciente e sua família, e ainda não havia medicação
disponível no SUS, assim como a vareniclina ainda não havia sido lançada no mercado
(outra opção). A opção terapêutica disponível, à época, foi o uso de adesivos de
nicotina de 21mg durante quatro semanas e de 14mg por mais quatro semanas,
associados ao clonazepam 2mg (ansiolítico)3,4.

A paciente foi acompanhada individualmente a cada 15 dias nos primeiros três meses
(não se sentia bem no grupo) com aconselhamento cognitivo-comportamental associado
aos medicamentos3,4. A paciente parou de fumar na 4ª semana de tratamento, tendo
permanecido em abstinência por dois meses e obtendo grande melhora do quadro
clínico da tromboangeíte nesse período. Foi encaminhada para acompanhamento
conjunto com o serviço de saúde mental, iniciando psicoterapia no próprio HU.

Na segunda tentativa, pós-recaída, em início de 09/2004, conseguiu parar novamente,


sem medicação, ficando três meses em abstinência. Na terceira tentativa, retornou ao
programa em 12/2004, foi reintroduzida ao programa de tratamento no ano seguinte,
tendo iniciado o uso da nortriptilina 25mg 2xdia (medicação de 2ª linha no tratamento)
e parou novamente em 01/20053,4. Em março/2005, nova recaída, após dois meses de
abstinência; na ocasião ela fumava de 20-60 cigarros/dia, e agravou o seu quadro,
levando a novas ulcerações com necrose e necessidade de amputações nos dedos dos
pés. A paciente não retornou mais ao programa, e infelizmente não atendeu aos
telefonemas para que retomasse o tratamento para deixar de fumar, abandonando
também a psicoterapia.

O prognóstico desta paciente ao seguir fumando foi reservado e a última informação


obtida no registro de prontuário foi a amputação da perna direita em 11/2011, sendo
informado pela família que a paciente se encontrava em abstinência desde a alta. A
orientação foi então que aconselhassem a paciente a fazer nova tentativa para deixar de
fumar.

OBJETIVOS
1. Avaliar os impactos e os benefícios do tratamento do tabagismo na evolução
e no prognóstico da tromboangeíte obliterante.
2. Discutir a abordagem terapêutica dos fumantes com tromboangeíte obliterante
baseada em evidências científicas.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso clínico apresentado?

O caso em questão nos remete a paciente jovem com doença vascular periférica. A
principal hipótese diagnóstica baseada na história clínica e nos fatores de risco é de
tromboangeíte obliterante. Outras hipóteses consistem em: doença vascular periférica
ateroesclerótica, ateroembolismo, doenças que cursem com hipercoagulabilidade
(policitemia vera, síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, trombocitose essencial) e
vasculites por doenças do colágeno. Hipóteses pouco prováveis, mas que cabe
ressaltar: intoxicação por ergotamina e arterite por uso de canabinoide (Quadro 1).

Quadro 1
Diagnóstico diferencial de tromboangeíte obliterante

2. Como confirmar o diagnóstico de tromboangeíte obliterante?


O diagnóstico de tromboangeíte obliterante é clínico, ocorrendo sempre em indivíduos
fumantes. Já foi descrito casos da doença em fumantes de charuto, maconha e tabaco
mascado5. Tipicamente se apresenta em jovens fumantes, abaixo de 45 anos, com
envolvimento inicial de artérias e veias distais seguido de doença arterial oclusiva
proximal. Duas ou mais extremidades comumente são envolvidas6, sendo mais
frequente no inverno (Quadro 2).

Quadro 2
Critérios diagnósticos para tromboangeíte obliterante

Fonte: Puéchal et al.7

Tromboflebite superficial pode ocorrer como manifestação precoce, mesmo antes de os


sinais e sintomas se tornarem evidentes. A presença de flebite superficial a distingue de
outras formas de doenças vasculares oclusivas, embora possa ser observada na doença
de Behçet. A flebite migratória consiste em nódulos dolorosos que seguem o caminho
da veia, frequentemente associada com atividade de doença arterial7. Quando nódulos
superficiais estão presentes, pode ser realizada biópsia para se ter um diagnóstico
histopatológico.

Isquemia dos dedos da mão e do pé é a apresentação mais comum de tromboangeíte


obliterante, com dor e descoloração digital que pode progredir para subsequente
gangrena dos dedos. O fenômeno de Raynaud ocorre em cerca de 40% dos pacientes e
pode ser assimétrico. Com a progressão da doença, pode ocorrer envolvimento
proximal das artérias. Envolvimento de grandes artérias não é comum e raramente
ocorre na ausência de doença oclusiva dos pequenos vasos, sendo mais provável o
diagnóstico de doença aterosclerótica nesses casos8.

Em caso de envolvimento de vasos proximais ao punho e tornozelo, o paciente pode se


queixar de claudicação dos pés, panturrilhas, coxas, mãos e braços. Artralgia e artrite
não erosiva também podem ocorrer, porém são infrequentes e episódicas, geralmente se
resolvendo em duas semanas. Envolvimento histopatológico de coronárias, artéria
torácica interna, renal e mesentérica já foi descrito.

Além da história clínica, o exame físico vascular é de suma importância, devendo-se


pesquisar a presença de isquemia de extremidades e nódulos venosos superficiais.
Sinais de neuropatia periférica podem ocorrer em até 70% dos pacientes. Índices
tornozelo-braquial e punho-braquial devem ser realizados para avaliar o envolvimento
das extremidades inferiores e superiores, respectivamente, embora índices normais não
excluam tromboangeíte obliterante.

O teste de Allen também deve ser feito, sendo um teste positivo no punho em jovem
fumante muito sugestivo de tromboangeíte obliterante9. Pletismografia digital ainda
pode ser utilizada para avaliar a circulação distal, porém não distingue tromboangeíte
obliterante de outras vasculites.

Exames laboratoriais não servem para diagnosticar tromboangeíte obliterante, porém


excluem outras hipóteses diagnósticas, como diabetes mellitus, vasculites, trombofilias
e intoxicações. Vale ressaltar que o anticorpo anticardiolipina pode estar presente em
pacientes com tromboangeíte obliterante10.

Em pacientes em que história, exame físico e avaliação laboratorial ainda deixam


dúvidas sobre o diagnóstico de tromboangeíte obliterante, a arteriografia pode ser útil
revelando ausência de ateroesclerose, ausência de tromboembolismo, envolvimento de
pequenos e médios vasos, oclusão segmentar e presença de vasos colaterais, embora
nenhum desses achados seja patognomônico.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico da tromboangeíte obliterante?

Tromboangeíte obliterante é uma doença vascular oclusiva, inflamatória, não


aterosclerótica que afeta artérias e veias de pequeno e médio calibres. É diferenciada
de outras vasculites pela presença de trombo intraluminal inflamatório com grande
quantidade de células que poupa a parede do vaso, mais especificamente a lâmina
elástica interna.

Três fases são descritas:

Fase aguda: trombo inflamatório oclusivo se desenvolve na extremidade


distal de artérias e veias. Leucócitos polimorfonucleares, microabscessos e
células gigantes multinucleadas podem estar presentes, mas não há evidência
de necrose. Embora a lâmina elástica externa possa estar comprometida, a
lâmina elástica interna está intacta.
Fase intermediária ou subaguda: caracterizada por organização progressiva
do trombo. Um infiltrado inflamatório ainda se encontra presente com o
trombo, porém em menor quantidade.
Fase crônica: não há mais inflamação, permanecendo trombo organizado e
fibrose vascular. A histopatologia é indistinguível de outros tipos de doenças
arteriais11.

Embora o fumo seja essencial ao início, manutenção e recorrência da doença, o papel


do tabagismo na patogênese da tromboangeíte obliterante é desconhecido. Suspeita-se
que o tabagismo possa causar um tipo tardio de hipersensibilidade ou angeíte tóxica. A
imuno-histoquímica indica uma patogênese inflamatória e imunológica12.

Disfunção endotelial pode estar relacionada na patogênese da tromboangeíte


obliterante. Altos títulos de anticorpo antiendotelial foram detectados. Invasão vascular
da túnica íntima e média foi demonstrada, enquanto a vasodilatação dependente do
endotélio encontra-se comprometida.

Fatores pró-trombóticos também podem ter papel na patogênese. A mutação no gene


20210 da pró-trombina e a presença de anticorpo anticardiolipina associam-se ao
aumento do risco e da gravidade da doença13.

4. De acordo com estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas?

A doença tabagismo é a comorbidade mais associada à tromboangeíte obliterante, que


se manifesta na grande maioria das vezes em indivíduos fumantes de grandes
quantidades de cigarro por tempo prolongado. Entretanto, a tromboangeíte já foi
descrita em fumantes de charuto, maconha e tabaco mascado. O tabagismo é essencial
para o início, progressão, manutenção e recorrência da tromboangeíte obliterante.
A relação da doença com o tabaco é tão importante que em pacientes com manifestação
de tromboangeíte obliterante que negam ser fumantes ou que referem ter parado de
fumar é aconselhada a pesquisa de nicotina urinária e cotinina (um metabólito da
nicotina14).

Infecção periodontal crônica por bactérias anaeróbias também pode estar relacionada à
tromboangeíte obliterante. Cerca de 2/3 dos pacientes apresentam infecção periodontal
grave, porém como essa prevalência é semelhante em fumantes sem tromboangeíte
obliterante tal fato pode ser um fator de confundimento15.

5. Qual é o prognóstico da tromboangeíte obliterante?

Como a manutenção e a progressão da tromboangeíte obliterante dependem do uso de


tabaco, o prognóstico da doença é favorável aos que abandonam o tabagismo. Um
estudo acompanhou 111 pacientes diagnosticados com tromboangeíte obliterante, por 15
anos. O risco de amputação maior foi 11% em cinco anos, 21% em 10 anos e 23% em
20 anos. A abstinência ao tabagismo foi associada a melhor prognóstico, com o risco de
amputação em fumantes sendo eliminado por oito anos após a cessação ao cigarro, e o
risco de amputação se mantendo nos pacientes fumantes16.

6. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos (morte e


internação) neste caso?

Parar de fumar é a maneira mais eficaz de se tratar tromboangeíte obliterante, sendo a


única estratégia capaz de evitar a progressão da doença e evitar futuras amputações17.
A doença pode ser ativada fumando-se um ou dois cigarros por dia. Terapia de
reposição de nicotina deve ser evitada porque pode manter a doença ativa, sendo a
bupropiona e a vareniclina as drogas de escolha no tratamento do tabagismo nesses
indivíduos. Iniciar o tratamento enquanto o paciente se encontra internado é uma
excelente estratégia para cessar o tabagismo.

Os pacientes devem ser fortemente encorajados a parar, pois ao cessarem o tabagismo a


doença irá entrar em remissão e o risco de amputação será muito pequeno em membros
onde a isquemia não se instalou. Entretanto, o paciente pode manter sintomas de
claudicação e fenômeno de Raynaud.
Um estudo que acompanhou 110 pacientes com tromboangeíte obliterante por um
período médio de 10,6 anos revelou taxa de sobrevida cumulativa de 84% até 25 anos
após a consulta inicial. A taxa de amputação foi de 43%, sendo 12% de grandes
amputações. Dos 41 pacientes que pararam de fumar nenhum sofreu amputações,
enquanto que dos 69 que mantiveram o tabagismo 19% sofreram grandes amputações18.

7. O tratamento pode ajudar no controle da evolução da doença?

O único tratamento eficaz para evitar a progressão da doença é parar de fumar. Outros
tratamentos são úteis para aliviar os sintomas, mas são considerados paliativos. O
tratamento das úlceras digitais deve ser realizado da mesma forma como em outras
feridas isquêmicas. Iloprost, um análogo da prostaglandina, auxilia no alívio da dor19.
Bloqueadores do canal de cálcio são usados no manejo do vasoespasmo associado ao
fenômeno de Raynaud6. Compressão pneumática intermitente em pés e panturrilhas
aumenta o fluxo arterial nos membros inferiores ao reduzir a resistência arterial
periférica, melhorando a isquemia do membro e a claudicação20. Angiogênese
terapêutica, terapia celular e cilostazol são terapias ainda experimentais.
Revascularização arterial cirúrgica raramente está indicada devido à história natural de
oclusão em região distal do membro. Simpatectomia e estimulação medular são terapias
invasivas ainda em estudo.

8. Existe alguma estratégia para prevenção (primária e secundária)?

Tanto para prevenção primária quanto secundária a única estratégia comprovadamente


eficaz é o abandono ao tabagismo. O cigarro está relacionado ao início, manutenção,
progressão e recorrência da tromboangeíte obliterante, conforme se observa na
evolução inexorável do caso clínico apresentado.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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SÍNDROME METABÓLICA

Roselee Pozzan
Roberto Pozzan

CASO CLÍNICO
Dados básicos: Paciente feminina, 32 anos, história de ganho de 20kg nos últimos 10
anos.

Doença principal: Obesidade. Procura o cardiologista para avaliação prévia ao início


de prática desportiva.

Comorbidades: pré-diabetes, pressão arterial limítrofe, dislipidemia.

Fatores de risco cardiovascular: tabagismo desde os 18 anos (atualmente fumando 5


cigarros/dia), sedentarismo (parou atividade física desde a época da faculdade),
obesidade.

Breve quadro clínico: Não apresenta queixas. PA =130/80mmHg (confirmada na


segunda consulta); FC =88bpm; Peso =78kg, Altura =1,57m; Circunferência abdominal
=95cm; IMC =31,7kg/m2. Exame físico sem outras alterações.

Outros dados relevantes: bebe socialmente, história familiar de hipertensão arterial


(pai, mãe e avós maternos e paternos), de diabetes (avô materno), de doença
coronariana (avô materno, na idade de 75 anos), de sobrepeso/obesidade (avó paterna,
pai e tios).

Medicações em uso regular: Nega uso regular de qualquer medicação.

Dados de exames complementares/laboratoriais relevantes:


Glicose =105g/dl; Colesterol total =211mg/dl; LDL-colesterol =140mg/dl;
Triglicerídeos =180mg/dl; HDL-colesterol =35mg/dl. ECG normal.

OBJETIVOS
1. Discutir os critérios de identificação da síndrome metabólica.
2. Discutir a sua natureza progressiva e os riscos associados à mesma.
3. Discutir a abordagem ao paciente com síndrome metabólica e a importância
da prevenção de sua progressão.

PERGUNTAS
1. Que alterações a paciente do caso apresenta? É possível agrupá-las sob uma
única definição?

Trata-se de uma mulher jovem, que procura o médico sem queixas, apenas com a
finalidade de conseguir um atestado para prática de atividade física. No entanto, a
mesma apresenta uma série de alterações ao exame físico e nos exames laboratoriais
que permitem o diagnóstico de:

Obesidade grau I, com circunferência abdominal aumentada1;

Glicemia de jejum alterada ou pré-diabetes2;

Níveis de PA podendo ser classificados como limítrofes3;


Níveis de triglicerídeos se encontrando aumentados e os de HDL baixos4.

O conjunto de alterações que a paciente apresenta, e que frequentemente cursam em


associação, tem recebido a denominação de síndrome metabólica5. A sua prevalência
na população adulta é estimada em 25%, sendo cada vez mais observada em indivíduos
jovens, notadamente naqueles com sobrepeso e obesidade6.

Há que se ressaltar que a paciente apresenta uma história familiar de coronariopatia (no
avô, após os 55 anos), de diabetes, hipertensão arterial e obesidade além de ser
tabagista e sedentária. Portanto, embora jovem, esta paciente já apresenta uma
constelação de fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes, hipertensão
arterial e de doença coronariana, sendo importante a quantificação adequada desse
risco e a adoção de medidas preventivas.

A discussão existente na literatura e que fica clara com o caso em questão, é se a


classificação de um indivíduo como possuidor de síndrome metabólica agrega algo à
definição do risco cardiovascular7. Ou, em outras palavras, a síndrome metabólica está
ou não associada a risco cardiovascular maior do que aquele imposto pela soma dos
seus componentes?

2. O que é síndrome metabólica (SM) e como confirmar a sua presença?

Em 1988, Reaven8 agrupou sob a denominação de síndrome X, um conjunto de


condições clínicas reconhecidamente associadas ao risco cardiovascular e que
sabidamente ocorriam em conjunto com frequência maior do que a esperada pelo
simples acaso. A síndrome X, que posteriormente passou a ser chamada de síndrome de
resistência insulínica7 e, finalmente, síndrome metabólica, englobava uma constelação
de variáveis metabólicas que teriam por base a resistência a esse hormônio.

Nas primeiras definições da síndrome propostas pela Organização Mundial da Saúde


(OMS)9 e pelo European Group for the Study of Insulin Resistance (EGIR)10 (Quadro
1) considerava-se imprescindível a presença da resistência insulínica ou de condições
cuja fisiopatologia estivesse claramente relacionada a ela, como o DM2 e/ou
intolerância à glicose. Parecia claro, no entanto, que o risco cardiovascular associado à
síndrome metabólica já estava presente antes do aparecimento da intolerância à glicose
e do diabetes, havendo também que se considerar a dificuldade metodológica para se
confirmar a presença da resistência insulínica.
Quadro 1
Critérios para o diagnóstico da síndrome metabólica
OMS=Organização Mundial de Saúde; NCEP-ATPIII=National Cholesterol Education Program - Adult Treatment
Pannel III; AACE=American College of Endocrinology; EGIR=European Group for the Study of Insulin Resistance;
IDF=International Diabetes Federation; PA=pressão arterial; TG=triglicerídeos; HDL=colesterol na lipoproteína de alta
densidade; IMC=índice de massa corporal; C/Q=relação cintura-quadril; DM2=diabetes mellitus tipo 2; TOTG=teste
oral de tolerância à glicose realizado com a ingestão de 75g de glicose anidra e coleta de glicemia 2h após; (M)=sexo
masculino; (F)=sexo feminino

Assim, em 2001, o National Cholesterol Education Program - Adult Treatment Pannel


III (NCEP-ATPIII)11 propôs uma definição mais simples da síndrome, em que a
presença de três ou mais alterações metabólicas de fácil aferição (obesidade centrípeta,
dislipidemia, hipertensão arterial ou intolerância à glicose) seriam suficientes para a
confirmação diagnóstica. O índice de massa corporal (IMC) não foi empregado como
critério para a definição de obesidade, uma vez que muitos indivíduos apresentam
depósito central de gordura associado a risco cardiovascular, mesmo na ausência de
valores elevados de IMC1.

Em 2003, o American College of Endocrinology (AACE)12 volta a ressaltar a


necessidade da presença da intolerância à glicose para o diagnóstico; porém em 2005,
a International Diabetes Federation (IDF)13 opta por uma definição mais próxima à do
NCEP-ATPIII, em que a obesidade centrípeta (identificada pelo aumento da
circunferência abdominal) passa a ser a peça fundamental para identificar a presença da
SM. Nessa última definição, foram propostos pontos de corte distintos para a o
diagnóstico da obesidade centrípeta, de acordo com a etnia da população. A vantagem
da definição da IDF para países de baixos recursos estava no fato de que as dosagens
laboratoriais necessárias para a identificação da síndrome só precisariam ser
realizadas em indivíduos com cintura abdominal aumentada.

De todas as definições propostas para a síndrome metabólica, a que tem sido mais
amplamente empregada é a do NCEP ATP III que, em 200514, publicou uma revisão
com as seguintes alterações:

O ponto de corte para o diagnóstico de intolerância à glicose foi alterado de


110mg/dl para 100m/dl (de forma a se coadunar com a definição de
intolerância de jejum da Associação Americana de Diabetes - ADA);
O ponto de corte da circunferência abdominal foi alterado para passar a
incluir os valores de 102cm e 88cm (para homens e mulheres,
respectivamente), quando antes a obesidade centrípeta só era definida a
partir desses valores;
A definição passa a incluir a presença de diabetes, hipertensão arterial ou
dislipidemia tratadas, já que nesses casos os valores de glicemia, pressão
arterial ou os níveis lipídicos podem estar normais.

Tem-se discutido na literatura se a SM deveria realmente receber esta denominação, já


que o conceito de síndrome se aplica a um conjunto de sinais e sintomas que podem ser
atribuídos a várias doenças e que possuem um mecanismo fisiopatológico em comum. A
patogênese da síndrome metabólica parece ser multifatorial, sendo que os dois fatores
subjacentes mais importantes são a resistência insulínica e a obesidade abdominal7. A
resistência insulínica pode ser de origem genética ou decorrente da própria obesidade,
não explicando claramente o desenvolvimento das demais condições. De qualquer
forma, a relevância do conceito de SM parece estar em identificar indivíduos que
agregam um conjunto de fatores de risco para o desenvolvimento de doenças
cardiovasculares e diabetes.

3. Quais os riscos associados à síndrome metabólica? O risco da síndrome é maior


do que o imposto pelos seus componentes?

A história natural da síndrome metabólica parece ser largamente influenciada pelo


desenvolvimento e progressão da obesidade de deposição central. À medida que o
indivíduo geneticamente predisposto envelhece e permanece exposto aos fatores de
risco (tais como sedentarismo e alimentação inadequada), e com a progressão da
obesidade, uma constelação de variáveis como a pressão arterial, os níveis lipídicos e
glicídicos começam gradativamente a se elevar, até atingir os pontos de corte para o
diagnóstico da hipertensão arterial, dislipidemia e intolerância à glicose. Esse cenário
é resultado das mudanças impostas pelo processo de globalização e urbanização que
têm influência marcante no crescimento das doenças crônico-não transmissíveis como
um todo, e nas doenças cardiovasculares e diabetes em particular15.

A dislipidemia associada à síndrome metabólica inclui níveis baixos de HDL, níveis


elevados de triglicerídeos e a presença de LDL pequenas e densas de maior potencial
aterogênico (ainda que os níveis de LDL em geral estejam dentro da normalidade e não
façam parte dos critérios diagnósticos). Descreve-se também um estado pró-trombótico
e pró-inflamatório associado à SM e que contribuiria para o risco cardiovascular
relacionado a ela, ainda que as alterações em variáveis como fibrinogênio, PAI-1 fator
VII, proteína C-reativa, etc. também não sejam incluídas nos critérios diagnósticos5.

A SM parece ser uma condição progressiva7, cujo risco cardiovascular cresce


paralelamente ao agravamento das condições subjacentes. Em muitos casos a SM
culmina com o diabetes quando, além do aumento do risco cardiovascular propriamente
dito, o paciente também apresenta risco de outras complicações (retinianas, renais e
neurológicas)2.

Em recente meta-análise16 sobre o tema, englobando estudos com 951.083 indivíduos


de diferentes etnias e empregando os critérios do NCP-ATP III, original e revisado14,
encontrou-se que a síndrome metabólica estava associada a um risco de 2,35 para o
desenvolvimento de doença cardiovascular (DCV); 2,40 para mortalidade
cardiovascular; 1,58 para mortalidade geral; 1,99 para infarto agudo do miocárdio
(IAM) e 2,27 para acidente vascular encefálico (AVE). Não foi encontrada diferença
significativa quando comparados os dois critérios do NCP-ATPIII (original e
revisado), tendo-se também encontrado risco cardiovascular elevado, mesmo quando a
síndrome era diagnosticada na ausência do diabetes. O risco em mulheres foi maior do
que nos homens, confirmando estudos anteriores17.

Estudos empregando os critérios da OMS, EGIR e IDF encontraram resultados


semelhantes, podendo-se de forma aproximada dizer que a presença da síndrome
metabólica dobra o risco de desenvolvimento de DCV, IAM, AVE e morte por
DCV6,16,17.

O diagnóstico de SM está associado a risco ainda maior de desenvolvimento de


diabetes, e isto pode ser em parte explicado pelo fato de a intolerância à glicose fazer
parte dos critérios diagnósticos. Riscos variando de 2,99 a 6,08 têm sido descritos, na
dependência da definição adotada6,7.

É razoável supor que a conjunção das diferentes variáveis presentes na SM tenha efeito
multiplicativo e não somatório sobre o risco cardiovascular. Além disso, uma vez que
diferentes fatores associados ao risco cardiovascular ocorrem em conjunto com a
síndrome, embora não façam parte dos critérios diagnósticos da mesma, seria esperado
que a presença da síndrome metabólica impusesse um risco maior do que aquele
relacionado à soma de seus componentes7. Tal fato nem sempre tem sido confirmado na
literatura, já que em alguns estudos descreve-se o desaparecimento do excesso de risco
associado à SM após ajuste para os componentes da mesma18.

Esses achados poderiam ser explicados pelo fato de a SM ser uma entidade
heterogênea, cujo diagnóstico é firmado frente a uma ampla gama de combinações de
variáveis com distintos riscos associados. Assim, embora a presença da SM identifique
um risco cardiovascular elevado no indivíduo, ela não permite quantificar o mesmo,
como é possível fazer, por exemplo, empregando-se o escore de Framingham4. Há que
se ressaltar também que fatores de risco importantes como tabagismo, sexo e idade, que
são utilizados no cálculo do escore de Framingham, não fazem parte da síndrome
metabólica.

Considerando-se os dados da literatura, seria possível dizer que a paciente do caso em


questão tem cerca de duas vezes mais risco de desenvolver DCV e mais de três vezes
risco de desenvolver diabetes do que outra pessoa que não apresente síndrome
metabólica. Obviamente, ao receber essa informação, a paciente não se sentiria
satisfeita e demandaria ser informada sobre o valor real do seu risco para determinado
horizonte de tempo. Empregando a tabela de Framingham4 é possível dizer que ela tem
um risco de 2% de IAM ou morte por IAM nos próximos 10 anos.

Diante desse resultado, a paciente poderia julgar que o risco é pequeno e que nenhuma
conduta preventiva necessitaria ser adotada, porém considerando que nada, a não ser a
idade mudasse nesta paciente, aos 42 anos ela já apresentaria um risco de 14% e aos 52
anos um risco acima de 30% e, portanto, elevadíssimo. Considerando a natureza
progressiva da SM, é bastante provável que o risco da paciente venha a crescer de
forma muito maior, com o passar dos anos, se nenhuma intervenção vier a ser feita.

Sendo assim, os pacientes com SM devem ter o seu risco cardiovascular quantificado
por outros métodos a fim de que se possa definir a intensidade das estratégias e as
metas terapêuticas; porém uma vez identificada a presença da SM, faz-se necessária a
introdução precoce e mantida de mudanças de hábitos de vida, a fim de evitar a sua
progressão.

4. Qual a abordagem indicada para os pacientes com síndrome metabólica?

O objetivo primário da abordagem da SM é o de reduzir o risco de desenvolvimento de


doença cardiovascular e de diabetes. Para tanto, a abordagem engloba o abandono do
tabagismo e o manejo da obesidade, da dislipidemia, dos níveis pressóricos e
glicêmicos, trazendo-os para as metas estabelecidas de acordo com o risco
cardiovascular estimado para o indivíduo.

A mudança dos hábitos de vida, visando à perda de peso/redução da gordura visceral,


constitui-se no aspecto fundamental do tratamento da síndrome metabólica,
independente dos componentes presentes no momento da identificação da mesma5. A
introdução de atividade física regular e de uma alimentação saudável é obrigatória,
embora difíceis de serem implementadas e sobretudo mantidas, tendo em vista o ritmo e
as condições de vida na sociedade moderna.

A paciente do caso em questão apresenta glicemia de 105mg/dl, que a classifica como


possuindo glicemia de jejum alterada ou pré-diabetes, ou seja, uma condição associada
a maior risco para o desenvolvimento de diabetes. O objetivo da abordagem sobre esta
paciente é o de trazer os níveis glicêmicos para valores menores que 100mg/dl.

No Diabetes Prevention Program19, a prática de atividade física (150min de


caminhada por semana) associada a uma dieta hipocalórica foi capaz de reduzir em
58% o risco de evolução para o diabetes em adultos com intolerância à glicose, apesar
de a perda de peso ter sido de 5% a 7% apenas. Destaca-se que esse resultado foi
melhor do que o alcançado com o uso de metformina, cuja redução do risco relativo foi
31%19. Ainda nesse estudo, o grupo com mudanças de hábito de vida teve uma redução
na incidência de síndrome metabólica de 41%, enquanto que o grupo que fez uso de
metformina teve uma redução de apenas 17%, quando comparado com o grupo-
placebo20.

Diversos outros estudos têm confirmado o benefício da mudança de estilo de vida para
a prevenção da progressão da intolerância à glicose, sendo estas consideradas custo-
efetivas21.

A paciente do caso em questão já procurou o médico com a intenção de realizar


atividade física, devendo, portanto, ser orientada sobre o tipo e a intensidade do
exercício a ser gradativamente adotado.

Os hábitos alimentares da paciente devem ser levantados e um novo plano deve ser
estabelecido. As mudanças nos hábitos devem ser implementadas o mais precocemente
possível, sendo importante contar com a adesão de todo o grupo familiar a fim de
facilitar a sua manutenção. Estas envolvem: limitar a ingesta de sal, limitar a ingesta de
álcool, limitar a ingesta de gordura especialmente a saturada (de origem animal
principalmente), limitar a ingesta de açúcares simples e encorajar o uso de
carboidratos complexos e ricos em fibras, presentes em legumes, frutas e legumes. A
quantidade de calorias a ser ingerida por dia varia, na dependência do peso do
indivíduo, e deve-se considerar a importância de não estabelecer metas irreais de peso,
já que os benefícios são observados com perdas de 5% a 10% sobre o peso inicial1.

O uso de medicamentos para tratamento da SM está indicado apenas para a intervenção


sobre os seus componentes (obesidade, dislipidemia, hipertensão arterial e o diabetes),
de acordo com as recomendações dos diferentes consensos1-5,7,11.
Até o momento, não se preconiza o uso de medicamentos para prevenir a evolução da
SM, ainda que alguns estudos com drogas que atuam sobre a resistência insulínica como
metformina e as glitazonas tenham encontrado resultados positivos na prevenção da
evolução para o diabetes21. Deve-se considerar, entretanto, que em muitos desses
estudos, as drogas foram comparadas com placebo e não com mudanças de hábito de
vida e, além disso, a troglitazona e a rosiglitazona já foram retiradas do mercado
devido aos efeitos colaterais adversos, e a pioglitazona se encontra sob avaliação
devido à possível associação com câncer de bexiga22.

Sendo a obesidade outro componente central da SM, a redução da mesma é um aspecto


importante e nem sempre alcançado apenas com as mudanças nos hábitos de vida. Nas
diretrizes para tratamento da obesidade e do sobrepeso1, o uso de medicamentos está
indicado em caso de falha no tratamento não farmacológico, para os seguintes
pacientes: com IMC ≥30kg/m2; ou ≥25kg/m2 com comorbidades; ou com cintura
≥102cm para homens e ≥88cm para mulheres. Considerou-se falha no tratamento o fato
de não se conseguir uma perda de 5% do peso inicial num período de três a seis meses
de dieta e atividade física.

Ocorre que após a publicação da atualização da ABESO1, o arsenal terapêutico para


tratamento da obesidade ficou ainda mais limitado. Com a proibição de uso da
anfepramona, do mazindol e do fenproporex, restaram no mercado brasileiro apenas a
sibutramina e o orlistate22. A sibutramina encontra-se sujeita a controle especial de
venda, com possibilidade de retirada do mercado, como ocorreu na Europa, em
consequência do resultado do estudo SCOUT23. Nesse estudo, o uso de sibutramina em
pacientes com DCV pré-existente e/ou DM esteve associado à maior taxa de IAM e
AVE não fatal em 3,4 anos.

Considerando que a paciente do caso em questão tem um IMC acima de 30kg/m2, ela
seria candidata ao uso de medicamentos para controle da obesidade, no caso de falha
do tratamento não farmacológico. Uma vez que a paciente é jovem e não apresenta DCV
ou DM, poderia ser prescrito sibutramina ou orlistate1. Em relação ao orlistate, cabe
citar que numa análise conjunta de três estudos, envolvendo no total 642 pacientes
obesos, o uso desse medicamento não foi capaz de prevenir a progressão para o
diabetes24.

O nível de pressão arterial desta paciente, segundo as VI Diretrizes Brasileiras de


Hipertensão Arterial3, encontra-se classificado como limítrofe ou normal alto e, com a
presença de dois fatores de risco (tabagismo e dislipidemia), esta paciente é
considerada como risco cardiovascular baixo. Sendo assim, a sua pressão arterial
deverá ser mantida abaixo de 140/90mmHg.

Existem evidências de que mesmo indivíduos com baixo risco, mas com pressão
arterial limítrofe têm incidência aumentada de eventos cardiovasculares em 14 anos25 e
maior mortalidade por AVE26, justificando algum tipo de intervenção. Assim sendo,
medidas de modificação no estilo de vida devem ser implementadas imediatamente,
sendo a paciente reavaliada após seis meses3.

Restrição de sal, perda de peso e atividade física contribuem de forma significativa


para o controle da pressão arterial e para a prevenção do desenvolvimento da
hipertensão arterial. Reduções da pressão arterial sistólica e diastólica em torno de 5-
10mmHg já foram observadas com a introdução de medidas de modificação do estilo
de vida27-29. A utilização de medicamentos para o controle da pressão arterial somente
é recomendada caso não se consiga atingir a meta terapêutica estabelecida segundo o
risco cardiovascular do paciente3.

Por outro lado, alguns estudos como o PHARAO30 e TROPHY31 avaliaram a utilização
de fármacos como forma de prevenir o desenvolvimento da hipertensão arterial em
indivíduos portadores de pressão arterial classificada como normal alta ou limítrofe. O
uso de candesartan no estudo TROPHY foi capaz de reduzir o risco relativo da
ocorrência de hipertensão arterial em 34% após 1200 dias quando comparado ao
placebo, e o uso de ramipril reduziu o risco relativo em 66,3% após dois anos e em
15,6% após quatro anos, também quando comparado ao placebo. Apesar dos resultados
positivos observados em ambos os estudos, o número de participantes foi pequeno e
não houve evidências suficientes na prevenção de desfechos cardiovasculares para que
a administração de anti-hipertensivos pudesse ser recomendada em pacientes com
pressão arterial limítrofe. Sendo assim, a recomendação do uso de medicamentos anti-
hipertensivos no manejo de indivíduos com comportamento limítrofe da PA, segundo as
VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial3, fica reservado apenas em condições
de risco cardiovascular global alto ou muito alto.

Em relação ao tratamento da dislipidemia, a conduta e a meta terapêutica são decididas


após o cálculo do risco cardiovascular4,11. No caso em questão, como a paciente
apresenta um risco de 2% em 10 anos, considerado baixo, a conduta indicada é a de
mudança de estilo de vida (MEV), com reavaliação após seis meses.

Tem sido descrito o benefício da atividade física aeróbica na redução dos níveis de
triglicerídeos e no aumento dos níveis de HDL, o que seria importante para a paciente
estudada. O uso de drogas para controle da dislipidemia, visando à prevenção das
doenças cardiovasculares, está indicado quando as metas terapêuticas para cada
categoria de risco não são alcançadas com as MEV4,11. No caso discutido, a meta
terapêutica é um LDL<160mg/dl e colesterol não HDL<190mg/dl, que na realidade a
paciente já apresenta.

Nas IV Diretrizes Brasileiras de Dislipidemia4 há a sugestão de que a presença da


síndrome metabólica seja considerada como um fator agravante e eleve a categoria de
risco do paciente. Tal sugestão deve ser considerada com cautela, uma vez que existem
estudos demonstrando que o poder de predição de risco pelo escore de Framingham foi
pouco aumentado quando se incluiu no modelo as variáveis da SM. Os autores sugerem
que a maior parte do risco da SM seja capturado por variáveis como idade, PA,
intolerância à glicose e HDL, que já fazem parte do modelo de Framingham32.

5. De que forma se podem resumir as questões relacionadas à SM e exemplificadas


com o presente caso?

Ainda existem questões pendentes em relação à SM, incluindo dúvidas se ela realmente
existe enquanto entidade nosológica, e quais os parâmetros que devem ou não ser
considerados para seu diagnóstico. Por outro lado, é evidente que a sua presença marca
uma situação de risco progressivo na qual se deve atuar o mais precocemente possível
com mudanças nos hábitos de vida.

A correta estratificação do risco cardiovascular por outros métodos, como o de


Framingham4, será necessária para que se possam decidir as metas e estratégias de
intervenção sobre os diferentes componentes da SM.

No caso da paciente apresentado, uma abordagem incisiva para modificação e controle


dos fatores de risco cardiovascular na idade e no momento em que ela se encontra
influirá sobre o resto da sua vida. Definirá se ela permanecerá ou não obesa, se virá a
se tornar hipertensa e/ou diabética e terá impacto definitivo sobre o seu risco
cardiovascular ao longo dos anos. Conseguir a modificação do quadro de risco atual
terá influência positiva na quantidade e na qualidade de vida futura.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.


Referências
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PÓS-ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

Felipe Albuquerque
Gustavo Duque

CASO CLÍNICO
Paciente do sexo feminino, 65 anos de idade, IMC =36,9kg/m2, natural do Rio de
Janeiro.
Doença principal: doença cerebrovascular. Tinha como comorbidades: hipertensão
arterial sistêmica, diabetes melitus tipo 2, doença pulmonar obstrutiva crônica,
dislipidemia. Fatores de risco cardiovascular: sedentarismo, tabagismo, obesidade,
dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia

Breve Quadro Clínico / Sinais e sintomas: paciente com as comorbidades supracitadas,


diagnosticada com ataque isquêmico transitório há oito meses, quando apresentou
desvio de comissura labial e disartria, com resolução dos sintomas em seis horas e
exames de imagem normais. Alta com orientação de continuar uso das mesmas
medicações uma vez que seu lipidograma e sua pressão arterial estavam “controlados”.
Permaneceu assintomática até há 15 dias, quando houve novamente desvio de comissura
labial, disartria e parestesia em membro superior esquerdo. Recebeu alta após uma
semana, mantendo disartria e parestesia em mão esquerda, com orientação de continuar
acompanhamento ambulatorial. Medicações de uso regular: enalapril 5mg 2x/dia e
sinvastatina 40mg 1x/dia.

Ao ser examinada no consultório, apresentava força muscular preservada nos quatro


membros, mas com queixa de “dormência” na mão esquerda e disartria motora.
Também se notou sopro carotídeo à direita. Os exames dos aparelhos cardiovascular e
pulmonar foram normais, assim como o abdome. Os membros inferiores apresentavam
discreta diminuição de pulso tibial posterior.

Dados antropométricos: Peso: 92kg. Altura: 1,58m. Sinais Vitais: FC: 86bpm. Pressão
Arterial: 144 x 94mmHg.

Exames complementares relevantes:

TC de Crânio inicial foi normal, mas o exame de controle após 48 horas


revelou hipodensidade em região temporal direita e isquemia em núcleos da
base.
EcoDoppler de carótidas e vertebrais evidenciando lesão de 70% na
bifurcação de artéria carótida interna direita e demais lesões sem
repercussão hemodinâmica significativa.
ECG de repouso: ritmo sinusal com sinais de hipertrofia ventricular esquerda
e alterações secundárias de repolarização ventricular (strain).

OBJETIVOS
1. Demonstrar importância epidemiológica do AVE, reconhecendo seus fatores
de risco e identificando AIT como marcador prognóstico.
2. Discutir a avaliação clínica nos pacientes pós-AVE e a rotina mínima
diagnóstica durante internação.
3. Descrever tratamento clinicofarmacológico nos pacientes pós-AVE, incluindo
a abordagem multidisciplinar.
4. Descrever as medidas de prevenção secundária.
PERGUNTAS
1. Qual a importância epidemiológica da doença cerebrovascular, seus fatores de
risco e como o AIT que a paciente apresentou pode ser interpretado?

Atualmente, o acidente vascular encefálico (AVE) e as doenças cerebrovasculares são a


principal causa de morte no Brasil. Dados de 2007 do SUS, contidos nas Diretrizes da
Sociedade Brasileira de Hipertensão1, apontam um total de 96.858 mortes ou 31,4% do
total das 308.466 mortes causadas por doenças do aparelho circulatório1.

Diversos estudos (Framingham2, MRFIT3 e PROCAM4) já identificaram os fatores de


risco para doença cardiovascular e AVE. Eles são bastante conhecidos: hipertensão
arterial sistêmica (HAS), dislipidemia (DLP), diabetes mellitus (DM)5, tabagismo,
história familiar de doença coronariana precoce, idade avançada, obesidade e
sedentarismo. A HAS tem papel de destaque e é reconhecidamente o principal fator de
risco para AVE, podendo ser responsável por até 54% dos eventos neurológicos6. Por
isso as campanhas de diagnóstico e o tratamento adequado da HAS são considerados os
componentes mais importantes da prevenção primária1 e secundária7.

A história de AIT apresentada pela paciente é importante marcador prognóstico de


novos eventos. Quase 25% dos AVE são eventos recorrentes (isto é, já apresentaram
evento neurológico prévio)8. Além disso, pacientes com AIT prévio têm um risco
estimado de 17% de apresentar novo evento em até 90 dias. Esse risco é ainda maior na
primeira semana após o primeiro evento9.

2. Qual deve ser a abordagem diagnóstica dessa paciente no primeiro contato com
o cardiologista após a internação?

É importante, inicialmente, responder a outra pergunta: se essa paciente tivesse


apresentado apenas um novo AIT (isto é, com reversão dos sintomas conforme no
primeiro episódio), a abordagem diagnóstica seria diferente?

Como discutido anteriormente, o AIT deixou de ser reconhecido como ‘benigno’ a


partir dos estudos que associaram esse evento a novos episódios de AVE. Aqui vale
uma observação adicional: até 1/3 dos pacientes inicialmente classificados como AIT
(e, portanto, sem déficit neurológico permanente) apresentarão alteração nos exames de
imagem compatíveis com infarto cerebral e deverão ser reclassificados como
portadores de AVE prévio.

Por isso, a abordagem diagnóstica atual deverá ser a mesma para ambos, respeitando
apenas as particularidades da etiologia de cada evento, em especial os casos de AVE
hemorrágico.

Assim, o primeiro passo, ainda na emergência, deverá ser uma tomografia


computadorizada de crânio (TCC) para diferenciação de um evento isquêmico ou
hemorrágico. Vale lembrar que o AVE isquêmico pode se apresentar com uma TCC
normal nas primeiras 24 horas e que este exame deverá ser repetido após 48 horas do
início do quadro10.

Uma vez diagnosticado o evento como isquêmico, uma rotina mínima deve incluir um
Doppler de carótidas e vertebrais, ecocardiograma e eletrocardiograma (ECG) para
excluir as causas mais comuns: estenose carotídea e fibrilação atrial (AVE
cardioembólico)11.

No caso apresentado, não há relato de ECG ou ECO realizados e, portanto, estes devem
ser solicitados. Além disso, exames laboratoriais como hemograma completo,
bioquímica – especialmente escórias nitrogenadas (é importante destacar que a
nefropatia hipertensiva é a principal causa de diálise no País1), perfil lipídico e
glicose/hemoglobina glicada também são fundamentais para o diagnóstico de alterações
metabólicas, como dislipidemia e diabetes mellitus, e também devem ser solicitados.

A pesquisa de doença arterial coronariana (DAC) concomitante também deve ser


pesquisada pela alta prevalência da associação com AVE e pela presença de fatores de
risco comuns. O teste ergométrico seria uma excelente opção para exclusão de DAC
assintomática, mas uma vez que a paciente apresenta o ECG de repouso com alterações
de repolarização, deve-se pensar em um método alternativo como a cintigrafia
miocárdica de estresse. Recomenda-se priorizar o estresse físico, mas em casos como o
da paciente que é sedentária e apresentando grande chance de não se adaptar à esteira,
o estresse farmacológico também é uma opção interessante.

Ao calcular a probabilidade de DAC para esta paciente, segundo o algoritmo de


Diamond e Forrester12 (que utiliza sexo, idade, tipo de dor), o valor encontrado é de
14%, com um valor preditivo negativo do teste ergométrico de 91%. Portanto, sempre
que possível, esse método deve ser realizado. Nos cenários em que há contraindicação
física, a cintigrafia miocárdica com estresse farmacológico, o ecocardiograma de
estresse com dobutamina ou a ressonância magnética cardíaca também com estresse
farmacológico podem ser utilizados.

Em casos selecionados (pacientes muito jovens, história familiar de trombofilia por


exemplo), pode-se solicitar estudos específicos para screening de doenças autoimunes,
arterites, trombofilias e outras causas – o que não se aplica ao caso em questão.

3. Afinal, quais são as metas que devemos adotar para este paciente: pressão
arterial, glicemia, perfil lipídico?

As metas estão listadas no Quadro 1 e serão discutidas detalhadamente.

Quadro 1
Metas recomendadas das variáveis de risco cardiovascular para o caso clínico

A redução da PA é indicada não somente na prevenção secundária de AVE mas também


para a prevenção de outros eventos vasculares, a partir das 24 horas do evento-índice.
Essa indicação NÃO é restrita para os pacientes com HAS e deve ser estendida para
todos nos quais seja possível iniciar um esquema anti-hipertensivo, isto é, aqueles em
que a PA não esteja excessivamente baixa e o risco de hipotensão seja grande. Não há
valores definidos para determinar os candidatos a essa terapia, então deve prevalecer o
bom senso.

Apesar de o caso clínico se reportar ao período pós-AVE, vale a pena discutir


brevemente os cuidados da PA durante o evento agudo. Normalmente, não é indicado o
controle da HA nas primeiras 24 horas do AVE pelo risco de diminuir a perfusão
cerebral e agravar a área isquêmica. No entanto, sabe-se que o aumento de cada
10mmHg acima de uma PA sistólica >180mmHg implica um risco 40% maior para
deterioração neurológica.
Este tema segue absolutamente controverso, com diferentes estudos apontando
conclusões antagônicas. Assim, na ausência de evidência científica definitiva, a última
diretriz americana10 sobre o assunto preconiza o tratamento apenas para PA sistólica
>220mmHg ou PA diastólica >120mmHg. Pelo risco associado de hipotensão, indica-se
um vasodilatador venoso como a nitroglicerina ou nitroprussiato de sódio pela
facilidade de titulação dos fármacos e suas curtas meias-vidas.

O alvo da PA não é absoluto e deve ser individualizado. No entanto, o benefício é


observado a partir de uma redução de 10/5mmHg – para as pressões sistólica e
diastólica, respectivamente. A última diretriz brasileira de HAS1 define como meta,
níveis de PA abaixo de 130x80mmHg – para pacientes de alto risco. Não há, no entanto,
nesse documento uma referência específica para o cenário atual (pós-AVE). Sabe-se
que quanto maior a redução da PA maior a redução do risco, então, individualmente,
níveis mais baixos de PA podem ser considerados. No caso em questão, pode-se
considerar 120x80mmHg como um alvo interessante.

Níveis de glicemia devem ser tratados da mesma maneira que para outros pacientes
diabéticos não havendo recomendação especial para esse subgrupo. Os novos ensaios
clínicos ACCORD13 e ADVANCE14 compararam estratégias de controle glicêmico
mais intenso (hemoglobina glicada <6% e 6,5%, respectivamente) com o tratamento-
padrão (alvo <7%) e não observaram maior benefício com a estratégia mais intensa.
Por isso, atualmente, a recomendação permanece com alvo de hemoglobina glicada
<7,0%15.

Por último, os níveis de colesterol devem seguir a diretriz de dislipidemia16. Nesse


caso, todos os pacientes com AVE/AIT prévio devem ser classificados como
portadores de aterosclerose significativa com meta de LDL-c <70mg/dL.

4. Existe alguma diferença nos fármacos anti-hipertensivos utilizados em termos de


prevenção de AVE?

O controle da HAS foi associado com uma redução de 24% de AVE recorrente7. O
impacto da queda da PA foi relacionado à proteção cerebrovascular independente de
diagnóstico prévio de HAS e diretamente relacionado à magnitude da queda – isto é,
quanto maior a diminuição da PA, maior o benefício.

Meta-análise realizada por Rashid et al.7 demonstrou que o benefício dos


betabloqueadores é questionável, motivo pelo qual não deve ser utilizado
isoladamente.

O esquema anti-hipertensivo ideal ainda não foi estabelecido porque estudos


comparativos entre as classes de fármacos ainda são limitados. No entanto, a
combinação de inibidores da ECA + diuréticos já se mostrou eficaz7. Na meta-análise
de Law et al.17 observou-se uma pequena tendência de melhores resultados com
antagonistas de canais de cálcio. O mesmo trabalho comprovou que mais importante
que o esquema utilizado, é a redução dos níveis da PA obtido. O mais indicado é a
associação de classes diferentes para maximizar o efeito anti-hipertensivo.

Isso não inviabiliza a adequação do esquema às comorbidades do paciente. Assim,


pacientes com doença arterial coronariana concomitante não devem ser privados do
benefício dos betabloqueadores porque estes não se mostraram úteis na prevenção de
AVE.

Da mesma maneira, as contraindicações pelas comorbidades também devem ser


respeitadas – como inibidores da ECA e bloqueadores de receptores de angiotensina -
em pacientes com estenose de artéria renal bilateral.

5. Que medidas terapêuticas adicionais devem ser adotadas para este paciente?

Este paciente deverá ter o controle metabólico conforme os níveis-alvo discutidos na


questão anterior. Para isso, drogas como estatinas provavelmente serão necessárias
para o controle lipídico e, possivelmente, a associação de ezetimibe para potencializar
a terapia antilipídica ou de fibratos em casos de hipertrigliceridemia.

Da mesma maneira, o controle da glicemia também será feito com as recomendações


das diretrizes atuais. A paciente em questão deverá se beneficiar do uso do enalapril
que já fazia previamente e a associação com diurético tiazídico irá maximizar os efeitos
anti-hipertensivos e aumentar os benefícios. Se necessário, um bloqueador de canal de
cálcio poderá ser incluído para atingir os níveis ideais (nesse caso, apesar da
controvérsia do tema, pode-se admitir 120x80mmHg).

A partir da identificação da etiologia desse evento como aterotrombótico com provável


relação com a lesão carotídea, um antiplaquetário deve ser iniciado. O ácido
acetilsalicílico continua o preferido e o clopidogrel uma alternativa àqueles que têm
alergia ou intolerância.
As medidas não farmacológicas também devem ser muito valorizadas e incluem
suspensão do tabagismo (com auxílio de programas/clínicas antitabagismo idealmente),
início de atividade física (após exclusão de DAC concomitante), dieta saudável (rica
em fibras, pobre em sal, gorduras e açúcares) e redução do etilismo. Vale lembrar que
neste caso em que houve permanência do déficit motor e disartria, é fundamental a
participação da equipe multidisciplinar com fisioterapeuta e fonoaudiólogo.

Por último, a lesão carotídea demonstrada no Doppler de carótidas merece discussão


especial. Os estudos18,19 que avaliaram o impacto das intervenções cirúrgicas ou
percutâneas selecionaram pacientes sintomáticos que são definidos como AIT, AVE sem
sequela grave ou amaurose ipsilateral transitória associado a lesões maiores que 70%
em artérias carotídeas.

Em mulheres, o benefício da endarterectomia carotídea é menor do que em homens mas


ainda significativo, então as comorbidades e o risco associado ao procedimento devem
ser considerados. No presente caso, na ausência de comorbidades graves tais como
doença coronariana ou insuficiência renal e, principalmente, pela idade da paciente
(<75 anos), deve-se indicar o procedimento11.

Esse perifl de risco favorável da paciente também explica a opção pela


endarterectomia e não angioplastia. Apesar dos recentes avanços, a angioplastia
carotídea ainda se mostrou apenas equivalente à endarterectomia nos grandes ensaios
clínicos20-22. Ainda há dúvidas em relação à sua eficácia a longo prazo, motivo pelo
qual indica-se nesta paciente de baixo risco cirúrgico, o procedimento “aberto”.

Aspectos técnicos como tamanho do vaso, localização da lesão, entre outros


relacionados tanto para cirurgia aberta quanto angioplastia também têm peso importante
nessa decisão. Esse tema gera polêmica e atualmente ainda são necessários maiores
estudos para identificar afinal quem são os melhores candidatos para angioplastia e
endarterectomia aberta23..

Por último, a endarterectomia deve ser programada para duas a seis semanas após o
evento agudo, preferencialmente mais precoce24, o que mostrou maiores benefícios.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.


Referências
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PÓS-INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO

Roberta Siuffo Schneider


Ana Amaral Ferreira

CASO CLÍNICO

Paciente masculino, 65 anos, tabagista, hipertenso e dislipidêmico, foi admitido há 30


dias com quadro de IAM com supra de ST de parede anterior. Foi submetido à
angioplastia primária, com quatro horas de delta T do início da dor, de artéria
descendente anterior em seu terço proximal com stent convencional. Não apresentava
outras lesões coronarianas significativas. Manteve-se em todo o período da internação
em Killip 1 e sem arritmias ou recorrência da dor. Ecocardiograma mostrava acinesia
de parede anterosseptal e anteroapical, com disfunção moderada de VE. Teve alta após
cinco dias do evento, e hoje procurou consulta após trinta dias para revisão clínica e
decisões terapêuticas.
Teve alta em uso de: AAS 100mg 1xdia; clopidogrel 75mg 1xdia; carvedilol 6,25mg
2xdia; enalapril 10mg 2xdia; atorvastatina 80mg 1xdia
PERGUNTAS
1. Qual a importância epidemiológica do infarto agudo do miocárdio?

Apesar dos avanços impressionantes no diagnóstico e no tratamento ao longo das quatro


últimas décadas, o infarto agudo do miocárdio (IAM) continua a ser um problema de
saúde pública importante no mundo industrializado e está se tornando um problema
cada vez mais importante nos países em desenvolvimento1. Nos Estados Unidos, quase
um milhão de pacientes por ano sofrem IAM2. Mais de um milhão de pacientes com
suspeita de IAM são admitidos, anualmente, em unidades coronarianas nos Estados
Unidos2. Uma preocupação particular, a partir da perspectiva global, são as projeções
de que o ônus da doença nos países em desenvolvimento irá se tornar similar ao que
hoje aflige os países desenvolvidos1.

As doenças cardiovasculares prevalecem como a principal causa de mortalidade e


representam a principal causa de mortalidade e incapacidade no Brasil e no mundo3,4.
Seu crescimento acelerado em países em desenvolvimento representa uma das questões
de saúde pública mais relevantes do momento. Atualmente, esses países são
responsáveis por cerca de 76% de excesso em óbitos por doenças cardiovasculares.
Também de acordo com as projeções para 2020, a doença cardiovascular permanecerá
como a principal causa de mortalidade e incapacitação e, como resultado, um custo
associado absolutamente alarmante. Em 2004, os custos diretos e indiretos para
doenças cardiovasculares, no território americano, foram estimados em cerca de 368,4
milhões de dólares5. Valores dessa ordem, em breve associação com a realidade
brasileira, equivalem a cerca do produto interno bruto (PIB) brasileiro anual, o que sem
dúvida acrescenta um caráter preocupante para países em desenvolvimento, em que a
incidência e a prevalência do infarto agudo do miocárdio são crescentes.

Entretanto, a mortalidade do infarto agudo do miocárdio com supra do segmento ST


(IAMSST) declinou de maneira constante em vários grupos da população desde 19606.
Esse declínio na mortalidade parece resultar de redução da incidência do IAMSST
(substituído, em parte, por aumento na taxa de angina instável/ IAM sem supra de ST7)
e queda na taxa de fatalidade dos casos cujo IAMSST tenha ocorrido8.

Várias fases no manejo dos pacientes contribuíram para o declínio da mortalidade do


IAMSST9. A “fase da observação clínica” do cuidado coronariano consumiu a primeira
metade do século XX e focalizou um registro detalhado dos achados físicos e
laboratoriais, com pouco tratamento ativo para o infarto10. A “fase da unidade
coronariana” começou em meados dos anos 1960 e foi notória pela análise detalhada e
pelo tratamento agressivo das arritmias cardíacas. A “fase da alta tecnologia” foi
liderada pela introdução do uso do cateter de artéria pulmonar, estabelecendo a
monitorização hemodinâmica à beira do leito e manejo hemodinâmico mais preciso10. A
moderna “era da reperfusão” dos cuidados coronarianos foi iniciada pela fibrinólise
intracoronariana e depois intravenosa, aumento do uso da aspirina e desenvolvimento
da intervenção coronariana percutânea10.

2. Quais são os fatores de risco associados a IAM? Quais deles são modificáveis?

O conhecimento dos fatores de risco para DCV ou DAC provém de estudos realizados
em países desenvolvidos da América do Norte e Europa Ocidental. Não é, portanto,
totalmente seguro, nem perfeitamente aceitável, fazer extrapolações para a população
brasileira dos resultados obtidos primariamente nesses países. Não só a prevalência
dos fatores de risco pode diferir significativamente, como também o impacto de cada
fator em uma determinada população pode ser drasticamente diferente. O Brasil, a
despeito da condição de país em desenvolvimento, demonstra progressiva redução das
doenças infecciosas e degenerativas com acentuação das doenças cardiovasculares,
associadas ao aumento da expectativa de vida aliado à ingestão de dietas ricas em
gorduras saturadas, tabagismo e estilo de vida sedentário. A identificação dos fatores
de risco peculiares a cada população e seu adequado controle, indubitavelmente, reduz
a morbimortalidade das doenças cardiovasculares. Os fatores de risco no Brasil até
bem pouco tempo permaneciam pouco e inapropriadamente avaliados. Portanto,
percebeu-se a necessidade de um conhecimento melhor de quais seriam esses fatores de
risco para DCV na população brasileira.

Um dos mais importantes estudos abordando a associação entre fatores de risco para o
IAM intitula-se "Avaliação dos Fatores de Risco para Infarto Agudo do Miocárdio no
Brasil” (AFIRMAR)11. Esse foi um estudo caso-controle, hospital baseado, desenhado
para avaliar a associação de fatores de risco tradicionais e primeiro infarto na
população brasileira; o estudo foi realizado entre outubro 1997 e novembro 2000,
envolvendo 104 hospitais em 51 cidades e incluiu pacientes nas primeiras 24 horas
com IAM com elevação do segmento ST; os controles foram selecionados a partir de
pacientes atendidos no mesmo período para rotinas de visita, check-ups ou
hospitalizações eletivas, sem doença cardiovascular previamente conhecida.

Preencheram critérios de inclusão 2.558 pacientes, constituindo 1.279 pares: a análise


multivariada de 33 variáveis demonstrou os seguintes fatores como de risco
independente para IAM: tabagismo12 5 cigarros/dia (OR 4,90, p<0,00001) e <5
cigarros/dia (OR 2,07, p<0,0171); glicemia12 =126mg/dl (OR 2,82, p<0,0001); índice
cintura-quadril12 =0,94 (OR 2,45, p<0,00001), história familiar de DAC (OR 2,29,
p<0,00001); colesterol fração LDL =100-120mg/dl (OR 2,10, p<0,00001) ou
>120mg/dl (OR 1,75, p<0,00001); hipertensão arterial (OR 2,09, P<0,00001) ou
diabetes mellitus (OR 1,70, p<0,0069); ingesta de bebidas alcoólicas (até duas vezes
por semana) (OR 0,75, p<0,0309) e entre três e sete dias (OR 0,60, p<0,0085); renda
familiar entre R$600 e R$1200,00 e grau de instrução (OR 2,92, p<0,0499) e
>R$1200,00 e grau de instrução (OR 0,68, p<0,0239). Nas Figuras 1 a 6 são
apresentados em detalhes os achados mais importantes do Estudo AFIRMAR11.

Figura 1
Risco de infarto agudo do miocárdio associado com tabagismo.

Figura 2
Risco de infarto agudo do miocárdio associado com obesidade abdominal (relação cintura-quadril)11
Figura 3
Risco de infarto agudo do miocárdio associado com antecedente de hipertensão arterial sistêmica11.

Figura 4
Risco de infarto agudo do miocárdio associado com nível sérico de LDL-colesterol11

Figura 5
Risco de infarto agudo do miocárdio associado com antecedente de diabetes mellitus11
Figura 6
Risco de infarto agudo do miocárdio associado com história familiar de insuficiência coronariana11

Esses dados denotam que os riscos independentes para IAM no Brasil apresentam
distribuição convencional (tabagismo, diabetes e obesidade sobre outros) com
diferentes forças de associação; a maioria pode ser prevenida pela implementação de
adequadas políticas de prevenção.

Porém também existiu a preocupação em se conhecer os fatores de risco para IAM de


uma forma mais ampla, englobando também a América do Sul e não só o Brasil. Dessa
forma, o Comitê de Epidemiologia da União das Sociedades de Cardiologia da
América do Sul (USCAS) planejou, coordenou e elaborou um estudo multicêntrico
sobre os “Fatores de Risco para a Insuficiência Coronariana na América do Sul”
(FRICAS)13.

Objetivou-se, nesse estudo, determinar a frequência e importância com que os


principais fatores de risco para DAC apontados na literatura internacional, associam-
se, à ocorrência de IAM13. Como resultado desse estudo, observou-se que seus
achados ratificam o que já havia sido firmado em estudos epidemiológicos anteriores14-
16: HAS, hipercolesterolemia e o hábito de fumar associaram-se fortemente à
ocorrência de IAM; houve associação significativa entre IAM e DM e antecedentes
familiares positivos para doença coronariana; a prevalência de IAM foi
significativamente menor entre aqueles que cultivavam, já há mais de um ano, o hábito
de caminhar; a ocorrência de IAM foi significativamente maior entre aqueles de maior
peso corporal em relação à altura; houve associação significativa de IAM e o consumo
habitual de embutidos; diferentemente do que é relatado na literatura internacional, a
ocorrência de IAM foi maior entre aqueles com melhores condições socioeconômicas
(carro e casa própria)13.

Se comparado somente o estudo AFIRMAR com a população avaliada pelo estudo


INTERHEART17 (outro estudo importante da América Latina), são encontradas como
principais diferenças em relação aos outros continentes, que a obesidade central, a
hipertensão arterial e o estresse apresentam maior impacto na gênese do infarto do
miocárdio na América Latina18.

3. Como deve ser realizada a abordagem clínica e complementar de um paciente


com IAM?

Inúmeras terapias comprovadamente modificam a evolução de pacientes que se


apresentam com IAM. Entretanto, a efetividade da maioria dessas medidas é tempo-
dependente. Cada vez mais tem sido salientada a importância da identificação rápida e
eficiente de pacientes com isquemia miocárdica aguda nos serviços de emergência19.

Embora a apresentação clínica de pacientes com isquemia miocárdica aguda possa ser
muito diversa, cerca de 75-85% dos pacientes apresentam dor torácica como sintoma
predominante. A dor, usualmente prolongada (>20min) e desencadeada por exercício ou
por estresse, pode ocorrer em repouso. Ela geralmente é intensa, podendo ser aliviada
com repouso ou uso de nitrato, e estar acompanhada por alguns sintomas, como
dispneia, náuseas e vômitos19,20. A obtenção da história detalhada das características da
dor auxilia no diagnóstico, sendo de grande importância a avaliação da presença de
fatores de risco para doença ateroesclerótica já documentada.

O exame físico é frequentemente pobre e inespecífico. Menos de 20% dos pacientes


apresentam alterações significativas na avaliação inicial. Entretanto a presença de
estertores pulmonares, hipotensão arterial sistêmica e taquicardia sinusal coloca o
paciente em maior risco de desenvolver eventos cardíacos nas 72 horas seguintes20,21.

O exame eletrocardiográfico deve ser realizado idealmente em menos de 10min da


apresentação à emergência, sendo o centro do processo decisório inicial em pacientes
com suspeita de IAM. O resultado do eletrocardiograma (ECG) é a chave da estratégia
terapêutica. O reconhecimento do supradesnivelamento do segmento ST >1mm em
derivações contínuas no plano frontal, o bloqueio de ramo esquerdo novo ou
supradesnivelamento de segmento ST >2mm em derivações precordiais sugere alta
probabilidade de IAM. Como o ECG pode ser inespecífico nas primeiras horas, é
importante avaliar traçados seriados em curto período de tempo (5-10mim) se o
paciente permanecer sintomático. Outro ponto importante na avaliação do IAM são os
marcadores bioquímicos de lesão miocárdica. Pode-se estabelecer o diagnóstico de
IAM se houver aumento característico e diminuição gradual da troponina ou aumento e
redução mais rápidos para creatinaquinase CK fração MB (CK-MB), com pelo menos
um dos critérios clínicos (história clínica ou alteração eletrocardiográfica sugestivas).

Outra ferramenta importante é o ecocardiograma que constitui um importante subsídio


tanto para a elucidação diagnóstica como para avaliação prognóstica do IAM22,23. O
ecocardiograma transtorácico é excelente método de triagem em pacientes com dor
precordial, pois as alterações de motilidade segmentar ocorrem em segundos após a
oclusão coronariana10. Apesar de as alterações de motilidade segmentar poderem
significar isquemia ou infarto antigo em vez de agudo, elas ajudam a afastar outras
causas de dor precordial, como dissecção de aorta, pericardite e embolia pulmonar
maciça.

A avaliação de arritmias em pacientes com IAM é importante tanto na fase aguda como
na tardia, apresentando impacto na mortalidade. Portanto os pacientes devem ser
monitorizados na fase aguda (monitorização eletrocardiográfica) como também na
tardia com Holter de 24 horas, por exemplo, a fim de detectar arritmias ventriculares
que podem ser fatais.

4. Prevenção Secundária

4.1 Qual a importância da obesidade na prevenção secundária após IAM?

As evidências indicam que a relação da obesidade com o risco cardiovascular depende


do acúmulo de gordura intra-abdominal (obesidade central), a qual mostra alta
correlação com a circunferência abdominal24.

Existe uma relação linear entre o grau do excesso dessa gordura e o aparecimento de
resistência à insulina (medida pelo HOMA-RI), a elevação da pressão arterial, a
diminuição da concentração do HDL-C e a elevação dos triglicerídeos. Além disso, a
obesidade central se associa a um estado pró-inflamatório e pró-trombótico25. Do ponto
de vista epidemiológico, observa-se correlação entre obesidade e outros fatores de
risco associados à doença cardiovascular, como hipertensão, diabetes e dislipidemia25.

A obesidade, além de fator de risco predisponente, é também fator de risco


independente. Essa ação independente se faria por intermédio da produção, pelo tecido
adiposo intra-abdominal, de adipocitocinas, angiotensinogênio e cortisol24.

O diagnóstico de sobrepeso corresponde a um índice de massa corpórea (IMC)


≥25kg/m2 e <30kg/m2, e o de obesidade a IMC ≥30kg/m2. A obesidade é ainda
subclassificada em obesidade grave (IMC ≥30kg/m2 e <35kg/m2), muito grave (IMC
≥35kg/m2 e <40kg/m2) e mórbida (IMC ≥40kg/m2)24.

A medida da cintura abdominal (CA) deve ser realizada também, como medida
complementar. O aumento da CA é um forte preditor de DM e morte cardiovascular10.
Quanto mais elevado o IMC e quanto mais aumentada a CA maior o risco de evento
cardiovascular agudo, principalmente IAM fatal e não fatal10,24.

A dieta recomendada pela diretriz brasileira de IAM24 é a da American Heart


Association, com restrição calórica variável, dependendo do IMC do paciente. É
também importante o estímulo à prática de exercícios físicos regulares e diários.

A indicação de terapia farmacológica na obesidade inclui IMC ≥30kg/m2 ou ≥27kg/m2


se associado a dois ou mais fatores de risco, como diabetes e dislipidemia. O orlistat
inibe a ação da lípase intestinal, reduzindo assim a absorção de gorduras. Deve ser
utilizado juntamente com a dieta para otimizar seu resultado. Medicações de ação
central devem ser evitadas em pacientes pós-IAM por aumentar o risco de arritmias e
elevação de duplo-produto24.

4.2 Qual a influência do tabagismo e a importância na interrupção do mesmo após


IAM?

A interrupção do tabagismo reduz a mortalidade e a morbidade secundárias a causas


cardiovasculares em mais de 35% em todas as populações24.

Pacientes tabagistas apresentam alterações hematológicas, com redução da atividade


fibrinolítica endógena, apresentando assim maior risco de eventos trombóticos. Sendo
assim, pacientes que mantêm o hábito de fumar após IAM apresentam um risco três
vezes maior de apresentar um novo evento do que os pacientes que interrompem o
tabagismo26,27.

Pacientes que recebem aconselhamento de seus médicos têm maiores chances de


abandonar o hábito. Todas as diretrizes recomendam aconselhar a interrupção do
tabagismo durante a internação por IAM10,24.

O tratamento de reposição de nicotina visa a minimizar os sintomas associados à


retirada do cigarro. Existem no mercado várias apresentações, que incluem goma de
mascar, adesivos transdérmicos, spray nasal, inaladores e tabletes. Em alguns casos
selecionados, pode ser associada a bupropiona, que parece elevar as taxas de sucesso
no abandono do tabagismo26. Mais recentemente vem sendo utilizado o tartarato de
vareniclina, que se liga com elevada afinidade e seletividade aos receptores nicotínicos
neuronais α4β2 da acetilcolina, atuando assim como agonista parcial desses receptores,
aliviando os sintomas de abstinência e dependência em torno de 50%. Alguns estudos
sugerem superioridade da droga em relação aos esquemas de associação de nicotina
com bupropiona; estudo que avaliou pacientes com doença cardiovascular não mostrou
maior morbimortalidade nesse grupo de pacientes28.

4.3 A prática de exercícios físicos altera o prognóstico após IAM?

A prática regular de exercícios físicos em pacientes após IAM demonstrou redução


significativa do risco de morte cardiovascular e da mortalidade global. Meta-análise de
10 estudos clínicos randomizados em pacientes pós-IAM em programas de reabilitação
demonstrou redução de 24% na mortalidade global e de 25% na cardiovascular29.

A maioria dos fatores de risco é favoravelmente modificada pelo exercício físico.


Existe redução dos níveis de triglicérides e de glicemia por aumento da sensibilidade à
insulina. Existe diminuição da resistência arterial periférica com a consequente redução
da pressão nos hipertensos. Há diminuição do tônus simpático e melhora da função
endotelial10.

O exercício físico regular gera melhora modesta do perfil lipídico. Meta-análise de 95


estudos concluiu que o exercício levou à redução de 6,3% do colesterol total de 10,1%
do LDL e aumentou o HDL em 5%. Está indicado para todos os pacientes após IAM
como classe I na diretriz de IAM24.

4.4 Qual a importância da dislipidemia no pós-IAM, e como deve ser manejada?

As evidências clínicas indicam a continuada influência dos fatores de risco nos


pacientes com DAC, sendo a hipercolesterolemia um dos mais importantes. O risco de
reinfarto aumenta proporcionalmente à elevação do colesterol sérico10,24.

Nos pacientes com doença aterosclerótica significativa, como nos casos de pacientes
pós-IAM, de acordo com evidências atuais, a obtenção do nível de LDL-C ≤70mg/dL
traz redução adicional da incidência de eventos cardiovasculares. Portanto, recomenda-
se a meta de LDL-C ≤70mg/dL para todos os indivíduos com doença aterosclerótica
significativa, grau de recomendação I, nível de evidência A24.

O estudo CARE30 avaliou 4159 pacientes pós-IAM, com colesterol total médio de
209mg/dl. Os pacientes foram estratificados em dois grupos, recebendo 40mg de
pravastatina ou placebo. O grupo tratado com pravastatina teve redução do risco
relativo para evento coronariano fatal e reinfarto na ordem de 24%. O estudo LIPID31
randomizou mais de nove mil pacientes após síndrome coronariana aguda, e também
demonstrou menor taxa de eventos coronarianos agudos no grupo que utilizou a
pravastatina na dose de 40mg versus placebo.

O estudo PROVE-IT32 mostrou benefício do uso de atorvastatina na dose de 80mg por


dia versus pravastatina na dose de 40mg no contexto de SCA e demonstrou benefício da
manutenção da estatina mesmo em pacientes com colesterol baixo por 24 meses.

Em estudo utilizando genfibrozil, com pacientes com HDL-colesterol ≤40mg/dl, mas


LDL-colesterol ≤140mg/dl e triglicérides ≤300mg/dl, observou-se benefício para os
pacientes com antecedente de IAM, com redução de 24% da mortalidade33. Outro
estudo com fibratos, o BIP35 avaliou pacientes com antecedente de SCA com HDL
baixo (≤45mg/dl), demonstrando redução não significativa dos eventos cardíacos fatais
e não fatais. O maior benefício foi visto nos pacientes com triglicérides elevados34.

4.5 Qual a importância do controle da hipertensão arterial no pós-IAM, qual a


meta de PA e quais medicações devem ser priorizadas?

A hipertensão arterial desempenha importante papel na progressão da doença no


paciente pós-IAM e sua prevalência nesses pacientes parece ser em torno de 50%.

A HA contribui para remodelamento ventricular, insuficiência cardíaca congestiva e


aceleração da aterosclerose, sendo assim, o seu controle rigoroso deve ser um objetivo
importante após IAM24.

A meta de controle estabelecida é <140/90mmHg, reservando-se a meta <130/80mmHg


quando houver diabetes melito, insuficiência renal ou insuficiência cardíaca
associadas. Deve-se tomar cuidado para evitar períodos de hipotensão basal ou
postural24.

As evidências acumuladas entre os pacientes hipertensos incluídos nos estudos de pós-


IAM, demonstram claro benefício com os betabloqueadores, com os inibidores da
enzima conversora da angiotensina e os antagonistas da angiotensina II. Esses
benefícios são mais evidentes em pacientes com disfunção de VE10,24.

Após IAM, os IECA são indicados como classe IIa para todos os pacientes, e como
classe I para os pacientes após IAM com disfunção de VE, hipertensão e diabetes10.
Evidências positivas para intervenção precoce com IECA pós-IAM são observadas em
inúmeros estudos, dentre eles o SAVE35 e o TRACE36, que demonstraram redução na
mortalidade e re-hospitalização de pacientes com disfunção de VE que receberam
tratamento precoce ao IAM. O estudo AIRE37 com ramipril também mostrou benefícios
similares em pacientes com sinais de insuficiência cardíaca.

Os IECA também apresentam benefícios quando usados na intervenção tardia. Uma


meta-análise observou estudos com intervenção tardia (>48 horas após IAM),
encontrou que 2,6 anos após tratamento com IECA, a mortalidade reduziu de 29,1%
para 23,4%38. O estudo também mostrou que a inibição da IECA reduz o risco de
desenvolver insuficiência cardíaca e também o risco de novo episódio de IAM (de
13,2% para 10,8%).

No estudo OPTIMAAL39, o resultado do emprego de losartana no pós-IAM foi


semelhante ao obtido com o captopril, para os desfechos primários. O estudo
VALIANT40, realizado com valsartana, demonstrou resultados semelhantes ao uso de
captopril.

Muitas vezes o controle pressórico não será ideal utilizando-se apenas um fármaco,
devendo-se nesses casos associar medicações como bloqueadores de canal de cálcio e
diuréticos10.

4.6 Qual a importância do controle do diabetes mellitus (DM) no pós-IAM e como


esses pacientes devem ser manejados?

Pacientes com DM têm maior morbidade e mortalidade por doença microvascular e


macrovascular, particularmente a doença arterial coronariana.
O DM é definido como achado de glicemia >126mg% em jejum em duas medidas à
parte, ou >200mg% duas horas após ingestão de 75g de glicose.

Pacientes portadores de DM tipo 2 têm risco de mortalidade cardiovascular duas a três


vezes maior em homens e três a quatro vezes maior em mulheres, quando comparados
com indivíduos não diabéticos24. Além disso, a mortalidade no IAM é maior em
pacientes diabéticos e também o resultado dos procedimentos de revascularização é
melhor em pacientes não diabéticos, com maiores índices de reestenose de stent em
pacientes diabéticos. O paciente diabético costuma apresentar perfil lipídico ruim, com
elevados níveis de triglicérides e baixos níveis de HDL colesterol34. Além do mais,
esses pacientes apresentam doença coronariana mais difusa e menor formação de
colaterais, evoluindo com maior facilidade para cardiopatia isquêmica10.

Em conclusão, sabe-se que a presença de DM aumenta consideravelmente o risco para


doença arterial coronariana, equivalente à ocorrência de infarto do miocárdio prévio, e
que a associação deste com o diabetes aumenta a chance de um novo infarto para 45%
em sete anos24. O controle rigoroso da pressão arterial e do peso corporal, além dos
níveis séricos de lipídeos e glicemia, é capaz de diminuir significativamente os eventos
cardiovasculares10.

Muitos fármacos estão disponíveis para o tratamento do DM, porém algumas classes
devem ter seu uso restrito em pacientes cardiopatas. Pacientes idosos ou com clearance
de creatinina <30ml/min devem preferencialmente utilizar insulina, e a metformina e as
glitazonas devem ser evitadas em idosos e portadores de insuficiência cardíaca10.

Pacientes diabéticos com passado de IAM devem ter meta de LDL-C <70mg/dL e as
estatinas devem ser utilizadas como primeira escolha na redução do LDL-C. Também
existe uma tendência à elevação dos triglicérides com redução do HDL-C. Os pacientes
podem fazer uso de fibratos ou ácido nicotínico caso as medidas não farmacológicas
não sejam efetivas34.

De acordo com as recomendações da diretriz brasileira de hipertensão41, pacientes


diabéticos com PA entre 130-139mmHg e 80-89mmHg podem ser tratados com
modificação de estilo de vida por um tempo máximo de três meses. Pacientes com PA
≥140/90mmHg no momento do diagnóstico ou durante o seguimento devem receber
tratamento medicamentoso em conjunto com modificação do estilo de vida. Os
betabloqueadores devem ser utilizados nos pacientes diabéticos pós-IAM, e o
carvedilol se mostrou efetivo em reduzir proteinúria nesses pacientes41. Todos os
agentes anti-hipertensivos podem ser utilizados, sendo que na maioria das vezes dois ou
mais deles precisam ser associados para que os objetivos do tratamento sejam
atingidos. Devem ser priorizados nesses pacientes os IECA ou BRA por terem
indicação no pós-IAM, especialmente em casos de disfunção de VE, e também por
reduzirem a proteinúria dos pacientes diabéticos e a progressão da doença renal
crônica (DRC)24. Existem vantagens no uso de bloqueadores do SRAA e na sua
associação com um antagonista dos canais de cálcio em diabéticos, e a associação de
IECA com BRA se mostrou eficiente para promover maior redução da proteinúria41.

5. Abordagem terapêutica no pós-IAM

5.1 Quais os objetivos da abordagem terapêutica pós-IAM?

A abordagem terapêutica após IAM visa a conferir alívio sintomático, proporcionando


adequada qualidade de vida, impedir evolução desfavorável da doença e prolongar a
sobrevida do paciente. Para tal dispõem-se de vários recursos relacionados a mudanças
de estilo de vida, no que se refere à qualidade da dieta e de hábitos, assim como o
tratamento medicamentoso e, ocasionalmente, procedimentos de revascularização
(angioplastia ou cirurgia) ou de correção cirúrgica de defeitos mecânicos.

5.2 Qual a importância dos IECA nos pacientes após IAM?

Os IECA atuam fundamentalmente sobre o sistema renina-angiotensina-aldosterona,


impedindo a transformação de angiotensina I em angiotensina II; paralelamente inibem a
cininase, impedindo a degradação da bradicinina. São, por consequência,
vasodilatadores arteriais e venosos. Por outro lado, provocam regressão da hipertrofia
ventricular esquerda e são inibidores da mitogênese das células musculares lisas e
miocárdicas2. Tais ações justificam o papel benéfico dessas drogas no processo de
remodelamento ventricular, reduzindo a expansão do infarto, a dilatação e a hipertrofia
ventriculares10.

Os IECA são recomendados para pacientes com angina estável com infarto do
miocárdio, disfunção ventricular (fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE)
<40%), hipertensão, diabetes ou doença renal crônica (grau de recomendação I, nível
de evidência A)42. Após IAM, são indicados como classe IIa para todos os pacientes, e
como classe I para os pacientes após IAM com disfunção de VE, hipertensão e
diabetes10,24.
Captopril e enalapril reduziram IAM recorrente e necessidade de revascularização nos
estudos SAVE35 e SOLVD24. Assim como os estudos HOPE43 e EUROPA44
confirmaram os achados com ramipril e perindopril.

O estudo SAVE35, em pacientes com IAM e fração de ejeção <40%, randomizados para
captopril ou placebo, mostrou redução da mortalidade por todas as causas de 19%
(p=0,019). No estudo AIRE37, pacientes com evidência de ICC clínica após IAM,
alocados para ramipril ou placebo, apresentaram redução de 27% na mortalidade após
15 meses de seguimento. No TRACE36, que avaliou o trandolapril em pacientes com
função ventricular deprimida, houve redução da mortalidade de 22% no grupo
trandolapril comparado com placebo (p<0,0007).

5.2 Os BRA podem substituir os IECA neste grupo de pacientes?

Dois grandes estudos avaliaram os bloqueadores AT1 no IAM: em um deles a losartana


foi inferior ao captopril; no outro, o Valiant41, foi demonstrada a não inferioridade da
valsartana em pacientes após o IAM com insuficiência cardíaca e/ ou disfunção
ventricular. Sendo assim, os inibidores da ECA permanecem como primeira opção no
infarto agudo do miocárdio, ficando a valsartana como alternativa para os pacientes
intolerantes a esses agentes, nos casos de disfunção ventricular com ou sem sintomas, e
nos pacientes portadores de hipertensão arterial10.

5.3 É recomendado o tratamento com estatinas após IAM? Este tratamento


reduz a mortalidade ?

O tratamento continuado com estatinas após IAM demonstrou benefício clínico. No


estudo LIPID31, em um subgrupo de 3200 pacientes, a terapia com pravastatina reduziu
em 26% a mortalidade total em 30 dias.

No estudo PROVE-IT TIMI 2232, a utilização de atorvastatina na dose de 80mg


comparada à pravastatina na dose de 40mg reduziu em 25% os desfechos combinados
de morte, reinfarto ou revascularização urgente.

Todo tratamento com estatinas deve ser precedido por dosagem sérica de transaminases
e creatinoquinase. Caso durante o uso haja aumento maior que três vezes o limite
superior das transaminases, dor muscular, ou maior que 10 vezes o limite superior da
creatinoquinase, deve-se suspender o seu uso34.
5.4 Quando devem ser utilizados os bloqueadores de canal de cálcio ?

Os estudos que avaliaram a nifedipina versus controle no IAM, não houve redução da
mortalidade10.

O MDPIT45 foi um grande estudo avaliando os efeitos do diltiazem na mortalidade e no


reinfarto. A mortalidade em ambos os grupos foi similar e a taxa de reinfarto não foi
diferente. No estudo DAVIT-II46 as taxas de mortalidade e de reinfarto não foram
estatisticamente diferentes entre verapamil e placebo, havendo aumento dos efeitos
adversos como parada sinoatrial, bloqueio atrioventricular e ICC associadas a ambos,
diltiazem e verapamil10,45. Nenhum estudo conseguiu detectar diferença estatisticamente
significativa em termos de mortalidade ou taxas de reinfarto.

Os bloqueadores de canal de cálcio não di-hidropiridínicos devem ser utilizados nos


pacientes após IAM quando houver contraindicações ao uso dos betabloqueadores24.

5.5 Todos os pacientes após IAM devem fazer uso contínuo de aspirina?

O AAS causa bloqueio irreversível da ciclooxigenase-1, com consequente bloqueio da


síntese de tromboxano A2 pelas plaquetas. Pela redução do tromboxano A2, que age
estimulando a agregação plaquetária, existe redução significativa da agregação no local
do trombo10. Essa inibição é permanente, portanto a inibição da agregação dura a meia-
vida da plaqueta, que é em torno de sete a dez dias. Inúmeros estudos já demonstraram
benefício do uso da aspirina no contexto das síndromes coronarianas agudas, com
redução de mais de 50% de mortalidade a partir do primeiro dia de tratamento10,47. Os
estudos que avaliaram a aspirina utilizaram doses variáveis, de 75mg a 1300mg por
dia, porém as evidências atuais demonstram que devem ser utilizadas doses baixas
(75mg-100mg), pois doses mais elevadas não acrescentam benefício e apenas elevam o
risco hemorrágico10,24. Após IAM, deve ser mantida para todos os pacientes, e tem
indicação classe I24. Em pacientes com contraindicações ao uso de aspirina, o
clopidogrel deve ser utilizado continuamente24.

5.6 Quando e por quanto tempo se deve utilizar o clopidogrel após IAM ?

O clopidogrel é um derivado tienopiridínico que previne a ativação plaquetária


mediada pela adenosina difosfato (ADP), além de aumentar o tempo de sangramento e
reduzir a viscosidade sanguínea. É uma droga que não causa as alterações
hematológicas associadas à ticlopidina, primeira droga desta classe e, quando
associada à aspirina, reduz a mortalidade no IAM e também, significativamente, os
índices de trombose de stent10,24.

A dose recomendada no IAM é um ataque de 300mg, seguido de 75mg por dia,


posteriormente. Em casos de pacientes encaminhados à intervenção, o estudo OASIS-
748 mostrou benefício do uso de uma dose de ataque de 600mg, seguida de 150mg/dia
por sete dias e, posteriormente, a dose usual de 75mg/dia. Em pacientes com IAM que
foram submetidos à intervenção com stent convencional, o clopidogrel deve ser
mantido por um mínimo de 2-4 semanas, idealmente por três meses. No caso de
pacientes submetidos a implante de stent farmacológico, deve ser mantido por um
tempo mínimo de um ano10.

5.7 Os betabloqueadores devem ser utilizados para todos os pacientes após IAM?
Por quanto tempo?

Os bloqueadores beta-adrenérgicos inibem os efeitos da estimulação adrenérgica;


consequentemente, reduzem a frequência cardíaca, a contratilidade miocárdica e o
consumo de oxigênio miocárdico10.

Esta classe de drogas aumenta o tempo de diástole e com isso melhora a perfusão
coronariana. No esforço físico reduz a elevação da pressão arterial e melhora a
capacidade de exercício. Aumenta o limiar de angina e reduz sua frequência, além de
diminuir a necessidade do uso de nitratos. Há forte evidência de que betabloqueadores
aumentam a sobrevida desses pacientes em 20-25% por prevenir mortalidade cardíaca,
morte súbita cardíaca e novo episódio de IAM24.

Meta-análise49 demonstrou que os betabloqueadores reduzem a morbidade e a


mortalidade após o infarto, mesmo nos pacientes submetidos à trombólise e que usavam
inibidores da enzima conversora da angiotensina em associação. No estudo
CAPRICORN50 os pacientes com disfunção ventricular em classe funcional I no pós-
infarto do miocárdio, tratados com carvedilol, tiveram redução significativa de
reinfarto e morte súbita10.

O tempo de manutenção dos betabloqueadores após IAM ainda não foi definitivamente
estabelecido. De uma forma geral, recomenda-se seu uso por pelo menos um ano, na
ausência de outras indicações específicas (disfunção de VE com ou sem insuficiência
cardíaca e após recuperação de um choque cardiogênico), quando deverá ser utilizado
indefinidamente24.
5.8 Qual a importância dos nitratos após IAM?

Os nitratos são vasodilatadores coronarianos de ação direta e atuam preferencialmente


nos vasos coronarianos epicárdicos e na circulação colateral. Não reduzem
mortalidade após IAM, e devem ser apenas mantidos nos pacientes que tenham
sintomas residuais de isquemia coronariana10.

Na sua formulação de liberação prolongada, os nitratos estão indicados para o


tratamento crônico de pacientes que mantenham sintomas anginosos apesar de doses
otimizadas de betabloqueadores e/ou bloqueadores dos canais de cálcio (grau de
recomendação I, nível de evidência B)24.

6. Resposta ao Caso Clínico

O paciente aqui citado é um caso de pós-IAM anterior, com disfunção ventricular


moderada. Ele deve ser orientado para a interrupção definitiva do tabagismo, tendo
acesso às medicações que podem auxiliar no abandono do tabagismo. Deve ser
orientado à prática de exercícios físicos regulares, se possível com supervisão para
reabilitação cardíaca e também deve haver controle da dieta. Como é um paciente com
doença aterosclerótica manifesta, deve ter como meta de LDL-C valores <70mg/dl, e
para isso deve ser utilizada uma estatina. Se não houver controle adequado pode haver
associação da ezetimiba.

Como o paciente tem disfunção de VE, deve utilizar drogas que reduzam a mortalidade
nesse grupo de pacientes, como IECA (ou BRA) e betabloqueadores, na dose mais alta
tolerada. O AAS deve ser mantido indefinidamente e o clopidogrel por um período
mínimo de 2-4 semanas, idealmente por meses por ter sido implantado um stent
convencional.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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Seção 7. Medicina Baseada em
Evidências

O Modelo SIMPLE
Uso da AngioTC de Coronárias Para Avaliação da Doença Arterial
Coronariana
Probabilidade, Performance e Utilidade no Diagnóstico da Insuficiência
Cardíaca
Probabilidade, Performance e Utilidade no Tratamento da Estenose Aórtica
no Idoso
Probabilidade, Performance e Utilidade Relacionada aos Testes Genéticos
em Cardiologia para Predição de Resposta Terapêutica
O MODELO SIMPLE

Suzana Alves da Silva

CASO CLÍNICO
Residente de cardiologia foi designado para ser o responsável por organizar as sessões
clínicas do hospital, onde está em treinamento, de acordo com o modelo de medicina
baseada em evidências. O preceptor solicita que as sessões clínicas sejam organizadas
em perguntas e respostas relacionadas à resolução do caso que estiver sendo
apresentado; solicita ainda que as perguntas sejam estruturadas de forma hierarquizada,
ou seja, responder às questões de maior relevância para o caso em questão.

O preceptor sugere que o residente leia sobre delineamento de problemas e medicina


baseada em evidências. A busca é feita no PubMed utilizando esses termos e são
encontrados dois artigos que ligam medicina narrativa à medicina baseada em
evidências, tendo como foco o delineamento de problemas clínicos. Os autores desses
artigos propõem um modelo chamado SIMPLE para conectar a prática assistencial à
literatura científica. O residente então utiliza esses artigos como ponto de partida para
organizar um modelo de sessão clínica a ser adotado naquela instituição.
OBJETIVOS

1. Conceituar e caracterizar o modelo SIMPLE, do inglês Scientifically


Informed Medical Practice and Learning.
2. Discutir as ferramentas da medicina baseada em evidências.
3. Identificar o modelo GRADE como ferramenta para avaliação da qualidade
global da evidência e formulação de recomendações.

PERGUNTAS

1. O que é SIMPLE?

SIMPLE é um acrônimo do inglês Scientifically Informed Medical Practice and


Learning, desenvolvido para facilitar o ensino da medicina baseada em evidências, que
conecta o campo relacional ao campo da informação científica1,2. O modelo se inicia
com o delineamento do problema através do pensamento crítico e da troca de
informações no campo relacional, prossegue com a construção de questões clínicas de
relevância para tomada de decisão compartilhada, análise crítica da literatura e
interpretação dos resultados até a aplicabilidade da evidência para tomada de decisão.

2. O que significa delinear um problema?

Uma das grandes limitações enfrentadas na aplicação do conhecimento científico à


prática assistencial é que os questionamentos clínicos que surgem no dia a dia são
frequentemente desconectados do problema apresentado pelo paciente. Questões
clínicas são construídas e respondidas para a solução de problemas que os pacientes
frequentemente não apresentam. Esta afirmativa pode ser exemplificada no atendimento
a pacientes com dor torácica. Estudos qualitativos realizados nos departamentos de
emergência de algumas regiões da Inglaterra mostraram que pacientes com dor torácica
de baixo risco, admitidos na unidade de dor torácica, frequentemente recebiam alta do
hospital sem estar com o problema que motivou a ida ao hospital esclarecido3,4.

É comum no dia a dia da assistência a solicitação desnecessária de exames pura e


simplesmente porque eles nos dão a falsa percepção de segurança e de que alguma
coisa está sendo feita quando não se sabe exatamente o que fazer ou o que investigar.
Algoritmos de conduta são frequentemente seguidos de maneira acrítica e os pacientes
são submetidos a todo o processo de investigação quando o problema apresentado por
eles é de outra natureza.

O “questionar” à beira do leito é um ato usualmente restrito ao conhecimento tácito que


se adquire através do acúmulo de experiências ao longo da vida. O ato de se responder
a esses questionamentos é feito muitas vezes de forma paternalística, sem o
envolvimento do paciente, que fica à margem do processo de decisão. Cabe ao paciente
apenas aceitar a decisão e seguir as recomendações. Esse modelo passa por profundas
reformulações dentro do conceito da medicina narrativa e da implementação da
medicina baseada em evidências. O novo modelo está alinhado com a teoria
construtivista da problematização de Paulo Freire, na qual o conhecimento não se
transmite, mas se constrói nas relações de transformação que se estabelece entre os
seres humanos e entre estes e o mundo que os cerca, aperfeiçoando-se na
problematização crítica dessas relações5.

3. O que é PACT?

PACT é um acrônimo que significa Problem, Action, Choices, Targets. Este acrônimo
foi criado para facilitar o delineamento do problema clínico em um modelo de decisão
compartilhada, que requer a participação de pelo menos duas pessoas no processo de
decisão1.

Entende-se por problem o conjunto de informações apresentadas durante um


atendimento clínico; por action a ação do decisor em identificar e priorizar objetivos a
serem alcançados com o paciente, com suas respectivas alternativas (choices). Nesse
momento o decisor pode identificar a lacuna de informação científica que precisa ser
preenchida. Entende-se por target o alvo que precisa ser atingido pelas informações
que serão selecionadas no que diz respeito à demonstração dos seus resultados, de
forma a facilitar o processo de decisão compartilhada2.

O processo de decisão, assim, não é hierarquizado, mas sim horizontalizado e


construído pelas partes envolvidas de acordo com as suas necessidades e com o seu
conhecimento de base (Quadro 1). Neste modelo o problema é subdividido em três
categorias de acordo com a sua natureza epistemológica: utilidade, performance e
probabilidade.
Quadro 1
Utilidade, performance e probabilidade

Fonte: Silva & Wyer2

Probabilidade significa "frequência de ocorrência de um evento". No modelo SIMPLE


probabilidade refere-se à frequência de ocorrência de um evento ao longo do tempo ou
frequência de uma condição clínica4.

Questões relacionadas à probabilidade são frequentemente apresentadas em congressos


médicos como análise descritiva de séries de casos de pacientes que foram atendidos
pela instituição e em painéis de indicadores institucionais. Tais questões são
extremamente relevantes para o paciente que normalmente deseja saber qual é a
probabilidade de um evento indesejado diante de determinada situação, e para o gestor
que continuamente precisa de parâmetros para planejar ações de melhoria de qualidade.
Essas questões são consideradas básicas, pois fazem menção à ocorrência de
determinado evento em uma realidade em particular e são úteis para o levantamento de
hipóteses, mas são usualmente insuficientes para determinar se uma intervenção oferece
benefícios ou causa malefícios em relação às alternativas disponíveis.

Performance significa “o quão bem ou mal alguém ou algo desempenha uma


determinada atividade”. No modelo SIMPLE o termo “performance” é utilizado para se
referir a acurácia de um teste, de uma regra de predição clínica ou de um ou mais sinais
e sintomas para predizer um evento futuro ou a resposta clínica a uma determinada
intervenção. Os marcadores genéticos são um exemplo, e frequentemente utilizados
para prever a resposta a uma intervenção terapêutica6 ou o risco de ocorrência de uma
condição de interesse7.

As questões de performance são principalmente relacionadas à acurácia de testes


diagnósticos. Essas questões são utilizadas na prática de forma linear para se responder
informações tais como especificidade e sensibilidade de um teste e seus valores
preditivos positivo ou negativo; é normalmente com base nesses valores que os testes
são adotados rotineiramente na prática ou não.

Uma vez incorporado na rotina, entretanto, esse conhecimento explícito a respeito da


performance do teste usualmente deixa de ser utilizado e cede lugar ao conhecimento
tácito, não fazendo mais parte do processo de tomada de decisão. O que passa a dirigir
as decisões é se o resultado do teste é positivo ou negativo e se este resultado condiz
ou não com o que se observa no paciente com base na experiência profissional, o que
na prática determina a interrupção da investigação ou a solicitação de novos testes. Tal
fato provavelmente está relacionado ao grande número de solicitações inadequadas de
exames complementares, uma vez que as propriedades do teste geralmente não são
levadas em consideração no momento da solicitação8,9.

Utilidade significa "qualidade de útil, de serventia", um termo frequentemente utilizado


por economistas para se referir à “valoração de um bem de consumo por um indivíduo
de acordo com o grau de satisfação alcançado por este quando de posse desse bem”.
Utilidade, no modelo SIMPLE, significa magnitude do benefício oferecido ou do
malefício causado por uma intervenção em relação à(s) sua(s) alternativa(s).

Outro problema relacionado aos testes diagnósticos diz respeito à sua incorporação na
prática com base apenas na sua performance. Boa performance não significa boa
utilidade do teste. Nesse sentido, a performance do teste funciona com uma lógica muito
semelhante à lógica dos desfechos intermediários. Por exemplo, aumentar os níveis de
HDL colesterol (desfecho intermediário) não quer dizer diminuir a taxa de mortalidade
ou a incidência de eventos cardiovasculares (desfecho duro ou desfecho que de fato
importa para o paciente)10. Da mesma forma, utilizar o teste A ou B em função da sua
performance não diz muito em termos de desfechos que de fato interessam ao paciente
quando o teste A ou B são utilizados em larga escala, e principalmente, quando em
substituição a métodos complementares alternativos.

Estudos de utilidade de intervenções diagnósticas e prognósticas estão se tornando cada


vez mais frequentes na literatura, motivados pela necessidade de avaliação do seu
custo-efetividade antes da incorporação de tecnologias complexas ao sistema de saúde,
sabidamente em colapso, mas ainda longe de ser uma realidade no Brasil. É muito
comum se encontrar tais tipos de estudos para avaliação de produtos da indústria
farmacêutica, progressivamente lançados no mercado, mas no campo dos métodos
diagnósticos tais desenhos ainda não são tão frequentemente utilizados.

Os conceitos de probabilidade, performance e utilidade neste modelo estão organizados


de forma hierárquica, sendo que utilidade encontra-se no topo da hierarquia enquanto
que probabilidade encontra-se na base (Figura 1).

Segundo David Eddy11, menos de 20% dos questionamentos que ocorrem na prática
podem ser respondidos por ensaios clínicos randomizados, que são o desenho de
estudo mais apropriado para questões de utilidade, gerando uma grande limitação. Tal
fato tem sido considerado pelas agências de Avaliação de Tecnologia em Saúde e pelos
comitês de elaboração de guidelines em todo o mundo, tendo sido também considerado
pelo grupo da Universidade McMaster na elaboração do modelo GRADE. De acordo
com o GRADE estudos observacionais podem ser utilizados para fundamentar a forte
recomendação de determinadas intervenções, desde que tais estudos apresentem alta
qualidade metodológica e demonstrem baixa razão risco/benefício da intervenção, e
que a alocação de recursos seja exequível e os valores e preferências do paciente
sejam atendidos12-14.
Figura 1
Hierarquia do problema

A representação do problema no formato PACT tem raízes no campo da filosofia, nos


escritos de Francisco Varela15 e no campo da medicina narrativa, nos trabalhos de Rita
Charon16. Para Varela15, mente e corpo são unidades desconectadas. O corpo processa
as informações do mundo ao redor de forma automática e dependente das
representações prévias de mundo processadas pela mente ao longo da vida. Assim, as
reações às informações que chegam tendem a caminhar pelo senso comum, quando não
há uma reflexão sobre tudo aquilo que está sendo informado para os sentidos do corpo.

PACT funciona como uma ponte entre a literatura científica e o campo relacional no
qual a experiência fenomenológica está acontecendo e permite que haja um processo de
reflexão e seja então representada, hierarquizada e utilizada como conhecimento
explícito útil no diálogo.

4. O que são questões clínicas estruturadas?

Segundo Richardson17, uma questão clínica bem estruturada apresenta quatro


componentes: a População de interesse, a Intervenção ou exposição, a Comparação e o
desfecho (Outcomes) que, em conjunto, compõem a estrutura da pergunta no formato
PICO17.

Questão clínicas bem estruturadas, portanto, têm uma anatomia diferente das questões
básicas que se referem ao apanhado geral de determinada condição. Por exemplo, a
questão: “em pacientes com HDL baixo o tratamento com rosuvastatina diminui a
incidência de eventos cardiovasculares ao final de um ano?” - é uma questão bastante
focada, pode ser aplicada a um único paciente ou grupo de pacientes com essas
características, sendo passível de resposta por estudos individuais. Já a questão:
“quais são os tratamentos existentes para os diferentes tipos de dislipidemia?” - é
uma questão aberta e não é passível de resposta por estudos individuais. A resposta a
essa questão depende de ampla revisão na literatura e se aplica a dislipidemias de uma
forma geral, mas não a um único paciente ou a um grupo de pacientes com
características bem definidas.

As questões estruturadas estão subordinadas aos domínios de ação clínica: Terapia,


Diagnóstico, Prognóstico e Dano e são específicas para esses domínios. No modelo
SIMPLE, da mesma forma que o PACT, as questões estruturadas também estão
subordinadas às categorias de utilidade, performance e probabilidade.

Em questões de probabilidade diagnóstica, por exemplo:

P é a população em questão
I é a avaliação do conjunto de sinais e sintomas relevantes para o diagnóstico
C não se aplica
O é ou são as probabilidades dos possíveis diagnósticos diferenciais

Em questões de performance de testes diagnósticos:

P é a população em questão
I é o teste diagnóstico a ser analisado
C é o critério de confirmação do diagnóstico ou o padrão-ouro
O é ou são os desfechos de acurácia do teste diagnóstico em questão

Em questões de utilidade de intervenções terapêuticas, diagnósticas ou prognósticas:

P é a população em questão
I é a intervenção
C é o método de comparação ou controle
O é ou são os desfechos de maior relevância para o paciente

Huang et al.15 mostraram que a maior parte das questões feitas na prática assistencial
pertencem ao domínio da terapia, seguida por questões de diagnóstico e prognóstico. A
construção dessas questões tem alta reprodutibilidade para questões de utilidade.
Entretanto, há controvérsias em relação à estrutura de questões de performance e
probabilidade. No Users’ Guides16, por exemplo, a estrutura de uma questão de
diagnóstico é composta apenas pelo PIO, sendo que o critério de definição diagnóstica
é entendido como sendo o desfecho.

Neste livro será utilizado o modelo SIMPLE para delineamento das perguntas2. Outro
desafio na construção de perguntas estruturadas refere-se ao campo da efetividade
comparativa, onde múltiplas intervenções são muitas vezes comparadas para análise da
efetividade de uma intervenção em relação às demais existentes no mercado. Nesse
caso, o PICO passa a conter múltiplos “I”s18.

5. Como se busca a melhor evidência científica disponível?


No modelo inicial proposto por David Sackett19, na década de 1980, questões de
terapia deveriam ser respondidas por ensaios clínicos randomizados, questões de
prognóstico por estudos coorte, questões de diagnóstico por estudos seccionais
(também conhecidos como transversais) e questões de dano por estudos caso-controle.
Essa equalização simplificada da epidemiologia clínica com a prática assistencial
representou um papel crucial numa era em que os estudos clínicos começavam a
conquistar espaço importante nas agências regulatórias e onde as decisões clínicas
repousavam na autoridade e no poder da oratória dos prescritores da época.

Com o advento da internet e a explosão da pesquisa clínica, esse modelo linear


começou a enfrentar limitações para lidar com a nova realidade do campo científico.
Estudos randomizados passaram a não se restringir mais a questões de terapia tendo seu
uso expandido para questões de diagnóstico e de prognóstico20,21. Da mesma forma,
estudos observacionais passaram a ser utilizados para responder questões em todos os
domínios de ação clínica, terapia, diagnóstico, prognóstico e dano.

No modelo SIMPLE propõe-se uma nova forma de classificação dos questionamentos


clínicos, não mais como terapia, prognóstico, diagnóstico e dano, mas sim como
questões nas categorias de utilidade, performance e probabilidade.

Nesta nova lógica, estudos com diferentes metodologias podem ser utilizados para
responder questões de utilidade, performance e probabilidade, permeando todos os
domínios de ação clínica: terapia, diagnóstico, prognóstico e dano. Ensaios clínicos
randomizados, por exemplo, embora tenham a melhor metodologia para avaliar a
utilidade de intervenções em qualquer um desses domínios, podem ceder lugar a
estudos observacionais, principalmente quando se trata de efetividade comparativa. O
termo efetividade comparativa foi mencionado em dezembro de 2007 no plano de
reforma da saúde nos Estados Unidos e desde então tem ganhado importante destaque
na literatura científica22.

Perguntas sobre o desempenho de um teste, ou de uma regra de decisão clínica exigem


um tipo diferente de estudo daquele utilizado para se responder a questões de utilidade.
O objetivo aqui é avaliar a acurácia do teste ou da regra de decisão clínica para
confirmar ou afastar a presença de determinada condição No caso do desempenho de
preditores ou de uma regra de predição clínica, o objetivo é avaliar a capacidade
dessa regra ou desses preditores em prever a ocorrência de determinado evento no
futuro. Estudos transversais são os mais utilizados para avaliar a performance de testes
diagnósticos, embora estudos caso-controle também possam ser utilizados para esse
fim.

Questões de probabilidade se referem à frequência de ocorrência de determinado


evento. No prognóstico, uma pergunta sobre a probabilidade de ocorrência de um
desfecho clínico ao longo do tempo requer estudos do tipo coorte, enquanto que no
diagnóstico uma pergunta sobre a probabilidade de possíveis diagnósticos requer
outros tipos de estudos observacionais.

As informações da literatura são classificadas no modelo SIMPLE em estudos


individuais, sínteses e sumários. Esta classificação se relaciona ao tipo de pergunta que
é respondida por cada uma dessas informações. Assim, estudos individuais são
definidos como aqueles que buscam responder a uma única pergunta estruturada com
base na análise primária de dados individuais. Sínteses são estudos que buscam
responder a uma única questão estruturada com base na análise secundária de dados
publicados. Sumários são estudos que buscam responder a múltiplas questões
estruturadas com base nas informações obtidas de estudos individuais ou de sínteses da
literatura (Quadro 2).

Quadro 2
Tipos de informação

O PubMed clinical queries desenhado por Brian Haynes, segue o modelo inicial
proposto por David Sackett onde Terapia=Ensaio clínico randomizado;
Diagnóstico=Sensibilidade e Especificidade; Prognóstico=Coorte; Dano=Coorte ou
Risco23

Existem múltiplos portais de busca disponíveis na internet. Os principais portais de


busca no Brasil são o PubMed, a BIREME e o Ovid. O Pubmed alberga além do
Medline, que é a maior bases de dados de referências da literatura científica na área
biomédica do mundo, a base de dados de vocabulário controlado (MeSH do inglês
Medical Subject Headings), que oferece a árvore dos descritores utilizados para
indexação da literatura no Medline.

Na BIREME também se encontra além do Medline, o DeCS, que também é uma base de
dados de descritores, com tradução para o inglês e para o espanhol, utilizada para
indexação da literatura no SciELO e no LILACS. Além destes, a BIREME contempla a
base de dados da Cochrane Brasil, com resumos em português dos estudos produzidos
na América Latina e Caribe (Quadro 3).

Quadro 3
Exemplos de portais de informação

Quando se busca por determinada referência em uma base de dados, os termos


digitados para busca são automaticamente comparados aos descritores existentes na
base de vocabulário controlado. No caso da BIREME, por exemplo, a busca é feita
através do DeCS, enquanto que no PubMed e no Ovid, a busca é feita através do
MeSH.

Quando a busca é feita por descritores através do DeCS ou do MeSH, as referências


são levantadas por assunto, uma vez que o descritor representa o assunto de que trata
aquela publicação. Quando se utiliza a busca por “palavra-texto” automaticamente são
levantadas todas as referências que contêm aquela “palavra-texto”, exatamente na forma
como foi digitada, no manuscrito.

Ao se digitar uma palavra na página principal do PubMed, automaticamente aquela


palavra é comparada aos termos existentes no MeSH. Se ela existir no MeSH a busca é
automaticamente feita por assunto. Ao mesmo tempo, a busca também é feita por
“palavra-texto”. Neste caso, qualquer referência que contenha aquela palavra no corpo
do seu texto é selecionada. Uma forma de se restringir o número de referências que são
levantadas dessa forma é através da utilização da busca avançada no PubMed ou no
Ovid, onde é possível limitar a busca das “palavras-texto” digitadas apenas no título ou
no abstract do artigo.

Portanto, a busca da informação passa pelo conhecimento do tipo de informação que se


quer pesquisar, do desenho que melhor responde à pergunta e da adequada construção
de uma estratégia de busca para aquela base em particular.

6. Como analisar criticamente a literatura?

A análise crítica da literatura compreende a análise crítica da metodologia do estudo e


a análise crítica dos seus resultados.

Para a análise crítica da literatura será adotado o modelo SIMPLE, utilizando o


princípio do início, meio e fim para análise crítica da metodologia (Quadro 4) e as
categorias com que os resultados são apresentados na literatura para análise crítica dos
resultados (Quadro 5).

Quadro 4
Análise crítica da literatura de acordo com o modelo SIMPLE
Fonte: Silva & Wyer2

Quadro 5
Categorias de medidas utilizadas para descrição dos resultados de estudos clínicos

Fonte: Silva & Wyer2

7. Como avaliar a qualidade da evidência de uma forma global?

Para análise da qualidade da evidência de uma forma global será utilizado o modelo
proposto pelo GRADE Working Group (Quadro 6)14.

A avaliação da qualidade da evidência, neste modelo, passa por uma análise da


qualidade metodológica do conjunto de evidências encontradas para responder à
questão estruturada, pela consistência dos resultados entre os diferentes estudos e pela
relação direta entre a intervenção e o desfecho. A quantificação da magnitude e
precisão dos resultados, o gradiente dose-resposta, bem como a presença de
confundidores, que poderiam amenizar o benefício da intervenção, podem aumentar a
qualidade da evidência.

Quadro 6
Avaliação da qualidade global da evidência

Fonte: adaptado do modelo GRADE14

8. Como aplicar os resultados da evidência encontrada?

A aplicabilidade da evidência é uma das etapas mais importantes no processo de


tomada de decisão e refere-se à tradução do conhecimento. Vários aspectos
considerados no campo da tradução do conhecimento, tais como a problematização, a
identificação de necessidades, o mapeamento de barreiras, a elaboração de estratégias,
a implementação e o monitoramento de resultados se referem à ciência da
implementação e estão além do escopo deste livro.

Neste tópico serão abordados os itens que norteiam a recomendação de uma prática
com base no modelo do GRADE12.

Diversas iniciativas oriundas de sociedades médicas, instâncias governamentais e não


governamentais deram origem a elaboração de guidelines de forma a estimular e
facilitar o uso da evidência na tomada de decisão. Entretanto, o que se observa em tais
guidelines, muitas vezes, são métodos heterogêneos e não sistematizados de revisão da
literatura e elaboração de recomendações, frequentemente com enorme influência de
fontes financiadoras.

O grupo de trabalho do GRADE, desde 2004, propõe um método de avaliação da


qualidade global da evidência e de elaboração de recomendações, que embora ainda
sujeito à subjetividade individual, é transparente no sentido de descrever exatamente
quais são as considerações contra e a favor daquela recomendação e como e por quem
tais considerações foram feitas. A qualidade da evidência tem um grande valor na
recomendação e vai muito além do puro e simples desenho do estudo. A razão risco e
benefício, os valores e preferências do paciente bem como a alocação de recursos são
parte integrante dessas considerações e juntos vão determinar a força da recomendação
a favor ou contra aquela intervenção (Quadro 7).

Quadro 7
Considerações clínicas que norteiam a força da recomendação no modelo GRADE.
Fonte: adaptado do modelo GRADE12

A terminologia utilizada nas recomendações também varia enormemente. Neste livro


são propostos os seguintes termos:

É recomendado... para se referir a recomendações fortemente a favor de uma


intervenção.
É uma opção... para se referir a recomendações fracas a favor de uma
intervenção.
Usualmente não é recomendado... para se referir a recomendações fracas
contra o uso de uma intervenção.
Não é recomendado... para se referir a recomendações fortemente contra ao
uso de uma intervenção.

O estabelecimento da força da recomendação é um processo complexo e não deve ser


feito por um ou dois indivíduos, mas por um colegiado composto por especialistas,
metodologistas e clínicos, de posse da análise sistematizada da qualidade das
evidências selecionadas. Nos capítulos subsequentes deste livro isto não foi feito,
portanto, serão avaliadas as evidências selecionadas dentro do contexto organizado
pelos autores, sem entrar no mérito da força da recomendação, uma vez que esta
depende de metodologia específica que está além do escopo deste livro.

9. Como resolver este cenário?

O residente propõe que a sessão clínica se inicie pela apresentação do caso, continue
pelo delineamento dos problemas que são mais relevantes do ponto de vista clínico e
que atendam aos interesses do paciente, pela apresentação de perguntas específicas a
serem respondidas com base na melhor evidência científica disponível, pela
apresentação da sua qualidade global e pela tomada de decisão com base na
interpretação dos seus resultados e dos resultados das alternativas disponíveis.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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USO DA ANGIO-TC DE CORONÁRIAS PARA
INVESTIGAÇÃO DE DOENÇA ARTERIAL
CORONARIANA: PROBABILIDADE,
PERFORMANCE E UTILIDADE EM TESTES
DIAGNÓSTICOS

Suzana Alves da Silva


Maria Elisa Cabanelas Pazos

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 45 anos de idade, procura consultório médico com queixa de
precordialgia atípica há cerca de um mês. O mesmo nega história prévia de
dislipidemia, hipertensão, diabetes ou tabagismo. Não apresenta outras comorbidades.
Seus pais e dois irmãos são vivos e saudáveis. Refere ser sedentário, mas que tem
tentado fazer caminhada regularmente nos últimos meses.

Exame físico: normal. PA =120x80mmHg; FC =80bpm; SaO2 =98%; Altura =1,85 m;


Peso =85kg.
ECG: ritmo sinusal, sem alterações na onda Q ou no segmento ST.
O médico pensa em solicitar uma angio-TC de coronárias para avaliar doença
coronariana e informa ao paciente que será necessário autorização do seu plano de
saúde e que ele precisará levar a guia de solicitação do exame ao convênio. O paciente
é físico e trabalha com reatores nucleares. O paciente questiona quanto aos riscos desse
exame relacionados à exposição à radiação e se não haveria uma outra alternativa para
investigação diagnóstica; questiona também se haveria alguma chance de o convênio
não autorizar esse tipo de exame.

OBJETIVOS

1. Conceituar medicina baseada em evidências em relação ao delineamento de


um problema, formulação de perguntas estruturadas, busca da melhor
evidência científica disponível, avaliação da qualidade da evidência e
aplicabilidade.
2. Descrever a probabilidade pré-teste de doença coronariana em pacientes
com dor torácica.
3. Discutir a performance da angio-TC de coronárias em comparação com
outros métodos complementares.
4. Avaliar a razão risco-benefício do uso da angio-TC de coronárias em
pacientes com suspeita de doença coronariana.

PERGUNTAS

1. Como delinear o problema?

Para o delineamento do problema serão utilizados os conceitos de probabilidade,


performance e utilidade utilizados as normas da Agencia Nacional de Saúde (ANS) e o
modelo SIMPLE (Quadro 1)1-3

Quadro 1
Delineamento do problema no modelo PACT
2. Como formular questões estruturadas?

Questões estruturadas são questões relacionadas a um problema específico e


apresentam uma anatomia completa, composta pela população em questão (P),
intervenção (I), comparação (C) e desfechos (O, do inglês Outcomes). As questões
estruturadas para este cenário serão construídas a partir do problema delineado para
cada uma das categorias: probabilidade, performance e utilidade. Essas questões
servirão de base para a estratégia de busca da melhor evidência disponível para as
respostas.

Questão de Probabilidade

P Em pacientes ambulatoriais sintomáticos e com suspeita de doença coronariana


obstrutiva
I com base na avaliação clínica inicial que inclui o tipo de dor torácica, o sexo, a idade
e a presença ou não de diabetes, tabagismo e dislipidemia
O qual é a probabilidade pré-teste de doença coronariana?

Questão de Performance
P Em pacientes ambulatoriais sintomáticos e com suspeita de doença coronariana
obstrutiva
I1 a TC de coronárias,
I2 o escore de cálcio,
I3 o teste ergométrico,
I4 a cintilografia miocárdica,
I5 e o eco de estresse
C comparado à coronariografia diagnóstica
O possuem que acurácia, individualmente?

Questão de Utilidade

P Em pacientes ambulatoriais sintomáticos e com suspeita de doença coronariana


obstrutiva
I1 a TC de coronárias,
I2 a cintilografia miocárdica,
I3 e o eco de estresse,
teste ergométricoC em relação ao
O possuem que magnitude de benefício na redução de desfechos clínicos?

3. Qual é a probabilidade pré-teste de doença coronariana?

A questão de probabilidade se refere a uma questão fundamental na individualização do


cuidado. É o começo do entendimento da condição do paciente e da sua probabilidade
pré-teste de doença. É com base nessa informação que a decisão pela alternativa de
investigação deve se pautar. Na prática é comum o profissional de saúde se basear
apenas no senso comum e na sua percepção do paciente para conduzir a investigação da
doença coronariana, sem muitas vezes se munir de informações objetivas que possam
nortear a sua prática de forma mais acurada e permitir que o paciente também expresse
suas preferências com base em tais informações.

A estratégia de busca foi construída com foco em guidelines utilizados para


investigação e tratamento da doença coronariana (Quadro 2). A utilização de fontes
secundárias, tais como diretrizes e revisões sistemáticas para a resolução de questões
no dia a dia, permite ao clínico analisar de forma prática e rápida o pool de evidências
disponíveis para aquela questão, facilitando o processo de tomada de decisão.
Foram localizados dois guidelines relevantes com a estratégia de busca construída no
Quadro 2, que serão utilizados como base para a discussão que se segue em relação à
análise crítica dessas evidências. Optou-se também por analisar as referências
utilizadas por tais guidelines relacionadas à questão de probabilidade que foi
elaborada.

Quadro 2
Estratégia de busca para a questão de probabilidade

Busca realizada em 13/2/2012

Análise crítica da melhor evidência encontrada


O guideline mais recentemente publicado sobre doença coronariana crônica, de 20124,
foi elaborado pelo NICE (National Institute for Health and Clinical Excellence)5.
Tem como foco principal a formulação de recomendações quanto à conduta terapêutica
de pacientes com doença coronariana estabelecida. A ênfase no processo de
investigação de pacientes que se apresentam com dor torácica foi publicada em 2010
por Skinner et al.6-8.

A segunda melhor evidência encontrada refere-se ao guideline da Associação e do


Colégio Americano de Cardiologia, publicado em 19994, e atualizado em 20077,9. A
maior parte das 23 questões apresentadas pelo instrumento AGREE (Appraisal of
Guidelines for Research and Evaluation)10 foram atendidas por esses guidelines
(Quadro 3).

Quadro 3
Análise sumária dos Guidelines de angina estável elaborados pelo NICE (2010) e pelo ACC/AHA/ACP-ASIM
(1997) de acordo com os itens do instrumento AGREE
Fonte: AGREE (Appraisal of Guidelines for Research and Evaluation)10
ACC=American College of Cardiology; AHA=American Heart Association; ACP=American College of
Physicians; NICE=National Institute for Health and Clinical Excellence5
Ambos os guidelines utilizam o modelo de predição proposto por Diamond &
Forrester11, derivado a partir de informações publicadas a respeito da prevalência de
doença coronariana de acordo com os sintomas, a idade e o sexo. Esse modelo de
predição foi posteriormente validado em três outras populações nos Estados Unidos,
uma do Centro Médico da Duke University12, outra de Stanford13 e a outra oriunda de
diferentes áreas geográficas nos Estados Unidos, através do estudo CASS14. Os
resultados do estudo de validação na Duke University têm a vantagem de terem sido
ajustados para a presença ou não dos fatores de risco diabetes, dislipidemia e
tabagismo e alterações no segmento ST ou onda Q no ECG, o que não foi feito nos
outros dois estudos.

A presença de hipertensão ou história familiar não alterou o poder de predição de


doença coronariana em nenhuma das populações testadas e por isso elas foram
excluídas do modelo.

A dor torácica foi classificada em angina típica, atípica ou dor torácica de origem não
cardíaca com base no estudo inicial de Diamond & Forrester11 em uma população de
1057 pacientes submetidos à investigação de dor torácica em centro de referência da
Universidade de Los Angeles15. A angina típica foi caracterizada pela presença de a)
dor ou desconforto subesternal que é b) provocada por exercício ou estresse emocional
e é c) aliviada por repouso ou nitrato. Angina atípica foi definida pela presença de
apenas dois desses três critérios. A dor torácica de origem não cardíaca foi definida
como aquela que encontra apenas um ou nenhum desses critérios.

A partir das informações obtidas através da leitura dos dois guidelines optou-se por
selecionar o estudo de validação dos critérios de Diamond & Forrester na Duke
University para análise crítica (Quadro 4), uma vez que os seus resultados foram
ajustados para a presença de fatores de risco em pacientes com dor torácica, o que é
relevante na prática assistencial e inclui os critérios elencados na questão de
probabilidade12.

Quadro 4
Limitações do estudo de Pryor et al. Value of the history and physical in identifying patients at increased risk for
coronary artery disease. Ann Intern Med. 1993;118(2):81-90.
Fonte: adaptado do livro Users’ Guides To The Medical Literature: essentials of evidence-based clinical practice16

Portanto, o paciente relatado tem uma probabilidade pré-teste de doença coronariana de


aproximadamente 21% e é, portanto, um paciente de moderada probabilidade pré-teste
de doença coronariana.

4. Qual é a acurácia da angio-TC de coronárias em comparação com outros


métodos?

Avaliação da performance de um teste diagnóstico é fundamental na escolha do teste


que mais se aplica àquela população ou aquele paciente em particular. Performance de
testes diagnósticos refere-se à acurácia do teste para definir pacientes com e sem a
condição de interesse. A estratégia de busca para a questão foi construída com base na
busca de revisões sistemáticas de estudos seccionais (Quadro 5).

Os estudos seccionais (também chamados transversais) são o modelo de estudo de


eleição para responder a esse tipo de pergunta. Revisões sistemáticas de estudos
seccionais permitem avaliar a performance do teste em diferentes populações de forma
ainda mais acurada.
Quadro 5
Estratégia de busca para a questão de performance
Busca realizada em 29/2/2012

Foram selecionadas revisões sistemáticas que responderam questões semelhantes à


questão de performance formulada neste capítulo. Foi selecionada uma revisão
sistemática para cada um dos quatro testes diagnósticos apontados: teste de esforço,
cintilografia miocárdica, eco de estresse, escore de cálcio e angiotomografia
coronariana de 64 canais (Quadro 6).

Quadro 6
Limitações das evidências selecionadas para responder à questão de performance
E=especificidade; H=homens; M=mulheres; RV(T+)=razão de verossimilhança quando o resultado do teste é positivo
cuja fórmula de cálculo é [S/(1-E)]; RV(T-)=razão de verossimilhança quando o resultado do teste é negativo cuja
fórmula de cálculo é [(1-S)/E]; S=sensibilidade; T=total

As informações apresentadas no Quadro 6 mostram que cada teste tem uma performance
diferente, dependendo do sexo do paciente; e que a razão de verossimilhança do teste
quando o resultado é positivo (ou seja, aquela utilizada para confirmação da doença) é
alta para todos os testes, exceto para o escore de cálcio e para o eco de estresse, bem
como para o teste ergométrico em mulheres. Quanto mais próximo de 1 for a razão de
verossimilhança do teste, pior é a capacidade do teste para confirmar ou afastar a
presença da condição de interesse.

Razões de verossimilhança <0,1 (RV-) ou >10 (RV+) são consideradas elevadas.


Portanto RV- <0,1 significa que o teste tem alta capacidade para afastar a doença,
quando o resultado do teste é negativo. RV+ >10 significa que o teste tem alta
capacidade para confirmar a doença, quando o resultado do teste é positivo. Razões de
verossimilhança entre 0,1 e 0,5 (RV-) e entre 5 e 10 (RV+) são consideradas
moderadas.

O ideal seria que o clínico utilizasse o nomograma de Fagan23 para nortear a sua
decisão (Figura 1). Que utilizasse a probabilidade pré-teste de doença calculada
através da regra de predição clínica, selecionasse o teste de acordo com a sua razão de
verossimilhança para aquele paciente em particular e de acordo com a decisão que
tomaria com base no resultado do teste, se positivo ou negativo. Todo teste conduz o
clínico de uma probabilidade pré-teste de doença para uma probabilidade pós-teste de
doença. Se a probabilidade pós-teste de doença for insuficiente para tomada de decisão
então talvez o teste escolhido não tenha sido o mais apropriado para aquele paciente em
particular.

De uma forma geral, os guidelines internacionais recomendam a utilização de exames


complementares para o diagnóstico da doença coronariana, quando ela é uma condição
suspeita, e não para screening de doença coronariana, o que é uma distinção
importante. Assim, pacientes com probabilidade pré-teste muito baixa não deveriam ser
submetidos a nenhuma investigação posterior.

Figura 1
Nomograma de Fagan
A história clínica, o exame físico inicial e os exames complementares básicos tais
como RX e eletrocardiograma têm sido considerados suficientes para afastar ou
confirmar o diagnóstico da doença coronariana, com base pura e simplesmente na
probabilidade pré-teste da doença. Se a probabilidade for <10%, o NICE recomenda
que a investigação seja interrompida neste ponto. Se a probabilidade for >90%, que o
diagnóstico seja confirmado e a decisão por coronariografia diagnóstica esteja pautada
nas estratégias terapêuticas que poderão ser oferecidas ao paciente e nos seus valores e
preferências.

Os critérios de Diamond & Forrester, ajustados para os fatores de risco e presença de


alterações eletrocardiográficas, são os mais frequentemente utilizados para o cálculo da
probabilidade pré-teste. Portanto, a abordagem dos pacientes na visão dos comitês
internacionais deve sempre se basear na suspeição clínica e na avaliação da
probabilidade pré-teste de doença de forma compartilhada com o paciente.

A escolha do método complementar poderá então ser feita considerando-se a


probabilidade pré-teste e a razão de verossimilhança dos exames disponíveis para a
investigação posterior do paciente.

A recomendação do NICE é que pacientes com probabilidade pré-teste entre 10% e


30% sejam submetidos a teste anatômico não invasivo em função da sua alta RV-
comparada aos testes funcionais e melhor custo-efetividade. Nesse caso, o NICE
recomenda que a investigação seja iniciada pelo escore de cálcio coronariano e em
seguida pela angio-TC de 64 canais, em função da menor exposição à radiação com o
escore de cálcio. A angio-TC somente estaria indicada como exame sequencial na
presença de um escore de cálcio <400. Quando acima desse valor, o NICE recomenda
que o clínico proceda diretamente com a coronariografia diagnóstica. O escore de
cálcio e a angio-TC neste caso seriam utilizados com intuito principal de se afastar o
diagnóstico.

Para pacientes com probabilidade pré-teste entre 30% e 60%, o NICE recomenda o uso
de testes provocativos como a cintilografia miocárdica ou o eco de estresse com
dobutamina. O NICE considera a coronariografia diagnóstica o exame mais custo-
efetivo para pacientes com probabilidade pré-teste acima de 60%.

O NICE também faz recomendação contra o uso do teste ergométrico para pacientes
sem história prévia de doença coronariana em função da sua baixa acurácia, ou seja,
elevado número de testes falso-negativos ou falso-positivos em comparação com os
testes alternativos, principalmente em mulheres.
Os guidelines internacionais aqui citados consideram a exposição à radiação um fator a
ser considerado na investigação desses pacientes, principalmente quando se trata de
pacientes de baixo risco, recomendando fortemente que nenhuma investigação posterior
seja feita nesses pacientes.

Para o paciente do cenário que tem uma probabilidade pré-teste de doença coronariana
estimada em 21%, a melhor estratégia seria a solicitação de um exame com a melhor
RV- para afastar a doença, neste caso o SPECT, o escore de cálcio ou a angio-TC. O
NICE recomenda como estratégia mais custo-efetiva e de menor risco para investigação
desses pacientes a solicitação do escore de cálcio coronariano, que tem menor carga de
exposição à radiação e, dependendo do resultado, que seja interrompida a investigação
(se escore de cálcio = zero); prosseguir com a angio-TC de coronárias se o escore de
cálcio for entre 1 e 400; ou solicitar coronariografia diagnóstica se o escore de cálcio
for >400. Entretanto, essa indicação não está coberta pelo rol de procedimentos da
ANS1, que recomenda a angio-TC apenas para pacientes com probabilidade pré-teste
moderada de doença coronariana pelos critérios de Diamond & Forrester11. Esse
impasse pode resultar na não autorização desse procedimento para o paciente relatado
por parte da operadora de saúde, em conformidade com as diretrizes de utilização de
procedimentos da ANS1.

5. Qual é a razão risco-benefício do uso da angio-TC de coronárias?

A probabilidade pré-teste de doença e a performance do teste são informações


geralmente insuficientes para a tomada de decisão, principalmente quando se trata da
incorporação da tecnologia em um sistema de saúde. Ter boa performance não
necessariamente se traduz em benefício para a população quando um teste é utilizado
em larga escala, e é essa questão que deve ser respondida antes da tomada de tal
decisão.

Para a resolução da questão da utilidade da angio-TC de coronárias em relação às


alternativas existentes são necessárias avaliação da magnitude do benefício oferecido
por este teste quando utilizado em larga escala, em relação aos riscos oferecidos pelo
mesmo em comparação com as alternativas existentes. A estratégia de busca foi
elaborada para localizar revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados para
responder à questão relacionada ao benefício da intervenção; e revisões sistemáticas de
estudos observacionais para responder às questões relacionadas ao dano potencial que
poderia ser provocado por essa intervenção em relação às demais (Quadro 7).
Quadro 7
Estratégia de busca para a questão de utilidade

Dos ensaios clínicos randomizados localizados, nenhum responde à questão do


benefício oferecido pela angio-TC em pacientes com suspeita de doença coronariana
em relação aos testes alternativos. Para a questão de dano, foram localizadas 21
referências. Shoenhagen et al.24 discutem os diferentes fatores independentes que
podem estar associados com a dose de radiação relacionada às características do
paciente, à tecnologia e aos protocolos de aquisição da imagem. Embora nenhuma das
referências localizadas responda à questão de dano, a referência 17 (Smith-Bindman,
2009)25 utilizada por Shoenhagen et al. o faz e foi selecionada para análise crítica
(Quadro 8).

Quadro 8
Limitações do estudo de Smith-Bindman, 2009 selecionado para responder à questão de utilidade referente ao dano
potencial relacionado à exposição à radiação
*Baseado no livro: Users’ Guides To The Medical Literature: essentials of evidence-based clinical practice16

O risco da exposição à radiação está principalmente relacionado ao desenvolvimento


de doenças neoplásicas. As informações obtidas a partir de dados da literatura estimam
que para cada 390-790 homens submetidos à angio-TC de coronária, um desenvolverá
câncer atribuído ao método diagnóstico no decorrer da sua vida. Esse risco é
semelhante ao risco oferecido pelo SPECT e maior do que aquele observado com o
escore de cálcio coronariano. Aparelhos mais recentes têm utilizado cargas de radiação
mais baixas que aparelhos mais antigos.

6. Qual é a qualidade geral das evidências encontradas?

A avaliação global da qualidade da evidência no modelo GRADE26,27 considera o


desenho do estudo, sua qualidade metodológica, o viés de publicação, a magnitude e
precisão dos resultados, sua consistência entre diferentes estudos, a presença de
confundidores, o gradiente dose-resposta e a relação direta entre a pergunta que precisa
ser respondida na prática e a pergunta que foi respondida pela pesquisa (Quadro 9).

Quadro 9
Qualidade global da evidência

Fonte: GRADE26
(*) A qualidade da evidência foi classificada de acordo com o modelo proposto pelo GRADE em Alta (A), Moderada
(B), Fraca (C), Muito Fraca (D).

7. Qual é a aplicabilidade das evidências encontradas?

Para se responder às questões acima e estabelecer critérios para utilização da angio-TC


de coronárias, diversas considerações precisam ser feitas. No modelo GRADE27
apresentado no Quadro 10, são considerados a qualidade global da evidência, a razão
risco-benefício do uso da tecnologia, os valores e preferências do paciente e a
alocação de recursos para seu uso no sistema de saúde.

Em 1/8/2011, a angio-TC de coronárias foi incorporada ao rol de procedimentos da


ANS, entrando em vigor a partir de 1/1/20121.

Sua diretriz de utilização refere-se apenas a aparelhos multislice com pelo menos 64
colunas de detectores e a sua obrigatoriedade restringe-se a pacientes sintomáticos com
probabilidade pré-teste de doença coronariana intermediária, seja como alternativa aos
métodos provocativos seja como método sequencial na presença de resultados
inconclusivos ou conflitantes de testes provocativos, conforme descrito abaixo:

“Cobertura obrigatória quando preenchido pelo menos um dos seguintes critérios


(realização apenas em aparelhos multislice com 64 colunas de detectores ou mais):
a. em pacientes sintomáticos com probabilidade pré-teste intermediária de doença
aterosclerótica coronariana significativa* (definida como probabilidade pré-teste
entre 30% e 60% calculada pelos modelos de Diamond e Forrester ou da
Universidade de Duke e como alternativa aos métodos provocativos de pesquisa de
isquemia; b. em pacientes sintomáticos, com probabilidade intermediária de
doença aterosclerótica coronariana significativa* (definida como probabilidade
pré-teste entre 30% e 60% calculada pelos modelos de Diamond e Forrester ou da
Universidade de Duke e com resultados de métodos provocativos de isquemia
inconclusivos ou conflitantes; c. em pacientes com suspeita de coronárias
anômalas”.

Quadro 10
Força da recomendação da angio-TC de coronárias
Fonte: GRADE27

O teste não é de cobertura obrigatória como método de screening para pacientes


assintomáticos e para pacientes com alta ou baixa probabilidade pré-teste de doença,
conforme descrito abaixo:

“Cobertura obrigatória NÃO INDICADA quando: a. como método de screening em


pacientes assintomáticos; b. em pacientes sintomáticos e com alta probabilidade
pré-teste de doença aterosclerótica coronariana significativa* (definida como
probabilidade pré-teste maior que 60% calculada pelos modelos de Diamond e
Forrester ou da Universidade de Duke); c. em pacientes sintomáticos, com baixa
probabilidade pré-teste de doença aterosclerótica coronariana significativa*
(definida como probabilidade pré-teste menor que 30% calculada pelos modelos de
Diamond e Forrester ou da Universidade de Duke) e com métodos provocativos de
pesquisa de isquemia negativos.
*“doença aterosclerótica coronariana significativa”: placa aterosclerótica que
causa redução da luz arterial (definida pelo cateterismo cardíaco) maior ou igual a
70% em ao menos um segmento coronariano principal (territórios das artérias
descendente anterior, circunflexa ou artéria coronária direita) ou maior ou igual a
50% da luz do tronco da artéria coronária esquerda”1.

Preocupações em relação à aplicabilidade dessa diretriz no sistema de saúde


suplementar têm surgido, principalmente em função do seu modelo de apresentação que
possibilita interpretação variada de conceitos pouco utilizados pelos profissionais de
saúde, responsáveis pela assistência individual ao paciente ou pelos profissionais que
lidam com a liberação desse procedimento.

O modelo de apresentação dessa diretriz de utilização apresenta conceitos tais como


“probabilidade pré-teste de doença” a partir de algoritmos de predição, como os
critérios de Duke e de Diamond & Forrester, que de um lado são raramente utilizados
pelos cardiologistas no dia a dia e do outro são pouco compreendidos pelas demais
especialidades que trabalham ou na liberação desse método ou na investigação de
pacientes com essas características. Além disso, a diretriz da ANS não considera a
angio-TC de coronárias de forma comparativa aos métodos alternativos existentes para
investigação da doença coronariana, seja no âmbito da acurácia dos testes seja no
âmbito da sua efetividade clínica.

Foram elaboradas três questões referentes ao cenário clínico apresentado. A primeira


diz respeito à probabilidade pré-teste de doença coronariana em pacientes atendidos
ambulatorialmente, como parâmetro para distinção dos pacientes que realmente
precisam do teste diagnóstico (probabilidade pré-teste intermediária), daqueles que não
precisam de investigação posterior, ou porque a probabilidade pré-teste é muito baixa,
fazendo com que o exame complementar seja incapaz de aumentar a probabilidade pós-
teste de doença ou porque a probabilidade pré-teste é muito alta, tornando o exame
complementar desnecessário para indicar início de tratamento específico para doença
coronariana obstrutiva.

Uma vez estabelecidos os critérios para análise da probabilidade pré-teste, a segunda


questão sobre a acurácia de cada teste foi solucionada. A questão de utilidade leva em
consideração os aspectos dos riscos oferecidos pela intervenção pela exposição à
radiação. A evidência neste sentido é oriunda de estudos observacionais com outros
grupos de pacientes expostos à radiação por acidente nuclear, com estimativas feitas
por extrapolação28. Portanto, a questão quanto à segurança de testes diagnósticos que
utilizam radiação ionizante permanece em aberto, mas a melhor evidência disponível
sugere que esse risco não é desprezível.

O modelo utilizado neste capítulo é meramente ilustrativo. Não foi feita uma revisão
sistemática levando em consideração não somente os riscos da intervenção, mas
também os aspectos do benefício. Embora os resultados apresentados neste capítulo
devam ser interpretados com cuidado, eles refletem uma tendência internacional na
utilização de testes diagnósticos e estão de acordo com as diretrizes mais recentemente
publicadas para abordagem de pacientes com dor torácica em ambulatórios.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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procedimentos e eventos em saúde previstos na RN nº 211 de 11/1/2010.
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ionizing radiation: BEIR VII Phase 2. Washington, DC: National Academies
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PROBABILIDADE, PERFORMANCE E
UTILIDADE NO DIAGNÓSTICO DA
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Fabio Antonio Abrantes Tuche


Suzana Alves da Silva

CASO CLÍNICO
Residente de cardiologia de hospital universitário do estado do Rio de Janeiro admite
um novo paciente na emergência com queixa de dispneia. A paciente é do sexo
feminino, tem 62 anos e é natural do Rio de Janeiro. Ela se apresenta com queixa
principal de dispneia, iniciada há cerca de dois anos, primeiramente aos grandes
esforços (correr) e nos últimos seis meses aos médios esforços (caminhada). Refere
episódios de palpitação fugazes (segundos) sem relação com o esforço físico, mais
frequentes ao se deitar.

Foi submetida à coronariografia há dois meses que evidenciou coronárias normais. Seu
último ecocardiograma revela disfunção sistólica grave do ventrículo esquerdo, sem
alterações orovalvares. Na última semana refere acordar à noite devido à falta de ar,
melhorando ao se sentar. Refere sintomas em repouso ao longo das últimas horas. Nega
dor torácica, síncope, lipotímia, febre, lesões de pele ou outros sintomas. A paciente
refere ser hipertensa há 20 anos em tratamento regular com diurético. Nega outras
doenças. Nega alergias ou cirurgias prévias. Nega tabagismo. Refere etilismo diário
(uma lata de cerveja por refeição). Não faz restrição à ingestão de sódio e nem
atividades físicas regulares. Apresenta história familiar de HAS e dislipidemia.

Ao exame: lúcida, orientada, corada, hidratada, acianótica e anictérica. Peso =95kg;


Altura =1,72m; IMC =32,1kg/m2.
Sinais vitais: Pressão arterial (sentada) =160x95mmHg (em ambos os membros
superiores); Frequência cardíaca =102bpm; Frequência respiratória =20irpm e afebril.

Aparelho respiratório: murmúrio vesicular universalmente audível, com sibilos


esparsos, diminuído em 1/3 inferior de hemitórax direito, com estertores crepitantes
bilateralmente.

Aparelho cardiovascular: íctus cordis visível e palpável no 5o espaço intercostal


esquerdo e na linha hemiclavicular esquerda. Ritmo cardíaco irregular, bulhas
normofonéticas, em 3 tempos (B3) e sem sopros. Apresenta turgência jugular em
decúbito dorsal com inclinação da cabeceira a 45º. Todos os pulsos arteriais são
amplos e simétricos.

Abdômen globoso, flácido, indolor à palpação, sem visceromegalias ou refluxo


hepatojugular. Peristalse sem alterações. Membros inferiores com edema bilateral
perimaleolar, indolor e sem sinais flogísticos.

Eletrocardiograma revela ritmo de fibrilação atrial com BRE completo e o RX de tórax


demonstra congestão venocapilar pulmonar, com derrame pleural à direita.

Sendo a principal suspeita diagnóstica a insuficiência cardíaca descompensada por


transgressão dietética, o médico solicita dosagem sérica de BNP para confirmação do
diagnóstico, inicia tratamento com diurético e indica internação hospitalar na
enfermaria de cardiologia. Na enfermaria discute-se sobre a dosagem seriada de BNP
para guiar o tratamento com diurético.

OBJETIVOS
1. Discutir os achados clínicos baseado em evidências para o diagnóstico de
insuficiência cardíaca.
2. Analisar e elaborar regras de predição clínica para o diagnóstico da IC.

PERGUNTAS
1. Como delinear o problema?

No encontro com o paciente, surgem vários problemas a serem resolvidos,


principalmente no domínio do diagnóstico. Uma forma organizada de pensamento
(PACT) permite o delineamento do problema (Problem) e a compreensão das ações
clínicas que precisam ser tomadas (Actions), das escolhas disponíveis (Choices) e das
metas (Targets) a serem alcançadas como resultado dessas ações. No Quadro 1 alguns
exemplos são representados1.

Quadro 1
Delineamento de uma situação diagnóstica
P=problem; A=actions; C=choices; T=targets
Formulação de questões estruturadas

Questão de Probabilidade

P ─ Em pacientes adultos admitidos com dispneia


I ─ apresentando outros achados tais como história prévia de HAS, edema de membros
inferiores, turgência jugular patológica a 45o, B3, BRE completo e RX de tórax com
sinais de congestão venocapilar pulmonar
O ─ qual é a probabilidade da insuficiência cardíaca ser a causa do quadro clínico?

Questões de Performance

P ─ Em pacientes adultos admitidos com dispneia


I ─ a avaliação clínica, considerando-se achados clínicos: história prévia de HAS,
edema de membros inferiores, turgência jugular patológica a 45o, B3, BRE completo e
RX de tórax com sinais de congestão venocapilar pulmonar
C ─ comparados ao padrão-ouro
O ─ que acurácia diagnóstica (sensibilidade, especificidade, razões de
verossimilhança positiva e negativa) apresentam para o diagnóstico de IC?

P ─ Em pacientes adultos admitidos com dispneia


I ─ a avaliação clínica, considerando-se: regras de predição clínica tais como os
critérios de Framingham ou de Boston
C ─ comparados ao padrão-ouro
O ─ que acurácia diagnóstica (sensibilidade, especificidade, razões de
verossimilhança positiva e negativa) apresentam para o diagnóstico de IC?

P ─ Em pacientes adultos admitidos na emergência com dispneia


I ─ o BNP
C ─ comparados ao padrão-ouro
O ─ que acurácia diagnóstica (sensibilidade, especificidade, razões de
verossimilhança positiva e negativa) apresentam para o diagnóstico de IC?

Questão de Utilidade

P ─ Em pacientes adultos internados com insuficiência cardíaca


I ─ a terapia com diurético guiada pela dosagem seriada de BNP
C ─ comparada à terapia guiada pela avaliação clínica
O ─ que magnitude de benefício apresentam na redução de mortalidade, tempo de
permanência hospitalar e taxa de reinternação?

2. Qual a probabilidade da presença da IC?

Resolução da questão de probabilidade


O processo de avaliação diagnóstica é complexo. Desde o primeiro contato com o
paciente e ao longo do encontro, ao se realizar a anamnese e o exame físico, diferentes
considerações são feitas de forma simultânea. A avaliação diagnóstica baseada em
evidências se inicia com a formulação de hipóteses diagnósticas com base no
estabelecimento das probabilidades pré-teste das condições sob suspeita2.

Para isto é fundamental um grande conhecimento da fisiopatologia das doenças, mas


também é fundamental o conhecimento da epidemiologia das diferentes condições uma
vez que a probabilidade pré-teste varia em função da prevalência da mesma. No
cenário apresentado, a paciente está sendo atendida em hospital universitário pelo
departamento de cardiologia, onde o atendimento de pacientes com disfunção cardíaca
é mais provável.

Quando há incerteza diagnóstica, uma forma de se estimar a probabilidade pré-teste de


uma condição é através de regras de predição clínica. Outra forma de se estimar a
probabilidade pré-teste é através da análise dos dados registrados no banco de dados
do próprio hospital ou unidade, ajustados para as características de apresentação da
condição de interesse. Dependendo da peculiaridade das características da população
de pacientes atendidos nesses locais, essas fontes de informação podem ser mais
fidedignas do que aquelas oriundas de outras bases populacionais. Os estudos
estrangeiros são os mais frequentemente disponíveis e, portanto, os mais utilizados.

Na ausência de informações que possam nortear a construção da probabilidade pré-


teste de determinada condição, sejam de dados nacionais, de dados locais próprios, ou
ainda de dados estrangeiros, a intuição pautada na experiência profissional adquirida
ao longo da carreira acaba sendo a única base para a formulação da probabilidade pré-
teste de condições clínicas sob suspeita. As consequências são uma grande
variabilidade na formulação de hipóteses e nas estratégias de investigação
principalmente por parte daqueles que estão na fase inicial da curva de aprendizado.

Neste capítulo será utilizada como referência uma probabilidade pré-teste de doença de
50% para exemplificar a construção do diagnóstico em modelo de medicina baseada
em evidências.

Resolução das questões de performance

Estratégia de busca para as questões de performance

O Quadro 2 exemplifica uma estratégia de busca no PubMed, mais especificamente no


clinical queries, selecionando a categoria de diagnóstico. Tal ferramenta de busca
utiliza filtros pré-estabelecidos para estudos de acurácia diagnóstica. Além disso, o
resultado da busca disponibiliza as revisões sistemáticas destacadas dos estudos
individuais, o que pode ser uma vantagem, visto que as mesmas estão no topo da
hierarquia das evidências científicas2.

Quadro 2
Estratégias de busca no PubMed

Busca realizada em 19 fevereiro 2012

Análise crítica da melhor evidência encontrada para responder à primeira questão


de performance

Dentre as revisões sistemáticas encontradas, escolheu-se a seguinte para análise crítica:


Wang CS et al. Does this dyspneic patient in the emergency department have
congestive heart failure?3 (Quadro 3).

Quadro 3
Análise crítica da metodologia empregada na revisão de Wang et al3.
Fonte: adaptado de Guyatt et al.2

Análise da magnitude e precisão dos resultados (Quadros 4 e 5)

Quadro 4
Resumo da acurácia diagnóstica dos achados clínicos da anamnese e do exame físico de pacientes avaliados em
emergências, na revisão de Wang et al.3
IC=insuficiência cardíaca; IAM= infarto agudo do miocárdio; DAC= doença arterial coronariana; DM=diabetes
mellitus; HAS=hipertensão arterial sistêmica; DPOC=doença pulmonar obstrutiva crônica; RV= razão de
verossimilhança; PAS=pressão arterial sistólica
Fonte: Wang et al.3

Quadro 5
Aplicabilidade da melhor evidência encontrada

A solicitação de exames complementares para confirmação ou exclusão de determinado


diagnóstico deveria na prática estar relacionada ao limiar terapêutico ou ao limiar
diagnóstico da probabilidade pré-teste, respectivamente. O limiar terapêutico é o limiar
da probabilidade pré-teste que, independentemente do resultado positivo do teste,
determina o início do tratamento. O limiar diagnóstico é o limiar da probabilidade pré-
teste que, independente do resultado negativo do teste, determina o encerramento da
investigação daquela condição em questão (Figura 1).
Figura 1
Probabilidade da condição clínica
A=limiar de teste; B=limiar terapêutico

Na prática, frequentemente esse limiar é estabelecido de forma intuitiva. O problema é


que a intuição nesses casos está frequentemente associada à solicitação desnecessária
de exames complementares, um dos principais responsáveis pela má alocação de
recursos na saúde. Quando o conhecimento se torna explícito torna-se mais fácil o
estabelecimento de uma sistemática para solicitação de exames.

No cenário em questão, a paciente apresenta além dos sintomas sugestivos de


insuficiência cardíaca, um RX de tórax com congestão pulmonar. De acordo com a
evidência analisada, a RV de um RX com esse padrão é 12. Se for utilizada a
probabilidade pré-teste estipulada de 50% no nomograma de Fagan, observa-se
aumento da probabilidade pré-teste de 50% para cerca de 95% (Figura 2), muito
provavelmente acima do limiar terapêutico. Portanto, neste caso, os sinais e sintomas
apresentados pela paciente sugerem fortemente a presença de insuficiência cardíaca
descompensada, independentemente da prevalência da doença naquele tipo de
instituição.

Este nem sempre é o caso na rotina assistencial. É frequente, por exemplo, a avaliação
de pacientes com história de doença pulmonar obstrutiva crônica e insuficiência
cardíaca cujas manifestações sintomáticas muitas vezes se confundem. Em pacientes
como estes, nos quais há uma grande incerteza diagnóstica, é que os exames
complementares de fato se aplicam.

A solicitação sequencial de um exame como o BNP nesta paciente elevaria a


probabilidade de doença de 95% para cerca de 99%, portanto não mudaria em nada a
conduta da paciente uma vez que apenas com os sinais e sintomas associados ao RX de
tórax a probabilidade do diagnóstico já se torna alta o suficiente para determinar a
conduta terapêutica. Tal exame somente se justificaria diante de uma incerteza
diagnóstica, diferente da apresentação clínica desta paciente. Trabalhos mais recentes4
sugerem que a utilização rotineira do BNP na sala de emergência para o diagnóstico da
insuficiência cardíaca não é custo-efetiva.

A consideração da performance dos diferentes achados clínicos da anamnese e do


exame físico é essencial para nortear a conduta na investigação diagnóstica. Assim
como os diversos testes diagnósticos disponíveis para solicitação, tais achados têm sua
acurácia diagnóstica, tanto individualmente quanto quando agrupados em regras de
predição clínica (p.ex. escores ou critérios diagnósticos). Tal performance é
representada pela sensibilidade e especificidade dos achados, a partir das quais se
estabelecem razões de verossimilhança positiva e negativa úteis para escolha do teste
que mais se adéqua ao paciente em questão e para interpretação dos seus resultados.

A probabilidade pós-teste da doença em investigação é estabelecida a partir da


probabilidade pré-teste daquela condição, conforme proposto por Bayes5, e a razão de
verossimilhança do teste é o instrumento necessário para essa transformação da
probabilidade pré em pós.

A consideração de uma razão de verossimilhança positiva (>1) faz com que a


probabilidade pós-teste seja maior do que a pré-teste, aumentando a certeza em relação
ao diagnóstico da condição clínica em questão. Já a consideração de uma razão de
verossimilhança negativa (situada entre 0 e 1) faz com que a probabilidade pós-teste
seja menor do que a pré-teste, diminuindo a certeza acerca da presença da condição
clínica. Quando a RV é igual a 1, a probabilidade pós-teste é igual à pré-teste,
significando que o teste ou achado não possui serventia no processo diagnóstico.

Segundo a prática clínica baseada em evidências, os achados clínicos (e/ou testes


diagnósticos) podem ser considerados de forma sequencial, desde que suas RV sejam
independentes entre si. A partir da probabilidade pré-teste inicial e da RV do primeiro
achado determina-se a probabilidade pós-teste. Esta passa a ser a probabilidade pré-
teste para a consideração da RV do segundo teste e assim sucessivamente, até que o
diagnóstico da condição clínica esteja confirmado ou excluído.

Sempre que se considera um achado clínico ou se solicita novo exame, significa


incerteza diagnóstica (ou seja, a probabilidade pré-teste em termos percentuais está
dentro da zona de incerteza). Nesse sentido o teste só é útil se for capaz de tirar o
decisor da zona de incerteza. Para que isso aconteça, a RV do teste precisa ser muito
alta (RV utilizada se o resultado do teste é positivo) ou muito baixa (RV utilizada se o
resultado do teste é negativo).
Portanto, se o achado ou exame solicitado é positivo e eles têm uma RV muito alta
(>10), a probabilidade pós-teste aumenta significativamente em relação à pré-teste, e o
limiar terapêutico é geralmente atingido, retirando o decisor da zona de incerteza.
Assim pode-se assumir que a condição clínica está confirmada e assim a avaliação
diagnóstica é encerrada, considerando-se então a instituição de um tratamento. Se o
achado clínico ou exame solicitado é negativo e eles têm uma RV muito baixa (<0,1), a
probabilidade pós-teste diminui significativamente, geralmente abaixo do limiar de
diagnóstico, da mesma forma retirando o decisor da zona de incerteza. Assume-se então
que a condição clínica está excluída e a investigação daquela condição é encerrada.

Se após o resultado do teste ou a verificação da presença ou ausência de determinado


sinal ou sintoma a probabilidade pós-teste continua na zona de incerteza diagnóstica,
isso significa que outros achados devem ser considerados ou que um novo teste
diagnóstico deve ser solicitado. Esses limiares em geral são estabelecidos de forma
subjetiva, podendo ser influenciados pelas preferências e valores individuais tanto do
médico quanto do paciente.

O cálculo de probabilidade pós-teste levando-se em conta uma probabilidade pré-teste


e a RV de um achado clínico ou de um teste diagnóstico é possível na prática de forma
fácil, utilizando-se o nomograma representado na Figura 2.
Figura 2
6
Nomograma de Fagan para cálculo da probabilidade pós-teste de doença com base na probabilidade pré-teste e na
razão de verossimilhança.

Os critérios para determinar até que ponto características epidemiológicas e clínicas


são importantes no diagnóstico da IC dependem do julgamento pessoal. No processo de
diagnóstico diferencial, visando à determinação da probabilidade de IC ser a causa
para o quadro clínico de dispneia, a busca por evidências científicas que relatam a
prevalência de IC, geradas a partir de estudos de populações locais pode ser relevante,
uma vez que aspectos epidemiológicos podem variar, não só quando se comparam
países diferentes.

No caso do Brasil, dada a sua pluralidade socioeconômica-cultural e dimensões, a


prevalência de doenças que causam dispneia pode variar muito de região para região.
Sendo assim a busca e consideração de evidências geradas em outros países, com
diferentes realidades, pode ser uma limitação. Idealmente deve-se procurar um estudo
que tenha avaliado uma população de brasileiros com características clínicas e
epidemiológicas semelhantes àquelas do paciente avaliado (se for um estudo gerado no
próprio local de atendimento, melhor ainda).

Levando-se em consideração tais premissas, as diretrizes da Sociedade Brasileira de


Cardiologia poderiam ser uma fonte de consulta e obtenção rápida de evidências
científicas. Dentre as mais recentes publicações da SBC, destacam-se duas diretrizes
sobre IC. Infelizmente, nem a III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica4,
nem a II Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Aguda7 relatam explicitamente a
prevalência de IC no Brasil.

Segundo Albanesi Filho8, no período de 1995 a 2005, a taxa de internação por IC em


relação ao total das internações realizadas no país variou entre 3,18% e 3,71%. Essa
informação, entretanto, é insuficiente para gerar uma probabilidade pré-teste de a
insuficiência cardíaca ser a causa da dispneia. Isso ocorre por que a informação diz
respeito ao total de internações e não ao total de pacientes atendidos com dispneia.

Para se dar sequência ao processo de investigação diagnóstica de IC necessita-se de


dados referentes à acurácia diagnóstica (performance) dos achados clínicos da
anamnese e do exame físico. A III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca
Crônica4 faz referência tanto à importância dos sinais e sintomas para a suspeita clínica
de IC quanto às limitações de sensibilidade e/ou especificidade deles para o
diagnóstico, quando considerados isoladamente. A mesma diretriz salienta que a
pressão venosa elevada e a presença de 3ª bulha acessória são os sinais mais
específicos, porém de baixa sensibilidade.

Segundo a II Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Aguda7, o diagnóstico de


insuficiência cardíaca aguda deve ser baseado em sinais e sintomas clínicos, amparado
por exames complementares. Em relação aos achados clínicos propriamente ditos,
segundo a diretriz, a dispneia é o principal sintoma que leva o paciente a procurar
atendimento hospitalar e a presença de uma história prévia de insuficiência cardíaca,
ortopneia e dispneia paroxística noturna também favorecem o diagnóstico de IC.
Infelizmente, nem a sensibilidade e nem a especificidade (suficientes para o cálculo das
RV) dos dados de anamnese e de exame físico são descritos.

Baseado no estudo selecionado, dentre os achados apresentados no caso clínico, o sinal


presente mais acurado foi a turgência jugular patológica com RV+ de 5,1 (3,2-7,9),
enquanto que o sintoma foi a dispneia paroxística noturna com RV+ de 2,6 (1,5-4,5). De
fato, no caso da IC, os achados considerados isoladamente possuem pouca serventia em
modificar a probabilidade pré-teste. Na prática, os achados clínicos não são
considerados individualmente. Entretanto, visto que as RV dos sinais e sintomas
descritas no estudo não são independentes entre si, o seu uso de forma sequencial é
inadequado, pois pode levar a estimativas pouco precisas, quando múltiplos achados
são considerados.

Uma forma de combinar ao mesmo tempo vários achados clínicos individuais com RV
dependentes entre si é a utilização de regras de predição clínica. No que diz respeito às
regras de predição clínica, ambas as diretrizes recomendam o uso do sistema de pontos
de Boston ou dos critérios maiores e menores de Framingham (Quadro 6) para o
diagnóstico clínico de IC. Os critérios de Framingham são os mais utilizados na prática
diária de avaliação diagnóstica de IC. A positividade dos critérios se dá quando o
paciente avaliado com suspeita de IC possui pelo menos dois critérios maiores ou um
critério maior com pelo menos dois critérios menores.

Quadro 6
Critérios de Framingham para o diagnóstico de insuficiência cardíaca (IC)

Assim como qualquer achado clínico individual ou teste diagnóstico, uma regra de
predição clínica também pode ter sua acurácia diagnóstica determinada. A segunda
questão de performance do exemplo dado aborda essa questão da acurácia do escore
Framingham no diagnóstico de IC. Nas diretrizes não estão explícitas a sensibilidade
nem a especificidade da regra. Sendo assim uma nova busca se faz necessária para se
adquirir uma evidência que auxilie a tomada de decisão diagnóstica.
Análise crítica da melhor evidência encontrada para responder à segunda questão
de performance

Nenhuma das revisões sistemáticas localizadas foi considerada útil para responder à
pergunta. Dentre os estudos encontrados foi escolhido o seguinte para análise crítica
(Quadros 7, 8 e 9):

Maestre et al. Diagnostic accuracy of clinical criteria for identifying systolic and
diastolic heart failure: cross-sectional study. J Eval Clin Pract. 2009 Feb;15(1):55-
619.

Quadro 7
Análise crítica da metodologia, no estudo de Maestre et al.9
Quadro 8
Análise da magnitude e precisão dos resultados

Quadro 9
Aplicabilidade da melhor evidência encontrada para a 2ª questão de performance10

Os critérios de Framingham demonstram (quando ausentes) uma RV de 0,1. Dessa forma


pode ser interessante considerá-la para se afastar a IC em situações cuja prevalência se
encontre em torno de 50% como, por exemplo, em serviços de cardiologia. Nesses
casos se terá uma probabilidade pós-teste em torno de 5%, gerando um bom grau de
certeza da ausência de IC. Em outras situações parece razoável agregar à avaliação
clínica inicial, outros exames de baixo custo e rápida execução, com baixo risco para o
paciente, tais como: o eletrocardiograma e o RX de tórax.

No cenário apresentado, o eletrocardiograma demonstrou um ritmo de fibrilação atrial


com provável hipertrofia ventricular esquerda e, ao RX de tórax notava-se um derrame
pequeno pleural à direta com evidentes sinais de congestão venosa pulmonar. Não
havia cardiomegalia nem sinais de hiperinsulflação ou infiltrados
inflamatórios/infecciosos.

Na primeira revisão sistemática11 avaliada, também foram apresentados os dados de


acurácia diagnóstica dos achados ao RX de tórax e eletrocardiograma. Segundo a
revisão sistemática, a presença de fibrilação atrial ao eletrocardiograma uma RV+ de
3,8 (1,7-8,8) e o achado de congestão pulmonar ao RX de tórax possui uma RV+ de
12,0 (6,8-21,0), Juntando os dados da avaliação clínica inicial com os dos exames
complementares já realizados há uma probabilidade pós-teste de aproximadamente
90%.

Com essa probabilidade de 90%, o diagnóstico de IC pode ser considerado com grande
grau de certeza. Nesse ponto, deve-se explicar para a paciente que ela deve ter uma
cardiopatia e que em função disso haverá necessidade de interná-la para tratamento
com medicamentos endovenosos e melhor esclarecimento das prováveis causas da
condição. Ao longo do acompanhamento e repetidos encontros com a paciente, outras
questões surgirão, tais como: Qual o risco de morte hospitalar da paciente? Quais os
tratamentos para IC que podem reduzir esse risco de morte? Quais os principais efeitos
colaterais das medicações para IC que podem piorar a qualidade de vida da paciente?
Essas questões já são geradas a partir de outras problematizações e outros domínios
(prognóstico, terapia e dano) abordados em outros capítulos.

Além da performance do teste é altamente relevante a consideração da sua utilidade,


principalmente quando utilizado em larga escala para tomada de decisão. Neste
capítulo foram consideradas apenas as questões de probabilidade e de performance do
teste. A utilidade do BNP, por exemplo, para guiar a terapia diurética não foi avaliada.

Publicação recente no JAMA12 sugere que a terapia guiada por BNP não tenha
resultado em melhora da sobrevida em pacientes acima de 75 anos. Tais aspectos
precisam ser considerados na recomendação do uso rotineiro dessa tecnologia.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
1. Silva SA, Charon R, Wyer PC. The marriage of evidence and narrative:
scientific nurturance within clinical practice. J Eval Clin Pract.
2011;17(4):585-93.
2. Guyatt G, Rennie D, Meade M, Cook D, eds. Users' Guides to the Medical
Literature: essentials of evidence-based clinical practice. 2nd ed. New York:
McGraw Hill; 2008.
3. Wang CS, FitzGerald JM, Schulzer M, Mak E, Ayas NT. Does this dyspneic
patient in the emergency department have congestive heart failure? JAMA.
2005;294(15):1944-56.
4. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Ayub-Ferreira SM, Rohde LE, Oliveira
WA, Almeida DR, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Diretriz
Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica. Arq Bras Cardiol. 2009;93(1
supl.1):1-71.
5. Stigler SM. Who Discovered Bayes's Theorem? The American Statistician.
1983;37(4):290-6.
6. Fagan TJ. Letter: Nomogram for Bayes theorem. N Engl J
Med.1975;293(5):257..
7. Montera MW, Almeida RA, Tinoco EM, Rocha RM, Moura LZ, Réa-Neto A,
et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. II Diretriz Brasileira de
Insuficiência Cardíaca Aguda. Arq Bras Cardiol. 2009;93(3 supl. 3):1-65.
8. Albanesi Filho FM. [What is the current scenario for heart failure in Brazil?]
Arq Bras Cardiol. 2005;85(3):155-6.
9. Maestre A, Gil V, Gallego J, Aznar J, Mora A, Martín-Hidalgo A. Diagnostic
accuracy of clinical criteria for identifying systolic and diastolic heart
failure: cross-sectional study. J Eval Clin Pract. 2009;15(1):55-61.
10. McGee S. Simplifying likelihood ratios. J Gen Intern Med. 2002;17(8):646-
9.
11. Carpenter CR, Keim SM, Worster A, Rosen P; BEEM (Best Evidence in
Emergency Medicine). Brain natriuretic peptide in the evaluation of
emergency department dyspnea: is there a role? J Emerg Med.
2012;42(2):197-205.
12. Pfisterer M, Buser P, Rickli H, Gutmann M, Erne P, Rickenbacher P, et al;
TIME-CHF Investigators. BNP-guided vs symptom-guided heart failure
therapy: the Trial of Intensified vs Standard Medical Therapy in Elderly
Patients With Congestive Heart Failure (TIME-CHF) randomized trial.
JAMA. 2009;301(4):383-92.
PROBABILIDADE, PERFORMANCE E
UTILIDADE NO TRATAMENTO DA
ESTENOSE AÓRTICA NO IDOSO

Rodrigo de Carvalho Moreira


André Luiz Silveira Sousa

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 82 anos, com diagnóstico prévio de estenose aórtica grave há um ano
com sintomas de cansaço aos pequenos esforços (NYHA III). Apresenta história prévia
de hipertensão arterial e angioplastia coronariana há cinco anos.

Ao exame físico: PA =130x82mmHg; FC =76bpm; Peso =46kg; Altura =1,60m (IMC


=18,4kg/m2). Não apresenta turgência jugular patológica. À ausculta cardíaca observa-
se ritmo regular, em 3 tempos (B4), sopro sistólico em foco aórtico +++/6 com
irradiação para o pescoço. À ausculta pulmonar observam-se crepitações bibasais
discretas. A paciente não apresenta edema de membros inferiores e os pulsos femorais
têm amplitude reduzida ++/4.

Exames laboratoriais: Hemoglobina =10,4g/dL; Plaquetas =145.000 mil/mm3, Glicose


=90mg/dL; Creatinina =1,3mg/dl.

ECG: normal
Ecocardiograma transtorácico (EcoTT): estenose aórtica grave definida por área valvar
0,6cm2 e gradiente VE-Ao médio =30mmHg, associada à disfunção ventricular
esquerda grave (FE Simpson =33%).

O médico considera com a paciente a possibilidade de implante de válvula aórtica por


cateter (IVAC) como alternativa à cirurgia cardíaca para troca valvar aórtica (CTVA),
uma vez que o risco de morte da paciente está estimado em 22% pelo escore STS3. A
paciente questiona quanto aos riscos de uma e da outra intervenção.

PERGUNTAS
1. Como delinear o problema?

A estenose aórtica sintomática é um problema cada vez mais frequente em pacientes


idosos e de difícil tratamento, em função das comorbidades e do alto risco de
complicações se submetidos ao procedimento cirúrgico para troca valvar. Não é
incomum que o clínico, muitas vezes, contraindique esta cirurgia apesar dos seus
benefícios serem comprovados1. Recentemente o implante de válvula aórtica por
cateter surgiu como uma alternativa para o tratamento dessa população2.

O cenário clínico do mundo real apresenta uma paciente octogenária com estenose
aórtica sintomática e doença coronariana com disfunção ventricular importante, com
risco cirúrgico pelo escore STS elevado3. Neste capítulo será explorado o cenário
clínico, considerando os problemas de probabilidade, performance e utilidade que
podem estar relacionados a essa intervenção.
IVAC=implante de válvula aórtica por cateter; CTVA=cirurgia cardíaca para troca valvar aórtica

2. Como formatar questões estruturadas?

Questão de Probabilidade
P Em pacientes idosos com estenose aórtica grave de alto risco
I Se submetidos ao implante percutâneo da válvula aórtica
O Qual é a probabilidade de morte e reinternação em um ano?

P Em pacientes idosos com estenose aórtica grave de alto risco


I Se submetidos à cirurgia de troca valvar
O Qual é a probabilidade de morte e reinternação em um ano?

Questão de Performance
P Em pacientes idosos com estenose aórtica grave
I a presença de área valvar de 0,6cm2, e disfunção ventricular grave
O tem que acurácia na predição de mortalidade?

Questão de Utilidade
P Em idosos com estenose aórtica grave e alto risco cirúrgico
I O implante percutâneo da válvula aórtica
C Quando comparada à cirurgia de troca valvar aórtica
O Melhora desfechos clínicos de mortalidade, AVE e infarto do miocárdio?

3. Como solucionar as questões?

O delineamento da estratégia de busca, com referência ao tipo de estudo, a fonte da


informação, aos descritores utilizados e à seleção da melhor evidência científica
disponível para análise crítica da literatura estão relacionados abaixo. Na estratégia de
busca da informação literária utiliza-se como fonte a base de dados PubMed com o
recurso Clinical Queries, disponível em:
<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/clinical>

Resolução das questões de probabilidade

Foram feitas duas questões de probabilidade sobre incidência de morte e reinternação


em um ano: uma se referindo a pacientes idosos de alto risco submetidos à estratégia
percutânea e a outra a pacientes submetidos à estratégia cirúrgica.

Para se responder a essas perguntas foi realizada busca no PubMed Clinical Queries.
Na categoria de estudos clínicos foi selecionado Prognosis com escopo Broad,
buscando revisões sistemáticas de estudos tipo coorte ou estudos primários tipo coorte.
Utilizados os descritores: Transcatheter aortic valve replacement e mortality.
Encontrados 15 estudos clínicos primários e nenhuma revisão sistemática.

Estratégia de busca para as questões de probabilidade

Data da busca: 19/2/2012

Análise crítica da melhor evidência encontrada

Dos ensaios clínicos encontrados, selecionou-se o estudo de Thomas et al.5 por se


tratar do estudo mais adequado à questão elaborada. A análise crítica da sua
metodologia foi feita com base nas informações disponíveis na publicação anterior4.
Thomas M, Schymik G, Walther T, Himbert D, Lefèvre T, Treede H, et al. One-year
outcomes of cohort 1 in the Edwards SAPIEN Aortic Bioprosthesis European Outcome
(SOURCE) registry: the European registry of transcatheter aortic valve implantation
using the Edwards SAPIEN valve. Circulation. 2011;124(4):425-433.

Análise crítica da validade metodológica

*Baseado no livro: Users’ Guides To The Medical Literature: essentials of evidence-based clinical practice6

Análise da magnitude e precisão dos resultados


Avaliação da qualidade da evidência

Fonte: GRADE7

Resolução da Questão de Performance

O questionamento quanto à performance dos critérios da Society of Thoracic Surgeons


(STS), normalmente utilizados para se estabelecer o risco da estenose grave em idosos,
foi levantado. Para se responder à questão de performance também utilizamos o
PubMed Clinical Queries.

Na categoria escolheu-se o Clinical Prediction Guides com o filtro Narrow, com o


objetivo de encontrar revisões sistemáticas ou artigos originais relacionados à
validação ou derivação de uma regra de predição clínica para estabelecimento do risco
em pacientes com estenose aórtica grave. Utilizados os descritores Society of Thoracic
Surgeons AND risk. Encontrados 22 artigos e 30 revisões sistemáticas.

Estratégia de busca

Data da busca: 19/2/2012

Análise crítica da melhor evidência encontrada

Considerando a troca valvar da paciente, sem necessidade de cirurgia de


revascularização combinada, a melhor evidência encontrada foi em:

O’Brien SM, Shahian DM, Filardo G, Ferraris VA, Haan CK, Rich JB, et al. The
Society of Thoracic Surgeons 2008 cardiac surgery risk models: part 2--isolated
valve surgery. Ann Thorac Surg. 2009;88(1 Suppl):S23-423.

Análise crítica da validade metodológica


Análise da magnitude e precisão dos resultados
AVE=acidente vascular encefálico; IR=insuficiência renal; IC=insuficiência cardíaca, DMID=diabetes mellitus
insulino-dependente; NYHA=New York Heart Association; DMNID=diabetes mellitus não insulino-dependente;
Cr=creatinina; SC=superfície corporal; BIA=balão intra-aórtico; DPOC=doença pulmonar obstrutiva crônica; NA=não
aplicável

Avaliação da qualidade da evidência


Aplicabilidade da evidência
Resolução da questão de Utilidade

A principal questão que precisa ser respondida no processo de incorporação de uma


nova tecnologia na prática clínica é qual de fato é a magnitude do benefício oferecida
por essa tecnologia em relação às alternativas existentes. Neste caso a questão refere-
se ao impacto do implante percutâneo da válvula aórtica em um paciente idoso, com
estenose aórtica grave de alto risco, comparada à cirurgia de troca valvar aórtica, na
redução dos desfechos clínicos: mortalidade, acidente vascular encefálico e infarto do
miocárdio.
Foi feita nova busca no PubMed Clinical Queries por ensaios clínicos randomizados, o
que é possível dentro da categoria de terapia.

Estratégia de busca

Data da busca: 19/2/2012

Análise crítica da melhor evidência encontrada

Foi selecionada a seguinte evidência para se responder a essa questão de utilidade:


Smith CR, Leon MB, Mack MJ, Miller DC, Moses JW, Svensson LG, et al;
Transcatheter versus surgical aortic-valve replacement in high-risk patients. N Engl
J Med. 2011;364(23):2187-988.

Análise crítica da validade metodológica


Φ Transfemoral: O acesso transfemoral é a via de escolha em 90% a 92% dos casos e o diâmetro mínimo de 6mm da
artéria femoral é necessário para a utilização da bainha 18F utilizada no procedimento
*Transapical: Via alternativa que consiste em uma minitoracotomia esquerda para acesso cirúrgico anterógrado direto,
pelo ápice do VE9.

Análise da magnitude e precisão dos resultados


Avaliação da qualidade da evidência

Fonte: GRADE7

Aplicabilidade da evidência
Fonte: GRADE7

Apresentou-se um cenário clínico do mundo real, de uma paciente octogenária com


estenose aórtica sintomática e doença coronariana com disfunção ventricular
importante, possuindo escore STS elevado em que a IVAC poderia ser uma alternativa à
CTVA. Foram seguidos os cinco passos da MBE – Delineamento do problema e
formulação de questões estruturadas para cada um dos subdomínios da terapia em
probabilidade, performance e utilidade. O médico deve encontrar a evidência em fontes
apropriadas, analisar criticamente e aplicar o Grade, que considera a qualidade da
evidência, seus riscos e benefícios e incorpora os valores e preferências do paciente na
hora de fazer uma recomendação. A evidência isoladamente não é suficiente.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.


Referências

1. Bramstedt KA. Aortic valve replacement in the elderly: frequently indicated


yet frequently denied. Gerontology. 2003;49(1):46-9.
2. Grube E, Laborde JC, Zickmann B, Gerckens U, Felderhoff T, Sauren B, et al.
First report on a human percutaneous transluminal implantation of a self-
expanding valve prosthesis for interventional treatment of aortic valve
stenosis. Catheter Cardiovasc Interv. 2005;66(4):465-9.
3. O’Brien SM, Shahian DM, Filardo G, Ferraris VA, Haan CK, Rich JB, et al;
Society of Thoracic Surgeons Quality Measurement Task Force. The Society
of Thoracic Surgeons 2008 cardiac surgery risk models: part 2--isolated
valve surgery. Ann Thorac Surg. 2009;88(1 Suppl):S23-42.
4. Thomas M, Schymik G, Walther T, Himbert D, Lefèvre T, Treede H, et al.
Thirty-day results of the SAPIEN aortic Bioprosthesis European Outcome
(SOURCE) Registry: A European registry of transcatheter aortic valve
implantation using the Edwards SAPIEN valve. Circulation. 2010;122(1):62-
9.
5. Thomas M, Schymik G, Walther T, Himbert D, Lefèvre T, Treede H, et al.
One-year outcomes of cohort 1 in the Edwards SAPIEN Aortic Bioprosthesis
European Outcome (SOURCE) registry: the European registry of
transcatheter aortic valve implantation using the Edwards SAPIEN valve.
Circulation. 2011;124(4):425-33.
6. Guyatt G, Rennie D, Meade M, Cook D (eds). Users' Guides to the Medical
Literature: essentials of evidence-based clinical practice. 2nd ed. New York:
McGraw Hill; 2008.
7. Guyatt GH, Oxman AD, Vist GE, Kunz R, Falck-Ytter Y, Alonso-Coello P, et
al; GRADE Working Group. GRADE: an emerging consensus on rating
quality of evidence and strength of recommendations. BMJ.
2008;336(7650):924-6.
8. Smith CR, Leon MB, Mack MJ, Miller DC, Moses JW, Svensson LG, et al;
PARTNER Trial Investigators. Transcatheter versus surgical aortic-valve
replacement in high-risk patients. N Engl J Med. 2011;364(23):2187-98.
9. Walther T, Dewey T, Borger MA, Kempfert J, Linke A, Becht R, et al.
Transapical aortic valve implantation: step by step. Ann Thorac Surg.
2009;87(1):276-83.
PROBABILIDADE, PERFORMANCE E
UTILIDADE RELACIONADA AOS TESTES
GENÉTICOS EM CARDIOLOGIA PARA
PREDIÇÃO DE RESPOSTA TERAPÊUTICA

Sabrina Bernardez Pereira


Suzana Alves da Silva

CASO CLÍNICO

Paciente, 50 anos, em anticoagulação plena com warfarin por fibrilação atrial


intermitente. Durante tratamento inicial, necessitou de vários ajustes de dose para
atingir o INR terapêutico. Há duas semanas apresentou epistaxe bastante significativo e
o INR se encontrava acima da dose terapêutica. Havia relato de uso de antibiótico oral
nesse período por infecção urinária. De volta ao consultório, a paciente questionou a
possibilidade do uso de teste genético para ajuste da dose da varfarina que havia visto
em website norte-americano.
OBJETIVOS
1. Discutir a utilidade dos testes genéticos em cardiologia para predição de resposta
terapêutica.
2. Analisar a performance dos testes genéticos em cardiologia para predição de
resposta terapêutica.

PERGUNTAS
1. Como resolver o problema clínico apresentado?

Os principais problemas do caso clínico apresentado podem ser inseridos nas esferas
da performance, probabilidade e utilidade. A descrição sucinta de cada uma encontra-
se a seguir:

Utilidade - estimativa da magnitude do benefício oferecido por alguma


intervenção diagnóstica, terapêutica ou prognóstica.
Performance - desempenho de um marcador para prever uma resposta a
determinada intervenção.
Probabilidade – refere-se à probabilidade de resultados clínicos ao longo do
tempo ou possíveis diagnósticos – frequência de ocorrência da condição.

Questões estruturadas:
Busca da melhor evidência científica disponível (Quadro 1)
Portais de busca: pubMed
Estratégia: “warfarin and genetic test” limitado para ensaios clínicos randomizados de
teste genético em humanos.

Quadro 1
Estudos com evidências do uso de testes genéticos em anticoagulação oral com varfarina.
ECR=ensaio clínico randomizado

2. Como avaliar as melhores evidências encontradas?

Embora apresente grande variabilidade inter e intraindividual em relação ao ajuste da


dose terapêutica, a utilização da varfarina aumentou drasticamente nos últimos 40 anos.
Adicionalmente, esse fármaco apresenta uma margem terapêutica muito estreita com
episódios hemorrágicos frequentes.

A terapêutica com varfarina apresenta, por isso, dois grandes desafios:

1. em primeiro lugar, a estabilização da dose de forma segura e efetiva deverá


ser feita nos primeiros meses de terapêutica;
2. em segundo lugar, a monitorização e manutenção das doses deverão levar em
conta as alterações intrínsecas do paciente como peso corporal, dieta,
comorbidades e terapêuticas concomitantes, entre outras.

Assim, considera-se que a informação advinda da farmacogenética poderá ser, na


terapêutica com a varfarina, mais-valia na otimização da dose eficaz e na minimização
dos efeitos adversos.

Atualmente, a maioria da informação proveniente dos testes de farmacogenética e


farmacogenômica é baseada no estudo de polimorfismos dos genes que codificam as
enzimas responsáveis pela metabolização dos fármacos, os transportadores, os
receptores (moléculas-alvo de ação do fármaco) e proteínas envolvidas nas vias de
sinalização.

A varfarina é metabolizada principalmente por oxidação no fígado pela CYP2C9, e


exerce seu efeito anticoagulante, inibindo o complexo proteico vitamina K epóxido
redutase, subunidade 1 (VKORC1). Três polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs),
duas no gene CYP2C9 e uma no gene VKORC1, foram encontrados por desempenhar
papéis-chave na determinação do efeito da varfarina sobre a coagulação. Variantes
nesses genes têm sido relatadas por estarem associadas com aumento do risco de
complicações hemorrágicas advindas do tratamento com varfarina.

Por conta disso, em agosto 2007, o FDA8 incluiu na bula da varfarina a informação
genética que repercute sobre sua farmacocinética, melhorando a estimativa da dose
inicial do anticoagulante de forma individualizada, otimizando o uso do fármaco e
diminuindo as complicações hemorrágicas. A bula adverte que a presença de uma
variante do CYP2C9 e do VKORC1 pode ser responsável em até 40% da variação na
dose requerida para a varfarina.

No entanto, há inúmeras dificuldades em extrair evidências da literatura em genética


clínica, principalmente porque há poucos ensaios clínicos randomizados e controlados,
apenas pequenas coortes e alguns estudos de caso-controle.

Na análise dos resultados dos estudos selecionados, houve uma tendência para menos
sangramento com a dose guiada pela farmacogenética, mas isso deve ser interpretado
com cautela devido às diferenças entre os desenhos dos estudos. Houve alguma
evidência de que o tempo para alcançar a dose estável de varfarina possa ser diminuída
com a dosagem guiada pelo genótipo.
No estudo de Anderson et al.3, o de maior qualidade, não foram encontradas diferenças
significativas nos resultados primários ou secundários, embora tenha havido tendência
de alcance de uma dose estável mais rápido (14,1 vs 19,6 dias, p=0,07) com o uso do
teste genético. No entanto não há nenhuma evidência de que uma dose inicial mais
precisa reduza o risco de hemorragia.

3. Como aplicar a evidência?

Com o desenvolvimento de uma série de testes de farmacogenética, a última década


assistiu a farmacogenômica passar de estudos de um gene candidato para abordagens
em nível de genoma. No entanto, muitas barreiras precisam ser superadas para a
farmacogenômica cardiovascular alcançar o seu impacto clínico prometido.

Em 1997, o National Institutes of Health e o Department of Energy Task Force on


Genetic Testing8 propuseram três critérios para a avaliação de testes genéticos:
validade analítica, validade clínica e utilidade clínica. A validade analítica refere-se à
acurácia com a qual uma característica genética particular pode ser identificada por um
teste laboratorial. A validade clínica refere-se à acurácia com a qual um teste genético
identifica uma condição clínica. Essas duas condições se condicionam ao conceito de
performance do teste. Para a utilidade clínica, o documento refere-se ao balanço dos
riscos x benefícios. Antes de um teste genético ser aceito na prática clínica, os dados
devem ser coletados a fim de demonstrar os benefícios e riscos que resultam de ambos
os resultados negativos e positivos.

Além da viabilidade e validade do teste, quatro níveis de impacto são considerados: o


raciocínio diagnóstico, a escolha terapêutica, a evolução do paciente, e os impactos
sociais. O raciocínio diagnóstico refere-se ao valor da informação na compreensão do
diagnóstico, causa e prognóstico. A escolha terapêutica refere-se ao uso dos resultados
dos testes no manejo clínico do indivíduo com uma doença diagnosticada. Os
resultados dos pacientes referem-se aos desfechos, tais como mortalidade ou qualidade
de vida, e os impactos sociais incluem o conceito de custo-eficácia. Do ponto de vista
clínico, o raciocínio diagnóstico e a escolha terapêutica podem constituir a base da
utilidade clínica, mesmo na ausência de dados sobre os desfechos clínicos.

Em relação ao uso da farmacogenética no ajuste de dose da varfarina, entende-se que a


validade analítica é aceitável, uma vez que os testes para polimorfismos da CYP2C9 e
VKORC1 são simples e de fácil execução, com boa acurácia em seus resultados.

Quanto à validade clínica, juntos, as variantes para CYP2C9 e VKORC1 são


responsáveis por 40% da variação na dose necessária de varfarina, enquanto os fatores
clínicos e demográficos são responsáveis por aproximadamente 20% da variabilidade.
O risco de hemorragia foi maior em pacientes com uma variante do CYP2C9 em
aproximadamente o dobro que em pacientes com o tipo selvagem. Em contraste,
VKORC1 parece conferir um risco maior de sobre-anticoagulação (INR> 4) durante os
primeiros dias de terapia, mas não aumenta o risco de hemorragia.

Um algoritmo de previsão de dose de varfarina foi desenvolvido pelo International


Consortium Farmacogenética Warfarin (IWPC) usando dados de 5700 pacientes de
nove países4. A previsão da dose que incluiu informações de farmacogenética melhorou
a capacidade de prever com precisão aqueles pacientes que necessitaram de ≤3mg/dia
(54,3% vs. 33,4%) e aqueles que necessitaram de ≥7mg/dia (26,4% vs. 9,1%) em
relação ao uso apenas clínico e demográfico.

No entanto, na análise de utilidade clínica, o impacto da dosagem guiada pelos


genótipos sobre os resultados clínicos foi comparado com o tratamento-padrão nos três
pequenos estudos randomizados controlados apresentados, mas os resultados não foram
definitivos. Caraco et al.2 relataram um menor tempo para o primeiro INR terapêutico e
o primeiro INR estável entre pacientes que receberam a terapia guiada apenas pelo
genótipo CYP2C9. Anderson et al.3 não encontraram nenhuma diferença no percentual
de INR dentro da faixa terapêutica, embora o efeito de genotipagem pode ter sido
atenuado porque 80% dos indivíduos eram pacientes internados e acompanhados de
perto.

4. Qual a importância dos testes genéticos na gestão da varfarina?

Resultados de ensaios clínicos em curso vão ajudar a esclarecer o papel dos testes
genéticos na gestão da varfarina. Pequenos tamanhos de amostra e heterogeneidade
entre os poucos estudos disponíveis têm impedido estimativas definitivas da eficácia
relativa a essa intervenção. Assim, as evidências atuais são não significativas em
definir a melhor estratégia para os pacientes que necessitam do uso de varfarina para
anticoagulação oral.

Novas tecnologias já incorporadas à prática clínica têm trazido anticoagulantes que não
necessitam de ajuste de dose, no entanto, isto não invalida a importância da
farmacogenética em outras frentes terapêuticas, principalmente na escolha do melhor
fármaco, melhor dose e redução de eventos adversos, desenvolvendo finalmente uma
medicina individualizada.
Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
1. Hillman MA, Wilke RA, Yale SH, Vidaillet HJ, Caldwell MD, Glurich I, et
al. A prospective, randomized pilot trial of model-based warfarin dose
initiation using CYP2C9 genotype and clinical data. Clin Med Res.
2005;3(3):137-45.
2. Caraco Y, Blotnick S, Muszkat M. CYP2C9 genotype-guided warfarin
prescribing enhances the efficacy and safety of anticoagulation: a prospective
randomized controlled study. Clin Pharmacol Ther. 2007;83(3):460-70.
3. Anderson JL, Horne BD, Stevens SM, Grove AS, Barton S, Nicholas ZP, et
al; Couma-Gen Investigators. Randomized trial of genotype-guided versus
standard warfarin dosing in patients initiating oral anticoagulation.
Circulation. 2007;116(22):2563-70.
4. International Warfarin Pharmacogenetics Consortium, Klein TE, Altman RB,
Eriksson N, Gage BF, Kimmel SE, Lee MT, et al. Estimation of the warfarin
dose with clinical and pharmacogenetic data. N Engl J Med.
2009;360(8):753-64. Erratum in: N Engl J Med. 2009;361(16):1613.
5. Rieder MJ, Reiner AP, Gage BF, Nickerson DA, Eby CS, McLeod HL, et al.
Effect of VKORC1 haplotypes on transcriptional regulation and warfarin
dose. N Engl J Med. 2005;352(22):2285-93.
6. Yin T, Miyata T. Warfarin dose and the pharmacogenomics of CYP2C9 and
VKORC1 - rationale and perspectives. Thromb Res. 2007;120(1):1-10.
7. Stehle S, Kirchheiner J, Lazar A, Fuhr U. Pharmacogenetics of oral
anticoagulants: a basis for dose individualization. Clin Pharmacokinet.
2008;47(9):565-94.
8. Grosse SD, Khoury MJ. What is the clinical utility of genetic testing? Genet
Med. 2006;8(7):448-50.
9. Meckley LM, Wittkowsky AK, Rieder MJ, Rettie AE, Veenstra DL. An
analysis of the relative effects of VKORC1 and CYP2C9 variants on
anticoagulation related outcomes in warfarin-treated patients. Thromb
Haemost. 2008;100(2):229-39.
10. Limdi NA, Veenstra DL. Warfarin pharmacogenetics. Pharmacotherapy.
2008;28(9):1084-97.
Seção 8. Cardiogeriatria

Hipertensão Arterial em Paciente Diabético


Síncope em Idoso
Fibrilação Atrial
Estenose Aórtica em Idosos e o Implante de Válvula Aórtica por Cateter
Doença Coronariana Crônica
HIPERTENSÃO ARTERIAL EM PACIENTE
DIABÉTICO

Elizabete Viana de Freitas


Erika Maria Gonçalves Campana

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 80 anos, branca, casada, natural do RJ, professora aposentada, com
história de hipertensão (HAS) há 15 anos, diabetes mellitus não insulino dependente
(DM) há oito anos e depressão em tratamento há cinco meses.
Doença principal: Diabetes mellitus e hipertensão arterial
Comorbidades: Idade avançada; depressão maior; osteoartrose de joelho; histórico
prévio de queda.
Fatores de risco cardiovascular: Diabetes mellitus, hipertesão arterial, dislipidemia,
idade avançada.

Resumo caso clínico: Paciente idosa, com história de diabetes e hipertensão, há alguns
anos vem apresentando episódios de esquecimento de nomes e do lugar onde deixou
objetos, porém sem piora evolutiva. Portadora de osteoartrose de joelho, com dor de
leve a moderada e não limitante. Vacinação anti-influenza e antipneumocócica em dia.
Trazida à consulta cardiológica por seus familiares por estar com pressão alta e ter
apresentado episódio de queda no último ano, há oito meses.

Sintomas e sinais e medicação de uso regular: chega à consulta desidratada (2+/4+);


Peso =73,4kg; Altura =1,61m, Índice de massa corporal (IMC)=28,3kg/m²;
Circunferência abdominal =95cm. Medida da pressão arterial (PA) (média) sentada
=164/88mmHg e em pé =128/82mmHg; Frequência cardíaca sentada =76bpm e em pé
=80bpm. Aparelhos cardiovascular e respiratório dentro da normalidade. Pulsos
periféricos: palpáveis e simétricos. Presença de edema de membros inferiores (1+/4+)
e sinais de insuficiência venosa periférica. Presença de crepitações à flexão dos
joelhos.
Medicações em uso no momento da consulta: hidroclorotiazida 50mg/dia;
glibenclamida 10mg/dia; nortriptilina 75mg/dia; rofecoxib 25mg (caso necessário).

Avaliação neuropsiquiátrica e funcional: Miniexame do estado mental (MMSE) 28/30


pontos; fluência verbal 17 animais; teste do relógio 9/10 pontos. Escala de depressão
geriátrica resumida (Short-GDS) 3/15 pontos. Independente para atividades de vida
diária (AVD) e atividades intermediárias de vida diária (AIVD).

Exames complementares/laboratoriais mais relevantes:


Eletrocardiograma: ritmo sinusal com hipertrofia ventricular esquerda (HVE).
Radiografia de tórax apresentando calcificações em aorta.
Hemograma normal; ureia =38mg/dl; creatinina =1,2mg/dl com clearance estimado em
43,3ml/min; sódio, potássio e cálcio, TSH e ácido úrico normais;
Perfil metabólico: glicemia de jejum =145mg/dl, HbA1c =7,8%, colesterol total
=197mg/dl, LDL-c =127mg/dl, HDL-c =31mg/dl e triglicerídeos =194mg/dl.
Exame de urina normal, microalbuminúria 50μg/min.

OBJETIVOS
1. Discutir as particularidades da hipertensão arterial e do DM em indivíduos
idosos.
2. Entender a importância da hipertensão arterial e do diabetes mellitus no
contexto do continuum cardiovascular (CV).
3. Discutir as metas e as opções terapêuticas recomendadas nessa situação e seu
impacto na redução do risco CV.
PERGUNTAS
1. Quais são as principais particularidades da hipertensão arterial no idoso e a sua
importância no continuum CV?

O Brasil apresenta 11,3 % da sua população total de pessoas com idade igual ou
superior a 60 anos, de acordo com os dados disponíveis no portal do IDB. A
expectativa de vida ao nascer, para a população brasileira é de 72,05 anos1. Os dados
epidemiológicos mostram também que a mortalidade por doenças cardiovasculares
(DCV) aumenta com a idade. Esses números expressam a importância do processo da
aterosclerose no idoso, tornando fundamental a sua prevenção e detecção. O
envelhecimento, a hipertensão arterial (HAS), a dislipidemia, o diabetes mellitus
(DM), o tabagismo, o sedentarismo e a obesidade são fatores de risco capazes de levar
à disfunção endotelial e, consequentemente a alterações vasculares, sendo clara a
associação entre esses fatores de risco e a aterosclerose2.

A HAS, presente em mais de 60% dos idosos, encontra-se frequentemente associada a


outras doenças como, por exemplo, o DM. O envelhecimento aórtico, com
enrijecimento da sua parede, faz com que a velocidade da onda de pulso (VOP)
aumente, sendo acompanhada também de um aumento da velocidade da onda reflexa,
contribuindo para uma elevação ainda maior da pressão arterial sistólica nessa
população. Essas alterações resultam em aumento da pressão de pulso (PP),
identificado como importante fator de risco cardiovascular independente em idosos. O
enrijecimento da aorta desempenha importante papel para o desenvolvimento da
hipertensão arterial sistólica isolada (HSI) (pressão arterial sistólica (PAS)
≥140mmHg e pressão arterial diastólica (PAD) <90mmHg). O aumento da prevalência
de HAS nos idosos ocorre principalmente devido ao aumento da frequência de HSI. Na
população ≥65 anos, quase 40% dos indivíduos têm HSI, e estes representam
praticamente 2/3 de todos os idosos hipertensos1,3-5.

2. Quais são os principais cuidados que se deve observar ao avaliar a pressão


arterial em indivíduos idosos?

A avaliação da PA e o diagnóstico de HAS em idosos apresentam algumas


características distintas em relação à dos adultos jovens. A pseudo-hipertensão
decorrente do aumento da resistência vascular periférica devido à calcificação da
parede arterial com consequente rigidez ocorre quando a artéria se encontra muito
endurecida e a insuflação máxima do manguito não faz desaparecer o pulso radial,
sendo registradas pressões muito elevadas. A realização da manobra de Osler, que
consiste na insuflação do manguito no braço até o desaparecimento do pulso radial,
permite a detecção dos casos de pseudo-hipertensão. Caso a artéria seja palpável após
esse procedimento, o paciente é considerado Osler-positivo, sugerindo fortemente a
presença dessa condição clínica3,5.

Em algumas situações, durante a deflação do manguito, podem ser ouvidos os primeiros


ruídos de Korotkoff, seguindo-se um silêncio e o reaparecimento dos ruídos,
denominando-se esse fenômeno hiato auscultatório, o que leva a uma subestimação da
PA sistólica ou uma hiperestimação da PA diastólica. O esclarecimento desse
diagnóstico evita um tratamento desnecessário3,5.

Devido à menor resposta dos barorreceptores, a hipotensão ortostática (HO) é um


fenômeno relativamente comum em pacientes idosos (20%), podendo se manifestar com
tontura postural, principalmente na vigência de uso de drogas hipotensoras. Para o
diagnóstico da hipotensão postural significativa é necessário que ocorra uma queda de
20mmHg na PA sistólica e/ou 10mmHg na PA diastólica, quando se muda o paciente da
posição supina para a ortostática5.

O diagnóstico, a classificação e a forma de medir a PA no idoso são semelhantes aos


dos adultos jovens, ressaltando-se as peculiaridades destacadas anteriormente3,5.

3. Quais são as principais particularidades do diabetes mellitus (DM) no idoso e a


sua importância no continuum CV?

A paciente em questão apresenta diagnóstico de diabetes mellitus associado à


hipertensão em indivíduo idoso. Reconhecidamente, em todo o mundo, vem ocorrendo
aumento na incidência do DM, com projeção de 333 milhões de diabéticos em 2025.
Esse crescimento da doença está relacionado ao envelhecimento populacional, ao
aumento da obesidade, do sedentarismo e da sobrevida dos pacientes diabéticos6-8. No
Brasil, a relação entre envelhecimento e aumento do DM ficou bem demonstrada no
Estudo Multicêntrico Sobre Prevalência de Diabetes no Brasil7, no qual se observou
aumento de 6,4 vezes na sua prevalência entre as idades de 60 anos e 69 anos (2,7%
para 17,4%).

O DM tipo 2 representa uma das doenças crônicas mais comuns nos idosos. Sua
prevalência está estimada entre 15% a 20% nos indivíduos acima dos 60 anos, e mais
da metade de todos os indivíduos portadores de DM2 tem mais de 60 anos6.
Também a morbidade, a mortalidade e os custos relacionados a essa condição clínica
são elevados. O número de internações por DM registrado no SIH/SUS em 2000 foi
140.826 indivíduos, dos quais 52,84% tinham mais de 60 anos. Esse elevado número
de internações foi responsável por 39 milhões de reais gastos pelos SUS naquele ano.
Da mesma forma, a mortalidade por DM aumenta com o envelhecimento, passando de
0,46 mortes por 100 mil habitantes (entre 0 a 29 anos), para 233,3 mortes por 100 mil
habitantes (entre 60 e 69 anos)3-6,8.

As consequências do DM no idoso podem ser mais graves em decorrência do aumento


da incapacidade funcional, da presença de múltiplas comorbidades e da polifarmácia
tão comum nessa faixa etária. Algumas situações próprias do envelhecimento podem
interferir na decisão terapêutica e nas metas definidas para esse grupo de pacientes. O
Quadro 1 destaca as principais particularidades do DM no idoso6.

Quadro 1
Particularidades do diabetes mellitus (DM) no idoso6
A doença cardiovascular ocorre no indivíduo diabético de forma mais precoce e
frequentemente mais grave, estando associada ao aumento da prevalência de problemas
micro e macrovasculares no idoso. A prevenção da doença macrovascular no DM
envolve o tratamento de todos os fatores de risco associados como a HAS, a
dislipidemia, a obesidade, o tabagismo, o sedentarismo e a alimentação desbalanceada.
O paciente diabético é, portanto, considerado um paciente em risco de desenvolvimento
de DCV e o controle rigoroso dos níveis glicêmicos, da PA, do perfil lipídico e
antropométrico, bem como hábitos de vida saudáveis são cruciais para prevenir a
ocorrência de eventos mórbidos e a mortalidade CV3-6,8.

4. Está correto proceder à avaliação de isquemia silenciosa nesta paciente?

O DM exerce efeito deletério sobre a circulação e, como consequência, ao


aparecimento de complicações microvasculares como retinopatia, nefropatia,
neuropatia; e macrovasculares, como doença arterial coronariana (DAC), doença
cerebrovascular (DCBV) e doença arterial periférica (DAOP). A mortalidade por essas
complicações representa importante problema de saúde pública, sendo a
macroangiopatia e a nefropatia as principais causas de morte entre os diabéticos6,8.

O risco de DCV é duas a quatro vezes maior nos diabéticos em comparação aos não
diabéticos, sendo que no sexo masculino o risco de DAC e de acidente vascular
encefálico aumenta duas vezes, e no sexo feminino de três a quatro vezes. O infarto
agudo do miocárdio (IAM) é mais comum no paciente diabético e tem um pior
prognóstico.

Como se pode observar no caso clínico apresentado, a paciente acumula múltiplos


fatores de risco: idade >60 anos, HAS com hipertrofia ventricular esquerda, DM,
obesidade central, dislipidemia combinada, microalbuminúria e redução da taxa de
filtração glomerular, condições frequentes no paciente idoso, hipertenso e diabético
devendo ser visto como um paciente de alto risco CV e ser elegível para uma
investigação mais criteriosa de DCV, incluindo a pesquisa de isquemia silenciosa6,8.

5. Que exames complementares estão mais indicados para esta investigação?

Ainda não há consenso sobre os exames complementares que deverão ser realizados
para detectar isquemia silenciosa em diabéticos, ainda que essa condição ocorra em
1:5 diabéticos, sendo ainda mais frequente nos idosos8. O teste ergométrico, embora
represente recomendação classe A com nível de evidência I para indivíduos diabéticos,
mesmo assintomáticos, com mais de um fator de risco adicional (caso desta paciente)9-
12 tem uma sensibilidade apenas intermediária para o diagnóstico de isquemia.
Por outro lado, a isquemia silenciosa grave é observada em 1:15 diabéticos quando são
utilizados métodos com maior sensibilidade para a sua detecção, como a cintilografia
miocárdica. A presença de isquemia silenciosa nesse exame se associa a risco de
evento coronariano de 4,7% a 13,8% ao ano em indivíduos não tratados8.

Mais recentemente, cresceu o interesse pela determinação do escore de cálcio


coronariano que representa uma alternativa de vanguarda na detecção de doença
aterosclerótica subclínica. Esse método pode ser útil nos pacientes diabéticos, já que o
exame não utiliza contraste iodado e expõe o paciente a menores cargas de radiação;
entretanto ainda não existe consenso sobre a validade da utilização da pesquisa de
cálcio coronariano como screening inicial em pacientes diabéticos8.

O conhecimento atual sugere que a presença de um escore de cálcio >100 implicaria a


recomendação de reduções mais agressivas do LDL colesterol (meta LDL <70mg/dl) e
utilização de ácido acetilsalicílico como prevenção primária nesses pacientes. Outra
perspectiva seria o escore de cálcio >400 como um indicador da recomendação para a
pesquisa de isquemia silenciosa com métodos de imagem como a cintilografia.
Entretanto, são necessários estudos de desfechos que comprovem a redução de
morbidade e mortalidade CV baseados no escore de cálcio coronariano para que sua
utilização em larga escala seja validada3,6,8.

Na paciente em questão, optou-se pela realização do teste ergométrico que apresentou


critérios eletrocardiográficos para isquemia miocárdica (infradesnivelamento de
segmento STT 3mm com morfologia descendente), sendo a paciente encaminhada para
estudo hemodinâmico, que evidenciou irregularidades difusas com lesão de 90% na
porção proximal da artéria descendente anterior, procedendo-se à angioplastia
percutânea com implante de stent farmacológico.

6. Quais são as metas terapêuticas clínicas a serem alcançadas neste caso?

De acordo com as recomendações das VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão3, a meta


de PA para esta paciente (muito alto risco cardiovascular = HAS estágio II, DM,
dislipidemia, >65 anos, obesidade central, sedentarismo, hipertrofia ventricular
esquerda, microalbuminúria e taxa de filtração glomerular <60ml/min/1,72m2) deve ser
130/80mmHg. Recentemente, foi demonstrado que não há efeitos benéficos adicionais
em reduções mais rigorosas da PA. Em algumas situações, admite-se metas de PA
menos rigorosa com redução da pressão arterial sistólica para valores <160mmHg ou
reduções de 20mmHg em relação à PA original, evitando nesses casos precipitar
eventos isquêmicos coronarianos (curva em J) ou cerebrovasculares (autorregulação da
circulação cerebral)3,6,8.

A obesidade e o aumento da circunferência da cintura desempenham papel importante


na fisiopatologia da HAS associada ao DM; assim o controle do peso objetivando a
normalização do índice de massa corporal é fundamental nesta paciente. Os valores
recomendados de IMC como critério diagnóstico em idosos são: peso normal: IMC
entre 18,5-27kg/m2; sobrepeso: IMC entre 27-29,9kg/m2; obesidade: IMC ≥30 kg/m2. A
perda excessiva de peso pode levar à sarcopenia3,5,6,8.

7. Quais são as metas terapêuticas metabólicas para esta paciente?

As recomendações para o controle das dislipidemias nos pacientes diabéticos propõem


metas semelhantes às estabelecidas para os portadores de DCV. Colesterol LDL
<100mg/dL (em pacientes de mais alto risco pode-se considerar metas mais agressivas
<70mg/dl); colesterol HDL >50mg/dL; triglicérides <150mg/Dl4,6,8,13.

Para as metas glicêmicas, a literatura mostra que a manutenção de um perfil glicêmico


adequadamente controlado, conforme o Quadro 3, está associada à redução de eventos
macro e microvasculares, devendo ser almejada.

Quadro 3
Metas de controle glicêmico – Sociedade Brasileira de Diabetes8

*As metas devem ser alcançadas desde que não aumentem o risco de hipoglicemia

Entretanto, uma meta mais liberal com glicemia de jejum <180mg/dl, glicemia pós-
prandial <150mg/dl e HbA1C >7% pode ser adequada para pacientes com
hipoglicemias severas, expectativa de vida limitada e complicações graves, entre
outras.

8. Qual é a estratégia farmacológica mais indicada para o tratamento da


hipertensão nesta paciente?
Demonstrou-se, em vários estudos, que o tratamento anti-hipertensivo reduz o risco de
complicações nos idosos3,5. Como neste caso clínico, a HAS e o DM frequentemente
coexistem, e cerca de 40% dos indivíduos já são portadores de HAS na ocasião do
diagnóstico do DM. O tratamento da HAS nesse contexto se reveste de importância,
pois resulta em proteção cardiovascular, DCBV, renal e DAOP.

Como em todos os pacientes hipertensos, as mudanças no estilo de vida devem ser


realizadas pelos idosos. Essa estratégia tem resultados satisfatórios, como ficou
demonstrado no estudo TONE ─ Trial of Nonpharmacologic Interventions in the
Elderly14.

Entretanto, por serem pacientes de alto risco CV, os hipertensos diabéticos necessitam
frequentemente de tratamento medicamentoso e mais frequentemente ainda de múltiplas
drogas para atingir as metas pressóricas recomendadas. Soma-se a isso a alta
frequência de comorbidades, a consequente polifarmácia e o maior risco de interações
medicamentosas e efeitos adversos na população geriátrica, fazendo com que a escolha
do anti-hipertensivo seja cuidadosa, atentando-se para o número de tomadas diárias, a
interação medicamentosa e especialmente para as comorbidades como cardiopatias,
incontinência urinária, hipotensão ortostática, depressão, etc.

A maioria dos estudos clínicos aleatorizados realizados em idosos hipertensos


demonstrou de forma inequívoca a redução da PA, da morbidade e da mortalidade CV
com as principais classes de anti-hipertensivos disponíveis3,5. Nesta paciente,
considerando-se as comorbidades, em especial o DM e a dislipidemia presentes,
algumas classes de fármacos podem apresentar benefícios além da redução da PA. Os
betabloqueadores e os diuréticos tiazídicos podem ter efeito hiperglicêmico devendo
ser evitados nesses pacientes. Os betabloqueadores podem também mascarar os sinais
e sintomas de hipoglicemia, aumentando o risco de hipoglicemia prolongada. Em
situações especiais, como a presença de doença isquêmica do coração (caso desta
paciente), os betabloqueadores podem ser benéficos, devendo-se, no entanto, preferir
as formulações mais cardiosseletivas3,5.

Claramente existem vantagens na inclusão de uma droga bloqueadora do sistema renina-


angiotensina-aldosterona (SRAA) (IECA ou BRA) no tratamento de hipertensos
diabéticos, pois essas drogas têm demonstrado capacidade de diminuir a
microalbuminúria e a progressão para insuficiência renal e também reduzir os eventos
CV. Recentemente, uma nova classe de fármacos, também atuando no SRAA, o inibidor
direto da renina ─ o aliskireno ─ chegou ao mercado. Os resultados iniciais de estudos
clínicos randomizados com esse fármaco demonstraram que ele é eficaz e seguro em
idosos3,5,15 e pode ser uma alternativa mais eficaz na proteção renal do diabético16.

Apenas um subgrupo de pacientes com menor risco CV alcançará as metas de PA


propostas na literatura com monoterapia. Mais de 2/3 dos pacientes necessitarão de
associação de fármacos para o controle da PA, principalmente aqueles que acumulam
múltiplos fatores de risco para os quais as metas são mais rigorosas3,5. Na paciente em
questão, a opção terapêutica anti-hipertensiva foi: diurético tiazídico (hidroclorotiazida
25mg/dia) associado ao bloqueador de receptor de angiotensina (valsartan 160mg/dia)
e um betabloqueador (metoprolol 50mg/dia), devido à doença isquêmica do coração.

Especificamente, em relação ao tratamento da HAS nos pacientes idosos, cuidado


adicional deve ser dado pela possibilidade de ocorrência de HO. Nessas situações,
medidas não farmacológicas devem ser orientadas (hidratação adequada, levantar-se
lentamente, elevação da cabeceira, uso de meias elásticas). Muitas vezes apenas o
controle adequado da PA será capaz de reverter a HO. Deve-se ainda ter cuidado com o
uso de certos medicamentos, como diuréticos (pelo risco de depleção de volume),
simpatolíticos, nitratos e antidepressivos tricíclicos3,5. A HO foi observada na
avaliação inicial da paciente em questão (PA sentada 164/88mmHg e em pé:
128/82mmHg), as medidas não farmacológicas foram instituídas com reversão do
quadro.

9. Qual é a estratégia farmacológica mais indicada para o tratamento da


dislipidemia neste caso?

Pacientes hipertensos e diabéticos devem ter seu perfil lipídico avaliado na ocasião do
diagnóstico dessas doenças e, posteriormente, anualmente ou de acordo com o alcance
das metas propostas e a necessidade de ajustes terapêuticos. O padrão de alteração
lipídica mais frequentemente presente nos diabéticos é a hipertrigliceridemia,
associada à redução do HDL colesterol e a presença de LDL com características mais
aterogênicas (partículas pequenas e de mais alta densidade)4,6,8.

A Associação Americana de Diabetes (ADA) elegeu uma ordem de prioridades no


tratamento das dislipidemias em diabéticos: redução do LDL colesterol, seguida de
elevação do HDL colesterol; posteriormente redução dos triglicerídeos e finalmente
controle da dislipidemia combinada. Mais uma vez as mudanças de estilo de vida com
ênfase na perda de peso, adequação dietética e instituição de atividade física são os
pilares iniciais do tratamento das dislipidemias4,8,13. Quando essas medidas não forem
suficientes para se alcançarem as metas propostas na literatura, a instituição de
tratamento farmacológico torna-se obrigatória4,8.

As estatinas foram definidas como a droga de escolha no manejo das dislipidemias no


diabético pelas principais sociedades médicas4,8,13,17, sendo demonstrada redução dos
eventos CV com o seu uso. Nos pacientes diabéticos sem doença cardiovascular prévia,
a presença de LDL colesterol ≥130mg/dl já obriga o uso imediato de estatina. A mesma
recomendação vale para diabéticos com DCV prévia e LDL colesterol ≥100mg/dl.
Considerando-se as alterações do HDL colesterol, as opções para terapêutica
farmacológica recaem nos fibratos e no ácido nicotínico. Em relação aos triglicerídeos,
os fibratos e o ácido nicotínico são as drogas mais recomendadas4,8,13.

Nesta paciente com hipertensão, diabetes e DCV prévia (angioplastia coronariana com
stent farmacológico de descendente anterior) a presença de LDL colesterol acima da
meta (127mg/dl) foi o fator determinante para a prescrição de atorvastatina 40mg/dia
como estratégia terapêutica inicial da dislipidemia.

10. Quais são as particularidades e os cuidados mais relevantes do tratamento do


DM em indivíduos idosos?

O tratamento do diabético idoso não difere daquele dos adultos em geral. Entretanto
esse grupo apresenta algumas particularidades como maior risco de hipoglicemias
graves, mais ocorrência de efeitos colaterais com os medicamentos, polifarmácia,
coexistência de maior número de comorbidades. Na literatura há evidências limitadas
de que um controle glicêmico mais rigoroso nessa faixa etária represente maior
prevenção de complicações macrovasculares6,8.

Os pacientes magros, com início súbito dos sintomas e glicemia inicial >300mg/dl
deverão ser encarados como diabéticos tipo 1 e tratados com insulina. Já os pacientes
com características de síndrome metabólica deverão ser tratados como diabetes tipo 2,
como é o caso da paciente que se está avaliando (HAS, obesidade central,
hipertrigliceridemia e DM).

Outra particularidade se relaciona às metas de controle glicêmico em idosos.


Recomenda-se que essas metas sejam individualizadas, e nos grupos que apresentem
múltiplas comorbidades, nos muito idosos, naqueles portadores de doenças com
pequena expectativa de vida, são aceitáveis metas menos rigorosas conforme
relacionado na questão anterior, pois os principais estudos que avaliaram o tratamento
do diabetes nos idosos concluíram que as tentativas de controle glicêmico rigoroso
nessa população não preveniram a ocorrência de eventos CV maiores, mesmo naqueles
com DCV pré-existente, ou até mesmo aumentaram a incidência de eventos
provavelmente em decorrência de hipoglicemia severa6,8.

Vale ressaltar que o tratamento não medicamentoso com mudança de estilo de vida deve
ser instituído e, por vezes, é a opção terapêutica preferencial nesses pacientes, nos
quais as metas glicêmicas são menos rigorosas. Em relação à dieta nos idosos, deve-se
considerar que esse grupo apresenta maior risco de desnutrição, devendo ter-se
cuidado com restrições calóricas muito rigorosas; uma dieta menos restritiva pode
melhorar a qualidade de vida, e este é o objetivo maior no tratamento nessa faixa etária;
a perda de peso aumenta o risco de morbidade e mortalidade nesse grupo. Um
programa de exercícios físicos aumentará a probabilidade de sucesso5,8.

11. Qual é a estratégia farmacológica mais indicada para o tratamento do diabetes


nesta paciente?

Nos pacientes em que as mudanças de estilo de vida não forem suficientes para o
alcance das metas, ou naqueles de mais alto risco, a instituição de tratamento
farmacológico será necessária. Tanto para os hipoglicemiantes orais como para as
insulinas, as indicações de uso isolado ou em combinação são semelhantes às dos
adultos jovens; entretanto, algumas particularidades devem ser destacadas em relação a
esses esquemas terapêuticos em idosos5,8.

A metformina, uma biguanida, é hoje a primeira escolha para o tratamento


farmacológico no diabético com obesidade e sinais de resistência insulínica, como é o
caso desta paciente. Para os idosos é um fármaco bastante interessante pelo baixo
potencial de hipoglicemia; porém em função dos efeitos colaterais que podem ser
maximizados nessa faixa etária, e pela presença mais frequente de comorbidades
(nefropatia, hepatopatia, pneumopatias) seu uso pode estar contraindicado. A sua
utilização é feita iniciando-se sempre com pequenas doses e aumento lento e
progressivo. Os cuidados com o uso da metformina em idosos envolvem as condições
clínicas com potencial risco para o desenvolvimento de acidose respiratória ou
metabólica. Em pacientes idosos é importante ressaltar que mesmo valores normais de
creatinina sérica podem estar associados à redução da função renal, sendo obrigatória a
avaliação da taxa de filtração glomerular, pois valores <60ml/min/1,72 m2 constituem
contraindicação ao uso dessa droga5,8.
As sulfonilureias podem ser usadas nessa população, dando-se preferência às de
geração mais recente (glimeperida e glicazida) em detrimento daquelas de primeira
geração (clorpropamida), pois apresentam melhor tolerabilidade, menor risco de
hipoglicemia e menor interação com os canais de cálcio na circulação coronariana.
Estão contraindicadas aos portadores de insuficiência renal ou hepática. A
clorpropamida e a glibenclamida parecem não exercer efeito protetor CV6,8.

As glitazonas são drogas de terceira linha em uma associação de fármacos. Estão


contraindicadas na presença de hepatopatia e devem ser utilizadas com cautela em
portadores de insuficiência cardíaca pelo potencial aumento volêmico, com
consequente descompensação, situação que pode representar uma limitação ao seu uso
em idosos, cuja prevalência de insuficiência cardíaca com função sistólica
comprometida é elevada.

Outra ocorrência que pode limitar o uso nessa faixa etária e, particularmente na
paciente aqui apresentada, é a evidência na literatura de aumento da ocorrência de
fraturas periféricas em mulheres após a menopausa. Atualmente, a pioglitazona é a
única representante desse grupo já que as demais foram retiradas do mercado6,8.

A acarbose apresenta algumas restrições em idosos, devendo ser evitada em indivíduos


portadores de doenças intestinais e naqueles com maior predisposição para a
constipação intestinal, condições frequentes nesse grupo. Apresentam também maior
incidência de efeitos colaterais intestinais, sendo habitualmente pouco tolerado pelos
idosos6,8.

As glinidas podem ser uma opção terapêutica interessante em indivíduos idosos, em


função de seu mecanismo de ação com duração particularmente curta, o que confere à
droga melhor perfil de tolerabilidade e segurança com baixa taxa de ocorrência de
hipoglicemia. Adicionalmente, a droga pode ser utilizada em portadores de
insuficiência hepática e renal, condições muito frequentes nesse grupo etário. A
principal limitação ao seu uso em idosos é a falta de estudos de literatura específicos
com essa população6,8.

Os análogos do peptídeo semelhante ao glucagon (GLP1) podem ser utilizados nos


idosos com bons resultados terapêuticos, porém a maior ocorrência de efeitos
colaterais gastrintestinais e a sua via de administração subcutânea podem representar
limitações ao seu uso nesses pacientes. Estão contraindicados em portadores de
insuficiência renal com depuração de creatinina <30ml/min/1,72m2 (6).
Os Inibidores da dipeptil-dipeptidade IV são fármacos com ótimo perfil de
tolerabilidade e segurança em idosos, podendo ser associados à metformina e às
sulfonilureias. Estão contraindicados em portadores de insuficiência renal com taxa de
filtração glomerular <30ml/min/1,72m2. Alguns estudos têm demonstrado ligeira
elevação do risco de infecções respiratórias, necessitando monitoramento nos pacientes
idosos6,8.

A indicação da utilização de insulina em idosos é semelhante à dos demais diabéticos


adultos; entretanto nessa população especifica diversos fatores limitadores podem
dificultar o seu uso. Nos idosos as hipoglicemias são mais frequentes e diversas
condições associadas podem dificultar bastante a utilização adequada e segura desse
fármaco, cabendo ao médico assistente ponderar criteriosamente os risco e os
benefícios da introdução de insulinoterapia em indivíduos diabéticos idosos6,8.

A conduta adotada para esta paciente foi uma terapêutica combinada, incluindo uma
sulfonilureia de segunda geração (glibenclamida 5mg) associada à biguanida
(metformina 850mg).

É importante entender que o envelhecimento é heterogêneo, e o mais importante é a


condição funcional, portanto, mais o grau de independência e de autonomia do que a
idade por si só. Pacientes idosos têm alta prevalência de comorbidades, que devem ser
consideradas para o tratamento adequado e o objetivo primordial do tratamento é a
melhora ou preservação da qualidade de vida.

Sintetizando:

1. A anamnese inicial mostrou investigação clínica adequada com avaliação


funcional neuropsiquiátrica da paciente através da utilização de testes e
escalas. O MMSE, teste de rastreio para déficit cognitivo, foi normal. A
utilização da escala de depressão geriátrica reduzida também mostrou
resultado normal. A investigação da condição funcional foi avaliada através
das AVD e das AIVD.
2. De acordo com as evidências, a paciente foi submetida à investigação de
doença subclínica com diagnóstico de DAC, com necessidade de
angioplastia com implante de stents.
3. A presença de DAC, DM e HAS determina rigorosa adequação terapêutica,
buscando as metas preconizadas para esses pacientes. Inicialmente, foi feito
aconselhamento no tocante à mudança de estilo de vida através da adoção de
atividade física e mudança de hábitos alimentares. A estratégia terapêutica
inicial foi direcionada à retirada do anti-inflamatório e introdução de
tratamento fisioterápico; retirada do antidepressivo tricíclico, com inúmeros
efeitos colaterais, como por exemplo efeitos anticolinérgicos que atuam
negativamente sobre a cognição. Pela presença de DAC, além da medicação
em função do protocolo da angioplastia, optou-se pela utilização de
betabloqueador cardiosseletivo, de droga bloqueadora dos receptores de
angiotensina associada à baixa dose de diurético tiazídico, e de estatina. A
glibenclamida foi substituída pela glimepirida, uma sulfonilureia, de
potencial proteção CV.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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SÍNCOPE NO IDOSO

Roberto Gamarski
Bruno Ganimi

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 81 anos, branco, natural do Rio de Janeiro, técnico administrativo
da Petrobras.
Queixa principal: “Caí no restaurante por duas vezes”.

História da doença atual: Paciente diabético, hipertenso e coronariopata refere ter


apresentado episódio de perda da consciência em um restaurante no dia 21/03/2004,
com duração de aproximadamente 30s e recuperação espontânea da consciência.
Encontrava-se sentado no momento. Nega sinais premonitórios. Não houve convulsões
ou perda do controle esfincteriano. Estava em jejum há 5 horas.

História patológica prévia: Diabético não insulino-dependente há 25 anos, hipertenso


há 10 anos, sedentário. Nega dislipidemia. Apresentou dois episódios de infarto agudo
do miocárdio há seis e sete anos, sendo o primeiro tratado com trombólise e o segundo
tratado clinicamente. Apresentou episódio de edema agudo pulmonar em 1998 (três
meses após o segundo infarto), tendo realizado coronariografia.

Coronariografia: Artéria descendente anterior com obstrução 50% em terço médio.


Primeiro ramo diagonal: longa com obstrução 80% terço proximal. Artéria circunflexa:
obstrução 50% terço distal. Artéria coronária direita: ocluída no terço proximal.
Ventriculografia: disfunção moderada a grave de ventrículo esquerdo. Após
angioplastia de primeiro ramo diagonal permaneceu assintomático até o episódio de
sincope relatado.

Medicações em uso: glimepirida, metformina, pentoxifilina, carvedilol, mononitrato,


losartan, AAS e sinvastatina.

História social: nega etilismo. Ex-tabagista de um maço/dia por 18 anos, tendo parado
de fumar em 1987.

História familiar: mãe cardiopata e diabética. Pai cardiopata. Ambos falecidos.

Após a síncope, foi admitido em setor de emergência, onde foram realizados os


seguintes exames: tomografia computadorizada de crânio (TC), RX de tórax,
eletrocardiograma (ECG), hemograma e bioquímica do sangue, incluindo curva
enzimática (Figuras 1 e 2).

ECG: ritmo sinusal. Inatividade inferior. Alteração da repolarização em parede lateral


(Figura 1).

Figura 1
ECG do paciente relatado à admissão
Figura 2
TC de crânio do paciente relatado à admissão

Recebeu alta hospitalar, permanecendo assintomático por 24 horas, quando apresentou


um novo episódio de síncope. Dessa vez teve duração de 2min, com as mesmas
características anteriores. Foi à emergência de outro hospital em condições clínicas
estáveis e assintomático, sendo internado para nova avaliação diagnóstica.

Exames solicitados: ECG, ecocardiograma, Doppler de carótidas e ressonância (RNM)


de crânio.

ECG: mesmo padrão do anterior.


Ecocardiograma: dimensões aumentadas. Função de ventrículo esquerdo deprimida por
Simpson: 37% acinesia septal anterior e apical. Hipocinesia das demais paredes.

EcocolorDoppler de carótidas e vertebrais: lesões fibrocálcicas não obstrutivas


(<50%) em ramos internos de carótida direita e 20% em carótida esquerda.
RNM: imagem compatível com acidente vascular encefálico isquêmico cortical e
subcortical parietal esquerdo recente (Figura 3).

Figura 3
RNM: imagem compatível com acidente vascular encefálico isquêmico cortical e subcortical parietal esquerdo
recente

Foi solicitada realização de nova coronariografia. Todavia, no dia do procedimento,


apresentou febre, disfagia e tosse produtiva, com presença de roncos difusos e
estertores crepitantes nas bases de ambos os hemitórax. Os exames laboratoriais
evidenciavam leucocitose com desvio para à esquerda e proteína C-reativa
(PCRt)=9,1. Com isso, foi submetido a rastreamento microbiológico que evidenciou
foco urinário, sendo o procedimento suspenso. Evoluiu com sepse grave e foi
transferido para o CTI no dia 04/04/2004, onde permaneceu por 15 dias.

Após melhora do quadro, adotou-se uma conduta mais conservadora pelas condições
gerais do paciente, optando-se por uma estratificação não invasiva com cintilografia e
Holter de 24h (Figura 4):
Figura 4
Holter de 24 horas

Cintilografia miocárdica (Figura 5):

Figura 5
Cintilografia miocárdica

Em resumo: homem, 82 anos, diabético, coronariopata grave, com disfunção


ventricular, síncope recorrente e taquicardia ventricular não sustentada (TVNS).

Optou-se por realizar estudo eletrofisiológico:

Nódulo sinusal e sistema His-Purkinje normais.


Hipersensibilidade do seio carotídeo com pausa significativa por bloqueio
atrioventricular total (BAVT) transitório.
Indução de taquicardia ventricular sustentada com degeneração
hemodinâmica por estimulação ventricular programada, com necessidade de
cardioversão elétrica.

Tendo em vista os resultados obtidos nos exames solicitados, o paciente foi submetido
com sucesso a implante de cardioversor-desfibrilador DDD, com posterior alta
hospitalar.

OBJETIVOS
1. Conhecer a epidemiologia da síncope no idoso.
2. Descrever a classificação dos mecanismos de síncope com as características
clínicas que auxiliam na sua identificação.
3. Analisar as ferramentas que auxiliam no diagnóstico diferencial da síncope
cardíaca da síncope não cardíaca.
4. Discutir os exames complementares necessários à avaliação sistematizada do
paciente com síncope.
5. Identificar as medidas farmacológicas e não farmacológicas que visam à
prevenção da recorrência da síncope.

PERGUNTAS
1. Como se define síncope? Qual é a sua epidemiologia e o diagnóstico diferencial
em idosos1?

Síncope é um sintoma complexo caracterizado por perda súbita e transitória da


consciência e do tônus postural, seguida de recuperação espontânea, rápida e completa.

Estima-se sua incidência na população geral de 0,62% de eventos/ano. De acordo com


o estudo de Framingham, a incidência é maior em indivíduos após os 70 anos, variando
de 5,7 casos:1000 pessoas/ano em homens com idade entre 60-69 anos e 11,1
casos:1000 pessoas/ano entre 70-79 anos de idade.

Epidemiologia:

1 a 3% dos atendimentos em emergência


6% das admissões hospitalares
20% a 50% dos adultos (1 episódio)
75% dos idosos >70 anos (1 episódio)
Custo anual nos EUA (U$ 2 bilhões)

Diagnóstico diferencial:

Vertigem
Coma
Convulsões
Parada cardiorrespiratória
Hipoglicemia

2. Que características clínicas podem auxiliar na explicação do mecanismo


fisiopatológico da síncope?

Classificação e características clínicas sugestivas:

Neuromediada (36% a 62%)

Ausência de doença cardiológica


História longa de síncope
Possível relação com desagradável visão, som, cheiro ou dor
Longo período em posição supina ou lugares fechados e quentes
Náuseas e vômitos associados com a síncope
Durante refeição ou no estado absortivo após a refeição
Com a rotação da cabeça, pressão sobre o seio carotídeo (tumor, barbear,
gola apertada)
Após exercício

Cardíaca (10% a 30%)

Presença de doença cardíaca estrutural


Durante exercício ou posição supina
Precedida por palpitação
História familiar de morte súbita

Ortostática (2% a 24%)

Após se levantar
Relação temporal com o início da medicação que leva à hipotensão ou
alterações na dosagem
Longo período em posição supina especialmente em lugares fechados e
quentes
Presença de neuropatia autonômica ou parkinsonismo
Após exercício

Cerebrovascular (1%)

Presença de AVE prévio


Liberação esfincteriana

Não identificada (13% a 31%)

3. Como confirmar o diagnóstico e a etiologia da síncope de acordo com uma


abordagem sistematizada?

Abordagem geral

• Anamnese + Exame Físico +ECG: responsáveis por cerca de 50% dos diagnósticos.
Devem ser realizados alguns questionamentos:

Realmente houve síncope? O diagnóstico diferencial deve ser feito com


outras entidades não associadas à queda transitória de perfusão cerebral,
como: crise convulsiva, intoxicações e pseudossíncope psicogênica.
O paciente apresenta cardiopatia estrutural? Na presença desta, como neste
caso clínico, deve ser considerada uma causa arrítmica para a síncope, e o
algoritmo deve contemplar a sua avaliação. A presença de cardiopatia
estrutural é uma característica importante para um direcionamento maior de
investigação de síncope de causa arrítmica.
A avaliação inicial é suficiente para sugerir o diagnóstico? Por vezes sim,
quando a causa da síncope é explicada apenas pela história clínica; porém,
se a síncope é de origem não explicada, como no caso em questão, necessita-
se de estratégia diagnóstica e sistematizada, a qual leva a um diagnóstico
etiológico em mais de 80% das vezes.
É interessante ressaltar que embora a ausência de sinais premonitórios esteja
mais associada à síncope de origem arrítmica, em idosos este dado perde a
sua especificidade.

4. Que perguntas são fundamentais no atendimento ao paciente com síncope na


sala de emergência?

Qual é a causa da síncope?


Existem sinais de gravidade?
Quais pacientes internar? (Figura 7)
Quais pacientes dispensar?
Figura 6
Fluxograma para atendimento de síncope na sala de emergência.
Fonte: adaptado de Gamarski et al.1

5. Como fazer a abordagem sistematizada da síncope?

A Figura 7 indica como fazer a abordagem sistemática da síncope.


Figura 7
Abordagem sistemática da síncope
Fonte: adaptado de Gamarski et al.1

6. Que exames complementares devem ser incluídos prioritariamente na


abordagem da síncope 1-7?

Exames laboratoriais: hemograma, proteína C-reativa, glicose, ureia,


creatinina, etc.
Ecocardiograma: base para o diagnóstico de cardiopatia estrutural.
Holter de 24h e monitor de eventos: especialmente indicados na presença de
aumento de probabilidade pré-teste de arritmia associada à síncope. A
identificação de taquicardia ventricular não sustentada no paciente em
questão com história de infarto prévio e cardiopatia estrutural reforçou a
probabilidade de etiologia arrítmica para a síncope, o que o levou à
realização do estudo eletrofisiológico.
Doppler de carótidas: não há necessidade de sua realização de rotina, pois a
doença carotídea não é habitualmente causa de síncope, exceto na presença
de doença carotídea significativa bilateral, não compensada por circulação
do polígono de Willis.
Testes de esforço físico ou farmacológico (ergométrico, cintilografia,
ecocardiograma de estresse): têm o objetivo de buscar substrato isquêmico
como sendo o responsável pelo evento.

7. Qual a utilidade do teste de inclinação na avaliação da síncope e em que


pacientes deve ser utilizado? Quais os tipos de resposta hemodinâmica associadas
ao teste de inclinação (Tilt table test) 1-7?

O teste de inclinação é indicado especialmente em indivíduos sem cardiopatia


estrutural e eletrocardiograma normal, que não constituem as características clínicas do
caso em questão. O teste de inclinação tem grande valor para o diagnóstico de síncope
neuromediada e alterações ortostáticas relacionadas à inclinação e ainda em relação à
disautonomia.

Apresenta os seguintes tipos de resposta hemodinâmica:

1. Resposta fisiológica: queda da pressão arterial <20mmHg e aumento de 5-


30bpm na frequência cardíaca.
2. Resposta neurocardiogênica: caracterizada por queda da pressão arterial e
frequência cardíaca ao ortostatismo, classificando-se em: vasoplégica,
cardioinibitória e mista. Na resposta vasoplégica a queda da frequência
cardíaca é <10bpm, sendo o tipo de resposta mais frequente em idosos.
3. Hipotensão postural com resposta cronotrópica adequada: também comum
em idosos.
4. Disautonomia: queda da pressão arterial sem resposta cronotrópica
adequada.
5. Taquicardia postural ortostática.
6. Síncope psicogênica ou de origem cerebral.

8. Qual o benefício de se acoplar a manobra do seio carotídeo ao teste de


inclinação1-7?
A manobra do seio carotídeo deve ser realizada ao final do teste de inclinação,
permitindo uma sensibilização da manobra para o diagnóstico de hipersensibilidade do
seio carotídeo. A hipersensibilidade do seio carotídeo está presente em 10% dos
idosos assintomáticos. Neste caso clínico, após o implante de desfibrilador, o paciente
voltou a apresentar episódio de síncope e, na realização posterior de um teste de
inclinação, houve a demonstração de um componente neuromediado com uma
expressiva queda de pressão arterial, sugerindo provável etiologia multifatorial para a
síncope.

9. Quando está indicada a realização do estudo eletrofisiológico e qual a


justificativa para a sua realização1-7?

O estudo eletrofisiológico está indicado para pacientes com síncope suspeita de origem
arrítmica em indivíduo com cardiopatia estrutural. São fatores preditores de síncope
cardíaca: doença cardíaca estrutural demonstrada pelo ecocardiograma;
eletrocardiograma com alterações expressivas; síncope sem sinais premonitórios; e
síncope precedida de palpitações. Em pacientes com infarto prévio e função ventricular
preservada, a presença de arritmia ventricular complexa no Holter ou a indução de
taquicardia ventricular monomórfica no estudo eletrofisiológico é um forte preditor de
causa arrítmica da síncope.

De acordo com as novas diretrizes europeias, o EPS não é mais indicado em pacientes
com disfunção ventricular esquerda grave porque, nesses casos, o desfibrilador já está
indicado independentemente do mecanismo de síncope.

O TC, RNM, EEG são usados na suspeita de síncope de origem cerebrovascular.

10. De acordo com as diretrizes europeias, quais as bases em termos de grau de


recomendação e nível de evidência para o tratamento não farmacológico,
farmacológico e intervencionista para a síncope em geral e, em particular, para
este caso clínico?

• Tratamento não farmacológico da síncope não cardíaca

Consiste em aumento de ingesta hídrica para aumento da volemia, uso de meia elástica
de alta compressão e afastamento de fatores desencadeantes. A prescrição de períodos
progressivamente mais longos de exposição ortostática (tilt-training) ou treinamento
postural passivo são formas de tratamento não farmacológico que podem trazer
benefícios. Em pacientes com hipotensão ortostática deve-se recomendar que não se
levantem subitamente da posição supina para a ortostática.

As recomendações são:

• Tratamento farmacológico da síncope de etiologia não cardíaca:


A fludrocortisona, um potente mineralocorticoide, é a droga mais importante no
tratamento da hipotensão ortostática crônica, na síncope neurocardiogênica em sua
forma vasoplégica e nas disautonomias. Há falta de evidências definitivas em relação à
sua real eficácia.

A midodrina, um agonista alfasseletivo é também uma opção nas síndromes


neuromediadas, com componente vasoplégico predominante, aumentando a pressão
através de vasoconstrição arterial e venosa. Os resultados dos betabloqueadores na
síncope neurocardiogênica foram controversos e o seu uso é pouco recomendável.

• Marca-passo
Indicado em pacientes que apresentem uma resposta predominantemente
cardioinibitória à estimulação do seio carotídeo. Quando a resposta é
predominantemente vasoplégica o seu uso não é recomendado.

• CDI: conforme as diretrizes europeias e o caso clínico em questão8:


Resumindo, até cerca de 40% de pacientes com síncope recorrente permanecerão sem
diagnóstico definitivo, especialmente idosos com alterações cognitivas e na ausência de
uma testemunha do episódio. É comum nos idosos a combinação de fatores agudos e
crônicos e não apenas um fator causal. Uma etiologia multifatorial explica muitos casos
de síncope em idosos devido à superposição de doenças crônicas e efeitos
medicamentosos em pacientes já com alterações fisiopatológicas predisponentes de
base. Um paciente pode ter uma provável causa cardíaca e neuromediada, como parece
ter sido o caso do paciente do caso clínico apresentado. Com isso, a compreensão da
dificuldade de estabelecimento de causalidade pode ajudar no manuseio desta entidade,
especialmente no grupo de idosos.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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FIBRILAÇÃO ATRIAL

Kalil Lays Mohallem

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 80 anos, com história de hipertensão arterial, diabetes,
insuficiência cardíaca, infarto do miocardio há 10 anos, com fração de ejeção do
ventrículo esquerdo de 37%, com paroxismos de fibrilação há cinco anos.

Refere crises de palpitações que duram aproximadamente duas a três horas, ocorrendo
de quatro a cinco vezes por ano. Usou warfarina durante três anos, mas apresentou
hemorragia digestiva baixa importante (necessitou transfusão de quatro unidades de
concentrado de hemácias), sendo a mesma suspensa há três meses.

Colonoscopia mostrou varios pólipos que foram retirados. Tem apresentado quedas nos
ultimos dois meses e agora caminha com ajuda de bengala. Atualmente em uso de
aspirina 100mg/dia, digoxina 0,125mg/dia, carvedilol 12,5mg 12/12h, sinvastatina
40mg/dia, metformina 500mg/dia, furosemida 20mg/dia.

OBJETIVOS
1. Discutir as diferentes opções de abordagem frente ao idoso com fibrilação
atrial.
2. Identificar estratégias de avaliação de risco/benefício na equação: prevenção
de acidente vascular cardioembólico versus risco hemorrágico dos
anticoagulantes em idosos.
3. Discutir os dilemas e dificuldades no tratamento de pacientes idosos do
“mundo real”, portadores de múltiplas comorbidades e problemas
psicossociais.
4. Valorizar a decisão clínica individualizada (“caso a caso”), de forma
holística e baseada em princípios da bioética.

PERGUNTAS
1. Qual seria a melhor abordagem para este paciente?

Os idosos, principalmente os portadores de comorbidades, são excluídos geralmente


dos estudos clínicos, o que leva à ausência de evidências robustas para ajudar na
decisão clínica para essa população.

A recomendação para terapia antitrombótica deve estar baseada na presença de fatores


de risco para acidentes cardioembólicos.

O escore de risco CHADS21(Cardiac failure, Hypertension, Age >75, Diabetes: 1


ponto cada; e Stroke: 2 pontos) deve ser usado como um meio simples de avaliar o
risco de AVE isquêmico. Quando for ≥2, está recomendada a terapia com
anticoagulante oral com INR-alvo entre 2,0 e 3,0.

Apesar de alguns autores terem proposto um INR mais baixo para os idosos (faixa 1,8-
2,5), essa recomendação não está fundamentada em nenhuma evidência de grande
estudo. Estudos de coorte2 sugerem um risco dobrado de AVE quando o INR se situa na
faixa de 1,5-2,0. Portanto, um INR de 2,0 não é recomendado.

O paciente relatado totaliza pelo menos 3 pontos, o que o indica como candidato ao uso
de antitrombóticos. Como em todos os casos em que o anticoagulante está sendo
considerado, uma apresentação de pontos positivos e negativos com o paciente e seus
familiares, uma avaliação do risco de sangramento, a capacidade de o paciente manter
a dose ajustada e as preferências do paciente são fundamentais. O medo de quedas,
citado em entrevista com os médicos como o principal motivo para a não prescrição de
anticoagulantes, pode estar sendo superestimado, pois foi calculado que um paciente
precisaria cair em torno de 300 vezes por ano para que o risco de hemorragia
intracraniana ultrapassasse o benefício da anticoagulação na prevenção do acidente
vascular isquêmico3.

Usando uma coorte de 3978 pacientes4 do “mundo real” foi criado um escore de risco
de sangramento chamado HAS-BLED (Hypertension, Abnormal liver funtion,
Abnormal renal funcion, Stroke, bleeding story or predisposition, Labile INR, Elderly
(>65), Drugs/alcohol concomitantly) em que o paciente com 3 ou mais pontos é
considerado de alto risco para sangramento, tanto para aspirina como para
anticoagulante oral, sendo recomendado maior cuidado e revisões periódicas regulares.

2. A conduta é continuar com aspirina e/ou aumentar a dose?

Múltiplos estudos5 têm demonstrado que a anticoagulação com warfarina (com um INR
mantido entre 2,0 e 3,0 ou entre 1,8 e 2,0 em pacientes idosos com risco elevado de
queda) é eficaz na prevenção do tromboembolismo em pacientes com FA, enquanto a
aspirina oferece apenas uma modesta proteção contra o AVE.

Quando a aspirina foi comparada com placebo em sete estudos6, houve apenas uma
redução não significativa de 19% (95%IC; 1%-35%) no risco de acidente
cerebrovascular. A dose de aspirina foi muito variada nesses estudos, indo de 50mg a
1300mg por dia. Farmacologicamente, uma dose baixa (75mg) de aspirina provoca uma
inibição da agregação plaquetária praticamente completa, e é mais segura que doses
mais elevadas, já que as taxas de hemorragia com doses elevadas são significativas.
Portanto, se a aspirina for usada, deve ser em doses baixas (75-100mg/dia).

O Japan Atrial Fibrillations Stroke Trial7 comparou aspirina (150-200mg/dia) e


placebo, e mostrou aumento de hemorragias graves (1,6% versus 0,4%). Em pacientes
acima de 80 anos, o estudo Warfarin versus Aspirin for Stroke Prevention in
Octogenarians (WASPO)8 mostrou mais efeitos adversos com aspirina (33%) do que
com anticoagulantes (6%, p=0,002), incluindo sangramentos graves.

3. Deve-se associar clopidogrel?


No estudo ACTIVE W9, a anticoagulação com warfarina foi superior que a combinação
clopidogrel mais aspirina (redução de risco relativo de 40%; 95%IC 18-56), sem
diferença nos sangramentos entre os dois grupos. O estudo ACTIVE A10 demonstrou que
os pacientes em uso da associação aspirina mais clopidogrel apresentaram taxas de
eventos reduzidas em 28% em comparação com aspirina isoladamente, mas as taxas de
hemorragias graves foram significativamente maiores (2,0% vs. 1,3% por ano)
aproximando-se muito das taxas de hemorragias vistas com anticoagulantes orais.

Portanto, aspirina associada a clopidogrel pode talvez ser uma opção quando a terapia
com anticoagulante for impraticável, mas não como uma alternativa ao anticoagulante
em pacientes com alto risco de sangramento.

4. Deve-se reiniciar warfarina?

Meta-análise6 de estudos comparando anticoagulante oral com placebo evidencia uma


redução altamente signicativa (67%) na taxa de acidentes cerebrovasculares
isquêmicos. É importante ressaltar que muitos acidentes vasculares ocorridos no grupo
em uso de anticoagulante ocorreram quando os pacientes não estavam em uso da
medicação ou estavam anticoagulados subterapeuticamente (INR<2,0).

Portanto, esses resultados apoiam a prescrição de anticoagulantes em pacientes com um


ou mais fatores de risco (desde que não haja contraindicações), mas a avaliação de
risco/benefício deve ser cuidadosamente feita, considerando-se os valores e
preferências do paciente.

No caso do paciente relatado, mesmo após ter sido discutido que a retirada dos polipos
o colocaria em relativa segurança quanto a novos sangramentos intestinais, a opção
pelo retorno ao uso de anticoagulantes foi por ele totalmente rejeitada.

5. Iniciar inibidor direto da trombina ou inibidor oral do fator Xa?

No estudo RE-LY 11, a dabigatrana 110mg duas vezes ao dia não foi inferior ao
anticoagulante oral na prevenção de acidente vascular encefálico isquêmico e embolias
sistêmicas com menores taxas de sangramentos graves; já a dose de 150mg duas vezes
ao dia foi associada a menores taxas de acidente isquêmico cerebrovascular e embolias
sistêmicas, com taxas de hemorragia comparáveis aos anticoagulantes.
Rivaroxaban é uma nova alternativa à warfarina. O estudo multicêntrico ROCKET-AF12
(14264 pacientes, idade média 73 anos com CHADS2 médio de 3,5) demonstou que
dose diária única desse medicamento não foi inferior no desfecho composto de AVE
(isquêmico ou hemorrágico) ou embolia periférica, sendo que as taxas de hemorragia
intracraniana ou fatal foram significativamente menores que no grupo warfarina (0,2%
vs. 0,5%, p=0,003). Uma vantagem dessas drogas é não haver necessidade de
monitorização do INR.

6. Tentar o controle de ritmo, ou seja, a cardioversão? Com qual abordagem?

A tentativa de restaurar o ritmo cardíaco a sinusal depende muito da sintomatologia do


paciente e das repercussões hemodinâmicas da mesma. Estudos randomizados
(AFFIRM13 e RACE14, por ex) mostraram que não há diferença significativa nos
desfechos maiores (morte e AVE) entre a estratégia de controle de ritmo e controle de
frequência.

Quando a fibrilação é antiga (como no caso em questão), a probabilidade de


manutenção do ritmo sinusal, após a cardioversão, é mais baixa. Isso implica que não
se terá segurança para suspensão da profilaxia antitrombótica mesmo que inicialmente
se consiga reverter ao ritmo sinusal.

A terapêutica de manutenção do ritmo sinusal com drogas antiarrítmicas tem baixa


eficácia e muitos efeitos colaterais. A terapêutica não farmacológica (ablação com
cateter) poderia ser uma opção, porém as taxas de recorrência de fibrilação (20-30%
dos pacientes) pós-procedimento são maiores nos pacientes com hipertensao arterial,
idosos, com aumento atrial e com BNP elevado15. Além disso, as recorrências
assintomáticas são frequentes.

Portanto, pacientes que se submeteram à ablação devem ser anticoagulados de acordo


com seu risco trombótico (escore CHADS2). Ainda não existe evidência de segurança
para suspender anticoagulantes em pacientes com alto risco (como o paciente relatado)
mesmo naqueles sem sinais de recorrência da arritmia. Aqueles com escore baixo (0-
1), que vinham em uso de aspirina, necessitam anticoagulação plena durante dois a três
meses pós-procedimento16.

7. Oclusão do apêndice atrial (dispositivo)?


Aproximadamente 20% dos pacientes com fibrilação atrial nos quais está indicada a
anticoagulação tem contraindicação absoluta ou relativa à mesma (por ex. sangramento
sistêmico ou intracraniano, não adesão ao tratamento/controle, etc.).

Em pacientes sem doença valvar, a grande maioria dos trombos está localizada dentro
do apêndice atrial esquerdo (auriculeta), que funciona como “fundo de saco”, criando
um meio apropriado para estase e consequente formação de trombo. A ligação,
amputação (no momento da cirurgia valvar, quando for o caso) e oclusão da auriculeta
esquerda (percutânea) têm sido propostas para pacientes que não são candidatos à
terapêutica anticoagulante, prevenindo mecanicamente a embolização.

Estudos preliminares17 com o dispositivo Watchman mostram a necessidade de


anticoagulação por 45 dias pós-implante (tempo para endotelização do sistema) e
antiagregação com aspirina e clopidogrel por seis meses. O estudo PROTECT-AF18
demonstrou a não inferioridade do dispositivo em relação ao tratamento com
anticoagulante oral (taxa de eventos 3,0 vs. 4,9 por 100 pacientes/ano,
respectivamente), e o seu lugar na prática clínica está sendo estabelecido gradualmente
a medida que se adquire experiência com o mesmo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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ESTENOSE AÓRTICA EM IDOSOS E O
IMPLANTE DE VÁLVULA AÓRTICA POR
CATETER

André Luiz Silveira Sousa


Luiz Antonio Ferreira de Carvalho

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 82 anos, com diagnóstico prévio de estenose aórtica grave há um ano
com sintomas de cansaço aos pequenos esforços. Apresenta história prévia de
hipertensão arterial e angioplastia coronariana há cinco anos.

Ao exame físico: PA =130x82mmHg; FC =76bpm; Peso =46kg; Altura =1,60m; IMC


=18,4kg/m2.
Pressão venosa jugular normal.
Ausculta cardíaca: RR em 3t c/ b4, sopro sistólico em foco aórtico +++/6 com
irradiação para o pescoço.
Ausculta pulmonar: crepitações bibasais discretas.
Pulsos femorais com amplitude reduzida ++/4.
Sem edema de membros inferiores.

Exames laboratoriais: hemoglobina =10,4g/dL; plaquetas =145.000; glicose =90mg/dL;


creatinina =1,3mg/dl.

ECG: Ritmo sinusal, sem distúrbios da condução.

Ecocardiograma transtorácico (EcoTT): exibia estenose aórtica grave (área valvar


aórtica de 0,6cm2 e gradiente VE-Ao médio =30mmHg) e disfunção ventricular
esquerda grave (FE =33%).

A paciente foi encaminhada para avaliação de implante de válvula aórtica por cateter
(IVAC), por ser considerada de alto risco para cirurgia de troca valvar aórtica (CTVA).

OBJETIVOS
1. Analisar o papel do heart team na avaliação dos pacientes idosos com
estenose aórtica.
2. Correlacionar aspectos da técnica do procedimento com suas complicações,
visando à prevenção através da avaliação clínica inicial adequada.
3. Propor um modelo de acompanhamento clínico.
4. Fornecer parâmetros prognósticos dos pacientes submetidos ao IVAC.

PERGUNTAS
1. Qual o papel da equipe multidisciplinar (heart team) na decisão de intervenções
de pacientes complexos como descrito neste caso clínico?

Com o avanço da tecnologia, houve aumento de opções para o tratamento de pacientes


de alta complexidade. Esses novos tratamentos baseados em tecnologia avançada
combinam técnicas cirúrgicas, dispositivos baseados em cateteres e métodos de
imagem sofisticados.

Em vista do amplo espectro de conhecimento e habilidades necessárias para a execução


desses procedimentos, existe atualmente um consenso mundial para que as decisões de
casos complexos sejam partilhadas entre cardiologistas, cardiologistas
intervencionistas e cirurgiões em espírito de equipe1-4. Idosos com múltiplas
comorbidades, como neste caso, são um exemplo típico. Atualmente, os fabricantes das
próteses de IVAC exigem que os centros que iniciam o treinamento de implante de
válvulas tenham uma equipe previamente definida.

2. Como confirmar o diagnóstico da gravidade da estenose aórtica ?

No caso apresentado é importante inicialmente confirmar o diagnóstico da gravidade da


estenose aórtica degenerativa. Ao ecocardiograma transtorácico, utilizam-se três
parâmetros: área valvar aórtica (AVA <1,0cm2 ou 0,6cm2/m2); gradiente VE-aorta
médio >40mmHg; e velocidade de ejeção >4m/s5. O laudo da paciente descreveu os
dois primeiros critérios, sendo o gradiente VE-Ao médio <40mmHg. O conceito
enraizado de interpretar apenas o gradiente VE-Ao deve ser abandonado.

Ao ecocardiograma, a presença de estenose aórtica com AVA <1,0cm2 e gradiente VE-


Ao médio <40mmHg ocorre em 30% dos casos com função sistólica do VE normal, em
estudo que analisou 2427 pacientes6. Esse fenômeno ocorre pelo baixo fluxo através da
válvula, com ou sem disfunção ventricular esquerda. Os casos de estenose aórtica grave
com baixo gradiente, baixo fluxo aórtico e função sistólica do VE preservada são
explicados, em parte, pela pequena cavidade do VE (hipertrofia ventricular esquerda),
que assim gera pequenos volumes na ejeção, portanto baixo fluxo7.

O cateterismo cardíaco nesta paciente sem angina não se destina a confirmar o


diagnóstico de estenose aórtica grave; o momento de sua indicação será discutido
adiante. A presença de estenose aórtica grave (AVA <1,0cm2 ao eco) e gradiente VE-Ao
médio <40mmHg ao CAT ocorre em 26% dos casos8.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico que explica o cansaço progressivo ?

A degeneração dos folhetos aórticos ocorre num processo semelhante à aterosclerose,


acarretando espessamento e calcificação das cúspides e redução de sua mobilidade,
sem a presença de fusão9. A piora dos sintomas e o agravamento da estenose aórtica
podem ocorrer pela piora da mobilidade de um dos folhetos e a piora da classe
funcional da NYHA (neste caso da classe II para III) comumente ocorre com rapidez.

Akahori et al.10 sugeriram que hematomas espontâneos (semelhantes à necrose e ruptura


da placa aterosclerótica) sejam fatores de progressão rápida. Embora não esteja
descrito no caso, a piora da função sistólica do VE pode ter ocorrido recentemente.
Apesar do histórico de doença arterial coronariana, a paciente não manifestou angina,
mas a coronariografia é indispensável no planejamento do IVAC.

Anemia ocorre em 49% dos casos de estenose aórtica submetidos ao IVAC e não deve
ser considerada a causa exclusiva dos sintomas11. Pacientes com estenose aórtica grave
exibem sangramento cutâneo ou de mucosa em 21% dos casos, tendo como mecanismo
a fragmentação da proteína do fator de von Willebrand que resulta em disfunção da
agregação plaquetária12,13.

4. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas à


estenose aórtica degenerativa?

Exatamente por ocorrer em idosos, a estenose aórtica degenerativa está associada a


muitas comorbidades e por isso mesmo o risco da cirurgia é considerado inaceitável
em 1/3 dos casos14. Para definir o alto risco de morte para cirurgia convencional e
assim substanciar a indicação do IVAC, utilizam-se escores que avaliam o risco de
morte nos 30 dias seguintes ao ato cirúrgico.

Os principais escores utilizados são: EuroSCORE >15%


(<http://euroscore.org/calcold.html>) e o escore STS >10%
(<http://209.220.160.181/STSWebRiskCalc261/de.aspx>), facilmente calculados on-
line. No caso clínico relatado, a mortalidade foi estimada em 36,4% pelo EuroSCORE
e 15,3 % pelo escore STS. É importante lembrar que algumas características clínicas
que aumentam o risco da cirurgia de troca valvar não são contempladas nesses escores,
como cirrose hepática e ainda outros como a presença de aorta em porcelana e
fragilidade do idoso, estes dois últimos ainda carentes de clara definição na literatura.
Entretanto a identificação de fragilidade e mesmo sarcopenia devem seguir critérios
sugeridos na literatura médica. Esses aspectos geriátricos assumem importância na
tomada de decisão, na qual se destaca o benefício da avaliação geriátrica ampla, pois
ela pode identificar estas e outras comorbidades que auxiliam na classificação de risco
do paciente idoso.

5. Qual o prognóstico do paciente com estenose aórtica grave candidato à IVAC


que não se submete ao procedimento?

Pacientes com estenose aórtica grave que foram randomizados para o tratamento sem
IVAC exibiram mortalidade de 50% em um ano no estudo PARTNERS coorte B15.
6. Além de aliviar os sintomas, o implante de válvula aórtica por cateter reduz
desfechos (morte e internação)?

A desobstrução do trato de saída do VE gera alívio imediato de sintomas. Desde a


primeira série de casos publicados, em média a área valvar aórtica varia de 0,5cm2
para 1,7cm2 após o IVAC, com melhora da classe funcional da NYHA16. Esse último
aspecto gera grande impacto sobre a qualidade de vida, um fator que não pode ser
menosprezado, sobretudo nos idosos.

O estudo multicêntrico, prospectivo, randomizado, PARTNERS coorte B15, comparou o


IVAC ao tratamento sem implante de válvula em 358 pacientes com estenose aórtica
grave sintomática, considerados inoperáveis. Ao final de um ano, morte ou
hospitalização ocorreu em 42,5% no grupo IVAC vs. 71,6% (p<0,001) e a mortalidade
foi 30,7% no grupo IVAC vs. 50,7%. Portanto foi demonstrada a superioridade do IVAC
frente ao tratamento convencional. Este conceito foi incorporado às diretrizes nacionais
de valvuloplastias 2011 com recomendação de tratamento classe I, B17.

A comparação de métodos de intervenção valvar nos pacientes operáveis de alto risco,


ou seja, a comparação da IVAC vs. CTVA foi analisada no estudo PARTNERS Coorte
A18, que randomizou 699 pacientes. É importante ressaltar que variações da técnica
(transfemoral x transapical) foram analisadas. Foi demonstrada a não inferioridade da
IVAC frente à CTVA, pois a mortalidade em um ano foi 24,2% vs. 26,8% (p=0,44),
respectivamente18.

7. Quais são as principais complicações do procedimento e a sua relação com a


técnica?

A mortalidade do IVAC em 30 dias varia entre 5% a 12,7% nos diferentes registros e


ensaios clínicos15,19-24. As complicações vasculares são temidas e impactantes,
ocorrendo entre 13% e 19%22,23.

O acesso transfemoral é a via de escolha em 90% a 92% dos casos e o diâmetro


mínimo de 6mm da artéria femoral é necessário para a utilização da bainha 18F
utilizada no procedimento22,23. A avaliação das artérias femorais e aorta deve ser
cuidadosa (diâmetro, calcificação e tortuosidade) num cateterismo e/ou angioTC
prévia. Vias alternativas são: artéria subclávia, transaórtico e transapical do VE.
As complicações vasculares são acompanhadas por hemotransfusões em 13% a 17,1%
e acidentes vasculares encefálicos maiores ocorrem em 3,8% dos casos21,23. Arritmias
e distúrbios do ritmo são frequentes. Fibrilação atrial ocorre em 8,6% dos casos18.
Bloqueio de ramo esquerdo é mais comum com a válvula Medtronic-Corevalve, em
aproximadamente metade dos casos25. Como consequência, há necessidade de implante
de marca-passo definitivo em 25,7% dos casos de uso da prótese Medtronic-
Corevalve, enquanto a prótese Edwards-Sapien necessita novo marca-passo em 5,3%
dos casos21.

Atualmente existem apenas três tipos de válvulas por cateter: Medtronic-Corevalve,


Edwards-Sapien e Braile (fabricação nacional). Estas duas últimas podem ser
implantadas por via transapical do VE, alternativa esta que conta com maior morbidade
e mortalidade, embora possa haver viés de seleção para casos mais graves. Embora
ainda não haja estudo de comparação direta entre as válvulas, os registros já citados de
outros países, que incluíram os dois tipos de válvula, apontam para diferenças em tipos
de complicações. Essas diferenças refletem a diversidade conceitual e de biomateriais
empregados entre as duas válvulas de fabricação estrangeira.

A taxa de sobrevivência ao final de um ano nos casos de IVAC variou entre 71,9% e
78,6%21,26. Registro inglês de 870 pacientes relatou sobrevivência de 78,6% em um
ano e 73,7% em dois anos26. A durabilidade das próteses em longo prazo (cinco anos
ou mais) ainda são escassamente relatadas em publicações formais.

8. Quais são as etapas na avaliação para a indicação da IVAC?

Na presença de paciente idoso com estenose aórtica grave e sintomas, sugerem-se os


seguintes passos:

1. Caracterizar alto risco para a cirurgia cardíaca: EuroSCORE (>15%),


EuroSCORE2 (>4%) ou STS (>10%). Não há correlação linear entre os
escores. É importante realçar novamente que comordidades não
contempladas nesses escores podem ser decisivas para a escolha do
tratamento, como por exemplo, alterações cognitivas ou deformidades
torácicas, que são prevalentes nos idosos.
2. Anatomia da válvula aórtica e raiz da aorta: ecocardiograma transtorácico
com especial atenção para a anel aórtico é o primeiro exame de imagem.
Cada fabricante apresenta sua tabela de dimensões, sendo o problema mais
frequente a presença de anel pequeno (<20mm). Angiotomografia
computadorizada (angioTC) é especialmente eficaz para essa avaliação e se
correlaciona melhor com medidas in vivo, tendo sua maior validade nos
casos duvidosos.
3. Acesso vascular: esta etapa já faz parte da estratégia do procedimento e cabe
ao intervencionista definir entre realizar diretamente o cateterismo cardíaco
(CAT) ─ definindo aorta, função do VE, válvula mitral, gradiente VE-Ao,
artérias coronárias e artérias femorais ─ ou solicitar angioTC.
4. Coronariografia: na maioria dos casos deve ser realizada antes do
procedimento, salvo em casos de doença vascular periférica crítica. A
decisão de realizar angioplastia coronariana antes do IVAC deve ser
considerada para lesões graves em vasos de grande importância anatômica.
5. Avaliação laboratorial de rotina mínima deve constar: eletrocardiograma,
função renal, coagulograma, hemograma e eletrólitos.

9. Qual a rotina de acompanhamento e cuidados clínicos após o procedimento?

A experiência inicial deste grupo foi descrita anteriormente27*. Como orientação geral
para a rotina de acompanhamento:

1. Tempo de internação mínimo: dois dias de CTI (com marca-passo provisório


em modo demanda), seguido de cinco dias de unidade semi-intensiva.
2. Rotina de exames laboratoriais: diários até o quinto dia (hemograma,
plaquetas, creatinina, proteína C-reativa, eletrólitos). Usar dosagem de
troponina no dia seguinte ao procedimento.
3. Eletrocardiograma (ECG): diário no CTI.
4. Ecocardiograma: programado no terceiro dia pós-procedimento. Pode ser
realizado a qualquer momento antes ou após essa data ao menor sinal de
instabilização hemodinâmica.
5. Após a alta, visitas em 30 dias, 6 meses, 1 ano e 2 anos. Idealmente com a
realização de ecocardiograma, ECG e exames laboratoriais.
6. Medicações: a recomendação de uso de AAS é universal. O uso de
clopidogrel, embora empírico, é amplamente recomendado por seis meses.
Tendo em vista a falta de evidências científicas de sua necessidade, sugere-
se que seja interrompido nas plaquetopenias <100 mil. Sugere-se ainda a
suspensão de AAS se plaquetopenia <50 mil.
7. Profilaxia de antibióticos para procedimentos cirúrgicos: segue diretrizes
como prótese valvar que é.

No caso clínico descrito, a paciente foi submetida ao implante da prótese Medtronic-


Corevalve por via transfemoral. O acesso foi realizado por arteriotomia pelo cirurgião
cardíaco, e o implante realizado com auxílio do ecocardiograma transesofágico 3D, sob
anestesia geral. Não houve necessidade de marca-passo definitivo. A paciente recebeu
hemotransfusão no segundo dia, seguindo-se congestão pulmonar, que foi tratada com
diurético venoso. Recebeu alta do CTI no quarto dia e alta hospitalar no sétimo dia
pós-procedimento.

Em conclusão, o IVAC é hoje um procedimento estabelecido na comunidade brasileira


para o tratamento da estenose aórtica sintomática com risco cirúrgico elevado. As
próteses disponíveis têm seu perfil de segurança e eficácia bem estabelecidos no médio
prazo e constitui-se assim em grande avanço para o tratamento da população brasileira
que tende ao envelhecimento acelerado.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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* Nota do editor: Experiência do Hospital Pró-Cardíaco baseada no tratamento de 50 casos realizados até o
fechamento desta publicação.
DOENÇA CORONARIANA CRÔNICA

Augusta Leite Campos


Wellington Bruno Santos

CASO CLÍNICO
J.J.O., masculino, 83 anos, branco, natural do RJ, residente em Niterói, RJ.
Portador de doença arterial coronariana (DAC) crônica detectada aos 73 anos de idade
após episódios recorrentes de dor precordial aos esforços habituais, e por duas vezes
em repouso. À época foi internado como angina instável, estratificado (escore TIMI
risk=3, intermediário, devido à idade >65 anos, presença de três fatores de risco
clássicos e dois episódios graves de angina em repouso).

Submetido à cineangiocoronariografia (CAT), esta evidenciou hipocinesia


posterobasal, função sistólica global do VE normal e DAC multivascular com leitos
distais finos de difícil abordagem intervencionista cirúrgica ou percutânea, boa
circulação colateral. Optou-se por tratamento clínico e controle dos fatores de risco
pela melhora clínica do paciente e pela dificuldade de abordagem intervencionista
(percutânea ou cirúrgica) das lesões.
Fatores de risco: HAS, dislipidemia, história familiar de coronariopatia precoce.
Sedentarismo, estresse, obesidade abdominal. Nega diabetes ou tabagismo.

Ao longo dos últimos 10 anos o paciente evoluiu assintomático, em uso de captopril,


anlodipino, atenolol, monocordil, AAS, sinvastatina. Há cinco anos interrompeu
monocordil sob orientação médica para usar sildenafila. Persistiu assintomático. Não
perdeu peso conforme recomendado, mas manteve atividade física regular, bom
controle de pressão arterial e manutenção de perfil lipídico dentro das metas.

Há seis meses voltou a apresentar dor precordial aos esforços habituais apesar da
medicação. Seu ECG apresentava ritmo sinusal, HVE e alterações secundárias de
repolarização ventricular. Seu ecoDopplercardiograma apresentava o mesmo padrão
anterior: aumento de átrio esquerdo, HVE, hipocinesia da parede inferior e função
sistólica global preservada. O nitrato foi reintroduzido. Não houve resposta clínica
satisfatória: apresentava dor aos esforços habituais.

Sendo paciente com história pregressa de reconhecida DAC grave, multivascular ao


CAT de 10 anos atrás, optou-se por novo estudo cineangiocoronarigráfico sem
estratificação não invasiva prévia. Seu novo CAT apresentava alterações semelhantes
às do estudo anterior. Optou-se por tratamento clínico. Trimetazidina foi acrescentada à
prescrição. O paciente evolui assintomático e reporta que retornou parcialmente à
atividade sexual.

OBJETIVOS
1. Discutir o diagnóstico clínico da doença coronariana crônica no idoso.
2. Analisar os fatores de risco para doença arterial coronariana (DAC).
3. Identificar os exames subsidiários para a complementação diagnóstica e
estratificação do risco.
4. Discutir a conduta terapêutica na doença coronariana crônica no idoso.

PERGUNTAS
1. Como é feito o diagnóstico de angina estável (AE) na população idosa?

Define-se AE como aquela em que os sintomas, devido à isquemia, se apresentam de


forma inalterada há pelo menos dois meses. A angina típica de esforço é geralmente a
primeira manifestação de AE em adultos mais jovens, sendo facilmente diagnosticada,
mas em idosos a dor precordial típica ocorre em apenas metade dos pacientes. Pode ser
menos frequente ou não ocorrer devido à limitação da atividade física. Pode ainda se
manifestar sob a forma de equivalentes anginosos, sendo um dos mais comuns a
dispneia (devido ao aumento transitório na pressão diastólica final do ventrículo
esquerdo, causado por isquemia sobreposta à complacência ventricular diminuída pelo
processo de envelhecimento).

2. Qual a relevância dos fatores de risco apresentados neste caso clínico e quais as
metas para correção e controle?

Hipertensão arterial sistêmica (HAS):


Embora haja tendência de aumento da pressão arterial com a idade, níveis de pressão
sistólica >140mmHg e/ou pressão diastólica >90mmHg não devem ser considerados
fisiológicos para os idosos. Observou-se, após seguimento médio de cinco anos,
redução média de 19% de eventos coronarianos, quando houve redução de 12-14mmHg
da pressão arterial sistólica e de 5-6mmHg da pressão arterial diastólica, em pacientes
tratados comparados com grupo-placebo1,2.
Metas de controle: pressão arterial <140/90mmHg; nos pacientes com diabetes e de
alto risco <130/80mmHg3.

Sedentarismo:

Pode ser caracterizado por atividade física com duração inferior a 150min por semana.
O risco relativo da DAC atribuível ao sedentarismo é comparável ao risco da
hipertensão, dislipidemia e tabagismo. Metas: atividade física aeróbia 30-45min, cinco
vezes por semana4.

Obesidade abdominal:

Uma vez que a coluna do idoso passa por modificações com o passar dos anos, com
cifose e escoliose em graus variáveis, levando a deformidades com aumento do volume
abdominal, considera-se como valor aumentado da circunferência abdominal no idoso
valores ≥102cm para os homens e 88cm para as mulheres. Metas: redução de peso com
IMC<27kg/m2 e normalização dos diâmetros da circunferência abdominal5.

3. Como é realizada a estratificação de risco na DAC crônica em idosos?


A solicitação de exames subsidiários para a complementação diagnóstica e
estratificação do risco é fortemente influenciada pela alta probabilidade de DAC em
idosos6.

As recomendações da II Diretrizes de Cardiogeriatria da Sociedade Brasileira de


Cardiologia (2010)5 são:

I.Glicemia, perfil lipídico, hemoglobina, creatinina, TSH (em mulheres)


Grau de recomendação I, nível de evidência A.

II.ECG: O eletrocardiograma é particularmente útil, quando realizado durante episódios


de angina, uma vez que pode exibir traçados do tipo depressão do segmento ST ou
mesmo pseudonormalização do segmento ST, em aproximadamente 50% dos casos. No
idoso comumente ele é pouco específico para o diagnóstico de DAC devido a
alterações na condução intraventricular, hipertrofia ventricular esquerda, presença de
arritmias, ação de fármacos etc.

Grau de recomendação I, nível de evidência C (a- nos pacientes com suspeita de causa
cardíaca para dor torácica; b- durante um episódio de dor torácica). Grau de
recomendação IIa, nível de evidência C (a- realização periódica em portadores de
DAC crônica na ausência de alteração das manifestações clínicas).

III.Teste Ergométrico: É o método não invasivo mais utilizado para a confirmação do


diagnóstico de AE. A prevalência do teste de esforço anormal aumenta com a idade,
reflexo da maior prevalência de DAC nessa população. Sua sensibilidade é maior nos
idosos (84%), porém sua especificidade é menor (70%)7.

Grau de recomendação I, nível de evidência C (a- pacientes com probabilidade


intermediária de AE e ECG normal em repouso e capazes de realizar o exame; b-
pacientes com probabilidade pré-teste intermediária para DAC, incluindo os
portadores de bloqueio completo do ramo direito ou depressão do segmento ST<1,0mm
em repouso).

Grau de recomendação IIa, nível de evidência C (a- avaliação seriada de pacientes com
DAC em programas de reabilitação cardiovascular; b- avaliação de terapêutica
farmacológica).

IV.EcoDopplercardiograma transtorácico de repouso:

Grau de recomendação I, nível de evidência C (a- avaliação das alterações


miocárdicas resultantes de isquemia crônica; b- avaliação da função ventricular
esquerda; c- avaliação da extensão da isquemia aguda durante episódio de angina; d-
avaliação de sopros cardíacos resultantes de mecanismos isquêmicos ou de alterações
degenerativas das valvas)

V.Ecocardiograma transtorácico de estresse, cintilografia de perfusão miocárdica e


ressonância magnética:

Grau de recomendação I, nível de evidência C (a- pacientes com probabilidade


intermediária pré-teste para DAC que apresentem síndrome de Wolf-Parkinson-White
ou depressão do segmento ST >1,0mm no ECG de repouso; b- pacientes com
revascularização miocárdica prévia; c- ecocardiografia transtorácica, cintilografia
miocárdica e ressonância magnética com estresse farmacológico em pacientes com
probabilidade intermediária de DAC e incapazes de se exercitar).

A quantificação da área de isquemia determinada pela cintilografia miocárdica é


extremamente importante na tomada de decisão terapêutica, pois pacientes com mais de
10% do miocárdio isquêmico se beneficiam de procedimentos de revascularização
miocárdica, em contraposição aos pacientes com áreas menores de isquemia que podem
ser manuseados com tratamento clínico8.

VI.Angiotomografia computadorizada de artérias coronárias (AngioTC):

Nos pacientes idosos a AngioTC pode ter importância crescente. As dificuldades de


realização de esforço físico e a presença de comorbidades podem dificultar a
solicitação de testes indutores de isquemia. Além disso, o elevado poder preditivo
negativo desse exame exclui a existência de DAC com grande possibilidade de acerto9.
Por outro lado, a calcificação coronariana que acompanha o processo de
envelhecimento pode dificultar a visualização da luz vascular. A utilização de contraste
à base de iodo, o qual é nefrotóxico, pode levar ao agravamento da função renal.

Grau de recomendação IIa, nível de evidência C (a- exames não invasivos, com
resultados discordantes; b- pacientes idosos, com dificuldades de realizar esforço
físico e comorbidades que limitam a realização de outros exames indutores de
isquemia).

VII.Cinecoronariografia:

As indicações para realização deste procedimento em idosos não diferem daquelas dos
pacientes mais jovens, porém é preciso enfatizar que a questão da disfunção renal e da
possibilidade de desenvolver nefropatia induzida por contraste é bem maior nos
pacientes com mais de 75 anos10.

Grau de recomendação I, nível de evidência C (a- pacientes com AE possível ou


estabelecida que sobreviveram à morte súbita ou apresentem taquicardia ventricular
sustentada; b- pacientes com testes não invasivos de alto risco para lesão de tronco de
coronária esquerda ou de doença multiarterial; c- pacientes com AE classe III ou IV
(CCS) com resposta inadequada à terapêutica medicamentosa; d- pacientes com ICC e
AE ou isquemia; e- idosos que requerem cirurgia de valva cardíaca; f- pacientes com
AE ou equivalentes anginosos recorrentes dentro de 9-12 meses de intervenção
coronária percutânea).

Grau de recomendação IIa, nível de evidência C (a- pacientes que permanecem com
diagnóstico impreciso de DAC após teste não invasivo, no qual o benefício da
confirmação diagnóstica suplanta os riscos e custos do exame; b-pacientes com alta
probabilidade de DAC que não conseguem realizar teste não invasivo).

4. Quais os objetivos do tratamento clínico e os fármacos utilizados na DAC


crônica nos idosos?

Os objetivos são: prevenir o infarto do miocárdio (IAM) e a morte súbita e reduzir os


sintomas.
A maior contribuição dos estudos COURAGE11 e BARI-2D Study Group12 foi a
importância do tratamento médico otimizado na evolução dos pacientes com AE.
Nesses estudos a comparação entre a terapêutica médica e a intervenção coronariana
percutânea com stent não mostraram diferenças significativas nos resultados, desde que
não houvesse refratariedade ao tratamento médico e/ou alterações isquêmicas extensas
nos exames funcionais.

O tratamento médico otimizado consiste em:

1. aspirina na dose de 81-300mg/dia ou 75mg de clopidogrel/dia se houver


intolerância ao ácido acetilsalicílico e naqueles que realizaram intervenção
coronariana percutânea;
2. betabloqueadores de ação prolongada, anlodipino e mononitrato de
isossorbida sozinhos ou em combinação;
3. inibidores da ECA ou bloqueadores dos receptores AT1 para pacientes com
hipertensão, fração de ejeção diminuída ou prevenção secundária;
4. terapêutica antilipêmica com estatina sozinha ou em combinação com
ezetimibe com objetivo de atingir o LDL-colesterol entre 60-85mg/dl;
5. manter os níveis de triglicerídeos abaixo de 150mg/dl com exercício e/ou
fibratos;

6. controle rigoroso dos fatores de risco13.

5. Qual a importância de novos medicamentos como a trimetazidina em AE não


controlada com agentes antianginosos convencionais em idosos?

A ação bloqueadora de oxidação celular, com consequente redução da acidose e


manutenção da homeostase celular e função contrátil, constitui a base celular para sua
indicação terapêutica. Os efeitos metabólicos não induzem alterações hemodinâmicas,
permitindo seu uso como monoterapia ou em associação com antagonistas dos canais de
cálcio ou betabloqueadores, o que é particularmente vantajoso na população idosa.
Entre os fármacos de ação metabólica, a trimetazidina é a principal representante
disponível no mercado13.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
1. Staessen JA, Fagard R, Thijs L, Celis H, Arabidze GG, Birkenhäger WH, et
al. Randomised double-blind comparison of placebo and active treatment for
older patients with isolated systolic hypertension. The Systolic Hypertension
in Europe in Europe (Syst-Eur) Trial Investigators. Lancet.
1997;350(9080):757-64.
2. MRC Working Party. Medical Research Council Trial of treatment of
hypertension in older adults. MRC Working Party. BMJ.
1992;304(6824):405-12.
3. Rosendorff C, Black HR, Cannon CP, Gersh BJ, Gore J, Izzo JL Jr, et al;
American Heart Association Council for High Blood Pressure Research;
American Heart Association Council on Clinical Cardiology; American
Heart Association Council on Epidemiology and Prevention. Treatment of
hypertension in the prevention and management of ischemic heart disease: a
scientific statement from the American Heart Association Council for High
Blood Pressure Research and the Councils on Clinical Cardiology and
Epidemiology and Prevention. Circulation 2007;115(21):2761-88. Erratum
in: Circulation. 2007;116(5):e121.
4. Physical Activity Guidelines Advisory Committee Report, 2008. Washington,
DC: U.S. Department of Health and Human Services; 2008.
5. Gravina CF, Rosa FR, Franken RA, Freitas EV, Liberman A, et al; Sociedade
Brasileira de Cardiologia. II Diretrizes em Cardiogeriatria da Sociedade
Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2010;95(3 supl. 2):1-112.
6. Chun AA, McGee SR. Bedside diagnosis of coronary artery disease: a
systematic review. Am J Med. 2004;117(5):334-43.
7. Wajngarten M. Chronic coronary disease. In: Wajngarten M, ed. The elderly
coronary patient. London: Science Press; 2002. p.15-23.
8. Shaw LJ, Berman DS, Maron DJ, Mancini GB, Hayes SW, Hartigan PM, et
al; COURAGE Investigators. Optimal medical therapy with or without
percutaneous coronary intervention to reduce ischemic burden: results from
the Clinical Outcomes Utilizing Revascularization and Aggressive Drug
Evaluation (COURAGE) trial nuclear substudy. Circulation.
2008;117(10):1283-91.
9. Grupo de Estudos em Ressonância e Tomografia Cardiovascular (GERT) do
Departamento de Cardiologia Clínica da Sociedade Brasileira de
Cardiologia, Rochitte CE, Pinto IMF, Fernandes JL, Azevedo Filho CF,
Jatene A, Carvalho AC, et al. I Diretriz de Ressonância e Tomografia
Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol.
2006;87(3):e60-100.
10. Mehran R, Aymong ED, Nikolsky E, Lasic Z, Iakovou I, Fahy M, et al. A
simple risk score for prediction of contrast nephropathy after percutaneous
coronary intervention: development and initial validation. J Am Coll Cardiol.
2004;44(7):1393-9.
11. Boden WE, O’Rourke RA, Teo KK, Hartigan PM, Maron DJ, Kostuk WJ, et
al; COURAGE Trial Research Group. Optimal medical therapy with or
without PCI for stable coronary disease. N Engl J Med. 2007;356(15):1503-
16.
12. BARI 2D Study Group, Frye RL, August P, Brooks MM, Hardison RM,
Kelsey SF, MacGregor JM, et al. A randomized trial of therapies for type 2
diabetes and coronary artery disease. N Engl J Med. 2009;360(24):2503-15.
13. Liberman A, Freitas EV. Doença coronária crônica. In: Freitas EV, Py L, eds.
Tratado de Geriatria e Gerontologia. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara-
Koogan; 2011. p.502-18.
Seção 9. Exame Clínico, Semiologia e
Check up Cardíaco

Aspectos Relevantes da História Clínica do Paciente Cardiopata


Interpretação Semiológica de um Caso Clínico
Os Ruídos Cardíacos Normais e Patológicos
O Racional Para Solicitação dos Exames
Check Up Cardiovascular - Caso Clínico
ASPECTOS RELEVANTES DA HISTÓRIA
CLÍNICA DO PACIENTE CARDIOPATA

Ricardo Maia Coelho


Eduardo Costa Gonçalves

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 61 anos, divorciada, cabeleireira, natural do Espírito Santo,
residente em Magé, RJ.
QP: Palpitação, cansaço, tonteira, desmaio e dor no peito
HDA: Paciente relata início de tonteira aos esforços moderados há um ano. Relata
também uma dor torácica não relacionada aos esforços, que se inicia em repouso e
melhora quando se deita. Queixa-se também de palpitações, caracterizando um ritmo
regular que se inicia e cessa subitamente. Da mesma forma, relata episódios de tonteira,
algumas vezes chegando a culminar com perda do nível de consciência (síncope). Nega
edema de membros inferiores, dispneia paroxística noturna e ortopneia.
HPP: Hipertensão arterial sistêmica. Nega diabetes mellitus, febre reumática e passado
de uso regular de benzetacil (sic). Relata episódio de infarto agudo do miocárdio em
1995, e passado de tuberculose pulmonar em 2007 (uso de esquema RHZ por seis
meses). Submeteu-se à cirurgia de mioma sem intercorrências. Apresentou depressão e
encontra-se em uso regular de medicação antidepressiva.
Medicação em uso: propranolol 40mg 2x/dia; hidroclorotiazida 25mg 1x/dia; AAS
100mg 1x/dia; sinvastatina 20mg 1x/dia; amitriptilina 25mg 1x/dia; carbamazepina
200mg 1x/dia.

História familiar: Pai hipertenso, mãe falecida (não sabe informar a causa).
História fisiológica: Parto normal. Teve cinco gestações das quais quatro foram a
termo e um aborto.
História social: Etilismo social (bebidas fermentadas aos finais de semana). Nega
tabagismo. Mora em boas condições, em casa de alvenaria com sistema de saneamento
básico.

Exame físico: Peso =58kg; Altura =1,50m; IMC =25,7kg/m2; PA: MSD =120x80mmHg;
MSE =130x80mmHg

Ectoscopia: Paciente eupneica em repouso, hipocorada (+/4+), acianótica, anictérica,


boa perfusão capilar periférica, extremidades quentes, dentes em regular estado de
conservação, necessitando tratamento.

Aparelho cardiovascular: Discreta pulsatilidade da fúrcula esternal, pulsos carotídeos,


radial, braquial, pedioso e tibial posteriores regulares e de amplitude normal e
discretamente diminuída; íctus impalpável em decúbito dorsal e fracamente palpável
em decúbito lateral esquerdo com características normais. VD impalpável em região
paraesternal e apêndice xifoide.
Ausculta: Ritmo cardíaco regular. B1 normofonética e B2 hipofonética. Inicialmente,
existia a sensação de um sopro rasposo protodiastólico. Tal comportamento persistia na
ausculta em todo o precórdio, predominantemente na ponta onde o sopro era mais
audível. Após uma ausculta mais demorada, percebia-se que na realidade esse sopro
não era protodiastólico e sim um sopro telessistólico tão tardiamente na sístole que
parecia ser protodiastólico. Quando se relacionava com o pulso, a sensação era de que
ele ocorria na fase descendente do pulso carotídeo, sugerindo falsamente ser um sopro
protodiastólico.

Aparelho respiratório: Murmúrio vesicular audível sem ruídos adventícios. Abdômen


flácido, peristáltico, indolor, sem massas ou visceromegalias.

Membros inferiores: Ausência de edemas, panturrilhas livres.

Exames complementares:
Radiografia de tórax (Figuras 1 e 2): Em PA observa-se uma área cardíaca normal,
retificação do arco médio, átrio esquerdo aumentado e sugestivo aumento do VD,
circulação pulmonar normal. No perfil existe uma sugestão de aumento do VD.

Figuras 1 e 2
Radiografia de tórax em PA e perfil da paciente relatada.

ECG (Figuras 3 a 6): Ritmo sinusal, frequência cardíaca 75bpm, BRE do primeiro
grau, sobrecarga atrial esquerda.

Figuras 3 a 6
Eletrocardiogramas da paciente relatada.

B1 normofonética, B2 normofonética, sopro telessistólico, pulso carotídeo de forma e


amplitude normais.

Fonocardiograma em foco mitral (Figuras 7 a 12):


Figuras 7 a 10
Fonomecanocardiograma da paciente relatada
Figuras 11 e 12
Detalhes do fonomecanocardiograma realizado após cinco dias da retirada do betabloqueador.

Ecocardiograma: Crescimento atrial esquerdo. Valva mitral com aspecto de


degeneração mixomatosa, com prolapso do folheto anterior da valva mitral, ventrículos
esquerdo e direito normais, sem sinais de hipertensão arterial pulmonar, regurgitação
mitral leve a moderada, função sistólica ventricular preservada e diâmetros sistólicos e
diastólicos normais.

OBJETIVOS

1. Avaliar a importância da história clínica do paciente para a conduta


diagnóstica.
2. Analisar como através de uma anamnese muito bem feita, as hipóteses
diagnósticas podem ser formuladas.

PERGUNTAS
1. Qual a finalidade da história clínica e do exame físico?
As doenças cardiovasculares podem se apresentar de forma sintomática e
assintomática. Na forma assintomática, o exame físico e os exames complementares
representam papel de grande relevância para o diagnóstico. Porém, nos pacientes
sintomáticos, a intensidade dos sintomas e sua relação com os esforços ou não,
periodicidade dos sintomas, sua relação com os fatores de risco para as doenças
cardiovasculares são fundamentais para se estabelecer uma linha de suposições
diagnósticas que precisa ser seguida.

Considerando o desenvolvimento tecnológico utilizado na atualidade para


complementar o diagnóstico do sistema cardiovascular, as informações obtidas através
da história clínica e do exame clínico ainda são uma importante estratégia sistematizada
para estabelecer uma criteriosa relação de menor custo-efetividade para o diagnóstico.

A anamnese se destaca como uma fonte rica de informações quanto à doença,


permitindo avaliar aspectos do paciente e da história natural da enfermidade através de
uma análise criteriosa da história clínica, permitindo definir com precisão, entre 74% e
90%, o diagnóstico1,2.

2. Qual a importância da história patológica pregressa, familiar e social?

Aspectos da história familiar relacionados a determinados eventos, como morte súbita


na família, podem ser a chave diagnóstica para uma doença, como a cardiomiopatia
hipertrófica obstrutiva. Se o paciente sabe ser diabético ou tem história de diabetes em
parentes próximos, também é um dado de importância para um possível diagnóstico de
diabetes e todas as comorbidades que essa doença traz.

O fato de um paciente ter morado ou morar em zona endêmica da doença de Chagas é


um dado de fundamental importância, pois dependendo das suas manifestações clínicas
e de achados de exame clínico, pode-se estar diante de uma cardiopatia chagásica. Um
paciente com história familiar de infarto do miocárdio em parentes jovens de primeiro
grau costuma ser importante indicativo de que esse paciente possa ter doença arterial
coronariana. Um jovem que sabe ser portador de sopro desde a sua infância pode ser
portador de uma cardiopatia congênita. A presença de manifestações articulares e
amigdalites de repetição na infância e adolescência remete à possibilidade de febre
reumática e cardiopatia reumática.

Com o conjunto de informações obtidas na história do paciente, pode-se estratificar o


risco cardiovascular desses pacientes e avaliar a sua probabilidade de ter uma doença
cardiovascular e a sua gravidade, e até mesmo o prognóstico. Exemplificando: em
paciente de 50 anos, hipertenso, obeso, sedentário, diabético, com história na família
de parentes de primeiro grau com doença arterial coronariana, e que recentemente
apresenta dor torácica tipicamente anginosa que tenha evoluído de grandes a pequenos
esforços em curto prazo de tempo, percebe-se que há alta probabilidade de ter doença
arterial coronariana e que o prognóstico de tal doença é bastante reservado se medidas
propedêuticas para se confirmar o diagnóstico e a terapêutica não forem adequadamente
estabelecidas.

Informações dessa natureza são fundamentais e, se não forem obtidas ou se forem


menosprezadas pelo investigador, certamente haverá evolução para erro de condução
diagnóstica.

3. Na evolução da história da doença atual esses sintomas clássicos de dispneia, dor


precordial, tonteira, síncope de início e término súbitos, direcionam para quais
diagnósticos?

Os diagnósticos sindrômicos que podem ser cogitados são síndromes cardíaca,


neurológica, metabólica, psíquica e medicamentosa. Com essas queixas e informações é
possível traçar uma orientação para investigação diagnóstica.

Os diagnósticos etiológicos a serem considerados são aqueles que possuem alto poder
arritmogênico cardiovascular. Deve-se também suspeitar de valvopatia. O seu caráter
possivelmente arritmogênico e com sintomas como tonteiras e síncope direciona para o
acometimento da valva aórtica, particularmente a estenose aórtica. Cabe ressaltar que a
idade da paciente também permitiria suspeitar de doença arterial coronariana, pois,
como se sabe, com a idade aumentam as comorbidades e a prevalência da doença
arterial coronariana, que no caso em questão teria um alto poder arritmogênico.
Observa-se também que havia queixa de dispneia progressiva aos esforços, condição
que também faz suspeitar de acometimento da valva mitral.

4. Que outros dados da história patológica pregressa têm relevância clínica?

A história relatada de infarto agudo do miocárdio sofrido em 1995 deve ser


considerada. Muito frequentemente os pacientes relatam ter sofrido infarto do
miocárdio, porém essa informação nem sempre se confirma. No entanto tal informação
em momento inicial não pode ser menosprezada. Ao considerar a possibilidade de
realmente ter ocorrido um infarto do miocárdio, aumenta-se o potencial arritmogênico
desta paciente.

Outro aspecto a ser considerado e que também poderia apontar para doença arterial
coronariana é a história de hipertensão arterial. Essa condição é um fator de risco bem
caracterizado para o desenvolvimento de doença arterial coronariana.

5. A partir do diagnóstico inicial, que informações o exame clínico acrescentaria


para uma orientação diagnóstica segura? Como o fonocardiograma poderia auxiliar
na comprovação do diagnóstico?

Ao exame clínico, observa-se através da descrição do pulso carotídeo que o mesmo


tem forma e amplitude normais. Essa informação afasta qualquer possibilidade de
obstrução em trato de saída do ventrículo esquerdo. O íctus que é impalpável em
decúbito dorsal e fracamente palpável em decúbito lateral esquerdo, a princípio
informa que o ventrículo esquerdo seja de tamanho normal. O fato de não se palpar
impulsão do VD em região paraesternal esquerda baixa e apêndice xifoide também,
num primeiro momento, afasta o crescimento do ventrículo direito. É importante
ressaltar a ausência de bulhas acessórias.

Na descrição da ausculta, inicialmente tinha-se a percepção de um sopro


protodiastólico. Posteriormente ao se fazer o fonocardiograma, observou-se que o
sopro era telessistólico. Como a percepção inicial era de um sopro protodiastólico, tal
achado dentro do contexto clínico limitava as possibilidades diagnósticas, pois
faltavam dados para se suspeitar, por exemplo, de insuficiência aórtica que certamente
geraria um sopro diastólico. O dado mais interessante é que o foco de maior ausculta
desse sopro era o foco mitral. Até o momento, o exame clínico não permitia um
esclarecimento diagnóstico. O que se sabia é que a paciente fazia uso de
betabloqueador, diurético, estatina, antiagregante plaquetário e antidepressivo. Até
aquele momento ainda se pensava em uma patologia arritmogênica associada a uma
doença arterial coronariana.

Com a realização do fonocardiograma percebeu-se que na realidade o sopro não era


protodiastólico, mas extremamente telessistólico. Tão telessistólico que quando era
audível se relacionava com a descida do pulso carotídeo. Uma vez registrando esse
sopro telessistólico ficou claro que o diagnóstico era de prolapso da valva mitral,
diagnóstico que por si só justificaria todos os sintomas apresentados pela paciente.

6. Poderia o betabloqueador ter tornado esse sopro tão telessistólico que pudesse
simular um sopro protodiastólico? E sua suspensão do poderia causar alguma
modificação na ausculta original em relação ao prolapso?

O betabloqueador aumenta a cavidade ventricular esquerda e torna o prolapso mais


tardio e sua suspensão pode afetar a ausculta original em relação ao prolapso.

Neste caso o betabloqueador foi suspenso por cinco dias e a paciente reexaminada; ela
apresentou um clique mesossistólico com um sopro mesotelessistólico mais intenso.
Quando se colocou a paciente em pé, o sopro se tornou holossistólico e o clique que
era mesossistólico se tornou protossistólico. Ao colocar a paciente de cócoras, o clique
se tornou extremamente telessistólico e o sopro também. Tal comportamento é o
esperado para o prolapso da válvula mitral. Isso demonstra como o betabloqueador
pode mascarar uma ausculta do prolapso da válvula mitral e, portanto, por esse motivo
é considerada a droga ideal para o seu tratamento.

7. Pode o betabloqueador mascarar outras cardiopatias?

A resposta é sim. Nas obstruções do trato de saída do ventrículo esquerdo, o seu uso
diminuindo a força de contração ventricular pode mascarar a gravidade e a intensidade
de uma estenose aórtica. A cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva é um exemplo
clássico de condição que pode ser totalmente mascarada pelo uso do betabloqueador.
Observaram-se pacientes com cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva que foram
intensamente betabloqueados e a intensidade de seus sopros diminuiu de forma
significativa.

8. Com esses achados, qual foi o diagnóstico final da paciente relatada?

O diagnóstico clínico deste caso foi de prolapso da válvula mitral. Ficou evidente que
o sopro protodiastólico ouvido era de fato um sopro telessistólico.

O exame clínico inicialmente fugiu a uma lógica diagnóstica, pois a presença de sopro
protodiastólico não se encaixava em nenhum diagnóstico. Supôs-se então que o que
poderia estar mascarando a ausculta era o uso de betabloqueador. De fato, ao se fazer o
fonocardiograma percebeu-se que o sopro era telessistólico. O betabloqueador foi
suspenso por cinco dias e a ausculta ficou típica, como pode ser observado nas Figuras
11 e 12. Após a definição do diagnóstico, retornou-se ao uso do betabloqueador, pois o
mesmo é o mais indicado neste diagnóstico.
9. Qual foi a importância da ecocardiografia neste caso? Que outro método
complementar poderia auxiliar nesse momento?

O ecocardiograma mostrou um prolapso da valva mitral e sinais de degeneração


mixomatosa, sem ruptura de cordoalha, compatível com síndrome de Barlow.
Observou-se que o refluxo pela valva mitral ocorreu bem tardiamente na sístole, sendo
o volume regurgitante menor. Portanto, a insuficiência mitral não foi classificada como
grave, mas bastante leve. Não havia hipertensão nas vias pulmonares e também não se
observou déficit segmentar na contração do ventrículo esquerdo.

Dando continuidade à investigação, solicitou-se um ecocardiograma de esforço. Tal


exame é uma associação do teste ergométrico, e no pico máximo do esforço é feito um
ecocardiograma. Naquele momento ainda não se tinha retornado ao betabloqueador. A
paciente apresentou no pico do esforço uma frequência cardíaca de 118bpm. O teste foi
interrompido devido à paciente se queixar de tontura de surgimento súbito e referir que
ia cair. Não se observou qualquer manifestação objetiva de cansaço ou dispneia.
Existia certamente um componente emocional muito forte.

A paciente apresentou curva da pressão arterial por MET satisfatória durante o esforço
e uma queda da resistência arterial periférica caracterizada pela queda da pressão
arterial diastólica. A frequência cardíaca também foi normal durante o exercício e
durante a recuperação, mostrando a volta fisiológica do tônus vagal. O ecocardiograma
que foi feito no pico do esforço não demonstrou marcadores de mau prognóstico, que
seriam queda da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e aumento da regurgitação
mitral. No caso da paciente, a regurgitação até diminuiu após o esforço, condição essa
que pode acontecer por uma diminuição do anel valvar durante a contração intensa.

10. Qual foi a conduta tomada neste caso?

Mediante todos esses achados, optou-se pelo acompanhamento clínico, por se


considerar a paciente candidata apenas à conduta conservadora, usando betabloqueador
e realizando profilaxia da endocardite bacteriana.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.


Referências
1. Hampton JR, Harrison MJ, Mitchell JR, Prichard JS, Seymor C. Relative
contributions of history-taking, physical examination, and laboratory
investigation to diagnosis and management of medical outpatients. Br Med J.
1975;2(5969):486-89.
2. Bordage G. Where are the history and the physical? CAMJ.
1995;152(10):1595-8.
INTERPRETAÇÃO SEMIOLÓGICA DE UM
CASO CLÍNICO

Reinaldo Mattos Hadlich


Eduardo Costa Gonçalves

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 69 anos, negra, viúva, do lar, natural de Salvador, morando há 47
anos em Campo Grande, Rio de Janeiro.
QP: “Falta de ar”.
HDA: Paciente apresenta dispneia aos médios esforços com melhora ao repouso. Nega
dores no peito. Há dois anos apresentou episódio de forte dispneia de início súbito,
sendo internada no Hospital Rocha Faria. Evoluiu, naquela época, com ortopneia e
dispneia paroxística noturna, necessitando de três travesseiros para dormir. Informava
também edema de membros inferiores e palpitações diárias, com aceleração dos
batimentos cardíacos que se iniciavam subitamente e terminavam gradualmente,
durando cerca de 15min. Tais palpitações se manifestavam tanto aos esforços como em
repouso. Relata que, após o início da medicação há dois anos, tem observado tonteiras
ocasionais e dores no corpo.
HPP: A paciente relata hipertensão arterial sistêmica há 14 anos em tratamento com
hidroclorotiazida até 2007, e dislipidemia com colesterol total de 263mg/dL.
Em uso de: enalapril 10mg 2x/dia, furosemida 40mg 1x/dia, sinvastatina 40mg à noite,
AAS 100mg 1x/dia, carvedilol 6,25mg 2xdia, espironolactona 25mg 1xdia e digoxina
0,25mg, ½ comp. ao dia.

História social: Mora em casa de alvenaria, com saneamento básico. Nega tabagismo,
nega etilismo, nega uso de drogas ilícitas.

História familiar: Não sabe exatamente do que os pais morreram. Os irmãos estão
vivos e bem de saúde. Os seis filhos vivos não apresentam nenhuma patologia.

História fisiológica: G9P6C0A3. Todas as gestações foram sem intercorrências. Última


gestação há 34 anos.

Exame físico: Peso =57kg; Altura =1,62m; IMC =21,71kg/m2; PA =120x70mmHg nos
dois braços.
Paciente em regular estado geral, discretamente dispneica. Mucosas normocoradas.
Prótese dentária em arcadas superior e inferior. Varizes em membros inferiores.

Com a paciente em decúbito dorsal, observa-se pulsatilidade venosa moderadamente


aumentada e jugulares túrgidas. Na palpação do pulso carotídeo observa-se pulso
regular, infiltrado, com amplitude normal. Os demais pulsos têm a mesma característica
e a relação está normal. Abdome com submacicez em hipocôndrio direito e discreto
refluxo hepatojugular. Ausculta pulmonar normal.

Ausculta cardíaca:
- Em decúbito dorsal:
Foco mitral: Ritmo regular, com primeira bulha hipofonética. Sopro sistólico de 2 a
3+/6+, com intensificação mesotelessistólica, porém terminando antes de B2 que é de
intensidade discretamente diminuída.
Região mesocárdica: O sopro tem as mesmas características, apenas um pouco mais
intenso, e observa-se apenas um discreto SD.
Foco pulmonar: A ausculta é semelhante aos demais focos.
Foco aórtico acessório: A ausculta continua com as mesmas características,
observando-se apenas um discreto SD.
Foco aórtico: O sopro torna-se mais intenso, não ultrapassando 3+/6+. O componente
aórtico da segunda bulha, neste foco, é muito bem marcado. O sopro irradia-se para
clavículas e carótidas bilateralmente.
- Decúbito lateral esquerdo:
Foco mitral: O sopro passa a ter caráter um pouco musical e demonstra alguma
irradiação para a axila.

Comportamento geral do sopro:


Aumenta com a expiração em todo o precórdio. Em decúbito dorsal, na ponta, o sopro
diminui com manobra isométrica. Com a paciente em decúbito lateral esquerdo, na
ponta, o sopro também diminui com manobra isométrica. Na base do precórdio o sopro
também diminui com manobra isométrica. Com manobra de Valsalva o sopro diminui
tanto na ponta como na base, porém não desaparece.

Com a paciente em pé, o sopro diminui tanto na ponta como nos focos da base. Ao se
fazer a manobra isométrica com a paciente em pé, o sopro também diminui. O sopro
não se irradia para o dorso (Figuras 1 a 13).

Exames complementares:
A análise do RX de tórax evidencia crescimento do ventrículo direito, crescimento
biatrial, aumento da auriculeta esquerda e aumento do tronco de AP (Figuras 1 e 2).

O ECG mostra BRE terceiro grau e crescimento biatrial. Não se definiu crescimento do
ventrículo esquerdo ao exame físico. O BRE mascara este diagnóstico na interpretação
do ECG (Figuras 3 a 6).

OBJETIVOS
1. Avaliar a importância da anamnese e do exame físico para o diagnóstico.
2. Demonstrar que à beira do leito é possível formular hipóteses diagnósticas a
partir de exames complementares de baixo custo.
3. Explicar o mecanismo fisiológico e fisiopatológico das cardiopatias.

PERGUNTAS
1. De que forma a descrição dos pulsos arteriais e venosos ajuda na formulação da
hipótese diagnóstica? 1-6
No caso clínico apresentado, não houve na descrição dos pulsos arteriais
caracterização para definir o diagnóstico. Entretanto, a análise do registro gráfico
evidencia uma onda de percussão (onda B) com ascensão algo retardada, ou seja, com a
velocidade de ascensão ligeiramente diminuída, o que se correlaciona com a
diminuição de impedância na válvula aórtica, produzida por algum grau de estenose
aórtica ou mesmo de diminuição de complacência na aorta.

O pulso venoso foi descrito sem detalhes no que se refere à identificação das ondas
positivas assim como dos colapsos. Em decúbito dorsal, observou-se pulsatilidade
venosa de amplitude moderadamente aumentada e a presença de jugulares túrgidas,
caracterizando assim um processo de estase venosa crônica.

2. Na ausculta cardíaca, qual característica semiológica da soprologia colaborou


para se chegar ao diagnóstico clínico e à avaliação da intensidade?

Na ausculta cardíaca, foi descrito um sopro sistólico tipo ejeção, caracterizado por ter
acentuação mesotelessistólica, com seu epicentro nos focos da base e irradiação para
os vasos do pescoço, embora fosse audível em todo o precórdio. Sua intensidade
aumentava com a expiração e diminuía com manobra isométrica (handgrip) e Valsalva.
Caracterizou-se dessa forma estenose aórtica valvular. Como o sopro termina antes da
segunda bulha, a princípio, estima-se um grau leve de estenose. O timbre musical
detectado no foco mitral com o paciente em decúbito lateral esquerdo é um achado
frequente nas calcificações da válvula aórtica.

3. As alterações radiológicas permitem confirmar o diagnóstico de estenose valvar


aórtica leve? Quais as informações obtidas do estudo radiológico? 1-6

Não. A estenose aórtica valvar de grau leve frequentemente não produz alterações
radiológicas.

O exame radiológico é compatível com estenose mitral associada. O ECG relaciona-se


ao exame radiológico apenas em relação ao crescimento biatrial. O BRE mascara a
identificação de alterações ventriculares.

4. Quais são as informações estetoacústicas encontradas na estenose mitral


clássica? Como caracterizar a estenose mitral? 1-6
Primeira bulha hiperfonética, estalido de abertura da válvula mitral e ruflar diastólico,
com ou sem reforço pré-sistólico.

Na estenose mitral, a intensidade da primeira bulha assim como do estalido dependem


do grau de mobilidade da válvula. Dessa forma, quando evolutivamente a calcificação
compromete essa mobilidade, ocorre hipofonese, assim como diminuição de
intensidade do estalido ou mesmo o seu desaparecimento. Por outro lado, nas estenoses
significativas, o ruflar diastólico também pode desaparecer por diminuição do
enchimento ventricular.

5. Poderia a estenose mitral severa mascarar a identificação de severidade da


estenose aórtica? 1-6

Sim. O volume de sangue contido no ventrículo esquerdo é responsável pelo gradiente


VE-AO na estenose aórtica. Quando ocorre diminuição de volume de enchimento
ventricular secundário a uma estenose mitral severa, certamente se estará
hipovalorizando o grau de gravidade da estenose aórtica.

6. Quais os dados semiológicos que permitem considerar a estenose aórtica


calcificada?

A ausência de clique de ejeção e a identificação do sopro sistólico de ejeção no foco


mitral com o timbre musical.

7. Quais os critérios semiológicos da estenose aórtica severa?

À medida que o grau de obstrução valvar ocorre, o sopro sistólico de ejeção que
habitualmente se apresenta com acentuação mesossistólica, passa a se intensificar na
telessístole, aproximando-se da segunda bulha. Além disso, os entalhes anacróticos
observados nos pulsos arteriais tornam-se mais precoces em relação ao início de
ascensão da onda B.

8. Como caracterizar o grau de severidade da estenose aórtica? 1-6

A disfunção sistólica do ventrículo esquerdo contribui para a diminuição do gradiente


VE-AO, ocorrendo por esse mecanismo diminuição do sopro. Entretanto, o dado
semiológico mais significativo para avaliação de severidade é a análise de
precocidade dos entalhes anacróticos e amplitude dos pulsos, que nesses casos são de
muito pequena amplitude.

9. Como fazer o diagnóstico diferencial das outras formas de estenose aórtica? 1-6

A estenose subaórtica dinâmica é facilmente diagnosticada pela presença de pulsos


arteriais do tipo digitiforme e não anacrótico. A estenose supravalvar aórtica, por sua
vez, é suspeitada pela diferença entre o pulso carotídeo direito e esquerdo. Nesta
modalidade de estenose congênita, o pulso carotídeo direito se apresenta com poucos
entalhes anacróticos e o esquerdo com acentuação dos entalhes. Isto ocorre porque o
jato sanguíneo alcança de forma retilínea o tronco braquiocefálico produzindo ao nível
da carótida direita menos entalhes anacróticos.

10. Qual o diagnóstico definitivo do caso clínico e como foi comprovado?

O diagnóstico definitivo foi estenose aórtica leve a moderada, estenose mitral


calcificada severa, hipertensão pulmonar secundária, com insuficiência cardíaca
retrógrada, sendo comprovado pelo ecocardiograma (Figuras 1-13).
Figura 1
Radiografia de tórax em PA, da paciente relatada
Figura 2
Radiografia de tórax em perfil, da paciente estudada.
Figura 3
ECG (DI, DII, DIII)

Figura 4
ECG (AVR, AVL, AVF)

Figura 5
ECG (V1, V2, V3)
Figura 6
ECG (V4, V5, V6)

Figura 7
Fonocardiograma (Foco mitral)
Figura 8
Fonocardiograma (mesocárdio)

Figura 9
Fonocardiograma (Foco pulmonar)
Figura 10
Fonocardiograma (Foco aórtico)

Figura 11
Pulsos carotídeos esquerdo e direito
Figura 12
Impulsão do ventrículo direito

Figura 13
Laudo do ecocardiograma

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
1. Fishleder B. Exploración Cardiovascular y Fonomecanocardiografia Clínica.
2a ed. México, DF: Prensa Medica Mexicana; 1978. p.357-65.
2. Constant J. Essentials of Bedside Cardiology. 2nd ed. New Jersey: Humana
Press; 2003.
3. Poh KK, Levine RA, Solis J, Shen L, Flaherty M, Kang YJ, et al. Assessing
aortic valve area in aortic stenosis by continuity equation: a novel approach
using real-time three-dimensional echocardiography. Eur Heart J.
2008;29(20):2526-35.
4. de Lacey G, Morley S, Berman L. The Chest X-Ray: a survival guide.
Philadelphia: Saunders; 2008.
5. Runge MS, Ohman EM, Netter FH, Ohman ME. Netter’s Cardiology.
Philadelphia: Elsevier/Saunders; 2004.
6. Serrano CV Jr, Tarasoutchi F, Jatene FB, Mathias W Jr. Cardiologia baseada
em relatos de casos. São Paulo: Manole; 2006.
OS RUÍDOS CARDÍACOS NORMAIS E
PATOLÓGICOS

Dany David Kruczan


Eduardo Costa Gonçalves

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 21 anos, branca, solteira, vendedora, natural de Duque de Caxias,
RJ.
QP: “Taquicardia e cansaço.”
HDA: A paciente refere que com um ano de idade seu pediatra diagnosticou um sopro
no coração. Na ocasião foi encaminhada para o Hospital de Laranjeiras onde disseram
que não precisava de tratamento. O seu desenvolvimento foi normal, porém sempre
apresentava palpitação e dispneia aos grandes esforços. Progressivamente houve piora
dos seus sintomas aos médios e pequenos esforços.
Em março de 2005 houve uma piora significativa, passando a apresentar dor torácica
em aperto, de curta duração, em repouso, que persiste até então, com melhora
espontânea. Essa dor muito frequentemente está associada à dispneia paroxística
noturna. Também refere que, desde os 18 anos, apresenta palpitações que aparecem
principalmente aos esforços e que vem piorando gradativamente. Essa palpitação é
referida pela paciente como sensação de coração acelerado, regular e que cessa
progressivamente quando para de fazer atividade física.

Refere também cefaleia unilateral temporal esquerda precedida por aura desde a
infância. Refere ortopneia e nega síncopes e vertigens. Entretanto, aos 18 anos, uma
única vez, ao subir um morro teve episódio de vertigem muito forte e sensação de pré-
síncope.

HPP: A paciente relata sedentarismo. Faz uso de atenolol, não sabendo a dose. Todos
os outros questionamentos foram negativos, inclusive no que diz respeito à febre
reumática.
H social: Não bebe, não fuma e não usa drogas ilícitas.
H Familiar: Existe história familiar de hipertensão arterial sistêmica.
H fisiológica: Nasceu de parto a termo, desenvolvimento normal, G0,P0,C0, A0.

Exame Físico:
Peso =66kg; Altura =1,65m; IMC =24,24kg/m2
PA: MSD =118x60mmHg; PA: MSE =122x60mmHg

Paciente em bom estado geral, eupneica, acianótica, mucosas normocoradas e dentes


em bom estado de conservação. Na ectoscopia geral, nada de importância. Com a
paciente deitada, observa-se uma pulsatilidade cervical leve a moderadamente
aumentada que aumenta com a inspiração. Na fúrcula esternal observa-se uma
pulsatilidade arterial discretamente aumentada. Ao se palpar a fúrcula percebe-se um
frêmito sistólico de moderada intensidade.

À palpação dos pulsos arteriais, percebe-se amplitude leve a moderadamente


diminuída e ritmo regular. A relação entre os membros superiores e inferiores não
chega a ser invertida, porém as amplitudes são equiparadas. Todos os pulsos são
palpáveis. Os pulsos carotídeos têm uma ascensão lenta e possivelmente pareceu
entalhada.

À palpação do abdome não foi encontrada nenhuma alteração e, embora não se tenha
palpado o fígado, há discreto refluxo hepatojugular.

No precórdio, palpa-se discreta impulsão em região paraesternal esquerda baixa que


aumenta com a inspiração, assim como no apêndice xifoide. O íctus é palpável em
decúbito dorsal no sexto EICE na linha hemiclavicular com características de HVE
pressão. Em decúbito lateral esquerdo, tais características ficam muito mais evidentes.
Ausculta cardíaca
No foco mitral o ritmo é regular, B1 e B2 audíveis, porém algo hipofonéticas. Existe um
sopro sistólico de +++/6+ que diminui com a inspiração; tem intensificação
mesotelessistólica e diminui com manobra isométrica. À proporção que se caminha
para a região mesocárdica, o sopro se intensifica um pouco, as bulhas ficam melhor
audíveis, porém sempre algo hipofonéticas. No foco aórtico acessório, a ausculta
continua com as mesmas características, assim como no foco aórtico. O foco máximo de
ausculta é próximo à fúrcula e na própria fúrcula. O sopro se irradia para as clavículas
e carótidas bilateralmente.

O P2 é maior que o A2. O A2 é algo diminuído, porém audível. No foco tricúspide,


observou-se Rivero-Carvallo discretamente positiva. Em decúbito lateral esquerdo no
foco mitral, a B1 se torna bem marcada. A B2 é audível, porém de menor intensidade
que B1. O comportamento geral do sopro em todo o precórdio, da ponta até a base, é o
seguinte: o sopro diminui com manobra isométrica, diminui em pé, diminui com
Valsalva, diminui com squatting, diminui com a inspiração, com exceção do foco
tricúspide, e aumenta com a apneia expiratória. A ausculta pulmonar está normal.

As Figuras 1 a 10 ilustram o caso clínico apresentado.


Figura 1
Radiografia de tórax em PA (ausência de dilatação pós-estenótica do arco aórtico, reforçando o diagnóstico de
estenose subvalvar).
Figura 2
Radiografia de tórax em perfil
Figura 3
ECG: DI, DII e DIII de cima para baixo (apesar da obstrução na via de saída do VE, não há critérios de HVE ao
ECG).
Figura 4
ECG: AVR, AVL e AVF de cima para baixo.
Figura 5
ECG: V1, V2 e V3 de cima para baixo.
Figura 6
ECG: V4, V5 e V6 de cima para baixo.

Figura 7
Fonocardiograma: Foco aórtico (sopro de ejeção com B2 bem marcada)

Figura 8
Fonocardiograma: Pulso carotídeo direito (presença de entalhe pela obstrução da via de saída do VE).
Figura 9
Fonocardiograma: Pulso carotídeo esquerdo (presença de entalhe pela obstrução da via de saída do VE).

Figura 10
Laudo do ecocardiograma
OBJETIVOS
1. Mostrar como pela inspeção, palpação e, principalmente, ausculta, pode-se
chegar com segurança a diagnóstico anatômico, funcional e etiológico;
2. Diferenciar pelas manobras semiológicas as características dos sopros
cardíacos.

PERGUNTAS
1. Como diferenciar se o sopro sistólico audível na paciente é de ejeção ou de
regurgitação1,2?

Os sopros de regurgitação pela valva mitral aumentam com manobra isométrica,


enquanto que os sopros sistólicos de ejeção pela valva aórtica diminuem com a
manobra isométrica, pois se aumenta nesse caso a resistência periférica.

2. É possível definir pela ausculta se a estenose aórtica é valvar ou subvalvar1-2?

A resposta é sim, pois na estenose aórtica valvar grave calcificada não se ouve o clique
de abertura da válvula, que é o clique protossistólico e, pelo mesmo motivo, não se
ouve o fechamento da valva. Consequentemente, além de não existir clique
protossistólico, o A2 é inaudível. Na estenose subvalvar fixa membranosa, não se ouve
clique protossistólico, pois a estenose não é na valva e sim abaixo dela, mas o A2 é
preservado, pois a estenose não é da valva e sim subvalvar (Figura 7).

3. Existe alguma forma de se diferenciar uma estenose aórtica subvalvar fixa


membranosa da estenose aórtica subvalvar dinâmica, também denominada
cardiopatia hipertrófica obstrutiva1-2?

Sim. Na estenose aórtica subvalvar fixa membranosa, o sopro sistólico de ejeção


diminui com a manobra de Valsalva e diminui com o ortostatismo. Já na cardiopatia
hipertrófica obstrutiva, pelo seu componente dinâmico, o sopro aumenta com essas duas
manobras.

4. No caso em questão, qual foi o diagnóstico clínico definitivo?

O diagnóstico clínico foi de uma estenose aórtica subvalvar fixa membranosa, sendo
posteriormente confirmado pelo ecocardiograma(Figura 10).

5. O ecocardiograma mostrava que, além da estenose aórtica subvalvar fixa


membranosa, existia insuficiência aórtica leve a moderada. Qual o mecanismo
dessa insuficiência aórtica nesta paciente?

Nas lesões subvalvares, comumente existe um fluxo direcionado de sangue para a valva
aórtica que pode danificá-la e causar insuficiência aórtica valvar.

6. A estenose aórtica supravalvar pode ser diagnosticada clinicamente 1-2?

Sim. Existe um sopro sistólico com características semelhantes a obstruções à câmara


de saída do VE. Entretanto o pulso carotídeo direito tem amplitude normal e o esquerdo
tem amplitude diminuída; a pressão arterial no membro superior direito é em torno de
30mmHg maior do que no membro superior esquerdo; o sopro sistólico não é precedido
por clique proto, pois a estenose não é no plano da valva, e a segunda bulha tem
intensidade normal ou até um pouco aumentada.

7. A estenose aórtica supravalvar é uma entidade frequente?

Não. É uma entidade rara e associada a uma síndrome genética, denominada síndrome
de Williams.

8. A estenose aórtica subvalvar fixa é sempre causada por uma membrana? Toda
estenose aórtica sopra muito1-2?

8.1 Não. Existe uma entidade denominada túnel fibroso, que é uma fibrose que abrange
uma parte do septo interventricular e do folheto anterior da valva mitral. Essa fibrose
causa um túnel obstrutivo subvalvar na câmara de saída do VE.
8.2 Não. Em calcificações muito grandes da valva aórtica com obstruções muito
significativas pode haver diminuição do turbilhonamento do sopro. Porém uma causa
muito frequente de mascaramento de estenose aórtica é uma grave disfunção ventricular
esquerda, pois se não existe força de contração, não existe turbilhonamento para
produzir o sopro.

9. As arritmias sempre costumam ser um fator complicante para o paciente, mas


podem ajudar na diferenciação dos sopros. Como se pode diferenciar um sopro
sistólico de ejeção ou regurgitação utilizando as arritmias?

O sopro de ejeção aumenta após as pausas extrassistólicas, ou após as pausas mais


longas da fibrilação atrial. Os sopros de regurgitação não se alteram após essas pausas
longas.

10. Pela radiografia de tórax, pode-se suspeitar de uma estenose aórtica valvar ou
subvalvar?

Sim, pois nas estenoses aórticas valvares existe dilatação aórtica pós-estenótica e nas
subvalvares não existe (Figuras 1 e 2).

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
1. Azevedo AC. Fonomecanocardiografia Clínica. São Paulo: Sarvier; 1980
2. Fishleder B. Exploracion Cardiovascular y fonomecanocardiografia clínica.
2a ed. México: La Prensa Medica Mexicana; 1978.
O RACIONAL PARA SOLICITAÇÃO DOS
EXAMES

Marcelo Bueno Silva Rivas

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 46 anos, assintomático em tratamento para dislipidemia com
sinvastatina 10mg/dia e com histórico familiar de intervenção coronariana percutânea
realizada no seu pai aos 67 anos. Nega tabagismo e não pratica atividade física regular.
Encaminhado para realização de avaliação do risco cardiovascular.

Ao exame físico: Corado, eupneico. PA =118x70mmHg; FC =72bpm; Peso =73kg;


Altura =1,70m; Cintura abdominal =101cm; IMC =25,3kg/m2.
Ritmo cardíaco regular sem sopros ou bulhas acessórias.
Pulmões sem adventícios; abdômen sem sopros ou visceromegalias palpáveis.
Ausência de edema em MMII

OBJETIVOS
1. Indicar os principais exames a serem solicitados para avaliação do risco
cardiovascular.
2. Discutir as controvérsias existentes na indicação de exames invasivos ou de
alta complexidade.

PERGUNTAS
1. Quais são as variáveis epidemiológicas essenciais para a avaliação do risco
cardiovascular, que podem ser obtidas a partir da anamnese e do exame físico?

A identificação na anamnese de sintomas como: palpitações, síncope, dispneia, dor


torácica ou equivalentes anginosos pode orientar a investigação diagnóstica para
coronariopatia ou arritmias cardíacas.

A história pregressa de diabetes mellitus, doença cerebrovascular, coronariopatia


obstrutiva, revascularização miocárdica e infarto agudo do miocárdio são critérios de
alto risco cardiovascular, independente do resultado obtido em escores de risco.

Histórico de tratamento para hipertensão arterial é uma das variáveis utilizadas na


avaliação de risco pelo escore de Framingham e a história familiar de coronariopatia
precoce (<55 anos em homens e <65 anos em mulheres) em parentes de primeiro grau é
considerada um agravante de risco1.

Sedentarismo, estresse, etilismo, consumo de entorpecentes e tabagismo são itens da


história social diretamente associados à ocorrência de doença cardiovascular. Dentre
estes, o tabagismo representa um dos fatores com maior impacto no cálculo do escore
de risco de Framingham.

A avaliação da pressão arterial deve ser iniciada aos 18 anos de acordo com o VII
Joint National Commitee2. A pressão arterial deve ser mensurada em três avaliações,
na posição supina, sentada e ortostática, sendo considerada para o cálculo do risco a
média entre os dois menores valores obtidos para a pressão sistólica.

Dados como presença de quarta bulha, sopros carotídeos, frêmito, rigidez ou redução
da complacência da parede vascular à palpação dos pulsos arteriais podem ser sinais
indiretos de ateromatose, disfunção diastólica ou hipertrofia ventricular, mas sua
utilização nos escores de risco depende de confirmação ao eletrocardiograma ou
métodos de imagem como ecocardiograma e Doppler arterial. Peso e altura devem ser
obtidos para avaliação do índice de massa corporal.

2. Quais exames laboratoriais deverão ser solicitados para a avaliação dos riscos
cardiovascular e metabólico?

A bioquímica do sangue deve incluir a glicemia de jejum, para avaliação de diabetes


mellitus e síndrome metabólica, escórias nitrogenadas para auxiliar na identificação de
dano renal, associados ao exame de elementos anormais e sedimentoscopia na urina,
principalmente nos pacientes portadores de condições associadas ao desenvolvimento
de nefropatia, tais como hipertensão arterial ou uso de fármacos com potencial
nefrotoxicidade. A dosagem de eletrólitos no sangue deve ser incluída nos pacientes
com hipertensão arterial (diagnóstico diferencial do adenoma suprarrenal) e naqueles
em uso de diuréticos ou fármacos com atuação no sistema renina-angiotensina-
aldosterona.

O lipidograma deve ser obtido, incluindo a dosagem das frações LDL e HDL do
colesterol. Além de utilização direta nos escores de risco, essa avaliação permite um
monitoramento das mudanças no estilo de vida e da eficácia da terapia hipolipemiante.
A dosagem dos demais parâmetros do perfil lipídico, tais como outras lipoproteínas e
apoproteínas, não está recomendada para avaliação do risco cardiovascular em
indivíduos assintomáticos3. Inconsistências na padronização dos níveis de referência
entre diferentes metodologias analíticas para as frações lipídicas, além de ausência de
metas terapêuticas ou limiares estabelecidos para o início do tratamento farmacológico,
limitam seu emprego rotineiro4,5.

O hemograma deve ser incluído para descartar anemia como fator determinante de
sintomas como: dispneia, síncope ou processos infecciosos, auxiliando no diagnóstico
diferencial entre essas condições e os sintomas de baixo débito cardíaco ou congestão
pulmonar.

3. A partir de que idade deve ser realizado o lipidograma?

O processo de ateromatose é gradual e se inicia na juventude, progredindo nos adultos


jovens. Entretanto poucos estudos randomizados avaliaram o impacto desse
rastreamento precoce no desenvolvimento das doenças cardiovasculares.
O U.S. Preventive Services Task Force6 sugere a realização do lipidograma em homens
>35 anos e mulheres >45 anos6,7. A recomendação do Adult Treatment Panel III7 inclui
a realização do lipidograma a partir dos 20 anos.

4. Em quais pacientes está indicada a dosagem da proteína C-reativa titulada


(PCRt)?

De acordo com o Guideline for Assessment of Cardiovascular Risk in Asymptomatic


Adults5 publicado em 2010, as recomendações para dosagem da PCRt, são:

Classe IIa
1. Em homens com idade >50 anos e mulheres com >60 anos que tenham LDL
<130mg/dl e não estejam em uso de terapia hipolipemiante ou possuam comorbidades
associadas a estados inflamatórios crônicos (ex: nefropatia, colagenoses). A dosagem
de PCRt pode ser útil neste cenário para a seleção de pacientes que utilizarão estatinas
(nível de evidência B)8.

Classe III: Sem evidência de benefício


1. Indivíduos assintomáticos (nível de evidência B)9.
2. Em homens com idade >50 anos e mulheres com >60 anos com baixo risco
cardiovascular (nível de evidência B)10.

5. O valor encontrado para Hemoglobina A1C (HbA1C) foi 6,0%. Qual é o impacto
deste achado?

A American Diabetes Association11 considera valores >6,5% como critério para o


diagnóstico de diabetes mellitus e considera sua dosagem rotineira uma estratégia
razoável para o rastreamento dessa doença. Dosagens entre 5,7% e 6,4%, como no caso
do paciente em questão, estão associadas a maior risco de desenvolver diabetes11.

Estudo realizado na Universidade de Cambridge demonstrou um aumento de 40% no


risco de desenvolver doença coronariana para cada elevação de 1% da HbA1C em
pacientes sem diagnóstico estabelecido de diabetes12.
A recomendação para dosagem da HbA1C em pacientes que não possuam o diagnóstico
de diabetes mellitus, segundo o Guideline for Assessment of Cardiovascular Risk in
Asymptomatic Adults5 tem grau de recomendação IIb e nível de evidência B13.

6. Qual é a influência exercida em ambos os sexos na determinação do risco


cardiovascular?

Dados epidemiológicos acerca da ocorrência de doenças cardiovasculares em ambos


os sexos demonstram a necessidade de uma abordagem mais precoce para a detecção
dos fatores de risco em indivíduos do sexo masculino. Para homens >35 anos e
mulheres >45 anos, a avaliação global de risco é dividida em faixas específicas de
acordo com a idade. Apesar das diferenças em relação ao escore atribuído por faixa
etária, as intervenções oriundas desses escores não são determinadas diretamente pelo
sexo, mas pelo risco calculado (baixo, intermediário ou alto).

Em relação à história familiar, a ocorrência de doença cardiovascular em parentes de


primeiro grau do sexo masculino <55 anos e mulheres <65 anos é considerada fator
preditor independente capaz de elevar o risco cardiovascular.

A circunferência abdominal >102cm em homens e >88cm em mulheres é um dos


critérios utilizados para diagnóstico da síndrome metabólica que, assim como a
ocorrência de hipertensão arterial, podem ser obtidos a partir do exame físico, sendo
necessários exames complementares para obtenção dos demais critérios utilizados
(triglicérides, HDL colesterol e glicemia de jejum).

7. Qual é a importância da avaliação de microalbuminúria em indivíduos


assintomáticos?

A microalbuminúria possui associação com maior risco de eventos cardiovasculares, e


sua metodologia analítica não possui custo elevado14. Nos indivíduos assintomáticos,
com risco intermediário, sua dosagem tem indicação classe IIb com nível de evidência
B5,15.

8. O paciente em questão foi submetido a eletrocardiograma (ECG) que identificou


bloqueio incompleto do ramo direito e a avaliação ecocardiográfica foi normal.
Quais são as indicações para realização de outros exames de imagem
cardiovascular e seu racional para determinação do risco cardiovascular?

O ECG pode evidenciar informações importantes, tais como sobrecargas cavitárias,


distúrbios do ritmo e alterações da repolarização ventricular que alterem o traçado e
podem influenciar na acurácia diagnóstica de exames empregados na estratificação não
invasiva de coronariopatia, tais como o teste ergométrico.

A realização de ECG está recomendada na avaliação de risco em indivíduos


assintomáticos com hipertensão arterial ou diabetes5.

Um dos achados mais importantes da avaliação ecocardiográfica em pacientes


submetidos à avaliação de risco cardiovascular é a detecção de hipertrofia ventricular
esquerda, considerada um agravante de risco independente de cálculo estimado pelo
escore de Framingham. Sua realização em indivíduos hipertensos assintomáticos possui
grau de recomendação IIb5.

O colorDoppler de carótidas para medida da espessura íntima-média está indicado em


indivíduos assintomáticos que tenham risco cardiovascular intermediário (grau de
recomendação IIa)5,16. A mesma recomendação está indicada para a obtenção do índice
tornozelo-braquial em adultos assintomáticos17.

9. Qual é a melhor estratégia para estratificação não invasiva de coronariopatia


neste paciente?

O método de estratificação funcional mais utilizado em pacientes assintomáticos é o


teste ergométrico, que representa uma ferramenta validada em indivíduos sedentários
que planejam iniciar atividade física vigorosa. Seu emprego rotineiro deve ser
priorizado em pacientes com risco cardiovascular intermediário (grau de
recomendação IIb)5,18.

O ecocardiograma de estresse (farmacológico ou físico) não está indicado em pacientes


assintomáticos com risco cardiovascular baixo ou intermediário, entretanto, seu uso em
pacientes com sintomas sugestivos de coronariopatia ou doença arterial coronariana
previamente conhecida está recomendado5.

A cintilografia miocárdica de perfusão pode ser empregada em pacientes


assintomáticos diabéticos, nos casos em que há história familiar importante de
coronariopatia ou nos casos em que o resultado de outros métodos diagnósticos indique
maior probabilidade de coronariopatia obstrutiva (ex: escore de cálcio coronariano
elevado)19. A cintilografia e o ecocardiograma de estresse podem ser úteis na
avaliação de pacientes com significativas alterações no traçado basal do ECG (ex:
repolarização precoce, bloqueio do ramo esquerdo, estimulação por marca-passo) que
reduzem a sensibilidade diagnóstica desse método.

A mensuração do escore de cálcio coronariano, através da tomografia computadorizada


e da angiotomografia, vem sendo incorporada como método adicional aos testes
funcionais para detecção de isquemia miocárdica. Sua aplicação em indivíduos com
baixo risco cardiovascular não está indicada (grau de recomendação III). Em
indivíduos assintomáticos que apresentam risco cardiovascular intermediário pelos
critérios de Framingham (10% a 20%), a detecção do escore de cálcio coronariano alto
pode ser incorporada como agravante de risco5,20.

Considerando a ausência de sintomas no paciente em questão e a ausência de critérios


de alto risco cardiovascular, o teste de estratificação indicado é o teste ergométrico.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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CHECK UP CARDIOVASCULAR
CASO CLÍNICO

Maria Eliane Campos Magalhães

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 50 anos, sem queixas relacionadas ao aparelho cardiovascular.
Refere história familiar de doença arterial coronariana (pai aos 66 anos e mãe aos 52
anos). Tabagista de 20 cigarros/dia há 20 anos, etilista de 1-3 doses/semana e pratica
atividade física regularmente 2-3x /semana.

Exame físico: PA: 114/68mmHg (sentado); 108/64mmHg (em pé) e 112/68mmHg


(deitado); média de 111,3/66,6mmHg.
Peso =91,1kg; Altura =1,76m; Circunferência abdominal (CA) =105cm; IMC
=29,4kg/m2
AC RR em 3T c/ b4, sem sopros; FC =88bpm
Carótidas livres; pulmões limpos; abdômen e MMII sem alterações
Hemoglobina =12,6g/dL; Glicose =109g/dL; HBA1C =5,8%; Creatinina =1,13mg/dL;
TFG =89,99mL/min; Ácido úrico =7,3mg/l; CT =220mg/dL; LDL-c- =152mg/dL HDL-c
=41mg/dL e TG =135mg/dL; PCR us =0,32mg/dL; Microalbuminúria =3,6g/min.
EAS: normal
ECG: Normal
Telerradiografia do tórax: normal
Ecocardiograma bidimensional com collorDoppler: normal
DuplexScan colorido de carótidas: normal
Teste ergométrico: normal
Índice tornozelo-braquial: normal
Tomografia computadorizada com escore de cálcio coronariano: normal

OBJETIVOS
1. Estimar o impacto da detecção precoce do risco cardiovascular (RCV) nos
indivíduos assintomáticos susceptíveis.
2. Analisar criticamente os escores de risco cardiovascular disponíveis.
3. Avaliar a importância dos agravantes de risco na estratificação do risco
cardiovascular global.

PERGUNTAS
1. Qual a importância da avaliação do RCV em indivíduos assintomáticos?

A avaliação do RCV em indivíduos assintomáticos tem como objetivo identificar


pacientes sob potencial risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV)
que deverão ser alvo de estratégias preventivas de cuidado primário ou de tratamento1.

Isto se deve ao fato de as DCV serem o principal problema de saúde em todo o mundo
e de a aterosclerose, o principal mecanismo subjacente dessas doenças, não raramente
se desenvolver de forma insidiosa e silenciosa, antes do aparecimento dos sintomas1,2.
Importante destacar que muitos desses indivíduos têm fatores de risco de pequena
intensidade ou pouca expressão clínica, muitas vezes abaixo dos limiares
recomendados para tratamento ou “marginais”, porém quando em agregação têm efeito
multiplicativo e se relacionam com maior probabilidade de doença3. Nesse sentido, a
identificação de indivíduos susceptíveis visa a motivá-los, de forma indiscriminada, a
modificar seu estilo de vida para um estilo “saudável”, submeter aqueles de maior
risco à imediata intervenção e correção dos fatores de risco e ainda estimar e calibrar a
intensidade das metas a serem alcançadas de acordo com o risco individual avaliado1.
Estima-se que um em cada três adultos americanos tenha um ou mais tipos de
acometimento por doença aterosclerótica (em território coronariano, cerebrovascular
ou periférico)2 e, no Brasil, representa 1/3 dos óbitos, causados principalmente pela
doença arterial coronariana (DAC) e pela doença cerebrovascular4.

Diversos fatores de risco modificáveis figuram como responsáveis pelo risco


populacional atribuído a essas condições no desenvolvimento da DAC prematura em
indivíduos assintomáticos5. Dados robustos de pior prognóstico cardiovascular,
oriundos de estudos epidemiológicos e clínicos já foram demonstrados à exaustão para
os fatores de risco considerados “clássicos” como o tabagismo, a hipercolesterolemia,
a hipertensão arterial e o diabetes mellitus 2, isolados ou em combinação6.

Nesse sentido, as avaliações preventivas cardiológicas, modelo check up


cardiovascular, têm como objetivo reconhecer precocemente essas condições e
estimular a seu controle através da instituição de medidas agressivas de mudança de
estilo de vida e/ou de tratamento, quando indicado (fármacos para redução da pressão
arterial, do colesterol, da glicose e uso de aspirina) para reduzir as altas taxas de
morbidade e mortalidade a elas atribuídas1,2,5,6.

2. Dentre os diversos escores de avaliação de risco cardiovascular disponíveis, qual


o melhor?

Instrumentos de predição de risco foram desenvolvidos para utilização na prática


clínica como uma maneira de estimar o RCV global de um determinado indivíduo7.
Derivam de algoritmos matemáticos complexos que utilizam dados de grandes estudos
epidemiológicos observacionais populacionais. Esses estudos demonstraram que o
sexo, a elevação da pressão arterial, o tabagismo, a dislipidemia e o diabetes são os
maiores fatores de risco para o surgimento das doenças cardiovasculares5,6.
Evidenciaram também que eles se agregam entre si e interagem de forma a multiplicar o
risco.

Assim, diversos algoritmos de predição multivariável de risco para a predição do risco


cardiovascular foram construídos e a maioria dos escores existentes inclui naturalmente
os fatores de risco tradicionais: sexo, idade, pressão arterial, tabagismo, diabetes e
níveis de colesterol total e HDL colesterol8. Dentre os mais conhecidos incluem-se o
escore de risco de Framingham (ERF)9 em suas diferentes versões e o escore europeu
SCORE (Systematic Coronary Risk Evaluation)10. Outros escores, como o QRISK
(QRESEARCH cardiovascular risk algorithm)11 e o escore de Reynolds12,13, propostos
mais recentemente, levam em consideração fatores de risco adicionais como a proteína
C-reativa de alta sensibilidade (PCR us), a história familiar de DAC prematura, a
hemoglobina glicada (HBA1c) e ainda fatores socioeconômicos e a utilização de
medicação anti-hipertensiva.

Dentre todos os escores de risco, o ERF é o de mais fácil aplicação e sua versão
adaptada é a recomendada pelo National Cholesterol Education Program Adult
Treatment Panel (ATP III)5 e pelas IV Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias6; ele
não inclui o diabetes mellitus 2, considerado um equivalente de risco de DCV. Utiliza
um modelo de regressão logística multivariável e avalia o risco absoluto de morte por
doença coronariana e infarto do miocárdio não fatal como desfecho em 10 anos,
enquanto versões mais recentes desse escore consideram os eventos cardiovasculares
totais7,9.

O ERF9 identifica três categorias de risco: alto risco (>20%) quando já existe a doença
aterosclerótica coronariana ou um equivalente de risco (doença aterosclerótica em
outro território ou diabetes mellitus 2); risco intermediário (>10% e <20%) quando o
indivíduo agrega múltiplos fatores de risco; e baixo risco (<10%) quando os indivíduos
têm apenas um ou nenhum fator de risco. Indivíduos estratificados como de RCV global
alto requerem modificação mais agressiva dos fatores de risco e obtenção dos alvos de
pressão arterial (PA), LDL colesterol e glicose5-7,9.

O SCORE (Systematic Coronary Risk Evaluation)10 foi proposto para a avaliação de


risco de populações europeias e derivou dos dados de mais de 200.000 pacientes
incluídos em 12 estudos europeus de coorte. Estima o risco de desenvolvimento do
primeiro evento aterosclerótico fatal, incluindo DAC, acidente vascular encefálico
(AVE) e aneurisma de aorta em 10 anos, mas tem a limitação de não avaliar eventos não
fatais. Apresenta duas versões diferentes, para regiões de baixo e alto risco na
Europa10.

O QRISK Score (QRESEARCH cardiovascular risk algorithm)11 derivou de dados de


cuidados primários oriundos de uma grande coorte populacional do Reino Unido (mais
de 1,3 milhões de indivíduos entre 35-74 anos) e estima o risco em 10 anos de DCV,
incluindo infarto, DAC, AVE e isquemia cerebral. Este escore leva ainda em
consideração a condição socioeconômica dos indivíduos e o tratamento com drogas
anti-hipertensivas11.

Finalmente, o Reynolds Risk Score12,13 foi inicialmente desenvolvido para estimar o


risco CV global em mais de 25.000 mulheres saudáveis. Avalia o risco do
desenvolvimento em 10 anos de um composto de eventos cardiovasculares que inclui
infarto, AVE, revascularização coronariana e morte cardiovascular. Este escore
incorpora a PCR us, a HBA1c em diabéticos e a história familiar de DAC antes dos 60
anos12. Mais recentemente foi desenvolvido o escore de Reynolds aplicável para
homens não diabéticos13. Em ambas as situações a adição da PCR us e da história
familiar de DAC agregou sensibilidade ao modelo e permitiu reclassificar indivíduos
previamente avaliados pelo ERF.

O paciente do caso clínico, quando avaliado pelo escore de risco de Framingham, de


acordo com as recomendações da IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia e
Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia6 de 2007, foi estratificado como
risco intermediário (Quadros 1 e 2).

Quadro 1
Escores de risco de Framingham (ERF) para cálculo do risco absoluto de infarto e morte em 10 anos para homens e
mulheres (fase 2)
Fonte: IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia e Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia de 20076

Quadro 2
Interpretação dos achados da estimativa de risco:
<10% = Baixo risco; entre 10% e 20% = Risco intermediário e >20% =Alto risco
Fonte: IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia e Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia de 20076

3. Quais as limitações do escore de risco de Framingham?

Embora o ERF seja reconhecido como importante instrumento de aferição de risco e


tenha sido incorporado em diversas diretrizes, são encontradas algumas limitações14:

1. o ERF deriva de medidas ou variáveis clínicas e laboratoriais realizadas há


muito tempo e existe a possibilidade de que o risco absoluto para
determinado nível ou intensidade de fator de risco possa ter se modificado
nesse período de tempo;
2. o risco absoluto para um determinado painel de fator de risco pode não ser o
mesmo em diferentes populações e etnias. Isso explica, em parte, porque
embora o ERF tenha sido calibrado e validado em diversas populações,
como a caucasiana-americana e africana-americana, sua acurácia ainda é
limitada em populações europeias e asiáticas, entre outras;
3. o ERF considera os valores médios das variáveis analisadas, entretanto,
como exemplo, o LDL e HDL colesterol são variáveis contínuas em sua
correlação com o risco de DAC. Além disso, existe considerável
variabilidade individual para a mesma intensidade do fator de risco (mesmo
dentro da própria população do estudo) e “flutuações” na intensidade do
fator de risco durante o tempo (a utilização de uma medida apenas pode não
estimar adequadamente a importância daquele fator de risco). Em parte isso
se deve à presença de outros fatores de risco não considerados na equação
original e que podem potencialmente modificar o risco individual, tais como
a obesidade central, o sedentarismo, características étnicas, fatores
psicossociais, níveis séricos de triglicérides, LDL pequena e densa,
lipoproteína (a) e fatores pró-trombóticos e pró-inflamatórios;
4. a magnitude de redução de risco obtida também não é igual para todos em
virtude das mesmas diferenças individuais já apontadas;
5. indivíduos jovens, mulheres ou muito idosos não são adequadamente
avaliados por esse escore.

Assim, como se observa, em alguns cenários, o RCV pode ser subdimensionado e, em


outros, superdimensionado e, dependendo do escore de risco utilizado, o mesmo
indivíduo pode ser categorizado em diferentes níveis de risco. Deve-se ressaltar,
entretanto, que a estimativa de risco cardiovascular feita com base em estudos
populacionais permanece imperfeita e que todos os escores de risco apresentam
limitações quando aplicados a indivíduos, podendo levar à instituição de medidas
terapêuticas inapropriadas ou de modesto ou questionável benefício clínico15.

4. Quando utilizar os agravantes de risco?

O primeiro passo na avaliação de risco de DCV é determinar o risco global através de


um escore de risco (ERF ou outro). Essas ferramentas simples e de baixo custo
determinam quem vai necessitar de estratégia de investigação adicional (Classe 1 A)14.
Como exemplo, indivíduos em baixo risco ou alto risco não são candidatos a realizar
novos exames para avaliação de risco cardiovascular. Em 2007, a IV Diretriz sobre
Dislipidemias da Sociedade Brasileira de Cardiologia6 recomendou que os agravantes
de risco cardiovascular fossem utilizados principalmente para os indivíduos
classificados como risco intermediário pelo ERF6.

O racional para utilização dos agravantes de risco é que a estimativa de risco pelos
escores clínicos é imprecisa e que diversas condições de reconhecimento mais recentes
estão definitivamente relacionadas ao desenvolvimento de doença cardiovascular e não
são utilizadas nos escores tradicionais. Baseia-se ainda na crença de que a
aterosclerose pré-clínica ou subclínica é o estágio inicial do processo de doença e
denota mudanças estruturais vasculares caracterizadas como danos ou lesões mínimas,
ainda potencialmente reversíveis16.
Assim, pelas razões apontadas, o uso dos agravantes de risco visa a compensar as
referidas limitações dos escores de risco existentes bem como se alinhar ao surgimento
de fatores ou marcadores de risco clínicos e/ou laboratoriais de recente conhecimento
(como a PCR us, a microalbuminúria, a insuficiência renal), e ainda de métodos de
imagem para detecção de aterosclerose subclínica, como a tomografia coronariana para
a avaliação de calcificação em artérias coronárias; a medida da espessura da camada
íntima-média das carótidas pela ecocardiografia e o índice tornozelo-braquial, todos
associados com o aumento do risco cardiovascular em diversos estudos
epidemiológicos5,6,17,18. Além dos citados anteriormente, incluem-se ainda como
agravantes de risco a história familiar precoce de DAC e a presença da síndrome
metabólica6 (Quadro 3).

Qualquer dos agravantes citados, quando presentes, modifica a categoria de risco


estimada inicialmente pelo ERF para a categoria de risco imediatamente superior.

Quadro 3
Agravantes de risco cardiovascular

Fonte: IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia e Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia de 20076
O presente caso clínico foi considerado de risco intermediário pelo ERF e de acordo
com as recomendações da IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia e Aterosclerose da
Sociedade Brasileira de Cardiologia6, com indicação para pesquisa dos agravantes de
risco cardiovascular. Foram assim identificadas: a história familiar precoce de DAC e
a elevação da PCR us, que modificaram o risco estimado de DAC deste paciente para a
categoria de alto risco (Quadro 4).

Quadro 4
Fatores agravantes de risco no caso clínico apresentado

Enquanto a maioria das sociedades de cardiologia enfatiza o papel primário dos fatores
de risco tradicionais na predição do RCV, outros grupos como a organização
independente SHAPE (Society for Heart Attack and Prevention and Eradication)17
recomenda enfaticamente a realização de avaliação de testes não invasivos de imagem
(medida do cálcio coronariano através de tomografia de artérias coronárias e da
espessura médio-intimal das carótidas por ultrassonografia) para avaliação do risco
cardiovascular em indivíduos assintomáticos entre 45-80 anos como screnning
populacional inicial17.

Entretanto, dados dos estudos Atherosclerosis Risk In Communities (ARIC)18,19 e


Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA)19 não mostraram valor incremental
dessa medida em relação à estimativa obtida pelo cálculo de escore de Framingham. O
escore de cálcio coronariano, entretanto, parece agregar valor incremental ao escore
Framingham, como demonstrado pelo estudo MESA20.
5. Qual é o impacto do reconhecimento do RCV na prevenção da doença
cardiovascular?
Qualquer indivíduo exposto a um dos fatores de risco cardiovascular “maior” por longo
prazo e se não adequadamente identificado e corrigido tem o potencial de desenvolver
doença cardiovascular, notadamente a doença arterial coronariana1,2. Quando múltiplos
FR estão presentes no mesmo indivíduo, o efeito sobre o risco é multiplicativo e
justifica todo o esforço de estimar o risco cardiovascular global7. Nesse sentido, o ERF
é uma ferramenta útil e amplamente aceita para a maioria da população não hispânica
branca, hispânica e para os afro-americanos5,6.

Resultados de ensaios clínicos demonstraram que uma significativa redução de risco foi
alcançada quando se corrigiram os FR cardiovascular maiores em indivíduos
estratificados como de alto risco (33-50% em cinco anos) com estratégias de cessação
do tabaco, uso de anti-hipertensivos, hipolipemiantes e aspirina2. O controle agressivo
da glicemia também tem sido fortemente associado com a redução da incidência de
diversos eventos cardiovasculares em pacientes com diabetes mellitus 1 e 2; ensaios
clínicos de intervenção com fármacos anti-hipertensivos e hipolipemiantes claramente
demonstraram benefícios e conferiram proteção cardiovascular2,3,5,6.

Especial atenção deve ser dada a indivíduos jovens com risco baixo em curto prazo,
mas com múltiplos fatores de risco de leve ou moderada intensidade, pois o risco em
longo prazo pode ser inaceitavelmente alto. Nesses casos, a estimativa do risco relativo
e não absoluto pode ser útil para avaliar a necessidade de implementação de
intervenção prolongada sobre os fatores de risco cardiovascular20. Assim, intervenções
apropriadas e adequadas, guiadas pela avaliação de risco realizada periodicamente em
adultos jovens, podem potencialmente reduzir de forma significativa o risco em longo
prazo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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Seção 10. Exames complementares não
invasivos em Cardiologia

Teste Ergométrico
Ecocardiograma
Aplicações Clínicas da Cintilografia de Perfusão Miocárdica
TC do Coração: Escore de Cálcio e Angio-TC Coronariana
Ressonância Magnética Cardíaca
TESTE ERGOMÉTRICO

Andréa London
Maria Angela Magalhães de Queiroz Carreira

CASO CLÍNICO
Paciente do sexo masculino, 38 anos, casado, natural do Rio de Janeiro, gerente
executivo de projetos, foi encaminhado para teste ergométrico (TE) durante seu
primeiro check-up médico de rotina. Assintomático, ativo, praticante de corrida três
vezes na semana, interrompeu o exercício aproximadamente três semanas antes da data
do exame pelo aparecimento de cansaço. Não fazia uso de nenhuma medicação de ação
cardiovascular.

Apresentava como fatores de risco para doença arterial coronariana (DAC):


dislipidemia e pai submetido à revascularização miocárdica cirúrgica aos 57 anos. Ao
exame físico, apresentava-se normotenso, com pressão arterial (PA) =124/70mmHg,
frequência cardíaca (FC) basal =66bpm, índice de massa corporal =28,4kg/m2, exame
do aparelho cardiopulmonar em repouso sem alterações.

O eletrocardiograma (ECG) basal mostrou alteração difusa da repolarização


ventricular e ondas T negativas nas derivações DIII e aVF (Figura 1). O teste foi
realizado em esteira rolante, sob protocolo de Bruce por solicitação de seu médico
assistente. Manteve-se assintomático durante todo o exame, sendo a fase de exercício
interrompida no 10o minuto por alterações eletrocardiográficas isquêmicas muito
acentuadas (Figuras 2, 3, 4 e 5).

OBJETIVOS
1. Discutir a aplicabilidade clínica do teste ergométrico na avaliação da doença
arterial coronariana.
2. Descrever as principais informações diagnósticas do teste ergométrico neste
contexto
3. Identificar o teste ergométrico como ferramenta prognóstica na avaliação da
doença arterial coronariana.

PERGUNTAS
1. Considerando a probabilidade pré-teste, a indicação do teste ergométrico para
diagnóstico de doença arterial coronariana com repercussão funcional, isto é,
isquemia miocárdica clinicamente significativa, foi pertinente?

No diagnóstico de doença coronariana, a avaliação pré-teste do paciente é de grande


importância na conclusão e interpretação do teste ergométrico. O risco de doença
coronariana em pacientes sintomáticos ou assintomáticos deve ser estimado, pois tanto
o valor preditivo negativo quanto o valor preditivo positivo do método dependem da
probabilidade pré-teste para a doença coronariana do indivíduo1.

A probabilidade pré-teste de um indivíduo sintomático depende da característica da


dor, do sexo e da faixa etária. A dor torácica deve ser considerada a partir de três
critérios: a) dor torácica retroesternal ou desconforto torácico; b) aquela desencadeada
pelo exercício; c) aquela que melhora com repouso ou nitratos de ação rápida.
Considera-se precordialgia típica quando preenche os três critérios citados; atípica
quando não preenche um dos critérios; e dor torácica provavelmente não anginosa
quando não preenche dois ou os três critérios. Na Tabela 1 observa-se a probabilidade
de doença coronariana de acordo com o tipo de sintoma, o sexo e a faixa etária.
Tabela 1
Probabilidade pré-teste (%) de doença coronariana de acordo com o sexo, a idade e as características da dor torácica
Fonte: Meneghelo et al.1

Em indivíduos assintomáticos, avalia-se a probabilidade pré-teste pelo escore de risco


de Framingham2, sendo considerados os seguintes fatores de risco: dislipidemia,
história familiar de DAC precoce (<55 anos para homens e <65 anos para mulheres),
tabagismo, diabete melito, hipertensão arterial e sedentarismo. A Tabela 2 considera o
risco pré-teste de acordo com a idade, o sexo e o sintoma em indivíduos classificados
como baixo e alto risco pelo escore de Framingham, de acordo com a presença de
diabetes, dislipidemia e tabagismo3.

Tabela 2
Probablidade pré-teste de doença coronariana (%) em pacientes sintomáticos de alto e baixo risco

BR=baixo risco (sem diabetes, dislipidemia ou tabagismo); AR=alto risco (com diabetes, dislipidemia ou tabagismo)
Fonte: Meneghelo et al.1

O paciente referia somente cansaço aos grandes esforços, não apresentando, portanto,
sintomas clássicos de insuficiência coronariana, como por exemplo, dor torácica, e
realizava atividade física regular de alta intensidade. Muito embora em indivíduos
ativos a presença de fatores de risco para doença coronariana e síndrome metabólica
sejam menos frequentes que na população sedentária4, Breuckmann et al.5 encontraram
uma incidência significativa de doença coronariana em corredores de maratona, sendo
mais frequentemente encontradas lesões de artéria descendente anterior. O paciente,
embora com sintomas inespecíficos, apresentava dois fatores de risco para DAC:
história familiar e dislipidemia.
A III Diretriz da SBC sobre Teste Ergométrico1 considera classe IIa a realização de
teste ergométrico em indivíduos assintomáticos com mais de dois fatores de risco1,
considerando que esses indivíduos apresentam maior risco para o desenvolvimento de
doença coronariana. Considera-se, portanto, o risco pré-teste do paciente relatado
como intermediário, e a indicação do teste ergométrico para diagnóstico de doença
arterial coronariana, pertinente.

2. O paciente não estava em uso de medicações de ação cardiovascular. O uso


dessa classe de drogas pode interferir na análise do exame? Existem condições
clínicas em que o TE deva ser realizado obrigatoriamente em uso de medicação?

Não é incomum pacientes encaminhados para TE estarem em uso de medicações de


ação cardiovascular, as quais podem interferir na capacidade diagnóstica do método,
muitas vezes pelo mesmo mecanismo através do qual tratam a condição para a qual
foram prescritas. A decisão de suspender o uso de qualquer medicação é parte
integrante da solicitação do TE e deve ser feita considerando a indicação do exame, a
necessidade do uso e os potenciais prejuízos advindos da suspensão temporária.

Alguns dos mecanismos pelos quais medicações afetam o TE podem ser explicados
pelo conceito da cascata isquêmica. Nesse modelo, com o aumento do duplo-produto
(PAS X FC no pico do esforço), as manifestações de isquemia miocárdica progridem
da heterogeneidade de fluxo para disfunção miocárdica regional na área de fluxo
anormal, pela perfusão reduzida em relação à demanda metabólica. A seguir, surgem
alterações isquêmicas no ECG e angina. Medicações podem mascarar o surgimento de
isquemia por redução da demanda ou aumento da oferta miocárdica de O2, além da
diminuição da heterogeneidade do fluxo coronariano.

Assim, quando indicado para diagnóstico de DAC, o TE deverá ser realizado após a
suspensão de drogas que possam reduzir a resposta isquêmica1, como os bloqueadores
dos canais de cálcio e nitratos, ou que interfiram no comportamento da FC, como os
betabloqueadores. Para obter o benefício máximo da interrupção de uma droga, esta
deve ser suspensa de quatro a cinco meias-vidas antes do TE. Para reverter o impacto
do uso de nitratos, betabloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio, por exemplo,
a suspensão deve ocorrer pelo menos 48 horas antes do exame6.

Nitratos reduzem a extensão e a gravidade da isquemia miocárdica, sem efeito


significativo sobre a FC e a PA. Através da vasodilatação coronariana e dos leitos
venoso e arterial, os nitratos melhoram a perfusão miocárdica e diminuem a pré e pós-
carga, reduzindo o trabalho cardíaco e o consumo miocárdico de O2. Assim, o uso de
nitratos pode levar à redução do infradesnível do segmento ST e da manifestação de
angina no TE.

Interessantemente, os benzodiazepínicos podem apresentar efeitos similares aos


nitratos, atenuando o surgimento de angina e infradesnível de ST por levarem à
vasodilatação, com aumento do fluxo coronariano e de grandes vasos7. Os
bloqueadores dos canais de cálcio possuem efeitos anti-isquêmicos comparáveis aos
betabloqueadores: aumentam o fluxo coronariano e reduzem a demanda miocárdica de
O2, melhorando a função ventricular sistólica e diastólica8. Verapamil e diltiazem
reduzem a FC e a PA, diminuindo o consumo miocárdico de O2.

Os betabloqueadores atuam sobre a FC, inibindo a resposta cronotrópica ao exercício;


diminuem a demanda miocárdica de O2 através da redução da contratilidade, da FC e
da PA9. A redução da FC também melhora a oferta de O2 para o miocárdio através do
aumento da duração da diástole e do fluxo colateral subendocárdico para as áreas
isquêmicas. Assim, os betabloqueadores interferem na capacidade diagnóstica do TE,
reduzindo a extensão e a gravidade da isquemia durante o exercício. Pacientes com
DAC em uso de betabloqueador podem atingir maior carga de trabalho para um mesmo
duplo-produto, com alterações menos marcadas do segmento ST, sintomas anginosos
menos intensos e melhora da capacidade funcional10 no TE. A suspensão dos
betabloqueadores deve ser gradativa, em duas a três semanas, reduzindo a dose à
metade a cada semana até a suspensão por uma semana antes do TE, para evitar o
“efeito rebote” da interrupção súbita, com aumento rápido e significativo da PA e da FC
em baixa carga de trabalho.

Digoxina, estrogênio e diuréticos, através de mecanismos variados, podem alterar o


segmento ST e simular isquemia miocárdica no TE, na ausência de DAC11. A digoxina
pode induzir vasoconstrição coronariana, com redução da perfusão subendocárdica, e
também aumentar as concentrações de cálcio intracelular. O efeito sobre o segmento ST
não se dá apenas por vasoconstrição, já que a administração de nitratos reverteu a
vasoconstrição, mas não as alterações eletrocardiográficas do TE. O efeito da digoxina
sobre a Na/K ATPase pode alterar a despolarização da membrana celular e resultar em
infradesnível de ST na ausência de isquemia. Houve surgimento de infradenível de ST
em 25% dos pacientes com TE normal que usaram digoxina por 14 dias12. Após
suspensão da droga por 12 dias, o TE voltou a normalizar.

O estrogênio, cuja estrutura química possui semelhanças com a digoxina, pode alterar o
ECG e simular isquemia miocárdica no TE13. Mulheres em reposição hormonal
apresentam taxa significativamente mais elevada dessas alterações. Diuréticos podem
causar hipocalemia e levar a alterações eletrocardiográficas no TE. O infradesnível de
ST relacionado à hipocalemia ocorre mais frequentemente com potássio sérico
<3mEq/L, levando também a arritmias e redução da capacidade funcional14. Em
pacientes com hipocalemia documentada, o TE deve ser adiado até a reposição
adequada de potássio. Em geral, na vigência de normocalemia, não são observadas
alterações eletrocardiográficas no TE com o uso de diuréticos. Hipotensão com o
exercício foi associada ao uso de clortalidona e hidroclorotiazida7.

Os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) não interferem nas


variáveis do TE; porém, drogas de maior lipofilia como o trandolapril e o perindopril
podem reduzir a PA no pico do exercício15. O captopril, menos lipofílico, reduz a PA
somente até 40% do VO2 pico15. Os bloqueadores dos receptores de angiotensina
(BRA) também não interferem nas variáveis do TE16. Assim, não há recomendação
para a suspensão de IECA e BRA antes do exame.

As metilxantinas, como a teofilina e a pentoxifilina, devem ser suspensas 24-48 horas


antes do TE10. Em pacientes com DAC estável, a teofilina aumenta o tempo para o
surgimento de angina e o duplo-produto alcançado. A amiodarona foi inicialmente
utilizada como agente antianginoso, por reduzir a FC sem alterar a PA ou a capacidade
funcional, atenuando a isquemia miocárdica através da redução da demanda de O2.
Apresenta meia-vida de 40 dias, não sendo prática sua suspensão antes do TE7.

Apesar de melhorarem a função endotelial e poderem reduzir a isquemia durante o TE,


não existem recomendações atuais para suspensão de estatinas antes do exame10.
Conforme a III Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Teste
Ergométrico1, o tempo de suspensão de alguns fármacos está sugerido na Tabela 3.

Tabela 3
Tempo sugerido para a suspensão de fármacos para realização de TE diagnóstico
Fonte: Meneghelo et al.1

Existem condições clínicas em que o TE deve ser realizado em uso de medicação,


como na avaliação pós-infarto agudo do miocárdio, antes da alta hospitalar; na
presença de insuficiência cardíaca; pacientes selecionados com angina instável, com
menos de 30 dias de estabilização do quadro; em pacientes com lesão orovalvar e na
presença de hipertensão arterial grave7. Em hipertensos moderados e graves, a
suspensão dos fármacos poderá impossibilitar a realização do TE pelo aumento
importante da PA. Nesses casos, é recomendável o uso ou manutenção de IECA ou BRA
e a suspensão temporária de nitratos, betabloqueadores e bloqueadores dos canais de
cálcio.

Quando o TE for solicitado para avaliação terapêutica de qualquer condição


cardiovascular, as medicações habituais devem ser mantidas nas doses e horários
rotineiros. Importante ressaltar que um TE com critérios para isquemia miocárdica na
vigência de medicações de ação cardiovascular infere maior gravidade ao diagnóstico
de DAC.

3. A capacidade funcional, determinada de acordo com a carga de trabalho


desenvolvida e estimada em MET foi considerada boa. Qual a importância deste
parâmetro na avaliação prognóstica do paciente?

O TE pode ser utilizado para avaliar e refinar o prognóstico, particularmente quando a


ênfase é dada a medidas não eletrocardiográficas17. Um dos mais importantes
marcadores prognósticos obtidos através do TE é a capacidade funcional18, que se
mostrou poderoso preditor independente de mortalidade cardiovascular e por todas as
causas19,20, bem como de risco cardiovascular21.

Estudos demonstraram que a capacidade funcional foi um preditor de morte mais forte
do que o infradesnível do segmento ST e a gravidade angiográfica da doença
coronariana22,23. Evidências vindas de estudos observacionais mostram que indivíduos
que se exercitam regularmente apresentam significativamente menor risco de DAC24.
Quando comparados a indivíduos menos ativos, estes indivíduos apresentaram risco
30% a 40% menor de desenvolver DAC ou doença cardiovascular (DCV)25. Esta
associação inversa entre a quantidade de exercício e o risco de DCV ou DAC é
consistente apesar da idade, sexo ou etnia, colocando em destaque a capacidade
funcional como importante fator protetor: quanto maior a capacidade funcional, menor o
risco de DAC e de mortalidade cardiovascular e total2,26-29.

Este parâmetro do TE está relacionado à idade e ao sexo, de modo que um valor


estimado de 7MET em homem de 40 anos, por exemplo, seria mais preocupante em
termos de prognóstico do que o mesmo valor em mulher de 60 anos. A capacidade
funcional tende a diminuir com a idade e, para qualquer idade, é maior em homens
saudáveis do que em mulheres saudáveis19. Alguns estudos consideram anormal valores
<5MET em mulheres e <7MET em homens30; outros consideram anormal valores
abaixo do último quartil para qualquer idade ou sexo31.

A capacidade funcional é estimada em MET, onde 1 equivalente metabólico (1 MET)


corresponde a 3,5 mLO2.kg-1.min-1, em repouso, na posição sentada. Essa estimativa é
feita de acordo com o protocolo e com o tempo de exercício, tanto para homens quanto
para mulheres, sintomáticos ou assintomáticos. O valor previsto em MET para homens
pode ser calculado pela fórmula = 14,7-0,11 x idade e o valor previsto em MET para
mulheres = 14,7-0,13 x idade, sendo considerado anormal um valor <85% do
previsto18,19. Também podem ser considerados pontos de corte valores abaixo de
5MET, entre 5-8MET e acima de 8MET20.

A capacidade funcional é um preditor de morte muito mais poderoso do que a presença


ou ausência de lesão coronariana obstrutiva. Na prática clínica, quando se está diante
de um indivíduo com baixa capacidade funcional, considerando que intervenções que
melhorem a capacidade funcional podem reduzir a mortalidade, o estímulo à
participação em programas de exercício físico regular com ênfase aeróbica torna-se
fundamental32,33. Cada aumento de 1MET na capacidade funcional reduz em
praticamente 8% a mortalidade por todas as causas34.

Idealmente, a capacidade funcional deve ser avaliada através da medida direta do


consumo de oxigênio; porém, apesar das discrepâncias entre o valor estimado e a
medida direta, estudos utilizando estimativas têm mostrado acurácia prognóstica
razoável. Em indivíduos assintomáticos, a capacidade funcional prediz risco
cardiovascular melhor do que os escores de risco de Framingham e o escore
Europeu2,35, estando bem documentada na literatura médica a superioridade desse
preditor em comparação aos fatores de risco-padrão ou demográficos25. Como
exemplo: estudo envolvendo mais de 20.000 homens observou que a associação entre
obesidade e risco cardiovascular aumentado poderia ser explicada em grande parte
pela capacidade funcional diminuída17,36.

A influência do componente genético37 e a da modulação da capacidade funcional pelos


hábitos de vida e pela prática regular de exercício também devem ser consideradas. A
capacidade funcional também foi forte preditor de mortalidade cardiovascular e
eventos cardiovasculares nos diabéticos: para cada aumento de 1MET na capacidade
funcional, houve diminuição de 25% na mortalidade. Pacientes diabéticos incapazes de
realizar um TE ou com baixa capacidade funcional apresentam pior prognóstico
cardiovascular38.

O risco relativo de morte foi inversamente relacionado a quartis da capacidade


funcional aferidas no TE, após ajustes para idade e fatores de risco cardiovascular,
sendo tão menor quanto maior o quartil39. Estudo realizado em 6213 homens
assintomáticos encaminhados para TE, com idade entre 40-75 anos, mostrou que a
capacidade funcional foi preditora independente de mortalidade, tanto em
assintomáticos quanto em pacientes com DAC suspeita ou conhecida, em seguimento de
seis anos22,39. Para cada aumento de 1MET na capacidade funcional, houve uma
redução média de 12% no risco de morte por todas as causas e também por câncer, em
homens de meia-idade22.

Achados similares foram observados em relação à predição de DAC em 3043


indivíduos assintomáticos submetidos à TE2. Após um seguimento de 18 anos,
observou-se que quanto maior a capacidade funcional avaliada, menor o risco de DAC.
Os benefícios supramencionados também foram descritos em mulheres19,40 e jovens
entre 18-30 anos2,41.

A capacidade funcional foi capaz de estratificar o risco em pacientes com DAC e


anatomia coronariana conhecida. O estudo CASS23, que avaliou 4083 pacientes com
DAC sintomática, mostrou bom prognóstico, com sobrevida em quatro anos de 100%,
nos pacientes com doença trivascular e função ventricular esquerda preservada que
apresentaram boa capacidade funcional (12min ou mais do protocolo de Bruce).
Em pacientes pós-IAM, para cada aumento de 1MET na capacidade funcional foi
observada redução de 8% a 14% na mortalidade por qualquer causa, em seguimento de
19 anos42. Estudos mostram que o uso de betabloqueadores não interfere com o poder
prognóstico da capacidade funcional no TE43.

O paciente relatado realizou o TE sob o protocolo de Bruce e, nesse protocolo, quanto


maior a duração do exercício, maior o esforço realizado e maior a capacidade
funcional, estimada a partir de nomogramas já publicados. A boa capacidade funcional
apresentada pelo paciente interferiu de modo positivo no seu prognóstico, ainda que na
presença de DAC importante. O papel protetor de uma boa capacidade funcional,
mesmo na presença de outros fatores de risco, foi estudado em subgrupos definidos
pelo número de MET atingidos no TE. Assim, o risco de morte por qualquer causa em
indivíduos com capacidade funcional <5MET foi praticamente o dobro em relação
àqueles que alcançavam >8MET20. Trata-se de fator modificável, cujo aumento pode
melhorar o prognóstico do paciente, existindo relação inversa e gradual entre
mortalidade por todas as causas e capacidade funcional.

Estudo envolvendo avaliações seriadas em quase 10.000 homens observou redução de


7,9% na mortalidade para cada 1min de aumento no tempo de esteira44 (o equivalente a
1MET). Para cada 1MET de aumento na carga no pico de esforço, houve redução de
14% nos eventos cardíacos45 entre indivíduos mais jovens (<65 anos) e 18% de
redução em idosos. Considerando o elevado valor prognóstico desse parâmetro do TE,
melhorar a capacidade funcional merece tanta atenção quanto o controle dos demais
fatores de risco, em termos de redução de mortalidade.

4. A avaliação da curva de pressão arterial mostrou comportamento fisiológico da


pressão sistólica e diastólica ao esforço e recuperação lenta da pressão arterial no
pós-esforço. Que informações podem ser obtidas a partir da análise desses
parâmetros?

O comportamento da pressão arterial sistólica durante o exercício é um bom parâmetro


da função ventricular esquerda frente ao estresse físico. A pressão arterial sistólica
(PAS) aumenta linearmente de acordo com aumentos progressivos da carga de trabalho,
refletindo o aumento do volume sistólico ao exercício. Considera-se esse aumento
exagerado quando a PAS no pico do esforço ultrapassa o limite de 220mmHg; e
aumento inadequado se a PAS não varia 30mmHg entre o basal pré-teste e o pico do
esforço1.
Aumentos exagerados da PAS ou resposta hipertensiva são encontrados mais
frequentemente entre indivíduos hipertensos e são preditores de eventos
cardiovasculares, como acidente vascular encefálico e hipertrofia ventricular
esquerda46. A resposta hiperreativa ocorre quando a resposta exagerada da PAS ocorre
em normotensos, e está associada a maior risco de desenvolvimento de hipertensão
arterial sistêmica e mortalidade cardiovascular; a pressão arterial no segundo estágio
do protocolo de Bruce (6MET) ≥180/90mmHg implica maior risco de morte por
doença cardiovascular46. Laukkanen et al.47 observaram que, em 1773 homens
assintomáticos de meia-idade, aumentos >64mmHg da PAS ao esforço relacionaram-se
diretamente a aumento do risco de infarto agudo do miocárdio47. A PAS de 230mmHg
no pico do exercício esteve associada a risco relativo de 4,3 de infarto agudo do
miocárdio em seguimento de 12 anos.

A variação da PAS associa-se diretamente com o débito cardíaco durante o exercício:


elevação insuficiente da PAS intraesforço (<30mmHg), ausência de aumento (pressão
arterial em platô), ou queda da pressão arterial durante o exercício podem ser resultado
de déficit inotrópico secundário à isquemia miocárdica, arritmias, lesões valvares
estenóticas significativas ou cardiomiopatias. Em portadores de disfunção ventricular,
são achados relativamente comuns e associados a pior prognóstico.

Messias et al.48 avaliaram pacientes com insuficiência cardíaca ao teste de esforço e


observaram que a PAS no pico do exercício se associou inversamente à hipertonia
adrenérgica avaliada pela cintilografia com I¹²³MIBG48. Assim, o TE convencional,
através da avaliação da PAS, pode ser utilizado como forma de prever a presença de
hiperatividade adrenérgica cardíaca em pacientes com insuficiência cardíaca. Nessa
situação, observa-se frequentemente aumento da pressão arterial sistólica no pós-
esforço com a redução da carga de trabalho (decapitação sistólica).

Hsu et al.49 observaram que o aumento da pressão arterial sistólica no pós-esforço a


níveis maiores que o pico do esforço, denominada de decapitação sistólica ou aumento
paradoxal, foi um bom preditor de doença coronariana49. Na presença de isquemia
miocárdica ao esforço, seja eletrocardiográfica e/ou clínica, o aumento inadequado ou
a queda da PAS ao esforço estão associados a áreas extensas de isquemia com impacto
na função ventricular e, portanto, a lesões altas de artéria descendente anterior, lesão de
três vasos ou mesmo lesões de tronco de coronária esquerda.

No caso relatado, o paciente apresentou comportamento fisiológico da curva da PAS ao


esforço, com aumento intraesforço da PAS de 52mmHg, PAS no pico do exercício de
176mmHg e sem elevação no pós-esforço (Quadro 1). O comportamento da pressão
arterial diastólica ao esforço reflete a vasodilatação periférica e, em geral, mantém-se
estável durante o exercício ou com discretas variações de até ±15mmHg. Apesar da
vasodilatação periférica progressiva que ocorre durante o exercício, a pressão
intravascular permanece relativamente estável devido ao aumento progressivo do
débito sistólico. Variações da pressão arterial diastólica >15mmHg são consideradas
respostas exageradas e também se associam à maior probabilidade de eventos em
hipertensos, sendo preditoras de hipertensão arterial futura em normotensos. Reduções
mais acentuadas da pressão arterial diastólica são consideradas fisiológicas e não
parecem ter significado diagnóstico ou prognóstico1.

Um declínio lento da pressão arterial sistólica durante a fase de recuperação está


associado à maior incidência de doença coronariana angiograficamente grave, se a
relação entre a PAS no pico do esforço e a PAS no 3º minuto da recuperação for >0,87
ou se a relação entre a PAS no 3º minuto da recuperação e a PAS do 1º minuto da
recuperação (índice PAS 1ºmin/PAS 3ºmin) for >1,050,51. Devido às dificuldades
inerentes à medida da pressão arterial no pico do exercício, especialmente em
pacientes com melhor capacidade funcional que atingem velocidade de corrida na
esteira, utiliza-se, preferencialmente, o índice PAS 1ºmin/PAS 3ºmin >1,0.

A associação das alterações eletrocardiográficas isquêmicas com as alterações da


pressão arterial no pico do esforço ou na recuperação aumenta o poder diagnóstico e
prognóstico do método, devendo ser sempre considerada na avaliação do TE. O
paciente em questão apresentou recuperação lenta da pressão arterial sistólica no 3º
minuto da recuperação (índice PAS1ºmin/PAS 3ºmin =1,02), sugerindo a presença de
DAC angiograficamente significativa e conferindo maior valor preditivo positivo para
o diagnóstico de isquemia miocárdica.

5. O paciente atingiu 89,6% da frequência cardíaca (FC) máxima prevista no pico


do exercício, o que foi descrito como resposta cronotrópica adequada ao esforço
realizado. Caso o valor aferido da FC de pico estivesse abaixo de 85% da FC
máxima prevista, quais as implicações diagnósticas e prognósticas dessa alteração?

As mudanças da FC que ocorrem no exercício físico são decorrentes da diminuição do


tônus parassimpático e aumento do tônus simpático. A taquicardia inicial induzida pelo
exercício depende principalmente da supressão vagal, enquanto aumentos adicionais
dependem de incrementos do sistema nervoso simpático, de acordo com a intensidade
do esforço.

Em indivíduos normais, a FC aumenta progressivamente no decorrer do exercício


dinâmico até o seu pico52. A Figura 6 ilustra o comportamento da FC no esforço e na
recuperação e sua interação com o sistema nervoso autônomo. Uma inadequada
resposta da FC ao exercício é denominada incompetência cronotrópica. Considera-se
incompetência cronotrópica ou déficit cronotrópico quando o indivíduo chega à
exaustão no teste ergométrico e não atinge 85% da FC máxima prevista para a idade1,
sendo importante preditor de risco cardiovascular e mortalidade identificado no TE.

Figura 6
Comportamento da frequência cardíaca na fase pré-teste, durante o exercício e recuperação.

A FC máxima prevista para um indivíduo pode ser calculada de maneira simplificada


pela fórmula de Karvonen: FC máxima prevista = 220 – idade53, com desvio-padrão de
até 11bpm, ou através da fórmula de Tanaka: FC máxima prevista =208-0,7x idade53. A
reserva cronotrópica também pode ser avaliada pelo índice cronotrópico e calculada
pela fórmula: Índice cronotrópico = [(FC máxima atingida – FC repouso) / (FC máxima
prevista (220-idade) – FC de repouso)] x 100. Considera-se incompetência ou déficit
cronotrópico se o índice for <0,80.

A incompetência cronotrópica é uma manifestação de disfunção autonômica e preditora


de eventos cardíacos adversos e de mortalidade total em indivíduos saudáveis, após
ajuste de todas as variáveis tais como idade, alterações no segmento ST, grau de
atividade física e outros fatores de risco para DAC54. Savonen et al.55 avaliaram 1.176
homens de meia-idade, sem doença cardiovascular conhecida e sem uso de medicações
cronotrópicas negativas. Observaram que, após um seguimento de 11 anos, os
indivíduos com incompetência cronotrópica apresentaram um risco de 1,8 para
desenvolver infarto agudo do miocárdio, independentemente de outras variáveis do
teste, aumentando para 3,1 quando associado a um comportamento inadequado da
pressão arterial55.
A incompetência cronotrópica é preditora de doença coronariana e, conforme dados da
literatura, quanto maior a incompetência cronotrópica, maior a taxa de mortalidade
cardiovascular. Ressalta-se que não é possível avaliar a reserva cronotrópica
adequadamente em testes que são interrompidos por sinais ou sintomas que não a
exaustão, sendo igualmente importante descrever no laudo o uso de medicações que
possam interferir no cronotropismo. O paciente relatado atingiu 90% da FC máxima
prevista, demonstrando que sua reserva cronotrópica encontrava-se preservada.

6. A alteração eletrocardiográfica descrita foi considerada anormal e indicativa de


isquemia miocárdica induzida pelo exercício. Na análise desse parâmetro, que
características podem ser indicativas de maior gravidade?

O exame do paciente foi interrompido por alteração eletrocardiográfica descrita como


infradesnível do segmento ST iniciado no 7º minuto de esforço, de morfologia
descendente, atingindo até 3,5mm no pico do exercício em DII, DIII, aVF, V2, V3, V4,
V5, V6, associado a supradesnível de 2,5mm em aVR (Figuras 2 e 3). O retorno ao
padrão basal ocorreu a partir do 6º minuto da recuperação (Figuras 4 e 5). Essa
alteração foi considerada de grande magnitude, preenchendo critérios para isquemia
miocárdica.

O TE detecta a consequência fisiológica da obstrução coronariana, ou seja, a isquemia


miocárdica silenciosa ou sintomática que ocorre quando há desequilíbrio entre a oferta
e a demanda de O2. A resposta eletrocardiográfica ao exercício fornece avaliação
indireta da adequação da oferta de O2 a períodos de aumento da demanda. As
consequências eletrofisiológicas da isquemia miocárdica são responsáveis pelas
alterações típicas de ST-T vistas no TE de pacientes com DAC.

Na interpretação eletrocardiográfica do exame devem ser observadas as alterações


durante o esforço e na recuperação, as quais incluem infradesnível e/ou supradesnível
do segmento ST aferidos em relação à linha de base. Consideram-se anormais e
sugestivas de isquemia induzida pelo esforço, as seguintes alterações do segmento ST,
na fase de exercício ou recuperação1,34: a) Infradesnível com morfologia horizontal ou
descendente ≥1mm, aferido no ponto J; b) Infradesnível com morfologia ascendente
≥1,5mm, em pacientes de risco moderado ou alto de DAC ou >2mm em indivíduos de
baixo risco, aferido no ponto Y, ou seja, a 80ms do ponto J.

O infradesnível de ST traduz isquemia subendocárdica e a morfologia ascendente


apresenta menor especificidade para DAC em relação à morfologia horizontal e
descendente, especialmente na vigência de duplo-produto elevado. Já o supradesnível
do segmento ST é infrequente, podendo traduzir a ocorrência de grave isquemia
miocárdica, espasmo coronariano ou discinesia ventricular1. As derivações V4, V5 e
V6 são mais sensíveis em detectar o infradesnível de ST da isquemia subendocárdica;
V5 isoladamente é, em geral, a melhor derivação para esse propósito56,57. O
infradesnível de ST apenas nas derivações inferiores está mais relacionado a TE
“falso-positivo”, sendo de menor valor no diagnóstico de DAC. O infradesnível de ST
nas derivações anterolaterais ocorre mais frequentemente, porém não localiza a artéria
coronária responsável pela isquemia em pacientes com ECG de repouso normal58.

Por outro lado, as derivações que mostram supradesnível de ST localizam a artéria


coronária responsável pela isquemia, conforme observado em estudo com 452
pacientes com DAC de vaso único submetidos a TE57. São critérios
eletrocardiográficos para a interrupção do TE: a presença de infradesnível do segmento
ST de 3mm ou mais, adicional aos valores de repouso na presença de DAC suspeita ou
conhecida, e/ou supradesnível do segmento ST de 2mm em derivação sem presença de
onda Q1. Na ausência de onda Q, salvo em aVR e V1, o supradesnível de ST é
considerado anormal a partir de 1mm e representa isquemia transmural, estando
associado à DAC grave, com lesão de tronco de coronária esquerda (TCE) ou lesões
graves proximais, frequentemente envolvendo a artéria descendente anterior (DA), ou
ainda a espasmo coronariano1,59.

Pacientes com DAC grave e geralmente multiarterial podem desenvolver isquemia


transmural por uma redução importante no fluxo coronariano para um segmento do
miocárdio durante o exercício. O supradesnível de ST associado a lesões coronarianas
importantes ocorre em localizações específicas: V2 a V4 (artéria DA), derivações
laterais (artéria circunflexa) e DII, DIII e aVF (artéria coronária direita)1. Quando
ocorre em derivações com onda Q resultante de infarto do miocárdio prévio, o
supradesnível do segmento ST pode significar anormalidade da contratilidade
ventricular (discinesia, acinesia ou presença de zona aneurismática) ou viabilidade
miocárdica residual.

Mais recentemente algumas publicações destacaram que o supradesnível em aVR,


acompanhando alterações isquêmicas de ST em outras derivações, está associado à
maior probabilidade de lesão obstrutiva alta de DA, em especial quando ocorre
concomitantemente a infradesnível em V560-63. Infradesníveis de ST de grande
magnitude envolvendo múltiplas derivações geralmente significam isquemia miocárdica
extensa58. Ao contrário, infradesníveis de ST com rápida reversibilidade na
recuperação, na presença de adequada mobilização do cronotropismo e do inotropismo,
podem ser considerados de pequena expressão diagnóstica na ausência de sintomas7,64.

Considera-se que quanto maior o infradesnível de ST no TE maior a gravidade da lesão


coronariana7, havendo maior probabilidade de lesão trivascular em infradesníveis
maiores que 3mm. São considerados sugestivos de prognóstico adverso e/ou doença
multiarterial, a presença de infradesnível de ST com morfologia descendente ≥2mm, o
surgimento precoce das alterações de ST, o acometimento de cinco ou mais derivações,
o prolongamento das alterações na recuperação e a ocorrência do infradesnível em
capacidade funcional menor que 6MET.

Quanto mais precoce o aparecimento do infradesnível e mais tardio o retorno à linha de


base na recuperação, maior a gravidade da lesão coronariana. A persistência do
infradesnível de ST por mais de 8min na recuperação ocorre mais frequentemente na
DAC trivascular7,65. A associação no TE entre incompetência cronotrópica e
infradesnível de ST horizontal ou descendente >2mm, em múltiplas derivações, confere
maior gravidade e prognóstico adverso.

Estudos22,47,60,61,64,65,68 confirmaram que algumas variáveis do TE, isoladas ou


combinadas, estão associadas a maior risco em pacientes com DAC, entre elas:
achados eletrocardiográficos como infradesnível de ST descendente ou horizontal
≥1mm durante o exercício ou na recuperação; infradesnível de ST ≥2mm em baixa
carga de esforço (2o estágio do protocolo de Bruce ou ≤130bpm); aparecimento
precoce (1o estágio do protocolo de Bruce) ou duração prolongada (>5min) das
alterações; múltiplas derivações com infradesnível de ST (>5 derivações); e
supradesnível de ST em derivações sem ondas Q patológicas, exceto aVR.

Estudo66 que avaliou 1472 pacientes com DAC suspeita ou conhecida, submetidos à
cineangiocoronariografia e TE, mostrou que aqueles que apresentaram infradesnível de
ST ≥1mm no 1o ou 2o estágios do protocolo de Bruce ou em FC <120bpm cursaram
com pior prognóstico, com sobrevida em 12 meses <85% e alta probabilidade de lesão
de TCE (25%) ou trivascular (>60%). Por outro lado, a capacidade de se exercitar até
o 4o estágio do protocolo de Bruce (>10MET) ou de alcançar FC >160bpm, com
infradesnível de ST <1mm, associou-se a prognóstico excelente, com sobrevida em 12
meses >99% e baixa probabilidade de DAC de TCE (<1%) ou doença trivascular
(<15%).

Achados similares foram observados no estudo CASS23, nos quais o benefício da


cirurgia de revascularização miocárdica foi maior nos pacientes de mais alto risco,
com infradesnível de ST horizontal ou descendente ≥1mm e término do TE no 1o
estágio do protocolo de Bruce. O infradesnível de ST horizontal ou descendente pode
ocorrer no esforço ou recuperação, com significado prognóstico em ambas as fases do
TE67.

Embora aconteça mais tipicamente durante o exercício, em aproximadamente 8% dos


pacientes o infradesnível de ST ocorre apenas na recuperação. Neste caso, o valor
preditivo para DAC angiograficamente significativa e o valor prognóstico não são
diferentes em relação aos que ocorrem ao exercício1. Em indivíduos aparentemente
saudáveis, o infradesnível de ST horizontal ou descendente durante o exercício ou na
recuperação é preditor de eventos adversos68. Em revisão de 328 homens submetidos a
TE e coronariografia, houve infradesnível de ST apenas na recuperação em 26
pacientes69, sendo o valor preditivo positivo para DAC angiograficamente significativa
similar no esforço e na recuperação.

Sendo assim, as alterações eletrocardiográficas do TE realizado pelo paciente relatado


preenchem critérios de gravidade pela presença de infradesnível de ST de morfologia
descendente, >3mm no pico do exercício, em múltiplas derivações, associado a
supradesnível de 2mm em aVR e com duração prolongada na recuperação, retornando
ao padrão basal apenas a partir do 6º minuto do pós-esforço.

7. O comportamento da FC no 1º minuto da recuperação foi considerado normal. O


que podemos inferir a partir da análise desse parâmetro, em especial quando
ocorre retardo na redução da FC no pós-exercício?

Existe uma predominância da influência vagal nos corações normais e sua redução é
característica da fase inicial das cardiopatias, mesmo antes do aumento da atividade
simpática. Nas últimas duas décadas, crescente número de trabalhos mostrou a relação
entre o sistema nervoso autônomo e a mortalidade, evidenciando que a probabilidade
de arritmias ventriculares letais estaria relacionada ao predomínio da atividade
simpática ou ao declínio da atividade vagal70.

A avaliação do comportamento do sistema nervoso autonômico durante o exercício


dinâmico tem mostrado grande valor em cardiopatias graves, como a doença
coronariana e a insuficiência cardíaca. Os parâmetros que refletem a complexa
interação entre o sistema nervoso autônomo e o sistema cardiovascular durante o TE,
entre eles a velocidade de recuperação da FC no pós-esforço podem prover
importantes informações prognósticas70,71.
A redução da FC no pós-esforço imediato é decorrente do retorno da atividade vagal,
com inibição progressiva da atividade simpática no decorrer da recuperação até níveis
semelhantes ao início do exercício71. Uma recuperação lenta da FC no pós-esforço
reflete inadequado retorno da atividade vagal cardíaca e tem se mostrado bom
marcador de eventos cardiovasculares, tanto em cardiopatas quanto em indivíduos
saudáveis70,71,18. A relação entre FC de recuperação, mortalidade e prognóstico
cardiovascular parece ser independente dos sintomas72, do tipo de protocolo de
recuperação ativa73, da fração de ejeção ventricular esquerda74 e da severidade das
lesões coronarianas à cineangiocoronariografia75. A velocidade de recuperação da FC
no pós-esforço assim como a reserva cronotrópica são dados relacionados à condição
autonômica do paciente, independentemente da presença de comorbidades, sendo
marcador de prognóstico em diferentes situações de análise de risco, na presença ou
não de cardiopatias.

Os valores considerados fisiológicos são dependentes do ergômetro, da posição


ortostática ou decúbito e do tipo de recuperação: ativa ou parada abrupta no pós-
esforço. Os pontos de corte para as diferentes situações estão listados no Quadro 2. O
uso de betabloqueadores não parece invalidar a análise da frequência cardíaca na
recuperação, podendo ser utilizados os mesmos pontos de corte; de fato, a recuperação
lenta da FC no pós-esforço na vigência de betabloqueadores pode apresentar valor
prognóstico negativo ainda maior.

Quadro 2
Pontos de corte utilizados como marcadores de maior ou menor risco em relação à velocidade de recuperação da FC
no pós-esforço

Em pacientes diabéticos, a presença de disautonomia é um dado frequente e, quando


presente, é preditor de doença cardiovascular e de maior mortalidade por todas as
causas76. Nesses pacientes, a recuperação lenta da velocidade de FC é preditora de
doença cardiovascular e mortalidade por todas as causas, sendo mais frequente em
indivíduos com excesso de peso77. A redução da velocidade de recuperação da FC não
precede o desenvolvimento da síndrome metabólica, porém surge quando os
componentes dessa síndrome estão presentes78. Brinkworth et al.78 observaram que, em
indivíduos com síndrome metabólica, a perda de peso aumentou a velocidade de
recuperação da frequência cardíaca, mesmo sem aumento da atividade física.

No caso relatado, o paciente apresentou recuperação adequada da FC no pós-esforço


que, associada à boa reserva cronotrópica, demonstra um funcionamento satisfatório do
sistema autonômico, o que se deve provavelmente à atividade física regular79.

8. O paciente não apresentou arritmias durante o exame. Quais as implicações


prognósticas da ocorrência de arritmia ventricular durante o teste ergométrico, em
especial na fase de recuperação?

As alterações hemodinâmicas, neuroendócrinas e eletrofisiológicas que ocorrem


durante e após o exercício podem levar ao desencadeamento de arritmias ventriculares,
tanto em corações estruturalmente normais quanto na presença de cardiopatia
estrutural40. Tais arritmias não constituem resposta isquêmica específica do miocárdio,
mas indicam presença de potencial anormalidade cardiovascular1.

Vários estudos têm demonstrado que a presença de arritmias ventriculares no TE está


relacionada a risco cardiovascular aumentado, tanto em pacientes aparentemente
saudáveis quanto em cardiopatas. A constatação de que, em indivíduos aparentemente
saudáveis, arritmias ventriculares frequentes induzidas pelo exercício estão associadas
a maior risco cardiovascular em longo prazo e, portanto, apresentam importância
prognóstica80 vem sendo considerada há tempos.

Estudo80 que avaliou 6.101 homens assintomáticos submetidos a TE, sem doença
cardiovascular clinicamente evidente, constatou que a ocorrência de extrassístoles
ventriculares (EV) frequentes foi associada a risco mais elevado de morte
cardiovascular em um seguimento de mais de 23 anos (Figura 7), independentemente da
presença de isquemia miocárdica. A análise retrospectiva de outro estudo que avaliou
6.213 homens encaminhados para TE mostrou que a prevalência das EV frequentes
induzidas pelo exercício foi maior nos idosos, na vigência de doença cardiopulmonar,
nos pacientes com EV em repouso e nos portadores de isquemia miocárdica81. O
seguimento em longo prazo sugeriu que, mesmo em pessoas aparentemente saudáveis,
formas repetitivas de arritmias ventriculares no TE podem indicar maior risco
cardiovascular, estando associadas à maior mortalidade, independentemente da
presença de doença cardiopulmonar ou isquemia miocárdica.
Figura 7
Arritmia ventricular durante o exercício prediz aumento de mortalidade cardíaca
Fonte: Jouven et al.80

Artigo de revisão sistemática82 constatou que a ocorrência de EV durante o TE, no


esforço ou na recuperação, estava associada à maior taxa de mortalidade em 13 dos 22
estudos avaliados. Populações de pacientes com DAC conhecida foram incluídas em 15
estudos e os sete estudos restantes incluíram indivíduos assintomáticos. Estudo83
realizado em 5.754 pacientes encaminhados para TE, após um seguimento médio de
seis anos, mostrou que arritmias ventriculares ocorreram em 7,4%, com mortalidade
cardiovascular de 17% nos pacientes com arritmia, correspondendo praticamente ao
dobro da observada nos pacientes sem arritmia.

Cada vez mais o período de recuperação é reconhecido como importante etapa do TE,
o que se aplica ao valor prognóstico das arritmias induzidas pelo exercício. EV
frequentes na recuperação foram associadas de modo robusto a prognóstico adverso,
independentemente da presença de EV durante o esforço. Durante o exame, com a
progressão do exercício, há aumento da atividade do sistema nervoso simpático e
concomitante redução da atividade parassimpática. Na fase de recuperação, essas
mudanças na atividade autonômica são revertidas, ocorrendo reativação
parassimpática. A reativação inadequada do tônus parassimpático está relacionada a
risco aumentado de morte.

Pesquisadores da Cleveland Clinic concluíram que EV frequentes na recuperação


apresentaram valor prognóstico para maior risco de morte e podem também ser
atribuídas à inadequada reativação vagal, considerando que essa ativação poderia
suprimir a ocorrência de arritmias ventriculares84.

Estudo84 que avaliou 29.244 pacientes encaminhados para TE, sem história prévia de
insuficiência cardíaca (IC), doença valvar ou arritmia, avaliou a importância
prognóstica das EV frequentes que ocorriam na recuperação, quando a reativação do
tônus parassimpático acontece, visto que poderiam predizer maior risco de morte do
que durante o exercício. Foram consideradas EV frequentes a presença de mais de sete
EV por minuto, bigeminismo ou trigeminismo ventricular, taquicardia ventricular (TV),
flutter ou fibrilação ventricular. O estudo concluiu que arritmias ventriculares
frequentes na recuperação predizem melhor mortalidade do que quando ocorrem apenas
durante o exercício (Figura 8). A mortalidade em cinco anos foi maior nos pacientes
com EV frequentes durante o exercício (9%) em comparação aos que não apresentaram
arritmia (5%), mas foi ainda maior nos que apresentaram EV frequentes na recuperação
(11%). Após o ajuste para variáveis de confusão, apenas as EV frequentes na
recuperação, mas não durante o exercício, foram associadas a aumento da taxa de
mortalidade.

Figura 8
Pacientes com ectopia ventricular frequente durante a recuperação apresentaram taxas de sobrevida mais baixas,
enquanto pacientes com ectopia ventricular frequente apenas durante a fase de esforço do TE apresentaram sobrevida
discretamente menor em relação aos pacientes que não apresentaram arritmia durante o exame.
Fonte: Frolkis et al.84

Goldberger et al.85 concluíram que EV frequentes ou arritmia ventricular grave durante


os primeiros 5min de recuperação foram associadas a risco de morte em pacientes com
e sem IC ou DAC. Embora as arritmias ventriculares durante a recuperação sejam um
novo e interessante marcador de mortalidade, seu valor como instrumento de
estratificação de risco de morte súbita cardíaca ainda necessita de estudos
adicionais86.

Estudo87 realizado com 1.847 indivíduos aparentemente saudáveis submetidos a TE


avaliou a ocorrência de EV frequentes, definidas como 10% ou mais de todas as
sístoles durante quaisquer 30 segundos do teste, durante um seguimento de
aproximadamente cinco anos. EV frequentes ocorreram em 46% dos pacientes durante o
esforço e 33,6 % na fase de recuperação. Esse estudo concluiu que EV frequentes na
recuperação, mas não no esforço, foram associadas à maior mortalidade e
reclassificaram 33% dos pacientes de risco intermediário para alto risco pelo escore
de Duke. EV que ocorreram no esforço correlacionaram-se ao aumento da FC com o
exercício, resultado do aumento da atividade simpática em indivíduos que foram
capazes de atingir FC de pico mais elevadas e, portanto, com significado prognóstico
limitado; EV na recuperação correlacionaram-se à DAC, com significância prognóstica
que valoriza fatores de risco estabelecidos e outros achados do TE. Segundo os
autores, as arritmias ventriculares induzidas pelo exercício realmente são importantes
em termos prognósticos, relacionando-se a aumento de mortalidade, se ocorrerem na
fase de recuperação do TE.

Ressalta-se que os riscos para EV infrequentes e frequentes na recuperação foram


semelhantes em alguns estudos, sugerindo que a presença absoluta de EV na
recuperação tem mais significado prognóstico do que a sua frequência. O importante
valor preditivo de morte das EV que ocorrem na recuperação do TE, consequente à
inadaptação do sistema nervoso parassimpático ao exercício, também ocorre na
presença de cardiopatia estrutural.

A importância prognóstica das arritmias ventriculares que ocorrem na fase de


recuperação foi avaliada em 2123 pacientes com IC sistólica e FE ≤35%, submetidos a
TE limitado por sintoma, em seguimento de aproximadamente três anos88. Arritmia
ventricular durante a recuperação ocorreu em aproximadamente 7% dos pacientes,
sendo associada a 37% de mortalidade. A mortalidade nos pacientes com IC sem
arritmia foi 22%. Após o ajuste para EV em repouso e durante o exercício, consumo de
O2 e outros potenciais fatores de confusão, as arritmias ventriculares que ocorreram na
recuperação permaneceram preditivas de morte nos pacientes com IC, enquanto as EV
durante o exercício não o foram. Nesses pacientes, o risco de morte praticamente
duplicou na presença de TV, sustentada ou não, na recuperação. Esse estudo concluiu
que a ocorrência de EV na recuperação é preditiva de maior mortalidade em pacientes
com IC grave e pode ser utilizada como indicador de prognóstico adverso88.

Assim, arritmias ventriculares frequentes na fase de recuperação do TE devem ser


valorizadas em indivíduos aparentemente saudáveis e cardiopatas, pela importante
implicação prognóstica em relação ao aumento da taxa de mortalidade89.

9. O paciente apresentou escore de Duke de -7,5, sendo classificado em risco de


DAC intermediário. A utilização de escores diagnósticos e prognósticos neste caso
tem impacto sobre o valor preditivo positivo do teste?

Após a realização de um TE, não apenas o diagnóstico, mas também a avaliação


prognóstica do paciente, especialmente em relação a eventos cardiovasculares e
mortalidade, torna-se importante para traçar estratégias que otimizem recursos e
estejam de acordo com a boa prática médica1,90.

Alguns preditores de prognóstico adverso, que podem ocorrer de forma isolada ou


associada, foram identificados no TE91, tais como: baixa capacidade funcional
(<5MET); queda da PA sistólica durante o exercício, principalmente abaixo do nível
basal, ou PA sistólica no pico do exercício anormalmente baixa (<130mmHg); angina
induzida pelo esforço, particularmente quando leva à interrupção do TE; infradesnível
do segmento ST ≥2mm em baixa carga de esforço, surgimento precoce ou duração
prolongada do infradesnível e acometimento de múltiplas derivações (>5), entre
outros.

A partir desses preditores, foram criados escores, versões simplificadas de equações


exponenciais complicadas, com variáveis derivadas exclusivamente do TE ou
associadas a dados clínicos, que requerem apenas a adição ou subtração de pontos,
para avaliação diagnóstica de DAC e do prognóstico cardiovascular e geral.

Os escores são ferramentas custo-efetivas e de maior acurácia que classificam os


pacientes em categorias de probabilidades de presença da doença (baixa, intermediária
e alta) e orientam a conduta diagnóstica ditada pelas categorias7. Assim, os pacientes
de baixa probabilidade seriam acompanhados clinicamente e não necessitariam de
exames complementares adicionais; os de alta probabilidade seriam encaminhados para
a avaliação anatômica através de exames invasivos como o cateterismo cardíaco,
iniciando medicação anti-isquêmica simultaneamente; e os de probabilidade
intermediária seriam mais bem estratificados através de métodos de imagem, como a
cintilografia miocárdica92.

Nos pacientes de risco intermediário, estudos mostram que a sobrevida cardiovascular


e a sobrevida livre de infarto do miocárdio em sete anos foi 99% e 97%,
respectivamente, quando a cintilografia miocárdica foi normal93. Adicionalmente,
informações prognósticas em relação à mortalidade e eventos cardiovasculares podem
ser obtidas, de acordo com as categorias já mencionadas.

O escore mais citado na literatura médica é o da Universidade de Duke90, validado em


diversas amostras de homens e mulheres, inclusive nos idosos e nos pacientes com
ECG basal alterado, desenvolvido a princípio para avaliação prognóstica e
posteriormente utilizado para avaliação diagnóstica91,94 em pacientes sintomáticos.

O escore de Duke utiliza três parâmetros do TE: a capacidade funcional, a magnitude


do desnível do segmento ST e a angina durante o exercício. Para o cálculo, utiliza-se o
tempo de exercício em minutos para o protocolo de Bruce, o maior infradesnível de ST
medido em milímetros em qualquer derivação, exceto aVR, e o índice de angina. O
índice de angina segue uma escala de 0 a 2, em que: 0 = sem angina; 1 = presença de
angina no TE, sem determinar a interrupção do exercício; e 3 = angina limitante,
determinando a interrupção do esforço.

Escore de Duke = Tempo de Exercício – (5 x infradesnível de ST) – (4 x escore de


angina)

Os pacientes são classificados em baixo risco quando o escore é ≥+5, risco


intermediário entre +4 e -10 e alto risco quando ≤-11. Se não for utilizado o protocolo
de Bruce, a variável tempo de exercício pode ser substituída pelo número de MET
alcançado (equivalência entre o MET alcançado no protocolo realizado e o tempo em
minutos no protocolo de Bruce)95. Pacientes classificados como alto risco apresentam
maior probabilidade de lesão de tronco de coronária esquerda ou lesão trivascular e
prognóstico adverso, com mortalidade anual mais elevada, beneficiando-se de
estratégia intervencionista associada ao tratamento clínico. Pacientes de baixo risco
apresentam menor probabilidade de DAC grave e mortalidade anual menor do que 1%.
Pacientes de risco intermediário se comportam entre os dois extremos e merecem
investigação adicional, associando, por exemplo, métodos de imagem à avaliação
funcional, para melhor estratificação do risco de DAC.
Na análise do trabalho original da Universidade de Duke, observou-se que, entre os
pacientes de baixo risco, em 60% dos casos não havia obstrução coronariana ≥75%;
observou-se lesão uniarterial em 16% e lesão trivascular ou de tronco de coronária
esquerda (TCE) em 9%, com sobrevida em cinco anos de 97%. Entre os pacientes de
alto risco, 74% apresentaram lesão de TCE ou trivascular e a sobrevida em cinco anos
de 65%. Os pacientes de risco intermediário apresentaram doença coronariana grave
em 31% dos casos e sobrevida em cinco anos de 90%. A mortalidade anual foi
estimada em 0,5% para os pacientes de baixo risco (<1%), entre 0,5% e abaixo de 5%
no risco intermediário (entre 1% e 3%) e acima de 5% para o grupo de alto risco1. A
mortalidade em seis meses foi 0,6%, 1,8% e 3,4% para os pacientes de baixo,
intermediário e alto risco, respectivamente93.

O escore de Duke agregou valor prognóstico ao TE e seu valor preditivo é mantido em


pacientes com alterações inespecíficas da repolarização ventricular no ECG basal. Este
escore é preditor de mortalidade e relaciona-se com a gravidade da doença
coronariana, fornecendo informações diagnósticas e prognósticas em ambos os sexos,
podendo ser menos acurado em idosos96.

As informações prognósticas obtidas através do escore de Duke agregam valor


independente aos dados clínicos, angiográficos e de função ventricular esquerda dos
pacientes avaliados97. Comparando pacientes com ecocardiograma de repouso normal,
a mortalidade anual foi 0,7% nos pacientes com escore de Duke baixo e 4,6% nos
pacientes com escore de Duke alto, ficando o grupo intermediário com 2,4%. Nos
pacientes com doença uniarterial, a mortalidade anual foi 1,8% com escore de Duke
baixo e 5% com escore de Duke alto, ficando o grupo intermediário com 3,7%. No
grupo multivascular, a mortalidade anual foi 3% nos pacientes com escore de Duke
baixo e 12% nos pacientes com escore de Duke alto, ficando o grupo intermediário com
7%.

No caso clínico descrito, o paciente apresentou escore de Duke de –7,5, sendo


classificado em risco de DAC intermediário. A estratégia proposta para pacientes com
risco intermediário seria a melhor estratificação através de métodos de imagem,
objetivando avaliar se o paciente é de alto risco, o qual deve ser abordado mais
agressivamente. O paciente em questão foi encaminhado para complementação da
investigação diagnóstica através de método complementar não invasivo (ver adiante).

Assim, a aplicação de escores pode aumentar a acurácia preditiva do TE, sendo


superior à análise isolada do segmento ST, semelhante à opinião de especialistas e
superior à opinião de não especialistas, auxiliando na avaliação diagnóstica e na
estimativa prognóstica de DAC e formulando estratégias para a abordagem da doença
de forma a reduzir a variabilidade de decisões96.

Atualmente, há maior tendência em se utilizar escores que incorporem variáveis obtidas


a partir da probabilidade pré-teste de DAC e de parâmetros do TE98, elevando a
sensibilidade e a especificidade do exame e aproximando seu valor preditivo para o
diagnóstico de DAC aos dos métodos não invasivos de imagem96. A utilização dos
escores para a interpretação do TE é considerada classe IIb, nível de evidência C1.

10. Que conduta terapêutica ou de investigação as informações obtidas no teste


ergométrico deste paciente podem sugerir, de acordo com os marcadores de
diagnóstico, gravidade e prognóstico avaliados?

O paciente apresentou teste ergométrico com alterações eletrocardiográficas


isquêmicas e a avaliação pós-teste auxilia na conduta, estabelecendo a probabilidade
pós-teste de doença coronariana através da ampla avaliação das diversas variáveis do
método e da utilização dos escores. No Quadro 3, observa-se a análise dos diferentes
marcadores de diagnóstico e prognóstico neste caso, bem como o escore de Duke. Na
análise final, o paciente apresenta alterações eletrocardiográficas de alto valor
preditivo para isquemia miocárdica, com marcadores de lesão angiograficamente
significativa e multivascular como o supradesnível na derivação aVR, e a recuperação
lenta da isquemia e da pressão arterial no pós-esforço. Entretanto, a ausência de
sintomas, a boa capacidade funcional, o comportamento autonômico adequado e o
escore de Duke classificam o paciente como risco intermediário.

Quadro 3
Marcadores de risco de diagnóstico e prognóstico pós-teste
ECG=eletrocardiograma; PAS=pressão arterial sistólica; Delta PAS=variação da pressão arterial sistólica entre o basal
e o pico do esforço

O infradesnível assintomático do segmento ST é um forte preditor de morte súbita


cardíaca em homens com algum fator de risco convencional, mas sem diagnóstico
prévio de DAC, reforçando o valor do teste ergométrico para identificar homens
assintomáticos de alto risco que podem se beneficiar com medidas terapêuticas
voltadas para a correção dos fatores de risco, objetivando a prevenção do
desenvolvimento de DAC47. Conforme anteriormente comentado, os pacientes
classificados como baixo risco podem ser acompanhados clinicamente, sem medidas
adicionais; os pacientes de alto risco na avaliação pós-teste devem iniciar terapia anti-
isquêmica, estando indicado o estudo hemodinâmico invasivo para a avaliação
anatômica com vistas à intervenção; e os pacientes de risco intermediário, como o
paciente aqui estudado, seriam mais bem estratificados através de métodos de imagem
agregados à avaliação funcional, como a cintilografia miocárdica92 e o ecocardiograma
de estresse.
A cintilografia miocárdica avalia a perfusão miocárdica e compara a perfusão de
repouso com a de estresse físico ou farmacológico e, associada ao gated, determina a
função ventricular pré e pós-estresse. O ecocardiograma de estresse avalia a
contratilidade segmentar e a função global ventricular esquerda em repouso e compara
com o pós-esforço ou pós-estresse farmacológico, objetivando ambos os métodos, a
avaliação funcional. O método escolhido pelo médico assistente para complementar a
investigação diagnóstica foi a angiotomografia das artérias coronárias (Angio TC).

A angioTC de coronárias avalia a ausência ou presença de doença coronariana e, no


caso clínico apresentado, forneceu dados anatômicos posteriormente confirmados
através do cateterismo cardíaco invasivo; entretanto, não pôde fornecer dados sobre a
repercussão funcional da presença de obstrução coronariana – isquemia miocárdica –
cujo valor prognóstico é extremamente relevante.

A adição de métodos de imagem ao TE nos pacientes de risco intermediário fornece


informações funcionais e prognósticas bastante úteis. Gibbons et al.93 observaram que a
sobrevida cardiovascular e a sobrevida livre de infarto do miocárdio em sete anos foi
99% e 97%, respectivamente, quando a cintilografia miocárdica era normal93 nesses
pacientes. Existem diversos estudos89,91,93,94,96 demonstrando que o resultado normal de
um método de imagem reestratifica os pacientes de risco intermediário em baixo risco.

De acordo com a literatura atual, a indicação da angiotomografia de coronárias deve


contemplar uma população bastante selecionada e não ser utilizada
indiscriminadamente em todos os pacientes com suspeita de DAC99. Portanto, a escolha
do método foi uma decisão de foro pessoal entre o paciente e seu médico assistente,
provavelmente relacionada ao elevado valor preditivo negativo da angiotomografia e
considerando circunstâncias adicionais ao enfoque estritamente técnico da questão.

Conforme laudo apresentado, o escore de cálcio total foi calculado em 193 e


distribuído conforme o Quadro 4, classificando o paciente como de alto risco
cardiovascular. A angiotomografia revela coronariopatia obstrutiva trivascular com
comprometimento proximal da artéria descendente anterior (DA), estratificando o
paciente como alto risco cardiovascular (Figura 9).

Quadro 4
Escore de cálcio do paciente calculado em 193 coloca o paciente no percentil 98, quando comparado com outros do
mesmo sexo e idade.
TCE=tronco de coronária esquerda; DA=descendente anterior; CX=circunflexa; CD=coronária direita
Valores de referência para calcificação: acentuada >300; moderada: 101 a 300; discreta: 11 a 100; mínima: 1 a 10;
ausência de calcificação: 0.

Figura 9
Angiotomografia das artérias coronárias do paciente, mostrando coronariopatia obstrutiva trivascular com
comprometimento proximal da artéria descendente anterior.

Após o estudo tomográfico o paciente foi encaminhado para estudo angiográfico que
demonstrou doença coronariana multiarterial grave: lesão de tronco de coronária
esquerda de 30% a 40%; grave lesão segmentar proximal de DA, com área hipodensa
sugestiva de core lipídico; ramo intermédio (margilalis) com lesão proximal severa
maior que 70%; circunflexa com lesão ostial de 50% a 60% e oclusão completa do
vaso em terço médio; coronária direita dominante com placas em toda a sua extensão,
determinando leve estenose luminal (30%); ramo VP calibroso e bifurcante com lesão
proximal severa maior que 70%.

A cineangiocoronariografia definiu a conduta terapêutica do paciente, o qual foi


submetido à revascularização miocárdica cirúrgica. Em relação aos achados clínicos e
do teste ergométrico do paciente, observa-se comportamento autonômico satisfatório,
apesar da doença coronariana grave, o que provavelmente se deve à atividade física
regular.

Nagashima et al.77 demonstraram que a atividade física regular moderada por três
meses associada à perda de peso aumenta de forma significativa a velocidade de
recuperação da FC no pós-esforço. A velocidade de recuperação da FC no pós-esforço
não é determinante de doença coronariana, mas é marcador de eventos e mortalidade,
especialmente a morte súbita cardíaca, tanto na presença quanto na ausência de
isquemia miocárdica.

Em relação aos exames de imagem, a presença de placa ateromatosa com core lipídico,
sugerindo a presença de lesão instável, é marcador de alto risco para o
desenvolvimento de evento coronariano agudo, como infarto agudo do miocárdio ou
angina instável, e reforça, plenamente, a indicação da realização de teste ergométrico
na população assintomática com dois fatores de risco tradicionais1. O caso apresentado
ilustra uma das indicações mais frequentes do TE, a avaliação diagnóstica de DAC.

Vale ressaltar que o método tem sido utilizado na avaliação diagnóstica e prognóstica
de inúmeras outras doenças cardiovasculares1 e tem se mostrado ótima ferramenta na
prática clínica. Algumas indicações frequentes na atualidade:

1. na avaliação diagnóstica, prognóstica e terapêutica de arritmias;


2. na avaliação e ajustes de marca-passos multiprogramáveis, em que as
informações obtidas no TE podem possibilitar o ajuste da FC máxima, do
intervalo AV e do incremento de FC para cada indivíduo;
3. nas cardiomiopatias, para a determinação da capacidade funcional, do
comportamento da pressão arterial e da incidência de arritmias, dados de
importante valor prognóstico;
4. no esclarecimento de sintomas duvidosos em portadores de lesões valvares,
em que a presença de sintomas é um dos mais importantes marcadores de
indicação cirúrgica, e na avaliação do comportamento hemodinâmico com o
exercício, o qual apresenta importante papel prognóstico;
5. na hipertensão arterial, em que o TE pode ser indicado para avaliação da
resposta pressórica ao esforço antes da liberação para atividade física, bem
como para investigação de DAC, especialmente na presença de síndrome
metabólica. Em normotensos, uma resposta hiperreativa durante o TE
identifica indivíduos com maior risco para o desenvolvimento de hipertensão
arterial nos próximos cinco anos, possibilitando que medidas preventivas
sejam tomadas;
6. na estratificação de risco após eventos coronarianos agudos, como infarto do
miocárdio e angina instável, em pacientes que evoluem sem complicações e
considerados clinicamente de baixo risco. A presença de isquemia
miocárdica, arritmias ou baixa capacidade funcional ao TE identifica
pacientes sob maior risco de morte ou novos eventos;
7. após revascularização do miocárdio, seja cirúrgica ou por angioplastia, a
melhora da capacidade funcional e a ausência de sintomas ou arritmias
devem ser valorizadas como indicadores relevantes no acompanhamento dos
pacientes. Em indivíduos assintomáticos, o exame tem sido indicado antes
dos programas de reabilitação cardiovascular.

Assim, o TE apresenta inúmeras indicações que poderão ser mais bem exploradas
oportunamente1, na análise de outros casos clínicos da prática cardiológica cotidiana.
Figura 1
Monitorização ECG pré-teste em ortostática mostrando alteração inespecífica difusa da repolarização ventricular com
ondas T negativas em DIII, aVF.
Figura 2
Monitorização eletrocardiográfica do pico do esforço. Infradesnível descendente do segmento ST de até 3,5mm nas
derivações DII, DIII, aVF, V2, V3, V4, V5, V6. Supradesnível do segmento ST de 2,5mm em aVR.
Figura 3
Monitorização eletrocardiográfica no pós-esforço imediato (11s).
Figura 4
Monitorização eletrocardiográfica no 1º minuto da recuperação mantendo 2mm de infradesnível nas mesmas
derivações e 1mm de supradesnível em aVR.
Figura 5
Monitorização eletrocardiográfica no 6o minuto da recuperação, ainda com discreto infradesnível do segmento ST,
porém já sem supradesnível em aVR.

Quadro 1
Pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), duplo-produto (DP) e frequência cardíaca (FC)
durante o teste de esforço.
Curva de pressão arterial fisiológica ao esforço, mas com descenso muito lento na recuperação

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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ECOCARDIOGRAMA

Cesar Nascimento
Mário Luiz Ribeiro

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 63 anos, negro, natural do Rio de Janeiro.
Queixa principal: Dor precordial
HDA: Quatro dias antes do primeiro atendimento médico, apresentou dor precordial de
início súbito em aperto com irradiação para dorso associado à dispneia, porém não
procurou atendimento médico na ocasião. Devido ao retorno dos sintomas, agora com
maior intensidade, foi atendido em SE e feito o diagnóstico de síndrome coronariana
aguda, IAM com supra ST na parede inferior em sua fase subaguda, sendo então
transferido para o INC no mesmo dia.

À admissão, o paciente se encontrava agitado, referindo dor precordial típica apesar do


uso de nitroglicerina venosa.

Exame físico: Paciente acordado, LOTE, levemente taquipneico sem esforço


respiratório. PA = 110x60mmHg; FC =88bpm. Íctus cordis no 5o EICE na linha axilar
anterior.
Ausculta cardíaca: ritmo cardíaco regular em 3T com B4, bulhas normofonéticas, sopro
sistólico mais intenso na borda paraesternal esquerda de +++/6+ e foco mitral 2+/4++,
com irradiação para região axilar.
Ausculta pulmonar: murmúrio vesicular presente universalmente, com leves estertores
crepitantes bibasais.

HPP: hipertensão arterial


H. social: ex-tabagista de 15 maços/ano; parou de fumar há cinco anos, etilista
moderado.
Medicação em uso: uso irregular de captopril 25mg 3x/dia.

Exames à admissão:
Hemograma, creatinina e glicemia normais. Marcadores de necrose miocárdica
positivos.

ECG (Figuras 1A e 1B) e RX de tórax (Figura 2) à admissão.

Figura 1A
Eletrocardiograma: ritmo sinusal demonstrando onda q de necrose na parede inferior (DII, DII e AvF) associado à
inversão da onde T nesta mesma parede com diagnóstico de IAM com supra de ST na sua fase já subaguda.

Figura 1B
Demonstra as derivações direitas e parede posterior sem alterações.

Figura 2
RX de tórax na posição ortostática no modo AP demonstrando congestão pulmonar com infiltrado para hilares
bilaterais e presença de inversão da trama vascular do parênquima pulmonar.

OBJETIVOS

1. Analisar as novas ferramentas da ecocardiografia para o diagnóstico clínico-


cardiológico.
2. Avaliar a importância deste método complementar para as complicações
mecânicas da DAC aguda.
3. Discutir como o ecocardiograma pode otimizar a terapêutica farmacológica e
não farmacológica das cardiopatias.
4. Demonstrar a importância da avaliação hemodinâmica não invasiva do
método.

PERGUNTAS
1. Qual deveria ser a conduta na Sala de Emergência e como o ecocardiograma à
beira do leito poderia auxiliar na conduta terapêutica?

Paciente com diagnóstico de infarto de parede inferior, congestão pulmonar mantendo


dor precordial, após fase aguda. Foi encaminhado para o setor de hemodinâmica, sendo
realizada angioplastia com três stents convencionais em coronária direita com melhora
da dor, contudo sem resultado angiográfico não satisfatório, fluxo TIMI 2. As Figuras
3A e 3B mostram a coronária direita ocluída na sua porção do terço médio (Figura 3A)
e a imagem final após a abordagem percutânea (Figura 3B).
Figura 3A
Cineangiocoronariografia em oblíqua anterior esquerda demonstrando oclusão do terço médio da coronária direita.

Figura 3B
Cineangiocoronariografia em oblíqua anterior esquerda demonstrando o resultado final da abordagem percutânea da
coronária direita com trombos e leito distal de fino calibre.

Iniciado tirofiban, clopidogrel e AAS, associados à anticoagulação plena assim como


nitrato, IECA, estatina e diurético de alça. Paciente evoluiu satisfatoriamente com
controle adequado do duplo-produto e da dor.

A principal avaliação fornecida pelo ecocardiograma refere-se à função ventricular


esquerda, inclusive como marcador prognóstico, pois quanto pior a FEVE maior é a
mortalidade. Este paciente apresentava biventricular preservada.

O exame demonstrou acinesia do septo inferior basal e médio. As complicações


mecânicas em pacientes com infarto do miocárdio podem ser: agudas, com risco de
morte imediata ou as que se desenvolvem cronicamente como o remodelamento crônico
do VE e aneurismas do VE. Dentre as complicações do paciente com infarto de parede
inferior, encontram-se principalmente os pseudoaneurismas e a regurgitação valvar
mitral.

No paciente em questão havia imagem compatível de pseudoaneurisma relacionado aos


segmentos inferior basal e médio. Presença de CIV tipo muscular na transição do septo
médio para septo apical de aproximadamente 1cm (Figura 4). Ao Doppler regurgitação
mitral e tricúspide mínima, com fluxo E/D e QP/QP=2,8.

Figura 4
Ecocardiograma com Doppler colorido no corte apical quatro câmaras, com falha de continuidade na parede septal
inferior média para septal apical, com fluxo colorido no sentido do ventrículo esquerdo para o direito.

Discutido o caso com a equipe de cirurgia cardíaca, optou-se devido à estabilização do


paciente pela abordagem cirúrgica tardia para melhor resultado cirúrgico. Consultando
a equipe de hemodinâmica, aventou-se a possibilidade de fechamento do CIV por
Amplatzer via percutânea, sendo considerada possível quanto à anatomia, viabilidade
técnica e abordagem coronariana já realizada.

O paciente foi encaminhado da Unidade coronariana para a enfermaria de


coronariopatia enquanto aguardava a aquisição do dispositivo específico para o
procedimento de colocação do Amplatzer. Contudo o paciente evoluiu com modificação
do sopro sistólico precordial que então, além do bordo paraesternal esquerdo baixo,
aumentou sua irradiação para o foco mitral e região axilar esquerda, sem alteração
clínica expressiva.

2. Na presença de mudança nas características da ausculta cardíaca, dever-se-ia


imediatamente proceder à realização de ecocardiograma transesofágico?

Na rotina dos pacientes com complicações mecânicas do infarto do miocárdio, a


abordagem do ecocardiograma transtorácico fornece informações adequadas. No
entanto em situações como: EcoTT inadequado, inexplicada instabilidade
hemodinâmica (pequeno infarto com choque cardiogênico), resposta inadequada ao
tratamento, alto índice de suspeição de complicação mecânica do infarto do miocárdio
ou presença de um novo sopro (por ruptura septal ventricular, ou ruptura de músculo
papilar versus ruptura corda versus deslocamento de músculo papilar), torna-se
necessário o ecocardiograma transesofágico.

No caso clínico, novo ecocardiograma com Doppler colorido, ecocardiograma


transesofágico e ecocardiograma tridimensional evidenciaram: válvula mitral
espessada com imagem compatível com rotura de cordoalha e prolapso do segmento P2
da mitral com regurgitação excêntrica anterior moderada (Figuras 5,6,7); aumento das
cavidades esquerdas com aspecto de sobrecarga volumétrica, alterações não
encontradas no exame de admissão. CIV muscular com shunt E/D mantido sem
alterações evolutivas.
Figura 5
Ecocardiograma transesofágico demonstrando fluxo regurgitante em direção ao átrio esquerdo, alcançando o ápice do
átrio na forma circular com efeito Coanda, denotando gravidade da insuficiência mitral.

Figura 6
Reconstrução tridimensional demonstrando o prolapso do folheto P2 para dentro da cavidade atrial esquerda.

Figura 7
Ecocardiograma transesofágico evidenciando novamente o prolapso do folheto P2 da válvula mitral.

3. Com a evolução clínica qual a conduta a ser tomada? Como o ecocardiograma


poderia auxiliar na abordagem terapêutica?

Realizada nova avaliação, devido à nova alteração mecânica, optou-se pela abordagem
cirúrgica imediata para correção da CIV e IM.

Paciente submetido à cirurgia cardíaca com troca valvar mitral biológica número 29,
pois havia presença de ruptura das cordoalhas P1, P2 e A2 e restantes alongadas.
Presença de aneurisma da parede inferior do ventrículo esquerdo associada à
comunicação interventricular de aproximadamente 2mm no septo inferior basal.
Realizada exclusão da área infartada com fechamento com patch de pericárdio bovino.
Tempo de CEC 117 minutos e clampeamento de 110min.

O paciente evoluiu com sangramento importante no pós-operatório imediato e


hipotensão arterial. Ecocardiograma demonstrou coágulos no saco pericárdico e veia
cava inferior distendida sem variação respiratória. Retornou para o centro cirúrgico
com retirada de coágulos sem evidência de sítio sangrante e retorno ao pós-operatório
com evolução satisfatória.

O ecocardiograma de alta evidenciou presença de área de fibrose e discinesia em


parede septal inferior média e inferobasal do VE, com importante deformidade
geométrica (remodelamento) local. Observada imagens de fechamento de CIV. Ausência
de shunts residuais. Demais paredes do VE normocontráteis e moderada disfunção
sistólica do VE. Prótese biológica normofuncionante.

Este caso de DAC por mostrar além das várias modalidades compartilhadas de
ecocardiografia (2D, ETE, 3D, Doppler colorido), apresenta a onipresença e a
portabilidade do método, que permite a repetição simplificada de exames e o controle
evolutivo das doenças dinâmicas e mutáveis, além da interferência do método em
franco diálogo com os outros métodos e especialistas, no processo decisório, condutas,
acompanhamento do tratamento, controle e reavaliação do caso.

4. Como as Diretrizes auxiliam no uso da ecocardiografia?

As Diretrizes são orientações que devem ser utilizados durante a avaliação e o


manuseio dos pacientes com condições clínicas específicas. Constituem bases e
recomendações produzidas de maneira estruturada (frequência, diagnóstico, tratamento,
prognóstico, profilaxia), sendo utilizadas na assistência e na tomada de decisões.

As informações relevantes, adequadas para cada situação, são cotadas em relação ao


custo-benefício (eficiência), e passam a ser o elo final entre a ciência de boa qualidade
e a boa prática médica.

As Diretrizes se baseiam em recomendações oriundas de pesquisas extensivas, revisões


críticas e síntese da literatura científica publicada. Quando a literatura científica está
incompleta ou inconsistente numa área particular, as recomendações refletem o
julgamento profissional de membros e consultores.

Cada Diretriz reflete o estágio atual de conhecimento para determinado assunto. Dadas
às mudanças inevitáveis dos estágios da tecnologia e informação científica e revisões
periódicas, deverão ser feitas mudanças nas Diretrizes, para que estas estejam sempre
refletindo as tecnologias emergentes.

5. Como avaliar as câmaras cardíacas esquerdas utilizando a ecocardiografia?1

Da Diretriz1 publicada em dezembro de 2006 será abordada, especificamente, a


avaliação do ventrículo esquerdo, uma vez que a análise da aorta, do átrio esquerdo,
das câmaras direitas e a hemodinâmica pulmonar passaram a ter suas próprias
recomendações e serão discutidas em separado.
A quantificação do tamanho das câmaras cardíacas, massa ventricular e função
ventricular é tarefa importante do ecocardiografista. As imagens devem ser adquiridas
em apneia expiratória final para minimizar movimentos. Identificar a sístole e a diástole
pelo movimento da valva mitral e o tamanho da cavidade. Nos pacientes com ritmo
irregular, as medidas devem ser realizadas de três a cinco ciclos. Devem-se quantificar
as medidas anormais em graus leve, moderado e importante, e informar ao clínico.

Quantificação do ventrículo esquerdo (VE)

Medida linear do VE

Avaliação qualitativa – sujeita à variação entre diferentes observadores, depende da


experiência do examinador.
Avaliação quantitativa – medir na janela paraesternal longitudinal, modo-M guiado pela
imagem 2D, no menor eixo do VE (Figura 8):

Figura 8
Medidas do VE ao modo-M.
Espessura do septo interventricular em diástole
Espessura da parede posterior do VE em diástole
Diâmetro diastólico final do VE
Diâmetro sistólico final do VE

Alternativa: Corte paraesternal transverso, perpendicular ao septo e parede posterior.


Os valores de normalidade do diâmetro diastólico do VE com e sem indexação à área
de superfície corporal são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Valores de referência do ventrículo esquerdo

DDVE=diâmetro diastólico; SC=superfície corporal

Medidas de volume do VE

Deve ser usado o método biplanar de Simpson (Figura 9).


Figura 9
Método biplanar de Simpson.

Janelas: apical 4 e 2 câmaras


Traçar manualmente a borda endocárdica, excluir os músculos papilares
Diástole final: o frame após o fechamento da mitral, ou o que tiver a maior
dimensão do VE.
Sístole final: o frame que precede a abertura da mitral, ou o que tiver a
menor dimensão do VE.

Cálculo da massa do VE
Obtido através da subtração do volume cavitário do volume englobado pelo epicárdio
do VE, este multiplicado pela densidade do miocárdio.
Massa VE = 0,8 x{1.04[(DDVE + PPVEd + SIVd)3-(DDVE)3]} +0,6 g

Espessura parietal relativa (EPR)

EPR = (2 X PPVE)/DDVE
Uma vez calculado o índice de massa e a espessura relativa do VE, pode-se classificar
a sua geometria. Considera-se normal um índice de massa do VE até 95mg/m2 para o
sexo feminino e 115mg/m2 para o masculino; e uma EPR normal até 0,42. Assim,
distinguem-se quatro modelos: geometria normal, remodelamento concêntrico,
hipertrofia concêntrica e hipertrofia excêntrica (Figura 10).

Figura 10
Geometria do ventrículo esquerdo (VE).
Esp rel=espessamento relativo; fem=feminino; masc=masculino

Função sistólica do VE

Pode ser realizada através da medida linear, baseada nas dimensões cavitárias e
espessuras parietais. Boa acurácia, exceto se houver disfunção segmentar. Medida
volumétrica pelo método de Simpson modificado (método de escolha): obtêm-se os
diâmetros ventriculares na janela apical 4 e 2 câmaras.

O volume total é calculado através da soma da área de vários discos menores (Figura
9): FE= (VDF-VSF)/VDF. A FE normal do VE é >55%.

Função segmentar do VE:

A análise segmentar do VE é a mesma utilizada pela ressonância magnética cardíaca e a


cintilogafia do miocárdio, no modelo de 17 segmentos (Figuras 11 e 12), com
distribuição da massa do VE: basal (35,3%), medial (35,3%) e apical (29,4%).
Analisa-se espessamento e movimento de cada segmento. Classifica-se em: 1-normal
ou hipercinético; 2-hipocinético; 3-acinético 4-discinético; 5-aneurismático.

Alterações segmentares em repouso são vistas quando a lesão coronariana ultrapassa


85% de estenose. No estresse, lesões de 50% podem provocar disfunção regional.
Figura 11
Segmentos das paredes do VE, em corte apical 4, 2 e 3 e para esternal eixo curto e.
Figura 12
Distribuição da irrigação coronariana nos diferentes segmentos.

Remodelamento ventricular

Fisiológico: crescimento, exercício físico e gravidez.


Exercício isométrico → aumento da massa do VE desproporcional ao
aumento do volume diastólico. Reversível com a interrupção do treinamento.
Sobrecarga pressórica crônica (HAS, estenose aórtica) → Hipertrofia
concêntrica.
Sobrecarga volumétrica crônica (regurgitação mitral ou aórtica) →
Hipertrofia excêntrica (dilatação do VE).
IAM → remodelamento e dilatação precoce do VE em metade a 1/3 dos
pacientes.

Quantificação do átrio esquerdo

A avaliação do átrio esquerdo está disponível na seção “Análise da Função


Diastólica”, pela sua importância no tema.
6. Como avaliar as câmaras cardíacas direitas utilizando a ecocardiografia em
adultos ?2

Existem parâmetros qualitativos e quantitativos para a análise do coração direito. Os


parâmetros que devem ser avaliados e relatados em laudo de exame devem incluir
tamanho do ventrículo direito (VD), tamanho do átrio direito (AD), função sistólica do
VD (pelo menos um dos seguintes: mudança de fração de área (FAC), S’ do Doppler
tecidual do anel tricúspide lateral, excursão sistólica do plano anular tricúspide ao
modo-M (TAPSE), com ou sem índice de performance miocárdica (IPM) do VD e
pressão sistólica de artéria pulmonar (PSAP) com a pressão estimada do AD baseada
no colabamento e variação da veia cava inferior (VCI). Em alguns casos também é útil
a função diastólica do VD, pressão diastólica da artéria pulmonar (PDAP) e o tempo de
aceleração da artéria pulmonar (TAAP). Um resumo de todas as variáveis do coração
direito e sua hemodinâmica são apresentados na Tabela 2.

O VD é mais bem avaliado no corte apical de quatro câmaras e deve corresponder a


2/3 do VE. O eixo curto é na base do VD e o eixo longo vai do plano valvar tricúspide
até o ápice. Tem como valores normais: diâmetro na sua porção média (RVD2) de 20-
35mm; diâmetro na base (RVD 1) entre 24-42mm e uma medida longitudinal (RVD 3)
entre 56-86mm (Figura 13).
Figura 13
Medidas do VD ao corte apical 4 câmaras.

O átrio direito deve ser avaliado quanto à área e às dimensões. O valor limite para a
normalidade da área é 18cm2; seu maior diâmetro deve ter até 53mm e seu menor
diâmetro até 44mm (Figura 14).
Figura 14
Medidas lineares do átrio direito.

A via de saída do VD (VSVD) pode ser avaliada ao corte paraesternal longitudinal


(PEL) e ao paraesternal eixo curto (PEEC) a nível de vasos da base. As medidas
devem ser realizadas ao PEL no nível proximal ou subvalvar, e ao corte PEEC, no nível
distal ou válvula pulmonar. Uma medida maior que 27mm ao nível da inserção da
válvula pulmonar (diâmetro distal), no fim da diástole, indica dilatação da via de saída
do VD (Figura 15).

Figura 15
Medidas da via de saída do VD.

A espessura da parede do VD deve ser medida ao final da diástole. A imagem pode


ser adquirida pela janela subcostal ou pelo corte paraesternal longitudinal, ao nível do
folheto anterior da tricúspide (Figura 16). Espessura maior que 5mm indica hipertrofia
do VD e sugere sobrecarga de pressão. Pode estar presente quando há doenças
infiltrativas ou cardiomiopatia hipertrófica.
Figura 16
Medidas do espessamento da parede de VD.
Em A: imagem subcostal da parede do VD.
Em B: zoom da região de interesse em A, com o espessamento de VD indicado por seta.
Em C: imagem em modo-M correspondendo à seta em B.
Em D: zoom da região de interesse em C, com as setas indicando espessamento da parede.

A veia cava inferior deve ser medida em sua porção proximal às veias hepáticas, em
corte perpendicular ao eixo longo, no final da expiração (Figura 17). Os valores da
pressão do átrio direito devem ser usados para estimar a PSAP. Com uma VCI com
diâmetro <21mm e variação >50% com a inspiração, pode-se considerar uma pressão
de AD de 3mmHg (0–5mm Hg). Quando a VCI tem diâmetro maior que 21mm e não
apresenta variação respiratória, considera-se uma pressão de AD de 15mmHg (10-
20mmHg). Em outras situações, considerar PAD =8mmHg (5-10mmHg). Em pacientes
em ventilação mecânica, a VCI pode estar dilatada e não se colapsar.
Figura 17
Avaliação da VCI

A função sistólica do VD pode ser avaliada através de vários índices e recomenda-se


que seja realizado pelo menos por um desses. IPM do VD avalia sua função sistólica
global: se >0,40 pelo PW ou >55 pelo TDI indica disfunção sistólica. O TAPSE
(excursão sistólica do plano anular tricúspide ao modo-M) é uma medida para avaliar a
função longitudinal do VD: se <16mm indica disfunção sistólica (Figura 18). A 2D FAC
(mudança de área fracional) estima, em percentual, a função sistólica do VD: seu valor
de normalidade está entre 35-65% (Figura 19). S’ é avaliado através do Doppler
tecidual: se <0,10m/s é indicativo de disfunção sistólica (Figura 20). Outros
parâmetros são: FE do VD, FEVD 3D, strain e strain rate.
Figura 18
O TAPSE (excursão sistólica do plano anular tricúspide ao modo-M).

Figura 19
Medida da alteração da área de encurtamento fracional (FAC) do ventriculo direito (VD). DF=diastole final.
SF=sistole final.
Figura 20
Doppler tecidual do anel tricúspide em paciente com função sistólica ventricular direita normal.

Análise da função diastólica. A disfunção diastólica do VD pode estar associada a


agressões agudas do VD – infarto do miocárdio, com aumento da pressão de
enchimento do VD, e a afecções crônicas como as sobrecargas de volume e de pressão,
doença pulmonar primária, doença cardíaca congênita, cardiomiopatias com disfunção
VE (interdependência ventricular), doenças sistêmicas e processo fisiológico de
envelhecimento.

A avaliação da função diastólica do VD seria considerada em pacientes com suspeita


de disfunção do VD, como marcador precoce de sua disfunção, ou naqueles que já têm
disfunção do VD, como marcador prognóstico. Os principais parâmetros inicialmente
avaliados são: o influxo da tricúspide pelo PW, através da relação E/A, relação
E/E’(E’=velocidade do Doppler tecidual do anel tricúspide) e tamanho do átrio
direito.

Graduando a função diastólica: a) relação E/A <0,8 indica déficit de relaxamento; b)


relação E/A entre 0,8 e 2,1 com relação E/E’ >6 ou predomínio de fluxo diastólico na
veia hepática sugere padrão pseudonormal; e c) relação E/A >2,1 com um tempo de
desaceleração <120ms sugere padrão restritivo.

Tabela2
Parâmetros de normalidade do AD, VD e hemodinâmica pulmonar
7. Como avaliar a hemodinâmica pulmonar utilizando a ecocardiografia em adultos
?3

A pressão sistólica na artéria pulmonar (PSAP) é considerada igual à pressão sistólica


do VD na ausência de estenose pulmonar e/ou obstrução da via de saída do VD. A
pressão sistólica do VD pode ser determinada pela adição da pressão atrial direita
(estimada pela avaliação da VCI) ao gradiente de pressão entre o VD e o AD. Esse
gradiente de pressão pode ser calculado usando a equação de Bernoulli modificada
ΔP= 4 x V2, onde V é a velocidade de pico da regurgitação tricúspide (Figura 21). A
PSAP pode aumentar com a idade e a obesidade.

Figura 21
Velocidade de pico da regurgitação tricúspide para cálculo da PSAP.

Índice de resistência arteriolar pulmonar

Para adequada avaliação da resistência vascular pulmonar é necessária a aquisição


do Doppler contínuo da regurgitação tricúspide (em m/s) e da integral velocidade-
tempo da via de saída do VD (em cm). A resistência vascular pulmonar é igual à
velocidade de pico da regurgitação tricúspide dividido pela integral velocidade-tempo
da via de saída de VD; multiplica-se esse valor por 10 e soma-se 0,16 (Figura 22). O
resultado será dado em unidades Wood. Uma resistência vascular pulmonar >1,5UWood
é considerada anormal, e para o diagnóstico da hipertensão arterial pulmonar é
necessário estar >3,0UWood.
Figura 22
Parâmetros necessários para o cálculo da RVP.

Tempo de aceleração da artéria pulmonar (TAAP)

Em 25% dos pacientes com hipertensão pulmonar, não se detecta regurgitação


tricúspide para medir a PSAP. Na ausência de regurgitação tricúspide, a medida do
TAAP4 guarda relação inversa com o valor da velocidade máxima da regurgitação
(Figura 23). Desse modo pode-se dizer que o tempo de aceleração da artéria pulmonar
<90ms é sugestivo da presença de pressão sistólica arterial pulmonar de pico estimada
(PSAPPE) elevada.
Figura 23
Relação entre PSAPPE e TAAP.

O TAAP é rotineiramente obtido, colocando-se o transutor no anel pulmonar, realizando


a curva de Doppler pulsado da região. TAAP é o intervalo de tempo do início da ejeção
ventricular para o pico da velocidade do fluxo (Figuras 24 e 25).
Correlaciona-se fortemente com a velocidade máxima de regurgitação tricúspide (VRT
max) e PSAPPE em pacientes submetidos a ecocardiografia transtorácica.
Figura 24
Ecocardiograma transtorácico na janela paraesternal eixo curto com Doppler colorido na artéria pulmonar direita.
AD=átrio direito; VSVD=via de saída de ventrículo direito; VP=válvula pulmonar; AP= artéria pulmonar; VA=válvula
aórtica.
Figura 25
Doppler pulsado na artéria pulmonar. RVET é medido do início da ejeção do VD até o ponto em que o fluxo seja zero.
TAAP é o intervalo do início da ejeção ventricular para o pico da velocidade do fluxo.

A caracterização da relação entre TAAP e PSAPPE permite que o TAAP seja usado
para a PSAPPE independente da TR, aumentando assim a percentagem de doentes nos
quais o ecocardiograma transtorácico pode ser utilizado para quantificar a pressão da
artéria pulmonar.

8. Como fazer, de modo sistemático, a avaliação e o diagnóstico ecocardiográfico


da função e da disfunção diastólica?

A avaliação da função diastólica do ventrículo esquerdo (VE) faz parte do exame


ecocardiografico de rotina, em especial nos pacientes com queixa de dispneia ou em
insuficiência cardíaca. Atualmente 50-60% dos pacientes com diagnóstico “de novo”
de insuficiência cardíaca têm fração de ejeção (FE) preservada. Esses pacientes são
diagnosticados como "insuficiência cardíaca diastólica" ou "insuficiência cardíaca com
fração de ejeção preservada".

A avaliação da função diastólica do VE e das pressões de enchimento é de fundamental


importância clínica para distinguir essa síndrome de outras doenças como a doença
pulmonar que resulta em dispneia, para avaliar o prognóstico e para identificar doença
cardíaca de base e seu melhor tratamento.

Pressões de enchimento do VE quando medida de modo invasivo significa pressão


capilar pulmonar média ou pressão atrial esquerda média (ambos na ausência de
estenose mitral), pressão diastólica final do VE (PDFVE) – que é a pressão no início
do complexo QRS ou depois da onda A de contração atrial), e pressão diastólica do VE
pré-A. Embora essas pressões sejam diferentes em termos absolutos, elas estão
intimamente relacionadas, e mudam em progressão previsível com doença miocárdica,
como é a elevação PDFVE antes do aumento da pressão média do átrio esquerdo.

A pressão de enchimento do VE elevada é a principal consequência fisiológica da


disfunção diastólica. É considerada elevada quando a pressão capilar pulmonar média
é >12mmHg ou quando a pressão diastólica final do VE>16mmHg.

Desde 1980, a ecocardiografia Doppler permitiu avaliação dos padrões de enchimento


do VE através da análise e quantificação do perfil de velocidades do fluxo sanguíneo
do AE para o VE através da valva mitral. As medidas derivadas do Doppler para
avaliação do enchimento ventricular correlacionam-se bem com as medidas invasivas e
dos radionuclídeos, para mudanças de volume do VE durante a diástole.

Tipicamente, as velocidades de fluxo sanguíneo através da valva mitral irão demonstrar


um padrão bifásico, no qual um pico de fluxo precoce ocorre durante fase de
enchimento rápido (pico E) e um pico tardio ocorre durante a sístole atrial (pico A).
Vários outros índices de enchimento ventricular derivados do Doppler foram
propostos, sendo o tempo de desaceleração (TD) e o tempo de relaxamento
isovolumétrico (TRIV) os mais utilizados5.

Outras avaliações ecocardiográficas podem ser acrescentadas na análise dos padrões


de fluxo diastólico (FD). O Doppler tecidual (DT) pode ser usado para se obter
informações quantitativas da motilidade tanto global quanto regional do VE. A
velocidade de propagação (Vp) do modo-M colorido da valva mitral (MMC) e
velocidade miocárdica diastólica de pico E’ (TD) podem ser usados para estimar as
pressões de enchimento do VE. A movimentação do anel mitral como relatada pelo DT
tem demonstrado estar anormalmente deprimida e relativamente independente da pré-
carga em pacientes com padrões de enchimento pseudonormal e restritivo5.

Idade, progressão da doença e mudanças nas condições de carga podem levar a várias
combinações de relaxamento do VE, rigidez da câmara e gradientes de pressões de
átrio para ventrículo, levando a variações de um padrão de enchimento para outro. A
deterioração hemodinâmica progressiva pode causar uma evolução do padrão de fluxo
transmitral como descrito, mas situações clínicas especiais podem alterar essa
sequência. Um certo padrão de enchimento diastólico deverá sempre resultar de
complexa interação de vários fatores como FC, ritmo, pré-carga, doença valvar mitral
ou aórtica, competência do ventrículo direito (VD), interação do septo ventricular,
relaxamento ativo do VE, propriedades elásticas do VE e contração atrial.

Então, avaliações não invasivas através do Doppler do enchimento ventricular nunca


irão fornecer medidas diretas do relaxamento sistólico ou complacência diastólica e,
portanto, devem ser interpretadas com cautela6.

Fluxo mitral

As curvas de fluxo mitral normais variam com a pré e pós-carga do paciente, idade e
frequência cardíaca. Com o aumento da idade, ocorre diminuição do relaxamento e,
consequentemente, gradual declínio da onda E e aumento da onda A. Na maioria dos
indivíduos, as ondas E e A se tornam aproximadamente iguais na sexta década de vida.
Então uma relação E/A normal é considerada entre 0,75 e 1,57. O TD do enchimento
rápido reflete a complacência do VE no início da diástole, e normalmente é <220ms7.

Técnica

O método apropriado para avaliação do fluxo mitral (Figura 26) é o posicionamento do


volume de amostra do Doppler pulsado na ponta dos folhetos da valva mitral. Este é o
local onde as velocidades de fluxo são máximas – velocidades de pico das ondas E e
A, a relação E/A, a duração da onda A e o tempo de desaceleração da onda E8.
Figura 26
Fluxo mitral. Classificação ecoDopplercardiográfica da disfunção diastólica.
Fonte: adaptado com permissão da Associação Médica Americana

Para pacientes com disfunção diastólica, três padrões anormais de enchimento são
inicialmente reconhecidos e demonstrados (Figura 26). Na disfunção diastólica leve, a
primeira alteração é a do relaxamento. Essa alteração resulta em aumento
compensatório do fluxo de contração atrial. Por essa razão, haverá uma onda E pequena
e uma onda A maior, resultando em uma relação E/A <0,75. O TD está prolongado e é
usualmente >220ms.

Na disfunção diastólica moderada ou padrão pseudonormal, a complacência do VE está


diminuída, e então a pressão do AE aumenta para compensar a diminuição do
relaxamento do VE para manter um débito cardíaco normal. Isto resulta em uma relação
E/A normal e um TD levemente reduzido.

Com a progressão da doença, haverá disfunção diastólica grave ou padrão restritivo, no


qual uma grave diminuição da complacência leva a consequente aumento da pressão de
AE, que resultará em uma grande onda E, pequena onda A, e um TD substancialmente
diminuído, portanto uma relação E/A >1,5 e um TD <150ms. Posteriores observações
categorizaram este último padrão como restritivo fixo ou reversível, dependendo de sua
resposta à manobra de Valsalva7.

Importante na interpretação dos padrões de fluxo mitral é distinguir o padrão normal do


pseudonormal, pelo fato de todos esses parâmetros (relação E/A, TD, TRIV) serem
significativamente alterados pelas pressões de enchimento intracardíacas7.

Para acessar e estratificar de maneira correta o grau de disfunção diastólica, outras


medidas tornam-se necessárias. Existem vários métodos tradicionais que são úteis para
distinguir um padrão normal de um pseudonormal, incluindo medidas do fluxo de veia
pulmonar (FVP) e manobra de Valsalva, que possuem suas próprias limitações, mas
permitem adicional incremento na estratificação da função diastólica. Em adição, dois
novos métodos, MCM e TD, são de crucial importância na avaliação da alteração do
relaxamento miocárdico7.

Determinação do TRIV

O TRIV representa a primeira fase da diástole. É definido como o tempo entre o


fechamento da valva aórtica e abertura da valva mitral e, normalmente, mede 76±13ms
em adultos. Durante esse tempo, a contração sistólica cessa, mas o enchimento
ventricular ainda não teve início.

O TRIV tem sido usado na cardiologia clínica por mais de três décadas e foi
originalmente descrito como um achado clínico sólido pela fonocardiografia7.

Tipicamente doenças que levam ao aumento da pressão da AE encurtam o TRIV, com o


cruzamento entre as curvas de pressão diastólicas de AE e VE ocorrendo mais
precocemente na diástole do que em situações em que a pressão de AE é baixa7.

Doppler tecidual

Recentemente os princípios do Doppler, rotineiramente usados para medir velocidades


de fluxo sanguíneo, têm sido aplicados para medir velocidades teciduais. Os sinais do
Doppler advindos do movimento tecidual diferem do fluxo sanguíneo por duas
características principais: velocidades teciduais são mais baixas (20cm/s ou menor) do
que as velocidades das células vermelhas (20-100cm/s) e a amplitude dos sinais do
Doppler provenientes do movimento da parede ventricular é significativamente maior
do que aquela proveniente das células vermelhas (aproximadamente 40dB ou 100 vezes
do que as células do sangue).

O Doppler do fluxo sanguíneo convencional usa um filtro alto para remover as baixas
velocidades devido à movimentação das paredes, e o fraco sinal refletido pelas células
sanguíneas é amplificado. Através do rearranjo do filtro e da amplificação o sinal de
Doppler refletido pelo tecido pode ser visualizado9.

Técnica
A partir de um corte apical deve-se posicionar o volume de amostra na região do anel
mitral onde se pretende obter o sinal do Doppler (Figura 27). Geralmente avalia-se a
velocidade miocárdica na porção lateral e/ou septal do anel mitral. Existe um sinal
sistólico positivo, velocidade miocárdica sistólica de pico (S’) e um sinal negativo no
início (E’) e no final da diástole, representado pela velocidade miocárdica de
contração atrial (A’)9.

Figura 27
Doppler tecidual. Classificação ecoDopplercardiográfica da disfunção diastólica.
Fonte: adaptado com permissão da Associação Médica Americana

Para aumentar a acurácia e a reprodutibilidade do TD, o ecocardiografista deve estar


ciente de alguns pitfalls, que podem afetar ou influenciar os sinais do Doppler9:

1. Um adequado posicionamento do volume de amostra no anel mitral é


essencial para reproduzir um bom traçado do TD. Súbitas mudanças no
posicionamento do volume de amostra fora do anel mitral podem fortemente
influenciar no traçado do TD9.
2. Diferentes tamanhos de volumes de amostra devem ser utilizados para cada
localização no anel mitral septal aproximadamente 3,5mm e lateral 5,0mm9.
3. Como todos os traçados de Doppler, o ganho pode afetar o pico das
velocidades do Doppler tecidual, então o ganho deve ser minimizado para
permitir sinais de TD mais nítidos9.
4. Quanto à fase da respiração, quando possível o ecocardiografista deve obter
o DT durante apneia expiratória para aumentar a acurácia e a consistência
das velocidades de pico do TD9.
5. Quanto ao posicionamento septal ou lateral do volume de amostra, não existe
consenso de recomendação, devendo-se levar em consideração alguns fatores
limitantes como a presença de calcificações do anel, disfunção segmentar
etc.9

A onda E’ é um bom índice de relaxamento ventricular e parece ser menos sensível a


variações da pré-carga. Um valor de E’ <8,0cm/s é compatível com disfunção
diastólica. Nagueh et al.11 correlacionaram uma relação E/E’ >10 com a presença de
disfunção diastólica. Semelhante à relação E/Vp, a relação E/E’ se correlaciona bem
com as pressões de enchimento de VE. Uma relação E/E’ >15 é altamente específica
para elevadas pressões de AE, enquanto uma relação E/E’<8 é altamente sensível para
pressões de AE normais9-11.

A relação E/E’ também foi validada em pacientes com FA, taquicardia sinusal,
cardiomiopatia hipertrófica e aqueles que foram submetidos a transplante cardíaco9-11.

A grande limitação para o uso do DT é a extrapolação da motilidade regional para


predizer disfunção diastólica global. As duas porções do anel mitral (septal e lateral)
podem ser usados quando diferenças significativas da função regional estiverem
presentes9-11.

Limitações

A E’ tem varias limitações. Apesar de a medida ser de fácil obtenção e boa


reprodutibilidade, é importante que o Doppler tecidual apresente um sinal limpo sem
borramento, para prevenir que valores anormais (<8cm/s) sejam superestimados. Esse
era um problema frequente com alguns dos equipamentos antigos de ultrassom, que
melhorou muito com os novos modelos9-11.

E’ é um índice regional, e então erros podem acontecer quando se extrapolam os


resultados para todo o ventrículo, particularmente em pacientes com anormalidades da
contração segmentar ou quando existe translação excessiva do coração. Por exemplo,
um paciente com infarto agudo do miocárdio (IAM) pode ter uma E’ diminuída na
parede afetada e aumentada numa região distante que está compensando com movimento
hiperdinâmico9-11.

Inúmeros trabalhos recentes têm questionado a independência de “carga” da E’. Apesar


de ter sido descoberta a influência na avaliação da medida das onda E’ por mudanças
agudas da pré-carga em modelos animais e em pacientes humanos submetidos à
hemodiálise, diferente dos parâmetros da onda E do fluxo mitral, esta aparente
dependência da pré-carga é muito menos evidente com a piora do relaxamento
ventricular. Então, as medidas de E’ são de extremo auxílio na avaliação da função
diastólica9-11.

Por causa da dependência da pré-carga de E’ em corações normais, a relação E/E’ não


reflete as pressões de enchimento com boa acurácia em pacientes normais jovens, em
pacientes com regurgitação mitral primária ou constrição pericárdica; E/E’ permanece
acurada em ventrículos dilatados e deprimidos com regurgitação mitral funcional.
Observações preliminares em modelos animais sugerem que mesmo em ventrículos
deprimidos E’ ainda tem dependência da pré-carga, particularmente nos extremos das
pressões do AE9-11.

Ainda há controvérsias na literatura sobre qual localização no anel é mais verdadeira, a


lateral ou a septal, para realização da medida de E’. Estudo que empregou a média da
medida de E’ nos dois lados do anel mitral mostrou uma boa estimativa da média da
pressão capilar pulmonar em ventrículos dilatados e com fração de ejeção deprimida,
ocorrendo o mesmo na disfunção segmentar9. No entanto, em pacientes com fração
ejeção normal, a parede lateral mostrou fornecer melhor estimativa da pressão capilar
pulmonar9-11.

Velocidade de propagação do modo-M colorido da valva mitral (Vp)

É uma técnica de Doppler pulsado em que as medidas de velocidade são codificadas


em cores e apresentadas em tempo e profundidade ao longo da linha de varredura. O
Doppler pulsado convencional tem limitações inerentes por obter a velocidade do fluxo
sanguíneo em um simples ponto. A Vp mostra informação de velocidade por uma linha
de varredura que se estende da valva mitral até o ápice do VE. A vantagem dessa
modalidade é apresentar superior resolução temporal, espacial e de velocidade7.

Tipicamente, pacientes em ritmo sinusal demonstram um MMC Doppler que é


caracterizado por duas ondas distintas, uma correspondendo à onda E, e a segunda à
onda A7. A Figura 28 mostra a evolução da Vp conforme a progressão da disfunção
diastólica7.
Figura 28
Modo-M colorido da valva mitral. Classificação ecoDopplercardiográfica da disfunção diastólica.
Fonte: adaptado com permissão da Associação Médica Americana

Técnica

A obtenção é feita em apical de quatro câmaras, usualmente pelo ecotranstorácico


(ETT), apesar das imagens terem sido obtidas pelo ecotransesofágico (ETE). De
maneira a visualizar a direção do fluxo, uma grande caixa de cor é posicionada desde a
valva mitral até o ápice do VE. Cuidado deve-se tomar ao posicionar a linha do modo-
M, que deve estar do centro da valva mitral ao longo do centro da caixa de cor.
Dependendo da técnica, o ganho pode ser diminuído e o limite de Nyquist reduzido
para se obter melhor separação das cores. Seleciona-se o modo-M, e com velocidade
de varredura de 100mm/s, um mapa de velocidade do modo-M em forma de chama é
apresentado12.

Aplicações clínicas

Avaliação da performance cardíaca: A Vp está relacionada ao relaxamento


ventricular, e diminui em várias situações que, sabidamente, alteram o
relaxamento. Os valores de referência são: <45 e <55 para pacientes adultos
jovens e de meia-idade, respectivamente12.
Avaliação das pressões de enchimento e prognóstico: Índices combinados de
1/Vp, como marcador independente de pré-carga, com parâmetros de influxo
mitral pré-carga e relaxamento dependentes permitem próxima correlação
com a pressão capilar pulmonar média (PCPM). De fato, a taxa de
relaxamento diastólico e a pressão atrial média são analiticamente
relacionadas com o tempo de relaxamento isovolumétrico TRIV, sendo os
principais determinantes da velocidade de enchimento rápido E. Em
comparação direta, a combinação do TRIV e Vp tornou-se bem mais
fidedigna7,12. Os valores preditivos positivo e negativo para E/Vp>1,2 em
predizer PCPM>12mmHg são respectivamente 93% e 70%12.

A relação E/Vp tem sido também aplicada para obter pressões de enchimento na FA
com razoável acurácia: uma média de mais de três batimentos da relação E/Vp>1,4
permite 100% de especificidade e 72% de sensibilidade em predizer
PCPM>15mmHg7,12.

Limitações do método

A Vp e E/Vp se aplicam particularmente bem em ventrículos dilatados, sendo de


aplicação limitada em paciente com hipertrofia concêntrica e ventrículos pequenos e
hiperdinâmicos. Por causa dos pequenos volumes sistólico e diastólico final, existe um
pequeno espaço para a propagação ocorrer, e Vp pode ser normal na presença de
alterações do relaxamento; além do mais, E/Vp pode ser normal apesar de pressões de
enchimento elevadas. Outras limitações com Vp incluem dificuldade de
reprodutibilidade devido à variabilidade induzida pelo posicionamento do cursor do
modo-M, a seleção da linha de base escala de cor, e a própria medida da rampa. A Vp
não pode ser aplicada na presença de obstrução mecânica do fluxo12.

Fluxo de veias pulmonares(FVP)

Durante anos têm sido grandes os esforços para melhor obtenção do fluxo de veias
pulmonares. Estudo12 demonstrou que medidas do FVP pelo ETT são possíveis e de
boa acurácia quando comparadas ao ETE. Outro estudo13 sugeriu que é possível obter
imagens de alta qualidade do FVP em 90% dos pacientes pelo ETT com a tecnologia
atual, educação profissional e pratica diária. A injeção de contraste pode melhorar a
obtenção da imagem13.

Técnica

Tipicamente a imagem é obtida pelo apical de quatro câmaras. Pode ser vantajoso usar
o Doppler colorido na parede posterior do AE para se identificar melhor a origem das
veias pulmonares. Geralmente nesta posição, a veia pulmonar posterior direita é melhor
visualizada. O volume de amostragem deve ser posicionado entre 1cm a 2cm no interior
da mesma, sendo o Doppler pulsado usado para a obtenção. O FVP normal (Figura 29)
consiste em uma onda sistólica S, seguida por uma diastólica D, e por fim uma do fluxo
reverso atrial AR8,13.
Figura 29
Fluxo de veias pulmonares. Classificação ecoDopplercardiográfica da disfunção diastólica.
Fonte: adaptado com permissão da Associação Médica Americana

Em indivíduos normais livres de doenças, a velocidade do fluxo sistólico tipicamente


se iguala ou excede a do fluxo diastólico. Para pacientes em ritmo sinusal existe um
fluxo reverso pequeno e de baixa velocidade coincidente com a sístole atrial8,13.

Com aumento da rigidez e diminuição da complacência do VE, o esvaziamento do AE


torna-se incompleto durante a diástole, resultando em depressão da onda D do FVP. Por
essa razão, no momento da sístole, a pressão e o volume atriais esquerdos estarão
elevados, resultando em diminuição do fluxo para o interior do AE (das veias
pulmonares) durante a contração ventricular, que se reflete com uma depressão do fluxo
sistólico e um relativo aumento do fluxo diastólico; isto se deve ao grande fluxo
oriundo das veias pulmonares desaguar no AE durante a diástole, juntamente com o
esvaziamento do AE.

O esvaziamento incompleto e o aumento da pressão do AE resultam em exagerada


elevação tanto da velocidade quanto da duração da onda AR. As velocidades de pico
sistólico e diastólico do FVP não acrescentam nenhum valor na avaliação da função
diastólica, pois são volume-dependentes, enquanto a velocidade e duração da onda de
reverso atrial fornecem valor incremental na avaliação da função diastólica. A duração
da onda AR da veia pulmonar pode ser comparada com a duração da onda A do fluxo
mitral. Estudos recentes demonstram que uma velocidade de onda AR >35cm/s e uma
duração da onda AR maior que a duração da onda A do fluxo mitral de mais 30ms, são
preditivos de aumento da pressão de AE >15mmHg, observados em disfunção
diastólica moderada a grave8,13.
Limitações

Por causa da complexa interação entre relaxamento ventricular e pressão de AE, o fluxo
transmitral e de veias pulmonares não podem detectar pressões de enchimento elevadas
em corações normais submetidos à sobrecarga de volume, como nas regurgitações
mitrais agudas. Essas velocidades são ainda muito limitadas na ausência de ritmo
sinusal e não podem ser usadas para avaliar a função diastólica na presença de
obstrução do influxo mitral.

Existem inúmeras variáveis fisiológicas que irão afetar o FVP, dentre elas: idade, pré-
carga, função de VE, condução AV e frequência cardíaca. A avaliação do FVP não pode
ser considerada uma técnica independente e deveria ser analisada em conjunto com
outras técnicas8,13.

Medidas de deformação

A palavra strain significa deformação e pode ser calculado usando-se diferentes


fórmulas. Em cardiologia clínica, strain é geralmente expresso por fração ou
porcentagem. Strain sistólico representa porcentagem de encurtamento quando as
medidas são realizadas no eixo longo e porcentagem de espessamento radial no eixo
curto. Strain rate sistólico representa a taxa ou velocidade de encurtamento ou
espessamento miocárdico, respectivamente. O strain e strain rate miocárdico são
parâmetros excelentes para quantificação da contratilidade regional e podem fornecer
informações importantes na avaliação da função diastólica14.

Até recentemente, a RNM com o tagging tecidual era a única forma de se avaliar o
strain miocárdico, porém sua complexidade e custo elevados limitavam-na a apenas
protocolos de pesquisa. Strain miocárdico derivado do Doppler tecidual foi
introduzido como um método clínico de avaliação à beira do leito. Strain pode também
ser avaliado pelo speckle-tracking bidimensional, uma tecnologia emergente que
mensura strain através da marcação de pontos em escala de cinza nas imagens
ecocardiográficas.

Os speckles funcionan como marcadores acústicos naturais, que podem ser


identificados quadro a quadro, e velocidade e deformação são obtidos através de
medidas automáticas da distância entre os pontos. A metodologia é ângulo-
independente, portanto as medidas podem ser obtidas de múltiplas regiões
simultaneamente. Limitações ao strain incluem interferência do sinal14.
Estudos sugerem13,14 que o strain e o strain rate podem fornecer informações
essenciais sobre a função diastólica. Essa inclui a quantificação do strain miocárdico
pós-sistólico como medida de encurtamento pós-ejeção no miocárdio isquêmico e
strain rate diastólico regional, que pode ser usado para avaliar a rigidez diastólica
durante o atordoamento miocárdico e infarto14.

Poucos estudos têm demonstrado uma boa correlação entre o strain rate diastólico
inicial segmentar e global e a constante do tempo de relaxamento do VE (tau). Um
estudo recente que combinou strain rate miocárdico global e durante o período de
relaxamento isovolumétrico (pelo speckle tracking) e velocidades de fluxos
transmitral, demonstrou que a relação da velocidade de E mitral / strain rate
miocárdico global prediz elevação das pressões de enchimento do VE nos pacientes em
que a relação E/e’ foi inconclusiva e foi mais acurada que E/e’ em pacientes com fração
de ejeção normal e naqueles com disfunção regional. Então, a avaliação da função
diastólica pela deformação é promissora, mas necessita de mais estudos para seu valor
clínico14.

Twist ou Torção

O twisting do VE (torção) é devido à contração de fibras orientadas obliquamente no


subepicárdio, que tomam direção ao ápice em sentido anti-horário. Entretanto, quando
visualizado do ápice para base, o ápice do VE apresenta uma rotação sistólica anti-
horária e a base rotação horária. O untwisting se inicia no fim da sístole, mas grande
parte ocorre durante o período de relaxamento isovolumétrico e é quase totalmente
finalizado no momento em que a valva mitral se abre. A taxa de untwist é
frequentemente referida como taxa de recoil. O twist ou torção apresenta importante
papel na função sistólica normal do VE, e o untwist diastólico contribui para o
enchimento ventricular através da sucção gerada14.

Devido às medidas do untwist do VE serem possíveis apenas com RNM com tagged e
outras metodologias complexas, existe ainda evidências limitadas de como a
quantificação do untwist, twist e rotação podem ser aplicados na prática clínica. Com a
recente introdução do speckle-tracking, torna-se possível quantificar a rotação, twist e
untwist do VE. A torção do VE é calculada através da diferença entre a rotação basal e
apical do mesmo, aferido através das imagens de eixo curto. O valor clínico da
avaliação da taxa de untwist não está definido. Concluindo, as medidas das taxas de
twist e untwist do VE, apesar de não serem recomendadas na prática clínica e além de
estudos adicionais serem necessários para suas potenciais aplicações clínicas, pode se
tornar uma importante ferramenta para avaliação da função diastólica no futuro14.

Volume do átrio esquerdo

O crescimento do AE, pela sua associação à falência ventricular, arritmias atriais e


AVE, é um marcador de desfechos clínicos adversos. O diâmetro anteroposterior do
átrio esquerdo, obtido pelo modo-M, era inicialmente o único método não invasivo
para se obter o tamanho dele (Figura 30). Porém, para que essa medida unidimensional
represente com acurácia o verdadeiro tamanho do AE, deve ser assumido que a mesma
suporta uma relação consistente com outras medidas. Novos trabalhos têm demonstrado
que o crescimento anteroposterior do AE é limitado pelo esterno e coluna torácica. Por
isso, o diâmetro anteroposterior é passível de subestimar o tamanho real do AE15,16.

Figura 30
Medida do AE ao modo-M.
O AE serve como reservatório para o sangue drenado das veias pulmonares durante a
sístole ventricular, e como condutor desse sangue durante o início da diástole. No final
da diástole, o átrio esquerdo funciona como uma bomba muscular para completar o
processo de enchimento ventricular antes da contração e fechamento da valva mitral.
Então mudanças no tamanho e volume do AE refletem esse contínuo processo de
enchimento e esvaziamento e tem sido tópico de intensos estudos envolvendo técnicas
da ecocardiografia bidimensional15,16.

Durante a diástole ventricular, o AE está diretamente exposto às pressões do VE


através de uma valva mitral aberta. O tamanho do AE é então fortemente determinado
pelos mesmos fatores que influenciam o enchimento diastólico do VE. Apesar de existir
claramente relação entre as medidas do AE e o seu volume, nenhuma medida simples
pode fornecer informação completa sobre o real tamanho do AE17-21.

Existem vários métodos para avaliação do volume do AE, entre eles os mais frequentes
são:

1. Área /comprimento: Usando essa técnica, a área do AE é medida pela


planimetria do apical de 2 e 4 câmaras (Figura 31). Então o seu comprimento
é medido desde o centro do anel mitral até a borda superior do AE (onde
deve ser considerado o mesmo em ambas as projeções). O volume do AE é
então calculado15: Vol.AE= (0,85 * A1 * A2) / L.
2. Método dos discos (Simpson): A cavidade é arbitrariamente dividida em
inúmeros segmentos, cada qual da mesma altura (Figura 32). A altura de cada
disco é definida pela divisão de toda a altura pelo respectivo número de
discos15. Volume total = Σ π r² × h
3. Elipsoide prolata: esta abordagem prática assume que o átrio esquerdo pode
ser semelhante à uma elipsoide prolata (Figura 33). A fórmula para essa
estrutura é15: Vol.AE = (D1* D2* D3)* 0,523. Os três diâmetros incluem o
diâmetro anteroposterior do paraesternal de eixo-longo, e os dois diâmetros
ortogonais do apical de quatro câmaras15.
4. Método do cubo: O volume é derivado através de uma medida do AE ao
modo-M, considerando-se o mesmo com a forma de um cubo17: Vol.AE =
4/3 r³ (r = d/2)
Figura 31
Método da Área / comprimento.
Fonte: adaptado de Ujino et al.15
Figura 32
Método dos discos (Simpson).
Fonte: adaptado de Ujino et al.15
Figura 33
Método da elipsoide prolata.
Fonte: adaptado de Ujino et al.15

A influência do tamanho corporal no volume do AE é tipicamente corrigida pelo seu


índice de massa corporal (IMC). O modo mais utilizado e recomendado é o de se
indexar pela superfície corporal. O volume absoluto do AE também fora demonstrado.
Porém, na prática clínica indexar pela superfície corporal leva em consideração
variações no tamanho corporal, e então deve ser usado17.

Uma média do índice do volume do AE para um subgrupo de pacientes sem


anormalidades diastólicas detectáveis foi de 22±5ml/m², e havia uma relação gradual
entre o índice de volume do AE e disfunção diastólica conforme a Tabela 316,17.

Tabela 3
Parâmetros ecocardiográficos de acordo com o estágio da disfunção diastólica

TRIV=tempo de relaxamento isovolumétrico; TD=tempo de desaceleração; FE=fração de ejeção; PSAP=pressão


sistólica da artéria pulmonar; Vol AE= volume do átrio esquerdo; VE=ventrículo esquerdo; E=onda E; e=onda e;
Ar=onda A reversa; A=onda A; ASC=área superfície corporal; VP=veias pulmonares; E’=onda E’; E/A=relação onda
E/onda A; E/e’=relação onda E/onda e’; E/E’=relação onda E/onda E’

Nesse mesmo grupo o índice de volume de AE≥32 ml/m² foi 100% específico para
detectar alteração da função diastólica, apesar de a sensibilidade ser reduzida para
67%; o índice de volume de AE também se correlacionou bem com a relação E/E’ do
Doppler tissular: quanto maior o volume do AE maiores as pressões de enchimento
como indicado pela relação E/E’ (Tabela 3 e Figura 34).

Figura 34
Relação entre índice de Vol. AE e Rel. E / E’)
Fonte: adaptado de Tsang et al.16

Um índice de volume de AE≥34ml/m² diferenciou a presença de elevação das pressões


de enchimento com 86% de sensibilidade e 66% de especificidade16.

O volume do AE sendo um barômetro de surgimento de uma disfunção diastólica em


pacientes sem fibrilação atrial ou doença valvular significativa, um limite de
VAE≥32ml/m² identifica pacientes cujas funções diastólicas estão significativamente
anormais17-21.

O volume do AE é uma medida de cronicidade e gravidade de disfunção diastólica e


menos dependente de carga. Então, o átrio esquerdo se dilata em resposta a um
persistente aumento das pressões de enchimento do VE e AE no tempo. Em contraste, os
parâmetros de influxo mitral são mais dependentes de carga, flutuam mais, e são mais
representativos de condições imediatas. Conjuntamente essas medidas
ecocardiográficas fornecem informações prognósticas importantes e complementares.
Em conclusão, o volume de átrio esquerdo vem complementar os diversos parâmetros
de avaliação da função diastólica17-21.

Abordagem prática da função diastólica

Quando a qualidade técnica for adequada e os achados não forem equivocados, o laudo
deve fornecer uma conclusão a respeito das pressões de enchimento do VE e a presença
e estadiamento da função diastólica7.. Apresentam-se os fluxogramas para estadiamento
da função diastólica (Figura 35), estimativas das pressões de enchimento em pacientes
com FE preservada (Figura 36) e deprimida (Figura 37).

Figura 35
Estadiamento da função diastólica.
Figura 36
Estimativa da pressão de enchimento do VE em pacientes com FE normal.

Figura 37
Estimativa da pressão de enchimento do VE em pacientes com FE reduzida.

Abordagem compreensiva das pressões de enchimento em populações especiais


(Tabela 4) é recomendada em todos os casos, e conclusões não devem ser baseadas em
medidas singulares. Os comentários sobre especificidade referem-se a preditores de
pressões de enchimento >15mmHg.
Tabela 4
Avaliação das pressões de enchimento em populações especiais.

Fonte: adaptado de Nagueh et al.14

Em conclusão, apesar da quantidade de trabalhos publicados, a avaliação da função


diastólica de forma não invasiva através da ecocardiografia cada vez mais se torna
ferramenta fundamental na avaliação do paciente cardiopata. Nota-se a concordância
dos autores no que diz respeito à avaliação bidimensional das cavidades cardíacas, que
nos permitirá extrair valiosas informações a respeito da hipertrofia ventricular
esquerda e volume atrial esquerdo, que serão somados com os demais achados ao
Doppler7,14.

Apesar da pequena divergência entre os valores absolutos das variáveis


ecocardiográficas propostas por cada autor nesta revisão, a análise do conjunto das
variáveis sem dúvida é a forma mais correta de avaliação da disfunção diastólica como
já foi demonstrado7,14,22.

Quanto à classificação da função diastólica, diferentes formas de estagiar a mesma


foram propostas. Propõe-se14,22 a classificação em estágio de I a IV, o que difere da
atual proposta em três estágios (I, II e III), sendo o estágio III subdivido em reversível
ou irreversível de acordo com a resposta à manobra de Valsalva 14,22.

A relação entre os estágios da disfunção diastólica, elevação das pressões de


enchimento e prognóstico nem sempre é regra, como acontece nas diferentes formas de
HVE, principalmente na miocardiopatia hipertrófica, onde se pode encontrar elevadas
pressões de enchimento com padrão de enchimento estágio I22.

Existe um grupo de pacientes não classificáveis pela atual diretriz de avaliação da


função diastólica proposta pela Sociedade Americana de Ecocardiografia23, em que os
pacientes com Doppler tecidual reduzido, relação E/A e pressões de enchimento normal
assemelham-se ao padrão pseudonormal, porém o volume do AE normal e apenas a
duração da onda A do fluxo mitral (Adur) menor do que a duração da onda A reversa
(ARdur) do fluxo de veias pulmonares tornam-nos um grupo peculiar, que deverá ter
seu espaço nas próximas diretrizes.

Deve-se considerar que a avaliação da função diastólica não deve ser interpretada com
a observação de uma única variável de forma isolada, mas sim com o conjunto das
mesmas.

Em decorrência do grande avanço tecnológico e consequente difusão na prática clínica,


novas técnicas de avaliação da função diastólica se impõem. Portanto uma avaliação
sistemática dos parâmetros mais difundidos e das sólidas evidências científicas servirá
como importante ferramenta clínica facilitadora da comunicação entre o médico
assistente e o ecocardiografista.

9. Como fazer de modo sistemático a avaliação e diagnóstico ecocardiográfico das


doenças da aorta23?

A importância da rotina ecocardiográfica na avaliação da aorta se deve ao fato de que,


excetuando-se as lesões agudas da aorta – síndromes aórticas agudas - a maioria é
silenciosa e se constitui em importante causa de mortalidade e morbidade
cardiovascular.

A ecocardiografia é importante no diagnóstico e seguimento das doenças da aorta. A


avaliação da aorta faz parte da rotina do exame ecocardiográfico. Ecocardiograma
transtorácico (ETT) ao corte paraesternal longitudinal permite a avaliação adequada de
vários segmentos da aorta em particular da raiz e da aorta ascendente proximal
(Figura 38).
Figura 38
Corte paraesternal longitudinal
1.Anel aórtico; 2. Seio de Valsalva; 3. Junção sinotubular; 4. Aorta tubular ascendente.
Ecocardiograma transesofágico (ETE) é a técnica de escolha na avaliação da aorta
torácica e fornece imagens de alta resolução de toda a aorta torácica, exceto de uma
pequena porção ascendente distal próxima à artéria inominada. Ele supera as limitações
do ETT na avaliação da aorta torácica. As duas modalidades de ecocardiogrma devem
ser complementares, quando se trata de aorta. O ecocardiograma é útil para avaliar o
diâmetro da aorta, as propriedades biofísicas e envolvimento aterosclerótico da aorta
torácica. O ETE é a técnica de escolha para o diagnóstico de dissecção aórtica e o ETT
pode ser utilizado como modalidade inicial no cenário de emergência.

Flap intimal na aorta ascendente proximal, derrame e/ou tamponamento pericárdico e a


função ventricular esquerda podem ser facilmente visualizados por ETT. No entanto, um
ETT negativo não exclui a dissecção da aorta, e outras técnicas de imagem devem ser
consideradas. O ETE deve definir local de entrada do rasgo, mecanismos e gravidade
da regurgitação aórtica, e compressão da luz verdadeira. Além disso, o ecocardiograma
é essencial na seleção e monitoramento do tratamento cirúrgico e endovascular e na
detecção de possíveis complicações.

Embora outras técnicas de imagem como a tomografia computadorizada e a ressonância


magnética tenham maior campo de visão e possam resultar em informações
complementares, o ecocardiograma é portátil, rápido, preciso e de custo-benefício no
diagnóstico e no acompanhamento da maioria das doenças da aorta.

Ao se realizar as medidas da aorta, é preferível fazê-lo em 2D e não no modo-M. A


aorta deve ser medida ao nível do anel - em sístole, e as demais medidas em diástole
máxima, que seriam ao nível do seio de Valsalva, na junção sinotubular e aorta tubular
ascendente proximal, bordo interno para bordo interno (Figura 39).
Figura 39
Os três segmentos da aorta torácica e suas medidas com correção para área de superfície corporal.

Valores de referência

O ETT permite uma precisa e reprodutível medida dos diâmetros da raiz aórtica e parte
proximal da aorta ascendente. A relação entre diâmetro da aorta (em nível de seio de
Valsalva), idade e área de superfície corporal (ASC) seria considerada quando se
definem valores normais1,24,25. Assim, pode-se estratificar em três grupos etários:
Grupo A: menores de 20 anos; Grupo B: 20-40 anos e Grupo C: acima de 40 anos
(Figura 40).
Figura 40
Valores de referência da aorta em nível de seio de Valsalva, relação com grupo etário e área de superficie corporal.

Devido à sua melhor visualização, o ETE é a modalidade de escolha para medir o


diâmetro do arco aórtico (eixo longo) e da aorta descendente (eixo curto).

Os valores de normalidade dos vários segmentos da aorta, absoluto e indexado para a


área de superficie corporal são mostrados na Figura 38 e Tabela 5.

Tabela 5
Valores normais dos segmentos aórticos.

Em conclusão, deve-se procurar visualizar a aorta em todos os planos possíveis, porém


se as informações são inconclusivas ou anormalidades estão presentes, outra
modalidade de imagem torna-se necessária para complementar ou adicionar informação
diagnóstica.
Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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APLICAÇÕES CLÍNICAS DA
CINTILOGRAFIA DE PERFUSÃO
MIOCÁRDICA

Andrea De Lorenzo
Claudio Tinoco Mesquita

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 75 anos, branca, do lar, natural do RJ.
Queixa principal: “Aperto no peito”
HDA: Paciente com história de “aperto” na região precordial durante os esforços,
aliviada com repouso, há três meses. Procura cardiologista para investigação.
HPP: Dislipidemia, em uso de atorvastatina.
História familiar: Desconhece coronariopatia na família
História social: Nega tabagismo

Exame clínico: sem alterações


PA =120x80mmHg; FC =70bpm; RCR 3T B4, sem sopros

Exames complementares:
ECG de repouso: BRD de 2º grau
Radiografia de tórax em PA e perfil: normal
Ecocardiograma: normal
Teste ergométrico: atingiu 70% da FC máxima prevista (4,5 equivalentes metabólicos),
assintomática e com ECG normal.
Endoscopia digestiva alta: esofagite leve

Foi iniciado tratamento com esomeprazol, tendo apresentado melhora parcial do


sintoma. Julgando afastado o diagnóstico de doença cardíaca, o cardiologista a
encaminhou para o clínico geral, que decidiu prosseguir a investigação, solicitando
cintilografia miocárdica com estresse farmacológico.

Cintilografia miocárdica com dipiridamol:


Teste de estresse farmacológico com administração de 0,568mg/kg de dipiridamol
intravenoso em 4 minutos. Administrado o radiotraçador no pico do estresse
farmacológico. Feita aminofilina 240mg IV ao término do exame.

Análise do ECG de repouso e monitorização pré-esforço:


Ritmo sinusal com alterações difusas da repolarização ventricular (Figura 1).

Figura 1
ECG de repouso da paciente relatada.

Manifestações clínicas:
Apresentou dor torácica típica e náuseas durante o estresse, que cederam após a
administração de aminofilina IV.
Análise do ECG:
O eletrocardiograma durante o estresse demonstrou infradesnível do segmento ST
descendente de até 3,0mm nas derivações DII, DIII, aVF e de V3 a V6 e supradesnível
do segmento ST de 2,0mm em aVR e V1 (Figura 2). Apresentou BAV de 1° grau e
ectopias supraventriculares frequentes durante o estresse e recuperação (Figura 3).
Figura 2
Traçado eletrocardiográfico no pico do estresse farmacológico.

Figura 3
Traçado eletrocardiográfico da recuperação pós-estresse farmacológico.

As imagens cintilográficas (Figura 4) demonstraram extenso defeito de perfusão apical,


anterior, anterosseptal e anterolateral, com padrão reversível.
O mapa polar (Figura 5) quantificou uma área de defeito reversível de 28% do
ventrículo esquerdo.

4A
4B

4C

Figura 4 (A, B, C)
Imagens cintilográficas.
Em A: eixo curto
Em B: eixo longo horizontal
Em C: eixo longo vertical

Figura 5
Mapa polar e quantificação do defeito perfusional demonstra a extensa área de reversibilidade.

A paciente foi encaminhada para coronariografia, que demonstrou lesão grave da


artéria descendente anterior proximal (Figura 6).
Figura 6
Cineangiocoronariografia demonstrando lesão grave proximal da artéria descendente anterior.

OBJETIVOS
1. Discutir a utilidade diagnóstica e prognóstica da cintilografia de perfusão
miocárdica.
2. Analisar o uso e as aplicações do estresse farmacológico na cintilografia
miocárdica.
3. Descrever os achados cintilográficos de alto risco e suas implicações na
tomada de conduta clínica.
4. Discutir a avaliação quantitativa da perfusão miocárdica, suas vantagens e
limitações.

PERGUNTAS
1. Qual a finalidade da cintilografia miocárdica neste caso, dado o teste
ergométrico normal?

A cintilografia miocárdica de perfusão, concebida há mais de três décadas como


método para a detecção de doença arterial coronariana (DAC), já teve seu valor
diagnóstico consagrado1-3. A sensibilidade e a especificidade para diagnóstico de
doença coronariana significativa (lesões acima de 75% do diâmetro vascular),
confirmadas por coronariografia, foram estimadas em, respectivamente, 85% e 89%1.
Este método possui sensibilidade superior à do TE para diagnóstico de isquemia
miocárdica4. Além disso, no caso descrito, um TE submáximo sem critérios para
isquemia não é capaz de afastar o diagnóstico de DAC.

A American College of Cardiology Foundation (ACCF) e a American Society of


Nuclear Cardiology (ASNC)5 publicaram, em 2005, os Appropriateness Criteria for
Single-Photon Emission Computed Tomography Myocardial Perfusion Imaging que
podem ser traduzidos livremente para o português como Critérios de Adequação para
Cintilografia de Perfusão Miocárdica. Em junho de 2009, a publicação de uma segunda
versão revisada e atualizada recebeu uma nova denominação: Appropriate Use Criteria
for Cardiac Radionuclide Imaging5. Este novo documento veio aprimorar alguns itens
da classificação anterior e preencher algumas lacunas encontradas no primeiro
documento.

Os critérios de adequação são compostos por cenários ou indicações clínicas que


englobam a maioria dos casos observados em testes cardiovasculares de medicina
nuclear. Cada um desses cenários apresenta uma pontuação, sendo de 7 a 9 classificado
como adequado (o teste geralmente é aceitável e é uma razoável abordagem para o
cenário); de 4 a 6, incerto ou possivelmente adequado, podendo ser aceito, ou seja, uma
abordagem razoável para a indicação (incerteza também implica a necessidade de mais
investigação ou informações dos doentes para a classificação definitiva em adequado
ou não e para atualizar os critérios); de 1 a 3, inadequado, não sendo uma abordagem
razoável para a indicação.

Os critérios de adequação foram criados pelo American College of Cardiology5 em


conjunto com várias sociedades médicas, seguindo o método Delphi modificado
utilizado pela RAND/UCLA em que são seguidos quatro passos: (a) listagem de
situações clínicas em que o exame pode ser empregado; (b) revisão das indicações
clínicas por um painel de especialidades interdisciplinar com pontuação das
indicações; (c) encontro do painel de especialistas com ampla discussão das indicações
clínicas e nova pontuação e (d) tabulação das indicações com seu respectivo escore5.
No caso em questão, a indicação de realização de cintilografia miocárdica em paciente
com probabilidade intermediária de DAC e com incapacidade de se exercitar a ponto
de realizar um teste ergométrico conclusivo é considerada como grau de adequação A
(apropriado) com escore 9, ou seja, é uma indicação consensual para o uso da
cintilografia de perfusão miocárdica.

2. Quando e por que indicar o estresse farmacológico? Quais os tipos de estresse


farmacológico disponíveis? O que se deve esperar durante o estresse com
dipiridamol?

O estresse farmacológico é uma alternativa para pacientes com impossibilidade de se


exercitar ou que não são capazes de atingir níveis adequados de exercício, importante
variável para a adequada interpretação das imagens. A não obtenção da frequência
cardíaca submáxima durante o teste ergométrico pode causar redução da sensibilidade
do exame para a detecção de isquemia, ou subestimar a extensão e/ou a intensidade dos
defeitos de perfusão reversíveis6,7.
O estresse farmacológico pode ser realizado através de vasodilatadores (adenosina,
dipiridamol e outros, mais modernos, como o regadenoson) ou dobutamina. Os
vasodilatadores atuam de forma a induzir um desequilíbrio do fluxo sanguíneo
coronariano na presença de estenoses coronarianas (vasos com estenoses
hemodinamicamente significativas apresentam-se com reserva vasodilatadora reduzida,
o que na vigência da droga vai determinar “roubo de fluxo”). A sensibilidade e a
especificidade da cintilografia com estresse farmacológico se assemelham às obtidas
após esforço físico8.

O dipiridamol, bastante usado na prática médica, tem como efeitos colaterais cefaleia,
rubor facial, desconforto torácico, hipotensão, bloqueio atrioventricular e
broncoespasmo, sendo contraindicado em pacientes com broncoespasmo em atividade
ou recente. Cafeína e metilxantinas são antagonistas do dipiridamol, sendo necessária
sua suspensão por pelo menos 24 horas antes do exame. A adenosina possui ação mais
rápida, mas ainda proporciona efeitos colaterais frequentes, o que tem sido reduzido
significativamente com as novas drogas como o regadenoson.

A ocorrência de desconforto torácico durante o efeito do dipiridamol é bastante


frequente e, em geral, atribuída à ação vasodilatadora dessa droga, sendo revertida com
aminofilina, um antagonista do dipiridamol. Eventualmente a dor pode ter
características mais típicas de dor anginosa, não desaparecendo com aminofilina, mas
apenas com o uso de nitratos. O infradesnivelamento do segmento ST induzido por
vasodilatadores é indicativo da presença de DAC extensa e grave9.

3. Como é obtido o percentual de defeito isquêmico e qual a utilidade dessa


medida?

A cintilografia miocárdica pode ser analisada de diversas formas. A análise qualitativa


das imagens depende da inspeção visual da distribuição do radiotraçador nos
segmentos do ventrículo esquerdo nas fases de estresse e repouso, verificando se
obedece ao padrão estabelecido através de trabalhos experimentais e clínicos. A
análise semiquantitativa utiliza um escore no qual se atribui um valor numérico para
cada segmento, proporcional ao grau de captação, comparando posteriormente os
somatórios dos valores nas duas fases. Já o método quantitativo se baseia na
mensuração das contagens obtidas na topografia do miocárdio do ventrículo esquerdo,
através de programas de quantificação10.
A quantificação dos defeitos perfusionais é possível através de softwares que
comparam as imagens do paciente estudado com bancos de dados de imagens de
indivíduos normais e com padrões de perfusão correspondentes a diferentes graus de
doença coronariana, de forma a avaliar se o padrão de perfusão do paciente se
enquadra nos padrões normais ou anormais, de acordo com o sexo e tipo de protocolo
de exame realizado.

Esse tipo de análise tem se mostrado útil na avaliação evolutiva de pacientes


submetidos a intervenções coronarianas (por exemplo, angioplastia ou cirurgia de
revascularização) ou em exames seriados de pacientes em tratamento clínico da DAC,
de forma a julgar se a extensão da isquemia foi reduzida ou se está mantida; diversos
estudos utilizaram essa técnica para avaliação da eficácia dos tratamentos. Além disso,
funciona como uma “segunda opinião” para o médico que analisa o exame. Todavia,
possui limitações, principalmente por serem empregados bancos de dados de pacientes
de populações diferentes, cujos biotipos podem determinar padrões de perfusão
diferentes dos brasileiros, interferindo potencialmente nos resultados da quantificação.
De forma geral, se empregada judiciosamente, a análise quantitativa da perfusão
oferece dados adicionais à interpretação do exame, tanto para o observador quanto para
o clínico.

4. Que dados da cintilografia indicam que o paciente é de alto risco?

A importância da cintilografia na estratificação do risco cardíaco é bem


reconhecida11,12. Uma cintilografia normal se associa a taxas de morte e IAM menores
que 1%/ano13. A presença de defeitos de perfusão induzidos por estresse físico ou
farmacológico causa aumento significativo do risco de eventos cardíacos13,14,
superando a avaliação de dados clínicos, como sexo e tipo de dor torácica, e também a
de variáveis do teste ergométrico, na determinação de eventos cardíacos. A intensidade
do defeito e o número de territórios anormais são indicadores independentes de
prognóstico adverso15.

No estudo de Iskandrian et al.16, a extensão do defeito de perfusão avaliado pelo


SPECT foi a variável mais importante para predizer morte e infarto agudo do
miocárdio (IAM), e informações anatômicas obtidas na cineangiocoronariografia não
aumentaram significativamente a capacidade de predizer eventos.

Outros achados, como a captação pulmonar do Tl-201 após esforço, também são
capazes de prever eventos cardíacos adversos (morte e IAM não fatal)17. A captação
pulmonar do Tl-201 indica a ocorrência de disfunção ventricular esquerda, seja ela
crônica ou aguda (isquêmica, induzida pelo estresse). A dilatação isquêmica transitória
do VE também traduz a ocorrência de isquemia extensa, sendo seu mecanismo
relacionado provavelmente à ocorrência de isquemia subendocárdica difusa18.

5. A cintilografia miocárdica serve exclusivamente para a investigação /


estratificação de risco de DAC? Em que contextos pode ser empregada?

A cintilografia miocárdica é mais frequentemente empregada na análise da perfusão


miocárdica e, portanto, na avaliação da DAC; nesse contexto também se enquadra o
estudo da viabilidade miocárdica na cardiopatia isquêmica, sendo empregados
protocolos e agentes radiotraçadores específicos. Além disso, possui outras utilidades
fora do cenário da DAC, como a avaliação da inervação cardíaca através do estudo
com metaiodobenzilguanidina, empregado, por exemplo, na investigação de miocardites
e na síndrome de Takotsubo. O uso de imagens moleculares na aterosclerose se
encontra em evolução, e seu maior desenvolvimento poderá permitir a detecção de
placas ateroscleróticas vulneráveis e com potencial instabilização.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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TC DO CORAÇÃO: ESCORE DE CÁLCIO E
ANGIO-TC CORONARIANA

Ilan Gottlieb
Marcelo Hadlich

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 52 anos, queixa-se há um mês de dor torácica opressiva sem
irradiação, que aparece no início da atividade física e passa após alguns minutos e
também aparece esporadicamente em repouso.

Fatores de risco cardiovascular: estresse intenso no trabalho e ex-tabagismo três


maços-ano na adolescência. Col total =180mg/dl; LDL-c =123mg/dl; HDL =41mg/dl;
TG =80mg/dl. Peso =57kg; Altura =1,75m.

Exame clínico: considerado normal, assim como o ECG de repouso no consultório.


Exames laboratoriais básicos: normais.

O paciente realizou angiotomografia de artérias coronárias em tomógrafo de 256


canais, com uso de nitroglicerina sublingual, 50ml de contraste venoso e protocolo de
controle agressivo da dose de radiação, calculada em 0,7mSv. A angioTCC revelou
mínima irregularidade no terço médio da DA e no terço proximal da Cx. Os outros
segmentos arteriais eram livres de lesões. Descartado com isso doença coronariana
como causa da precordialgia, nenhum outro exame foi realizado (Figura 1).

Figura 1
AngioTC coronariana do paciente relatado, mostrando as reconstruções das curvas dos vasos.
CD=coronária direita; DA=descendente anterior; Cx=circunflexa) e a reconstrução volumétrica 3D (colorida).

OBJETIVOS
1. Descrever a performance da angioTC coronariana no diagnóstico de doença
coronariana obstrutiva.
2. Identificar os grupos populacionais que se beneficiam da angioTCC na
investigação de DAC obstrutiva.
3. Analisar as limitações e contraindicações do método.
4. Avaliar o poder prognóstico da angioTCC.
5. Discutir como analisar e o que fazer com os resultados do exame.

PERGUNTAS
1. Qual a acurácia da angioTCC na avaliação de DAC obstrutiva?

A angioTCC é mais comumente utilizada na avaliação etiológica de dor torácica em


pacientes com suspeita de DAC obstrutiva, sendo hoje o exame não invasivo mais
acurado na detecção de obstruções coronarianas. Os dois mais importantes estudos
multicêntricos com tomógrafos de 64 canais, CorE641 e Accuracy2, demonstraram área
sob a curva ROC de 93% e 95%, respectivamente, para a habilidade da angioTCC em
detectar DAC superior a 50% em estenose, em comparação com o cateterismo
cardíaco.

Duas recentes meta-análises da avaliação de angioTCC em comparação com o


cateterismo cardíaco comprovam os resultados desses estudos. A primeira3, com 1300
pacientes, revela área sob a curva ROC de 98% de sensibilidade e especificidade de
89%. A segunda,4 que utilizou apenas estudos com tecnologia de aquisição prospectiva
e baixa dose de radiação (média de 2,7mSv), agrupou 16 estudos e encontrou razão de
verossimilhança positiva de 9,1 e negativa de 0,01. Isso significa que um estudo
positivo tem nove vezes mais chance de ser um verdadeiro-positivo que falso-positivo,
enquanto um estudo negativo tem 99 vezes mais chance de ser verdadeiro-negativo que
falso-negativo.

O paciente do caso clínico apresentado tem probabilidade pré-teste de DAC obstrutiva


estimada em 60%5. Caso ele apresente uma angioTCC positiva, tem probabilidade pós-
teste de DAC obstrutiva aumentada para aproximadamente 95%, enquanto uma
angioTCC negativa determina probabilidade pós-teste de aproximadamente 2%,
ressaltando uma excelente habilidade em excluir doença significativa.

2. Quais são as limitaçōes da angioTCC?

Artefatos gerados por estruturas densas como stents e calcificações são problemáticos
para a avaliação da angioTCC, uma vez que a representação por imagem dessas
estruturas tende a ser expandida na angioTCC, fazendo com que uma densa calcificação
possa, por exemplo, impedir a análise do lúmen residual do vaso (tecnicamente chama-
se de artefato de blooming).

Além disso, em paciente revascularizado com seis pontes e três stents, apresentando-se
com dor torácica, a chance de serem encontradas lesões moderadas e de difícil análise
pela angioTCC aumenta muito. Apesar de a angioTCC ter grande habilidade na
avaliação dos enxertos ou pontes em parte considerável dos casos, o responsável pela
clínica do paciente é alguma lesão no leito nativo. Nesses casos, o raciocínio
propedêutico não é o de excluir a doença, mas sim de confirmá-la, uma vez que a
probabilidade pré-teste é muito alta. Para isso, os exames funcionais são mais bem
indicados como primeiro exame - sendo a angioTCC indicada nos raros casos onde
ainda restar dúvida diagnóstica.

Apesar do aumento da dificuldade diagnóstica em pacientes com muitas placas


calcificadas, não se recomenda a contraindicação da angioTCC em paciente com escore
de cálcio acima de determinado valor, assim como não se muda a indicação do exame
com base na idade do paciente.

Pelo fato de a angioTCC ter resolução temporal inferior à do ecocardiograma, à da


ressonância magnética e à da cintilografia, para melhores resultados é importante que
os pacientes estejam com ritmo cardíaco regular e frequência cardíaca abaixo de
65bpm. Pacientes com fibrilação atrial ou taquicárdicos, incapazes de usar
medicamentos para controlar a FC (betabloqueadores ou bloqueadores de cálcio como
verapamil e diltiazem) têm maior chance de angioTCC não diagnóstica. No entanto,
novas tecnologias, como a alta cobertura com ≥256 canais e reconstrução iterativa,
minimizam esses artefatos.

3. A angioTCC é custo-eficaz como primeiro método de investigação diagnóstica?

Os custos médicos totais da investigação de DAC obstrutiva estão muito mais


relacionados com a realização de múltiplos exames seriados (por resultados
inconclusivos e confirmação diagnóstica) do que com os custos do primeiro exame
propriamente dito. Por exemplo, observem os seguintes números: o custo médio total de
um cateterismo diagnóstico nos EUA é aproximadamente 25.000 dólares com
mortalidade de 1,0%6 .

Em estudo7 recentemente publicado com 400.000 cateterismos, apenas 37% deles


apresentaram doença obstrutiva >50%, ou seja, 6 bilhões e 300 milhões de dólares
foram utilizados em exames desnecessários naquele ano. Se um exame qualquer
conseguisse evitar 10% dos cateterismos brancos, este exame de triagem, se aplicado
nos 400.000 pacientes, poderia custar até 15 mil dólares, e os custos seriam os mesmos
que aqueles sem o exame. Uma angioTCC custa em média 1/30 desse valor. A título de
comparação grosseira, uma angioTCC tem custo similar a uma cintilografia miocárdica
e a uma RM de estresse8-10.

Um teste ergométrico é mais barato do que uma angioTCC, mas sua baixa acurácia para
o diagnóstico de DAC obstrutiva (sensibilidade e especificidade próximas a 70% em
comparação com 95% e 90%, respectivamente) pode fazer com que o número de falso-
positivos (gerando mais exames desnecessariamente) e falso-negativos suplante o baixo
custo inicial do exame.

Mais importante que o custo ou a complexidade do exame inicial é a seleção dos


pacientes que se beneficiariam mais da angioTCC. Estudos demonstraram que a
angioTCC apresenta melhor custo-eficácia na detecção de DAC obstrutiva em pacientes
sintomáticos quando comparada com cintilografia miocárdica em pacientes com
probabilidade pré-teste baixa e intermediária, seja na sala de emergência seja em
caráter ambulatorial9-12. No entanto, pacientes com probabilidade intermediária-alta
(inclusive aqueles previamente revascularizados) seriam mais bem encaminhados
utilizando-se um teste funcional.

4. A informação funcional não é superior à anatômica? O que importa realmente


não é a isquemia? Qual a diferença na determinação de prognóstico entre as duas
abordagens?

Não há estudos demonstrando que a informação funcional é superior à informação


anatômica na determinação do prognóstico de pacientes com suspeita de DAC. Pelo
contrário, há múltiplos grandes estudos demonstrando que a avaliação anatômica
(invasiva pelo cateterismo ou não invasiva com angioTCC) é tão robusta quanto a
avaliação de isquemia13-16. A razão para isso provavelmente se deve ao fato de se
saber, já há muitos anos, que o responsável por arritmias que levam à morte no IAM, na
enorme maioria dos casos, é o binômio ruptura de placa e necrose tecidual. E não é
necessário isquemia para haver ruptura de placa; de fato, apenas 20% dos IAM
decorrem de placas ≥75% em estenose17. É necessário haver placa ateromatosa18
(salve os raros casos de trombose espontânea do vaso), fato que a angioTCC detecta
diretamente e os exames funcionais indiretamente por meio de isquemia.

Com grande certeza, sabe-se que a localização das lesões e seu grau de estenose são
importantes determinantes de prognóstico. Quanto mais proximal e mais severa é a
lesão, pior é o prognóstico do paciente. A informação anatômica isolada se mostrou tão
potente marcador prognóstico e guia terapêutico quanto as diretrizes de
revascularização miocárdica de pacientes com DAC crônica. Estas indicam a
revascularização do paciente com lesão de tronco de coronária esquerda e de lesão de
DA proximal mais um vaso, independente da informação anatômica.
Portanto, os estudos funcionais e os anatômicos estratificam o paciente de forma
semelhante: ambos localizam a lesão e determinam o grau de estenose. Quanto mais
extensa a área isquêmica mais proximal a lesão, e quanto mais intensa a isquemia, mais
estenótica é a lesão. Entende-se que ambos os estudos servem ao mesmo propósito; a
questão é a seleção ideal dos pacientes para um ou outro método, e é essa seleção o
motivo pelo qual os cardiologistas clínicos devem conhecer muito bem os métodos de
imagem.

São três os motivos principais de se enviar os pacientes com menor probabilidade pré-
teste aos estudos anatômicos (angioTCC) e de maior probabilidade para estudos
funcionais:

1) Os pacientes sintomáticos sem diagnóstico de DAC prévia, quando enviados à


angioTCC, têm uma excelente oportunidade de diagnosticar ateromatose subclínica não
obstrutiva, o que muda o manejo clínico do paciente;
2) Esses pacientes de menor probabilidade se beneficiam mais de um estudo com alta
sensibilidade com valores preditivos negativos altos - queremos afastar DAC - e para
isso a angioTCC é o melhor método disponível;
3) Pacientes com diagnóstico prévio de DAC e alta probabilidade pré-teste geralmente
possuem artérias coronárias mais calcificadas, stents e múltiplas lesões moderadas;
para eles, um estudo funcional tem melhor performance.

5. Escore de cálcio zero pode ser usado isoladamente para descartar doença
coronariana em pacientes sintomáticos?

Calcificação coronariana é apenas marginalmente associada à extensão da estenose


luminal coronariana, e é bem estabelecido que tanto lesões obstrutivas quanto não
obstrutivas, assim como trombose vascular sem aterosclerose, ocorrem sem
calcificação19. Estenoses significativas são frequentemente não calcificadas assim
como artérias muito calcificadas frequentemente não apresentam lesões obstrutivas. É
amplamente reconhecido o fato de o escore de cálcio prever eventos baseado na carga
aterosclerótica total, e não na identificação de lesões vulneráveis e/ou obstrutivas.

Levando em consideração o fato de estenose e calcificação coronarianas não serem


intimamente relacionadas, mas ambas serem bons preditores de eventos
cardiovasculares, como se pode resolver a aparente discrepância entre o excelente
prognóstico determinado por escore de cálcio em pacientes assintomáticos, mesmo
naqueles com estenose coronariana significativa? A resposta para esse paradoxo está na
prevalência da doença: doença coronariana obstrutiva em pacientes assintomáticos é
estimada em 1% numa mulher de 30 anos até 12% em homem de 70 anos20. Em
contraste, pacientes com sintomas de dor torácica atípica têm prevalência de doença
arterial coronariana obstrutiva de 12% em uma mulher de 30 anos e até 67% em um
homem de 70 anos. Ou seja, em pacientes assintomáticos, qualquer importância
prognóstica que a obstrução coronariana tenha é diluída por sua prevalência muito
baixa.

Mas esse não é o caso dos pacientes sintomáticos, cuja prevalência de doença
coronariana obstrutiva pode tender para o lado oposto, especialmente daqueles na sala
de emergência, cujos sintomas frequentemente são ocasionados por placas instáveis. Há
amplo reconhecimento da importância do correto diagnóstico de dor torácica na sala de
emergência.

Um subestudo do CorE64 (Coronary Evaluation using multidetector spiral computed


tomography angiography using 64 detectors)21 que analisou pacientes (geralmente
sintomáticos) com indicação de cineangiocoronariografia demonstrou que 19% dos
pacientes com escore de cálcio zero apresentavam pelo menos uma lesão ≥50% pela
medida quantitativa da angiogragia invasiva, 15% apresentavam pelo menos uma lesão
≥70% e 13% desses pacientes livres de calcificação foram revascularizados por
indicação clínica. Interessante ainda o fato de nesse estudo, 20% dos vasos
completamente ocluídos não apresentarem qualquer vestígio de calcificação,
demonstrando in vivo que calcificação é dispensável não apenas para obstrução
anatômica, mas também para ruptura da placa e oclusão do vaso. Este não é um achado
isolado. Recentemente o estudo CONFIRM22 com 23 mil pacientes confirmou que a
ausência de calcificação coronariana não é capaz de excluir obstrução significativa em
pacientes sintomáticos.

Outra razão pela qual o escore de cálcio isoladamente não é um teste adequado para
diagnóstico de doença coronariana na sala de emergência é a baixa prevalência de
escore zero nesses pacientes, sendo inferior a 20% na maior parte dos estudos. Como
só há interesse no resultado negativo (escore zero), fazer um teste que só rende
resultados úteis em apenas 20% dos casos é claramente longe do ideal23.

Finalmente, o escore de cálcio é um marcador indireto de estenose. Excluir doença


coronariana obstrutiva baseada em evidências indiretas dependeria criticamente na
prevalência de doença obstrutiva, o que dificulta a generalização dessa estratégia. A
quantificação da calcificação coronariana não é capaz de distinguir pacientes com e
sem síndrome coronariana aguda, sendo que um significativo percentual dos pacientes
com evento coronariano agudo apresenta EC baixo ou mesmo zero. Estudos mostram
que nesse tipo de paciente, o escore de cálcio geralmente subestima a carga total de
aterosclerose e não se constitui ferramenta confiável para se excluir ou confirmar
estenose coronariana significativa. Portanto, a determinação isolada do escore de
cálcio é bastante limitada e não recomendada para avaliação de pacientes com suspeita
de SCA na unidade de emergência.

6. Qual é a técnica básica de preparo do paciente?

A angioTCC consiste na aquisição de imagens “congeladas” na diástase diastólica do


coração. Como a diástole encurta à medida que o intervalo RR diminui, é importante
que a frequência cardíaca do pacientes esteja abaixo de 65bpm na aquisição das
imagens. Para isso são muito utilizados os betabloqueadores orais e venosos, os quais
se mostraram muito seguros e eficazes no controle da frequência. Idealmente, o paciente
deve tomar um betabloqueador oral como preparo para o exame - usualmente
prescreve-se 100mg de tartarato de metoprolol na noite anterior e na manhã do exame,
mas outros podem ser utilizados; se o paciente chega à clínica ainda com FC ≥65bpm,
administra-se metoprolol venoso. Asma leve não é considerada contraindicação para
betabloqueadores, mas os pacientes com asma grave podem ter sua FC diminuída com
bloqueadores dos canais de cálcio.

7. Todo exame positivo necessita ir para cateterismo cardíaco?

Sabe-se que apenas pacientes de alto risco se beneficiam de revascularização


coronariana. São eles: pacientes com lesões obstrutivas de tronco de coronária
esquerda, de DA proximal com outro vaso ou triarteriais5. Portanto, se a angioTCC
revela lesão severa >70% no terço distal da CD apenas, não seria errado só indicar o
cateterismo cardíaco se houver falha do tratamento anti-isquêmico. Esse raciocínio
pode ser estendido às lesões moderadas (50-70%) ou àquelas inconclusivas por
artefatos. Só se prosseguiria na investigação se essas lesões se localizassem em
territórios nobres como segmentos proximais ou TCE.

8. Como manejar o tratamento clínico dos pacientes na dependência dos resultados


da angioTCC?

Apesar de ser prática clínica incluir pacientes em alto risco clínico para eventos
cardiovasculares (≥20% em 10 anos) em protocolos de profilaxia secundária, não há
estudos randomizados demonstrando que essa estratégia diminui eventos ou é custo-
eficaz. Apesar da carência de estudos, é costume (inclusive amparados por diretrizes5)
titular a terapêutica dos pacientes de acordo com seu risco.

Esse raciocínio não deveria mudar se em vez de estratificação clínica, se utilizar


estratificação por métodos de imagem. O paradigma continua o mesmo: tratamentos
mais agressivos são geralmente reservados a pacientes de maior risco e o inverso
também é verdadeiro. Não importa se o paciente foi estratificado por Framingham ou
pela angioTCC, mas sim a categoria de risco cardiovascular na qual esse paciente se
encontra.

Esse discurso lógico não precisaria ser abordado, não fosse frequente a argumentação
que a angioTCC não deve ser usada para guiar o tratamento clínico porque não há
estudos que atestam o benefício dessa estratégia. Seria então também necessário não
guiar o tratamento clínico baseado em exame físico, dados laboratoriais,
eletrocardiograma e escores clínicos, uma vez que eles também não foram testados em
estudos clínicos. Vale dizer que o conceito a ser testado é o tratamento agressivo de
pacientes em alto risco, seja pela angioTCC ou por qualquer outro método.

Como se pode observar, a angioTCC é excelente ferramenta de estratificação de risco e


diagnóstico, superior a todos os escores clínicos isolados que já foram testados13-16.
Portanto, uma angioTCC de alto risco deve corroborar o tratamento do paciente dentro
de um protocolo de profilaxia secundária.

Estudos recentes demonstram que os seguintes achados na angioTCC classificam os


pacientes em alto risco cardiovascular: lesões ≥50% no TCE ou na DA proximal;
lesões ≥50% em dois ou mais vasos; e 5 ou mais segmentos coronarianos acometidos
por DAC obstrutiva ou não obstrutiva10,11,13.

De forma inversa, o prognóstico de pacientes com angioTCC completamente normal


(i.e. ausência de DAC obstrutiva ou não obstrutiva) determina excelente prognóstico
cardiovascular, com incidência de eventos cardiovasculares ≤0,1%/ano ou 1% em 10
anos15,24. Essa taxa baixíssima de eventos faz com que qualquer terapêutica para
prevenção de eventos a curto e médio prazos (por exemplo, com estatinas ou AAS)
tenha um NNT (número necessário para tratamento para prevenir um evento) muito alto.

9. Quais são os riscos envolvidos na realização da angiotomografia?

Há três riscos ao paciente a serem ponderados quando se realiza uma angioTCC: risco
de alergia ou nefropatia ao contraste iodado, risco decorrente da exposição à radiação
ionizante e risco de diagnóstico errado.1. Risco decorrente da exposição ao contraste:
recente estudo retrospectivo realizado na Clínica Mayo25 nos EUA, com 450.000
pacientes, demonstrou que apenas 0,02% dos pacientes expostos necessitaram de
tratamento de emergência após o uso de contraste. Um paciente morreu. O risco de
nefropatia em pacientes predispostos (diabéticos com proteinúria e pacientes com
clearance de creatinina inferior a 60ml/min) deve ser considerado cuidadosamente.

2. Risco da exposição à radiação: apesar de tema controverso e com poucos dados


empíricos disponíveis na literatura, há preocupação crescente com relação à exposição
à radiação médica. Isso inclui exames de tomografia, cintilografia, mamografia,
procedimentos que necessitam de escopia radiológica (cateterismo cardíaco, estudos
eletrofisiológicos), PET, entre outros.

Tomógrafos de última geração de grande cobertura com 256 canais geralmente expõem
o paciente a de 2-4mSv, semelhante à dose de radiação de fundo que se recebe
anualmente por exposição ambiental. Estudos com tomógrafos de 64 canais mostram
que a dose usual é de 8-13mSv, muito semelhante ao descrito para uma cintilografia do
miocárdio com estresse. Para efeito de comparação, uma mamografia realizada para
rastreamento de câncer de mama expõe aproximadamente 0,5mSv.26
3. Risco de diagnóstico errôneo: se uma angioTC é falso-positiva, pode-se expor o
paciente ao risco de cateterismo cardíaco; se é falso-negativa pode-se expor o paciente
ao risco decorrente do não tratamento. Mas como já mencionado, a angioTCC é a mais
acurada para detecção de DAC obstrutiva, assim que esses riscos em outros exames são
mais elevados.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA

Clerio Francisco de Azevedo Filho


Ana Paula dos Reis Velloso Siciliano

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 54 anos, portador de hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia,
relata que há cerca de 3 horas iniciou quadro de dor precordial súbita, em aperto, de
forte intensidade (10+/10+), com irradiação para o membro superior esquerdo.
Procurou atendimento médico de emergência e constatou-se que o paciente estava
apresentando um quadro de infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento
ST anterior extenso (supra de até 3mm em V1-V6 e DI e aVf).

PA =150x90mmHg; FC =92bpm; Sem turgência de jugulares. AC RR em 2t; com


estertores crepitantes bibasais; sem edemas nos membros inferiores.

Imediatamente encaminhado para a sala de hemodinâmica, verificou-se oclusão total da


artéria descendente anterior em sua porção proximal. Cerca de 4 horas após o início da
dor, foi submetido à angioplastia primária com implante de stent farmacológico, com
sucesso angiográfico. Nesse momento, a ventriculografia esquerda evidenciava
disfunção sistólica global importante com acinesia das paredes anterior e anterolateral
do VE. Após o procedimento percutâneo, houve resolução do supradesnível do
segmento ST, mas o ecocardiograma realizado no dia seguinte ainda evidenciava
disfunção global importante com acometimento segmentar de todo o território irrigado
pela artéria descendente anterior.

OBJETIVOS

1. Analisar o papel atual da ressonância magnética cardíaca na avaliação


diagnóstica e na estratificação de risco dos pacientes portadores de doença
aterosclerótica coronariana.
2. Discutir as limitações do método e sua relação com as demais modalidades
de diagnóstico por imagem em cardiologia.
3. Avaliar a importância da ressonância magnética cardíaca na avaliação
diagnóstica e prognóstica das cardiomiopatias não isquêmicas.

PERGUNTAS

1. Como a ressonância magnética cardíaca (RMC) pode contribuir no


esclarecimento diagnóstico deste caso?

No caso clínico apresentado, assim como em outras situações que envolvam pacientes
portadores de cardiopatia de etiologia isquêmica, a RMC é capaz de proporcionar
informações relacionadas ao diagnóstico e caracterização das regiões de infarto
agudo do miocárdio (IAM) e sobre a presença e extensão de áreas de isquemia
miocárdica. Além disso, a RMC também é capaz de determinar se existe ou não
viabilidade miocárdica significativa, tanto na fase aguda e subaguda pós-IAM, como na
fase crônica no caso de pacientes portadores de cardiomiopatia dilatada de etiologia
isquêmica.

2. Como é a técnica utilizada no diagnóstico e caracterização das regiões de IAM


pela RMC? Qual a relevância clínica desse tipo de avaliação?
As técnicas de RMC atuais, especialmente os protocolos baseados na técnica do realce
tardio, permitem uma precisa delimitação das áreas de necrose ou fibrose miocárdica
nos pacientes com infarto prévio (Figura 1). A técnica de realce tardio se desenvolveu
a partir dos estudos pioneiros de Lima et al.1 que avaliaram a detecção e a
caracterização das áreas de infarto através da RMC contrastada com gadolínio. Foi
utilizada inicialmente nos trabalhos experimentais e clínicos do grupo liderado pelos
Drs. Kim e Judd2-4, e descrita do ponto de vista técnico por Simonetti et al.5.

Figura 1
Imagens representativas, demonstrando a avaliação do infarto agudo do miocárdico pela RMC com técnica de realce
tardio. Nas imagens adquiridas utilizando-se a técnica do realce tardio, as regiões de infarto (necrose e/ou fibrose)
aparecem realçadas (brancas) e o tecido miocárdico normal apresenta baixa intensidade de sinal (escuro). Neste
exemplo pode-se notar uma grande área de infarto agudo do miocárdio acometendo as paredes inferior e inferolateral
do VE. Note-se que é possível avaliar a transmuralidade do infarto, que neste caso é predominantemente transmural.
Em A: Corte transversal do VE na porção medioventricular.
Em B: Corte do eixo longo de 3 câmaras.

Trata-se de uma técnica de aquisição pós-contraste, na qual o meio de contraste


utilizado é o gadolínio, que possui a característica de não penetrar nas membranas
celulares íntegras e, portanto, apresenta distribuição extracelular. Nas imagens
adquiridas com essa técnica, o miocárdio íntegro aparece com intensidade de sinal
muito baixa (escuro). Por outro lado, nas regiões de infarto ocorre ruptura das
membranas dos miócitos necróticos e, portanto, o gadolínio pode se distribuir
livremente (maior volume de distribuição)6,7.
Além disso, a necrose dos miócitos também causa alteração da cinética de distribuição
do contraste, de modo que a saída do gadolínio das áreas de infarto ocorre mais
lentamente (delayed washout)8. Esses dois fatores fazem com que a concentração do
contraste, cerca de 10-15 minutos após a injeção, seja muito maior nas regiões
necróticas do que no tecido miocárdico normal9, tornando as áreas de infarto brancas
(sinal intenso) nas imagens de realce tardio (Figura 1). No caso dos infartos antigos a
fibrose, e não a necrose, é o fenômeno patológico subjacente. Nesses casos, o maior
espaço extracelular verificado no tecido fibrótico, quando comparado ao miocárdio
normal, é a causa do maior volume de distribuição e da alteração da cinética do
gadolínio9.

Diversos estudos prévios já demonstraram que a RMC com técnica de realce tardio
permite a delimitação precisa das áreas de necrose ou fibrose miocárdica nos pacientes
com infarto prévio2,8,10-13. Em especial, Kim et al.2 demonstraram de forma contundente
uma correlação quase perfeita entre os valores de massa infartada obtidos pela RMC e
pela anatomia patológica (coloração por TTC), tanto nos infartos agudos (R=0,99,
p<0,001) e subagudos (R=0,99, p<0,001), como nos crônicos (R=0,97, p<0,001)2.
Devido a sua excelente resolução espacial, a RMC permite a caracterização detalhada
não apenas dos grandes infartos transmurais, mas também dos pequenos infartos
subendocárdicos14. Mesmo os pequenos infartos focais relacionados a procedimentos
de intervenção percutânea são prontamente identificados15.

Wu et al.16 demonstraram que o tamanho do infarto, expresso como um percentual da


massa do ventrículo esquerdo, tem importante valor prognóstico nos pacientes com
infarto agudo do miocárdio. Adicionalmente, a RMC permite identificar regiões de
obstrução microvascular (fenômeno de no-reflow)10,17-19, um marcador de injúria
miocárdica grave e que também está associado a pior prognóstico pós-IAM16.

3. Qual a importância clínica de se pesquisar viabilidade miocárdica? Como essa


avaliação é feita pela RMC?

Nos pacientes portadores de doença cardíaca isquêmica, o grau de disfunção


ventricular esquerda constitui-se em um dos principais fatores determinantes do
prognóstico a longo prazo20. A avaliação das regiões de IAM pela RMC também
permite determinar se existe ou não viabilidade miocárdica. É importante reconhecer,
entretanto, que nem toda disfunção ventricular é irreversível ou causada por IAM
prévio. De fato, a disfunção global ou regional do VE que leva a comprometimento da
fração de ejeção nos pacientes com DAC pode ser causada por necrose celular,
atordoamento pós-isquêmico21 ou hibernação miocárdica22,23.

Uma avaliação diagnóstica não invasiva capaz de fazer a distinção entre lesão
miocárdica irreversível (necrose) e atordoamento ou hibernação miocárdica (lesão
reversível), apresenta grande importância no processo de tomada da decisão
terapêutica. Ela permite selecionar melhor os portadores de DAC e disfunção
ventricular esquerda com maior potencial de se beneficiarem dos procedimentos de
revascularização miocárdica. Pacientes com áreas substanciais de miocárdio viável em
territórios disfuncionais apresentam melhor evolução e sobrevida após intervenções de
revascularização do que pacientes nos quais a disfunção ventricular é causada
predominantemente por necrose e/ou fibrose miocárdica24,25.

Existem diversas técnicas que permitem a determinação da viabilidade miocárdica pela


RMC, dentre as quais a avaliação da contratilidade segmentar com dobutamina em
baixas doses26, técnicas de imagem do sódio (sodium imaging)27 e a análise do perfil
metabólico/energético miocárdico pela espectroscopia28. Entretanto, a principal delas é
a técnica de realce tardio. A avaliação da transmuralidade das regiões de necrose e/ou
fibrose do miocárdio permite predizer com excelente acurácia a probabilidade de
recuperação da função regional após a revascularização, seja ela cirúrgica ou
percutânea. A avaliação da viabilidade miocárdica através da RMC com técnica do
realce tardio apresenta ainda as vantagens de não exigir o emprego de estresse
farmacológico e não envolver o uso de material radioativo.

Importante estudo desenvolvido por Kim et al.3 demonstrou que é possível determinar a
viabilidade miocárdica regional através da avaliação da transmuralidade das áreas de
infarto nas imagens de realce tardio. Assim, segmentos sem infarto ou com infarto de
menos de 50% de acometimento transmural (subendocárdico), apresentaram
recuperação funcional após revascularização do miocárdio e foram, portanto, definidos
como viáveis. Por outro lado, segmentos com infarto acometendo mais de 50% da
espessura parietal foram definidos como não viáveis, já que não apresentaram
recuperação funcional. Baseado nesses critérios, o VPP e VPN da RMC para a
determinação da viabilidade miocárdica foram, respectivamente, 88% e 89%3.

Klein et al.29, em outro importante estudo, compararam diretamente a RMC e o PET, até
então considerado o método padrão-ouro29. A conclusão principal do estudo é que os
dois métodos apresentam excelente grau de concordância para a determinação da
viabilidade miocárdica. Em análise por segmentos, considerando o PET como o
padrão-ouro, a RMC apresentou sensibilidade de 86% e especificidade de 94%. Já na
análise por pacientes, a mais importante do ponto de vista clínico, a RMC apresentou
sensibilidade de 96% e especificidade de 100% para a determinação da viabilidade
miocárdica29. Entretanto, é importante salientar que a maior parte dos casos de
discordância entre os dois métodos ocorreu nos pacientes com pequenos infartos
subendocárdicos, nos quais o PET, devido a sua baixa resolução espacial, não foi capaz
de detectar as regiões de fibrose miocárdica.

É importante reconhecer que a RMC permite não apenas avaliar a viabilidade


miocárdica nos portadores de insuficiência coronariana crônica candidatos à
revascularização do miocárdio, mas também na fase aguda de pacientes com quadro de
IAM30. Tradicionalmente, o IAM era avaliado pela ecocardiografia através da análise
da contratilidade segmentar e a identificação de uma região de importante disfunção
regional aguda (hipocinesia importante, acinesia e discinesia). Entretanto, essa
avaliação inicial não permitia a distinção entre miocárdio atordoado (tecido
miocárdico viável, porém com disfunção segmentar apesar do restabelecimento da
perfusão regional) e tecido necrosado (injúria miocárdica irreversível). Em outras
palavras, dada uma determinada área de disfunção regional, não era possível
determinar o quanto dessa disfunção era causado por atordoamento miocárdico e o
quanto, de fato, representava necrose tecidual irreversível.

O caso clínico descrito exemplifica exatamente esse tipo de situação. No primeiro dia
pós-IAM o ecocardiograma transtorácico evidenciava grande região de disfunção
segmentar no território da artéria descendente anterior. Entretanto, naquele momento
não era possível determinar se as regiões de acinesia eram secundárias a atordoamento
miocárdico ou necrose irreversível. Convencionalmente, essa resposta só era
esclarecida através do acompanhamento evolutivo da disfunção segmentar. Se houvesse
melhora evolutiva tratava-se de atordoamento; se não, de necrose.

A RMC com técnica de cine-RM permite o mesmo tipo de análise da contratilidade


segmentar que a ecocardiografia. Entretanto, ao combinar essa informação com a
avaliação detalhada do território infartado proporcionada pela técnica do realce tardio,
a RMC permite determinar com precisão o que é tecido miocárdico atordoado e o que é
necrose irreversível. Portanto, se um dado segmento apresenta disfunção regional pós-
IAM, mas não apresenta nenhuma área de realce tardio, trata-se de atordoamento
miocárdico. Por outro lado, se o segmento apresentar acinesia associado a realce tardio
transmural, pode-se afirmar com segurança que se trata de um segmento infartado.

De fato, como demonstrado por Choi et al.31, a determinação da transmuralidade do


infarto permite predizer a recuperação da contratilidade segmentar do VE em pacientes
com IAM. Nesse estudo, o grau de transmuralidade do infarto correlacionou-se
inversamente com a probabilidade de recuperação da função regional 8-12 semanas
após o evento agudo. De forma semelhante, Gerber et al.32 demonstraram que o
potencial de recuperação da contratilidade regional, dessa vez medida de forma
quantitativa pela técnica do tagging miocárdico, pode ser definido através da avaliação
dos padrões de realce tardio dos pacientes com IAM.

É importante reconhecer que a distinção entre miocárdio atordoado e injúria


irreversível tem importante valor prognóstico. Já foi amplamente demonstrado que
portadores de disfunção ventricular esquerda aguda causada primariamente por necrose
miocárdica apresentam prognóstico muito pior do que pacientes nos quais a disfunção
ventricular é predominantemente reversível24,25.

O paciente do caso clínico descrito foi submetido à RMC no segundo dia pós-IAM. Nas
imagens de cine-RM ainda se observava grande região de disfunção segmentar na
parede anterosseptal (Figura 2). Entretanto, as imagens de realce tardio revelaram
apenas uma pequena área de infarto subendocárdico no território da artéria descendente
anterior, sugerindo que a maior parte do território disfuncional representava apenas
atordoamento miocárdico (Figura 2). De fato, no exame de RMC evolutivo, realizado
seis meses após o IAM, o paciente apresentou significativa melhora da função regional
e normalização da função global. Manteve apenas uma pequena área de acinesia no
segmento apical do VE (Figura 2).
Figura 2
Imagens representativas, evidenciando a capacidade da RMC em predizer o grau de recuperação funcional do VE
após um infarto agudo do miocárdio. Na fase aguda do IAM, as imagens de cine-RM evidenciam grande região de
disfunção segmentar na parede anterosseptal (A e B). Entretanto, na imagem de realce tardio, nota-se apenas uma
pequena área de infarto subendocárdico no território da artéria descendente anterior, sugerindo que a maior parte do
território disfuncional represente apenas atordoamento miocárdico (C). De fato, no exame de RMC evolutivo,
realizado seis meses após o IAM, nota-se melhora significativa da função regional e normalização da função global (D
e E). Observa-se apenas uma pequena área de acinesia no segmento apical do VE.

4. De que forma a RMC avalia a presença de isquemia miocárdica? Como


interpretar os resultados?

Existem diversas formas de se pesquisar a presença de DAC utilizando a RMC. As


técnicas mais frequentemente utilizadas envolvem a visualização direta dos efeitos da
isquemia induzida por estresse farmacológico sobre a perfusão miocárdica e sobre a
contratilidade segmentar. De fato, a RMC apresenta a característica única de
proporcionar os dois tipos de informação em um único exame, combinando a maior
sensibilidade da perfusão miocárdica com a maior especificidade da avaliação da
função regional sob estresse (Figura 3).
Figura 3
Imagens representativas, demonstrando a avaliação da isquemia miocárdica pela RMC. A avaliação da contratilidade
regional em repouso (A e B) e sob estresse farmacológico (E e F) evidencia o desenvolvimento de hipocinesia da
parede inferolateral do VE neste corte. Através da avaliação da perfusão miocárdica (C e G), pode-se notar que
existe também hipoperfusão regional no mesmo território em que ocorreu disfunção segmentar. As avaliações da
contratilidade regional e da perfusão miocárdica em repouso e sob estresse farmacológico foram realizadas durante o
mesmo exame. A imagem de realce tardio (D) exclui a presença de infarto miocárdico no território isquêmico.

O exercício físico no interior do magneto causa degradação da qualidade das imagens


devido a artefatos de movimento e, portanto, o estresse farmacológico é a modalidade
utilizada nos exames de ressonância33-36. A RMC de estresse com dobutamina já é,
atualmente, uma técnica estabelecida para a detecção de alterações da contratilidade
segmentar induzidas por isquemia miocárdica, apresentando inclusive diretrizes
publicadas para sua aplicação na prática clínica37.

Técnicas de cine-RM com pausa respiratória são empregadas para a avaliação


detalhada da função regional do VE, tanto em repouso como sob estresse
farmacológico. A RMC apresenta a vantagem de proporcionar excelente delimitação
das bordas endocárdicas e do espessamento sistólico, além de permitir uma avaliação
completa do VE, examinando a contratilidade regional desde o ápice até a base
ventricular. Os resultados diagnósticos são excelentes, e estudos comparativos com a
ecocardiografia de estresse demonstraram superioridade da RMC devido a melhor
qualidade das imagens38.

A RMC de estresse com dobutamina mostrou-se muito efetiva para o diagnóstico de


DAC no grupo de pacientes inadequados para avaliação pela ecocardiografia, devido a
janelas acústicas subótimas39. A avaliação quantitativa da função regional pela RMC
tem o potencial de melhorar ainda mais a acurácia diagnóstica do método,
especialmente nos casos de DAC univascular40.

Além de valor diagnóstico, a avaliação da isquemia miocárdica pela RMC também tem
importante valor prognóstico. Quando a RMC de estresse com dobutamina é normal, os
pacientes apresentam uma baixa taxa de eventos39-41. Por outro lado, quando a isquemia
está presente, a taxa de eventos é alta41. A RMC também tem sido utilizada com bons
resultados na avaliação do risco pré-operatório em cirurgias não cardíacas42.

Embora a RMC com dobutamina para avaliação da contratilidade segmentar apresente


ótima acurácia diagnóstica, é importante ressaltar que a RMC com dipiridamol para
avaliação da perfusão miocárdica é a que tem demonstrado melhores resultados, sendo
a mais utilizada na prática clínica. A técnica de RMC de perfusão miocárdica de
primeira passagem permite, atualmente, a cobertura completa do VE utilizando uma
aquisição simultânea de múltiplos cortes contíguos do eixo-curto ventricular, ou uma
combinação de eixos-curtos e longos do VE. Injeção intravenosa em bolus do contraste
gadolínio-DTPA (na dose de 0,025mmol/kg a 0,1mmol/kg) é habitualmente
administrada pela fossa antecubital, utilizando uma bomba injetora para garantir que a
injeção seja efetuada de forma rápida e consistente (em geral de 5-7ml/s)43,44.

As imagens de perfusão miocárdica podem ser avaliadas de forma visual subjetiva,


através da identificação de regiões escuras de hipoperfusão segmentar nos diversos
cortes obtidos, ou a intensidade de sinal do miocárdio pode ser quantificada durante a
primeira passagem do contraste e analisada com o auxílio de softwares específicos.
Clinicamente, a avaliação visual subjetiva é a mais empregada. Não obstante,
avaliações quantitativas podem ser obtidas através da análise das curvas de aumento da
intensidade de sinal do miocárdio (upslope) ou da avaliação de mapas paramétricos
coloridos representativos da perfusão miocárdica regional45,46 (Figura 4).
Figura 4
Exemplo demonstrando o processo de avaliação quantitativa da perfusão miocárdica regional através da análise das
curvas de aumento da intensidade de sinal do miocárdio durante a primeira passagem do contraste (upslope) e da
avaliação dos mapas paramétricos coloridos.

Com relação à aplicação clínica, cabe ressaltar que a combinação das informações
sobre perfusão miocárdica, função regional e injúria miocárdica irreversível (realce
tardio) proporcionada pela RMC, permite uma interpretação mais detalhada e acurada
da resposta cardíaca ao estresse farmacológico. De fato, diversos estudos clínicos que
avaliaram a detecção não invasiva da DAC demonstraram que os resultados da RMC
com estresse farmacológico são excelentes quando comparados à
cineangiocoronariografia invasiva45-47, ao PET46 ou ao SPECT47.

Adicionalmente, a RMC foi capaz demonstrar melhora da reserva de perfusão


miocárdica após intervenções coronarianas percutâneas48,49, redução da perfusão
regional na cardiomiopatia hipertrófica50, e comprometimento da perfusão
subendocárdica em pacientes com síndrome X cardíaca51. Também mostrou utilidade na
identificação de pacientes com coronariopatia em situações pré-operatórias de
cirurgias vasculares52. Finalmente, a RMC tem sido utilizada com sucesso na avaliação
dos pacientes com dor torácica aguda nas salas de emergência. Em estudo recente53, a
RMC apresentou sensibilidade de 84% e especificidade de 85% para o diagnóstico da
síndrome coronariana aguda, proporcionando informações diagnósticas adicionais ao
eletrocardiograma, aos marcadores de necrose seriados e à avaliação do escore de
risco TIMI.

5. A angiotomografia computadorizada das artérias coronárias tem sido cada vez


mais utilizada como modalidade não invasiva de avaliação da anatomia
coronariana. Atualmente, a RMC também é capaz de proporcionar esse tipo de
avaliação na prática clínica?

A RMC é um excelente exame para a avaliação dos vasos sistêmicos. A visualização


das artérias coronárias, no entanto, é dificultada por vários fatores: movimentação
cardíaca e respiratória, fino calibre e complexidade anatômica54,55. Compilações
recentes dos principais estudos de angiografia coronariana por RMC, empregando
diversas técnicas de aquisição, revelaram valores moderados de sensibilidade (72-
77%) e especificidade (71-87%) para a detecção de estenoses coronarianas quando
comparadas à angiografia invasiva54.

Atualmente, a angiografia por RMC ainda carece de resolução espacial e temporal


suficientes para a adequada avaliação da DAC na prática clínica. Portanto, a utilização
da RMC para avaliação da anatomia coronariana, das placas ateroscleróticas e das
lesões obstrutivas ainda se encontra em desenvolvimento no campo experimental e não
deve ser aplicada clinicamente56,57.

Por outro lado, a angiografia por RMC tem sido utilizada com sucesso na avaliação de
anomalias de trajeto e de enxertos coronarianos. A menor resolução espacial necessária
para observar a emergência e trajeto inicial dos principais vasos coronarianos permite
à angio-RMC ter boa acurácia para a detecção de anomalias coronarianas58. No caso
dos enxertos, seu maior calibre e menor movimentação também conferem ao método
resultados satisfatórios em relação à cineangiocoronariografia invasiva59. Portanto, a
angio-RMC está indicada para a avaliação de coronárias anômalas e para determinar a
patência de enxertos coronarianos.

6. A RMC também é útil na avaliação das cardiomiopatias não isquêmicas?

A RMC vem atualmente desempenhando papel crescente nas cardiomiopatias (CMP)


não isquêmicas, tanto em sua avaliação diagnóstica quanto prognóstica. As imagens em
cine através da técnica de gradient echo não necessitam do uso do meio de contraste
paramagnético (gadolínio) e permitem o cálculo preciso e altamente reprodutível dos
volumes ventriculares, da massa do VE e da fração de ejeção de ambos os ventrículos
devido à elevada resolução espacial do método.

A RMC permanece como o gold standard para a avaliação da massa e da fração de


ejeção do VE, assim como para a detecção de anormalidades da contratilidade
segmentar60,61. Além disso, a possibilidade de utilização de outras técnicas para
caracterização tissular, como por exemplo a técnica do realce tardio, auxilia no
diagnóstico diferencial das diversas cardiomiopatias e também acrescenta informação
prognóstica.

Em pacientes com disfunção ventricular esquerda, o grau de fibrose definido pela


técnica de realce tardio demonstrou correlação com maior mortalidade global e
necessidade de transplante cardíaco62. A extensão da fibrose também revelou elevado
valor preditivo no remodelamento do VE em pacientes com insuficiência cardíaca (IC),
tanto de etiologia isquêmica quanto não isquêmica. Diversos estudos já demonstraram
que o padrão de realce tardio é capaz de diferenciar a CMP dilatada isquêmica da não
isquêmica63.

A fibrose miocárdica intersticial é a via final comum de diversos pacientes com dano
miocárdico e IC de várias etiologias. A presença de realce tardio de padrão
mesocárdico demonstrou correlação com maior taxa de mortalidade global e
hospitalização em pacientes com CMP dilatada de etiologia não isquêmica64 (Figura
5).
Figura 5
Imagens representativas evidenciando o padrão de realce tardio observado na CMP dilatada idiopática.

Wu et al.65 avaliaram de forma prospectiva 65 pacientes portadores de CMP não


isquêmica com fração de ejeção do VE (FEVE) ≤35% antes do implante do
cardioversor-desfibrilador para prevenção de morte súbita65. As imagens da RMC
foram analisadas quanto à presença e extensão do realce tardio, além da avaliação da
função do VE, dos volumes ventriculares e da massa ventricular esquerda. Os pacientes
foram acompanhados definindo-se como desfecho primário uma combinação de três
eventos cardíacos: hospitalização por IC, disparo apropriado do CDI e morte de
origem cardíaca. A presença de realce tardio, independentemente de sua localização e
extensão, demonstrou forte associação com um pior prognóstico cardíaco. Os pacientes
com realce tardio apresentaram um risco oito vezes maior de experimentar o desfecho
primário.

Num outro estudo, Iles et al.66 avaliaram a presença de fibrose miocárdica difusa em
pacientes com IC através de uma outra técnica de RMC: mapeamento do T1 pós-
contraste66. São utilizadas sequências para o cálculo do tempo de T1 pós-contraste
como um índice de fibrose intersticial difusa. Esse estudo demonstrou que a RMC com
mapeamento em T1 foi capaz de identificar alterações no tempo miocárdico de T1 que
parecem refletir a presença de fibrose difusa nos pacientes com CMP dilatada.

Além de possibilitar uma melhor estratificação prognóstica nos pacientes com CMP
dilatada e disfunção ventricular, a RMC tem demonstrado crescente utilidade como
ferramenta diagnóstica na diferenciação etiológica das diversas cardiomiopatias e
também nos pacientes com suspeita clínica de miocardite67.
As cardiomiopatias infiltrativas muitas vezes são de difícil diagnóstico quando
utilizados apenas os métodos de imagem tradicionais. A biopsia endomiocárdica possui
sensibilidade limitada em diversas situações, devido ao padrão muitas vezes focal do
acometimento miocárdico, além de ser método invasivo e não isento de complicações.
A determinação etiológica do acometimento cardíaco é importante, pois está
diretamente relacionada ao tratamento e à sobrevida67. Padrões característicos de
realce tardio mostram correlação com o processo infiltrativo em diversas condições,
incluindo sarcoidose, cardiomiopatia hipertrófica, doenças do tecido conjuntivo,
endomiocardiofibrose e amiloidose68.

A seguir, serão destacadas algumas doenças em que a RMC pode desempenhar papel
importante tanto na definição diagnóstica, quanto na estratificação prognóstica e
decisão terapêutica.

7. Qual o papel da RMC na avaliação da CMP hipertrófica?

A RMC possibilita a caracterização precisa de pequenas variações fenotípicas da CMP


hipertrófica, sendo especialmente importante na avaliação morfológica da via de saída
do VE, dos músculos papilares, da anatomia subvalvar mitral e no diagnóstico dos
casos atípicos. Pacientes com CMP hipertrófica apresentam maior incidência de
anomalias dos músculos papilares, o que é especialmente importante nos casos com
obstrução dinâmica da via de saída do VE sem a hipertrofia septal assimétrica clássica.
Além disso, a possibilidade de caracterização tissular é capaz de identificar diversas
condições que podem mimetizar determinados aspectos morfológicos da doença, e
também ser utilizada no rastreamento de doença pré-clínica em indivíduos de alto risco,
com história familiar positiva69.

Nos casos de hipertrofia segmentar focal limitada a uma determinada parede do VE e


na CMP hipertrófica apical, a RMC pode acrescentar sensibilidade em relação ao
ecocardiograma transtorácico devido a sua maior resolução temporal e espacial, além
de não depender da janela acústica. Além disso, em relação ao ecocardiograma, a
RMC apresenta maior acurácia na avaliação das espessuras parietais e na determinação
da massa do VE.

A prevalência do realce tardio miocárdico é bastante variável, podendo variar entre


40-80% nos pacientes com CMP hipertrófica manifesta69. O padrão de realce
tipicamente encontrado é de uma fibrose mesocárdica multifocal e heterogênea,
especialmente nas regiões de hipertrofia70. Outros padrões observados incluem fibrose
difusa transmural e confluente no septo interventricular e fibrose septal nos pontos de
inserção do VD. O realce tardio está diretamente relacionado com a espessura parietal
e inversamente relacionado à fração de ejeção do VE, e também tem demonstrado
associação com outros marcadores clínicos de morte súbita69. No entanto, dados ainda
são insuficientes para indicar o implante de cardioversor-desfibrilador (CDI) baseado
apenas no realce tardio miocárdico.

Adabag et al.71 estudaram a relação entre a frequência e ocorrência de arritmias na


CMP hipertrófica e o realce tardio miocárdico detectado pela RMC. Nessa grande
coorte de pacientes, a detecção de fibrose pela RMC demonstrou forte associação com
taquiarritmias ventriculares ao Holter, incluindo TVNS.

Num estudo recente, O’Hanlon et al.72 avaliaram o significado prognóstico da fibrose


miocárdica em 217 pacientes consecutivos portadores de CMP hipertrófica. Os
resultados desse estudo indicam que a presença de fibrose na RMC foi capaz de
identificar pacientes sob maior risco de progressão da doença. Tanto a presença quanto
a extensão da fibrose demonstraram significado prognóstico independente. A presença
de fibrose esteve associada a risco 3,4 vezes maior de eventos cardíacos adversos, e o
risco se mostrou proporcional à extensão da fibrose detectada.

Em outro estudo, Bruder et al.73 avaliaram prospectivamente 243 pacientes portadores


de CMP hipertrófica quanto ao risco de morte súbita. Na sua população de pacientes,
sendo a maioria de assintomáticos ou oligossintomáticos, a presença de fibrose
detectada pela RMC se mostrou um grande preditor independente da mortalidade
cardíaca e global, superior aos clássicos marcadores de risco clínicos (história
familiar, história prévia de morte súbita, TV espontânea, síncope, espessura parietal e
obstrução da via de saída do VE), reforçando a associação entre o realce tardio e o
risco de morte súbita em pacientes com CMP hipertrófica (Figuras 6 e 7).
Figura 6
Realce tardio na CMP hipertrófica. Note-se a correlação entre as áreas de fibrose observadas na anatomia patológica
e as regiões de fibrose miocárdica (realce tardio) identificadas pela RMC.
Figura 7
CMP hipertrófica destacando-se o aumento do VE com marcada hipertrofia de suas paredes predominando no septo
interventricular. Realce tardio extenso, multifocal e envolvendo ambos os ventrículos.

8. A RMC também pode ser útil na avaliação das cardiomiopatias


restritivas/infiltrativas?

Devido a sua capacidade de proporcionar detalhada caracterização tecidual, a RMC


representa uma modalidade diagnóstica muito útil na avaliação do diagnóstico
etiológico das mais variadas cardiomiopatias restritivas/infiltrativas, dentre as quais a
doença de Fabry, a endomiocardiofibrose, a sarcoidose e a amiloidose.

A doença de Fabry é uma doença de depósito recessiva e ligada ao X com expressão


fenotípica variável e caracterizada pelo acúmulo de glicoesfingolipídeo em vários
órgãos e tecidos. O acometimento cardíaco descrito é de uma hipertrofia concêntrica
que pode mimetizar a CMP hipertrófica. Realce tardio é encontrado em cerca de 50%
dos pacientes e apresenta padrão diferente da CMP hipertrófica, tipicamente
acometendo a parede inferolateral basal numa distribuição mesocárdica67.

A endomiocardiofibrose (síndrome hipereosinofílica) tipicamente se apresenta como


uma fibrose apical com trombo mural, podendo acometer ambos os ventrículos ou cada
um isoladamente. O padrão da RMC com realce tardio é característico e a RMC
mostra-se superior ao ecocardiograma transtorácico face à sua melhor resolução
temporal e espacial, independência de janela acústica e possibilidade de
caracterização tissular67 (Figura 8).

Figura 8
RMC com técnica de realce tardio na endomiocardiofibrose. Nota-se a presença de fibrose com trombo na região
apical de ambos os ventrículos.

A sarcoidose geralmente se apresenta como uma CMP restritiva com hipertrofia


parietal difusa do VE, podendo também apresentar aumento localizado da espessura de
parede ou áreas de afinamento parietal. O padrão de realce tardio é geralmente
variável, podendo acometer ou não o subendocárdio (pode mimetizar doença cardíaca
isquêmica) e com predileção pelo septo basal e medioventricular74. Porém, apesar da
RMC acrescentar sensibilidade no diagnóstico do acometimento cardíaco da
sarcoidose em relação aos critérios clínicos clássicos, nenhuma das alterações
detectadas pela RMC se mostrou específica para sarcoidose.
A amiloidose é causa relativamente comum de cardiomiopatia infiltrativa, com
hipertrofia parietal e disfunção diastólica por restrição ao enchimento do VE. A
presença de realce tardio é relativamente comum na amiloidose cardíaca e representa a
expansão intersticial pela deposição amiloide. O padrão tipicamente descrito é de um
realce tardio circunferencial, envolvendo todo o subendocárdio e com extensão
transmural variável, padrão esse associado à maior deposição intersticial amiloide e
pior curso clínico75,76 (Figura 9).

Outro padrão também encontrado e associado com menor deposição amiloide é o de


realce tardio focal e esparso; também é descrita a dificuldade de anulação do sinal
miocárdico nas sequências de realce tardio em pacientes com menor deposição
amiloide. O realce tardio pode estar presente numa proporção substancial de pacientes
com espessura parietal normal ao ecocardiograma, sugerindo que a caracterização
tissular pela RMC possa identificar o envolvimento cardíaco precoce, antes da
presença de anormalidades morfológicas. A presença e o padrão de realce tardio
nesses pacientes podem ter implicações prognósticas, uma vez que demonstrou forte
associação com outros marcadores clínicos e de imagem já previamente
estabelecidos76.

Figura 9
Amiloidose cardíaca: Observa-se no painel A marcada hipertrofia do VE. Padrão típico de realce tardio circunferencial
e acometendo todo o subendocárdio, sem respeitar território coronariano (painel B). Nota-se ainda a ausência de
realce do pool sanguíneo (outro achado característico da RMC na amiloidose).
Fonte: Cummings et al.87

Recentemente, Austin et al.77 avaliaram a acurácia diagnóstica e o valor prognóstico


adicional da RMC com técnica de realce tardio em relação ao eletrocardiograma e
ecocardiograma transtorácico. Nesse estudo, a acurácia diagnóstica da RMC nos
pacientes submetidos à biopsia endomiocárdica foi a seguinte: sensibilidade de 88%;
especificidade de 90%; valor preditivo positivo de 88% e valor preditivo negativo de
90%. Um padrão de realce tardio característico se mostrou mais acurado no
diagnóstico e maior preditor de mortalidade em um ano nos pacientes com suspeita de
amiloidose cardíaca quando comparado a outros métodos diagnósticos não invasivos.

9. Como a RMC pode contribuir na avaliação dos pacientes com suspeita ou


diagnóstico confirmado de miocardite?

A RMC é atualmente a principal ferramenta diagnóstica na avaliação não invasiva da


presença de inflamação miocárdica nos pacientes com suspeita clínica de miocardite78
(Figuras 10, 11 e 12). De fato, nenhum único dado clínico ou de imagem é capaz de
confirmar com absoluta certeza o diagnóstico de miocardite. A história e o exame
clínico, o eletrocardiograma e os marcadores sorológicos possuem uma acurácia
diagnóstica insatisfatória na miocardite. A biopsia, incluindo a imuno-histoquímica,
permanece como o padrão-ouro, mas pode ter limitações como o erro de amostragem e
também não ser apropriada em diversos pacientes, especialmente naqueles com doença
mais branda.

Figura 10
Miocardite com realce tardio de padrão mesocárdico no septo interventricular.
Figura 11
Miocardite com extenso realce tardio de padrão mesocárdico acometendo o septo e as paredes anterior, anterolateral e
inferolateral do VE (A e B). Edema miocárdico com áreas de hipersinal nas imagens pesadas em T2 (C).
Figura 12
Miocardite com múltiplos focos de realce tardio de padrão predominantemente epicárdico.

A RMC, a partir de sequências utilizadas para caracterização tissular, é capaz de


identificar três processos fisiopatológicos envolvidos no processo de inflamação
miocárdica79-81:

1. Edema. O edema miocárdico aparece como uma área de elevada intensidade


de sinal nas imagens pesadas em T2. Na miocardite, pode ser regional ou
global. Na ausência de realce tardio, o edema reflete injúria miocárdica
reversível. O edema regional pode ser identificado visualmente. O edema
global requer uma análise quantitativa para a sua identificação, através da
normalização da intensidade do sinal miocárdico em relação ao músculo
esquelético.

1. Hiperemia e extravazamento capilar. Vasodilatação regional é parte


integrante do processo de inflamação tissular e pode ser detectada através da
taxa de realce precoce do gadolíneo nas sequências pesadas em T1.

1. Necrose e fibrose. Diversos padrões de realce tardio podem ser encontrados


nos pacientes com miocardite ativa e são tipicamente de padrão
subepicárdico com variável extensão transmural. A localização do realce
tardio pode ser inferolateral ou menos frequentemente, anterosseptal. Pode
também ser multifocal ou difuso em sua distribuição.

As recomendações atuais para o diagnóstico de miocardite por RMC indicam a


utilização dos três critérios acima descritos e se baseiam no consenso de especialistas
baseado na literatura atualmente disponível (Critérios de Lake Louise). Se dois ou mais
dos três critérios de caracterização tissular estiverem presentes, inflamação miocárdica
pode ser prevista ou descartada com uma acurácia diagnóstica de 78%. Se apenas as
sequências de realce tardio forem utilizadas, a acurácia diagnóstica é cerca de 68%80.

10. A Doença de Chagas é prevalente em meio brasileiro. Como a RMC pode


ajudar na caracterização do acometimento cardíaco dessa enfermidade? E na
avaliação da doença orovalvar, a RMC desempenha algum papel?

A cardiopatia chagásica é uma CMP fibrosante crônica e progressiva, com graus


variáveis de disfunção ventricular, que acomete cerca de 1/3 dos indivíduos com
sorologia positiva para doença de Chagas.

Rochitte et al.82 demostraram que diversos padrões de realce tardio podem ser
encontrados nessa enfermidade, e que determinados padrões podem ser indistinguíveis
da doença cardíaca isquêmica. As regiões de acometimento preferencial pela fibrose
miocárdica são o ápex e a parede inferolateral do VE, já descritos em diversos estudos
patológicos prévios. O grau de fibrose miocárdica detectada pela RMC se correlaciona
diretamente com a gravidade da forma clínica na doença de Chagas e inversamente com
a fração de ejeção, sendo que a presença de fibrose miocárdica é um marcador de
gravidade da doença. Além disso, o realce tardio é capaz de identificar o envolvimento
cardíaco em pacientes soropositivos e sem sintomas clínicos ou anormalidades da
contratilidade segmentar do VE, podendo ser um marcador subclínico de doença
cardíaca.

Em relação à avaliação da doença orovalvar, a RMC desempenha um papel apenas


complementar, uma vez que a ecocardiografia se impõe como principal método
diagnóstico pela facilidade de acesso e pelo grande detalhamento morfofuncional
valvar. A avaliação da disfunção valvar pode ser obtida por análise qualitativa ou
quantitativa. A análise qualitativa se dá por meio da visualização do jato de turbulência
no local de interesse, apresentando-se como perda de sinal na sequência gradiente-
eco83. A quantificação mais precisa das lesões valvares pode ser realizada utilizando-
se o mapeamento de fluxo pela técnica de contraste de fase (phase contrast)84.

Nas lesões estenóticas, com o mapeamento de fluxo por contraste de fase, é possível
calcular o pico de velocidade através da valva e estimar o grau de estenose (gradiente
pressórico), utilizando a equação de Bernoulli. Nas lesões regurgitantes, uma vantagem
da RMC é a sua capacidade de proporcionar uma avaliação quantitativa precisa do
volume regurgitante83. Essa informação, combinada com a avaliação acurada da função
e volume ventriculares, auxiliam na decisão terapêutica com relação à intervenção
valvar. Estudos recentes demonstraram que a avaliação das regiões de fibrose
miocárdica pela técnica do realce tardio proporciona informações prognósticas
importantes nos pacientes com doença valvar aórtica grave85,86.

Nas últimas duas décadas, graças a avanços tecnológicos significativos, a RMC vem se
tornando uma ferramenta diagnóstica extremamente versátil na avaliação dos portadores
de doença cardíaca isquêmica. Proporciona informações detalhadas sobre a
contratilidade segmentar, perfusão miocárdica regional e sobre as regiões de necrose
ou fibrose miocárdicas. Dessa forma, em um único exame, ela é capaz de determinar a
presença de isquemia miocárdica, avaliar a viabilidade regional e caracterizar as
regiões de infarto do miocárdio. A RMC vem sendo considerada cada vez mais a
modalidade diagnóstica de escolha para avaliação da viabilidade miocárdica e
detecção de infarto miocárdico.

No caso da avaliação das cardiomiopatias não isquêmicas, a RMC também tem se


revelado extremamente útil, proporcionando não apenas importante valor diagnóstico,
mas também valiosas informações sobre o prognóstico dos pacientes. De fato, tem sido
considerada uma ferramenta diagnóstica fundamental na avaliação das mais diversas
formas de cardiomiopatias não isquêmicas.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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Seção 11. Exames complementares
invasivos em Cardiologia

Angina Estável em Pacientes com Lesões Moderadas. Uso do FFR


Ultrassom Intracoronariano na Avaliação e Mudança de Estratégia na
Doença Coronariana: Indicação e Aspectos Atuais
Intervenção Coronariana Percutânea em Lesão de Tronco (Não Protegido)
da Coronária Esquerda
Síndrome Coronariana Aguda Devido à Trombose de Stent
Angioplastia Primária no Infarto Agudo do Miocárdio (IAM)
Reestenose Intrastent: Abordagem Atual
Valvuloplastia Mitral em Paciente de Alto Risco: Critérios de Indicação,
Resultados Imediatos e Tardios
Tratamento Percutâneo da Doença Valvar Aórtica
Oclusão do Apêndice Atrial Esquerdo em Paciente com Fibrilação Atrial
Permanente
ANGINA ESTÁVEL EM PACIENTES COM
LESÕES MODERADAS. USO DO FFR

Fernando Mendes Sant’Anna


Maria de Lourdes Montedônio

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 48 anos, dislipidêmico, relato de infarto agudo do miocárdio
(IAM) inferior há um mês, em uso de diltiazem, AAS, sinvastatina e nitratos, com
queixas de cansaço progressivo e dor precordial aos médios esforços (angina estável
CCS 2).
PA =110x70mmHg; FC =60bpm. Exame físico sem alterações.
ECG: ritmo sinusal, zona inativa em parede inferior.
Exames laboratoriais normais.
Submetido à cinecoronariografia que mostrou:

1. Ventrículo esquerdo (VE): hipocinesia difusa +/4+ (FE: 53%)


2. Coronária direita (CD): lesão segmentar grave (>70%) em terço médio
3. Artéria descendente anterior (DA): lesão moderada (50%) em terço proximal
4. Artéria circunflexa (CX): irregularidades; ramo marginal esquerdo (ME):
lesão moderada (60%) em terço proximal.
OBJETIVOS

1. Explicar as bases da avaliação fisiológica invasiva da circulação


coronariana através da medida do fluxo fracionado de reserva do miocárdio
(FFR).
2. Descrever as principais aplicações do método e discutir os resultados dos
principais estudos clínicos.
3. Discutir a utilização do método na rotina diária do cardiologista,
principalmente nos casos de doença arterial coronariana (DAC) multiarterial.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar a causa dos sintomas no
caso relatado e como confirmar o diagnóstico?

Trata-se de paciente com DAC multiarterial com diagnóstico confirmado pela


cinecoronariografia e que já havia tido episódio prévio de IAM. Não há dúvida a esse
respeito, assim como fica bem claro que a lesão responsável pelo infarto foi a da
artéria coronária direita (CD), confirmado pela zona inativa em parede inferior ao
ECG.

No entanto, a coronariografia levanta algumas questões, a saber:

1. Deve-se tratar a CD, uma vez que o paciente já teve infarto na região por ela
irrigada? Em outras palavras, existe ainda isquemia na parede inferior?
2. As lesões de DA e do ramo ME são lesões de grau moderado pela
angiografia coronariana quantitativa (QCA). Seriam essas lesões
responsáveis por isquemia ou não? E se forem, vale a pena tratá-las através
de angioplastia?

Sem dúvida, o mais importante fator relacionado com o prognóstico de pacientes com
doença arterial coronariana é a presença e a extensão de isquemia miocárdica. Em
meta-análise publicada em 20041, envolvendo 69.655 pacientes (39 estudos) seguidos
por um período de dois a quatro anos, os autores mostraram que pacientes que
apresentaram algum sinal de isquemia na cintilografia associada ao teste de esforço ou
estresse farmacológico apresentaram taxas de mortalidade e/ou IAM sete vezes maiores
por ano do que pacientes cujos exames foram normais (Figura 1).

Figura 1
Taxa anual de morte ou infarto agudo do miocárdio (IAM) em pacientes com testes não invasivos positivos para
isquemia (alto risco) versus pacientes com testes normais (baixo risco).

Sendo assim, no caso clínico em questão, cabe ao cardiologista confirmar o que precisa
efetivamente ser tratado neste paciente e se esse tratamento deve ser feito através de
angioplastia de um ou mais vasos, cirurgia de revascularização ou apenas tratamento
medicamentoso. Nesse momento, poder-se-ia lançar mão de testes não invasivos, como
a cintilografia do miocárdio, para saber quais territórios deste paciente apresentam-se
isquêmicos. No entanto, sabe-se que a cintilografia apresenta importantes limitações em
pacientes multiarteriais. Em estudo publicado em 2003, Lima et al.2 mostraram que
54% dos pacientes multiarteriais graves (com lesões >70% nos três vasos principais)
submetidos à cintilografia apresentavam uma ou nenhuma área de isquemia, e apenas
10% mostravam três ou mais áreas isquêmicas ao exame.
É nesse contexto que, no caso em discussão, parece ser mais interessante realizar um
estudo funcional invasivo da circulação coronariana através da medida do fluxo
fracionado de reserva do miocárdio (FFR) dos vasos em questão.

2. O que é FFR e quais são as suas bases fisiopatológicas?

Define-se FFR como o fluxo sanguíneo máximo para o miocárdio na presença de


determinada estenose (ou estenoses), dividido por esse mesmo fluxo se não houvesse
nenhuma estenose3. Esse índice representa a fração do fluxo miocárdico máximo normal
que poderá ser atingido a despeito da presença da estenose.

O FFR pode ser facilmente determinado, dividindo-se a pressão média distal da artéria
coronária a ser analisada pela pressão média de aorta (medida pelo cateter-guia)
durante hiperemia máxima3,4. Para medir a pressão intracoronariana, utiliza-se uma
corda-guia 0,014” com sensor de pressão (pressure wire) localizado a 3cm de sua
ponta, bastante semelhante à corda-guia utilizada numa angioplastia coronariana
convencional.

Para se entender como se chega a essa fórmula de cálculo do FFR, deve-se


compreender os princípios de mecânica dos fluidos, conforme mostra a Figura 2. A
equação hidráulica diz que fluxo é igual à variação de pressão dividida por resistência.
A partir daí, pode-se deduzir a fórmula matemática que fornece o FFR.

Figura 2
Fórmula que permite entender por que o fluxo fracionado de reserva do miocárdio (FFR) é calculado dividindo-se a
pressão distal na artéria coronária (Pd) pela pressão em aorta (PA) durante hiperemia máxima.
Onde:
Qestenose=fluxo na artéria coronária com estenose
QNormal=fluxo na artéria coronária na ausência de estenose
Rmio=resistência miocárdica

Do ponto de vista técnico, antes de medir o FFR deve-se sempre administrar


vasodilatador intracoronariano (mononitrato ou nitroglicerina), assim como dose de
ataque de heparina como num procedimento convencional de angioplastia. Durante a
medida, para obtenção de hiperemia máxima, utiliza-se preferencialmente adenosina
intravenosa profunda, podendo também se utilizar a adenosina intracoronariana.

3. Qual o valor de corte do FFR para se afirmar que determinado vaso é


responsável por isquemia miocárdica?

Vários estudos foram realizados para determinar o valor de corte do FFR, ou seja,
abaixo de que valor há indicação de isquemia e acima de que valor pode-se descartar a
sua presença5-7. O FFR foi comparado com os testes não invasivos mais importantes na
detecção de isquemia coronariana e apresentou boa correlação com os mesmos5,8. A
Figura 3 mostra uma representação gráfica resumida dos achados desses estudos.

Figura 3
Valor de corte da FFR: 0,75. Valores abaixo de 0,75 em geral indicam isquemia miocárdica; valores acima de 0,80 na
maioria das vezes descartam a presença de isquemia. Nota-se uma zona cinza estreita, entre 0,75 e 0,80, onde deve
prevalecer o bom senso clínico na tomada de decisão quanto a tratar ou não determinada obstrução.

Durante muito tempo utilizou-se o valor de corte de 0,75 para definição de isquemia.
Atualmente, após a publicação do estudo FAME (Fractional Flow Reserve versus
Angiography for Multivessel Evaluation)9, passou-se a utilizar o valor de corte de
0,80 para definição de isquemia, ou seja, quando o FFR de determinado vaso fica
abaixo de 0,80 pode-se dizer, com mais de 90% de acurácia, que esse vaso é
responsável por isquemia miocárdica.

4. Quais as principais aplicações clínicas do FFR?

As principais indicações clínicas para avaliação do FFR são:

1. Lesões moderadas
2. Doença multiarterial

A principal indicação da medida do FFR é na avaliação da importância funcional das


lesões moderadas (40-70%). Numa série de 45 pacientes5 uniarteriais com estenoses
moderadas em artérias coronárias, mostrou-se que a medida do FFR tem acurácia muito
superior para distinguir lesões responsáveis por isquemia do que o teste ergométrico, a
cintilografia do miocárdio ou o ecoestresse. Todos os pacientes (n=21) cujo FFR foi
<0,75 apresentaram sinais de isquemia em um ou mais testes, enquanto dos 24 pacientes
cujo FFR foi ≥0,75 apenas três tiveram algum teste não invasivo positivo.

Análise de 250 pacientes10 (452 lesões) submetidos à intervenção coronariana


percutânea após medida do FFR mostrou fraca correlação entre as lesões
intermediárias pela angiografia e a medida do FFR (rho = -0,33; p<0,0001).

O estudo DEFER (Fractional Flow Reserve to Determine the Appropriateness of


Angioplasty in Moderate Coronary Stenosis)11 mostrou que era seguro adiar a
intervenção quando a estenose não era responsável por isquemia, conforme indicado
pelo FFR. O grupo no qual os valores do FFR eram ≥0,75 (91 pacientes) e a
intervenção coronariana percutânea (ICP) foi adiada mostrou uma sobrevida livre de
eventos cardíacos de 89% comparado com 83% do grupo (90 pacientes) no qual a
mesma foi realizada (p=0,27). O follow-up de cinco anos do estudo DEFER12 mostrou
resultados consistentes, com um risco de morte ou infarto na população cujo tratamento
foi adiado com base no FFR de 1% ao ano, risco esse não alterado por ICP e
semelhante ao da população normal.

Os resultados de um e dois anos do estudo FAME foram recentemente publicados9,13.


Esse estudo randomizou 1005 pacientes multiarteriais para serem tratados através de
angioplastia com implante de stents farmacológicos, estratificando-os em dois grupos:
(1) Grupo angiografia (n=496): todas as lesões foram tratadas com base em critérios
angiográficos; (2) Grupo FFR (n=509): somente as lesões cujo FFR fosse <0,80 seriam
tratadas. O índice de eventos cardíacos adversos maiores (ECAM) após o período de
um ano no grupo FFR foi 13,2% versus 18,3% no grupo angiografia (p=0,02). Em
outras palavras, houve uma redução de 30% no número de eventos de um grupo em
relação ao outro. Além disso, o custo do procedimento no grupo FFR foi bem menor do
que no grupo angiografia. Esses resultados se mantiveram no seguimento de dois anos,
que mostrou também que o índice de infarto foi significativamente menor no grupo FFR
(6,1% vs. 9,9%; p=0,03). Ademais, das 513 lesões não tratadas no grupo FFR, apenas
uma evoluiu para IAM ao longo de dois anos (0,2%) e somente 16 (3,2%) necessitaram
de algum procedimento de revascularização.

5. Quais são as limitações/contraindicações para a medida do FFR?

Não existem contraindicações absolutas para a medida do FFR, porém o método


apresenta limitações. As mais conhecidas são:

1. Nos primeiros sete dias após IAM14, devido à dificuldade de se obter a


hiperemia máxima em consequência dos distúrbios que ocorrem na
microcirculação desses pacientes;

2. Ponte miocárdica15;
3. Vasos muito tortuosos e calcificados, pela impossibilidade de estabilizar as
medidas pressóricas intracoronarianas;

4. Hipertrofia ventricular esquerda importante16.

É importante mencionar que essas condições não impedem a realização do método, mas
alertam sobre a confiabilidade das medidas nesses casos.

6. De que modo o FFR foi usado para definir a estratégia de tratamento do


paciente relatado?

Foram realizadas medidas do FFR, em vigência de hiperemia induzida por adenosina


intravenosa profunda na dose de 140μg/kg/min, em todos os vasos acometidos. Caso o
FFR fosse <0,80 seria implantado um stent na lesão responsável por isquemia; caso
contrário, essa lesão seria deixada para tratamento conservador. As Figuras 4, 5 e 6
mostram as lesões e os traçados pressóricos com os resultados do FFR dos três vasos
analisados.

Figura 4
Lesão de 50% no terço proximal da artéria descendente anterior (seta verde). O FFR do vaso é 0,73, com gradiente
focal significativo no local da lesão (seta amarela).
Figura 5
Lesão de 60% no terço proximal do ramo marginal esquerdo (círculo vermelho). O FFR do vaso é 0,88, o que significa
que essa lesão não causa isquemia miocárdica.
Figura 6
Lesão segmentar >70% no terço médio da artéria coronária direita (setas vermelhas). O FFR do vaso é 0,59, com
gradiente focal significativo no local da lesão (seta amarela).

Como se pode observar, o FFR das artérias coronárias direita e descendente anterior
foi nitidamente inferior a 0,80. Logo, esses vasos eram responsáveis por isquemia
miocárdica e foram tratados com sucesso por angioplastia com implante de stent, após
o que o FFR se tornou >0,80. Já o FFR do grande ramo marginal esquerdo da artéria
circunflexa foi 0,88 e essa lesão foi tratada de forma conservadora.

Em resumo, a medida do FFR permitiu demonstrar, de forma inequívoca, rápida e


bastante segura, no laboratório de hemodinâmica, que esse paciente embora
angiograficamente fosse triarterial, do ponto de vista fisiológico era biarterial, o que
possibilitou o tratamento mais adequado do mesmo, além de resultar em redução
significativa de custos e em melhor prognóstico.
O paciente está com aproximadamente três meses de seguimento desde seu tratamento e
segue assintomático, já tendo retornado as suas atividades laborativas.

7. Quais são as recomendações das Diretrizes nacionais e internacionais em


relação à utilização do FFR na doença arterial coronariana?

As Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia17 colocam como indicação IIA


nível de evidência B a realização do FFR nos pacientes com lesões coronarianas
moderadas como alternativa aos testes não invasivos ou quando estes forem
inconclusivos ou impossíveis de serem realizados. Após a publicação do estudo
FAME, o American College of Cardiology/American Heart Association18 mantiveram
as mesmas indicações acima mencionadas para o FFR, mudando apenas seu nível de
evidência para A.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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ULTRASSOM INTRACORONARIANO NA
AVALIAÇÃO E MUDANÇA DE ESTRATÉGIA
NA DOENÇA CORONARIANA:
INDICAÇÃO E ASPECTOS ATUAIS

André Luiz da Fonseca Feijó


Constantino González Salgado

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 51 anos, advogado. Há 30 dias com desconforto precordial para
atividade física habitual. Uso diário de 10mg de atorvastatina para dislipidemia. Nega
sintoma cardiovascular prévio, HAS, diabetes mellitus, tabagismo ou história familiar
de coronariopatia.

Exame físico: Corado. Sem turgência jugular.


PA =128x72mmHg; FC =88bpm; Peso =73,20kg; Altura =1,72m
ACV: RR em 2T sem sopros; pulmões limpos; sem edemas em MMII.

Principais exames:
Hemoglobina =12,8g/dL; Glicose =110g/dL; Hemoglobina glicada =6,2%; Creatinina
=0,8mg/dl; Colesterol total =180mg/dl
ECG: Ritmo sinusal. Repolarização ventricular normal.
Ecocardiograma transtorácico: Função sistólica e segmentar do VE preservada.
Angiotomografia coronariana: escore de cálcio 357
Artéria coronária direita com estenose proximal de 40%; artéria descendente anterior
com estenose de 70% no terço médio e artéria circunflexa com estenose >70% no terço
proximal.
Coronariografia: Tronco sem lesão. Artéria descendente anterior com estenose de 70%
no terço médio; artéria circunflexa com estenose 95% no terço proximal; e artéria
coronária direita com estenose proximal de 60%.

OBJETIVOS
1. Definir e relacionar os princípios do ultrassom intracoronariano, discutindo a
sua indicação.
2. Avaliar as imagens obtidas e caracterizar morfologicamente as placas
inerentes ao caso.
3. Discutir procedimentos de avaliação diagnóstica, critérios para intervenção,
pós-ICP, prognóstico e implante ótimo de stents.
4. Revisar estudos clínicos realizados com o uso do ultrassom intracoronariano.

PERGUNTAS
1. Qual o diagnóstico, opções terapêuticas e conduta no caso apresentado?
A angina instável é a forma de apresentação mais frequente da doença coronariana
aguda, sendo usualmente associada à obstrução coronariana severa, mas não totalmente
oclusiva da artéria culpada.

No caso clínico descrito, a síndrome coronariana aguda deste paciente (angina de início
recente) pode ser atribuída à estenose grave identificada na artéria circunflexa (Figura
1), associada à presença de lesões moderadas nos demais vasos. A opção terapêutica
foi a intervenção coronariana percutânea através de angioplastia associada ao implante
de stent (Figura 2). Entretanto, a presença de lesões adicionais diagnosticadas na
coronariografia suscita a discussão de como proceder em termos de investigação
funcional das lesões e a necessidade de tratamento percutâneo das mesmas.

Figura 1
Coronária esquerda em oblíqua anterior direita, mostrando lesão grave em artéria circunflexa (seta vermelha) e lesão
moderada na artéria descendente anterior (seta azul)

Figura 2
Coronária esquerda em oblíqua anterior direita, mostrando resultado após implante de stent em artéria circunflexa
(seta vermelha).

Levantamentos angiográficos na síndrome coronariana mostram que em até 20% dos


pacientes não se detectam estenoses significativas1. Entretanto a recorrência de
sintomas e de novas internações é bastante frequente nesse grupo de pacientes. Nesse
contexto, a estenose angiográfica dita como não significativa ou de gravidade
intermediária representa um desafio quanto à determinação do seu significado
fisiológico em termos de obstrução ao fluxo.

2. A coronariografia é o método-padrão para a avaliação da anatomia coronariana


?

A partir da sua introdução na prática clínica, o estudo angiográfico dos vasos


coronarianos é exame-padrão para a detecção e caracterização anatômica da doença
arterial coronariana (DAC). Com injeção de contraste no óstio coronariano, ocorre o
preenchimento da luz arterial e desenha-se o contorno do lúmen vascular, permitindo
então a determinação do grau de obstrução arterial.

A grande dificuldade na interpretação da angiografia coronariana é a determinação da


gravidade da estenose, a partir da qual a obstrução compromete o fluxo coronariano.
Essa relação foi estabelecida em modelo animal2 e nos seres humanos3,4, na qual a
estenose que reduz a luz arterial em 50% do seu diâmetro (75% da área de secção
transversa do vaso) é capaz de reduzir a reserva de fluxo coronariano (RFC) em até
três a quatro vezes, enquanto a estenose de 70% em diâmetro (90% da área de secção
transversa do vaso) virtualmente elimina a possibilidade do aumento do fluxo
coronariano acima do nível de repouso. Na prática clínica assume-se, portanto, que
uma estenose ≥50% é considerada significativa devido ao seu potencial de causar
isquemia miocárdica.

Entretanto, a angiografia apresenta limitações em determinar a real significância da


estenose coronariana. Esse fato foi confirmado por estudo de necropsia, no qual foram
observadas diferenças significativas entre a gravidade das lesões avaliadas pela
angiografia e aquelas avaliadas pelo exame histopatológico post mortem. A
disparidade é maior quando o estreitamento arterial se encontra em torno de 50% a
75%5.

Alguns motivos são responsáveis por essas discrepâncias: o primeiro diz respeito à
interpretação pessoal em termos da avaliação de obstrução e dimensões do lúmen.
Embora exista bom nível de concordância entre os avaliadores nas estenoses graves e
naquelas de grau leve, há uma variabilidade significativa intra e interobservador em
relação às dimensões vasculares e quanto às lesões intermediárias6.

O segundo, é a incapacidade de a angiografia revelar a verdadeira complexidade da


maioria das lesões coronarianas quando comparada a estudos que utilizaram o
ultrassom intravascular e a necropsia, que demonstraram que essas lesões eram mais
complexas e excêntricas, exibindo formas luminais distorcidas7. Devido a sua forma
complexa, essas lesões podem não ser adequadamente avaliadas nas projeções
angiográficas utilizadas.

Ainda um terceiro motivo é que a aterosclerose raramente se apresenta como um


processo focal como verificado em estudos de ultrassonografia intracoronariana e
necropsia8, havendo geralmente algum grau de doença ateromatosa no segmento do vaso
utilizado como referência para a medida angiográfica. A angiografia se baseia na
estimativa indireta do estreitamento do lúmen para quantificar a gravidade da lesão,
pois compara as dimensões luminais mínimas, no local da lesão, com o diâmetro
proximal do vaso presumivelmente normal. Nessas condições, a estimativa da estenose
pode ficar prejudicada.

O progresso nas técnicas de computação possibilitou a rápida aquisição e pronto


processamento das imagens angiográficas. A angiografia coronariana quantitativa
(ACQ) é considerada, na atualidade, método-padrão para a avaliação da gravidade da
estenose coronariana. A partir da calibração do sistema, é possível obter o valor
correspondente ao diâmetro mínimo da luz (DLM), diâmetro de referência (DR),
extensão da estenose, e o percentual de obstrução arterial. Esse dispositivo representou
um avanço importante por ser um meio mais preciso que o visual para definir as
alterações da geometria da luz. Entretanto, mesmo sendo essas medidas orientadas por
programas avançados de computação, ainda existem erros quando ocorre a
sobreposição de ramos, na análise de lesões ostiais, na edição das medidas
automáticas, na sua magnificação, na adequação de projeções ou calibração do
sistema9. Apesar das suas qualidades, a angiografia coronariana quantitativa também
exibe importantes limitações na análise das lesões moderadas10.

A lesão intermediária ou moderada pode ser definida como uma obstrução entre 50% e
70% na angiografia coronariana. Essa definição inicial teve como base a evidência de
que obstrução acima de 50% passa a ter comprometimento da reserva de fluxo
coronariano (RFC), podendo causar isquemia. Entretanto, existem evidências de que um
contingente de pacientes com lesões inferiores a 50% apresenta angina de peito e/ou
isquemia nos testes funcionais não invasivos. Fundamentados neste fato, diversos
autores ampliaram o limite inferior da lesão intermediária para 40%11-14 e outros para
30%15-18, em seus trabalhos.

Neste caso clínico, após a angioplastia com o implante de stent da artéria coronária
circunflexa, foi indicada avaliação mais detalhada das obstruções residuais nas artérias
descendente anterior e coronária direita (Figuras 3 e 4), que pela ACQ demonstrou
presença de obstrução em termos de diâmetro de 60,73% e de 46,04% (Figuras 5 e 6),
nas artérias descendente anterior e coronária direita, respectivamente, não se opondo à
avaliação visual do operador, ou seja, neste caso houve concordância entre os
métodos.
Figura 3
Artéria descendente anterior em oblíqua direita craniada, mostrando outro ângulo da lesão moderada na porção
proximal (seta azul).

Figura 4
Artéria coronária direita em oblíqua esquerda craniada, mostrando lesão moderada na porção proximal (seta amarela).

Figura 5
Artéria descendente anterior em oblíqua direita craniada, mostrando a medida da análise quantitativa coronariana
(AQC) com lesão de 60,73%.

Figura 6
Artéria coronária direita em oblíqua esquerda craniada, mostrando lesão moderada na AQC de 46,04% na porção
proximal.

3. O ultrassom intracoronariano pode ser indicado para avaliação diagnóstica neste


paciente?

A análise dos vasos coronarianos pelo ultrassom intracoronariano (USIC) permite o


estudo in vivo da parede vascular normal, dos componentes da placa aterosclerótica e
das características quantitativas e qualitativas que envolvem o ateroma, com
informações detalhadas do lúmen e da parede arterial. Esse instrumento diagnóstico
trouxe contribuições incontestáveis para o melhor conhecimento da doença
aterosclerótica, do fenômeno de reestenose19 e na melhora dos resultados nas diferentes
intervenções percutâneas na prática clínica.

Em dois grandes estudos prospectivos com o uso do USIC realizado antes de uma
intervenção programada, a conduta foi alterada em aproximadamente 20% dos casos,
por demonstrar uma doença mais grave ou leve do que aquela diagnosticada na
angiografia20,21.

Para a realização do USIC é necessário cateterização da artéria coronária após a


anticoagulação sistêmica (heparina não fracionada 150UI/kg), seguido pela realização
de angiografia-padrão, infusão de nitroglicerina intracoronariana e o posicionamento do
cateter de ultrassom através de uma corda-guia (preferencialmente 10mm distal à lesão
a ser avaliada). Na sequencia é realizado o recuo contínuo do cateter até a aorta,
durante a aquisição das imagens.

As imagens ultrassonográficas são obtidas seguindo os mesmos princípios de qualquer


sistema de imagem de ultrassom. O ultrassom gerado por um transdutor atinge a
circunferência do vaso produzindo uma imagem tomográfica em sua secção transversa.
Algumas ondas transmitidas são refletidas na parede arterial, retornando ao transdutor
com diferentes impedâncias acústicas devido à interface tecidual; a magnitude dessa
reflexão é resultado da diferença da impedância de dois tecidos adjacentes. Quanto
maior a ecogenicidade, maior será a capacidade de reflexão do ultrassom e mais
intensos serão os sinais na imagem final.

O procedimento é seguro, com risco de complicações graves, como a dissecção e a


oclusão do vaso, inferior a <0,3%, estando diretamente relacionada à sua realização
durante procedimentos terapêuticos em lesões graves. Atualmente, a complicação mais
frequente é o espasmo transitório (1% a 3%), o qual é rapidamente revertido com a
infusão de nitroglicerina intracoronariana22,23.

O USIC permite o estudo quantitativo e qualitativo das camadas da parede arterial


normal e da placa de ateroma, tendo, portanto, grande valor clínico e experimental.
Uma extensa pesquisa investigativa validou as informações qualitativas e quantitativas
obtidas pelo ultrassom24-27. Esses estudos demonstraram alta acurácia nas medidas
obtidas no ultrassom, validando as medidas do diâmetro, da circunferência e do
percentual de estenose. Qualitativamente, as camadas da parede arterial normal e a
composição da placa aterosclerótica são facilmente identificadas e essas informações
são reprodutíveis24,28-32.
Apesar de os benefícios clínicos advindos de seu uso rotineiro na cardiologia
intervencionista não serem ainda balizados por grandes estudos randomizados, as
evidências recentes comprovam que o ultrassom intravascular pode ser importante
aliado na terapêutica coronariana percutânea29. A Sociedade Brasileira de Cardiologia
e a Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista em sua
última diretriz33 afirmam ser o USIC capaz de predizer o prognóstico e melhor
selecionar a terapêutica de pacientes com lesões coronarianas intermediárias, assim
como na avaliação de aterosclerose em pacientes submetidos ao transplante cardíaco e
como guia no implante dos stents coronarianos (Quadro 1).

Quadro 1
Recomendações e níveis de evidência da Diretriz da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia
Intervencionista para o uso de ultrassom intracoronariano

Com a progressão da aterosclerose, podem-se identificar diferentes tipos morfológicos


de placa, de acordo com a sua composição e consequente ecogenicidade. Placas ditas
lipídicas, com baixa ecodensidade ou ecoluscente (menor do que a da adventícia), são
compostas por infiltração lipídica difusa e ou células fibromusculares; placas fibrosas
com ecodensidade igual ou superior à da camada adventícia, produzem ecos brilhantes
e heterogêneos (ecodensas); e placas calcificadas, que produzem reflexões brilhantes e
intensas com sombreamento acústico34.

Quando a placa aterosclerótica é homogênea, com mais de 80% de sua composição


com o mesmo componente, é possível classificá-la; entretanto, quando não há
prevalência de um determinado componente, a placa é considerada de aspecto misto35.
Utiliza-se como referência de ecogenicidade a camada adventícia, rica em colágeno e
altamente ecorrefletora.

Uma aplicação potencial da USIC é a identificação de placas ateroscleróticas com


risco de rotura36,37 que, histologicamente, caracterizam-se por composição
predominantemente lipídica com a capa fibrótica fina19,24.
Ao ultrassom, a presença de lagos lipídicos com capa fibrótica fina nas placas
ecoluscentes está associada às síndromes coronarianas agudas, e pacientes com angina
estável apresentam placas ecodensas e calcificadas38. A associação de trombo
intraluminal a uma placa rota ou fissurada é considerada marcador de síndrome
coronariana aguda39,40.

Outro fenômeno detectado ao ultrassom com estreita relação com as síndromes


coronarianas isquêmicas é o remodelamento vascular, originalmente descrito por
Glagov et al.41, referindo-se ao aumento ou redução da área da lâmina elástica externa
que ocorre durante o desenvolvimento da doença arterial coronariana em espécimes de
necropsia41.

O ultrassom permite a detecção do remodelamento coronariano em humanos. O


processo é definido como remodelamento positivo quando ocorre aumento da área da
lâmina elástica externa no local da lesão comparado ao seu segmento de referência,
acomodando a placa e preservando o lúmen; e o inverso, como a redução da área da
lâmina elástica externa comparada a sua referência como remodelamento negativo.
Pacientes com angina estável teriam maior tendência a apresentar artérias coronárias
com remodelamento negativo, enquanto os pacientes com angina instável ou infarto do
miocárdio recente, o remodelamento positivo das coronárias42.

Do ponto de vista prático, são avaliados os seguintes parâmetros ao USIC:

1. Parâmetros qualitativos:

Tipo morfológico da placa


Características adicionais: trombo, fissura, dissecção e ulceração

2. Parâmetros quantitativos:

Diâmetro de referência (DR): resultado da média aritmética dos maiores


diâmetros dos segmentos de referência proximal e distal (expresso em mm).
Área da lâmina elástica externa (ALEE): obtida a partir do delineamento da
transição da adventícia e a camada média (expressa em mm2). Apesar de a
lâmina elástica externa ser uma camada microscópica, sabe-se que se situa
entre essas duas camadas.
Área luminal mínima (ALM): obtida a partir do delineamento da transição do
lúmen e a camada íntima (expressa em mm2).
Diâmetro luminal máximo e mínimo: obtido pela medida da distância máxima
e mínima na transição do lúmen com a parede arterial (expresso em mm).
Percentual de estenose luminal em área e em diâmetro: obtido utilizando-se
uma regra de três das respectivas medidas entre o lúmen arterial, e a lâmina
elástica externa.

Devido a este detalhamento diagnóstico, optou-se pelo uso do USIC como método
complementar à angiografia coronariana para a avaliação das estenoses moderadas nas
artérias coronária direita e descendente anterior do paciente relatado.

4. É possível determinar o prognóstico do paciente com obstrução moderada


através das informações obtidas ao USIC?

Nos pacientes com lesões intermediárias, nem sempre existe uma relação linear entre
os sintomas anginosos e os testes funcionais não invasivos, que frequentemente são
inconclusivos43, sendo também poucas as informações sobre a magnitude do risco para
eventos nesse contexto44.

Estudos que avaliaram a evolução de pacientes com lesões coronarianas leves ou


moderadas em terapia com drogas hipolipemiantes apresentaram bom prognóstico45,46.
Crenshaw et al.47 evidenciaram sobrevida livre de eventos de 85,5% em 10 anos de
acompanhamento de 2184 pacientes com lesão inferior a 70%47. Fato semelhante foi
também verificado no TIMI-IIIA (Thrombolysis In Myocardial Ischemia) trial em
pacientes com angina instável e lesões coronarianas não críticas, em que se observou
excelente prognóstico a curto prazo48.

Portanto, é fundamental uma avaliação criteriosa quanto à gravidade da estenose e a sua


relação com os testes não invasivos para isquemia, porque se a gravidade das lesões
for subestimada, as estenoses arteriais importantes não serão tratadas; caso forem
hiperestimadas, as intervenções coronarianas podem ser realizadas de maneira
desnecessária, iniciando um processo de ativação da placa aterosclerótica com risco de
reestenose49,50.

Apesar de o USIC não avaliar funcionalmente a placa aterosclerótica, estudos clínicos


foram realizados com a intenção de relacionar as medidas obtidas nas lesões
intermediárias ao ultrassom com os métodos de avaliação funcional direta da estenose.
Os estudos que utilizaram as medidas da RFC e da RFF em lesões intermediárias
demonstraram que é possível estabelecer parâmetros de obstrução ao fluxo e, portanto,
decidir a necessidade de intervenção coronariana e assegurar um bom resultado clínico
no seguimento51-54.

A determinação de um parâmetro ultrassonográfico teve como base os estudos que


tentaram estabelecer um ponto de corte que permitisse classificar a lesão como
significativa e potencialmente capaz de causar isquemia. Esses estudos51-54 tentaram
validar as medidas obtidas na USIC, comparando-as com a referência-padrão em
diferentes técnicas invasivas e não invasivas (Quadro 2).

Quadro 2
Comparação entre ultrassom intracoronariano, RFF e cintilografia

USIC=ultrassom intracoronariano; RFF=reserva de fluxo fracionada; ALM=área luminal mínima; DLM=diâmetro


luminal mínimo; Sens=sensibilidade; Esp=especificidade

A medicina nuclear foi utilizada por Nishioka et al.55 que compararam os achados de 70
pacientes na USIC com a cintilografia de perfusão miocárdica (SPECT). A área luminal
mínima (ALM) ≤4mm2 indicou a presença de isquemia miocárdica, com sensibilidade
de 88% e a especificidade de 90%.

Abizaid et al.56 estudaram a relação entre a ALM e a RFC em 73 pacientes. Os autores


encontraram que a ALM <4mm2 mostrou concordância de 89% com a RFC inferior a 2.
Houve uma relação linear entre a RFC e a ALM pelo ultrassom (OR=0,771;
p<0,0001).

Para a avaliação da RFF, que é definido como o fluxo máximo para o território
miocárdio irrigado por determinada artéria dividido pelo fluxo máximo considerado
normal para a mesma distribuição57, Takagi et al.18 relacionaram as variáveis da USIC
com as da RFF em 51 lesões coronarianas, em que na ACQ exibiam DR de
3,00±0,61mm e DLM de 1,63±0,73mm. A ALM inferior a 3mm2 teve sensibilidade e
especificidade de 83% e 93%, respectivamente, em indicar a RFF <0,75 (causadora de
isquemia), com OR=0,79 e p<0,0001.

Em outro estudo utilizando a USIC e RFF, Briguori et al.13 encontraram baixo nível de
concordância entre os métodos. Estudaram 53 pacientes com lesão intermediária que na
ACQ exibiam DR de 3,08±0,73mm e DLM de 1,69±0,77mm. A ALM ≤4mm2 teve
sensibilidade de 92% e especificidade de 56% em determinar a RFF <0,75. O critério
da carga de placa >70% mostrou sensibilidade de 100% e especificidade de 68%. O
uso combinado da carga de placa e o DLM ao ultrassom foi proposto pelo autor onde se
verificou 100% de sensibilidade e 76% de especificidade. Esses achados
demonstraram que é possível relacionar a área luminal mínima da lesão ao ultrassom,
com os métodos de avaliação funcional da estenose.

Em análise mais recente, Feijó58 verificou a incidência de 64% de ALM ≤4mm2 ao


USIC analisando 86 lesões moderadas em 80 pacientes uniarteriais. Nesse estudo, o
conjunto de características de síndrome coronariana aguda, de lesão coronariana
complexa e do DLM <1,9mm na ACQ, pôde prever a ocorrência de ALM ≤4mm2 com
um alto valor preditivo positivo de 88%, suficientemente elevado para um processo de
decisão clínica.

Em 1999, Abizaid et al.56 demonstraram haver um divisor prognóstico quando é


utilizado o critério da área luminal mínima <4mm² ao ultrassom na decisão para a
intervenção. Foram estudados retrospectivamente 300 pacientes com lesões
angiograficamente moderadas, em que a intervenção não foi realizada com base em
critérios ultrassonográficos (área luminal mínima ≥4mm² ou diâmetro luminal mínimo
≥2mm). Na ACQ, o DR foi de 3,03±0,6mm e o DLM de 1,82±0,5mm. Houve apenas
8% de eventos cardíacos maiores (0,7% de morte, 1,3% de IAM e 6% de necessidade
de revascularização da lesão-alvo) no seguimento clínico de um ano16. No grupo com
ALM entre 3mm2 e 3,9mm², observaram-se 22% de eventos cardíacos maiores e 31%
no grupo com ALM <3mm² (OR=0,57; IC95% 0,4-0,8; p=0,0041).

Essa mesma autora56, em publicação recente no Brasil, confirmou a boa opção em


utilizar esse critério. Foi realizado um estudo prospectivo em lesões entre 40% e 70%
de obstrução, incluindo 173 pacientes, utilizando a ALM <4mm2 como valor de corte na
tentativa de indicar ou não o tratamento. Nessa casuística, 57% apresentavam ALM
<4mm2. Aos 24 meses de seguimento, o grupo com ALM ≥4mm2 que permaneceu em
tratamento clínico, apresentou uma taxa livre de eventos cardíacos maiores de 93%59.

Na atualidade é mundialmente aceito como critério de gravidade, em termos de


obstrução luminal para as lesões moderadas, a presença de ALM ≤4mm2 no local da
placa aterosclerótica em vasos coronarianos nativos com DR >3,0mm, excluindo o
tronco da coronária esquerda, para o qual tem sido usado como critério de estenose
significativa a ALM <6mm2 por ser o melhor preditor de FFR <0,7560.

No paciente em questão, a avaliação ao ultrassom determinou em termos quantitativos a


presença de área luminal mínima de 2,0mm2 e 3,6mm2 nas artérias descendente anterior
e coronária direita, respectivamente, preenchendo critério de estenose luminal
significativa. Em termos qualitativos, nas duas lesões avaliadas observa-se um aspecto
misto com os três componentes presentes (fibrose, lipídios e cálcio). Na coronária
direita observa-se o predomínio de fibrose, e na descendente anterior o predomínio
lipídico (Figuras 7 e 8). Em função desses achados ao ultrassom, optou-se pela
intervenção coronariana com o implante de stent em coronária direita e descendente
anterior (Figuras 9 e 10).

É possível, portanto, afirmar que o USIC é um método preciso de avaliação


morfológica e quantitativa da doença ateromatosa coronariana, podendo ser um
instrumento de grande utilidade na definição de lesões angiograficamente duvidosas.
Figura 7
USIC da artéria descendente anterior com lesão grave de 2,0mm2. A lesão apresenta os três componentes (fibrose,
lipídios e cálcio), mas predomina o lipídico.
Figura 8
Coronária direita também apresenta lesão grave com área de 3,6mm2 e com aspecto misto. Presença dos três
componentes, mas nesta há o predomínio de fibrose.
Figura 9
Artéria descendente anterior em oblíqua direita craniada, após o implante do stent

Figura 10
Artéria coronária direita em oblíqua esquerda craniada, mostrando outro stent implantado com sucesso na porção
proximal.
5. O USIC pode auxiliar a angiografia para melhorar o resultado da intervenção
coronariana com o implante de stent?

A informação obtida ao ultrassom permite a escolha do stent mais adequado, não se


baseando apenas na angiografia, por determinar de forma mais precisa a extensão da
lesão e as medidas das dimensões vasculares. O stent ideal para cada lesão é escolhido
através das medidas do diâmetro de referência proximal e distal à lesão, associado à
extensão da estenose.

O USIC avalia ainda o stent após o seu implante. Nesse parâmetro, avalia se existe
alguma complicação relacionada ao implante, como dissecções nos bordos do stent, se
a prótese está completamente aposta à parede vascular e se o mesmo está
adequadamente expandido. O stent não adequadamente expandido eleva o risco de
reestenose, de revascularização da lesão-alvo e de trombose de stent61,62.

O uso do ultrassom para a aferição desses aspectos, em particular para a obtenção de


uma área luminal mínima adequada caso a caso, é capital para a redução da trombose
de stent e da reestenose63. Em meta-análise que incluiu nove estudos envolvendo 2992
pacientes, observou-se uma redução na taxa de repetição de procedimentos de
revascularização, assim como de reestenose angiográfica no grupo de pacientes em que
a angioplastia foi guiada pelo ultrassom, quando comparado aos pacientes apenas
guiada pela angiografia64.

Atualmente, o critério de sucesso em termos de área luminal após o implante de stent é


a obtenção de uma área luminal mínima >5mm2 para os stents farmacológicos e
>6,5mm2 para os stents não farmacológicos. Na artéria coronária direita deste paciente
que apresenta ALM de 3,6mm2, após a angioplastia obteve-se ALM de 10,1mm2,
observando-se excelente ganho luminal após a intervenção (Figura 11).
Figura 11
Controle do USIC na artéria coronária direita demonstra grande ganho luminal, com área de 10,1 mm2.

Para concluir, as informações obtidas pelo USIC foram de grande importância na


tomada de decisão na intervenção percutânea, podendo indicar o implante de stent em
artérias cujo luminograma da coronariografia não foi suficiente para demonstrar o grau
de lesão. O paciente relatado foi acompanhado clinicamente e se mantém assintomático
do ponto de vista cardiovascular, durante o seguimento de três anos. A boa evolução do
paciente e a ausência de reestenose clínica denotam que o USIC auxiliou não somente
na mudança da tomada de decisão, mas também no implante ótimo dos stents
coronarianos em vasos (DA e CD) que aparentemente apresentavam lesões moderadas.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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INTERVENÇÃO CORONARIANA
PERCUTÂNEA EM LESÃO DE TRONCO
(NÃO PROTEGIDO) DA CORONÁRIA
ESQUERDA

Marcello Augustus de Sena


Rodrigo Trajano Sandoval Peixoto

CASO CLÍNICO
E.A.P., feminina, 73 anos, hipertensa em uso de atenolol e anlodipina; dislipidêmica em
uso de sinvastatina; tabagista com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
moderada a importante com uso crônico de corticoide. Admitida na emergência com
dor precordial típica, de início súbito e intermitente há cerca de duas horas, com
melhora após uso de nitrato sublingual.

Ao exame: lúcida e orientada, sem turgência jugular a 45° e com boa perfusão
periférica.
PA =110x70mmHg; PR =90/min; FR =18insp/min
Tax =36,8°C
Ausculta pulmonar com roncos e sibilos disseminados
RCR 3T (B4), BNF, s/sopros
Abdômen flácido, indolor e com peristalse presente.
Membros inferiores sem edemas, panturrilhas sem empastamento.

Eletrocardiograma (ECG) de admissão: normal

Laboratório: Glicemia =152g/dL; creatinina =1,0g/dL; hematócrito =45,6%;


MNM (troponina I, CPK e CKMB) em três dosagens normais.

Ecocardiograma: volumes normais, discreta HVE, FE>60%, sem alterações


segmentares.

Teste ergométrico após 24 horas: infradesnível do segmento ST de 2,0mm em D3, aVF


e MC5 com 3,8MET, associado aos sintomas apresentados na internação

Coronariografia:
Artéria Coronária Esquerda:
Tronco comum com lesão de 80% na porção ostial.
Artéria descendente anterior com lesão longa de 30% no terço proximal e de 95%
no terço médio.
Artéria circunflexa com lesão de 90% proximal, seguida de lesão de 95%.
Artéria coronária direita com irregularidades parietais.
Ventriculografia esquerda com volumes normais, mobilidade parietal preservada,
válvula mitral competente.

OBJETIVOS
1. Indicar e selecionar pacientes que possam ter maiores benefícios, escolhendo
o stent mais adequado para o tratamento do tronco da coronária esquerda
(TCE).
2. Revisar os resultados dos principais ensaios clínicos e estudos
randomizados, buscando a melhor posição atual.
3. Analisar os escores clínicos e angiográficos utilizados atualmente, para a
possível indicação de ICP nos pacientes e avaliar a importância do uso do
ultrassom e FFR.
4. Conhecer a indicação das Diretrizes SBC/SBHCI e ACC/AHA para a
realização de intervenção coronariana percutânea (ICP) nesse grupo de
pacientes.

PERGUNTAS
1. O paciente relatado estaria entre aqueles que se beneficiariam com a
abordagem percutânea na lesão de tronco não protegido da coronária esquerda?

As lesões consideradas significativas no tronco da coronária esquerda (TCE) são


aquelas com obstrução a partir de 50% da luz, observadas em 4% a 6% dos pacientes
submetidos à coronariografia1. Em 70% destes o acometimento de múltiplos vasos é
concomitante2,3.

Lesões nessa região são atrativas para realização de angioplastia devido ao maior
calibre do vaso, à ausência de tortuosidade e à extensão mais curta; porém pela maior
quantidade de tecido elástico e pela área sob risco ser de aproximadamente 75% da
circulação miocárdica do ventrículo esquerdo, apresenta elevado risco para a
ocorrência de desfechos adversos significativos, como morte súbita e infarto agudo do
miocárdio (IAM) fatal4-6.

Caso não esteja protegido por enxertos para a artéria coronária descendente anterior
(ACDA) ou circunflexa (ACCX) ou importante circulação colateral, assumirá a
definição de lesão de TCE não protegido4-6.

Estudos realizados com outro tratamento que não por revascularização miocárdica
demonstraram uma taxa de sobrevivência clínica de 37% em três anos, em pacientes
com lesão de TCE não protegido7.

A revascularização miocárdica cirúrgica (RMC) tem significativamente melhor


resultado cardiovascular, inclusive quanto à mortalidade, quando comparada ao
tratamento clínico nesse grupo de pacientes8.

Intervenção coronariana percutânea (ICP) com stent encontra-se classicamente restrita


a pacientes inoperáveis ou com elevado risco cirúrgico9. Recentemente novos estudos
apresentaram resultados que têm aumentado a recomendação do uso da ICP com stents
farmacológicos em regiões anatômicas favoráveis, como no óstio e no corpo do TCE,
quando há menor complexidade de lesões coronarianas associadas em outras regiões
(SYNTAX Score ≤22)10.

O paciente relatado se encontraria em um grupo especial para ICP por apresentar lesão
no óstio do TCE, região bastante favorável à intervenção percutânea, associado a
lesões coronarianas não complexas, como uma lesão no terço médio da ACDA e duas
lesões consecutivas na ACCX, ambas sem calcificação e não anguladas (SYNTAX
Score ≤22).

A morbidade e a mortalidade da cirurgia cardíaca no adulto podem ser calculadas pela


Society of Thoracic Surgeons (STS), que idealizou um escore de acordo com as
variáveis clínicas e demográficas do paciente (STS Score)11.

Entre os diversos escores de risco cirúrgico, o EuroSCORE é muito utilizado, inclusive


no Brasil. O grande problema encontrado é que ele utiliza apenas dados clínicos, sem
correlação com os dados angiográficos12.

A última publicação da diretriz americana para ICP mostra que somente foram
utilizados o SYNTAX Score e o STS Score como base para as recomendações13.

O elevado risco cirúrgico do STS Score é definido quando o percentual de mortalidade


encontra-se ≥5%. Principalmente devido ao DPOC moderado a importante, esta
paciente possui elevado risco cirúrgico, com mortalidade maior do que 10%.

Atualmente foi desenvolvido um novo protocolo de recomendação para


revascularização em pacientes com lesão no TCE não protegido e doença coronariana
complexa. Casos dessa natureza devem ser avaliados por um Heart Team para definir a
melhor alternativa terapêutica13, composto por um cirurgião cardíaco, um cardiologista
intervencionista e um cardiologista clínico. Juntos analisariam as condições clínicas e
anatômicas, decidindo a melhor opção de tratamento.

Esta paciente apresenta condições anatômicas favoráveis associadas a baixo risco de


complicações com a ICP e elevada probabilidade de um bom resultado ser mantido em
longo prazo. Essa boa perspectiva vem do fato de apresentar lesão no óstio do TCE,
associada a um SYNTAX Score ≤22, além de características clínicas que predizem um
aumentado risco de resultado adverso para RMC, por apresentar um STS Score ≥5%.

2. Com base nos escores clínicos e angiográficos utilizados atualmente, há


embasamento científico para tratar esta paciente com ICP?
Uma vez que se tenha decidido pela necessidade de revascularização de uma lesão em
TCE não protegido, deve-se avaliar o risco/benefício do procedimento.

Há uma variedade de métodos de estratificação de risco disponível para a


revascularização nessa localização. Esses métodos utilizam variáveis clínicas e/ou
angiográficas.

a.Escores baseados na clínica

Não requerem dado angiográfico. Apresentam vantagem pela facilidade em coletar


dados e com pouca subjetividade, sendo facilmente reproduzíveis. O principal exemplo
é o EuroSCORE12, que prediz a mortalidade cardíaca cirúrgica intra-hospitalar.
Estudos realizados demonstraram que ele é preditor independente de eventos adversos
maiores cardiovasculares e cerebrovasculares, em um ano, com qualquer tipo de
revascularização10,14,15. Em pacientes com lesão no TCE não protegido, o EuroSCORE
isolado tem pouca acurácia para determinar o mais adequado método de
revascularização.

b.Escores baseados nas variáveis angiográficas

São independentes das condições clínicas do paciente. Apresentam maior variabilidade


pela subjetividade dos dados angiográficos interpretados. A primeira classificação foi
a das lesões segundo a AHA/ACC (A, B1, B2 e C)16, muito utilizada quando
predominava a angioplastia com cateter-balão.

O principal representante deste grupo na prática contemporânea, com a utilização de


stents farmacológicos, é o SYNTAX Score10. Este sistema de classificação permite
quantificar a complexidade das alterações na anatomia coronariana. A localização das
lesões e as suas características anatômicas são utilizadas para o cálculo do escore17.

O SYNTAX Score é um preditor independente de eventos cardíacos maiores para


pacientes submetidos à ICP, não tendo o mesmo poder de prever eventos nos que farão
RMC. Os grupos são estratificados em risco baixo (escore ≤22), intermediário (escore
≥23 e ≤32) e alto (escore ≥33) para eventos cardíacos adversos maiores.

c.Escores baseados nas variáveis clínicas e angiográficas

Estes seriam os modelos mais hábeis em prover a mais completa avaliação de risco.
STS Score, clinical SYNTAX Score e o combinado EuroSCORE e SYNTAX Score são
os modelos deste grupo, que ainda necessitam validar seus resultados em número maior
de estudos.

Na prática clínica utiliza-se com mais frequência a combinação do EuroSCORE e o do


SYNTAX Score, porém a última diretriz da ACCF/AHA/SCAI13, publicada em 2011,
define o STS Score para mortalidade cirúrgica e o SYNTAX Score para a avaliação da
complexidade anatômica13.

A paciente deste caso, portanto, possui um elevado risco cirúrgico pelo STS Score
(≥5%) e uma complexidade baixa angiográfica pelo SYNTAX Score (≤22),
apresentando uma recomendação IIa com nível de evidência B, para realização de
ICP13.

A revascularização miocárdica cirúrgica (RMC) possui um longo histórico de


segurança e eficácia nos pacientes com lesões no TCE não protegido. A ICP com stent
surgiu como opção de revascularização em pacientes que não eram candidatos à RMC.
Vários estudos não randomizados e poucos estudos randomizados têm comparado essas
duas formas de revascularização. Não surpreende a RMC estar associada com grande
incidência de eventos cardíacos maiores intra-hospitalares, incluindo morte, IAM e
acidente vascular encefálico (AVE).

Em médio e longo prazo os eventos combinados, morte e infarto, possuem similar


ocorrência entre RMC e ICP, sendo que a necessidade de nova revascularização é
significativamente mais incidente nos pacientes submetidos à ICP.

Encontram-se publicados três estudos randomizados comparando RMC e ICP com stent
em pacientes com lesão no TCE não protegido:

a) O estudo SYNTAX18 avaliou 705 pacientes entre os 1800 randomizados com lesão
no TCE não protegido. O resultado do desfecho primário (morte, IAM, AVE ou repetida
revascularização em 12 meses) não teve diferença estatística entre ICP e RMC (15,8%
e 13,7%, respectivamente). A ICP utilizou stents farmacológicos eluídos com paclitaxel
e apresentou maior taxa de revascularização repetida (11,8% vs. 6,5%), porém com
significativamente menor taxa de AVE (0,3% vs. 2,7%)10.
Após três anos de seguimento clínico, os pacientes com lesões no TCE não protegido
apresentaram mortalidade significativamente menor no grupo de ICP com SYNTAX
Score baixo ou intermediário (≤32) em relação ao grupo de RMC (3,7% vs. 9,1%,
p=0,03), enquanto naqueles com elevado SYNTAX Score (≥33) a mortalidade foi de
13,4% para ICP e 7,6% para RMC (p=0,10)18.

b) O estudo PRECOMBAT19 randomizou 600 pacientes com lesão no TCE não


protegido e o grupo revascularizado por ICP utilizou stents farmacológicos eluídos com
sirolimus. Não houve diferença estatística no desfecho primário em dois anos de morte,
IAM e AVE (4,4% vs. 4,7%). A necessidade de nova revascularização foi mais comum
na ICP em relação com a RMC (9,0% vs. 4,2%, respectivamente)19.

c) O estudo LE MANS20 randomizou 105 pacientes com TCE não protegido. Embora
tenha baixa proporção de stents farmacológicos (35%) e RMC com enxerto da torácica
interna esquerda (72%), o resultado em 30 dias e em um ano foi similar entre os
grupos20.

Os três estudos randomizados sugerem que os eventos cardíacos maiores em pacientes


selecionados com lesão de TCE não protegido são similares entre os pacientes
submetidos à RMC ou à ICP com stent, com seguimento clínico de um a dois anos,
apesar da grande necessidade de nova revascularização no grupo da ICP.

Meta-análise com oito estudos de coorte e dois estudos randomizados demonstrou mais
uma vez uma frequência similar de morte, IAM e AVE em pacientes tratados com ICP
ou RMC em um, dois ou três anos de seguimento clínico, e uma maior necessidade de
nova revascularização nos três anos para a ICP21.

Apresenta-se a seguir a sequencia do procedimento realizado para a revascularização


da paciente do caso clínico ilustrativo deste capítulo (Figuras 1 a 8):
Figura 1
Imagem pré-procedimento em OAE cranial
Figura 2
Imagem pré-procedimento em PA cranial
Figura 3
Imagem pré-procedimento em OAD caudal
Figura 4
Implante de stent no tronco da CE
Figura 5
Implante de stent no 1/3 proximal da DA
Figura 6
Implante de stent na CX
Figura 7
Resultado final em OAD caudal
Figura 8
Resultado final em PA cranial

3. Qual o tipo de stent mais adequado para o tratamento das lesões no TCE não
protegido? Qual o significado da região do TCE acometido?

Devido ao TCE ter histologicamente maior quantidade de tecido elástico do que todos
os outros vasos coronarianos, a resposta com a angioplastia de balão sempre teve um
resultado insatisfatório. Com o crescimento na utilização dos stents coronarianos nos
anos 1990, um registro multicêntrico22 com 107 pacientes examinou a segurança do
procedimento e os resultados em médio prazo da ICP com stent convencional e outras
técnicas no TCE não protegido. Foram utilizados stents em 50%, aterectomia em 30% e
angioplastia de balão em 20%. Foram observados 10% de infarto do miocárdio (IAM)
não fatal e 20,6% de mortalidade intra-hospitalar, e resultados desfavoráveis após a
alta. O maior determinante para uma evolução desfavorável foi a função ventricular
esquerda22.

Um registro multicêntrico de ICP no TCE não protegido (ULTIMA)23 avaliou quais os


pacientes que poderiam ter resultados favoráveis. Metade dos pacientes era inoperável
ou de alto risco cirúrgico. As variáveis relacionadas a bons resultados com ICP eram
semelhantes às da RMC: fração de ejeção >30%, idade <65 anos, creatinina <2,0mg/dl
e ausência de calcificação severa23.

A ICP nessa região por muitos anos foi conduta de exceção, mas sempre realizada com
stent4-6. Há dois grupos de stents que podem ser utilizados na ICP no TCE:
convencionais (SC) e farmacológicos (SF). Vários estudos observacionais mostraram
menor perda luminal tardia, menor taxa de reestenose angiográfica e menor
revascularização do vaso-alvo com os SF24-26.

Estudo randomizado comparando os SC com os SF, eluídos com paclitaxel, nas lesões
de TCE não protegido mostrou significativamente maior número de pacientes livres de
eventos cardíacos maiores combinados (87% x 70%) de morte, IAM e necessidade de
nova revascularização do vaso-alvo, inteiramente devido à redução desse último (2% x
16%)27.

O maior registro de pacientes com lesão no TCE não protegido que comparou SF e SC
foi o estudo MAIN-COMPARE28. Após três anos de seguimento, não houve diferença
estatística quanto à morte e IAM, entretanto a revascularização do vaso-alvo foi
significativamente reduzida com os SF (5,4% x 12,1%), independente da lesão tratada
se encontrar ou não na bifurcação do TCE28.

Há clara evidência que os SF são superiores em relação aos SC, quanto à


revascularização repetida do vaso. A reestenose intra-stent pode se manifestar como
morte súbita. Recomenda-se a utilização de SF na lesão de TCE não protegido, desde
que a aderência para a recomendação de terapia dupla antiplaquetária e a necessidade
do uso em longo prazo sejam cumpridas.

O TCE é dividido em três regiões: óstio, corpo e distal (bifurcação). Devido à


complexidade das lesões e a resposta ao tratamento serem semelhantes, óstio e corpo
são agrupados como uma região única (sem bifurcação). As lesões no óstio e no corpo
possuem uma baixa complexidade de tratamento com a ICP e, consequentemente, ótima
resposta na evolução, com menos de 5% de necessidade de nova revascularização do
vaso. Porém a maioria das lesões no TCE envolve a região distal (bifurcação). Nessa
localização é necessária abordagem mais complexa, muitas vezes com a utilização de
dois stents. A reestenose é mais frequente, especialmente no óstio da circunflexa. Nessa
localização é obrigatória a utilização de SF29-31 na ICP.

Vários estudos com seguimento clínico de 19, 24 e 36 meses demonstraram maior


necessidade de revascularização do vaso, na doença distal do TCE em relação ao óstio
e ao corpo29,32,33. Estudo observacional com utilização de SF em 146 pacientes, com
seguimento clínico de 886 dias, em lesões no TCE que envolviam o óstio e/ou o corpo
(não bifurcação) mostrou que a ICP pode ser uma ótima opção terapêutica, com
revascularização repetida em apenas sete pacientes (4,7%) e cinco mortes no período
(3,4% de mortalidade cumulativa)31.

4. Qual o papel atual do ultrassom intracoronariano (USIC) e do fluxo de reserva


fracionado (FFR) no diagnóstico e tratamento das lesões no tronco da CE?
O TCE frequentemente é curto, não havendo um segmento normal para comparação e
dificultando uma definição diagnóstica angiográfica. Portanto a angiografia pode
subestimar o grau de lesão quando nesta região34.

O USIC, em uma única análise, permite avaliar: as características da lesão, o diâmetro


mínimo e máximo luminal, a área da placa e a área luminal. Lesões angiograficamente
indeterminadas no TCE são diagnosticadas como graves através do USIC, quando o
diâmetro luminal mínimo for <2,8mm ou a área luminal mínima for <6mm2. Área
luminal mínima >7,5mm2 não teria indicação de revascularização. Quando a área
luminal mínima intermediária, entre 6-7,5mm2, associa-se a avaliação funcional com o
FFR35-37.

De acordo com as últimas diretrizes brasileira e americana, o USIC é recomendado


como classe IIa, nível de evidência B, para avaliação de lesões indeterminadas no
TCE9,13.

Além do auxílio diagnóstico para lesões indeterminadas no TCE, o USIC também pode
ajudar a guiar a ICP com stent. De acordo com o diâmetro referência do vaso, diâmetro
luminal mínimo, área luminal e comprimento da lesão é possível escolher o melhor
diâmetro e comprimento do stent, além de atingir sua expansão e aposição após o
implante. Essa estratégia tem o objetivo de impedir a trombose ou reestenose do stent,
complicações especialmente graves nessa região.

Apesar de importante ferramenta de pesquisa na cardiologia intervencionista, a maioria


dos estudos clínicos não demonstrou que a utilização do USIC reduz eventos cardíacos
adversos maiores38.

A última diretriz de recomendação sobre ICP no TCE classifica o uso do USIC como
classe IIb, nível de evidência B13.
A avaliação funcional, através do FFR, permite a identificação de pequenas alterações
na resistência ao fluxo coronariano, podendo ser utilizada para guiar a realização de
ICP ou identificar possíveis obstruções intermediárias39,40.

Os estudos DEFER41 com seguimento de cinco anos, e o FAME42 de dois anos


mostraram que a utilização do FFR é um método confiável e com boa acurácia, sendo
valores menores que 0,75 indicativos de isquemia41,42.

A recomendação vigente é classe IIa, nível de evidência A, para o FFR na avaliação de


lesões angiográficas duvidosas no TCE.

Enquanto ambos - FFR e USIC - têm sido usados para avaliar lesões intermediárias
com resultados positivos, o FFR pode reduzir a necessidade de revascularização
quando comparado ao USIC. FFR pode ser tão efetivo quanto o USIC para avaliar as
lesões duvidosas do TCE43,44.

5. Quais são as diretrizes da SBC/SBHCI e do ACC/AHA em relação à


revascularização por ICP nesse grupo?

As Diretrizes abaixo correspondem à opinião especializada da Sociedade Brasileira de


Cardiologia (SBC) / Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia
Intervencionista (SBHCI) – Intervenção Coronária Percutânea e Métodos Adjuntos
Diagnósticos em Cardiologia Intervencionista (II Edição – 2008)9.

Intervenção coronariana percutânea para o tronco da artéria coronária esquerda não


protegido por revascularização cirúrgica prévia:

Estenose no TCE com evidências de alto risco cirúrgico como: reoperação, disfunção
ventricular esquerda significativa (fração de ejeção <35%) e/ou morbidades clínicas
associadas, com expectativa de vida <5 anos.

Recomendação: IIa Nível de evidência: C

Estenose no TCE em pacientes desprovidos de fatores de risco promotores de alto


risco cirúrgico.

Recomendação: IIb Nível de evidência: B


As Diretrizes abaixo correspondem à opinião especializada da American College of
Cardiology Foundation (ACCF) / American Heart Association (AHA) / Society for
Cardiovascular Angiography and Interventions (SCAI), Guideline for Percutaneous
Coronary Intervention para o ano de 201113:

Revascularização do TCE não protegido com ICP para doença coronariana estável
isquêmica

a) baixo risco de complicação com ICP e elevada probabilidade de bom resultado a


longo prazo (SYNTAX ≤22, TCE com lesão no óstio ou corpo). Risco cirúrgico
significativamente elevado (STS ≥5% de mortalidade operatória)

Recomendação: IIa Nível de evidência: B

b) baixo a intermediário risco de complicação com ICP e intermediária a elevada


probabilidade de bom resultado a longo prazo (SYNTAX <33, TCE com lesão na
bifurcação). Risco cirúrgico elevado, como DPOC moderado a grave, AVE prévio ou
RMC prévia (STS >2%).

Recomendação: IIb Nível de evidência: B

c) Anatomia desfavorável para ICP (SYNTAX ≥33) e bons candidatos para RMC

Recomendação: III Nível de evidência: B

Revascularização do TCE não protegido com ICP para Angina instável / Síndrome
coronariana aguda sem supra ST para não candidato a RMC.

Recomendação: IIa Nível de evidência: B

Revascularização do TCE não protegido com ICP para Síndrome coronariana aguda
com supra ST com fluxo TIMI <3, podendo ser realizada de forma mais rápida e segura
que a RMC.

Recomendação: IIa Nível de evidência: C

Comentários finais

A decisão para a abordagem através da ICP desta paciente com grave lesão de TCE,
ACDA e ACCX deveu-se à alta possibilidade de complicação cirúrgica evidenciada
pelos escores de risco. O procedimento realizado com implante de stents
farmacológicos ocorreu sem intercorrências. A opção do operador pela utilização da
via femoral foi absolutamente pessoal. O tempo de internação após o procedimento foi
de apenas 36 horas. Atualmente a paciente evolui de forma assintomática do ponto de
vista cardiovascular, com seguimento clínico de 14 meses.

Devido ao fato de ter sido um procedimento de alta complexidade, envolvendo o TCE e


com o uso de múltiplos stents, a conduta pela não suspensão da dupla terapia
antiplaquetária além de um ano foi acordada entre a equipe de intervencionistas e o
médico assistente.

A boa evolução em médio prazo desse tipo de paciente consolida cada vez mais a
segurança para o uso das ICP com o uso dos SF nas lesões de TCE não protegido.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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SÍNDROME CORONARIANA AGUDA
DEVIDO À TROMBOSE DE STENT

Cyro Vargues Rodrigues


Alcides Ferreira Junior

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 59 anos, brasileiro, aposentado.
Queixa principal: dor no peito
Antecedentes: dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, mal de Parkinson.
Exame físico: PA =150/90mmHg; FC =66bpm, Peso =82kg
Eletrocardiograma: alterações secundárias da repolarização ventricular em parede
anterior.
Ecocardiograma: função sistólica global de VE normal em repouso, com diâmetros
cavitários normais.
Cintilografia: defeito de perfusão reversível em região anteroapical e lateral.
Diagnóstico clínico: angina estável

Coronariografia:
Coronária esquerda:
Artéria descendente anterior (DA): lesão de 80%, longa, no terço proximal (Figura 1).
Artéria circunflexa (CX): ramo marginal esquerdo (ME) com lesão longa, de 80%, no
terço proximal (Figura 2).
Coronária direita: dominante e sem lesões obstrutivas.

Ventriculografia esquerda: função sistólica global e segmentar do ventrículo esquerdo


(VE) preservadas.

Figura 1
Coronariografia em leve oblíqua direita, com angulação cranial. Lesão em porção proximal da artéria descendente
anterior (DA) - setas.

Figura 2
Coronariografia em oblíqua direita. Lesão de artéria marginal esquerda (ME) proximal - setas.
Angioplastia transluminal coronariana (ATC):
Opção pelo tratamento percutâneo. A ATC foi realizada 10 dias após a angiografia
diagnóstica, período em que ficou em uso diário de ácido acetilsalicílico (AAS) na
dose de 200mg, e clopidogrel na dose de 75mg. Precedendo a intervenção coronariana
percutânea (ICP), foram administradas 10.000U de heparina intravenosa.

Abordada lesão proximal de artéria ME, com implante direto de stent farmacológico à
base de everolimus, tamanho 2,5mmx28mm Xience (Abbott Vascular, Santa Clara, CA),
com sucesso angiográfico (Figura 3).

Abordada lesão de DA proximal, com implante direto de stent farmacológico Xience


(Abbott Vascular, Santa Clara, CA) 3,0mmx28mm. Após a expansão do stent,
observou-se linha de dissecção na interface distal, que foi coberta com implante de um
segundo stent farmacológico Xience (Abbott Vascular, Santa Clara, CA) 2,5mmx12mm,
com sucesso angiográfico (Figura 4).

Figura 3
Artéria ME após implante de stent (seta). Observa-se presença de espasmo no óstio da artéria circunflexa, que cedeu
após a retirada da guia 0,14.
Figura 4
Implantado stent na artéria descendente anterior (DA) - setas.

Evolução pós-angioplastia:
Uma hora após o procedimento, o paciente apresentou quadro de dor precordial intensa,
com sudorese e hipotensão. Havia sinais eletrocardiográficos de supradesnível do
segmento ST anterior extenso, retornando de imediato ao laboratório de hemodinâmica.

Coronariografia:
Oclusão dos segmentos proximais de DA e CX, com trombose aguda dos stents,
havendo necessidade de revascularização urgente dos vasos-alvo (Figura 5).
Figura 5
Coronariografia em oblíqua esquerda cranial. Trombose aguda dos stents em artéria descendente anterior (seta azul) e
marginal esquerda (seta vermelha).

Angioplastia de urgência:
ATC primária, com recanalização e reexpansão dos stents com cateter-balão não
complacente 3,0mmx8,0mm, com restabelecimento dos fluxos distais, sendo
administrado antagonista IIb IIIa (tirofiban) por via intracoronariana, na dose de ataque,
imediatamente após a angiografia diagnóstica (Figuras 6 e 7). A ventriculografia
esquerda após o procedimento de emergência revelou função global preservada
(Figuras 8 e 9).

Figura 6
Recanalização da artéria descendente anterior após angioplastia com cateter-balão.
Figura 7
Recanalização da artéria marginal esquerda após angioplastia com cateter-balão.

Figura 8
Ventriculografia esquerda em diástole após angioplastia de emergência.
Figura 9
Ventriculografia esquerda em sístole após angioplastia de emergência.

Paciente apresentou TS aguda (antes das primeiras 24 horas do procedimento), na


classificação tipo “definitiva” (com comprovação angiográfica), de ambos os stents,
delineando a hipótese diagnóstica de hiporresponsividade ou resistência à terapia
antiplaquetária, preferenciamente ao clopidogrel.

Após o sucesso da angioplastia de emergência, foi instituída substituição do


clopidogrel por outro antiplaquetário (ticagrelor), como terapia de manutenção na dose
de 90mg, duas vezes ao dia, junto ao AAS na dose de 150mg.

O estudo RESPOND (Response to ticagrelor in clopidogrel nonresponders and


responders and effect of switching therapies)1 comparou pacientes que apresentavam
boa resposta terapêutica com aqueles não respondedores ao uso do clopidogrel.
Realizaram a randomização no grupo dos pacientes respondedores, para continuar com
clopidogrel ou mudança para ticagrelor. Os pacientes em uso do ticagrelor
apresentaram melhores resultados, sem aumentar as taxas de sangramento. Nos
pacientes não respondedores, o uso de ticagrelor foi altamente efetivo em reduzir a
prevalência de não reatividade plaquetária comparada com clopidogrel. Esse efeito é
evidente já nos primeiros 30min após a dose de ataque, e se sustentou até a fase de
manutenção1.

OBJETIVOS
1. Conceituar trombose de stent.
2. Discutir os fatores de risco clínicos e angiográficos que contribuem para a
trombose de stent.
3. Analisar o impacto clínico da trombose de stent.
4. Discutir o tratamento e a prevenção da trombose de stent.

PERGUNTAS
1. Como podemos definir a trombose de stent ?

A trombose de stent (TS) tem sido alvo de pesquisas devido à sua morbidade e
mortalidade; é pouco frequente, mas representa uma complicação grave após
intervenção percutânea, podendo ocorrer após implante de stents convencionais (SC)
ou stents farmacológicos (SF).

Na análise de seis estudos de grande porte e registros, a incidência encontrada de morte


e de infarto associado à trombose de stent angiograficamente documentada foi em torno
de 64% dos casos2.

Recentemente a definição proposta pelo Consórcio Acadêmico de Pesquisa (Academic


Research Consortium – ARC), grupo informal de colaboradores composto por
americanos e europeus tem sido amplamente aceita:

1. Trombose definitiva = Síndromes coronarianas agudas com comprovação


angiográfica ou anatomopatológica de oclusão ou trombos dentro do stent.
2. Trombose provável = Mortes inexplicáveis nos primeiros 30 dias pós-
implante do stent ou infarto do miocárdio que envolve o território irrigado
pelo vaso sem confirmação angiográfica.
3. Trombose possível = Todas as mortes inexplicáveis nos 30 dias seguintes ao
implante do stent.
A definição temporal, amplamente utilizada em vários países, foi adaptada pelo mesmo
grupo e estabeleceu os seguintes critérios:

1. Trombose aguda = ocorre nas primeiras 24 horas pós-intervenção


percutânea.
2. Trombose subaguda = ocorre a partir do primeiro dia até os 30 dias pós-
intervenção percutânea.
3. Trombose tardia = ocorre a partir do primeiro mês até o primeiro ano pós-
intervenção percutânea.
4. Trombose muito tardia = ocorre a partir do primeiro ano pós-intervenção
percutânea.

2. Quais os fatores de risco clínicos e angiográficos para a trombose de stents?

A gênese da TS é sugerida como sendo multifatorial e ainda não está completamente


esclarecida, porém algumas características têm sido sistematicamente apontadas como
fatores preditores de TS (Quadro 1).

Esses fatores envolvem a história clínica do indivíduo assim como a presença de


patologias associadas. Alguns registros indicam que pacientes diabéticos e pacientes
com insuficiência renal possuem taxas elevadas para TS3,4.

A angioplastia na vigência de uma síndrome coronariana aguda (SCA) representa


grande fator de risco para TS, tendo como um dos substratos fisiopatológicos o próprio
estado trombogênico já instalado4,5. Na análise de um subgrupo do estudo ACUITY5,
demonstrou-se o real impacto da TS nos pacientes com SCA sem supra de ST (SSST),
sendo mais frequente nos primeiros 30 dias, com importante impacto clínico na
evolução tardia5.

A descontinuidade da terapia de dupla antiagregação plaquetária, ou seja, a interrupção


do uso de ácido acetilsalicílico e do tienopiridínico merece grande ênfase, pois
representa um dos maiores fatores de risco para trombose tardia e muito tardia do
stent3. Por outro lado, mesmo mantendo o uso dos medicamentos, a não responsividade
atribuída ao clopidogrel é um fator importante e varia entre 15% e 30%.

O aspecto técnico do implante de stent tem grande relevância e está diretamente


relacionado à técnica usada pelo cardiologista intervencionista, sendo neste caso um
fator “operador-dependente”. Atualmente existem algumas recomendações para o
implante adequado do stent, principalmente quando utilizados stents farmacológicos. A
liberação da prótese com altas pressões foi incorporada na prática diária dos
laboratórios de hemodinâmica com a finalidade de se obter uma aposição completa das
hastes dos stents à parede do vaso6.

A aposição incompleta do stent é definida como uma separação de uma ou mais hastes
do stent da parede do vaso. Tal processo pode resultar de uma expansão abaixo da
ideal para a prótese ou do tamanho inadequado da mesma. A aposição incompleta
constitui fator de risco para TS relacionado ao procedimento, necessitando de atenção
constante do intervencionista e que pode ser evitada quando se efetua a correta
impactação da prótese com catateres-balão de alta pressão. A confirmação do implante
ótimo por ultrassonografia intravascular deve ser realizada sempre que possível.

As lesões complexas (bifurcações, oclusão crônica) representam ao longo dos anos


desafios para a intervenção e nos registros de “mundo real” são apontadas como
principais preditoras de TS (>1 ano). Outros fatores relacionados ao procedimento
como vasos finos, stents longos, dissecções persistentes, trombos residuais são também
listados como fatores de risco para TS6.

Quadro 1
Fatores de risco clínicos e angiográficos para trombose de stents
ATC=angioplastia transluminal; SCA=sindrome coronariana aguda; IAMCSST= infarto agudo do miocárdio com supra
do segmento ST

3. Qual o impacto clínico quando ocorre trombose em stents convencionais e


farmacológicos ? Existem diferenças?

A TS é um evento catastrófico e incidência baixa, variando de 0,5% a 2,4% dos casos.


No entanto tal evento pode se manifestar clinicamente como morte súbita ou infarto com
supra do segmento ST relacionado ao vaso previamente tratado. A diferença desse tipo
de IAM para o tradicional, é a presença de grande carga trombótica, com maior risco
de embolização distal, tornando a reperfusão mecânica por cateter-balão mais difícil de
ser realizada7. Em uma série de 431 casos diagnosticados de TS definitiva, a taxa de
morte ou de trombose recorrente foi 18% em acompanhamento de um mês8.
A TS pode ocorrer após utilização de stents convencionais ou farmacológicos. No
início vários ensaios clínicos foram realizados relacionando os stents convencionais
com eventos trombóticos agudos e subagudos, não sendo considerado o conceito de
trombose tardia ou muito tardia, pois esses stents ao final de 30 dias já apresentavam
endotelização completa9.

O advento dos stents farmacológicos representou grande avanço na terapêutica


percutânea da doença coronariana. Estudos randomizados e registros comparando
stents convencionais e farmacológicos evidenciaram benefícios a favor dos stents
farmacológicos, principalmente no que diz respeito à necessidade de revascularização
da lesão-alvo. O uso dos stents farmacológicos teve grande expansão na prática
médica, sendo indicado em situações clínicas agudas e implantado em lesões mais
complexas. Estudos preliminares indicavam maior probabilidade de trombose tardia
após o uso desses dispositivos, o que levou a comunidade científica a realizar
investigações em longo prazo e mais profundas, valendo-se de estudos mais robustos
para evidenciar a segurança e a efetividade dos SF.

Uma meta-análise recente publicada por Kirtane et al.10 selecionou 9.470 pacientes de
22 estudos randomizados e 182.901 pacientes de estudos observacionais, e
compararam stents farmacológicos (stents eluidores de sirolimus e stents eluidores de
paclitaxel) com stents convencionais. Nos estudos randomizados, a razão de risco (SF
vs SC) para mortalidade foi 0,97 (p=0,72) aos 18 meses, não havendo diferença entre
os grupos nas taxas de infarto10. No entanto a taxa de TS não foi fielmente evidenciada
na maioria dos estudos por não constituir um desfecho primário e ter baixa incidência
de ocorrência.

Após a definição de TS utilizando-se os parâmetros ARC e tendo sua aplicação em


estudos randomizados e registros clínicos, constatou-se que não existe diferença
significativa na incidência de trombose entre stents convencionais e farmacológicos ao
final de quatro anos.

4. Como tratar e prevenir a trombose de stent ?

A TS possui baixa incidência, porém altas taxas de mortalidade, apresentando-se


clinicamente como a síndrome coronariana aguda e requerendo medidas rápidas para
seu manejo.

A TS deve ser tratada através de uma nova angioplastia, utilizando-se de cateter-balão


para a recanalização do vaso ou para a reexpansão de um stent previamente
implantado. Da mesma forma, usa-se concomitantemente os dispositivos de aspiração
de trombos (trombectomia) que podem ser bastante eficazes no restabelecimento do
fluxo. O uso de inibidores IIb-IIIa é fortemente recomendado.

Os fatores desencadeantes de TS devem ser investigados e corrigidos. A


ultrassonografia intravascular é ferramenta fundamental para a identificação desses
fatores. O ultrassom permite avaliar aspectos técnicos como a presença de dissecções,
aposição incompleta do stent, tamanho inadequado da prótese e até mesmo a presença
de trombos residuais.

As medidas preventivas estão diretamente relacionadas com os aspectos clínicos do


paciente e aspectos técnicos do procedimento:

Aspectos clínicos

Terapia antiplaquetária dupla, ou seja, a utilização de ácido acetilsalicílico


associado a um tienopiridínico é obrigatória após implante de stents.
Terapia antiplaquetária dupla após angioplastia com SC deverá ser mantida
pelo tempo mínimo de quatro semanas.
Educar o paciente em relação à adesão terapêutica da terapia antiplaquetária,
pois se o mesmo tiver baixo nível socioeconômico ou portador de distúrbios
cognitivos, o uso de stents convencionais é indicado pelo menor período de
antiagregação.
Em casos de implante de SF, a terapia antiplaquetária dupla deve se estender
no mínimo por um ano, levando-se em consideração o risco de sangramento
individual para cada paciente.
Cirurgias não cardíacas eletivas deverão ser adiadas pelo menos por 30 dias
após a angioplastia, sendo indicado implante de SC.
Terapia antiplaquetária dupla de maneira indefinida para pacientes com
múltiplos implantes de SF ou que possuam grandes fatores de risco para
trombose tardia.
Terapia antiplaquetária tripla, ou seja, acrescentar o cilostazol ao ácido
acetilsalicílico e ao tienopiridínico pode ser uma opção a ser avaliada em
pacientes de alto risco. Estudos indicam a redução de eventos cardíacos
adversos, inclusive redução da TS11.
Aspectos técnicos

Selecionar o stent de acordo com o diâmetro do vaso e o comprimento da


lesão.
Cobrir toda a lesão com stent.
Implantar SF com alta pressão evitando-se assim subexpansão da prótese.
Utilizar ultrassom intracoronariano sempre que possível, identificando
eventuais dissecções proximais ou distais, assim como verificar a correta
impactação do stent.
Verificar na angiografia-controle (imediatamente após o implante) alterações
de fluxo coronariano (lentificação).

5. Qual a importância dos stents de última geração na prevenção da trombose de


stent farmacológico?

A demonstração de atraso no reparo ou endotelização vascular e a ocorrência de


trombose e reestenose tardias (e muito tardias) após implantes de stents farmacológicos
de primeira geração motivou a busca por novos dispositivos, visando à melhora da
segurança tardia. Estudos anatomopatológicos têm demonstrado que esses fenômenos
estão associados a reações inflamatórias prolongadas12,13 e que a presença de um
polímero sintético em contato com a parede vascular é o principal mecanismo
responsável12,14. De fato, estudos em animais têm demonstrado remodelamento vascular
positivo exacerbado, possivelmente como consequência de reação inflamatória local,
em resposta à presença do polímero em contato com a parede vascular14 e, mais
recentemente, foi demonstrada associação entre remodelamento vascular positivo e
ocorrência de trombose tardia de SF15.

O grande desafio no desenvolvimento desses novos dispositivos tem sido encontrar o


equilíbrio entre eficácia antirreestenótica adequada e mínima toxicidade vascular.
Algumas alternativas já foram tentadas: plataformas metálicas mais finas com novos
desenhos e novas ligas metálicas; polímeros mais finos; polímeros biodegradáveis;
novos fármacos e, mais recentemente, os stents bioabsorvíveis.

A não inferioridade dos SF com polímeros biodegradáveis em comparação com SF


com polímeros duráveis já foi demonstrada em dois grandes estudos randomizados:
LEADERS16 e ISAR-TEST 417.

O estudo LEADERS16 comparou tardiamente (seguimento clínico de até quatro anos)


um SF eluidor de sirolimus com polímero permanente a um análogo eluidor com
polímero bioabsorvível, e avaliou os desfechos maiores de morte cardíaca, infarto do
miocárdio e revascularização do vaso-alvo. Os SF com polímeros biodegradáveis se
mostraram seguros (redução de 80% nas taxas de TS tardia) e eficazes
(revascularização da lesão-alvo em torno de 9% vs. 12% para os stents com polímero
permanente (p=0,004)16) .

No estudo ISAR-TEST-417, os autores demonstraram a não inferioridade do stent


eluidor de sirolimus com polímero biodegradável (BP, Xience) em relação ao stent
eluidor de sirolimus com polímero permanente (PP, Cypher) em relação aos desfechos
clínicos de eficácia e segurança em três anos, numa população composta por 30% de
diabéticos, 80% de multiarteriais, refletindo um cenário bem próximo do mundo real17
(Tabela 1).

Tabela 1
Desfechos clínicos ao final de três anos no estudo ISAR-TEST-4 (SF com polímeros biodegradáveis vs. duráveis)
SEE=stent eluído em everolimus – polímero biodegradável; SES=stent eluído em sirolimus – polímero permanente; IM-
VA=infarto do miocárdio relacionado ao vaso-alvo; RLA=revascularização da lesão-alvo.
Obs: reproduzido conforme Byrne et al.18

Os stents bioabsorvíveis podem estar sujeitos à menor ocorrência de trombose tardia,


pela ausência de metal exposto à circulação sanguínea no caso de não endotelização,
cumprindo a proposta de “desaparecer”, depois de sustentar a parede do vaso durante a
fase de cicatrização. Outra vantagem é permitir a restauração da motilidade normal do
vaso tratado.

No estudo ABSORB19, um estudo prospectivo, não randomizado, o grupo do Dr. Patrick


Serruys (Erasmus Medical Center, Holanda) relatou os resultados do seguimento de
um ano de 101 pacientes com lesões coronarianas de novo submetidos à intervenção
coronariana percutânea com o stent BVS (Bioabsorbable eVerolimus-eluting Stent;
Abott Vascular, Santa Clara, CA). Este dispositivo é elaborado com material
biocompatível, polilactato. Os resultados do estudo demonstraram uma baixa taxa de
eventos cardíacos maiores (6,9%), nenhum caso de TS e nenhuma revascularização do
vaso-alvo, confirmando os desfechos iniciais dos primeiros 30 pacientes publicados
em 200919.

Os estudos evidenciam que a estrutura deste stent, exceto pela presença de dois
marcadores radiopacos nas bordas, estará totalmente absorvida dentro de dois a três
anos. Caso se mantenham esses resultados em estudos com seguimentos mais longos, os
stents bioabsorvíveis poderão ser a próxima grande revolução na intervenção
coronariana percutânea e, possivelmente, resolver o problema da trombose tardia do
stent.

6. Qual o impacto dos novos antiagregantes plaquetários na prevenção e no


tratamento da TS?

Está bem estabelecido que a inibição da atividade plaquetária por meio da associação
ácido acetilsalicílico e clopidogrel é de fundamental importância para prevenir eventos
isquêmicos recorrentes e TS nos pacientes submetidos a ICP20.

Quando ocorre TS, deve-se suspeitar de não aderência à medicação, suspensão precoce
da terapia medicamentosa ou resposta inadequada à terapia antiplaquetária, dentre
outros fatores já citados, associados ao maior risco de TS.
O clopidogrel é uma pró-droga, e necessita de metabolização e ativação pelo citocromo
hepático P450 (CYP450) para a geração do metabólito thiol ativo e se liga de forma
irreversível ao receptor plaquetário ADP P2Y12. Por esses motivos, apresenta
importantes limitações, tais como: início lento de ação; níveis modestos de inibição
plaquetária; grande variabilidade de resposta para uma determinada dose; interação
com outros medicamentos, incluindo os inibidores da bomba de prótons; e redução de
sua ativação metabólica ocasionada por polimorfismos genéticos.

Estudos recentes sugerem haver relação entre alta reatividade plaquetária pós-
tratamento, não responsividade ao clopidogrel e TS em pacientes que realizaram
ICP21.

A presença do alelo mutante CYP2C19*2 confere certa resistência ao clopidogrel,


aumentando o número de pacientes com baixa resposta ou não respondedores à droga.
Assim, a presença desse alelo está associada com maior incidência de TS e IAM.
Porém não é recomendada uma triagem rotineira para avaliar a resposta ao clopidogrel,
nem mesmo o teste genético para pesquisa do alelo mutante, pois não foi demonstrado
benefício na redução de eventos cardiovasculares nesse grupo de pacientes12.

Como mencionado, alguns estudos demonstraram que aproximadamente 15% a 30% dos
pacientes tratados apresentam resistência ao clopidogrel22. Novos antiagregantes foram
desenvolvidos visando a atingir antiagregagação plaquetária mais eficaz, com menor
responsividade aos tienopiridínicos, porém sem aumento do risco de sangramento.

Entre os novos agentes antiplaquetários, destacam-se o prasugrel e o ticagrelor. O


prasugrel é um derivado tienopiridínico de terceira geração, que também é uma pró-
droga, necessitando, entretanto, de um único passo para se tornar um metabólito ativo,
possuindo início de ação mais rápido, maior consistência e maior extensão da inibição
plaquetária11, sendo menos suscetível à variação genética e a interações
medicamentosas.

Nos pacientes portadores de SCA programados para se submeterem a ICP, o estudo


TRITON-TIMI 38 (TRial to Assess Improvement in Therapeutic Outcomes by
Optimizing Platelet InhibitioN – Thrombolysis In Myocardial Infarction)23
demonstrou melhores resultados com a utilização do prasugrel comparada a do
clopidogrel. No seguimento clínico de 15 meses, observou-se redução significativa do
desfecho primário composto de óbito de causa cardiovascular, infarto do miocárdio não
fatal e acidente vascular encefálico, e da taxa de TS (2,4% vs. 1,1%, p<0,001). No
entanto, a ocorrência de sangramento maior, segundo o critério TIMI, foi mais elevada
no grupo prasugrel (2,4% vs. 1,8%, p =0,003)23 (Figura 10).

Figura 10
Desfecho primário de eficácia (morte cardiovascular, infarto e acidente vascular encefálico) e incidência de
sangramento maior entre os grupos com prasugrel vs. clopidogrel no estudo TRITON–TIMI 3823.
Obs: reproduzido conforme Wiviott et al.23

Posteriormente, foram identificados três subgrupos que apresentaram maior risco de


sangramento com o prasugrel: pacientes com acidente vascular encefálico ou episódio
de isquemia cerebral prévios, idade ≥75 anos e peso corpóreo <60kg.

O estudo PRINCIPLE-TIMI 4424 comparou o prasugrel e o clopidogrel usando o regime


de dose de clopidogrel do estudo CURRENT OASIS 7 (dose de ataque de 600mg,
seguida por 150mg/dia) e dose de ataque de 60mg do prasugrel seguida de 10mg na
fase de manutenção, em pacientes que irão se submeter à coronariografia seguida de
ICP planejada. O prasugrel apresentou início de ação mais rápido, maior e mais
consistente efeito antiagregante plaquetário, comparado às altas doses de clopidogrel
de 600mg/150mg.

O ticagrelor, antiplaquetário inibidor reversível da ADP, não tienopiridínico, apresenta


uma inibição plaquetária mais intensa e consistente, além de apresentar início e término
de ações mais rápidos, pois é um agente ativo oral e, diferentemente do clopidogrel,
não requer a atividade enzimática da CYP450 para inibir a agregação plaquetária.

A evidência clínica para a eficácia do ticagrelor é procedente do estudo PLATO


(PLAelet Inhibition and Patient Outcomes), um estudo comparativo do ticagrelor e o
clopidogrel, ambos administrados em combinação com AAS e outra terapia-padrão.
Esse estudo avaliou a eficácia e segurança do ticagrelor comparado com o clopidogrel,
para prevenção de eventos vasculares em pacientes com SCA, com ou sem supra do
segmento ST. A estratégia invasiva foi planejada para um grupo (72%) – PLATO
INVASIVO, randomizados para ticagrelor (180mg de dose de ataque, seguidos de 90mg
duas vezes ao dia), ou para clopidogrel (de 300mg a 600mg de ataque, seguidos de
manutenção de 75mg/dia) por 6-12 meses25,26.

Nesse estudo, a taxa de desfecho primário composto de óbito cardiovascular, IAM e


AVE foi menor no grupo ticagrelor vs. clopidogrel ao final de um ano. Na análise do
braço invasivo, foi verificada importante redução nas taxas de TS definitiva (redução
de risco de 36% de ticagrelor em comparação ao clopidogrel; p=0,0054) e TS
definitiva ou provável (redução e risco de 27% (2,8% vs. 3,8%, respectivamente;
p=0,0068). Essa redução nas taxas de TS foi independente da administração de dose de
ataque de 600mg de clopidogrel, assim como do uso de SF ou SC (Figura 11).

Figura 11
Incidência cumulativa do desfecho primário composto por morte cardiovascular, infarto do miocárdio e acidente
vascular encefálico nos pacientes que receberam ticagrelor (linha azul) e clopidogrel (linha vermelha) nos braços
invasivo e não invasivo no estudo PLATO.
Obs: reproduzido conforme Cannon et al.26

Na análise dos desfechos de segurança, não houve diferença entre os grupos com
relação às taxas de sangramento maior (3,2% vs. 8,7%; p<2,9%, respectivamente;
p=0,38). A incidência de sangramento fatal ou potencialmente fatal também não foi
estatisticamente diferente entre os grupos (Figura 12).
Figura 12
Incidência cumulativa estimada do percentual de sangramento maior (95% intervalo de confiança, 0,95 a 1,13) no
estudo PLATO26.
Obs.: reproduzido conforme Cannon et al.26

Pacientes do grupo ticagrelor apresentaram aos 12 meses incidência maior de dispneia


em relação ao clopidogrel, sendo que a maioria de caráter autolimitado, com duração
abaixo de sete dias, provocando interrupção da medicação em 0,9% dos pacientes.

Em conclusão, os dois novos agentes antiplaquetários foram mais eficazes em relação


ao clopidogrel em paciente com SCA com ICP planejada, com redução do óbito
cardiovascular, IAM e TS, sem que houvesse aumento nas taxas de sangramento maior
nos estudos com o ticagrelor.

No que se refere ao caso clínico apresentado, houve uma possível não resposta ao
antiagregante plaquetário clopidogrel, cuja relação ao implante do stent coronariano foi
uma grave trombose, mesmo se tratando de uma angioplastia eletiva como foi a
indicação inicial. A possibilidade de uso dos novos antiagregantes plaquetários poderia
ter sido uma eficaz profilaxia antes do evento. Apesar de não ter sido esta a conduta
inicial, a mudança do fármaco após a trombose foi providencial e de boa resposta.

A orientação sobre o tempo de uso para o ticagrelor foi de um ano. Esse tempo está em
consonância com a maioria das instituições e diretrizes, embora na prática clínica
diária muitos cardiologistas prescrevam antiagregantes plaquetários por um período
mais prolongado, mesmo sem evidências científicas sobre o seu uso.

O advento de stents com novas plataformas, polímeros biocompatíveis, ou até mesmo


sem uso de polímeros constituem grandes avanços na prevenção da TS aguda, tardia ou
muito tardia. O futuro do uso dos stents bioabsorvíveis deve ser a nova fronteira da
cardiologia intervencionista em busca da redução do número de eventos cardíacos
maiores, reestenose, revascularização da lesão-alvo e IAM em consequência das
tromboses de stents.

Os estudos e o mundo real mostram que a complicação TS, a despeito de ser evento
raro, apresenta alta morbimortalidade e deve ser rigorosamente evitada com o uso de
todos os recursos farmacológicos e técnicos. Uma boa relação médico-paciente para
informar, orientar e conscientizar sobre o uso correto da medicação preconizada é um
dos pontos mais importantes para se obter sucesso no combate a essa dramática
complicação.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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26. Cannon CP, Harrington RA, James S, Ardissino D, Becker RC, Emanuelsson
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of ticagrelor with clopidogrel in patients with a planned invasive strategy for
acute coronary syndromes (PLATO): a randomised double-blind study.
Lancet. 2010;375(9711):283-93.
ANGIOPLASTIA PRIMÁRIA NO INFARTO
AGUDO DO MIOCÁRDIO

Angelo Leone Tedeschi


Bernardo Kremer Diniz Gonçalves

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 47 anos, hipertenso, diabético, dislipidêmico, tabagista de longa
data, em uso regular de enalapril, metformina e atorvastatina. Apresentou dor torácica
opressiva, de forte intensidade, que não cedeu com o uso de analgésicos. Devido à
persistência da dor e a um episódio de pré-síncope procurou atendimento médico de
urgência.

Admitido seis horas após o início dos sintomas ainda com precordialgia de forte
intensidade associada à sudorese e mal-estar geral.
Ao exame físico encontrava-se lúcido, eupneico, corado, hidratado, acianótico.
Ritmo cardíaco regular em 3 tempos com presença de B4, sem sopros.
Murmúrio vesicular universalmente audível sem ruídos adventícios.

Sinais vitais: PA =108x64mmHg; FC =76bpm e 18irm.


ECG: ritmo sinusal, eixo elétrico dentro da normalidade e supradesnível do segmento
ST nas derivações DII, DIII e AVF compatível com infarto agudo do miocárdio (IAM)
em fase aguda.

OBJETIVOS

1. Identificar a angioplastia primária como estratégia de reperfusão no IAM.


2. Discutir os resultados dos stents e o uso de outros dispositivos na
angioplastia primária particularmente em lesões com trombo.
3. Analisar o papel dos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa e dos
antiplaquetários na angioplastia primária.
4. Avaliar a importância da escolha da via de acesso na angioplastia primária.

PERGUNTAS
1. Caso a equipe de cardiologia intervencionista se encontrasse a menos de uma
hora de distância do hospital, qual seria a melhor abordagem deste caso?

O paciente apresenta diagnóstico clínico e eletrocardiográfico de IAM com


supradesnível do segmento ST (IAMST) de parede inferior, sendo necessária a escolha
da melhor estratégia de reperfusão.

Existem diversas evidências de que a angioplastia primária apresenta significativa


superioridade sobre a estratégia de reperfusão química, com uso de drogas
fibrinolíticas, sobretudo nos pacientes de alto risco1,2.

Estudos randomizados que compararam a intervenção coronariana primária com a


terapia fibrinolítica demonstraram nítida superioridade da angioplastia sobre a
intervenção farmacológica tanto a curto como longo prazo3-5. Em meta-análise1 que
incluiu mais de 7700 pacientes, sendo 3872 submetidos à intervenção coronariana
primária, a angioplastia foi superior na redução da mortalidade (7% vs. 9%;
p=0,0002), reinfarto (3% vs. 7%; p<0,0001) e acidente vascular encefálico (1% vs.
2%; p=0,0004). Esses benefícios da reperfusão mecânica permaneceram também no
longo prazo independente do fibrinolítico utilizado (fibrino-específicos ou não).

Da mesma forma, o estudo PRAGUE-26 demonstrou, em cinco anos, redução do


desfecho combinado de morte, reinfarto, acidente vascular encefálico (AVE) ou
revascularização de 53% para 40% a favor da angioplastia primária. O estudo
DANAMI-27 apresentou redução absoluta de morte, reinfarto e AVE de 5,6% em três
anos nos pacientes com IAM, que foram transferidos para se submeterem à angioplastia
primária.

Estudo recente analisou mais de 9500 pacientes com IAMST demonstrando que após
2003, houve um aumento progressivo do número de pacientes transferidos para centros
terciários para serem submetidos à angioplastia primária e que essa estratégia foi capaz
de reduzir a mortalidade dos pacientes com IAMST de forma expressiva8.

Estudos observacionais9-11 e randomizados12,13 demonstraram que os benefícios da


angioplastia primária superam os potenciais efeitos deletérios do retardo da reperfusão
causado pela transferência dos pacientes com IAMST.

Um dos estudos pioneiros para a definição da melhor forma de reperfusão no IAMST


comprovou que a transferência desses pacientes era segura e associada a reduzidas
chances de complicações relacionadas ao transporte em si (PRAGUE12). Nesse estudo,
que randomizou 300 pacientes, apenas dois, que receberam fibrinolítico, apresentaram
fibrilação ventricular no transporte; o grupo que não recebeu trombólise apresentou
essa complicação arrítmica grave12.

Os benefícios da transferência se dão principalmente nos pacientes considerados como


de elevado risco cardiovascular, como demonstrado por Thune et al.14, no qual os
pacientes com risco TIMI ≥5 apresentaram expressiva redução da mortalidade com a
intervenção coronariana percutânea de 36,2% para 25,1% (p=0,0002) e os de
moderado ou baixo risco (TIMI <5) apresentaram benefício limítrofe (5,6% vs. 8,0%;
p=0,11)14.

Além disso, deve-se considerar o tempo do início dos sintomas e o tempo estimado
para a efetiva abertura do vaso através da angioplastia primária. Os maiores benefícios
da intervenção percutânea, quando comparada com a fibrinólise, se dão quando o início
dos sintomas do IAMST forem superiores a três horas e o tempo estimado para a
intervenção primária for inferior a 90 minutos15.
Pode-se dizer que, no caso em estudo, a melhor estratégia de reperfusão é a realização
de coronariografia e consequente angioplastia primária, uma vez que a equipe de
cardiologia intervencionista se encontrava a menos de 90min do hospital.

A coronariografia pela via transradial direita revelou:

Coronária esquerda e seus ramos sem lesões obstrutivas. Ventrículo esquerdo


com hipocinesia inferior e posterobasal, função global levemente deprimida.
Oclusão no início do terço médio da coronária direita com grande carga de
trombos, fluxo TIMI=0 e classificação TIMI para trombo grau 5 (Figura 1,
seta).

Figura 1
Coronariografia realizada pela via transradial direita
2. Que recursos podem ser utilizados na angioplastia primária em casos quando é
encontrada grande carga de trombo intracoronariano?

O IAM é uma condição clínica que frequentemente está associada à presença de trombo
intracoronariano.

O objetivo da angioplastia primária não é apenas restabelecer o fluxo epicárdico, mas


também garantir uma adequada perfusão miocárdica em nível microvascular e tecidual.

A angioplastia primária está associada a maior incidência dos fenômenos de


lentificação do fluxo (slow-flow) ou ausência de fluxo (no-reflow), que é o resultado de
insuficiência de reperfusão miocárdica, apesar da permeabilidade da artéria epicárdica
após a angioplastia primária. Esse fenômeno está relacionado a resultados adversos
como: aumento da área do infarto, piora na recuperação da função ventricular e
aumento na mortalidade16.

Diversos fatores são responsáveis pelo fenômeno de no-reflow: disfunção


microvascular grave causada por espasmo da microcirculação; dano endotelial
provocado por radicais livres de oxigênio e fatores humorais; embolização distal de
trombos, células espumosas, fibrina e fragmentos ateromatosos necróticos; além de
tamponamento capilar por eritrócitos, neutrófilos e edema intersticial com hemorragia
intramural, perda da integridade capilar, entre outros. Esse fenômeno pode ser revertido
pelo uso intracoronariano de agentes vasodilatadores como nitratos, nitroprussiato de
sódio, adenosina, verapamil, dentre outros16.

A aspiração de trombos com cateteres específicos ou a utilização de filtros de proteção


embólica podem prevenir embolizações distais e suas graves consequências17.
Diversas meta-análises18 demonstraram que a trombectomia aspirativa está associada a
melhor reperfusão miocárdica, evolução intra-hospitalar e em longo prazo.

O estudo TAPAS19, que envolveu 1071 pacientes, demonstrou uma melhora da perfusão
miocárdica, através do blush grade20 e da redução do supradesnível do segmento ST
ao eletrocardiograma, dos pacientes que foram submetidos à angioplastia primária com
o uso de trombectomia aspirativa. O blush grade 0-1, que está relacionado a pior
prognóstico, esteve presente em 17,1% dos pacientes submetidos à trombectomia, e em
23,6% dos pacientes submetidos à angioplastia primária sem os dispositivos de
aspiração (p<0,0001). É importante ressaltar que essa redução apresentou implicação
prognóstica. A histopatologia confirmou o conteúdo trombótico da aspiração em 72,9%
dos casos, reforçando a elevada probabilidade de embolização distal para a
microcirculação.

A redução do tamanho do infarto do miocárdio pós-angioplastia primária com


trombectomia aspirativa também pode ser demonstrada com ressonância magnética
cardíaca que, além disso, é capaz de mostrar também uma maior área de viabilidade
miocárdica nos pacientes submetidos a essa técnica21.

No caso clínico foi utilizado um cateter de trombectomia (Figura 2a, seta), capaz de
aspirar grande quantidade de trombos macroscópicos (Figuras 2b, 2c).

Figura 2a
Cateter de trombectomia empregado para retirada de trombos.
Figuras 2b e 2c
Ambas as figuras mostram os trombos retirados com o cateter de trombectomia.

Embora tenha sido retirado da artéria coronária grande quantidade de trombos e o fluxo
anterógrado reestabelecido, a coronária direita permaneceu com grande carga de
trombos residuais mantendo o paciente com risco de embolização distal (Figura 3,
setas).
Figura 3
Coronária direita com grande carga de trombos residuais mantendo o paciente com risco de embolização distal.

Assim, optou-se pelo implante de stent com uma tela de proteção, Mguard® para
evitar essa complicação.

Diversas técnicas, drogas e dispositivos vêm sendo desenvolvidos para minimizar as


chances de ocorrência do fenômeno do no-reflow. O stent Mguard® foi especialmente
desenvolvido para uso nos casos de infarto agudo do miocárdio com presença de
trombos angiográficos. Este é composto por um stent convencional de aço recoberto
por uma malha fina de dacron. Os orifícios dessa tela apresentam entre 10-22 micras de
diâmetro e têm por finalidade aprisionar os trombos entre a parede e a referida tela,
evitando assim a embolização para a microcirculação (Figura 4).
Figura 4
Stent convencional de aço recoberto por uma malha fina de dacron com a finalidade aprisionar os trombos entre a
parede e a referida tela.

O uso desse novo dispositivo ainda precisa ser mais bem avaliado em estudos
multicêntricos, mas os resultados iniciais, como os apresentados no estudo
GUARDIAN22, são promissores.

No caso clínico apresentado, após o implante do stent, obteve-se excelente resultado


angiográfico com a normalização do fluxo (Figura 5).
Figura 5
Após implante do stent, obteve-se excelente resultado angiográfico com a normalização do fluxo.

3. Que tipo de stent deve ser utilizado na angioplastia primária?

Com o advento dos stents, a intervenção coronariana percutânea se concretizou como a


melhor estratégia de reperfusão miocárdica no infarto agudo com supradesnível do
segmento ST, quando realizada em centros de excelência que realizem elevado número
de procedimentos por ano3,23-27. O implante dos stents, quando comparado à
angioplastia simples de balão, foi associado a importante redução na frequência de
reintervenções intra-hospitalares, redução da revascularização do vaso-alvo (TVR) e
uma melhor evolução a curto e longo prazo28,29.

Meta-análise demonstrou redução substancial de eventos cardíacos maiores tardios


como morte, IAM e TVR (OR 0,42, 95%CI 0,32-0,56; p<0,0001) nessa estratégia de
reperfusão29. Embora não haja dúvida dos benefícios da angioplastia com implante de
stent no IAM, a incidência de reestenose angiográfica se situa em torno de 20%28.

Diversos estudos demonstraram acentuada redução da reestenose clínica e angiográfica


com uso dos stents farmacológicos em relação aos convencionais30-35. Registros
multicêntricos reportaram sinais de alarme devido à possibilidade desse tipo de stent
estar associado à chance maior de trombose quando utilizado para tratamento do infarto
agudo do miocárdio36,37.

Uma análise de onze estudos controlados (STRATEGY, PASSION, TYPHOON,


SESAMI, Di Lorenzo, BASKET-AMI, HAAMU-STENT, MISSION, DEDICATION,
SELECTION, Diaz La Lera), com 3605 pacientes envolvidos, comparou o uso de stents
farmacológicos com stents convencionais na angioplastia primária, mostrando não
haver diferença significativa no seguimento de dois anos na mortalidade (4,1% para os
pacientes com stents farmacológicos e 4,4% naqueles com stents convencionais, p=ns),
no reinfarto (3,1% vs. 3,4%; p=ns) assim como na ocorrência de trombose de stent
(1,6% vs. 2,2%; p=ns) e houve esperada redução das taxas de revascularização da
lesão-alvo (5,1% vs. 12,6%; RR=0,36; 95%IC 0,28-0,47; p<0,001)38. Os benefícios
dos stents farmacológicos permaneceram após esse período de dois anos, conforme
publicação do seguimento de três anos do estudo SESAMI39.

A elevada taxa de trombose dos stents farmacológicos parece estar muito mais ligada à
falha na prescrição médica ou a não aderência ao esquema antiplaquetário do que a
fatores diretos do stent, embora fatores técnicos sejam muito importantes como a
subestimativa do calibre real do vaso na fase aguda do IAM36.

O uso de stents farmacológicos, no IAM, deve seguir os mesmos critérios para a


utilização desses stents fora desse contexto. Os pacientes, necessariamente, devem ser
questionados sobre a perspectiva de possíveis intervenções cirúrgicas no período de
um ano, sobre a existência de alguma condição clínica que impeça o uso de
antiplaquetários por longo período e devem ser esclarecidos sobre a importância da
aderência ao tratamento e os riscos da suspensão precoce dos antiagregantes. Ademais,
deve-se considerar o uso de stents especiais para casos específicos, como o do
paciente em questão.

4. Que esquema antiplaquetário deve ser utilizado na angioplastia primária?

No início da intervenção coronariana percutânea com implante de stent, não estava


definido qual o melhor esquema de antiplaquetários e anticoagulação aplicar após a
intervenção, a fim de reduzir a ocorrência de trombose de stent e complicações
vasculares relacionadas ao procedimento.

Em 1991, Sigwart et al.40 publicaram o resultado dos primeiros stents implantados nas
artérias coronárias. Nesse estudo foi utilizado, como terapêutica farmacológica
adjuvante ao implante dos stents, uma associação de heparina subcutânea e intravenosa,
estreptoquinase em dose baixa ou uroquinase intracoronariana, AAS, dipiridamol e
cumarínico e, em alguns casos, sulfinpirazona. Mesmo assim a incidência de trombose
de stent foi tão elevada que tornava o benefício do procedimento questionável.
Seguindo a mesma linha, o estudo Benestent41 enfatizava o uso de anticoagulação
associado à heparina para a prevenção de complicações trombóticas do stent mas, da
mesma forma, a ocorrência dessa complicação e de complicações hemorrágicas foram
muito elevadas.

A partir do estudo ISAR42, que comparou AAS com ticlopidina versus AAS e
cumarínico, em 1996, verificou-se que o esquema antiplaquetário duplo, após o
implante de stent, era muito superior à prescrição de anticoagulantes, apresentando
redução na ocorrência de trombose de 5,4% para 0,8%.

O estudo CLASSICS43, por sua vez, demonstrou o melhor perfil de segurança do


clopidogrel associado ao AAS do que a associação do AAS com ticlopidina, sendo
essa associação mais amplamente utilizada.

Recentemente outras drogas surgiram, para, em associação com o AAS, compor o


esquema antiplaquetário duplo até então com clopidogrel, entre elas o prasugrel e o
ticagrelor. O estudo TRITON-TIMI 3844, que envolveu 13600 pacientes com síndrome
coronariana aguda sem supradesnível de ST de moderado e alto risco, e pacientes com
síndrome coronariana aguda com supradesnível de ST, randomizou os pacientes para
receberem AAS e clopidogrel ou AAS e prasugrel. Nesse estudo o prasugrel
apresentou, em relação ao clopidogrel, uma redução de 2,2% do risco absoluto e de
19% do risco relativo em relação ao desfecho primário, que era composto por morte
cardiovascular, IAM e acidente vascular encefálico. Vale ressaltar que a ocorrência de
trombose de stent foi 2,4% no grupo que recebeu clopidogrel e 1,1% no grupo que
recebeu prasugrel (p<0,001).

Um subestudo do TRITON-TIMI 38, o TRITON STEMI, avaliou 3534 pacientes com


síndrome coronariana aguda com supradesnível do segmento ST. Destes, 2438 foram
submetidos à angioplastia primária e os mesmos benefícios foram encontrados em
relação ao uso do prasugrel, com redução do risco relativo do desfecho primário de
21% (p=0,02) em 15 meses, sem haver, portanto, aumento na ocorrência de
sangramento maior (2,4% vs. 2,1%; p=0,65).

Uma das grandes vantagens do uso dessas novas drogas na síndrome coronariana aguda
é o início rápido de sua ação antiplaquetária, além da menor ocorrência de resistência e
da maior potência de antiagregação. Baseado nisso as diretrizes do AHA/ACC45
incluem o uso do prasugrel na dose de 60mg de ataque e 10mg por dia de manutenção
(classe I nível de evidência B).

O prasugrel está associado a um aumento na ocorrência de sangramento maior (2,4%


vs. 1,8%; p=0,03) com um aumento relativo no risco de sangramento de 32%. Análise
pos hoc sugere que três grupos podem não apresentar benefícios com o uso dessa
droga: os pacientes com história de acidente vascular encefálico prévio, aqueles com
idade >75 anos e os pacientes com peso inferior a 60kg. Nesses grupos a ocorrência de
sangramento foi significativamente maior.

Outro antiplaquetário introduzido recentemente é o ticagrelor. O estudo PLATO46


comparou o uso de ticagrelor e AAS com clopidogrel e AAS, na SCA. Houve redução
significativa no risco combinado de óbito cardiovascular, IAM e AVE e redução
significativa do óbito cardiovascular favoráveis ao ticagrelor. No estudo de forma
global, houve mais dispneia, bradicardia e elevação da creatinina associada ao
ticagrelor, assim como sangramento menor; houve mais sangramento maior não
relacionado à revascularização miocárdica. No subestudo de pacientes com síndrome
coronariana com supradesnível do segmento ST do braço com ticagrelor, em um ano,
houve redução da mortalidade global (4,9% x 6,0%; p=0,04); IAM, AVE e óbito CV
(9,3% x 11%; p=0,02); trombose definitiva de stent (1,6% x 2,5%; p=0,01) e reinfarto
(4,7% x 6,1%; p=0,01). Além disso, não houve diferença significativa em sangramentos
importantes (9,0% x 9,3%; p=0,63)47.

Os inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (GPIIb/IIIa) são inibidores da via final da


antiagregação plaquetária sendo de uso intravenoso e, portanto, apresentam um início
de ação bastante rápido, além de serem extremamente potentes.

Meta-análise48 que envolveu 3919 pacientes tratados com angioplastia coronariana


primária demonstrou que o uso de abciximab foi capaz de reduzir a mortalidade em 30
dias (2,4% x 3,4%; OR 0,68; IC95%: 0,47-0,99; p=0,047) e em 6 e 12 meses (4,4% vs.
6,2%; OR 0,69; IC95% 0,52-0,92; p=0,01) após o infarto agudo do miocárdio. Porém a
maior parte destes estudos ocorreu antes do uso mais difundido do clopidogrel, sendo
sua aplicabilidade ainda questionável49.

O estudo On-TIME 250, que envolveu 984 pacientes, demonstrou que o uso do tirofiban
associado a AAS e clopidogrel apresentou maior resolução do segmento ST no
eletrocardiograma quando comparado ao placebo, sem portanto se refletir em algum
benefício clínico50.

Parece haver benefício adicional da infusão intracoronariana de GPIIbIIIa; estudos


randomizados estão em andamento para esclarecer este ponto. Meta-análise recente
sobre o assunto avaliou o uso de epitifibatide, abciximab e tirofiban intracoronariano
na angioplastia primária versus a infusão intravenosa, concluindo que o grupo que
recebeu os inibidores GPIIb/IIIa intracoronariano apresentaram um maior percentual de
pacientes com fluxo TIMI 3 ao final do procedimento e uma redução na mortalidade em
30 dias, sem portanto apresentar maior ocorrência de sangramento51.

No caso apresentado o paciente recebeu como esquema antiplaquetário AAS, prasugrel


e abciximab intracoronariano na dose de ataque e intravenoso de manutenção.

5. Por quanto tempo deve-se manter a medicação antiplaquetária?

A eficácia, o benefício, a segurança e o custo-efetividade dos antiplaquetários no


infarto agudo do miocárdio já são bem estabelecidos na literatura médica mundial,
sendo em especial o AAS um dos medicamentos mais prescritos no mundo52. Hoje em
dia é inquestionável o seu uso no infarto agudo do miocárdio havendo inúmeros estudos
com resultados contundentes a favor do seu uso53,54.

Existem poucas contraindicações ao uso do AAS, devendo ser administrado em todos


os pacientes que não as apresentem. No Brasil recomenda-se a dose de 200mg como
dose de ataque seguido de 100mg por dia de maneira contínua15,55.

O estudo COMMIT/CCS-256, que envolveu mais de 45000 pacientes, demonstrou


benefício adicional do clopidogrel ao AAS na síndrome coronariana aguda com
supradesnível do segmento ST, apresentando redução de 9% no desfecho primário,
composto por morte, infarto e acidente vascular encefálico. Nesse estudo, o clopidogrel
foi utilizado por apenas 28 dias, porém é razoável que se extrapole os bons resultados
obtidos também com o uso do clopidogrel por 12 meses do estudo CURE57, realizado
com pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnível do segmento ST que
foram submetidos à angioplastia coronariana15.
Outro importante fator para se determinar o tempo mínimo para aplicar a terapia
antiplaquetária dupla é a definição de qual tipo de stent foi utilizado na intervenção
primária, se farmacológico ou convencional. A Sociedade Brasileira de Cardiologia
recomenda que após o implante de stent convencional deva-se usar o esquema de dupla
antiagregação plaquetária por quatro semanas e após o uso de stent farmacológico, 12
meses. O AAS deve ser mantido preferencialmente em uso ininterrupto15.

No caso foi utilizado um stent de nova geração, recoberto por uma tela de dacron não
havendo estudos a longo prazo que definam o melhor período de uso de antiagregantes
plaquetários. No estudo Guardian22 o período mínimo recomendado foi de 30 dias,
porém mais estudos são necessários para uma situação conclusiva a esse respeito.

É importante ressaltar que a aderência ao esquema antiplaquetário após o implante de


stent é fundamental a fim de evitar a trombose de stent, com mortalidade superior a
30% em alguns estudos58; a não aderência ao esquema antiplaquetário é o principal
fator para a ocorrência dessa condição clínica.

6. Qual via de acesso é a mais adequada para a angioplastia primária?

Evidências sugerem que o uso do acesso transradial reduz a incidência de sangramento


em relação à via femoral59. Na Europa, onde foi desenvolvida, é muito utilizada, ao
contrário do que ocorre nos Estados Unidos, uma vez que é uma técnica relativamente
nova e que exige uma curva de aprendizado do operador.

O estudo RIVAL59 avaliou 7021 pacientes com síndrome coronariana aguda submetidos
à coronariografia utilizando as duas técnicas, e mostrou que não houve diferença em
relação ao desfecho primário composto de morte, IAM, AVE e sangramento maior não
relacionado à revascularização cirúrgica, nem quando avaliados separadamente. Porém
nos casos de IAMST, houve redução de 40% no objetivo primário e redução da
mortalidade de 61%. Um aspecto importante é que além dos casos de IAMST, nos
centros com grande experiência na via radial o objetivo primário também foi atingido
com redução de 51%. Houve redução significativa na formação de hematomas e
pseudoaneurismas com a via radial com o mesmo índice de sucesso técnico pelas duas
vias. Deve-se considerar também que a via radial limita o calibre dos cateteres
utilizados e que o sangramento no local de acesso não se associa usualmente a aumento
na mortalidade.
O estudo multicêntrico RIFLE STEACS60 randomizou 1001 pacientes com IAMST
candidatos à angioplastia primária, para acesso radial ou femoral. Considerou eventos
clínicos adversos a composição de morte cardíaca, infarto do miocárdio,
revascularização da lesão-alvo, AVE ou sangramento não relacionado à cirurgia de
revascularização em 30 dias pós-intervenção. Houve mais sangramento pelo acesso
femoral em 30 dias (6,8% x 2,6%; p=0,002) assim como maior mortalidade cardíaca
(9,2% x 5,2%; p=0,02), sem diferença na incidência de infarto do miocárdio,
revascularização da lesão-alvo ou AVE. A via radial foi preditora de menos eventos
clínicos adversos em 30 dias (OR 0,6; IC95% 0,4-0,9; p=0,012). O uso da via radial
nesse estudo trouxe benefício clínico significativo com redução de eventos
hemorrágicos e redução da mortalidade cardíaca. Os autores consideram que a via
radial não deve mais ser considerada uma alternativa válida à via femoral, mas a via
recomendada na angioplastia primária, como é preconizado em diretrizes
internacionais.

O caso apresentado ilustra os problemas enfrentados frequentemente na abordagem do


IAM com a angioplastia primária na sala de hemodinâmica e as soluções que vêm se
apresentando disponíveis para resolvê-los. A utilização de técnicas e dispositivos
modernos como cateteres para trombectomia e stents cada vez mais dedicados,
associados à utilização de farmacoterapia adjunta com maior eficácia estão permitindo
que se atinja resultado cada vez melhor com a reperfusão mecânica no tratamento
intervencionista do IAM. Este é um campo em constante evolução e é preciso
acompanhamento e treinamento no uso dos novos dispositivos e medicamentos que
estão disponíveis e sendo desenvolvidos.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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REESTENOSE INTRASTENT: ABORDAGEM
ATUAL

Guilherme Lavall
José Ary Boechat Salles

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 68 anos, com quadro de angina estável classe III CCS a despeito de
tratamento clínico otimizado.

Histórico de diabetes não insulino-dependente, hipertensão arterial e dislipidemia.


Encaminhado para teste de esforço que foi positivo para isquemia miocárdica, sendo
indicada coronariografia. Exame evidenciou lesão focal crítica, não calcificada que não
envolvia ramo lateral no 1/3 médio da artéria coronária descendente anterior.
Submetido à angioplastia de artéria descendente anterior no seu terço médio com
implante de stent não farmacológico 2,75mmx18mm com sucesso.

Aproximadamente quatro meses depois, houve retorno dos sintomas anginosos com
eletrocardiograma evidenciando isquemia miocárdica espontânea no território da
artéria descendente anterior, optando-se por avaliação anatômica invasiva através de
nova coronariografia. Exame demonstrou uma reestenose difusa e proliferativa, com
crescimento neointimal, ultrapassando as bordas do stent. Realizada nova angioplastia
com implante de stent farmacológico eluído em paclitaxel 2,75mmx28mm, com
cobertura de todo o território acometido.

Permaneceu assintomático por seis meses, quando voltou a apresentar angina


rapidamente progressiva e incapacitante. Novo estudo hemodinâmico revelou
reestenose focal intrastent, junto ao bordo distal. Realizada angioplastia convencional
com resultado satisfatório, sendo utilizado então balão farmacológico 3,0mmX20mm,
com eluição local de paclitaxel, com resultado angiográfico satisfatório.

Após um ano de evolução do último evento, encontra-se assintomático. Em uso de


AAS, clopidogrel, atenolol, sinvastatina e metformina. Exame clínico revelando PA
=136x80mmHg e FC =56bpm; aparelhos cardiovascular e respiratório sem alterações
apreciáveis. Glicose =114mg/dL; Creatinina =0,8mg/dL; Hemoglobina =14,5g/dL; PCR
=2,3mg/L e LDL-colesterol =88mg/dL. Teste de esforço realizado não demonstra
isquemia miocárdica esforço-induzida.

OBJETIVOS
1. Caracterizar os mecanismos fisiopatológicos e as formas de apresentação da
reestenose de stent convencional e farmacológico.
2. Definir os preditores clínicos e angiográficos para a ocorrência de
reestenose de stent.
3. Descrever as modalidades diagnósticas invasivas e não invasivas que podem
ser empregadas neste contexto.
4. Analisar as opções de tratamento percutâneo.
5. Discutir o prognóstico e estratégias de seguimento pós-implante de stents.

PERGUNTAS
1. Como se define reestenose de stent e qual é o seu impacto?

O sucesso do tratamento das lesões coronarianas com implante de stents, seja ele
imediato ou tardio, é definitivo para que a revascularização miocárdica percutânea
alcance seus objetivos centrais, que são a melhora da sobrevida e dos sintomas. Ele
abrange o sucesso angiográfico, sucesso do procedimento e sucesso clínico, de curto e
longo prazos.

O sucesso angiográfico após implante de stents foi mais recentemente definido como
uma estenose residual abaixo de 10% (idealmente o mais próximo de zero possível)
com fluxo distal TIMI3. O sucesso do procedimento é caracterizado por sucesso
angiográfico e ausência de complicações intra-hospitalares maiores. Por fim, o sucesso
clínico de curto prazo requer sucesso angiográfico e do procedimento associados ao
alívio dos sinais e sintomas de isquemia miocárdica, com o sucesso clínico de longo
prazo sendo definido como a manutenção do sucesso clínico de curto prazo por um
período superior a nove meses1.

A reestenose de stent, a despeito dos avanços recentes da cardiologia intervencionista,


é a principal causa de insucesso clínico de longo prazo. Não deve ser vista como
complicação, mas como uma resposta biológica exacerbada à injúria vascular, porém
com implicações prognósticas que, além da necessidade de nova intervenção, provoca
um impacto significativo na morbimortalidade dos pacientes.

As taxas de reestenose variam de forma considerável, na dependência de fatores


clínicos e angiográficos e de fatores relacionados ao procedimento e ao tipo de
dispositivo utilizado. No caso da angioplastia com cateter-balão, as taxas de reestenose
variam de 32% a 42% e para os stents convencionais entre 16% e 32%. No caso dos
stents farmacológicos, a incidência fica geralmente abaixo de 10%.

A definição de reestenose de stent envolve, de fato, a distinção de dois conceitos


fundamentais. A reestenose angiográfica, que é definida como uma nova obstrução
≥50%, portanto chamada binária, no segmento do stent previamente implantado e
identificada através da coronariografia. E a reestenose clínica, cuja definição envolve a
comprovação da reestenose angiográfica associada à presença de sinais e sintomas de
isquemia miocárdica, seja pela sua documentação em testes funcionais ou pela
existência de dor torácica anginosa, levando à necessidade de uma nova
revascularização da lesão tratada3. Em geral, menos da metade dos pacientes com
reestenose angiográfica se apresenta com sintomas relevantes de reestenose em
seguimento de até um ano1.

2. Quais são as características histológicas e os mecanismos fisiopatológicos


envolvidos?

A intervenção coronariana percutânea provoca, em maior ou menor intensidade, injúria


e lesão à parede do vaso, dando início a um processo de regeneração do segmento
vascular tratado, que evolui de formas variadas, tanto no aspecto temporal quanto no
que se refere ao volume e extensão do tecido regenerativo. Entretanto, este processo
fisiológico de reparo, quando se dá de maneira acentuada, pode levar ao surgimento de
nova estenose coronariana, com todas as possíveis repercussões clínicas associadas.

Os estudos que investigaram e descreveram os aspectos histológicos do tecido


reestenótico se apoiaram em dados obtidos de autopsias ou na análise de fragmentos de
aterectomia rotacional. Além da caracterização dos tipos celulares e estruturas que
compõem esse tecido, podem ser avaliadas também a taxa de proliferação e a
densidade celular4.

Os mecanismos envolvidos no desenvolvimento da reestenose, após angioplastia com


cateter-balão são bem conhecidos, como o recolhimento elástico do vaso, o
remodelamento negativo e a hiperplasia tecidual. Com o emprego de stents, eliminam-
se os componentes de recolhimento e remodelamento, permanecendo como mecanismo
predominante a proliferação de tecido cicatricial denominado neoíntima. Do ponto de
vista histológico, ele é formado, predominantemente, por células musculares lisas e
regiões fibrolipídicas, que correspondem a uma espécie de matriz extracelular,
composta de proteoglicanas, colágeno e fibras reticulares4-14.

O tipo celular mais frequente e abundante na composição da neoíntima são as células


musculares lisas. Diferentes fenótipos já foram identificados, de acordo com a
expressão de determinadas cadeias de proteínas. De maneira simplificada, dividem-se
em fenótipos sintético, intermediário-sintético, intermediário, intermediário-contrátil e
contrátil. O padrão mais observado em fragmentos de reestenose de stents
convencionais e de stents eluidores de paclitaxel foi o fenótipo intermediário-sintético.
Já na situação em que material proveniente de stents eluidores de sirolimus foi
analisado, observou-se um predomínio do fenótipo intermediário-contrátil, e no caso de
stents eluidores de zotarolimus, o fenótipo intermediário12,13.

Outros tipos celulares também identificados no tecido reestenótico são as células


endoteliais e inflamatórias. As células endoteliais são detectadas principalmente em
microvasos no interior da neoíntima ou organizadas em pequenos aglomerados, não se
observando um padrão linear e contínuo ao longo das bordas dos fragmentos estudados.
Por sua vez, a presença de infiltrados inflamatórios do tipo linfomonocitário pode ser
observada em torno de 20% dos casos, proporção semelhante tanto para stents
convencionais quanto farmacológicos. Todavia, células inflamatórias isoladas, como
leucócitos CD18+ ou linfócitos T CD3+, são encontradas em 44% das reestenoses de
stents farmacológicos e em 31% das reestenoses de stents convencionais, sendo que
60% dos pacientes com evidências de células inflamatórias isoladas têm como
apresentação clínica um quadro agudo de angina instável4,8.

Em relação às taxas de proliferação e densidade celular, não há diferença significativa


entre stents convencionais e farmacológicos. Em estágios avançados e mais tardios de
reestenose, as taxas de proliferação celular são baixas e há intenso acúmulo de matriz
extracelular.

Na situação particular dos stents farmacológicos, existem outros fatores possivelmente


implicados na gênese da proliferação neointimal, além da agressão à parede vascular,
tais como resistência ao fármaco e reações de hipersensibilidade ao polímero.

3. Quais as formas de apresentação clínica e angiográfica da reestenose de stent?

A reestenose de stent habitualmente é vista como uma entidade clínica benigna e de


caráter estável, caracterizada pela recorrência dos sintomas anginosos aos esforços e,
portanto, oferecendo baixo risco de eventos duros como morte e infarto do miocárdio.
Essa tese, entretanto, vem sendo amplamente contestada pela demonstração de que uma
proporção considerável desses pacientes se apresenta com síndromes coronarianas
agudas e suas complicações correlatas. Um volume considerável de dados da literatura
confirma essas observações, com uma incidência de eventos coronarianos agudos na
apresentação clínica que varia de 25% a 78%. Não são identificadas diferenças
significativas entre os stents convencionais e farmacológicos1,2,15,16.

Em relação à apresentação angiográfica, desde 1999 adota-se uma padronização que


classifica as formas de reestenose de stent em quatro tipos, que apresentam estreita
correlação com a necessidade de nova intervenção. O padrão I é chamado de focal,
pois limita-se ao stent e com extensão inferior a 10mm. O padrão II é denominado
difuso intrastent, com extensão do processo reestenótico de forma mais difusa, superior
a 10mm, porém ainda restrito ao stent. O padrão III, por sua vez, é chamado de difuso
proliferativo, com extensão do tecido de reestenose além das bordas do stent, até 5mm
em cada bordo. Por fim, o padrão IV refere-se à reestenose oclusiva. Estes padrões
exibem taxas de nova revascularização em um ano após tratamento com angioplastia de
balão, implante de novo stent convencional ou ateroablação de, respectivamente, 19%,
35%, 50% e 83%, caracterizando a progressiva complexidade dessas lesões17-19.
4. Quais são os preditores para o desenvolvimento dessas lesões?

A incidência de reestenose num segmento coronariano tratado com stents pode variar
consideravelmente na dependência de características clínicas e angiográficas, além de
fatores relacionados à técnica do procedimento e à escolha da prótese a ser utilizada.
Com isso, foram identificados preditores de risco para o desenvolvimento dessas
lesões que podem ser didaticamente divididos da seguinte forma:
- clínicos: diabetes mellitus, apresentação como síndrome coronariana aguda,
intervenção percutânea prévia, doença multivascular;
- angiográficos: localização da lesão (tronco da coronária esquerda, enxertos venosos,
ostiais), vasos finos (diâmetro luminal ≤2,5mm), lesão extensa (comprimento de stents
≥40mm)20-27.

Os aspectos relacionados à técnica do procedimento que contribuem para a redução do


risco de reestenose incluem28-31:

correta seleção do diâmetro e extensão da prótese


otimização do implante com impactação em altas pressões
ganho luminal expressivo e ausência de lesões residuais significativas
minimização das sobreposições de hastes (overlapping)
evitar lesões residuais não recobertas em bordos (missing geográfico)
quando possível, preferência pela técnica de um stent nas lesões de
bifurcação.

Por fim, o emprego de stents farmacológicos leva a taxas de reintervenção


substancialmente menores se comparado aos stents convencionais, com a magnitude do
efeito proporcional à presença dos preditores clínicos e angiográficos descritos
anteriormente32-34.

5. Quais são os métodos utilizados para a confirmação do diagnóstico de


reestenose?
A confirmação angiográfica da reestenose do stent coronariano é feita através da
análise da coronariografia e do ultrassom intracoronariano. O principal evento a ser
valorizado, entretanto, é o impacto clínico desse achado, pois se pode ter pouca
correlação entre a clínica e os achados angiográficos, particularmente nas estenoses
moderadas entre 50% e 70%. Assim foi criado o conceito de revascularização da
lesão-alvo, que indica a necessidade de realização de novos procedimentos no local
previamente tratado, somente quando ocorre retorno da sintomatologia ou presença de
provas funcionais positivas para isquemia miocárdica, caracterizando assim a
reestenose clínica35. Essa conduta evita a revascularização desnecessária, quando é
guiada somente pelo chamado reflexo oculoestenótico, como foi demonstrado no estudo
Benestent II36.

5.1. Quais são as suspeitas clínicas para o diagnóstico de reestenose?

Quando ocorre, a reestenose do stent se manifesta, usualmente, dentro dos primeiros


seis meses após a intervenção, sendo incomum nos primeiros 30 dias e após o primeiro
ano. Em geral, apresenta-se entre o terceiro e o sexto mês após o procedimento, com
retorno do quadro anginoso. A ocorrência de infarto do miocárdio e morte súbita são
infrequentes (<1%)37,38. Isso se deve à progressiva redução da luz vascular pelo tecido
neointimal intrastent, sendo assim menos propenso a rupturas e à trombose aguda39.
Relatos recentes, entretanto, ressaltam a apresentação da reestenose como quadro de
síndrome coronariana aguda, com incidência variável, entre 26-53%16,40.

O retorno precoce da sintomatologia também pode ser devido à revascularização


incompleta ou à progressão da doença coronariana em outro território, quando a angina
retorna após o sexto mês do procedimento. A presença de sintomas, entretanto, é um
índice pouco confiável para avaliação desses pacientes, pois até 25% dos pacientes
assintomáticos apresentam isquemia documentada por provas funcionais41.

5.2. Que métodos devem ser utilizados para uma avaliação funcional não invasiva?

A presença de isquemia, clinicamente detectada ou silenciosa, após angioplastia está


associada a pior prognóstico42,43. Assim, alguns advogam avaliação rotineira de
isquemia em três a seis meses após angioplastia. Entretanto a diretriz do ACC/AHA43
orienta uma avaliação mais seletiva, utilizando testes provocativos especialmente nos
pacientes considerados de alto risco como aqueles com disfunção ventricular esquerda,
doença multiarterial, acometimento proximal da descendente anterior, morte súbita
prévia, diabetes mellitus, doença do tronco da coronária esquerda, ocupações de risco
ou angioplastia subótima43.

• Teste Ergométrico

Uma das provas funcionais mais frequentemente solicitadas, o teste ergométrico é útil
no esclarecimento de dores torácicas recorrentes e na detecção de isquemia
miocárdica, além de avaliar a capacidade funcional do indivíduo pós-procedimento.
Idealmente, todos os pacientes submetidos a tratamento percutâneo deveriam realizar
uma avaliação funcional pré-intervenção, permitindo uma base de comparação com a
prova de esforço realizada posteriormente, o que aumentaria a acurácia diagnóstica do
teste44.

A sensibilidade do teste ergométrico na identificação da reestenose, no entanto, é baixa.


Não existe consenso a respeito da utilização sistemática das provas de esforço ou
mesmo o período de tempo ideal para a sua realização pós-intervenção. A realização
muito precoce de testes (dentro dos primeiros 30 dias) é desaconselhada pela
possibilidade de resultados falso-positivos decorrentes de anormalidades na reserva de
fluxo coronariano nos dias seguintes à intervenção45,46.

Alguns pesquisadores defendem a realização rotineira de testes funcionais nos


primeiros seis meses pelo fato de a reestenose, especialmente de stents convencionais,
ser relativamente frequente e, por vezes, associada à isquemia silenciosa, o que estaria
associado a pior prognóstico42,47. Entretanto, há pouca evidência de que haja benefício
clínico com essa estratégia. Assim, a abordagem recomendada pelas diretrizes
americanas e nacionais sugere o emprego seletivo do teste ergométrico, no primeiro
ano pós-intervenção, sendo realizado em pacientes considerados de alto risco.

Em resumo, a realização do teste ergométrico pós-procedimento percutâneo está


indicada na avaliação de pacientes com sintomas recorrentes sugestivos de isquemia
(classe I), pacientes de alto risco, ou após a alta hospitalar para auxiliar na decisão de
retorno ao trabalho e orientação de programas de reabilitação (classe IIa). A utilização
rotineira de provas funcionais não invasivas detectoras de isquemia miocárdica para os
pacientes assintomáticos recebe a indicação IIa, nível de evidencia C na diretriz da
SBC3.

• Cintilografia Miocárdica (CM)

A CM pode demonstrar o sucesso do procedimento, evidenciando redução da área


isquêmica, bem como avaliar de maneira adequada aqueles pacientes que apresentam
dor torácica após a revascularização, além de estratificar o risco de eventos cardíacos
após o procedimento48. A anormalidade perfusional após a revascularização pode
corresponder a complicações periprocedimento, ao comprometimento de ramos
coronarianos secundários, à isquemia em artérias não revascularizadas, à reestenose do
vaso tratado ou ao surgimento de nova obstrução.

A cintilografia de perfusão miocárdica apresenta maior acurácia para o diagnóstico da


reestenose quando comparada à prova de esforço simples, pois as imagens
tomográficas permitem identificar não somente a presença, mas também a localização e
extensão da isquemia.

Os resultados da cintilografia miocárdica, quando realizada nos primeiros seis meses


após o tratamento percutâneo, foram avaliados em meta-análise49, que evidenciou
sensibilidade de 87% e especificidade de 78% naqueles pacientes que apresentavam
reobstrução superior a 50% no segmento previamente tratado. Esses valores
aumentaram, respectivamente, para 94% e 89%, quando consideraram apenas
obstruções superiores a 70%. Importante ressaltar que esses bons resultados foram
obtidos especialmente naqueles pacientes que apresentavam alta probabilidade de
reestenose pré-teste (50%).

As diretrizes do Grupo de Estudos de Cardiologia Nuclear/Sociedade Brasileira de


Cardiologia não recomendam o uso rotineiro da CM em pacientes assintomáticos após
ICP50. Os benefícios de sua realização estariam relacionados àqueles pacientes de alto
risco para o desenvolvimento de reestenose e, principalmente, para a detecção de
progressão da doença arterial coronariana em outros vasos48.

Outra situação que merece discussão é a avaliação precoce de pacientes após ICP. As
diretrizes americanas sugerem que não se faça estudo cintilográfico nos primeiros dois
meses após o procedimento51. Isto porque alguns estudos demonstraram que outros
fatores, que não a reestenose do stent, podem alterar a perfusão miocárdica nas
primeiras semanas após a ICP. No entanto, essa alteração deve ser valorizada quando o
paciente apresentar sintomatologia.

• Ecocardiografia de estress

Permite a identificação de áreas hipocontráteis relacionadas ao vaso tratado pela


angioplastia. Vários estudos demonstram que a ecocardiografia de estresse é um
método acurado para avaliar isquemia miocárdica após intervenção coronariana
percutânea devido, principalmente, ao seu alto valor preditivo negativo, em torno de
95% a 99%52,53. É uma técnica livre de radiação, sendo ferramenta útil no seguimento
desses pacientes54, nos quais a carga de radiação pode ser elevada55.

5.3. Que métodos devem ser utilizados para uma avaliação anatômica não invasiva
?

• Angiotomografia coronariana com múltiplos detectores (ATMD)

A possibilidade de reestenose intrastent tem estimulado a avaliação não invasiva dos


dispositivos pela angiotomografia coronariana com múltiplos detectores. Em alguns
estudos esse método pode auxiliar na avaliação dos pacientes.

A avaliação dos stents pela ATMD é significantemente mais difícil do que a avaliação
de segmentos arteriais sem stents. Artefatos causados pelas hastes metálicas das
próteses podem impedir a visualização da luz do stent e a quantificação do
estreitamento luminal56. Fatores relacionados aos stents (espessura das hastes, calibre
do stent, bem como o seu material), calcificações adjacentes, artefatos de movimento e
métodos de varredura (número de detectores) prejudicam a avaliação precisa dos
stents57,58.

Os aparelhos de 64 detectores, combinados com algoritmos de reconstrução


apropriados, permitem avaliar cerca de 88% dos stents examinados, com resultados
satisfatórios, com sensibilidade de 91%, especificidade de 94%, valor preditivo
positivo de 63% e valor preditivo negativo de 98%. O resultado de estudos recentes
demonstra uma sensibilidade moderada, com excelente especificidade59, sugerindo que
a avaliação de stents por ATMD, para afastar a presença de reestenose de stent, ainda
apresenta limitações.

Não obstante, a sensibilidade e especificidade da ATMD é superior àquela obtida com


teste de esforço60, imagem de perfusão miocárdica e ecocardiografia61,62. A
combinação de tecnologias como tomografia com emissão de pósitrons permitindo a
associação de dados anatômicos e funcionais pode melhorar a acurácia diagnóstica do
método. Ao mesmo tempo, avanços com novos stents com hastes mais finas e novos
materiais podem reduzir a proporção de stents não acessíveis por ATMD.

6. Que métodos devem ser utilizados para uma avaliação anatômica invasiva ?
• Coronariografia

Permite a detecção da reestenose do ponto de vista angiográfico, isto é, a presença de


redução da luz acima de 50% no local previamente tratado. Também auxilia na sua
localização (restrita ao interior da prótese ou acometendo também as suas margens
proximal e distal) e o padrão da reobstrução.

A classificação de reestenose angiográfica baseia-se no estudo de Merhan et al.17 que


classificou a reestenose em quatro tipos (focal, difusa, proliferativa e oclusão total),
discutindo suas implicações prognósticas, tratamento e recorrência.

As reobstruções focais (extensão inferior a 10mm) ocorrem em aproximadamente 40%


dos pacientes com stents convencionais, e têm prognóstico favorável. Em geral, são
tratadas por meio de nova intervenção percutânea utilizando cateter-balão ou stent (no
caso de reestenose envolvendo as bordas), com elevado índice de sucesso e com taxa
de nova revascularização da lesão-alvo estimado em 20%. Ao contrário, as lesões não
focais, aquelas mais complexas, evoluem de maneira desfavorável.

A reestenose difusa (>10mm) da prótese ocorre em aproximadamente 25% dos casos e,


após seu novo tratamento percutâneo, a recorrência incide em 25% a 35%. O padrão
proliferativo, no qual a reobstrução envolve a prótese e também as suas margens
proximal e distal em até 5mm, ocorre em 30% e o retorno da reestenose pode acontecer
em até 50%. A oclusão total, que incide em menos de 10% dos pacientes, está
associada a altas taxas de reestenose pós-intervenção percutânea (cerca de 80%).

A realização de coronariografia para o diagnóstico da reestenose pós-stent está


indicada na recorrência de sintomas anginosos típicos nos primeiros seis meses pós-
implante de stent, em pacientes uniarteriais ou multiarteriais com revascularização
completa; e nos assintomáticos ou oligossintomáticos com provas funcionais
demonstrando grande área isquêmica relacionada ao vaso tratado.

Indicação indiscutível em pacientes que pertencem a subgrupos de alto risco, como os


portadores de diabetes, doença multiarterial, lesão do terço proximal da artéria
descendente anterior, disfunção ventricular esquerda e intervenção em enxertos de veia
safena e como parte de protocolos de pesquisa que exijam a comprovação angiográfica
da reestenose coronariana.

A coronariografia não deve ser realizada de forma rotineira pós-revascularização na


ausência de sintomas e/ou provas funcionais isquêmicas. Tal recomendação baseia-se
principalmente nos resultados do estudo Benestent II36 que revelou o risco potencial do
chamado “reflexo oculoestenótico”, ou seja, a realização de nova intervenção
percutânea baseada exclusivamente no achado angiográfico (lesão ≥50% no segmento
previamente tratado).

Apesar de a angiografia ser o método geralmente utilizado para avaliar a doença


coronariana, ela apresenta algumas limitações bem conhecidas, dentre elas a análise de
lesões reestenóticas63. A presença das hastes metálicas do stent pode dificultar a
avaliação angiográfica, com risco de revascularização desnecessária. Assim como na
avaliação das lesões coronarianas ”de novo”, as lesões de reestenose devem ser
inicialmente avaliadas funcionalmente, com associação de exames não invasivos
(avaliação clínica, exames funcionais não invasivos, angiotomografia coronariana) e/ou
invasiva (FFR e ultrassom intracoronariano).

• Reserva de Fluxo Fracionada (RFF)

O RFF (sigla em inglês FFR) é um índice invasivo validado para avaliação funcional
da severidade da doença coronariana em pacientes previamente tratados com stents
convencionais64,65 e farmacológicos66, com papel importante na análise de lesões
reestenóticas moderadas. Apresenta correlação com os métodos não invasivos como a
cintilografia do miocárdio, o ecocardiografia de estresse e o teste de esforço, com a
vantagem de ser específico para cada vaso e obstrução67,68.

Um dos achados mais relevantes com o RFF é a discrepância entre a angiografia, que
avalia o diâmetro de estenose intrastent e a isquemia funcional, especialmente nas
lesões reestenóticas moderadas e/ou difusas. Assim a análise funcional pode identificar
pacientes que podem se beneficiar de novo procedimento de revascularização e, da
mesma forma, evitar procedimentos terapêuticos desnecessários.

• Ultrassom intracoronariano

O ultrassom intracoronariano consiste no melhor método para avaliação das causas de


falência mecânica do stent, pois permite uma precisa avaliação da resposta vascular
tardia ao implante das endopróteses coronarianas69. Além da correlação com achados
funcionais, permite a análise precisa: da expansão do stent (a hipoexpansão consiste
numa das principais causas de reestenose de stent); de distorções da prótese; da
presença de lesões na borda (barotrauma pela insuflação do balão fora dos limites do
stent); do gap entre stents; de placas ateroscleróticas residuais não cobertas pelo
stent; de fratura das hastes e grau de proliferação neointimal, podendo ainda servir de
guia para o tratamento mais adequado para o paciente.

7. Quais são as alternativas para tratamento da reestenose de stent?

O tratamento da reestenose coronariana deve levar em consideração três pontos


principais: a repercussão clínica e/ou funcional, a severidade da lesão e o padrão
angiográfico da reobstrução. Assim como no tratamento das lesões coronarianas “de
novo”, o tratamento das lesões de reestenose pode ser clínico, nova angioplastia ou
cirurgia de revascularização.

De um modo geral, o tratamento clínico exclusivo é realizado em pacientes que não


apresentam angina ou são pouco sintomáticos em suas atividades habituais, e cujas
provas funcionais demonstram pequena área de isquemia miocárdica. O tratamento
clínico também é sugerido quando a angiografia determinada por protocolos de
pesquisa detecta reobstruções moderadas (lesões entre 50% e 70%) na ausência de
sintomas e/ou provas isquêmicas. Por fim, a conduta conservadora deve ser adotada
quando o padrão angiográfico da reestenose é desfavorável (proliferativo e oclusão
total) e o vaso acometido supre área de pequena ou moderada extensão, particularmente
na presença de circulação colateral para esse território.

Nova intervenção percutânea está indicada na presença de sintomas anginosos


limitantes, associados a uma prova funcional isquêmica ou à presença de lesão
importante na angiografia (>70%), desde que esta seja tecnicamente abordável por
meio de balões ou stents17.

Por sua vez, a revascularização cirúrgica deve ser aplicada em casos de alta
complexidade clínica e angiográfica, como descrito a seguir:

1. pacientes multiarteriais, diabéticos ou não, com reestenose em mais de um


vaso, com padrão anatômico desfavorável (difuso, proliferativo ou oclusão),
especialmente se associado à disfunção ventricular esquerda;
2. reestenose associada à progressão da doença coronariana, envolvendo
grandes áreas de miocárdio viável;
3. reestenose e presença de doença valvar com indicação cirúrgica;
4. múltiplos episódios de reestenose que ocorrem em curto período de tempo
(menor que quatro meses), envolvendo artérias de grande calibre (≥3mm) e
que suprem áreas miocárdicas de moderada a grande extensão;
5. associação entre reestenose do vaso-alvo e lesão >50% em tronco de artéria
coronária esquerda.

Importante ressaltar que, independentemente do tipo de tratamento, deve haver controle


rigoroso dos fatores de risco relacionados à progressão da aterosclerose coronariana,
particularmente do diabetes mellitus, da dislipidemia e do tabagismo.

8. Quais são as modalidades de tratamento da reestenose de stent não


farmacológico?

Apesar de várias modalidades de tratamento, a reintervenção percutânea está associada


à evolução menos satisfatória a longo prazo70. Estudos demonstram que grande
proporção de lesões reestenóticas necessitam de repetição dos procedimentos de
revascularização20, em especial com morfologia mais complexa como aquelas com
reestenoses difusas e oclusivas.

O padrão de reestenose angiográfica após o implante de stent convencional foi


previamente descrito17, demonstrando-se que é um preditor independente de
revascularização, com impacto prognóstico no tratamento. Mehran et al.17
demonstraram que no seguimento de um ano os pacientes com stents convencionais
tratados por angioplastia de balão apresentaram taxas de reintervenção maiores
especialmente nos casos mais complexos (Tipo I: 19%; Tipo II: 35%; Tipo III: 50%; e
Tipo IV: 83%, p<0,0001).

Estima-se que cerca de 60% das lesões reestenóticas necessitarão de novo


procedimento de revascularização38, destacando a importância de uma terapêutica
efetiva para solucionar a reestenose intrastent.

Varias modalidades terapêuticas têm sido propostas para a reestenose dos stents
convencionais: angioplastia convencional, cutting balloon (balão cortador), repetir o
stent, braquiterapia vascular, aterectomia rotacional e excimer laser71. Apesar de a
angioplastia convencional ser o tratamento mais utilizado no tratamento da reestenose
intrastent, ela está associada à alta taxa de recorrência72, sem benefício adicional com
uso do cutting balloon73. A repetição do implante de stent, apesar de seu resultado
imediato ser superior ao da angioplastia convencional, não está associada à melhor
evolução clínica e angiográfica74. Da mesma maneira, técnicas ablativas não
apresentam resultados a longo prazo satisfatórios71, limitando as opções terapêuticas
nesse grupo de pacientes.

Assim, o desafio no tratamento da reestenose de stent consiste em promover adequado


ganho luminal no local do stent previamente implantado, associado a uma técnica capaz
de impedir nova proliferação neointimal obstrutiva. A liberação local de fármacos
capazes de impedir a proliferação/migração celular bem como a síntese de matriz
extracelular consiste atualmente no melhor tratamento da reestenose intrastent. O
veículo para a entrega da droga antiproliferativa pode ser um stent (stent
farmacológico - SEF) ou um cateter-balão (balão eluído em droga - BED).

• Stents farmacológicos

Numerosos estudos têm comprovado o notável efeito antirreestenótico dos stents


farmacológicos em vários subgrupos de pacientes e lesões, demonstrando inclusive sua
superioridade quando comparados às modalidades tradicionais no tratamento da
reestenose intrastent.

Meta-análise de estudos randomizados75, envolvendo 1230 pacientes com reestenose de


stents convencionais tratados com stents farmacológicos de primeira geração,
revestidos com sirolimus ou paclitaxel, comparados ao tratamento com angioplastia de
cateter-balão ou braquiterapia intravascular, demonstrou uma redução expressiva da
necessidade de reintervenção (65%) e da reestenose angiográfica (64%), sem diferença
na incidência de trombose de stent (0,8% vs. 1,2%). Os principais mecanismos
responsáveis por essa superioridade foram o expressivo ganho luminal agudo e a
inibição da formação neointimal75. O tratamento de escolha da reestenose do stent
convencional é o implante de stent farmacológico (indicação classe I, nível de
evidência B, segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia 2008)3.

• Cateter-balão eluído em droga (BED)

Recentemente os balões eluídos em drogas tornaram-se potencial alternativa no


tratamento da reestenose intrastent. A droga paclitaxel foi identificada como o fármaco
primário a ser utilizado nessa nova tecnologia, por sua rápida captação tecidual e
prolongada retenção na parede do vaso. A tecnologia do BED tem demonstrado
segurança e eficácia em estudos pré-clínicos e randomizados no tratamento da
reestenose de stents convencionais.

O BED permite a liberação da droga antiproliferativa no local da injúria vascular, não


sendo veiculada por dispositivo permanente como o stent. Além da vantagem de não ter
um arcabouço metálico para sua liberação, permite transferência homogênea da droga
por toda da parede do vaso, com rápida liberação da droga em alta concentração na
parede vascular por um período inferior a sete dias, com menor impacto na
reendotelizacão. Além disso, a ausência de polímero pode reduzir a inflamação crônica
e o risco de trombose tardia, com menor alteração na morfologia do vaso o que diminui
as alterações de fluxo, com potencial para redução do tempo de terapia antiplaquetária
dupla76.

Estudos iniciais comparam o BED77 com angioplastia convencional no tratamento da


reestenose de stent não farmacológico, indicando menor perda tardia e necessidade de
reintervenção com BED. Em seis meses, a perda tardia intrassegmento foi
significativamente menor no grupo tratado com BED (p=0,002). O grupo do BED
apresentou reestenose angiográfica em 5% e eventos maiores em 4%, comparados com
43% e 31%, respectivamente no grupo do balão não revestido (p=0,002 e 0,02).

No estudo PEPCAD II77,78, 131 pacientes com reestenose após implante de stent
convencional foram randomizados para receber BED ou stent revestido com paclitaxel.
O endpoint primário foi a perda tardia em seis meses, sendo significativamente menor
com BED (0,17mm) comparado ao stent revestido com paclitaxel (0,38mm). Os
eventos tardios foram menores no grupo BED (9% vs. 22%), principalmente por menor
necessidade de revascularização (6% vs. 15%). Atualmente a Diretriz europeia
recomenda o BED como classe IIa, nível e evidência B no tratamento da reestenose de
stent convencional79.

9. Quais as modalidades de tratamento da reestenose de stent farmacológico?

O tratamento ótimo da reestenose de SF permanece indefinido. A variedade de opções


de tratamento (angioplastia convencional, cutting balloon, BED, SF, SF diferente, stent
convencional ou cirurgia de revascularização) e as variadas etiologias de reestenose do
SF torna difícil para o cardiologia intervencionista determinar a terapia ótima para essa
condição. Atualmente somente um estudo randomizado investigou o tratamento da
reestenose de SF80. Estudos observacionais têm avaliado a evolução clínica e
angiográfica após intervenção percutânea para reestenose dos SF; entretanto o número
de pacientes envolvidos nesses estudos é pequena, as modalidades de tratamento são
variadas e os resultados inconsistentes.

• Angioplastia convencional

O ultrassom intracoronariano pode revelar o mecanismo da reestenose intrastent e guiar


a terapia. Do ponto de vista técnico, um balão com maior diâmetro e com alta pressão
pode ser útil na reestenose causada por hipoexpansão do stent. Uma questão técnica
comum da angioplastia de balão da reestenose é o deslizamento do cateter-balão
durante a sua insuflação, reduzindo a expansão do stent e aumentando o risco de lesão
nos seus bordos. Essa complicação pode ser reduzida com uso de cutting balloon ou
do cateter-balão com pontos (scoring balloon).

• Implante de SF na reestenose de SF

Resultados clínicos e angiográficos com SF para reestenose de stent convencional são


superiores àqueles da terapia convencional em vários estudos randomizados75,81,82. SF
atualmente é a modalidade de tratamento mais popular da reestenose de SF,
particularmente do tipo focal, por causa da segurança e eficácia imediata. Vários
estudos observacionais compararam os efeitos clínicos e angiográficos da repetição do
SF comparada a outras terapias83-85.

Kim et al.83 relataram menor incidência de reestenose em seis meses após novo
tratamento com SF (4%) comparado com tratamento convencional (35%) com cutting
balloon ou braquiterapia (n=58). Mishkel et al.84 relataram resultados similares com
108 casos de reestenose de SF. A necessidade de revascularização em um ano foi de
29% com uso de mesmo SF, 19% com diferente SF e 37% com terapia convencional
(cutting balloon, SC ou braquiterapia). Estudo observacional com 211 pacientes não
relatou diferença na incidência de revascularização da lesão-alvo no seguimento de
dois anos86. Entretanto pacientes tratados com repetição de SF geralmente
apresentavam um padrão basal de reestenose difusa.

Num pequeno estudo randomizado conduzido com 197 SF com reestenose87, os


investigadores encaminharam os pacientes (SF originais eram stents eluídos em
sirolimus (SES) – 55% ou stents eluídos em paclitaxel – 45%) para tratamento com
SES ou angioplastia com balão. Relataram uma tendência de menor revascularização
com SES (5,9% vs. 13,1%; p=0,09). A troca do tipo de SF implantado não demonstrou
qualquer benefício ou risco. Entretanto esses resultados iniciais são limitados, pois
predominantemente eram lesões focais com pequena amostra de pacientes. Nenhum
estudo randomizado comparou SF com cirurgia ou cutting balloon.

A polêmica do tratamento da reestenose usando o mesmo SF ou tipo diferente de SF


ainda persiste. Uma das etiologias da reestenose de SF é a resistência à droga
antiproliferativa. Assim, o tratamento com SF diferente pode ser mais efetivo no
tratamento da reestenose do que com SF idêntico. Poucos estudos investigaram o uso de
mesmo SF ou diferente SF no tratamento da reestenose de SF. Em geral esses estudos
compararam SES com stents com paclitaxel. Entretanto não temos dados com uso de SF
com outros dispositivos de segunda geração da família limus (zotarolimus, everolimus
ou biolimus). Único estudo randomizado, o estudo ISAR-DESIRE (Intracoronary
Stenting and Angiographic Results: drug eluting stents for in-stent restenosis)80
selecionou 450 pacientes com reestenose de SES para tratamento com mesmo SF
(homo-SF) ou SF diferente (hetero-SF com stent de paclitaxel)80. O comprimento
médio das lesões era de 12,7mm e 12,5mm, respectivamente, e a maioria dos pacientes
apresentava um padrão focal de reestenose (65% e 61%, respectivamente). Não foram
observadas diferenças na perda tardia em 6-8 meses de seguimento (0,40±0,65mm vs.
0,38±0,59mm) ou eventos clínicos em um ano (17% vs. 15%), morte/infarto (6,1% vs.
5,8%), e trombose de stent (0,4% em ambos os grupos).

Esses resultados podem refletir que a reestenose focal pode não ser devida à
resistência à droga, mas sim a intervalo entre os stents, fratura do stent, eluição
imperfeita da droga, dano ao polímero ou combinação desses fatores. Reestenose difusa
tem maior chance de resistência à droga, e futuros estudos podem avaliar a troca da
droga utilizada nas lesões difusas.

• Braquiterapia

Pequeno número de estudos observacionais investigou o uso de braquiterapia como


opção de tratamento de reestenose de SF85,88. Torguson et al.85 relataram menor taxa de
morte, infarto ou revascularização do vaso-alvo em oito meses nos pacientes tratados
com braquiterapia comparado com SF no tratamento de reestenose de SF. Entretanto por
causa da alta incidência de reestenose tardia e problemas logísticos, o uso da
braquiterapia se reduziu nos últimos anos89.

• Cirurgia de revascularização miocárdica (CRM)

A variabilidade de resultados do tratamento intervencionista no tratamento de


reestenose de SF necessita de consideração da CRM como opção de tratamento em
casos complexos (doença de múltiplos vasos, especialmente difusa, re-reestenose de
SF).

• Cateter-balão eluído em drogas - BED

O uso de BED é outra nova promissora modalidade de tratar a reestenose de SF.


Apresenta vantagem teórica sobre o SF, pois permite a liberação de um agente
antirreestenótico sem adicionar uma nova camada metálica, além da possibilidade de
uso inúmeras vezes em caso de recorrência. O BED demonstra ser efetivo no tratamento
da reestenose de SC77,78. Estudo comparando o BED com angioplastia por cateter-balão
para tratamento de reestenose de SES demonstrou superioridade angiográfica com BED
aos seis meses, com menor perda tardia (0,18±0,45mm vs. 0,72±0,55mm; p<0,001),
reestenose recorrente (8,7% vs. 62,5%; p<0,0001) e revascularização da lesão-alvo
(4,3% vs. 41,7%; p=0,003), com elevada sobrevida livre de eventos (96% vs. 60%;
p=0,005)90. Entretanto cabe ressaltar a necessidade de estudos comparando BED com
SF no tratamento de reestenose de SF.

Algoritmo proposto
O tratamento da reestenose de SF deve ser individualizado através da análise com
ultrassom intracoronariano para esclarecimento do mecanismo etiológico (Figura 1).

Figura 1
Algoritmo para tratamento da reestenose do stent farmacológico.

Comentário sobre o caso

Observa-se o caso de paciente que apresentou a sua primeira revascularização com uso
de stent não farmacológico. Devido à reestenose, a opção de implantar um stent eluído
em paclitaxel cobrindo todo o stent, inclusive as áreas sãs, proximal e distal foi a mais
apropriada e menos invasiva. Como a evolução em seis meses foi de sintomatologia
exuberante relacionada à ”re-reestenose” focal intrastent, junto ao bordo distal, optou-
se por um tratamento contemporâneo com cateter-balão farmacológico sem a
necessidade de metalizar ainda mais a artéria com implante de um terceiro stent, e nem
tampouco um tratamento mais invasivo através da CRM.

Apesar de a reestenose ainda ser um problema, independente do avanço tecnológico


das ICP, as inúmeras alternativas de tratamento disponíveis estimulam cada vez mais a
utilização da terapêutica percutânea em pacientes com grande complexidade anatômica
e em pacientes com muitas comorbidades.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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American College of Cardiology Foundation; American Heart Association
Task Force on Practice Guidelines; Society for Cardiovascular Angiography
and Interventions. 2011 ACCF/AHA/SCAI Guideline for Percutaneous
Coronary Intervention. A Report of the American College of Cardiology
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VALVULOPLASTIA MITRAL POR BALÃO NA
ESTENOSE MITRAL

Edison Carvalho Sandoval Peixoto


Ricardo Trajano Sandoval Peixoto

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 43 anos apresentava estenose mitral severa após tratamento médico,
em CF III, ritmo sinusal; área ecocardiográfica pré-intervenção de 0,90cm2; pressão
pulmonar média no cateterismo cardíaco pré-intervenção de 36mmHg, gradiente médio
pré-intervenção de 30mmHg e válvula mitral competente.

Foram consideradas as possibilidades: continuar em tratamento clínico, ser submetida à


comissurotomia mitral cirúrgica ou à plastia mitral cirúrgica ou à troca valvar mitral ou
ao novo tratamento de valvuloplastia mitral por balão. A valvuloplastia por balão foi
realizada em agosto 1987. A valvoplastia mitral com balão único de 20mm foi
realizada na paciente, sendo o escore de Wilkins =10 pontos, em 1992.

No primeiro procedimento em 1987, a área valvar mitral ecocardiográfica pré-


procedimento era de 0,90cm2 e de 1,50cm2 pós-procedimento; a pressão pulmonar
média pré-procedimento era de 36mmHg e pós-procedimento de 30mmHg; gradiente
mitral médio pré-procedimento de 30mmHg e pós-procedimento de 4mmHg; e ausência
de insuficiência mitral tanto pré como pós-valvuloplastia mitral por balão (Figuras 1 e
2). A paciente tornou-se assintomática e teve alta dias após.
Figura 1
Em A: gradiente mitral no cateterismo
Em B: gradiente mitral durante a valvuloplastia mitral
Em C: importante diminuição do gradiente mitral pós-valvuloplastia mitral por balão

Figura 2
Em A: Balão de 20mm de diâmetro inflado na válvula mitral, com a marca do orifício mitral estenótico
Em B: Balão plenamente inflado
Em C: Área valvar pré-valvuloplastia de 0,90cm2
Em D: Abertura da válvula mitral nas comissuras com área valvar de 1,50cm2 pós-valvuloplastia mitral
Fonte: Peixoto9

Em abril 1992, durante o seu seguimento, apresentava área valvar mitral


ecocardiográfica de 0,90cm2 e classe funcional IV, mostrando ter reestenosado a
válvula mitral. Encontrava-se com 47 anos, em junho 1992, em classe funcional IV,
fibrilação atrial, área valvar mitral ecocardiográfica pré-procedimento de 0,90cm2,
pressão pulmonar média de 19mmHg, gradiente mitral médio pré-valvuloplastia por
balão de 19mmHg, área valvar mitral medida pela fórmula de Gorlin de 0,90cm2 e
válvula mitral competente, sendo submetida a nova valvuloplastia por balão.

Após a segunda valvuloplastia mitral com balão, agora com balão único de 30mm de
diâmetro (área efetiva de dilatação de 7,06cm2), a área valvar mitral ecocardiográfica
passou para 1,80cm2; a pressão pulmonar média passou para 16mmHg; o gradiente
mitral médio caiu de 22mmHg para 4mmHg; a área valvar mitral passou para 1,80cm2,
sendo a válvula mitral competente tanto pré quanto pós-intervenção (Figuras 3, 4 e 5).
Figura 3
Gradiente capilar pulmonar encunhado pré-intervenção, gradiente átrio esquerdo-ventrículo esquerdo antes da
dilatação por balão e importante diminuição do gradiente átrio esquerdo-ventrículo esquerdo pós-valvuloplastia mitral
por balão.
Figura 4
Balão único de 30mm de diâmetro inflado na válvula mitral.

Figura 5
Área valvar mitral ecocardiográfica pré-valvuloplastia mitral de 1,0cm2 e pós-valvuloplastia de 1,80cm2.

No seguimento de outubro 2000, a paciente apresentava área valvar mitral


ecocardiográfica de 1,57cm2 e classe funcional II em uso de digital e cumarínico,
continuando em tratamento clínico.
Em dezembro 2004, agora com 59 anos, apresentava estenose mitral moderada, com
área valvar mitral ecocardiográfica de 1,20cm2, insuficiência mitral discreta, em classe
funcional III, com fibrilação atrial e importante calcificação mitral ao ecocardiograma.
Foi submetida à coronariografia objetivando o tratamento cirúrgico, ao contrário dos
anos de 1987 e 1992 em que se fez opção pela valvuloplastia por balão.

À coronariografia apresentava pressão pulmonar média de 19mmHg, ausência de


insuficiência mitral, grande calcificação da válvula e anel mitral, com coronárias
normais (Figura 6). Em função dos achados, indicou-se cirurgia para troca valvar
mitral.

Figura 6
Válvula mitral importantemente calcificada.
Entre a primeira valvuloplastia mitral por balão e a indicação cirúrgica de troca valvar
mitral decorreram 208 meses; e entre a segunda valvuloplastia mitral e a indicação
cirúrgica 150 meses, tendo sido o primeiro procedimento desta paciente a publicação
pioneira da técnica transeptal no Brasil; a paciente ganhou 17 anos e 4 meses com as
intervenções, postergando a troca valvar mitral.

OBJETIVOS
1. Revisar as técnicas de valvuloplastia mitral por balão em uso na atualidade e
sua evolução no tempo.
2. Discutir as indicações e contraindicações desse tratamento na estenose mitral
grave, moderada e discreta.
3. Analisar resultados imediatos e evolução em longo prazo das técnicas
utilizadas na atualidade.

PERGUNTAS
1. Quais as técnicas de valvuloplastia mitral utilizadas desde sua introdução em
1984 e na década de 90 e quais são as atualmente utilizadas?

A valvuloplastia mitral por balão foi introduzida em 1984 quando Inoue et al.1
publicaram a técnica de dilatação percutânea por balão da válvula mitral, utilizando o
balão que leva o nome do autor (Figura 7). Em 1986, McKay et al.2 e Palacios et al.3
iniciaram esse procedimento nos Estados Unidos da América com um balão único. Na
Arábia Saudita, Al Zaibag et al.4, em 1986, passaram a usar a técnica do duplo-balão
por via transeptal para obtenção de maior área valvar mitral após o procedimento
(Figura 8).
Figura 7
Balão de Inoue sendo inflado e, a seguir inflado na mitral.
Fonte: Peixoto et al.11

Figura 8
Técnica do duplo-balão
Em A: balão de 15mm de diâmetro
Em B: balão de 15mm inflado
Em C: balões de 15mm e 20mm
Em D: balões de 15mm e 20mm inflados
Fonte: Peixoto et al.11

Babic et al.5, em 1986, descreveram outra técnica de dilatação valvar mitral, em que o
fio-guia e o cateter-balão eram introduzidos retrogradamente pela aorta. Em 1987,
Mossmann et al.6, em Porto Alegre, e Buchler Jr et al.7, em São Paulo, utilizando o
cateter de Sones, descreveram uma nova técnica por via retrógrada para atingir o átrio
esquerdo. Entretanto, das técnicas retrógradas, permaneceu apenas a de Stefanadis et
al.8, hoje também abandonada.
No Brasil, em 1987, Peixoto9 iniciou a valvuloplastia mitral por via transeptal por
balão, utilizando um único balão (Figura 2) e, logo a seguir, Peixoto et al.10 utilizaram a
técnica do duplo-balão (Figura 8). A partir de 1990, utilizaram predominantemente as
técnicas do balão de Inoue (Figura 9) e do balão único de baixo perfil Balt (Figura 4),
sobretudo nos pacientes oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS), já que o SUS só
autorizara o balão de Inoue após o ano 2000 (Figura 3)11-17.

Figura 9
Balão único de 30mm sendo inflado e inflado na válvula mitral.
Fonte: Peixoto et al.11

Cribier et al.18, em 1997, introduziram uma técnica de valvotomia, realizada através de


um valvulótomo metálico, que levava o nome do autor e podia ser reutilizado diversas
vezes, reduzindo assim o custo do procedimento18,19, que entrou em desuso, não sendo
mais fabricado.

Foi introduzida uma variante da técnica do duplo-balão de Al Zaibag4 por Bonhoeffer


et al.20, em 1999, chamada técnica do multi-track usando apenas um fio-guia para os
dois balões, que caiu em desuso.

Em relação aos balões únicos iniciais, surgiram posteriormente novos balões únicos e a
literatura descreve os resultados na valvuloplatsia mitral com os balões únicos de
baixo perfil e maior diâmetro de marca: Balt12, Nucleus21, Jomiva22 e o de Joseph23,
sendo essa última técnica possível de ser abordada tanto através da veia femoral como
da veia jugular interna.

O balão único de Inoue, devido ao seu tipo único1, continua sendo analisado
separadamente dos outros balões únicos.
2. Qual a importância do ecocardiograma na seleção dos pacientes candidatos a
valvuloplastia mitral por balão?

O ecocardiograma bidimensional pode ser usado para avaliar a morfologia do aparelho


valvar mitral, incluindo mobilidade e flexibilidade, espessamento e calcificação dos
folhetos, fusão das comissuras, espessamento do aparelho subvalvular, fusão e retração
da cordoalha tendínea, assim como a calcificação dos folhetos valvares. Esses aspectos
são importantes para determinar o tipo de tratamento a ser considerado.

Wilkins et al.24 criaram uma pontuação ecocardiográfica avaliando a morfologia do


aparato valvar mitral em pacientes com história de estenose mitral reumática que foram
submetidos à valvotomia percutânea por balão24. Foram avaliados a mobilidade dos
folhetos, o espessamento valvar e subvalvar e a calcificação valvar, obtendo-se uma
pontuação que varia de 0 a 16. Os autores identificaram que pacientes com boa
mobilidade e menor espessamento valvar, subvalvar e calcificação, apresentavam
melhores resultados imediatos após o procedimento percutâneo e, em um ano de
seguimento, através da obtenção de uma maior área valvar. Variáveis clínicas e
hemodinâmicas também foram avaliadas, porém sem interferir nos resultados24,25.
Quadro 3
Variáveis da pontuação ecocardiográfica de Wilkins et al.24
3. Segundo as diretrizes quais são as indicações da valvuloplastia mitral por balão
na estenose mitral grave, moderada e discreta?

Atualmente as indicações e contraindicações para a realização de valvuloplastia mitral


percutânea por balão são, de acordo com as Diretrizes dos ACC/AHA26:

Em pacientes sintomáticos (classe funcional II, III e IV da NYHA) com


estenose mitral moderada ou grave, morfologia valvar mitral favorável para
valvuloplastia percutânea por balão, na ausência de trombo em átrio
esquerdo ou insuficiência mitral moderada ou grave (indicação classe I, nível
de evidência A).
Em pacientes assintomáticos com estenose mitral moderada ou grave,
morfologia valvar mitral favorável para valvuloplastia percutânea por balão
que apresentem hipertensão pulmonar (pressão sistólica de artéria pulmonar
>50mmHg em repouso ou >60mmHg com exercício), na ausência de trombo
em átrio esquerdo ou insuficiência mitral moderada ou grave (indicação
classe I, nível de evidência C).
Em pacientes sintomáticos (classe funcional III e IV da NYHA) com estenose
mitral moderada ou grave, os quais não apresentem uma válvula mitral
calcificada e que não sejam pacientes candidatos ou tenham alto risco para
cirurgia (indicação classe IIa, nível de evidência C).
Pode ser considerada em pacientes assintomáticos com estenose mitral
moderada ou grave, morfologia valvar mitral favorável para valvuloplastia
percutânea por balão com um novo episódio de fibrilação atrial na ausência
de trombo em átrio esquerdo ou insuficiência mitral moderada ou grave
(indicação classe IIb, nível de evidência C).
Pode ser considerada para pacientes sintomáticos (classe funcional II, III e
IV da NYHA) com área de válvula mitral >1,5cm2 se houver evidência de
estenose mitral hemodinamicamente significativa por uma pressão sistólica
de artéria pulmonar >60mmHg, pressão de encunhamento de artéria pulmonar
(pressão de capilar pulmonar) ≥25mmHg ou com gradiente atrioventricular
>15mmHg durante exercício (indicação classe IIb, nível de evidência C).
Pode ser considerada como alternativa à cirurgia para pacientes sintomáticos
(classe funcional III e IV da NYHA) com moderada ou grave estenose mitral,
os quais apresentem válvula mitral calcificada e não maleável non-pliable
(indicação IIb, nível de evidência C).
Não está indicada em pacientes com estenose mitral leve (indicação classe
III, nível de evidência C).
Não deve ser realizada em pacientes com insuficiência mitral moderada ou
grave ou em pacientes com trombo em átrio esquerdo (indicação classe III,
nível de evidência C).

4. Em que situações a valvuloplastia por balão está contraindicada?

Não está indicada em pacientes com estenose mitral leve (indicação classe
III, nível de evidência C).
Não deve ser realizada em pacientes com insuficiência mitral moderada ou
grave ou em pacientes com trombo em átrio esquerdo (indicação classe III,
nível de evidência C)26.

5. Na paciente apresentada seria indicada a valvuloplastia mitral por balão?

Sim, pois apesar de um escore ecocardiográfico de 10 pontos na segunda intervenção,


criado após a primeira intervenção, as populações com escore de 9 a 11 podem ter bom
resultado, o que ocorreu com esta paciente. Já em 2004, a paciente, por ter importante
calcificação mitral, era candidata à troca valvar mitral, e a valvuloplastia só deveria
ser indicada em caso de paciente com contraindicação cirúrgica e, mesmo assim, com
grau elevado de possibilidade de mau resultado e complicações.

6. Quais os resultados apresentados pelas diversas técnicas de balão em uso no


momento?

Atualmente está comprovado que se pode obter área valvar mitral pós-valvoplastia
mitral percutânea por balão semelhante utilizando-se qualquer uma das técnicas, ou
seja, do duplo-balão, do balão de Inoue ou do balão único, desde que as áreas efetivas
de dilatação dos balões sejam comparáveis14-17,27-29.

7. Qual a evolução em longo prazo dos pacientes submetidos à valvuloplastia mitral


por balão?

A sobrevida geral e a sobrevida livre de eventos variam entre os grupos estudados, em


função das características clínicas e ecocardiográficas dos pacientes30-38. Entre as
características que favorecem a melhor evolução, encontram-se: menor idade, anatomia
valvar satisfatória com escore ecocardiográfico ≤8 pontos, presença do ritmo sinusal,
ausência de regurgitação mitral antes do procedimento e ausência de comissurotomia
cirúrgica prévia ao procedimento. Quanto ao último item foi relatado que o resultado
da nova valvuloplastia mitral após comissurotomia mitral cirúrgica, valvuloplastia por
balão anterior ou qualquer plastia mitral, depende muito mais do estado da válvula
quando do novo procedimento, avaliada pelo escore de Wilkins et al.24, do que do novo
procedimento39-41. Mostrou-se ainda que apesar do melhor resultado dos pacientes com
escore ≤8 pontos, o grupo com escore entre 9 e 11 pontos também apresentou resultados
e evolução bastante aceitável38,42.
Os balões ora em utilização apresentaram resultados semelhantes na maioria dos
comunicados14-17,27-29, com áreas de dilatação semelhantes, e também apresentaram
evolução em curto e em longo prazo habitualmente semelhantes43,44. Assim, é descrito
que a evolução de pacientes tratados com a técnica do duplo-balão é semelhante a dos
pacientes tratados com o balão de Inoue45-48. Da mesma forma é relatada evolução
semelhante de pacientes tratados com balão único em relação àqueles tratados com o
balão único de Inoue ou o duplo-balão21-23,43,44, estando também comprovada a
eficiência do balão único21-23,43,44,49-51.

O balão único é de menor custo que o balão de Inoue22,27,52. Apesar do custo bem
inferior da técnica do balão único, a técnica do balão de Inoue é de aprendizado mais
simples; entretanto, quando comparada com a técnica do balão-duplo, a técnica do
balão único não só é mais simples como de menor custo21,23.

8. Qual a vantagem da utilização da valvuloplatia mitral por balão em grávidas


sobre a cirurgia para a estenose mitral?

Quanto aos resultados em grávidas, a valvuloplastia mitral por balão mostrou-se


superior à comissurotomia mitral cirúrgica, já que ambas são eficazes em relação à
mãe, mas a valvuloplastia por balão evita a perda do feto, o que ocorre com grande
frequência com a plastia cirúrgica da válvula mitral. Com relação à mãe, a
valvuloplastia mitral foi acompanhada de bom resultado em longo prazo53-55.

9. O que está estabelecido quando se compara a cirurgia e a valvuloplastia para o


tratamento da estenose mitral grave?

Atualmente pode-se afirmar, de um modo geral, que a valvuloplastia mitral por balão é
o primeiro tratamento para pacientes com estenose mitral grave com válvulas passíveis
de plastias por balão ou cirúrgica, ficando a cirurgia para pacientes candidatos à troca
valvar mitral. Situações especiais que fogem a essa regra geral estão colocadas nas
diretrizes citadas anteriormente26.

10. Tendo sido a paciente do caso clínico tratada em duas ocasiões com balão único,
o resultado esperado seria semelhante se ela fosse tratada com o balão único de
Inoue?
Sim, está estabelecido que ambas as técnicas têm resultados semelhantes14-
17,22,23,27,43,44,51-60.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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TRATAMENTO PERCUTÂNEO DA DOENÇA
VALVAR AÓRTICA

Maria Cristina Meira Ferreira


Esmeralci Ferreira

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 91 anos, com queixa de falta de ar intensa e desmaio.
História da doença atual (HDA): apresentando dispneia progressiva, com piora há
quatro meses, evoluindo para quadro de edema pulmonar (três episódios). No último
evento houve necessidade do uso de prótese ventilatória por três dias. Estabilizou após
um mês de internação. Após a alta apresentou dois episódios de síncope e refere
presença de cansaço aos mínimos esforços.

Antecedentes: angioplastia com implante de stent em coronária direita há cinco anos.


Sem história prévia de doença reumática.

História social: nega etilismo e tabagismo.


História familiar: sem antecedentes.
Exame físico: microbrevilínea (Altura =1,48m; Peso =63kg). Leucodérmica, lúcida,
orientada no tempo e espaço. Corada, hidratada, anictérica e acianótica. Apresentando
importante cifoescoliose torácica.
Aparelho respiratório: dispneica +/4+, com discreta estertoração em ambas as bases.
Aparelho cardiovascular: pulsos diminuídos, universalmente palpáveis. Sem turgência
jugular. Ritmo cardíaco regular, com B4 audível. Sopro sistólico 3+/4+ em foco
aórtico. FC =105bpm; PA =115x65mmHg.
Abdome: globoso, sem visceromegalias.
Membros inferiores: discreto edema perimaleolar +/4+.

Exames realizados:
EcoDoppler de carótidas e vertebrais: sem lesões importantes.
Ecocardiograma uni e bidimensional: função sistólica do VE normal.
FE =71%. Leve aumento do átrio esquerdo. Gradiente VE/Aorta médio =69mmHg.
Área valvar estimada de 0,7cm².

OBJETIVOS

1. Discutir as indicações para a valvotomia com cateter-balão nos pacientes


com estenose aórtica.
2. Definir os critérios de seleção para o implante percutâneo de prótese aórtica:
indicações, contraindicações, avaliação pré-procedimento.
3. Discutir as possíveis vias de acesso e a importância das diferentes técnicas.
4. Analisar os resultados imediatos, tardios e complicações.
5. Comparar a técnica intervencionista com a cirurgia convencional.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso clínico relacionadas à sintomatologia
e ao exame físico?

A estenose aórtica (EAo) é a doença valvar mais frequente nos países em


desenvolvimento, sendo a febre reumática ainda a causa mais comum1. Nos EUA e na
Europa, atualmente, a calcificação degenerativa que ocorre em valvas aórticas
bicúspides ou tricúspides é a principal etiologia. Os pacientes idosos com quadro de
estenose aórtica podem apresentar um longo período sem sintomatologia, apesar da
obstrução no trato de saída do ventrículo esquerdo (VE) e da sobrecarga de pressão2-4.

Os sintomas mais comuns estão relacionados à atividade física, com intolerância e


dispneia aos esforços. A presença de precordialgia, síncope e sinais de insuficiência
cardíaca (IC) correlacionam-se com mortalidade de cinco, três e dois anos,
respectivamente4. O início dos sintomas já constitui a indicação precisa da troca
valvar, pois a tentativa de tratamento conservador se associa a uma sobrevida média
62% em um ano, 32% em cinco anos e 18% em 10 anos, com alto índice de morte
súbita cardíaca5. Os preditores de morte são: idade avançada, fração de ejeção (FE)
reduzida, IC, elevação de creatinina, insuficiência mitral e hipertensão pulmonar5.

O exame físico apresenta o clássico pulso carotídeo diminuído (parvus et tardus), mas
no idoso pode ser amplo. O sopro sistólico protomeso de ejeção é do tipo crescendo–
decrescendo. No idoso, este apresenta característica acústica musical, de baixa
intensidade com irradiação axilar, enquanto no jovem é mais exuberante no foco aórtico
com irradiação para o pescoço. A segunda bulha apresenta redução da sua intensidade e
uma vigorosa contração atrial é responsável pela presença de uma quarta bulha. A
percepção de frêmito sistólico é frequente6.

2. Que exames confirmam o diagnóstico de estenose aórtica?

Mesmo com a grande facilidade de diagnóstico pela anamnese e exame clínico, alguns
exames complementares auxiliam a identificação da EAo.

O ECG apresenta sinais de hipertrofia em mais de 80% dos casos7. A radiografia de


tórax pode demonstrar aumento do índice cardiotorácico, e até mesmo aumento atrial
esquerdo. Calcificações e irregularidades na croça da aorta são frequentes no idoso6.

O teste ergométrico (TE) informa sobre o padrão de tolerância física do paciente e


sinais de isquemia miocárdica. O TE normal está associado à baixa incidência de morte
súbita, mas está contraindicado em indivíduos sintomáticos6. O ecocardiograma com
Doppler é o padrão-ouro para confirmação diagnóstica, evolução da doença e
indicação de tratamento. A área valvar, que normalmente é de 3-4cm2, pode apresentar
reduções de até 50% (1,5cm), sem que haja repercussão clínica. As estenoses
moderadas apresentam áreas em torno de 1,2cm2 e as graves apresentam áreas ≤1,0cm2.
Os diâmetros valvares <0,7cm2 são considerados críticos. O cálculo da velocidade
máxima do fluxo, pelo ecocardiograma, através da aorta (Vmax) revela gravidade se
estiver >4m/s. Gradiente médio entre VE e aorta >40mmHg é encontrado em EAo
graves, entre 25-40mmHg em lesões moderadas e <25mmHg em estenoses leves7,8.

O cateterismo cardíaco está indicado para avaliação da coronariografia, em casos de


suspeita de doença arterial coronariana (DAC), como pré-operatório para a cirurgia de
troca valvar e nos casos especiais, onde haja grave disfunção do VE. Nesses pacientes
a ausência de um gradiente exuberante pode acarretar erro diagnóstico no que tange à
gravidade da EAo. Sendo assim, impõe-se o estudo invasivo com infusão de
dobutamina para estimular aumento do gradiente, permitindo boa correlação8.

3. Quais as indicações para o tratamento da estenose aórtica através da valvotomia


por balão?

A valvotomia por balão foi inicialmente oferecida como uma opção ao tratamento
cirúrgico da EAo9. Embora produzindo uma redução imediata do gradiente transvalvar,
a impossibilidade de promover dilatações >1,0cm2 de área valvar promove uma alta
incidência de reestenose e frequentemente acarreta retorno da sintomatologia. Ademais,
o índice de comorbidades do tipo AVE, infarto e complicações vasculares estão em
torno de 10-20%, assim como a mortalidade hospitalar10,11.

Lieberman et al.12, avaliando 165 pacientes, demonstraram que a valvotomia não altera
a história natural da doença, pois ao longo de seis anos, com essa técnica, 93% dos
pacientes evoluíram para óbito (60%) ou necessidade de cirurgia (33%). Por outro
lado, a sobrevida em três anos dos pacientes operados após a valvotomia foi 82%.
Esses dados sugerem que a valvotomia, como ponte para a cirurgia, pode ser uma
indicação em pacientes que apresentem quadros de instabilidade hemodinâmica e não
podem ser operados em primeira instância.

O uso da valvotomia como ponte para intervenção ainda não está bem estabelecido. As
indicações clássicas de valvotomia por balão continuam sendo para crianças e adultos
jovens portadores de valva aórtica bicúspide. Esse método terapêutico está
contraindicado para melhora sintomática em pacientes estáveis, candidatos à cirurgia
não cardíaca de urgência. Em gravidez a termo, com instabilização hemodinâmica a
valvotomia pode ser útil, mas o risco de insuficiência aórtica aguda é elevado13-15.
4. Quais as indicações para o procedimento percutâneo de válvula aórtica?

Após os estudos de Varadarajan et al.16, no qual 453 pacientes portadores de estenose


aórtica grave foram acompanhados clinicamente, por recusa ou impossibilidade de
serem submetidos à cirurgia de troca valvar, mostraram que a terapêutica
medicamentosa em nada alterava a evolução natural dessa doença, tornou-se imperiosa
a necessidade de uma alternativa não cirúrgica para o tratamento da EAo.

Levando-se em conta a falha do tratamento clínico, considera-se hoje a estenose aórtica


um grande problema endêmico nos países desenvolvidos, já que, por tratar-se de uma
doença degenerativa, que acomete pacientes idosos, a cada ano, mais pacientes
portadores de EAo irão surgir em decorrência do aumento absoluto do número de
idosos, decorrente do envelhecimento populacional e perspectivas de vida mais longa.

O implante de válvula cardíaca para o tratamento da estenose aórtica por técnica


percutânea foi descrita inicialmente em 2002, por Cribier et al.. Os pacientes que
apresentam comorbidades para a cirurgia são os principais candidatos a esse
procedimento.

A principal indicação para realização do implante está no cálculo dos escores de risco
para cirurgia cardíaca. Vários são os escores de risco existentes, não havendo consenso
de qual o melhor a ser utilizado. Quando se trata de implante valvar aórtico percutâneo,
consideram-se dois escores: o EuroSCORE, que pode ser calculado diretamente no site
<http://www.euroscore.org>, e o Surgycal Score Thoracic Surgery (STS score),
disponível em: <http://209.220.160.181/STSWebRiskCalc>

Pacientes com EuroSCORE >15% e/ou STS score >10% são candidatos ao
procedimento por apresentarem morbimortalidade elevada para a cirurgia de troca
valvar,. Importante destacar que o implante valvar percutâneo não substitui a cirurgia de
troca valvar; ele foi introduzido na terapêutica cardiológica com o objetivo de tratar um
enorme grupo de pacientes idosos, portadores de estenose aórtica degenerativa, que por
apresentarem alto risco para a intervenção cirúrgica eram deixados sem tratamento.

Atualmente são realizadas cerca de 200.000 cirurgias de troca valvar aórtica


anualmente em todo o mundo, mas também cerca de 30% dos pacientes não eram
operados por falta de condições cirúrgicas. Portanto, o implante valvar aórtico
percutâneo foi introduzido com o objetivo de atender a mais de 60.000 pacientes/ano.

Também devem ser considerados outros fatores de risco que não estão relatados nos
escores de risco utilizados, e são importantes fatores a favor do implante valvar
percutâneo, como aorta em porcelana, distúrbio da coagulabilidade, algumas
neoplasias, tórax ostil por radioterapia prévia ou cirurgias cardíacas anteriores,
principalmente se há presença de by-pass de artéria torácica interna pérvia.

Uma vez estabelecida a pré-indicação, que se pode chamar de paciente clinicamente


candidato ao procedimento de implante valvar aórtico percutâneo (IVAP), passa-se
para a segunda etapa de seleção dos candidatos, determinada pelos exames
complementares e que será denominada seleção anatômica dos pacientes.

5. Qual a rotina de exames para a seleção de pacientes?

Os exames de seleção iniciais dos pacientes têm por objetivo verificar se as condições
anatômicas do anel valvar aórtico e do trajeto vascular do paciente são adequados para
receber o implante valvar. São três os exames fundamentais: o ecocardiograma
transtorácico (ETT) e o transesofágico (ETE); a angiotomografia (angioTC) ou a
ressonância nuclear magnética (RNM); e o cateterismo cardíaco.

A anatomia da valva aórtica e uma estrutura bastante complexa e apresenta íntima


correlação com a valva mitral, o sistema de condução cardíaco e os óstios
coronarianos. Compreender essa complexa anatomia é de muita importância para se
entender as indicações e possíveis complicações advindas do procedimento. Observe
nas Figuras 1 e 2 essa complexa correlação das estruturas anatômicas do anel valvar.
Figura 1
Visualização da raiz aórtica e sua correlação com a imagem ao ecocardiograma.
Na linha verde está a base da raiz aórtica e em laranja a junção sinotubular. Observa-se a relação da raiz aórtica com
o septo interventricular.
Figura 2
Observe a relação dos folhetos valvares com o seio coronariano, porção membranosa do septo interventricular,
trígonos fibrosos e cordão mitroaórtico.

Ecocardiograma:

O ecocardiograma realizado por profissional experiente e conhecedor do protocolo de


IVAP é fundamental. Os seguintes dados necessitam ser informados:

presença de trombo intracavitário em átrio esquerdo ou VE


presença de hipertrofia de VE com medidas do septo e parede posterior de
VE
diâmetro da raiz aórtica
diâmetro do seio de Valsalva
diâmetro da junção sinotubular
diâmetro do anel valvar
altura do óstio coronariano esquerdo com relação ao anel valvar
avaliação do trato de saída de VE
medida da fração de ejeção de VE
medida da pressão arterial pulmonar

AngioTC da valva aórtica de raiz aórtica ou ressonância nuclear magnética:

Embora algumas vezes possa ser considerado um exame dispensável, a realização de


angioTC vem assumindo papel de maior importância com o avanço da qualidade das
informações fornecidas. Ela é capaz de realizar uma avaliação tridimensional da raiz
aórtica e de todo trajeto aórtico utilizado pelo percurso do cateter carreador da prótese,
quando se pretende utilizar o acesso femoral.

É preciso considerar a avaliação do risco-benefício da realização desse exame pela


grande quantidade de contraste a ser utilizada, pois muitos pacientes apresentam
clearence de creatinina reduzido e, obrigatoriamente, terão de ser submetidos ao exame
de cateterismo cardíaco, aumentando a injeção de contraste. A ressonância seria o
exame aconselhado nesses pacientes.

Dois tipos de válvulas estão disponíveis para implante no Brasil, sendo a tomografia o
protocolo pré-intervenção obrigatório para o implante da valva de Edwards SAPIEN e
muito aconselhável para implante da CoreValve. Muitas vezes o operador seleciona o
tamanho correto da valva a ser implantada pelas medidas realizadas pela
angiotomografia.

Cateterismo cardíaco:

Considerado indispensável pela necessidade de se conhecer a anatomia coronariana


antes do procedimento. A presença de coronariopatia, atualmente, não contraindica a
realização do procedimento. Caberá à equipe decidir se a angioplastia coronariana,
quando esta estiver indicada, deverá ser realizada ao mesmo tempo do implante valvar
percutâneo ou os procedimentos deverão ser feitos em dois tempos distintos. Essa
decisão dependerá muito da complexidade do procedimento de angioplastia a ser
realizado.

Caso se decida pela não realização de angiotomografia ou ressonância, o cateterismo,


além da avaliação dos diâmetros do complexo valvar aórtico, será o método de
avaliação da anatomia do arco aórtico, aorta torácica e abdominal e diâmetro das
artérias ilíacas.

O Quadro 1, específico para implante da prótese do tipo CoreValve, apresenta como


cada um desses exames deve ser utilizado e quais os resultados esperados, para que o
paciente possa ser considerado anatomicamente compatível com IVAP.

Quadro 1
Resultados anatômicos a serem avaliados por cada exame para o protocolo de implante de CoreValve.
Em verde observa-se o paciente ideal. Em vermelho o paciente inadequado anatomicamente ao IVAP.
6. Qual o percentual de sucesso hospitalar e os principais cuidados no pós-
operatório imediato?

Desde o primeiro IVAP realizado em 2002 por Cribier17 até então, os resultados a curto
e médio prazo melhoraram substancialmente. Inicialmente os dispositivos para implante
percutâneo eram montados em sistema de entrega de grande diâmetro e dificuldade de
manipulação. Esses sistemas que inicialmente possuíam 25 French (Fr) de diâmetro,
atualmente já estão disponíveis em 16Fr, o que modifica o sucesso do implante e
diminuem as complicações referentes ao procedimento22.

O estudo SOUCE avaliou o implante da valva de Edwards SAPIEN em 1038 pacientes.


O sucesso de implante ocorreu em 93,8% e a taxa de mortalidade foi 6,3% para o
acesso femoral e 10,3% para o acesso apical. Os índices de sucesso desse estudo, que
avaliou os implantes na Europa, são similares aos estudos americanos.

A Tabela 1 mostra os resultados do implante da CoreValve comparando a sua evolução


conforme a diâmetro do sistema de entrega empregado. Observa-se nítida diferença no
sucesso do procedimento.

Tabela 1
Resultados do procedimento
A variável aplicada é o diâmetro do sistema de entrega de montagem da valva.

AVE=acidente vascular encefálico

O paciente no pós-operatório deve ser monitorado em unidade intensiva por 48-72


horas pós-procedimento, com rigorosa observação das possíveis complicações como
oclusão de óstio coronariano e consequente infarto agudo, aparecimento de distúrbios
de condução, alterações neurológicas, tamponamento cardíaco, hematomas e
hemorragias no sítio de acesso. Todo paciente deve receber terapêutica com dupla-
adesividade plaquetária por pelo menos seis meses após o procedimento.

7. Quais são as próteses disponíveis para o tratamento intervencionista. Existem


diferenças entre elas?

São duas as próteses hoje mais empregadas no mercado mundial e disponíveis para
implante no Brasil: a prótese de Edwards-SAPIEN (Figura 3) que foi inicialmente
implantada em 2002 e tornou-se disponível para implante no Brasil em 2011; e a
prótese CoreValve (Figura 4) que teve seu primeiro implante efetuado por Eberhard
Gruber em 2005, e está disponível para implante no Brasil desde 2009.

A prótese de Edwards SAPIEN é composta de folhetos de pericárdio bovino montado


em um stent-balão expansivo de liga de cromo cobalto; a prótese CoreValve é composta
de folhetos de pericárdio suíno, e montada sobre um stent autoexpansivo de liga de
nitinol. O Quadro 2 apresenta as suas principais características.

Figura 3
Prótese aórtica Edwards SAPIEN (Edwards Lifesciences, Irvine, CA).
Stent de cromo-cobalto, três folhetos valvares de pericárdio bovino, expansível por balão.
(Figura obtida com autorização)
Figura 4
Prótese CoreValve, Medtronic, Minneapolis, MN. Stent autoexpansível de nitinol com folhetos de pericárdio suíno.
(Figura obtida com autorização)

Quadro 2
Características das próteses CoreValve e Edwards SAPIEN

A prótese de E. SAPIEN é desenhada para emprego por acesso femoral ou acesso


transapical de VE, guiado pelo RX, através de uma minitoracotomia sem necessidade
de cardioplegia. A CoreValve é introduzida pelo acesso femoral; na impossibilidade
deste, procede-se o acesso pela artéria subclávia ou pela aorta ascendente por
minitoracotomia.

Estudos comparativos diretos entre as duas próteses ainda não foram realizados, mas
dados disponíveis mostram não haver diferença entre elas quanto ao sucesso do
procedimento e presença de complicações por eventos cardíacos maiores24.
Os resultados são por comparação. Nota-se uma tendência maior à ocorrência de
acidente vascular encefálico (AVE) com a prótese de E. SAPIEN, evidenciado pelo
estudo PARTNER realizado com essa bioprótese, publicado em 2010, que surpreendeu
com a estatística de ocorrência de 10,6% AVE vs. 3% com a CoreValve, publicados
durante o mesmo período evolutivo de 12 meses. No entanto, com a prótese CoreValve
observa-se uma incidência muito superior de implante de marca-passo definitivo no
pós-procedimento, ocasionado pela característica do metal empregado, o nitinol que,
por ser autoexpansivo continua se dilatando por um determinado período após o
implante, como também pelo seu posicionamento no trato de saída de VE que leva à
compressão e inflamação do tecido de condução cardíaco. Essa incidência chega a
25% em alguns relatos enquanto a prótese de E.SAPIEN o relato é de 5%.

8. Existe superioridade entre o tratamento cirúrgico e o tratamento


intervencionista?

Não existe comparação na literatura entre o tratamento cirúrgico e o IVAP, pois este
está indicado nos casos em que a cirurgia foi considerada inadequada.

O estudo PARTNER26, previsto para finalizar em 2014, comparou o IVAP com o


tratamento clínico, teve seus resultados iniciais publicados em 2010 e mostrou uma
redução de mortalidade que foi 50,7% para o grupo de tratamento clínico e 30,7% para
o grupo de IVAP, após um período de 12 meses de acompanhamento. Esse achado
permitiu aos especialistas concluírem que os pacientes portadores de estenose aórtica
grave, que não são candidatos à cirurgia, encontram no implante IVAP uma alternativa
terapêutica considerada padrão-ouro de tratamento.

A cirurgia de troca valvar aórtica permanece como o tratamento de escolha para todos
os demais pacientes portadores de EAo que não apresentem alto risco ou
contraindicação cirúrgica.

9. Quais são os resultados de médio e longo prazo para o tratamento


intervencionista?

Poucas são as publicações que apresentam o acompanhamento de pacientes submetidos


à IVAP por período maior que um ano. O registro do Reino Unido, publicado em
outubro de 2011 nos possibilitou conhecer os resultados de 870 pacientes
acompanhados por dois anos após IVAP. A sobrevida em 30 dias foi de 92,9%, em um
ano de 78,6% e após dois anos de 73,7%.

Observa-se uma marcada redução da sobrevida entre 30 dias e um ano. Os fatores


atribuídos ao aumento da mortalidade nesse período são a presença de disfunção renal,
presença de doença coronariana associada, o acesso não femoral, fração de ejeção de
VE <30%, presença de regurgitação aórtica moderada a severa e doença pulmonar
obstrutiva crônica.

Esses resultados são encorajadores, embora haja uma queda na sobrevida entre 30 dias
e um ano de seguimento, ocasionada pela presença de importantes comorbidades, o que
alerta para se manter um critério rígido na seleção de pacientes para indicação de IVAP.
Outro dado importante resultante dessa análise é que ela direciona para a necessidade
de haver uma comparação entre o IVAP e a cirurgia de troca valvar em pacientes de
menor risco cirúrgico, pois a mortalidade maior está centrada em pacientes mais
críticos, podendo-se prever um provável melhor resultado a médio e longo prazo nos
pacientes de médio risco.

10. Qual a perspectiva futura para o tratamento percutâneo? As indicações serão


ampliadas?

As indicações vêm sendo ampliadas a cada ano, decorrentes da evolução da


bioengenharia, com produção de biopróteses cada vez mais amigáveis, passíveis de
serem utilizadas em situações mais complexas; e também porque anteriormente eram
inaceitáveis anatomicamente, e pela evolução técnica do implante cada vez mais
precisa, apresentam resultados infinitamente superiores aos apresentados há apenas
cinco anos atrás. Como exemplo pode-se citar pacientes portadores de coronariopatia
obstrutiva, que representavam uma contraindicação no passado, hoje são tratados
rotineiramente.

Não se pode esquecer que a cirurgia de troca valvar aórtica tem mais de 30 anos de
estudos evolutivos, necessitando ainda de muitas comparações para se considerar o
IVAP uma indicação nos pacientes de baixo risco cirúrgico. A durabilidade das
próteses biológicas em troca cirúrgica é sabidamente menor que a durabilidade das
próteses mecânicas, portanto, tratando-se as próteses valvares de implante percutâneo
de material biológico ainda há necessidade de se conhecer melhor sua durabilidade em
longo prazo.

Há, no entanto, uma conscientização crescente da necessidade de uma equipe


multidisciplinar, composta por cardiologistas clínicos, hemodinamicistas, cirurgiões
cardíacos, ecocardiografistas, radiologistas e anestesistas atuando em conformidade
com o que se chama de Heart Team para que os resultados se superem a cada dia, o que
irá expandir as indicações.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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OCLUSÃO DO APÊNDICE ATRIAL
ESQUERDO EM PACIENTE COM
FIBRILAÇÃO ATRIAL PERMANENTE

Edgard Freitas Quintella


Márcio José da Costa Montenegro

CASO CLÍNICO
Paciente M.A.C.S., feminina, 65 anos, natural de Pernambuco, residente no Rio de
Janeiro há 50 anos, funcionária pública aposentada. Procurou atendimento médico por
cansaço aos esforços. Investigação inicial evidencia obesidade com IMC =35kg/m2,
hipertensão arterial sistêmica descontrolada, deambulação com auxilio de apoio por
osteoartrose coxofemoral e antecedentes patológicos de dislipidemia e acidente
vascular encefálico (AVE), sem sequelas motoras, com confirmação por tomografia
computadorizada de crânio.

Queixa-se de dispneia aos esforços moderados, como deambular em terrenos planos


por aproximadamente duas quadras, com eventuais episódios de palpitação associadas
à dispneia em repouso nesses momentos.

Acompanhamento clínico há aproximadamente três anos desde o quadro de AVE,


quando foi diagnosticada a presença de fibrilação atrial permanente. Apresentou há
aproximadamente nove meses quadro de hemorragia digestiva alta por gastrite
hemorrágica pelo uso abusivo de anti-inflamatórios não esteroides, sendo que há três
meses, após controle clínico do fenômeno hemorrágico, reiniciou a anticoagulação com
dabigatran.

Ao exame clínico: Pulsos irregulares, amplos e simétricos nas quatro extremidades,


com FC =105bpm; PA =160x90mmHg. Ausência de edemas de membros inferiores ou
estase jugular. Mucosas hidratadas e hipocoradas +/+4. Ausência de sopros cardíacos
ou carotídeos, com bulhas irregulares, normofonéticas em 2 tempos. Pulmões limpos.
Abdome com perímetro aumentado (110cm), sem massas ou visceromegalias. Força
muscular e sensibilidade preservadas e simétricas. Sem déficits cognitivos ou de
reflexo.

ECG: ritmo de fibrilação atrial com resposta ventricular aumentada, distúrbio de


condução intraventricular pelo ramo esquerdo de 1º grau, alterações secundárias da
repolarização ventricular.

Ecocardiograma: FE =63%, ventrículo esquerdo com função sistólica preservada,


alteração do relaxamento ventricular, aumento do átrio esquerdo (50mm), sem
alterações das válvulas aórtica e mitral. Cintilografia miocárdica com dipiridamol
negativa para isquemia.

Hemoglobina =9,3g/dl; Hematócrito =26%; INR 1,1.


As ultimas dez avaliações sanguíneas do controle do INR impuseram o uso de varfarina
sódica 5mg/dia, alternado com 7,5mg/dia. Quatro dessas medidas estavam na faixa
terapêutica entre 2 e 3; e três se apresentavam em níveis maiores que 3,5 (sendo 5 e
6,5) e as demais inferiores a 2.

OBJETIVOS
1. Discutir nova opção terapêutica na prevenção de eventos tromboembólicos
secundários à fibrilação atrial (FA) em pacientes de alto risco e
contraindicação à terapia de anticoagulação oral.
2. Analisar a indicação e as técnicas do procedimento através da
fundamentação do desenvolvimento desse novo dispositivo.
3. Identificar os pacientes que se beneficiarão dessa nova abordagem na
prevenção de fenômenos tromboembólicos (FTE).
4. Atualizar e demonstrar resultados da técnica especialmente em grupo de
pacientes para o qual existia uma limitação à prevenção da instalação de
eventos isquêmicos cerebrais de alta morbimortalidade.

PERGUNTAS
1. Tendo em vista o quadro da paciente, qual a melhor conduta quanto à prevenção
de eventos tromboembólicos?

A queixa principal de cansaço aos esforços está relacionada a múltiplos fatores. O


quadro de anemia, possivelmente com a reincidência do sangramento digestivo,
agravado pela anticoagulação (dabigatran), está intimamente associado à piora dos
sintomas pela presença da fibrilação atrial.

Outros fatores como a obesidade e a baixa capacidade física também contribuem para o
quadro clínico. Entretanto, a queda dos níveis hematimétricos é o fator novo, e como o
sangramento é um preditor de mortalidade, o mesmo formaliza a necessidade de
suspensão da anticoagulação.

Sendo assim, diante das recomendações atuais, esta paciente ficaria sem nenhuma
medida eficaz para prevenir novos eventos tromboembólicos. No seu caso, o risco
cumulativo de eventos tromboembólicos é estimado em 6,7% ao ano, segundo sua
estratificação pelo escore de risco CHA2DS2-VA2Sc1 que, neste caso, é de cinco.
Assim, a indicação da oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo é uma nova
opção na prevenção de fenômenos tromboembólicos.

2. Quais são os pacientes com fibrilação atrial que apresentam elevado risco de
ocorrência de fenômenos tromboembólicos (FTE)? Como e quando iniciar
tratamento preventivo?

Em conformidade com as Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial2, mesmo nos


pacientes sem cardiopatia, a incidência de AVE em pacientes com fibrilação atrial é
frequente. Por sua vez, essa arritmia tem sua prevalência aumentada com a idade; tendo
a média de idade da população aumentado, estima-se que 1:13 pacientes, aos 70 anos
tenham FA. Considerando essa população com diagnóstico exclusivo de FA, o risco
cumulativo de AVE em um ano seria 1,3%2.

O risco de FTE em pacientes com FA não é homogêneo. Características clínicas e


ecocardiográficas têm sido sugeridas como significativas na sua estratificação;
entretanto somente hipertensão arterial sistêmica (HAS), idade avançada (≥75 anos)
diabetes mellitus (DM) e a ocorrência prévia de AVE ou ataque isquêmico transitório
(AIT) foram significativas como fatores de risco independentes3. Várias
publicações1,3,4 confirmaram que a presença de fatores como a insuficiência cardíaca, a
crescente relação com a idade (não somente os pacientes acima dos 75 anos, mas
também naqueles acima de 65 anos), a associação com doença arterial isquêmica
(principalmente a coronariana, mas também a periférica) e o sexo feminino são fatores
relevantes na incidência de FTE.

Essas publicações permitiram a criação de dados que definiram os fatores de risco e


ainda classificaram-nos em grupos, determinando os graus de risco em baixo,
intermediário e alto, facilitando a seleção para os candidatos à prevenção. Entretanto,
os dados referentes ao grupo de pacientes de risco intermediário ficaram confusos, pois
divergiam dependendo da referência e fundamentalmente quanto à indicação do uso da
anticoagulação e da antiagregação plaquetária. O estudo conhecido como CHA2DS2-
VA2Sc1 compilou essas informações e reorganizou os dados de forma a clarear
determinados pontos. O primeiro foi definir que os pacientes de baixo risco, ou seja,
com FA isolada, sem nenhum outro fator de risco e idade <65 anos têm indicação de uso
isolado de antiagregante plaquetário. Os demais devem seguir a seguinte conduta do
diagrama logo apresentado, que identifica os pacientes com maior risco de embolização
e orienta o tratamento preventivo.

3. Quais são os pacientes em uso de anticoagulação com alto risco para


sangramento?

Considerando o tratamento com anticoagulantes orais como efetivo na prevenção de


fenômenos tromboembólicos5 e com sua utilização mais ampla, inclusive em outros
cenários, a incidência de eventos hemorrágicos pode ser elevada.

Visando a desenvolver uma ferramenta para identificar os pacientes com maior risco de
hemorragias foi criado uma forma prática de classificar os pacientes quanto ao seu
risco em um ano, o HAS-BLED risk score6. Este considera fatores que estiveram
relacionados à ocorrência de hemorragias intracranianas, necessidade de internação
hospitalar, queda de hematócrito >2g/L e/ou que foram hemotransfundidos6. Os fatores,
que recebem a pontuação de 1 ponto cada, são:

Hipertensão (sistólica >160mmHg)


Disfunção renal (Cr>2)
Disfunção hepática (bilirrubina total >2X e transaminases hepáticas >3X o
basal)
AVE ou AIT
História de sangramento ou predisposição (coagulopatia ou anemia)
Labilidade do INR (<60% dentro da faixa terapêutica)
Idade >65 anos
Uso de drogas (antiagregantes, anti-inflamatórios não esteroides e esteroides)
Uso exagerado de álcool

Total: máximo 9 pontos

Os pacientes com pontuação ≥3 pontos têm um aumento significativo de sangramentos6


e a utilização dos anticoagulantes e antiagregantes plaquetários deve ser cautelosa, pois
não há consenso para esses casos.

4. Na era dos novos anticoagulantes orais haveria benefício para a oclusão do


apêndice atrial esquerdo?

Os desfechos de segurança são muito importantes na profilaxia dos FTE. No estudo RE-
LY7, publicado em 2009, com 18113 pacientes, comprovou-se a superioridade da maior
dose da dabigatrana em comparação à warfarina em relação ao AVE e à embolização
sistêmica (1,11% vs. 1,71%/ano; p<0,001); sua equivalência em relação a
sangramentos maiores (3,32% vs. 3,57%/ano; p=0,32); e na dose menor foi equivalente
quanto aos eventos e superior em relação à segurança.

Não obstante as vantagens da dabigatrana, duas grandes dificuldades podem restringir o


seu uso: o custo, pois enquanto a dose diária desta custa 13 dólares ao dia, a dose da
warfarina custa apenas 1 dólar; e nos desfechos de segurança de sangramento
gastrintestinal maior, a warfarina (1,07%) é superior à dabigatrana (1,57%) na dose de
150mg/2x ao dia7.

Esses dois fatores podem ser preponderantes para a indicação do tratamento local, em
um dos principais focos de origem de formação e armazenamento como o apêndice
atrial. A prevenção de FTE, com a oclusão do apêndice atrial esquerdo, poderá ser tão
eficaz quanto o tratamento sistêmico, mesmo que este seja feito com a nova geração de
anticoagulantes como a dabigatrana. A favor dessa modalidade de tratamento está o
caráter definitivo do mesmo, evitando os riscos de complicações hemorrágicas
possíveis em qualquer forma de tratamento por anticoagulação.

5. Por que ocluir o apêndice atrial esquerdo?

O apêndice atrial esquerdo (AAE) é um remanescente do átrio esquerdo embrionário,


que surge na quarta semana de gestação e que está envolvido no mecanismo regulatório
da sede. Ajuda a modular as relações entre pressão e volume nas câmaras cardíacas.

É uma estrutura anatômica complexa pela variabilidade de sua apresentação, contendo


um óstio ovalado, um ou mais lóbulos, de paredes finas e trabeculadas. Apresenta
diâmetros e profundidades variáveis.

É muito bem definida a associação da fibrilação atrial e fenômenos tromboembólicos.


Esses eventos podem ocorrer com frequência cinco vezes maior nesta situação8. Há
muito já se descreve a presença de trombo no AAE como principal fator relacionado à
ocorrência de FTE, sendo usual a prática de sua exclusão durante a cirurgia para
correção de distúrbios da válvula mitral associados à fibrilação atrial9. A partir de
observações de achados anatomopatológicos e exames de imagem como:
ecocardiograma, angiotomografia ou ressonância nuclear magnética, constata-se que em
pacientes com FA, 90% dos casos com presença confirmada de trombos na câmara
atrial esquerda, sua localização era o apêndice atrial esquerdo (AAE).

Na presença dessa arritmia, ocorre intensa redução na velocidade de fluxo no


esvaziamento do AAE, gerando estase sanguínea e aumentando a possibilidade de
formação de trombos. Assim, parece racional que essa cavidade se torne o foco de
atenção para direcionar o tratamento preventivo aos FTE, trazendo uma possibilidade
de abordagem localizada em contraposição à terapia preventiva sistêmica de difícil
manipulação.

6. Como ocluir o apêndice atrial esquerdo?

A oclusão do AAE é realizada de forma percutânea. Existem dois tipos de oclusores


disponíveis: Watchman e Amplatzer Cardiac Plug10 (ACP). Atualmente apenas o ACP
tem o registro da Anvisa. Apesar de ainda poucos dados estarem disponíveis, várias
publicações demonstram a factibilidade e segurança desse dispositivo. O estudo
PROTECT AF11 randomizou pacientes para a oclusão do AAE e para a anticoagulação
oral; demonstrou a não inferioridade com o uso do oclusor para a prevenção de FTE,
sendo superior quanto à ocorrência de AVE hemorrágico11.

O ACP, dispositivo de oclusão do apêndice atrial esquerdo, constitui-se de um lobo


distal de nitinol com uma malha de poliéster em seu interior, conectado por uma haste
central a um disco proximal. O lobo tem fios estabilizadores que fixam o dispositivo
dentro do AAE e o disco oclui a entrada do mesmo, proporcionando uma estrutura que
após a completa endotelização o selará.

O procedimento é feito sob anestesia geral, com controle ecocardiográfico


transesofágico (Eco TEE) periprocedimento. Constitui-se um acesso femoral arterial
com bainha arterial 5F para posicionamento de um cateter pig-tail 5F no plano valvar
aórtico. Através de acesso femoral venoso contralateral com bainha 8F, posiciona-se o
cateter de Mullins no septo interatrial, realizando a punção septal, avançando-o para o
átrio esquerdo. Será assim posicionado um cateter angiográfico dentro do AAE a fim de
realizar angiografia e para medir o maior diâmetro do colo e da zona de aterrisagem do
lobo, que orientarão o tamanho da prótese a ser utilizada. Essas medidas são
comparadas com as medidas do Eco TEE, não devendo variar mais que 2mm, para
serem consideradas válidas.

Após a definição do tamanho da prótese, troca-se o cateter de Mullins pelo sistema de


entrega que varia de 9F a 13F, dependendo do tamanho da prótese escolhida, para então
liberar o dispositivo no AAE, realizando controle do posicionamento tanto angiográfico
quanto ecocardiográfico .

7. Quando indicar e contraindicar a oclusão do apêndice atrial esquerdo?

O tratamento-padrão na prevenção dos fenômenos tromboembólicos secundários à


fibrilação atrial é a anticoagulação com os inibidores da vitamina K, os cumarínicos12.
Esse tipo de tratamento possui várias características que o tornam, na prática, difíceis
de manejá-lo13. A estreita relação do médico com o paciente é fator de grande
importância para o sucesso da medicação anticoagulante. O empenho do médico para
controlar, com a devida regularidade, a dose do medicamento, o amplo esclarecimento
sobre as características do tratamento são fundamentais. Por outro lado, a capacidade
do paciente em compreender a necessidade de disciplina para manter níveis séricos
adequados e a interferência com alimentos e outros medicamentos contribuem para a
obtenção de bom resultado14.

Deve-se ainda notar que a diferença entre a dose da warfarina necessária para prevenir
os FTE é muito próxima da dose relacionada aos eventos hemorrágicos. Sendo assim,
uma janela terapêutica estreita normalmente associada a diversos fatores que interferem
no adequado ajuste desse tratamento servem como empecilho para a adequação à
terapia-padrão. Como resultado, grande quantidade de pacientes é sistematicamente
excluída de uma perspectiva preventiva, ficando apenas sob tratamento empírico. Os
dados mostram que mesmo em registros clínicos, cujo ambiente é muito mais
selecionado que no dito mundo real, apenas 1/3 dos pacientes candidatos à terapia
preventiva de anticoagulação oral consegue manter o tratamento dentro da faixa
terapêutica15.

Assim, a possibilidade de utilização de um dispositivo que tem a capacidade de reduzir


a ocorrência desses eventos, com menor risco de sangramentos pode ser bastante eficaz
para os pacientes de difícil controle.

Apesar dos bons resultados iniciais, ainda não existem evidências científicas que
permitam substituir a anticoagulação pelo dispositivo de oclusão do AAE, cujo
benefício atual se restringe a uma parcela de pacientes, que estaria sem possibilidade
do tratamento farmacológico padrão.

O paciente deve ser avaliado sob diversos focos: capacidade de aderir ao tratamento,
ajuste da dose do medicamento, realização dos exames regularmente. O aspecto clínico
quanto ao risco de sangramento, como já descrito, também merece atenção no momento
da indicação e contraindicação.

Em resumo, os pacientes com avaliação de risco de embolização pelo critério do


CHA2DS2-VA2Sc ≥21, e que têm indicação para a utilização de anticoagulação,
apresentam, por analogia do risco, indicação para a oclusão do AAE. Entretanto, o que
corrobora a indicação é a impossibilidade ou pelo menos grande dificuldade em manter
a anticoagulação em níveis adequados. Os parâmetros descritos no HAS-BLED (≥3)
servirão como ferramenta para a tomada de decisão6 .

As contraindicações absolutas são a presença de trombo intracavitário, endocardite


infecciosa e interferência do dispositivo com a anatomia circunjacente (artéria
circunflexa, válvula mitral e veia pulmonar).
Esses dados devem ser mais amplamente estudados para que esta seja uma conduta
amplamente utilizada.

8. Quais são as possíveis complicações relacionadas ao dispositivo ou ao implante


do mesmo?

Como todo procedimento invasivo, o sucesso começa na indicação, portanto é


necessário avaliar todas as possibilidades para que se possa preveni-las. As
complicações relacionadas ao acesso vascular são as mesmas que ocorrem em
procedimentos de cateterismos cardíacos. As complicações dos acessos estão
intimamente relacionadas com o tamanho dos dispositivos; entretanto como o
dispositivo mais calibroso tem acesso venoso, a repercussão é menor. De qualquer
forma, hematomas e trombose podem ocorrer. A melhor forma de preveni-los é fazer o
acesso venoso e arterial em lados diferentes, com cuidado na compressão ao final do
procedimento.

Complicações relacionadas à punção transeptal são as mais temidas devido às suas


repercussões catastróficas, como tamponamento pericárdico, hemotórax e fístulas. O
ecocardiograma transesofágico durante o procedimento minimiza a incidência e traz
maior segurança a essa fase.

Complicações relacionadas à manipulação do septo interatrial com um dispositivo


robusto geralmente são fugazes, e estão associadas a respostas hemodinâmicas de
instabilidade como bradicardia severa e hipotensão que necessitam intervenções como
uso de atropina e drogas vasomotoras. O procedimento é feito sob anestesia geral, e a
condição volêmica e a monitorização devem ser contínuas, para que se resolvam as
intercorrências sem trazer riscos ao paciente.

A prevenção das complicações relacionadas à manipulação da prótese se inicia pela


profilaxia de embolias aéreas, com imersão total do sistema em solução cristaloide. A
perfuração do AAE durante a liberação do dispositivo e na manipulação da guia pode
ocorrer por se tratar de estrutura fina e trabeculada. Embolização do dispositivo para
dentro do átrio esquerdo está relacionada à escolha do tamanho da prótese. A
recuperação desta, após liberação do sistema de entrega, pode ser mais difícil,
podendo necessitar de cirurgia16, mas antes da liberação ela poderá ser recolhida e
reposicionada facilmente.

A outra possibilidade de complicação seria interferir com as estruturas anatômicas


circunjacentes, como compressão da artéria circunflexa, ocasionando isquemia
miocárdica; no funcionamento da valva mitral resultando em regurgitação e a drenagem
da veia pulmonar, com restrição ao fluxo de enchimento atrial esquerdo; no entanto, são
eventos raros nesse tipo de tratamento.

Complicações sistêmicas como infecção e AVE são menos frequentes e geralmente


mais relacionadas ao estado clínico do paciente do que pelo implante propriamente
dito.

9. Como deverá ser o acompanhamento dos pacientes submetidos à oclusão do


apêndice atrial esquerdo?

Após o procedimento o paciente deverá permanecer sob monitorização durante 24


horas, e até 48 horas sob regime de internação hospitalar para a observação de
possíveis complicações relacionadas ao uso do contraste que somente se manifestam
após 48 horas, e ainda por causa da punção transeptal.

No primeiro dia pós-operatório tão logo possa receber alimentação, o paciente deverá
receber antiagregação plaquetária dupla com AAS 100mg e clopidogrel 300mg de
ataque e 75mg/dia. O estudo PROTECT AF11 que utilizou o dispositivo Watchman e
acompanhou pacientes obrigatoriamente em uso de anticoagulante oral, manteve essa
terapia por mais 45 dias antes de interromper o seu uso. A maioria dos estudos10,16-18
com dispositivo ACP abordou pacientes com dificuldades para o uso de tal terapia e
como já não vinham fazendo uso do anticoagulante, só foi indicada a dupla
antiagregação por período de três meses19.

A rotina do seguimento clínico, na maioria dos estudos, seguiu o protocolo de visitas de


30 dias, 90 dias, 180 dias, 1 ano, e a partir daí visitas anuais. É recomendada a
repetição do ecocardiograma transesofágico aos 30 dias e seguimento com
ecocardiograma transtorácico aos 180 dias e 1 ano, para avaliar o posicionamento do
dispositivo, o selamento do AAE e a pesquisa de trombos.

Comentários referentes ao caso:


A paciente foi submetida a implante do dispositivo de Amplatzer por via transeptal, de
acordo com a rotina descrita na questão 6. Não houve intercorrências em relação ao
procedimento e, no acompanhamento de oito meses mantém-se sem eventos. A dupla
antiagregação plaquetária foi mantida pelo período de três meses e, atualmente, faz uso
apenas de aspirina, sem uso de anticoagulantes.

Potencial Conflito de Interesses


Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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Seção 12. Avaliação Pré e Peroperatória

Cirurgia Cardíaca de Emergência


Acompanhamento Cardiovascular Peroperatório
Cuidados Pós-Imediatos de Cirurgia Cardíaca
Pré-Operatório em Cirurgia Cardíaca
Avaliação Global do Cardiopata em Cirurgias Não Cardíacas
CIRURGIA CARDÍACA DE EMERGÊNCIA

Renato Vieira Gomes

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 75 anos, com passado de hipertensão arterial, dislipidemia e
fibrilação atrial intermitente, em uso de captopril, amiodarona, atenolol, sinvastatina,
aspirina e dabigatran. O paciente procurou a emergência cardiológica próxima à sua
residência, queixando-se de ter acordado pela manhã com forte dor precordial
constritiva iniciada em repouso, acompanhada de náuseas, sudorese e dispneia.
Informou ainda que, há três meses, vinha apresentando dor precordial constritiva
desencadeada aos médios esforços. Ao chegar à emergência, aproximadamente três
horas após o início da dor, apresentava os seguintes achados ao exame físico:

Pálido, ofegante, com sudorese fria, anictérico e acianótico


PA =110x60mmHg; FC =110bpm; FR =24ipm
Ausência de turgência de jugulares, SPO2 91% em ar ambiente.
Ausculta cardíaca com RCI em dois tempos, SS (++/4+) em foco mitral
irradiando-se para a axila.
Ausculta pulmonar revelou presença de estertores de finas bolhas até o terço
médio de ambos os pulmões.
O exame do abdome era normal.
Ausência de edema em membros inferiores.

O eletrocardiograma basal (ECG) revelou ritmo de fibrilação atrial, com elevação do


segmento ST de 4mm em DII, DIII e aVF.
Os exames laboratoriais revelaram: glicemia =150mg/dl; troponina I positiva; lactato
=3mmol/l. O hemograma, a função renal, os eletrólitos e o coagulograma eram normais.

O ecocardiograma mostrava acinesia inferior com hipocinesia nas demais paredes e


insuficiência mitral (IM) grave por provável disfunção de músculo papilar.

O paciente foi sedado, colocado em prótese ventilatória e encaminhado ao laboratório


de hemodinâmica. A coronariografia demonstrou: lesão de tronco de coronária
esquerda de 90%; artéria descendente anterior de grande importância e com lesão de
70% proximal e bom leito distal; primeira artéria diagonal com lesão de 65% proximal;
artéria circunflexa de pequena importância e sem lesões; primeira artéria marginal com
lesão de 80% proximal; e artéria coronária direita (CD) ocluída em seu terço
proximal.

Foi posicionado um balão de contrapulsação aórtico (BIA) e, em seguida, a CD foi


abordada e tratada com stent convencional.

Apesar da CD patente com bom fluxo, o paciente permanecia hipotenso, agora em uso
de noradrenalina e dobutamina em altas doses. O ecocardiograma demonstrava
agravamento da IM. Devido à gravidade e complexidade das lesões da coronária
esquerda e à presença de IM grave, o paciente foi encaminhado à cirurgia.

OBJETIVOS
1. Discutir o manejo peroperatório de paciente cardiopata gravemente enfermo
com indicação de cirurgia cardíaca de emergência (CCE).
2. Descrever medidas farmacológicas e não farmacológicas da equipe
multidisciplinar heart team, visando ao melhor tratamento e desfecho do
paciente que necessita de CCE.
PERGUNTAS
1. Quais hipóteses diagnósticas poderiam explicar a causa dos sintomas?

Não há dúvida de que o paciente apresenta um infarto agudo do miocárdio (IAM) da


parede inferior com elevação do segmento ST, complicado com ruptura ou disfunção de
músculo papilar e fibrilação atrial. Tais eventos levaram ao choque cardiogênico, que
não se resolveu com a angioplastia da artéria “culpada” nem com a colocação do BIA.
O ECG e o ecocardiograma confirmaram o IAM e a complicação mecânica.

O diagnóstico de choque baseou-se na presença de hipotensão, congestão pulmonar e


elevação do lactato. A Figura 1 resume os mecanismos fisiopatológicos do
desenvolvimento do choque cardiogênico e seu agravamento.

Figura 1
Choque cardiogênico
Fonte: adaptação do modelo de Pastemak e Braunwald In: Califf e Bengtson1

Vale salientar que, a essa cascata devastadora de eventos cardiovasculares e


hormonais, agrega-se ativação da resposta inflamatória com liberação de citocinas e
óxido nítrico2.

2. Pode-se retardar a cirurgia ou aguardar estabilidade?

O tratamento moderno do IAM com trombólise venosa e/ou angioplastia primária não
elimina a necessidade de cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) de
emergência. Essa cirurgia é recomendada em pacientes com as seguintes
características: falha de angioplastia primária ou impossibilidade técnica para
angioplastia3; anatomia coronariana favorável à revascularização; isquemia persistente
e instabilidade hemodinâmica4.

A CRM de emergência também está indicada a pacientes que necessitam de reparo


cirúrgico de complicações mecânicas do IAM, tais como IM e ruptura da parede livre
do ventrículo ou septo. A CRM de emergência ainda é recomendada em pacientes com
choque cardiogênico, passíveis de revascularização independentemente do intervalo de
tempo decorrido após o IAM5-7.

Destaca-se a necessidade de CRM de emergência em pacientes com arritmias


supostamente decorrentes de isquemia e que representem ameaça à vida, em presença
de lesão de tronco de mais de 50% e/ou lesão dos três vasos8. A necessidade de CCE
por si só agrega risco, como demonstrado em estudo9 que avaliou risco de morte em
pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Pacientes submetidos a CCE tinham seu risco
aumentado, com OR de 2,52 (IC: 1,3-4,87; p=0,0057) para óbito em 30 dias9. Se for
aplicado o EuroSCORE logístico, acrescenta-se aproximadamente mais 3% de chance
de morte em 30 dias para pacientes submetidos a CCE e criticamente enfermos10.

3. Qual o melhor manejo anestésico para os pacientes que devem ser submetidos a
CCE?

O manejo anestésico, em geral, começa na criteriosa avaliação pré-operatória, visando,


a partir dos achados, a indicar a melhor tática anestésica. O manejo pré-, per- e pós-
operatório deve ser sempre feito pelo heart team, visando à estabilidade
hemodinâmica, nível ótimo de analgesia e conforto para o paciente11. O uso de
anestésicos inalatórios, como servoflurano, tem sido recomendado visando a melhor
proteção miocárdica12.

O uso do ecocardiograma transesofágico peroperatório é sempre recomendado, e os


serviços de grande movimento cirúrgico devem promover treinamento da equipe de
anestesistas13. Tal ferramenta é fundamental para o manejo da hemodinâmica e tática
cirúrgica no paciente criticamente enfermo13-15.

Uma opção de analgesia seria o bloqueio peridural. No cenário da CCE, esse tipo de
anestesia com peridural torácica não é contraindicado pelas recomendações da
American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine16. No entanto esse tipo
de analgesia não tem sido utilizado rotineiramente. Uma opção que tem sido
implementada é o bloqueio paraesternal17, porém ainda pouco utilizado.

4. Deve-se optar por CRM com ou sem circulação extracorpórea (CEC)?

O paciente relatado deverá necessitar de CEC para o reparo ou troca mitral. Desde as
primeiras CRM, o uso da CEC tem sido a estratégia universal (80% das CRM nos
EUA)3. O uso da CEC implica uma série de reações principalmente imunes, na
coagulação, na função renal e na função cerebral, que não cabem ser discutidas no
momento.

A técnica cirúrgica sem CEC foi desenvolvida visando a minimizar essas alterações.
Tal técnica não diminui a necessidade de manipulação na aorta ascendente durante as
anastomoses proximais, que parecem contribuir para a maioria das complicações
neurológicas no pós-operatório. Os dados de ensaios clínicos randomizados
comparando CRM com e sem CEC confirmam que as duas técnicas são equivalentes e
apresentam ótimos desfechos18-22. Em 2009, o estudo ROOBY21 (Randomized On/Off
Bypass), o maior ensaio clínico randomizado que comparou CRM com e sem CEC,
analisou 2203 pacientes (99% homens) em 18 centros de veteranos. A frequência de
desfechos primários morte e complicações (reoperação, novo suporte mecânico, parada
cardíaca, coma, acidente vascular encefálico e insuficiência renal aguda) em 30 dias foi
5,6% com CEC vs. 7% sem CEC (p=0,19).

Porém, quando se analisa o seguimento de um ano para os pacientes submetidos a


CRM, o desfecho combinado (morte, nova revascularização ou infarto agudo não fatal)
foi 7,4% com CEC e 9,9% sem CEC (p=0,04). No entanto, a avaliação neurofisiológica
após um ano permaneceu similar nos dois grupos. A permeabilidade dos enxertos foi
maior no grupo com CEC (87,8% vs. 82,6%; p=0,01). Embora outros investigadores
tenham mostrado resultados semelhantes aos do ROOBY21 dados do registro da Society
of Thoracic Surgeons também não encontraram um cenário em que a cirurgia sem CEC
fosse melhor20.
Recentemente foi demonstrado que o maior fator de risco para complicações
neurológicas é a manipulação da aorta e não o fato do uso ou não de CEC23,24. A
escolha da técnica deve ser feita com base na experiência do grupo cirúrgico, visando
sempre a minimizar a manipulação da aorta. Quando se analisa a CCE, o mesmo
critério deve ser seguido.

5. O cateter de artéria pulmonar (CAP) para monitorização hemodinâmica deve


ser usado?

Recomenda-se o uso do CAP nos pacientes submetidos a CCE, especialmente aqueles


chocados. Tal uso deve ser sempre baseado em protocolos bem definidos, buscando-se
otimizar a saturação venosa mista (>65%)25. A experiência deste grupo tem guiado o
manejo pós-operatório pela saturação venosa central, que deve ser maior que 70%. É
importante salientar que os dados de monitorização hemodinâmica devem ser
acompanhados constantemente nos pacientes críticos e sempre manipulados com base
em protocolos bem definidos, conforme demonstrado no algoritmo de otimização
(Figura 2)26.

Figura 2
Algoritmo de otimização.
PAM=pressão arterial média; SvcO2=saturação venosa central de oxigênio;
Hipovolemia: diagnóstico baseado em: dados do ecocardiograma peroperatório, variação respiratória da pressão de
pulso (Δpp >13%), diferença arterial e venosa do CO2 (ΔCO2 >5mmHg), balanço hídrico peroperatório (<10ml/kg/h).
Além da hipovolemia: Hb<9,0g/dl e ScvO2 <70%, na falha das outras medidas de otimização.

6. Quando está indicado o uso do BIA?

O paciente relatado já tinha indicação de BIA pelo choque cardiogênico27. O BIA deve
ser utilizado nos pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, que não apresentam doença
vascular aortoilíaca e/ou doença vascular periférica sintomática, visando ao aumento
do fluxo coronariano e à diminuição do consumo de oxigênio pelo miocárdio. Existem
evidências de que seu uso é capaz de reduzir a mortalidade e deve ser considerado nos
pacientes de alto risco (reoperação, lesão de tronco de coronária esquerda, disfunção
com fração de ejeção ≤30%, comunicação intraventricular e IM associadas). Seu
implante deve ser sempre pré-operatório, prevenindo baixo débito e melhorando o
fluxo coronariano no peroperatório, como demonstram os trabalhos de Christenson et
al.28-31.

O manejo e a otimização da perfusão coronariana são fundamentalmente obtidos através


do controle da frequência cardíaca, pressão arterial média, pressão do ventrículo
direito e pressão diastólica final do ventrículo esquerdo. O BIA é recomendado para
reduzir o risco de isquemia miocárdica peroperatória nesse contexto32.

7. Como conduzir pacientes em uso de anticoagulantes e ou antiplaquetários?

Antiplaquetários

Aspirina (100-325mg/dia) pode e deve ser administrada no pré-operatório, apesar da


resistência de vários grupos cirúrgicos, principalmente em pacientes de alto risco,
como aqueles com lesão de tronco e síndrome coronariana aguda33,34.

Em pacientes com indicação de CRM de urgência, clopidogrel e ticagrelor devem ser


suspensos por pelo menos 24 horas, visando a diminuir sangramentos maiores35,36. Vale
salientar que os efeitos antitrombóticos do plasugrel persistem por sete dias, sendo essa
droga relacionada a maior risco de sangramento que representa ameaça à vida. Seu uso
deve ser evitado.

Os inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (eptifibatide ou tirofiban) devem ser


descontinuados pelo menos duas a quatro horas antes da CC37,38, sendo que abciximab
deve ser descontinuado por pelo menos 12 horas, visando a diminuir a necessidade de
transfusão39.

Nas situações de emergência, o paciente será operado em uso das drogas já citadas e a
transfusão de plaquetas deve ser considerada no pós-operatório de pacientes com
sangramento aumentado, sendo guiada pelos dados de coagulação. Deve-se seguir um
algoritmo de transfusão, conforme o usado no INC (Figura 3).

Figura 3
Algoritmo de tratamento de sangramento do INC

Warfarina

A interrupção e o controle do uso de warfarina podem ser problemáticos,


principalmente no contexto das grandes cirurgias de urgência e emergência.
Normalmente, a transição de warfarina para heparina leva de quatro a cinco dias, até
que se atinja o INR desejado. A American Heart Association (AHA)40 recomenda, para
cirurgia torácica, INR entre 1 e 1,7 no momento do procedimento. Nos pacientes de
urgência e emergência, usa-se de 2,5mg a 10mg de vitamina K intravenosa, repetindo-se
o INR em quatro a seis horas41.
Quando a reversão rápida (imediata) é necessária, usa-se concentrado protrombínico
(Beriplex®). O Guideline for correction of Warfarin-associated life-threatening
bleeding42 recomenda para a reversão imediata:
1. Beriplex®: dose: 25UI/kg para INR de 2,0 a 3,9; 35UI/kg para INR de 4,0 a 6,0; e
50UI/kg para INR >6,0. Administrado por via intravenosa em 10 a 15 minutos.
2. Vitamina K intravenosa de 2mg a 5mg.

Heparina

A meia-vida da heparina é de cerca de 45 minutos. Essa característica torna esse


anticoagulante a ponte ideal para cirurgias, principalmente no cenário da urgência e
emergência. Em pacientes com alto risco de tromboembolismo, portadores de próteses
valvares mecânicas, a heparina deve ser interrompida seis horas antes da incisão da
pele. A heparina de baixo peso molecular tem meia-vida de quatro a seis horas. A
experiência do grupo do INC opta por suspendê-la, quando possível, 12 horas antes da
incisão da pele, sendo que, para maior segurança, alguns centros recomendam
suspensão por 24 a 48 horas43. Portanto, o anticoagulante de eleição para ponte para
cirurgia em pacientes em uso de warfarina é a heparina venosa, principalmente em se
tratando de pacientes críticos.

Dabigatran

Dabigatran, um inibidor direto da trombina, tem um pico de ação anticoagulante duas a


três horas após sua ingestão e uma meia-vida de 12 a 14 horas em pacientes com função
renal normal e de 28-30 horas naqueles com disfunção renal grave. Deve ser suspenso,
sempre que possível, 24-48 horas antes da cirurgia em pacientes com clearence
>50ml/min, e três a cinco dias antes em pacientes com clearence <50ml/min44,45.
Embora não exista antídoto ou antagonista para o efeito anticoagulante do dabigatran,
em geral, devido à sua meia-vida curta, a suspensão da droga é suficiente para resolver
o efeito de uma atividade anticoagulante excessiva ou indesejada. Ainda em avaliação
pré-clínica, pode-se usar carvão ativado oral e, subsequentemente, hemofiltração com
carvão ativado. Em situações que representem uma ameaça à vida, pode-se usar pró-
hemostáticos não específicos como fator VII ativado e complexo protrombínico46.

Apixaban

Apixaban, um inibidor direto do fator Xa, tem pico de concentração plasmática entre
três e quatro horas, meia-vida de 10-14 horas, sendo apenas 25% de eliminação renal.
Pode ser usado com segurança em pacientes com disfunção renal e hepática leves a
moderadas47. O manejo em casos de emergência é semelhante ao do dabigatran46.

Rivaroxaban

Rivaroxaban, outro inibidor direto do fator Xa, tem pico plasmático três horas após a
ingestão. Tem meia-vida de quatro a nove horas, sendo de mais de 12 horas em
pacientes >75 anos. Sessenta e seis por cento do rivaroxabam é excretado por via renal.
Está contraindicado em pacientes com clearence <30ml/min, devendo ser usado com
cautela em pacientes com disfunção renal moderada. Não existe algoritmo de redução
de dose48. O manejo nos casos de emergência é semelhante ao do dabigatran46.

Em resumo, os pacientes submetidos a CCE apresentam potencial risco de sangramento,


mesmo que não estejam em uso dos medicamentos acima citados. Portanto, deve-se
sempre seguir um algoritmo de tratamento de sangramento excessivo (Figura 3).

Visando a melhorar a comunicação e a qualidade do cuidado e a segurança do paciente,


um checklist deve ser implementado no pré-, per- e pós-operatório. Seu uso
demonstrou redução de mortalidade em pacientes submetidos a cirurgia não cardíaca48-
50. A experiência desenvolvida por este grupo no INC tem conseguido diminuir as taxas
de infecção de ferida. Protocolos de prevenção de complicações, que tenham sido
utilizados visando à segurança do paciente e à melhora dos resultados, devem ser o
foco do cuidado com o paciente crítico51.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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ACOMPANHAMENTO CARDIOVASCULAR
PEROPERATÓRIO

Alexandre Rouge
Walter Homena Jr.

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 64 anos, portador de hipertensão arterial sistêmica, diabetes
mellitus e dislipidemia. Apresenta coronariopatia com passado de infarto agudo do
miocárdio há dois anos, quando foi submetido à angioplastia de artéria descendente
anterior esquerda, com implante de stent convencional. Atualmente se encontra em
classe funcional I da NYHA e tem atividade diária superior a 6MET, sem sintomas. Faz
uso regular de losartana, bisoprolol, sinvastatina, ácido acetilsalicílico e metiformina.

Foi diagnosticado neoplasia de cólon transverso, sendo internado para ser submetido à
transversectomia e inventário de linfonodos.

Altura =1,72m; Peso =74kg; IMC =25kg/m2; PA =110x65mmHg; FC =60bpm


Ausência de turgência jugular
Ritmo cardíaco regular, sem bulha acessória, sopro sistólico em foco mitral +2/+6
Pulmões limpos sem ruídos adventícios, MMIIs sem edemas.
Hemoglobina =11,2g/dL; glicose =100mg/dL; Hemoglobina glicada =6,0%; Creatinina
=1,4mg/dL; Plaquetometria =185.000/mm3; INR =1,0

ECG: Ritmo sinusal, sinais de sobrecarga ventricular esquerda, onda Q patológica em


parede inferior.
Ecocardiograma transtorácico com moderada disfunção ventricular esquerda, acinesia
inferoapical, regurgitação mitral moderada, FE 40% (Simpson).
Cintilografia miocárdica sob estresse farmacológico (realizada há seis meses) com
hipocaptação irreversível inferior.

OBJETIVOS
1. Discutir as possibilidades de monitoração do paciente cardiopata no período
peroperatório.
2. Identificar medidas para minimizar o risco de isquemia miocárdica durante o
procedimento cirúrgico.
3. Analisar o acompanhamento e a otimização hemodinâmica do cardiopata no
per e pós-operatório de cirurgias de médio e grande porte.

PERGUNTAS
1. O betabloqueador e as estatinas devem ser iniciados antes do procedimento
cirúrgico?

A insuficiência cardíaca é o principal preditor de eventos adversos peroperatórios em


cirurgias não cardíacas. Há nesses pacientes um maior risco de isquemia miocárdica;
assim, eles devem ser bem avaliados e estratificados no pré-operatório, com
ecocardiograma, teste provocativo e BNP e também estar em uso de terapêutica plena.
As medicações (betabloqueadores, estatinas e inibidores de enzima de conversão ou
bloqueadores dos receptores da angiotensina II) devem ser continuadas no
peroperatório1.
Apesar de diversas controvérsias, com base nos resultados do estudo POISE2, as
recomendações concordam que se deve manter o betabloqueador durante a cirurgia e no
pós-operatório em pacientes que já estavam em uso deste2,3.

As recomendações da ESC1 indicam: iniciar betabloqueador em pacientes com doença


arterial coronariana ou com testes de estresse positivos para isquemia; em pacientes
que serão submetidos à cirurgia de alto risco; e manter nos pacientes que vinham em
uso para tratamento de doença arterial coronariana, arritmias ou hipertensão1.

Ambas as recomendações (ACC3 e ESC1) indicam o início precoce de


betabloqueadores (entre 30 dias e 10 dias antes da cirurgia) e otimização de dose para
controle da frequência cardíaca sem que haja hipotensão arterial (FC =60-80bpm e PAS
>100mmHg).

A associação de estatinas com betabloqueador reduziu a incidência de acidente


vascular encefálico nos pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca que faziam uso
dessa combinação4; já a descontinuação do uso crônico da estatina no período
peroperatório esteve associado à maior ocorrência de eventos5. Assim, recomenda-se
que a terapia com estatinas deva ser iniciada entre 30 dias e 7 dias antes da cirurgia em
pacientes de alto risco, não devendo ser descontinuada nos pacientes sob uso
crônico1,2.

2. Como se deve manejar os pacientes sob uso prévio de antiagregantes ou


anticoagulantes que serão submetidos à cirurgia não cardíaca?

A descontinuação de AAS em pacientes portadores de DAC é causa de até 15% das


recorrências de eventos isquêmicos nessa população6.

O uso de aspirina como prevenção secundária não deve ser descontinuado, a menos que
o risco de sangramentos supere o benefício de seu uso para prevenção de eventos
cardíacos (neurocirurgias e cirurgias de próstata)1,2.

O evento cirúrgico desencadeia uma resposta inflamatória sistêmica. Com isso o risco
trombótico aumenta, propiciando eventos coronarianos, sobretudo em pacientes de alto
risco e passado de intervenção coronariana.

Quando o risco de sangramento é elevado, superando o risco de eventos cardíacos, a


descontinuação da terapia dupla com antiagregantes plaquetários (AAS e clopidogrel,
ou outro antagonista do receptor ADP) deve respeitar períodos de uso, para maior
segurança com a epitelização das endopróteses coronarianas2.

Nos pacientes após implante de stents convencionais, a cirurgia deve ser postergada de
quatro semanas a três meses; já em pacientes após implante de stent farmacológico, a
cirurgia deve ocorrer após um ano do implante. Quando a cirurgia não puder ser
postergada, o clopidogrel (também o ticagrelor ou prasugrel) deverá ser suspenso antes
da cirurgia e a terapia com AAS ser mantida sempre que possível. A terapia com
clopidogrel deverá ser reiniciada no pós-operatório assim que possível2.

Estudos7,8 mostraram que a suspensão da terapia antiagregante, exceto em cirurgias de


alto risco de sangramento em cavidades fechadas (neurocirurgia, medular, câmara
posterior ocular e próstata), não reduziu o sangramento significativamente, não sendo
esse sangramento causa de grave complicação7,8.

Quanto ao uso de anticoagulação oral com warfarina, esta deve ser descontinuada antes
de cirurgias eletivas, e os pacientes serem submetidos a cirurgias com INR <2,0; nos
pacientes com alto risco de eventos trombóticos (fibrilação atrial e portadores de
próteses mecânicas) deve-se iniciar anticoagulação com enoxaparina quando o INR
estiver <1,5, reintroduzindo posteriormente a warfarina. Para os pacientes que serão
submetidos à cirurgia de emergência e que estão em uso de anticoagulação oral, a
reversão rápida pode ser feita usando-se o complexo protrombínico (sintético) que leva
o INR, em poucas horas (1 a 2 horas), a níveis normais1. Pacientes anticoagulados com
dabigatran podem ser submetidos a cirurgias após 12 horas de suspensão da droga,
porém estudos futuros são necessários para verificar a atuação dessa droga no cenário
cirúrgico.

3. Qual a melhor forma de monitorar o paciente durante o procedimento


anestésico?

Anualmente são realizados 234 milhões de procedimentos cirúrgicos de grande porte


no mundo. No grupo de cirurgia não cardíaca de grande porte, a morte por causa
cardíaca ocorre em 0,5% a 1,5%, e complicações maiores cardiovasculares em 2% a
3,5%, sendo principalmente por parada cardíaca não fatal, infarto agudo do miocárdio
não fatal, insuficiência cardíaca, arritmias ou acidente vascular encefálico.

Nesse contexto, o subgrupo de pacientes de alto risco representa mais de 80% das
mortes operatórias. Na população cirúrgica, os desfechos ruins são ocasionados em
geral por um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio, consequente à
resposta inflamatória e ao estado hemodinâmico do paciente9.

A monitoração peroperatória e a otimização hemodinâmica guiada por esses


parâmetros, com fluidos, hemotransfusão e drogas inotrópicas visa a minimizar a
hipóxia tissular desencadeada10.

Meta-análises realizadas com estudos que buscavam a otimização hemodinâmica em


pacientes submetidos a cirurgias de grande porte ou sépticos mostraram benefícios no
controle precoce da hipóxia celular, impedindo os efeitos deletérios da resposta
inflamatória desencadeada11,12.

Quando se define buscar a otimização oxi-hemodinâmica de pacientes cirúrgicos, o


alvo é a busca por valores fisiológicos, uma vez que trabalhos que buscaram alvos de
IC e DO2 supranormais não mostraram benefícios13. A maior parte dos estudos1,3 se
utiliza do cateter de artéria pulmonar (CAP) para fornecer as informações
hemodinâmicas do paciente, apesar de ter seu uso ainda controverso. Entretanto dispõe-
se atualmente de diversas opções para a obtenção do IC e DO2 dos pacientes.

As tecnologias atuais de Doppler e análise da área sob a curva da pressão arterial


mostram-se sensíveis em identificar as variações de volume e identificar os pacientes
que respondem à infusão de fluidos.

Meta-análise com mais de 400 pacientes de alto risco submetidos à cirurgia abdominal
de grande porte mostrou que, quando os pacientes foram monitorados por
ecocardiografia transesofágica para guiar a otimização do IC e a administração de
fluidos, apresentaram menor grau de complicações, recuperação precoce da função
intestinal, menor tempo de UTI e de internação hospitalar e menos uso de inotrópicos14.
A monitorização com ecocardiografia transesofágica é mais sensível às variações de
volemia do que a pressão de encunhamento da artéria pulmonar, e possui a mesma
capacidade do CAP em monitorar o IC15.

Estudos1,3 recentes vêm demonstrando novas tecnologias menos invasivas como seguras
e efetivas na monitoração do DC em pacientes cirúrgicos, sendo a terapia guiada a que
traz resultados favoráveis ao grupo tratado sob protocolos que a empreguem. Os
principais sistemas de monitoração são: LiDCO plus e rapid systems16; PiCCO
system17; Flo-Trac/Vigileo18. Com eles, estudos menores1,3, com protocolos de
otimização do IC e prevenção de hipóxia tissular em pacientes cirúrgicos, mostram
menor morbidade de tempo de internação.
Outra opção que tem se mostrado eficaz é a terapêutica guiada pela SVcO2 ou SVO2. O
trabalho de Donati et al.19 utilizou a SVcO2 para guiar a administração de volume e
inotrópicos em pacientes cirúrgicos de alto risco. O grupo que utilizou o protocolo
apresentou menos complicações no pós-operatório19.

A escolha do sistema de monitoração deve levar em consideração o risco do paciente,


sua doença cardiovascular e o porte da cirurgia. Para procedimentos menores,
parâmetros simples: lactatemia <2mmol/l, PAM >65mmHg, PVC 8-12mmHg, diurese
>1ml/kg/h, frequência cardíaca <100bpm, hemoglobina >8g/dL e SVcO2 >70%.
Quando esses parâmetros não são atingidos com fluidos e inotrópicos, faz-se necessária
a utilização de sistemas de monitoração de DC menos invasivos, como o
ecocardiograma transesofágico ou os outros sistemas comentados. Em pacientes com
disfunção ventricular ou hipertensão arterial pulmonar, esses sistemas podem ser
insuficientes e se ter que utilizar o CAP.

4. A reposição volêmica no pós-operatório deve ser guiada por qual parâmetro oxi-
hemodinâmico?

Assim como no tópico anterior, no período pós-operatório a reposição volêmica visa a


evitar os estados de hipovolemia e hipoperfusão tissular tão deletérios ao paciente
nesse período. No entanto, essa reposição volêmica deve ser norteada por parâmetros
confiáveis a fim de evitar os estados de hipervolemia com edema pulmonar e
periférico. Para isso deve-se monitorar a pré e pós-carga, assim como identificar
pacientes que sejam respondedores a volume. Assim, volume e vasopressores podem
ser obtidos baseados em informações a respeito da variação sistólica de volume (VVS)
ou variação da pressão de pulso (Delta PP) informados por monitores não invasivos de
débito cardíaco ou pela ecocardiografia transesofágica. O Delta PP tem se mostrado
útil para identificar os pacientes respondedores a volume, no cenário de pós-
operatório, sob ventilação mecânica20.

Outro parâmetro importante de monitoração da oferta e consumo de oxigênio é a


saturação venosa central de oxigênio (SVcO2). Estudo21 com 70 pacientes ASA I a III,
submetidos à cirurgia abdominal de grande porte, avaliou o resultado da utilização de
protocolo de ressuscitação volêmica baseado na SVcO2. Pacientes com SVcO2 >70%
tiveram menos complicações no pós-operatório21.

Nogueira et al.22 analisaram 246 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca e submetidos


a protocolo de ressuscitação volêmica no pós-operatório. Os pacientes que não
atingiram SVcO2 >70% nas primeiras 6 horas e 24 horas de pós-operatório
desenvolveram mais disfunção de órgão e tiveram maior mortalidade22.

5. Quando transfundir o paciente cardiopata submetido à cirurgia não cardíaca?

O nível de hemoglobina que define a necessidade de hemotransfusão, sobretudo em


pacientes durante ou após cirurgias, é muito controverso. Deve-se ter cuidado para não
se tratar excessivamente as hemorragias, pois já foram mostrados em diversos estudos
os eventos adversos graves causados pela hemotransfusão23.

A hemotransfusão se associa à imunossupressão e quadros sépticos, a piores desfechos,


além do aumento de custos. A transfusão de hemácias, plaquetas e plasma associa-se a
piores desfechos e surgimento de quadros sépticos em pacientes cirúrgicos24.

Pacientes com níveis de hemoglobina entre 7-10g/dL devem ser cuidadosamente


avaliados quanto aos benefícios que a hemotransfusão traria para eles20. O estudo de
Mantz et al.20 que adotou, em 512 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, estratégia
liberal ou conservadora para hemotransfusão, demonstrou que em ambas não houve
diferença no objetivo primário (mortalidade em 30 dias e grave morbidade), porém o
número de hemocomponentes usado associou-se a pior evolução2.

Logo, é prudente tolerar níveis mais baixos de hemoglobina, assim como evitar
transfusão de plaquetas e plasma em pacientes durante ou após cirurgias. Uma opção
para controle de sangramentos talvez seja o uso dos produtos sintéticos disponíves
(complexo protrombínico, fibrinogênio sintético, e outros), atualmente em uso e com
diversos estudos em andamento.

6. Devemos controlar a glicemia capilar de forma estrita?

A hiperglicemia é comum em pacientes graves internados em UTI, sendo o controle


glicêmico importante na redução de infecções e demais morbidades25. Há 10 anos o
controle estrito da glicemia em pacientes cirúrgicos vem sendo tema de debates; os
trabalhos de van den Berghe et al.26 mostraram que o controle estrito da glicemia, em
pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, trazia redução importante da mortalidade e
redução de complicações26 .
O maior estudo, NICE-SUGAR27, incluiu mais de 6000 pacientes internados em UTI,
multicêntrico, e randomizou-os em dois grupos: controle estrito (81-108mg/dL) ou
controle conservador (<180mg/dL). Esse estudo mostrou que o grupo-controle
conservador teve menor mortalidade e menos casos de hipoglicemia. O tempo de
internação na UTI, de ventilação mecânica ou necessidade de hemodiálise foi similar
em ambos os grupos. Não houve ainda diferença na mortalidade entre o grupo de
pacientes clínicos ou cirúrgicos27.

Uma importante meta-análise28, com 29 estudos randomizados e mais de 8000 pacientes


também não mostrou benefício no controle estrito da glicemia em pacientes internados
em UTI. Entretanto, o subgrupo de pacientes cirúrgicos apresentou redução na
ocorrência de sepse e consequente redução da mortalidade. É importante, pois, o
controle glicêmico de pacientes de alto e moderado risco cardiovascular submetidos a
cirurgias, sendo razoável níveis de glicemia entre 140-180mg/dL.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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CUIDADOS PÓS-IMEDIATOS DE CIRURGIA
CARDÍACA

Bruno Santana Bandeira


Vitor Agueda Salles

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 63 anos, hipertensa, diabética, apresentou quadro de infarto agudo
do miocárdico sem supradesnivelamento de ST (IAM SSST), sendo internada em
unidade de terapia intensiva. Realizou angiografia coronariana que demonstrou
acometimento trivascular com envolvimento de artéria coronária descendente anterior
(ACDA) proximal e disfunção moderada de ventrículo esquerdo, optando-se por
tratamento cirúrgico.

A paciente foi mantida em uso de AAS 100mg, metoprolol 50mg, enalapril 20mg,
monocordil 40mg, furosemida 40mg, atorvastatina 20mg, além de insulina glargina.
Houve suspensão de clopidogrel cinco dias antes da cirurgia.

Após sete dias, foi realizada cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) com
confecção de pontes de mamária para artéria descendente anterior (MIE-DA), safena
para descendente posterior e ventricular posterior (SAF-DP-VP) e safena para marginal
(SAF-MG), com tempo de circulação extracorpórea de 110min e clampeamento de
100min, havendo descrição de extensa doença aterosclerótica e dificuldade na
anastomose da ponte de safena para DP.

No peroperatório apresentou discreto sangramento local, além de tendência a


hipertensão com necessidade transitória de nitroglicerina, escapes hiperglicêmicos e
leve acidose metabólica. Não foram necessárias transfusão de hemocomponentes,
havendo balanço hídrico equilibrado.

Foi encaminhada à unidade intensiva no pós-operatório (PO).


Admissão: Sedada, escala de sedação de RASS – 4, levemente hipocorada, normo-
hidratada.
PA =100x50mmHg; FC =80bpm; FR =12irm; SO2 =98%; PVC =16mmHg
Ausculta pulmonar limpa, acoplada ao ventilador mecânico em modo controlado, FiO2
40%
Presença de atrito pericárdico, ritmo sinusal ao monitor.
Extremidades bem perfundidas.

Evolução nas primeiras 2 horas:


PA =80x40mmHg; FC =92bpm; PVC =18mmHg
Drenagem sanguínea de 380ml (200ml + 180ml)
Exames laboratoriais:
HTO =23%; HB =7,5g/dL; PLAQ =130mil; TAP =60%; INR =1,6; PTT (RPC) =1,5
Tropo =3,0ng/ml; CK =300U/L; CK massa =48U/L
Gasometria arterial: pH =7,28; pCO2 =31mmHg; pO2 =160mmHg; HCO3 =16mEq;
Lac 6,0mM;
Glicemia =160mg/dL (1h) e 170mg/dL (2h)
Eletrocardiograma basal (ECG) com supradesnivelamento em parede inferior 1mm com
presença de onda Q de 2mm.
RX de tórax: aumento de área cardíaca, hipoexpandido, sem evidências de congestão
pulmonar importante.

Evolução:
Paciente apresentou boa evolução pós-operatória, recebendo alta da unidade intensiva
no terceiro dia de PO. Durante a visita de rotina no quarto dia PO, detectado ritmo
cardíaco irregular, com eletrocardiograma demonstrando fibrilação atrial com média
resposta ventricular.
OBJETIVOS

1. Analisar as orientações terapêuticas gerais de manejo pós-operatório em


cirurgia cardíaca.
2. Discutir procedimentos frente às complicações mais frequentes no pós-
operatório.
3. Discutir mecanismos fisiopatológicos e medidas preventivas para fibrilação
atrial no pós-operatório.

PERGUNTAS

1. Quais são as medidas gerais ao receber um paciente em pós-operatório de


cirurgia cardíaca?

Na chegada do paciente à unidade de terapia intensiva, deve-se proceder a uma


abordagem sistemática, com o objetivo de manter a estabilidade clínica do paciente,
evitando possíveis complicações. O médico-intensivista deve identificar o paciente e
obter junto ao time anestésico-cirúrgico o máximo de informações referentes aos
antecedentes pessoais (inclusive alergias), uso de medicações no pré-operatório e
exames complementares, além de informações pertinentes ao ato operatório.

Admissão – Exames iniciais:


Exame físico minucioso com atenção especial aos sinais vitais, exame neurológico ou
escala de sedação (preferencialmente escala de RASS), ausculta pulmonar e cardíaca,
feridas operatórias e aspectos referentes a drenos e cateteres (posicionamento, débitos
e oscilações).

Considera-se fundamental a coleta de rotina laboratorial com inclusão de gasometria


arterial e venosa central, lactato, hematócrito, hemoglobina, plaquetas, TAP, PTT,
escórias nitrogenadas e eletrólitos, e enzimas cardíacas – troponina e CK-MB massa
(desnecessárias nas cirurgias valvares), bem como a realização de radiografia de tórax
e eletrocardiograma.

Os pacientes deverão ficar com monitorização cardíaca contínua para precoce detecção
de arritmias e anormalidades de segmento ST, por pelo menos 48 horas, com
monitorização pressórica de frequência respiratória e oximétrica associadas, sob
ventilação mecânica em modo controlado, uma vez que se encontram sob sedação
residual na maioria dos casos.

A antibioticoterapia profilática adequada é fundamental, sendo recomendado


cefalosporina de primeira geração, habitualmente cefazolina,, ou vancomicina,, no caso
de alergia a este grupo ou fator de risco para exposição a staphylococcus resistentes. A
cefazolina é administrada em intervalos de 6 horas. Recomenda-se que esse antibiótico
seja prescrito em até 1 hora antes da incisão da pele (na dose de 2g), idealmente na
indução anestésica, e mantido por não mais de 24 horas no PO, salvo na presença de
sangramento aumentado quando se recomenda replicar 1g desse antibiótico a cada
1litro de sangramento. A vancomicina deve ser iniciada com 2 horas do início da
cirurgia (sendo infundida durante 1 hora) para reduzir reações histamínicas.

Recomenda-se manter um nível basal de hidratação, geralmente até 1litro de solução


cristaloide, com reposição de potássio de acordo com a monitorização de níveis
séricos ou contínua (4-6g nas 24 horas), além de profilaxia de sangramentos digestivos
(com inibidores de bomba de prótons).

A extubação deve ser realizada o mais precocemente possível, após gasometria com
oxigenação satisfatória, na ausência de distúrbios ácidos-base e com adequado nível de
consciência. O adiamento desta etapa comprovadamente se correlaciona com risco
aumentado de infecção, com piora de prognóstico.

Nas cirurgias de revascularização miocárdica, pode-se considerar o retorno de AAS a


partir da sexta hora (idealmente após extubação), e retirada de drenos após 24 horas
(caso débito total seja <100ml nas ultimas 4 horas ou zero nas últimas 2 horas, e não
seja detectada fuga aérea ou pneumotórax na radiografia de tórax). Completada a
retirada de drenos, recomenda-se administração de enoxaparina na dose 40mg para
profilaxia de tromboembolismo venoso, condição de risco bastante aumentada no pós-
operatório de cirurgia cardíaca.

Nos pacientes que apresentarem boa condição hemodinâmica, sem necessidade de


aminas em 24 horas, no segundo dia de pós-operatório pode-se retornar as drogas anti-
hipertensivas de uso prévio, com preferência pelos betabloqueadores, que também
contribuem para redução de arritmias no pós-operatório.

2. A paciente em questão apresentou quadro de hipotensão ao final da segunda


hora pós-operatória. Neste caso deve-se privilegiar infusão volêmica ou iniciar
aminas mais precocemente?

Comumente encontra-se labilidade pressórica no pós-operatório de cirurgias cardíacas,


sendo que a reposição volêmica é um assunto controverso na terapia intensiva. A
hidratação generosa ainda é advogada em alguns modelos de sepse e choque
hemorrágico, porém recentemente vem sendo questionada.

Nos pacientes submetidos a circulação extracorpórea ocorre produção aumentada de


mediadores inflamatórios, acarretando vasodilatação e permeabilidade aumentada, com
consequente hipotensão arterial. Assim torna-se necessário diferenciar a etiologia da
hipotensão para uma terapia adequada.

Recente trabalho avaliou 309 pacientes em pós-operatório de cirurgia cardíaca (em


caráter de urgência e eletiva) entre 2007 e 2010, observando-se que o balanço hídrico
positivo das primeiras 48 horas foi preditor independente de mortalidade (p=0,001;
IC95% 1,2-1,9).

Assim, atualmente recomenda-se abordagem multifatorial do status volêmico que


inclua exame físico, monitoramento de pressões de enchimento, diurese horária, níveis
de lactato, saturação venosa central de O2 (SvO2), delta pCO2 (arterial - venoso) e
delta arterial PP. Caso o conjunto dos dados sugira hipovolemia, oferta volêmica com
salina limitada nas primeiras horas de pós-operatório é indicada15, e deve-se observar
se há tendência de normalização desses valores, porém não é recomendado retardar o
início de vasopressores, com preferência para noradrenalina. Em alguns casos prefere-
se associar uma oferta volêmica com administração de baixas doses de noradrenalina
em caráter modulatório

Nos casos de disfunção ventricular conhecida no pré-operatório, pode ser necessária a


associação de inotrópico, principalmente dobutamina, quando houver evidência de
baixo débito cardíaco, não sendo recomendada a associação de rotina dessa droga
apenas com base em ecocardiogramas pré-operatórios16. A avaliação da saturação
venosa central pode ajudar a nortear a introdução do inotrópico.

3. A paciente foi internada com IAMSSST. Deve-se suspender AAS e clopidogrel


antes da cirurgia? Houve queda do hematócrito para 23%, devem ser utilizados
hemoderivados?
Em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento de ST,
candidatos à cirurgia, a recente diretriz americana (AHA/ACC 2011) recomenda que
seja mantido AAS até a data da cirurgia, bem como a heparina não fracionada (até o
momento da cirurgia). O tirofiban deve ser suspenso 4 horas antes do ato operatório,
enquanto a heparina de baixo peso molecular 12-24 horas antes, e o fondaparinux 24
horas antes.

Em pacientes estáveis em uso de tienopiridínicos, em que a cirurgia possa ser


programada, deve ser suspenso o clopidogrel cinco dias antes. No cenário dos novos
antiagregantes, vale ressaltar a meia-vida mais curta do ticagrelor. O estudo PLATO17
demonstrou que não houve aumento de sangramento em comparação com o clopidogrel,
sendo o ticagrelor suspenso três dias antes da cirurgia.

Uso racional de hemoderivados


O uso de hemoderivados em cirurgia cardíaca, outrora quase que obrigatório, tem se
reduzido bastante nos últimos anos, graças a novos conceitos em relação a seu uso. O
primeiro grande estudo controlado que tentou definir os níveis ideais de hematócrito no
paciente crítico, publicado na década de 1990, não abordou os pacientes em PO de
cirurgia cardíaca e, portanto a baixa evidência existente até então tornava a abordagem
cada vez mais dependente da experiência dos serviços.

Inúmeras publicações recentes demonstram uma piora de desfechos maiores, como


óbito, nos indivíduos que necessitaram de hemoderivados e submetidos a cirurgia
cardíaca, havendo correlação direta com a quantidade da exposição. A explicação para
tal fato não é totalmente conhecida, e uma das teorias é que a hemácia estocada se
deforma menos, levando à obstrução do leito microvascular, além de possuir baixos
níveis de 2,3-DPG, tornando-a mais ávida pelo oxigênio e, portanto, diminuindo a
oxigenação tecidual. Também há aumento da adesividade plaquetária e liberação de
substâncias pró-inflamatórias, com aumento da incidência de infecção e fenômenos
vasculares como o acidente vascular encefálico, infarto agudo do miocárdio e
insuficiência renal aguda (AVE/ IAM / IRA).

Acreditava-se que a relação de piora de desfecho estivesse apenas presente em


indivíduos politransfundidos, utilizando “bolsas velhas" (estocadas há mais de 14
dias). Entretanto, recentemente, Hajjar et al.21 mostraram que cada unidade de sangue
usada aumentou 1,2 vez a mortalidade na cirurgia cardíaca e a média de idade de cada
unidade no estudo era de apenas três dias.

Portanto apesar de protocolos vigentes ainda usarem valores numéricos para o uso de
concentrado de hemácias e plaquetas, é digno de nota que há pouca evidência no
cenário dos estudos que suportem seu uso, logo, a decisão do intensivista em
transfundir deve ser sempre conscienciosa e responsável, pesando o real benefício e o
potencial risco.

A transfusão baseada unicamente pelo valor do hematócrito tem sido desencorajada;


devem-se ter parâmetros fisiológicos de má perfusão tais como, aumento de lactato,
queda do débito urinário, apesar de euvolemia, para essa decisão. A última diretriz da
Sociedade de Cirurgia Torácica e Anestesiologia22 sugere como Classe IIa nível de
evidência C a transfusão no pós-operatório de cirurgia cardíaca com hemoglobina em
torno 6-7g/dL22.

4. A glicemia máxima da paciente foi 170mg/dl. Inicia-se insulinoterapia venosa?


Mantém-se esquema com insulina subcutânea?

O risco de infecções no período de PO é maior em pacientes diabéticos que em não


diabéticos, possivelmente por um efeito negativo da hiperglicemia na função
imunológica, no patógeno e na permeabilidade vascular. Dessa forma, há maior risco de
infecções pós-operatórias, eventos isquêmicos cerebrais, assim como pior prognóstico
em pacientes hiperglicêmicos.

Vários mecanismos foram propostos para explicar como a hiperglicemia pode causar
danos. Entre eles, o aumento na susceptibilidade a infecções, favorecendo estados
sépticos em pacientes críticos; os distúrbios hidroeletrolíticos, decorrentes da troca
osmótica celular e da diurese osmótica; a disfunção endotelial, pela intensificação do
quadro inflamatório e os fenômenos trombóticos, secundários à geração de radicais
superóxidos e de citoquinas inflamatórias (Figura 1).
Figura 1
Mecanismos de formação do estresse hiperglicêmico em pacientes críticos.
Fonte: adaptado de Inzucchi et al.15

Clássico estudo de Van den Berghe et al. em 2001, com 1548 adultos internados em UTI
cirúrgica, mostrou redução da morbimortalidade com alvo glicêmico <110mg/dl (grupo
de controle estrito), sem registro de hipoglicemia grave, denotando uma redução de
32% de risco aparente de mortalidade na UTI.

Em 2009, Finfer et al. publicaram o estudo NICE SUGAR comparando alvos


glicêmicos entre 81-108mg/dL e <180mg/dl em CTI gerais, e demonstraram aumento da
mortalidade no controle mais intensivo e redução de mortalidade no grupo com alvo
<180mg/dl. Registrou-se ainda maior prevalência de hipoglicemia grave no grupo
submetido a controle estrito da glicemia. Esse estudo modificou o paradigma do alvo
glicêmico em pacientes críticos e determinou as orientações da Associação Americana
de Diabetes e da Sociedade Brasileira de Diabetes, aceitando-se como ideais valores
<180mg/dl. Segundo os mesmos, o protocolo deve ser iniciado evitando glicemias
>180mg/dl, objetivando alvo entre 140-180mg/dl e nunca <100mg/dl.

O posicionamento da Associação Americana de Cirurgia Torácica (2011),


especificamente sobre pós-operatório de cirurgia cardíaca, sugere que o alvo deva ser
140-180mg/dl, porém o controle mais intensivo poderia ser utilizado em unidades com
protocolos bem estabelecidos, objetivando 110-140mg/dl ou mesmo, em alguns centros,
entre 80-110mg/dl.

Com base nas atuais evidências, deve-se manter controle moderado da glicemia,
buscando a meta entre 150-180mg/dl, iniciando insulina venosa com glicemias
≥180mg/dl, com ou sem infusão concomitante de solução glicosada a 10%.

A periodicidade de aferições deve ser obrigatoriamente horária nas primeiras 24 horas,


passando para de 4/4horas após 24-48 horas de pós-operatório com o paciente se
alimentando por via oral e estando com glicemias controladas, devendo iniciar
esquema de insulina basal-prandial. Nos pacientes previamente diabéticos, reinicia-se
seu esquema habitual de hipoglicemiantes ou insulina.

Na paciente do caso clínico, embora na segunda hora do pós-operatório a glicemia


tenha sido 180mg/dl, foi iniciado insulinoterapia venosa devido ao aumento
progressivo glicêmico e pelo fato de ser a paciente diabética, já em uso de insulina,
com previsão de hiperglicemia importante no PO.
5. Qual a mais provável complicação relacionada à alteração ECG e seu
tratamento?

A complicação mais provável descrita corresponde a infarto peroperatório de parede


inferior, optando-se por tratamento conservador, devido a evidências que serão
discutidas a seguir:

O infarto pós-operatório é uma condição de difícil diagnóstico, possuindo critérios


clínicos, eletrocardiográficos e enzimáticos. A presença de dor torácica no pós-
operatório é bastante comum pela manipulação cirúrgica e sua presença isoladamente
não é parâmetro isolado para o diagnóstico de infarto pós-operatório, que deve ser
mais fortemente sugerido mediante a presença de desníveis de segmento ST-T,
associação de hipotensão, taquicardia e arritmias ventriculares.

No que tange ao ECG, esse diagnóstico é definido por novas ondas Q no


eletrocardiograma pós-operatório, ocorrendo em 4-5% dos pacientes,. A incidência de
infarto PO é maior naqueles com cardiomegalia, tempo prolongado de circulação
extracorpórea, reoperação e revascularização miocárdica combinada com outra
cirurgia cardíaca.

Elevações séricas de CK total, CK-MB e troponinas são usadas para o diagnóstico de


necrose miocárdica, porém como podem ser liberadas durante o ato operatório normal,
faz-se necessário estabelecer valores que, se ultrapassados, ratificariam o quadro de
IAM pós-operatório quando em associação a mudanças características no ECG,.

É importante mencionar que pacientes com elevações substanciais dos marcadores


séricos são geralmente considerados de pior prognóstico33-36, geralmente por refletirem
oclusão precoce do enxerto, proteção miocárdica inadequada durante a CEC, ou
embolização distal de material da placa17.

Em série de 3.812 pacientes, a elevação da CK-MB acima de 10 vezes do limite


superior da normalidade foi significativamente preditiva de mortalidade, persistindo
elevada até três anos de acompanhamento17.

Troponinas séricas elevadas podem ser marcadores mais específicos e sensíveis do que
a CK-MB para infarto do miocárdio após revascularização miocárdica, e podem ser
mais preditivas de complicações precoces12,.
Em análise multivariada, as concentrações séricas de troponina T ≥1,58ng/mL (que
representou o quintil superior) foram os mais fortes preditores de morte pós-operatória
ou de choque no pós-operatório19.

Portanto recomenda-se eletrocardiograma no pré-procedimento e pós-procedimento e


medidas de rotina de soro CK e CK-MB, idealmente obtidos no início e de 8-16 horas
após o procedimento. Pacientes com aumento de CK-MB de cinco vezes ou mais acima
do limite superior da normalidade, associados à clínica sugestiva ou alterações
eletrocardiográficas devem ser tratados como tendo infarto peroperatório,
especialmente na presença de complicação técnica do procedimento.

A estratégia de revascularização20, ideal para a oclusão precoce do enxerto não é


conhecida. Existem trabalhos relatando elevada mortalidade precoce (30 dias) tanto
com revascularização percutânea (atingindo 40% em uma série de 10 pacientes22)
quanto com revascularização cirúrgica39,40,41 (cerca de 7-9% em pacientes clinicamente
estáveis e tão alto quanto 39-50% em pacientes com comprometimento hemodinâmico
grave20,21). Há ainda o risco de sangramento pós-operatório vs. a trombose de stents
devido a não utilização de antiplaquetário. O equilíbrio entre a trombose de stent e
sangramentos maiores é especialmente crítico no início do período pós-operatório.

Alguns centros recomendam cateterismo cardíaco em caráter de emergência para


pacientes que desenvolveram isquemia aguda logo após a revascularização do
miocárdio. Sugere-se a revascularização percutânea quando possível e se pelo menos
uma quantidade moderada de miocárdio é comprometida. É necessário ter cuidado
durante o tratamento de anastomoses recém-realizadas e o hemodinamicista deve estar
preparado para tratar possíveis perfurações, incluindo a colocação de stents
recobertos, se necessário, e com equipe de cirurgia cardíaca à disposição.

No caso em questão, há relato de dificuldade de confecção de anatomose Ao-CD


devido à extensa doença aterosclerótica, havendo possivelmente oclusão do enxerto no
per ou pós-operatório imediato. Foi realizado ecocardiograma transtorácico que
revelou hipocinesia em parede inferobasal e medial, e por não ter ocorrido
deteriorização hemodinâmica significativa, optou-se por conduta expectante.

6. Apesar da boa evolução clínica houve necessidade de retorno da paciente para


terapia intensiva devido à fibrilação atrial (FA). Qual a melhor estratégia para
prevenir FA no PO?

A FA e flutter atrial ocorrem com frequência após a maioria dos tipos de cirurgia
cardíaca. FA tem sido relatada em até 15-40% dos pacientes no PO imediato após CRM
42,43,44,; em 37-50% após cirurgia valvar25,45,46; e até 60% submetidos à troca valvar

mais revascularização do miocárdio25,28. No entanto, a terapia profilática pode reduzir


substancialmente a incidência dessas arritmias.

A incidência dessas arritmias é maior do segundo ao terceiro dia de pós-operatório25,


sendo que a fisiopatologia da FA pós-operatória está provavelmente relacionada à
combinação de fatores pré-existentes como idade (mudanças degenerativas no
miocárdio atrial), história prévia de FA, doença valvar mitral (principalmente estenose
mitral), aumento atrial esquerdo, cardiomegalia global, cirurgia cardíaca prévia,
doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e obesidade.

Condições perioperatórias, como hipocalemia e hipomagnesemia, também estão


relacionadas com essas arritmias. Observou-se que nos indivíduos em uso pré-
operatório de betabloqueador e ou inibidores de enzima de conversão (IECA) houve
redução de FA28,34, bem como o retardo de seu retorno aumentou a incidência.

O uso dos betabloqueadores no cenário pré ou pós-operatório imediato reduziu em até


60% a incidência de FA após revascularização miocárdica isolada,.

A amiodarona reduz a incidência de FA pós-operatória em cerca de 40-50%,, sendo que


alguns estudos sugeriram que a droga poderia até ser mais eficaz do que o
betabloqueador para a prevenção de FA, fato este não confirmado em meta-análise
realizada em 200439. Os efeitos colaterais da amiodarona podem ser um problema,
mesmo com terapia de curto prazo.

Alguns serviços recomendam o uso pré-operatório de estatinas. O estudo ARMIDA-3


comparou 200 pacientes em pós-operatório de cirurgia cardíaca, com 101 pacientes
randomizados para receber 40mg de atorvastatina e 99 para placebo, sete dias antes do
procedimento, observando redução de incidência de FA (35% vs. 59%) e de tempo de
internação (6,3 vs. 6,9) no grupo que recebeu estatina52.

Tem sido observado que o retorno precoce do betabloqueador, estatina e o rigoroso


controle eletrolítico mostram-se eficazes na redução da frequência dessa
complicação52. Uma vez instalada, a fibrilação atrial é revertida habitualmente com
infusão de amiodarona venosa, sendo recomendada manutenção de infusão por 24 horas
após a reversão da arritmia. Caso não haja persistência da mesma e em até 48 horas do
seu início, é recomendada realização de cardioversão elétrica sincronizada, sem a
necessidade de realização de ecocardiograma transesofágico ou anticoagulação.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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PRÉ-OPERATÓRIO EM CIRURGIA
CARDÍACA

Armando Marcio Gonçalves dos Santos


Marlon Dutra Torres

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 52 anos, procurou a emergência com quadro de precordialgia
opressiva, progressiva em intensidade, irradiada para a mandíbula e associada à
sensação de morte iminente. Sintomas estes iniciados 3 horas antes de sua chegada ao
hospital.
Sabidamente diabético, hipertenso, tabagista e renal crônico em tratamento
conservador.

Ao exame físico apresentava RCR em 3T (B4), PA =160x90mmHg; FC =90bpm;


ausculta respiratória normal, abdômen e membros sem anormalidades. Pulsos amplos
em todos os segmentos. Peso informado =80kg.

ECG de admissão revelou infradesnivelamento de ST em DI, DII e AVF e de V4 a V6


(Figura 1).
Foi tratado inicialmente com: AAS 200mg, clopidogrel 300mg, enoxaparina 60mg e
nitrato venoso. Os sintomas melhoraram após 40 minutos de iniciada a terapêutica.
O ECG evolutivo mostrou reversão do infradesnivelamento de ST. Os exames
laboratoriais de admissão mostraram: troponina =0,3ng/mL (quimioluminescência
amplificada), Cr =2,1mg/dL e Hb =14g/dL.

Figura 1
ECG de admissão do paciente relatado

Internado em Unidade Coronariana, evidenciando troponina máxima de 10ng/mL, PCR


2,5mg/dl e ecocardiograma com disfunção leve de VE à custa de hipocinesia de parede
anterior. Submetido à coronariografia em 48 horas que revelou: artéria coronária
descendente anterior com lesão proximal de 95%, circunflexa com lesão de 80%
proximal e coronária direita dominante com lesão de 70% em terço médio.

Realizou ainda radiografia de tórax que mostrou sinais de hiperinsuflação pulmonar,


sem infiltrados. O Doppler de carótidas e vertebrais mostrou doença aterosclerótica
não obstrutiva. Exame de urina (EAS) e urinocultura foram normais.

Resumo do caso:
Trata-se de um paciente de 52 anos, diabético, hipertenso, tabagista e renal crônico em
tratamento conservador, que foi internado com quadro de infarto agudo do miocárdio
sem supradesnivelamento de ST, evoluindo em classe funcional Killip-Kimball I.
Realizou cateterismo cardíaco que evidenciou doença coronariana trivascular e
ecocardiograma com disfunção leve de ventrículo esquerdo.

Após discutir com o paciente e seus familiares sobre os potenciais riscos, decidiu-se
por indicar a cirurgia de revascularização miocárdica.

OBJETIVOS
1. Estratificar o risco operatório com intenção de definir a estratégia
terapêutica.
2. Discutir as drogas usadas na síndrome coronariana aguda e as suas possíveis
implicações na cirurgia cardíaca.

PERGUNTAS
1. Que exames são necessários para melhor definir o risco operatório do caso em
questão?

Deve-se realizar rotina laboratorial que envolva:

a) Hemograma com plaquetas: o conhecimento do hematócrito basal é fundamental para


a condução do caso, tanto no per quanto no pós-operatório, principalmente no que diz
respeito à necessidade de transfusão. O aumento dos leucócitos no pré-operatório está
relacionado a pior prognóstico tanto precoce quanto tardiamente1. Da mesma forma é
imprescindível realizar a contagem plaquetária para estratificar o risco de sangramento,
lembrando que o paciente foi tratado com enoxaparina em dose anticoagulante, o que
pode induzir plaquetopenia2,3.

b) Bioquímica extensa, que inclua escórias nitrogenadas, eletrólitos, proteína C-reativa


(PCR) e enzimas hepáticas. Alguns autores sugerem que o clearence de creatinina
(calculado ou estimado) seja um marcador prognóstico mais fidedigno do que a
creatinina sérica4. Por outro lado uma creatinina entre 1,3mg/dL e 2,25mg/dL já está
associada ao aumento de morbimortalidade em pós-operatório de revascularização
miocárdica5,6. No EuroSCORE, uma creatinina sérica >2,3mg/dL aumenta o risco de
eventos7. Nos pacientes portadores de insuficiência renal crônica (IRC) é justificável
um retardo da cirurgia após coronariografia até que cesse o efeito do contraste, se o
quadro clínico permitir. O aumento da PCR >1,0mg/dL está associado à maior
mortalidade cardiovascular e por todas as causas e, no caso em questão, o paciente
apresentava PCR de 2,5mg/dl, configurando maior gravidade8,9.

As enzimas hepáticas devem ser dosadas visto que a hepatite medicamentosa, por vezes
causada pelas estatinas, embora seja rara, tem impacto desfavorável no pós-operatório
de cirurgia cardíaca10.
c) TAP e PTT: devem ser realizados em todos os pacientes em pré-operatório de
cirurgia cardíaca para avaliar possíveis coagulopatias.

d) EAS e urinocultura: devem ser realizados em todos os pacientes, baseado no fato de


que todos serão submetidos à sondagem vesical e mesmo naqueles indivíduos sem
sintomas urinários, que podem ser portadores de bacteriúria assintomática,
principalmente os diabéticos, idosos e portadores de doença prostática.

e) Gasometria arterial em ar ambiente pode auxiliar na avaliação de pacientes com


doença pulmonar conhecida ou suspeita, permitindo conhecer as condições basais e
facilitando seu manejo no pós-operatório, principalmente no que diz respeito aos
critérios de extubação. No caso em questão, o paciente é tabagista e tem evidência
radiológica (hiperinsuflação) de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e, neste
caso, aumenta a chance de ser retentor crônico de CO2. O trabalho fisioterápico pré-
operatório está indicado nesses casos.

f) Radiografia de tórax: deve ser realizada em todo paciente em pré-operatório de


cirurgia cardíaca, para se ter uma avaliação do padrão radiológico basal do paciente,
principalmente em indivíduos tabagistas e sabidamente portadores de DPOC.

Além disso, é importante a realização de exames buscando possíveis outras lesões


vasculares:

g) Doppler de carótidas e vertebrais: deve ser realizado em todos os casos. A estenose


crítica de carótidas pode ser encontrada em até 4,5% dos pacientes candidatos à
cirurgia de revascularização miocárdica. Indivíduos >60 anos ou portadores de pelos
menos dois fatores de risco cardiovascular maiores, como diabetes, hipertensão arterial
sistêmica ou tabagismo, estão sob maior risco de doença cerebrovascular importante11.

h) Doppler arterial de membros inferiores: quando clinicamente se suspeita de doença


vascular periférica, principalmente em pacientes com alterações ao exame físico,
sintomas de claudicação de membros inferiores, diabéticos e tabagistas. No caso
relatado, embora o paciente apresentasse fatores de risco para doença vascular
periférica, seu exame físico era inalterado e não apresentava queixas compatíveis com
claudicação de membros inferiores, razão pela qual não necessitou do exame.

i) Ultrassonografia abdominal: nos casos em que se suspeita de aneurisma de aorta


abdominal. Cerca de 10% dos pacientes elegíveis para cirurgia de revascularização
miocárdica têm aneurisma de aorta abdominal assintomático. A realização rotineira da
ultrassonografia nesse contexto permanece controversa12.

j) Doppler venoso de membros inferiores não auxiliará na estratificação do risco


operatório, mas pode ser necessário no planejamento cirúrgico quando há possibilidade
de utilização de enxertos venosos em pacientes com história de insuficiência venosa
crônica e abordagens cirúrgicas prévias (safenectomia).

2. Quais os melhores escores de risco a serem aplicados em casos de cirurgia de


revascularização miocárdica?

Vários escores têm sido propostos para estimar o risco de morbidade e mortalidade em
pós-operatório de cirurgia cardíaca. Dentre eles citam-se os seguintes modelos:
Berstein-Parsonnet, Northern New England, New York State, EuroSCORE (Quadro 1) e
Society of Thoracic Surgeons.

O EuroSCORE é o mais amplamente usado. Não só avalia a mortalidade peroperatória,


como também estima a mortalidade em três meses, o risco de complicações específicas,
como tempo de internação, insuficiência renal aguda e sepse. Comparado a outros
escores, como o Society of Thoracic Surgeons, demonstrou ter um poder
discriminatório maior para predizer mortalidade em 30 dias13. O EuroSCORE (Quadro
1) leva em consideração os seguintes fatores de risco: idade, sexo, doença pulmonar
crônica, arteriopatia extracardíaca, disfunção neurológica, cirurgia cardíaca prévia,
creatinina sérica, endocardite em atividade, estado pré-operatório crítico, presença de
angina instável, disfunção ventricular, infarto recente, hipertensão pulmonar, cirurgia de
emergência, cirurgia combinada, cirurgia da aorta torácica e ruptura de septo
interventricular pós-infarto7.

Quadro 1
EuroSCORE
TV=taquicardia ventricular; FV=fibrilação ventricular; FE=fração de ejeção; PSAP=pressão sistólica de artéria
pulmonar; IAM=infarto agudo do miocárdio

3. Qual o papel dos escores de risco? Estes podem nos ajudar na decisão quanto à
estratégia terapêutica?
Os escores prognósticos têm importante papel no pré-operatório de cirurgia de
revascularização miocárdica. No caso em questão, aplicado o EuroSCORE, encontra-
se 3,04% de risco de morte intra-hospitalar. Com o conhecimento deste dado, pode-se
discutir com mais segurança com o paciente e seus familiares, sobre a estratégia
terapêutica a ser instituída. Caso o risco operatório fosse impeditivo, poder-se-ia optar
pela intervenção percutânea, ou mesmo tratamento conservador em casos selecionados.

4. Quando operar este paciente e com que drogas?

a) Antiagregantes plaquetários: em pacientes com síndrome coronariana aguda sem


supradesnivelamento de ST, candidatos à cirurgia, a recente diretriz americana
(AHA/ACC 2011)14 recomenda que seja mantido AAS até a data da cirurgia, bem como
a heparina não fracionada14. O tirofiban deve ser suspenso 4 horas antes do ato
operatório, enquanto a heparina de baixo peso molecular 12-24 horas antes, e o
fondaparinux 24 horas antes. Em pacientes estáveis em uso de tienopiridínicos, em que
a cirurgia possa ser aguardada, o clopidogrel deve ser suspenso cinco dias antes. No
cenário dos novos antiagregantes, vale ressaltar a meia-vida mais curta do ticagrelor,
em que o estudo Plato15 não demonstrou haver aumento de sangramento em comparação
com o clopidogrel, sendo o ticagrelor suspenso três dias antes da cirurgia15. A
recomendação atual do fabricante é que a droga seja suspensa cinco dias antes da
cirurgia.

b) β-bloqueadores: devem ser utilizados no pré e pós-operatório de todos os pacientes


sem contraindicações, como prevenção de arritmias supraventriculares, reduzindo a
incidência da fibrilação atrial (FA) e suas sequelas. Recomenda-se seu início pelo
menos 24 horas antes do procedimento cirúrgico. Os β-bloqueadores reduzem a
incidência de isquemia miocárdica peroperatória e alguns estudos observacionais
verificaram redução da mortalidade peroperatória16-18. A amiodarona é uma opção na
prevenção de pacientes com alto risco de FA, mas com contraindicação para esta classe
de drogas14.
c) Estatinas: o uso de estatina não deve ser interrompido no pré-operatório, devendo
ser reiniciado o mais breve possível no pós-operatório, a menos que haja efeitos
adversos pela droga. Estudos revelam que o uso pré-operatório reduz a incidência de
IAM não fatal e morte no pós-operatório de cirurgia de revascularização
miocárdica19,20. Relatos de redução na incidência de FA, disfunção renal e neurológica
são descritos em estudos21,22.
Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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AVALIAÇÃO GLOBAL DO CARDIOPATA EM
CIRURGIAS NÃO CARDÍACAS

Daniel Xavier de Brito Setta


Jorge Sabino

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 72 anos, branco, natural do Rio de Janeiro foi submetido à
colonoscopia para investigação de anemia e hemorragia digestiva baixa, sendo
diagnosticado adenocarcinoma em cólon esquerdo. Foi encaminhado para avaliação do
risco cirúrgico cardiológico e preparo para colectomia esquerda.

História patológica pregressa (HPP):

Doença arterial coronariana (DAC): IAM há cinco anos quando foi


submetido à angioplastia de artéria descendente anterior com stent
convencional.
Síndrome metabólica: Diabetes mellitus (DM) há 10 anos, dislipidemia (em
tratamento há cinco anos), hipertensão arterial sistêmica (HAS) e obesidade
grau II.
Capacidade funcional: Refere não apresentar dificuldade para subir escadas
ou subir uma ladeira (maior que 4 MET). Não apresenta precordialgia ao
esforço-induzida.

História medicamentosa: Uso regular: AAS 100mg; carvedilol 6,25mg de 12/12h;


metformina 850mg de 12/12h; losartana 50mg pela manhã; hidroclorotiazida 25mg e
sinvastatina 20mg.

Exame Físico: Lúcido, corado, hidratado


Peso =98,20kg; Altura =1,65m; Cintura abdominal =112cm; IMC =36,06kg/m2
Sem turgência de jugulares, PA =155x95mmHg; FC =88bpm; RCR 2t; BNF sem sopros.
Sistema respiratório: sem alterações
Edemas em MMII 2+/4+

Exames complementares:
Hemoglobina =12,2g/dL; Glicose =110g/dL; Hemoglobina glicada =6,2%; Creatinina
1,12mg/dL; Clearance de creatinina =59,63mL/min.

ECG: Ritmo sinusal, PR 160ms, AQRS 30º, inatividade elétrica em parede anterior.
Ecocardiograma: Hipocinesia em parede anterior, disfunção ventricular esquerda leve,
restante sem alterações.

OBJETIVOS
1. Orientar a avaliação e o preparo pré-operatório de pacientes cardiopatas,
norteando estratificações complementares, antes do procedimento cirúrgico,
com consequente adequação dos custos.
2. Analisar medidas farmacológicas e não farmacológicas que visam à redução
do risco peroperatório do paciente cardiopata.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para este paciente?

O diagnóstico parece claro: trata-se de paciente sabidamente coronariopata, com


múltiplas comorbidades, infartado há cinco anos, revascularizado percutaneamente e
que apresenta disfunção ventricular leve e alteração segmentar em parede anterior ao
ecocardiograma.

O desafio consiste em estabelecer os riscos de eventos coronarianos peroperatórios


que estarão diretamente relacionados à presença ou não de isquemia miocárdica.
Determinar objetivamente o risco cirúrgico desses pacientes é fundamental para a
prevenção e redução de eventos peroperatórios.

Nas últimas décadas, a análise de risco peroperatório do coronariopata consistia


estritamente em determinar a relação temporal entre determinado evento isquêmico
cardíaco e a operação proposta. No entanto, atualmente, devem ser considerados além
do intervalo referido, vários outros fatores relevantes no prognóstico de pacientes
portadores de DAC. São eles: presença de angina, sinais de insuficiência cardíaca,
capacidade funcional do paciente, extensão e limiar da isquemia, além da anatomia
coronariana, nos casos pertinentes. Não há benefício comprovado, mesmo na população
que já tem o diagnóstico de DAC, da realização rotineira e indiscriminada de exames
subsidiários, notadamente provas funcionais e cineangiocoronariografia.

Nos últimos 25 anos diversos algoritmos foram propostos para a estimativa de risco de
complicações peroperatórias. Dentre estes, destacam-se o algoritmo de Goldman1 e o
índice cardíaco revisado de Lee2. Essas metodologias foram úteis por terem
simplificado e padronizado a avaliação peroperatória, porém deixavam de lado um
número grande de variáveis não menos importantes.

Com base nessas publicações, foi proposta uma normatização de condutas para
avaliação do risco em cirurgias não cardíacas pelo American College of
Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA), que culminou com a publicação
de uma diretriz em 1996, atualizada em 2002 e posteriormente em 20073. Da mesma
forma, em 2007, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) lançou sua primeira
diretriz de avaliação peroperatória, revisada em 2009 e posteriormente em 20114.

Este capítulo está baseado nessas diretrizes em virtude de sua aplicação fácil,
entendimento lógico e da abrangência das variáveis clínicas englobadas.

2. Como diagnosticar os pacientes de alto risco?

A avaliação do paciente cardiopata que será submetido à cirurgia não cardíaca se inicia
como toda a avaliação de risco peroperatório. Uma cautelosa anamnese associada à
propedêutica direcionada para o aparelho circulatório e exames subsidiários básicos,
como o eletrocardiograma de repouso e a radiografia de tórax, muitas vezes são
suficientes para determinar o risco cirúrgico do paciente coronariopata.

A anamnese é a primeira etapa da avaliação peroperatória e deverá ser realizada com


pelo menos uma semana de antecedência. Este é o tempo mínimo necessário para a
compensação das comorbidades de mais fácil tratamento e adequação de
medicamentos.

Alguns pontos deverão ser levantados nessa consulta:

1. Avaliação do grau de urgência do procedimento cirúrgico.


2. Conhecimento detalhado da doença que motivou a intervenção cirúrgica,
contendo informações da equipe cirúrgica sobre a urgência e o risco do
procedimento, a estratégia cirúrgica proposta, o tipo de anestesia, o tempo
cirúrgico e a necessidade de hemotransfusão.
3. Classificação quanto ao porte do procedimento – pequeno, médio ou grande
porte, conforme as diretrizes do ACC/AHA 20073.
4. Levantamento detalhado das comorbidades: história de angina estável ou
instável, arritmias, insuficiência cardíaca, presença de marca-passo ou
cardiodesfibriladores implantáveis (CDI), diabetes mellitus, hipertensão
arterial sistêmica, doença arterial periférica, acidentes vasculares
encefálicos e insuficiência renal crônica.
5. Avaliação da capacidade funcional: determinação da tolerância aos esforços
físicos em diferentes intensidades.
6. Levantamento dos antecedentes cirúrgicos e anestésicos.
7. Avaliação de possíveis alergias medicamentosas.
8. Avaliação e quantificação do uso de álcool, tabaco ou drogas ilícitas.
9. Esclarecimento aos familiares quanto aos riscos dos procedimentos
cirúrgicos e anestésicos, fornecendo informações referentes à recuperação
pós-operatória, como restrições físicas ou dietéticas, controle álgico e
eventuais sequelas.
10. Orientação ao paciente no manejo das medicações de uso crônico, como anti-
hipertensivos, anticoagulantes, antiagregantes plaquetários ou
hipoglicemiantes orais.

O exame físico deve seguir os rigores acadêmicos. Exame cardiológico detalhado com
ênfase na frequência cardíaca, pressão arterial nos dois membros superiores, pulso
carotídeo, presença de sopros, pulso venoso jugular, palpação e ausculta cardíaca,
pulmonar e abdominal e avaliação das extremidades. O médico deverá estar atento a
sinais de descompensação clínica, tais como: presença de terceira bulha, turgência
jugular patológica, sinais de congestão pulmonar, sibilos ou roncos respiratórios,
cianose de extremidades, entre outros.

3. Quais os mecanismos fisiopatológicos dos eventos adversos cardiovasculares


peroperatórios?

A fisiopatologia das complicações cardiovasculares está intimamente relacionada às


comorbidades. No caso clínico apresentado observam-se múltiplos fatores com
potencial risco como a cardiopatia isquêmica com disfunção ventricular moderada,
HAS não controlada (aumento da pós-carga), obesidade grau II, DM, edema de
membros inferiores e baixa capacidade funcional. Durante a indução anestésica e no
período pós-operatório pode ocorrer ativação simpática. A elevação da atividade
simpática pode causar picos hipertensivos e taquicardia, agravamento da sobrecarga
ventricular esquerda e aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio, com
consequente falência ventricular, edema agudo de pulmão ou mesmo IAM.

Disfunção autonômica frequentemente é observada nos pacientes hipertensos e


diabéticos tornando-os mais suscetíveis à hipotensão, por redução do volume
intravascular (sobretudo nos usuários de inibidores da enzima conversora da
angiotensina II – IECA e diuréticos), aumentando os riscos de eventos cardiovasculares
e cerebrovasculares; portanto o manuseio volêmico e pressórico deve ser rigoroso4.

A hiperglicemia (>200mg/dL) peroperatória está relacionada com o aumento da


resposta inflamatória, aumento na suscetibilidade às infecções, à lesão e à disfunção de
múltiplos órgãos e sistemas, bem como a hipoglicemia grave pode promover lesões
neurológicas5. Com o uso regular de diuréticos há possibilidade de distúrbios
eletrolíticos como hipopotassemia e hipomagnesemia, que podem desencadear
arritmias. O uso de antiagregantes plaquetários aumenta a taxa de sangramento em até
50% no peroperatório, mas as evidências recentes não demonstram aumento de
sangramentos graves, exceto em neurocirurgias e ressecção transuretral de próstata
(sem hemostasia primária). Por outro lado a suspensão recente dessas medicações está
relacionada com até 10,2% de eventos cardiovasculares agudos6.

4. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas ao


alto risco cardiovascular?

Doenças pulmonares:
A presença de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou doença pulmonar
restritiva pode aumentar o risco peroperatório do paciente cardiopata. A sobrecarga de
trabalho respiratório, hipoxemia, hipercapnia e acidose respiratória podem aumentar o
estresse pós-operatório elevando o risco de complicações cardiopulmonares. Nos
casos graves deve-se considerar a determinação da capacidade funcional através da
prova de função respiratória, teste broncodilatador e gasometria arterial. O uso de
corticoide e broncodilatador deve ser considerado mesmo sabendo que o uso de beta-
agonistas inalatórios pode elevar o risco de arritmias ou infarto7.

Diabetes mellitus:
Diabetes mellitus é a comorbidade mais comumente encontrada em pacientes
coronariopatas. Quando presente, a suspeita clínica de doença arterial coronariana
deve ser sempre considerada3,8,9. Lee et al.2 identificaram que pacientes diabéticos em
insulinoterapia apresentam risco elevado de eventos cardiovasculares quando em
cuidados pós-operatórios2. Historicamente tolerava-se a manutenção de glicemias
relativamente elevadas no peroperatório, evitando-se episódios de hipoglicemia.
Trabalhos recentes demonstraram que o controle mais rigoroso da glicemia através da
infusão contínua de insulina pode reduzir complicações pós-operatórias10,11.

Doença renal crônica:


A doença renal crônica está frequentemente associada à doença arterial coronariana e
sua presença aumenta o risco de eventos cardiovasculares no peroperatório. Valores de
creatinina sérica >2,0mg/dL foram identificados como fatores de risco para disfunção
renal peroperatória, elevando a morbidade e a mortalidade desses pacientes12,13.
Importante estudo identificou que a creatinina sérica >2,0mg/dL é um fator de risco
independente para complicações cardíacas após cirurgias não cardíacas de grande
porte2. O clearance de creatinina também pode ser utilizado como preditor de
risco14,15.

Hipertensão arterial:
Pacientes hipertensos apresentam maior risco de portarem DAC não diagnosticada até o
momento da cirurgia17. Numerosos estudos, porém, demonstraram que níveis de pressão
arterial <180x110mmHg não representam elevação de risco de eventos
cardiovasculares no peroperatório1,18-23. Em casos de hipertensão leve a moderada sem
evidências de doença cardiovascular associada não se recomenda o retardo da
cirurgia24. Muitos investigadores demonstraram flutuações exageradas da pressão
arterial associadas a alterações eletrocardiográficas isquêmicas em pacientes
hipertensos durante o procedimento cirúrgico25-28, porém esse efeito pode ser
modificado pelo tratamento medicamentoso adequado.

As medicações anti-hipertensivas devem ser mantidas no peroperatório, evitando


principalmente a suspensão de betabloqueadores ou da clonidina que podem causar
efeito rebote. Em pacientes com pressão arterial >180x110mmHg deve-se considerar
riscos e benefícios antes da cirurgia ser adiada. Quando possível deve-se controlar a
pressão arterial semanas antes do procedimento cirúrgico. Para pacientes
coronariopatas a escolha de betabloqueadores como agentes anti-hipertensivos parece
reduzir eventos cardiovasculares bem como a incidência de fibrilação atrial26-34.

5. Qual o prognóstico dos pacientes cardiopatas submetidos às cirurgias não


cardíacas?

Para sistematizar a avaliação de risco de pacientes cardiopatas que serão submetidos a


cirurgias não cardíacas foi proposto pela diretriz do AHA/ACC um fluxograma bastante
prático e que contempla as principais variáveis envolvidas3. O fluxograma é composto
por cinco etapas (Figura 1):

Etapa 1: Determinar a urgência do procedimento.


Pacientes cardiopatas, necessitando de cirurgia de emergência, devem ser
encaminhados diretamente ao centro cirúrgico após estabilização clínica inicial. Os
cuidados clínicos e cardiológicos concentrar-se-ão no manejo pós-operatório.

Etapa 2: Avaliar a presença de cardiopatias graves descompensadas definidas no


Quadro 1.
Pacientes com cardiopatias graves, que não necessitam de cirurgia de emergência,
devem ter o procedimento cirúrgico retardado até a compensação da doença cardíaca e
seu tratamento definitivo segundo as recomendações vigentes.

Etapa 3: Determinar o porte da cirurgia de acordo com o Quadro 2.


Para cirurgias de pequeno porte não será necessário fazer estratificação funcional não
invasiva pré-operatória. A morbidade pós-operatória é muito baixa, mesmo em grupos
de pacientes de maior gravidade. Já no preparo de cirurgias de grande porte, em
pacientes com múltiplas comorbidades e com baixa capacidade funcional, a
estratificação funcional não invasiva deve ser realizada35.
Quadro 1
Cardiopatias graves descompensadas

Quadro 2
Classificação das cirurgias

Etapa 4: Determinar a capacidade funcional do paciente.


Este é um parâmetro clínico que foi capaz de predizer aqueles que terão desfechos
desfavoráveis quando submetidos a cirurgias não cardíacas36-40. Pacientes com
excelente capacidade funcional dificilmente terão a conduta modificada por
estratificações funcionais pré-operatórias.

A capacidade funcional é expressa pela unidade equivalente metabólico (MET), que


corresponde ao consumo de oxigênio de um homem de 40 anos e 70kg em repouso, o
que representa 3,5ml/kg/min ou 1 MET. Classifica-se a capacidade funcional como
excelente se >10MET; boa se entre 7-10MET, moderada de 4-7MET e baixa se
<4MET.

A capacidade funcional poderá ser determinada durante a anamnese. Aqueles que


apresentarem capacidade funcional <4MET estarão sob maior risco de desfechos
cardiovasculares desfavoráveis39. Nesse grupo, a estratificação funcional com teste
ergométrico, cintilografia miocárdica ou ecocardiograma de estresse terá papel
importante no preparo de cirurgias de médio e grande porte (Quadro 3).

Etapa 5: Determinar a presença de fatores de risco cardiovascular definidos no Quadro


4.
Pacientes com baixa capacidade funcional e que apresentem mais de três dos fatores de
risco definidos, quando em preparo para cirurgias de médio ou grande porte, devem ser
submetidos à estratificação funcional com teste ergométrico, cintilografia miocárdica
ou ecocardiograma de estresse no pré-operatório. Caso apresentem alterações
isquêmicas graves devem ser submetidos à coronariografia, considerando
revascularização miocárdica ainda no pré-operatório.
Quadro 3
Capacidade funcional clínica

Quadro 4
Fatores de risco cardiovascular
Pacientes com baixa capacidade funcional e apenas um ou dois dos fatores de risco,
quando em preparo para cirurgias de médio ou grande porte, podem receber tratamento
clínico otimizado com betabloqueadores, sem que necessariamente sejam submetidos à
estratificação funcional ou coronariografia. Importante estudo em pacientes com esse
perfil, submetidos a cirurgias vasculares, não demonstrou benefícios em se utilizar
métodos para estratificação funcional no pré-operatório41.

Pacientes com baixa capacidade funcional, porém sem fatores de risco cardiovascular,
mesmo quando em preparo para cirurgias de grande porte, não necessitam de
estratificação funcional pré-operatória.

Figura 1
Avaliação de risco de pacientes cardiopatas que serão submetidos a cirurgias não cardíacas.
Fonte: adaptado da Diretriz do AHA/ACC3
Cir=cirurgia; AI=angina instável; IAM=infarto agudo do miocárdio; IC=insuficiência cardíaca; SO=sala de operação;
DP=pressão

6. Como proceder nos casos de doença arterial coronariana?

Em algumas circunstâncias depara-se com o dilema da intervenção coronariana no pré-


operatório de cirurgias não cardíacas. Não se aplica a este caso, uma vez que o
paciente relatado não será submetido à cirurgia de grande porte, porém são necessárias
algumas considerações.

Não há benefício comprovado do emprego da estratificação não invasiva ou


coronariografia nos portadores de doença arterial coronariana estável em pré-
operatório de cirurgias de pequeno ou médio porte3. Deve-se restringir a
revascularização miocárdica apenas àqueles de mais alto risco coronariano quando
forem candidatos a cirurgias de grande porte.

Pacientes com angina instável de alto risco, IAM recente ou aqueles que serão
submetidos a cirurgias não cardíacas de grande porte, portadores de doença arterial
coronariana grave, com evidência de grande área miocárdica em risco avaliada por
estratificações não invasivas devem ser submetidos à revascularização miocárdica
percutânea ou cirúrgica antes do procedimento programado3. O melhor momento para
esse procedimento, bem como o método a ser utilizado (percutâneo ou cirúrgico) deve
ser definido de acordo com a urgência da cirurgia não cardíaca, o risco de sangramento
e gravidade da doença coronariana.

A angioplastia coronariana é uma alternativa à revascularização cirúrgica no pré-


operatório de cirurgias não cardíacas de grande porte. Ao optar por uma estratégia
percutânea, será necessário definir se a angioplastia será realizada por balão, com
stents convencionais ou com stents farmacológicos. A escolha da técnica a ser
empregada deve considerar a urgência da cirurgia não cardíaca uma vez que com o
emprego de stents farmacológicos o tempo de antiagregação plaquetária dupla será
maior, podendo impedir a realização do procedimento cirúrgico no momento adequado
(Figura 2).

• Após angioplastia por balão


O risco de trombose aguda é maior nos primeiros dias, portanto nesse período não se
aconselha realizar cirurgias não cardíacas3. O risco de reestenose é maior após oito
semanas, o que aumenta a possibilidade de isquemia pós-operatória, sendo duas
semanas após a angioplastia o tempo ideal para que a cirurgia não cardíaca seja
realizada mantendo-se o uso do AAS42,43 (Figura 2). Assim, quando houver urgência
para a realização do procedimento cirúrgico, a angioplastia por balão pode ser
considerada.

• Após implante de stents não farmacológicos


Será necessário aguardar pelo menos 30 dias para realizar o procedimento cirúrgico e
não mais que 12 meses, quando a reestenose já pode estar presente. A trombose após o
implante de stents não farmacológicos ocorre mais frequentemente nas duas primeiras
semanas e é mais rara após quatro semanas (<1%)44,45. Nas quatro semanas iniciais
deve-se manter o uso dos tienopiridínicos associado ao ácido acetilsalicílico. Após
esse período, apenas os tienopiridínicos devem ser descontinuados cinco a sete dias
antes, para que o paciente seja levado à cirurgia. (Figura 2).
•Após stents farmacológicos
Os stents farmacológicos foram desenvolvidos para reduzir a formação neointimal,
portanto, a taxa de reestenose. Atualmente, os modelos utilizados no mercado são
recobertos por sirolimus ou paclitaxel, que podem retardar a endotelização, mas
também podem elevar o risco de trombose. Com a suspensão dos tienopiridínicos para
a realização de cirurgia não cardíaca, a trombose tardia pode ocorrer até mesmo um
ano e meio após o implante de stents farmacológicos, o que torna essa alternativa mais
arriscada se a cirurgia já estiver programada46,47 (Figura 2).

O uso da aspirina deve ser continuado no peroperatório dos pacientes submetidos a


angioplastias. A manutenção do uso da aspirina pode aumentar o risco de sangramentos
peroperatórios, mas não eleva o risco de complicações hemorrágicas graves ou
mortalidade48,49. Algumas exceções poderão ser concedidas como em casos de
neurocirurgias com alto risco de sangramentos, prostatectomias ou cirurgias
oftalmológicas (excetuando-se cirurgia de catarata). Nessas ocasiões, o cardiologista
deverá sempre ser consultado, avaliando os riscos da suspensão dos antiagregantes,
baseando-se não somente no tipo de stent empregado, mas também na complexidade,
extensão e localização dos segmentos angioplastados.

Figura 2
Escolha da técnica a ser empregada de acordo com a urgência da cirurgia não cardíaca.
S.O.=sala de operação

7. Existe algum tratamento farmacológico que comprovadamente reduza desfechos


(morte e internação) neste caso?

Betabloqueadores
Este tópico teve grande destaque nos últimos anos. Muitos ensaios clínicos e meta-
análises foram publicados, mas o tema ainda permanece controverso. Os estudos
compararam drogas diferentes, em populações com perfis de risco diferentes,
submetidas a protocolos heterogêneos, dificultando uma conclusão definitiva.

Estudos da década de 1990 sugeriam que o uso de betabloqueadores no peroperatório


poderia reduzir a mortalidade e a morbidade em pacientes com diferentes perfis de
risco50. Posteriormente trabalhos randomizados não demonstraram efeito protetor com
o uso de betabloqueadores no peroperatório de cirurgias vasculares em pacientes de
risco intermediário ou baixo51-55. Grande estudo retrospectivo publicado analisou
780.000 pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas, e demonstrou que em pacientes
de alto risco os betabloqueadores estavam associados à menor mortalidade e nos de
baixo risco observou-se malefício56.

Um dos ensaios clínicos mais importantes já publicados sobre esse tema foi o estudo
POISE57. Nele foram incluídos pacientes de alto risco, com história de doença arterial
coronariana, doença arterial periférica, acidente vascular encefálico isquêmico,
pacientes já hospitalizados por insuficiência cardíaca ou três dos sete critérios: cirurgia
intratorácica ou intra-abdominal, história de insuficiência cardíaca, ataque isquêmico
transitório, DM, creatinina >175μmol/L, idade >70 anos, cirurgia de urgência ou
emergência. Esses pacientes foram submetidos a cirurgias de médio e grande porte.
Nesse protocolo o betabloqueador utilizado foi o metoprolol de liberação lenta, sendo
a primeira dose de 100mg fornecida de duas a quatro horas antes da cirurgia e seis
horas após. Após a primeira dose foram feitos 200mg de metoprolol ou placebo
diariamente por 30 dias. Evidenciou-se menor incidência de infarto, parada cardíaca
revertida e mortalidade cardíaca no grupo betabloqueado (5,8% x 6,9%; p=0,03),
porém, à custa de incidência dobrada de acidente vascular encefálico e de maior
mortalidade global nesse grupo (3,1% x 2,3%; p=0,03). A alta incidência de hipotensão
(15,0%) e bradicardia (6,6%) esteve fortemente associada à maior mortalidade e
também ao acidente vascular encefálico57.

Muitos foram os questionamentos sobre os achados desse estudo. Apesar de ser um dos
mais consistentes sob o ponto de vista metodológico, a dose do metoprolol foi
considera muita elevada. A formulação de liberação lenta pode ter dificultado o manejo
dinâmico no peroperatório; as dosagens fixas podem não ter sido adequadas às
mudanças fisiológicas desse período; e o início agudo, feito de duas a quatro horas
antes da cirurgia, sem titulação individual da dose pode ter propiciado os desfechos
negativos.

Para pacientes de alto risco cardiovascular, portadores de coronariopatias, que serão


submetidos a cirurgias de grande porte, o uso criterioso e individualizado dos
betabloqueadores é recomendado. Deve-se prescrever inicialmente em dose baixa, com
incrementos progressivos, objetivando o controle da frequência cardíaca entre 55-
60bpm, evitando-se a hipotensão arterial. Para os pacientes de menor risco ou aqueles
submetidos a cirurgias de pequeno ou médio porte os benefícios são controversos. É
importante ressaltar que pacientes que já estiverem em uso crônico de
betabloqueadores não devem ter a medicação descontinuada no peroperatório. A
suspensão aguda dessa classe de medicamentos pode elevar a mortalidade pós-
operatória4.

Estatinas
Existem evidências consistentes comprovando que o uso de estatinas previne eventos
cardiovasculares após cirurgias de grande porte (vasculares). Esse benefício ocorre de
maneira independente dos níveis de colesterol58,59. A introdução da estatina deve ser
feita duas semanas antes do procedimento cirúrgico e mantida por 30 dias. Seu uso no
peroperatório é seguro e a ocorrência de rabdomiólise é rara60. A suspensão da
estatina no peroperatório de pacientes que fazem uso crônico é um preditor de eventos
cardiovasculares após cirurgias vasculares61. Poucas são as evidências que justificam o
uso de estatinas no peroperatório de cirurgias não vasculares.

Alfa-agonistas
Este grupo farmacológico modula a resposta das catecolaminas ao estresse cirúrgico e
anestésico, reduzindo a liberação de noradrenalina, diminuindo a pressão arterial e a
frequência cardíaca. Alguns estudos demonstraram redução de isquemia miocárdica
sem diminuir eventos clínicos ou mortalidade62,63. Meta-análise demonstrou redução de
infarto agudo do miocárdio em pacientes submetidos a cirurgias vasculares64.
Recomenda-se o uso deste grupo farmacológico para pacientes coronariopatas que
serão submetidos a cirurgias vasculares e que apresentam contraindicação ao uso de
betabloqueadores.

Mesmo sendo o paciente do caso clínico portador de doença arterial coronariana,


existem poucas evidências demonstrando que submetê-lo à estratificação não invasiva e
posteriormente à revascularização miocárdica possa trazer benefícios na redução de
eventos cardiovasculares peroperatórios, principalmente se esses pacientes
apresentarem boa capacidade funcional e ainda estiverem com o tratamento clínico
otimizado. Muitas vezes, os pacientes chegam ao consultório apresentando
estratificações funcionais recentes. Nestes casos, deve-se ater à extensão da doença
isquêmica apresentada, reservando-se os procedimentos de revascularização para os
casos graves.

Nos pacientes com estratificações de baixo risco, principalmente quando apresentarem


boa capacidade funcional e ainda forem candidatos a cirurgias de pequeno ou médio
porte, preconiza-se o tratamento clínico otimizado.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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Seção 13. Cirurgia Cardíaca

Tratamento Cirúrgico da Insuficiência Mitral


Cirurgia na Estenose Aórtica
Revascularização do Miocárdio
Tratamento Cirúrgico das Dissecções Aórticas
Cirurgia na Insuficiência Cardíaca
TRATAMENTO CIRÚRGICO DA
INSUFICIÊNCIA MITRAL

Rubens Giambroni Filho


Joaquim Henrique de Souza Coutinho

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 61 anos, com história de cansaço aos esforços de média intensidade,
episódios de palpitação e dispneia paroxística noturna.

HPP: Hipertensão arterial controlada. Nega febre reumática e amigdalite de repetição.


Ao exame: Sinais vitais – PA =145x85mmHg; FC = ritmo regular, 88bpm; T.ax. =36ºC;
FR =18irpm.
O íctus cordis é globoso e deslocado para a esquerda. Tem frêmito sistólico na área
mitral à palpação do íctus cordis. Ausculta cardíaca apresenta hiperfonese de B2, sopro
holossistólico levemente rude e mais intenso na região do ápice, com irradiação para a
axila esquerda.
Restante do exame físico é normal.

Hipótese diagnóstica: Insuficiência mitral


Exames complementares:
ECG: sinais de sobrecarga do átrio esquerdo e ventrículo esquerdo, e extrassistolia
supraventricular frequente.
Radiografia de tórax: Sinais de aumento das cavidades esquerdas e congestão
pulmonar.
Ecocardiograma transtorácico com Doppler permite confirmar o diagnóstico. Na
análise do exame observa-se volume regurgitante presente para o AE (>50ml), valva
deformada com alongamento das cordoalhas tendíneas de P2 e alargamento do anel
mitral. AE e VE aumentados. O ecocardiograma transesofágico estabelece o defeito
mitral em P2 e permite quantificar melhor o volume regurgitante.

OBJETIVOS
1. Discutir a indicação de tratamento cirúrgico na insuficiência valvar mitral.
2. Identificar o paciente que terá maior benefício na plastia ou na troca valvar
mitral.
3. Analisar resultados da plastia e da troca valvar mitral.

PERGUNTAS
1. Quando indicar a cirurgia na insuficiência mitral?

A indicação cirúrgica deve ser feita de acordo com os Guidelines1,2 e a Diretriz


Brasileira de Valvopatias3.

1.Pacientes sintomáticos com insuficiência mitral aguda: Classe I, Nível de evidência


B.

2.Na insuficiência mitral crônica importante:

1. Pacientes sintomáticos (classe II, III, IV), sem evidência de disfunção


ventricular esquerda severa (FE<30% e/ou diâmetro sistólico ventricular
esquerdo >55mm): Classe I, Nível de evidência B.
2. Pacientes assintomáticos com disfunção ventricular esquerda leve a
moderada (FE=30% a 60% e/ou diâmetro sistólico ventricular ≥40mm):
Classe I, Nível de evidência B.
3. Pacientes assintomáticos, com função ventricular esquerda preservada
(FE>60% e diâmetro sistólico ventricular esquerdo <40mm), em centros com
experiência em plastia valvar com probabilidade de sucesso (sem
insuficiência mitral residual) superior a 90%: Classe IIa, Nível de evidência
B.
4. Estes pacientes só se beneficiam a longo prazo se for feita plastia e não troca
valvar mitral. A presença de um orifício regurgitante efetivo ≥40mm² também
é motivo para indicação cirúrgica em pacientes assintomáticos.
5. Pacientes assintomáticos com função ventricular esquerda preservada e novo
episódio de fibrilação atrial ou hipertensão pulmonar (pressão sistólica
pulmonar >50mmHg em repouso ou >60mmHg com exercício): Classe IIa,
Nível de evidência C.
6. Nos pacientes em classe funcional III e IV e disfunção ventricular esquerda
importante (FE<30% e/ou diâmetro sistólico ventricular esquerdo >55mm)
com alterações orgânicas da valva mitral e alta probabilidade de plastia
valvar: Classe IIa, Nível de evidência C.
7. Nos pacientes em classe funcional III e IV e disfunção ventricular esquerda
importante (FE<30% e/ou diâmetro sistólico ventricular esquerdo >55mm),
secundária à disfunção ventricular esquerda com persistência de sintomas
após terapia clínica máxima e marca-passo biventricular: Classe IIb, Nível
de evidência C.

2. Quando não indicar a cirurgia valvar mitral? 4-9

1. Em pacientes com insuficiência mitral leve a moderada: Classe III.


2. Em pacientes assintomáticos com função ventricular esquerda preservada
(FE>60% e diâmetro sistólico ventricular esquerdo <40mm) se houver
dúvidas quanto à possibilidade de plastia valvar.

3. Quando deve ser feita a plastia valvar mitral? Em qual situação a troca valvar
mitral está plenamente indicada? 4-9

A plastia valvar mitral, quando comparada com a troca valvar, deve ser a primeira
opção cirúrgica na maioria dos pacientes com insuficiência mitral crônica importante,
que necessitem de cirurgia: Classe I, Nível de evidência C.

Há três fatores importantes para que se faça uma plastia valvar com sucesso. O
primeiro é a etiologia da insuficiência mitral: na degeneração mixomatosa, a
possibilidade de sucesso e manutenção dos resultados em longo prazo é superior a
90%. Esses resultados são bem inferiores nas etiologias reumática, funcional,
isquêmica, infecciosa e congênita, com valores entre 30% e 60%.

O segundo fator é anatômico: as dilatações isoladas do anel mitral e os prolapsos de


folheto posterior (P2) são mais fáceis de reparar. Seguem-se, em ordem crescente de
dificuldade: prolapsos de folheto anterior, múltiplos prolapsos, calcificação de anel,
doença de Barlow e calcificação de folhetos.

O terceiro fator é o treinamento e experiência do cirurgião com a plastia valvar. Há


necessidade de treinamento cirúrgico adequado para se obter bom resultado com
plastia valvar.

Gillinov et al.10, relatando a experiência da Cleveland Clinic, demonstraram com


analise multivariada ajustada por escore de propensão que não havia diferenças a longo
prazo entre plastia e troca valvar mitral em pacientes com idade >70 anos, disfunção
ventricular esquerda e patologia valvar mais complexa. Nesses pacientes está
perfeitamente indicada a troca valvar. O critério de patologia valvar complexa é muito
elástico e depende da experiência do cirurgião.

4. Como fazer a plastia valvar? 11-14

Várias técnicas são utilizadas para se fazer a plastia valvar mitral. Essas técnicas
exigem ação cirúrgica sobre todo o aparelho valvar mitral: anel mitral, folhetos, cordas
tendíneas e músculos papilares5.

As técnicas mais utilizadas são a anuloplastia mitral, a ressecção quadrangular ou


triangular de P2 e a confecção de neocordas de PTFE.

As dilatações do anel mitral podem ser corrigidas com anéis rígidos fechados
(Carpentier), anéis flexíveis fechados (Duran), anéis semirrígidos fechados
(Carpentier Physioring), abertos ou em C (Cosgrove, Braile). Vários outros anéis são
utilizados com objetivos específicos. A maioria dos cirurgiões adiciona anuloplastia
mitral sempre que faz plastia valvar, objetivando maior estabilidade da plastia.

Ao se fazer as ressecções em P2 é importante que o folheto anterior tenha menos de


1,5cm para se evitar movimento sistólico do folheto anterior e obstrução da via de
saída do ventrículo esquerdo. Para tanto, ressecções do folheto posterior com
deslizamento de segmentos do mesmo podem evitar esse problema.

As neocordas de PTFE têm mostrado excelente resultado a longo prazo e podem ser
utilizadas em múltiplos segmentos dos folhetos mitrais. Perier et al.14 mostraram muito
bom resultado a longo prazo utilizando PTFE, e advogam respeitar os folhetos mitrais
em vez de ressecá-los.

5. Qual é a importância do ecocardiograma transesofágico peroperatório?

O ETE peroperatório é fundamental para o sucesso cirúrgico. Várias informações pré-


circulação extracorpórea são obtidas sobre a natureza da lesão mitral; a função
ventricular direita e esquerda e o possível comprometimento de outras válvulas. Na
pós-CEC, o ETE permite avaliar a qualidade do reparo feito, a presença de
insuficiência ou de estenose mitral residual, a presença de movimentação sistólica
anterior (SAM) e a função e contratilidade ventricular esquerda e direita. Suturas no
anel mitral próximo à P1 podem eventualmente ocluir a artéria circunflexa. O ETE
ainda permite avaliar reparos feitos na válvula tricúspide.

6. Quando e como corrigir a insuficiência tricúspide em pacientes com insuficiência


mitral?

Insuficiência tricúspide moderada ou severa tem um impacto negativo sobre sobrevida


independente da função ventricular esquerda ou do grau de hipertensão pulmonar. A
insuficiência tricúspide moderada ou severa deve ser corrigida durante a cirurgia
mitral13. Ela pode ser orgânica, mas na maioria das vezes ela é funcional por
alargamento do anel tricúspide.

Várias técnicas podem ser utilizadas para corrigir a insuficiência tricúspide funcional:

1. implante de anel metálico tricúspide aberto, sendo mais utilizado o de


Carpentier semirrígido;
2. Sutura constritora de De Vega;
3. Bicuspidização da válvula tricúspide. O uso do anel metálico tem mais
aceitação pela maior durabilidade dos resultados.

Quando há lesão orgânica da válvula, pode-se fazer a plastia da válvula tricúspide, mas
na maioria das vezes é necessário trocar a válvula.

7. Deve-se corrigir simultaneamente a fibrilação atrial?

A operação do labirinto de Cox tem dado excelentes resultados no tratamento da


fibrilação atrial. Entretanto seu uso ficou restrito, particularmente com cirurgia mitral
associada devido à dificuldade técnica e aumento do tempo de CEC.

Com a utilização de radiofrequência para provocar as lesões transmurais necessárias


para criar o labirinto que direciona o impulso elétrico, as operações ficaram com
menor dificuldade técnica, exigindo tempo menor de CEC. Podem ser utilizadas pinças
de ablação uni ou bipolares, e as lesões obedecendo aos padrões de Cox (Cox Maze
tipo IV) ou fazendo apenas a ablação em volta das veias pulmonares. Esta ultima
operação é bem simples, podendo ser utilizada mais largamente, ainda que com
resultados um pouco inferiores aos do Cox Maze IV.

Pacientes com fibrilação atrial paroxística ou fibrilação atrial persistente com menos
de um ano de evolução podem ter a fibrilação atrial corrigida durante a cirurgia mitral.
Ainda que existam relatos de bons resultados com essa operação combinada, não há
estudos randomizados que comprovem a necessidade de corrigir cirurgicamente a FA
durante cirurgia mitral11.

A auriculeta esquerda deve ser sempre excluída.

8. Quando e como trocar a válvula mitral?

A válvula mitral deve ser trocada por prótese quando não for possível fazer a plastia
valvar mitral. Pacientes assintomáticos sem disfunção ventricular esquerda devem ser
mantidos em tratamento clínico quando a opção oferecida for a troca valvar.
A prótese valvar mecânica tem ótimo desempenho e durabilidade, mas há problemas
relacionados ao uso de anticoagulante: sangramento, embolia, trombose de prótese. A
prótese valvar biológica, porcina ou bovina, tem ótimo desempenho, não necessita de
anticoagulação, mas está sujeita à degeneração com diminuição da durabilidade para
cerca de 15 anos em 80% dos pacientes. Em pacientes >60 anos a probabilidade de
duração da prótese valva biológica é 90% em 20 anos7.

A escolha da prótese entre biológica e mecânica dependerá de vários fatores.


Favorecem o uso de próteses biológicas: idade >60 anos, impossibilidade de uso de
anticoagulante, desejo de engravidar. Favorecem a escolha de prótese mecânica: idade
<20 anos, medo de reoperação, boa aderência ao uso de anticoagulante oral
permanente, uso prévio de anticoagulante.

Ao se fazer a troca valvar, é útil preservar o folheto posterior da valva mitral. Com isto
se evita desinserção atrioventricular e também a preservação da geometria do
ventrículo esquerdo. Borger et al.6 demonstraram melhor função ventricular esquerda a
longo prazo quando o folheto posterior foi preservado

9. Qual o papel da cirurgia minimamente invasiva?

A cirurgia minimamente invasiva vídeo-assistida está se expandindo rapidamente e


provavelmente será o método de escolha para cirurgia valvar mitral em futuro bem
próximo.

A operação é conduzida por uma mínima toracotomia direita e perfusão pela artéria e
veia femorais. Tem as vantagens de menor dor, mais cosméticas e recuperação mais
rápida. O grupo cirúrgico de Mohr12, em Leipzig, na Alemanha e o de Vanermen16, em
Aaist, na Bélgica, entre outros, têm mostrado grande quantidade de casos com ótimos
resultados.

A cirurgia robótica é mais complexa, mais difícil de aprender, exige instrumental mais
caro, mas o trauma cirúrgico é ainda menor. Chitwood17 apresentou séries expressivas
com bons resultados.

10. Quais são os resultados cirúrgicos?

A mortalidade hospitalar para valvuloplastia mitral está em torno de 1%, sendo inferior
à da troca valvar mitral que está entre 5% e 9%. Os pacientes submetidos a troca
valvar são mais idosos, com mais comorbidades, com pior função ventricular e com
doenças valvares mitrais mais complexas. A mortalidade hospitalar depende da
complexidade da operação, da função ventricular direita e esquerda, da classe
funcional, do grau de hipertensão arterial pulmonar, da existência de arritmias
cardíacas, da idade e de comorbidades. Operações feitas em caráter de emergência e
reoperações agravam o risco cirúrgico8.

Para os resultados a longo prazo precisa-se analisar: sobrevida, sobrevida livre de


eventos, ausência de reoperações sobre a válvula mitral, degeneração valvar,
incidência de endocardite, complicações tromboembólicas e complicações
hemorrágicas1.

A plastia valvar mitral tem melhores resultados a longo prazo em relação à troca
valvar, seja ela mecânica ou biológica em todos os critérios de avaliação. Na plastia
valvar por doença degenerativa a perspectiva é de que mais de 90% dos pacientes
estejam livres de reoperações valvares mitrais após 25 anos de seguimento. Na plastia
valvar por doença reumática esse número é inferior a 50%4.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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CIRURGIA NA ESTENOSE AÓRTICA

Alexandre Siciliano Colafranceschi

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 82 anos, com queixa de cansaço progressivo aos esforços que vem
percebendo ao longo dos últimos três meses; atualmente com dispneia aos pequenos
esforços (subir um lance de escadas). Nega dor precordial ou síncope. É hipertenso de
longa data e usa vasodilatador do tipo inibidor de canal de cálcio. Nega diabetes.
Passado de tabagismo (30 maços/ano), tendo parado há 25 anos. Etilista social. Nega
alergias ou cirurgias prévias (apenas catarata). É ativo e reside com a esposa. Possui
bom estado geral.

Ao exame físico apresentava pulso carotídeo de amplitude diminuída. RCR em 3


tempos com presença de B4, sopro sistólico em FA com irradiação para a região
cervical, 2+/6+, pico tardio, A2 diminuída, e discreto sopro (1+/6+), holossistólico,
em região de foco mitral.

Ecocardiograma com grave estenose aórtica, hipertrofia ventricular esquerda


concêntrica sem disfunção sistólica. Disfunção diastólica tipo II. Gradiente transaórtico
médio de 75mmHg. Pressão arterial pulmonar estimada 45mmHg. Coronariografia sem
lesões obstrutivas. Sem disfunção orgânica aparente.

OBJETIVOS
1. Discutir o emprego da prótese biológica e da prótese mecânica na estenose
aórtica.
2. Avaliar o uso de alo (homo) e autoenxerto na cirurgia de estenose aórtica.
3. Analisar a estratégia cirúrgica de alargamento de anel valvar.
4. Avaliar a utilização da prótese valvar transcateter na cirurgia de estenose
aórtica.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas no caso relatado?

Estenose aórtica calcificada do idoso (degenerativa). Não há história de febre


reumática nem sugestão de doença reumática ao ecocardiograma, que normalmente se
apresenta mais cedo na história natural. Da mesma forma, a estenose da válvula
bicúspide também se apresenta sintomática na quinta ou sexta décadas.

2. Como confirmar o diagnóstico?

A história clínica, o exame físico e o ecocardiograma são suficientes para confirmar o


diagnóstico. A cineangiocoronariografia excluiu doença ateroesclerótica coronariana
obstrutiva.

3. Como é o mecanismo fisiopatológico?

A área valvar aórtica normal é de 3cm2 a 4cm². A área valvar deve ser reduzida a 1/3
para que se desenvolvam sintomas, motivo pelo qual somente uma área <1,0cm² é
considerada como estenose aórtica grave. É considerada estenose aórtica leve se a área
é >1,5cm²; moderada se 1,0cm2 a 1,5cm²; e grave se <1,0cm² 1,2.
Quando a estenose aórtica é grave e o débito cardíaco normal o gradiente médio
transvalvular geralmente é >50mmHg3,4.

Decisões cirúrgicas são baseadas na presença ou ausência de sintomas; a área valvar


ou o gradiente transvalvular geralmente não são os determinantes primários da
necessidade de troca valvar aórtica5,6. Há um longo período latente assintomático,
sendo a morbimortalidade muito baixa, com uma taxa média de diminuição da área
valvar de aproximadamente 0,12cm² por ano.

Na estenose aórtica a obstrução se desenvolve gradualmente durante décadas. Durante


esse período, o ventrículo esquerdo se adapta à sobrecarga pressórica com hipertrofia
de suas paredes, mantendo o estresse sistólico da parede (pós-carga). Essa manutenção
inicial do estresse sistólico da parede é o fator determinante da preservação da fração
de ejeção. Contudo, se o processo de hipertrofia é inadequado e o espessamento
relativo da parede ventricular não aumenta em proporção ao aumento da pressão
intraventricular, o estresse sistólico aumenta e a pós-carga elevada causa diminuição da
fração de ejeção. O estado contrátil deprimido do miocárdio também contribui para a
baixa fração de ejeção na maioria dos pacientes.

Devido à hipertrofia ventricular e redução da complacência, há um aumento da pressão


diastólica final do ventrículo esquerdo sem dilatação, geralmente refletindo disfunção
diastólica. Dessa forma, a contração atrial desempenha um papel importante no
enchimento ventricular e a sua perda, como ocorre na fibrilação atrial, geralmente leva
à deterioração hemodinâmica.

4. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas ao


caso?

Pacientes com estenose aórtica grave e baixo débito cardíaco frequentemente se


apresentam apenas com modesto gradiente de pressão transvalvular. Esses pacientes
são mais difíceis de distinguir daqueles com baixo débito cardíaco e estenose aórtica
leve a moderada. Além dos baixos gradientes transvalvulares o estado de baixo fluxo
também interfere no cálculo da área valvar, que tende a ser subestimada7,8.

Em pacientes com disfunção de VE e estenose aórtica aparentemente moderada a grave,


o cálculo do gradiente de pressão transvalvar pode se revelar útil, inclusive em estado
de repouso, como durante o exercício ou estresse farmacológico (dobutamina).
Pacientes sem estenose aórtica anatomicamente grave exibirão aumento na área valvar
durante o aumento do débito cardíaco de modo que a área valvar calculada sairá da
faixa considerada grave, indicando ausência de estenose aórtica grave. Já nos
portadores de estenose aórtica verdadeiramente grave, a área valvar também aumenta,
mas permanece dentro da faixa de variação indicativa de gravidade9,10.

5. Qual é o prognóstico?

Parece que a progressão da estenose aórtica é mais rápida na degeneração cálcica do


que na doença congênita ou reumática11,12. Após o início dos sintomas, a sobrevivência
média é menor que dois ou três anos13,14. Tem sido registrada uma incidência de angina,
síncope e dispneia em pacientes assintomáticos com velocidades ao Doppler >4m/s de
38% após dois anos e 79% após três anos. Por isso, pacientes com estenose aórtica
grave precisam ser acompanhados de perto e advertidos quanto aos possíveis sintomas
indicativos da necessidade de procura por auxílio médico15,16. Morte súbita pode
ocorrer em pacientes com estenose aórtica grave, mas tem sido raramente documentada
em pacientes sem sintomas prévios.

6. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos (morte e


internação) neste caso? (Figura 1)

Indicações para troca valvar aórtica (Quadro 1)17,18:

a) Pacientes sintomáticos19,20: O prognóstico é similar em pacientes com ou sem


disfunção moderada de VE; se a disfunção não for causada apenas por aumento da pós-
carga a melhora pode não ser completa após a troca valvar, mas a sobrevida é ainda
melhor, com possível exceção para pacientes com grave disfunção de VE causada por
doença arterial coronariana (DAC)21,22.
Em pacientes com grave disfunção de VE e estenose aórtica com baixos gradientes, a
troca valvar aórtica não deve ser realizada se a estenose não for anatomicamente grave.
Naqueles em que a estenose aórtica é grave, há melhora da hemodinâmica e do estado
funcional após a troca valvar23,24. Na ausência de sérias comorbidades associadas, a
estenose aórtica grave sintomática é indicação para troca valvar em todos os
pacientes25,26.

b) Pacientes assintomáticos27,28: Neste caso deve-se tentar identificar pacientes que


podem ter um alto risco de morte súbita sem a cirurgia e que apresentam critérios de
estenose aórtica grave; para esses pacientes indica-se a cirurgia quando há:

presença de disfunção sistólica de VE


resposta anormal ao exercício (ex: hipotensão)
taquicardia ventricular
marcada ou excessiva HVE (>15mm)
área valvar <0,6cm²

c) Pacientes que serão submetidos à RVM29,30: Está indicada a troca valvar aórtica
em pacientes sintomáticos ou não com critérios de estenose aórtica grave candidatos à
revascularização miocárdica (RVM), cirurgias em outras valvas cardíacas ou da
aorta31,32. Indicada ainda em pacientes com estenose aórtica moderada a despeito da
sintomatologia, candidatos à RVM, cirurgias em outras valvas cardíacas ou da
aorta33,34.

Quadro 1
Recomendações para troca valvar aórtica na estenose aórtica

7. O tratamento pode ajudar no controle da evolução da doença?


A estenose valvar aórtica é um problema mecânico e o padrão-ouro de tratamento é a
cirurgia de troca valvar aórtica que permite, em muitos casos, o remodelamento
ventricular ao longo do tempo.

Diversas alternativas têm sido utilizadas como substituto valvar aórtico com próteses
biológicas que, em geral, não requerem anticoagulação, mas sofrem degeneração
estrutural ao longo do tempo; próteses metálicas, que não degeneram mas requerem o
uso contínuo de anticoagulação sistêmica, e alternativas mais complexas como o
autoenxerto (cirurgia de Ross) ou o aloenxerto (homoenxerto), atualmente reservadas
para situações de endocardite de prótese ou diminuta dimensão anular.

Os aloenxertos e as próteses biológicas stentless reduziram em muito a necessidade de


ampliação cirúrgica do anel aórtico. As próteses biológicas têm como uma de suas
principais vantagens o fato de apresentarem baixa frequência de trombose em relação
às mecânicas e, portanto, não necessitarem o emprego de drogas anticoagulantes. Nas
próteses em posição aórtica, a ocorrência de trombose varia de 0,05% a 0,25%/ano
para as metálicas, sendo de 0,03%/ano para as biológicas.

A valvoplastia por balão tem papel limitado nos adultos. Os resultados hemodinâmicos
imediatos incluem a moderada redução no gradiente transvalvar, mas a área é raramente
>1,0cm² 35,36. Sérias complicações ocorrem em torno 10% e reestenose e deterioração
clínica em seis a 12 meses na maioria dos casos37,38 (Quadro 2).
Quadro 2
Recomendações para valvuloplastia por balão na estenose aórtica39

A inserção transcateter da valva aórtica é uma opção de tratamento emergente para


pacientes selecionados com estenose aórtica grave, e pode ser feita a partir de uma
abordagem transfemoral, transaxilar, transaórtica ou transapical.

Para pacientes sem condições clínicas de serem submetidos à cirurgia convencional, a


última diretriz interamericana de valvulopatia1 considera tal estratégia classe
recomendação I com nível de evidência B. Pacientes de alto risco cirúrgico
(euroSCORE >15%) têm no implante transcateter da válvula aórtica uma alternativa à
cirurgia convencional (classe recomendação IIa; nível evidência B).

É fundamental a organização de um heart team para se oferecer a alternativa de


tratamento associada à melhor relação risco-benefício para o paciente. O treinamento
de cirurgiões cardiovasculares nas abordagens transcateter pode minimizar os conflitos
de interesses na indicação de uma ou outra estratégia intervencionista40,41.

8. Existe alguma estratégia para prevenção (primária e secundária)?

Antibioticoterapia profilática está indicada para prevenção de endocardite infecciosa.


Pacientes com hipertensão arterial sistêmica devem ser tratados criteriosamente.
Excetuando essas condições, não existe tratamento medicamentoso para aqueles que
não tenham desenvolvido sintomas. Para os pacientes sintomáticos o tratamento é a
cirurgia. A maioria do pacientes assintomáticos leva uma vida normal, embora deva ser
aconselhada restrição da atividade física em pacientes com estenose aórtica moderada
a grave42,43.
Figura 1
Cirurgia para correção de estenose aórtica mostrando a válvula nativa

9. Quais os critérios para a escolha do tipo de prótese?

No Brasil, a prótese biológica tem sido o substituto valvar mais utilizado. Observa-se
essa preferência por inúmeras razões: condição socioeconômica dos pacientes e o fato
de dispensar a anticoagulação por toda a vida. Estas próteses evoluíram a partir de
tecidos biológicos provenientes da dura-máter e, posteriormente, pericárdio bovino e
valvas porcinas remontadas em anéis. Desde então houve grande evolução tecnológica
determinada por vários pesquisadores e inúmeras próteses comercializáveis44-46.

As próteses biológicas, em geral, possuem baixa trombogenicidade, boa hemodinâmica,


não apresentam ruídos no pós-operatório e, em decorrência do fluxo central,
apresentam-se com baixa turbulência. No entanto, a limitação ao uso das próteses
biológicas está diretamente relacionada à sua durabilidade, calcificação e necessidade
de reoperações, com aumento do risco cirúrgico. A sua indicação está bem
estabelecida, principalmente em idosos (>65 anos na maioria das diretrizes) e naqueles
impossibilitados de se submeterem a esquemas de anticoagulação.

Atualmente, com a introdução das próteses aórticas transcateteres, o uso da prótese


biológica aórtica poderá servir de matriz para o implante de uma prótese transcateter.
Não existem, entretanto, diretrizes que incluam essa indicação no momento, mas casos
anedóticos sugerem que essa possa vir a ser uma alternativa para a degeneração
estrutural da válvula biológica47.

As próteses mecânicas de diversos tipos são bastante utilizadas quando preenchem


critérios bem estudados e debatidos. É uma opção para troca valvar em adultos jovens
e crianças, porém possuem o inconveniente da rápida degeneração estrutural como
ocorre com as biopróteses. As próteses mecânicas de duplo-folheto são amplamente
utilizadas; apresentam boa hemodinâmica, baixo perfil, boa durabilidade, incidência
reduzida de trombose e fenômenos tromboembólicos, principalmente se usados
esquemas de anticoagulação com controle adequado. Limitações usualmente decorrem
do uso de anticoagulantes, sendo possível ocorrer hemorragias de pequena monta até
quadros dramáticos de acidente vascular encefálico, além de trombose na prótese,
hemólise, fratura e desgaste de oclusores.

A valva homóloga ou homoenxerto, que parece ser menos vulnerável às infecções,


possui boa hemodinâmica e restauração ao fluxo próximo do normal na raiz aórtica e
seios coronarianos, além de se apresentar com gradientes aceitáveis no pós-operatório.
Limitações ao seu uso ocorrem pela escassez de doadores, dificuldade de esterilização
e armazenamento. Há também relatos de alterações precoces na valva dado ao mau
alinhamento comissural e distorção, gerando insuficiência aórtica precoce por
problemas de técnica cirúrgica. Ainda existem poucos centros com experiência e uso
rotineiro do homoenxerto no cenário nacional, mas a experiência internacional tem sido
reservada para casos de endocardite, sobretudo de próteses, ou anel aórtico pequeno.

A despeito de diferentes características como fluxo, área, gradientes e durabilidade, a


escolha do tipo de prótese deve ser criteriosa, sendo geralmente influenciada pela
experiência da equipe. Esta escolha é sempre realizada após a avaliação do estado
clínico, aspectos socioeconômicos, psicológicos, idade, doenças associadas e
possibilidade de acompanhamento médico criterioso no pós-operatório e desejo do
paciente.

10. Quais são os resultados cirúrgicos precoces e tardios?.

A mortalidade operatória da cirurgia de troca valvar aórtica varia com a concomitância


de comorbidades, comuns sobretudo em pacientes idosos com estenose aórtica. Pode
variar de 2% a 10% em cirurgias isoladas48-52.

No pós-operatório tardio há aumento da fração de ejeção, que é mais acentuada nos


pacientes que têm baixa fração de ejeção pré-operatória. Pacientes com fração de
ejeção normal ou alta no pré-operatório apresentam resultados variáveis. No entanto, a
regressão da massa do VE é uniformemente alcançada independentemente da idade,
sexo, tempo de operação, ou tipos de substituto valvar. Além disso, a massa do VE
regride predominantemente nos primeiros seis meses após a cirurgia53.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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REVASCULARIZAÇÃO DO MIOCÁRDIO

Rodrigo Coelho Segalote


Mario Ricardo Amar

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 50 anos, hipertenso, diabético tipo 2, renal crônico não dialítico,
teve episódio de infarto agudo do miocárdio sem supra de segmento ST há 60 dias e
está com angina estável CCS grau 3 desde então.

Ao exame clínico: FC =60bpm; PA =110/70mmHg; sem sopro carotídeo; ritmo cardíaco


regular em 2 tempos e sem sopros; murmúrio vesicular sem ruídos adventícios; abdome
flácido e sem visceromegalias; membros inferiores sem edemas, com pulsos palpáveis.

Ecocardiograma: FEVE 40%; Creatinina 2,2mg/dL

Cateterismo cardíaco: TCE sem lesões; RIVA proximal 90%; RCX 1/3 médio 80%;
ACD distal 70%; VE com hipocinesia anterior.
EuroSCORE: 4,5%. Pode-se predizer o risco de morte em cirurgia de revascularização
do miocárdio com a utilização de uma graduação de fatores relacionados ao paciente
conhecido como EuroSCORE. Nesse caso, o risco se eleva devido aos seguintes
fatores relacionados ao paciente: insuficiência renal crônica não dialítica, com
creatinina de 2,2mg/dL; IAM sem supra ST menor que 90 dias e disfunção de VE leve a
moderada.

OBJETIVOS

1. Discutir a indicação cirúrgica de RM em doentes coronarianos multiarteriais.


2. Comparar os resultados da RM com tratamento clínico e percutâneo.
3. Comparar o resultado obtido com diferentes técnicas de revascularização
cirúrgica e de enxertos utilizados.
4. Analisar novas opções no tratamento cirúrgico de coronariopatias.

PERGUNTAS
1. Quais as evidências na indicação de cirurgia de revascularização do miocárdio
em pacientes triarteriais ?

Os objetivos da revascularização do miocárdio (RM), qualquer que seja o método


empregado, são o alívio dos sintomas e a melhora da sobrevida.

A cirurgia de RM, introduzida na prática clínica no final da década de 1960, é a técnica


cirúrgica mais intensamente estudada da história da medicina, e vem sendo usada há
mais de 40 anos no alívio da isquemia do miocárdio.

Ao se avaliar uma possível indicação de cirurgia de RM, torna-se necessário que se


estabeleçam critérios de avaliação para a gravidade da doença arterial coronariana
(DAC). Em sua maioria, os estudos realizados utilizam o critério angiográfico para
essa avaliação. Nesse critério é considerada lesão grave aquela que apresenta uma
estenose ≥70% da artéria coronária e ≥50% no tronco da coronária esquerda. Há ainda
outros critérios como a reserva fracionada de fluxo (FFR) que classifica como lesão
grave aquela que apresenta valores ≤0,801,2.

A partir do desenvolvimento, notadamente nas duas últimas décadas, de técnicas de


revascularização percutânea e da comprovação da eficácia do tratamento clínico
otimizado3, a discussão quanto à escolha do melhor tratamento para DAC ganhou nova
dimensão, tornando essencial o diálogo multidisciplinar entre cardiologista,
intervencionista e cirurgião: o Heart Team.

Não há escore de risco que seja capaz de, individualmente, predizer o risco de eventos
para cada paciente, implicando uma abordagem multidisciplinar na qual a condição
clínica do paciente, as suas características anatômicas, as particularidades de cada
método e a discussão das opções de revascularização com o paciente, são a chave para
a escolha da melhor estratégia de tratamento.

No paciente relatado, objeto de avaliação, os dados angiográficos mostram a existência


de lesões graves (≥70%) nas três principais artérias coronárias e uma disfunção,
avaliada pelo ecotranstorácico (ETT), de leve a moderada (FEVE=40%).

De acordo com as Diretrizes para Cirurgia de Revascularização do Miocárdio do


American College of Cardiology (ACC) e da American Heart Association (AHA)4, de
dezembro de 2011, “a cirurgia de RM, com o objetivo de melhorar a sobrevida é
benéfica em pacientes com estenose significativa (≥70%) em três artérias coronárias
principais - com ou sem envolvimento do ramo interventricular anterior (RIVA)
proximal - ou no RIVA proximal mais outra coronária” . Essa orientação tem classe
de recomendação I e nível de evidência B.

2. Quando optar pela cirurgia ou pelo tratamento clínico?

Quando se comparam resultados da cirurgia de RM com aqueles do tratamento clínico


otimizado em pacientes com doença triarterial ou lesão de tronco de coronária
esquerda, observa-se a superioridade do tratamento cirúrgico comprovada em meta-
análise de sete ensaios clínicos randomizados5. Essa vantagem parece ainda maior em
pacientes com sintomas graves, com teste de esforço precocemente positivo e
comprometimento da função do VE6.

Recentemente, o estudo MASS II (Medicine, Angioplasty, or Surgery Study II)3


demonstrou que pacientes com doença coronariana multiarterial que foram tratados com
cirurgia de RM, quando comparados aos que receberam somente tratamento clínico,
tiveram menor incidência de infarto agudo do miocárdio (IAM), menor necessidade de
nova revascularização e de morte de origem cardíaca nos 10 anos de randomização.

Os benefícios da cirurgia de RM podem ainda estar subestimados nesses ensaios


clínicos, uma vez que muitos desses pacientes eram portadores de DAC com gravidade
relativamente baixa. As análises foram conduzidas tendo a intenção de tratamento como
base e somente 10% dos pacientes cirúrgicos receberam artéria torácica interna (ATI),
apesar de o fator prognóstico mais importante para a cirurgia de RM ser o uso de uma
ou duas ATI7,8.

3. Quando optar pela cirurgia ou pela angioplastia ?

Somente um grande ensaio clínico randomizado comparando cirurgia de RM e


angioplastia (ATC) com o uso de stent farmacológico em pacientes multiarteriais ou
com lesão de tronco de coronária esquerda foi publicado: o estudo SYNTAX9. De um
total de 4337 pacientes selecionados, 1800 foram randomizados recebendo stent
farmacológico (TAXUS®) ou cirurgia de RM4,5.

Nesse estudo, a gravidade da DAC é avaliada pelo SYNTAX escore, um escore de


risco que se baseia na localização, gravidade e extensão da estenose coronariana em
que um baixo escore indica menor complexidade anatômica da DAC. Nesse sistema de
pontuação é considerado escore baixo um valor ≤22; intermediário valores entre 23 e
32; e elevado um valor ≥33.

Recentemente, durante o Congresso da European Association for Cardio-Thoracic


Surgery em setembro 2011, em Lisboa, o grupo do Erasmus University Medical Center
(Rotterdam, Holanda) apresentou os resultados de quatro anos do estudo SYNTAX10.
Este consiste no acompanhamento de 819 pacientes submetidos à cirurgia de RM
(91,3%) e de 879 pacientes submetidos à ATC com stent farmacológico (97,3%). No
subgrupo com SYNTAX escore ≤22, a incidência de grandes eventos adversos
cardíacos e cerebrais (MACCE, na sigla em inglês) foi semelhante (26,1% para RM vs.
28,6% para ATC, p=0,57); no subgrupo de escore intermediário (23 a 32) observa-se
uma diferença significativa em favor da cirurgia (21,5% para RM vs. 32% para ATC;
p=0,006); no subgrupo de escore elevado (≥33) a mortalidade do grupo de ATC foi o
dobro se comparada com a do grupo de cirurgia de RM (8,4% para RM vs. 16,1% para
ATC; p=0,04). Nesse último subgrupo, a incidência de IAM também foi
significativamente maior no grupo de ATC (9,3% para ATC vs. 3,9% para RM:
p=0,01). No subgrupo de escore elevado, a incidência de MACCE foi bastante elevada
entre os pacientes submetidos à ATC (40,1% na ATC vs. 23,6% na cirurgia de RM;
p<0,001) e os end points morte/acidente vascular encefálico (AVE)/IAM
significativamente mais elevados na ATC (22,7% ATC vs. 14,6% na cirurgia de RM;
p=0,01).

Com esses resultados, o estudo SYNTAX em quatro anos, informa que no tratamento
dos pacientes triarteriais com baixo risco há espaço tanto para o tratamento cirúrgico
como para a ATC. Porém aqueles com risco intermediário ou de risco elevado devem,
sem dúvida, ser tratados pela cirurgia.

4. Qual é a melhor maneira de se realizar a cirurgia de revascularização do


miocárdio: com ou sem circulação extracorpórea?

Nas últimas duas décadas, muito se tem discutido sobre a melhor forma de se realizar a
cirurgia de RM: com circulação extracorpórea (CEC) ou sem circulação extracorpórea
(SCEC), com muitos resultados conflitantes na literatura.

A RM SCEC renasceu na década de 1980 na tentativa de se diminuir a morbidade


relacionada a: CEC, canulação e pinçamento aórtico, parada cardioplégica e
hemodiluição sistêmica. Na década de 1990 evoluiu e acabou se difundindo
rapidamente após a adoção de instrumentais e manobras específicas para o
deslocamento cardíaco e estabilização da artéria coronária, que permitiu que a técnica
fosse reproduzida com segurança11,12. Apesar disso, dados da Sociedade Americana de
2009 apontam que apenas 21,8% das RM são SCEC13.

Quando se comparam resultados entre a RM SCEC e a RM CEC encontra-se


divergência entre os estudos comparativos randomizados (ECR) e os estudos
observacionais. Os ECR falharam em demonstrar inferioridade ou superioridade entre
as duas técnicas, muito provavelmente por utilizar grupos altamente selecionados de
baixo a moderado risco, que se beneficiam de ambas as técnicas14-17. Os grandes
estudos observacionais apresentam menor mortalidade e morbidade na modalidade
SCEC18-21, provavelmente por erro de seleção de pacientes; contudo esses estudos são
valorizados por demonstrarem os resultados do “mundo real”. Em comum esses estudos
apontam que a RM SCEC apresenta menor perda sanguínea, menos hemotransfusão e
menor liberação de enzimas cardíacas.

Analisando subgrupos de condições que são afetadas pela utilização ou não da CEC,
encontram-se: lesão neurológica, lesão renal, fibrilação atrial, patência dos enxertos,
qualidade da revascularização e os fatores econômicos.

Entre as alterações neurológicas observadas após cirurgia cardíaca estão: o AVE, o


delírio e a disfunção neurocognitiva. A idade avançada, o diabetes, a doença
aterosclerótica e a história prévia de doença neurológica são os principais fatores de
risco22.
A fisiopatologia da lesão cerebral envolve a resposta inflamatória sistêmica, a
embolização cerebral e a hipoperfusão; contudo o fator mais importante é a presença de
aterosclerose na aorta ascendente (Figura 1), tendo na sua manipulação (canulação da
aorta e pinçamento total ou lateral) uma das principais causas de lesão cerebral23.

Visando a reduzir esse problema, pode-se utilizar o ecocardiograma epiaórtico, que irá
alertar quando uma aorta ascendente tem ou não maior risco ao ser manipulada, através
da medição da espessura de sua parede, da presença de lesões exofíticas, da presença
de placas moles ou calcificadas24.

Quando se utiliza a RM SCEC reduz-se pela metade o risco de AVE18,25, fato não
comprovado em relação à disfunção neurocognitiva26. Todavia, se pode reduzir ainda
mais os riscos, utilizando a RM SCEC e sem manipulação da aorta com enxertos
arteriais compostos27,28.

Figura 1
Aorta ascendente com placas calcificadas.

A insuficiência renal aguda (IRA) decorrente da cirurgia cardíaca permanece como


grande problema no período pós-operatório29; a sua forma mais severa está associada à
necessidade de diálise, e relacionada como fator de risco independente para morte30.
A fisiopatologia da IRA é multifatorial, sendo relacionada a fatores relacionados à
CEC, como a hipoperfusão renal e a microembolização. Com isso, pelo menos
teoricamente, se não se utilizar a CEC pode-se reduzir os riscos de lesão renal31.
Alguns ECR e outros observacionais dão suporte a essa teoria, principalmente em
pacientes de alto risco32-34. A fibrilação atrial é outra frequente complicação que se
reduz com o uso da RM SCEC35.

Dois tópicos muito debatidos entre os cirurgiões e que geram grande discussão são a
qualidade das anastomoses e, consequentemente, a patência dos enxertos; e se a RM
SCEC afeta o número de pontes realizadas e, consequentemente, a taxa de
revascularização completa.

Com relação à patência dos enxertos existem evidências conflitantes na literatura,


aparentemente relacionadas à experiência dos grupos cirúrgicos em realizar a RM
SCEC36. Grupos com larga experiência em RM SCEC apresentam resultados
semelhantes entre os dois métodos em curto prazo e médio prazo37.

O problema da falência dos enxertos pode ser minimizado com a adoção de métodos de
verificação intraoperatória da patência dos enxertos36. O método mais simples e prático
realizado no intraoperatório é a fluxometria por tempo de trânsito (FTT).

A FTT mede parâmetros de fluxo do enxerto, da percentagem do enchimento diastólico


da coronária e o índice de pulsabilidade que avalia o escoamento do enxerto. A análise
desses parâmetros indica a necessidade de revisão das anastomoses e pode predizer a
recorrência de angina ou a necessidade de reintervenções futuras38. Com isso, os
métodos de avaliação intraoperatória dos enxertos são recomendados no consenso da
Sociedade Europeia para RM6.

Em relação à taxa de RM completa, estudos randomizados não demonstraram diferença


entre as técnicas39,40, fato também relacionado à experiência dos grupos cirúrgicos no
método SCEC.

Os fatores econômicos, tão importantes em um país como o Brasil, são favoráveis à


RM SCEC, segundo dados publicados pelo Instituto do Coração – USP41.

Em resumo, a técnica empregada na RM cirúrgica vai depender da experiência do


grupo cirúrgico. No entanto, ambos os métodos possuem excelentes resultados para a
grande maioria dos pacientes que são de baixo a moderado risco cirúrgico. Contudo, a
RM SCEC se estabeleceu como a melhor opção para os pacientes de alto risco, desde
que não se prejudique a qualidade da cirurgia para se evitar a CEC.

5. Como escolher o enxerto mais adequado?

A escolha do enxerto na cirurgia de RM é aspecto da maior importância, estando a


morbidade e a mortalidade diretamente relacionadas à patência dos enxertos em curto,
médio e longo prazos.

Artéria torácica interna

Foi ao longo dos anos 80 que, após a publicação de vários trabalhos, demonstraram as
vantagens na utilização da ATI na RM, relacionadas principalmente à sua elevada
patência em longo prazo, que chegava a 96% em 10 anos42-44. A baixa incidência tanto
de hiperplasia da íntima como de doença aterosclerótica fizeram da ATI a primeira
escolha como enxerto para ser anastomosado ao RIVA (Figuras 2 e 3).

Durante a década de 1990, em função dos resultados obtidos, a utilização das duas ATI
ganhou força, tendo sido demonstrado inicialmente, vantagens como redução de eventos
isquêmicos e necessidade de reintervenção, porém sem mostrar melhora na
sobrevida45,46. Com o aumento do número de pacientes com uso da dupla ATI e do
tempo de seguimento, à época de 12 a 15 anos, novos trabalhos conseguiram mostrar
melhora na sobrevida47,48, principalmente nos grupos de pacientes mais jovens, além de
menor ocorrência de eventos isquêmicos e menor necessidade tanto de intervenção
percutânea quanto de reoperação.

Foi a partir dos resultados muito positivos obtidos com o uso da ATI que outros tipos
de enxertos arteriais foram mais bem estudados, tendo como objetivo a utilização do
maior número de enxertos arteriais na obtenção da RM completa.
Figura 2
Artéria torácica interna anastomosada à artéria coronária interventricular anterior.

Figura 3
Cineangiocoronariografia da ATIE-DA.
Artéria radial

A utilização da artéria radial (AR) como enxerto foi proposta em 1973, por Carpentier
et al.49; porém por apresentar àquela época elevados índices de oclusão precoce, foi
praticamente abandonada. Por ter uma camada média rica em fibras musculares, a AR
teria uma maior pré-disposição ao vasoespasmo50,51.

Anos mais tarde, estudos angiográficos mostraram enxertos de AR, com até 23 anos de
implantados patentes, o que fez com que grupos voltassem a investigar esse enxerto
como opção na RM.

No final da década de 1990, após a publicação de Acar et al.52, o uso da AR voltou a


ser feito de forma rotineira em várias instituições, incorporando então várias
modificações técnicas, principalmente no que diz respeito à manipulação e preparo do
enxerto, e na utilização de drogas que agem sobre o vasoespasmo.

Estudos mais recentes mostram uma patência inicial dos enxertos de AR entre 90% e
95%, e em médio prazo de até 85%53-56. À medida que os grupos cirúrgicos forem
aumentando a sua experiência no manuseio do enxerto e que este seja anastomosado em
artérias coronárias com lesões críticas, onde o fluxo coronariano nativo seja pequeno e
não havendo competição de fluxo, acredita-se que os resultados sejam ainda melhores,
tanto em médio como em longo prazo.

Artéria gastroepiploica

A utilização da artéria gastroepiploica (AGE) na cirurgia de RM foi introduzida em


198757,58. As suas características histológicas semelhantes às da ATI levaram a supor
que esses enxertos teriam comportamento semelhante quanto à sua patência em longo
prazo. A AGE é ainda grande secretora de fatores vasodilatadores e inibidores da
ativação plaquetária.

Em suas publicações, Suma et al.59 demonstraram que a patência desse enxerto era 94%
no primeiro ano de pós-operatório, 88% entre um e cinco anos, e 83% entre cinco e 10
anos. Nesse mesmo estudo, a patência tardia do enxerto de ATI foi 94%.

Se ocorrer falência precoce do enxerto de AGE, isso pode ser atribuído à sua utilização
como enxerto livre ou à competição de fluxo, quando o enxerto é implantado em
artérias coronárias com lesões de menor gravidade60,61.

Veia safena

A utilização do enxerto de veia safena (VS) foi proposta por Favaloro em 196862,
sendo durante muito tempo, o mais utilizado na cirurgia de RM. Entretanto, com o
retorno do aparecimento dos sintomas de angina e do IAM nos pacientes então
operados, observou-se a partir do seu reestudo que esses enxertos sofriam, com o
tempo, de doença aterosclerótica, trombose e hiperplasia da íntima, ocorrendo nessas
VS proliferação endotelial por estarem ligadas ao sistema arterial. Verificou-se que o
método convencional de preparo da VS para uso na cirurgia produzia danos no enxerto
que contribuíam para a sua falência.

Em 2006, Souza et al.63 publicaram ECR realizado na Suécia, e mostram que a VS,
quando preparada utilizando-se a técnica chamada de no-touch, apresenta patência de
90% em 8,5 anos. A técnica consiste no preparo da veia com a preservação dos tecidos
circundantes, sem distensão e com armazenamento em solução de sangue heparinizado.
A técnica no-touch certamente trouxe uma nova perspectiva para a utilização do enxerto
de VS, trazendo-o de volta como mais uma boa opção para a obtenção da RM completa.
Essa técnica ainda precisa passar pelo teste do tempo.

Veia safena por dissecção endoscópica

O uso da VS obtida por dissecção endoscópica vem se tornando rotina em diversos


centros de cirurgia cardiovascular, e os resultados vêm sendo avaliados ao longo da
última década. Em recente publicação64, comparou-se o uso da dissecção convencional
da VS com a endoscópica quanto ao risco de mortalidade e de necessidade de nova
revascularização. O uso da dissecção endoscópica esteve relacionado ao aumento da
necessidade de retorno ao centro cirúrgico para revisão de hemostasia por sangramento
pós-operatório (2,4 vs. 1,7; p=0,03), assim como à diminuição do risco de infecção da
cicatriz cirúrgica da perna (0,2 vs. 1,1; p<0,001). O uso da dissecção endoscópica
esteve associado com significante redução da mortalidade em longo prazo, porém sem
significância no que diz respeito à necessidade de nova revascularização.

6. Há espaço para a cirurgia minimamente invasiva para o tratamento cirúrgico da


doença coronariana?

A cirurgia cardíaca minimamente invasiva tem avançado muito nos últimos anos,
abrangendo o tratamento cirúrgico de inúmeras patologias: abordagem da valva mitral,
da valva aórtica, o tratamento da fibrilação atrial, o fechamento da comunicação
interatrial, o implante de eletrodo ventricular para ressicronização, entre outras. A
cirurgia de RM não ficou para trás, apresentando grande evolução neste campo, porém
com um longo caminho a ser percorrido.

A cirurgia de revascularização do miocárdio minimamente invasiva (RMMI) foi


introduzida no início da década de 198065, inicialmente idealizada para tratamento da
doença univascular. Com a determinação de sua eficácia e segurança, seu uso tem sido
difundido e ampliado66.

O tratamento da doença coronariana multivascular (DCMV) ainda está em fase inicial


de desenvolvimento, principalmente devido à sua dificuldade técnica, dependendo
muitas vezes de tecnologia robótica67,68. No entanto, a RMMI está sendo empregada
para o tratamento da DCMV através do conceito de cirurgia híbrida, quando se procura
somar o melhor da cirurgia de RM com o melhor da cardiologia intervencionista.

Para a realização da cirurgia de RMMI podem ser utilizados os acessos via


minitoracotomia anterolateral esquerda, via esternotomia parcial inferior ou menos
frequentemente via subxifoidea69. Podem-se utilizar ambas as ATI, com sua dissecção
realizada sob visão direta ou vídeo assistida.

Outros enxertos podem ser utilizados de forma composta (anastomose em Y ou T da


ATI) tais como a AR ou a própria ATI direita, ou de forma pediculada como a AGE. A
técnica da RMMI é muito semelhante à RM SCEC convencional, sendo facilitada por
estabilizadores coronarianos endoscópicos70 e dispositivos de sutura mecânica (ex:
Cárdica C-Port System®)71.

A VS pode ser utilizada através de pinçamento lateral da aorta ou através de


dispositivos que dispensam o pinçamento (ex: Heartstring®) com sua dissecção
também realizada via endoscópica72.

Os resultados da RMMI (ATI esquerda para RIVA) já foram amplamente estudados,


demonstrando ser semelhantes à técnica SCEC convencional73. Quando se compara a
RMMI com o tratamento por ATC do RIVA, ECR e meta-análises em curto prazo
demonstram não haver diferença na mortalidade, IAM e revascularizações repetidas74.
Porém se os resultados em longo prazo da RMMI seguirem os mesmos passos da
cirurgia convencional espera-se encontrar vantagem para a cirurgia, principalmente na
taxa de eventos isquêmicos e de revascularizações repetidas75.
A cirurgia de RM híbrida surgiu como alternativa a pacientes com lesões complexas do
RIVA, cujo risco de reestenose está entre 19% e 44%76, porém apresenta outras lesões
favoráveis à ATC, pois a maioria dos benefícios da cirurgia de RM está relacionada à
ponte de ATI esquerda para RIVA.

Analisando as taxas de patência do enxerto de VS, principal enxerto utilizado nos


ramos circunflexo (RCX) e artéria coronária direita (ACD), observa-se falência de
20%, em média, em um ano37 e 40% a 50% de falência dos 10 anos aos 15 anos de
seguimento77. Esses números podem ser comparados aos vasos que recebem ATC. A
taxa de falência dos stents convencionais em dois anos foi 21,3%; já os stents cobertos
com droga, no mesmo estudo, está em 5,8%78. Consequentemente pode-se hipotetizar
que, em casos bem selecionados, os stents cobertos por droga sejam melhor escolha de
tratamento que o enxerto de VS em artérias outras que o RIVA.

As indicações para a cirurgia de RM híbrida consistem em pacientes com DCMV, em


que o RIVA possui lesão complexa associada a outras lesões em RCX e ACD
favoráveis à ATC. Outras situações incluem a falta ou péssima qualidade de enxertos,
vasos favoráveis à ATC e desfavoráveis à ponte, reoperações nas quais os stents são
preferíveis para evitar a completa dissecção do coração, ou pacientes com doença
aterosclerótica grave da aorta ascendente79.

A RM híbrida é segura, com mortalidade menor que 2%, de baixa morbidade e com
tempo de internação em unidade de tratamento intensivo e hospitalar curtos80-82. Suas
principais limitações estão relacionadas ao tempo prolongado de cirurgia,
complicações de ferida operatória tardia e dor relacionada à retração da costela82.
Também não se pode deixar de mencionar as limitações relacionadas à curva de
aprendizagem do cirurgião e a reestenose relacionada aos stents convencionais com a
necessidade de revascularizações repetidas. Necessita de ECR de longo prazo para
comprovar a validade de seu emprego.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DAS
DISSECÇÕES AÓRTICAS

Mauro Paes Leme


Henrique Murad

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 42 anos, hipertenso em tratamento, com história de dor torácica
forte há dois meses, procura o Hospital com cansaço a médios esforços e desconforto
retroesternal. Não apresenta os estigmas da síndrome de Marfan; apresenta sopro
diastólico em foco aórtico e PA =160x70mmHg em braço direito e PA =135x50mmHg
em braço esquerdo.

Ecocardiograma e angiotomografia demonstraram dissecção aórtica crônica da aorta


tipo A de Stanford e tipo I na classificação de DeBakey com insuficiência aórtica
grave, aorta ascendente de 55mm, arco aórtico com diâmetro de 38mm e aorta
descendente de 60mm.
OBJETIVOS

1. Analisar a anatomia cirúrgica da aorta.


2. Avaliar a importância da classificação temporal e anatomopatógica da
dissecção aórtica.
3. Discutir os métodos diagnósticos empregados na dissecção aórtica.
4. Discutir os tratamentos cirúrgicos propostos para o tratamento da dissecção
aórtica.
5. Identificar as complicações da dissecção aórtica.

PERGUNTAS
1. Quais os limites anatômicos da aorta ascendente e da raiz da aorta?

A aorta ascendente é constituída da raiz aórtica com seus componentes


anatomofuncionais e sua porção tubular. O caso clínico se refere a paciente
relativamente jovem, com dissecção aórtica crônica, cujo diâmetro total da aorta,
incluindo luz falsa e verdadeira, é de 55mm, limite superior da normalidade em valores
absolutos para a indicação cirúrgica e substituição da aorta ascendente.

Os limites anatômicos da raiz aórtica e porção tubular da aorta ascendente estão


apresentados na Figura 1:

Figura 1
Anatomia da aorta ascendente e da raiz aórtica
2. Quais os possíveis mecanismos da insuficência aórtica na dissecção aórtica?

A insuficiência aórtica ocorre devido ao desabamento dos postes comissurais da valva


aórtica e consequente desalinhamento das suas cúspides. Outro mecanismo de
insuficiência aórtica na presença de aneurismas da aorta ascendente é o aumento do
diâmetro na junção sinotubular. Esse aumento impede que os folhetos valvares aórticos
ocluam todo o diâmetro do vaso, levando inicialmente à presença de um jato central
que, posteriormente, pela lesão do próprio jato nos folhetos, contribui para a formação
de lesões estruturais denominadas fenestrações. A integridade dos componentes da raiz
aórtica guiará o tratamento cirúrgico para técnicas de preservação ou de substituição da
mesma.

3. Que complicações podem ocorrer na dissecção aórtica na fase aguda?

1. Síndrome coronariana aguda: pode ocorrer na dissecção por


comprometimento dos óstios coronarianos, em especial o direito,
parcialmente localizado na porção fibrosa do coração.
2. Oclusões arteriais agudas com isquemia visceral: exame vascular periférico
anormal pode ocorrer entre 20-40% e, quando presente, pode sugerir o tipo
de dissecção.
3. Insuficiência aórtica aguda: pode levar à insuficiência respiratória.
4. Hemiplegia por isquemia medular.
5. Hipertensão pela dor ou hipotensão por tamponamento cardíaco: a presença
de turgência jugular ou pulso paradoxal são importantes sinais de
tamponamento cardíaco. Na ausculta pulmonar, a ausência de murmúrio pode
indicar hemotórax.
6. Síncope e sinais de comprometimento do sistema nervoso central.
7. Dor retroesternal que pode migrar para o dorso e a região escapular. O
diagnóstico dessa grave doença exige alto grau de suspeita da equipe da
emergência. Acredita-se que aproximadamente 30% dos casos tenham outro
diagnóstico inicial. Entretanto, não se deve esquecer a característica
migratória da dor torácica.
4. Como classificar temporalmente a dissecção aórtica em aguda ou crônica? Qual
a importância da classificação anatomopatológica da dissecção aórtica?

A dissecção da aorta ocorre quando o fluxo sanguíneo, através de ruptura da camada


íntima, passa a correr entre as camadas íntima e média, formando assim uma falsa-luz.
A forma aguda da doença é definida até duas semanas do início dos sintomas, em geral
rapidamente letal, atingindo a elevada mortalidade de até 40%, sendo que, a partir de
duas semanas a dois meses de evolução, passa a ser classificada como subaguda e, a
partir de então, como crônica.

Portanto, o paciente do caso clínico já é um sobrevivente à historia natural dessa grave


doença, pois se encontra na fase crônica, ou seja, há mais de dois meses do início dos
sintomas.

Figura 2
Paciente com dissecção aguda da aorta tipo I de DeBakey. Notar a fina camada adventícia que mantém a integridade
do vaso. Observa-se também a presença de hematoma intramural. Aspirada moderada quantidade de sangue do saco
pericárdico.
Na segunda foto, após anastomose distal do enxerto de Dacron e colocação de pinça no enxerto, avalia-se o ponto de
ruptura da íntima na aorta ascendente proximal.

A classificação anatomopatológica da dissecção aórtica tem fundamental importância


na indicação de tratamento cirúrgico, tipo de abordagem cirúrgica, via de acesso,
possibilidades de canulação para circulação extracorpórea e prognóstico a curto,
médio e longo prazos. Portanto, trata-se de uma informação crucial para as equipes de
saúde que tratam desse tipo de paciente. As classificções mais empregadas
clinicamente são as de DeBakey e a da Universidade de Stanford (Figura 2).

Classificação de DeBakey
Baseia-se na localização da ruptura da camada íntima e extensão da dissecção e
classifica de forma anatomopatológica a dissecção aórtica em quatro tipos: tipos I, II,
IIIa e IIIb1 (Figura 3).
Classificação de Stanford
Trata-se de uma classificação funcional que agrupa as dissecções em proximais, tipo A,
quando acomete a aorta ascendente, independente da localização da ruptura da íntima; e
tipo B, quando a aorta ascendente não está envolvida2 (Figura 3).

Isto quer dizer que o paciente apresentado tem uma dissecção do tipo I de DeBakey ou
tipo A de Stanford, ou seja, o local de ruptura da íntima está na porção proximal do
vaso, na aorta ascendente.

Figura 3
Classificação de DeBakey e de Stanford.
DeBakey I e II correspodem a Stanford A e DeBakey IIIa e IIIb correspondem a Stanford B.

5. O que é importante na etiopatogenia da dissecção aórtica?

Aproximadamente, 10-20% dos pacientes que experimentam uma dissecção aguda da


aorta apresentam hematoma intramural, sugerindo-o como precursor da dissecção.
Outras lesões relacionadas às dissecções são as chamadas úlceras penetrantes da
aorta3. A hipertensão arterial sistêmica está associada em aproximadamente 75% dos
casos. A presença de aterosclerose não está descrita como fator de risco, exceto nos
casos de aneurismas ou lesões ulceradas. Nos exames de imagem é evidente que,
geralmente, a ruptura da íntima compromete mais de 50% da circunferência da aorta,
mas o comprometimento de toda a circunferência é muito raro.

Nas dissecções tipo A, a ruptura está geralmente associada à porção anterior da aorta
prosseguindo em espiral em torno do arco aórtico, seguindo a aorta torácica
descendente pela face esquerda e posterior. Também pode se propagar de forma
retrógrada por distância variável, acometendo os óstios coronarianos em
aproximadamente 10% dos casos e evoluir para ruptura no saco pericárdico, sendo a
causa da morte em até 80% dos casos3.

Aos cirurgiões cabe lembrar que a camada adventícia fornece grande força de tensão à
parede da aorta e deve ser empregada como estrutura adjunta durante a cirurgia.

No caso em questão, o diâmetro da aorta é de 55mm. Está sedimentado que risco de


ruptura está diretamente relacionado ao diâmetro e à doença intrínseca da parede do
vaso. A indicação cirúrgica, neste caso, baseia-se nos seguintes aspectos: diâmetro do
vaso no limite superior da normalidade associado à dissecção e à presença de grave
disfunção da valva aórtica, além da fragilidade do vaso.

6. Que métodos diagnósticos devem ser empregados para a elucidação diagnóstica?


O que esperar no ecocardiograma de um paciente com dissecção aguda da aorta
tipo A?

Com relação à investigação diagnóstica por imagem da dissecção aórtica pode-se


ressaltar a importância de dois métodos: angiotomografia ou angio-TC e
ecocardiograma transesofáfico (ETE).

O diagnóstico por imagem é fundamental para classificar e tratar os casos de dissecção


aórtica aguda. Este pode ser realizado com relativa facilidade por duas modalidades de
tecnologia de imagem: a angiotomografia e o ecocardiograma transesofáfico (ETE). A
angiotomografia da aorta torácica com reconstrução helicoidal tem sido amplamente
empregada para avaliação diagnóstica e estratégia cirúrgica nos casos de dissecção e
também de aneurismas. É um exame altamente conhecido pela maioria das equipes
cirúrgicas, alcançando alta especificidade e sensibilidade e, mais importante,
rapidamente realizado, o que é uma grande vantagem em graves pacientes com eventual
instabilidade hemodinâmica, além de operador independente.

O ecocardiograma transesofágico (ETE) é atualmente o segundo método de imagem


mais utilizado para o diagnóstico de dissecção aórtica aguda. É facilmente disponível,
não requer irradiação e avalia a função valvar aórtica, a aorta ascendente, bem como os
ramos supra-aórticos com bastante acurácia. Entretanto, requer alto grau de expertise
tanto para a obtenção como para a análise das imagens. Pode ser realizado sob
anestesia geral ou anestesia local com sedação. Contraindicações absolutas para a
realização do exame inclui varizes de esôfago, presença de lesões tumorais; a
alimentação recente é contraindicação relativa. A luz verdadeira da aorta é reconhecida
pela expansão durante a sístole e o colapso durante a diástole.

O ecocardiograma transtorácico pode ser útil, mas geralmente não tem sensibilidade
para confirmar uma hipótese diagnóstica. Um ecocardiograma transtorácico negativo
deve ser acompanhado de um exame transesofágico ou uma angiotomografia.

A aortografia, considerada por muitos anos o principal exame para o diagnóstico da


dissecção aórtica, perdeu sua posição para os exames anteriormente citados. A função
valvar aórtica pode ser avaliada através do cateterismo; entretanto a coronariografia
não deve ser realizada, pois em aproximadamente 20% dos casos de dissecção
proximal, os óstios coronarianos podem estar acometidos e facilmente inspecionados
durante a cirurgia e, mesmos nos coronariopatas, a correcção da dissecção é o aspecto
mais relevante para a sobrevida do paciente. A aortografia pode precipitar a ruptura da
dissecção através da ponta do cateter, bem como o sítio de punção para realização do
exame pode estar envolvido pela doença.

A ressonância nuclear magnética oferece imagem de alta qualidade da aorta e outras


estruturas, avaliando inclusive a função ventricular esquerda, a valva aórtica e o fluxo
nos ramos aórticos e a falsa-luz. Suas imagens são muito semelhantes àquelas obtidas
pela angio-TC. Entretanto é um exame de execução mais prolongada e requer ainda
mais expertise na realização e na interpretação dos casos agudos; entretanto é o método
preferencial para monitorização a longo prazo e eventual intervenção nas dissecções
crônicas pois evita a exposição à irradiação ou a contrastes nefrotóxicos4.

Em presença do flap da íntima e presença de luz falsa e verdadeira, em geral, o fluxo


sanguíneo da falsa-luz tende a colabar a luz verdadeira. A avaliação da função valvar
aórtica, bem como dos troncos supra-aórticos é fundamental para o sucesso do
tratamento cirúrgico (Figuras 4 e 5).
Figura 4
Ecocardiograma transesofágico (ETE)
LV=luz verdadeira da aorta; FL=luz falsa da aorta

Figura 5
Angio-TC: aorta ascendente, arco aórtico e aorta descendente. Notar a presença de luz verdadeira, falsa e linha de
dissecção.

7. Qual a indicação e o objetivo do tratamento cirúrgico nas dissecções aórticas?

O objetivo da cirurgia na dissecção aguda tipo A ou proximal é prevenir a ruptura da


aorta para o pericárdio ou espaço pleural e ainda corrigir a insuficiência aórtica, se
estiver presente, e a oclusão dos óstios coronarianos, mais frequentemente o direito.

O acometimento da aorta ascendente é indicativo de cirurgia em todos os casos de


dissecção aguda devido ao alto risco5,6. Os casos crônicos devem ser abordados
quando há insuficiência aórtica clinicamente significativa e /ou aneurisma da aorta, ou
seja, diâmetro ≥55mm, dependendo da doença intrínseca da parede do vaso como no
caso de doença de Marfan (50mm) e síndrome de Loyes-Dietz (45mm), embora em
pacientes com história familiar de ruptura, dissecção ou morte súbita o diâmetro para
que se indique cirurgia possa ser menor (45-50mm)7-10.
Experientes grupos como o Mount Sinai Medical Center e da Universidade de Toronto
propõem diferentes critérios para a intervenção na aorta ascendente: diâmetros de
43mm em adultos jovens portadores de síndrome de Marfan; 48-50mm em achados
ocasionais de cirurgia cardíaca por outro motivo e 45mm em portadores de valva
aórtica bicúspide11-13.

Na abordagem da porção proximal da dissecção aórtica aguda deve-se ressecar o local


de ruptura da íntima, desviar o fluxo sanguíneo para a luz verdadeira, colapsando e
levando a eventual oclusão da luz falsa na maioria dos casos8. Esse fenômeno não
ocorre na dissecção crônica e a abordagem cirúrgica deve ser diferente. Nesses casos,
faz-se a correcão proximal da aorta, local de entrada da dissecção, preservando as duas
luzes distais que perfundem diferentes ramos arteriais viscerais.

Nos casos agudos, outros fatores devem ser levados em consideração. A idade do
paciente isoladamente não constitui uma contraindicação, entretanto há poucos
trabalhos na literatura que relatam a sobrevida em indivíduos com idade >80 anos. O
estado neurológico também deverá ser considerado para a indicação cirúrgica. A
presença de acidente vascular encefálico ou paraplegia não são contraindicações
absolutas, entretanto o prognóstico passa a ser muito reservado14.

Após duas semanas de evolução da dissecção aguda tipo A, o tratamento cirúrgico


poderá ser realizado de forma eletiva, uma vez que a alta possibilidade de
complicações letais cai consideravelmente.

Nas dissecções tipo B, os objetivos do tratamento cirúrgico ou percutâneo são também


evitar a ruptura da aorta e manter a perfusão de orgãos. Os casos que cursam com
complicações têm indicação precoce, sejam elas a presença de dor apesar do
tratamento anti-hipertensivo adequado, a presença de derrame pleural ou sinais de
isquemia visceral ou de membros inferiores. Nos pacientes assintomáticos, a presença
de diâmetro >60mm na aorta torácica descendente autoriza o tratamento cirúrgico,
devendo ser considerado o diâmetro total do vaso, ou seja, luz falsa, verdadeira e
trombos parietais.

Aproximadamente 70% das dissecções agudas do tipo B são controladas de forma


eficaz por longos períodos de tempo com tratamento clínico e monitorização periódica
através da ressonância ou angiotomografia. O tratamento cirúrgico das dissecções
agudas da aorta descendente está condicionado à presença de sinais de ruptura da aorta
como hemotórax, expansão rápida do diâmetro ou alargamento do mediastino, formação
de pseudoaneurisma, isquemia grave visceral ou de membros inferiores ou dor
persistente, caracterizando progressão da doença.

Em uma coorte de 136 pacientes com dissecção aórtica tipo B, demonstrou que
pacientes jovens e de baixo risco operatório podem ser direcionados para uma
abordagem mais agressiva, com cirurgia precoce, sem aumento de mortalidade
hospitalar (11%), quando comparados à terapia medicamentosa, o que evitaria a
degeneração aneurismática crônica da aorta descendente15. Ainda que extremamente
favoráveis, esses resultados não foram considerados reprodutíveis por outros centros.
No presente caso, o paciente apresenta relativa longa expectativa de vida tendo
dilatações importantes tanto na aorta ascendente como na aorta descendente. O
tratamento simultâneo por ressecção da aorta ascendente e colocação de endoprótese na
aorta descendente pode evitar a expansão aneurismática do vaso.

Os hematomas de parede aórtica e as úlceras penetrantes são considerados condições


associadas a alto risco de dissecção. O grupo da Universidade de Yale University16
recomenda tratamento cirúrgico precoce em casos de hematomas e úlceras envolvendo
a aorta ascendente; quando a lesão se localizar em aorta descendente, recomenda o
tratamento clínico, entretanto opera-se com diâmetros menores do vaso. O
desenvolvimento de pseudoaneurisma em placas ulceradas é outra complicação
observada a longo prazo16.

O IRAD5 (The International Registry of Acute Aortic Dissection) - Registro


Internacional de Dissecção Aórtica – teve início em 1996, envolvendo mais de 1500
pacientes em 21 centros de tratamento de afecções da aorta, em seis países. Trata-se de
um registro observacional incluindo mais de 290 variáveis e coordenado pela
Universidade de Michigan, provendo informações sobre apresentação clínica,
diagnóstico por imagem, tratamento e resultados.

Excelentes resultados cirúrgicos de alguns grupos relatam mortalidade na fase aguda da


dissecção aórtica tipo A entre 6-12%; entretanto dados do IRAD em 12 centros de
referência nos Estados Unidos apontam uma mortalidade operatória de 26%17. Quando
a dissecção aórtica envolve o arco aórtico, a discussão gira em torno da extensão da
substituição do arco e do método de proteção cerebral empregado. Em cerca de 10-
20% das dissecções proximais, a lesão da íntima ocorre dentro da porção transversa do
arco, tendo como possíveis complicações da correção cirúrgica o acidente vascular
encefálico e a discrasia sanguinea grave18.

Dados recentes do IRAD, considerado uma expressão do mundo real, revelam que nos
casos de dissecções tipo B tratados conservadoramente, a mortalidade em 30 dias foi
de apenas 10%, enquanto nos pacientes operados a mortalidade foi 31% e a incidência
de paraplegia 18%. Após seguimento de três anos, não houve diferença estatisticamente
significativa na mortalidade entre os grupos tratados com terapia médica, endovascular
ou cirúrgica.

A abordagem cirúrgica nas dissecções de aorta descendente habitualmente consiste na


substituição da porção afetada por um enxerto tubular de Dacron, através de
toracotomia esquerda no 4º e/ou 7º espaço intercostal, o que pode ser realizado com
pinçamento simples proximal, com circulação extracorpórea (CEC) atriofemoral com
ou sem hipotermia, CEC com canulação femorofemoral, bypass átrio esquerdo-femoral
sem uso de oxigenador ou até mesmo utilizando-se a parada circulatória total com
hipotermia profunda para uma anastomose proximal aberta. Dependendo da técnica
escolhida, a dose de heparina e os efeitos do nível de hipotermia na cascata da
coagulação poderão determinar efeitos variáveis na hemostasia ou na evolução de
discrasia.

8. Que tipo de cirurgia deve ser realizada na aorta ascendente - Preservar a valva
aórtica ou substituir a raiz ?

Há dois aspectos importantes quanto ao tratamento cirúrgico da dissecção aórtica com


impacto na mortalidade hospitalar e prognóstico a longo prazo. O primeiro aspecto
refere-se à extensão do procedimento na aorta proximal, se há a possibilidade de
preservação da raiz aórtica, com interposição de enxerto tubular acima do plano valvar
sem manuseio dos óstios coronarianos ou do arco aórtico, trata-se de um procedimentos
mais simples. Entretanto, as dissecções que atingem a raiz aórtica podem envolver os
óstios das artérias coronárias, mais frequentemente o óstio da coronária direita, e
também a valva aórtica, exigindo uma ressecção mais extensa do vaso e da raiz.

Se a valva aórtica puder ter suas comissuras submetidas à suspensão e fixadas à parede
aórtica e os óstios coronarianos estiverem preservados, evita-se o implante de tubo
valvado, também denominada operação de Bentall e De Bono19 (Figuras 6 e 7). Nela,
obrigatoriamente, ambos os óstios coronarianos deverão ser reimplantados em um tubo
de malha de Dacron com prótese aórtica acoplada em uma de suas extremidades,
podendo esta ser biológica ou mecânica. Portanto, o comprometimento dos folhetos
aórticos ou a impossibilidade de ressuspensão dos postes comissurais ou correção das
coronárias implicam a colocação do tubo valvado.
Figura 6
Aspecto normal da valva aórtica tricúspide em paciente com dissecção aórtica tipo I. A aorta ascendente foi
ressecada acima do plano valvar, ao nível da junção sinotubular para interposição de enxerto de Dacron tubular reto
acima do plano valvar.
Figura 7
Aspectos técnicos da operação de Bentall e De Bono. A primeira foto revela a dissecção do óstio coronariano direito
em forma de botão; na segunda foto os pontos estão sendo passados no anel aórtico e no anel do enxerto valvado
diretamente; na terceira foto está sendo implantado o óstio coronariano direito e na última, o óstio coronariano
esquerdo.

Há outra alternativa a essa técnica de substituição da raiz aórtica, proposta por Cabrol:
um segmento de enxerto de PTFE 5mm é anastomosado lateralmente à porção
ascendente do tubo de Dacron e anastomosado aos óstios coronarianos, de modo
terminoterminal. Pode ser útil em pacientes idosos, em reoperações ou em casos que há
necessidade de reconstrução muito complexa dos demais segmentos da aorta, como
pode ocorrer também em casos de endocardite infecciosa20.

Nos casos de aneurismas crônicos isolados, alguns aspectos podem contribuir na


escolha da técnica, são eles:

Idade e expectativa de vida: em indivíduos muito idosos, ou de alto risco


cirúrgico, a substituição valvar e a redução do calibre da aorta por uma
sutura longitudinal, aortoplastia advogada por alguns, pode ser uma boa
alternativa; igualmente a troca valvar seguida do implante de enxerto reto de
Dacron, separadamente, pode ser apropriada a pacientes com limitada
expectativa de vida por ser uma operação mais rápida e segura.
Qualidade da parede aórtica: uma aorta enfraquecida como nas dissecções
agudas ou na síndrome de Marfan em geral exigem remoção de tecido friável
da raiz da aorta e porção ascendente; nesses casos, pode ser apropriada a
operação de Bentall e De Bono.
Anatomia dos componentes da raiz aórtica (seios de Valsalva, folhetos
aórticos, junção sinotubular e triângulos intercomissurais): quando existe
grande dilatação do conjunto, o implante de tubo valvado pode ser uma
opção segura; excepcionalmente, se os folhetos valvares estão normais, em
indivíduos relativamente jovens ou naqueles com alto risco para
anticoagulação, as técnicas de preservação da raiz, aortic valve sparing
operations, remodelamento ou reimplante da raiz aórtica, também conhecida
como reimplantation ou Tirone David, podem ser excelentes opções em
equipes com experiência21(Figura 8).
Figura 8
Paciente portador de síndrome de Marfan, 32 anos, aneurisma da raiz aórtica, sem a presenca de dissecção, onde foi
realizado reimplante da raiz aórtica ou operação de David I. Notar a coaptação dos folhetos valvares aórticos dentro
do tubo de Dacron após o implante dos postes comissurais. A vantagem dessa técnica de reimplante sobre a técnica
de remodelamento descrita por Yacoub22 é a inclusão e fixação da porção fibrosa do anel aórtico ao tubo de Dacron,
o que impede futura dilatação do anel e o consequente aparecimento de insuficiência aórtica no segmento tardio.

Outra técnica de preservação da raiz aórtica é a técnica de remodelamento aórtico


também denominada Yacoub22, posteriormente modificada por David para ser utilizada
em pacientes com risco de dilatação do anel aórtico mesmo após a realização da
operação de remodelamento. A intenção desse segmento de Dacron (em branco na foto)
é a redução e fixação da porção fibrosa do anel aórtico (Figura 9).
Figura 9
Remodelamento aórtico pela técnica de Yacoub para preservação da válvula aórtica.

Após a redução e fixação do anel, faz-se o implante do enxerto tubular de Dacron com
o recorte para implante dos postes comissurais. O corte para implante das comissuras
aórticas deve ter aproximadamente a mesma dimensão do diâmetro do enxerto.
Porteriormente, implantam-se os óstios coronarianos. Não deve ser empregada em
pacientes com doenças do tecido conectivo, dando-se preferência à técnica de
reimplante.

O segundo aspecto cirúrgico, também de grande importância, é a proteção do sistema


nervoso central, tanto encéfalo quanto medula nos casos de dissecção. Na última
década, reduziu-se a utilização da hipotermia profunda sistêmica, 20ºC, associada ou
não à perfusão cerebral retrógrada, através da veia cava superior23,24 e passou-se a
utilizar mais frequentemente a hipotermia moderada, 30ºC, associada à perfusão
cerebral anterógrada através de ramos arteriais como tronco braquicefálico, subclávia
e carótida. Alguns autores descrevem várias vantagens com essas técnicas de perfusão:
a proteção do sistema nervoso parece ser mais eficiente e também evitam-se graves
coagulopatias consequentes à hipotermia profunda; entretanto, cabe ressaltar que a
perfusão cerebral pelos ramos arteriais não evita a parada circulatória total e que
outros órgãos e sistemas sofrem isquemia.

A canulação da artéria axilar e a manutenção do fluxo por uma das carótidas durante a
parada, descrita por Sabik et al.25, têm as vantagens de evitar a manipulação da artéria
femoral, frequentemente acometida pela dissecção, manter sempre o fluxo no sentido
anterógrado pela luz verdadeira, e não necessitar de hipotermia profunda, o que
minimiza as complicações discrásicas. Deve-se proceder à perfusão cerebral pelos
ramos supra-aórticos em paciente com dissecção aórtica aguda proximal. No presente
caso, também poderia ser utilizada essa técnica de perfusão através de anastomose de
enxerto de PTFE ou Dacron 8mm no tronco braquicefálico ou anastomose do enxerto
em artéria carótida direita (Figura 10, ao lado). Pode-se utilizar o mesmo enxerto para
perfusão cerebral anterógrada durante o período de parada circulatória26.

Figura 10
Perfusão aórtica pelo tronco braquiocefálico e pela artéria carótida direita.

Mesmo na dissecção crônica, pode-se empregar essa técnica de perfusão anterógrada e


realizar uma ressecção mais extensa da porção tubular da aorta ascendente ou hemiarco
aórtico. Em casos de aneurismas ou dissecções limitadas à aorta ascendente, o arco
aórtico pode ser também um seguro sítio de canulação para perfusão. No procedimento
crúrgico a temperatura sistêmica deve ser mantida entre 28-30ºC com fluxo anterógrado
para manter pressão arterial média entre 50-60mmHg.

9. Quando indicar o tratamento cirúrgico nos aneurismas da aorta torácica? Caso o


paciente em questão apresentasse somente a presença de aneurisma, sem a
dissecção associada, qual seria a indicação do tratamento cirúrgico?

A aorta é considerada dilatada quando seu diâmetro excede o considerado normal para
determinada idade e superfície corporal. Quando esse diâmetro superar 50% do
previsto no segmento analisado, configura-se a definição de aneurisma.

Na aorta ascendente, a dilatação progressiva pode levar à insuficiência valvar aórtica,


mesmo em válvulas anatomicamente normais, à dissecção aguda ou à ruptura
espontânea, eventos que alteram dramaticamente a história natural e a curva de
sobrevida, sendo a magnitude do risco relacionada ao diâmetro e ao tipo de doença
estrutural da parede aórtica.

As indicações de substituição cirúrgica da aorta ascendente em pacientes com síndrome


de Marfan, dissecções agudas, hematoma intramural e endocardite com destruição
anular são baseadas em evidências consistentes. Entretanto, o momento de intervenção
em pacientes assintomáticos com dilatação de origem degenerativa, assim como na
associação de dilatação aórtica com válva aórtica bicúspide (VAB) permanece incerto,
sendo cada vez mais reduzido o diâmetro para a abordagem simultânea da aorta em
portadores de VAB12,13, possivelmente devido à associação dessa malformação à
dissecção e aneurismas, à coarctação da aorta e à presença de alterações degenerativas
do vaso, como fragmentação elástica e necrose cística da média, especialmente em
indivíduos jovens27.

Estudo publicado por Coady et al.28, em 1999, com 370 pacientes portadores de
aneurismas da aorta torácica, sendo 201 deles proximais, com seguimento médio de
29,4 meses, demonstrou a relação direta com eventos adversos (dissecção e ou ruptura)
e diâmetro da aorta. Portanto, o valor absoluto do diâmetro da aorta tem sido
empregado pela maioria dos serviços como parâmetro de indicação para tratamento
cirúrgico:

8,8% para aneurismas com 40mm ou menos


9,5% para aneurismas com diâmetro entre 40-49mm
17,8% para aneurismas com diâmetro entre 50-59mm
27,9% para aneurismas com diâmetro superior a 60mm

Os autores recomendam 55mm como diâmetro aceitável para cirurgia eletiva e


ressecção de aneurismas da aorta ascendente, pois a cirurgia pode ser realizada com
relativa baixa mortalidade. Para os aneurismas da aorta descendente, o tamanho médio
com menor morbimortalidade para indicação de cirurgia eletiva é 65mm28.

10. Como proceder com os aneurismas e dissecções da aorta descendente?

A curva da sobrevida em cinco anos dos pacientes com diâmetro >6cm na aorta
descendente foi apenas 56%, segundo estudos do grupo da Yale University5, e de 85%
para casos operados eletivamente, sobrevida semelhante à encontrada na população
normal, com a mesma média de idade. Esses achados, associados à mortalidade
operatória de 11% apresentada pelo grupo, têm levado os autores a arbitrarem em
60mm o parâmetro de indicação cirúrgica para os aneurismas da aorta descendente,
conduta considerada consensual por muitos especialistas com a qual se concorda. No
paciente relatado, possivelmente o tratamento endovascular da porção descendente
fosse uma opção, tendo em vista também sua expectativa de vida.
A principal preocupação na correção cirúrgica dos aneurismas descendentes ou
toracoabdominais ainda é a paraplegia, com incidência entre 4% e 32% em trabalhos
recentes. A lesão medular continua a ser um evento devastador para paciente, família e
equipe cirúrgica. Embora a paraplegia seja um fenômeno claramente multifatorial,
pode-se dizer que sua ocorrência advém de uma ou mais das seguintes condições:
duração e grau de isquemia medular, falha no restabelecimento do fluxo da medula
espinhal após o reparo e/ou injúria de reperfusão mediada bioquimicamente29-31.

Para redução da isquemia medular, numerosas técnicas têm sido preconizadas, com
resultados clínicos conflitantes. Quando nenhum método de perfusão distal é utilizado
durante a reconstrução, a aorta pode ser pinçada apenas proximalmente, como
preconizado por Crawford32, para impedir a elevação da pressão liquórica,
reposicionando sequencialmente a pinça na aorta, no sentido craniocaudal, à medida
que a reconstrução avança e que os ramos intercostais principais e os ramos viscerais
são incluídos na prótese. Enquanto existe relativa segurança com tempo de isquemia
inferior a 30min, essa abordagem apresenta uma incidência proibitiva de paraparesia
ou paraplegia com tempo maior de 60min. Quando se pretende que a perfusão distal
seja mantida para otimizar a nutrição das artérias intercostais e lombares, breves
períodos de isquemia sequencial podem ser realizados. Utiliza-se, nesta situação, a
perfusão por via átrio esquerdo-femoral ou femorofemoral31, o que teoricamente
permite a manutenção da perfusão até o nível de T5 ou T6 durante o primeiro
pinçamento da aorta proximal e da subclávia esquerda32,33.

Outros métodos de proteção distal podem incluir CEC com parada cardiocirculatória
hipotérmica, ou o uso de shunts temporários, internos ou externos. A drenagem de
líquido cefalorraquidiano (LCR) para diminuição da pressão intratecal constitui outra
forma referida de proteção medular, tendo sido amplamente testada em diversos
modelos animais, associada ou não à infusão de drogas neurotrópico-negativas34.

Uma abordagem preferencial no tratamento dos aneurismas e dissecções da aorta


descendente tem sido o emprego de endopróteses autoexpansíveis, introduzido pelo
grupo da Stanford University. Preliminarmente, os autores procederam ao implante
percutâneo, por via femoral, de stents autoexpansíveis recobertos por Dacron, em 13
casos de aneurismas torácicos crônicos, com diâmetro médio de 6,1cm. A exclusão
imediata foi obtida em 12 pacientes, e não houve óbito ou paraplegia hospitalar,
tampouco no seguimento médio de 11,6 meses35. Em ensaio clínico desenvolvido
subsequentemente, os mesmos autores ampliaram a experiência para 103 implantes, a
maioria deles com risco cirúrgico proibitivo, e obtiveram sucesso imediato em 83%
dos casos. A mortalidade precoce foi 9%, paraplegia foi observada em 3% dos
pacientes, e 7% desenvolveram acidentes isquêmicos encefálicos durante a internação.
O seguimento tardio de 3,7 anos demonstrou uma sobrevida livre de eventos de 53%, e
o grupo passou a recomendar essa técnica a pacientes selecionados de alto risco
operatório. Posteriormente, a técnica teve seu emprego clínico ampliado,
particularmente em pacientes em grave situação clínica e naqueles casos com risco
maior de ruptura36,37. O Instead Trial38 não mostrou beneficio do uso de endoprótese
aórtica quando comparado com o tratamento clínico, em pacientes com dissecção aguda
da aorta tipo B em pacientes assintomáticos (Figura 11).

Estudo clínico multicêntrico demonstrou resultados iniciais superiores do tratamento


endovascular, com mortalidade de 2,1%, sobre o tratamento cirúrgico convencional,
mortalidade de 11,7%, mesmo em pacientes de baixo risco, com considerável
necessidade de reintervenção do grupo tratado com endopróteses devido à presença de
vazametos ou endoleaks39.

Figura 11
Paciente do sexo feminino, 77 anos, aneurisma de 63mm, hipertensão arterial sistêmica controlada e quadro de dor
persistente apesar da medicação. Implante de endoprótese aórtica sem intercorrências por via femoral direita. Na
segunda foto, controle realizado um ano após o implante e paciente assintomática.

O paciente do caso apresentado poderá eletivamente ser submetido a uma operação


para substituição da aorta ascendente e valva aórtica, sendo utilizada a operação de
Bentall e De Bono (substituição total da raiz aórtica) no caso de grave
comprometimento dos folhetos valvares aórticos, ou ainda a troca valvar e substituição
da porção tubular da aorta separadamente, no caso dos seios aórticos apresentarem-se
normais.

Em situacões especiais, pode-se realizar uma operação para preservação da raiz


aórtica (reimplante) ou a suspensão e fixação das comissuras aórticas como usado nos
casos agudos. Nesse caso, com dilatações aneurismáticas da aorta ascendente e da
aorta descendente deve-se ressecar a aorta ascendente, com extensão variável da
ressecção distal da aorta (hemiarco ou arco aórtico) e posterior tratamento
endovascular da aorta torácica descendente.

Nos pacientes com dissecção aórtica tipo I, sem dilatação da aorta descendente, não
está recomendado o uso de endoprótese na aorta descendennte simultaneamente ao
tratamento cirúrgico da aorta ascendente.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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CIRURGIA NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Mario Coli Junqueira de Moraes


Alexandre Siciliano Colafranceschi

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 60 anos, hipertenso e diabético, com história prévia de IAM, em
classe funcional III da NYHA apresentando dispneia paroxística noturna, ortopneia e
dispneia aos pequenos esforços.

Ao exame físico observou-se B3 de VE, sopro sistólico 3+/ 4+, crepitações bibasais de
finas bolhas e edema de membros inferiores até o joelho. O eletrocardiograma
demonstrou ondas t invertidas em toda a parede anterior; ao ecocardiograma observou-
se fração de ejeção de 25%, regurgitação mitral importante e acinesia de parede
anterior. À cineangiocoronariografia observou-se doença coronariana multivascular
envolvendo a artéria descendente anterior em seu segmento proximal e as artérias
coronárias circunflexa e direita, insuficiência mitral importante e acinesia
anterosseptal. O paciente já estava medicado com carvedilol, diuréticos e
vasodilatadores, além de inibidor da ECA sem melhora clínica satisfatória.
OBJETIVOS
1. Discutir a reconstrução ventricular na cardiomiopatia isquêmica.
2. Analisar a insuficiência mitral na cardiomiopatia isquêmica.
3. Descrever a insuficiência mitral na cardiomiopatia dilatada.
4. Discutir estratégias de proteção miocárdica e multiorgânica.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso relatado?

Paciente com insuficiência cardíaca avançada e cardiomiopatia isquêmica (grave


disfunção ventricular esquerda) agravada por importante insuficiência mitral. Muito
provavelmente a insuficiência mitral tem seu mecanismo relacionado ao tethering
assimétrico devido à disfunção segmentar das paredes do ventrículo esquerdo.
Ocasionalmente pode existir concomitância de doença degenerativa da válvula mitral
com cardiomiopatia isquêmica. Nesse caso, o prognóstico da doença é melhor.

2. Como confirmar o diagnóstico?

A história clínica de ter havido infarto do miocárdio prévio ajuda a orientar o


diagnóstico para doença ateroesclerótica coronariana nessa faixa etária. O
ecocardiograma ajuda a confirmar a grave disfunção ventricular esquerda e o
mecanismo da insuficiência mitral. Os volumes e diâmetros ventriculares podem
também ser avaliados bem como o grau da pressão arterial pulmonar e a função do
ventrículo direito.

Outras lesões orgânicas concomitantes devem ser procuradas como comunicação


interatrial, persistência do forame oval patente e a direção do fluxo, além de
comprometimento de outras válvulas que podem ser importantes durante a abordagem
cirúrgica.

A ressonância nuclear magnética com realce tardio com gadolíneo pode ser útil na
definição do grau de comprometimento fibrótico e de sua extensão em relação à massa
ventricular esquerda, bem como confirmar dados de volumes e diâmetros avaliados
pelo ecocardiograma. Esses dados podem ajudar na tomada de decisão da melhor
estratégia de tratamento e das diferentes alternativas cirúrgicas para esse paciente,
dentre elas: tratamento clínico conservador ou revascularização do miocárdio
associada ou não à intervenção sobre a válvula mitral com ou sem reconstrução
ventricular esquerda ou transplante cardíaco.

3. Qual é o mecanismo fisiopatológico?

Após o IAM, a substituição da área infartada por tecido fibrótico pode induzir o
aparecimento de área discinética ou acinética. Com o decorrer do tempo, mudança da
geometria cardíaca acaba por afetar a área não infartada. A seguir, essa área dilata,
promovendo aparecimento de zona acinética com importante alteração global da função
do VE.

4. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas ao


caso?

As comorbidades associadas incluem DPOC, insuficiência renal, doença arterial


periférica e central, desnutrição, entre outras.

5. Qual é o prognóstico?

A cardiomiopatia isquêmica associada à insuficiência mitral grave está associada à


significativa redução da expectativa de vida dos pacientes. A sobrevida em cinco anos
é inferior a 50% nos pacientes em classe funcional III1-3.

6. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos (morte e


internação) neste caso?

As intervenções cirúrgicas que objetivam melhorar a função ventricular esquerda, a


isquemia miocárdica, a arritmia e a regurgitação mitral têm obtido bons resultados
quando comparadas ao tratamento clínico1-3. O benefício da redução cirúrgica do
volume do VE dilatado foi demonstrado com os bons resultados da ressecção dos
aneurismas de VE.

A cirurgia de correção do aneurisma foi iniciada por Cooley em 19571, utilizando a


técnica do reparo linear. Nessa técnica, após a abertura longitudinal do aneurisma, as
paredes são suturadas borda a borda, com sutura apoiada em barras de tecido sintético
e que corresponde à maioria dos casos tratados.

Já a operação de Jatene1 envolve os casos de grandes aneurismas que, se usar a técnica


de sutura borda a borda, pode prejudicar a anatomia do aparelho mitral, influindo na
geometria do VE. Então, a técnica de Jatene é realizada nos casos de diâmetro do colo
do aneurisma alargado, utilizando-se retalho de pericárdio bovino ou tecido de dacron
em formato de anel, proporcionando uma conformação espacial mais ideal para os
movimentos cardíacos, excluindo todo o aneurisma.

A técnica de Dor1 consiste na incisão linear através do aneurisma ventricular, ressecção


subendocárdica circular, sutura circunferencial endoventricular de reforço e colocação
de um retalho de dacron ou pericárdio bovino sobre o defeito apical remanescente. O
VE é restaurado de modo a ficar mais elíptico, permitindo a contração ventricular mais
eficiente e diminuindo a tensão na parede.

No estudo SAVER4, um grupo de 662 pacientes operados entre 1998 e 2000, apresentou
uma mortalidade hospitalar de 7,7%. A mortalidade operatória foi de 4,9% naqueles
pacientes submetidos à cirurgia de Dor e revascularização miocárdica associadas; e de
8,1% nos 25 pacientes que também foram submetidos à cirurgia da válvula mitral. A
utilização do balão intra-aórtico foi em 8,4% e a sobrevida após três anos foi 89%.

O estudo STICH5, entretanto, randomizou mais de 1200 pacientes com disfunção


ventricular esquerda sistólica (FE<35%) e coronariopatia passível de revascularização
cirúrgica, no período de 2002 a 2007, para tratamento clínico otimizado isoladamente
ou associado à revascularização do miocárdio e não evidenciou benefício na
sobrevivência em 56 meses entre os grupos. O grupo de intervenção cirúrgica foi
favorecido na avaliação de seu endpoint secundário, reduzindo o desfecho composto de
mortalidade e reinternação por qualquer causa. Uma análise importante a ser
considerada é que 17% do grupo de tratamento clínico foi revascularizado (cross over).
Realizando uma análise dos pacientes efetivamente tratados conforme o grupo (e não
pela intenção de tratar), a revascularização do miocárdio mostrou benefício em
mortalidade no seguimento estudado.

Outro braço do estudo STICH6 comparou a adição da reconstrução ventricular à


revascularização do miocárdio com a revascularização isolada. Apesar de haver
significativa melhora dos volumes ventriculares e apesar de um tempo maior de
internação hospitalar, não houve impacto significativo na mortalidade operatória nem
na sobrevivência no seguimento estudado.

A regurgitação mitral isquêmica é causada por disfunção do músculo papilar, dilatação


anular ou tethering do aparelho subvalvar pelo remodelamento do ventrículo esquerdo.
Com a adição de revascularização miocárdica à cirurgia de troca valvar ou plastia
mitral, a taxa de mortalidade atual é menor que 10%. Na insuficiência mitral aguda, o
rápido diagnóstico com ecocardiograma e intervenção cirúrgica ajudam no bom
resultado. A insuficiência mitral isquêmica crônica é causada por fibrose do músculo
papilar, dilatação anular e remodelação ventricular. Infarto e isquemia crônica resultam
em mudanças na geometria da cavidade, sendo consideradas doenças ventriculares.

A indicação cirúrgica é controversa quando a insuficiência é moderada, existindo uma


tendência para intervenção valvar na cirurgia para revascularização miocárdica. A
adição de anuloplastia restritiva ou troca mitral à cirurgia de revascularização do
miocárdio está clara nos cenários de cardiomiopatia isquêmica e grave insuficiência
mitral. Na insuficiência mitral moderada, entretanto, não havia estudo clínico até 2009,
quando uma análise randomizada7,8 evidenciou benefícios de mortalidade hospitalar,
sobrevivência em longo prazo e remodelamento ventricular para os pacientes
submetidos à cirurgia combinada.

A terapia de ressincronização, circulação assistida e transplante cardíaco serão


discutidos em outros capítulos.

7. O tratamento pode ajudar no controle da evolução da doença?

As considerações feitas sobre as intervenções cirúrgicas e seu impacto no


remodelamento ventricular podem ajudar no controle da doença, minimizando a
necessidade de reinternações.

8. Existe alguma estratégia para prevenção (primária e secundária)?

A prevenção de dano adicional ao coração e aos sistemas durante a intervenção


cirúrgica será discutida a seguir.

A proteção miocárdica na presença de isquemia miocárdica aguda é desafiadora. A


cardioplegia pode ser anterógrada ou retrógrada. Deve se nutrir as pontes
anastomosadas via anterógrada para aumentar a proteção. A indução da solução
cardioplégica sanguínea quente deve ser lenta, principalmente quando a isquemia é
aguda, pois pode evitar a contração sistólica do VE. A reperfusão controlada e
potencialmente prolongada ao término da operação pode permitir a recuperação da
função miocárdica. Pela mesma razão, o balão intra-aórtico deve ser mantido pelo
menos 24h no pós-operatório.

A ruptura do músculo papilar, uma rara complicação do IAM , ocorre em 1% a 3% dos


infartos e está associada à taxa de mortalidade de 80% somente com a terapêutica
clínica. Historicamente, a mortalidade cirúrgica era tão alta (67%) que os pacientes se
recusavam a fazer a cirurgia. O tratamento dessa afecção consiste na proteção
miocárdica com o balão intra-aórtico no início da cirurgia e durante a circulação
extracopórea, e na hemodiluição com cardioplegia sanguínea injetada na raiz da aorta,
após o clampeamento aórtico, podendo ser anterógrada ou retrógrada, de início
normotérmica e depois com intervalos de 15 minutos com temperatura mais baixa e
durante três minutos.

Em relação à proteção multiorgânica, a estratégia é CEC com hipotermia moderada,


pois reduz o metabolismo celular e, para se evitar o baixo débito, monitorizar o
adequado fluxo circulatório pela gasometria venosa cuja saturação venosa deve ser
próxima de 70%. A pressão arterial média de 55-65mmHg pode ser mantida com
vasodilatador ou vasopressor. O fluxo sanguíneo cerebral é determinado primariamente
pela pressão arterial e não pela velocidade de fluxo da bomba; este é mantido por
autorregulação até a pressão cair abaixo de 40mmHg. A resposta é, entretanto,
geralmente inadequada nos pacientes diabéticos e hipertensos.

Os pacientes renais devem ser considerados com cuidado para melhorar a função renal
(creatina >1,5mg/dL), usando medidas que incluam manitol, furosemida e dopamina
durante a perfusão. Também manter uma pressão arterial média em torno de 80mmHg e
bom débito circulatório.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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Seção 14. Reabilitação Cardíaca,
Prevenção e Atividade Física

Exercício Físico Regular e Prevenção de Doenças Cardiovasculares


Contribuição do Teste Cardiopulmonar de Exercício Máximo para a
Prescrição da Intensidade do Exercício Aeróbico
Exercícios de Fortalecimento Muscular em Hipertensos e Coronariopatas
Exercício Físico Aeróbico para o Coronariopata: Riscos e Benefícios da
Alta Intensidade
Prescrição de Exercício Físico no Coronariopata Crônico em Tratamento
Clínico e Não Revascularizado
Participação em Atividades Desportivas em Indivíduos Aparentemente
Saudáveis e Coronariopatas de Meia-Idade: Evidências e Subsídios para a
Orientação Médica
EXERCÍCIO FÍSICO REGULAR E
PREVENÇÃO DE DOENÇAS
CARDIOVASCULARES

José Kawazoe Lazzoli


Ricardo Vivacqua Cardoso Costa

CASO CLÍNICO
Dados básicos: Paciente feminina, 51 anos, IMC =19,1kg/m²
Doença principal: cardiomiopatia dilatada com diagnóstico estabelecido há dois anos.

Condições funcionais complementares: classe funcional III (NYHA), fração de ejeção


ventricular esquerda ao ecocardiograma: 30%.

Teste de exercício cardiopulmonar (TECP) realizado com a finalidade de submeter a


paciente a programa de reabilitação cardíaca. Protocolo em rampa em esteira rolante
interrompido por cansaço e dor nas pernas aos 9min e 16s, na velocidade de 3,7km/h e
inclinação de 9,0%.

Principais variáveis:
Eletrocardiograma basal: ritmo sinusal, bloqueio de ramo esquerdo. Sem alterações
expressivas ao exercício.
V’O2 pico =15,2ml.kg-1.min-1, equivalente a 4,3MET (tolerância muito fraca)
V’O2 no limiar anaeróbico =9,8ml.kg-1.min-1 (2,8MET)
V’O2 /FC (Pulso de oxigênio) =5,6ml/bpm em curva descendente, correspondendo a
uma evolução reduzida do volume sistólico durante o exercício.
Inclinação (slope): V’E / V’CO2 =44,4 (elevada, indicativa de mau prognóstico em
médio prazo).
R =1,04 (exercício realizado em intensidade próxima à máxima).

Pela análise dos dados apresentados, a limitação ao esforço pode ser atribuída a
comprometimento central, identificado pelo reduzido pulso de oxigênio e pelo índice
inapropriado do equivalente ventilatório de gás carbônico, refletindo uma inadequação
cardiorrespiratória por disfunção ventricular esquerda.

Após dois anos de programa de atividade física supervisionada, que incluiu atividade
aeróbia em cicloergômetro e em esteira rolante e exercícios resistidos, outro TECP foi
realizado com o mesmo protocolo progressivo em rampa e medicação mantida,
merecendo destaque as seguintes variáveis, comparadas ao primeiro teste:

Eletrocardiograma basal e ao exercício: inalterados.


V’O2 pico =20ml.kg-1.min-1 (5,7MET, com melhora de 31,6%)
V’O2 no limiar anaeróbico =11,5ml.kg-1.min-1 (3,3MET)
VO2 / FC (pulso de oxigênio) =7,3ml/bat (mais 32%) com curva não mais descendente,
porém retificada.
Inclinação (slope): V’E / V’CO2 =36,1 (mais reduzida e próxima ao valor de corte:
<34)
R: 1,08 (também exercício realizado em intensidade próxima à máxima)

Conclusões

A melhor tolerância ao exercício e os valores percentuais mais elevados do V’O2 no


pico do esforço e no limiar anaeróbio podem ser atribuídos à maior captação periférica
de oxigênio, melhorando a dinâmica cardiorrespiratória.

A curva do pulso de oxigênio mais elevada permite inferir um maior volume sistólico
ao esforço.

Os valores mais reduzidos do slope VE / VCO2 são compatíveis com melhor adaptação
cardiorrespiratória e melhor prognóstico.

Essas variáveis exibem a importância do exercício físico na prevenção secundária,


muitas vezes livrando pacientes da indicação de transplante cardíaco.

OBJETIVOS
1. Discutir criticamente os efeitos multifacetados do exercício físico na
prevenção primária das doenças cardiovasculares
2. Delinear o expressivo papel do exercício na redução do risco de eventos,
inclusive na mortalidade dos pacientes portadores de graves condições
clínicas.

PERGUNTAS
1. Em portadores de insuficiência cardíaca crônica (ICC), o exercício físico se
constitui na melhor estratégia para redução dos fatores de risco e melhor
sobrevida?

O tratamento clínico da ICC tem como objetivos principais a melhora dos sintomas e o
aumento da sobrevida. Os medicamentos atualmente disponíveis para esse tratamento
são capazes de proporcionar esses resultados. Dentro dessa estratégia, a prática regular
de exercícios físicos é um coadjuvante fundamental no tratamento da ICC.

Nesse grupo de pacientes, tão limitados sob o ponto de vista da capacidade funcional, a
intervenção do exercício físico é muitas vezes decisiva, podendo representar a
diferença entre a absoluta dependência para realizar as atividades da vida diária ou
uma vida cotidiana normal, sem a necessidade de auxílio de outras pessoas.

A redução da mortalidade e a melhora dos sintomas ocorrem por uma série de


adaptações e mecanismos, os quais serão detalhados mais adiante.

2. A sarcopenia, observada nos pacientes com ICC, contribui na limitação aos


esforços, podendo ser corrigida por atividade física aeróbia e exercícios resistidos?

Quanto à etiologia da limitação da capacidade funcional, há pelo menos três décadas já


se reconhecia o papel da periferia1 no que se convencionou denominar “insuficiência
muscular esquelética”. Neste quesito, os pacientes portadores de ICC são
heterogêneos2, com contribuições variáveis de diferentes fatores3, como:

Alterações intrínsecas das fibras musculares, pelo tônus simpático


cronicamente aumentado: essas alterações levam à redução da atividade das
enzimas oxidativas.
Alterações do fluxo muscular, pela má redistribuição do débito cardíaco
(DC) durante o exercício, principalmente por disfunção endotelial. Durante
exercício predominantemente dinâmico, não somente há aumento do DC em
termos absolutos, como também ocorre redistribuição do débito cardíaco,
com o objetivo de priorizar o fluxo sanguíneo para a musculatura esquelética
em atividade. Para uma ideia numérica, em indivíduos jovens e
aparentemente saudáveis, tem-se em repouso aproximadamente 20% do DC
destinados à musculatura esquelética, percentual que se aproxima de 88% no
exercício máximo. Essa redistribuição do DC é produzida por uma
extraordinária vasodilatação no território arterial dos músculos em
atividade, que é por sua vez mediada predominantemente pela função
endotelial. No paciente com ICC, esse mecanismo está prejudicado, o que
compromete o fluxo sanguíneo para os músculos durante o exercício.
Atrofia por desuso – iatrogênica ou autoinduzida: a atrofia pela falta de
exercícios é comum no paciente com ICC. Algumas vezes, o sedentarismo é
recomendado equivocadamente por profissionais de saúde; em outras
ocasiões, os próprios sintomas de um paciente cujo tratamento clínico não
esteja adequadamente ajustado e/ou cuja capacidade funcional esteja muito
restrita, inibem a prática de atividade física ou exercício físico.
Desnutrição: em muitos desses pacientes, a falta de nutrição adequada é
importante fator que contribui para a atrofia muscular.

A prática regular e orientada de exercícios físicos desempenha um papel central na


reversão da insuficiência muscular esquelética. Embora haja adaptações centrais à
prática regular de exercícios, as adaptações periféricas parecem preponderar na
melhora dos sintomas4.

3. A etiologia da dispneia – tanto no portador de ICC como no indivíduo


aparentemente saudável – pode ser determinada pelo teste de exercício
cardiopulmonar ou ergoespirometria?

A dispneia aos esforços é uma queixa comum nos consultórios médicos, tanto em
cardiopatas quanto em indivíduos jovens e aparentemente saudáveis, mas sedentários.
Clinicamente, é importante determinar se esse sintoma é patológico ou não.
Dependendo do perfil do paciente, a dispneia aos esforços pode ter significados tão
diversos quanto um equivalente anginoso ou simplesmente falta de condicionamento
físico. Certamente, o teste de exercício cardiopulmonar é um exame complementar
capaz de estabelecer esse diagnóstico diferencial.

Do ponto de vista fisiológico, em muitas situações clínicas, a dispneia aos esforços


ocorre quando se atinge uma intensidade de exercício correspondente ao limiar
anaeróbio (LA). O LA corresponde a um determinado percentual do consumo máximo
de oxigênio (V’O2 máximo), sendo passível de aprimoramento por meio do treinamento
físico. Em intensidades de exercício superiores ao LA, a produção de ácido lático
ocorre em taxa superior à sua remoção e metabolização, com o seu consequente
acúmulo. O ácido lático é dissociado em lactato e íon hidrogênio (H+), o que reduz o
pH da fibra muscular e do sangue, causando uma acidose metabólica. O sistema de
tamponamento pelo bicarbonato (H2CO3) produz uma quantidade “extra” de dióxido de
carbono (CO2), aumentando reflexamente a ventilação e originando a “dispneia aos
esforços”.

4. É recente a informação pela qual o exercício físico praticado regularmente


proporciona benefícios para a saúde cardiovascular?

Não. Há relatos históricos, aproximadamente em 2.500 a.C., de programas de


exercícios organizados na China para a promoção da saúde. É do século VI a.C. o
primeiro documento escrito (Papirus Ebers) estabelecendo o uso clínico do exercício
físico: o médico indiano Susruta descreveu que em torno da urina de indivíduos
diabéticos juntavam-se formigas, o que não mais ocorria quando estes eram tratados
com dieta e atividade física5.

Outro relato interessante foi a construção de um hospital na Grécia antiga, próximo a


Atenas que, entre outros setores tradicionais de hospitais gerais, contava também com
um ginásio de esportes, demonstrando claramente a valorização que já se dava à prática
regular de exercícios como instrumento de promoção da saúde. Ao longo dos últimos
séculos, há diversas outras referências históricas segundo as quais o exercício físico
seria capaz de trazer benefícios à saúde, no entanto em bases empíricas6.
5. Em bases científicas, como começaram a surgir as evidências científicas
associando a atividade física à saúde cardiovascular?

Um artigo clássico, publicado por Morris et al.7, começou a trazer essa informação.
Nesse estudo, de desenho transversal, foram comparadas duas categorias profissionais:
cobradores de ônibus londrinos de dois andares, que subiam e desciam escadas
diversas vezes ao dia durante o trabalho, e os motoristas desses mesmos ônibus, que
permaneciam sentados quase o tempo todo. Por outro lado, os carteiros, que
caminhavam ou pedalavam vários quilômetros ao dia foram comparados com os
funcionários burocráticos dos correios, que também permaneciam sentados a maior
parte do tempo. Nas duas situações, os indivíduos que eram fisicamente ativos durante
a sua atividade profissional tinham uma menor incidência de doença arterial
coronariana (DAC) do que os indivíduos sedentários. Nas décadas seguintes, esse
conceito começou a se tornar mais sólido a partir dos resultados de estudos
longitudinais prospectivos, que associavam um maior gasto energético cotidiano a um
menor risco relativo de mortalidade geral.

O estudo clássico de Paffenbarger et al.8, publicado em 1986, envolvendo 16.936 ex-


alunos da Universidade de Harvard acompanhados por 12 a 16 anos, associou um gasto
energético superior a 2.000kcal por semana a um risco relativo significativamente
menor de mortalidade geral8.

6. Quais parâmetros da prática de atividade física ou exercícios físicos parecem ter


impacto sobre a mortalidade geral e cardiovascular?

A maioria dos estudos epidemiológicos parece apontar para o gasto energético


semanal, ou seja, volume, como um fator capaz de reduzir a mortalidade geral e
cardiovascular. Dessa forma, criou-se na década de 1980 o conceito de lifestyle
exercise, ou seja, a atividade física ou o exercício físico incorporado ao cotidiano,
como estratégia para acumular gasto energético e assim obter benefícios para a saúde.
Entretanto, dados do grupo do Prof. Paffenbarger9, publicados em 1996, sugeriam que
uma intensidade ≥4,5MET traria uma redução adicional de mortalidade de
aproximadamente 10%. Assim, não só é interessante acumular gasto energético, mas
também incluir atividades com intensidade um pouco mais alta.
7. Que condições clínicas parecem se beneficiar da prática regular de exercícios?

Além de reduzir a mortalidade geral e cardiovascular, a prática regular de exercícios


proporciona benefícios10, seja em termos de prevenção primária seja como coadjuvante
no tratamento nas seguintes condições clínicas:

Hipertensão arterial sistêmica11,12


Doença cerebrovascular

Doença arterial coronariana13

Insuficiência cardíaca4

Diabete melito não insulino dependente14


Síndrome metabólica
Dislipidemias

Obesidade15

Insuficiência arterial periférica16


Osteoporose/osteopenia
Neoplasias de cólon e mama
Depressão e ansiedade

Doença pulmonar obstrutiva crônica17

Insuficiência renal crônica18

8. Que tipo de benefício o aumento da capacidade funcional (CF) proporciona em


termos prognósticos?

O aumento da CF ou potência aeróbica máxima, expresso por meio do consumo máximo


de oxigênio (V’O2 máximo), representa a capacidade de se realizar um determinado
trabalho mecânico em determinada unidade de tempo.
Certamente um V’O2 máximo aprimorado representa importante vantagem do ponto de
vista fisiológico. Entretanto essa característica não diz respeito somente a que tipo de
tarefas os sujeitos seriam capazes de realizar, mas também se reveste de importância
prognóstica.

Diversos estudos, entre os quais se destacam os artigos clássicos de Myers et al.19,


Kokkinos et al.20 e Domínguez et al.21 demonstram reduções expressivas de mortalidade
geral (a maior parte dos estudos entre 12% e 14%) para cada MET a mais de CF.

Assim, uma boa CF representa não somente um bom condicionamento físico, mas uma
vantagem prognóstica muito interessante, tanto em indivíduos aparentemente saudáveis
quanto em cardiopatas. Por outro lado, filosoficamente, não se deve fornecer o laudo de
“normal” para um indivíduo cujo teste de exercício mostre uma CF muito baixa para a
faixa etária.

9. Quais os outros mecanismos que parecem estar relacionados com a redução de


mortalidade proporcionada pela prática regular de exercícios?

Aumento da sensibilidade à insulina


Melhora do perfil lipídico, reduzindo de forma expressiva os triglicerídeos,
aumentando marcadamente o colesterol HDL e reduzindo modestamente o
colesterol LDL (mas modificando a composição do LDL, com predomínio de
partículas maiores e menos densas, menos aterogênicas)
Melhora da composição corporal, com preservação da massa corporal magra
e redução do percentual de gordura corporal

Aumento do tônus vagal cardíaco e redução do tônus simpático22


Melhora da função endotelial (aumento das concentrações de óxido nítrico
plasmático – substância vasodilatadora; e redução das concentrações de
endotelina-1 – substância potente vasoconstrictora23
Aumento do ativador do plasminogênio tecidual, redução do inibidor da
ativação do plasminogênio-1 e redução da agregabilidade plaquetária24

Redução da proteína C-reativa25

Redução da atividade plasmática da renina26


Estímulo às células progenitoras endoteliais27

10. Concluindo, a prática regular de exercícios é capaz de reduzir o risco


cardiovascular?

Certamente. O exercício físico é uma intervenção capaz de atuar na prevenção primária


e secundária, bem como coadjuvante no tratamento de diversas condições
cardiovasculares. Proporciona uma redução de mortalidade e do risco cardiovascular
semelhante ou superior à obtida por meio dos mais modernos medicamentos atualmente
disponíveis. Com esse fim, e a exemplo dos medicamentos, é importante que o
exercício físico seja prescrito individualmente, para determinação da dose (tipo,
intensidade, duração, frequência semanal, forma de progressão) correta, a qual
proporcionará a melhor relação risco/benefício.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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capacity and indexes of resting left ventricular performance in heart failure.
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CONTRIBUIÇÃO DO TESTE
CARDIOPULMONAR DE EXERCÍCIO
MÁXIMO PARA A PRESCRIÇÃO DA
INTENSIDADE DO EXERCÍCIO AERÓBICO

Fernando Cesar de Castro e Souza


Daniel Arkader Kopiler

CASO CLÍNICO
Dados básicos: Paciente masculino, 63 anos de idade.
Doença principal: hipertensão arterial de longa data.
Fatores de risco cardiovascular: sedentarismo e dislipidemia.
Quadro clínico: assintomático, foi encaminhado para realizar reabilitação cardíaca.
Encontra-se em uso regular de diurético, inibidor da ECA e estatina. Ao exame clínico
encontra-se corado, hidratado e eupneico. O ritmo cardíaco é regular, pulsos normais,
FC =72bpm e a PA =134x80mmHg. Os pulmões estão limpos e não são observadas
alterações abdominais ou nos membros. Submete-se a um teste cardiopulmonar de
exercício máximo (TCPE).
OBJETIVOS
1. Discutir os resultados do TCPE para a prescrição de exercícios físicos em
programa de reabilitação cardiopulmonar.
2. Analisar a utilização dos dados obtidos através do teste cardiopulmonar para
a prescrição de exercício físico, em programa de reabilitação
cardiopulmonar e metabólica ou em atividades não supervisionadas.
3. Analisar a utilização dos dados do TCPE em indivíduos pouco doentes, em
uso ou não de betabloqueadores e naqueles com doença isquêmica,
insuficiência cardíaca, hipertensos e transplantados.

PERGUNTAS
1. Como utilizar os resultados do TCPE para prescrever a mais adequada
intensidade do exercício?

As intensidades na prescrição de exercício devem ser obtidas, sempre que possível, a


partir de um teste de exercício, que são transformadas em zonas-alvo de frequências
cardíacas de treinamento ou de percepção de intensidade de cansaço.

O TCPE, embora não seja essencial para o mesmo, é o teste de exercício que mais
informações fornecem para uma adequada prescrição. Isso porque através dele se pode
ver o momento do exercício em que começa a haver acúmulo de lactato, chamado de
limiar anaeróbico (LA) ou 1º limiar ventilatório, e também o momento em que se esgota
a capacidade de tamponá-lo, chamado de ponto de compensação respiratória (PCR) ou
2º limiar ventilatório. Isso é importante porque o LA vai indicar a intensidade de
exercício em que ocorre a mudança de uma zona predominantemente aeróbia, e já
confortável, para outra em que começa uma maior participação do metabolismo
glicolítico anaeróbio; o PCR vai apontar a intensidade em que não é possível para o
metabolismo manter o equilíbrio ácido-básico pelo mecanismo dos tampões
metabólicos, e o indivíduo passa a trabalhar em estado de acidose passível de
equilíbrio apenas se fizer uma alcalose respiratória.

Nesse momento, então, tem-se como pontos de referência as frequências cardíacas (FC)
no repouso, no LA, no PCR e no esforço máximo, assim como a sensação subjetiva de
cansaço em cada um deles. A faixa que vai do repouso até o LA é a zona em que o
indivíduo já está trabalhando com predomínio de sistema aeróbio, portanto não gera
maior condicionamento físico. No extremo oposto, entre o PCR e o pico do esforço,
tem-se uma zona de acidose descompensada. Portanto, a zona ideal de treinamento,
onde haverá maior ganho de condicionamento com menor risco de efeitos adversos é
aquela compreendida entre o LA e 10% abaixo do PCR.1

Analisando o caso do paciente apresentado: o pico do esforço aconteceu com uma FC


de 168bpm. O LA e o PCR foram identificados com FC de 114bpm e 148bpm,
respectivamente (Figura 1). Logo, a prescrição para ele seria de trabalhar nas FC entre
114bpm e 148bpm–10% (=148-15), ou seja, de 114bpm a 133bpm (Figura 1).

Figura 1
Curvas dos equivalentes ventilatórios durante o teste.
Ex=início do exercício; AT=LA; RC=PCR; Rec=início da recuperação=pico do exercício

É importante afirmar que não há consenso sobre a melhor forma de definir, a partir do
teste cardiopulmonar de exercício, quais são as faixas de zona-alvo da FC para
prescrição do exercício. Neste capítulo, os autores estarão abordando uma dessas
formas, que consideram a preferida.
2. Houve isquemia durante o TCPE. Como prescrever considerando esta situação?

À primeira vista ter-se-ia a propensão de limitar a prescrição do exercício até o início


dos sinais de isquemia, seja pelo surgimento de dor precordial típica, alterações
eletrocardiográficas seja por uma variável apenas observada no TCPE, início de platô
ou queda na curva do pulso de oxigênio2, como observado na Figura 2.

Entretanto, já foi demonstrado através de cintilografia miocárdica, que a maioria dos


pacientes com doença coronariana trabalha em vigência de isquemia durante as sessões
de reabilitação cardíaca, sem sinais ou sintomas da mesma3. Além disso, há evidências
que trabalhar com algum grau de isquemia, o chamado pré-condicionamento isquêmico,
não gera infartos ou disfunção ventricular e que é benéfico, pois isso pode levar à
formação de neovascularização4, disponibilização e aumento de fluxo pelos vasos
colaterais5, bem como aumento da sua formação, diminuição da apoptose6, efeitos
positivos no remodelamento do vaso arterial doente e do músculo do coração7,
postergação do limiar isquêmico e posterior redução da área isquêmica total, e não
gera malefícios8,9.

Então, utiliza-se o momento do início da isquemia detectada ao TCPE não como limite
de carga ou FC para o treinamento, mas como objetivo a ser alcançado. Em acordo com
o paciente, pode-se aceitar trabalhar numa intensidade em que haja dor precordial não
mais que de leve intensidade. A monitorização cardíaca deve ser contínua e não se deve
trabalhar com cargas que façam surgir infradesnível do segmento ST ≥0,2mV em
relação ao basal, nem com arritmias ventriculares complexas.
Figura 2
Queda na curva do pulso de oxigênio a partir do limiar anaeróbio, no paciente relatado.

3. Seria apropriado aplicar o treinamento intervalado neste caso?

O treinamento intervalado, que consiste em alternar períodos de maior e menor


intensidade (pico de 85% a 95% do V’O2 ou FC máximos), tem sido cada vez mais
preconizado para todos os tipos de pacientes10, até mesmo para aqueles com
insuficiência cardíaca11,12. Tem a grande vantagem de diminuir a rotina dos
treinamentos contínuos, aumentando a aderência ao tratamento para muitos pacientes,
bem como possibilitar o pré-condionamento do coração com baixo risco de
complicações. O estímulo de altas cargas por curtos períodos promove maior gasto
calórico e maior condicionamento muscular, sem gerar danos.

Em relação aos intervalos, é bastante empírico, mas geralmente consiste de incrementos


a 85-95% da FC máxima alcançada no TCPE, alternando com descanso a 50-60% da
FC máxima. Deve-se usar o bom senso adaptando o tempo de maior intensidade de
acordo com as possibilidades e condições de cada paciente, em geral de 30 segundos a
2 minutos, podendo ser realizado a cada 5 minutos ou 10 minutos do exercício.
Figura 3
Modelo esquemático do treino intervalado vs. contínuo.

4. E se estivesse usando eficazmente um betabloqueador?

Os betabloqueadores podem tornar a faixa de FC entre os limiares muito estreita, assim


como entre os percentuais do V’O2 pico. Neste caso deve-se lançar mão da carga de
trabalho observada no LA ou da sensação subjetiva do esforço de acordo com a escala
de Borg13,14. Para pacientes de baixo risco, pode-se trabalhar com sensação entre
moderado e pesado. Em pacientes com risco elevado, como aqueles com baixa
capacidade funcional, com isquemia importante ou arritmias, a faixa de leve a
moderado esforço é mais adequada.

Nas Figuras 4 e 5 encontra-se exemplo de paciente em uso pleno de betabloqueador. As


FC nos limiares ventilatórios são muito próximas, de forma que se torna praticamente
impossível utilizá-las para a prescrição do exercício, podendo subestimar ou
superestimar o esforço.
Figura 4
Frequência cardíaca do paciente relatado, no limiar anaeróbio: 95bpm
Figura 5
Frequência cardíaca do paciente relatado, no ponto de compensação respiratória: 104bpm.

5. Não foi possível determinar o limiar anaeróbico do paciente, como fazer?

A não determinação do primeiro limiar pode ocorrer devido a esforços muito


submáximos, limitados por outros motivos que não a exaustão, frequente em pacientes
com insuficiência cardíaca (IC) devido às grandes disfunções ventilatórias por vezes
observadas15. Nos casos em que a limitação ao esforço não foi à exaustão, o paciente
deverá trabalhar com a percepção do cansaço pela escala de Borg, inicialmente de
moderado a levemente pesado. Se for portador de IC avançada, pode-se utilizar os
percentuais do V’O2 pico, de 50% a 70%, ou mesmo a escala de Borg, inicialmente de
leve a moderado esforço.

6. E se o paciente tiver sido enviado para reabilitação após realização de


transplante cardíaco?

Neste caso há um detalhe muito relevante, pois no pós-transplante cardíaco ocorre uma
desnervação do coração, levando à FC de repouso mais elevada, um incremento da
mesma mais lenta e gradual com esforço, muitas vezes não sendo alcançada 85% da FC
máxima prevista, bem como uma redução mais lenta da mesma no pós-esforço. Esta é
mais uma situação em que o uso da FC fica prejudicado e deve-se lançar mão da
percepção de esforço, recomendando-se um esforço de leve a levemente pesado pela
escala de Borg16.

7. Como proceder em termos de prescrição de exercício se a resposta da pressão


arterial (PA) for inadequada durante o esforço, com grande elevação, apesar de a
PA de repouso estar sempre normal?

Alguns pacientes apresentam pressão arterial (PA) normal em repouso, porém com
elevação importante e desproporcional durante o esforço, muitas vezes com baixa
carga17. Essa é mais uma variável a ser avaliada que, dependendo da intensidade da
resposta da pressão arterial, pode restringir o paciente a exercícios aeróbios leves e
contraindicar atividades com peso até melhor controle da pressão arterial, bem como
impedir a realização dos mesmos até controle adequado da pressão arterial durante o
esforço18.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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EXERCÍCIOS DE FORTALECIMENTO
MUSCULAR EM HIPERTENSOS E
CORONARIOPATAS

José Antônio Caldas Teixeira


Pablo Marino Corrêa Nascimento

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 65 anos, portador de hipertensão arterial sistêmica (HAS),
diabetes mellitus tipo II (DM II), obesidade centrípeta e dislipidemia. Sofreu infarto do
miocárdio (IAM) de parede inferior há quatro meses e foi submetido à cirurgia de
revascularização miocárdica (CRVM) há 3 meses. Apresenta disfunção sistólica de
ventrículo esquerdo com fração de ejeção de 40%. Foi encaminhado ao Programa de
Reabilitação Cardiopulmonar e Metabólica (PRC) pelo seu médico assistente, que
deseja obter informações.

OBJETIVOS
1. Discutir o treinamento de fortalecimento muscular em programa de
reabilitação cardiopulmonar e metabólica.
2. Analisar as indicações e contraindicações do treinamento de fortalecimento
muscular em programa de reabilitação cardiopulmonar e metabólica.
3. Avaliar a prescrição do treinamento de fortalecimento muscular em programa
de reabilitação cardiopulmonar e metabólica.

PERGUNTAS
1. No PRC deste paciente, está indicado inserir o treinamento de fortalecimento
muscular (TF)?

Sim. Apesar das pesquisas clínicas em exercício e doença cardiovascular serem mais
voltadas ao treinamento de natureza predominantemente aeróbia, é consensual entre as
sociedades médicas especializadas1-9 a indicação do TF como modalidade
complementar dentro de um PRC. Isto se deve aos inúmeros benefícios comprovados,
conforme será abordado nas perguntas seguintes.

2. Quais seriam os possíveis benefícios e riscos do TF em pacientes como este


apresentado?

Os benefícios são diversos (Quadro 1) e incluem aqueles relacionados com: alterações


no aparelho locomotor e suas consequências2; modificações da composição corporal;
atuação em fatores de risco para doenças cardiovasculares; efeito nos indivíduos
portadores de hipertensão arterial e coronariopatia1-11.

Quadro 1
Comparação dos efeitos do treinamento aeróbio com o treinamento de força em programa para saúde
LBM=massa corporal magra
Fonte: Williams et al.2

O TF modifica a composição corporal, diminuindo o percentual de gordura2 e a


adiposidade visceral5, esta associada à síndrome metabólica e ao risco cardiovascular.
Aumenta a massa livre de gordura12 e, consequentemente, incrementa a taxa metabólica
basal13, proporcionando maior gasto calórico diário e fazendo do TF um importante
aliado na prevenção e no tratamento do sobrepeso e da obesidade.

Em idosos foi descrito aumento da massa muscular nos indivíduos com sarcopenia14-16,
redução do risco de queda8,9,17, melhora da qualidade de vida8,9 e diminuição dos
sintomas de depressão8,14,15,18. Aumenta a densidade mineral óssea8,9,14,15,19 e auxilia na
prevenção e tratamento da lombalgia e osteoporose8,9,20.

O TF promove ganho de força muscular mesmo em populações mais fragilizadas, tais


como mulheres idosas e coronariopatas, desencadeando melhoras ainda em variáveis
como resistência muscular, coordenação motora, equilíbrio, e na distância percorrida
no teste de caminhada de 6 minutos21,22. Tudo isto se traduz em maior habilidade para
realizar tarefas cotidianas, pois a maioria delas requer força e resistência muscular
para sua execução8,9.

Em coronariopatas, melhora o humor, a depressão, a fadiga e a autoconfiança2. Amplia


o tempo de exercício máximo e submáximo23 e, ainda que discretamente, aumenta o
consumo máximo de oxigênio (VO2 pico)24.
O papel do TF no perfil lipídico é controverso, mas quando associado ao treinamento
aeróbio pode atuar favoravelmente na dislipidemia e em outros parâmetros constituintes
da síndrome metabólica5,11, diminuindo os triglicerídeos e o colesterol LDL, enquanto
aumenta o colesterol HDL.

O TF diminui a glicemia, a hemoglobina glicosilada e a insulinemia11,25-27, e aumenta o


conteúdo muscular de receptores GLUT4 e de insulina em diabéticos11,25,26. Tais efeitos
contribuem na melhora do perfil glicídico e da sensibilidade à insulina2,11,25,26.

Diminui marcadores inflamatórios como a interleucina-6, a proteína C-reativa e o fator


de necrose tumoral28, todos atualmente associados a maior risco para doenças
cardiovasculares29.

Melhora a função endotelial em coronariopatas após IAM30 e diminui os níveis de


endotelina-1 em homens jovens31. Reduz tanto a pressão arterial sistólica quanto a
diastólica em repouso em torno de 3mmHg32, o que é o bastante para reduzir o risco de
morbidade cardíaca em 5% a 9%, o de acidente vascular encefálico em 8% a 14%, e o
de mortalidade global em 4%33. Atenua a resposta pressórica ao exercício máximo e
melhora a recuperação da frequência cardíaca após exercício aeróbio2,3,34. Estudos
recentes demonstram o TF como capaz também de reduzir a mortalidade por qualquer
causa35.

Diminui a resposta da frequência cardíaca (FC) e da pressão arterial sistólica (PAS)


em níveis submáximos de exercício2,3,17, o que se reflete em menores duplo-produto
(FCxPAS) e consumo miocárdico de oxigênio nas tarefas cotidianas, tais como levantar
ou transportar objetos pesados.

A resposta ao exercício de fortalecimento muscular proporciona um maior equilíbrio na


relação entre oferta e consumo miocárdico de oxigênio do que a provocada pelo
exercício aeróbio, pois provoca aumento semelhante na PAS, porém com menor FC e
maior pressão arterial diastólica (PAD), prolongando o tempo e aumentando a pressão
de perfusão coronariana2,12.

A melhora da força muscular obtida com o TF desempenha papel destacado nos


hipertensos, pois altos níveis de força muscular estão relacionados à menor
mortalidade nesse grupo33, assim como à menor prevalência de síndrome metabólica na
população geral36.
Em relação aos riscos do TF, estes envolvem aqueles associados às complicações
musculoesqueléticas e cardiovasculares. Todos podem ser minimizados quando estão
adequadas: a avaliação pré-participação, a supervisão profissional e a técnica de
execução do movimento. Além disso, é prudente treinar em intensidade de leve a
moderada e excluir os pacientes de alto risco2-8,11.

Para reduzir as complicações é importante conhecer o histórico de lesões


osteomusculares do participante, orientá-lo e supervisioná-lo durante o exercício,
iniciar com intensidade leve, progredir com parcimônia, e suspender o treinamento em
caso de dor ou lesão naquele segmento específico2,4-8,10,11,14,15.

Apesar dos relatos de acentuadas elevações na pressão arterial em indivíduos que


treinam em altas intensidades, como 80% a 100% de 1RM, tal resposta não foi
encontrada em intensidades de leve a moderada, adotando a técnica de respiração
correta, com atenção para evitar a manobra de Valsalva10. Os exercícios de
fortalecimento muscular melhoram a perfusão coronariana graças ao aumento da PAD e
à menor elevação da FC2,10,12,37.

O TF é considerado seguro em coronariopatas estáveis porque não se associa a: angina,


depressão de segmento ST, alterações hemodinâmicas e arritmias ventriculares
complexas em programa supervisionado de reabilitação cardíaca2,7,10,12.

O registro invasivo da pressão arterial em indivíduos que realizam exercício de


fortalecimento muscular em intensidades relativas correspondentes a 20%, 40%, 60% e
80% de 1RM mostrou que, apenas na última intensidade, a resposta do duplo-produto
(FCxPAS) foi semelhante ao obtido em teste aeróbico máximo realizado em
cicloergômetro de membros inferiores, sem provocar angina ou arritmia cardíaca38.
Resultados similares foram observados em pacientes com disfunção ventricular
esquerda39, insuficiência cardíaca40 e após transplante cardíaco41, em intensidades de
50% a 70% de 1RM. As respostas cardiovasculares durante o exercício de
fortalecimento muscular são, portanto, comparáveis às de um teste de exercício
aeróbico submáximo e inferiores às de um teste máximo.

Os pacientes para os quais o TF convencional está contraindicado (Quadro 2) são


aqueles com: angina instável; insuficiência cardíaca descompensada; arritmias
cardíacas descontroladas; hipertensão arterial sistêmica descontrolada
(>180x110mmHg); hipertensão arterial pulmonar grave (pressão arterial pulmonar
média >55mmHg); estenose aórtica grave e sintomática; miocardite, pericardite ou
endocardite agudas; dissecção aórtica; síndrome de Marfan; cardiomiopatia
hipertrófica2,5-7,10.

Quadro 2
Contraindicações absolutas ao TF

*Contraindicados exercícios de alta intensidade (80-100% 1RM)


HAP=hipertensão arterial pulmonar; HAS=hipertensão arterial sistêmica; PSAP=pressão sistólica da artéria
pulmonar;
PA=pressão arterial

Os diabéticos não poderão realizar TF de alta intensidade (80-100% de 1RM) caso


apresentem retinopatia proliferativa ativa ou não proliferativa em evolução10,11,25,26,
assim como pacientes submetidos à CRVM devem evitar o TF que envolva tórax e
membros superiores nos primeiros dois a três meses após o procedimento, para
permitir satisfatória cicatrização do esterno2,5-7,37.

3. Considerando que as contrações estáticas elevam mais a pressão arterial, o TF


não estaria contraindicado, já que poderia agravar a hipertensão arterial e a
disfunção ventricular, condições presentes neste paciente?

Não. Os exercícios de fortalecimento muscular provocam respostas cardiovasculares


similares às observadas durante teste de exercício aeróbico10,38, mesmo em pacientes
com disfunção ventricular39 ou insuficiência cardíaca42. A elevação da PAS e FC
durante exercício de fortalecimento muscular de membros inferiores na intensidade de
70% de 1RM é inferior à encontrada em cicloergômetro de membros inferiores na
intensidade de 70% do VO2 pico42.

O exercício de fortalecimento muscular puramente estático ou isométrico - aquele em


que há tensão muscular sem alteração no comprimento do músculo – não encontra
amplo respaldo na literatura. Estudo da década de 1980 evidenciou excessiva
sobrecarga pressórica, com redução do débito cardíaco, do volume sistólico e da
fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE)43. Em contrapartida, demonstrou elevar a
pressão arterial sistólica, a pressão arterial média e a pressão diastólica final do VE43.
A metodologia de treinamento empregada, no entanto, consistia em exercícios
puramente isométricos e sustentados por cerca de 5min, o que não reflete a prática
usual do TF, quer para saudáveis quer para cardiopatas.

Por outro lado, o exercício de fortalecimento muscular de natureza dinâmica - aquele


em que se observa alteração no comprimento do músculo -, apesar de ter sempre um
componente estático, é seguro em portadores de insuficiência cardíaca (IC)44-46. Nesse
grupo, o TF não se associa a alterações hemodinâmicas, arritmias ou isquemia
miocárdica sintomática45, assim como não piora a função ventricular esquerda em
repouso44,45.

O TF na insuficiência cardíaca melhora a força e a resistência muscular e aumenta a


distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos45. Diminui o consumo de
oxigênio em intensidades submáximas de exercício e aumenta o tempo de caminhada em
esteira47.

Ainda que haja divergência entre os estudos, pode aumentar o VO2 pico, tanto com o
método de treinamento em circuito46 quanto com o TF convencional47. Melhora a
qualidade de vida nos portadores de IC, o que se correlaciona com o aumento da força
muscular e do VO2 pico47. O aumento do VO2 pico, por sua vez, está correlacionado
ao aumento da força do quadríceps e do tempo de caminhada47.

Outro achado interessante é a correlação entre o melhor desempenho no teste de


caminhada de 6 minutos e o aumento tanto da área das fibras musculares tipo I quanto
da capacidade enzimática oxidativa muscular, o que permite inferir que o TF pode
combater a miopatia associada à IC45.

Considerando os inúmeros benefícios em face do baixo risco (Quadro 3), o TF é


modalidade válida em pacientes com disfunção ventricular ou mesmo insuficiência
cardíaca, principalmente porque as atividades cotidianas são realizadas em
intensidades submáximas e frequentemente requerem a força como atributo para sua
execução satisfatória.

Quadro 3
Contraindicações para TF no paciente diabético

Fonte: Graves & Franklin11


IVE=insuficiência ventricular esquerda; BAV=bloqueio atrioventricular; PAS=pressão arteral sistólica;
PAD=pressão arterial diastólica

4. A presença de doença arterial coronariana (DAC) e da área de IAM


contraindicam o TF?

Não. Nos coronariopatas em geral, a lista dos benefícios supera em muito a dos
eventuais riscos e justifica a indicação do TF. É importante destacar a atuação
favorável, ou pelo menos neutra, em boa parte dos fatores de risco e mau prognóstico
da DAC, tais como pressão arterial, controle glicêmico, perfil lipídico, composição
corporal, percentual de gordura, adiposidade abdominal2,10,12, marcadores
inflamatórios28, função endotelial30, humor e depressão2,7. Exerce ação importante
também ao melhorar a capacidade de exercício submáxima e máxima19, bem como a
força muscular2, ambas relacionadas à sobrevida35.

Fisiologicamente, o exercício de fortalecimento muscular é benéfico ao desencadear


menor FC, permitindo maior tempo de diástole e perfusão coronariana, e maior PAD,
aumentando a pressão de perfusão coronariana48.

A possibilidade de atuação desfavorável do TF sobre a função ventricular esquerda,


desencadeando piora do remodelamento miocárdico, não se confirmou em estudo
realizado em portadores de IC. Após oito semanas de treinamento, não houve alteração
do volume sistólico, da fração de ejeção, da fração de encurtamento, nem dos diâmetros
diastólico e sistólico final do VE47.
5. A avaliação pré-participação, para liberação para o TF, é diferente em relação
ao treinamento aeróbio (TA)?

Não. A avaliação é a mesma e inclui anamnese cuidadosa, exame físico,


eletrocardiograma de repouso, rotina laboratorial, ecocardiograma e teste de exercício
convencional ou cardiopulmonar2,4-7,10,21. Fundamental é iniciar o TF com intensidade
leve, sob supervisão habilitada, enfatizando a técnica correta de execução e respiração,
evitando a manobra de Valsalva2,4-7,10,21. Os profissionais devem ser capacitados e o
local dotado de infraestrutura para lidar com pacientes graves e suas possíveis
complicações.

6. E o fato de o paciente ser diabético: existe risco ou benefícios em relação ao


TF?

Em relação aos benefícios, como já referenciado, o TF é recomendado pelas principais


organizações para promoção da saúde e aptidão física, mesmo nos portadores de
diabetes mellitus (DM)1-9,11,12,25,26.

O TF é aceito como meio de desenvolver e manter a força muscular, a endurance, a


potência e a massa muscular (hipertrofia), além de sua relação com a saúde e a
prevenção e reabilitação de diversas doenças crônicas, inclusive em paciente
diabético1-9,11,12,25,26, sendo que a última diretriz sobre exercício e DM tipo II do
ACSM de 201026, em conjunto com a ADA, reforça sua prescrição em associação com
o treinamento aeróbio.

O Quadro 1 apresenta os benefícios do TF e compara-os ao treinamento aeróbio (TA)2,


onde se pode observar efeitos semelhantes em relação ao controle glicêmico. O TF
isolado parece ter um efeito agudo sobre a tolerância à glicose e a sensibilidade à
insulina, mas necessita de maiores estudos (nível de evidência C). O TF ajuda o
organismo a gastar calorias através do aumento da massa muscular magra e do
metabolismo basal10,14,15,25,26.

Se comparado ao TA, há menor número de evidências sobre a contribuição do TF na


terapia coadjuvante do DM, embora essas evidências estejam aumentando. Quando
realizado de forma crônica e em associação ao TA, além de melhorar a composição
corporal, o TF ajuda no controle glicêmico, na resistência à insulina, no controle
pressórico em indivíduos pré-hipertensos ou estágio I, podendo assim ser efetivo na
prevenção e tratamento da chamada síndrome metabólica11,26,27,49.
O controle glicêmico através do TF seria feito através dos seguintes
mecanismos2,8,10,11,14,25-27,49,50:

1. Estímulo ao armazenamento de glicogênio muscular.


2. Estímulo da atividade do GLUT4.
3. Aumento da massa muscular.

Sendo os músculos a principal fonte de deposição de glicose na forma de glicogênio, os


estudos mostram haver uma correlação positiva entre a área de secção transversa
muscular (massa muscular) e sensibilidade insulínica. O TF leva à hipertrofia muscular,
mesmo em idosos14, com aumento associado da sensibilidade à insulina. Isso já
justificaria o TF no programa de treinamento do paciente diabético, tanto na prevenção
primária em DM tipo 2, quanto no seu controle, em especial em idosos ao reverter a
sarcopenia associada ao envelhecimento inativo.

4. Reduções da gordura corporal

A massa de gordura corporal é inversamente relacionada à sensibilidade insulínica, em


especial se esse acúmulo é com distribuição centrípeta. A redução de peso corporal é
importante na prevenção e tratamento do DM. Quando essa perda ponderal é obtida
somente por restrição dietética, vem acompanhada de perda de massa muscular,
podendo ser minorada com a associação do TF. Há diversos estudos demonstrando o
TF isolado ou associado ao TA no controle do DM, não havendo, entretanto,
uniformização metodológica entre eles em relação à população, duração, intensidade,
índices de controle, etc.

Concluindo, apesar de ainda serem necessárias pesquisas adicionais, os achado atuais


sugerem fortemente que o TF é benéfico como terapia coadjuvante no controle, e
mesmo na prevenção, do paciente diabético.

Os mecanismos para aumentar a massa muscular, elevar a captação da glicose e


armazenamento de glicogênio muscular por sensibilização da captação da glicose por
ativação dos GLUT4, assim dependendo de menores níveis de insulina circulante,
observam-se mesmo sem ocorrer perda de peso associado ou de elevação do VO2max.
Pode-se esperar também que o TF associado ao TA e à orientação nutricional, junto
com redução do peso corporal, da massa de gordura corporal e de melhor distribuição
dessa gordura corporal, potencialize o controle glicêmico e a tolerância à
glicose2,6,8,10,11,14,25-27,49,50.
Quanto aos riscos, contraindicações e segurança do TF no diabético, tanto o TA quanto
o TF podem resultar em efeitos colaterais e lesões. Essas complicações podem variar
desde lesões de partes moles até incapacitação e mesmo risco de vida2,6,8,10,11,14,25-
27,49,50.

A prevenção de complicações se inicia na avaliação pré-participação dos pacientes, ao


se identificar e quantificar a gravidade das lesões de órgãos-alvo. As indicações de
realização de um teste ergométrico são as mesmas da triagem para o TA. Os limites do
controle glicêmico pré-treinamento para liberação, também seguem as normas para o
TA, assim como a abordagem dos eventos hipoglicêmicos. No paciente do caso clínico,
deve-se atentar também para as possíveis limitações cardiovasculares, identificadas na
avaliação pré-participação e fornecidas pelo exame clínico, ecocardiograma e teste
ergométrico.

Em relação ao TF no diabético, atenção especial se deve dar à gravidade da


retinopatia, a lesões cardiovasculares centrais (passado e gravidade do infarto,
isquemia ativa e/ou silenciosa, hipertensão arterial não controlada, disfunção
ventricular), as lesões vasculares da macro e microcirculação periférica e a neuropatia
periférica.

Considerando esses fatores predisponentes (Quadros 3 e 4), é possível resguardar os


pacientes de complicações, ou através de um alto grau de supervisão e monitoramento,
ou mesmo deixando de treiná-los até compensar as alterações. A literatura relata
poucos casos específicos de lesão.

Quadro 4
Considerações para limitações de atividades na retinopatia diabética (RD)
Fonte: American Diabetes Association25

Adicionalmente, o paciente diabético e todos os outros devem receber informações


sobre as técnicas apropriadas de execução dos exercícios, o modo de respirar; adaptá-
los ao status funcional, observar as lesões ortopédicas e a perda de sensibilidade dos
membros inferiores.

Para pacientes que apresentem retinopatia diabética (RD) na forma proliferativa,


atividades de alta intensidade podem precipitar hemorragia vítrea ou descolamento de
retina, e este seria uns dos principais cuidados em relação ao TF no DM. Assim,
dependendo da sua gravidade, devem evitar não somente TA de alta intensidade, mas
também cargas elevadas de TF e a associação da manobra de Valsalva.

Com base na experiência da Clinic Joslin, o grau da retinopatia é utilizado para


estratificar o risco de AF e orientar a prescrição para os portadores de RD. O Quadro
5, proposto pela The Health Professional’s Guide to Diabetes and Exercise, apresenta
a orientação para a prescrição25.

Quadro 5
Padronizações, diretrizes e posicionamentos sobre o treinamento de força
7. Como seria a prescrição do TF para o paciente em questão, e os cuidados a
serem tomados?

As orientações gerais para a prescrição seguirão as diretrizes mais recentes que


recomendam a inclusão do TF para indivíduos saudáveis, idosos e em muitos
portadores de cardiopatia ou outras doenças crônicas2,5-8,11,14,15,26,37.

O resumo das recomendações para prescrição encontra-se na Figura 1 e no Quadro 6


para indivíduos normais e populações especiais.

Figura 1
Recomendações para a prescrição do treinamento de fortalecimento muscular em programa de reabilitação
cardiopulmonar e metabólica2,12,20.
FMV=força máxima voluntária; Rep.=repetições

Quadro 6
Resumo das recomendações para o treinamento de força em indivíduos saudáveis
Revisão das variáveis necessárias para progressão em diferentes níveis de aptidão

ECC=contração excêntrica; COM=contração concêntrica; UA=uniarticular; MA=multiarticular; AI=alta intensidade;


BI=baixa intensidade; 1RM=1 repetição máxima; PER=periodização; AR=alta repetição; L=lenta; M=moderada;
LNI=lenta não intencional; R=rápida; Rep=repetições; Ser=séries
Fonte: Kraemer et al.8

Em relação ao caso clínico, deve-se destacar que se trata de um indivíduo já na terceira


idade, portador de síndrome metabólica, diga-se hipertenso e diabético, e recém-
revascularizado, além de apresentar certo grau de disfunção ventricular.

Quanto à sua possível limitação em relação ao DM e disfunção ventricular, o tema foi


abordado nas questões anteriores. Quanto à HAS, o princípio básico é ter sua pressão
de repouso controlada; se houver um teste ergométrico (TE) prévio, que demonstre
resposta pressórica aceitável, também serve de liberação para o TF2,4-8,11,14,15,26,37.

Especificamente por ser tratar de paciente em pós-operatório de revascularização,


deve-se ficar atento tanto em relação às limitações cardiovasculares quanto às
limitações ortopédicas e musculoesqueléticas, em especial a estabilidade do esterno e
ferida/cicatriz cirúrgica torácica e da radial e/ou safena2,4-8,11,14,15,26,37.
Como regra geral, esperam-se três meses para se iniciar carga plena nos exercícios de
tronco e membros superiores, especialmente naqueles com elevação acima da cabeça
ou de abertura dos braços (ex: desenvolvimentos, supino, voador peitoral, etc.). Isto
não quer dizer que, estando estável o esterno e na medida da dor do paciente, não se
possam iniciar atividades com os membros superiores de leve intensidade, com o peso
do segmento e/ou bandas elásticas de baixa resistência. Essa mobilização associada
aos alongamentos previne uma possível retração esternal cicatricial.

Deve-se sempre orientar e vigiar os componentes específicos do treinamento de força


tais como a técnica adequada, número e tipo de exercícios, séries, repetições, além de
medidas de segurança2,4-8,11,14,15,26,37.

Uma orientação preliminar deve estabelecer apropriada carga de treino e incluir


instrução da técnica de execução dos movimentos e dos exercícios. A recomendação do
não bloqueio respiratório, ainda mais numa fase inicial, evitando assim a manobra de
Valsalva (MV) para não agravar a resposta pressórica, ainda é encontrada na maioria
das publicações2,4-8,11,14,15,26,37 e será discutido adiante.

As orientações a serem seguidas após uma fase de adaptação inicial, aplicam-se a


todos os pacientes, e podem ser encontradas nas diversas diretrizes e recomendações
disponíveis, as quais serão aqui resumidas2,4-8,11,14,15,26,37 (Figura 1 e Quadro 6).

O TF possui como principio básico o da sobrecarga, que irá desencadear o chamado


microtrauma adaptativo ao causar progressivo aumento da demanda fisiológica. Essa
sobrecarga pode ser na intensidade (resistência ou carga a ser erguida), séries e/ou
repetições, volume de treino (repetições x séries x carga), velocidade de execução, ou
suas combinações, além da frequência semanal. Isto tudo sendo realizado em níveis
acima do normalmente executado no cotidiano8.

A força é mais bem desenvolvida através de cargas quase máximas, 60% a 80% da
força máxima voluntária (FMV) com poucas repetições, embora para iniciantes e
idosos, cargas de 45% a 50% já sejam estímulos. Essa FMV é medida através da carga
máxima que o indivíduo pode realizar em uma repetição, chamada 1 repetição máxima
(1RM). Já a resistência muscular localizada (RML) é explorada utilizando cargas mais
leves, 30% a 40% da FMV, com maior número de repetições. O ACSM6,8,11,14
recomenda para um ganho ótimo nas duas, força e RML, de 8 a 12 repetições.

A sobrecarga na intensidade pode ser manipulada através da variação da carga


absoluta, número de repetições, tempo de intervalo entre as séries e o número de séries
dos exercícios, ou mesmo na velocidade de execução, quando também se explora o
desenvolvimento da potência, cada vez mais indicada para os idosos8,14,15.

Para se obter equilíbrio entre o desenvolvimento de força e endurance, repetições na


faixa de 8 a 12 são recomendadas para participantes mais jovens até os 60 anos, e de
10 a 15 com cargas relativamente menores, para os participantes mais idosos8,14,15.

É claro que num paciente em pós-operatório, nos três meses iniciais ou mesmo numa
fase precoce de pós-síndrome coronariana aguda, os testes de 1RM não serão
aplicados. Caso o paciente não seja cirúrgico, e a opção for realizar testes, testes
máximos podem ser realizados naqueles pacientes estáveis e mesmo em idosos, isto é,
um teste de 1RM: 30% a 40% de 1RM para os membros superiores e 50% a 60% para
os membros inferiores como carga inicial. A literatura fornece também referências para
testes submáximos, os quais permitirão estimar a 1RM, utilizando-se 3RM, 7RM e
10RM.

Se um teste de 1RM não é disponível, comece com uma carga estimada de fácil a leve;
quando o participante puder confortavelmente elevar esse peso de 12 a 15 vezes, a
carga pode ser aumentada de 5% para a próxima sessão. Caso o participante não possa
completar o número mínimo de repetições - de 8 a 10 – usando uma boa técnica de
execução, o peso deve ser reduzido. A maioria dos participantes deve ser capaz de
achar a sua própria faixa de repetição apropriada e adaptar a sua máxima ou quase
máxima fadiga voluntária em três a quatro semanas. A escala de percepção de esforço
ou de categoria (PE) de Borg também é referenciada na prescrição do TF11.

Os pacientes hipertensos reativos podem realizar menores repetições, 6 a 8, já que a


resposta pressórica em atividades com componente estático tem direta proporção não
só com a carga sustentada e massa muscular envolvida, mas também com o tempo de
sustentação e a progressiva fadiga. Essa progressiva fadiga representa consequente
maior recrutamento de unidades motoras, maior tensão intramuscular, maior bloqueio
da perfusão muscular e assim desencadeando maior resposta pressórica, com o objetivo
de elevar a pressão de perfusão e vencer esse obstáculo. Ao se reduzir o número de
repetições haverá menor resposta pressórica.

Um bem planejado TF consta de 8 a 10 diferentes tipos de exercícios para os principais


grupamentos musculares, e pode ser iniciado com um mínimo de duas vezes por
semana, se o tempo permitir, e depois aumentar para três vezes por semana2,4-
8,11,14,15,26,37.
Programas que envolvam uma simples série de 8 a 10 diferentes tipos de exercícios
(supino, elevação dos ombros, rosca tríceps, rosca bíceps, pull over, agachamento,
para musculatura paravertebral, leg press, abdominal, para panturrilhas, etc.) que
treinem os principais grupamentos musculares, realizados de dois a três dias por
semana, irão desencadear adaptações favoráveis e melhora no desempenho.

Embora intensidade maior de treinamento ou maior número de séries possam ser


utilizados, ganho adicional entre aqueles que treinem para uma aptidão física para
saúde são relativamente pequenos. Poucos exercícios podem ser utilizados, embora o
treinamento básico de peito, costas e braços sejam sempre recomendados2,4-
8,11,14,15,26,37.

A utilização do peso corporal (ex: sentar e levantar de um banco, subidas de degraus),


exercícios calistênicos utilizando o peso dos segmentos corporais, tiras de borracha,
aparelhos ou máquinas de peso, halteres e caneleiras podem ser adaptados para os
praticantes com menor capacidade funcional, ou na fase inicial de um programa de
reabilitação; são as atividades que iniciam um TF nessa fase.

As orientações gerais para prescrição do TF, são2,4-8,11,14,15,26,37:

As primeiras duas a quatro semanas do TF devem consistir num período de


adaptação, com baixo volume e baixa intensidade para permitir o
desenvolvimento da forma e da coordenação apropriada, evitando-se também
as dores musculares.
Para iniciar use cargas que o paciente possa executar confortavelmente de 12
a 15 repetições, que corresponde aproximadamente de 30% a 50% de 1RM.
Pacientes selecionados poderão vir a treinar com 60% a 80% de 1RM.
Realização de uma a três séries para cada grupamento muscular.
Evite sobrecargas demasiadas, devendo-se treinar na percepção de 3 a 5 na
escala de Borg (moderado a forte). Uma discreta dor muscular tardia pode
até representar um microtrauma adaptativo ideal, mas grande desconforto
deve ser evitado, especialmente nas fases iniciais.
A recomendação geral ainda é evitar MV, expire ao realizar o movimento de
força e inspire ao relaxar a carga.
Aumentar progressivamente a carga, quando já estiver realizando com
técnica perfeita e confortável de 12 a 15 repetições.
Todos os exercícios devem ser realizados através da amplitude plena do
movimento para desenvolver a força ao máximo (princípio do pré-
estiramento) e manter a flexibilidade articular. Os casos específicos serão
evitados.
Exercitar primeiro os grandes grupamentos musculares antes dos menores.
Um programa de TF bem balanceado deve treinar um grupo de antagonistas
para cada grupo de agonistas, a fim de manter a simetria e equilíbrio
apropriado. Invista no aspecto utilitário da reabilitação, incluindo exercícios
para os membros superiores e para os grupamentos utilizados no cotidiano de
lazer ou laborativo do paciente.
Faça a progressão das cargas dando tempo para os processos de adaptação
ao treinamento, que são mais lentos nos idosos.
Na dependência de objetivos específicos, permita descanso entre os
exercícios, exceto quando para explorar a RML e o treinamento aeróbio.
Realize um mínimo de 8 a 10 tipos de exercícios que envolvam os principais
grupamentos. O objetivo básico é desenvolver a força geral numa ótima
relação tempo/benefício. Programas com duração muito cima de 1h elevam
as taxas de abandono.
Execute de 8 a 12 repetições para cada exercício até quase o ponto de fadiga,
mas sem perda da técnica ou falha na execução do movimento.
Frequência semanal do TF deve ser de pelo menos duas vezes, sabendo que
quanto mais frequente, mais séries, ou combinações de séries, maior será o
ganho.
Realize tanto a fase concêntrica quanto a excêntrica de modo controlado.
Alertar o paciente para informar qualquer dor articular e/ou tendínea que
aparecer, pois o agravamento ou desencadeamento de lesões
osteomioarticulares são as principais causas de interrupção de um programa
de exercício.

8. Como faço a progressão das cargas?

As primeiras duas a três semanas de um TF devem consistir num período de adaptação,


com baixo volume e baixa intensidade para permitir o desenvolvimento da forma e da
coordenação apropriada, evitando-se também as dores musculares.

Inicie com cargas que o paciente possa executar confortavelmente de 12 a 15


repetições, correspondendo aproximadamente a 30% a 50% de 1RM. Pacientes
selecionados poderão treinar com 60% a 80% de 1RM, mas não para o paciente do
caso clínico, em pós-operatório, idoso e previamente sedentário.

Planeje por número de vezes, com até uma série de cada exercício, para
progressivamente, ampliar para a realização de uma a três séries para cada grupamento
muscular.

Se preferir trabalhar com a PE, evite sobrecargas, devendo-se treinar nas fases de
aprendizado com percepção de 2 a 3 (fraco a moderado), e posteriormente para 3 a 5
na escala de Borg (moderado a forte).

Aumentar progressivamente a carga quando o paciente estiver realizando o exercício


com técnica perfeita e confortável de 12 a 15 repetições.

Exercitar primeiro os grandes grupamentos musculares antes dos menores. A realização


do TF utilizando os grupamentos maiores requer o influxo dos grupamentos menores
para se conseguir um controle ideal. Assim, os grupamentos maiores devem ser
explorados primeiro que os menores.

Faça a progressão das cargas dando tempo para os processos de adaptação ao


treinamento, que são mais lentos nos idosos.

Observe os sinais e sintomas adversos de sobrecarga tais como tonteira, palpitações,


angina, etc.

Planeje um mínimo de 8 a 10 tipos de exercícios que envolvam os principais


grupamentos. O objetivo básico é desenvolver a força geral numa relativa ótima
relação tempo/benefício. Programas com duração muito acima de 1 hora elevam as
taxas de abandono.

Execute de 8 a 12 repetições para cada exercício até o ponto de fadiga, mas sem perda
da técnica do movimento2,4-8,11,14,15,26,37.

9. Durante o TF permite-se a realização da manobra de Valsalva?


A manobra de Valsalva envolve a expiração forçada contra a glote fechada e é uma
ação involuntária, normalmente invocada durante a tosse, vômito, defecação ou durante
esforço de maior intensidade. As suas repercussões hemodinâmicas envolvem
classicamente quatro fases10,42. O aumento das pressões intratorácica e intra-abdominal
com o início do esforço leva a aumento nas pressões sistólica e diastólica durante a
chamada fase I. O retorno venoso é subsequentemente reduzido devido aos aumentos na
pressão do átrio direito, constituindo a fase II. A frequência cardíaca (FC) se eleva e
ocorre vasoconstrição arterial periférica com elevação da resistência vascular mediado
pelo barorreflexo, que mantêm a elevação da pressão arterial. Com o encerramento do
esforço, na fase III, a pressão arterial cai junto com a queda da pressão intratorácica. A
pressão do átrio direito diminui e o retorno venoso se eleva, com progressivo aumento
do enchimento dos ventrículos direito e esquerdo, maior volume de ejeção, o que marca
o início da fase IV (Figuras 2 e 3). Nesta fase há maior débito cardíaco, com uma ainda
vasoconstrição periférica e retorno de elevação da pressão arterial que ativa o
barorreflexo vagal com bradicardia.

Figura 2
Alterações fisiológicas na manobra de Valsalva

Durante o TF com cargas mais elevadas, em especial naquelas acima de 80% de 1RM,
citadas em trabalhos com fisiculturistas e medida da pressão arterial média, é comum
requisitar a MV10,48. Nesse caso tem-se extensão da fase I e encurtamento ou eliminação
da fase II. Se, à medida que se realizam os exercícios e as repetições, abre-se a glote, a
pressão intratorácica e a pressão arterial caem. Caso se mantenha a glote fechada, o
retorno venoso e o volume de ejeção serão mais afetados, com maior vasoconstrição e
pressão arterial. As alterações da pressão intratorácica são sobrepostas com as
alterações da pressão arterial, resultando em picos de pressão sistólica e diastólica
mais elevada, do que se fosse realizado o esforço sem a MV. Então, a resposta da
pressão arterial a uma contração com grande componente estático, associado a MV,
resulta em elevados níveis de resposta pressórica51 em fisiculturistas treinados. Isso
demonstra a sobrecarga adicional que a MV impõe ao sistema cardiovascular10.

Essas exacerbações, tanto da resposta pressórica quanto da repercussão sobre a pré e


pós-carga, na modulação autonômica do coração e seus potenciais efeitos deletérios no
portador de cardiopatia e idosos, justificam nas diretrizes a recomendação da não
realização da MV. Assim estar-se-ia prevenindo danos tais como: maior resposta
pressórica, queda da pressão na fase de liberação caracterizando o “apagamento” dos
fisiculturistas e dos levantadores de peso, bradicardia e outras arritmias.

A recomendação do não bloqueio respiratório, evitando assim a manobra de Valsalva


(MV) para não agravar a resposta pressórica, é feita pela maioria das publicações e
diretrizes em especial naquelas que tratam do TF em cardiopatas e no idoso. Tal
recomendação é encontrada nas diversas diretrizes e livros-textos disponíveis na
literatura2,4-8,11,14,15,26,37.

Contudo a MV deve ter alguma razão fisiológica, já que o organismo a requisita


espontaneamente, sempre que se vai fazer uma atividade mais pesada. Pode-se citar que
as elevações nas pressões intratorácica e intra-abdominal servem para criar um
monobloco toracoabdominal, estabilizando o tronco em levantamentos mais pesados,
permitindo geral mais força e minimizando as lesões sobre a coluna. Em seguida os
relatos mostram que sua realização durante o TF teria um efeito protetor sobre os
grandes vasos intratorácicos e mesmo intracranianos. Isto se daria por gerar maior
equilíbrio entre as pressões transmurais através dos vasos, elevadas pela maior
resposta da pressão arterial; e as pressões intratorácicas e intracranianas, também
elevadas ao se realizar a MV, minimizando esse gradiente e reduzindo a chance de
ruptura vascular durante o TF pesado52,53. Entretanto, ainda faltam dados na literatura
para confirmar se o que ocorre nos fisiculturistas também se passaria nos cardiopatas e
idosos.

Já que a MV é requisitada em percentuais mais elevados da força máxima voluntária ou


conforme são realizadas repetições até o ponto de fadiga, a norma mais recomendável é
evitar chegar a esse ponto com os pacientes e idosos, especialmente nas fases iniciais
de um programa de reabilitação cardiopulmonar metabólica. Nas fases posteriores, de
manutenção, com os pacientes já estáveis e/ou e na dependência dos objetivos,
necessidades e preferências individuais, no caso de utilizarem cargas mais pesadas,
pode-se usar a regra de deixar o próprio organismo optar por sua utilização na
dependência de se fazer necessária ou não.

10. No TF, deve-se dar ênfase à potência? Qual a importância do TF no


treinamento funcional?

A chamada aptidão muscular é composta do conjunto de força, resistência muscular


localizada (RML) e potência, e cada uma dessas valências relacionadas ao TF
necessita de treinamento específico, na dependência das necessidades e objetivos dos
pacientes2,4-8,11,14,15,26,37. As variáveis a serem manipuladas para o desenvolvimento do
TF são: frequência semanal, intensidade, volume e intervalo de recuperação entre as
séries, e serão diferentes segundo a ênfase que se queira dar a essas valências e aos
objetivos.

É importante esclarecer que o foco do TF no processo de reabilitação é uma aptidão


muscular geral relacionada à recuperação e promoção da saúde, em especial
recuperando a independência para as atividades da vida diária (AVD) e ao retorno à
vida laborativa, se for o caso.

Como o paciente relatado pertence à terceira idade, após período de adaptação, certeza
da estabilidade do esterno, do controle pressórico, da estabilidade isquêmica e da
função ventricular, progressivamente deve-se dar ênfase a essas três subvalências do
TF2,4-8,11,14,15,26,37, sempre baseado nas necessidades, objetivos e preferências
individuais do paciente.

Nos períodos iniciais, há um misto de treinamento da RML e treinamento da força.


Define-se RML como a capacidade de produzir de modo repetitivo a força e potência
por um tempo extenso. Ela tem o papel de determinar a independência do idoso, e é
relativamente pouco estudada14.

O TF em longo prazo, especialmente no idoso, reduz a perda de massa muscular, DMO,


força e potência em percentuais que não parecem ser fornecidos somente com TA,
sendo considerado nível de evidência A14,15.

Contudo, após período básico de treinamento de força, é importante também inserir


treinos específicos de potência, pois essa valência apresenta alta relação com
desempenho funcional, com várias AVD. Sabe-se que a perda de potência relacionada
com a idade ocorre em maior taxa que a perda de força, tendo relação com a redução
desproporcional das FT, ou fibras de contração rápida, típicas do processo de
sarcopenia. Porém só o fato de se treinar força não garante ganhos de potência, há que
ter treinos específicos, caracterizados pela execução em alta velocidade de contração,
na possibilidade do paciente, o que se faz explorando a fase concêntrica dos
movimentos, controlando-se a fase excêntrica. A literatura cita nível de evidência A
para a necessidade e ganhos de potência para essa faixa etária14.

Muitos dos exercícios de potência têm aplicação e também são aprimorados no


chamado treinamento funcional ou neuromotor. Esse tipo de treinamento, antes aplicado
a atletas, cada vez mais ocupa espaço na prescrição não só do indivíduo saudável, mas
principalmente no idoso e nas salas de reabilitação cardiopulmonar metabólica. Ele
incorpora o treinamento de capacidades, ou valências físicas, tais como a própria
potência, a coordenação, o equilíbrio, a agilidade, o tempo de reação, a propriocepção
e a marcha11.

Explorando o lado utilitário da reabilitação, após a fase de adaptação, e mesmo da fase


de ganho, com o paciente já com experiência e adaptado a um treinamento de base de
força e RML, pode-se explorar esse tipo de treino associado à potência. Incorporam-se
exercícios multifacetados que repitam necessidades das suas AVD com a utilização de
elásticos, terabands, steps, cones, camas elásticas, bolas de diferentes tamanhos
(fitball), plataformas e discos para propriocepção (ex: bozzo, giroplano), bambolês,
bolas pesadas, etc.11,14. Geralmente essas atividades são inseridas no lugar ou
associadas ao TF, ou como variação deste, por 20min a 30min, duas vezes por
semana11.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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EXERCÍCIO FÍSICO AERÓBICO PARA O
CORONARIOPATA: RISCOS E BENEFÍCIOS
DA ALTA INTENSIDADE

Claudia Lucia Barros de Castro


João Felipe Franca

CASO CLÍNICO

Paciente masculino, 67 anos de idade, portador de dislipidemia e hipertensão arterial


sistêmica há 15 anos e de doença arterial coronariana diagnosticada há três anos (2009)
após dor torácica típica, e teste de exercício mostrando sinais clínicos e
eletrocardiográficos compatíveis com isquemia miocárdica.

A cinecoronariografia evidenciou doença trivascular com diversas obstruções difusas,


entre 70% e 90%, e leito distal fino com função ventricular sistodiastólica preservada.

Fatores de risco: estilo de vida sedentário e nível alto de estresse; dislipidemia;


história familiar positiva para doença cardiovascular, mas sem tabagismo e etilismo;
IMC =24kg/m2.
Optou-se por tratamento clínico, com otimização de terapêutica farmacológica e
programa de exercício físico supervisionado. Medicações em uso regular: atenolol
200mg/dia; losartana 100mg/dia; hidroclorortiazida 12,5mg/dia; atorvastatina
40mg/noite e ácido acetilsalicílico 200mg/dia.

Na avaliação médica inicial na clínica de exercício, queixava-se de angor a pequenos


esforços, como por exemplo, subir um lance de escada ou andar rápido (3MET a
4MET). O teste cardiopulmonar de exercício foi interrompido por razões clínicas em
4,8MET e FCmáx =95bpm, com dor torácica típica e limitante progressivamente maior
a partir de 3,5MET (FC =85bpm e DP =15600mmHg.bpm), e infradesnivelamento do
segmento ST, padrão retificado em 2,5mm.

Iniciou programa de reabilitação cardíaca em 2009, com cinco sessões semanais de


30min a 40min de duração da fase aeróbica e mais 30min de fortalecimento muscular e
alongamento. O treino aeróbico, realizado em cicloergômetro eletromagnético e esteira
rolante, alternava programação de intensidade constante de moderada intensidade com
programação intervalada de alta intensidade, sempre com supervisão médica
presencial. Os ajustes de carga eram realizados periodicamente, de acordo com a
tolerância e com os parâmetros clínicos, hemodinâmicos e eletrocardiográficos.

O programa intervalado de alta intensidade na esteira rolante alternava curtos períodos


(15s) de alta intensidade (100% da condição aeróbica obtida no teste cardiopulmonar
de exercício) com curtos períodos de repouso na posição de pé (15s), perfazendo um
total de 15min nesse treinamento.

Nas primeiras sessões, o paciente relatou angor leve a moderado durante os exercícios
que, ao longo dos meses, foram se tornando cada vez mais raros e de menor
intensidade. Alterações ECG compatíveis com isquemia miocárdica esforço-induzida
são observada na maioria das sessões de exercício, independente da presença ou
ausência de sintomas, que se normalizam ao término dos exercícios.

Após seis meses de programa de exercício, o paciente foi reavaliado e seus ganhos
quantificados. Houve melhora de 22% na capacidade funcional (de 0,9watt/kg para
1,1watt/kg) e de 25% condição aeróbica (de 4,9MET para 6,2MET, tolerando uma
FCmáx de 110bpm). Seu limiar anaeróbico e o ponto de compensação respiratória se
elevaram de forma absoluta e relativa. Seu limiar isquêmico também se elevou de
3,5MET para 5MET (FC =95bpm).

Após 12 meses de treinamento, o paciente foi submetido a outra reavaliação. Em


comparação com a segunda avaliação, melhorou em 26% a capacidade funcional e em
25% na condição aeróbica (para 7,5MET e FCmáx =115bpm). Seu limiar isquêmico
permaneceu inalterado em relação à avaliação anterior (em 5MET e FC =95bpm).
Considerou-se como limiar isquêmico o início da dor torácica coincidindo com o
infradesnivelamento do segmento ST de 1mm.

Nenhuma intercorrência clínica foi observada no período e o paciente relatou melhora


do estado geral, da disposição física e da tolerância aos esforços. Raramente reportou
dor torácica típica de leve intensidade durante o programa de exercícios. Houve
redução da medicação cardiovascular durante esse ano de acompanhamento, por
orientação de seu médico assistente. Exames complementares realizados nesse período
mostram manutenção do padrão ecocardiográfico e melhora do perfil lipídico.

OBJETIVOS
1. Determinar as diferentes intensidades de exercício para o coronariopata.
2. Exemplificar o treinamento intervalado de alta intensidade.
3. Discutir as vantagens do treinamento intervalado de alta intensidade para o
coronariopata.
4. Analisar as limitações e desvantagens do treinamento intervalado de alta
intensidade.

PERGUNTAS
1. Qual a orientação de exercício para o coronariopata?

A recomendação mais recente para exercícios em adultos inclui exercícios aeróbicos


de moderada e de alta intensidade1. Em linhas gerais, a orientação inclui pelo menos
30min de exercício de moderada intensidade cinco vezes por semana, perfazendo um
total de 150min por semana de moderada intensidade ou pelo menos 20min de alta
intensidade três vezes por semana, perfazendo um total de 60-75min por semana de alta
intensidade ou uma combinação de moderada a alta intensidade, alcançando 500MET a
1000MET/(min.semana)1-3.

MET/(min.semana) é uma unidade de quantificação do volume semanal de exercício


que representa o somatório semanal das intensidades absolutas expressa em MET
(MET=equivalente metabólico =3,5ml.(kg.min)-1 de consumo de oxigênio “em
repouso”). Exemplificando: um indivíduo que corre à velocidade de 8km/h
(aproximadamente 8MET) por 20min, três dias na semana, somará
480MET/(min.semana) (8MET x 20min x 3 dias na semana). No entanto, se esse
indivíduo apenas caminhar à velocidade de 6km/h (aproximadamente 4MET) ele
precisará de pelo menos 125min de exercício semanal para alcançar o mínimo de
500MET/(min.semana).

Outra forma de quantificar o volume semanal de exercício é através do gasto calórico,


expresso em kcal/semana. O peso corporal interfere no cálculo do gasto calórico e a
recomendação atual, em torno de 1000 kcal/semana, corresponde a
750MET/(min.semana) para um indivíduo de 80kg.

Esses valores de volume semanal de exercício representam um mínimo a ser alcançado


para que os benefícios do exercício sejam observados1,2. Mas tanto a recomendação de
500MET a 1000MET/(min.semana) como a de 1000kcal/semana são medidas de
volume semanal de exercício e podem ser alcançadas de diferentes formas: menores
intensidades por longos períodos ou maiores intensidades por curtos períodos.

Complementando os exercícios aeróbicos, os indivíduos devem fazer exercícios de


fortalecimento muscular e de flexibilidade pelo menos duas vezes por semana. Quando
indicado, exercícios funcionais, incluindo equilíbrio, agilidade e coordenação devem
ser incluídos na programação de exercícios1,2.

Neste capítulo, será explorado o treinamento de alta intensidade (TAI), procurando


avaliar os riscos e benefícios desse tipo de treinamento, principalmente na doença
arterial coronariana (DAC).

2. O que é treinamento de alta intensidade (TAI)?

O modelo de TAI, inicialmente aplicado em atletas e em jovens saudáveis, produz


resultados mais rápidos em relação ao condicionamento físico e aeróbico e aos
benefícios tradicionalmente observados pelo exercício físico. O TAI no indivíduo
saudável é aquele realizado muito próximo da capacidade máxima do indivíduo, ou até
na intensidade máxima, intercalado com menores intensidades para que o exercício
possa ser tolerado. Em decorrência do impacto positivo desse tipo de treinamento,
observa-se cada vez mais, grande interesse pelo TAI no contexto da reabilitação
cardíaca.
3. Como quantificar a alta intensidade?

Podemos quantificar o exercício em termos absolutos ou relativos. A intensidade


absoluta do exercício pode ser expressa em consumo de oxigênio (VO2), em MET ou
em medida de trabalho, como a velocidade de uma corrida. Essa forma de expressar a
intensidade do exercício não leva em consideração o sexo, o peso corporal e o nível de
aptidão cardiorrespiratória de cada indivíduo.

Em repouso, consome-se 1MET ou 3,5mL.(kg.min)-1. Uma caminhada em ritmo normal,


a 80m/min ou 5km/h, corresponde a 3MET, assim como uma caminhada mais rápida, a
100m/min ou 6km/h consome 4MET. Para a corrida, pode-se fazer uma relação
aproximada entre a velocidade em km/h e o MET correspondente. Assim, correr a
8km/h corresponde a 8MET; a 12km/h corresponde a 12MET, e assim por diante.

Outra forma de expressar a intensidade do exercício é a forma relativa – relativa ao


máximo do indivíduo. Essa forma de classificação é mais confiável quando se usa o
máximo do indivíduo diretamente aferido em condições laboratoriais. Valores
estimados ou previstos têm ampla margem de erro. As formas de expressar a
intensidade do exercício em relação ao máximo diretamente obtido incluem: reserva do
consumo de oxigênio (RVO2), reserva da frequência cardíaca (FC), um percentual do
VO2 ou MET máximo, percentual da FCmáx e a escala de Borg. O uso de medicações
que interferem no cronotropismo deve ser levado em consideração quando a FC é a
forma de quantificar a intensidade relativa de esforço.

É fácil observar a diferença entre intensidade absoluta e relativa quando se exemplifica


que um esforço correspondente a 6MET, habitualmente considerado de alta intensidade
absoluta, pode ser de altíssima intensidade para um idoso que tenha condição aeróbica
próxima a 6MET e de moderada e até baixa intensidade para um jovem com uma boa
condição aeróbica.

Os Quadros 1 e 2 comparam essas diferentes formas de quantificar a intensidade do


exercício, definindo as diferentes gradações de intensidade do esforço físico.

Quadro 1
Classificação da intensidade do exercício: intensidade relativa
Fonte: adaptado de Garber et al.1

Quadro 2
Intensidade absoluta (MET) e intensidade de acordo com a idade (MET)

Fonte: adaptado de Garber et al.1

Quando se dispõe de avaliação que contemple a determinação do limiar anaeróbico,


como no teste cardiopulmonar de exercício, pode-se utilizá-lo como divisor de
moderada a alta intensidade de esforço, isto é, exercícios realizados acima do limiar
anaeróbico são considerados de alta intensidade4,5.

Então, de forma resumida, TAI é aquele realizado muito próximo ao máximo do


indivíduo, sendo definido como exercício acima de 6MET, ou acima de 90% do VO2
máximo obtido, ou acima do limiar anaeróbico, ou acima de 90% da FC máxima obtida.
E para tolerar esforço próximo ao máximo é necessário que este seja intercalado com
exercícios de menor intensidade, ou até de repouso. Então, apesar de o treinamento
intervalado não representar necessariamente TAI, o inverso costuma ser verdadeiro – é
frequente que o TAI seja realizado de forma intervalada.

4. Como realizar treinamento de alta intensidade (TAI) ?

Existem várias formas de realizar um TAI. Essa variação pode ser fator de confusão
quando se avalia o impacto do TAI comparado com o tradicional treinamento de
moderada intensidade.
Algumas variáveis devem ser observadas:

1. qual o percentual do VO2 máximo, da potência máxima ou da FC máxima


utilizado?
2. o formato da sessão de exercício de alta intensidade: exercício de forma
constante/contínua ou exercícios intervalados, em suas diferentes
possibilidades?
3. qual o volume semanal de exercício?

A maioria dos trabalhos que explora o TAI considera-o de forma intervalada, já que
intensidades muito altas, ou pelo menos acima do limiar anaeróbico, são difíceis de
serem sustentadas por longos períodos.

O princípio básico do treinamento intervalado de alta intensidade (TIAI) é que os


períodos de alta intensidade de treinamento físico, seja ele caminhada, corrida, remo,
ciclismo ou outro exercício qualquer, sejam intercalados com períodos de intensidades
mais baixas ou repouso, os "intervalos", que permitem a recuperação, para, a partir daí,
reiniciar o exercício de alta intensidade6. A duração da fase de alta intensidade de um
trabalho intervalado pode variar de segundos a minutos. Assim como a fase de
intensidade mais baixa também pode variar, resultando em diferentes relações entre as
duas fases.

A intensidade relativa da fase de alta intensidade pode variar desde 80% a 90% do
VO2máx até 100% do VO2máx. A outra intensidade do treinamento intervalado, muitas
vezes chamada de fase de recuperação, também pode variar em diferentes percentuais
do VO2máx até o repouso (recuperação passiva).

A determinação da intensidade do exercício também pode ser medida pela FC. Dados
da literatura consideram treinos de alta intensidade quando se utilizam de 90% a 100%
da FCmáx, e de moderada intensidade para FC treino em torno de 70% a 85% da
FCmáx7,8.

Observe o caso clínico apresentado para identificar o treinamento intervalado de alta


intensidade deste paciente. Sendo o limiar isquêmico em 5MET, paciente pedala um
total de 15min com intensidade intervalada entre 5MET por 30s e 3,5MET por 60s.
Também faz um treinamento intervalado de alta intensidade na esteira rolante, correndo
por 15s com velocidade de 8,5km/h, intervalando 15s de repouso fora do tapete rolante
(parado em cima da esteira), totalizando 15min nesse protocolo (7,5min correndo e
7,5min em recuperação passiva). A FC máxima, o eletrocardiograma, a pressão arterial
e a graduação da dor torácica foram sempre registrados nas sessões de exercício
supervisionado. Veja vídeo no youtube mostrando um indivíduo realizando trabalho
intervalado de alta intensidade (alta intensidade intervalado com o repouso) neste link.

Desde o início do programa de reabilitação cardíaca, o paciente alternava treinos de


moderada intensidade de forma contínua, e treinos de alta intensidade de forma
intervalada, tanto em cicloergômetro como na esteira rolante (alternando diferentes
inclinações na caminhada). O treinamento intervalado de alta intensidade com corrida
na esteira rolante foi iniciado mais tarde, quando o paciente atingiu 7,5MET no teste
cardiopulmonar. Iniciou com velocidade de 7,5km/h, e evoluiu gradativamente com
aumento de velocidade à medida que melhorava a eficiência mecânica na corrida. Essa
velocidade corresponde a 100% do VO2 medido no teste cardiopulmonar. Observar a
Figura 1 com o traçado eletrocardiográfico do paciente em repouso e durante a sessão
de treinamento intervalado de alta intensidade (alta intensidade intervalando com
repouso).

Figura 1
Traçado de ECG do paciente coronariopata do caso clínico descrito em repouso e durante a sessão de exercício
intervalado de alta intensidade, que alterna com períodos iguais de repouso. Observar o infradesnivelamento do
segmento ST durante o esforço padrão descendente.

5. Qual é o papel da intensidade do exercício na adaptação ao exercício?

Exercício físico como prevenção primária e secundária na doença arterial coronariana


(DAC) é efetivo na redução da mortalidade cardiovascular e por todas as causas e
também na redução de reinfarto9-12.
Inúmeros benefícios são observados com o exercício e um impacto positivo sobre os
marcadores de mau prognóstico tem sido destacado na literatura, tais como o aumento
do VO2, a melhor modulação autonômica, o melhor comportamento cronotrópico, seja
em repouso, no esforço ou no pós-esforço9.

Sem pretender listar de forma completa, é importante citar alguns outros benefícios do
exercício: melhor tolerância ao esforço, melhor qualidade de vida, melhor ajuste
pressórico, melhora do perfil lipídico, auxílio na redução do peso corporal, auxílio na
interrupção do tabagismo, melhora do metabolismo glicídico, melhor modulação da
vasodilatação endotélio-dependente, melhor função mitocondrial na musculatura
esquelética.

A quantidade de exercício, expressa em volume semanal e necessária para promover as


adaptações fisiológicas e promover os benefícios observados pela prática de
exercícios físicos, já foi determinada. No entanto, a intensidade ideal de exercício
parece variar de acordo com os objetivos a serem alcançados e com as características
clínicas, físicas e antropométricas de cada indivíduo.

Parece que o limiar de intensidade relativa que resulte em aumento do VO2máx varia
de acordo com a condição basal. Em indivíduos muito treinados e atletas (11-14MET),
intensidades próximas ao máximo (95-100% do VO2máx) são necessárias para haver
algum incremento no VO2. Já para indivíduos menos condicionados (<11MET), treinos
em 70% a 80% do VO2máx já resultam em aumento do VO2máx13. No entanto, para o
efeito benéfico sobre o perfil lipídico e sobre o controle de peso corporal, por
exemplo, não há limite inferior claramente definido.

Alguns trabalhos que mostraram mais vantagem em exercícios de alta intensidade não
controlaram o volume total semanal – assim, não se poderia afirmar se a alta
intensidade ou o maior volume de exercício seria o fator mais impactante. No entanto,
estudos mais bem controlados mostram que para um mesmo volume de exercício, a
maior intensidade reduz mais ainda o risco de DAC e de mortalidade por todas as
causas2. Muitas referências que fixam o volume semanal e comparam a intensidade do
exercício observam respostas mais positivas para o treino de alta intensidade14-17.

Revisão sistemática recente que avaliou o efeito da intensidade do exercício no


aumento do VO2 em destreinados identificou que o TIAI (sprint interval training), de
baixo volume e alta intensidade, foi capaz de produzir aumentos no VO2 semelhantes ao
do treinamento de resistência (endurance training) de alto volume, com baixa
intensidade e longa duração. Porém, o volume de exercício requerido pelo modo de alta
intensidade corresponde a apenas 10% do requerido pelo treinamento tradicional18. Em
apenas uma semana, o TIAI foi capaz de aumentar em média 4% no VO2, e aumento de
15% pôde ser observado após seis semanas de treinamento18. Há evidências de que os
benefícios alcançados com treinamento de endurance em grande volume podem ser
mais rapidamente alcançados com pequeno volume de TAI19.

6. Alta intensidade é superior à moderada intensidade?

O TAI tem se mostrado superior ao treinamento de moderada intensidade para o


aumento do VO2máx, tanto em indivíduos saudáveis8,20,21 como em
coronariopatas16,17,22.

Baseado em dados da literatura, Rognmo et al.16 observaram, após 10 semanas de


treinamento, que coronariopatas que se exercitaram em alta intensidade de forma
intervalada (80% a 90% do VO2 máximo na fase de alta intensidade) aumentaram mais
seus VO2 máximos quando comparados a coronariopatas que se exercitaram de forma
constante em moderada intensidade (50% a 60% do VO2máx), ambos os grupos com o
mesmo volume semanal de exercício (cerca de 700MET/(min.semana))16. O
treinamento próximo ao máximo, realizado de forma intervalada, já se mostrou superior
ao TAI e de moderada intensidade no aumento do VO2 em indivíduos saudáveis,
também com volume total semanal similar, mostrando que quanto maior a intensidade
do treinamento, maior os benefícios em relação ao aumento do VO2máx6,20.

O TAI também se mostrou superior ao treinamento de moderada intensidade no controle


da síndrome metabólica. Na avaliação da função endotelial, Silva et al.23 observaram
melhor resposta da hiperemia reativa (vasodilatação endotélio-dependente) após seis
semanas de TAI (80% da FCmáx) quando comparado com o treinamento de baixa
intensidade (55% da FCmáx) e o grupo-controle, em pacientes diabéticos tipo II e com
síndrome metabólica, demonstrando melhor função endotelial no TAI. Em adição, maior
aumento do VO2máx e melhor controle de fatores de risco para DAC também foram
observados nesse grupo de pacientes.

Observando o efeito da intensidade do exercício na sensibilidade insulínica, DiPietro


et al.14 observaram maiores benefícios em relação à ação da insulina, com maior
sensibilidade insulínica e maior supressão da lipólise no grupo de mulheres idosas que
treinaram por nove meses em alta intensidade (80% do VO2 pico) quando comparadas
com aquelas que treinaram em moderada (65% do VO2 pico) e baixa (50% do
VO2máx) intensidade, com o mesmo volume de exercício (300kcal/sessão)14.

Também foi observado maior impacto no perfil lipídico em homens sedentários, com
redução do colesterol total e da fração LDL, significativa apenas no grupo que treinou
em alta intensidade (80% do VO2máx, três vezes por semana, 400kcal/sessão, por 24
semanas) quando comparado com o grupo de moderada intensidade (60% do VO2máx)
e no grupo-controle14.

Quando observados os efeitos agudos do TAI em portadores de DAC, Guiraud et al.24


constataram que sessões de exercício alternando esforços a 100% da potência aeróbica
máxima por 15s, seguidos de 15s de recuperação passiva (repouso) produziam menor
estresse ventilatório, apesar de gerarem maiores consumos de oxigênio e maiores FC
nessa sessão de exercícios quando comparadas com exercício de forma contínua a 70%
da potência máxima. A menor ventilação observada possivelmente seja o motivo da
melhor tolerância ao treinamento intervalado nesse grupo de pacientes.

Em adição, foi observada ausência de isquemia miocárdica significativa nesses


pacientes quando se exercitavam em alta intensidade. É também interessante notar que
após angioplastia com stent, foi observada a superioridade do TIAI, com menor taxa de
reoclusão do stent nesse grupo, associado a aumento da capacidade aeróbica, melhora
da função endotelial e atenuação da inflamação25.

Revisões da literatura apontam que exercícios vigorosos (acima de 6MET ou maior que
65% do VO2) apresentam maior impacto na redução do risco de doenças
cardiovasculares, no aumento da capacidade aeróbica, no perfil da pressão diastólica e
do controle glicídico quando comparados a exercícios de moderada intensidade26.

Os benefícios do TAI também foram observados em um grupo de idosos portadores de


disfunção ventricular pós-infarto do miocárdio. Ao comparar o treinamento de
moderada intensidade, de forma contínua, a 70% da FCmáx com o TAI, intervalado, a
95% da FCmáx, realizado três vezes por semana por 12 semanas, os autores
observaram aumento no consumo de oxigênio de 46% no grupo de alta intensidade e de
14% no grupo de moderada intensidade. Uma série de benefícios do treinamento físico
nesse grupo de pacientes só foi observada no grupo que treinou com alta intensidade,
como a reversão do remodelamento de ventrículo esquerdo, a redução do volume
diastólico e sistólico final de ventrículo esquerdo, a elevação da fração de ejeção, a
redução do peptídeo natriurético, a melhor função mitocondrial no músculo vasto
lateral e uma melhor função endotelial observada na artéria braquial7.
Também na insuficiência cardíaca diastólica observou-se benefício do treinamento com
intensidades progressivas, com melhora da condição aeróbica e da função diastólica27.
Comparando o impacto da intensidade do exercício sobre a função diastólica em
coronariopatas, avaliada pelo ecocardiograma, observou-se que somente o TAI (80% a
90% do VO2máx) foi capaz de melhorar a disfunção diastólica, quando comparado com
o grupo que se exercitou com moderada intensidade (50% a 60% do VO2máx), por 10
semanas. Observou-se também nesse estudo maior aumento do VO2máx com o treino de
alta intensidade. A função sistólica foi similar em ambos os grupos28.

Melhor tolerância ao esforço e melhor qualidade de vida foram observadas em


pacientes portadores de insuficiência cardíaca, sistólica ou diastólica, de origem
isquêmica, hipertensiva e idiopática após quatro meses de TAI, em circuito. Essa
melhora pôde ser observada ainda por mais de seis meses após a interrupção do
programa de exercício supervisionado, quando comparada com pacientes que não
participaram do programa estruturado de exercícios29.

Outra vantagem do treinamento mais intenso foi observada em relação à produção do


hormônio do crescimento. Comparando diferentes durações de treino de alta
intensidade (acima do limiar anaeróbico) e de baixa a moderada intensidade (abaixo do
limiar anaeróbico) observou-se que pelo menos 10min de treino de alta intensidade
eram necessários para resultar em aumento das taxas do hormônio de crescimento de
forma significativa em adultos4.

Em adição, ao observar se há influência da intensidade do exercício na aderência ao


exercício, verifica-se que os exercícios de alta intensidade e menor frequência ou
menor duração apresentam taxa de adesão mais longa quando comparados com
exercícios de baixa intensidade e alta frequência30.

O Quadro 3 compara os efeitos obtidos pelo treinamento de moderada e de alta


intensidade.

Quadro 3
Estudos clínicos comparando programas de exercício físico de alta intensidade com os de moderada intensidade
DAC=doença arterial coronariana; ICC=insuficiência cardíaca congestiva; VE=ventrículo esquerdo
Fonte: adaptado de Araújo5

7. O que é pré-condicionamento isquêmico?

O fenômeno de pré-condicionamento isquêmico, ou fenômeno de aquecimento, descrito


em pacientes com doença arterial coronariana, refere-se ao aumento da performance
que se observa após um teste de exercício, provavelmente pelo aumento da perfusão
miocárdica31.

O TIAI mescla metabolismo aeróbico e anaeróbico e, por sua característica


intermitente, promove o fenômeno de pré-condicionamento isquêmico nos pacientes
portadores de isquemia miocárdica, fazendo com que manifestações clínicas,
hemodinâmicas e eletrocardiográficas de isquemia esforço-induzida desapareçam após
alguns minutos de treino32 (Figura 2).

Figura 2
Traçado de ECG de um relato de caso da literatura. Paciente portador de doença arterial coronariana crônica – efeito
agudo de uma sessão de treinamento de alta intensidade de 34min de duração.
Observar a melhora da isquemia miocárdica, expressa no ECG e na manifestação clínica, com o progredir do treino32.

Noel et al.33 observaram que a isquemia miocárdica esforço-induzida e prolongada é


segura, bem tolerada e sem evidência de injúria miocárdica, arritmias complexas ou
disfunção ventricular33. Pesquisadores canadenses também observaram o efeito de duas
sessões de exercício, de 20min de duração, 10 batimentos abaixo do limiar isquêmico e
acima do limiar isquêmico, em coronariopatas. Marcadores de injúria miocárdica
(creatina-quinase, fração MB da creatina-quinase e troponina) não se alteraram em
ambos os protocolos34.

Sabe-se também que o treinamento em maior intensidade provoca elevação do limiar


isquêmico, além da melhor tolerância ao esforço35. Um estudo com animais mostra que
a isquemia miocárdica intermitente esforço-induzida promove formação de circulação
colateral36. Posto isso, a recomendação de manter a FC treino pelo menos 10
batimentos abaixo do limiar isquêmico começa a ser questionada.
8. Quais os riscos do treinamento de alta intensidade?

Não há dados significativos relativos à segurança, morbidade ou mortalidade nos


estudos avaliados devido à pequena amostra de pacientes. Apesar disso, nenhum efeito
adverso ou complicação foram observados de forma consistente nos estudos, que
possam ser atribuídos ao treino de alta intensidade6,32.

O treinamento intervalado, alternando alta intensidade com outras intensidades de


exercício, mostra-se seguro e é capaz de provocar um maior aumento do VO2 quando
comparado com o treino contínuo para uma mesma duração de exercício semanal (150
minutos/semana), como já destacado anteriormente1.

O impacto da intensidade do exercício em relação à função endotelial, à liberação de


óxido nítrico, ao estresse oxidativo e à liberação de substâncias antioxidantes vem
sendo estudado nos últimos anos, mas resultados definitivos ainda não foram
determinados.

Bergholm et al.37 mostraram na década de 1990 que 12 semanas de exercício físico de


alta intensidade (70% a 80% do VO2máx consistindo de quatro sessões por semana de
1h de corrida) resultavam em diminuição dos antioxidantes circulantes como
alfatocoferol e betacaroteno em homens saudáveis com comprometimento da função
endotelial e com menor resposta à vasodilatação endotélio-dependente.

No entanto, um grupo de pesquisadores japoneses realizou estudo para verificar o


efeito de diferentes intensidades de exercício sobre a vasodilatação endotélio-
dependente em humanos, especificamente sobre a função do óxido nítrico e sobre o
estresse oxidativo envolvido, achando resultados diversos. Eles avaliaram as respostas
do fluxo sanguíneo no antebraço à acetilcolina, um vasodilatador endotélio-dependente,
e ao dinitrato de isossorbida, um vasodilatador endotélio-independente, antes e após
diferentes intensidades de exercício (leve: 25% do VO2máx; moderada: 50% do
VO2máx; e alta: 75% do VO2máx) em cicloergômetro por 30min, cinco a sete vezes
por semana, em 26 indivíduos jovens saudáveis. Após 12 semanas, eles concluíram que
o exercício de intensidade moderada aumenta a vasodilatação endotélio-dependente
através do aumento da produção de óxido nítrico e diminui o estresse oxidativo,
enquanto que o exercício de alta intensidade possivelmente aumenta o estresse
oxidativo, mas em contrapartida, parece também aumentar a produção de óxido nítrico
mantendo assim a função endotelial preservada38.

Observando o efeito de diferentes tipos de treinos, Nybo et al.21 observaram 36 homens


não treinados que foram estratificados em quatro grupos: um grupo foi submetido à
corrida intervalada de alta intensidade, totalizando 40min por semana (20min por
sessão, incluindo 5min de aquecimento; cinco intervalos de 2min de corrida alcançando
mais de 95% da FC máxima ao final da corrida); outro grupo foi submetido à corrida
prolongada, aproximadamente 150min por semana (1h de corrida contínua a 80% da FC
máxima e aproximadamente 65% do VO2máx); outro grupo foi submetido a apenas
exercícios de fortalecimento muscular (150min por semana). O último grupo continuou
com o mesmo estilo de vida sem participar de nenhum programa de exercícios físicos.
A corrida intervalada de alta intensidade provocou melhora na condição aeróbica e da
tolerância à glicose e redução significativa da pressão arterial sistólica, superiores aos
outros grupos. Em contrapartida, em relação à hiperlipidemia e obesidade, foi menos
efetiva do que o grupo submetido à corrida prolongada. Contrastando com o grupo
submetido ao exercício de fortalecimento muscular, a corrida intervalada de alta
intensidade não mostrou impacto na massa óssea e na massa magra e, curiosamente,
ocasionou mais lesões osteomioarticulares do que nos outros grupos, o que provocou
suspensão de algumas sessões de exercício. O pouco tempo de intervenção e o pouco
volume de treinos do grupo submetido ao treino de alta intensidade possivelmente
contribuíram para que o grupo submetido à corrida tenha sido menos efetivo no
tratamento da hiperlipidemia e da obesidade em comparação com o grupo submetido à
corrida contínua.

9. Quando indicar o treinamento de alta intensidade?

Os dados de pesquisas em TAI para pacientes inseridos em programas de reabilitação


cardíaca têm sido encorajadores. Na maioria dos estudos, o exercício tem sido seguro e
bem tolerado, mesmo para pacientes idosos e para aqueles com insuficiência
cardíaca17,29. Em adição, o TAI, na maioria das vezes, realizado de forma intervalada,
tira a monotonia do treinamento de resistência (endurance), tradicionalmente realizado
em sessões de longa duração e baixa a moderada intensidade. A segurança e a
habilidade para tolerar um programa de exercício intervalado de alta intensidade,
principalmente se realizado na esteira rolante, pode ser uma limitação, principalmente
para pacientes mais debilitados.

Queixas osteomioarticulares, tão frequentes nos idosos e doentes crônicos, não se


apresentam como uma limitação clara ao TIAI. Apesar da amostra pequena de
pacientes, um estudo realizado com treinamento intervalado de alta intensidade com
indivíduos portadores de osteoartrite sintomática de joelho mostrou que não houve
piora da sintomatologia ou da funcionalidade articular, mas houve melhora na qualidade
de vida no grupo que se exercitou39.
10. Quando contraindicar o treinamento de alta intensidade?

Indivíduos com obstrução de tronco de coronária esquerda, claudicação, infarto do


miocárdio recente ou intervenção coronariana recente, arritmias complexas, fração de
ejeção <40% e outras complicações que impeçam o exercício, como ortopédicas ou
neurológicas, foram excluídos do programa de exercício de alta intensidade na maioria
dos estudos analisados6.

No entanto, estudos desenhados especialmente para esse grupo de pacientes mais


complexos têm surgido na literatura nos últimos anos, como em pacientes com
insuficiência cardíaca com fração de ejeção <30%, com relação risco/benefício
bastante favorável para o TAI29,40.

Apesar de não haver indicações e contraindicações claramente definidas para o TAI,


principalmente no coronariopata, dados da literatura indicam que o TAI deve ser
avaliado para todo paciente que ingressar em programa de reabilitação cardíaca e que a
monitorização mais intensa deve ser instituída nos TAI, não só durante o treinamento em
si, mas também a longo prazo, observando o impacto cardiovascular e metabólico
nesses indivíduos.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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PRESCRIÇÃO DE EXERCÍCIO FÍSICO NO
CORONARIOPATA CRÔNICO EM
TRATAMENTO CLÍNICO E NÃO
REVASCULARIZADO

Claudia Maria Rachman Dargains


Alexandro Souza Coimbra

CASO CLÍNICO
Dados básicos: Paciente masculino, 64 anos, pardo, natural da Paraíba, morador da
Baixada Fluminense, aposentado. Peso =61kg, altura =1,52m, IMC =26,4kg/m².
Doença principal: doença arterial coronariana
Comorbidades: hipertensão arterial
Fatores de risco cardiovascular: sedentário, ex-tabagista, com interrupção do hábito há
30 anos, história familiar positiva para doença aterosclerótica.
Quadro clínico: Com início há cerca de quatro anos, queixas de dor precordial típica e
cansaço aos médios esforços. Em abril de 2009 realizou estudo angiográfico que
revelou: tronco sem alterações, descendente anterior com lesões difusas, fino calibre,
primeira diagonal fina, ocluída distalmente, segunda diagonal ocluída. Circunflexa
apresentando irregularidades, marginal esquerda com lesão focal subtotal distal.
Coronária direita fina, apresentando lesão grave proximal e distal, descendente
posterior ocluída.
Medicação em uso: captopril 25mg, sinvastatina 20mg, mononitrato de isossorbida
20mg 3X, atenolol 50mg, ácido acetilsalicílico 100mg.

Ao exame físico: paciente hígido, normocorado, eupneico. Pulsos simétricos e


palpáveis. Ausculta cardíaca com rítmo regular, três tempos, presença de quarta bulha.
Bulhas normofonéticas. FC=45bpm. PA=120x80mmHg. Ausculta pulmonar, abdômen e
membros inferiores sem alterações.

Demais exames complementares: exames laboratoriais sem anormalidades


significativas.

Eletrocardiograma: revelava rítmo sinusal bradicárdico, alterações inespecíficas de


repolarização ventricular.

Ecocardiograma: leve disfunção global sistólica de VE. Dimensões cavitárias


esquerdas limítrofes. Disfunção diastólica grau I. Fração de ejeção 50%. Relação E/e’
em 12.

OBJETIVOS
1. Revisar a importância e os benefícios da reabilitação cardiovascular para o
paciente coronariopata não revascularizado.
2. Discutir as indicações, avaliação clínica pré, per e pós-participação de
paciente coronariopata não revascularizado.

PERGUNTAS
1. Este paciente poderá ser encaminhado a programa de reabilitação
cardiovascular ? Quais seriam seus principais objetivos?

As doenças cardiovasculares constituem hoje a principal causa de morte em todo o


mundo, associada à elevada morbidade. O tratamento, seja clínico ou intervencionista,
tem elevado a sobrevida desses pacientes, implicando, porém, elevados custos¹.

Há cerca de 40 anos, os pacientes acometidos de infarto do miocárdio apresentavam


grande perda funcional, pois o tratamento previa até dois meses de repouso no leito.
Por ocasião da alta hospitalar, os pacientes se encontravam fisicamente mal
condicionados, sem condições físicas ideais para retornar às suas atividades. Os
programas de reabilitação cardiovascular supervisionados foram desenvolvidos com o
propósito de trazer esses pacientes de volta às suas atividades diárias habituais,
consistindo em várias ações que visam a intervir de maneira positiva no controle de
diversos fatores de risco, através de atividade física, esclarecimento sobre a doença
ateroesclerótica, sua fisiopatologia, hábitos alimentares e hábitos sociais nocivos,
como tabagismo².

Um programa de reabilitação cardiovascular tem enfoque multidisciplinar, com


médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, professores de educação física, psicólogos,
nutricionistas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais³. Esses profissionais, através
de diversas abordagens, têm como objetivo dar ao paciente melhor entendimento de sua
doença com consequente melhora na qualidade de vida.

Diversos trabalhos e meta-análises demonstram que pacientes com doença coronariana


que foram ou não submetidos a procedimentos de revascularização do miocárdio são os
principais beneficiários de programas de reabilitação cardiovascular4-8, com
recomendação grau A e nível de evidência 19, demonstrando que a participação em
programas de reabilitação diminui a mortalidade e morbidade, resultados que podem
influenciar favoravelmente no risco cardíaco global10-12. Há evidências de que o
encaminhamento precoce tem efeito positivo sobre o prognóstico13,14.

Em pacientes portadores de insuficiência cardíaca, os benefícios da atividade física


incluem um aumento da tolerância ao exercício traduzido não só na sua duração total,
mas também por um aumento do V’O2 máximo. Ocorre também melhora da função
endotelial e na adaptação da musculatura periférica com um risco total de eventos
adversos relativamente baixos, principalmente quando os exercícios são
supervisionados - Grau de recomendação 1A15-19.

No caso clínico em questão, trata se de um paciente hipertenso de longa data, com


quadro de angina estável há cerca de quatro anos, com sinais e sintomas de disfunção
ventricular esquerda. O estudo cineangiocoronariográfico revelou lesão trivascular
grave, sem possibilidade de intervenção. Tem indicação grau A e nível de evidência 1
para iniciar atividade física através de programa de reabilitação cardíaca.

2. Quais seriam as principais avaliações e exames complementares para a


adequada prescrição de exercício para este paciente?
Uma avaliação clínica cuidadosa é necessária, para se avaliar possíveis comorbidades
presentes, como diabete melito, arteriopatia periférica, doença oclusiva carotídea,
doença pulmonar, doença renal, doenças musculoesqueléticas, doenças neurológicas,
depressão, entre outras5.

A solicitação de teste ergométrico progressivo máximo é essencial para analisar o


comportamento do sistema cardiovascular frente ao estresse causado pelo exercício, e
identificar o desencadeamento de isquemia miocárdica, disfunção ventricular, arritmias
cardíacas e distúrbios da condução atrioventricular. Esse teste possibilita a
determinação de vários parâmetros que serão fundamentais para a prescrição do
exercício, como a mensuração do V’O2 máximo (que reflete a aptidão
cardiorrespiratória), do comportamento da frequência cardíaca e da pressão arterial
durante o esforço e recuperação, estudo do segmento ST, sensação subjetiva de
cansaço, dados estes de vital importância para a avaliação do paciente cardiopata12.

Caso possível, a avaliação pulmonar e metabólica através de análise dos gases


expirados durante o teste cardiopulmonar é preferível. Ela permite avaliar, com mais
precisão, a capacidade funcional do paciente, em especial o V’O2 máximo e os
limiares ventilatórios, os quais também poderão ser muito úteis na prescrição do
exercício, principalmente quando existir quadro de insuficiência cardíaca5. A
realização do teste ergométrico também será importante para a estratificação do
paciente³.

3. Como este paciente seria estratificado?

A partir da anamnese, do exame físico e dos exames complementares, todos os


pacientes deverão ser estratificados (Quadro 1) em risco baixo, moderado ou alto para
iniciarem um programa de reabilitação cardiovascular, supervisionada ou não³. Os
pacientes com risco intermediário ou alto são candidatos a programa de exercício com
supervisão médica.

Quadro 1
Estratificação de risco para inclusão de pacientes em programas de reabilitação cardíaca
As contraindicações absolutas para a prática de atividade física encontram-se no
Quadro 2³. Vale ressaltar que muitas delas são passíveis de modificação após
terapêutica adequada.

Quadro 2
Contraindicações absolutas para a prática de atividade física
O referido paciente realizou teste ergométrico, em protocolo de rampa, tendo
apresentado dor torácica e infradesnível de ST em D2, AVF, V4. V5, V6 e MC5 .
(Figura 1): Variação tensional sugestiva de déficit inotrópico ao esforço partindo de
níveis basais normais (Figura 2):

Figura 1
Traçado do pico do esforço do teste ergométrico realizado pelo paciente relatado

Figura 2
Curva tensional do referido teste ergométrico

O teste ergométrico apresentou critérios clínicos, eletrocardiográficos e


hemodinâmicos para isquemia miocárdica. Este paciente pode ser estratificado como
de alto risco.

4. Como seria a prescrição de uma sessão de exercício para este paciente?

Neste caso clínico estaria indicado exercício supervisionado e individualizado. Estão


incluídas fases de alongamento, flexibilidade, aeróbico, fortalecimento muscular,
alongamento/relaxamento. O treinamento aeróbico e os exercícios de força podem estar
associados e realizados em circuito, utilizando os grandes grupos musculares².

Tem como vantagem ser um bom método de condicionamento, pois leva não só a uma
melhor capacidade aeróbica, como a um aumento da força muscular, importante na
prevenção de quedas, principalmente em indivíduos idosos. Tem utilidade também no
controle ponderal. O exercício aeróbico é o principal componente e pode ser realizado
através de caminhadas e/ou corridas em esteira, pedaladas em cicloergômetro, natação.
Podem ser feitos com intensidade constante ou variável, também denominada de
treinamento intervalado. O último pode ser especialmente útil para pacientes pouco
tolerantes ao exercício, idosos, portadores de doença vascular periférica e claudicação
intermitente. Frequência mínima de dois a três dias não consecutivos na semana,
evoluindo para atividades diárias de acordo com as respostas adaptativas do
paciente18,20,21 .

Um programa de exercício para pacientes com doença coronariana ou insuficiência


cardíaca deve envolver uma progressão inicial lenta e gradual, com 60 minutos de
duração em média, sendo que os cinco a dez minutos iniciais e finais são reservados
para o alongamento. A parte aeróbica tem duração entre 20 e 30 minutos com
intensidade progressivamente crescente. Exercícios resistidos são iniciados após
algumas sessões estando o paciente estável, podendo ser juntamente com o restante do
treinamento. Podem ser executados duas a três vezes na semana, envolvendo os grandes
grupos musculares, consistindo em 6 a 8 repetições, com aumento progressivo das
cargas.

A intensidade do exercício pode ser derivada de parâmetros como frequência cardíaca,


sensação subjetiva de cansaço (escala de Borg) e consumo máximo de oxigênio. No
teste cardiopulmonar, a análise de gases respiratórios aliada à avaliação das variáveis
cardiovasculares e de percepção de esforço pode determinar com melhor precisão o
esforço máximo e outras variáveis²².

O cálculo da frequência de treino é obtido usualmente pela fórmula de Karvonen:


FC treino = (FC máxima- FC repouso) x percentual FC de treinamento + FC repouso. O
percentual de treinamento é individualizado, podendo ser aumentado à medida que há
progressão do exercício³.

No Quadro 3 estão listados os parâmetros para a prescrição de exercício:


Quadro 3
Parâmetros para a prescrição de exercício
5. Como devem ser as primeiras sessões de exercícios deste paciente?

Como se trata de um paciente sedentário, as primeiras sessões devem ser consideradas


de adaptação, com exercícios aeróbicos leves e exercícios localizados, observando a
resposta biomecânica e cardiovascular. Os exercícios aeróbicos devem primeiramente
objetivar volume, ou seja, devemos inicialmente buscar a realização do tempo total de
exercícios aeróbicos, para posteriormente iniciar o aumento gradativo da intensidade.

Quanto aos exercícios localizados, estes devem ser iniciados logo nas primeiras
sessões, com cargas baixas e apenas uma série para os principais grupamentos
musculares, visando à melhora da execução com adaptação biomecânica para
posteriormente serem aumentados em intensidade e volume.

6. Quais as principais intercorrências que este tipo de paciente pode apresentar


durante as sessões de exercícios?

Intercorrências podem ocorrer numa sessão de exercícios e as constantes reavaliações


do paciente e dos parâmetros de prescrição podem, senão evitá-las, minorá-las.

As intercorrências mais encontradas são:

Hipoglicemia/ Hiperglicemia

Em diabéticos, os exercícios regulares aceleram as adaptações metabólicas e


hormonais que aparecem no início do exercício físico e contribuem para aumentar a
sensibilidade à insulina. Durante a atividade física, o risco de hipoglicemia ocorre se a
dose da insulina ou o consumo de carboidrato não for alterado. A ingestão adicional de
carboidrato, se a glicemia estiver <100mg/dL antes do exercício, é fundamental.

O uso de uma fonte de absorção rápida de hidrato de carbono pode ser muito útil em
prevenir a hipoglicemia durante e após o exercício. Nos indivíduos com glicemia
>250mg/dL, com presença confirmada de cetose, deve-se evitar a realização do
exercício físico e, como precaução, com glicemia >300mg/dL, mesmo sem confirmação
de cetose, o exercício deve ser evitado23,24.

Arritmias

São mais prevalentes nos pacientes com doença coronariana sintomática, DPOC,
insuficiência cardíaca e nos idosos. Podem ser totalmente assintomáticas ou levar a
queixas como palpitações, tonteira, pré-síncope, síncope, e angina, podendo
desencadear infarto agudo do miocárdio, edema agudo de pulmão ou até morte súbita.

As arritmias ventriculares mais comumente induzidas pelo exercício são: extrassístoles


ventriculares, taquicardia ventricular não sustentada, taquicardia ventricular
polimórfica, taquicardia ventricular monomórfica e fibrilação ventricular.

Arritmias induzidas pelo esforço estão relacionadas a um risco cardiovascular


aumentado, principalmente nos pacientes com doença cardiovascular estabelecida.
Arritmias ventriculares pós-esforço têm risco cardiovascular maior, se comparadas às
arritmias que ocorrem somente durante o exercício25.

Síncope/ Pré-síncope

A síncope pode ser caracterizada pela perda súbita, momentânea e espontaneamente


reversível da consciência e do tônus postural, sendo a pré-síncope caracterizada pela
manutenção do tônus postural. Tal intercorrência pode estar relacionada, durante o
exercício, a dois principais fatores: um benigno e mais comum, denominado síncope
neurocardiogênica ou vasovagal; e um segundo, maligno, associado a arritmias
cardíacas.

A síncope neurocardiogênica é decorrente de hipotensão, sendo mais comum nos


períodos pós-esforço e caracterizada por sudorese fria, palidez cutânea mucosa e
tonteira. Apesar de benigna, pode se tornar maligna caso o paciente sofra queda
associada a trauma, portanto é importante observar e orientar o paciente para, caso
apresente pródromos, comunicar imediatamente à equipe.

Os pacientes com síncope, de qualquer origem, devem ser posicionados em posição


supina, com os membros inferiores elevados e monitorados imediatamente com
eletrocardiograma, medidas de pressão arterial e, se preciso, glicemia capilar. A
síncope associada a arritmias cardíacas ocorre geralmente na vigência do exercício,
durante a predominância do sistema nervoso simpático. Este paciente deve ser
acompanhado e, em princípio, considerado como tendo tido um episódio de morte
súbita abortada, devendo passar por todo monitoramento e investigação como tal26.

Angina

O paciente em questão apresentou angina típica associada ao esforço durante a


realização do teste de exercício, portanto é bastante provável que este paciente
apresente angina durante as sessões de treinamento. Sendo um paciente sabidamente
isquêmico, maior atenção deve ser dada à presença de angina em repouso ou em
intensidades abaixo do limiar isquêmico do teste de exercício. Este paciente deve ser
orientado a comunicar à equipe sempre que apresentar angina e o médico da sessão
deve definir se o paciente apresenta perfil psicológico e clínico para o treinamento em
zona isquêmica27.

Hipotensão e Hipertensão

Tem sido demonstrado que a realização de uma única sessão de exercício físico pode
promover queda pressórica abaixo dos valores observados no período pré-exercício,
fenômeno este denominado como hipotensão pós-exercício. Esta pode ser benéfica para
o controle da pressão arterial, especialmente nos hipertensos, sendo que sua magnitude
e duração parecem estar relacionadas a fatores como o tipo, duração e a intensidade do
exercício17,28 .

Lesões osteomioarticulares

As queixas osteomioarticulares são a principal causa de afastamento em programas de


reabilitação cardíaca. Estas devem ser descritas na avaliação pré-participação e
passadas para a equipe, para que se possam prescrever exercícios específicos visando
ao tratamento de lesões crônicas.

Na medida em que ocorre o incremento de intensidade e carga dos exercícios, a chance


de aparecimento de lesões osteomioarticulares aumenta. A equipe deve estar atenta
para que o incremento dos exercícios seja de forma gradual, para que a chance de
novas lesões diminua e para que a piora de lesões crônicas não ocorra. As lesões
devem ser prontamente identificadas para que o grupamento muscular envolvido seja
poupado e, posteriormente, seja alvo de trabalho específico.

7. A frequência cardíaca é uma boa variável para se acompanhar a evolução deste


paciente?

A frequência cardíaca é considerada uma excelente referência para a monitoração


cardíaca, não somente pela facilidade de verificação como pela quantidade de
informações que podem ser observadas, ou seja, as frequências cardíacas basal,
máxima e de recuperação.

Tais variáveis são úteis não somente para o acompanhamento da resposta


cardiovascular a uma única sessão de exercício, mas também para a observação da
evolução e adaptação do paciente aos exercícios. Sendo assim, a frequência cardíaca é
a principal ferramenta para basear a prescrição da atividade aeróbica. O paciente que
apresenta um valor de frequência cardíaca cada vez menor para uma mesma intensidade
de esforço demonstra uma adaptação que deve ser usada como sinal para um novo
incremento de intensidade. Da mesma forma, os valores de frequência cardíaca basal e
de recuperação devem apresentar queda e devem ser interpretados como bom sinal de
evolução do treinamento. Estes efeitos parecem ser devidos à redução da
hiperatividade simpática e aumento da atividade parassimpática9.

No caso específico em questão esperam-se valores de frequência cardíaca cada vez


maiores para o aparecimento das alterações isquêmicas, caracterizando o aumento do
limiar isquêmico relativo27.

8. Quanto ao treinamento de força, deve-se priorizar ganho de força ou potência?

Atualmente o treinamento de força tem sido considerado parte fundamental dos


programas de reabilitação cardíaca28,29. O treinamento de potência tem sido
considerado de melhor tradução para as atividades da vida diária. Esse tipo de
treinamento se baseia em exercícios executados com maior velocidade em um menor
número de repetições e com cargas mais elevadas. Tal tema será tratado em capítulo à
parte.

9. Durante a reabilitação cardiovascular, o paciente apresentou episódios de dor


precordial ao esforço. Qual deve ser a conduta?

A prescrição de exercício para pacientes com doença coronariana deve ser feita em
níveis que não produzam isquemia miocárdica caracterizada por angina do peito e ou
depressão do segmento ST. Isquemia pode ser identificada pela monitorização clínica e
eletrocardiográfica numa sessão de reabilitação. O exercício deve ser efetuado abaixo
do limiar isquêmico e, baseado nesse dado, para o cálculo da frequência cardíaca de
treino deve-se levar em conta a frequência cardíaca no momento do aparecimento da
isquemia, subtraindo-se de cinco a dez batimentos.
Ex: FCT= (FCisq- FCrep)X % treinamento+ Fcrep
O paciente deve ser orientado a sempre relatar suas queixas de modo que possíveis
intercorrências sejam prontamente combatidas.

Estudos recentes têm evidenciado maiores benefícios com o treinamento intervalado em


zona isquêmica. Os pacientes candidatos a esse tipo de treinamento devem ter
características de doença estável, não apresentando arritmias complexas e
principalmente repercussão hemodinâmica associadas à isquemia, devendo esse tipo de
treinamento ser sempre monitorado por médico especialista20.

Em pacientes isquêmicos, o uso de nitroglicerina sublingual antes da atividade física


pode ser útil, aumentando a tolerância ao exercício.

10. Quais os critérios para liberação do exercício supervisionado?

Os programas de reabilitação cardíaca devem ter um caráter provisório, sempre


objetivando a educação e conscientização do paciente sobre a importância do exercício
físico como adjuvante ao tratamento da sua doença. A alta do programa deve ser
estabelecida em comum acordo entre o médico assistente e a equipe multidisciplinar do
serviço que o atende, baseada na melhora da capacidade funcional e na estabilização da
doença de base. Questões clínicas, psicológicas e financeiras devem ser levadas em
conta, assim como programas de reabilitação não supervisionada ou parcialmente
supervisionada podem fazer parte do acompanhamento do paciente9.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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ATIVIDADES DESPORTIVAS EM
INDIVÍDUOS APARENTEMENTE
SAUDÁVEIS E CORONARIOPATAS
DE MEIA-IDADE

John Richard Silveira Berry


Isa Bragança da Custódia Lavouras

CASO CLÍNICO

Paciente masculino, 40 anos de idade, natural e residente no Rio de Janeiro, aeronauta


de grande empresa de aviação comercial. Encaminhado pela empresa onde trabalha
para realização de teste de exercício como parte integrante de sua avaliação clínico-
funcional e renovação de sua licença de voo emitida pelo CEMAL.

Sem antecedentes de cardiopatias ou pneumopatias. Nega tabagismo. Diagnóstico de


hipercolesterolemia há dois anos, em tratamento farmacológico com estatina
(atorvastatina). Refere ser sedentário, pai falecido por infarto do miocárdio (IAM) aos
46 anos de idade.
Atividade física pregressa: não realizou regularmente atividade física na infância nem
na adolescência. Atualmente realiza esporadicamente atividade física de acordo com a
escala de plantão. Paciente sedentário.

Exame físico:
Altura =1,70m; Peso =73,3kg; IMC =25,4kg/m2 (sobrepeso); PA =130x80mmHg.
Normocorado, hidratado, acianótico, anictérico, afebril. MV audível distribuído
universalmente sem ruídos adventícios
APVC: RCR 2 T BNF sem sopros; FC =68bpm; PA =132x70mmHg (paciente sentado)
Pulsos venosos e artérias sem anormalidades.
Abdômen: normotenso, timpânico, peristalse normal, sem visceromegalias, traube
livre.
Neurológico: sem anormalidades

Exames laboratoriais:
Glicemia de jejum =99mmHg; Colesterol total =200mg/dL; LDL =150mg/dL; HDL
=45mg/dL

ECG de repouso: Ritmo sinusal. IPr=0,14s. ÂQRS=°. Ausência de distúrbios da


condução atrioventricular. Segmento ST-T na linha de base. Repolarização ventricular
normal.

Teste ergométrico: protocolo de rampa em esteira rolante (Figura 1).


Variáveis clínicas: Ausência de dor torácica ou sintomas cardiorrespiratórios durante o
esforço, referindo no pico do exercício dor em panturrilhas e exaustão.
Variáveis hemodinâmicas: Adequada mobilização da reserva cronotrópica. Resposta
tensional sistólica e diastólica adequadas ao exercício. Atividade autonômica avaliada
pela redução da frequência cardíaca no primeiro minuto da recuperação foi normal,
inferindo-se satisfatório retorno da atividade autonômica parassimpática pós-exercício.
Variáveis eletrocardiográficas: Presença de alteração no segmento ST-T de padrão
ascendente lento de 2,5mm em parede inferior, de 2,0mm em CM5 e em V4 e V5.
Em conclusão: teste de exercício com padrão técnico adequado e cooperação
satisfatória do examinado, interrompido por exaustão, Borg 10 escala modificada.
Ausência de sinais clínicos e/ou hemodinâmicos para isquemia miocárdica esforço-
induzida. Potência aeróbica máxima equivalente a 12MET, demonstrando boa aptidão
cardiorrespiratória. Atividade autonômica parassimpática: satisfatória.

ECG: Critérios de isquemia miocárdica definidos pela presença de alteração do


segmento ST-T de padrão ascendente lento de 2,5mm em parede inferior, e de 2,0mm
em CM5, V4 e V5, com retorno aos padrões basais no primeiro minuto da recuperação.
Figura 1
Teste cardiopulmonar com protocolo de rampa do paciente relatado.
O presente caso retrata uma situação clínica corriqueira vivenciada por médicos que
trabalham em centros diagnósticos. Paciente assintomático, “aparentemente saudável”,
porém de risco intermediário para o diagnóstico de cardiopatia isquêmica,
encaminhado para teste de exercício para avaliação funcional e diagnóstica. Como
particularidade, o fato de que se trata de um piloto de aeronave comercial, responsável
pelo transporte de muitas vidas.

OBJETIVOS
1. Avaliar a importância da reabilitação cardiovascular como importante
ferramenta na diminuição da mortalidade em pacientes portadores de DAC.
2. Discutir os métodos para reabilitação cardiopulmonar.
3. Analisar os critérios de positividade e negatividade do teste ergométrico.

PERGUNTAS
1. Qual o melhor ergômetro a ser indicado no presente caso?

O primeiro ergômetro utilizado na prática médica foi o de banco descrito por Máster e
utilizado na primeira metade do século XX1. Posteriormente foram desenvolvidos o
cicloergômetro e a esteira rolante2. No Brasil a esteira rolante alcançou maior
popularidade a partir da década de 19803, sendo o ergômetro mais utilizado na
atualidade apesar de seu maior custo4.

A escolha do ergômetro depende da experiência do profissional que vai utilizá-lo e das


limitações que o paciente apresenta, como por exemplo, pacientes com doença de
Parkinson, que se adaptam melhor ao cicloergômetro5. No presente caso optou-se pela
esteira rolante.

2. Qual o protocolo mais adequado para o paciente relatado?

Escolher o protocolo para o exercício, seja no cicloergômetro seja na esteira rolante,


não é uma tarefa simples1-6. É preciso uma avaliação cuidadosa das condições
psicofísicas do indivíduo, evitando-se colocá-lo em protocolo inadequado, com
prejuízos no resultado final da avaliação7. A escolha do protocolo a ser utilizado é, sem
dúvida, a chave do sucesso para a realização de um teste ergométrico8. A base dessa
escolha deve ser a avaliação inicial da tolerância ao exercício apresentada pelo
indivíduo, sendo o objetivo no caso de doentes, a obtenção de uma resposta sintoma-
limitado num intervalo de tempo de 6-15min7.

Todos os protocolos tradicionais incluem uma carga inicial baixa que aumenta
progressivamente a intervalos regulares7, adequada duração de cada estágio e também
do período de recuperação. A padronização dos protocolos visa à comparação de
resultados entre indivíduos e num mesmo indivíduo em testes subsequentes. A decisão
do melhor protocolo deve ser sempre do ergometrista que realizará o exame,
considerando-se sua experiência profissional, suas condições reais de trabalho e
equipamentos que disponibiliza3.

Deve-se ressaltar os trabalhos de Myers et al.9 que descreveram os protocolos de


rampa, nos quais a carga de trabalho é individualizada de acordo com a aptidão física,
havendo incremento constante, contínuo, e não ocorrendo platô de consumo de
oxigênio9. Os autores preconizam que existe uma melhor relação entre VO2 predito e
carga de trabalho, que obedece a um tempo ideal de execução do exercício entre 10-
12min e que apresenta acurácia semelhante aos protocolos tradicionais quanto às
alterações eletrocardiográficas e de pressão arterial8-11.

A ideia de se empregar protocolos individualizados tem se difundido em muitos


serviços no mundo assim como no Brasil12. No caso apresentado foi utilizado o
protocolo de rampa.

3. O teste de exercício foi indicado neste caso clínico como instrumento


diagnóstico. Como interpretar seus resultados à luz de dados estatísticos?

O teste de exercício é instrumento de grande valia para a decisão do clínico no


acompanhamento das doenças cardiovasculares2-7. Um teste diagnóstico tem por
finalidade identificar e/ou confirmar a presença de doença ou situação relacionada à
saúde; avaliar a gravidade do quadro clínico; estimar o prognóstico; monitorar a
resposta a uma intervenção. Por definição, diagnóstico é o processo de decisão clínica
que se baseia conscientemente ou não, em probabilidade.
As aparências para a mente são de quatro tipos:

As coisas são o que parecem ser;


Ou são e não parecem ser;
Ou não são, mas parecem ser;
Ou não são, nem parecem ser.
Epictetus, séc. II d.C.

Relação entre parecer e ser:

Relação entre teste e doença:

D=doença; T=teste

A validade do teste diagnóstico pode ser caracterizada quantitativamente mediante duas


propriedades: a sensibilidade e a especificidade.
Sensibilidade (S): é a probabilidade de um teste dar positivo na presença da doença,
isto é, avalia a capacidade de o teste detectar a doença quando ela está presente.
Assim, se houver um teste com 100% de sensibilidade, haverá 100 respostas positivas.
(S=a/a+c)

Especificidade (E): é a probabilidade de um teste dar negativo na ausência da doença,


isto é, avalia a capacidade de o teste afastar a doença quando ela está ausente.
(E=d/b+d)

Esquema:

Onde:
a=verdadeiro positivo
b=falso-negativo
c=falso-positivo
d=verdadeiro negativo
D=doença
T=teste

A maioria dos estudos realizados demonstra sensibilidade entre 50-72% (média de


67%) e especificidade entre 69-74% (média de 71%). É importante, no entanto,
ressaltar as limitações desses valores uma vez que o padrão-ouro de comparação foi a
cineangiocoronariografia que identifica apenas a anatomia da árvore arterial
coronariana e não a isquemia miocárdica que está associada à menor fração de reserva
de fluxo coronariano. Os valores das taxas de sensibilidade e de especificidade são
inversamente proporcionais, ou seja, quanto mais alta a sensibilidade, mais baixa a
especificidade e vice-versa12.

O valor de um teste diagnóstico não depende somente de sua sensibilidade ou sua


especificidade, mas também da probabilidade de o paciente ter a doença antes de
conhecer o resultado (prevalência ou probabilidade pré-teste)12. No teste ergométrico é
muito importante o critério aceito para definir a anormalidade11. Considerando-se como
anormal um infradesnível do segmento ST >0,2mV ou mais, ter-se-ia redução na
sensibilidade e aumento da especificidade, consequentemente, uma redução das taxas
de resultados falso-positivos.

A análise clínica pré-teste é fundamental para a correta interpretação do TE. Para tanto
é necessário determinar a probabilidade da presença de DAC significativa baseando-se
na análise de dados pessoais, idade e sexo, e a avaliação conjunta da história clínica,
dos fatores de risco e dos dados do exame físico12. Nessa fase uma das prioridades é a
caracterização da dor torácica que pode ser: típica, atípica ou dor provavelmente não
cardíaca.

A dor torácica típica é reconhecida como desconforto ou dor retroesternal,


desencadeada por exercício ou estresse e aliviada com repouso ou nitratos de ação
rápida. A dor torácica atípica é aquela que não preenche os critérios acima. A dor
torácica provavelmente não cardíaca caracteriza-se pela presença apenas de uma das
características da dor típica ou ausência de todas elas.

Em relação aos fatores de risco, os mais importantes são: diabetes mellitus, hipertensão
arterial sistêmica, tabagismo, dislipidemia, história familiar de DAC precoce (presença
de eventos em parentes de primeiro grau antes dos 55 anos em homens e antes de 65
anos em mulheres) e sedentarismo10. Além disso, outros dados relevantes são obtidos
do exame físico e dos exames laboratoriais, como achados clínicos compatíveis com
pericardite, valvopatias, hipertrofia miocárdica, doença arterial periférica, doença da
aorta, entre outros.

A análise de exames laboratoriais como: glicemia de jejum, perfil lipídico com


dosagem do colesterol total, HDL, LDL e dos triglicérides pode ajudar no
reconhecimento dos fatores de risco. A probabilidade pré-teste de DAC pode ser
determinada pela tabela modificada do estudo de Diamond & Forrester12 (Tabela 1). A
American Heart Association5 também estabeleceu uma tabela combinando alguns
estudos relacionados à estimativa de probabilidade (%) em pacientes sintomáticos, de
acordo com sexo, idade e características da dor (Tabela 2).

Em pacientes assintomáticos, na ausência de dados referentes à população brasileira, o


risco pré-teste pode ser estimado pelo escore de Framingham, considerando-se os
fatores de risco. A experiência clínica do executor do teste também faz parte da
avaliação pré-teste, podendo auxiliar na acurácia diagnóstica do método.

Tabela 1
Estimativa de probabilidade (%) de DAC em pacientes sintomáticos de acordo com o sexo, a idade e as
características da dor torácica.

Fonte: adaptado de Diamond & Forrester12

Tabela 2
Comparação da Probabilidade de DAC (%) em pacientes sintomáticos de baixo risco com pacientes sintomáticos de
alto risco.

Fonte: adaptado de Gibbons et al.5

No caso apresentado, o paciente apresenta probabilidade pré-teste de 47% para o


diagnóstico de doença arterial coronariana (DAC), utilizando-se a Tabela 2.

A probabilidade pré-teste é considerada como intermediária para o diagnóstico de


DAC, entre 5-90%, o que faz do teste de exercício instrumento de grande valor para
definir o diagnóstico.
4. Em presença do infradesnivelamento do segmento ST em paciente
assintomático, quais são as variáveis que podem justificar um provável resultado
falso-positivo?

Capacidade funcional acima de 10MET:

MET – Metabolic Equivalent é uma unidade de medida de consumo de oxigênio. Um


indivíduo em repouso, sentado, consome 3,5mL O2.kg.min, sendo assim, a capacidade
funcional é expressa em MET. A capacidade funcional está diretamente relacionada
com a carga de trabalho realizada.
1MET = 3,5mL O2.kg.min

Sabe-se que cada ganho de 1MET diminui em 7,9% todas as causas de mortalidade e
aumenta em 12% a sobrevida. A fraca tolerância ao esforço com valores <6MET
podem estar associada a mau prognóstico; assim como valores >12MET raramente
ocorrem em pacientes isquêmicos.

Independente da idade, aqueles idosos que conseguirem com o exercício aumentar sua
capacidade funcional em relação ao basal apresentarão redução de 35% na
mortalidade. A capacidade funcional tem sido estudada como um marcador de
prognóstico em diversas doenças cardiovasculares. Observou-se redução em torno de
20% a 25% no risco de morte nos pacientes pós-infarto do miocárdio que praticavam
atividade física, quando comparado com aqueles que faziam somente tratamento
medicamentoso. Tanto em pacientes portadores de doença coronariana como em
indivíduos saudáveis observou-se forte associação entre a baixa capacidade funcional e
o risco de morte13,14.

Parâmetros eletrocardiográficos:

O eletrocardiograma de esforço constitui um dos aspectos mais importantes na análise e


na interpretação do TE. Ao se realizar um teste de esforço, tem-se a “ousadia” de
investigar, como uma das primeiras indicações, a doença coronariana através de
diversas variáveis. Quando se analisa o ECG de esforço devem ser estudadas todas as
derivações eletrocardiográficas, aumentando assim a sensibilidade do método, e
mesmo sabendo que a maioria das isquemias esforço-induzidas é mais prevalente em
CM5, não é incomum encontrar alterações isoladas em outras derivações.

Ao longo das últimas décadas, o comportamento da onda “R” durante o esforço,


dependendo da sua amplitude, poderá estar ou não relacionada a uma resposta normal
ou anormal. O comportamento da onda “R” durante a análise do teste ergométrico pode
ser útil como critério auxiliar, podendo assim aumentar a sensibilidade e a
especificidade do exame. A redução da amplitude com o esforço é considerada normal,
enquanto a não variação ou o aumento da onda “R” pode esta relacionada com doença
coronariana.

Um grande número de pacientes com testes falso-positivos foram estudados e verificou-


se que a onda “R” aumentava significativamente a sensibilidade e a especificidade do
exame. Alguns trabalhos também relatam o número de testes falso-positivos em
mulheres, quando é avaliado isoladamente o segmento ST, por isso a importância de
avaliar outros critérios no eletrocardiograma12.

Outros estudos enfatizam a importância de se visualizar a onda “R” quando a análise do


segmento ST está prejudicada como, por exemplo, nos pacientes com BRE, pacientes
em uso de digital e com eletro basal alterado. O segmento PR durante o esforço tende a
encurtar quando se trata de um indivíduo normal, podendo-se observar um
infradesnivelamento do segmento ST-T devido à repolarização atrial, interpretando o
teste como falso-positivo. Os desníveis do segmento ST que ocorrem durante o esforço
estão relacionados com o desequilíbrio entre o fluxo coronariano e o consumo de
oxigênio do miocárdio, e assim podem registrar alterações relacionadas com isquemia
miocárdica. O infradesnivelamento do segmento ST de padrão ascendente está
associado a uma maior incidência de falso-positivos, principalmente quando se tem um
duplo-produto maior que 30.000mmHg/bpm15.

Condições que alteram o segmento ST independentemente de lesão coronariana,


favorecendo um exame falso-positivo:

Hipertrofia ventricular esquerda (HVE), miocardiopatias, síndrome X (mulheres


jovens), distúrbios hormonais, hipocalemia e outros distúrbios hidroeletrolíticos,
hipoglicemia, BRE, bloqueios intramiocárdicos, síndrome de pré-excitação,
taquicardia supraventricular, drogas (digital e diurético), exercício súbito intenso,
fibrilação atrial, anemia, cardiopatias congênitas, coração de atleta, derivação
inadequada, critérios de interpretação impróprios, hipóxia, entre outros.

Normalização do infradesnivelamento imediatamente após o pico do esforço:

Nos primórdios do teste ergométrico os registros eletrocardiográficos eram realizados


apenas após o exercício devido às dificuldades técnicas. Com o desenvolvimento da
tecnologia, os traçados durante o exercício passaram a ser valorizados e a maioria dos
autores têm destacado as alterações do segmento ST durante o esforço como preditivas
de doença coronariana.

Apesar do pequeno número de publicações sobre a importância da ASTRR, estudos


mais recentes têm demonstrado o valor das alterações de ST restritas à fase de
recuperação (ASTRR) no diagnóstico da doença coronariana em pacientes sintomáticos
e assintomáticos. Em estudo realizado com 58 aviadores assintomáticos, com TE
isquêmico e que foram submetidos à coronariografia, 15 pacientes eram portadores de
ASTRR, dos quais seis apresentavam DCA grave comprovada por
cinecoronariografia16.

Déficit cronotrópico:

A incompetência cronotrópica (IC) ou déficit cronotrópico é definido pela


incapacidade da FC, alcançada no esforço máximo, não atingir pelo menos 85% da
frequência cardíaca máxima prevista para aquele indivíduo, de acordo com o sexo e
com a idade.

Segundo Ellestad6 a IC é um dos fatores indicativos de DAC, mesmo que não ocorram
alterações eletrocardiográficas, sendo assim um preditor de mortalidade em populações
sadias. Os dados da coorte de Framingham demonstraram que quanto maior for o déficit
maior será o índice de mortalidade cardiovascular no período de 15 anos.

Estudo13realizado em pacientes portadores de insuficiência cardíaca cuja frequência


aumentou menos que 46bpm ao variar a carga de esforço entre 40-100% da carga
máxima, tiveram o risco de IAM 3,1 vezes maior que os demais, mostrando que essa
variação da FC entre 40-100% da carga máxima é um preditor independente de IAM
em assintomáticos sem história de DAC.

Atividade autonômica parassimpática:

Advoga-se que o retardo da diminuição da FC no primeiro minuto do pós-esforço


<12bpm e/ou 22bpm no segundo minuto (recuperação ativa) poderia estar relacionado
com uma diminuição da atividade vagal (atividade autonômica parassimpática), que se
mostra bom marcador de eventos cardiovasculares e preditor de mortalidade por todas
as causas, tanto em pacientes saudáveis como em cardiopatas. Caso o paciente esteja
usando betabloqueador, ele passa a ter um valor prognóstico maior12.

5. Com o teste de exercício positivo para isquemia do miocárdio esforço-induzida,


qual é o próximo exame complementar para a definição diagnóstica? E qual dentre
esses exames é mais sensível que o teste de esforço no diagnóstico da isquemia
miocárdica?

Exames complementares não invasivos:

Ecocardiograma:

A sensibilidade deste exame pode ser aumentada utilizando-se a dobutamina como


agente estressor. A utilização de um estresse junto à análise das imagens do
ecocardiograma por meio de softwares específicos permite observar o aparecimento de
hipocinesias, acinesias ou discinesias, ausentes no repouso.

Quando se compara o ecocardiograma de estresse e a cintilografia miocárdica de


perfusão, os estudos mostram maior sensibilidade do último e maior especificidade do
primeiro, além do eco ser de mais baixo custo e de mais fácil implantação em pequenos
serviços. Achados sugestivos de alto risco ao ecocardiograma de estresse são os
mesmos da cintilografia de perfusão, e incluem: múltiplas áreas reversíveis de
alteração contrátil segmentar, extensão dessas áreas, dilatação ventricular transitória e
disfunção sistólica de VE ao repouso. As principais limitações do ecocardiograma
estão relacionadas à janela para aquisição do exame e à experiência do examinador.

Cintilografia de perfusão miocárdica:

Apresenta sensibilidade e especificidade de 92% e 87%, respectivamente, ou seja, é


superior ao ECG de esforço para detectar DAC. É um exame de imagem de perfusão
miocárdica.

Suas principais vantagens são:

Identificar doença multiarterial


Suspeitar de quais vasos estão doentes
Determinar a magnitude da área isquêmica
Determinar a magnitude da área com fibrose
Detectar a viabilidade miocárdica (casos com disfunção global ou regional
do ventrículo esquerdo (VE))
Suas desvantagens são:

Devido ao seu custo, não deve ser empregado para rastreamento de DAC em pacientes
com ECG de repouso normal e baixa probabilidade de doença. A identificação do
paciente de alto risco pode ser obtida pela análise dos resultados tanto do teste de
esforço quanto da cintilografia miocárdica. Tanto o eco de estresse quanto a
cintilografia de perfusão sob estresse são mais sensíveis que o teste de esforço no
diagnóstico da isquemia miocárdica.

A cintilografia de perfusão miocárdica está indicada, com fins diagnósticos em


indivíduos com ECG de repouso anormal e quando houver dificuldade de interpretação
do segmento ST (portadores de hipertrofia de VE, bloqueio de ramo esquerdo e
usuários de digitálicos).

Ressonância nuclear magnética (RNM):

A RNM é um método novo que tem sido utilizado na avaliação funcional da doença
arterial coronariana da mesma forma que os outros métodos de imagem. O exame é
realizado durante repouso e estresse e as imagens são comparadas da mesma forma que
nos outros métodos. Da mesma forma que o ecocardiograma, a RNM permite a
avaliação de outras estruturas cardíacas. A RNM tem o estresse limitado aos métodos
farmacológicos.

As indicações da RNM são as mesmas da cintilografia miocárdica e do


ecocardiograma de estresse. Sua principal limitação é a pouca disponibilidade e o alto
custo.

Tomografia computadorizada cardíaca (TCC):

A TCC é um método de imagem novo, que vem sendo muito utilizado em diversas
situações para a investigação de doença arterial coronariana em pacientes sintomáticos
e assintomáticos. O principal uso da TCC na doença coronariana é a realização da
coronariografia não invasiva para investigação de DAC. A TCC de coronária tem alto
valor preditivo negativo e é um exame útil em pacientes de probabilidade baixa ou
pacientes de probabilidade clínica intermediária que tenham exames funcionais
conflitantes. No entanto, devido à alta taxa de falso-positivos, a TC de coronárias não é
recomendada para avaliação rotineira de doença arterial coronariana na maior parte
dos pacientes. Esta tecnologia é bastante recente e vem evoluindo de forma rápida. Por
isso, vários estudos atualmente em andamento podem mudar essa perspectiva e ampliar
as indicações do método.

Exames complementares invasivos:

Cineangiocoronariografia:

A demonstração de isquemia e sua extensão são fundamentais na decisão terapêutica. A


fase final do diagnóstico da angina pectoris inclui: o diagnóstico definitivo, a
avaliação anatômica de sua gravidade e as repercussões no desempenho cardíaco.

Lesões angiograficamente importantes = obstrução de 70% ou mais do lúmen arterial.


Para qual paciente indicar a angiografia coronariana?

Pacientes cujo diagnóstico da doença obstrutiva permaneça duvidoso, a


despeito do estudo funcional.
Sinais de alto risco nos testes não invasivos.
Permanência de sintomas com terapia ideal.
Pacientes muito sintomáticos com mínimo esforço (classe funcional III e IV
da CCS).
Etiologia isquêmica muito evidente.
Probabilidade alta de se indicar revascularização miocárdica.

Situações especiais indicativas para estudo cineangiocoronanográfico:

Desconforto torácico sugestivo de angina e teste de esforço não diagnóstico


ou negativo.
Hospitalizações repetidas com suspeita de infarto não confirmado por
exames habituais.
Profissões de risco com sintomas questionáveis, porém com testes suspeitos
ou positivos.
Estenose aórtica ou cardiomioptia hipertrófica cuja dor torácica pode ser
originada por DAC.
Candidatos à cirurgia valvar. Masculino >45 anos e feminino >55 anos, com
ou sem evidências de DAC.
Portador de IC e/ou arritmia ventricular com teste de isquemia positivo.
Suspeita de espasmo coronariano ou outras causas não ateroescleróticas de
isquemia miocárdica. Ex: doença de Kawasaki.

6. Deve-se continuar com a investigação diagnóstica nesses pacientes, ou essas


informações já seriam suficientes para fechar o diagnóstico? Quais são as
expectativas deste paciente caso o processo seja negligenciado ou tratado de
maneira inadequada?

Paciente ralizou o ecocardiograma que revelou déficit de relaxamento. Foi submetido a


cintilografia miocárdica (esforço/repouso) que não demonstrou alteração de perfusão,
porém reproduziu as alterações eletrocardiográficas de esforço (infradesnível do
segmento ST) na mesma intensidade de esforço do teste de exercício inicial. Como é
uma situação especial, profissão de risco com teste positivo, há indicação para estudo
cineangiocoronariográfico. O resultado mostrou 70% de lesão na ADA e o
sedentarismo é condição indesejável e de grande risco para a saúde.

Estudos epidemiológicos vêm demonstrando expressiva associação entre o estilo de


vida ativo e diminuição da mortalidade. Sabe-se que a cada 1MET adquirido diminui-
se em 7,9% todas as causas de mortalidade e aumenta-se 12% a sobrevida. Pesquisas
comprovam que indivíduos fisicamente ativos tendem a apresentar menor incidência de
doenças crônico-degenerativas, assim como diversas enfermidades associadas, devido
aos benefícios fisiológicos e psicológicos.

Nos indivíduos >35 anos de idade, a principal causa de morte súbita é a doença arterial
coronariana – DAC. Os indivíduos com DAC clinicamente controlados devem ser
estimulados a praticar exercícios físicos regulares não competitivos. Quando se trata de
um individuo de quase 50 anos, o melhor modo de otimizar e promover a saúde neste
idoso ou “quase idoso” é prevenindo seus problemas clínicos agravantes, caso os
tenha. Nesse caso, a intervenção deve ser direcionada em especial à prevenção das
doenças cardiovasculares (DCV) consideradas a principal causa de morte nessa faixa
etária.

Há consistente documentação científica demonstrando que a atividade física regular


reduz a mortalidade por todas as causas. Entretanto o exercício físico não necessita ter
caráter competitivo para proporcionar benefícios. Como citado, a prática de atividade
física reduz a demanda miocárdica de O2, e aumenta a capacidade física ao esforço,
melhorando a classe funcional dos pacientes com DAC. Contudo, a abordagem após o
IAM visa a conferir alívio sintomático, proporcionando adequada qualidade de vida;
impedir evolução desfavorável da doença e prolongar a sobrevida do paciente.

7. Qual a melhor abordagem terapêutica para o paciente relatado? tratamento


invasivo com revascularização ou clínico?

Se for definida a abordagem clínica, esta deve se constituir de fármacos e um programa


de reabilitação cardíaca com abordagem mutidisciplinar, cujo principal objetivo é
estimular o paciente à mudança de seus hábitos de vida para hábitos saudáveis,
reduzindo assim os fatores de risco e a melhora da tolerância ao esforço.

A realização de atividades físicas regulares torna-se imprescindível na prevenção


primária e secundária, pois promove alterações fisiológicas, anatômicas e também
histológicas. Ao longo da história, a atividade física sempre esteve presente na rotina
da humanidade, pois os homens caçavam para a sobrevivência e os gregos buscavam
corpos perfeitos assim como sua relação com a saúde, como descrito por Hipócrates
a.C.

O sedentarismo muito tem contribuído para o aumento da síndrome plurimetabólica e a


predisposição para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Fazendo analogia
entre o exercício físico e o tratamento medicamentoso pode-se afirmar que o tratamento
medicamentoso precisa ser prescrito em dose correta, para que surjam seus efeitos
benéficos e para que não haja efeitos colaterais; assim, da mesma forma, pode-se falar
do exercício pois, deve ser prescrito de forma individualizada com uma dose
apropriada para se obter uma boa relação risco/benefício.

No presente caso foi indicado tratamento clínico. O paciente foi encaminhado para
programa supervisionado de reabilitação cardíaca. Antes de se iniciar o PES é preciso
através da anamnese, do exame físico e do teste de esforço estratificar o paciente em
relação ao risco cardiovascular em que ele se encontra, e iniciar a reabilitação
cardíaca com segurança.
Baixo risco cardiovascular = devem ser reavaliados a cada ano.
Moderado e alto risco = devem ser reavaliados a cada seis meses ou conforme
mudança de medicação17,18.

8. A prática do exercício físico indicada para este paciente poderá ser de caráter
competitivo? Deverá ou não realizar exercícios supervisionados por médicos?

A DAC é a principal causa de morte súbita em indivíduos com mais de 35 anos.


Indivíduos com DAC clinicamente controlados devem ser estimulados a praticar
exercícios físicos regulares não competitivos. Em atividades competitivas, o risco de
morte súbita tende a ser maior quanto menor for o condicionamento físico para aquela
competição. Sendo assim, o risco é diretamente proporcional à intensidade do
exercício: quanto maior a intensidade maior o consumo e maior o risco.

A liberação para atividades competitivas é ainda um tema controverso, havendo uma


tendência a não liberação19. Caso o coronariopata queira participar de atividades de
alta intensidade, deverá então participar de um PES – programa de exercício
supervisionado, mesmo assim, sendo paciente de baixo risco, apresentando função
ventricular esquerda normal, boa capacidade funcional (>13MET), ausência de
isquêmia miocárdica e estabilidade elétrica durante o esforço.

A sobrevida a curto e longo prazo após o IAM depende de vários fatores; o mais
importante é o estado funcional do ventrículo esquerdo - importância adicional é dada
pela gravidade e extensão das lesões obstrutivas no leito vascular coronariano, que
perfunde o miocárdio viável residual. Portanto, a sobrevida se relaciona à quantidade
de miocárdio que se tornou necrótica e à quantidade em risco de ele se tornar.

A fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) apresenta ótima aplicação na


estratificação de risco após IAM. Valores de FEVE <45% obtidos na alta hospitalar
têm ótima sensibilidade e especificidade para identificar grupo de alto risco.
Entretanto, esses valores não têm grande eficácia preditiva para identificar pacientes
que irão falecer, pois um grande número destes, apesar de apresentarem uma FEVE
reduzida, sobreviverá um ano ou mais. A sensibilidade de uma FEVE <45% para
predizer mortalidade em um ano é de 60% a 65%, e para morte súbita é de 70%.

Quando se utilizam valores menores que 30%, a percentagem de óbito identificada é de


40%, sendo que a especificidade nesses casos é mais alta.

Exemplificando as informações acima, descreve-se o caso de um paciente hoje com 57


anos, sendo portador de doença coronariana crônica, detectada em junho 1999 (IAM
não Q), tendo sido submetido à RVM no mesmo ano (12/06/1999). No período entre
1999 até 2006 realizou atividade física de forma irregular sem orientação de um
profissional. Em 2006 foi realizada cineangiocoronariografia que revelou: lesão de
TCE 70% além de uma obstrução da ponte de safena para marginal esquerda; obstrução
da ponte mamária direita para CD. Em 2008 resolveu iniciar exercícios, ou caso
contrário, segundo seu médico, teria que ser submetido a uma nova cirurgia cardíaca.
Sendo assim, ele optou por entrar num programa de reabilitação cardíaca.

Observe no quadro abaixo de forma comparativa a FE ( Teichholz) (Quadro 1).

Quadro 1
Evolução da fração de ejeção pelo método de Teichholz

9. Como preescrever exercícios para coronariopatas?

A prescrição deve ser orientada da mesma maneira que se prescrevem medicamentos


para esses pacientes.Os benefícios para a saúde já são adquiridos com exercícios de
intensidade “relativamente” baixos, que são comuns na rotina diária, como por
exemplo: caminhar, brincar, cuidar de afazeres domésticos, subir e descer escadas, etc.
O exercício físico deve conter alguns componentes, tais como: aeróbio, sobrecarga
muscular e flexibilidade, e algumas disciplinas: modalidade, duração, frequência,
intensidade e modo de progressão.

Existe uma forte relação dose-resposta entre o nível de aptidão física e a modalidade
desejada, pois resultados expressivos podem ser alcançados através de atividades
cotidianas assim como através de atividades programadas, como correr e caminhar19.

Um programa ideal deve ser realizado diariamente ou a maior parte dos dias, com
duração entre 30-90min, de forma contínua ou não, pelo menos 30min de exercícios de
moderada intensidade ou 20min de alta intensidade. A intensidade na fase aeróbia pode
ser determinada através do % de VO2 alcançado no teste cardiopulmonar (40-75% do
VO2 máx) ou do percentual através da FCmáx (55-85%) atingida no teste ergométrico.
Outra maneira seria através da escala de Borg entre 3 e 6 (escala de 0 a 10). O
treinamento de força poderá ser realizado com duas séries de 8 a 10 repetições de duas
a três vezes por semana, utilizando uma intensidade de 60% de 1 repetição máxima20,21.
10. Quais seriam os objetivos da APP em indivíduos pré-dispostos a entrar num
programa de exercícios? Por que fazer?

A APP é recomendável para todos os indivíduos que praticam exercício físico de


caráter competitivo ou não, afastando assim condições que possam ter no exercício um
gatilho para o desencadeamento de eventos graves, como por exemplo, morte súbita. A
APP é mais do que uma simples formalidade que possa permitir ou restringir a prática
de exercícios físicos, servindo como um check-up, incluindo: anamnese, exame físico,
ECG repouso, teste de esforço, exames laboratoriais e, se for o caso, um
ecocardiograma. Exames mais específicos ficam de acordo com a necessidade clínica.

Os objetivos da APP são:

Detectar precocemente condições ou doenças que ofereçam risco durante a


prática de exercícios (triagem de morte súbita cardíaca).
Fornecer informações que sirvam para determinar o grau de atividade
adequado ao nível de condicionamento físico da pessoa.
Avaliar condições clínicas que possam predispor a lesões.
Avaliar e aconselhar sobre alimentação e suplementação.

Realizar avaliação clínica e funcional do indivíduo22.

O primeiro objetivo é bastante importante se for considerada a ocorrência de morte


súbita relacionada ao exercício. Trata-se de um evento raro – não há números
confiáveis; alguns estudos indicam uma morte para cada 200.000 atletas ao ano – mas
de grande impacto na mídia. Basta lembrar o caso do zagueiro do São Caetano e do
jogador da seleção de Camarões. Esses eventos chocam por acometerem pessoas
jovens e atletas, tidas como os indivíduos mais saudáveis da população.

O ideal é que todo indivíduo candidato à prática de exercícios ou esportes,


aparentemente saudáveis ou coronariopatas, sejam submetidos a exame médico que
permita estratificar o grau de fatores de risco. Durante a anamnese podem ser utilizados
questionários desenvolvidos para uma triagem de eventos que necessitem de
investigação mais detalhada, como o Questionário de Prontidão para Atividade Física
(PAR-Q) – versão revisada em 199223:
1. Alguma vez um médico disse que você possui um problema do coração e lhe
recomendou que só fizesse atividade física sob supervisão médica?
2. Você sente dor no peito, causada pela prática de atividade física?
3. Você sentiu dor no peito no último mês?
4. Você tende a perder a consciência ou cair, como resultado de tonteira ou
desmaio?
5. Você tem algum problema ósseo ou muscular que poderia ser agravado com a
prática de exercício físico?
6. Concluindo, a avaliação cardiológica é importante em qualquer indivíduo
que deseja praticar qualquer exercício físico como lazer ou em nível de
competição.

Saber diferenciar os achados de hipertrofia cardíaca fisiológica ou cardiomiopatia


hipertrófica é de extrema importância, pois a CMPH é responsável por mais da metade
das mortes súbitas em jovens com menos de 35 anos de idade24.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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Seção 15. Doenças Congênitas

Sopro Inocente na Infância e na Adolescência


Como Avaliar o Recém Nascido com Suspeita de Enfermidade
Cardiovascular Congênita?
Forame Oval Patente: Quando Está Indicada a Intervenção Por Cateter?
Hipertensão Arterial Pulmonar
O Ducto Arterioso no Adolescente e no Adulto: Intervenção por Técnicas
Hemodinâmicas
SOPRO INOCENTE NA INFÂNCIA E NA
ADOLESCÊNCIA

Aline de Souza Abreu


Márcia Arruda Gondim

CASO CLÍNICO
Menino de 6 anos de idade, previamente hígido, procurou o pediatra assistente com
história de febre aguda, sem queixas cardiovasculares. Na ausculta cardíaca, foi
observada a presença de sopro sistólico de intensidade de 2+ em 6+, localizado em
borda esternal esquerda alta. O restante do exame clínico cardiovascular foi sem
alterações. Após 48 horas do início do quadro, já afebril, foi avaliado por
cardiologista, não sendo mais auscultado o sopro cardíaco que o referenciou. A
radiografia de tórax, o eletrocardiograma (ECG) e a ecocardiografia Doppler
(EcoDoppler) foram normais.

OBJETIVOS
1. Conceituar, caracterizar e distinguir os diferentes tipos de sopros inocentes
na faixa etária pediátrica, discutindo seu diagnóstico.
2. Discutir a história clínica, o exame físico e a investigação complementar
como necessários para sua avaliação.
3. Avaliar o momento de o paciente com sopro funcional ser referenciado ao
especialista.

PERGUNTAS
1. O que é o sopro inocente?

Sopro inocente é o que ocorre na ausência de anormalidades anatômicas ou fisiológicas


do coração ou da circulação. Também podem ser chamados de funcionais, fisiológicos,
benignos ou normais1-9. Estes são definidos como sistólicos ou contínuos, e são
excepcionalmente diastólicos.

O sopro funcional ocorre em qualquer indivíduo, sendo mais comum em crianças. O


restante do exame clínico cardiovascular, da história clínica, da aparência física, da
radiografia de tórax, do ECG e do ecoDoppler são todos normais.

A origem dos sopros inocentes ainda é controversa. Na maioria das vezes, atribui-se
sua origem a fluxos turbulentos, originados em áreas de estreitamento na saída dos
ventrículos esquerdo (sopro de Still) ou direito (sopro de ejeção pulmonar), ou em
áreas de ramificações de artérias (sopro supraclavicular) e, no caso do zumbido
venoso, à turbulência originada pelo retorno venoso na confluência das veias
inominada, jugular interna e subclávia direita. Esses fluxos turbulentos provavelmente
são mais audíveis na criança porque as vias de saída são proporcionalmente mais
estreitas, e as estruturas cardíacas ficam mais próximas da parede torácica3.

2. Qual a prevalência de sopro inocente na população pediátrica?

O sopro cardíaco constitui a causa mais comum de avaliação cardiológica na


população pediátrica. Aproximadamente 50% das crianças apresentam sopro audível,
dos quais 0,8%7,8,10,11 são patológicos. Entretanto, são importantes no diagnóstico
diferencial nos neonatos e lactentes, nos quais as cardiopatias congênitas são
responsáveis por cerca de 84% dos sopros2, enquanto na idade escolar representam 0,1
a 0,2%11.

Dados da literatura demonstram que o sopro cardíaco inocente tem prevalência entre
50% e 90% dos sopros auscultados3,12-15, ocorrendo principalmente em crianças na
fase pré-escolar e escolar12,16,17, sem preferência por sexo18. Nos recém-nascidos, o
sopro inocente corresponde em sua maioria à estenose relativa de artérias
pulmonares19.

3. Quais são os tipos de sopros inocentes?

O conhecimento dos vários tipos de sopros inocentes é necessário na avaliação


cardiovascular de doença cardíaca orgânica. Existem cinco tipos de sopros sistólicos,
três contínuos e um diastólico na idade pediátrica que serão abordados neste capítulo:

3.1 Sopros Sistólicos

3.1.1 Sopro de Still ou Sopro vibratório precordial

Trata-se do sopro inocente mais comum. Foi descrito por Still, em 1909 (apud
Saunders1) e resulta da alteração do fluxo na transição do ventrículo esquerdo (VE)
para a aorta. Sua característica principal é o som vibratório, semelhante ao de uma
corda sob tensão. Este ruído é encontrado principalmente em crianças entre dois e seis
anos, raramente auscultado em lactentes, possuindo incidência decrescente até a
adolescência. Encontra-se relação entre o desenvolvimento puberal e o
desaparecimento do sopro. Possui prevalência em torno de 70-85% nas crianças em
idade escolar4.

A intensidade é geralmente grau 2 de 6, variando de 1 a 3. O sopro é máximo entre o


ápice e a borda esternal esquerda baixa. Trata-se de som musical, protossistólico e de
baixa frequência, ouvindo-se melhor com a campânula do estetoscópio. A analogia
acústica mais próxima é a vibração de um elástico esticado ou uma corda ou um
diapasão. A intensidade é máxima em decúbito e aumenta com o exercício, ansiedade
ou febre, enquanto as manobras de Valsalva e o ortostatismo tornam-no menos
perceptível.

O diagnóstico diferencial se faz com a comunicação interventricular (CIV) de pequeno


diâmetro, ou a miocardiopatia hipertrófica ou a estenose subaórtica discreta, cujos
sopros não apresentam características musicais, são de maior intensidade, não se
alteram com a mudança de decúbito e podem estar associados a frêmito.

O mecanismo do sopro de Still ainda não foi completamente estabelecido. Diversas


teorias têm sido propostas para sua etiologia: estreitamento fisiológico da via de saída
do VE (VSVE), hipermobilidade sistodiastólica das cordas da válvula mitral4,12, menor
diâmetro aórtico20 ou a presença de falsos tendões ventriculares esquerdos21. Vários
termos têm sido aplicados para esses filamentos de tecido que cruzam a cavidade
ventricular esquerda: falsos tendões, falsas cordoalhas tendíneas ou bandas de VE.
Acredita-se que as bandas de VE vibrem periodicamente durante a sístole ventricular e
transmitam suas vibrações para a parede torácica.

3.1.2 Sopro sistólico pulmonar inocente

Tem origem na via de saída do ventrículo direito / artéria pulmonar. É auscultado em


crianças, adolescentes e adultos jovens. Localiza-se no segundo espaço intercostal
esquerdo com a borda esternal, podendo irradiar-se para cima e para a esquerda. Este
sopro começa após a primeira bulha, termina antes da segunda bulha e tem padrão em
crescendo-decrescendo (mesossistólico).

Ao contrário do sopro vibratório de Still, tem um timbre mais alto e é melhor audível
com o diafragma do estetoscópio. Sua intensidade é de 2+/6+ podendo chegar a 3+,
sendo mais audível com o paciente em posição supina durante expiração mantida, em
pessoas magras, na presença de pectus excavatum, tórax plano, cifoescoliose e em
situações que levam ao aumento do débito cardíaco: exercício, febre, agitação e doença
aguda2,3. Atenua-se com a manobra de Valsalva e ortostatismo.

Ocorre devido às vibrações no tronco pulmonar durante a sístole ventricular direita.


Após a adolescência, podem ser audíveis durante a gravidez ou em indivíduos com
anemia.

O diagnóstico diferencial se faz com a comunicação interatrial (desdobramento fixo de


B2) e com a estenose da válvula pulmonar (presença de click, frêmito sistólico e maior
duração do sopro).

3.1.3 Sopro sistólico pulmonar periférico

O sopro sistólico pulmonar periférico é ocasionalmente audível em neonatos saudáveis,


especialmente em prematuros. Cerca de 50% dos neonatos com sopro inocente
apresentam este tipo de sopro22, que atingem 1+ a 2+/6+, com timbre moderadamente
alto e com igual intensidade no tórax anterior à direita e à esquerda, região axilar e
dorso. A frequência respiratória elevada dos neonatos, o som semelhante à respiração e
a sua localização periférica são fatores que levam ao seu não reconhecimento. São mais
audíveis com o neonato em posição supina ou em prona, usando o diafragma do
estetoscópio no precórdio, dorso e região axilar, e com a interrupção da
respiração.Este sopro é, por definição, característico do período neonatal; pode estar
ausente na primeira consulta pediátrica e raramente persiste além do terceiro / sexto
mês de vida3,22.

O sopro sistólico pulmonar periférico normal é indistinguível do sopro de estenose


pulmonar periférica e de seus ramos. Tal analogia leva à análise do mecanismo de
geração. No feto, o tronco pulmonar é relativamente dilatado, pois recebe o débito de
um VD de alta pressão. Quando os pulmões se expandem ao nascer, a diferença de
diâmetro entre o tronco pulmonar e os ramos direito e esquerdo persiste
transitoriamente, especialmente nos prematuros. Além da desproporção de tamanho, os
ramos pulmonares se originam em ângulos relativamente agudos do tronco pulmonar.
Essas características anatômicas permitem a turbulência e a queda fisiológica da
pressão sistólica do tronco pulmonar para as demais artérias pulmonares.

3.1.4 Sopro sistólico supraclavicular

O sopro sistólico arterial supraclavicular normal é audível em crianças e adultos


jovens, sendo mais audíveis acima das clavículas e à direita, podendo se irradiar
bilateralmente, na região supraesternal e irradiar para abaixo das clavículas. Pode
atingir 4+/6+ e ser acompanhado de frêmito. A ausculta é feita com o paciente sentado e
olhando para a frente, com os ombros, antebraços relaxados e as mãos sobre o colo. A
campânula do estetoscópio é posicionada na fossa supraclavicular. O sopro é em
crescendo-decrescendo, de início abrupto e de curta duração, ocupando a metade ou
2/3 da sístole.

A compressão parcial da artéria subclávia intensifica o sopro, enquanto uma


compressão suficiente para obliterar o pulso radial ipsilateral causa o seu
desaparecimento. Movimentações nos ombros são úteis na sua identificação. Os
ombros são então hiperestendidos e trazidos para a frente com os cotovelos levados em
ângulo agudo para trás. Quando essa manobra é realizada suave, porém rapidamente, o
sopro tipicamente diminui ou desaparece. A causa do sopro sistólico supraclavicular
não está clara, mas tudo indica que se forme na ramificação das artérias
braquiocefálicas, especialmente a subclávia, próximo à sua origem aórtica2,3.
É importante distingui-lo do sopro da estenose aórtica, da válvula aórtica bicúspide
estenótica ou não (importante diagnóstico diferencial devido aos riscos potenciais na
história natural, como a endocardite infecciosa) e das estenoses pulmonares. Nessas
doenças, o sopros são de maior intensidade nos focos da base e com irradiação para o
pescoço.

3.1.5 Sopro cardiorrespiratório

Em 1915, Richard Cabot (apud Saunders1) descreveu este sopro como audível abaixo
da clavícula esquerda ou do ângulo da escápula esquerda, bem como próximo ao ápice
do coração e menos comumente em outras partes do tórax3. A grande maioria é
sistólica, mas podem ser diastólicos. São geralmente afetados pela posição da criança e
mais audíveis ao final da inspiração.
O mecanismo responsável por este sopro permanece desconhecido.

3.2 Sopros Contínuos

3.2.1 Zumbido venoso

O zumbido venoso foi descrito por Potain em 1867 (apud Saunders1), sendo o tipo mais
comum de sopro contínuo3. Audível em crianças entre 3 anos e 8 anos, podendo ocorrer
com menor frequência em adultos jovens saudáveis. A intensidade máxima deste sopro
é na fossa supraclavicular lateral ao músculo esternocleidomastoideo, podendo se
irradiar bilateralmente, mas em geral e é mais proeminente à direita. Originam-se na
zona de conexão das veias jugulares, subclávias e braquiocefálicas com a veia cava
superior2. O zumbido venoso alto em crianças irradia-se para abaixo das clavículas,
sendo frequentemente confundido com sopro de persistência do canal arterial (PCA).
Sua abolição com a compressão digital e pela manobra de Valsalva o distingue do
sopro de PCA. A intensidade varia de 1+ a 6+, e pode ser percebido pelo paciente.

É mais audível com o paciente sentado e com a campânula aplicada na região média da
fossa supraclavicular, a mão esquerda segurando o queixo do paciente por trás e o
girando suavemente para a esquerda e para cima. Pode aumentar à inspiração profunda.

O termo “zumbido” não necessariamente caracteriza a qualidade desse sopro cervical


venoso, que pode ser rude e ruidoso e, ocasionalmente, piante. O zumbido é contínuo,
apesar de ser tipicamente mais alto na diástole.

O mecanismo do zumbido venoso é desconhecido. O fluxo laminar silencioso na jugular


interna pode ser acelerado pela deformação da veia na altura do processo transverso do
atlas durante a rotação cervical.

3.2.2 Sopro mamário

Bem menos comum, este sopro é audível em adolescentes, no final do período


gestacional e no período puerperal precoce em mulheres lactantes2,3,7. O sopro, como
todos os sopros arteriais, é restrito à sístole ou é mais alto na sístole, se contínuo. O
componente sistólico foi reconhecido por van den Bergh em 1908 (apud Saunders1), e
começa após a primeira bulha. A duração do sopro é variável, indo de curto
(mesossistólico) a longo (indo até a segunda bulha).

A continuação do sopro sistólico além da segunda bulha foi mencionada por Morgan
Jones em 1951 (apud Saunders1), e resulta no sopro contínuo mamário. Intensidade
máxima pode ser observada em qualquer ponto da mama, tendo uma tendência de ser
mais alto no segundo ou terceiro espaço intercostal direito ou esquerdo. O timbre é
alto, porém o som não é musical. É mais audível com o paciente em posição supina,
com uma leve compressão pelo estetoscópio e pode desaparecer na posição sentada. A
intensidade pode variar dia a dia, hora a hora ou até a cada batimento.

O surgimento tardio, a acentuação sistólica, a frequência relativamente alta e a


persistência durante a manobra de Valsalva indicam favoravelmente a origem arterial.

O sopro contínuo mamário tem diagnóstico diferencial com PCA ou fístula


arteriovenosa. Obliteração por compressão local exclui o PCA. Uma fístula
arteriovenosa pode gerar sopro contínuo, porém é máximo na sístole e se atenua com
pressão. A variação diária do sopro mamário e seu invariável término ao final da
lactação são características clínicas.

3.2.3 Sopro cefálico contínuo

Os sopros cefálicos de baixa intensidade, geralmente contínuos e menos frequentemente


sistólicos, são às vezes auscultados em qualquer porção do crânio durante a primeira
década de vida3,7. Seu mecanismo é desconhecido. É importante lembrar-se dele no
diagnóstico diferencial ao se suspeitar de fístula arteriovenosa cerebral em criança com
insuficiência cardíaca de alto débito.

3.3 Sopro Diastólico:


O sopro diastólico solitário pode estar presente durante os primeiros três ou quatro
dias de vida em neonatos normais3. Este sopro é melhor audível na base esquerda,
possui grau 2 a 3 em 6, é holo ou mesodiastólico e provavelmente tem origem dentro do
ducto arterioso neonatal. Estrutura semelhante a uma válvula presente na extremidade
pulmonar do ducto é considerada a responsável pelo fluxo diastólico seletivo antes do
fechamento ductal3.

4. Como proceder diante da criança com sopro?

4.1 História

História familiar de cardiopatias


História gestacional (sofrimento intrauterino - possibilidade de isquemia
miocárdica, infecções congênitas, uso de medicações teratogênicas, álcool ou
drogas ilícitas durante a gestação, suspeita de cromossomopatias, presença
de diabetes gestacional – maior risco de PCA, cardiomiopatia hipertrófica,
coarctação da aorta, transposição dos grandes vasos, CIV)
História perinatal (prematuridade, baixo peso ao nascimento)
História de doenças anteriores – pneumonia de repetição, miocardite viral,
febre reumática
Crescimento e desenvolvimento – ganho ponderal
História da doença atual – dificuldade de sucção, diaforese, intolerância ao
exercício, dor precordial, síncope

4.2 Exame físico:

Exame cardiovascular clínico de rotina, com avaliação dos pulsos e pressões nos
quatro membros, com a criança tranquila, e interpretar os dados de acordo com os
padrões por faixa etária.

Observar irritabilidade, dismorfismos, deformidade torácica, circulação colateral,


turgência jugular, cianose, palidez (anemia?), sudorese, edema, baqueteamento digital
(hipoxemia), taquidispneia, precórdio hiperdinâmico.

À palpação do tórax, busca-se a localização e extensão do íctus e a presença de


frêmitos. A detecção de frêmito é sempre sugestiva de cardiopatia, principalmente
associada ao sopro.

A palpação dos pulsos é também muito importante: pulsos amplos nas extremidades
superiores e fracos ou ausentes em membros inferiores sugerem coarctação da aorta; os
amplos nos quatro membros ocorrem nos estados hipercinéticos (PCA com repercussão
hemodinâmica, grandes fístulas arteriovenosas sistêmicas, insuficiência aórtica). Pulsos
de baixa amplitude associam-se às taquiarritmias, insuficiência cardíaca e baixo débito
cardíaco.

A ausculta cardíaca deve ser realizada em diferentes focos com a campânula e o


diafragma do estetoscópio. Caracteriza-se detalhadamente o sopro, referindo a sua
localização, duração, posição relativa no ciclo cardíaco, intensidade, configuração,
frequência, qualidade e sua variação com algumas manobras (alterações posturais,
Valsalva). A presença de um terceiro / quarto som, um cardíaco, alteração do
desdobramento fisiológico da segunda bulha ou da intensidade das bulhas sugerem
cardiopatia.click ou estalido

4.3 Exames Complementares:

No sopro inocente encontram-se normais a radiografia de tórax, o eletrocardiograma e


o ecocardiograma. Assim, a necessidade de exames complementares na investigação
inicial é dependente da experiência do cardiologista e caso o sopro tenha
características patológicas ou que sejam sugestivos a história clínica cardiovascular, a
sintomatologia e/ou alterações no exame físico, o grau de cooperação da criança, a
possibilidade ou não do seguimento da criança e a ansiedade dos pais1,5,8,9,23-29.

Após a conclusão de que o sopro é inocente, torna-se importante explicar os achados


aos pais, enfatizando que se trata apenas de um som ou ruído e que, por si só, não
significa anormalidade do sistema cardiovascular. Não se deve afirmar que o sopro
desaparecerá, pois o mesmo pode permanecer até a idade adulta.

Finalmente, quando um diagnóstico mais detalhado for necessário ou houver dúvidas, a


melhor opção para a criança e a família é a realização de exames complementares
adequados. Entretanto, é importante ressaltar que estudos mostram que cardiologistas
experientes são capazes de detectar o sopro inocente com sensibilidade de 92% a
97,6% e especificidade de 94% a 95%28,30,31.
Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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COMO AVALIAR O RECÉM-NASCIDO COM
SUSPEITA DE ENFERMIDADE
CARDIOVASCULAR CONGÊNITA?

Luiz Carlos do Nascimento Simões


Cecília Segadaes Romeiro

CASO CLÍNICO
Recém-nascido de parto normal, feminino, com peso de 3640g, com história de cianose
transitória ao chorar nas primeiras horas de vida.
Exames de rotina “pré”-natais normais, inclusive o estudo ecoDopplercardiográfico
fetal.

Primeiro filho de pais jovens, sem história familiar de cardiopatia congênita na


família.
O exame clínico “pré”-alta hospitalar foi considerado normal. Com uma semana de
vida, início de cansaço ao mamar e cianose ao chorar. Segundo a mãe o cansaço e a
irritabilidade foram progressivos.
Retorno ao pediatra, que observou o recém-nascido irritado, taquicárdico
(FC=155bpm), taquipneico (FR=58irpm), e com leve esforço respiratório. À palpação,
demonstrava pulsos difíceis em membros inferiores.

Com o diagnóstico de insuficiência cardíaca e coarctação da aorta neonatal foi


encaminhada para internação em Unidade de Cuidados Intensivos e avaliação
cardiovascular.

À admissão na Unidade, demonstrava presentes os dados identificados pelo pediatra,


ao qual se somou a presença de hipertensão arterial em membros superiores
(160x90mmHg) e de galope ventricular.

Solicitada avaliação cardiovascular, que confirmou a hipótese clínica, sendo


confirmada pelo estudo ecoDopplercardiográfico (Figura 1).

Evolução do recém-nascido para falência respiratória (retenção de CO2), sendo


indicado o uso de prostaglandina E1 para reabertura ductal e estabilizar o fluxo aórtico.

Com 48 horas de infusão de prostaglandina E1 e estabilização do quadro de


insuficiência cardíaca e com bom débito urinário, indicada a cirurgia de correção da
coarctação da aorta.

Alta hospitalar em oito dias após cirurgia, para controle ambulatorial.

Figura 1
EcoDopplercardiograma transtorácico demonstrando a presença de coarctação da aorta justaductal.

OBJETIVOS
1. Identificar as principais cardiopatias congênitas no recém-nascido.
2. Sugerir orientação clínica para o diagnóstico.
3. Rever as principais cardiopatias congênitas em sua classificação por
fisiopatologia e por estratificação de risco.

PERGUNTAS
1. Qual a incidência das cardiopatias congênitas em recém-nascidos?

Admite-se uma incidência de oito casos de cardiopatia congênita para cada 1000
nascidos vivos1-5. Destes, 25-30% falecem no período neonatal caso o diagnóstico
precoce e medidas terapêuticas (clínica e intervencionista) não forem adotadas4,5.

2. Como se classificam as principais cardiopatias neonatais de acordo com a sua


fisiopatologia?

• Cardiopatias que cursam com obstrução da câmara de entrada e ou saída do


ventrículo esquerdo:

1. Hipoplasia de cavidades esquerdas com hipoplasia aórtica


2. Hipoplasia de cavidades esquerdas com aorta normal
3. Coarctação da aorta
4. Estenose aórtica crítica neonatal
5. Interrupção do arco aórtico

No período neonatal esses defeitos normalmente se apresentam com sinais e sintomas


de insuficiência cardíaca congestiva4. A coarctação da aorta (CoAo) é a malformação
mais frequente do grupo, mas todas as outras entidades devem ser consideradas no
diagnóstico diferencial.

O local da CoAo mais frequente é o istmo aórtico – região compreendida entre a


origem da subclávia esquerda e o extremo aórtico do ducto arterioso. A CoAo pode se
apresentar isolada ou associada a outros defeitos. Os defeitos intracardíacos que se
associam com mais frequência à CoAo são: válvula aórtica congenitamente malformada
(bicúspide) e a comunicação interventricular4. O defeito extracardíaco mais frequente é
a persistência do ducto arterioso4,6.

Dois são os dados clínicos característicos da síndrome da coarctação da aorta


neonatal: ausência ou diminuição dos pulsos femorais em relação aos braquiais; e a
presença de insuficiência cardíaca de início brusco e intensa gravidade e com difícil
controle clínico. A presença de cardiomegalia não guarda, em muitos casos, relação
com a severidade do quadro clínico. A circulação pulmonar evidencia principalmente
nos casos graves sinais de congestão venocapilar pulmonar6.

• Cardiopatias que cursam com cianose e hiperfluxo pulmonar no período neonatal:

1. Transposição dos grandes vasos da base*


2. Conexões atrioventriculares univentriculares*
3. Atresia tricúspide*
4. Tronco arterioso comum
5. Dupla-via de saída do ventrículo direito*
6. Dupla-via de saída do ventrículo esquerdo*
7. Anomalia total do retorno venoso pulmonar

* ausência de estenose valvular pulmonar

A transposição dos grandes vasos da base (TGVB) é a malformação mais frequente e


característica, mas outros defeitos deste grupo podem se apresentar no período neonatal
com exuberante clínica, como a anomalia do retorno venoso pulmonar e o tronco
arterioso comum6. A TGVB, nas formas com septo interventricular íntegro, tem quadro
característico com hipoxemia importante, de aparecimento precoce, manifestada por
cianose intensa e progressiva4,6.

• Cardiopatias que cursam com hiperfluxo pulmonar sem cianose:

1. Comunicação interventricular
2. Comunicação interatrial
3. Ducto arterioso persistente
4. Janela aortopulmonar
5. Fístula arteriovenosa sistêmica
6. Origem anômala da artéria pulmonar da aorta ascendente

A magnitude do shunt da esquerda para a direita (e consequentemente da sintomatologia


clínica) está na dependência do defeito e do comportamento da resistência vascular
pulmonar. Habitualmente não se manifestam com sintomas no primeiro mês de vida,
mas a associação desses defeitos com a estenose mitral, a estenose aórtica, a
coarctação da aorta, pode precipitar o desenvolvimento da sintomatologia. A presença
do ducto arterioso no pré-termo está frequentemente associada ao distress respiratório,
e sinais clínicos podem estar ausentes principalmente naqueles com peso abaixo de
1500g e em respiração assistida.

• Cardiopatias que cursam com hipofluxo pulmonar e shunt direito-esquerda a nível


atrial:

1. Estenose pulmonar crítica


2. Atresia pulmonar com septo íntegro
3. Atresia tricúspide (quando associada à estenose pulmonar)
4. Anomalia do miocárdio ventricular direito (Enfermidade Ebstein e a
hipoplasia isolada do ventrículo direito)
5. Patologia pulmonar (persistência do padrão fetal da circulação pulmonar)

A sintomatologia e o tempo de aparecimento dos sintomas vão depender do grau de


obstrução ao fluxo pulmonar e de anomalias associadas com a gravidade de
envolvimento do miocárdio ventricular direito e da gravidade da lesão da válvula
tricúspide.

A enfermidade de Ebstein pode se apresentar no período neonatal pela impossibilidade


do ventrículo direito desenvolver pressão suficiente para vencer a resistência vascular
pulmonar ainda elevada. Com a queda natural da resistência vascular pulmonar, a
evolução desses recém-nascidos tende a ser satisfatória, desde que não exista um
comprometimento importante do miocárdio ventricular direito.

Algumas dessas doenças têm o fluxo sanguíneo exclusivamente dependente do ducto


arterioso e, nesses casos, quando de sua oclusão ou diminuição espontânea do seu
calibre, pode ocorrer um quadro crítico de insaturação no período neonatal.

• Cardiopatias que cursam com hipofluxo pulmonar e shunt direito-esquerda a nível


ventricular:

1. Tetralogia de Fallot
2. Atresia pulmonar com comunicação interventricular
3. Dupla-via de saída do ventrículo direito com comunicação interventricular e
estenose pulmonar.
4. Transposição dos grandes vasos da base com comunicação interventricular e
estenose pulmonar.
5. Conexões atrioventriculares univentriculares e estenose pulmonar.

Estas malformações quando se apresentam no período neonatal têm graves obstruções à


via de saída pulmonar (valvular e infundibular). Habitualmente como em algumas
doenças do grupo anterior, são dependentes do ducto arterioso e podem se apresentar
criticamente enfermos quando do fechamento ou diminuição espontânea do calibre
ductal.

• Cardiopatias que cursam com insuficiência cardíaca por disfunção miocárdica no


período neonatal:

1. Miocardiopatias (dilatada e hipertrófica)


2. Enfermidades miocárdicas infecciosas
3. Causas isquêmicas (isquemia transitória do recém-nascido, origem anômala
da coronária esquerda)
4. Causas metabólicas (hipoglicemia, hipocalcemia)

Este grupo tem origem etiopatogênica diferente. As causas são as mais diversas e nelas
incluem-se anomalias estruturais, metabólicas, infecciosas e isquêmicas. Embora a
idade habitual de apresentação das miocardiopatias dilatadas oscile entre 3-12 meses,
podem se constituir, em alguns casos, como urgências no período neonatal. A isquemia
transitória do recém-nascido caracteriza-se por um quadro de insuficiência cardíaca,
com dificuldade respiratória, em crianças sem cardiopatia estrutural. Atribui-se à
asfixia por sofrimento respiratório neonatal agudo que condiciona a isquemia
miocárdica.

• Enfermidades do ritmo no recém-nascido:

1. Arritmias cardíacas que resultam em frequência cardíaca baixa (bloqueio


atrioventricular congênito completo, bradicardia sinusal)
2. Arritmias cardíacas que resultam em frequência cardíaca elevada
(taquicardia sinusal, taquicardia supraventricular, taquicardia ventricular)
3. Extrassístoles (atriais, juncionais, ventriculares)

As arritmias podem ocorrer secundárias a distúrbios respiratórios, metabólicos,


hipoxêmicos, hipercapnia, ou associados a malformações estruturais. As extrassístoles
atriais e juncionais constituem-se em achados frequentes no período neonatal. O
bloqueio atrioventricular congênito completo, apesar de ser bem tolerado, pode levar a
quadros de repercussão hemodinâmica.

Nas formas sem malformações congênitas associadas, observa-se incidência


relativamente elevada de enfermidades autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico). O
prognóstico vai depender fundamentalmente da frequência ventricular, mas outros dados
incluem negativamente no prognóstico como a presença de extrassístoles ventriculares,
associação com cardiopatias congênitas, prolongamento do QT e, sobretudo, a presença
de insuficiência cardíaca.

Os quadros de taquicardia supraventricular geralmente se apresentam com frequência


>200bpm, não raro alcançando 300bpm. Muitas vezes associam-se a sinais e sintomas
de insuficiência cardíaca7.

3. Como classificar as cardiopatias congênitas de acordo com o risco clínico8-17?

• Cardiopatias congênitas com risco de morte


São malformações cardíacas estruturais nas quais o colapso cardiovascular ocorrerá se
não tratadas precocemente. Incluem: transposição dos grandes vasos de base,
coarctação da aorta, interrupção do arco aórtico, estenose aórtica crítica do RN,
hipoplasia do coração esquerdo (atresia mitral), atresia pulmonar e a drenagem
anômala total das veias pulmonares obstrutiva5.

• Cardiopatias congênitas clinicamente significativas

São malformações cardíacas estruturais que afetam a função cardiovascular e nas quais
não há necessidade de intervenção cardiovascular precoce ou pode mesmo não ocorrer.
Os defeitos mais representativos deste grupo incluem as comunicações
interventriculares, defeito do septo atrioventricular, comunicações interatriais e a
tetralogia de Fallot de boa anatomia5.

• Cardiopatias congênitas clinicamente não significativas

São malformações cardíacas estruturais anatomicamente definidas, mas que não alteram
a função cardiovascular. Neste grupo incluem-se as comunicações interventriculares
pequenas, as comunicações interatriais pequenas, a estenose pulmonar leve e a válvula
aórtica congenitamente malformada sem estenose ou com estenose leve5.

4. Quais são as opções de tratamento18-34?

O reconhecimento precoce das malformações cardíacas que necessitam de um


tratamento clínico ou cirúrgico imediato é condição essencial para salvar a vida dos
recém-natos. Nesse aspecto impõem-se o mais precocemente possível a avaliação
clínica cardiovascular e os exames complementares cardiovasculares (radiografia de
tórax, eletrocardiograma, ecocardiografia com Doppler).

O pediatra ou o cardiologista, ao ter contato com um recém-nascido que apresenta


enfermidade cardíaca, deve procurar colocá-lo em grupos que tenham características
clínicas e cuidados terapêuticos similares. Basicamente o tratamento médico-cirúrgico
das cardiopatias no período neonatal deve incluir:

1. Diagnóstico precoce
2. Tratamento médico da falência cardíaca e das complicações respiratórias
3. Tratamento da hipoxemia
4. Planejar a indicação de: cateterismo cardíaco, cirurgia.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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FORAME OVAL PATENTE: QUANDO ESTÁ
INDICADA A INTERVENÇÃO POR
CATETER?

Francisco José Araujo Chamié de Queiroz


João Carlos Tress

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 42 anos, previamente assintomática, há aproximadamente um mês
apresentou quadro súbito de tonteira acompanhada de afasia e perda de força muscular
em ambos os membros superiores. Apresentou, também, desvio de comissura labial. O
quadro teve duração de 10min e reverteu espontaneamente. Procurou socorro médico e
foi internada.
A pesquisa de fatores de risco mostrou hipertensão arterial compensada, ausência de
diabetes. As artérias carótidas e vertebrais não apresentavam quadro obstrutivo ou
placas ateromatosas. Não foram detectadas tromboses venosas periféricas.

Exame Físico: PA =140/90mmHg; FC =92bpm


Pulsos arteriais de amplitude e forma normais, universalmente palpáveis simétricos e
isócronos com homólogos.
Precórdio calmo. Íctus de VE coberto por duas polpas digitais, no 5º EICE, na linha
médio-clavicular.
ACV: RCR 3t B4, B1 normal, B2 desdobrada fisiologicamente com A2>P2. Ausência
de sopros em precórdio e carótidas.
Pulmões limpos. Abdome sem visceromegalias. MMII sem edemas.

Exames Complementares:
A ressonância magnética cerebral mostrou área isquêmica e foi diagnosticado acidente
vascular cerebral encefálico isquêmico (AVEi).

O ecocardiograma transesofágico mostrou presença de forame oval patente (FOP),


medindo 6,6X2mm. O teste de bolhas realizado em veia do braço mostrou passagem de
microbolhas do átrio direito para o esquerdo através do forame, após a liberação da
manobra de Valsalva (Figura 1).

Figura 1
Ecocardiograma transesofágico durante a realização do teste de bolhas mostra o átrio direito completamente
preenchido por microbolhas. Existe passagem de bolhas para o átrio esquerdo através do forame oval.

OBJETIVOS
1. Caracterizar forame oval patente e sua principal implicação clínica.
2. Discutir a metodologia correta para o diagnóstico de forame oval patente.
3. Analisar as indicações atuais de tratamento do forame oval.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso apresentado?

Numa paciente jovem com AVE, descartadas as outras possíveis causas para AVE, resta
apenas a possibilidade de embolia paradoxal através do forame oval.

2. Qual a incidência e prevalência do forame oval na população?

Em 1931, Patten1 apresentou um estudo anatômico por faixas etárias, mostrando a


prevalência de FOP estimada em 50% até a idade de 2 anos; 35% entre 2 e 20 anos e
em cerca de 25% da população geral acima de 20 anos. Em séries de autopsia, o
forame pode permanecer aberto em cerca de 20% a 27,3% das pessoas1.

Lock2 estima a prevalência de FOP em 10% a 15% na população adulta normal. Parece
consenso entre a maioria dos trabalhos que cerca de 1/4 da população geral seja
portadora de forame oval patente.

3. Qual a importância do forame oval na gênese dos fenômenos embólicos?

Cohnhein3, em 1887, fez a primeira descrição de FOP relacionada à embolia paradoxal,


ao realizar a necropsia de uma mulher jovem que havia falecido em decorrência de
AVE. Na ocasião, sugeriu que a causa do óbito fosse a passagem de um coágulo através
do forame oval patente, alojando-se na circulação cerebral.

Em 1900, Fawcett e Blachford4 estabeleceram o forame oval como potencial canal


anatômico entre o átrio direito e o esquerdo.

4. Qual o papel do forame oval na fisiopatologia do AVE isquêmico?


O termo acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi) se refere à interrupção do fluxo
sanguíneo ao cérebro, resultando em lesão cerebral, frequentemente acompanhado de
alguma sequela. Cerca de 75% a 80% dos AVE são de origem isquêmica5.

Um AVEi pode ser causado por diversos processos fisiopatológicos diferentes. A causa
sugerida pode representar alteração de grandes artérias (como estenose de artérias
carótidas internas) em 20% a 25% dos casos; de pequenas artérias provocando infarto
lacunar em 20%; e acidente cardioembólico (como fibrilação atrial) em 20% a 25%
dos casos. Estudos sugerem que nenhuma causa é encontrada em 30% a 40% dos
pacientes (AVE criptogênico – AVEic)6.

Estudando pacientes abaixo dos 55 anos, Cabanes et al.7 encontraram AVE


criptogênicos (AVEic) em 64% dos casos.

Nos EUA, a incidência anual de AVE é estimada em 750.000 casos, com mortalidade
de 27%8. Isso torna o AVE a terceira principal causa de morte, somente atrás das
doenças cardíacas e do câncer5.

O tempo médio de sobrevida após um AVE é de sete anos, período no qual o paciente
fica mais sujeito à recorrência do que a população geral6.

Os AVEic provavelmente são provocados por diversos fatores mas, a imensa maioria
deles, apresenta um dado comum que é a patência do forame oval9. A presença de FO
como facilitador desses eventos tem sido cada vez mais relatada pela maioria dos
autores, principalmente no que diz respeito ao AVE em pacientes jovens.

Em 1988, Lechat et al.10, estudando uma população de 60 pacientes, todos abaixo de 55


anos, com AVEi e exame cardiológico normal, encontraram uma prevalência de FOP em
54% dos pacientes sem causa identificada do seu AVE e sem fatores de risco; 40% em
pacientes sem causa identificada, mas com fatores de risco; 21% em pacientes com uma
causa óbvia para o seu AVE; e somente 10% de prevalência de FOP no grupo-controle.

Estudando 61 pacientes, Steiner et al.11 encontraram FOP em 45% dos pacientes com
AVEic e somente em 23% dos pacientes com AVEi associado a outros fatores de risco
(aterosclerose de grandes vasos, isquemia lacunar e embolia cardiogênica). Da mesma
forma, Webster et al.12 encontraram uma prevalência de FOP de 50% em pacientes com
AVEi de origem inexplicada contra 15% no grupo-controle.
No Brasil, apesar de serem raros os estudos epidemiológicos publicados sobre doenças
cerebrovasculares, estas se constituem em uma das mais frequentes causas de óbito no
país13.

Diversos estudos têm mostrado evidente aumento da prevalência de FOP em pacientes


jovens com AVEic. Contudo, a relação de FOP e AVEic não tem sido demonstrada em
pacientes idosos14,15.

Vale lembrar que é muito difícil provar que o FOP seria realmente a fonte do êmbolo
em determinados pacientes, uma vez que quando eles procuram atendimento médico, o
evento embólico já ocorreu. Com isso, mesmo que se demonstre a presença de um
forame oval patente, pode-se apenas supor que o mesmo esteja envolvido como
facilitador do fenômeno embólico, após todas as outras causas possíveis terem sido
excluídas.

O estudo PELVIS16 mostrou que pacientes com AVEic têm mais possibilidade (20%) de
apresentar trombose venosa profunda (TVP) do que os pacientes que apresentam AVEi
com causa definida (4%).

Outra teoria interessante que explicaria a falta de visualização de trombos originadores


dos êmbolos é a que atesta que estados de estresse crônico são capazes de aumentar a
ativação plaquetária, levando à formação transitória de pequenos trombos em território
venoso são, de onde sairiam êmbolos que, ao passar pelo coração, poderiam ser
carreados através do forame oval para o átrio esquerdo, desencadeando o quadro de
embolia paradoxal em território cerebral (AVEi). Nessa situação, obviamente os
trombos não seriam detectados explicando os AVEic17.

Esses resultados chamam, indubitavelmente, a atenção para o FOP como a rota de


passagem dos êmbolos, um dos principais fatores envolvidos na fisiopatogênese do
acidente vascular encefálico isquêmico de origem desconhecida, principalmente em
adultos jovens, nos quais a associação de outras etiologias é menos prevalente.

5. Qual é o prognóstico de um paciente com AVEi causado por embolia


pareadoxal?

Bridges et al.18 postulam que se o AVEi devido à embolia paradoxal se assemelha a


outros AVEi cardioembólicos, então estes também seriam propensos a apresentar alto
risco de recorrência. Em concordância, Sievert15 afirma que pacientes com um primeiro
evento embólico, presumivelmente causado por um FOP, teriam risco aumentado de
eventos recorrentes; e cita o Lausanne Study, no qual a taxa de recorrência anual foi de
1,9% para AVEi, 1,9% para ataque isquêmico transitório (AIT) e 3,8% para a
combinação de AVCEi/AIT, independente do tratamento com antiagregantes
plaquetários ou anticoagulantes19.

Windecker et al.20 também relatam que pacientes com FOP e embolia paradoxal
estariam sob risco aumentado de tromboembolismo recorrente, com uma taxa
combinada de AVE e AIT de 3,4% a 3,8% por ano.

Mas et al.21 estudaram longitudinalmente 581 pacientes de 18 anos a 55 anos de idade


que tinham sofrido um AVEic. Todos foram medicados com aspirina. Após quatro anos,
o risco de AVE recorrente foi 2,3% entre os que tinham FOP isolado, 15,2% entre os
que tinham FOP e aneurisma de septo atrial (ASA), e 4,2% entre os que não tinham
nenhuma das duas anormalidades. Importante ressaltar que não houve recorrência de
eventos entre os pacientes que tinham ASA isolado21.

6. Como fazer o diagnóstico do forame oval e atestar sua patência?

A melhor maneira de se visualizar o forame oval é através do ecocardiograma


transesofágico (ETE) ou do ecointracardíaco (EIC). O ecotranstorácico (ETT) tem uma
sensibilidade mais baixa, principalmente em adultos.

Além da correta visualização do FO, é necessário também avaliar sua patência,


demonstrando a passagem de fluxo da direita para a esquerda como possível facilitador
de fenômeno emboligênico. O mapeamento de fluxo a cores não é suficientemente
sensível para demonstrar o fluxo, por vezes pequeno e de baixa velocidade. Para isso,
utiliza-se o teste de bolhas, realizado através de uma injeção de solução salina agitada,
em veia periférica. Idealmente deveria ser utilizada uma veia dos membros inferiores,
mas dificuldades de ordem prática para sua realização em consultório fazem com que a
injeção seja feita em veia do braço.

O fluxo da veia cava inferior (VCI) é naturalmente dirigido para o FO pela crista
dividens e pela válvula de Eustáquio. Dessa forma, o fluxo da veia cava superior
(VCS) é afastado da entrada do FO pelo fluxo da VCI, minimizando o shunt direita-
esquerda, e possibilitando resultados falso-negativos. Para aumentar a possibilidade de
passagem de sangue através do septo atrial utiliza-se a manobra de Valsalva, uma vez
que durante a fase de liberação existe a inversão do fluxo pelo septo atrial passando da
direita para a esquerda.

É muito importante determinar o tempo em que ocorre o aparecimento de bolhas em


átrio esquerdo. Quando a passagem se dá pelo septo atrial, normalmente as bolhas
aparecem em AE até três ciclos após a opacificação do AD22. Existem exceções,
quando na presença de aneurismas de septo atrial (ASA) o AD se opacifica
completamente, mas as bolhas só começam a passar após o septo aneurismático abaular
para o AE. Nesse caso observa-se, claramente, a passagem de bolhas pelo FO, mesmo
após três ciclos. A detecção tardia de bolhas em AE, excluindo-se a condição
mencionada, deve corresponder à passagem das bolhas por outro local que não o septo
atrial.

Resultados falso-positivos podem ocorrer em presença de fístulas arteriovenosas ou de


outras comunicações interatriais pequenas, principalmente as próximas à veia cava
inferior que, pela localização, não são detectadas pelo ETE, limitação não
compartilhada pelo EIC.

Ultimamente, alguns autores vêm utilizando o Doppler transcraniano (DTC) para a


detecção de FOP em pacientes ambulatoriais, embora esse método seja muito sensível é
pouco específico quando comparado ao ETE ou EIC23.

7. Quais são as opções de tratamento?

O tratamento tradicional é o medicamentoso, onde se utilizam agentes antiagregantes


(aspirina e/ou clopidogrel) ou anticoagulantes (warfarina ou enoxaparina). O risco de
recorrência de eventos embólicos com o tratamento medicamentoso varia de 2,3% a
14,4% por ano e a recorrência anual de AVE e morte é 1,2% a 7,2%19,21,24-27.

A anticoagulação apresenta um risco de complicações hemorrágicas de 9% a 15% por


ano e de 2% a 5% por ano de sangramento grave (cerebral e/ou necessidade de
transfusão)28,29.

O fechamento cirúrgico pode ser realizado com baixo risco. Homma et al.30 relataram o
resultado em 28 pacientes, com 18% de síndrome pós-pericardiotomia e quatro eventos
neurológicos recorrentes em 19 meses. Devuyst et al.31 não relataram eventos
neurológicos em dois anos de seguimento apesar de shunt residual em 13,34% dos
pacientes. Dearani et al.32 relataram oito eventos neurológicos em 91 pacientes em 24
meses de seguimento, com 6,6% de derrames pericárdicos necessitando drenagem em
4-6 pacientes.

O implante percutâneo de próteses para a oclusão do FO tem sido realizado por


diversos autores33,34 com altas taxas de sucesso e baixo risco (Figura 2). Após o
implante, a taxa combinada de AVE recorrente, AIT ou óbito foi de 0 a 2,95 eventos por
100 pessoas-ano.

Complicações maiores foram relatadas em 0,2% a 1,5% dos casos e menores em 7,9%
a 11,5%35,36. Foram encontrados shunts residuais moderados a grandes (>3mm ao
colorDoppler, ou >10 microbolhas), após 6 meses, em 5% dos casos37.

Figura 2
Ecocardiograma tridimensional mostrando prótese ocluindo forame oval, vista pelo átrio esquerdo.

Mais recentemente, Thaman et al.38, utilizando próteses de última geração, obtiveram


apenas um caso de AIT em 166 pacientes, ao final de um ano de seguimento. Bissessor
et al.39 relataram o fechamento em 70 pacientes e obtiveram oclusão completa em 6
meses em 97% dos casos, sem eventos neurológicos em 52 meses de seguimento.
8. Quais são as indicações atuais de tratamento percutâneo?

As indicações de oclusão percutânea de FO têm sido intensamente discutidas nos


últimos anos. A razão é a falta de evidências científicas conclusivas derivadas da
inexistência de estudos randomizados, duplo-cegos, controlados, que não conseguem,
de forma inequívoca, determinar a superioridade do fechamento percutâneo sobre os
tratamentos clínicos convencionais. Os poucos estudos existentes40,41, com resultados
publicados, não foram conclusivos. Inadequação no desenho dos estudos, desfechos
mal-escolhidos e próteses não ideais foram responsabilizados pelos resultados
inconclusivos.

Se não há evidências definitivas a favor do fechamento percutâneo, então também não


existem evidências conclusivas de que o tratamento clínico é superior ao fechamento
percutâneo. Existe um grande volume de séries de casos apontando a eficácia do
fechamento percutâneo na prevenção secundária dos AVEic, a simplicidade da
execução do procedimento, a sua segurança com poucas complicações e a simplicidade
e reprodutibilidade do método.

Os Guidelines do American College of Cardiology/American Heart Association42


para o tratamento dos defeitos congênitos em adultos apontam que:

• Embolia paradoxal proveniente de trombose venosa, periférica ou pélvica é um


risco para todos os defeitos do septo atrial, independente do tamanho.

Apesar de não citar nominalmente o FO, ele claramente se enquadra nessa categoria e
estabelece que:

• Fechamento de um defeito do septo atrial (percutâneo ou cirúrgico) é razoável na


presença de embolia paradoxal (Classe IIa/ Nível de evidência C).

Os Guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia43 indicam:

• Comunicações atriais, independente do tamanho, em pacientes com suspeita de


embolia paradoxal (excluídas outras causas) devem ser consideradas para
intervenção (Classe IIa/ Nível de evidência C).

Os Guidelines da Sociedade Americana de Cardiologia/Sociedade Americana de AVC


(AHA/ASA) com o aval da Academia Americana de Neurologia44 estabelece que:

• Para pacientes com AVEi ou AIT e um FO, terapia antiagregante é razoável para
prevenir recorrência de eventos (Classe IIa/ Nível de evidência C)
• Warfarina é razoável para pacientes de alto risco que tenham outras indicações
para anticoagulação oral como estados de hipercoagulabilidade ou evidências de
trombose venosa (Classe IIa/ Nível de evidência C).
• Existem dados insuficientes para recomendar o fechamento do FO em pacientes
com um primeiro AVE. Fechamento do FO pode ser considerado para pacientes
com AVEic recorrente apesar da terapia médica (Classe IIb/ Nível de evidência C).

Assim, acredita-se que o fechamento percutâneo poderá ser indicado em pacientes


jovens (<55 anos), que apresentem evidências de embolia paradoxal prévia (AVEic),
sem outras causas.

É importante ressaltar que o fechamento percutâneo, apesar de ser um procedimento


tecnicamente fácil, exige uma curva de aprendizado que não deve ser menosprezada.
Para os pacientes é importante que o procedimento seja simples e seguro, com risco
tendendo a zero.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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HIPERTENSÃO ARTERIAL PULMONAR

Viviane Soares
Renata Mattos

CASO CLÍNICO
Paciente do sexo feminino, 13 anos de idade, estudante, natural do Rio de Janeiro,
procurou o Instituto Nacional de Cardiologia, em junho de 2010, com história de
dispneia com piora evolutiva no último ano e episódio de síncope há cerca de um mês.

Apresentava aumento da área cardíaca em radiografia de tórax realizada em unidade de


saúde primária, sendo então encaminhada para investigação diagnóstica. Referia
história patológica pregressa de broncoespasmo nos primeiros quatro anos de vida com
posterior resolução do quadro, negando doenças crônicas ou história familiar que
pudessem sugerir uma etiologia para hipertensão pulmonar.

Ao exame físico:
Paciente eutrófica, corada, acianótica (com saturação de O2 em medida de oximetria de
pulso de 100% em ar ambiente).
Ausculta respiratória normal.
Ausculta cardíaca: ritmo regular em 2 tempos com hiperfonese de segunda bulha, sopro
sistólico 2+/6+ em foco tricuspídeo. FC =76bpm e PA =110/70mmHg.
Abdome sem massas ou visceromegalias palpáveis.
Membros inferiores sem alterações.

Radiografia de tórax evidenciando aumento da área cardíaca (aumento de AD e VD),


tronco de artéria pulmonar dilatado e significativa diminuição da vascularização
pulmonar periférica.

ECG: Sinusal com sinais de sobrecarga ventricular direita


EcoDopplercardiograma transtorácico:
Ausência de defeitos estruturais congênitos; cavidade atrial direita e ventricular direita
dilatadas com veia cava inferior dilatada e mobilidade normal; artéria pulmonar
principal dilatada com pressão diastólica pulmonar estimada pela IP de 51mmHg;
insuficiência tricúspide importante com PSAP estimada de 101mmHg; Doppler tecidual
do anel tricuspídeo onda S=8, E=6, A=8, índice Tei=0,78; ausência de derrame
pericárdico.
Tomografia computadorizada de tórax normal.

Hemograma completo, coagulograma, função renal, hepática e tireoidiana normais,


troponina T negativa, anti-HIV, hepatite B e C negativos, BNP 213,1pg/ml (valor de
referência até 100pg/ml).

Teste ergométrico concluindo reserva coronariana preservada com resposta


cronotrópica hiperadrenérgica e resposta inotrópica adequada ao esforço realizado,
com reduzida tolerância ao esforço no protocolo de Bruce, classe funcional II (NYHA).

Teste de caminhada de 6 minutos interrompido aos 4 minutos em virtude de sintomas de


palidez, sudorese fria e fadiga com queda de 21 pontos percentuais da saturação em
oximetria de pulso, tendo sido percorrida distância de 160m.

Cateterismo cardíaco direito mostrou pressão pulmonar 78/46(58)mmHg, sistêmica


85/50(64)mmHg e RVP 18,5UWood. Foi realizado teste de vasorreatividade, quando
houve queda da RVP até 9,7UWood com pressão pulmonar de 66/40(50)mmHg e
sistêmica de 68/42(56)mmHg.

OBJETIVOS
1. Discutir as possibilidades diagnósticas da hipertensão pulmonar.
2. Identificar as etapas diagnósticas na hipertensão pulmonar.
3. Analisar as medidas terapêuticas disponíveis.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o paciente relatado?

A hipertensão pulmonar consiste numa síndrome na qual se observa aumento da


resistência vascular pulmonar, levando no último estágio à insuficiência ventricular
direita.

Anteriormente considerada uma doença rara, estudos recentes indicam uma prevalência
europeia de aproximadamente 15 por milhão. De acordo com estudos franceses, a
hipertensão pulmonar idiopática é o tipo mais comum1,2.

Atualmente a hipertensão pulmonar apresenta a seguinte classificação3,4:

1. Hipertensão arterial pulmonar


1.1. Idiopática
1.2. Familial
1.3. Relacionada a doenças do tecido conectivo, a shunts sistêmico-pulmonares
congênitos, hipertensão portal, infecção pelo HIV, drogas, toxinas e outras
(tireotoxicose, doenças de depósito, doença de Gaucher, telangiectasia hemorrágica
hereditária, hemoglobinopatias, doenças mieloproliferativas crônicas, esplenectomia).
1.4. HAP com significativo envolvimento venoso e/ou capilar (doença veno-oclusiva
pulmonar, hemangiomatose capilar pulmonar).
1.5. Hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido

2. Hipertensão pulmonar por doença do coração esquerdo:


2.1. Doença cardíaca atrial ou ventricular esquerda
2.2. Doença valvar do coração esquerdo

3. Hipertensão pulmonar por doença pulmonar e/ou hipoxemia


3.1. Doença pulmonar obstrutiva crônica
3.2. Doença pulmonar intersticial
3.3. Distúrbios respiratórios do sono, hipoventilação alveolar, exposição crônica a
grandes altitudes
3.4. Anormalidades do desenvolvimento pulmonar

4. Hipertensão pulmonar por doença trombótica e/ou embólica crônica:


4.1. Obstrução tromboembólica das artérias pulmonares proximais
4.2. Obstrução tromboembólica das artérias pulmonares distais
4.3. Embolia pulmonar de origem tumoral, parasitas, corpo estranho

5. Miscelânea
5.1. Sarcoidose, histiocitose X, linfangiomatose, compressão de vasos pulmonares
(adenopatias, tumor, mediastinite fibrosante)

2. Como confirmar o diagnóstico?

Há necessidade de se estabelecer uma estratégia de descoberta dos pacientes


considerados em risco de sofrer hipertensão pulmonar e um algoritmo de investigação a
fim de que o diagnóstico seja confirmado e a etiologia estabelecida.

Tendo em vista que a hipertensão pulmonar inicialmente suspeita pode ter várias
etiologias, alguns testes considerados devem ser realizados, para caracterizar a doença
e estabelecer um diagnóstico definitivo3,5.

Sinais e sintomas associados à doença:

A sintomatologia da hipertensão pulmonar não é específica, devendo ser considerada


no diagnóstico diferencial de queixas tais como dispneia aos esforços, dor torácica,
síncope e sinais que podem sugerir sua associação tais como esclerodactilia, artrites e
telangiectasias nas doenças do tecido conectivo; úlceras estáticas venosas na doença
falciforme; insuficiência venosa periférica observada na doença trombótica venosa;
icterícia, ascite, eritema palmar, esplenomegalia na hipertensão portal.

Achados à ausculta cardíaca como sopro sistólico, diastólico ou contínuo podem


sugerir doença cardíaca congênita ou valvulopatia; presença de tosse crônica, uso da
musculatura acessória podem sugerir doença parenquimatosa pulmonar.

Eletrocardiograma:

Importante ferramenta na investigação da hipertensão pulmonar na prática clínica,


apesar de ser um exame de baixa sensibilidade (50%) e especificidade (70%).
Observa-se nos pacientes portadores de HP sobrecarga ventricular direita e atrial
direita, embora a ausência de tais achados não exclua o diagnóstico.

Arritmias supraventriculares, nos casos mais avançados da doença, como flutter ou


fibrilação atrial podem ser encontradas, sendo raras as arritmias ventriculares6.

Radiografia de tórax:

Está alterada em cerca de 90% dos casos de hipertensão pulmonar7, evidenciando


tronco da artéria pulmonar dilatado, vascularização periférica bastante reduzida,
aumento atrial direito e ventricular direito. Sinais de doenças do parênquima pulmonar
e sinais de hipertensão venosa pulmonar também podem ser observados, orientando
quanto ao diagnóstico etiológico da doença.

Prova de função respiratória e quantificação da SpO2 e SpCO2:

Auxiliam no diagnóstico quanto à presença de doenças das vias respiratórias e doenças


parenquimatosas pulmonares.

EcoDopplercardiograma transtorácico:

Importante método complementar na avaliação dos pacientes com suspeita de


hipertensão pulmonar8.

A estimativa da pressão pulmonar sistólica se faz através da velocidade de pico do jato


regurgitante tricuspídeo, utilizando-se a equação de Bernoulli, somando-se a ela um
valor estimado da pressão atrial direita.

Conforme relato do último consenso europeu3, é considerado pouco provável o


diagnóstico de hipertensão pulmonar naqueles pacientes cuja velocidade máxima do
jato de regurgitação tricuspídea seja ≤2,8m/s, sem a presença de outros sinais
sugestivos de hipertensão pulmonar (classe de recomendação I, nível de evidência B).
É considerado como possível o diagnóstico naqueles pacientes com velocidade de
regurgitação tricuspídea ≤2,8m/s com a presença de outros sinais ecocardiográficos
sugestivos de hipertensão pulmonar (classe IIa, nível C) e naqueles com velocidade
variando de 2,9-3,4m/s com ou sem sinais de HP (classe IIa, nível C). É considerada
como diagnóstico a presença de velocidade de regurgitação tricuspídea >3,4m/s com ou
sem a presença de outros sinais sugestivos de hipertensão pulmonar.
Outros achados ecocardiográficos devem também ser considerados nos pacientes com
suspeita de hipertensão pulmonar, como: presença de átrio direito de volume
aumentado, hipertrofia e dilatação ventricular direita, tronco da artéria pulmonar
dilatado, movimentação anormal do septo interventricular, aumento da velocidade do
jato regurgitante pulmonar, presença de rápido tempo de desaceleração da ejeção do
ventrículo direito à artéria pulmonar. A avaliação ecocardiográfica permite também a
investigação quanto à presença de cardiopatia congênita.

Cintilografia de ventilação/perfusão pulmonar:

Permite avaliar, nos pacientes com suspeita de hipertensão pulmonar, a presença de


doença tromboembólica crônica.

Tomografia computadorizada de alta resolução e angiotomografia de tórax:

Permitem uma avaliação detalhada do parênquima pulmonar, facilitando o diagnóstico


de doenças intersticiais pulmonares e auxiliam na investigação diagnóstica da doença
tromboembólica hipertensiva pulmonar.

Ressonância nuclear magnética:

Método complementar de investigação que permite uma avaliação adequada do volume


ventricular direito, sua morfologia e função, bem como avaliação do débito cardíaco,
distensibilidade da artéria pulmonar e cálculo da massa ventricular direita.
Considerado método adequado no seguimento de pacientes portadores de hipertensão
pulmonar, pois a evolução com redução do débito cardíaco, aumento do volume
diastólico final do ventrículo direito e diminuição do volume sistólico final do
ventrículo esquerdo estão associados a um mau prognóstico.

Análise laboratorial:

Utilizada para a investigação das diferentes causas de hipertensão pulmonar, incluindo:


eletroforese de hemoglobina, dosagem de anticorpos antinucleares, fator anticoagulante
lúpico, antitrombina II, fator reumatoide, análise da função tireoidiana e hepática, anti-
HIV, hepatite B e C.

Ultrassonografia abdominal:

Importante método para a investigação de doenças hepáticas e/ou hipertensão porta.


Oximetria noturna e polissonografia:

Contribuem na investigação dos transtornos do sono.

Teste de caminhada de 6 minutos e teste cardiopulmonar de exercício:

A avaliação da tolerância ao esforço em investigação de HP permite o estabelecimento


da classe funcional inicial do paciente, bem como o primeiro é considerado um
importante marcador prognóstico da doença.

Cateterismo cardíaco:

Método com baixa morbidade e mortalidade quando realizado em centros capacitados9,


é obrigatório para a definição do diagnóstico quando há pressão pulmonar média
(PAPm) >25mmHg1,3,5.

Através dos cálculos de resistência vascular pulmonar (RVP) e da medida da pressão


pulmonar encunhada ou da pressão atrial esquerda, é possível também determinar o
perfil hemodinâmico da doença, ou seja, se o componente principal da fisiopatologia é
arterial, venoso ou misto. O consenso americano considera, além do valor absoluto da
PAPm, a presença de RVP superior a 3UWood como determinante do diagnóstico de
hipertensão arterial pulmonar10.

O cateterismo também é importante para o prognóstico, através do teste de


vasorreatividade. Após administração de agentes vasodilatadores (óxido nítrico
inalatório, adenosina intravenosa), espera-se queda de pelo menos 10mmHg ou 20% da
PAPm para um valor inferior a 40mmHg, sem queda do débito cardíaco. A queda de
20% da RVP também é um parâmetro avaliado.

Deve-se considerar, porém, algumas limitações do método: execução com o paciente


em repouso ou anestesiado, uso de agentes vasodilatadores de ação rápida, ao contrário
de agentes orais que poderão ser prescritos cronicamente. O uso de vasodilatadores em
pacientes com pressão atrial esquerda elevada está contraindicado.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico da HAP?

Como relatado, a hipertensão arterial pulmonar se caracteriza por aumento patológico


da resistência vascular pulmonar, sendo a principal causa desse aumento a redução do
lúmen vascular secundário ao remodelamento vascular gerado pela excessiva
proliferação celular por uma redução na velocidade de apoptose celular, e
associadamente em 20% dos casos a uma vasoconstricção excessiva.

A hipertensão arterial pulmonar consiste em doença predominantemente das pequenas


artérias pulmonares, e se caracteriza por uma série de anormalidades arteriais:
hiperplasia da íntima, hipertrofia da camada média que é considerada a lesão mais
precoce, proliferação da adventícia, trombose in situ, graus variáveis de inflamação e
arteriopatia plexiforme.

Mutações genéticas implicam na patogênese de pacientes portadores de hipertensão


arterial pulmonar, mutações estas do fator beta transformador do crescimento (BMPR2)
e da quinase-1 similar à ativina11, que promovem o crescimento das células vasculares.

Comumente também é observada disfunção do endotélio vascular dos pacientes


portadores de hipertensão arterial pulmonar, caracterizada por aumento da produção de
compostos vasoconstrictores e mitogênicos, como endotelina e tromboxano, e pela
produção deficiente de vasodilatadores como a prostaciclina12,13.

Observa-se também nos pacientes com hipertensão arterial pulmonar um desequilíbrio


entre os prostanoides - prostaciclina e tromboxano A2 -, estimulando a trombose,
proliferação e vasoconstricção. Ocorre também aumento do nível plasmático de
endotelina-1 nos pacientes com HAP, que é um potente vasoconstrictor e responsável
pela proliferação das células musculares lisas das artérias pulmonares.

Redução dos níveis de óxido nítrico-sintetase foi também encontrada em pacientes


portadores de HAP e, consequentemente, diminuição da produção de óxido nítrico que
é vasodilatador, inibidor da ativação plaquetária e da proliferação das células
musculares lisas vasculares.

Com relação ao papel do processo inflamatório na patogenia da hipertensão pulmonar,


a presença de autoanticorpos, de citocinas pró-inflamatórias e infiltrados inflamatórios
em alguns casos, sugere que a inflamação possa ser considerada como um dos fatores
implicados na patogenia.

4. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas ao


caso?
Na classificação da hipertensão pulmonar, são as doenças que cursam com aumento do
fluxo pulmonar (cardiopatias congênitas acianóticas, tireotoxicose, anemia etc.) e
aquelas que podem levar à patologia obstrutiva vascular pulmonar (doenças do
colágeno, doenças com hipercoagulabilidade ou tendência à formação de trombos,
parasitoses, etc.).

5. Qual é o prognóstico do paciente portador de HAP?

O prognóstico da hipertensão pulmonar se correlaciona com alguns fatores, dentre eles


e de forma significativa, com sua etiologia. Pacientes portadores de HAP associada à
esclerodermia têm um prognóstico pior quando comparados àqueles com HAP
idiopática, com o percentual de sobrevida podendo chegar a menos de 40% nos
pacientes não tratados14.

Alguns estudos15 referem sobrevida em pacientes com HAP associada ao HIV


semelhante a dos pacientes com a forma idiopática16,17. Já os pacientes portadores de
hipertensão pulmonar associada à cardiopatia congênita têm prognóstico melhor que
aqueles com a forma idiopática.

Consideram-se importantes parâmetros na determinação da gravidade da doença e


consequente prognóstico: a evidência clínica de falência ventricular direita, a
velocidade de progressão dos sintomas, a queixa de síncope, a classe funcional, a
distância percorrida no TC6M, a VO2 de pico obtida no teste cardiopulmonar de
exercício, o nível plasmático de BNP, a avalição ecocardiográfica quanto à presença de
derrame pericárdico e a medida obtida do TAPSE, bem como a pressão em átrio direito
e o valor do índice cardíaco obtidos no estudo hemodinâmico.

6. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos (morte e


internação) neste caso?

O tratamento da hipertensão pulmonar apoia-se em quatro pilares3: tratamento das


doenças associadas quando possível, medicação específica (vasodilatadores
pulmonares), medicação inespecífica (diuréticos, anticoagulantes) e medidas gerais.

Dentre os agentes vasodilatadores, já foram estudadas e são utilizadas atualmente


quatro classes de drogas: bloqueadores de canais de cálcio, prostanoides, antagonistas
do receptor de endotelina (ERA) e inibidores da fosfodiesterase-5 (PDE5).
A maioria dos estudos iniciais com agentes vasodilatadores pulmonares, atualmente em
uso na prática clínica, não teve como desfecho principal a redução da mortalidade, por
sua duração limitada e reduzido número de pacientes envolvidos. No entanto, meta-
análise realizada em 2010prostanoides (iloprost, epoprostenol, treprostinil, beraprost)
são os agentes capazes de reduzir a mortalidade, além de melhorar os parâmetros
hemodinâmicos, classe funcional e resultado no teste de caminhada de 6 minutos
(TC6M).18 observou que os

Os ERA (bosentan) comprovadamente têm ação sobre os parâmetros hemodinâmicos e


melhoram a classe funcional e o resultado do TC6M. No uso crônico é importante
monitorar a função hepática e o hematócrito19.

Os inibidores da PDE5 (sildenafil) podem melhorar o resultado do TC6M e a classe


funcional, além de reduzir a PAPm20.

Os bloqueadores de canais de cálcio são os agentes usados há mais tempo, desde a


década de 90, quando se observou a relação entre a resposta aguda à vasodilatação no
cateterismo e a resposta crônica. São, portanto, os agentes de primeira escolha para
adultos com teste de vasorreatividade positiva. No entanto, há casos em que essa
correlação não se observa na prática; naqueles pacientes com resposta positiva ao
cateterismo, mas sem melhora da classe funcional com o uso crônico da medicação está
indicada a associação com outras drogas21.

Dentre a medicação inespecífica, sabe-se que a anticoagulação é capaz de aumentar a


expectativa de vida22. A recomendação é o uso de warfarin para obter INR entre 1,5 e
2,5.

Diuréticos e controle da ingestão de sódio podem ser necessários para o manejo da


sobrecarga ventricular direita. Em alguns casos associados a baixo débito cardíaco
pode-se discutir o uso da digoxina23.

A prática regular de exercícios aeróbicos de baixa intensidade tem efeito positivo


significativo no resultado do teste TC6M, na classe funcional, no VO2 e na qualidade
de vida24.

O uso de oxigênio suplementar é recomendado para manter a SatO2 acima de 90%;


pode ser necessário principalmente em viagens de avião e em regiões de maior
altitude25.
A prevenção da gravidez deve ser seriamente discutida, por ser uma condição em que
há aumento do volume sistólico e do risco de eventos tromboembólicos. Já foram
relatadas taxas de mortalidade materna de até 50%26. É importante também avaliar a
interação medicamentosa entre algumas drogas com os anticoncepcionais orais
(principalmente anticoagulantes e bosentan).

7. O tratamento pode ajudar no controle da evolução da doença?

Não se comprovou ainda regressão dos danos pulmonares em nível histológico com
nenhuma das medidas aqui apresentadas. No entanto, quando o tratamento é iniciado
precocemente, é possível minimizar os sintomas e retardar a evolução do ponto de vista
clínico. Objetivamente, como já discutido, o teste TC6M é o parâmetro mais fiel e
reprodutível capaz de mensurar a melhora clínica.

8. Existe alguma estratégia para prevenção (primária e secundária)?

A prevenção da hipertensão arterial pulmonar secundária a shunts intracardíacos


consiste no tratamento cirúrgico ou percutâneo dos mesmos, assim como no caso de
lesões obstrutivas do coração esquerdo.

Da mesma forma, todas as condições pulmonares ou sistêmicas que podem levar à


hipertensão pulmonar, quando diagnosticadas previamente, devem ser tratadas.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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O DUCTO ARTERIOSO NO ADOLESCENTE
E NO ADULTO: INTERVENÇÃO POR
TÉCNICAS HEMODINÂMICAS

Luiz Carlos do Nascimento Simões

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 23 anos com história clínica de acompanhamento cardiológico até os
12 anos, por apresentar “sopro cardíaco”. A paciente e a família não sabiam informar
corretamente o “diagnóstico cardiológico”, sugerindo o de “sopro funcional”. Foi
avaliada para exame admissional, tendo o médico do trabalho solicitado avaliação ao
cardiologista.

O exame cardiovascular demonstrou encontrar-se a paciente eupneica, acianótica, com


turgência venosa jugular normal. Os pulsos amplos, simétricos e pressão arterial de
110/60mmHg. O precórdio teve palpação normal. A ausculta cardíaca demonstrou a
presença de sopro contínuo em região infraclavicular esquerda. A palpação e ausculta
do componente pulmonar da segunda bulha foram normais.
A radiografia de tórax e o eletrocardiograma também foram normais. O estudo
ecocardiográfico Doppler (ecoDoppler) demonstrou a presença de cavidades atriais e
ventriculares normais e a presença de fluxo em artéria pulmonar sugestivo de ducto
arterioso persistente, o que foi também sugerido pela imagem ecocardiográfica. O
gradiente entre a aorta e a artéria pulmonar pelo Doppler, via “ducto arterioso”
demonstrou gradiente sistólico de 88mmHg (para uma pressão sistêmica de 110mmHg
sistólica).

O estudo angiotomográfico de tórax (angioTC) de alta resolução diagnosticou a


presença de ducto arterioso persistente (DAP) tipo cônico restritivo no extremo
pulmonar (Figura 1).

Figura 1
Estudo angiotomográfico, demonstrando a presença de ducto arterioso tipo cônico restritivo no extremo pulmonar.

OBJETIVOS
1. Discutir hipóteses diagnósticas para DAP no adolescente e no adulto.
2. Propor uma metodologia diagnóstica por métodos de imagens.
3. Discutir as indicações do tratamento do DAP (cirúrgicas e hemodinâmicas).

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas na presença do exame clínico cardiovascular
apresentado?

A ausculta de sopro em região infraclavicular esquerda orienta para o diagnóstico de


alterações do fluxo em artéria pulmonar, vasos que se originam da aorta ou em grandes
veias sistêmicas.

O “sopro contínuo” em região “infraclavicular” é clássico para o exame cardiovascular


do DAP, estando presente no diagnóstico diferencial outras conexões anormais entre a
aorta e artéria pulmonar ou entre a aorta e grandes veias sistêmicas.

2. Qual a incidência do ducto arterioso persistente?

O DAP é uma das malformações vasculares congênitas mais frequentes na idade


pediátrica, apresentando-se de forma assintomática ou com sintomas decorrentes de
curto circuito da esquerda para direita em qualquer idade1-6.

Foi das primeiras malformações congênitas cardiovasculares tratadas por meio de


técnicas cirúrgicas7. Segundo Mullins e Pagotto8, a primeira descrição de seu
tratamento por técnicas hemodinâmicas foi feita por Porstmann (1967), mas somente a
partir dos trabalhos de Rashkind (1979) é que as intervenções por cateter se
estabeleceram no tratamento do DAP, sendo na atualidade a técnica de eleição para
crianças, adolescentes e adultos.

No adulto, o DAP normalmente se apresenta como malformação única sendo encontrado


em cerca de 2% das malformações cardiovasculares nessa faixa etária9.

3. Qual a importância do ducto arterioso e o risco do não tratamento na fisiologia


cardiovascular?

As alterações fisiopatológicas e anatômicas que tendem a ocorrer no DAP ou


decorrentes de sua presença incluem: insuficiência cardíaca com sobrecarga
volumétrica de átrio e ventrículo esquerdo, hipertensão arterial pulmonar, progressiva
dilatação (aneurisma) da ampola aórtica, calcificação da parede “ductal”e a
endoarterite ductal10.

Por ser o ducto arterioso, muitas vezes, anatomicamente curto e apresentar alterações
degenerativas da parede “ductal” por calcificação ou pós-infecções que o tornam
friável, o tratamento cirúrgico com as técnicas usuais através da toracotomia esquerda
apresenta riscos de complicações. Uma das maiores experiências cirúrgicas da
literatura no tratamento cirúrgico do DAP por toracotomia esquerda7, em população de
131 pacientes acima de 14 anos, descreve mortalidade de 3,5% secundária à
hemorragia ou hipertensão pulmonar ou débito cardíaco baixo pós-cirurgia. Em três
pacientes houve necessidade de cirurgia com extracorpórea; em outros 11 a cirurgia
complicou-se com derrame pleural; e em seis casos com pneumotórax.

Entre as complicações, a mais temida é sua ruptura durante a cirurgia, o que faz com
que em algumas situações se tenha a opção por técnicas com suporte circulatório,
aumentando a complexidade do tratamento e maior morbidade cirúrgica11.

4. Quais as justificativas do tratamento por técnicas hemodinâmicas?

Os mais importantes ganhos com a utilização das técnicas hemodinâmicas no tratamento


do DAP no adulto são: menor risco de injúria e ruptura da parede “ductal” associados à
simplicidade da técnica, menor morbidade, menor tempo de hospitalização, e
efetividade do método12-16.

5. Como fazer o diagnóstico do ducto arterioso e demonstrar sua morfologia?

O DAP pode ser altamente sugestivo no exame clínico pela presença do “sopro
contínuo” na região infraclavicular esquerda.

Na idade pediátrica, a morfologia e as dimensões do ducto podem ser demonstradas


pela imagem ecocardiográfica Doppler, pelas características da análise do fluxo em
artéria pulmonar, e pelas dimensões das cavidades esquerdas.

No paciente adulto, a morfologia do DAP e suas alterações degenerativas, como a


calcificação, são mais difíceis de se identificar por imagens no estudo
ecocardiográfico, mas podem ser avaliadas pela angioTC de alta resolução ou pela
ressonância magnética (RM)17,18..

6. Quais as opções de tratamento DAP?

Nos recém-nascidos, principalmente os prematuros, a ligadura cirúrgica é um


tratamento efetivo e seguro.

Em crianças lactentes com peso acima de 5kg, o fechamento por técnicas


hemodinâmicas tem se estabelecido como técnica segura e efetiva, substituindo as
técnicas cirúrgicas19-22.

7. Quais as indicações atuais de tratamento percutâneo?

O Guideline da Sociedade Europeia de Cardiologia23 orienta:

Fechamento de um ducto arterioso persistente (Classe IIa/ Nível de evidência


C).

O Guideline da Sociedade Americana de Cardiologia24 estabelece que:

Fechamento de um ducto arterioso persistente (Classe IIb/ Nível de


evidência: C).

Em síntese, o tratamento do DAP por técnicas hemodinâmicas é hoje realizado fora do


período neonatal (prematuros) e em lactentes com mais de 5kg em vários centros do
mundo, com alto índice de sucesso. A opção cirúrgica se mantém para os pacientes com
DAP em prematuros em lactentes com peso inferior a 5kg e quando DAP de grandes
diâmetros, e de anatomia não favorável a qualquer desenho de prótese existente.

No adulto, o DAP pode apresentar alterações anatômicas como calcificação no extremo


aórtico, ser curto, aneurismático, infectar-se e ter, em muitos casos, a parede do ducto
friável, o que tende a complicar a intervenção cirúrgica.

Os pacientes adultos requerem um período em cuidados intensivos para sua


recuperação, principalmente pelo risco de sangramento e maior tempo de
hospitalização.
Por essas razões, o tratamento do DAP por técnicas hemodinâmicas tem sido utilizado
progressivamente como técnica de eleição no adulto. É menos traumático, apresenta
menor morbidade/mortalidade e menor tempo de hospitalização (Figura 2).

2a 2b
Figura 2
Estudo angiográfico e oclusão de ducto arterioso por plug.
Em A: aortografia em perfil esquerdo demonstrando o posicionamento de prótese tipo plug em região ductal pré e pós-
liberação.
Em B: oclusão total do shunt entre a aorta e artéria pulmonar via ducto arterioso.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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Indications for cardiac catheterization and intervention in pediatric cardiac
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Seção 16. Cardio-oncologia

Cardio-Oncologia – Nova Área de Estudo Interdisciplinar


Endomiopericardiopatias e Insuficiência Cardíaca no Paciente com Câncer
Doença Tromboembólica no Paciente com Câncer
Estratificação e Gerenciamento de Risco em Cirurgia Oncológica
Métodos de Imagem em Cardio-Oncologia
CARDIO-ONCOLOGIA: NOVA ÁREA DE
ESTUDO INTERDISCIPLINAR

Hugo Tannus Furtado de Mendonça Filho,


Wolney de Andrade Martins

CASO CLÍNICO
D.C.A., masculino, 60 anos de idade, pedreiro, natural e residente em Duque de Caxias,
RJ. Procurou Unidade Básica de Saúde com queixa de dor epigástrica com irradiação
retroesternal iniciada há cerca de dois meses, mas agora associada à sudorese intensa e
resfriamento de extremidades. É hipertenso e diabético em tratamento irregular há seis
anos. Tabagista (60 maços/ano).

Ao exame clínico:
PA= 180x120mmHg; FC= 104bpm; FR= 21irpm; IMC= 30,5kg/m2. Hipocorado (++/4+)
e sudoreico. Ritmo cardíaco regular, com quarta bulha audível. Obeso, apresenta
abdome globoso, algo distendido.

ECG em repouso revela zona elétrica inativa em parede inferior, com retificação ST-T
em parede anterolateral. Marcadores séricos de lesão miocárdica normais. Glicemia
capilar de jejum =220mg/dL e Hemoglobina =9,2g/dL.
O paciente teve níveis tensionais controlados com medicação oral; enfatizou-se a
necessidade de manter tratamento regular e aprofundamento do diagnóstico.
Prescreveu-se ainda uso regular de inibidor de enzima conversora de angiotensina
(IECA), diurético tiazídico e suplementação de ferro e ácido fólico.

Neste momento, o médico internista se vê diante de duas possibilidades e fará opção


por uma delas (Quadro 1):
Quadro 1
Resumo do caso clínico apresentado

a) Encaminhar ao Cardiologista: consulta marcada para dois meses. Risco


cardiovascular global traçado como ALTO apesar de níveis tensionais satisfatórios
com uso de IECA e tiazídico. Evoluía com melhora dos sintomas e sem restrição à
atividade física regular. Em 30 dias, obteve-se resultado de teste ergométrico (6MET)
positivo para isquemia induzida pelo esforço. Adicionados ao regime farmacológico:
ácido acetilsalicílico, betabloqueador adrenérgico e sinvastatina.
Solicitada, então, cineangiocoronariografia. Esse exame foi marcado para um intervalo
de 21 dias e revelou lesão obstrutiva em terço proximal da artéria coronária
descendente anterior em 90%; lesão subtotal da primeira marginal; além de oclusão no
terço médio da artéria coronária direita. Agendada angioplastia transluminal percutânea
para uma semana, realizada com sucesso.

Ao retornar à consulta cardiológica, notou-se significativo agravamento da anemia (Hb


=8,0g/dL) e, após duas semanas, agendada endoscopia digestiva alta que se revelou
negativa. Em 30 dias, foi realizada colonoscopia que mostrou lesão vegetante em reto
superior, cujo laudo anatomopatológico foi adenocarcinoma. O paciente foi
encaminhado ao oncologista que, após 30 dias, teve acesso à tomografia
computadorizada e classificou o paciente em estágio IV, em função de múltiplos
implantes hepáticos. O paciente foi encaminhado para tratamento paliativo com
radioterapia exclusiva, evoluindo para óbito em dois meses.

b) Encaminhar ao Gastroenterologista: consulta marcada para dois meses. Um


cuidadoso exame abdominal revelou distensão moderada das alças intestinais.
Adicionalmente, o paciente alegou alteração no ritmo intestinal, mas atribuía essa
alteração à “perda de apetite” nos últimos meses. Em 30 dias, o paciente retornou com
o resultado de uma lesão vegetante do reto superior observada na colonoscopia e laudo
de “adenocarcinoma”.

O paciente foi então encaminhado ao oncologista que, após 30 dias, teve acesso à
tomografia computadorizada, estadiou a doença no segundo estágio. Assim, optou-se
pelo tratamento neoadjuvante com radioterapia e quimioterapia (5-fluorouracil e ácido
folínico). Em oito semanas concluiu-se esta fase do tratamento, com expressiva redução
da massa tumoral e melhora dos sintomas abdominais.

No mês seguinte, o paciente foi encaminhado ao cirurgião oncológico com programação


de ressecção anterior do reto. Na estratificação pré-operatória detectou-se HAS
controlada. Ecocardiograma revelou hipocinesia regional da parede inferior com
disfunção diastólica e função sistólica global preservada. A programação cirúrgica foi
mantida. Duas semanas antes da cirurgia, o paciente teve morte súbita em sua
residência.

OBJETIVOS
1. Conceituar cardio-oncologia como área interdisciplinar emergente a partir de
necessidades epidemiológica e clínica.
2. Entender a necessidade da interação clínico-cardiologista-oncologista na
atenção integral ao paciente com câncer (CA).
3. Conhecer a coprevalência de fatores de risco para CA e doença
cardiovascular (DCV) e a concomitância das duas doenças.
4. Reconhecer a necessidade de estratégias de prevenção integrada para DCV,
diabetes mellitus e câncer.
5. Reconhecer que a interdisciplinaridade é meio eficaz para otimizar
resultados junto ao paciente com CA e DCV.
PERGUNTAS
1. O cenário clínico acima apresentado com diversas comorbidades concorrentes
tem prevalência relevante na prática médica atual?

O paciente em questão tornar-se-á cada vez mais frequente nos consultórios. A análise
retrospectiva das causas de mortalidade desde a década de 1930 até os dias atuais no
Brasil mostra, claramente, a evolução epidemiológica do predomínio das causas
infecciosas para as crônico-degenerativas. Em permeio a ambas, estiveram as causas
externas como o homicídio e o acidente de trânsito.

Nas hoje denominadas “doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)”, temos a


acirrada disputa entre as doenças cardiovasculares (DCV), em tendência sustentada de
declínio nos últimos cinco anos, e o câncer, com mortalidade mantida. As previsões
apontam que, se mantidas as tendências, a mortalidade por CA ultrapassará as DCV no
Brasil entre 2020 e 20251, fato já esperado para este ano nos EUA e alguns países da
Europa.

O caso ora apresentado é didático da situação. Os fatores de risco para DCV são, em
sua maioria, compartilhados com os mesmos fatores de risco para o CA e vice-versa.
Tabagismo, diabetes mellitus, obesidade, sedentarismo, etilismo, entre outros são
sabidamente relacionados às DCV e ao CA. Portanto todo paciente com DCV deve ser
analisado com potencial risco para o CA. Do mesmo modo, ao se instituir política e
orientação de prevenção para CA também se faz para as DCV2.

A cardio-oncologia surge de uma constatação epidemiológica, uma realidade clínica. O


envelhecimento da população brasileira; a mudança nos hábitos alimentares; o
sedentarismo crescente; o maior acesso aos serviços de saúde; o aumento do
diagnóstico do CA em fases mais precoces; o melhor tratamento; a maior sobrevida dos
pacientes com CA; em suma todos concorrem para o aumento dos casos de CA e à
exposição à cardiotoxicidade. As consequências são e serão o incremento de
cardiopatas com diagnóstico novo de CA; pacientes com CA e diagnóstico prévio de
cardiopatias; e as lesões cardiovasculares secundárias ao tratamento do CA. Portanto a
prevenção primária, o diagnóstico, a abordagem das DCNT devem ser feitos de modo
integrado, com a interação das especialidades, para benefício do paciente1-3.

A abordagem especializada e isolada leva, com frequência, situações deletérias ao


paciente. O paciente se cura do CA e fica como consequência cardiomiopatia e
insuficiência cardíaca (IC) grave, situações de prognóstico reservado que, se não
tratadas adequadamente, podem concorrer com o CA em mortalidade. Outro exemplo é
o paciente que, sob o tratamento do CA, falece de doença tromboembólica, cuja
profilaxia foi relegada a segundo plano, por desconhecimento ou temores infundados.

2. Considerando o cenário (a. encaminhamento ao cardiologista), foi adequada a


estratégia terapêutica baseada no tratamento percutâneo? Considerando o cenário
(b. encaminhamento ao gastroenterologista), foi adequada a conduta?

Ao se apresentar ao cardiologista com a pressão arterial controlada, o paciente era


assintomático, em quadro de angina estável classe I, conforme a Sociedade Canadense
de Cardiologia. Tratando-se de um paciente com 57 anos de idade e sintomas atípicos,
seu risco pode ser considerado ao menos intermediário e a indicação do teste
ergométrico teve recomendação apropriada4. Sem possibilidade de encaminhar à
cintilografia miocárdica, o que poderia agregar acurácia diagnóstica, o cardiologista
optou pelo estudo cineangiocoronariográfico que revelou lesões coronarianas
obstrutivas subtotais.

A opção pela revascularização percutânea neste caso encontra suporte na literatura


atual. Caberiam observações quanto à opção por endopróteses metálicas (stent) que
implicarão menor duração do tratamento antiplaquetário mínimo para 30 dias, em vez
dos 180 dias necessários àqueles submetidos ao implante de endopróteses
farmacológicas5.

Sangramento gastrintestinal baixo, alteração de hábitos intestinais, perda de apetite,


cansaço podem sugerir câncer colorretal. Sintomas sugestivos de obstrução intestinal
como distensão abdominal e constipação são particularmente alarmantes, em função de
sua associação com a evolução da doença. Massas palpáveis, distensão abdominal e
sangramento via anal estão entre os sintomas sugestivos do diagnóstico, mas icterícia,
adenopatia e hepatomegalia podem sugerir doença metastática. Exames laboratoriais
podem revelar alterações inespecíficas como anemia ferropriva, eletrolíticas e
hepáticas. Cabe registrar que antígeno carcinoembrionário (CEA), embora possa estar
elevado, tem maior valor no seguimento do que no diagnóstico da doença6. A suspeita
diagnóstica deve sempre ser seguida da realização de colonoscopia óptica direta posto
que testes alternativos como colonoscopia virtual encontram-se ainda sob investigação
em grandes populações7.
O estágio II caracteriza tumores que chegam à camada muscular sem comprometer
órgãos contíguos, linfonodos ou apresentar metástases. Nesse estágio, o tratamento
neoadjuvante radioterápico pré-operatório tem sido considerado adequado nos últimos
10 anos, conforme resultado de uma meta-análise8. 5-fluouracil tem frequentemente sido
utilizado nesse contexto, apesar de seus reconhecidos, mas pouco enfatizados, efeitos
cardiovasculares, que incluem hipertensão arterial, espasmo e instabilização de placas
ateroscleróticas9.

3. De que forma uma abordagem integrada poderia beneficiar este paciente,


maximizando os resultados clínicos obtidos?

Como anteriormente mencionado, neoplasias e cardiopatias são condições frequentes e


cada vez mais coprevalentes10. A despeito de decisões acertadas, a abordagem desses
pacientes por especialistas pode produzir resultados globais inferiores àqueles
produzidos interativamente11. Essa abordagem integrada tem adquirido crescente
consistência materializada internacionalmente a partir de iniciativas envolvendo não
apenas cardiologistas, mas também oncologistas clínicos, cirurgiões oncológicos,
radioterapeutas e demais profissionais envolvidos com a condução de pacientes
oncológicos nos grandes centros12,13. No caso específico, a abordagem interdisciplinar
poderia gerar otimização da utilização do período pré-operatório, propiciando a
estratificação de risco de cardiotoxicidade relacionado ao 5-fluorouracil e, sobretudo,
tornando simultâneas as abordagens da doença coronariana e do tratamento
neoadjuvante quimio e radioterápico14.

Cardio-Oncologia: conceito

Cardio-oncologia é área interdisciplinar que estuda as lesões cardiovasculares


secundárias ou agravadas pelo CA ou pelo seu tratamento. Estuda, também, as diversas
situações cardiovasculares que envolvem os pacientes com CA. Utiliza-se também o
termo “onco-cardiologia”, especialmente nos autores de língua inglesa. Aqui nesta
seção utilizar-se-á o termo cardio-oncologia conforme também foi registrado na I
Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia3,15.

A maior expectativa de vida das populações ocidentais e seu consequente


envelhecimento têm contribuído para a mudança no perfil epidemiológico de
distribuição e de mortalidade das doenças. Há contínua diminuição das doenças
infecciosas e parasitárias e aumento das crônico-degenerativas, incluindo-se o CA.
A incidência geral do CA no Brasil foi 353,8 por 100.000 habitantes nos anos de 2008
e 2009, dos quais 172,8 por 100.000 para o sexo feminino e 181,0 por 100.000 para o
sexo masculino16. O CA é a segunda causa de mortalidade no Brasil16. A incidência
global de CA vem aumentando progressivamente devido ao crescimento e
envelhecimento populacional associado a hábitos sabidamente relacionados ao
surgimento do CA, especialmente o tabagismo, nos países desenvolvidos
economicamente. Segundo dados do GLOBOCAN 2008, cerca de 12,7 milhões de
casos de CA e 7,6 milhões de mortes por CA ocorreram em 2008, no mundo17. Destes,
56% dos casos e 64% das mortes ocorreram nos países em desenvolvimento.

Dentre as neoplasias malignas, o CA de mama é o mais prevalente nas mulheres e o de


próstata nos homens, e são a principal causa de morte por CA tanto nos países
desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. O desenvolvimento tecnológico
dos exames complementares de alta complexidade, o maior acesso aos serviços de
saúde e a maior eficácia dos regimes terapêuticos antineoplásicos favoreceram a maior
sobrevida dos pacientes com CA.
A maior incidência de CA no adulto ocorre a partir da quinta década de vida,
coincidente com a prevalência aumentada das doenças crônico-degenerativas, em
especial, das doenças cardiovasculares. Os fatores de risco cardiovascular global são
muito similares aos fatores de risco para CA. Como resultante, observa-se uma elevada
coprevalência de CA e doença cardiovascular, ambas concorrendo para as duas
principais causas de mortalidade no Brasil.

Áreas de atuação e Integração Cardiologista-Oncologista

O objetivo comum de todos os profissionais da saúde é aumentar a sobrevida e


promover vida com qualidade. Portanto o papel do cardiologista, do clínico, do
oncologista e do hematologista que atendem ao paciente com CA é vê-lo sob ótica
integrada e têm como objetivo comum atingir essas metas.

Cabe ao cardiologista identificar o risco cardiovascular global, o risco de


cardiotoxicidade pelo tratamento, o risco específico das complicações
cardiovasculares pelo próprio CA e as manifestações paraneoplásicas. Compete,
sobretudo, prevenir e tratar as situações identificadas. A conduta cardiológica não pode
interferir na eficácia do tratamento oncológico, sequer pode retardar a terapêutica ou
criar empecilhos infundados. Ao receber o paciente com CA, o cardiologista precisa
saber qual é o tumor, a proposta terapêutica, os quimioterápicos, as doses cumulativas e
interagir com o oncologista.
O oncologista deve estar atento ao risco cardiovascular global do paciente com CA.
Lembrar que insuficiência cardíaca (IC) grave tem mortalidade superior à maioria dos
tumores malignos. Os estudos de intervenção farmacológica devem considerar o
potencial risco cardiovascular, os efeitos colaterais, entre seus desfechos. As
informações acerca da terapêutica do CA devem ser compartilhadas com o
cardiologista e o clínico. Na avaliação pré-quimioterapia (QT) não adianta saber
exclusivamente que vai ser submetido à QT e à radioterapia (RT). Faz-se necessário
saber quais serão os fármacos, as doses propostas, o intervalo entre os ciclos.

Fatores de Risco para Doenças Cardiovasculares e para o Câncer

A maioria dos fatores de risco para DCV são comuns ao CA e ao diabetes mellitus
(DM) (Quadro 2). Quando se somam as taxas de mortalidade por DCV, CA e DM, tem-
se mais que 50% do total das causas1. Portanto, a prevenção sobre os fatores de risco
removíveis tem impacto significativo na redução global da mortalidade, pois atua sobre
os três grupos de agravos (Figura 1).
Quadro 2
Fatores de risco comuns às doenças cardiovasculares, ao câncer e ao diabetes mellitus

Adaptado de Rosa LV et al.1


Figura 1
Fatores de risco comuns à doença cardiovascular (DCV) e ao câncer
DCV= doença cardiovascular

Prevenção Integrada

A concomitância de fatores de risco para DCV, CA e DM faz com que as estratégias de


prevenção se apliquem ao mínimo para as três condições clínicas descritas. O impacto
das políticas de cessação do tabagismo, por exemplo, tem magnitude epidemiológica
porque atuarão sobre os três maiores determinantes de mortalidade e morbidade dentro
das DCNT. Esse conceito de prevenção integrada também pode ser utilizado como
estratégia de conscientização do paciente para aderência às medidas propostas. Ao se
tratar a obesidade, o sedentarismo, o tabagismo, o DM, previne-se acidente vascular
encefálico, doença coronariana aterosclerótica e CA, entre outras doenças.

Instituições em Destaque na Cardio-Oncologia

Há crescente aumento do número de publicações sobre o tema de cardio-oncologia nos


últimos anos. Ainda há grande carência de informações baseadas em evidências sobre o
assunto e grande parte da prática clínica vigente é baseada em consenso de
especialistas ou estudos tipo caso-controle. Os grandes trabalhos que testaram os
quimioterápicos não se preocuparam em incluir desfechos cardiovasculares.

Em janeiro de 2009 foi fundada a Sociedade Internacional de Cardio-Oncologia pelo


grupo do Instituto Europeu de Oncologia, em Milão, Itália. Esta instituição tem
publicado trabalhos relevantes, especialmente na avaliação dos biomarcadores na
detecção precoce e monitoramente das lesões cardiovasculares nos pacientes com CA.
Informações sobre a referida sociedade e filiação podem ser obtidas em
<http://www.cardioncology.it>.

O MD Anderson Cancer Center associado ao Texas Heart Institute, no Texas, EUA,


têm significativa produção e experiência clínica sobre o tema. As instituições possuem
equipe multiprofissional que atendem, sob protocolo sistematizado, pacientes com CA.
Promoveram em 2010 a I Conferência Internacional sobre Câncer e Coração.
Informações adicionais podem ser obtidas neste link.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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ENDOMIOPERICARDIOPATIAS E
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA NO PACIENTE
COM CÂNCER

Eduardo Nani Silva


Wolney de Andrade Martins

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 68 anos, negra, procurou cardiologista com queixas de dispneia
progressiva dos grandes aos pequenos esforços, associada a edema dos membros
inferiores, bilateral, frio, ascendente e vespertino, iniciado há três meses. Referiu
câncer (CA) de mama há cinco anos tratado com mastectomia esquerda, esvaziamento
ganglionar axilar e quimioterapia adjuvante com doxorrubicina, 5-fluorouracil e
ciclofosfamida com doses que não soube informar. Faz reavaliações anuais com o
oncologista e refere ter tido critérios de cura do CA. Não fez qualquer avaliação ou
acompanhamento cardiológico antes, durante ou após o tratamento do CA. Hipertensão
arterial em tratamento há 10 anos com clortalidona 25mg/dia. Diabetes tipo II em
tratamento com metformina 2.550mg/dia há oito anos. Dislipidemia mista em uso de
sinvastatina 20mg/dia. Cessou tabagismo na época do diagnóstico do CA, com carga
tabágica de 60 maços/ano. Menopausa há 10 anos.
Ao exame clínico:
PA =130x80mmHg; PR =96bpm; FR =20irpm. Taquidispneica. Turgência jugular
patológica. Ausência de onda “a” no pulso venoso. Pulsos irregulares quanto à
frequência e amplitude, compatível com fibrilação atrial. Ictus cordis palpável no 5º e
6º espaços intercostais, na linha axilar anterior, pouco propulsivo. Ritmo irregular com
B3 e sopro sistólico (2+/6+) em focos tricúspide e mitral. Crepitação bibasal em
ambos os pulmões. Hepatomegalia dolorosa. Edema de membros inferiores (3+/4+),
frio, indolor, ascendente e depressível.

Eletrocardiograma evidenciou fibrilação atrial e sinais de sobrecarga ventricular


esquerda. Telerradiografia do tórax mostrou cardiomegalia, sinais de congestão
pulmonar nas bases e discreto derrame pleural na base direita.

Ecocardiograma mostrou dilatação das quatro câmaras; disfunção sistólica grave do VE


(FEVE= 32% por Simpson); disfunção diastólica do VE; derrame pericárdico leve, sem
sinais de restrição diastólica (Figura 1).

Figura 1
Ecocardiograma transtorácico – corte paraesternal longitudinal – cardiopatia em fase dilatada em paciente com
cardiomiopatia por doxorrubicina.
(Cortesia Prof. Mario Luiz Ribeiro – UFF)
VD=ventrículo direito; Ao=aorta; VE=ventrículo esquerdo; M=mitral; AE=átrio esquerdo

OBJETIVOS
1. Identificar risco cardiovascular global e fatores de risco para
cardiotoxicidade.
2. Identificar a possibilidade do aparecimento tardio de lesões
cardiovasculares nos pacientes submetidos à quimioterapia para o câncer.
3. Identificar os quimioterápicos mais comumente relacionados à
cardiotoxicidade e suas respectivas lesões.
4. Discutir as formas de prevenção e detecção precoce das lesões
cardiovasculares no paciente com câncer.
5. Conhecer as medidas terapêuticas recomendadas para as principais lesões
cardiovasculares no paciente com câncer.

PERGUNTAS
1. Quais são as hipóteses diagnósticas sindrômicas e etiológicas no caso
apresentado?

A paciente apresenta sinais e sintomas compatíveis com síndrome de insuficiência


cardíaca (IC). Há sinais de cardiomegalia, congestão pulmonar e congestão sistêmica.
A presença de fibrilação atrial é muito frequente nos pacientes com IC. Preenche os
critérios diagnósticos de Framingham para IC. Baseado na história de vários fatores de
risco para IC, tais com a hipertensão arterial (HAS), o diabetes mellitus (DM) e o uso
de quimioterápicos sabidamente cardiotóxicos, pode-se presumir etiologia
hipertensiva, metabólica e a cardiotoxicidade por antraciclínicos (doxorrubicina).

A evolução clínica de HAS e DM sob controle faz supor que estes entrem como fatores
predisponentes e a quimioterapia deva ter sido o agente preponderante para a lesão
miocárdica. O diagnóstico etiológico foi presumido a partir dos dados clínicos,
especialmente a história, posto que não há sinais típicos ou específicos de lesão pelos
quimioterápicos.

2. Quais são os fatores de risco associados à cardiotoxicidade reconhecidos na


paciente relatada? E o risco cardiovascular global?

Os fatores de risco para cardiotoxicidade na paciente em questão são: sexo feminino;


idade >60 anos; hipertensão arterial; diabetes mellitus; e a associação de
quimioterápicos. Atualmente há tendência de se considerar todo e qualquer fator
prévio, sabidamente agressor ao miocárdio, como fator predisponente.

O risco cardiovascular global, segundo Framingham é ALTO, pelo fato de a paciente


ser diabética. Nota-se que muitos dos fatores de risco cardiovascular global são
comuns àqueles do risco de cardiotoxicidade pela quimioterapia. Identificam-se como
fatores de risco cardiovascular: o tabagismo; a HAS; o DM; a dislipidemia; a fase pós-
menopausa.

3. Qual é a conduta recomendada para o monitoramento desta paciente durante e


após a quimioterapia no que se refere à cardiotoxicidade?

Durante QT com antraciclínicos, recomenda-se a monitorização frequente de


cardiotoxicidade, principalmente nos pacientes com fatores de risco para a ocorrência
da mesma, como no caso desta paciente. Antes do início da QT a paciente deveria ser
avaliada pelo cardiologista com a finalidade de realizar, além do exame clínico voltado
para detecção de cardiopatia subjacente, um eletrocardiograma e um ecocardiograma
transtorácico. A presença de disfunção ventricular antes do início do tratamento requer
maior vigilância, além da adoção de medidas de prevenção de cardiotoxicidade. Após
o término do tratamento, alguns pacientes desenvolvem disfunção ventricular tardia, que
pode ser observada até 20 anos após. Assim, é necessário monitorar esses pacientes
por um período prolongado.

4. Como detectar precocemente as lesões da paciente em questão antes da


instalação do quadro de insuficiência cardíaca?

A detecção precoce de cardiotoxicidade deve empregar metodologias de avaliação


mais eficazes tais como dosagem de biomarcadores de lesão miocárdica (troponina I,
BNP) e o ecocardiograma com estudo da função sistólica, diastólica, strain e strain
rate. Esses novos parâmetros ecocardiográficos de avaliação da função ventricular são
mais sensíveis em detectar precocemente a presença de disfunção ventricular, muito
antes de o paciente se tornar sintomático ou apresentar queda da FEVE.

A troponina I (TnI) é mais sensível para detectar cardiotoxicidade precoce do que o


BNP. Sua elevação marca a ocorrência de injúria miocárdica, enquanto que o BNP se
eleva mais tardiamente, quase que concomitante com o surgimento de sintomas.
Pacientes com maior risco cardiovascular e risco para cardiotoxicidade devem realizar
a dosagem dos biomarcadores e do ecocardiograma ao final de cada ciclo de
quimioterapia.

5. Como tratar a paciente em questão? Há algum aspecto específico no


tratamento?

Esta paciente já se encontra em fase avançada de disfunção ventricular, com importante


remodelamento cardíaco; deve, portanto, receber tratamento medicamentoso otimizado
que inclua um inibidor da enzima conversora de angiotensina ou bloqueador do
receptor AT1 da angiotensina, espironolactona e betabloqueador adrenérgico. Como
apresenta congestão pulmonar e sistêmica, deve ainda ser tratada com diurético de alça
venoso, como a furosemida. Não há tratamento específico para a paciente em questão.

Definição de cardiotoxicidade

No contexto da atenção ao paciente com câncer (CA), considera-se cardiotoxicidade


toda e qualquer agressão ao aparelho cardiovascular secundária às manifestações do
CA ou de seu tratamento, ressaltando-se aqui as lesões da quimioterapia (QT) e da
radioterapia (RT). Nesse conceito amplo tem-se que considerar não somente a
disfunção ventricular sistólica e a insuficiência cardíaca (IC) manifesta, como também
a doença tromboembólica, as lesões pericárdicas, a insuficiência cardíaca com fração
de ejeção normal (ICFEN) e os estágios iniciais de doença cardíaca detectados
precocemente pelas novas tecnologias da ecocardiografia (ECO) e pelos
biomarcadores (BM)1. Entretanto os estudos que testaram os quimioterápicos
atualmente disponíveis, em sua quase totalidade, observaram como critério de
cardiotoxicidade tão somente a queda na fração de ejeção do ventrículo esquerdo
(FEVE)2. Houve grande diversidade nos critérios adotados para cardiotoxicidade. O
Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos da América definiram cardiotoxicidade
segundo a FEVE em grau I quando há redução assintomática da FEVE entre 10% e
20%; grau II quando há redução maior que 20% ou abaixo do valor de referência; e
grau III quando há insuficiência cardíaca instalada3. Reitera-se que tal classificação
limita o estudo e a detecção de doença subclínica e em fase passível de
reversibilidade.

As lesões cardiovasculares mais comumente descritas nos pacientes com CA, seja
como manifestação paraneoplásica ou efeito adverso do tratamento, estão resumidas no
Quadro 1.
Quadro 1
Lesões cardiovasculares no paciente com câncer
Fatores de risco para cardiotoxicidade

Há alguns fatores de risco para cardiotoxicidade descritos na literatura, dos quais


alguns específicos para lesões pelos antraciclínicos (AC), cardiomiopatia, doença
tromboembólica e outros para as lesões da RT. A tendência atual é a de se considerar
todo e qualquer agravo prévio ao aparelho cardiovascular, e ao miocárdio em especial,
como potencial fator de risco4. No Quadro 2 estão listados aqueles fatores de risco
reconhecidos para as lesões cardiovasculares nos pacientes com CA. É interessante, na
abordagem inicial do paciente com CA, traçar o perfil de risco previamente ao
tratamento, e assim estabelecer proposta de monitoramento para curto, médio e longo
prazos2,5.

Quadro 2
Fatores de risco reconhecidos para cardiotoxicidade
QT=quimioterapia/quimioterápicos; RT=radioterapia

Quimioterápicos comumente associados à cardiotoxicidade

Existe um amplo arsenal terapêutico na oncologia, entretanto há escassez de informação


sobre os efeitos cardiovasculares dos quimioterápicos, exceto os AC. Isto se deve ao
fato de os estudos terem como desfechos tão somente a eficácia oncológica e não
incluírem os efeitos adversos cardiovasculares. Portanto as informações disponíveis
são baseadas em efeitos graves relatados ou relatos espontâneos. Outra limitação na
predição do potencial efeito cardiotóxico de determinado esquema é que raramente se
utiliza um único agente, mas três ou mais fármacos. Muito frequentemente um
quimioterápico potencializa o efeito adverso do outro no que concerne à
cardiotoxicidade. A RT pode potencializar o efeito cardiotóxico da QT5. No Quadro 3
estão listados os principais efeitos cardiotóxicos dos agentes comumente utilizados em
oncologia.

Quadro 3
Principais efeitos cardiotóxicos dos quimioterápicos

História natural
As lesões miocárdicas da QT podem ser classificadas em tipos I e II. A lesão tipo I se
inicia nas primeiras doses; é dose-dependente e cumulativa; leva à apoptose e fibrose
miocárdica; cursa com destruição do sarcômero e necrose à biópsia; e tem caráter
irreversível. Os exemplos mais comuns são as lesões causadas pela doxorrubicina e
ciclofosfamida. A lesão tipo II não tem relação com a dose do quimioterápico
utilizado; tem aparência benigna à biópsia; é reversível; e o prognóstico é melhor. Os
exemplos típicos das lesões tipo II são aquelas causadas pelo trastuzumab e pelos
anticorpos monoclonais5.

As lesões cardiovasculares têm impacto negativo na sobrevida dos pacientes com CA


em longo prazo. Não raro os pacientes se curam do CA e falecem de IC grave ou
doença tromboembólica. Portanto as lesões cardiovasculares devem ser prevenidas,
monitoradas e, uma vez presentes, tratadas.

A cardiotoxicidade pode ser classificada em aguda e subaguda; e crônica precoce e


crônica tardia (Figura 2). Alguns agentes levam a alterações durante a QT ou
imediatamente após. Outros como os AC podem demorar até 20 anos para a
manifestação clínica. Isso traz dificuldades à prática clínica, especialmente em como
determinar o tempo e a periodicidade de seguimento do paciente após QT. A demora na
manifestação clínica exuberante pode levar o médico e o paciente a omitirem na
anamnese ou das hipóteses diagnósticas um histórico remoto de QT e sua relação com a
doença atual. Frequentemente o paciente se apresenta com IC quando já obteve alta do
oncologista.
Figura 2
Classificação da toxicidade da quimioterapia pelo tempo

A lesão miocárdica dos AC é dose-dependente e guarda relação com o tipo de


disfunção. Acredita-se que, inicialmente, haja disfunção diastólica nas doses menores
e, posteriormente, com o prosseguimento da QT, o aparecimento da disfunção sistólica
(Figura 3).

Figura 3
Progressão da lesão da doxorrubicina conforme dose cumulativa utilizada
Detecção de cardiotoxicidade

De acordo com a Diretriz conjunta do American College of Cardiology (ACC) e a


American Heart Association (AHA), pacientes que recebem QT são considerados
portadores de IC estágio A, notadamente aqueles com fatores de risco para
cardiotoxicidade6. A detecção precoce da cardiotoxicidade pela QT é de fundamental
importância e deve, portanto, ser o foco da atenção nos pacientes que irão receber
quimioterápicos da classe dos AC e naqueles com maior risco cardiovascular. A
expectativa de vida aumentada pela disponibilidade de medicamentos eficazes em deter
o avanço do CA e até mesmo promover a cura, pode ser contrabalançada com o
aumento da mortalidade pelas complicações cardiovasculares decorrentes da
cardiotoxicidade.

Outros efeitos colaterais dos QT podem ter um impacto significante na qualidade de


vida desses pacientes, sem alterar a sobrevida. Assim, diagnosticar cardiotoxicidade
implica promover mudanças de estratégias do tratamento do CA, objetivando minimizar
as lesões cardíacas, além do tratamento específico da agressão ao coração sem,
contudo, deixar de oferecer a chance de um tratamento definitivo da sua doença de
base.

Para detectar cardiotoxicidade são utilizados na prática clínica além dos sinais e
sintomas de disfunção ventricular a ecoDopplercardiografia, a ressonância nuclear
magnética (RNM), a ventriculografia radioisotópica (VRI) e os biomarcadores:
troponinas (Tn), peptídeo natriurético tipo B (BNP) e seu precursor (NT-proBNP).

A seguir serão apresentados os principais meios de detecção da cardiotoxicidade em


pacientes com CA submetidos à QT. Detalhamento da aplicabilidade dos métodos de
imagem em Cardio-oncologia pose ser consultado no capítulo 5 desta seção.

1. EcoDopplercardiografia

Método não invasivo, tradicionalmente utilizado como ferramenta diagnóstica para


disfunção ventricular através da avaliação, em repouso, da FEVE e do encurtamento
circunferencial. Entretanto a FEVE tem se revelado um marcador tardio de
cardiotoxicidade e sua detecção já denota um comprometimento funcional avançado,
rapidamente progressivo e frequentemente irreversível7.

Da mesma forma, uma FEVE normal durante tratamento por QT não afasta o diagnóstico
de cardiotoxicidade, tornando esse parâmetro de baixa sensibilidade para o diagnóstico
precoce. Disfunção diastólica pode ocorrer antes do surgimento da disfunção sistólica e
se relacionar à presença de cardiotoxicidade8. Tjeerdsma et al.9 observaram uma
redução da relação E/A, do tempo de desaceleração (TD) e do tempo de relaxamento
isovolumétrico (TRIV) após 27 meses de tratamento em mais de 50% dos pacientes
submetidos à QT com AC. Esse achado reforça a importância da avaliação dos índices
de função diastólica na detecção de cardiotoxidade.

Novas técnicas ecocardiográficas estão hoje disponíveis e devem fazer parte da rotina
de avaliação dos pacientes submetidos à QT tais como o Doppler tecidual, o strain
(deformação) e o strain rate (taxa de deformação) e a recente introdução da avaliação
bidimensional do strain global (Speckle Tracking)8,10. Estudo recente avaliou 43
pacientes com CA de mama submetidas à QT com AC seguida de trastuzumab e
paclitaxel, e observou queda do pico da deformação longitudinal global (GLS= Global
longitudinal strain) em relação ao basal após três meses do término da QT8. Esse
estudo foi capaz de predizer, no sexto mês, o desenvolvimento de cardiotoxicidade na
presença de índices de função diastólica e FEVE normais. A utilização de contraste
durante a realização do ECO somente é recomendada na prática clínica quando o
endocárdio ventricular não é bem visualizado em dois ou mais segmentos. Nessa
situação o uso do contraste objetiva reduzir a variabilidade inter e intraobservador. A
ecocardiografia de estresse e a modalidade tridimensional têm seu espaço na Cardio-
oncologia em protocolos de pesquisa para detecção de cardiotoxicidade11.

2. Ressonância nuclear magnética do coração

Pode ser utilizada na identificação de disfunção ventricular. Possui resolução espacial


comparável à ecocardiografia, mas com pior resolução temporal. Tem a vantagem de
identificar lesão miocárdica através da técnica do realce tardio, tornando o método uma
opção atraente na identificação de cardiotoxicidade12. A necessidade de exames
repetidos, o uso do gadolíneo, o custo elevado e a não disponibilidade para uso
rotineiro tornam a RNM um método utilizado somente em casos de pacientes com janela
ecocardiográfica ruim e em protocolos de pesquisa.

3. Ventriculografia radioisotópica

Sua utilização na avaliação da função ventricular durante tratamento do CA tem falhado


em detectar alterações na FEVE7. A VRI frequentemente subestima os volumes
ventriculares e superestima o cálculo da FEVE, principalmente em pacientes com
ventrículos pequenos tal como ocorre nas crianças e nas mulheres. Da mesma forma que
a RNM, a exposição à radiação, o custo mais elevado e a necessidade de exames
seriados torna o método de segunda linha no seguimento clínico desses pacientes.

4. Biomarcadores

A FEVE avaliada através da ECO tem sido o único método de detecção e


monitoramento de cardiotoxicidade nos ensaios clínicos e na prática diária nos últimos
anos. Mais recentemente, o uso de BM cardíacos tem-se mostrado uma ferramenta de
detecção precoce, útil e sensível para essa finalidade. Os BM têm a vantagem de ser
minimamente invasivos e reprodutíveis, diminuindo a variabilidade interobservador.

4.1. Troponina (Tn): é o marcador bioquímico mais específico dentre os utilizados no


diagnóstico de injúria miocárdica, pois detecta pequenas áreas de necrose e é
recomendado para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM) desde o início
dos anos 2000. Sua vantagem na detecção de cardiotoxicidade reside em sua alta
sensibilidade, especificidade e praticidade. Seu emprego clínico se justifica pela
necessidade de monitorização da terapia antineoplásica com AC isoladamente ou em
associação com outros fármacos citotóxicos.

A utilização da Tn como BM de cardiotoxicidade em oncologia foi inicialmente


descrita em modelo animal e a magnitude de sua elevação está diretamente relacionada
à dose cumulativa do AC administrado e o grau de injúria cardíaca13. Vários estudos
utilizaram a TnI em adultos que receberam altas doses de AC para tratamento de CA e
demonstram sua importância na detecção precoce de injúria miocárdica,
desenvolvimento futuro de disfunção ventricular e sua gravidade14,15.

Em meta-análise que incluiu sete estudos, a elevação da Tn ocorreu em 30% a 34% dos
pacientes que receberam QT para tratamento de diversos tipos de CA15. A cinética da
Tn no contexto da cardiotoxicidade difere daquela observada no IAM, pois pode se
elevar precocemente durante o primeiro ciclo da QT ou tardiamente, até um mês após
seu término15. O mecanismo responsável pela elevação da Tn não parece estar
relacionado à etiologia isquêmica. A baixa incidência de fatores de risco coronariano,
ausência de sintomas e alterações eletrocardiográficas sugestivas de isquemia e a
elevação persistente da Tn um mês após o término da QT sugerem um padrão de
liberação diferente daquele observado na injúria isquêmica15.

Baseada nas evidências científicas atuais, a dosagem da Tn é recomendada para


detecção e monitoramento de cardiotoxicidade por QT. Sua determinação detecta a
presença de cardiotoxicidade antes do surgimento de disfunção ventricular evidenciada
pelos métodos de imagem. Quando positiva imediatamente após o último ciclo de QT,
identifica pacientes de alto risco para cardiotoxicidade que devem ser submetidos à
realização frequente de exames de imagem para monitorização da função cardíaca.

O intervalo de tempo para coleta de amostras para dosagem da Tn durante QT ainda


não está estabelecido. O exato momento em que uma dosagem negativa de Tn durante a
administração da QT pode predizer com elevada especificidade a não ocorrência de
cardiotoxicidade no futuro não está claro. Apesar de esse fato representar uma
limitação para o uso do BM na prática clínica, o custo da realização da dosagem de Tn
se justifica quando valores negativos permitem excluir pacientes de uma monitorização
rigorosa através de exames de imagem dispendiosos para avaliação da função
ventricular.

Cardinalle et al.16 procederam à dosagem de Tn imediatamente após o ciclo de QT


(precoce) e 30 dias após o término do tratamento (tardia) em coorte de 703 pacientes.
No seguimento clínico de 36 meses, a taxa de sobrevida livre de eventos cardíacos foi
significativamente menor no grupo de pacientes que positivaram a Tn precocemente e a
mantiveram positiva na avaliação tardia em comparação com o grupo de pacientes que
negativaram a Tn na dosagem tardia.

Outro aspecto importante é a capacidade da Tn em identificar estágios subclínicos de


cardiotoxicidade, permitindo o emprego de terapias de “cardioproteção” destinadas a
minimizar ou até mesmo bloquear a evolução da disfunção ventricular promovida pelo
quimioterápico utilizado17. Baseada nesses achados, a dosagem da TnI é uma
ferramenta útil para avaliar o risco de desenvolvimento de cardiotoxicidade com a
utilização dos AC clássicos assim como os de nova geração, e deve ser incluída entre
os critérios utilizados para definir cardiotoxicidade pré-clínica no desenvolvimento de
novos fármacos para tratamento do CA18.

4.2. Peptídeos Natriuréticos (PN): os PN são moléculas rapidamente produzidas e


liberadas pelo coração em resposta à distensão da parede ventricular, já bem
estabelecidas como BM de disfunção ventricular. Dentre os PN existentes, o peptídeo
natriurético tipo B (BNP) e seu precursor NT-proBNP são os empregados na prática
clínica para o diagnóstico de IC.

Vários estudos têm avaliado o emprego dos PN como marcadores de cardiotoxicidade


induzida por QT. Suzuki et al.19 foram os primeiros a observar que a elevação
persistente do BNP após administração de AC se correlacionava com o
desenvolvimento de disfunção ventricular quando comparado aos pacientes que tiveram
apenas elevações transitórias20. Sandri et al.21 demonstraram em coorte de 52 pacientes
submetidos à QT com altas doses, uma relação direta dos níveis de NT-proBNP e a
ocorrência de disfunção ventricular sistólica e diastólica um ano após o término do
tratamento21. Em meta-análise de 13 estudos que incluiu 502 pacientes avaliados com
dosagens de BNP e NT-proBNP durante tratamento QT, não se obteve resultado
conclusivo, pois os dados obtidos foram muito heterogêneos, com um número pequeno
de pacientes incluídos e com falhas metodológicas15.

Poucos estudos avaliaram o potencial do valor preditivo da concentração plasmática


dos PN para a detecção de disfunção ventricular15. Em modelo animal experimental, a
doxorrubicina mostrou exercer um efeito inibitório na expressão gênica do BNP22.
Embora esse fato necessite ser mais bem esclarecido, uma recente coorte de pacientes
que receberam QT com doxorrubicina mostrou redução dos níveis plasmáticos de NT-
proBNP, sugerindo um efeito paradoxal15. Estudos envolvendo maior número de
pacientes e com uniformidade das metodologias são necessários para melhor
compreensão do real papel dos PN na detecção e monitoramento da cardiotoxicidade
induzida por QT.

5. Marcadores de disfunção endotelial

Pacientes sobreviventes de CA tratados previamente com QT têm mostrado um aumento


no risco do desenvolvimento de hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade, com
uma maior incidência de doença cardiovascular (DCV)23. Vários estudos clínicos
avaliaram o dano endotelial em pacientes com CA através da detecção de marcadores
de disfunção endotelial tais como: inibidor do ativador do plasminogênio tipo 1 (PAI-
1); o ativador do plasminogênio tecidual (TPA); e moléculas de adesão23,24.

A disfunção endotelial suscita inflamação e acelera o processo de aterosclerose e


promove, assim, aumento do risco cardiovascular global. A monitorização da disfunção
endotelial através desses BM pode identificar pacientes assintomáticos sob maior risco
de desenvolvimento de DCV18. Atualmente não existem evidências da utilização desses
BM como ferramenta de monitoramento da ocorrência de DCV futura em pacientes
tratados com fármacos antineoplásicos.

6. Novos marcadores de isquemia miocárdica

Estudos utilizando novos marcadores de isquemia tais como: proteínas de ligação a


ácidos graxos (FABP) e glicogênio fosforilase isoenzima BB (GPBB) em pacientes
tratados com AC demonstraram uma correlação desses BM e a ocorrência de disfunção
ventricular. Embora esses marcadores sejam altamente sensíveis para isquemia
miocárdica – são liberados pelos cardiomiócitos de 4-6 horas após o evento isquêmico
e retornam aos níveis basais em torno de 18-36 horas – não existem evidências de que
sua elevação seja um marcador específico de injúria miocárdica de outra natureza
senão a isquêmica18.

7. Marcadores de Inflamação

Níveis elevados de interleucina-6 (IL-6) são observados em pacientes com


cardiomiopatia dilatada e IC. Mercuro et al.25 relataram correlação entre níveis
elevados de IL-6 e a ocorrência de disfunção ventricular pelo ecoDoppler tecidual em
pacientes tratados com epirrubicina. A administração do bloqueador do receptor AT1
da angiotensina II telmisartana foi capaz de impedir a elevação da IL-6 e reverter a
ocorrência de disfunção ventricular26. Esses dados isolados necessitam de confirmação
através de maiores estudos. Não há recomendação para dosagem rotineira de IL-6 em
pacientes sob QT.

8. Biópsia endomiocárdica

Tradicionalmente considerada o padrão-ouro por sua alta sensibilidade para o


diagnóstico de cardiotoxicidade, pode diagnosticar dano miocárdico precoce com
doses de doxorrubicina <180mg/m2. A biópsia tem sido substituída pelos métodos de
imagem e biomarcadores devido ao seu caráter invasivo, pelos riscos da sua realização
e pela necessidade de repetição durante o monitoramento desses pacientes7.

Nos Quadros 4, 5 e 6 estão relacionadas as recomendações para a realização do ECG,


ecocardiograma e biomarcadores na detecção e monitoramento de cardiotoxicidade em
adaptação da I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de
Cardiologia2.
Quadro 4
Monitoramento de cardiotoxicidade por meio de eletrocardiografia

Adaptado da I Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia2


ECG= eletrocardiograma; QT= intervalo QT

Quadro 5
Monitoramento de cardiotoxicidade por meio do ecocardiograma
Adaptado da I Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia2

Quadro 6
Monitoramento da cardiotoxicidade por meio de biomarcadores

Adaptado da I Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia2


Tn=troponina; BNP=peptídeo natriurético tipo B; PN=peptídeos natriuréticos

Tratamento da Cardiotoxicidade Induzida por QT

A disfunção ventricular decorrente de cardiotoxicidade por QT não requer tratamento


diferenciado das cardiomiopatias de outras etiologias. O tratamento medicamentoso
com o objetivo de prevenir o remodelamento ventricular deve focar desde o início a
redução e o controle dos fatores de risco cardiovascular tais como a hipertensão
arterial, o diabetes e as dislipidemias, tendo em vista os pacientes com CA
encontrarem-se em estágio A de IC.

Todos os pacientes que desenvolvem disfunção ventricular sintomática devem receber a


combinação de um inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou um
bloqueador do receptor AT1 da angiotensina II (BRA) e um betabloqueador (BB), salvo
contraindicações. Esses medicamentos demonstraram reduzir a mortalidade de
pacientes com IC, além de promoverem um remodelamento reverso. Nos casos de IC
avançada, pode ser necessário o uso de diuréticos de alça (furosemida) para reduzir a
congestão pulmonar e sistêmica, digital e o antagonista da aldosterona
(espironolactona) a partir da classe funcional II (NYHA).

Pacientes em estágios avançados de IC, refratários à terapia otimizada, devem ser


considerados para terapia de ressincronização cardíaca, dispositivos de assistência
ventricular e transplante cardíaco, desde que não apresentem recorrência do CA e
expectativa de vida muito curta pelo CA5. O tempo decorrido entre o término da QT e o
início do tratamento para IC com IECA e BB parece ser de fundamental importância
para o sucesso da terapêutica. Pacientes que recebem tratamento em até dois meses
após o término da QT têm chance maior de recuperar a função cardíaca do que aqueles
que o iniciam após esse período. Esse fato enfatiza a necessidade de se diagnosticar
precocemente a cardiotoxicidade, para que um tratamento otimizado seja iniciado o
mais precocemente possível5.

O tratamento da cardiotoxicidade induzida pelo trastuzumab é mais controverso. A


recuperação da função cardíaca após o término da QT é decorrente do mecanismo
fisiopatológico de lesão miocárdica tipo II e não há relação dose-dependente como
ocorre nos AC. Cerca de 80% dos pacientes que desenvolvem IC com o uso do
trastuzumab têm melhora significativa da função ventricular quando tratados com os
fármacos empregados de rotina no tratamento da IC5. A suspensão do tratamento com
trastuzumab é geralmente recomendada quando ocorre IC clinicamente importante.
Nesses casos ocorre recuperação da função cardíaca em torno de um mês e meio. A
medicação pode ser reiniciada após compensação da IC com os fármacos habituais,
seguido de monitorização rigorosa da função cardíaca27. O Quadro 7 resume as
recomendações da I Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia para o tratamento da IC
induzida por QT2.

Quadro 7
Tratamento da insuficiência cardíaca induzida pela quimioterapia
Adaptado da I Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia2
IECA=inibidor da enzima conversora de angiotensina; IC=insuficiência cardíaca; BRA=bloqueador do receptor da
angiotensina 1; BB= betabloqueador adrenérgico; CF=classe funcional; QT=quimioterapia(ico)

Prevenção de Cardiotoxicidade

O melhor tratamento para a cardiotoxicidade é a sua prevenção. As medidas


preventivas devem necessariamente incluir: monitorização rigorosa da função
ventricular durante os ciclos de QT, limitação da dose cumulativa, maior tempo de
infusão dos quimioterápicos e o uso de análogos dos AC. Outras medidas são relatadas,
no entanto carecem de evidências sólidas.

Como discutido anteriormente, para monitorar a função ventricular deve-se utilizar a


ECO e os BM, métodos considerados indicação classe I pelo ACC/AHA e pela I
Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia2. Entretanto a monitorização contínua durante
todo o tratamento, além de dispendiosa, gera muita expectativa para os pacientes já
fragilizados pela doença de base. Critérios mais rigorosos de monitorização têm melhor
relação custo/benefício quando aplicados para pacientes com fatores de risco para
cardiotoxicidade. Um seguimento clínico cuidadoso aliado às ferramentas disponíveis
para detecção de cardiotoxicidade deve ser priorizado nesse grupo de pacientes.

Um aumento da cardiotoxicidade pelos AC tem sido relacionado às altas doses


empregadas nos esquemas que utilizam doses cumulativas de doxorrubicina entre
450mg/m2 e 550mg/m2, comprometendo muitas vezes o sucesso do tratamento28. As
doses cumulativas dos AC devem levar em conta as particularidades dos pacientes e da
doença de base, em especial a presença de fatores de risco para cardiotoxicidade. Tem
sido proposta a administração em infusão contínua dos AC como alternativa à infusão
em bolus com o objetivo de limitar picos elevados do fármaco administrado, reduzindo
os efeitos cardíacos relacionados aos AC. Há contestação dessa medida, pois se por
um lado a infusão contínua limita os picos elevados, por outro propicia maior tempo de
exposição ao AC e dificulta a recuperação do dano funcional ao cardiomiócito28. O uso
de análogos dos AC (epirubicina, idarubicina e mitoxantrone) e AC lipossomais tem se
mostrado promissor como o objetivo de reduzir a cardiotoxicidade, mantendo a
eficácia do tratamento QT28.

A adição de fármacos que reduzam as lesões cardiovasculares parece racional,


especialmente nos pacientes com elevado risco cardiovascular e risco para
cardiotoxicidade. Entretanto, as medidas de “cardioproteção” não podem comprometer
a eficácia do tratamento oncológico. O dexrazoxane – agente quelante do ferro – é
recomendado pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica como “cardioprotetor”
para pacientes com CA de mama metastático que receberão dose maior que 300mg/m2
de doxorrubicina. A possibilidade de esse agente reduzir a eficácia antitumoral do AC
combinado com o seu potencial mielossupressor tem limitado seu emprego na prática
clínica28.

A potente ação antioxidante do carvedilol exerce um efeito diferencial na sua utilização


em cardio-oncologia. Seu efeito cardioprotetor foi demonstrado em estudo randomizado
em pacientes tratados com AC para prevenção de disfunção ventricular e redução de
mortalidade29. O referido estudo teve casuística pequena e necessita de confirmação.
Outros agentes cardioprotetores tais como: coenzima Q10, carnitina, N-acetil-cisteína,
vitamina E, vitamina C e probucol necessitam de maiores estudos para comprovação de
eficácia como agentes protetores de cardiotoxicidade induzida pelos AC.

A maior crítica às estratégias de “cardioproteção” é seu uso indiscriminado, por não


considerar o potencial risco de cardiotoxicidade de cada paciente. Essa conduta eleva
em muito os custos do tratamento e pode reduzir sua eficácia oncológica. A
recomendação atual que parece mais racional é selecionar os pacientes de alto risco de
cardiotoxidade para receber essas estratégias de cardioproteção30. No Quadro 8 estão
relacionadas as recomendações da I Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia2 para
prevenção de cardiotoxicidade por QT.

Quadro 8
Medidas de prevenção de cardiotoxicidade induzida por quimioterápicos
Adaptado da I Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia2
CA=câncer; AC=antraciclínicos

Pericardiopatias

O pericárdio pode ser acometido em pacientes com CA através da ação direta do


quimioterápico utilizado, acometimento primário pela neoplasia e por complicação do
tratamento radioterápico. A incidência de doença pericárdica varia com o tipo de CA
entre 7% e 12%. É mais frequente nos tumores sólidos tais como mama (10% e 28%) e
pulmão (19% e 40%), seguidos dos tumores hematológicos – linfomas e leucemias –
entre 9% e 28%31.

O diagnóstico pode ser suspeitado através da história clínica de dor torácica, dispneia,
febre e atrito pericárdico associados às alterações eletrocardiográficas tais como
elevação difusa do segmento ST, baixa voltagem e arritmias supraventriculares. O
diagnóstico pode ser confirmado pelo ecocardiograma transtorácico ou pela tomografia
do tórax. Uma vez identificado, o líquido pericárdico pode ser a pista para o
diagnóstico etiológico e histopatológico da neoplasia de base, através da
pericardiocentese com biópsia pericárdica. A imuno-histoquímica e a dosagem de
marcadores tumorais no líquido pericárdico (CEA, CA125, CA15-3, CA19-9, NES,
CYFRA-21) são atualmente uma ferramenta útil, com alta sensibilidade e
especificidade para o diagnóstico das neoplasias sólidas31.

O tratamento do derrame pericárdico neoplásico tem o objetivo de aliviar sintomas,


evitar recorrências e prolongar a sobrevida. O tamponamento cardíaco é mais frequente
do que em outras etiologias de derrame pericárdico, com líquido na maioria das vezes
de aspecto hemorrágico. Deve ser abordado de imediato, através da pericardiocentese
de urgência, guiada pela ecocardiografia. Para alívio dos sintomas, recomenda-se a
pericardiocentese percutânea ou cirúrgica. A técnica cirúrgica, sempre que possível, é
a mais recomendada por reduzir as recidivas e promover maior adesão pericárdica
pela reação inflamatória local31. Com o objetivo de reduzir as recidivas em longo
prazo têm sido propostas: a drenagem prolongada, a janela pericárdica, a esclerose
local com bleomicina, a QT sistêmica ou local com platina ou mitoxantrone e
radioterapia externa ou com radionuclídeos intrapericárdico31.

A radioterapia quando realizada na região precordial para tratamento do CA,


especialmente os de mama, pulmão e linfomas, pode causar dano ao pericárdio,
miocárdio, valvas e coronárias e aos órgãos contíguos. O pericárdio é a estrutura
cardíaca mais acometida pela radioterapia, principalmente quando associada à QT com
AC. O intervalo entre a radioterapia e o surgimento de sintomas e sinais de pericardite
actínica pode variar entre 2 meses e 145 meses. O derrame pericárdico é manifestação
precoce, enquanto que a pericardite constritiva é tardia e acomete, preferencialmente, o
ventrículo direito. O tratamento definitivo da pericardite actínica consiste na
pericardiectomia cirúrgica.

Considerações finais

O aumento da incidência de CA, o maior acesso e a maior eficácia do tratamento


oncológico têm concorrido para o aumento do número das lesões cardiovasculares
secundárias à QT e RT. A cardiomiopatia e a IC encontram-se entre as lesões mais
temidas. A avaliação clínica do risco cardiovascular global e dos fatores de risco para
cardiotoxicidade com a consequente intervenção sobre eles é obrigatória. Também se
faz necessária a monitorização precoce e tardia da cardiotoxicidade nos pacientes
submetidos à QT. Estratégias de prevenção primária ainda carecem de estudos. Resumo
da abordagem cardiovascular recomendada aos pacientes com CA encontra-se na
Figura 4.
Figura 4
Recomendações para abordagem cardiovascular do paciente com câncer
ECG=eletrocardiograma; ECO=ecocardiograma; HAS=hipertensão arterial; DM=diabetes mellitus

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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DOENÇA TROMBOEMBÓLICA NO
PACIENTE COM CÂNCER

Ernesto de Meis

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 12 anos, internada com diagnóstico de lesão em bacia, com o
seguinte laudo histopatológico: “Tumor neuroectodérmico primitivo. Sarcoma de
Ewing. Imuno-histoquímica: CD99 - positiva em membrana. Vimentina e
sinaptofisina - positivos CD56; Citoqueratinas AE1/AE3, Desmina, LCA e FLI1 –
negativos”. Biópsia de medula óssea não evidenciou invasão. Programado início de
protocolo investigacional. Ultrassonografia do abdômen mostrou presença de massa na
metade inferior do abdômen, com deslocamento da bexiga e anexos. Foi indicada RT
local.

Decidiu-se pela colocação de cateter venoso central para quimioterapia (QT), porém
evoluiu com desconforto no membro do cateter (MSE). Doppler mostrou: veia jugular
esquerda compressível; trombo na veia subclávia esquerda proximal e espessamento
parietal difuso de seu trajeto com fluxo ao colorDoppler, sugerindo trombose mural.
Iniciada anticoagulação com heparina de baixo peso molecular, em domicílio, devido
ao risco do uso de inibidor de vitamina K em paciente sob QT.

Retirado o cateter com resolução do quadro. No entanto, para manter o tratamento, foi
inserido cateter venoso central de longa permanência em membro superior direito. No
segundo mês de anticoagulação, a paciente passou a fazer uso incorreto da medicação e
interrompeu por três semanas consecutivas. Voltou com quadro de dor em face esquerda
do pescoço, edema e dor local. Tomografia computadorizada mostrou: “Presença de
trombo, com calcificação parietal na jugular esquerda. Presença de trombos na
jugular e veia braquiocefálica esquerdas. Cateter de subclávia direita, com
extremidade na veia braquiocefálica esquerda. Presença de falha de enchimento na
formação da veia cava superior, com interrogação sobre a possibilidade de se tratar
de trombo ou artefato de fluxo. Observou-se circulação colateral no terço superior
do hemitórax esquerdo”.

Foi então internada para fazer anticoagulação plena com heparina de baixo peso
molecular, de forma controlada. Obteve melhora progressiva dos sintomas nos quatro
dias subsequentes.

OBJETIVOS
1. Discutir o estado trombofílico e seu impacto no paciente com câncer (CA).
2. Discutir condutas preconizadas na prevenção e tratamento da trombose em
pacientes com CA.
3. Analisar o impacto da profilaxia e tratamento das tromboses na sobrevida do
paciente com CA.

PERGUNTAS

1. Qual é o real impacto da trombose no mundo?

Apesar de muito frequente, tem sido delegada à trombose, de forma errônea, uma
importância secundária. Para demonstrar a importância dos eventos trombóticos
venosos e suas complicações, dados mostram que cerca de uma em cada dez mortes em
pacientes internados é devido à tromboembolia pulmonar (TEP). Acrescenta-se que 1%
de todos os pacientes internados irá morrer de TEP.

Numericamente, é previsto que na Europa ocorrerão cerca de 500.000 óbitos pela


doença a cada ano. Já nos Estados Unidos da América espera-se, aproximadamente,
200.000 mortes anualmente. Isso significa, mais do que a soma das mortes por AIDS,
CA de mama e acidentes em vias de alta velocidade juntos1-3.

Além do número de mortes, outro grande impacto está na qualidade de vida, uma vez
que o paciente que desenvolveu trombose terá uma qualidade de vida inferior àquele
que não teve o evento – principalmente devido às complicações como síndrome pós-
trombótica e a necessidade de mudar a rotina para o uso dos anticoagulantes4.

2. Qual é o impacto da doença tromboembólica no paciente com CA?

Desde a época de Armand Trousseau, apud Lyons5, a relação entre a fisiopatologia da


trombose e do CA é discutida de forma interligada. Inicialmente dois achados
importantes alertaram para essa interação: o primeiro, que pacientes que desenvolviam
trombose, sem causa específica (trombose idiopática), tinham um risco aumentado de
ter diagnóstico de CA nos anos seguintes ao evento trombótico; o segundo, que
pacientes portadores de neoplasias quando submetidos a procedimentos cirúrgicos,
independente do tipo, tinham um risco aumento de desenvolver trombose de, pelo
menos, duas vezes maior6,7.

As evidências não pararam aí, uma vez que importantes estudos mostraram que
pacientes portadores de neoplasias e que tiveram um evento trombótico apresentaram
pior perspectiva de cura e de sobrevida, não necessariamente relacionadas ao evento
trombótico. Desses estudos, destaca-se o Medcare que analisou mais de oito milhões de
pacientes sem CA e mais de um milhão de pacientes com CA. Eles observaram que o
risco de óbito em seis meses dos pacientes com CA e evento de trombose foi mais de
duas vezes maior do que aqueles sem CA e com trombose8. Estudo de Srensen
confirmou este achado9.

Na Figura 1 observa-se a curva de 110 pacientes com diagnóstico de adenocarcinoma


de pulmão que foram seguidos prospectivamente, e não só se verificou uma alta
frequência de tromboses - muitas por serem assintomáticas só foram diagnosticadas
com busca ativa - como também uma pior curva de sobrevida10. Assim, o paciente com
CA e trombose não só pode vir a falecer da trombose como também terá uma doença
neoplásica mais agressiva. E o impacto na clínica é que a trombose é a segunda causa
de morte em paciente oncológico (só perde para a progressão da doença e, mesmo
assim, ela interfere nesse ponto), e o simples fato de fazer a profilaxia correta pode
mudar a história natural da neoplasia aumentando a sua sobrevida11.

Figura 1
Curva de sobrevida de pacientes com adenocarcinoma de pulmão em relação à trombose
Fonte: adaptado de de Meis et al.9

3. Qual é o mecanismo que explica tanto maior o aumento na frequência de


trombose quanto maior a agressividade nos pacientes com CA?

Alguns fatores foram bastante bem definidos, podendo-se citar:

O fator tecidual (FT), principal iniciador da coagulação, tem efeito também de


aumentar a angiogênese12,13. Este fato, já bastante testado e identificado in vitro, pode
ser justificado quando se considerar que ao lesar um vaso e iniciar o sangramento, o FT
irá estimular a formação do coágulo para parar a perda sanguínea e, por fim, vai
também estimular a angiogênese de forma a corrigir a lesão vascular. Vários estudos já
mostraram um aumento da expressão de FT em células neoplásicas mesmo na ausência
de lesão vascular (Figura 2).
Figura 2
Expressão de fator tecidual (em marrom) na membrana das células de adenocarcinoma de pulmão13.

Além desse efeito do FT, sabe-se que existem receptores celulares que são ativados de
forma diferente da convencional. O chamado receptor PAR (Receptor ativado por
proteases) pode ser ativado tanto pela trombina como pelo fator X ativado ou pela
proteína C. Ao ser ativado pelas duas primeiras proteases, induz a vários efeitos tais
como ativar reação imunológica, inflamação, dor, edema, cicatrização, angiogênese e
aumenta a agressividade da neoplasia. Já quando o receptor é ativado pela proteína C,
o efeito é inverso com redução da inflamação e inibição da apoptose12-15. Na Figura 3,
em marrom, a marcação para receptores PAR em paciente com adenocarcinoma de
pulmão14. Assim, o mesmo paciente pode induzir a produção de FX ativado e trombina
através da expressão de FT e estes ativarem o receptor PAR na neoplasia, aumentando
a angiogênese e a velocidade de crescimento.
Figura 3
Em marrom a marcação para receptores PAR em paciente com adenocarcinoma de pulmão13.

4. Então todos os pacientes com CA apresentarão trombose?

A neoplasia é sem dúvida um grande fator de risco para trombose, no entanto nem todos
os pacientes irão desenvolver trombose. Geralmente, o risco de ocorrer evento
trombótico aumenta quando associado à neoplasia, e o paciente apresentar outros
fatores de risco como a presença de cateteres venosos centrais; estar em quimioterapia
(QT) e/ou radioterapia (RT); apresentar doença avançada; ter infecção; fazer uso de
hormônios de crescimento, como eritropoietina ou filgrastima; estar restrito ao leito; e
após procedimentos cirúrgicos16. No caso de cirurgias, esse efeito pode perdurar por
até quatro semanas. Dessa forma, além da neoplasia, o paciente com CA, mesmo que
sob mobilização, frequentemente tem vários outros fatores de risco associados que
levam à alta probabilidade de trombose.

5. Como prevenir a trombose?

Atualmente existem várias orientações quanto ao manejo do paciente com CA.


Consensualmente têm-se as seguintes recomendações11,17-19:

Todo o paciente com CA é de alto risco para trombose. Assim, ao internar,


diferente dos outros pacientes - quando se analisa a presença de fatores de
risco para identificar se deverá ou não fazer a anticoagulação - deve-se
avaliar se tem ou não contraindicações para ser anticoagulado. Se não
houver, a anticoagulação deverá ser feita de rotina.
Atualmente as heparinas são de escolha na profilaxia, porém o uso da
heparina de baixo peso é preferido pelo fato de ter melhor comodidade
posológica (apenas uma vez por dia, contra três vezes por dia da não
fracionada).
Doses mais altas de heparina causam maior redução na frequência de
trombose do que as doses mais baixas, e por isso devem ser prescritas.
Em vários casos, a profilaxia deverá ser estendida ao ambulatório,
principalmente agora que o paciente fica cada vez menos tempo internado.
Em alguns casos deve-se fazer a profilaxia por até quatro semanas.
Atualmente vários anticoagulantes têm sido liberados no mercado –
idraparinux, darbigatrana e rivoroxabana – os dois últimos com grande
promessa para os pacientes com CA por serem orais e não sofrerem
interferência dos alimentos ou dos outros medicamentos. No entanto, esses
medicamentos ainda não foram aprovados, especificamente, para o uso em
pacientes com CA.
Pacientes ambulatoriais não precisam fazer “tromboprofilaxia”, exceto os
pacientes com mieloma múltiplo em uso de dexametasona, talidomida ou
lenalidomida.
Pacientes submetidos à cirurgia abdominopélvica, de moderado a grande
porte, devem fazer profilaxia por quatro semanas. Nos outros casos, o
período de profilaxia permanece de 10 a 14 dias.

6. Como tratar trombose nos pacientes com CA?

Em pacientes fora de QT deve-se iniciar com heparina de baixo peso e, logo após,
associar o inibidor de vitamina K (varfarina sódica). Já nos pacientes sob QT, devido à
grande variabilidade do inibidor de vitamina K, este não é o anticoagulante ideal.
Nesses casos sugere-se fazer uso de heparina de baixo peso, em domicílio, com dose
plena, até que o tratamento antineoplásico termine. A partir daí, associar o inibidor da
vitamina K.

O tratamento deve ser feito da seguinte forma: preservar o período mínimo de seis
meses de tratamento anticoagulante até o paciente não mais ter evidência de neoplasia e
estar fora de esquema de QT ou RT11,18,19.

O filtro de veia cava só deve ser utilizado em paciente com trombose aguda e
contraindicação para anticoagulação, ou ainda que fizesse novo evento de
tromboembolismo em vigência de anticoagulação. É importante enfatizar que, antes de
considerar a refratariedade à anticoagulação, faz-se necessário verificar se o paciente
está em uso de anticoagulante da forma correta20.

O uso de heparina só é contraindicada se o clearence de creatinina estiver abaixo de


30ml/min, porém a bula de enoxaparina sugere que em caso de clearence entre 15-
30ml/min pode-se fazer anticoagulação, ressalvada a redução de 50% da dose. A
plaquetopenia é comum em paciente com CA. Com a estabilidade da heparina de baixo
peso, o uso desse fármaco, segundo opiniões de especialistas obtidas em encontros
sobre o assunto, pode ser feito em paciente com contagem plaquetária mais baixa,
desde que não tenha outro distúrbio hemorrágico ou não apresente sangramento ativo.
Sugere-se que esta pode ser feita até contagem de plaquetas em torno de 50.000mm3
(21).

7. Como proceder frente ao paciente sob uso de anticoagulante que será submetido
a procedimento invasivo?

Há discussão sobre qual seria a melhor conduta. O objetivo é manter o paciente o


menor tempo descoberto da anticoagulação devido ao risco de nova trombose. Sugere-
se estratégia a seguir:

Se estiver fazendo uso de heparina de baixo peso, suspendê-la na véspera.


Caso em uso da heparina convencional, suspender em torno de 6-12 horas
antes do procedimento.
Se estiver fazendo uso de inibidor de vitamina K, suspendê-lo de 5-7 dias
antes, iniciar imediatamente heparina de baixo peso e fazer adicionalmente
vitamina K por três dias. Na véspera do procedimento, interromper a
anticoagulação com heparina e retomá-la com a heparina. Posteriormente,
reiniciar o inibidor de vitamina K o mais rápido possível.

8. No caso clínico apresentado neste capítulo, o que poderia justificar a evolução


relatada?

No caso clínico descrito, a criança teve um evento de trombose, provavelmente por


associação de diversos fatores de risco (neoplasia, uso de cateter venoso central e QT).
Iniciou o tratamento com esquema de heparina de baixo peso, o qual foi mantido uma
vez que a paciente continuaria em uso de quimioterápicos. Houve uma boa resposta
inicial, porém como interrompeu a heparina de baixo peso antes do tempo, o evento
trombótico retornou e gerou quadro sugestivo de síndrome de veia cava.

Como a paciente não tinha contraindicação à anticoagulação, assim como a nova


trombose não foi devido à resistência ao uso de anticoagulante, mas por falta de
adesão, o uso de filtro de veia cava não se fez necessário. A mesma deveria usar
heparina de baixo peso molecular enquanto estivesse em QT, e só interromper após
estar sem evidência de doença, sem tratamento quimioterápico e radioterápico, sem
cateter e ter completado no mínimo seis meses de tratamento. Vale realçar que assim
que termine a QT, poderá cessar a anticoagulação com heparina e passar a ser mantida
com inibidor de vitamina K.

9. Há indicação dos novos anticoagulantes para o paciente com CA?

Atualmente novos anticoagulantes têm sido desenvolvidos com resultados


promissores22-24; no entanto ainda não foram aprovados para a profilaxia e tratamento
da trombose em pacientes com CA.

Rivoroxabana: é inibidor da atividade anti-Xa e mostrou boa eficácia na profilaxia da


trombose em pacientes ortopédicos. Há trabalhos que mostram muito bons resultados
nos pacientes com fibrilação atrial ou trombose. Ao compará-lo com as heparinas, a
grande vantagem está no fato de que é um medicamento de uso oral e com isso de fácil
adesão, além de prescindir de acompanhamento laboratorial e não levar ao
desenvolvimento de trombocitopenia pela heparina (HIT). Outra vantagem importante é
que sua excreção é 40% hepática e 60% renal, ou seja, dependendo do grau de
insuficiência renal ainda há a possibilidade do seu uso. No entanto existem algumas
desvantagens, entre elas é que não existe antídoto e interage com um grande número de
medicamentos, entre eles alguns antirretrovirais e antiarrítmicos.
Darbigatrana: é um inibidor da trombina, e assim como o rivaroxabana, mostrou-se
eficaz na profilaxia pós-operatória em pacientes ortopédicos. Encontram-se trabalhos
que relatam boa eficácia e segurança em pacientes com fibrilação atrial e no tratamento
das tromboses. Tem fácil adesão por ser medicamento oral. No entanto necessita de
mais tomadas que o rivaroxabana. Não prescinde de acompanhamento laboratorial e
não leva ao desenvolvimento de HIT. Por outro lado, sua excreção é basicamente renal
e por isso seu uso não é indicado em paciente com insuficiência renal. As desvantagens
de seu uso são a interação com outros medicamentos, inclusive com o pantoprazol, e o
desconforto gastrointestinal.

Apixabana: ainda foi liberado para uso clínico no Brasil até a elaboração deste
capítulo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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ESTRATIFICAÇÃO E GERENCIAMENTO DE
RISCO EM CIRURGIA ONCOLÓGICA

Hugo Tannus Furtado de Mendonça Filho

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 67 anos de idade, com diagnóstico histológico de adenocarcinoma
do corpo pancreático, com 2,8cm em seu maior diâmetro, e programação de tratamento
cirúrgico, foi encaminhada à avaliação cardiológica pré-operatória. A paciente
apresentava insuficiência cardíaca de etiologia isquêmica, estágio C, classe funcional
da New York Heart Association III.

Há seis meses evoluiu com dor epigástrica importante e, durante a investigação, foi
submetida à cineangiocoronariografia que revelou oclusão da artéria coronária
esquerda descendente anterior em seu terço médio; lesões obstrutivas distais em ramos
ventricular posterior e coronária direita; além de importante zona discinética em região
anterior. A paciente vinha em uso regular de aspirina 100mg/dia, atorvastatina
20mg/dia, candesartana 8mg/dia, carvedilol 12,5mg/dia e furosemida 40mg/dia. O
ecocadiograma revelou fração de ejeção ventricular esquerda de 23% por Simpson e
PSAP estimada em 45mmHg.
OBJETIVOS
1. Ressaltar as peculiaridades na estratificação pré-operatória de risco em
pacientes com câncer (CA).
2. Contrapor risco perioperatório cardiológico ao impacto prognóstico do
tratamento cirúrgico do CA.
3. Destacar a importância do ajuste da abordagem farmacológica visando à
redução de risco perioperatório, com especial foco no tratamento
antiplaquetário.
4. Revisitar aspectos relacionados à dificuldade diagnóstica e abordagem das
síndromes coronarianas após grandes cirurgias do CA.

PERGUNTAS
1. Como avaliar o risco operatório da paciente relatada?

A estratificação pré-operatória de risco em oncologia tem ganhado complexidade e


peculiaridades que exigem uma abordagem integrada e dinâmica visando a maximizar
resultados clínicos1. Pacientes estratificados como classe II ou mesmo III podem ser
candidatos a procedimentos extensos e complexos potencialmente relacionados a
perdas volêmicas expressivas e, eventualmente, associados a intervenções vasculares.

Agravando o cenário, a pré-existência de comorbidade cardiovascular, que tem sido


cada vez mais frequente em candidatos à cirurgia oncológica. Nesse grupo em especial,
a realização de testes provocativos deve, obrigatoriamente, quantificar a intensidade de
esforço que compromete o quadro cardiopulmonar ou a massa miocárdica sob risco.
Particularmente no cenário cardio-oncológico, a informação proveniente de um teste
provocativo positivo para isquemia miocárdica tem um caráter muito mais informativo
do que restritivo ao procedimento cirúrgico. Pacientes com capacidade funcional
superior a 4MET podem não necessitar testes adicionais, a despeito da fraca
associação entre resultado de testes provocativos e dados subjetivos2. Aqueles que não
atingem esse desempenho devem ser rastreados quanto aos fatores de risco, incluindo
síndromes coronarianas agudas (angina instável e IAM nos últimos 30 dias),
insuficiência cardíaca descompensada, arritmias significativas e doença valvar aórtica
grave. Na ausência de um destes fatores deve-se dar seguimento ao planejamento
cirúrgico. Quando presentes, é fundamental proceder ajustes na abordagem
farmacológica, visando ao controle do trabalho cardíaco e a otimização de performance
cardiorrespiratória antes da cirurgia. No sentido de controlar o risco de eventos
coronarianos, o uso perioperatório de betabloqueadores tem sido fortemente
encorajado.

No cenário oncológico, o impacto das intervenções cirúrgicas pode ser decisivo sobre
a evolução da doença. Não é incomum optar-se pela intervenção em paciente cujo risco
cardiovascular poderia ser considerado proibitivo em outros cenários. Nesse sentido, a
equipe cirúrgica deve programar a natureza e a extensão da intervenção em integração
com o cardiologista. A interdisciplinaridade deve, sobretudo, permear a relação com o
anestesiologista. Técnicas “cardioprotetoras” são essenciais ao sucesso.

2. Pancreatectomia corpo-caudal pode ser considerada benéfica ou deve-se


considerar tratamento alternativo?

O tratamento do CA tem na cirurgia uma valiosa ferramenta utilizada em amplo espectro


desde a biópsia de uma lesão suspeita à remoção de um tumor primário, transposição
de obstruções até o tratamento paliativo. Com papel central na abordagem do paciente
portador de tumores sólidos, o tratamento cirúrgico do CA visa à remoção de tecidos
comprovada ou potencialmente envolvidos pela doença neoplásica, seguido da
reconstrução anatômica que possibilite a maximização do resgate funcional.

A cirurgia pode ser a principal ferramenta de cura de neoplasias localizadas, mas tem
sua eficácia eventualmente limitada pela presença de metástases ou por aspectos de
natureza técnica, impostos pela localização ou pelo risco proibitivo relacionado à
extensão do trauma. Extensas cirurgias podem ser necessárias para a redução da massa
tumoral, potencializando a efetividade do tratamento quimioterápico. Por outro lado,
opções por abordagens minimalistas ou técnicas menos invasivas como crio ou
radioablação de implantes metastáticos têm possibilitado o gerenciamento refinado da
relação risco-benefício, decisiva em pacientes de alto risco3. Essas intervenções
ocasionalmente muito extensas, não raramente devem ser realizadas em prazos
relativamente curtos, haja vista a velocidade de progressão de algumas formas de
neoplasia. Em outras circunstâncias, a presença do tumor gera nível de gravidade que
impõe a realização do procedimento mesmo sob risco elevado, sob pena de se perder a
janela terapêutica.

Com a inversão da pirâmide etária, atualmente mais da metade dos candidatos a


procedimentos cirúrgicos oncológicos têm idade superior a 60 anos e 55% são
portadores de comorbidades cardiovasculares4.

O caso em questão configura um tumor pancreático em estágio I. Apesar da ausência de


estudos randomizados, esses pacientes com tumores confinados ao pâncreas têm no
tratamento cirúrgico, seu tratamento-padrão. Entretanto, há evidências de que pacientes
em estágios I e II submetidos a tratamento cirúrgico do CA pancreático tiveram
sobrevida em cinco anos significativamente maior quando comparados aos pacientes
não operados (24,6% vs. 2,9%)5.

3. No caso relatado, quais ajustes devem ser considerados no regime farmacológico


se a opção for pela cirurgia?

Otimização na dose de betabloqueadores é essencial à maximização da performance


hemodinâmica de portadores de insuficiência cardíaca, além de reconhecidos efeitos
sobre a modulação do risco perioperatório de eventos coronarianos. Entretanto essa
deve ser uma intervenção cuidadosa em função do risco de eventos cerebrovasculares,
bradicardia e hipotensão6. As estatinas devem ter seu uso preservado nesse período7. A
despeito de alguns experimentos randomizados registrando associação entre uso de
inibidores da enzima conversora da angiotensina e risco aumentado de CA8, cabe
registrar que recente meta-análise não confirmou tais achados9.

Nas últimas décadas, o senso comum habitualmente induzia à interrupção do uso


perioperatório de antiplaquetários. Essa prática encontrou suporte em experimentos
randomizados que relacionaram o uso do ácido acetilsalicílico à maior perda
sanguínea10. Numa série consecutiva de 30 portadores de CA trombocitopênicos
(contagem <100.000/mm3 e média =49.000/mm3; menor valor =9.000/mm3), submetidos
a procedimentos cardiovasculares percutâneos sob anticoagulação concomitante não se
registraram complicações hemorrágicas ou transfusão de plaquetas em torno do
procedimento11.

Meta-análise que excluiu pacientes submetidos à cirurgia cardíaca12 reuniu 41 estudos e


teve em 33 trabalhos complicações hemorrágicas como desfecho principal. Na análise
global, o uso de aspirina multiplicou a taxa de sangramento por 1,5 [1,0–2,5]. Por outro
lado, há estudos que atribuíram a mortalidade perioperatória ao sangramento após
prostatectomia transuretral13 e cirurgias intracranianas14.

Escassos estudos randomizados relacionaram o uso perioperatório de aspirina em


baixas doses ao aumento do risco de sangramento, mas sem alterar a classificação de
risco global de forma consistente. A despeito da associação com maior risco de
sangramento, a interrupção perioperatória do uso de aspirina pode trazer graves
consequências ao paciente cardiopata sob prevenção secundária, como eventos
cerebrovasculares, vasculares periféricos e coronarianos15-19. Esta assertiva é limitada
por se basear geralmente em estudos restrospectivos20. Entretanto, um experimento
prospectivo, randomizado e duplo-cego demonstrou a redução de risco absoluto de
eventos cardiovasculares maiores em 7,2% (95%IC: 1-3-13%), com NNT de 14
(95%IC: 7,6-78)21.

Quanto à extensão da interrupção do uso, os menores intervalos relacionados a eventos


agudos têm sido registrados para síndromes coronarianas. Uma meta-análise permitiu
concluir que partindo de uma chance de taxa de eventos de 1,1 por 1.000 pacientes sob
baixas doses de aspirina, sua interrupção acrescenta risco adicional de 0,3 eventos
adicionais para cada 1.000 pacientes, por semana22.

É fortemente estimulada a interrupção no uso regular de diuréticos no período


perioperatório. Quanto ao gerenciamento de líquidos, tem sido progressivamente
estimulada a abordagem perioperatória em fast-track de pacientes geriátricos,
inclusive no Brasil23. Trata-se de um conjunto de medidas que partem da minimização
do período de jejum pré-operatório com aporte de maltodextrina associado à
implementação pós-operatória precoce de suporte nutricional (de 6-24 horas), à
abolição do preparo mecânico do tubo digestivo, limitando o aporte de líquidos a
30mL/kg/dia, estimulando a mobilização precoce. Essa abordagem parece relacionada
a melhores resultados como tempo de internação hospitalar, redução de complicações
infecciosas e mortalidade.

4. Como diagnosticar IAM pós-operatório nesta paciente?

O diagnóstico de IAM após grandes cirurgias oncológicas requer cuidados especiais.


Apesar da acurácia da troponina na detecção de lesão miocárdica, esse marcador se
eleva em condições como a doença tromboembólica, resposta inflamatória sistêmica e
insuficiência renal24.

Em pós-operatório de cirurgia oncológica, a elevação de troponina perde


especificidade para o diagnóstico de síndrome coronariana25. Dessa forma, o
estabelecimento do diagnóstico de IAM requer a associação de uma curva enzimática
característica, sinais, sintomas e alterações eletro e ecocardiográficos
característicos26.

O IAM perioperatório sem supradesnivelamento de ST tem sua abordagem iniciada no


controle de fatores precipitantes como dor e anemia, gerando aumentado duplo-produto,
envolvendo betabloqueadores, inibidores de enzima conversora de angiotensina,
nitratos, opioides e estatina. O uso de agentes antiplaquetários e antitrombóticos deve
ser encorajado, respeitando-se os limites impostos pelos riscos de sangramento. Nesse
sentido pode ser conveniente a opção pela heparina não fracionada, pela possibilidade
de controle quando necessário.

Embora muito menos frequente, o IAM com supradesnivelamento de segmento ST


requer tratamento agressivo, visando à reperfusão imediata. Obviamente, há
contraindicação ao uso de trombolíticos neste cenário e o tratamento envolve
angioplastia primária.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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MÉTODOS DE IMAGEM EM CARDIO-
ONCOLOGIA

Claudio Tinoco Mesquita


Mário Luiz Ribeiro

CASOS CLÍNICOS
Caso 1: Paciente assintomática, sem doença cardiovascular

M.M.C., feminina, branca, 46 anos. Diagnóstico recente de câncer (CA) de mama,


encaminhada ao cardiologista pelo oncologista para avaliação do status cardiológico,
tem como plano terapêutico o uso de doxorrubicina. Assintomática, negou doenças
anteriores. PA =120x70mmHg; FC =77bpm. Pulsos arteriais palpáveis universalmente.
Ausculta pulmonar com MV audível universalmente sem ruídos adventícios. Aparelho
cardiovasvular: Ictus cordis de 1 poupa digital, na linha hemiclavicular esquerda, no 4º
espaço intercostal. Ritmo regular, em dois tempos com bulhas normofonéticas. Abdome
e membros inferiores sem alterações.

Caso 2: Paciente sintomático, sem avaliação cardiovascular prévia


J.S.B.N., masculino, branco, 58 anos, com diagnóstico de doença de Hodgkin. Fez uso
de doxorrubicina 25mg/m2, numa dose total de 832mg (doxorrubicina= 25mg x 2,1m2=
52mg em cada ciclo, num total de oito ciclos, com uma dose total de 416mg/m2).
Evoluiu com anemia e cansaço aos esforços. O clínico interrogou cardiomiopatia por
antraciclínico e solicitou ecocardiograma (Vídeos x e y).

Caso 3: Paciente assintomático, com avaliação cardiovascular prévia, com método


diagnóstico que detectou disfunção ventricular esquerda durante a quimioterapia
(QT)

C.A.S.J., feminina, 57 anos, casada, natural do RJ, engenheira. Assintomática.


HDA: Paciente com CA de mama (adenocarcinoma ductal infiltrante, grau 2). As
células tumorais expressam receptores de estrogênio e progesterona. Além disso, as
células tumorais expressam o receptor de membrana para o fator de crescimento:
HER2. Recebeu quatro ciclos de quimioterapia com doxorrubicina e ciclofosfamida e
está recebendo como terapia adjuvante o anticorpo monoclonal contra o HER2
trastuzumab, que será administrado a cada três semanas por um período de um ano. A
paciente realiza avaliação da função ventricular esquerda com ventriculografia
radionuclídica a cada três meses. A ventriculografia antes do início do tratamento
demonstrava uma fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) de 50%. Nova
avaliação cintilográfica da função ventricular demonstrou FEVE de 37% (Figura 1).
Figura 1
Ventriculografia radionuclídica planar. Exame cintilográfico sincronizado com o ECG obtido em repouso após
administração de 99mTc-Pirofosfato demonstra uma fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 37%.

HPP: HAS em uso de ramipril. Dislipidêmica em tratamento com dieta.


Exame clínico: PA =140x90mmHg; FC =90bpm; Peso =70kg, Altura =1,67m. Sem
turgência jugular patológica. Ritmo cardíaco regular em três tempos (B3); discretas
crepitações inspiratórias nas bases pulmonares; sem edemas em membros inferiores.
Exames prévios: ECG basal: Ritmo sinusal. Alterações difusas da repolarização
ventricular e teste ergométrico normal ao início do tratamento.

OBJETIVOS
1. Demonstrar a importância dos métodos de diagnóstico em cardiologia no
acompanhamento das complicações cardiovasculares da QT.
2. Fazer uma revisão do uso dos métodos de imagem na avaliação da
cardiotoxicidade decorrente do uso de drogas antineoplásicas.
3. Descrever as limitações das técnicas atuais de avaliação da cardiotoxicidade
e o potencial uso de novas técnicas.

PERGUNTAS
1. Como caracterizar a cardiotoxicidade nos pacientes com câncer?

A cardiotoxicidade se apresenta de forma aguda, subaguda ou crônica1. Sob o ponto de


vista dos métodos diagnósticos, nas formas aguda ou subaguda encontram-se:

Alterações na repolarização ventricular “de novo”


Alterações no intervalo QT
Arritmias supraventriculares e ventriculares
Síndromes coronarianas agudas, pericardite e miocardite

Essas alterações geralmente são observadas desde o início até 14 dias após o ciclo do
tratamento1. A cardiotoxicidade crônica pode ser diferenciada em dois subtipos, de
acordo com o início dos sintomas clínicos. O primeiro subtipo ocorre no primeiro ano
após o término da QT, e o segundo subtipo a partir daí.

A manifestação mais típica de cardiotoxicidade crônica é a disfunção ventricular


sistólica ou diastólica que pode levar à insuficiência cardíaca congestiva1. Com base
na FEVE a cardiotoxicidade é classificada em três grupos1:

Grau I: redução assintomática da FEVE entre 10% e 20%


Grau II: redução da FEVE abaixo de 20% ou abaixo do normal
Grau III: insuficiência cardíaca sintomática

2. Como os métodos de diagnóstico podem ajudar na detecção da cardiotoxicidade?

Atualmente o método complementar por imagem é importante ferramenta da qual dispõe


o cardiologista clínico no diagnóstico e acompanhamento do seu paciente, aqui mais
especificamente do paciente com CA. Pode-se dispor do eletrocardiograma, do
ecocardiograma, da ventriculografia radioisotópica (MUGA) e da ressonância
magnética cardíaca.

3. Quais as formas de se detectar precocemente a disfunção cardíaca associada ao


tratamento do CA?

Apesar da existência de diretrizes para acompanhamento de pacientes em tratamento


com CA, estas são feitas a partir de evidências de média qualidade, pois não há estudos
com desenhos capazes de respostas robustas2. Com relação aos marcadores séricos de
lesão cardíaca, a Diretriz Brasileira de Cardio-oncologia2 sugere a dosagem precoce
de troponinas (0h, 24h, 72h após cada ciclo) e BNP (ou NT-ProBNP) para pacientes de
alto risco para cardiotoxicidade2. Entretanto o valor preditivo exato das elevações
desses marcadores e os valores de corte adequados para a mudança de conduta ainda
não estão adequadamente definidos (ver capítulo 2).

A maioria das diretrizes sugere o acompanhamento da função ventricular esquerda


como forma de se detectar os indivíduos de risco de toxicidade. Na I Diretriz
Brasileira de Cardio-Oncologia2 recomenda-se a avaliação da função ventricular pela
medida da FEVE por meio do ecocardiograma transtorácico, método de Simpson, ou
pela ventriculografia radioisotópica (VR) antes do início do tratamento com
trastuzumab. O mesmo método de avaliação deve ser mantido para comparação ao
longo do tratamento após três, seis e 12 meses.

Com relação ao tratamento com antraciclínicos, recomenda-se avaliação da FEVE após


as doses cumulativas de 200mg/m2, 300mg/m2, 350mg/m2 e 400mg/m2. São realizados
controles após seis meses e anualmente até o quinto ano. Conforme observa essa
Diretriz, são critérios validados para suspensão do tratamento a redução da FEVE
>10% e/ou redução para valores absolutos <50%. A utilização desses critérios leva à
redução substancial do risco de desenvolvimento de insuficiência cardíaca clínica,
entretanto muitos pacientes que não desenvolvem disfunção na fase aguda do tratamento
apresentarão disfunção tardia. Alguns estudos sugerem que cerca de 2/3 dos pacientes
que desenvolverão insuficiência cardíaca não apresentem alterações agudas da função
ventricular.

Nos pacientes que fazem uso de trastuzumab os limites estabelecidos para a interrupção
do tratamento são maiores: queda para valores absolutos <44% ou valores entre 45-
49%, porém com redução de mais de 10% em relação aos valores basais. Mesmo
assim, a interrupção do tratamento pode ser apenas transitória, pois se após três
semanas de suspensão do trastuzumab houver recuperação parcial ou total da FEVE,
pode-se reiniciar o uso do fármaco2.

4. O eletrocardiograma tem importância no acompanhamento dos pacientes com


CA?

Tem importância na detecção aguda da toxicidade miocárdica e no acompanhamento


dos pacientes. Em trabalho conjunto INCA e UFF, Santos et al.3 avaliaram
retrospectivamente pacientes com CA de mama que utilizaram doxorrubicina. O
aparecimento de alteração da repolarização do VE ocorreu em 81% dos pacientes que
desenvolveram disfunção miocárdica e mostrou-se excelente marcador da
cardiotoxicidade por antraciclínico. O aparecimento de BRE ocorreu em 31% e a
sobrecarga do ventrículo esquerdo em 31%, e o desvio do eixo elétrico para a esquerda
em 18%. Portanto a realização de ECG prévio e a observação evolutiva podem indicar
doença miocárdica instalada. As vantagens são o baixo custo, a fácil repetição e
disponibilidade. A limitação é sua inadequação para a detecção precoce de lesão
miocárdica.

5. Qual é o papel da ventriculografia radionuclídica no acompanhamento dos


pacientes com CA?

Devido à alta reprodutibilidade e baixa variabilidade, a ventriculografia radionuclídica


mantém-se como o padrão-ouro para avaliação da função ventricular esquerda. Em
conjunto com o ecocardiograma são os mais frequentes métodos de avaliação da FEVE,
de modo seriado, no tratamento do CA. Nem a I Diretriz Brasileira de Cardio-
Oncologia2 e tampouco as internacionais especificam qual é o método de escolha para
tal fim. Mencionam, apenas, que a ventriculografia deve ser preferida nos pacientes que
têm dificuldade de obtenção de ecocardiogramas de boa qualidade técnica2. Em virtude
da excepcional acurácia da ventriculografia radioisotópica, a demonstração de uma
queda de apenas 4% na FEVE após uma dose cumulativa de 200mg/m² tem uma
sensibilidade de 90% e uma especificidade de 72% para predição do desenvolvimento
de insuficiência cardíaca crônica4. A limitação reside no acesso ao método e na
dificuldade de se proceder a exames seriados ao longo da QT.
6. O ecocardiograma é o método mais indicado para a detecção e o
acompanhamento da cardiotoxicidade nos pacientes com CA?

Os fármacos usados no tratamento do CA levam ao dano miocárdico. Cura-se o CA,


porém pode-se criar uma nova entidade que seria a cardiomiopatia induzida pelos
quimioterápicos. Assim, é importante a detecção precoce da cardiotoxicidade induzida
por esses medicamentos para que se possam tomar medidas preventivas. O ECG mostra
alterações apenas quando já estabelecidas. A ventriculografia radionuclídica não é de
fácil aquisição. A ressonância magnética cardíaca é dispendiosa, não se pode realizá-la
em sequência. A ecocardiografia, pela sua facilidade, custo mais baixo e
reprodutibilidade, é o método mais indicado no acompanhamento dos pacientes
submetidos aos quimioterápicos com potencial capacidade de induzir dano
miocárdico.

Na atualidade, a FEVE por Simpson tem sido o determinante da agressão miocárdica


pela QT, como previamente descrito, porém muito antes de ocorrer a redução na fração
de ejeção poder-se-á ter mudança nos parâmetros da função diastólica “de novo”, que
antecederia a uma redução da FEVE, já determinando a agressão miocárdica.

Uma nova tecnologia se incorpora à ferramenta do ecocardiografista para avaliar a


deformação miocárdica. Trata-se da determinação do strain e do strain rate,
anteriormente somente possíveis através do Doppler tecidual pela análise do
movimento do anel mitral lateral ou medial, porém com muitas restrições técnicas.
Agora se pode contar com a técnica ecocardiográfica bidimensional do speckle
tracking que avalia a contratilidade ventricular esquerda. Essa técnica consiste na
captura e rastreamento de pontos ao ecocardiograma bidimensional, ao longo do ciclo
cardíaco, gerando vetores de movimento e curvas de deformação, usados para medir o
strain e strain rate, refletindo a deformação e a sua taxa de deformação,
respectivamente. Nesse modelo, o strain e o strain rate miocárdico podem ser
medidos, independente do ângulo, nos vetores longitudinal, radial, circunferencial e
rotacional usando a imagem speckle. A deformação aferida nos planos ortogonais
denomina-se strain longitudinal, radial e circunferencial5,6.

Os parâmetros ecocardiográficos convencionais para avaliação da função sistólica –


fração de ejeção, fração de encurtamento e outros são de baixa sensibilidade para
pequenas alterações da contratilidade ou alterações precoces. A ressonância magnética
(RM), utilizando as técnicas de marcadores ionizados (tissue tagging), permite avaliar
a deformação em três dimensões. A RM é considerada o padrão-ouro, porém tem o
inconveniente da baixa taxa de aquisição da imagem, alto custo e grande consumo de
tempo para análise de dados. A técnica do speckle tracking, agora introduzida, permite
aferir a deformação miocárdica em todos os planos, inclusive na região apical do
ventrículo esquerdo, não sendo ângulo-dependente.

A medição do deslocamento dos pontos no sentido circunferencial também permite


estimar a rotação (em graus) e a taxa de rotação (em graus por segundo). A diferença
entre a rotação na base da cavidade (eixo curto ao nível da valva mitral) e no ápice
(eixo curto apical) resulta na denominada torção apical ou twisting, que é um
importante parâmetro tanto da função sistólica quanto diastólica5,6.

Deve-se atentar que todas as medidas de deformação miocárdica são regionais, de


modo que a análise do conjunto é que permite uma visão global da contratilidade
(Figura 2).

Figura 2
Ilustração do strain longitudinal de pico (GLPS) e do strain diastólico (EDS)

O speckle tracking teve validação em vários trabalhos na literatura, a maioria


comparando os achados ao ecocardiograma com sonomicrometria e diferentes
modalidades de ressonância magnética7. As melhores correlações foram com strain
longitudinal e menos com strain circunferencial e radial.

A aplicação clínica do speckle tracking se faz principalmente aqui para análise mais
detalhada dos mecanismos de contração e relaxamento, para identificar alteração
segmentar precoce. Em estudo de pacientes com neoplasia de mama8, a
cardiotoxicidade sob regime terapêutico com doxorrubicina não foi inicialmente
observada, quando se avaliou parâmetros convencionais da função sistólica do VE,
análise da função diastólica pelo influxo de mitral, tempo de relaxamento
isovolumétrico (TRIV) e fluxos de veias pulmonares. Porém, a avaliação das medidas
das velocidades do miocárdio e sua deformação, após seis semanas de ciclo de
doxorrubicina, já revelava alterações significativas do strain rate (SR) sistólico
longitudinal, do strain (S) sistólico longitudinal, do strain rate e strain sistólico radial
sem haver, entretanto, alterações nas velocidades. Outro aspecto interessante foi o fato
de que o strain rate e strain já se mostravam alterados a partir do terceiro ciclo.

O strain bidimensional é um método novo, simples, rápido e reprodutível para medir


strain sistólico a partir de imagens bidimensionais-padrão. O seu largo uso foi
impedido pela baixa reprodutibilidade e complexidade de suas medidas quando
realizados pela ressonância magnética cardíaca. Espera-se que a aplicação desses
conceitos na ecocardiografia permita a ampliação de seu uso e exploração de todo seu
potencial como ferramenta complementar ao ecocardiograma convencional. No grupo
de pacientes sob QT teria sua maior importância ao detectar a disfunção regional do VE
assim como detectar a redução do strain sistólico global, que seria um marcador, ainda
imperceptível para a FEVE, da agressão miocárdica pelos quimioterápicos.

7. Qual é o papel da ressonância magnética na detecção precoce da disfunção


cardíaca associada ao tratamento do CA?

A ressonância magnética cardíaca é um dos métodos mais reprodutíveis na avaliação de


estruturas cardíacas, incluindo coronárias e pericárdio e permite, também, o cálculo
consistente da FEVE. A administração do contraste paramagnético gadolínio permite a
detecção de áreas discretas de dano miocárdico irreversível antes de haver repercussão
funcional global. Estudos recentes têm demonstrado que há um padrão sugestivo de
miocardite à ressonância magnética de pacientes que fazem uso de antraciclínicos. As
principais limitações são a escassez de publicações sobre o tema e a relativa pouca
disponibilidade da técnica para uso seriado no contingente de pacientes com
neoplasias9.

É importante enfatizar que se deve, rotineiramente, proceder à avaliação cardiovascular


prévia à QT, especialmente nos pacientes com alto risco cardiovascular ou risco de
cardiotoxicidade. O método empregado para a avaliação da função ventricular deve ser
o mesmo das avaliações subsequentes, de modo a permitir a comparação evolutiva.
Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
1. Albini A, Pennesi G, Donatelli F, Cammarota R, De Flora S, Noonan DM.
Cardiotoxicity of anticancer drugs: the need for cardio-oncology and cardio-
oncological prevention. J Natl Cancer Inst. 2010;102(1):14-25.
2. Kalil Filho R, Hajjar LA, Bacal F, Hoff PM, Diz M del P, Galas FRBG, et al.
I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de
Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2011;96(2 supl.1):1-52.
3. Santos ACS, Mesquita ET, Menezes MEFC, Costa MP, Santos MCS.
Cardioncologia: anormalidades eletrocardiográficas em pacientes com
cardiomiopatia pós-uso de doxorrubicina. Rev SOCERJ. 2009;22(5):281-8.
4. Nousiainen T, Jantunen E, Vanninen E, Hartikainen J. Early decline in left
ventricular ejection fraction predicts doxorubicin cardiotoxicity in lymphoma
patients. Br J Cancer. 2002;86(11):1697-700.
5. Plana JC. La quimioterapia y el corazón. Rev Esp Cardiol. 2011;64(5):409-
15.
6. Geyer H, Caracciolo G, Abe H, Wilansky S, Carerj S, Gentile F, et al.
Assessment of myocardial mechanics using speckle tracking
echocardiography: fundamentals and clinical applications. J Am Soc
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7. Sengupta PP, Korinek J, Belohlavek M, Narula J, Vannan MA, Jahangir A, et
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J Am Coll Cardiol. 2006;48(10):1988-2001.
8. Jurcut R, Wildiers H, Ganame J, D’hooge J, De Backer J, Denys H, et al.
Strain rate imaging detects early cardiac effects of pegylated liposomal
Doxorubicin as adjuvant therapy in elderly patients with breast cancer. J Am
Soc Echocardiogr. 2008;21(12):1283-9.
9. Fallah-Rad N, Lytwyn M, Fang T, Kirkpatrick I, Jassal DS. Delayed contrast
enhancement cardiac magnetic resonance imaging in trastuzumab induced
cardiomyopathy. J Cardiovasc Magn Reson. 2008;10:5.
Seção 17. Insuficiência Cardíaca

Insuficiência Cardíaca Aguda


Manuseio da Insuficiência Cardíaca Aguda Avançada
Insuficiência Cardíaca Crônica Descompensada
Insuficiência Cardíaca Crônica Avançada
Insuficiência Cardíaca Refratária
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA AGUDA

Marcelo Westerlund Montera

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 75 anos, foi admitido na sala de emergência com queixa de
dispneia aos esforços com início há três meses, progressiva até aos mínimos esforços.
Refere também desenvolvimento de edema de membros inferiores com início há um
mês, bilateral, frio e indolor. Vem em acompanhamento médico irregular, em uso de
bisoprolol 2,5mg 24/24h, maleato de enalapril 10mg 24/24h, furosemida 40mg de 8/8h,
aspirina 100mg/dia, sinvastatina 40mg e glucoformina 850mg 12/12h. Não faz dieta
hipossódica ou de restrição hídrica.

HPP: História de infarto agudo do miocárdio há cinco anos com realização de


angioplastia coronariana. Refere realização de cintilografia miocárdica há três meses,
que demonstrou ausência de áreas de isquemia miocárdica e presença de áreas de
fibrose. Refere dislipidemia e diabetes não insulino-dependente.

História Social: Nega tabagismo e etilismo.


História familiar: Sem antecedentes de doenças cardiovasculares.
Exame físico: PA =170x100mmHg; FC =110bpm; FR =26irpm
Anictérico, normocorado, acianótico. Edema de membros inferiores, mole, indolor,
com cacifo, 4+/6+.

ACV: Turgência de jugular a 45º no ângulo de mandíbula, refluxo hepatojugular


presente, pulso arterial regular de amplitude e morfologia normais. Ritmo cardíaco
regular, 4 tempos, galope de soma, B3 e B4 de ventrículo esquerdo, P2>A2. Sopro
sistólico em foco mitral, 4+/6+, holossistólico. Sopro sistólico em borda paraesternal
esquerda baixa, 3+/6+, holossistólico, aumentando com a inspiração.

Aparelho respiratório: Respiração com predomínio abdominal. Murmúrio vesicular


reduzido em bases e 1/3 médio direito, crepitantes difusos em ambos os hemitórax.

Abdome: Abdome globoso, distendido, indolor à palpação. Fígado aumentado, cinco


dedos do rebordo costal direito, borda romba e indolor. Peristalse presente.

Os exames admissionais apresentavam:


ECG: Taquicardia sinusal, com padrão de bloqueio de ramo esquerdo de 3º grau, com
QRS de duração de 150ms. Sem evidências de isquemia miocárdica.

RX de tórax: Cardiomegalia à custa do aumento do átrio e ventrículo esquerdos. Tronco


de artéria pulmonar abaulado. Hipertensão venocapilar pulmonar. Derrame pleural
bilateral, acometendo base pulmonar esquerda e até terço médio de pulmão direito.

Ecocardiograma transtorácico: aumento atrial esquerdo. Ventrículo esquerdo com


aumento dos diâmetros cavitários, com acinesia de paredes inferior e apical. Disfunção
sistólica moderada. Ventrículo direito com leve aumento dos seus diâmetros, com
função preservada. Válvula mitral com morfologia preservada, apresentando redução
de sua incursão de abertura por estiramento de suas cordoalhas, principalmente do
músculo papilar posteromedial, e redução da coaptação de suas cúspides. Válvula
aórtica com morfologia e mobilidades preservadas. Veia cava inferior fixa sem
variação respiratória. Ao Doppler foi observada a presença de importante insuficiência
mitral, com jato central, e insuficiência tricúspide moderada. Apresenta pressão
sistólica de artéria pulmonar estimada em 45mmHg, e ao Doppler tecidual observa-se
relação E/E’>18.

Laboratório: Na =125meq/l; K =4,5meq/l; Ureia =45mg/dl; Creatinina =1,1mg/dl;


Glicose =135mg/dl; TpI =0,04; BNP =1500;
Hemograma: hemoglobina =11,5mg/dl; leucócitos =5000, sem desvio. PTn totais
=5,2g/l (albumina =3,2; globulina =2,0), ácido úrico =5,5mg/dl.
Evolução clínica inicial:
Paciente foi tratado com suporte nasal de oxigênio (5l/min), furosemida intravenosa
20mg de 4/4h, hidroclorotiazida 25mg, bisoprolol 5mg, nitroglicerina venosa na dose
de 10mg/min ajustada até 50mg/min, clexane 40mg a cada 24h.

Evolução clínica nas primeiras 48 horas:


Evoluiu com redução da PAS para 110mmHg, balanço hídrico acumulado de –4 litros,
melhora do quadro congestivo, mas com manutenção de turgência de jugular e edema de
membros inferiores, aumento da Cr sérica para 1,5mg/dl e aumento do sódio sérico
para 131meq/l.

Evolução clínica final:


Após 10 dias de internação o paciente encontrava-se assintomático com PA
=130x70mmHg, FC =65bpm, sem evidências de congestão, em uso de bisoprolol,
losartano, aldactone, furosemida, estatina e aspirina. Teve alta hospitalar.

PERGUNTAS
Em toda a condução do racional deste caso clínico utiliza-se como base a II Diretriz
Brasileira de Insuficiência Cardíaca Aguda (SBC-DEIC) 2009, e o Sumário de
atualização 2012.1

1. Frente à insuficiência cardíaca aguda, como se deve proceder na avaliação


diagnóstica admissional na sala de emergência?

Para uma avaliação diagnóstica adequada da insuficiência cardíaca aguda, deve-se


estabelecer na admissão uma avaliação sistemática que tenha como objetivo além de
estabelecer o diagnóstico da ICA, definir o fator etiopatogênico, perfil clínico-
hemodinâmico, risco prognóstico e alvo terapêutico a ser alcançado. Essa avaliação
sistemática visa a estabelecer nas primeiras horas após a admissão uma estratégia de
abordagem de alta acurácia e efetividade (Figura 1).
Figura 1
Fluxograma de avaliação diagnóstico-terapêutica da ICA

O diagnóstico de insuficiência cardíaca aguda se faz através da análise conjunta dos


sinais e sintomas de congestão associados com os achados do RX de tórax e
ecocardiograma. Essa análise foi validada através de critérios de Framingham ou
Boston, com acurácia próxima a 80% no diagnóstico da ICA2-4.

A importância da utilização desses critérios é a valorização do raciocínio clínico


associado à análise dos exames complementares de forma conjunta e não isolada. O uso
dos critérios de Framingham na prática clínica tem-se mostrado de mais fácil manuseio
e com maior praticidade do que o de Boston (Quadro 1).

Considerando algumas limitações para utilização desses critérios, destaca-se a ICA por
fadiga ou baixo débito por excesso de diuréticos, que não está contemplada, pois o foco
se situa na detecção de congestão pulmonar ou sistêmica, presentes em cerca de 80%
dos pacientes com ICA. Outros aspectos são em relação à baixa sensibilidade dos
sinais e sintomas sugestivos de congestão, quando analisados de forma isolada.

Quadro 1
Critérios de Framingham para o diagnóstico da ICA
Será considerado positivo na presença de dois critérios maiores ou de um maior e dois
menores; e na ausência de outras condições clínicas que possam justificar os critérios
apresentados.

No caso de dúvida no diagnóstico, pela presença de outras comorbidades que possam


dificultar a correlação dos achados clínicos com a presença de ICA, podem ser
utilizados métodos diagnósticos auxiliares, como a dosagem de BNP sérica,
bioimpedância cardiográfica ou ecocardiograma transtorácico.

O peptídeo natriurético atrial do tipo-B é produzido no miocárdio ventricular, tendo


como maior estímulo para a sua produção, o aumento da tensão transmural miocárdica
por dilatação ventricular ou pelo aumento das pressões intracavitárias secundário à
disfunção sistólica ou diastólica ventricular. Níveis séricos >400ng/dl têm alta acurácia
para se afirmar a presença de ICA; valores entre 100ng/dl e 400ng/dl denomina-se
“zona cinzenta”, pois poderá haver ou não a presença de IC; valores <100ng/dl indicam
alta possibilidade de o paciente não ter IC5.

Na presença de comorbidades como insuficiência renal, sepses, obesidade, uso de


betabloqueador, insuficiência mitral, estenose aórtica os níveis séricos do BNP se
apresentam alterados, reduzindo a sua acurácia diagnóstica da ICA. Nas situações
clínicas em que pelos critérios de Framingham se tem confirmada a presença ou
ausência do diagnóstico de ICA, o BNP acrescenta pouco. Nas situações nas quais
persiste dúvida diagnóstica, o BNP apresenta seu mais importante papel no auxílio do
diagnóstico.

O ecocardiograma transtorácico fornece além das dimensões e função ventricular,


parâmetros hemodinâmicos como pressões de enchimento ventricular, pressão sistólica
da artéria pulmonar e estimativa da condição volêmica, que permitem uma estimativa
do quadro congestivo do paciente. Associados a essa análise funcional, o
ecocardiograma também pode fornecer o fator etiopatogênico e o grau de gravidade da
ICA. Este exame tem como limitações depender de vários fatores como a qualidade do
aparelho, do operador, das condições clínicas do paciente e por fornecer uma análise
hemodinâmica momentânea e não dinâmica6.

A bioimpedância cardiográfica é um método não invasivo de avaliação hemodinâmica,


de fácil instalação e baixo custo, que fornece parâmetros hemodinâmicos de função
ventricular, resistência vascular e congestão pulmonar. Permite não somente
diagnosticar a presença de ICA descompensada como também definir o grau de
congestão e disfunção. Pode ser utilizada como monitorização contínua, oferecendo a
possibilidade de titular a resposta à terapêutica instituída7.

2. Disfuncão sistólica ou diastólica? ICA nova ou crônica agudizada?8-10

À beira de leito é possível estimar, pela avaliação clínico-radiológica e


eletrocardiográfica, se a disfunção é sistólica ou diastólica. Na presença de área
cardíaca aumentada ao exame físico e RX de tórax, B3, e sinais de sobrecarga
ventricular ao ECG, pode-se inferir a presença de disfunção sistólica. Na ausência
desses achados, associado com B4, e sinais de hipertrofia ventricular ao ECG, pode-se
inferir a presença de disfunção diastólica. O ecocardiograma é o exame de escolha para
a definição.

ICA nova é aquela em que o paciente não apresenta quadro de IC antes do evento de
descompensação, como por exemplo, ICA por infarto agudo do miocárdio ou por crise
hipertensiva. Na ICA crônica agudizada, o paciente apresenta quadro prévio controlado
ou progressivo de IC, como cardiomiopatia dilatada com congestão progressiva. A
diferenciação desses dois modelos de ICA terá impacto no tratamento e avaliação
etiopatogênica, pois estes apresentam padrões de congestão e prevalências distintas de
fatores causais (Figura 2)
Figura 2
Modelos e congestão da ICA

Na ICA nova ocorre a instalação aguda de um fator causal, ocasionando


comprometimento da função diastólica e sistólica e ativação da resposta simpática
reflexa, com consequente venoconstrição periférica que promove o deslocamento da
volemia da periferia para o coração. A associação do comprometimento da função
diastólica com desvio do volume da periferia ocasiona uma súbita e importante
elevação da pressão de enchimento ventricular esquerda com transmissão ao capilar
pulmonar, ocasionando grande transudação de volume para o interstício pulmonar.
Portanto isso induz à importante congestão pulmonar por desvio do volume circulante,
com consequente hipovolemia periférica. Nessa situação, o uso de diuréticos deve ser
restrito, e o foco terapêutico deve ser o uso de vasodilatadores para melhora da função
sistodiastólica do ventrículo esquerdo, para redistribuição do volume do pulmão de
volta para a periferia (Figura 3).

Figura 3
Modelo de congestão da ICA nova
Na ICA crônica agudizada, a instalação do quadro congestivo é progressiva com
consequente aumento da volemia pulmonar e sistêmica, além da ativação do sistema
neuro-humoral. Nessa condição clínica, o foco terapêutico é a redução da volemia
através do uso de diuréticos, além de aumento do desempenho ventricular por
vasodilatadores e inotrópicos (Figura 4).

Portanto a simples diferenciação através da anamnese da condição de ICA nova ou


crônica agudizada tem importante impacto na conduta terapêutica a ser estabelecida
para o tratamento do quadro de congestão.

Figura 4
Modelo de congestão da ICA crônica agudizada

3. Qual o fator causal e o descompensador da ICA? 8

Na avaliação do possível fator causal da ICA, realizada na sala de emergência, deve-se


guiar inicialmente pela anamnese, pelo exame clínico e se a ICA é nova ou crônica
agudizada.

Na ICA nova, são mais prevalentes: a crise hipertensiva, a insuficiência mitral aguda e
o infarto agudo do miocárdio. Na IC crônica agudizada, as doenças de maior
prevalência são: as cardiomiopatias dilatadas isquêmica e hipertensiva, a estenose
aórtica e a insuficiência mitral. Por vezes, simples observações ao exame clínico como
presença de pulso carotídeo de amplitude reduzida em paciente com pressão arterial
normal, sugere a presença de estenose aórtica como provável determinante ou
coadjuvante da ICA. Outras doenças como miocardite aguda, Takotsubo,
taquicardiomiopatia por fibrilação atrial com alta resposta ventricular, ou cor
pulmonale agudo têm sido observados com maior frequência.

A seguir utilizam-se os exames complementares de imagem como RX de tórax e


ecocardiograma transtorácico, e também exames laboratoriais que auxiliam a
estabelecer o provável fator causal.

Cerca de 2/3 das ICA apresentam algum fator que tenha ocasionado a descompensação
da IC. Esse fator poderá ou não ter relação com o fator causal e deve ser identificado
para ser corrigido, pois a sua persistência pode determinar uma perpetuação do quadro
de ICA descompensada e reduzir a resposta à terapêutica.

Na anamnese admissional deve-se fazer um check-list para tentar identificar a presença


de um ou mais fatores descompensadores (Quadro 2).

Quadro 2
Fatores descompensadores da ICA.

4. Qual é o perfil clínico-hemodinâmico?

Os pacientes devem ser classificados através da avaliação clínica em modelos


hemodinâmicos que definam as condições hemodinâmicas de volemia e perfusão. De
acordo com a condição volêmica, os pacientes serão considerados “congestos” na
presença de evidências clínicas de congestão pulmonar ou sistêmica; e “secos” na
ausência de congestão. De acordo com as condições de perfusão, os pacientes serão
considerados “quentes” na presença de perfusão adequada; e “frios” na presença
clínica de baixo débito cardíaco.
Portanto os pacientes poderão ser classificados em quatro modelos clínico-
hemodinâmicos de congestão e perfusão: “quente-congestos”, “frio-congestos”,
“quente–secos” e “frio-secos”. O modelo mais comum é o “quente-congesto”
(50%-67%), seguido por frio-congesto (20%-30%), quente-seco (27%) e frio-seco
(3%-5%)11.

Essa classificação clínico-hemodinâmica tem como objetivo não somente descrever as


condições de congestão e perfusão do paciente como também auxiliar na estratégia da
terapêutica a ser instituída. Por exemplo: nos pacientes quente-congestos a prioridade é
o uso de vasodilatadores e diuréticos (se for ICA crônica agudizada).

A principal limitação da estimativa das condições hemodinâmicas através da avaliação


clínica é a falta de acurácia adequada do exame clínico e do RX de tórax em definir o
grau de congestão pulmonar e o débito cardíaco. Cerca de 50% das avaliações clínicas
se mostram equivocadas quando comparadas com as realizadas pelo ecocardiograma
ou bioimpedância cardiográfica12.

5. Qual o perfil de risco e o prognóstico?

Vários marcadores clínicos e biomarcadores apresentam valor prognóstico nos


pacientes com ICA. A dificuldade está em estabelecer modelos prognósticos validados
que permitam estratificar o perfil de risco dos pacientes com ICA na admissão
hospitalar, e que tenham impacto na prática clínica.

O modelo prognóstico mais utilizado e validado é o baseado no registro ADHERE13.


Neste modelo, a combinação de variáveis de função renal (BUN < ou ≥43mg/dl ou
uréia <ou ≥ 92md/dl) e pressão arterial sistólica (<115mmHg ou ≥115mmHg)
permitiram estratificar os pacientes em seis grupos de risco prognóstico de morte intra-
hospitalar: 2,14% (BUN <43mg/dL ou ureia <92mg/dl- PAS≥115mmHg); 5,49% (BUN
<43mg/dL ou ureia <92mg/dl- PAS <115mmHg); 6,4% (BUN ≥43mg/dL ou ureia
≥92mg/dl- PAS ≥115mmHg); 15,28% (BUN ≥43mg/dL ou ureia ≥92mg/dl- PAS
<115mmHg e creatinina <2,55mg/dl); 21,9% (BUN ≥43mg/dL ou ureia ≥92mg/dl- PAS
<115mmHg e creatinina >2,55mg/dl)13.

Outros biomarcadores como BNP >750ng/dl e troponina T ou I >0,01mg/dl são


preditores independentes de mortalidade intra-hospitalar e pós-alta hospitalar e de re-
hospitalização. Assim como a presença de anemia, hiponatremia e hipotireoidismo que
além do valor prognóstico devem ser corrigidos, pois impactam na melhora clínica e
resposta à terapêutica da IC14-16.

6. Quais são os alvos terapêuticos?

Os pacientes devem ter bem estabelecidos os alvos a serem alcançados com a


terapêutica instituída, pois através deles os fármacos serão titulados e se poderá
estabelecer se a terapêutica esta sendo efetiva ou não.

Os objetivos terapêuticos irão variar de acordo com a fase da internação. Na fase


inicial, o principal foco é na melhora clínica e estabilidade hemodinâmica e
ventilatória (Quadro 3). Na fase intermediária, o objetivo é iniciar a terapêutica
medicamentosa oral e corrigir o fator causal e desencadeante. Na fase pré-alta
hospitalar é a maximização da terapêutica medicamentosa, e a otimização volêmica do
paciente. Os alvos terapêuticos têm como objetivos clínicos a redução da mortalidade
intra-hospitalar e na pós-alta, e redução da taxa de reinternação.

Quadro 3
Alvos terapêuticos na fase inicial da admissão hospitalar

Portanto a análise sistemática dos pacientes admitidos com ICA através do fluxograma
de avaliação diagnóstico-terapêutica permite estabelecer um racional terapêutico e
prognóstico mais eficaz.
7. Com relação ao caso clínico pode-se aplicar esta análise ao paciente?
Insuficiência cardíaca: sim ou não?

Critérios maiores: turgência de jugular, refluxo hepatojugular, cardiomegalia, galope de


soma.
Critérios menores: dispneia aos mínimos esforços e edema de membros inferiores
Portanto SIM de acordo com os critérios de Framingham.

Sistólica ou Diastólica: Sistólica: área cardíaca aumentada, B3.


Aguda nova ou Crônica agudizada: Crônica agudizada
Fator causal: Cardiomiopatia isquêmica
Fator desencadeante: Dieta, hiponatremia
Perfil clínico-hemodinâmico: Quente-congesto com hipertensão arterial com largura de
pulso arterial >25%.
Perfil de risco: risco de 2,14% de morte hospitalar
Alvo terapêutico inicial: Melhora do quadro congestivo: diuréticos e vasodilatadores
intravenosos; correção da natremia: reposição

8. Qual é a conduta terapêutica admissional para a ICA ?

O racional terapêutico da ICA tem como base a análise de quatro fatores: a) se a ICA é
nova ou crônica agudizada ou se o paciente apresenta fadiga, pois essa avaliação dá a
ideia da condição volêmica; b) qual é o provável fator causal desencadeante envolvido;
c) qual é a PAS admissional; d) qual é o modelo clínico-hemodinâmico.

A avaliação conjunta desses fatores permite estabelecer o racional terapêutico a ser


instituído no paciente. A II Diretriz Brasileira de ICA1 fornece três fluxogramas
terapêuticos através da combinação dessas variáveis (Figuras 5, 6, 7)1:
Figura 5
Fluxograma de racional terapêutico da IC aguda nova
Figura 6
Fluxograma de racional terapêutico da IC crônica agudizada.
Figura 7
Fluxograma de racional terapêutico da IC - Fadiga sem congestão.

No caso clínico apresentado, o paciente se apresenta quente-congesto com pressão


arterial elevada associada a quadro de insuficiência cardíaca congestiva. Como fator
agravante apresenta sódio sérico reduzido. Portanto os distúrbios fisiopatológicos a
serem corrigidos são principalmente a hipervolemia e a redução da resistência vascular
sistêmica para melhora do desempenho do ventrículo esquerdo.

Para a redução da volemia, a primeira opção é a utilização de furosemida endovenosa.


O grau de atuação diurética da furosemida depende de vários fatores: 1) da
concentração sérica da mesma ligada à albumina que irá determinar a taxa de secreção
no túbulo proximal para a sua atuação na alça de Henle; 2) dos níveis de pressão
arterial para permitir a perfusão renal; 3) do sódio sérico, pois a furosemida promove a
eliminação de sódio por bloqueio na alça ascendente de Henle com consequente
eliminação de água; 4) da presença ou não de hiperatividade da anidrase carbônica no
túbulo contornado distal (TCD), que promove a reabsorção de sódio, reduzindo a ação
da furosemida.

Portanto inicia-se a furosemida no intervalo de 4/4h, pois a sua meia-vida é estimada


em quatro horas (a meia-vida da furosemida oral é de seis horas); pode-se associar
hidroclorotiazida nos pacientes que fazem uso crônico de furosemida, pois estes terão
uma hiperativação da anidrase carbônica no TCD (hipertrofia do Nefron distal). O
intervalo das doses de furosemida deve ser reavaliado a cada 12 horas de acordo com
a evolução do balanço hídrico e diurese do paciente. Na presença de hiponatremia,
deve-se fazer reposição com solução hipertônica (10g de sódio em solução de 150ml
aplicada em 12 horas) associada à restrição hídrica, tendo como alvo o sódio sérico
>130meq/l. Após o termino da infusão deve-se verificar o sódio sérico para avaliar a
necessidade de nova reposição17-22.

Em pacientes com hipertensão arterial, insuficiência mitral ou com suspeita de


resistência vascular sistêmica elevada, deve-se usar vasodilatadores endovenosos
como nitroglicerina (NTG) ou nitroprussiato de sódio (NTP). A NTG apresenta uma
atuação venosa seis vezes mais intensa que a arterial, portanto além de reduzir a RVS
atua também na redução da pré-carga e tem efeito de vasodilatação coronariana.
Cuidado especial com os pacientes com hipovolemia absoluta ou relativa. O NPS tem
ação vasodilatadora balanceada arterial e venosa, apresenta ação hipotensora mais
intensa que a NTG, e deve ser evitado nos pacientes com doença arterial coronariana
por ocasionar redução no fluxo das regiões isquêmicas do miocárdio. Ambos devem ter
a sua posologia ajustada a cada 10 minutos, tendo como alvo uma redução de 20% da
pressão arterial média, ou uma RVSi <1800 e IC >2,2l/m, no caso de o paciente estar
sendo monitorizado não invasivamente por ecocardiograma ou bioimpedância
cardiográfica. Deve-se evitar a redução da PAS<100mmHg, para não comprometer a
perfusão coronariana e renal23-25.

Nos pacientes que estão em uso prévio de betabloqueador (BB), deve-se manter a sua
administração com a mesma posologia que vinha usando. A manutenção ou introdução
do BB na admissão hospitalar dos pacientes com ICA é segura, não está associada à
piora hemodinâmica, e quando comparada com os pacientes nos quais o BB foi
suspenso ou não introduzido, demonstraram importante beneficio na redução da
mortalidade intra e extra-hospitalar e a redução da taxa de reinternação em 90 dias26-28.

Os BB devem ser suspensos na presença de sinais de baixo débito cardíaco, choque


cardiogênico, bradicardias sintomáticas ou alto grau de bloqueio atrioventricular. Na
presença de hipotensão assintomática ou sinais de baixo débito com pressão arterial
normal, deve-se reduzir em 50% a posologia do BB.

A manutenção ou introdução de inibidores da enzima de conversão ou bloqueadores do


receptor da angiotensina deve ser feita em pacientes hipertensos ou normotensos sem
sinais de baixo débito. Em situações clínicas com grandes reduções da volemia,
decorrentes do uso de altas doses de diuréticos, prestar atenção às primeiras 72 horas
em relação à função renal. Nos casos com instabilidade hemodinâmica, hipotensão
arterial ou síndrome edemigênica com necessidade de grande redução da volemia,
deve-se iniciar a ECA ou BRA após estabilização hemodinâmica e volêmica do
paciente29.

Os pacientes também devem fazer uso de heparina de baixo peso molecular (HBPM) na
posologia de 0,5mg/kg a cada 24 horas, para profilaxia de eventos trombóticos. No
caso de pacientes de alto risco de eventos tromboembólicos (fibrilação atrial, próteses
valvulares mecânicas, trombos intracardíacos) realiza-se a anticoagulação plena com
HBPM ou heparina não fracionada (HNF). Em pacientes com disfunção renal
(clearance de creatinina <30ml/min) evitar o uso de HBPM; é recomendável a
utilização preferencial de HNF30,31.

9. Ao que se deve a piora da função renal? É possível preveni-la? Como proceder


para recuperá-la?
A disfunção renal aguda que ocorre no contexto da ICA é denominada síndrome
cardiorrenal do tipo 1 (SCR). Tem uma prevalência que varia de 30% a 47%,
dependendo da gravidade da ICA e das condições clínicas associadas do paciente. O
desenvolvimento da SCR determina um pior prognóstico intra-hospitalar, com aumento
do tempo de internação, maior custo e mortalidade. O critério mais utilizado é uma
elevação do nível de creatinina sérica ≥0,3mg/dl ou um aumento de 50% em relação ao
nível basal do paciente.

Os fatores determinantes do seu desenvolvimento são múltiplos, envolvendo


principalmente aumento da pressão venosa renal em decorrência de aumento da pressão
venosa central ou pressão intra-abdominal, ocasionando uma redução da perfusão renal.
Outros fatores hemodinâmicos como hipotensão arterial, hipovolemia, baixo débito
cardíaco também estão envolvidos no desenvolvimento da SCR, assim como fatores
metabólicos inflamatórios (infecção ou ICA) e neuro-humorais32-36.

No caso clínico relatado, os prováveis fatores envolvidos no desenvolvimento da SCR


tipo 1 foram: a redução da PAS <110mmHg com manutenção da pressão venosa central
elevada. Esta associação (PAS baixa com PVC elevada) ocasiona uma redução no
gradiente de perfusão renal, promovendo a injúria isquêmica. A redução da dose dos
vasodilatadores para promover aumento da PAS e manutenção do estímulo diurético
para redução da PVC promove aumento do gradiente de perfusão renal com redução da
injúria.

10. Qual deve ser a otimização clínica e terapêutica do paciente na pré-alta


hospitalar?

No período pré-alta hospitalar considera-se o check-list dos diversos objetivos a


serem alcançados: otimização dos fármacos, otimização das condições clínico-
hemodinâmicas e laboratoriais, orientação nutricional, programa de educação e
aconselhamento do paciente e seus familiares. O alcance desses objetivos se traduz em
benefícios clínicos como: redução da taxa de reinternação, redução da mortalidade e
melhora da qualidade de vida.

Otimização dos fármacos:

─ Todos os pacientes devem estar em uso de betabloqueadores, inibidores de enzima


de conversão ou bloqueadores do receptor da angiotensina, na ausência de
contraindicações. Nos pacientes intolerantes à IECA ou BRA, utiliza-se nitrato com
hidralasina.

─ Todos os pacientes com ICA crônica agudizada devem estar em uso de furosemida.
Os pacientes com ICA nova poderão ou não estar em uso de diuréticos na alta
hospitalar. A posologia da furosemida será reduzida após as doses iniciais, pois já
ocorrerá a ação moduladora neuro-humoral dos BB e IECA ou BRA e espironolactona,
além da dieta hipossódica. A manutenção de altas doses de diuréticos na alta hospitalar
é um fator independente de maior mortalidade e eventos mórbidos.

─ Associar epironolactona para todos os pacientes em IC CF III e IV com FE <35%,


salvo contraindicações.

─ Aumentar a dose dos betabloqueadores a cada três a cinco dias, para posteriormente,
em ambiente ambulatorial, alcançar a dose máxima tolerada.

─ Ivabradina poderá ser associada à terapêutica nos pacientes intolerantes a


betabloqueadores ou a doses elevadas, ou que em doses otimizadas não tenham
alcançado a frequência cardíaca <70bpm.

─ Associar estatina e antiagregantes nos pacientes com cardiomiopatia isquêmica ou


com médio a alto risco de desenvolvimento de eventos coronarianos ou acidente
vascular encefálico.

─ Anticoagulação com uso de cumarínicos nos pacientes com fibrilação atrial, trombo
intracavitário, doença tireoidiana, ou com condições mórbidas associadas que
aumentem o risco de eventos trombóticos.

─ Nos pacientes com anemia, iniciar reposição de ferro na presença de redução dos
níveis de ferritina e transferrina, ou eritropoietina na presença de disfunção renal
crônica.

Otimização da condição clínico-hemodinâmica:

Um dos principais objetivos da otimização clínico-hemodinâmica é que o paciente


esteja compensado do ponto de vista volêmico, na alta hospitalar. Para estabelecer a
adequação da condição volêmica, utiliza-se além da avaliação clínica e radiológica
evolutivas durante a internação, a realização de avaliação pré-alta por ecocardiograma
com avaliação hemodinâmica ou bioimpedância cardiográfica.

Outros objetivos são: o ajuste da dose dos vasodilatadores para otimização da


resistência vascular sistêmica, com consequente melhora do desempenho da função
ventricular esquerda e redução da insuficiência mitral. Esses ajustes também podem ser
realizados através do ecocardiograma hemodinâmico ou bioimpedância cardiográfica.

Otimização laboratorial e dos biomarcadores:

A avaliação laboratorial pré-alta hospitalar tem como objetivo a correção de possíveis


distúrbios eletrolíticos (sódio, potássio, magnésio) e da função renal que poderão
determinar uma reinternação ou favorecer o desenvolvimento de eventos de arritmia.
Tem sido demonstrado que níveis de BNP >700ng/dl na pré-alta são marcadores de
hipervolemia e de inadequação da função ventricular esquerda, e indicam um pior
prognóstico com maiores taxas de reinternação e mortalidade. Sugere-se que haja o
cancelamento da alta hospitalar e uma revisão da terapêutica e de possíveis condições
associadas que possam estar perpetuando a condição de IC descompensada37. Deve-se
também afastar outros possíveis fatores, que não a IC, que possam estar mantendo
elevado o BNP (IRC, SCR tipo 1 ou 2, BB, idosos, etc.)

Orientação nutricional:

Idealmente todos os pacientes devem ser submetidos à avaliação nutricional com


medição dos dados antropométricos na pré-alta hospitalar, seguida de prescrição
nutricional que os oriente sobre restrição sódica, frequência alimentar, restrição ou não
hídrica e interação fármaco-alimentar. Os pacientes devem idealmente ter seguimento
ambulatorial por nutricionista com experiência em IC, para ajuste e controle da sua
dieta.

Programa de educação e aconselhamento do paciente e seus familiares:

Os pacientes e seus familiares devem ser educados através de material didático e por
uma enfermeira especialista em IC, sobre: o que é IC e seus aspectos fisiológicos;
reconhecimento de sinais e sintomas de descompensação; orientação para o
acompanhamento de variações do peso corporal, pressão arterial e frequência cardíaca;
orientações quanto à mudança de hábitos de vida; quanto à atividade sexual e utilização
de inibidores da fosforodiesterase-5; recomendações sobre atividade física e
encaminhamento para programa de reabilitação cardiovascular; orientação quanto à
administração dos fármacos e possíveis interações fármaco-alimentares; e orientação
sobre programas de antitabagismo.

Essas medidas educacionais têm como objetivo uma melhor adesão dos pacientes e
seus familiares às medidas nutricionais e terapêuticas e à conscientização do paciente
da importância do reconhecimento precoce da descompensação da IC. Tem-se
demonstrado uma redução de até 40% em um ano na taxa de reinternação hospitalar nos
pacientes submetidos a programas de educação e orientação por clínicas especializadas
em IC38,39.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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39. Rich MW, Beckham V, Wittenberg C, Leven CL, Freedland KE, Carney RM.
A multidisciplinary intervention to prevent the readmission of elderly patients
with congestive heart failure. N Engl J Med. 1995;333(18):1190-5.
MANUSEIO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
AGUDA AVANÇADA

Alexandre Siciliano Colafranceschi

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 44 anos, 80kg, 1,79m, hipertenso, tabagista, com história familiar
positiva para doença coronariana, sofreu IAM de parede anterior extenso com
supradesnivelamento do segmento ST em toda a parede anterior e lateral. após
atividade física recreacional intensa. Quinze horas após o início da dor foi levado ao
laboratório de hemodinâmica, e a cinecoronariografia evidenciou oclusão proximal da
artéria descendente anterior (DA). Demais artérias coronárias livres de lesões
obstrutivas. Grave disfunção ventricular esquerda. Procedeu-se, então, à angioplastia
coronariana com implante de O paciente então foi considerado para assistência
circulatória com suporte mecânico avançado.stent convencional em DA proximal, mas
houve embolização distal com fluxo final TIMI II. Evoluiu com piora hemodinâmica
progressiva, apresentando hipotensão arterial, confusão mental, oligúria e taquicardia
sinusal, além de edema agudo de pulmão. O exame físico apresentava galope de soma
com crepitações bolhosas até o ápice do pulmão e acidose metabólica refratária a dois
inotrópicos e dois vasopressores em doses supramáximas e ao balão intra-aórtico.
Rabdomiólise e insuficiência renal.

OBJETIVOS
1. Discutir as novas ferramentas para tratamento do choque cardiogênico agudo
refratário pós-IAM.
2. Avaliar a importância do tempo para a indicação do suporte mecânico
avançado e analisar como a seleção dos pacientes pode afetar o prognóstico.
3. Analisar medidas farmacológicas e não farmacológicas de cuidados intra-
hospitalar de pacientes em suporte mecânico avançado.
4. Descrever o racional de condutas após a assistência mecânica inicial.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso descrito?

O choque cardiogênico ocorre em pacientes com severa disfunção ventricular esquerda,


na qual cerca de 40% da massa ventricular é comprometida pelo infarto. Uma grande
área infartada e/ou isquêmica leva, como consequência, à grave depressão da função
ventricular, com queda do débito cardíaco e aumento tanto da pressão como do volume
diastólico final do ventrículo esquerdo.

Essas alterações aumentam o consumo de oxigênio miocárdico, enquanto


simultaneamente diminui-se a pressão, com consequente queda da perfusão coronariana.
Várias condições podem levar à síndrome do choque cardiogênico: infarto agudo do
miocárdio, envolvendo o ventrículo esquerdo e/ou o direito; complicações mecânicas,
como insuficiência mitral, ruptura de septo interventricular, aneurisma de ventrículo
esquerdo, ruptura de parede livre; miocardites, estágios finais de cardiomiopatias;
obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo, como na estenose aórtica e na
cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva; pós-operatório imediato de revascularização
miocárdica, dentre outros.

2. Como confirmar o diagnóstico?


A cineangiocoronariografia e a ventriculografia confirmaram o diagnóstico de síndrome
coronariana aguda (IAM) com disfunção ventricular esquerda. O choque está associado
à insuficiência mitocondrial e respiração celular anaeróbica.

No paciente em choque cardiogênico agudo, o ecocardiograma transesofágico auxilia


na determinação etiológica, e exclui da indicação de suporte temporário pacientes com
complicações cardíacas mecânicas (como CIV pós-infarto, tamponamento, ruptura de
papilar mitral, dentre outros) que devem ser tratados cirurgicamente.

Nos pacientes sem complicações mecânicas pós-IAM, utilizam-se parâmetros


hemodinâmicos para a indicação da assistência mecânica (Quadro 1):

Quadro 1
Parâmetros hemodinâmicos para indicação da assistência circulatória mecânica

3. Qual o mecanismo fisiopatológico do choque cardiogênico?

Inicialmente, no choque cardiogênico pós-IAM, mecanismos compensatórios são


estimulados na tentativa de reversão do quadro. Dentre estes, destacam-se ativação do
sistema nervoso simpático, alterações renais e alterações locais por meio de
vasorregulação. O sistema nervoso simpático é ativado por meio de químio e de
barorreceptores, levando ao aumento da frequência cardíaca e da vasoconstrição tanto
arterial como venosa, e também da contratilidade cardíaca. O sistema renina-
angiotensina é ativado por inadequada perfusão renal como também por terminações
nervosas simpáticas renais. O excesso de angiotensina II leva à vasoconstrição
periférica com síntese elevada de aldosterona, com consequente retenção de sódio e
água, aumentando assim o volume sanguíneo total. A distensão do átrio leva à maior
produção do peptídeo atrial natriurético, o qual promove aumento na excreção de sódio
e água, contrabalançando o efeito da angiotensina II. A produção de hormônio
antidiurético também é estimulada pela hipotensão, aumentando a reabsorção de água.
Efeitos locais teciduais inicialmente incluem o acúmulo de metabólitos vasoativos,
causando vasodilatação arteriolar e capilar. Isso promove uma redistribuição do sangue
na pele, nos intestinos e na musculatura esquelética em favor da proteção de órgãos
nobres como cérebro, coração e rins.

Frente a esse quadro, devem ser tomadas atitudes rápidas e decisivas, no sentido de se
evitar o ciclo vicioso com consequente perpetuação do choque cardiogênico e morte.

4. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas ao


caso?

Pacientes jovens que ainda não desenvolveram circulação colateral coronariana, que
sofrem IAM num contexto prévio de insuficiência cardíaca, que possuem
comprometimento maior que 30-40% da musculatura do ventrículo esquerdo estão em
maior risco de desenvolverem choque cardiogênico pós-IAM.

5. Qual é o prognóstico?

O choque cardiogênico após o infarto agudo do miocárdio (IAM) tem incidência de


7,5% com letalidade de 60% a 80%1. Mesmo se a revascularização da artéria culpada
é prontamente realizada, a mortalidade desses pacientes continua sendo elevada1,2.

A mortalidade hospitalar de pacientes submetidos à assistência ventricular com


dispositivos de assistência ventricular ainda é superior a 35%, dependendo da etiologia
da agressão miocárdica, da precocidade de indicação e seleção de pacientes, e do grau
de experiência da instituição implantadora3,4. As principais causas que levam esses
pacientes ao óbito incluem disfunção multiorgânica irreversível, sepses, acidente
cerebrovascular, sangramento, bem como disfunção do dispositivo3,5.

6. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos (morte e


internação) neste caso?

Os pacientes que não melhoram ou estabilizam com o uso de drogas venosas


inotrópicas ou vasodilatadoras, balão intra-aórtico e ventilação mecânica podem ter
sua evolução clínica alterada pela utilização de sistemas de suporte circulatório
mecânico.

O uso da assistência ventricular mecânica vem sendo investigado como opção


terapêutica em choque cardiogênico de múltilplas etiologias3. Na cardiopatia isquêmica
aguda, alguns autores tornaram evidente o beneficio da associação da revascularização
precoce com a assistência mecânica ao(s) ventrículo(s) desfuncionante(s)2,3.

A assistência mecânica ventricular pode ser realizada utilizando-se dispositivos de


assistência ventricular (DAV) para uso temporário ou prolongado4. Os dispositivos de
assistência temporária são indicados na fase aguda de ressuscitação, seja como ponte
para a recuperação seja como ponte para dispositivo de assistência prolongada. Nessa
última situação clínica, otimiza-se o custo-efetividade desse tipo de tratamento,
permitindo selecionar os melhores candidatos a uma assistência mais prolongada e
preço elevado4. Os dispositivos de assistência prolongada são usados frequentemente
como ponte para o transplante cardíaco4,5 ou para tratamento definitivo na insuficiência
cardíaca crônica, refratária e inelegível ao transplante cardíaco.

7. O tratamento pode ajudar no controle da evolução da doença?

O objetivo da assistência mecânica temporária é de permitir fluxo tecidual adequado:


a) enquanto se aguarda a recuperação do coração/pulmão (5-7 dias) ─ no choque
cardiogênico pós-infarto, essa recuperação ocorre em média em 22 dias; b) ou como
ponte para dispositivo de mais longo prazo (seleção de pacientes e otimização de
custos), que deve ser feita o mais precocemente possível quando indicado (ponte para
transplante ou ponte para terapia definitiva).

8. Existe alguma estratégia para prevenção (primária e secundária)?

As estratégias de prevenção primária e secundária das síndromes coronarianas agudas


foram discutidas anteriormente em outro capítulo.

9. Quais as indicações e como fazer a seleção de pacientes para assistência


mecânica circulatória no choque cardiogênico pós-IAM?

No choque cardiogênico pós-IAM, o balão intra-aórtico é frequentemente o primeiro


dispositivo a ser instalado, mas requer um débito cardíaco mínimo para o seu
funcionamento, além de existirem algumas contraindicações ao seu uso. Alguns
autores4,5 acreditam que o implante precoce de um dispositivo de assistência mecânica
temporária, capaz de gerar alto fluxo e permitir que o coração repouse, possa melhorar
a evolução desses pacientes, permitindo a recuperação do miocárdio atordoado.
O registro da utilização do sistema ABIOMED AB 5000 no choque cardiogênico pós-
infarto em diversos centros norte-americanos demonstrou que a utilização da
assistência mecânica em menos de 24 horas de choque cardiogênico tem impacto na
capacidade de recuperação da função ventricular e explante do dispositivo sem a
necessidade de transplante cardíaco4,5.

Uma vez estabilizados, os pacientes em assistência circulatória mecânica temporária


devem passar por avaliações periódicas para acessar a recuperação cardíaca, função
multiorgânica e estado neurológico.

Os pacientes com melhora evolutiva da função contrátil miocárdica (hemodinâmica e


ecocardiográfica) são desmamados do dispositivo de suporte, e este é retirado. Caso
não haja sinais de recuperação miocárdica, os pacientes são avaliados para transplante
cardíaco (se preencherem os critérios estabelecidos e não apresentarem tumor oculto,
infecção grave em atividade ou déficit neurológico). Alguns centros trocam o
dispositivo de assistência mecânica temporária para um dispositivo de assistência
ventricular prolongada até que um órgão esteja disponível (ponte para transplante)
(Figura 1)6.

Figura 1
Fluxograma de suporte circulatório no choque cardiogênico agudo.
Fonte: adaptado de INTERMACS 1 e 26
10. Quais as contraindicações para assistência mecânica circulatória no choque
cardiogênico pós-IAM?

Pacientes sem perspectivas de recuperação da função contrátil miocárdica e que não


sejam elegíveis para transplante cardíaco ou terapia de destino não são elegíveis para
assistência mecânica temporária.

São contraindicações para assistência temporária: dano cerebral irreversível, tumor


maligno, disfunção orgânica irreversível, coagulopatias / sangramentos refratários. De
forma relativa, idade >70 anos ou pacientes sem informação sobre antecedentes.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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SHould we emergently revascularize Occluded Coronaries for cardiogenic
shocK: an international randomized trial of emergency PTCA/CABG-trial
design. The SHOCK Trial Study Group. Am Heart J. 1999;137(2):313-21.
2. Tayara W, Starling RC, Yamani MH, Wazni O, Jubran F, Smedira N.
Improved survival after acute myocardial infarction complicated by
cardiogenic shock with circulatory support and transplantation: comparing
aggressive intervention with conservative treatment. J Heart Lung Transplant.
2006;25(5):504-9.
3. Morgan JA, John RJ, Rao V, Weinberg AD, Lee BJ, Mazzeo PA, et al.
Bridging to transplant with the HeartMate left ventricular assist device: The
Columbia Presbyterian 12-year experience. J Thorac Cardiovasc Surg.
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4. Pagani FD, Lynch W, Swaniker F, Dyke DB, Bartlett R, Koelling T, et al.
Extracorporeal life support to left ventricular assist device bridge to heart
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Circulation. 1999;100(19 Suppl):II206-10.
5. Smedira NG, Moazami N, Golding CM, McCarthy PM, Apperson-Hansen C,
Blackstone EH, et al. Clinical experience with 202 adults receiving
extracorporeal membrane oxygenation for cardiac failure: survival at five
years. J Thorac Cardiovasc Surg. 2001;122(1):92-102.
6. Stevenson LW, Pagani FD, Young JB, Jessup M, Miller L, Kormos RL, et al.
INTERMACS profiles of advanced heart failure: the current picture. J Heart
Lung Transplant. 2009;28(6):535-41.
INSUFICÊNCIA CARDÍACA CRÔNICA
DESCOMPENSADA

Felipe Neves de Albuquerque


Ana Luiza Ferreira Sales

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 68 anos, negra, com hipertensão arterial, dislipidemia, ex-tabagista,
sedentária e doença arterial coronariana conhecida (IAM de parede anterior aos 53
anos sem terapia de reperfusão), mantém acompanhamento regular na Clínica de
Insuficiência Cardíaca de Hospital Universitário a cada três meses. Nega etilismo ou
outras causas secundárias de IC e foi classificada como cardiopatia dilatada de
etiologia isquêmica.

O padrão de dispneia observado durante essas consultas alterna normalmente entre as


classes funcionais II e IIIa da NYHA, com ajustes frequentes de diuréticos, conforme
necessário. Como parte do programa da clínica de IC, a paciente ouviu palestras sobre
sua doença e foi orientada adequadamente para controle de peso diário, restrição
hídrica (no seu caso 1200ml/dia) e eventuais ajustes de diuréticos pela própria. Não
apresenta angina pectoris desde a época do IAM (CCS 0).

Durante a última consulta de rotina, queixou-se de dispneia a mínimos esforços (NYHA


IIIB), ortopneia e piora do edema de membros inferiores. Negou fatores de
descompensação como infecção, libação alimentar, palpitação/arritmia, angina
pectoris ou uso irregular de medicação. Sua última descompensação cardiovascular
havia sido há 13 meses, num total de três episódios nos últimos 24 meses.

Ao exame físico, notou-se turgência de veia jugular a 45o, além de hepatomegalia


dolorosa, edema de membros inferiores até a raiz de coxa e crepitações à ausculta de
ambas as bases pulmonares. Extremidades permaneciam aquecidas e não havia sinais
de baixo débito cerebral como torpor ou sonolência.

Foi indicada internação hospitalar para a paciente e prontamente recusada. Assim,


optou-se por observação em regime de hospital-dia, com início do tratamento no
ambiente hospitalar e posterior alta para continuação do tratamento em casa.
Administrado diurético intravenoso e realizados exames laboratoriais, radiografia de
tórax, eletrocardiograma. Esses resultados, assim como o último ecocardiograma
encontram-se descritos abaixo.

A observação e o tratamento durante seis horas foram suficientes para determinar


melhora parcial da dispneia assim como manutenção dos níveis pressóricos e ausência
de sinais de baixo débito, sendo a paciente liberada ao final desse período, com
aumento da dose da furosemida 200mg/dia e nova consulta em 48 horas para revisão
clínica.

Medicamentos em uso: carvedilol 25mg x2; enalapril 20mg x2; espironolactona 25mg
x1; furosemida 40mg x2; AAS 100mg x1.

Exame físico e exames complementares: 1ª visita / hospital-dia

Sinais vitais: Pressão arterial =124x82mmHg; Frequência cardíaca =115bpm;


Frequência respiratória =28irpm; Saturação arterial de oxigênio =93%; Peso =72kg;
Altura =1,60m.
AC: RCR, BNF, B3, sopro sistólico de regurgitação mitral de leve-moderada
intensidade (++/6+).
AR: MV diminuído em bases com estertores crepitantes em metade inferior,
bilateralmente.
Abdômen: fígado aumentado, doloroso, sob RCD, com refluxo hepatojugular.
Membros inferiores: edema bilateral, mole, frio com cacifo até a raiz de coxa.
Extremidades aquecidas.
Paciente alerta, respondendo adequadamente às solicitações do examinador.

Exames complementares:

a) ECG: taquicardia sinusal, área inativa anterior, mesmo padrão de repolarização


observado previamente. Extrassistolia ventricular frequente. QRS 120ms
b) RX: (Figura 1)

Figura 1
RX da paciente relatada à admissão

c) Exames laboratoriais

Quadro 1
Exames laboratoriais
d) Ecocardiograma transtorácico (quatro meses antes da consulta)
Disfunção sistólica grave de VE (Fração de ejeção do VE: 30%), acinesia anterior dos
segmentos médio e apical, aumento de cavidades esquerdas, disfunção diastólica grau
III (padrão restritivo reversível). Veia cava inferior medindo 2,2cm sem variação
respiratória.

OBJETIVOS
1. Discutir a história natural da insuficiência cardíaca (IC), marcada por
diversos episódios de descompensação.
2. Identificar os pacientes de alto risco para as descompensações da IC.
3. Analisar os principais fatores que contribuem para as descompensações da
IC.
4. Reconhecer o papel dos serviços especializados em IC como Clínicas de IC,
para a educação do paciente e participação de equipe multidisciplinar para
maximizar os benefícios do tratamento.
PERGUNTAS
1. Como classificar o risco da paciente relatada com essas características clínicas?
Que variáveis clínicas e exames complementares podem ser utilizados para
estratificar o risco de eventos e a sobrevida de paciente com insuficiência cardíaca
crônica?

A avaliação prognóstica é fundamental para pacientes portadores de IC crônica.


Permite ao paciente programar seu futuro e de seus familiares, e a equipe médica
assistente pode definir o melhor momento para indicação de terapias de maior custo,
instalação de desfibriladores e ressincronizadores e até transplante cardíaco1-4.

Inúmeros marcadores prognósticos são apontados aos portadores de IC crônica1


(Quadro 2):

Quadro 2
Marcadores prognósticos na IC crônica1
*Marcadores prognósticos com maior nível de evidências científicas
DPOC=doença pulmonar obstrutiva crônica; IMC=índice de massa corpórea; VD= ventrículo direito; NYHA=New
York Heart Association; ICD=IC descompensada

No entanto, nenhum modelo de estimativa do prognóstico na IC crônica utilizou todos


os marcadores prognósticos descritos de maneira sistemática para estimar a
sobrevida1,5. Assim, a estimativa prognóstica na ICC permanece um importante
desafio1.

Dois modelos têm sido mais frequentemente utilizados para cálculo de previsão de
sobrevida em pacientes com IC crônica: o Seattle Heart Failure Model1,6 e o Heart
Failure Survival Score (HFSS)7.
O HFSS é definido pela seguinte equação e deve ser assim interpretado (Quadro 3):
Quadro 3
Equação do Heart Failure Survival Score (HFSS) para o cálculo da previsão de sobrevida de pacientes com IC
crônica

A grande crítica atual a este modelo é a não inclusão de procedimentos terapêuticos na


avaliação diagnóstica1.

O Seattle Heart Failure Model permite estimar os benefícios de medicações e


procedimentos terapêuticos. Considera, para seu cálculo, características clínicas
(idade, sexo, classe funcional, peso, fração de ejeção do ventrículo esquerdo, pressão
sistólica sistêmica), medicações (inibidores da enzima de conversão da angiotensina-
IECA, betabloqueadores, bloqueadores dos receptores da agiontensina-BRA, diuréticos
com detalhamento dos tipos), laboratório (hemoglobina, linfócitos, ácido úrico,
colesterol total, sódio sérico), ressincronização e cardiodesfibrilador. A sobrevida a
partir da situação basal e pós-intervenção pode ser obtida no site <http://www.
seattleheartfailuremodel.org>

A função renal não foi preditor de risco nesse modelo que avaliou apenas uma coorte
ambulatorial de pacientes portadores de IC crônica. Não pode ser generalizado para
pacientes hospitalizados ou portadores de comorbidades como IRC, cirrose, câncer,
demência, etc1,6,7.

O modelo deve ser recalculado para um mesmo paciente a cada ajuste terapêutico ou
intervenção1,6,7. Diversas ferramentas gratuitas já disponibilizaram esse modelo através
de calculadoras, não só através dos websites mas também de maneira móvel através de
aplicativos para smartphones e tablets, bastando procurar na loja de aplicativos por
Seattle HF.

No caso apresentado, de acordo com o modelo de predição de risco de Seattle, esta


paciente tem uma expectativa de vida estimada em 3,8 anos, 21% de mortalidade no
primeiro ano e 69% de mortalidade esperada em cinco anos, o que demonstra a
gravidade do caso.
Figura 2
Cálculo do Seattle Heart Failure Model
Disponível em <http://www.seattleheartfailuremodel.org>

2. O que são as clínicas de IC e qual seu papel no tratamento desses pacientes?


Que tipo de orientação adicional pode ser oferecida nessas unidades? Existe algum
benefício comprovado de diminuição de mortalidade / melhora prognóstico?

As Clínicas de IC são clínicas especializadas e multidisciplinares, capazes de atender


integralmente o paciente em seus aspectos biológico, psicológico e social1,8. Promovem
maior adesão terapêutica, maior adesão às recomendações comportamentais, menor
número de descompensações clínicas e internações hospitalares e melhor qualidade de
vida1,9. Quanto à mortalidade total, os dados ainda são menos consistentes1,10-12.

São atribuições das clínicas de IC:

Realizar o diagnóstico diferencial, estabelecer o prognóstico, propor


tratamento efetivo e monitorar continuamente o paciente, otimizando a
relação custo-efetividade.
Estimular a adesão ao tratamento farmacológico e não farmacológico.
Orientar medidas de autocontrole para detecção precoce dos sinais e
sintomas de descompensação, por meio de ações educativas ao paciente e
seus familiares.
Identificar e tratar as comorbidades.
Oferecer tratamento rápido frente a episódio de descompensação clínica.
Capacitar profissionais de saúde para o atendimento de pacientes portadores
de IC crônica.

Fornecer informações e orientações médico-trabalhistas e previdenciárias1.

Em suma, as Clínicas de IC promovem a “educação” dos pacientes e seus familiares em


relação à insuficiência cardíaca, seus limites e perspectivas. Há acompanhamento
nutricional regular, com orientações específicas em relação à restrição hídrica e salina
e controle de peso; investimentos em reabilitação cardíaca supervisionada ou até
mesmo incentivo à atividade física aeróbica regular; desincentivo ao fumo, ao uso de
drogas ilícitas e bebidas alcoólicas. Campanhas para vacinações regulares:
antipneumocócica e anti-influenza. Permitem o diagnóstico precoce e controle de
comorbidades. Oferecem suporte psicológico aos pacientes e familiares1.

Normalmente, as Clínicas de IC são reservadas para pacientes que apresentaram


alguma dificuldade de adesão ao tratamento, que durante a evolução clínica
apresentaram descompensações clínicas frequentes ou de alto risco como já descrito.

3. Como identificar no grupo de pacientes descompensados, aqueles que são de


baixo risco que podem ser manejados de forma conservadora e sem internação
hospitalar, usando alternativas como o Hospital-Dia?

Em presença de sintomas de descompensação da IC a estratificação de risco deve ser


feita a partir da causa de descompensação, dos níveis de pressão arterial sistólica,
perfil hemodinâmico da IC e o grau de dispneia1,13.

Pacientes admitidos com sinais ou sintomas de baixo débito cardíaco, classificados


como “frios” pela classificação hemodinâmica de Stevenson ou ainda aqueles com
níveis de pressão arterial sistólica <85mmHg podem necessitar para estabilização
clínica da IC de drogas inotrópicas positivas, tais como a dobutamina e o
levosimendana. Tais pacientes devem permanecer internados até a compensação
clínica1,13.

Pacientes com taquidispneia grave e SaO2 <92% podem necessitar de suporte


ventilatório não invasivo ou invasivo, devendo permanecer também internados até a
melhora sintomática1,13.

Pacientes sem sinais e sintomas clínicos e hemodinâmicos de baixo débito cardíaco


ditos “quentes” pela classificação de Stevenson têm como base terapêutica o uso de
drogas vasodilatadoras e diureticoterapia (de acordo com a presença ou não de sinais
de congestão periférica ou sistêmica). Na Figura 3 encontra-se o fluxograma de
abordagem terapêutica para pacientes com sintomas de descompensação da IC
crônica13.

Figura 3
Fluxograma de abordagem terapêutica para pacientes com sintomas de descompensação da IC crônica13

Na Figura 4 encontra-se o fluxograma para abordagem de paciente admitido por IC


descompensada e dispneia13.

Figura 4
Fluxograma para abordagem de paciente admitido por IC descompensada e dispneia13

Na paciente do quadro clínico apresentado não havia sinais de baixo débito cardíaco;
os níveis de pressão sistólica estavam entre 85-140mmHg (124mmHg), com uma SaO2
inicial de 93%. Assim, conforme o fluxograma, devem ser instituídos diureticoterapia e
vasodilatadores. Como a paciente não será admitida e seus níveis tensionais não se
encontram elevados, pode-se investir numa terapia exclusiva com diurético intravenoso
e suporte adicional transitório de O2. Iniciar vasodilatador intravenoso para esta
paciente não seria interessante pois existe uma programação de liberação após um
período de seis horas.

Portanto em casos selecionados, nesse cenário de Hospital-Dia em que o controle da


pressão arterial é necessário, pode-se adotar o captopril – que possui meia-vida curta –
como droga preferencial.

CONTINUAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Após 48 horas, a paciente foi reavaliada no ambulatório e apesar da melhora parcial do


padrão dispneia, ainda estava em classe funcional NYHA IIIA. Apresentava sinais de
hipervolemia (TJP, refluxo hepatojugular, edema de membros inferiores), mas sem
ortopneia ou sinais de baixo débito cardíaco. Seu peso era 70,6kg.

Optou-se então por novos exames laboratoriais (abaixo) e pela administração de


diureticoterapia venosa. A dose de furosemida foi mantida e associou-se
hidroclorotiazida 25mg/dia e bumetanida 1mg/dia. A espironolactona foi suspensa
pelos níveis elevados das escórias nitrogenadas e potássio conforme explicitado no
Quadro 4. Foi liberada após observação de quatro horas.

Quadro 4
Exames laboratoriais evolutivos (após 48 horas)

4. Que estratégias podem ser adotadas ao se calcular a dose do diurético


intravenoso? Que outros diuréticos por via oral podem ser acrescentados para
maximizar a potência no cenário ambulatorial?

A definição das doses de diuréticos e a adequada estratégia de utilização dessas drogas


são controversas13. O uso crônico de diuréticos pode provocar lesões estruturais dos
néfrons, hipertrofia do túbulo distal com consequente aumento da capacidade absortiva
e redução da natriurese13,14, provocando retenção hidrossalina13,15.

Muitas vezes, o paciente portador de IC apresenta elevado grau de congestão


esplâncnica com redução da capacidade absortiva de drogas administradas por via
oral. Nesses pacientes haverá melhor resposta ao tratamento com diureticoterapia
venosa13.

Em relação à dose, pode-se usar como regra prática a conversão da dose total de
diuréticos, rotineiramente utilizada pelo paciente por via oral, em dose venosa. Por
exemplo: se o paciente usava previamente 80mg ao dia de furosemida oral (2
comprimidos) ao converter para dose venosa 80mg/dia de furosemida como 4
ampolas/dia (1 ampola a cada 6 horas - cada ampola com 20mg)1,13.

Em casos como o apresentado, em que a dose prévia de diurético foi alta e o intervalo
de observação curto (6 horas), pode-se iniciar com doses mais altas em bolus (2
ampolas / 40mg) e repetir após duas ou três horas a partir da resposta observada.

Recentemente, o estudo DOSE16 procurou responder à questão de qual seria a melhor


forma de infusão de diuréticos (contínua ou intermitente), mostrando não haver
diferença significativa entre ambas as estratégias. Sugere-se que seja utilizada
inicialmente a forma intermitente, reservando-se a infusão contínua aos pacientes “não
respondedores”16.

A associação de diferentes classes de diuréticos parece ser uma opção efetiva para
diureticoterapia em pacientes resistentes. O túbulo contornado distal também tem
função reabsortiva; associar diurético tiazídico ao esquema terapêutico pode
potencializar o efeito diurético, assim como a associação de outro diurético de alça
como a bumetanida1,13,17-19.

Nesses casos, recomenda-se a administração do diurético tiazídico (no Brasil,


hidroclorotiazida ou clortalidona) uma hora antes da furosemida, podendo utilizar
doses maiores que o normalmente indicado, por exemplo, para o tratamento de
hipertensão arterial. Assim, doses como 50mg são frequentemente usadas nesses casos,
especialmente por curtos períodos até atingir a compensação clínica.

5. Que tipo de síndrome cardiorrenal esta paciente possui? De que forma isso
altera a história natural / gravidade do quadro clínico? Que ajuste terapêutico
deve-se fazer neste caso?

A presença de disfunção renal em pacientes com IC (síndrome cardiorrenal) vem sendo


destacada como marcador de gravidade e pior evolução. A insuficiência renal é
preditor de maior mortalidade em pacientes internados por IC descompensada13,20-22.
São descritas prevalências de até 50% de síndrome cardiorrenal (SCR) entre os
pacientes hospitalizados por ICD13,21-25.

A síndrome cardiorrenal tem cinco possíveis manifestações:

1. SCR tipo 1 ou síndrome cardiorrenal aguda (SCRA): caracteriza-se por


disfunção cardíaca aguda (edema agudo de pulmão hipertensivo, IC
agudizada ou choque cardiogênico) que leva à lesão renal aguda. Alguns
autores preferem utilizar o termo “piora da função renal”, para se referirem a
essa síndrome no contexto da ICD.
2. SCR tipo 2 ou síndrome cardiorrenal crônica: caracteriza-se por disfunção
cardíaca crônica (insuficiência cardíaca crônica) que leva à insuficiência
renal crônica (IRC).
3. SCR tipo 3 ou síndrome renocárdica aguda: definida como disfunção renal
aguda primária (insuficiência renal aguda, isquemia renal ou
glomerulonefrite), que é responsável por disfunção cardíaca aguda
(insuficiência cardíaca ou arritmias ou isquemia).
4. SCR tipo 4 ou síndrome renocárdica crônica: definida como condição na
qual uma insuficiência renal crônica (IRC) contribui para disfunção
miocárdica, hipertrofia ventricular esquerda, disfunção diastólica e/ou
aumento do risco de eventos cardiovasculares.
5. SCR tipo 5 ou síndrome cardiorrenal secundária: definida pela presença
combinada de disfunção cardíaca e renal devido a doenças sistêmicas agudas
ou crônicas (diabetes, amiloidose, vasculites, sepse etc.)26.

A etiopatogenia da síndrome cardiorrenal ainda não está totalmente conhecida, mas


parece ser multifatorial. Queda do débito cardíaco com hipoperfusão renal crônica,
vasoconstricção renal por ativação neuro-humoral, hipovolemia crônica por uso
abusivo de diuréticos e hipertensão venosa crônica secundária à congestão
sistêmica13,22,23,27.

Grande parte dos autores considera o diagnóstico de SCR em presença de aumento


absoluto >0,3mg/dl nos níveis basais de creatinina15.

Para o tratamento da SCR pode ser necessário o uso de drogas inotrópicas, diuréticos
endovenosos, combinação de diuréticos, ultrafiltração13 e, nos raros casos em que a
apresentação é o modelo hemodinâmico “frio-seco”, até mesmo hidratação venosa.

A paciente descrita é portadora de IC crônica descompensada, modelo hemodinâmico


“quente-congesto” e apresenta níveis elevados de escórias nitrogenadas. Tal quadro
pode ser a manifestação de SCR tipo 2. Neste caso, seria adequado investir em
diureticoterapia venosa e vasodilatadores. Devido à elevação dos níveis de potássio
sérico foi suspenso o inibidor da aldosterona (espironolactona).

CONTINUAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Após 72 horas, durante reavaliação programada, notou-se melhora do padrão de


dispneia (a médios/pequenos esforços – NYHA II-IIIA) e dos sinais de congestão
pulmonar e sistêmica, com resolução da ortopneia e melhora parcial do edema de
membros inferiores. Seu peso diminui para 68,4kg.

Em nova revisão programada após uma semana, foi confirmada a melhora clínica. FC
=84bpm; PA =126x70mmHg; FR =18ipm; SaO2 =95%. Seu peso diminuiu para 66,7kg
(próximo ao seu peso basal de 65kg). Houve melhora dos níveis de sódio, potássio e
escórias nitrogenadas conforme Quadro 5.

Quadro 5
Evolução dos exames laboratoriais (após sete dias)

6. O digital ou a ivabradina seriam boas opções nesta paciente? Qual seria o


subgrupo ideal para a ação desses medicamentos? E a associação nitrato +
hidralazina também seria interessante?

A digoxina está indicada em pacientes portadores de IC por disfunção sistólica,


frequência cardíaca elevada na fibrilação atrial, com sintomas atuais ou prévios1,28. Em
pacientes com ritmo sinusal e disfunção sistólica, em especial pacientes sintomáticos,
os resultados do estudo DIG Trial28 mostraram que o emprego da digoxina reduz
hospitalizações, sem impacto na mortalidade1,29,30.

A ivabradina é um bloqueador da corrente If do nó sinoatrial e provoca uma queda da


frequência cardíaca. No Shift Trial31 publicado em 2010, a ivabradina foi testada em
portadores de IC em classe funcional NYHA II a IV, fração de ejeção do VE <35%,
frequência cardíaca superior a 70bpm e pelo menos uma internação por IC no último
ano1. Cerca de 90% dos pacientes incluídos faziam uso de betabloqueadores, IECA e
BRA. Pouco mais de 60% faziam uso de espironolactona.

A ivabradina mostrou diminuir o número de internações cardiovasculares e internações


por IC, além de queda na mortalidade por IC (desfecho composto de reinternações e
morte por IC)1,31,32.

Assim, sugere-se o uso de ivabradina em pacientes portadores de IC com disfunção


sistólica que já estejam em uso de betabloqueadores de maneira otimizada e que
mantêm FC >70bpm. Também é indicada para os portadores de IC com contraindicação
ao uso dos betabloqueadores.

A associação de hidralazina a nitratos (ambos vasodilatadores) foi destacada pelo


estudo V-HEFT I1,33, que mostrou diminuição de 34% na mortalidade de pacientes
portadores de IC tratados por dois anos com a combinação dessas drogas1,33.
Posteriormente, o V-HEFT II1,33 comparou hidralazina e nitrato com enalapril e, com
um seguimento de dois anos, mostrou que o enalapril foi mais eficaz na redução da
mortalidade cardiovascular1,33.

A Diretriz atual de IC da SBC1 – apresentada no Quadro 6, já traz recomendação


específica sobre o assunto.

Quadro 6
Recomendações das Diretrizes de Insuficiência Cardíaca Crônica da SBC1
No caso clínico de referência temos uma paciente portadora de IC sistólica, com fração
de ejeção de 30%, frequência cardíaca >80bpm, pressão arterial sistólica >120mmHg,
em uso de terapêutica otimizada que se apresenta descompensada em classe funcional
IIIb NYHA e modelo hemodinâmico “quente e úmido”.

Além da terapia diurética, seria interessante investir em vasodilatadores como a


associação de hidralazina e nitrato inicialmente em baixas doses. Poder-se-ia iniciar
com mononitrato de isossorbida 10mg 2x/dia e depois titular progressivamente
conforme tolerado.

Com FC =84bpm e dose de betabloqueador otimizado, também é válido iniciar


ivabradina para otimizar o controle da frequência cardíaca, com 5mg 2x/dia.

Uma revisão em duas semanas (no máximo) deverá ser programada para a avaliação da
PA e FC e, a partir daí, titular ambas as drogas.

CONTINUAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Na revisão após 10 dias, os valores de PA =114x72mmHg e FC =78bpm ainda


possibilitaram novo aumento de doses do nitrato (mononitrato de isossorbida 20mg x2)
e também da ivabradina (para 7,5mg x2). A paciente manteve a perda de peso (65,5kg)
e ainda apresentou melhora do padrão de dispneia (que voltou a seu basal – NYHA II).

A manutenção da dose do diurético nesse momento é uma alternativa interessante, pelo


menos até nova reavaliação em 30 dias pela proximidade da descompensação.

Assim, após esse período, inicia-se o “desmame” do diurético – uma vez constatada a
manutenção da perda de peso e da redução do edema. Pode-se iniciar essa estratégia
com a retirada dos diuréticos associados para a descompensação (bumetanida e
tiazídico) e só posteriormente reduzir a dose da furosemida, em nova visita após 30
dias.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências
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INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CRÔNICA
AVANÇADA

Ricardo Mourilhe Rocha


Gustavo Salgado Duque

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 60 anos, branca, natural da cidade do Rio de Janeiro, ex-tabagista,
com história prévia de infarto agudo do miocárdio (IAM) há três anos, com
acompanhamento e tratamento médicos regulares, refere queixas de cansaço
progressivo aos esforços que atualmente ocorre aos pequenos esforços, apesar de
diversas tentativas de tratamento médico. Nega dor torácica e outras queixas.
Estratificação recente excluiu isquemia e necessidade de revascularização miocárdica
atual. Faz uso de todas as medicações descritas abaixo com aderência satisfatória ao
tratamento. Relata tosse seca prévia, que desapareceu após troca de medicação e nega
alergias medicamentosas. Encaminhada para avaliação de médico cardiologista da
clínica de insuficiência cardíaca.

Dados relevantes do exame físico e exames complementares:


Lúcida, orientada auto e alopsiquicamente, normocorada, acianótica, anictérica. CF III
NYHA (classe funcional III da New York Heart Association)
PA =95x60mmHg; FC =60bpm; FR =20irpm; T.ax =36,4oC; Altura =1,70m; IMC
=23,8kg/m2
ACV: Ritmo cardíaco regular, em 3 tempos (B3), sem sopros, bulhas normofonéticas.
Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular discretamente reduzido em bases,
estertores em bases.

Exames laboratoriais: Hemoglobina =14g/dL; Hematócrito =38%; Leucograma dentro


dos limites da normalidade Cr =1,0mg/dl ; Ur =36mg/dl ; Na =137mEq/l; K =3,8mEq/l;
Glicose =89mg/dl
Eletrocardiograma: Ritmo cardíaco sinusal, zona inativa em parede anterior (idêntica
ao encontrado em exames prévios). QRS =165ms; QT e PR normais.
Ecocardiograma prévio com fração de ejeção de 19%.

Em uso atual de aspirina 200mg/dia, clopidogrel 75mg/dia, carvedilol 25mg 2x/dia,


losartan 50mg/dia, espironolactona 25mg/dia, furosemida 40mg/dia, digoxina
0,25mg/dia, monocordil 20mg 2x/dia, hidralazina 25mg 2x/dia.

OBJETIVOS
1. Analisar os aspectos clínicos e epidemiológicos da IC crônica avançada.
2. Discutir as principais opções terapêuticas no manejo desses pacientes.
3. Avaliar as consequências terapêuticas no prognóstico desses pacientes e as
evidências que corroboram esses achados.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar a causa dos sintomas?

O caso clínico reflete um tipo de paciente cada vez mais comum na prática clínica:
pacientes com cardiopatia grave, com sobrevida cada vez mais aumentada frente aos
avanços no tratamento nas últimas décadas. Neste caso em particular, trata-se de uma
paciente com cardiopatia isquêmica, que deve ter evoluído de maneira desfavorável,
com cardiomiopatia dilatada e insuficiência cardíaca (IC). Os sintomas descritos no
caso são típicos de sintomas de IC e sugerem uma evolução da doença, apesar do
tratamento clínico, com progressão de sintomas: a paciente apresenta cansaço cada vez
mais intenso com esforços cada vez menores. Essa evolução não ocorreu de forma
aguda, ela está lentamente piorando seus sintomas e sua capacidade funcional; também
fica evidente que não existem sintomas álgicos associados, incluindo dor torácica, o
que reforça a ideia de evolução da insuficiência cardíaca e não uma agudização por
uma alteração aguda, como isquemia ou infecção, embora essas causas devam ser
pesquisadas.

A apresentação descrita é muito comum em pacientes com insuficiência cardíaca


crônica em estágio mais avançado, quando o tratamento convencional não consegue
mais obter o pleno controle dos sintomas e frear a evolução da doença.

2. Como confirmar a hipótese diagnóstica?

O diagnóstico pode ser feito inicialmente pela avaliação diagnóstica de insuficiência


cardíaca, com avaliação clínica e exames complementares, conforme já descrito em
capítulos anteriores. Neste caso relatado, seria interessante a avaliação com métodos
de imagem, dentre os quais o ecocardiograma transtorácico. Este exame pode não só
fornecer informações para confirmar o diagnóstico como quantificar a gravidade dos
achados e investigar outros pontos possivelmente pertinentes às alternativas
terapêuticas para o caso, conforme será discutido adiante. O ecocardiograma deve ser
realizado na avaliação inicial de todo paciente com IC e pode ser usado para monitorar
a resposta terapêutica ambulatorial durante o tratamento desses pacientes1,2.

Uma telerradiografia de tórax deve ser sempre realizada na avaliação inicial desses
pacientes1. Durante a avaliação clínica é importante excluir causas de agudização da
IC, para diferenciar a IC crônica avançada de uma IC crônica agudizada, mas não
necessariamente em fase avançada1,2. Assim, deve-se confirmar se há aderência
adequada ao tratamento farmacológico como também às medidas não farmacológicas,
muitas vezes esquecidas pelo médico não especialista ao tratar esses pacientes. Deve-
se também confirmar em paciente coronariopata se não houve isquemia como causa da
piora clínica e se realmente não há necessidade ou possibilidade de revascularização.

Outras causas de descompensação clínica devem ser excluídas, como infecções,


anemia, hemorragias (muitas vezes não exteriorizadas), uso de drogas, uso de álcool,
arritmias, dentre outras. Exames não descritos no caso, como BNP e NT-pró-BNP
também são importantes na avaliação desse paciente, não somente na avaliação
diagnóstica de IC, mas também para o prognóstico1,2.
Avaliação de hormônios tireoidianos, assim como função hepática não foram descritas
no caso e devem ser feitas na avaliação inicial de pacientes com IC, ou se nunca
tiverem sido avaliadas. A avaliação seriada do estado volêmico é crucial no tratamento
de pacientes com IC e deve-se avaliar como se comportou a variação de peso nos
últimos meses1.

3. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas à IC


crônica avançada?

As causas mais prevalentes de IC são as causas mais comuns de IC crônica avançada,


como por exemplo, doença cardíaca isquêmica (como no caso em questão), hipertensão
arterial sistêmica, doença de Chagas em áreas de maior risco epidemiológico,
cardiomiopatias diversas, dentre outras3.

4. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos como


mortalidade e internação em IC crônica avançada ?

Sim, existem alternativas terapêuticas que podem afetar de forma extremamente


significativa a evolução desses pacientes. O tratamento farmacológico com
betabloqueadores, inibidores da enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores de
receptores de aldosterona está definitivamente associado a taxas menores de internação
hospitalar, reduzindo a mortalidade e a morbidade em pacientes com IC crônica1,4,5. A
paciente relatada, com IC crônica avançada, já está em tratamento farmacológico
otimizado, em uso de carvedilol, losartan (o texto refere tosse seca prévia,
possivelmente houve troca de IECA por BRA), espironolactona, nitrato, hidralazina,
diurético de alça, digoxina e antiplaquetários. As doses já são razoáveis e não parece
haver espaço para mudanças muito significativas de doses ou fármacos; apesar disso,
há progressão de sintomas, atualmente em classe III.

Esta paciente, além do tratamento farmacológico otimizado, apresenta alguns dados que
possibilitam ao mínimo a avaliação de dois tratamentos que alteram de maneira
significativa o prognóstico: a terapia de ressincronização cardíaca (TRC) e o
cardiodesfibrilador implantável (CDI). Ambos podem alterar a mortalidade e a
internação e podem ter benefício adicional quando usados simultaneamente. As duas
modalidades terapêuticas serão abordadas adiante.
5. O que é terapia de ressincronização cardíaca e qual a sua explicação
fisiopatológica?

A TRC consiste do implante de marca-passo com cabos simultaneamente em ambos os


ventrículos, o que está associado à melhora clínica em pacientes selecionados. A
justificativa do seu uso teve origem no fato de que o dissincronismo ventricular,
presente em muitos dos pacientes com IC crônica e mais evidente quanto mais grave for
o paciente, pode piorar ainda mais a função ventricular6. Atrasos da condução
intraventricular podem piorar a IC pelo dissincronismo, com indução de diferenças
regionais da contração ventricular, o que acaba por reduzir a sua eficácia.

As diferenças de contração podem ocorrer tanto entre os ventrículos (interventricular)


como entre áreas dentro do mesmo ventrículo (intraventricular) e o mesmo paciente
frequentemente apresenta ambos os tipos6,7. Esses achados ocorreram inicialmente em
estudos observacionais que sugeriram o efeito adverso do dissincronismo tanto em
pacientes com IC como naqueles com função limítrofe. Posteriormente, estudos com
TRC demonstraram que essa terapia consegue melhorar a função ventricular de alguns
pacientes com IC selecionados, além de atuar sobre o remodelamento cardíaco7,8. A
base molecular para essa melhora ainda não foi elucidada, mas dados de ensaios
experimentais sugerem que a TRC reduz o remodelamento molecular regional e global,
reduzindo apoptoses e com uma ativação mais homogênea da contração ventricular9.

6. Quais os benefícios e quais os estudos clínicos que corroboram o benefício da


TRC nesses pacientes?

A função sistólica ventricular melhora com a TRC, com maior coordenação global da
contração, como demonstrado por estudos como o CARE-HF8 e MIRACLE10. No
CARE-HF8, pacientes com fração de ejeção <35% (média de 25%), média de idade 67
anos, NYHA III ou IV, com QRS alargado (média de 160ms) foram avaliados quanto ao
tratamento farmacológico otimizado versus o mesmo tratamento associado à TRC.
Houve melhora da fração de ejeção em pacientes com TRC, com aumento relativo de
3,7% em três meses e 6,9% em 18 meses8. A melhora da função esteve associada a
aumento médio da pressão arterial sistólica de 6mmHg, assim como a quedas dos
níveis de NT-pró-BNP, em média de 225pg/ml em três meses de tratamento, e de
1122pg/ml com 18 meses de tratamento.

No estudo MIRACLE10 houve melhora na fração de ejeção de 3,6% em seis meses nos
pacientes com TRC, enquanto apenas de 0,4% naqueles sem TRC. A contração
ventricular aumenta, mas não há aumento do consumo miocárdico de oxigênio, ou seja,
a eficácia miocárdica aumenta, o que não ocorre, por exemplo, com o uso de
inotrópicos que aumentam a contração com aumento do consumo miocárdico de
oxigênio11,12.

Outro benefício descrito se refere ao remodelamento reverso. A TRC atua sobre o


remodelamento cardíaco, com quedas significativas nas mensurações de ventrículo
esquerdo diastólico, sistólico, fração regurgitante de insuficiência mitral e da massa de
ventrículo esquerdo nos estudos CARE-HF8 e MIRACLE10, tendo essas mudanças
favoráveis permanecido após um ano, conforme estudo de seguimento do MIRACLE13.
Os estudos CONTAK-CD14, PATH-CHF15 e VIGOR-CHF16 também confirmam esses
achados. Em análise com 141 pacientes acompanhados por dois anos, 62% tiveram
queda maior que 10% no volume sistólico final do ventrículo esquerdo17.

Outros benefícios descritos são o aumento do índice cardíaco, queda da pressão capilar
pulmonar, assim como melhora da função diastólica e da variabilidade da frequência
cardíaca18,19. Os pacientes submetidos à TRC também toleram mais o tratamento
farmacológico mais agressivo, particularmente há maior tolerância ao uso de doses
progressivamente maiores de betabloqueadores, o que por si só afeta o prognóstico
favoravelmente20.

Quanto aos desfechos como mortalidade e internação, a TRC foi avaliada e está
associada a menores taxas de ambos. No CARE-HF8 houve menor mortalidade ou
internação por doença cardiovascular, com 39% nos pacientes com TRC e 55%
naqueles sem TRC, tendo esse benefício aumentado mais com o tempo. Também houve
menor mortalidade por piora da IC (8% x 14% sem TRC) e morte súbita cardíaca (7%
x 9,4% sem TRC) e melhor qualidade de vida e classe funcional da NYHA em 90
dias8,21.

Em meta-análise com 14 estudos randomizados sobre TRC, englobando 4420 pacientes,


a TRC esteve associada a menor internação por IC, mortalidade global, mortalidade
por progressão de IC, assim como houve melhora nos questionários de qualidade de
vida, no teste de caminhada de 6 minutos e maior chance de melhorar a classe funcional
da NYHA em pelo menos uma classe22.

7. Existem peculiaridades entre os pacientes submetidos à TRC?


Sim, aproximadamente 20% a 30% dos pacientes tratados com TRC não se beneficiam
desse tratamento, provavelmente por uma seleção menos criteriosa para a adoção dessa
terapia23. Análises de subgrupos em vários estudos sugerem que a presença de QRS
<150ms é grande fator de risco para não haver benefício com o tratamento24. Da mesma
forma, em pacientes com função ventricular normal e QRS<120ms, mesmo que um
dissincronismo fosse evidenciado, não houve nenhum benefício com a TRC.

Também existem diferenças quanto ao sexo: no estudo MADIT-CR25, que comparou


TRC+CDI versus CDI apenas, os benefícios encontrados (menor mortalidade ou piora
da IC, menores volumes ecocardiográficos e melhoras na fração de ejeção) foram
maiores em mulheres do que em homens25. Com relação à idade, dados de vários
estudos, como CARE-HF27 dentre outros, não encontraram diferenças entre pacientes
com mais ou menos 65-70 anos26,27.

Dados de estudos como MADIT-CRT28 sugerem alguns fatores que aumentam a chance
de o paciente responder ao tratamento: presença de QRS ≥150ms, sexo feminino,
bloqueio de ramo esquerdo, internação prévia por IC, volume diastólico final do
ventrículo esquerdo >125ml/m2 28. Pacientes com indicação definida de TRC não
devem ter a terapia atrasada para a realização de exames de imagem para avaliar
dissincronismo28.

8. Quais as indicações para o uso de TRC segundo as diretrizes brasileiras?

Segundo a III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica1, da Sociedade


Brasileira de Cardiologia, é considerada classe I de recomendação para TRC, com
nível de evidência B, a presença de fração de ejeção ≤35%, ritmo sinusal, classe
funcional III na vigência de tratamento clínico otimizado e com QRS>150ms1. A
paciente relatada no caso clínico atende a essas condições (Quadro 1).

Quadro 1
Indicações para o uso de TRC segundo as Diretrizes brasileiras
Fonte: III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica1

9. Qual o benefício do uso de CDI e quais estudos corroboram seu uso?

A morte súbita é responsável por cerca de 30% a 50% dos óbitos de pacientes com IC
e aproximadamente 80% delas ocorrem por arritmias ventriculares1. A presença de
fração de ejeção ≤35% está associada a risco aumentado de morte súbita (e quanto
maior o grau de disfunção, maior o risco), assim como a presença de sintomas de IC,
ainda mais em paciente já tratado com fármacos em doses satisfatórias, como no caso
em questão1,29.

O tratamento com betabloqueadores, IECA ou BRA, antagonistas de aldosterona afetam


positivamente a evolução dos pacientes, mas como já discutido, para aqueles pacientes
que persistem com sintomas na vigência de tratamento otimizado, existem outros
métodos para otimizar o tratamento1,2,8 O cardiodesfibrilador implantável foi estudado
em pacientes com IC avançada e, como no caso da paciente em questão, na
cardiomiopatia isquêmica, com resultados importantes3.

O estudo MADIT-I30, embora com apenas 196 pacientes, demonstrou menores taxas de
mortalidade por todas as causas e mortalidade cardiovascular em pacientes com FE
<35% que receberam o CDI30, sendo o benefício maior naqueles com FE <25%,
sintomas de IC e QRS >120ms31. O MADIT-II, com 1232 pacientes com FE< 30%,
comparou CDI versus tratamento farmacológico em pacientes com infarto agudo do
miocárdio ocorrido há mais de um mês (e mais de três meses se submetidos à cirurgia
de revascularização miocárdica), evidenciando mortalidade por todas as causas e
morte súbita menores naqueles com CDI x tratamento farmacológico (14,2% x 9,8% e
3,8% x10%, respectivamente), com benefício maior naqueles com QRS >150ms32.

O MUSTT33avaliou 704 pacientes com IC e IAM prévio ocorrido há pelo menos um


mês, também comparando CDI com tratamento farmacológico otimizado, incluindo
antiarrítmicos, e evidenciou em cinco anos menor morte por todas as causas (24% x
55%) e morte súbita abortada (9% x 37%)33.

Outros estudos evidenciaram o benefício não somente das terapias de TRC e CDI
isoladamente, mas o benefício adicional de ambas as terapias no mesmo paciente,
desde que bem selecionado. O estudo COMPANION34 comparou 1520 pacientes com
média de idade de 67 anos, NYHA III ou IV, QRS >120ms, fração de ejeção <35%
(média 21%) e internação por IC no último ano, quanto a tratamento farmacológico
otimizado apenas, o mesmo associado à TRC e o mesmo associado à TRC e CDI34.
Com acompanhamento de um ano houve menor mortalidade e internação hospitalar
naqueles que receberam TRC ou TRC+CDI (12% TRC+CDI; 15% TRC; 19%
tratamento farmacológico), além de melhoras importantes na qualidade de vida, nos
sintomas e na pressão arterial sistólica. Esses benefícios ocorreram apenas em oito
meses de acompanhamento naqueles que só receberam TRC e imediatamente naqueles
que receberam TRC e CDI34. Além disso, houve uma tendência significativa de menor
mortalidade naqueles com TRC e CDI, se comparados aos que receberam só TRC em
pacientes CF III e IV da NYHA35.

Os estudos REVERSE35 e MADIT-CRT36 também reforçaram essa tendência, com


reduções maiores na mortalidade e risco de hospitalização naqueles com ambas as
terapias, se comparadas apenas à TRC28.

O estudo RAFT37, com 1798 pacientes, dos quais 2/3 tinham cardiopatia isquêmica,
avaliou TRC+CDI com CDI isoladamente, encontrando em seguimento médio de 40
meses, menores valores de morte por todas as causas (21% TRC+CDI x 26% CDI),
internação por IC (20% TRC+CDI x 26% CDI) e ambos (35% TRC + CDI x 40%
CDI), reforçando que o tratamento com ambas as estratégias, TRC e CDI juntos, em
pacientes selecionados corretamente é mais benéfico que qualquer um dos dois
isoladamente37.

Em pacientes com classe funcional III da NYHA existem alguns dados conflitantes, uma
vez que no estudo SCD-HeFT38, que avaliou pacientes isquêmicos e não isquêmicos, o
benefício nos pacientes classe III não foi tão evidente38. Já no estudo DEFINITE39 a
análise de subgrupo encontrou um benefício maior nos pacientes classe III da NYHA39
e em análises do MADIT-II32 , em pacientes isquêmicos, o benefício foi semelhante nas
classes II e III da NYHA32. Com base nos dados existentes até então, a CF III é uma das
condições onde há indicação para CDI, conforme várias diretrizes, incluindo a
publicada mais recentemente1 no Brasil.

10. Quais as indicações do uso de CDI segundo as diretrizes brasileiras?

Quadro 2
Prevenção primária de morte súbita em portadores de disfunção ventricular

Fonte: III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica1

A paciente em questão se encontra na classe de recomendação IIa, pois não houve morte
súbita abortada prévia (a prevenção é primária) e possui CF III, IAM há três anos,
fração de ejeção de 19%, tratamento clínico otimizado e sem indicação de
revascularização. Sendo assim seria recomendado a TRC sem o implante de CDI.

As indicações para uso do CDI em prevenção primária e secundária de morte súbita


estão evidenciadas, respectivamente, nos Quadros 2 e 3.

Quadro 3
Prevenção secundária de morte súbita em pacientes com disfunção ventricular:

Fonte: III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica1

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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INSUFICIÊNCIA CARDÍACA REFRATÁRIA

Jacqueline Sampaio dos Santos Miranda


Bruno Santana Bandeira

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 60 anos, hipertensa (HAS), ex-tabagista, portadora de
miocardiopatia isquêmica em fase dilatada, com dois episódios de infartos prévios, em
seguimento ambulatorial de forma regular. Atualmente em classe funcional avançada
(III-IV) com três internações no corrente ano por descompensação hidrópica.

Faz uso regular de carvedilol 50mg/d, enalapril 20mg/d, furosemida 120mg/d,


espironolactona 50mg/d, sinvastatina 20mg/d, hidroclorotiazida 25mg/d e AAS
100mg/d. Atualmente com cansaço para tomar banho, arrumar a casa, dormindo com
dois travesseiros. Procura seu cardiologista assistente, em consultório, prevendo
necessidade de reinternação por piora do cansaço nas últimas 72 horas. Médico
assistente consultou a paciente e a encaminhou para o Instituto Nacional de Cardiologia
(INC) para avaliação de transplante e compensação clínica.
HPP:
IAM anterior em 2007 sem terapia de reperfusão;
Angioplastia de CD com stent convencional em 2008;
HAS/doença diverticular;
CAT em 2010 com stent bem expandido em CD, DA fechada proximal sem enchimento
por colateral e circunflexa com irregularidades.

Exame físico:
Peso =56kg (habitual 54kg); Altura =1,61m; IMC =21,6kg/m2
Eupneica, discretas crepitações em bases, fígado há quadro dedos do rebordo costal
direito sem ascite. Turgência de jugular até ângulo da mandíbula e fixa.
PA =85x55mmHg; FC =62bpm; RCR em 3T (B3 de VE) e SS 3+/6+ em foco mitral.
Edema de MMII ++/6+ até a raiz da coxa

Exames complementares:
Laboratório: Na+:134mEq/L; K+:5,1mEq/L; Ureia =64mg/dL; Creatinina =1,3mg/dL;
Ht =34%; Bilirrubina total =1,3mg/dL; TGO =51U/L; TGP =60U/L.

ECG: Ritmo sinusal, zona inativa de V1 a V6 (anterior); BRE com QRS de120ms.

Ecocardiograma transtorácico: Grave disfunção de ventrículo esquerdo, com extensa


área de acinesia anterior. PSAP =55mmHg; FE (Simpson) =28%; IM moderada por jato
central, IT moderada e válvulas normais.
Avaliação pelo Doppler tecidual não evidenciou dessincronismo inter ou
intraventricular.

Resumindo: O caso trata de mulher jovem, com cardiopatia isquêmica em fase dilatada,
sem possibilidade de revascularização percutânea ou cirúrgica, já plenamente
medicada, com doses maximizadas de fármacos modificadoras de prognóstico e que
mantém classe funcional avançada (III-IV).

O que fazer?
A paciente em questão teve três internações em menos de 12 meses e terá nova
admissão hospitalar por se apresentar novamente congesta em consulta ambulatorial. O
dilema do cardiologista em consultório é definir as terapias adicionais (farmacológicas
e/ou não farmacológicas) que podem ser oferecidas e a indicação de pacientes ao
transplante.
OBJETIVOS

1. Discutir as estratégias farmacológicas em pacientes com IC refratária.


2. Identificar medidas não farmacológicas que visam à melhora de qualidade de
vida na IC refratária (uma visão multidisciplinar).
3. Analisar a estratificação de gravidade para avaliação de transplante
cardíaco.
4. Avaliar a importância dos cuidados paliativos.

PERGUNTAS
1. O que mais oferecer, a nível medicamentoso, para pacientes com terapia
"clássica" otimizada e ainda sintomáticos?

A paciente já faz uso de betabloqueador, inibidor de enzima conversora (IECA) e


espironolactona em doses adequadas, drogas essas modificadoras de mortalidade1.
Uma opção seria o acréscimo de nitrato e hidralazina, como demonstrado no estudo A-
HEFT2, para uma maximização vasodilatadora, com o objetivo de melhora sintomática
e reduzir reinternação e mortalidade.

A associação de bloqueadores de angiotensina (BRA) com IECA foi testada nos


estudos CHARM Added3 e VAL-HEFT4 também com redução de mortalidade e melhora
de sintomas. Deve-se tentar vasodilatação adicional em pacientes com PAS entre 80-
100mmHg desde que não haja hipotensão postural ou sintomas de baixo fluxo.

A principal ferramenta para alívio dos sintomas são os diuréticos, e um dos grandes
receios na sua utilização é a piora da função renal; entretanto sabe-se que a sobrecarga
volêmica sistêmica com ascite e congestão esplâncnica é um dos fatores responsáveis
pelo aumento das escórias nitrogenadas, relacionada a aumento de pressão em veias
renais, dito como "tamponamento renal". Paradoxalmente ocorre significativa melhora
da função renal após terapia diurética em elevadas doses5.

O bloqueio sequencial do néfron com a associação de diuréticos tiazídicos à


furosemida torna-se imperativo nos pacientes com resistência à furosemida, caso o
clearence de creatinina seja >30ml/min e não haja hiponatremia acentuada6. Essa
estratégia já está sendo feita pela paciente, não devendo habitualmente ser utilizado
doses maiores que 25mg de hidroclorotiazida nessa associação.

Recentemente testada, a droga tolvaptan, um antagonista da vasopressina com efeitos


aquaréticos sem perda de sódio, demonstrou melhora rápida do paciente durante
descompensação e reversão da hiponatremia. Seu uso prolongado, no entanto, não
demonstrou evitar reinternações7.

A ivabradina, que age reduzindo unicamente a frequência cardíaca pela inibição


seletiva e específica da corrente marca-passo If, foi recentemente testada no cenário da
IC (SHIFT8) como terapia adicional em pacientes exclusivamente em ritmo sinusal que,
apesar do uso de betabloqueador, mantinham a frequência cardíaca >70bpm ou que
apresentavam contraindicação ao uso do beta. Apesar de críticas à sua metodologia, o
estudo mostrou benefício em termos de mortalidade e abre uma perspectiva segura para
os intolerantes ao betabloqueador (asma) ou aqueles ainda taquicárdicos apesar do uso
do fármaco.

A paciente em questão apresenta frequência cardíaca (FC) =62bpm, não havendo nesse
momento evidências sólidas de que a redução mais acentuada da FC (<60bpm) com a
utilização de ivabradina tenha benefício em longo prazo.

A administração intermitente de drogas inotrópicas foi testada em diversas ocasiões,


mas todos esses estudos foram interrompidos precocemente em decorrência do aumento
de mortalidade e morbidade entre os pacientes que usaram a droga9-11. Em pacientes em
estágio final de IC com frequentes reinternações, em que não há outras alternativas
terapêuticas viáveis, o suporte inotrópico intermitente pode ser considerado como
cuidado paliativo em fim de vida, considerando as preferências individuais do
paciente, pontuando para o mesmo os riscos potenciais12.
Mais recentemente, a nesiritida, um BNP sintético recombinante utilizado com sucesso
para tratamento de insuficiência cardíaca congestiva descompensada, foi testada em
infusão intermitente a cada 7 dias ou 14 dias. Os resultados demonstraram que a droga é
segura, mas essa forma de administração não evitou os episódios de descompensação e
reinternação13.

A anemia ferropriva é achado comum em pacientes com insuficiência cardíaca, mas os


testes para detectar a deficiência de ferro, bem como as opções de tratamento não estão
completamente definidas.
Estudos recentes em pacientes com IC indicam que o ferro intravenoso (sulfato ferroso
injetável) pode rapidamente repor os estoques de ferro nos pacientes com anemia por
deficiência de ferro, com consequente aumento dos níveis de hemoglobina e melhora da
capacidade funcional. Dados preliminares de estudos também sugerem que a terapia
com suplementação de ferro intravenoso pode melhorar a capacidade funcional, mesmo
naqueles indivíduos sem anemia14. Os mecanismos responsáveis por esse fato não estão
totalmente esclarecidos, mas podem estar relacionados com efeitos benéficos da
suplementação de ferro na função mitocondrial do músculo esquelético.

2. Como guiar a terapia por avaliação hemodinâmica?

A avaliação clínica de estados congestivos pode ser particularmente difícil em


pacientes crônicos, devido a uma série de adaptações fisiopatológicas que faz com que
as manifestações clínicas de congestão sejam sutis nesses indivíduos, frequentemente
levando à subutilização de diuréticos e vasodilatadores que, por sua vez, contribuem
para o risco de descompensação.

Em pacientes hospitalizados, a utilização do uso do cateter de artéria pulmonar (CAP) é


discutível, já que estudos randomizados não demonstraram benefícios na terapia guiada
pelo CAP15. O uso de CAP pode ser considerado em pacientes com hipervolemia
refratária ou associado à piora da função renal ou à hipotensão, sendo a avaliação do
débito cardíaco e da resistência vascular sistêmica usada para guiar a terapêutica com
diuréticos e inotrópicos.

Em pacientes hospitalizados e ambulatoriais, a avaliação hemodinâmica pelo


ecocardiograma permite estimar a pressão atrial esquerda (PAE) quando realizada
conjuntamente com o fluxo valvar transmitral não tissular (relação E/E’). Outras
informações hemodinâmicas que apresentam correlação satisfatória com dados
invasivos incluem a medida do débito cardíaco, da pressão venosa sistêmica, das
pressões sistólica, diastólica e média de artéria pulmonar e da resistência vascular
pulmonar e sistêmica. Estudo recente sugere que a terapêutica guiada por informações
hemodinâmicas derivadas do ecocardiograma pode resultar em melhor evolução
clínica16.

A cardiografia por bioimpedância transtorácica é uma forma de pletismografia que


utiliza mudanças na impedância elétrica torácica para estimar mudanças no volume
sanguíneo no interior da aorta e mudanças no volume de fluido do tórax. Assim, podem-
se estimar parâmetros hemodinâmicos e o status volêmico. Os trabalhos publicados
com a nova geração de aparelhos mostram que esse método é útil para detectar
precocemente o risco de uma descompensação e para manusear o paciente
hospitalizado com insuficiência cardíaca, auxiliando na escolha da classe
medicamentosa e na titulação das doses de medicações intravenosas.

Um subestudo do ESCAPE trial denominado BIG trial, realizado com pacientes


internados com IC avançada, demonstrou modesta correlação no débito cardíaco por
medida invasiva por Swan-Ganz e pela bioimpedância e fraca correlação entre a PCAP
e TFC (conteúdo de fluido torácico) avaliado pela bioimpedância17.

3. Há espaço para dispositivos?

Outra forma de terapia que mostrou redução de reinternações foi a terapia de


ressincronização cardíaca (TRC), associada ou não ao cardioversor-desfibrilador
implantável. O uso de terapia de ressincronização cardíaca em pacientes com
insuficiência cardíaca congestiva avançada, em ritmo sinusal, portadores de bloqueio
completo do ramo esquerdo (QRS >120ms) e de terapia farmacológica otimizada foi
superior à terapia farmacológica isolada, reduzindo o desfecho combinado mortalidade
e hospitalizações, havendo redução maior quando se associou terapia de
ressincronização cardíaca e cardioversor-desfibrilador implantável.

As recomendações da III Diretriz Brasileira de IC crônica encontram-se no Quadro 1.

Quadro 1
Recomendações da III Diretriz Brasileira de IC crônica1

Como se observa, os pacientes de maior benefício com a terapia de ressincronização


são os portadores de QRS ≥150ms, sendo que os pacientes com QRS entre 120-150ms,
como o caso em questão, também são candidatos à TRC desde que tenham critérios de
dessincronismo ao ecocardiograma, fato este não encontrado no caso.
Os dispositivos de assistência ventricular estão citados em capítulo específico do livro.

4. Como garantir que as medidas não farmacológicas sejam cumpridas?

Nessa fase avançada de doença, pequenas alterações dietéticas ou falhas de adesão aos
fármacos (ex: omissão de doses) podem se causadores de descompensação e,
consequentemente, de internação. É importante pactuar algumas metas e despender
tempo verificando o real entendimento e aderência às medidas.

São orientações fundamentais para os pacientes com IC avançada:


Restrição hídrica (800-1000ml/d) e salina (2g/dia)1.
Monitorização diária do peso (em jejum após primeira micção). Em caso de
aumento no peso >1,5kg, o paciente deverá ser orientado a aumentar a dose
de furosemida ou associar tiazídico.
Evitar as seguintes drogas: AINH, glitazonas, bloqueadores dos canais de
cálcio, corticoides1.
Suplementação nutricional para os pacientes com suporte calórico
inadequado ou nos casos de caquexia cardíaca1.

Abstinência total de álcool nos casos de miocardiopatia alcoólica1.

Abstinência total do uso de drogas ilícitas1.

Redução de peso para os pacientes com obesidade ou sobrepeso1.


Vacinação contra influenza anualmente e contra pneumococo a cada cinco
anos1.
Investigação de síndrome apneia-hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS)
deve ser realizada com polissonografia respiratória em pacientes com
história sugestiva de apneia do sono (roncos, sonolência e/ou irritabilidade
diurna). Estudos em pacientes com SAHOS demonstraram que o CPAP pode
reduzir a pré e pós-carga do VE, aumentar o volume de ejeção e reduzir a
atividade simpática. Também observado melhora da fração de ejeção,
redução da regurgitação mitral e BNP, bem como melhora da capacidade
funcional e qualidade de vida18.
Acompanhamento com equipe multidisciplinar com agendamento periódico
de consultas1.
Em pacientes CF III ou menor e estáveis, é recomendado estimulação de
exercícios, preferencialmente sob forma de programas de reabilitação
cardíaca.
Paciente com IC avançada deve ser abordado sobre seu desejo de cuidados
de ressuscitação, e sua vontade deve ser relatada em prontuário médico por
ocasião da internação hospitalar.

5. Quando indicar o transplante?

O tratamento da IC evoluiu bastante nas últimas décadas, mas a despeito da otimização


terapêutica, muitos casos infelizmente, tornam-se refratários e a substituição do órgão
deve ser considerada.

Enquanto a mortalidade nessa fase da doença é bastante elevada, nos indivíduos


transplantados a sobrevida após o primeiro ano de transplante é cerca de 81%, 69% em
cinco anos, chegando a uma média global de 10 anos.

Exceto em centros especializados, a presença desses pacientes nos consultórios é


incomum e, em geral, para o cardiologista clínico pode ser um desfio tomar a decisão
pelo transplante. Contudo alguns pontos são importantes para uma boa indicação: deve-
se estar atento aos pacientes em classe funcional avançada (classe IV permanente ou
classe III intercalando com classe IV), altamente sintomáticos, limitados, com múltiplas
internações apesar de um tratamento otimizado. Em muitos casos há dificuldade de
manutenção dos fármacos em doses máximas, face à hipotensão e piora da perfusão
esplâncnica, conferindo muitas vezes em elevação das escórias e distúrbio hepático. A
faixa etária pode ser variada em diversos protocolos e, portanto, deve ser visto caso a
caso. Por ex. o protocolo do INC em geral inclui pacientes até 65 anos.

Um valioso instrumento de estratificação de risco na IC refratária, principalmente em


pacientes ambulatoriais, é o teste de esforço cardiopulmonar. O exame além de indicar
parâmetros de gravidade que levarão ao transplante, tem o papel de objetivar a real
gravidade, pois muitas vezes apenas a quantificação clínica pela classe funcional não é
suficiente. Os pacientes com VO2 max 14-10ml/kg/min têm indicação de transplante
(Quadro 2) com alta mortalidade (50% em um ano) e aqueles com VO2 max
≤10ml/kg/min, portanto, indicação classe I pelas diretrizes internacionais e nacional.
Apesar de a maior indicação de transplante ser a IC refratária, outras indicações devem
ser lembradas, tais como19:

Isquemia refratária sem proposta de revascularização


Arritmia ventricular refratária à terapia farmacológica, CDI e/ou cirurgia
Presença de tumores cardíacos (raro)

Quadro 2
Indicação de transplante cardíaco

Fonte: II Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco19

Contraindicação para transplante:


Muitas das contraindicações ao procedimento estão no sistema imunológico e órgãos
que sofrem com o baixo débito crônico, dentre esses: rim, fígado e pulmão merecem
atenção especial. Sinais de hipertensão pulmonar ao ecocardiograma, elevação
transitória da função renal e elevação de bilirrubina e tempo de atividade de
protrombina são marcadores de preocupação. O diabetes controlado e o clearence de
creatinina até 30ml/min não são contraindicação absoluta, mas já apontam para casos
de pior resultado ao procedimento19.

Os protocolos são variados e, antes de se descartar a opção do transplante, o médico


deve encaminhar o paciente a um centro específico para transplantes. Algumas
contraindicações absolutas foram definidas na última Diretriz Brasileira de
Transplante, publicada em 2009, e merecem atenção especial19 (Quadro 3).
Quadro 3
Contraindicações para transplante cardíaco19

O sistema imunológico é um capítulo à parte. Para que um receptor em potencial possa


iniciar o processo de seleção deve ter um organismo não imunizado previamente
(Painel de reatividade autoimune/PRA), e isso pode acontecer tanto por fatores naturais
(ex: mulheres com gestação prévia) como por fatores externos (ex: exposição a
hemoderivados); logo, é de suma importância evitar transfusões em possíveis
candidatos ao transplante.

Os pacientes que não possuam contraindicação absoluta e tenham o PRA adequado


seguirão um check list de abordagem multiprofissional, passando pelo teste de
reatividade pulmonar, que visa à listagem em fila única no Sistema Nacional de
Transplante (SNT).

A paciente do caso clínico não tinha contraindicação ao transplante e após


compensação realizou ergoespirometria que evidenciou VO2 max 10ml/kg/min, sendo
então finalizado o protocolo e, atualmente, está em fila de transplante no estado do Rio
de Janeiro.

6. O que é cuidado paliativo na IC?

Depois de uma primeira admissão hospitalar por IC, os pacientes têm uma mortalidade
em cinco anos de 75%. Essa taxa é pior do que a maioria das neoplasias, entretanto
muito do que foi aprendido com o tratamento do câncer não está sendo aplicado aos
cuidados de fase final da insuficiência cardíaca. Os pacientes poderiam se beneficiar
de cuidados paliativos e infelizmente o conhecimento sobre esses cuidados ainda não é
universalmente praticado pelos cardiologistas20.

Bonacina et al.21 referem que a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2002,


redefiniu o conceito de cuidados paliativos como “uma abordagem que visa a melhorar
a qualidade de vida dos doentes que enfrentam problemas decorrentes de uma doença
incurável com prognóstico limitado e/ou doença grave (que ameaça a vida) e de suas
famílias, através da prevenção e do alívio do sofrimento, com recurso à identificação
precoce, avaliação adequada e tratamento rigoroso dos problemas, não só físicos como
a dor, mas também dos psicossociais e espirituais”21. Dados ingleses mostram que
aproximadamente 40% dos pacientes que morrem em decorrência de câncer recebem
cuidados paliativos, comparado a apenas 4% dos pacientes com insuficiência
cardíaca22.

Os cuidados paliativos devem ser empregados durante todo o continuum da doença e


envolve questões de necessidades físicas, intelectuais, emocionais, sociais e
espirituais, visando a facilitar a autonomia dos pacientes. Assim, os cuidados
paliativos expandem as metas médicas tradicionais de cura das doenças e
prolongamento da vida, para enfatizar os objetivos de redução da carga de sintomas e
melhora da qualidade de vida. É fundamental reconhecer que os cuidados paliativos
não são só cuidados ao fim da vida, mas devem ser simultâneos com o tratamento de
prolongamento da vida assim que for diagnosticada uma doença sem perspectiva de
cura.

Nos pacientes refratários, cuja perspectiva de transplante cardíaco não é possível,


cuidados paliativos devem ser introduzidos:

Comunicação: Fale com o paciente, passe algum tempo sem pressa


descobrindo o que ele sabe e pensa, quebre as barreiras entre você e seus
pacientes. Discuta de forma honesta o prognóstico e opções de tratamento.
Muitos pacientes manifestam a vontade de falecer em seu próprio domicílio,
e esse aspecto deve ser conversado com o paciente e sua família23,24.
Oxigenoterapia domiciliar: Nos pacientes em classe funcional IV fixa é uma
medida para aliviar os sintomas decorrentes da congestão refratária25,26.
Depressão: Pode ocorrer em cerca de 1/3 dos pacientes e é muitas vezes
negligenciada, devendo ser adequadamente tratada evitando os
antidepressivos tricíclicos.
Abordagem da dor e conforto: É muito comum em fases terminais,
especialmente pelo estiramento da cápsula hepática, devendo ser tratada com
analgésicos e derivados de morfina, devendo ser evitado os AINH. A
utilização de morfina reduz o desconforto respiratório relacionado aos
estados congestivos e tem ação farmacológica na redução da pré-carga do
VE27.
Alimentação: Náuseas e redução do apetite são problemas comuns e podem
resultar em agravamento da desnutrição, maximizados por restrições
dietéticas, fadiga, dispneia, ansiedade e tristeza. Refeições fracionadas e em
pequenas quantidades, de fácil digestão e saborosas, é parte fundamental do
cuidado paliativo. Antiemético comumente utilizado por oncologistas, a
ondansetrona sublingual (flash) é uma excelente opção. Para os pacientes que
fazem uso crônico, o álcool pode ser um meio muito útil para aumentar o
apetite, aumentando o aporte calórico, e melhorando o humor geral e a
autoestima28.
Hábito intestinal: Constipação é um dos sintomas que mais incomodam
pacientes em fim de vida, devendo-se ter cuidado especial, sendo
frequentemente necessários laxativos regulares como a lactulose.

A condução dos pacientes com insuficiência cardíaca refratária/terminal é uma missão


difícil, especialmente pelas múltiplas internações vividas nessa fase da doença, com
prejuízo da qualidade de vida, além do pouco a acrescentar em termos de medicação.
As restrições tornam-se muitas e o interesse pela vida pode até ser questionado.

O transplante é uma realidade no estado do Rio de Janeiro, e o número de


procedimentos tem aumentado especialmente nos últimos anos, mas é uma saída para
poucos.

Considerar essas limitações e estar preparado para cuidados paliativos é muito


importante; refletir sobre as necessidades dos doentes e sempre tentar oferecer o
melhor, visando sempre à qualidade de vida, quando já não é possível a cura. Pacientes
com insuficiência cardíaca estão cada vez mais presentes em consultórios médicos,
principalmente devido ao envelhecimento da população e avanço da medicina,
principalmente na área cardiológica. Acreditar e providenciar cuidados paliativos a
essa clientela é mais que uma opção de tratamento, é dever com a sociedade atual.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.


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INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM FRAÇÃO
DE EJEÇÃO NORMAL

Evandro Tinoco Mesquita


Antonio José Lagoeiro Jorge

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 72 anos, em tratamento para hipertensão arterial e diabetes com
captopril, hidroclorotiazida e metformina, com queixas de cansaço progressivo aos
esforços que vem se acentuando nos últimos seis meses. Encaminhada da atenção
básica para parecer do cardiologista.
PA =148x92mmHg; FC =88bpm; Peso =83,20kg; Altura =1,58m; Cintura abdominal
=112cm; IMC =33,3kg/m2.
Sem turgência de jugulares.
AC RR em 3t c/ b4; pulmões limpos; sem edemas em MSIS
Hemoglobina =12,2g/dL; Glicose =110g/dL; Hemoglobina glicada =6,2%, Creatinina
=1,12mg/dL; TFG =59,63mL/min
ECG: Ritmo sinusal sugere crescimento do átrio esquerdo.
OBJETIVOS
1. Discutir as novas ferramentas para o diagnóstico e exclusão de ICFEN.
2. Descrever o fenótipo clínico e os aspectos epidemiológicos da ICFEN no
ambulatório.
3. Identificar medidas farmacológicas e não farmacológicas que visam à
prevenção e ao tratamento da ICFEN.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar a causa dos sintomas?

Os médicos de família são responsáveis pelo atendimento primário de quase 2/3 da


população brasileira, e sua interação com os cardiologistas será cada vez mais
determinante para o enfrentamento das doenças cardiovasculares.

Hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade e envelhecimento são fatores de risco


associados à insuficiência cardíaca com fração de ejeção normal (ICFEN) que é mais
prevalente em pacientes do sexo feminino, caracterizando assim o fenótipo clínico da
ICFEN1.

Moutinho et al.2 ao estudarem pacientes com sinais clínicos de IC na atenção básica


mostraram que a ICFEN era responsável por mais de 60% dos casos de IC e excluíram
a presença de IC em cerca de 25% dos pacientes, utilizando a avaliação
ecocardiográfica. Outras condições clínicas podem cursar com dispneia em pacientes
idosos como doença pulmonar obstrutiva crônica, hipotireoidismo, anemia, doença
renal crônica, sedentarismo, obesidade e depressão, o que torna o diagnóstico de
ICFEN um processo desafiador no ambulatório3.

O uso crônico de diuréticos em pacientes com hipertensão arterial pode ser um dos
fatores que contribui para a ausência de estado congestivo na maioria dos pacientes
com ICFEN, sendo fundamental a utilização de métodos complementares que confirmem
o diagnóstico, como o ecocardiograma com Doppler tecidual e dosagem de
biomarcadores3.
Pacientes portadores de hipertensão arterial e diabetes encontram-se em estágio A para
desenvolver insuficiência cardíaca (IC). A evolução para o estágio B, ainda
assintomático, ocorre com o desenvolvimento de alterações estruturais e funcionais da
função sistólica e/ou diastólica, e o aparecimento de sintomas caracteriza o início do
estágio C.

Cansaço progressivo aos esforços é a manifestação inicial mais comum de IC tanto na


forma com fração de ejeção reduzida (ICFER) como naquela com fração de ejeção
normal (ICFEN), porém sinais ou sintomas de IC têm baixa especificidade e
sensibilidade para confirmar o diagnóstico4.

2. Como confirmar o diagnóstico?

O diagnóstico de ICFEN é feito em pacientes que apresentam sinais ou sintomas de IC


com fração de ejeção normal pelo ecocardiograma. Documento publicado em 2007 pela
Sociedade Europeia de Cardiologia3 estabeleceu três condições para confirmar o
diagnóstico de ICFEN: a presença de sinais ou sintomas de IC, fração de ejeção do VE
>50% e volume diastólico final do VE <97mL/m2 e evidências de disfunção diastólica
(Figura 1).

Disfunção diastólica pode ser caracterizada de modo invasivo ou não invasivo. O


ecocardiograma com Doppler tecidual (EDT) é a ferramenta utilizada para caracterizar
a disfunção diastólica de modo não invasivo. A presença de pressões de enchimento
elevada do VE, que ao EDT é caracterizada pela relação E/E’ >15, confirma o
diagnóstico de ICFEN. Uma relação E/E’ entre 8 e 15 necessita ser implementada com
outras medidas como a relação E/A, que mede a relação entre o fluxo mitral no início
da diástole com o fluxo mitral no final da diástole, combinada com o tempo de
desaceleração da onda E, relação E/A (E/A<0,5, com TD>280m/s), medida da massa
do VE indexada para mulheres >122g/m2 ou 149g/m2 para homens, a medida da volume
do átrio esquerdo >40mL/m2. Além disso, em pacientes com E/E’ entre 8 e 15 o
eletrocardiograma com fibrilação atrial também confirma ICFEN3.

Além dos critérios ecocardiográficos e eletrocardiográficos também se pode utilizar a


dosagem de peptídeo natriurético tipo B >200pg/mL em pacientes com relação E/E’
entre 8 e 15 3.

Os critérios da ESC apresentam limitações, como requer um E/E’ >8, e podem excluir
pacientes que apresentam pressões de enchimento normais em repouso, mas que se
tornam elevadas com o exercício.

Os critérios para diagnóstico de ICFEN utilizados pela ESC foram incorporados à III
Diretriz Brasileira de IC crônica, disponível neste link.

Figura 1
Como diagnosticar e excluir ICFEN: fluxograma adaptado

E=velocidade precoce do fluxo pela válvula mitral; E’=velocidade de estiramento no início da diástole; NT-proBNP=N-
terminal pro BNP; BNP=peptídeo natriurético tipo B; E/A=índice de velocidade fluxo mitral inicial e tardio; DT=tempo
de desaceleração da onda E; VAE-I=volume de átrio esquerdo indexado; massa VE-I=massa de ventrículo esquerdo
indexada; Ard=duração do fluxo reverso da sístole atrial para veia pulmonar; Ad=duração do fluxo atrial pela válvula
mitral; FEVE=fração de ejeção do ventrículo esquerdo; VDF-I=volume diastólico final do ventrículo esquerdo
indexado; Eco=ecocardiograma com Doppler; EDT=ecoDoppler tecidual; ECG=eletrocardiograma; FA – fibrilação
atrial
Fonte: adaptado da European Society of Cardiology (Paulus et al.3)

3. Qual o mecanismo fisiopatológico que explica o cansaço progressivo nesses


pacientes com FEVE normal?

A diástole é determinada por dois fatores: o processo de relaxamento miocárdico, que é


um processo ativo com alto consumo de energia e que promove a sucção ventricular, e a
distensibilidade do VE que é um processo passivo5.
A perda do relaxamento e a rigidez do VE devido a alterações estruturais com a
hipertrofia do VE (HVE) ou funcionais (isquemia) causam piora do enchimento do VE
que leva ao aumento nas pressões diastólicas do VE, das pressões em átrio esquerdo e
do sistema venoso pulmonar. O efeito inicial dessas mudanças é a inversão do padrão
de enchimento do VE que passa a ocorrer principalmente no final da diástole, devido à
dependência da contração atrial. Com a perda total do relaxamento o sangue deixa de
ser puxado do átrio para o ventrículo (mecanismo de sucção) e passa a ser empurrado
devido ao aumento progressivo das pressões do átrio esquerdo levando ao padrão
pseudonormal e restritivo observados na medida do fluxo transmitral5.

Fatores extracardíacos como sobrecarga de volume e rigidez vascular também parecem


desempenhar papel importante na gênese da ICFEN6.

A presença de sinais ou sintomas de IC, FEVE >50% associada a anormalidades tanto


do relaxamento ativo do VE e da rigidez do VE, leva ao aumento da pressão diastólica
final do VE após pequenas mudanças no volume diastólico final do VE, que irá causar
dispneia após esforço físico.

4. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas a


ICFEN?

A disfunção diastólica em pacientes com ICFEN geralmente ocorre devido à hipertrofia


do miócito, acúmulo de colágeno e alterações do transporte de cálcio intracelular que
podem ser consequência do envelhecimento cardíaco e serem aceleradas pela presença
de comorbidades tais como: hipertensão arterial, diabetes, obesidade, síndrome
metabólica, fibrilação atrial, doença renal crônica, anemia, doença isquêmica e
hipotireoidismo7.

Dados mostram que pacientes ambulatoriais com ICFEN são mais idosos, com
predomínio do sexo feminino, e apresentam maior prevalência de comorbidades como
diabetes, anemia, doença renal crônica e fibrilação atrial em relação a pacientes sem
ICFEN1,7,8.

5. Qual o prognóstico do paciente com ICFEN?

Existe uma grande heterogeneidade para o prognóstico de ICFEN. Em meta-análise de


Framingham a mortalidade variou de 1,3% a 17,5%; essa grande variabilidade
dependeu de vários fatores incluindo o modo para diagnosticar ICFEN9.

Owan et al.1 estudaram as taxas de sobrevida de pacientes com IC. Foram


acompanhados 4594 pacientes após a primeira internação, em média por 10 anos, tendo
ocorrido 3691 mortes nesse período. A sobrevida foi maior em pacientes com ICFEN
do que naqueles com ICFER, porém a diferença foi pequena. As taxas de mortalidade
em um ano foram 29% para ICFEN e 32% para ICFER; em cinco anos a mortalidade
ICFEN alcançou 65% e 68%, respectivamente. O Framingham Off Spring10 observou
uma mortalidade de 68% para ICFEN e 82% para ICFER em cinco anos, sendo essa
mortalidade quatro vezes maior do que em indivíduos sem IC10.

Na comunidade, pacientes com IC apresentam alta mortalidade independente dos


valores da FEVE e a incidência de morte não cardiovascular é elevada nesses
pacientes. Indivíduos com ICFEN têm menos morte cardiovascular do que pacientes
com ICFER, e a proporção de morte não cardiovascular vem aumentando ao longo do
tempo em pacientes com ICFEN11.

6. Quando estaria indicada a realização do ecocardiograma de estresse em


pacientes com dispneia aos esforços?

A história natural da ICFEN não é ainda bem compreendida porque a maioria dos
estudos se concentrou na progressão da doença após um evento, em geral uma
internação hospitalar por descompensação aguda de IC com sobrecarga de volume.
Muitos pacientes com ICFEN descompensada relatam uma história prévia crônica:
dispneia crônica ao esforço ou intolerância ao exercício não valorizada durante a
consulta médica. Então, pacientes em fase inicial de ICFEN não são bem
caracterizados.

Sintomas de dispneia e intolerância são altamente sensíveis para IC, mas são
inespecíficos e amplamente prevalentes, principalmente em pacientes idosos em que
uma série de comorbidades, diferentes da IC, pode causar ou contribuir para a piora da
capacidade funcional12.

Pacientes com ICFEN podem se apresentar em fase inicial, mais branda da doença,
caracterizada por sintomas de esforço, na ausência de sobrecarga de volume. Esse
grupo pode então não atender aos atuais critérios de diagnóstico baseados em avaliação
hemodinâmica em repouso, e irão desenvolver alterações hemodinâmicas típicas de IC
apenas durante o estresse ao exercício12.
Borlaug et al.12 estudaram 55 pacientes que apresentavam dispneia inexplicável, com
níveis normais de BNP, FEVE >50% e avaliação hemodinâmica normal em repouso.
Pacientes foram submetidos ao exercício e a pressão capilar pulmonar (PCP) foi
utilizada para classificar os pacientes com ICFEN (PCP>25mmHg) ou com dispneia
não cardíaca (PCP<25mmHg). ICFEN foi confirmada em 32 pacientes e estava
associada com aumento da frequência cardíaca, da vasodilatação sistêmica e do débito
cardíaco. Hipertensão pulmonar estava presente em 88% dos pacientes com ICFEN.
PCP no exercício e pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP) estavam altamente
correlacionados e uma PSAP ≥45mmHg identificou pacientes com ICFEN, com
sensibilidade de 96% e especificidade de 95%.

Portanto pacientes ambulatoriais euvolêmicos com dispneia de esforço, BNP normal e


avaliação hemodinâmica em repouso normal podem ter respostas hemodinâmicas
alteradas durante o exercício, sugerindo que os sintomas crônicos estejam relacionados
à insuficiência cardíaca. O diagnóstico precoce e mais acurado da ICFEN, utilizando o
ecocardiograma de esforço, pode permitir melhor direcionamento de intervenções para
tratar e prevenir a sua progressão.

7. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos robustos


(morte e internação) em ICFEN?

Diferente da ICFER, em que grandes estudos têm comprovado a eficácia de


medicamentos em melhorar a morbidade e mortalidade, nenhum estudo de tratamento
mostrou resultados definitivos em pacientes com ICFEN13.

As metas de tratamento da ICFEN são semelhantes àquelas da ICFER, objetivando


melhorar a qualidade de vida com melhora dos sintomas, aumento da tolerância ao
exercício, redução das internações hospitalares e o aumento da sobrevida (Figura 2).

As Diretrizes mais recentes da Sociedade Brasileira de Cardiologia14 e da Sociedade


Europeia de Cardiologia3 para o diagnóstico e tratamento da IC fazem referência à
ICFEN, porém as recomendações para o tratamento são especulativas pela limitação de
dados disponíveis.

A escolha do medicamento na ICFEN, de acordo com a diretriz da ACA/AHA, está


fundamentada em evidências para quatro pontos-chave:
1. Controle da hipertensão sistólica e diastólica;
2. Controle da resposta ventricular em pacientes com fibrilação atrial;
3. Controle da congestão pulmonar e edema periférico com diuréticos;
4. Revascularização coronariana em pacientes com DAC nos quais a isquemia
tem um efeito adverso na função diastólica.

Portanto o tratamento da ICFEN ainda é empírico, sendo as recomendações embasadas


em resultados de pequenos estudos clínicos, experiência pessoal e no controle das
comorbidades que se relacionam com a ICFEN13.

Com exceção do Estudo CHARM-preserved,15 I-PRESERVE,16 SENIORS,17 PEP-


CHF18 e o Estudo DIG19 nenhum grande estudo, randomizado, duplo-cego, placebo
controlado se encontra disponível para o cuidado de pacientes com ICFEN.

Novas opções terapêuticas têm sido propostas no controle dos pacientes com ICFEN,
como o emprego de um programa de treinamento para melhora da qualidade de vida e
da capacidade de realizar exercício, observando-se redução do E/E’, do volume do
átrio esquerdo e melhora da qualidade de vida em pacientes sob treinamento em
relação ao grupo-controle14.

O uso de ranolazina, um agente anti-isquêmico que inibe de modo seletivo o fluxo de


sódio tardio (INa-late) nos cardiomiócitos, em pacientes com ICFEN pode ser de
particular importância pois já foi demonstrado que estes pacientes têm aumento do INa-
late o que promove um acúmulo de sódio nos cardiomiócitos que piora o relaxamento
ventricular levando à disfunção diastólica. O medicamento será avaliado através de um
estudo randomizado (RALI-DHF) placebo controlado. O estudo RALI-DHF foi
idealizado como um estudo de translação para fazer a ponte entre a ciência básica e a
terapêutica e para determinar se ranolazina, em comparação com placebo, será mais
eficaz na melhora da função diastólica em pacientes com ICFEN20.
Figura 2
Algoritmo de tratamento da ICFEN
IECA=inibidores da enzima conversora da angiotensina; BRA=loqueadores dos receptores de angiotensina;
BCC=bloqueadores do canal de cálcio; BB=betabloqueadores; VE=entrículo esquerdo; FC=frequência cardíaca;
MP=marca-passo; IRC=insuficiência renal crônica; DPOC=doença pulmonar obstrutiva crônica; DAC=doença
arterial coronariana

8. O tratamento de comorbidades em ICFEN pode ajudar no controle da evolução


da síndrome?
A prevalência das comorbidades que estão associadas à ICFEN e o papel
desempenhado por cada uma delas no prognóstico é uma etapa crítica para o
desenvolvimento de futuras intervenções terapêuticas direcionadas ao seu efetivo
controle.

9. Existe alguma estratégia para prevenção de ICFEN?

Estudos epidemiológicos demonstram que hipertensão arterial é principal fator de risco


para desenvolver ICFEN1,4. O estudo ALLHAT21 ofereceu uma oportunidade única para
avaliar o benefício relativo de vários esquemas anti-hipertensivos na prevenção da
ocorrência de IC em população de hipertensos com alto risco para desenvoler IC.

O ALLHAT avaliou 42418 pacientes portadores de hipertensão arterial e tratados com


clortalidona, amlodipina, lisinopril e doxazosina. Nesse estudo a clortalidona foi
superior a lisinopril e amlodipina na prevençãod de IC no primeiro ano de seguimento,
com uma redução de 50% na incidência de IC21.

Meta-análises de estudos placebos controlados têm mostrado que a terapia ativa da


hipertensão arterial pode prevenir >40% da ocorrência de IC e muitos desses estudos
utilizaram diuréticos e/ou betabloqueadores como agentes terapêuticos22.

Os resultados do ALLHAT são consistentes com muitos outros estudos que mostram que
diuréticos são superiores a bloqueadores de canal de cálcio e inibidores da enzima
conversora da angiotensina na prevenção de IC em pacientes de alto risco com
hipertensão21.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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Seção 18. Miocardiopatias

Cardiomiopatia Dilatada
Cardiomiopatia Hipertrófica
Cardiomiopatia Restritiva
Miocardites
Cardiomiopatia Chagásica
Cardiomiopatia de Takotsubo
Miocárdio Não Compactado Isolado
CARDIOMIOPATIA DILATADA

João Manoel de Almeida Pedroso


Paolo Blanco Villela

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, negra, 36 anos, comparece à consulta queixando-se de dispneia e
fadiga aos mínimos esforços. Previamente hígida, iniciou quadro há aproximadamente
seis meses, com dispneia progressiva e limitação funcional às atividades cotidianas.
Dorme com dois travesseiros e por vezes apresenta dispneia paroxística noturna.
Gestação sem intercorrências há quatro anos. Etilista social, nega tabagismo e uso de
drogas ilícitas. História familiar negativa para doenças cardiovasculares. Nega quadro
viral atual ou pregresso no último ano. Desconhece doenças crônicas. Nega uso crônico
de medicações.

Ao exame: eupneica em repouso, corada.


PA =90/60mmHg; FC =102bpm; FR =18irpm; Peso =60kg; Altura =1,60m
Sem turgência jugular patológica.
ACV: RCR B3 VE SS foco mitral (+/6+) com irradiação para axila
AR: MVUA sem RA
Abdome flácido, peristáltico, indolor, sem massas palpáveis.
MMII sem edema.

Hemograma, bioquímica e função tireoidiana normais.


ECG: apresenta ritmo sinusal com bloqueio completo do ramo esquerdo.
Ecocardiograma: mostra VEd =70mm; VEs =58mm; S =09; PP =09; FE (Simpson) 33%.
Disfunção sistólica moderada a grave de ventrículo esquerdo. Disfunção diastólica grau
III. IM leve funcional. Hipocinesia difusa mais acentuada em septo basal. PSAP
=35mmHg; VD normal.

OBJETIVOS
1. Analisar as ferramentas utilizadas na abordagem do paciente com
cardiomiopatia dilatada (CMPD) visando ao diagnóstico etiológico.
2. Discutir as medidas farmacológicas e não farmacológicas no tratamento da
CMPD.

PERGUNTAS
1. Quais são as hipóteses diagnósticas para o caso relatado?

O caso descreve paciente com diagnóstico clínico de insuficiência cardíaca com


disfunção sistólica de ventrículo esquerdo (VE), e o diagnóstico sindrômico de
insuficiência cardíaca (IC) pôde ser estabelecido através da anamnese, do exame físico
e dos exames complementares.

Entre as etiologias possíveis estão: doença isquêmica, cardiopatia hipertensiva, doença


de Chagas, exposição a agentes citotóxicos, miocardites virais (HIV, parvovirus B19,
coxackie, influenza, adenovírus), toxinas (álcool, cocaína), doenças endócrinas
(doenças tireoidianas, feocromocitoma), doenças infiltrativas (sarcoidose, amiloidose),
cardiomiopatia periparto, além da cardiomiopatia dilatada idiopática, a qual pode
representar até 50% dos casos em algumas séries, e caracterizada após a exclusão das
demais causas1.

2. Como confirmar o diagnóstico?


A história clínica bem conduzida é o primeiro passo na investigação etiológica da
CMPD e, a partir da suspeita clínica, os exames complementares deverão ser
solicitados, atendendo às peculiaridades de cada condição elencada como fator causal.

Os pacientes devem ser arguidos quanto ao início dos sintomas e sua progressão,
associação com dor torácica, síncope, palpitações ou qualquer outro sintoma
cardiovascular.

Na história patológica pregressa, a identificação de quadro de infecção viral nos


últimos dois ou três meses, usualmente das vias aéreas superiores, ou infecção
conhecida pelo HIV associada à elevada carga viral, levantam a hipótese de miocardite
viral. História de angina pectoris, infarto prévio ou doença coronariana conhecida
apontam para provável evolução da doença isquêmica para cardiopatia dilatada. Em
pacientes portadores de doenças infiltrativas sistêmicas como a sarcoidose, pode haver
acometimento cardíaco simultâneo, promovendo dilatação ventricular, embora
usualmente nesses casos, o acometimento miocárdico se manifeste através de arritmias
ventriculares ou supraventriculares, além das manifestações sistêmicas da
enfermidade2. Antraciclínicos, como a doxorrubicina, utilizados no tratamento de
neoplasias de mama e linfoma, são cardiotóxicos e podem levar a comprometimento
cardíaco agudo e crônico, sendo esse efeito fortemente relacionado à dose total
aplicada3.

O diagnóstico de cardiomiopatia periparto deve ser suspeitado caso a paciente


apresente sinais e sintomas compatíveis com insuficiência cardíaca no último trimestre
de gestação ou em até cinco meses de puerpério e tenha história de mais de uma
gravidez, obesidade e idade superior a 30 anos, sem haver comprometimento
miocárdico prévio à gestação4.

A história familial é importante, sobretudo porque a CMPD apresenta herança


autossômica dominante, embora outros tipos de herança, como a autossômica recessiva,
ligada ao X, e herança ligada à mitocôndria já tenham sido observadas5. Assim, o
questionamento sobre a ocorrência da doença na família deve ser feito. Caso a
abordagem seja feita no caso-índice, parentes de primeiro grau devem ser investigados
para a possibilidade de disfunção ventricular sistólica esquerda assintomática.

Na história social, os hábitos do paciente devem ser exaustivamente questionados,


sobretudo em relação à ingestão de álcool e drogas ilícitas. Não se sabe ao certo o
mecanismo exato de agressão ao miócito, mas nos casos da cardiomiopatia alcoólica,
há ação citotóxica direta do álcool, relacionado à dose diária ingerida (acima de 14g
etanol/dia para mulheres e 28g etanol/dia para homens) e do tempo de exposição ao
agente6. Nos casos de uso de cocaína, múltiplos mecanismos são implicados, incluindo
efeito direto da droga no miocárdio, estados hiperadrenérgicos e miocardite
infecciosa7.

No Brasil, a doença de Chagas ainda é uma importante causa de CMPD e o histórico de


procedência de áreas endêmicas como Minas Gerais, Paraíba e Piauí deve ser
considerado.

Por fim, caso não se identifique uma causa factível para a disfunção ventricular através
de busca de condições associadas CMPD, o diagnóstico recai sobre a forma idiopática.
Importante ressaltar que a etiologia suspeitada deve justificar a disfunção sistólica, e
especialmente em casos de obstruções coronarianas, estas devem ser valorizadas não
somente quanto ao grau de estenose, mas também por sua extensão e localização8.

No caso exposto, a paciente não apresenta fatores de risco para doença coronariana,
não houve exposição a agentes cardiotóxicos, não há relato de intercorrências na
gravidez e puerpério, tampouco relação com infecção viral prévia, casos semelhantes
na família ou uso de drogas ilícitas. Assim sendo, há forte suspeita de CMPD
idiopática.

Os exames complementares são úteis não somente para a confirmação da dilatação


ventricular suspeitada ao exame clínico, como também para a elucidação do
diagnóstico etiológico e para a avaliação do prognóstico.

O eletrocardiograma pode mostrar aumento na amplitude do QRS nas derivações


esquerdas e ondas S profundas nas precordiais direitas, além de alterações da
repolarização ventricular. Pode, entretanto, apresentar baixa voltagem nas derivações
precordiais caso uma etiologia infiltrativa esteja presente. O bloqueio de ramo
esquerdo pode estar presente pela própria dilatação ventricular, mas também pela
presença de doença coronariana associada. Inversões simétricas da onda T apontam
para a etiologia isquemia, e o HBAE em associação a BRD completo levantam a
suspeita de etiologia chagásica.

A radiografia de tórax pode evidenciar índice cardiotorácico >0,5 e graus variáveis de


congestão pulmonar; entretanto ao se buscar a etiologia da IC, este método não
apresenta boa acurácia, sendo útil para afastar doenças pulmonares associadas.

O ecocardiograma, além de fornecer dados sobre a função ventricular, a hemodinâmica


cardíaca e os diâmetros da veia cava, auxilia na investigação etiológica, podendo
revelar disfunção segmentar nos casos de doença isquêmica, aneurisma apical com
aspecto em dedo de luva, nos casos de doença de Chagas, lesões em válvulas cardíacas
ou cavidades com aspecto hiper-refringente, como nas doenças infiltrativas.

A ressonância magnética cardíaca pode ser de grande valia na abordagem da etiologia


da cardiomiopatia dilatada. Além de fornecer informações sobre o tamanho da
cavidade ventricular, fração de ejeção do ventrículo esquerdo, visualização de trombos
intracavitários, pode ajudar na detecção de áreas de fibrose transmural ou
subendocárdica, sugerir territórios coronarianos acometidos e demonstrar a presença
de isquemia (sensibilidade de 86-100% e especificidade de 84-92%)9 e viabilidade
miocárdicas. Possui a vantagem de utilizar o gadolínio em lugar do contraste iodado;
entretanto tem a desvantagem de ainda ser um exame de alto custo, pouco acessível no
sistema público de saúde e pouco tolerado pelos pacientes com claustrofobia.

A cintilografia miocárdica pode ser utilizada para avaliação de isquemia e viabilidade


miocárdicas, disfunção ventricular e déficits segmentares. O estresse físico pode ajudar
a determinar o grau de comprometimento funcional do paciente, auxiliar no ajuste
terapêutico e na determinação do prognóstico. Para a aquisição das imagens, não é
utilizado contraste iodado, entretanto, a própria disfunção ventricular pode gerar
imagens com déficits perfusionais segmentares na ausência de doença coronariana
obstrutiva, devido à baixa reserva de fluxo coronariano apresentada pelos pacientes
com CMPD, reduzindo a especificidade do método para a detecção de isquemia
miocárdica para próximo de 45%10.

Angiotomografia de coronárias apresenta elevado valor preditivo negativo na detecção


de obstruções coronarianas >50%, atingindo em algumas séries, especificidade de
99,9%11. Portanto torna-se uma alternativa à coronariografia nos pacientes com baixa
probabilidade de doença coronariana, evitando-se o risco de um exame invasivo.
Apresenta, entretanto, a desvantagem de utilizar contraste iodado, muitas vezes com um
volume próximo ao utilizado em coronariografias.

A coronariografia, por sua vez, ainda é o padrão-ouro para o diagnóstico de doença


coronariana obstrutiva, e deve ser solicitada na presença de isquemia nos testes não
invasivos, ou nos casos de doença coronariana conhecida ou suspeita (dor torácica
associada à dilatação ventricular)12. A ausência de lesões coronarianas ou a presença
de lesões que não justifiquem a disfunção ventricular afastam a doença isquêmica como
etiologia da IC, permitindo que se busque diagnóstico etiológico alternativo.

Não existe superioridade absoluta de um método em relação a outro na abordagem do


paciente com CMPD; o julgamento clínico, baseado na literatura, na experiência
pessoal e, sobretudo, na viabilidade de realizar determinado exame, é que irão
determinar a conduta a ser tomada no esclarecimento da etiologia da CMPD.

3. Qual é o mecanismo fisiopatológico?

A IC é um processo dinâmico e progressivo, em que uma agressão inicial ao miocárdio


é capaz de deflagrar uma cascata de eventos que, inicialmente, mantém a função
cardíaca à custa da elevação das pressões de enchimento e, a longo prazo, participam
diretamente no processo de deterioração da função de bomba do coração.

O evento inicial pode ser agudo, como nos casos de infarto agudo do miocárdio, ou
pode ocorrer ao longo de semanas (miocardites), meses (CMPD periparto), anos
(CMPD idiopática), mas a via final do processo fisiopatológico é comum a todas as
causas, e recai sobre a perda de miócitos funcionantes, reduzindo a massa contrátil do
ventrículo esquerdo ou de ambos os ventrículos.

Essa perda de miócitos, ao reduzir a massa contrátil do VE, promove aumento nas
pressões de enchimento ventriculares, e a consequente ativação de mecanismos
compensatórios visando a restaurar os padrões hemodinâmicos prévios à agressão.
Aumento do tônus simpático, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona,
liberação de peptídeos natriuréticos (atrial e cerebral), liberação de arginina-
vasopressina e liberação de endotelina tentam, através da vasoconstricção, da retenção
hídrica e do aumento do inotropismo cardíaco, manter um estado próximo do normal de
funcionamento cardíaco13.

Entretanto esses mesmos mecanismos são encarregados, com o tempo, de deflagrar


apoptose dos miócitos, deposição de tecido fibrótico no tecido cardíaco e aumento do
estresse oxidativo, levando ao remodelamento ventricular. Ou seja, em síntese, esses
mecanismos promovem degeneração progressiva da função cardíaca até o estágio
terminal e irreversível de disfunção ventricular.

4. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas ao


caso?

Nos casos de CMPD idiopática, ou seja, naqueles casos em que a etiologia permanece
indefinida apesar da busca ativa de outras condições, ressalta-se a ausência de
comorbidades inicialmente associadas. As comorbidades podem estar presentes em
caso de dilatação ventricular secundária a etiologias especificas ou mesmo podem
surgir como consequência da CMPD, como a síndrome cardiorrenal, por exemplo. No
caso relatado, a paciente não apresentava qualquer outra comorbidade associada, e a
função renal era normal.

5. Qual é o prognóstico?

A mortalidade por IC é dependente de múltiplos fatores e condições associadas, mas de


maneira geral ainda é bastante elevada, com a mortalidade estimada em torno de 10%
por ano em cinco anos14. De acordo com o estudo Framingham, a sobrevida média para
homens foi 1,7 ano e para mulheres 3,2 anos15 e, mesmo com tendência de melhora nas
últimas décadas, muitas vezes a mortalidade por IC supera determinadas neoplasias
como a de bexiga, de mama e de próstata16.

O prognóstico, em geral, é dado por diversos fatores já estabelecidos para IC


crônica17. Embora seja extremamente difícil a avaliação da importância individual de
cada variável, como sexo, raça, classe funcional (CF) segundo a classificação da New
York Heart Association (NYHA)18, caminhada de seis minutos e teste
ergoespirométrico com determinação do VO2 máximo, a avaliação conjunta dos fatores
torna-se a melhor estratégia para a determinação do prognóstico.

Existem ainda modelos para avaliação do prognóstico. Um deles é o modelo de Seattle


─ Seattle Heart Failure Mode l ─, que também avalia o benefício de intervenções
(farmacológicas ou não). Esse modelo está disponível no site:
<http://depts.washington.edu/shfm>. Nos casos de CMPD, chama-se a atenção para a
etiologia chagásica e a isquêmica, que conferem pior prognóstico em relação às
demais.

No caso exposto, a paciente foi submetida a teste ergoespirométrico com a


documentação de VO2 =12,95ml/kg/min e baixa aptidão cardiorrespiratória, sendo
estes, aliados à CF III e à presença de disfunção diastólica grau III, os principais
marcadores de prognóstico adverso nesta paciente, gerando, segundo o modelo de
Seattle citado acima, expectativa média de vida de 9,1 anos, com mortalidade de 27%
em cinco anos.

6. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos (morte e


internação) neste caso?
A abordagem terapêutica deve ser feita em duas frentes. Naqueles casos com etiologia
definida, o tratamento deve ser voltado para a causa subjacente, como por exemplo, a
interrupção da ingestão de bebidas alcoólicas na cardiomiopatia alcoólica; a regulação
hormonal nos casos de doenças da tireoide; a correção da isquemia miocárdica por
tratamento cirúrgico ou percutâneo, quando indicadas, nos casos de CMPD secundária
à doença isquêmica; e o tratamento agressivo da hipertensão arterial e do diabetes,
fatores que podem participar da gênese da IC bem como da sua piora.

Entretanto, independente da causa, deve-se utilizar os inibidores da enzima de


conversão (IECA) em todos os pacientes, mesmo nos assintomáticos. O estudo
SOLVD19 mostrou benefícios do IECA no remodelamento cardíaco e na prevenção de
IC sintomática nos pacientes sem sintomas, embora com disfunção ventricular sistólica.
Já o estudo CONSENSUS20 mostrou benefícios inequívocos dos IECA nos pacientes
sintomáticos; portanto, essas drogas estão indicadas sempre que possível, em todos os
pacientes de todas as classes funcionais ou estágios da IC. Os bloqueadores do receptor
da angiotensina II (BRA) seguem as mesmas indicações dos IECA e devem ser
utilizados em casos de intolerância a estes21.

Os betabloqueadores também se mostram úteis nos pacientes sintomáticos e


assintomáticos, isquêmicos ou não, quando associados aos IECA, promovendo
remodelamento ventricular reverso e melhora dos sintomas da IC22,23. As drogas
atualmente disponíveis para o tratamento da IC são metoprolol succinato, bisoprolol,
carvedilol, e o recentemente introduzido nebivolol para pacientes acima de 70 anos24.

Para os pacientes sintomáticos, o tratamento segue a mesma linha da IC independente da


causa. Diuréticos reduzem a volemia, a pré-carga e aliviam os sintomas de congestão
pulmonar. Digitálicos são úteis nos casos complicados por fibrilação atrial, visando à
redução da resposta ventricular, e também para melhora sintomática naqueles que
persistem sintomáticos a despeito da terapia otimizada com vasodilatadores e
diuréticos. Espironolactona deve ser utilizada nos pacientes em CF III-IV com fração
de ejeção reduzida25, embora já estejam disponíveis dados mostrando benefícios do
eplerenone (ainda não disponível no Brasil) nos pacientes oligossintomáticos26. A
associação de hidralazina com nitrato deve ser considerada em afrodescendentes em
CF III–IV, naqueles intolerantes a IECA/BRA em CF II-III, e naqueles pacientes de
qualquer etnia que permaneçam em CF III-IV apesar da terapêutica otimizada17.

Já o tratamento não farmacológico se baseia, inicialmente, na mudança de hábitos de


vida como a interrupção do tabagismo, evitar medicações que sabidamente pioram a IC
(drogas anti-inflamatórias, mesmo as inibidoras seletivas da COX-2), evitar atividade
física rigorosa e manter dieta adequada.

Ainda considerando o tratamento não farmacológico, a ressincronização cardíaca pode


ser bastante útil na redução dos sintomas em pacientes refratários ao tratamento
farmacológico, e sua indicação se baseia na presença (eletrocardiográfica e/ou
ecocardiográfica) de dissincronismo intraventricular27. Cabe destacar ainda o
transplante cardíaco, que deve ser considerado naqueles indivíduos em estágio terminal
e segue indicações restritas, conforme a diretriz brasileira de transplante cardíaco28.

No caso em questão, a paciente foi inicialmente tratada com doses baixas de IECA,
betabloqueador, diurético de alça, espironolactona e digoxina. A pressão sistólica
baixa (84-90mmHg) impedia o ajuste nas doses bem como a associação de hidralazina
com nitrato. Diante da recusa da paciente em relação à possibilidade de transplante
(indicação IIa por VO2 pico<14ml/kg/min no teste sem betabloqueador), e o fato de ela
permanecer sintomática a despeito da terapia otimizada, foi indicado o implante de
ressincronizador cardíaco.

Após o implante e o ajuste do dispositivo através do ecocardiograma, houve melhora


sintomática importante, evoluindo para CF I-II e o novo ecocardiograma mostrou
disfunção moderada de ventrículo esquerdo com FE (Simpson) 43%.

7. Existe alguma estratégia para prevenção (primária e secundária) da CMPD?

A prevenção primária da CMPD está relacionada à remoção dos fatores de risco para
seu desenvolvimento, dentre os quais destacam-se: hipertensão arterial sistêmica,
diabetes, doença coronariana, exposição a agentes cardiotóxicos ou alguma das
condições citadas anteriormente.

Isto, quando factível, é de suma importância na prevenção da IC, e deve ser feito
através de medidas farmacológicas apropriadas a cada condição e modificação do
estilo de vida, incluindo interrupção do tabagismo, estímulo à dieta saudável e
atividade física regular.

Entretanto, nos casos já estabelecidos de CMPD idiopática, uma vez que muitas vezes
esses fatores estão ausentes, este tipo de medida tem eficácia limitada, mesmo visando
à prevenção do agravo da IC, que acaba por ocorrer apesar dos esforços realizados
pela equipe multidisciplinar.
Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA

Marcelo Imbroinise Bittencourt


Ricardo Mourilhe Rocha

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 69 anos, sem antecedentes patológicos relevantes, apresentou-se ao
cardiologista visando à realização de risco cirúrgico para catarata. Durante a anamnese
relatou que nos últimos três meses vinha apresentando cansaço aos grandes esforços.
Exame físico: PA =130x86mmHg; FC =82bpm. Corado e hidratado. Sem turgência
jugular.
ACV: Íctus impalpável. RR c/ B4. Sopro sistólico apical (2+/6+) que aumenta com a
manobra de Valsalva.
Pulmões limpos. Abdome sem visceromegalias e membros sem edemas.
ECG: Ritmo sinusal com ondas T sugestivas de isquemia.
Ecocardiograma: Diâmetros cavitários normais. Aspecto de hipertrofia
medioventricular com gradiente entre ponta e corpo =40mmHg. Regurgitação mitral
leve. Corte apical quatro câmaras sugere a presença de aneurisma apical.
Ressonância magnética (Figura 1): Confirma os dados do ecocardiograma, incluindo a
presença do aneurisma apical revelando a presença de trombo no seu interior.
Figura 1
Cardiomiopatia hipertrófica (CMH) medioventricular com aneurisma apical.

OBJETIVOS
1. Descrever o genótipo e o fenótipo clínico da cardiomiopatia hipertrófica
(CMH).
2. Analisar os exames indicados para o diagnóstico e estratificação da doença.
3. Discutir as medidas farmacológicas e não farmacológicas que visam ao
tratamento e prevenção da CMH.
PERGUNTAS
1. Quais são os dados epidemiológicos e o diagnóstico diferencial da CMH?

A CMH é uma doença genética de transmissão autossômica dominante, decorrente, na


maioria dos casos, de mutações em genes que produzem proteínas sarcoméricas (Tabela
1). Um pequeno percentual decorre de doenças metabólicas/infiltrativas que se
apresentam com o fenótipo da CMH. Caracteriza-se pela hipertrofia ventricular
inexplicada (espessura de parede ≥15mm ou ≥13mmHg na presença de história
familiar), em ventrículos não dilatados, na ausência de doenças que possam produzir tal
alteração. Trata-se de uma doença global, com prevalência de 0,2% na população
geral.

Tabela 1
Causas genéticas de CMH
Em preto estão as formas associadas a mutações de proteínas sarcoméricas.
Em vermelho estão as doenças infiltrativas que se apresentam com o fenótipo da CMH.
HVE=hipertrofia ventricular esquerda; IC=insuficiência cardíaca;
WPW=síndrome de Wolff-Parkinson-White
Fonte: adaptado de Gersh et al.1
Uma condição frequentemente confundida com CMH é a hipertrofia ventricular do
atleta. Geralmente associado a treinamentos intensos voltados para esportes
competitivos, essa condição clínica se diferencia por se manifestar como hipertrofia
concêntrica, portanto simétrica, associada à dilatação ventricular (ainda que pequena).
No idoso, cuja hipertensão arterial é frequente, pode ser difícil determinar a causa da
hipertrofia, podendo mesmo haver a concomitância das duas doenças. Em casos assim
pode-se recorrer à tentativa de se identificar a mutação genética para fazer o
diagnóstico. Achados como grandes espessuras de parede (>25mm) ou a presença de
gradiente intraventricular são indicadores da presença de CMH.

2. Como confirmar o diagnóstico?

O curso clínico é tipicamente variável, podendo o paciente permanecer assintomático


por longos períodos de tempo ou apresentar os seguintes eventos: (1) Morte súbita; (2)
sintomas progressivos de dispneia aos esforços, dor torácica, síncope ou pré-síncope
na presença de função ventricular normal; (3) manifestações de insuficiência cardíaca
(IC) em pacientes que evoluem para a forma dilatada; (4) fibrilação atrial (FA) e suas
possíveis complicações, como o acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico.

Apesar de serem descritos uma série de sinais clínicos na dependência do ventrículo


comprometido, o exame físico na maioria dos pacientes é pouco significativo. Entre os
achados mais comuns constata-se uma quarta bulha (fruto da disfunção diastólica) e um
sopro sistólico de ejeção apical, este último decorrente principalmente do gradiente
obstrutivo intraventricular. Nos casos em que esse gradiente atinge valores muito
elevados pode-se notar a presença do pulso digitiforme (em duplo-pico),.

O eletrocardiograma (ECG) frequentemente é responsável por levantar suspeita sobre a


presença de cardiopatia que ainda não apresentou sintomas. Em se tratando da
cardiomiopatia hipertrófica, isto não é incomum, já que o ECG nessa condição é
anormal em 90% dos casos. Ainda que não correspondam a alterações específicas,
pode-se encontrar: hipertrofia ventricular esquerda, ondas Q patológicas em parede
lateral e inferior, alterações de repolarização tipo isquemia e arritmias cardíacas.

Em paciente com suspeita clínica o diagnóstico deve ser confirmado através de método
de imagem. Geralmente o exame complementar mais usado é o ecocardiograma, que irá
constatar as características já descritas anteriormente4. Em casos em que a janela
ecocardiográfica é ruim ou quando esse método não conseguiu estabelecer
adequadamente características importantes da anatomia da doença, a ressonância
magnética do coração vem sendo cada vez mais utilizada. Outro recurso já disponível
na prática clínica em centros de referência é a análise genética, que pode identificar
pacientes com a mutação para CMH, mesmo na ausência do fenótipo, sendo por isso
muito usado no aconselhamento familiar.

3. Quais são os aspectos fisiopatológicos da CMH?

Em concordância com a grande heterogeneidade genética que caracteriza a doença,


depara-se com diversas manifestações clínicas quando se trata de paciente com CMH.
Isto resulta dos vários processos fisiopatológicos que podem ser encontrados, a saber:
(a) obstrução intraventricular (aspecto fundamental na definição do tratamento); (b)
disfunção diastólica; (c) regurgitação mitral; (d) isquemia miocárdica; e (e) arritmias1.

É extremamente importante diferenciar a forma obstrutiva da não obstrutiva na CMH,


de acordo com a presença ou ausência do gradiente intraventricular (na via de saída do
VE ou entre a ponta e o corpo, na dependência da anatomia da hipertrofia). A obstrução
na via de saída do VE é determinada principalmente pelo movimento anterior sistólico
da valva mitral, e possui características dinâmicas já que pode variar em função de
alterações hemodinâmicas, volêmicas e de contratilidade. Este achado deve ser
procurado tanto em repouso como em cenários provocativos (exercício ou manobra de
Valsalva),.

Cerca de 1/3 dos pacientes com CMH apresenta obstrução em repouso (acima de
30mmHg de gradiente intraventricular), sendo que entre aqueles que são não obstrutivos
em repouso, alguns podem demonstrar gradientes significativos quando submetidos a
exercício, caracterizando o que se chama de obstrutivo lábil.

A obstrução intraventricular produz uma série de consequências deletérias para o


paciente com CMH, desde prolongamento do relaxamento ventricular, elevação da
pressão diastólica final do VE, regurgitação mitral, isquemia miocárdica e redução do
débito cardíaco. A obstrução na via de saída do VE é um preditor de progressão da
doença, correlacionando-se de forma independente com morte, morte devido a IC e
AVE, assim como com a piora da classe funcional. Os pacientes com gradiente
intraventricular acima de 50mmHg (e que não respondem ao tratamento clínico
maximizado com betabloqueador) correspondem àqueles que serão candidatos a terapia
intervencionista (cirúrgica ou percutânea) de redução do septo interventricular.

A disfunção diastólica na CMH também corresponde a importante aspecto da


fisiopatologia, podendo ser de origem multifatorial (hipertrofia, obstrução, isquemia,
redução do volume ventricular), afetando o relaxamento ventricular e a rigidez da
parede.

A isquemia miocárdica, manifesta por angina e confirmada por testes funcionais, assim
como infarto, podem ocorrer na CMH, sem ter relação com a presença de doença
aterosclerótica coronariana. O mecanismo para esse fenômeno está associado a grande
demanda de oxigênio gerada pela hipertrofia, além da redução do fluxo coronariano
resultante da constrição de arteríolas intramurais.

A regurgitação mitral é bastante frequente nos pacientes obstrutivos, tendo papel


importante na gênese da dispneia.

4. Que morbidades podem estar associadas à CMH

A morbidade que pode se desenvolver na história natural dos pacientes com CMH está
relacionada ao desenvolvimento das seguintes complicações: FA / AVE, IC e morte
súbita.

Insuficiência cardíaca

Sintomas de IC podem se desenvolver na CMH, mesmo na presença de função sistólica


normal e ritmo sinusal, em função de hipodiastolia. Entretanto, em pequeno número de
pacientes, cerca de 2,4% a 15% dos casos, a evolução para IC terminal sob a forma de
cardiomiopatia dilatada pode ser observada, estando associada com altas taxas de
mortalidade, seja por IC ou morte súbita13-16.

A taxa anual de eventos adversos nessa população está em torno de 11%. Recentemente,
Kawarai et al.17 publicaram uma coorte observacional na qual 8,8% da população com
CMH evoluiu para a forma dilatada e, como achado interessante, nenhum desses
pacientes era obstrutivo em repouso, previamente. A justificativa para essa evolução
decorre do importante remodelamento resultante da formação de grandes cicatrizes
fibróticas no miocárdio16. A abordagem terapêutica nesses casos é semelhante a que se
faz para os pacientes com cardiomiopatia dilatada.

Morte súbita

Geralmente, CMH é a principal causa de morte súbita nos indivíduos jovens, incluindo
atletas competitivos. A morte súbita pode ser, inclusive, a primeira manifestação
clínica da doença ou ocorrer em pacientes oligossintomáticos,(Unattached Footnote),
(Unattached Footnote),.

É fundamental a estratificação de risco para morte súbita em pacientes com CMH,


mesmo sabendo que pacientes considerados de alto risco, felizmente, constituem a
minoria daqueles portadores da doença3,. A morte súbita comumente ocorre durante
atividades leves ou sedentárias, por vezes durante o sono, mas não são raros os casos
secundários a outros estímulos provocativos, como o exercício físico vigoroso18-21.

Os dados disponíveis atuais sugerem que taquiarritmias ventriculares complexas


associadas a substrato isquêmico (presente em grande parte dos portadores da doença)
são as responsáveis pela maioria dos eventos de morte súbita,.

Fibrilação atrial

A FA é a arritmia sustentada mais comum nessa doença, ocorrendo em 20% a 25% dos
pacientes com CMH,. Está associada com o aumento do átrio esquerdo e sua incidência
cresce com o envelhecimento, assim como na população em geral. Não parece ser
preditor independente de morte súbita, porém sabe-se que está associada à progressão
de sintomas de IC, eventos de tromboembolismo sistêmico e AVE, além de morte por IC
e AVE26,. Episódios paroxísticos também podem ser responsáveis por deterioração
clínica aguda, com síncope ou IC resultante da hipodiastolia e redução do débito
cardíaco, que ocorrem devido à perda da contribuição atrial e alta resposta ventricular
em um ventrículo hipertrofiado.

Em função de todas essas peculiaridades, estratégias agressivas para manter o ritmo


sinusal são desejáveis na CMH. A terapia anticoagulante, visando a prevenir os
episódios de AVE, também está indicada nesses casos, devendo ser iniciada o mais
precocemente possível28.

Aneurismas apicais

Achado que vem sendo cada vez mais encontrado na prática clínica em função da
grande utilização da ressonância magnética, o aneurisma apical na CMH pode ocorrer
como parte da história natural nas formas apicais e medioventriculares. Recentemente,
Maron et al.29 publicaram uma coorte de 1299 pacientes com CMH na qual os
aneurismas apicais foram constatados em 2,2% dos casos, sendo que apenas metade
havia sido diagnosticada pelo ecocardiograma. Nesse trabalho a presença do aneurisma
apical também esteve associada à significativa morbimortalidade.
5. Qual o prognóstico da doença?

Durante algum tempo pensava-se que o prognóstico da CMH fosse ruim, em função das
publicações oriundas de centros terciários especializados no atendimento de pacientes
graves. Isto resultava em amostras que praticamente não incluíam pacientes
assintomáticos, ou mesmo idosos. Posteriormente, várias experiências da literatura
(incluindo estudos nacionais), de centros não terciários, com pacientes pouco
selecionados e, portanto, mais representativos do real estado da doença, constataram
que a CMH é uma doença de evolução heterogênea, mas benigna na maioria dos casos,
com mortalidade anual variando de 0,5% a 1%1,3,31-33. Não é raro observar pacientes
com CMH atingindo faixas etárias avançadas (mais de 75 anos), sem prejuízos
causados pela doença e sem necessidade de intervenções maiores3,27,33-35.

A CMH relacionada a mutações de proteínas sarcoméricas pode ocorrer no idoso


(sendo as mutações mais comuns aquelas relacionadas com a proteína C ligante da
miosina) e deve ser diferenciada da cardiopatia hipertensiva (também caracterizada por
hipertrofia). Entretanto, como já foi descrito, o curso clínico pode ser variável e alguns
pacientes apresentar complicações graves como morte súbita, AVE embólico ou
IC1,3,33.

A apresentação da doença sob a forma de IC em crianças até um ano de idade aponta


para prognóstico mais desfavorável,. Não se sabe exatamente o que determina uma
evolução mais ou menos complicada, mas acredita-se que fatores genéticos possam
estar implicados. Obviamente que, na atualidade, a história natural pode ser modificada
também por diversas estratégias de tratamento complexas como a miectomia, a
alcoolização septal e implante de cardiodesfibrilador (CDI).

6. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos (morte e


internação) neste caso?

Praticamente todas as estratégias de tratamento aplicadas na CMH são resultantes de


estudos observacionais ou experiências não randomizadas com baixo nível de
evidência.

No que diz respeito à prevenção, acredita-se que o CDI tenha o potencial de grande
proteção e de mudar a história natural dos pacientes com CMH e alto risco para morte
súbita (especialmente quando se trata de prevenção secundária). Entretanto, é
importante destacar que se trata de estudos retrospectivos e não randomizados24,,.

Outro tratamento com longo tempo de experiência, só que voltado para pacientes
obstrutivos sintomáticos, refratários ao tratamento clínico e que parece mudar a
sobrevida dos pacientes a ele submetidos: a miectomia. Em estudo observacional,
pacientes submetidos a essa cirurgia tiveram sobrevida semelhante à população geral e
melhores taxas que aqueles em condições semelhantes, mas que não foram operados.
(Figura 2).
Figura 2
Efeitos da miectomia sobre a sobrevida de pacientes com CMH.
Fonte: adaptado de Ommen et al.41
7. O tratamento pode ajudar no controle da evolução da doença?

O tratamento é clínico na maioria dos casos, e está indicado na presença de sintomas,


tendo o potencial de contribuir com o controle da doença (Figura 3). A maioria dos
dados é oriunda de experiência clínica em pacientes selecionados por um período curto
de tempo. Desde a década de 1960, os betabloqueadores (propranolol, atenolol,
metoprolol) têm sido utilizados para tratar a CMH com sintomas de IC, seja nas formas
obstrutivas ou não obstrutivas. Está associado à melhora dos sintomas por reduzir a
frequência cardíaca e ter ação inotrópica negativa, proporcionando redução do
gradiente intraventricular31. Devem ser usados com cautela em pacientes já
bradicárdicos ou com doença grave do sistema de condução.
Figura 3
Fluxograma do tratamento da CMH.
Fonte: adaptado de Gersh et al.1

Os antagonistas de cálcio de ação central (especialmente o verapamil, mas também o


diltiazem) podem melhorar os sintomas e a capacidade funcional devido a efeito
benéfico no relaxamento ventricular esquerdo, porém deve ser evitado em pacientes
com altas pressões de enchimento ventricular e/ou nas formas obstrutivas1.
Correspondem a excelente alternativa naqueles com contraindicação ao
betabloqueador.

A disopiramida é um antiarrítmico que também age de modo a melhorar a função


diastólica, com benefício bem documentado, e poderia ser uma alternativa nos
pacientes que não respondem ao betabloqueador e ao verapamil. Entretanto, não se
encontra disponível atualmente no Brasil. Quando for utilizado, é interessante que se
associe ao betabloqueador e o seu início seja realizado em ambiente hospitalar, com
monitoração cardíaca visando a detectar potenciais arritmias e alargamento do QT.

Outras iniciativas se direcionaram para a utilização de drogas visando à tentativa de


conter o processo de hipertrofia e fibrose presentes nessa doença. Serviço de
cardiomiopatia documentou melhora da função diastólica avaliada por parâmetros do
Doppler tecidual e dosagem do fragmento aminoterminal do pró-peptídeo natriurético
tipo B num grupo de 20 pacientes com CMH não obstrutiva tratado com losartan,
comparando a um grupo de características similares que não recebeu a droga, sugerindo
o benefício dos bloqueadores dos receptores da angiotensina II nesse modelo
específico de pacientes.

Para os pacientes refratários ao tratamento clínico, com sintomas incapacitantes


associados à obstrução na via de saída do VE acima de 50mmHg (em condições basais
ou estimulada com o esforço físico), medidas mais invasivas podem ser necessárias a
fim de melhorar os sintomas e reduzir o gradiente intraventricular.

A miectomia septal transaórtica (cirurgia de Morrow) já foi testada em uma série de


estudos observacionais em várias partes do mundo, sendo o procedimento com maior
tempo de experiência e ainda considerado o padrão-ouro para tratar CMH com
sintomas refratários ao tratamento clínico. Consiste na ressecção de uma porção do
septo interventricular basal (2g a 10g) com o intuito de reduzir a obstrução da via de
saída, melhorando sintomas e a qualidade de vida 45-51. A mortalidade operatória tem
diminuído e, em centros experientes, está estimada em 1% a 5% e não se observam
recidiva ou comprometimento da função ventricular44,48-50. O resultado em longo prazo
é excelente, com sobrevida em torno de 83% em 10 anos41. Recentemente, em alguns
centros, a miectomia tem sido estendida mais distalmente, em porções mais apicais do
septo,.

No final da década de 1990, o marca-passo dupla-câmara foi proposto como uma


alternativa à miectomia para pacientes com CMH obstrutiva e sintomas refratários54-56.
Tem como fundamento promover ativação precoce da porção apical do VE em relação
à base, reduzindo o gradiente intraventricular de forma progressiva. Experiências
iniciais mostraram resultados bastante animadores, com redução dos sintomas e
melhora de parâmetros hemodinâmicos, especialmente naqueles pacientes que se
apresentaram com síncope. Entretanto, estudos randomizados demonstraram que o
benefício sintomático percebido subjetivamente não foi acompanhado de evidência
objetiva da melhora da capacidade funcional e, aparentemente, parece se tratar de
efeito placebo53,55. Ainda que a estimulação pelo marca-passo possa reduzir o
gradiente na via de saída do VE, esse benefício é pequeno quando se compara com a
miectomia.

Outra alternativa é a alcoolização das artérias septais via cateterismo cardíaco,


produzindo um longo infarto transmural e necrose da zona hipertrofiada, resultando em
redução do gradiente na via de saída do VE,58-61,. Apresenta grande eficácia na redução
do gradiente e ainda tem a vantagem de ser um procedimento que pode ser repetido nos
casos cuja redução não foi significativa. Seus resultados são comparáveis à cirurgia,
com mortalidade semelhante. Entre os argumentos utilizados por quem faz críticas a
essa estratégia está o fato de que se produz uma cicatriz de infarto em miocárdio
sabidamente propenso a desenvolver arritmias. Entretanto, estudo recente, envolvendo
92 pacientes submetidos à alcoolização, sendo que 42 com desfibrilador já
implantado (permitindo perfeita interrogação de eventos arrítmicos após o
procedimento percutâneo), revelou baixa taxa anual (2,8%) de eventos arrítmicos entre
aqueles pacientes com baixo risco de morte súbita, mostrando-se segura também nesse
aspecto.

8. Existe alguma estratégia para prevenção da CMH?

Os principais fatores de risco para morte súbita na CMH já são bastante conhecidos e
definidos em consensos internacionais: morte súbita abortada, taquicardia ventricular
sustentada ou não sustentada documentadas, síncope inexplicada, história familiar de
morte súbita, queda na PA durante o esforço, espessura de septo interventricular ≥30mm
(Quadro 1)31. Para aqueles pacientes considerados de alto risco, especialmente os que
já tiveram evento documentado (morte súbita abortada e/ou taquicardia ventricular
sustentada), isto é, prevenção secundária, está indicado o implante do CDI24. Nos casos
cujo tratamento tem a finalidade de prevenção primária, a questão se torna controversa.
Quadro 1
Preditores de morte súbita na CMH31

Recentemente, registro multicêntrico62 envolvendo instituições americanas, europeias e


australianas documentou benefício do implante do CDI para quem tinha pelo menos um
fator de risco. No entanto, deve-se considerar a significativa incidência de
complicações, destacando-se os choques inapropriados, que chegaram a ser relatados
por alguns grupos em 23% dos pacientes que tiveram o implante desse dispositivo.
Assim, deve-se sempre pesar os riscos x benefícios do CDI juntamente com os
pacientes e seus familiares.

Trabalhos recentes apontam para o papel da fibrose detectada na RM do coração na


estratificação de risco desses pacientes. A Figura 4 mostra o caso de um paciente
masculino de 24 anos que apresentava episódios de síncope sem os fatores de risco
clássicos já descritos, em que a RM contribuiu para indicação do CDI. No entanto,
como as evidências não foram reprodutíveis e a ausência de padronização do exame
pode ter contribuído para isso, a última diretriz não considera o achado da fibrose pela
RM como fator de risco importante1.

Outro ponto fundamental é atuar na prevenção na ausência do diagnóstico. Muitos casos


de morte súbita ocorreram em indivíduos que praticavam atividade física competitiva e
simplesmente desconheciam serem portadores de CMH. É fundamental educar esses
pacientes e seus familiares sobre a doença, orientando a não realizar atividades
extenuantes e/ou esportes competitivos. As recomendações da Sociedade Europeia de
Cardiologia enfatizam a aquisição de história detalhada (principalmente antecedentes
pessoais e familiares), a realização de exame físico e o ECG como um elemento
fundamental de triagem.
Figura 4
RM do coração de paciente com CMH que apresentou morte súbita abortada.

A avaliação familiar também é um ponto importante na prevenção, devendo ser


recomendada a todos os parentes de primeiro grau a realização de métodos
complementares (especialmente ECG e ECO), visando a identificar a doença em
pacientes assintomáticos. Nesse caso, vem ganhando destaque o papel do Doppler
tecidual em identificar alterações da função diastólica em indivíduos que possuem
mutação, mas ainda não desenvolveram o fenótipo da hipertrofia.

A periodicidade depende da idade. Se o familiar é um adolescente precisa ser avaliado


anualmente até os 18 anos. A partir daí o intervalo pode ser a cada cinco anos. Os
testes genéticos são empregados há muito tempo nos cenários de pesquisa, sendo que
alguns autores já preconizam seu emprego na prática clínica com a finalidade de:

1. confirmação definitiva do diagnóstico clínico, afastando doenças que podem


se manifestar com aspectos ecocardiográficos semelhantes como doença de
Fabry e doença de Danon;
2. possibilitar melhor acompanhamento em indivíduos portadores de mutação,
que ainda não manifestaram o fenótipo, especialmente nos casos em que a
morte súbita é bastante frequente na família.

Entre as limitações destaca-se o fato de ser uma avaliação de alto custo e ser pouco
sensível, pois só identifica 50% a 60% das mutações.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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MIOCARDIOPATIA RESTRITIVA

Marcelo Iorio Garcia

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 72 anos, hipertensa leve, em uso de captopril, com queixas de
cansaço progressivo aos esforços que vem se acentuando nos últimos seis meses.
Refere cansaço mesmo em repouso nos últimos dias. Relata episódios de “despertar
noturno súbito devido à falta de ar”. Notou edema dos membros inferiores e plenitude
pós-prandial, que vem se acentuando recentemente. Deu entrada em serviço de
emergência, com o seguinte exame clínico:

LOTE, corada e hidratada, levemente taquipneica, porém sem desconforto respiratório


evidente, Sat O2 94% em ar ambiente. Turgência jugular patológica.

PA =110x78mmHg; FC =110bpm; Peso =75kg; Altura =1,58m


Íctus palpável, localizado no 5º EICE, na LHCM. Ausência de frêmitos.
ACV RCR B3 e B4; MV reduzido bilateralmente, com EC em bases pulmonares.
Fígado palpável a cerca de 4cm do RCD (hepatimetria 16cm), presença de refluxo
hepatojugular e edema dos MMII (2+/6+).
Hemoglobina =12,2g/dL; Glicose =97g/dL; Creatinina =1,12mg/dL; Ureia =40mg/dL;
Sódio =140mg/dL; Potássio =4,3mEq/L; TFG =65,7mL/min.

ECG: Ritmo sinusal, baixa voltagem nas derivações periféricas.


RX tórax: área cardíaca normal (limítrofe) e sinais de congestão venocapilar pulmonar,
além de derrame pleural bilateral.

Vídeo 1
Corte paraesternal longitudinal, revelando importante infiltração ventricular (aspecto
granulado), infiltração das valvas e do septo interatrial. Nota-se aumento biatrial,
presença de derrame pleural e derrame pericárdico.

Vídeo 2
Corte apical 4 câmaras, revelando importante infiltração ventricular (aspecto
granulado), infiltração das valvas e do septo interatrial. Nota-se aumento biatrial,
presença de derrame pleural e derrame pericárdico. O aspecto granular é bastante
sugestivo de amiloidose.

OBJETIVOS

1. Discutir as miocardiopatias restritivas, etiologias e apresentações da doença,


e as ferramentas para o diagnóstico.
2. Discutir hipóteses diagnósticas diferenciais.
3. Analisar o prognóstico, medidas farmacológicas e não farmacológicas
indicadas para as mais diversas etiologias.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar a causa dos sintomas?

Deve-se, inicialmente, classificar esta paciente do ponto de vista sindrômico. Os sinais


e sintomas são compatíveis com insuficiência cardíaca descompensada (ICD).
Aplicando-se os critérios de Framingham1, tem-se: turgência jugular patológica,
dispneia paroxística noturna, refluxo hepatojugular e crepitações pulmonares (critérios
maiores), além de hepatomegalia, dispneia aos esforços, taquicardia, derrame pleural e
edema dos membros inferiores (critérios menores). O quadro se apresenta com piora
progressiva evolutiva, necessitando admissão hospitalar.

Observa-se que os sinais clínicos são predominantemente de aumento nas pressões


venosas sistêmicas, sem componentes ao exame clínico de baixo débito cardíaco
(hipotensão arterial, redução do sensório, oligúria ou extremidades frias).

Antes de iniciar a busca etiológica, há que se fazer uma avaliação estrutural do


coração, sendo o ecocardiograma a principal ferramenta diagnóstica utilizada, quer
pela ampla disponibilidade e baixo custo, como pela gama de informações obtidas. Ao
se assistir aos vídeos 1 (variação do corte paraesternal longitudinal) e 2 (corte apical 4
câmaras), nota-se ampla infiltração miocárdica biventricular. Reparem o aspecto
granulado dos ventrículos (VE+VD), com as paredes infiltradas, espessadas, com
acometimento das valvas atrioventriculares e do septo interatrial. Além disso, quando
se analisam as dimensões cavitárias, observa-se que o aumento biatrial é o que
predomina neste coração, com ventrículos relativamente pequenos, porém já com algum
grau de disfunção sistólica. Geralmente encontra-se disfunção sistólica em uma fase
bastante avançada de doença. A regra é a manutenção da função sistólica preservada até
estágios clínicos terminais.

Com isso foi possível classificar esta paciente do ponto de vista sindrômico: IC com
aumento biatrial e infiltração ventricular. A partir daí ampliam-se as hipóteses
diagnósticas dentre as causas de miocardiopatias restritivas (MCR).

Existe uma série de doenças ligadas ao aspecto restritivo do coração. Para uma melhor
classificação etiológica, separam-se as doenças que acometem o miocárdio e o
endocárdio; e ainda, se a MCR é do tipo infiltrativo ou não infiltrativo(Quadro 1).2

Quadro 1
Classificação e causas das MCR de acordo com a etiologia
* condições mais encontradas na prática clínica
Fonte: Kushwaha et al.2

2. Como confirmar o diagnóstico?

Frente às hipóteses etiológicas apresentadas (Quadro 1), o foco se dirige para as mais
comuns na prática clínica: MCR idiopática, amiloidose e sarcoidose. Dentre os
pacientes que se apresentam com um quadro estrutural sugestivo de MCR, somente em
50% dos casos define-se uma etiologia; os restantes são de natureza idiopática. Ou
seja, defronta-se com um quadro clínico de insuficiência cardíaca, cavidades atriais
dilatadas, ventrículos de tamanho e função preservados e nenhum grau de infiltração
ventricular (MCR, com acometimento miocárdico, não infiltrativo).

Reparem no vídeo 3 que os átrios são gigantescos, os ventrículos são pequenos, a


função sistólica é preservada e a paciente apresentava difícil controle sintomático.
Notem o grau de distensão da veia cava inferior e a pequena variação inspiratória,
denotando grande aumento nas pressões venosas sistêmicas, comum nesses pacientes
(vídeo 4). Não é raro que esses pacientes cheguem tarde ao cardiologista. É preciso
enfatizar o importante remodelamento atrial e documentar as alterações diastólicas
presentes nesses pacientes, estimando as pressões de enchimento e o prognóstico
(Figuras 1 e 2).

Vídeo 3
Corte apical 4 câmaras revelando importante aumento biatrial, com ventrículos de
dimensões normais e função sistólica preservada. Notem a ausência de infiltração
ventricular. Com a exclusão de doenças sistêmicas que podem cursar com esta
apresentação, o diagnóstico é bastante sugestivo de MCR idiopática (correspondente a
50% dos casos).

Vídeo 4
Corte subcostal direcionado para a veia cava inferior. Mesmo paciente do vídeo 3,
portador de MCR idiopática, onde se observa aumento do calibre da veia cava inferior
e pequena variação inspiratória, denotando aumento nas pressões venosas sistêmicas.

Figura 1
Fluxo mitral em paciente com MCR idiopática, onde se observa uma grande onda E, com pequena contribuição atrial
(onda A). A relação E/A >2 revela alteração diastólica do tipo restritivo, denotando pressões de enchimento elevadas e
um prognóstico adverso.
Figura 2
Fluxo mitral obtido através do Doppler tecidual, no anel mitral septal, em paciente com MCR idiopática, onde se
observa uma velocidade bastante reduzida da onda E’, comum em pacientes com doença restritiva. Estabelecendo a
relação da onda E (fluxo mitral ao Doppler convencional), com a onda E’ do fluxo mitral ao Doppler tecidual, encontra-
se uma relação E/E’ elevada (neste exemplo igual 37), denotando pressões de enchimento elevadas.

No caso clínico em questão (vídeos 1 e 2), o aspecto infiltrativo demonstrado ao


ecocardiograma é muito sugestivo de depósito amiloide. Descreve-se esse grau de
infiltração como aspecto starch like, como um bronze seroso, semelhante a uma
borracha3.

A amiloidose é caracterizada pelo acúmulo intercelular de material amiloide, em


quantidade suficiente para alterar a função orgânica envolvida. A classificação envolve
quatro variedades, com a respectiva alteração e depósito envolvido:

1. Primária ou relacionada ao mieloma múltiplo: imunoglobulina de cadeia leve


(Amiloidose AL)
2. Secundária (doenças crônicas): proteína (não imunoglobulina) amiloide A
(Amiloidose AA)
3. Senil (Amiloidose cardíaca senil): carreador sérico da pré-albumina,
chamada transtiretina. Múltiplos pontos de mutação (>80) no gene da
transtiretina são associados com amiloidose. Geralmente produz um dos três
cenários: nefropatia, neuropatia ou miocardiopatia. A transtiretina é
produzida no fígado, sendo o transplante hepático cogitado quando
indivíduos são afetados precocemente.
4. Familial: Variantes da transtiretina com substituição de um aminoácido.

O depósito amiloide é progressivo, sendo o envolvimento cardíaco presente em cerca


de 1/3 dos pacientes com amiloidose primária. Já na forma senil, os depósitos variam
de um envolvimento atrial isolado até uma extensa infiltração miocárdica. A
apresentação é muito rara antes dos 40 anos. Além da síndrome miocárdica restritiva,
os pacientes podem se apresentar com disfunção sistólica (geralmente tardia),
hipotensão ortostática e síncope (cerca de 10%, causada pela infiltração do sistema
nervoso autônomo) e doença do sistema de condução (infiltração do tecido elétrico,
podendo evoluir com graus de bloqueio avançado e até morte súbita)3. Deve-se sempre
buscar o diagnóstico de mieloma múltiplo.

O envolvimento cardíaco na sarcoidose está presente em apenas 5% dos casos. É uma


doença granulomatosa de origem desconhecida, causando uma condição inflamatória
sistêmica, com envolvimento principalmente dos pulmões, sistema reticuloendotelial e
pele. O quadro clínico é semelhante, com distúrbios de condução, insuficiência
cardíaca, arritmias cardíacas e morte súbita. O aspecto descrito como cor pulmonale é
uma condição que pode estar presente, visto o frequente envolvimento pulmonar
(geralmente com adenopatia hilar bilateral). Quando o coração está envolvido, a
sarcoidose generalizada está usualmente presente. Na suspeita clínica de sarcoidose
com envolvimento cardíaco, a biopsia endomiocárdica é de suma importância, visto a
terapia imunossupressora e o diagnóstico diferencial com a miocardite de células
gigantes, uma desordem muito agressiva4.

São utilizadas várias ferramentas para o diagnóstico das MCR:

Eletrocardiograma: geralmente mostra baixa voltagem, sobrecargas atriais (muitas


vezes já em ritmo de fibrilação atrial), bloqueios de ramo, distúrbios de condução
atrioventriculares e desvios de eixo elétrico, dependendo do grau de infiltração e das
cavidades envolvidas.

Radiografia de tórax: revela padrões variáveis de envolvimento ventricular, assim


como congestão venocapilar pulmonar e presença de derrame pleural.

Ressonância magnética: pode trazer informações adicionais sobre a estrutura do


coração e tem alta sensibilidade para detecção de tecido amiloide cardíaco, podendo
ter valor na extensão do depósito5.

Ecocardiograma: sem dúvida alguma a principal ferramenta na detecção precoce das


alterações estruturais, que dará suporte para o prosseguimento da investigação
etiológica. As técnicas derivadas do Doppler tecidual representam um grande avanço
diagnóstico e vêm sendo usadas não só na mensuração das velocidades
intramiocárdicas (importante diagnóstico diferencial com as pericardites constritivas),
como na detecção precoce da toxicidade miocárdica induzida pelos quimioterápicos6-
8.

Reparem que todos esses exames complementares não selam o diagnóstico


histopatológico do material envolvendo o miocárdio. No passado, amiloidose sistêmica
só era diagnosticada em autopsias. Atualmente recorre-se à biopsia endomiocárdica ou
tecidos alternativos, como gordura abdominal, reto, gengiva, medula óssea, fígado ou
rim9. O tecido extraído pode ser examinado através de técnicas como a imuno-
histoquímica visando à identificação das proteínas amiloides específicas.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico que explica o cansaço progressivo nos


pacientes com MCR?

A fisiologia restritiva faz com que a maior parte do enchimento ventricular ocorra de
forma precoce e abrupta no início da diástole (responsável pelas grandes ondas “E” do
fluxo mitral), com uma pequena contribuição atrial ao final da diástole. Quando se
registram curvas de pressão neste exato momento, obtém-se a característica dip-and-
plateau ou square-root (sinal da raiz quadrada), curvas essas similares às encontradas
nas pericardites constritivas.

Nos pacientes com infiltração ventricular, ocorre uma maior rigidez dessas câmaras,
dificultando ainda mais a diástole10. Com pressões de enchimento progressivamente
maiores, os pacientes se apresentam com intolerância ao esforço, resultado da
incapacidade de aumentar o débito cardíaco em frequências cardíacas mais elevadas.
Manifestações mais sistêmicas podem estar presentes, como fraqueza, mal-estar
generalizado e inapetência.
Com o avançar da doença e desenvolvimento de hipertensão pulmonar, o ventrículo
direito passa a ser acometido, com surgimento de edema dos membros inferiores,
anasarca, hepatomegalia e turgência jugular.

4. Como diagnosticar outras etiologias que cursam com MCR?

O próximo raciocínio diagnóstico é quando se observa o acometimento do endocárdio,


poupando o miocárdio. Notem no vídeo 5, que a ponta do VE encontra-se obliterada
por um material fibroso, sem ocupação do miocárdio e, novamente, com átrios
aumentados e ventrículos de dimensões normais (ou seja, MCR do tipo
endomiocárdica). Essa alteração estrutural estabelecida direciona para as etiologias
apropriadas (Quadro 1).

Vídeo 5
Corte apical 4 câmaras, com zoom na região apical do VE, mostrando ocupação com
material fibrótico, podendo inclusive simular um trombo na ponta do VE. Novamente os
átrios são grandes e os ventrículos de dimensões normais (a ponta do VE encontra-se
obliterada por esse material).

Em especial a endomiocardiofibrose deve ser considerada conforme a distribuição


geográfica, pois é comum na África equatorial (alcança até 25% dos casos de
insuficiência cardíaca) e menos frequente na América do Sul, Ásia e países não
tropicais. Discute-se se a endomiocardiofibrose e a síndrome hipereosinofílica fazem
parte de uma só doença, em estágios diferentes (a primeira sendo uma sequela de uma
agressão eosinofílica de longa data e a segunda apresentando-se como uma doença
sistêmica aguda, inclusive com miocardite)11,12.

Ainda nesse grupo, há que se considerar a cardiotoxicidade induzida pelos


quimioterápicos, em especial as antraciclinas (terapia de primeira linha para muitas
neoplasias). A incidência de insuficiência cardíaca após exposição varia de 5% a
48%13. A importância de se admitir essa etiologia e buscar uma boa anamnese (muitas
vezes o paciente usou fármacos há vários anos), é que a apresentação da síndrome de
insuficiência cardíaca varia desde uma miocardite aguda até formas crônicas, com
início do quadro anos após o tratamento do câncer.

O método mais recomendado para avaliação da função ventricular é a fração de ejeção


do VE, a qual apresenta limitações devido à baixa capacidade para detecção de lesão
miocárdica incipiente14. Drogas mais recentes, como o trastuzumab, parece ter um
modelo diferente ao atribuído às antraciclinas, com cardiotoxicidade reversível e alta
probabilidade de recuperação após a interrupção da droga15.

5. Qual o prognóstico do paciente com MCR?

O prognóstico das MCR varia conforme a etiologia16. A maioria se apresenta de uma


forma progressiva, em especial a amiloidose. Até 50% dos indivíduos com
miocardiopatia restritiva podem morrer nos primeiros cinco anos que sucedem ao
início dos sintomas.

6. Quais os principais diagnósticos diferenciais com a MCR?

Como em boa parte dos casos prevalece a MCR do tipo idiopática, devem-se tentar
todas as formas diagnósticas possíveis. A pericardite constritiva é a principal síndrome
que cabe afastar, visto a grande dificuldade de diferenciação e a possibilidade de maior
sucesso terapêutico. No Quadro 2, encontram-se as principais ferramentas utilizadas
para essa complicada distinção17.

Quadro 2
Diagnóstico diferencial entre as miocardiopatias restritivas e as pericardites
constritivas
Fonte: Braunwald’s Heart Disease17
PSAP=pressão sistólica da artéria pulmonar; Resp= respiratória; Dir=direita; Esq=esquerda; E’=onda E’

7. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos robustos


(morte e internação) nas MCR?

Não. Iremos manusear esses pacientes conforme a sintomatologia e o grau de restrição.


A utilização de diuréticos deve ser cautelosa, visto que a diminuição excessiva da
volemia pode gerar hipotensão arterial e piora clínica. O uso de dispositivos, como
marca-passo e desfibrilador, estará indicado conforme diretrizes, porém sem estudos
específicos nesse grupo de doenças que cursam com MCR.

O uso de anticoagulantes e digitais também seguirá indicações conforme as


apresentações clínicas (fibrilação atrial, controle de resposta ventricular, disfunção
sistólica). Algumas vezes, a causa da MCR pode ser tratada para prevenir uma piora da
lesão cardíaca ou mesmo para reverter o quadro. Por exemplo, nos casos de uma
sobrecarga de ferro (hemocromatose), a remoção de sangue em intervalos regulares
reduz a quantidade de ferro depositado no coração. Outro exemplo em que uma terapia
específica pode ser utilizada é a sarcoidose, através dos corticosteroides.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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Instituto do Câncer do Estado de São Paulo - Faculdade de Medicina da
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textbook of cardiovascular medicine. 8th ed. Philadelphia: Elsevier; 2008.
p.1829-53.
MIOCARDITES

Vitor Agueda Salles


Sabrina Bernardez Pereira

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 32 anos, negro, sem comorbidades prévias, natural da Bahia,
residente do Rio de Janeiro. Iniciou quadro de dor torácica localizada, tipo pressão,
sem irradiação e sem fatores agravantes ou de melhora, após período de intenso
exercício físico. Evoluiu após dois dias com dispneia aos pequenos esforços, com
necessidade de ida ao setor de emergência.

Na admissão apresentava-se dispneico, com saturação de oxigênio de 88% em ar


ambiente, PA =160x100mmHg, FC =89bpm. Presença de terceira bulha do VE e
estertores crepitantes bibasais à ausculta. Sem edema periférico.

ECG apresentava ritmo sinusal e alteração de repolarização ventricular em toda a


parede anterior. Troponina inicial 2,0ng/ml e após 2h se manteve neste valor. O
paciente foi medicado com aspirina, clopidogrel e nitroglicerina venosa sem melhora
sintomática. O ECG evolutivo, duas horas após o início da dor, mantinha o mesmo
padrão da admissão. A radiografia de tórax apresentava aumento da área cardíaca e
sinais de hipertensão venosa capilar pulmonar. Ecocardiograma à beira do leito
evidenciava disfunção ventricular esquerda com acinesia de parede anterior e apical.

OBJETIVOS
1. Discutir modelos de apresentação clínica e diagnósticos diferenciais.
2. Descrever a fisiopatologia da miocardite viral com prevalência dos vírus
mais comuns.
3. Discutir a avaliação inicial de pacientes com suspeita de miocardite.
4. Identificar o papel dos exames de imagem no diagnóstico de miocardite.
5. Avaliar a importância da biopsia endomiocárdica e sua indicação.
6. Discutir medidas terapêuticas iniciais e especificas.
7. Analisar o suporte circulatório e o prognóstico.

PERGUNTAS
1. Qual o diagnóstico provável para este caso e os possíveis diagnósticos
diferenciais?

Por se tratar de um homem jovem, sem comorbidades prévias, que evolui com dor
torácica após estresse físico agudo, alteração eletrocardiográfica, troponina negativa e
disfunção ventricular de início recente, deve-se considerar fortemente a hipótese de
miocardite, embora outros diagnósticos diferenciais sejam necessários.

A miocardite pode apresentar uma ampla gama de sintomas, variando de uma leve
dispneia ou dor torácica que se resolve sem tratamento específico, ao choque e à morte
súbita. A miocardite também não deve ser esquecida na presença de arritmias atriais ou
ventriculares e bloqueio cardíaco completo. Embora pródromos de infecções virais
como febre, mialgia, sintomas gastrintestinais ou respiratórios sejam classicamente
associados à miocardite, esses sintomas são extremamente variáveis1.

A dor torácica na miocardite aguda pode ser resultante de pericardite associada ou,
ocasionalmente de espasmo coronariano2. Em alguns casos, simula infarto agudo do
miocárdio e, em geral, essa apresentação clínica está relacionada com a presença de
infecção pelo parvovírus B19. Este vírus é capaz de induzir disfunção endotelial direta
bem como dano miocárdico pela inflamação gerada. A combinação de isquemia e
inflamação explica as alterações eletrocardiográficas e elevação enzimática. Como o
processo é focal, em geral esses pacientes cursam com função ventricular esquerda
preservada3.

A cardiomiopatia dilatada aguda, decorrente de miocardite em geral, tem curso brando


e resolução em curto espaço de tempo, sem deixar sequelas. No entanto alguns indícios
clínicos podem sugerir pior evolução da doença. As crianças, por exemplo, costumam
apresentar quadro mais grave e fulminante que os adultos.

A miocardite por células gigantes costuma evoluir com insuficiência cardíaca aguda,
progressiva, arritmias ventriculares concomitantes e a taxa de óbito ou transplante
cardíaco é aproximadamente de 70% em um ano4.

Outros sinais e sintomas específicos de determinadas etiologias podem ser encontrados


na apresentação clínica da miocardite como rash cutâneo, febre e eosinofilia ou início
recente de medicação, reforçando o diagnóstico de miocardite por hipersensibilidade
ou arritmias ventriculares ou bloqueios atrioventriculares de segundo e terceiro graus,
na insuficiência cardíaca de início recente e não responsiva à terapia-padrão, no
diagnóstico de sarcoidose5.

Ademais, a suspeita de miocardite deverá ser afastada nas seguintes situações:


presença de taquicardia desproporcional a quadro febril; ausência de doença cardíaca
preexistente; aparecimento súbito de arritmias ou distúrbio de condução; presença de
aumento da área cardíaca ou sintomas de insuficiência cardíaca congestiva sem causa
aparente; quadro de dor torácica e/ou insuficiência cardíaca em pacientes jovens.

O diagnóstico diferencial da miocardite deve ser feito com síndromes coronarianas


agudas, pericardite, cardiomiopatia estresse-induzida (Takotsubo), displasia
arritmogênica do ventrículo direito, cardiomiopatias dilatadas, sendo o papel da
biopsia endomiocárdica especialmente importante na diferenciação desta última.

2. Qual é a fisiopatologia da miocardite e os agentes etiológicos mais prevalentes?

Diversas etiologias estão implicadas na apresentação da miocardite, sendo a mais


comum a decorrente de infecções virais1, com maior incidência de adenovirus,
coxsackievirus e parvovirus B19. Menciona-se que muitas outras espécies virais como
Epstein-Barr vírus, citomegalovirus, herpesvirus 6, além da Hepatite-C vírus já foram
demonstradas. O próprio vírus do HIV como causa de miocardite é demonstrado em
50% das autopsias de soropositivos6.

Dentre as bactérias, encontram-se: os Streptococcus, Corynebacterium e a Borrelia


burgdorferi1, causadora da doença de Lyme. No Brasil, deve-se lembrar que o
Trypanosoma cruzzi também pode ser causa de miocardite aguda, na doença de
Chagas7,8,.

A miocardite associada à eosinofilia9 pode ser relacionada a grande grupo de fármacos,


incluindo anticonvulsivantes, antibióticos e antipsicóticos, e por vezes a retirada do
fator causador acarreta rápida resolução dessa doença. No entanto devem ser afastadas
outras possíveis causas como parasitoses intestinais relacionadas à síndrome de
Loffler, síndrome eosinofílica, Churg-Strauss e reações vacinais como para varicela. A
miocardite necrotizante eosinofílica é uma forma rara e muito agressiva, com súbita
apresentação e elevada letalidade1.

Doenças com componentes autoimunes como sarcoidose e miocardite de células


gigantes10 assemelham-se do ponto de vista histológico, embora o curso clínico da
última possa ser muito mais associado a arritmias ventriculares e não raro determinam
uma indicação de transplante cardíaco de urgência. Outras doenças sistêmicas como
lúpus eritematoso, esclerodermia, granulomatose de Wegener, polimiosite, miastenia
gravis, tireotoxicose podem cursar com miocardite, enquanto outras como a amiloidose
podem ter seu prognóstico piorado pela presença desta11.

Na fisiopatologia mais prevalente relacionada à infecção viral, caracterizam-se três


fases relacionadas: a replicação viral, a produção de toxinas e a resposta imune do
hospedeiro1.

Na fase aguda ocorre replicação viral intensa e ativação macrocitária por proteínas
virais; estes por sua vez produzem IL1, IL2, TNF e IFN-γ, ocasionando intensa necrose
miocitária, sem infiltrados histológicos tão aparentes. Esta fase classicamente dura de
zero a quatro dias.

Na fase subaguda ocorre a depuração viral, sendo caracterizada por infiltrado


inflamatório mononuclear, presença de células natural-killer que através de perfurinas
promovem destruição de miócitos infectados, além de linfócitos T citotóxicos e B, estes
últimos responsáveis pela produção de anticorpos, durante essa fase, com duração
estimada de quatro a 14 dias.

Na fase crônica pode ocorrer recuperação completa ou perpetuação da resposta imune,


mesmo na ausência do vírus agressor. No último caso ocorre reação de anticorpos a
determinados epítopos dos miócitos, expostos previamente durante a fase aguda,
proporcionando fibrose, dilatação ventricular e insuficiência cardíaca, ocorrendo a
partir de 15 dias da instalação viral, persistindo de forma indefinida. Assim esta fase
acarreta a resolução da inflamação ou miocardite crônica1.

3. Quais são os exames necessários na avaliação inicial de um caso suspeito de


miocardite?

Rotineiramente, durante a investigação diagnóstica da miocardite solicita-se um perfil


laboratorial que inclua a dosagem de troponina e CKMB massa. A maioria dos
pacientes não apresenta alteração enzimática, porém quando esta é observada, a
troponina é a mais comumente elevada, com boa especificidade (89%), mas com baixa
sensibilidade (34%)12 para o diagnóstico de miocardite.

Um aspecto para a diferenciação de miocardite em relação às síndromes isquêmicas é o


comportamento em platô das enzimas na miocardite, ao contrário do comportamento
tradicional em curva. Quando existe elevação de marcadores de necrose miocárdica
estes também determinam pior prognóstico13.

A dosagem de proteína C-reativa e de VHS na caracterização de síndrome inflamatória


é recomendável, bem como pesquisa de autoanticorpos como fator reumatoide e FAN, e
sorologias para hepatites e HIV em pacientes com suspeição clínico-epidemiológica. A
realização das demais sorologias virais de rotina, na busca do agente etiológico da
miocardite possui muito baixa sensibilidade, é bastante dispendiosa, não sendo
indicada de rotina. O BNP pode ser usado para confirmar o quadro de IC associada à
miocardite, principalmente quando houver dúvida diagnóstica com pneumopatias.

O eletrocardiograma é outro exame obrigatório, apesar de apenas revelar taquicardia


sinusal na maioria dos casos, eventualmente associada a alterações não específicas do
segmento ST e onda T. No entanto pode detectar supra ou infradesnivelamento do
segmento ST, ondas Q patológicas, bloqueios atrioventriculares e de ramos, e
infradesnivelamento de PR (sugerindo miopericardite). Assim, apesar de limitada
sensibilidade (47%), pode evidenciar alterações que têm diretas implicações com pior
prognóstico14.

A radiografia de tórax também é recomendada de rotina para exclusão de outros


diagnósticos diferenciais como pneumopatias e bócio, podendo agregar dados
auxiliares como nódulos pulmonares (encontrados na sarcoidose), aumento de área
cardíaca com conformação tipo “moringa” bastante sugestivo de derrame pericárdico
associado.

O ecocardiograma é exame fundamental15, pois além de sugerir tipos específicos de


acometimento como isquêmico, infiltrativo, restritivo e hipertrófico pode ainda agregar
dados em relação à presença ou não de disfunção ventricular e sua gravidade,
envolvimento de ventrículo direito (que se correlaciona com pior prognóstico16) e
repercussão sobre artéria pulmonar, e envolvimento de pericárdio/líquido pericárdico.
O conjunto dos dados obtidos é crítico para o julgamento de decisões da equipe médica
como suporte inotrópico, diureticoterapia, balão de contrapulsação aórtica,
dispositivos de assistência uni ou biventricular e avaliação para transplante cardíaco
de urgência.

4. Ressonância nuclear magnética ou cintilografia miocárdica? O que indicam as


evidências atuais?

A introdução da RNM cardíaca para o diagnóstico de miocardite17, a partir de meados


da última década, vem substituindo a cintilografia miocárdica com gálio como exame
não invasivo padrão-ouro.

Esse método permite, pela mensuração de lesão miocárdica, edema perilesional e


fibrose, identificar a extensão do acometimento e a fase de evolução (aguda x crônica)
da doença. Determina ainda se o acometimento é uni ou biventricular, com implicações
prognósticas (já mencionadas), e se há derrame pericárdico associado
(miopericardite).

É de grande auxílio na diferenciação diagnóstica com síndromes isquêmicas agudas,


quando há acometimento subendocárdico e respeita-se um determinado território
coronariano18.

Assim a RNM cardíaca é indicada para pacientes admitidos com suspeita diagnóstica
de miocardite, em que há elevação enzimática e se faz necessário o diagnóstico
diferencial com infarto agudo do miocárdio ou para confirmação diagnóstica da
miocardite, naqueles já submetidos à estratificação anatômica normal. Pode ainda ser
indicada como avaliação evolutiva da doença quando repetida após quatro semanas do
exame diagnóstico inicial, permitindo a detecção ou não da regressão do acometimento
cardíaco.

Infelizmente este método não pode ser aplicado no modelo de pacientes mais graves
que se apresentem com instabilidade hemodinâmica, devido aos riscos oferecidos por
dificuldades logísticas na realização da técnica.

A cintilografia com gálio19 tem menor sensibilidade para o diagnóstico de miocardite


quando comparada à RNM, sendo mais bem indicada até três meses da apresentação do
quadro, podendo ser utilizada quando não houver disponibilidade da RNM cardíaca.

5. Quando indicar a biopsia endomiocárdica?

O exame histológico do tecido cardíaco é necessário para a confirmação diagnóstica da


miocardite; no entanto a utilidade da biopsia endomiocárdica é limitada pelos erros na
coleta amostral e variabilidade da interpretação do observador.

Este procedimento, no contexto de suspeita clínica de miocardite, tem como objetivo


estabelecer o diagnóstico, definir o agente etiológico e o grau de agressão miocárdica e
auxiliar na definição terapêutica. A presença de genomas virais em tecido cardíaco de
pacientes com miocardite aguda pode predizer eventos adversos. A ausência de
genomas virais em pacientes com miocardite crônica pode identificar um subgrupo de
pacientes que irá responder a pequeno curso de imunossupressão20.

A miocardite ativa se caracteriza por um infiltrado inflamatório celular (linfocítico,


eosinofílico e granulomatoso) com presença de necrose de miócitos. Na miocardite
borderline, encontra-se um infiltrado celular inflamatório sem evidência de injúria
miocárdica.

O papel da biopsia endomiocárdica na avaliação de doença cardiovascular foi


abordada através de documento científico construído pelo American College of
Cardiology Foundation em conjunto com a American Heart Association e European
Society of Cardiology (ACCF/AHA/ESC)21. As indicações de biopsia endomiocárdica
foram definidas através de cenários clínicos. As indicações classe I são limitadas a
pacientes com surgimento de insuficiência cardíaca (<2 semanas) associada a
ventrículo esquerdo normal ou dilatado com comprometimento hemodinâmico, e para
pacientes com surgimento de insuficiência cardíaca de duas semanas a três meses de
duração com dilatação ventricular esquerda, arritmia ventricular ou bloqueio
atrioventricular de alto grau, ou a pacientes não responsivos ao tratamento usual em 1-2
semanas21.

6. Quais são as opções terapêuticas atualmente disponíveis?

Os pacientes que se apresentam com miocardite e cardiomiopatia dilatada aguda devem


receber o tratamento de acordo com as diretrizes atuais para a insuficiência cardíaca. O
principal objetivo no tratamento da miocardite aguda é a terapia de suporte para a
disfunção ventricular esquerda. A maioria dos pacientes com disfunção ventricular irá
se estabilizar clinicamente com o uso da terapia-padrão com uso de inibidores da
enzima de conversão da angiotensina, betabloqueadores e diuréticos, se necessário. Os
pacientes não responsivos à terapêutica otimizada devem receber suporte circulatório
mecânico como ponte para transplante22.

O tratamento convencional das arritmias deve ser implementado quando necessário.


Alguns casos podem requerer marca-passo e desfibrilador implantável.

É recomendado cessação da atividade física aeróbica por alguns meses mesmo após a
recuperação, uma vez que em modelos animais a continuidade de exercícios aeróbicos
esteve relacionada com maiores taxas de mortalidade, em especial na miocardite pelo
coxsackievirus23.

A ribavirina e o interferon-alfa melhoraram a sobrevida de ratos com miocardite aguda


quando administrado no momento da inoculação viral24. A terapia antiviral mostrou na
miocardite aguda em humanos, um pior resultado, porque os pacientes procuraram
tratamento dias a semanas após a infecção viral inicial. Em contraste, o interferon-beta
tem demonstrado bons resultados na persistência do genoma viral em cardiomiopatias
dilatadas crônicas e estáveis25.

O uso da imunoglobulina na cardiomiopatia dilatada aguda não demonstrou ser superior


ao placebo em ensaios clínicos, assim como não foi adequadamente avaliada na
cardiomiopatia dilatada crônica com inflamação ou persistência viral26, não sendo
indicado seu uso rotineiro na ausência de biopsia miocárdica.

Adicionalmente, a imunossupressão não foi capaz de mudar a história natural da


miocardite infecciosa, por isso seu uso não é recomendado de forma rotineira. Três
grandes ensaios clínicos prospectivos sobre estratégias imunossupressoras foram
realizados em pacientes com miocardite, nenhum dos quais mostrou benefícios
significativos10,,. O tratamento empírico com imunossupressão para doença autoimune
sistêmica, especialmente na miocardite de células gigantes e miocardite por sarcoidose,
muitas vezes é dado com base em evidências de pequenas séries casos.

7. Caso este paciente evolua com quadro de choque cardiogênico, quais são as
medidas a serem adotadas?

A miocardite fulminante é uma condição muito grave, com elevada letalidade em sua
apresentação, exigindo alto conhecimento do médico assistente sobre manejo
hemodinâmico para ultrapassar a fase crítica, em geral até duas semanas. Caso o
paciente sobreviva, existe possibilidade de resolução completa da miocardite, com o
paciente voltando a ter expectativa de vida semelhante à população normal.

A identificação precoce da síndrome de baixo débito, com sinais como redução do


nível de consciência, hipotensão grave e oligúria, é fundamental. A utilização de
medidas intracavitárias e de débito cardíaco como cateter de swan ganz, dispositivos
minimamente invasivos (vigileo) ou ecocardiogramas seriados à beira do leito auxiliam
na condução do paciente. Deve ser iniciado suporte inotrópico venoso, em geral com
dobutamina na dose de 2,5g/kg/min a 20g/kg/min tão logo detectada a falência
circulatória. A milrinona na dose de 0,25g/kg/min a 0,80g/kg/min pode ser utilizada de
maneira alternativa, sobretudo quando houver predomínio de insuficiência ventricular
direita, porém a hipotensão apresentada por esses pacientes muitas vezes limita seu
uso.

A utilização de dispositivos de suporte cardíaco na miocardite fulminante é descrita há


mais de uma década, com significativo impacto na melhoria do prognóstico.

O balão intra-aórtico(BIA), presente na maioria das unidades cardiointensivas, auxilia


na redução de gasto energético cardíaco, com melhora na performance sistólica e
diastólica, sendo uma alternativa imediata, quando não houver pronta resposta aos
inotrópicos, inclusive contribuindo para melhora de perfusão de sistema coronariano e
carotídeo com aumento de fluxo sanguíneo cerebral.

Após estabilização inicial, o paciente deve ser conduzido à sala de hemodinâmica para
afastar a presença de doença coronariana e realização de biopsia miocárdica na
suspeição de miocardite.

Na confirmação diagnóstica e com a persistência da labilidade hemodinâmica após


48h, deverão ser planejadas medidas de suporte mais duradouras, visto que há sérias
complicações relacionadas à permanência prolongada do BIA, como ateroembolismo,
sangramentos locais e plaquetopenia grave.

A circulação extracorpórea (ECMO) pode ser utilizada em até 5 a 7 dias, sendo útil
também nos distúrbios de troca gasosa por vezes relacionados (hipoxemia/retenção de
CO2), porém esta técnica é de uso mais amplo nos choques relacionados à cirurgia
cardíaca para saída de CEC.

Os dispositivos de assistência uni ou biventriculares são indicados para a manutenção


mais prolongada do suporte circulatório de pacientes com choque cardiogênico,
inclusive daqueles com miocardite, ocasionando menores complicações (ex:
sangramentos) que o ECMO. Os dispositivos biventriculares são os mais utilizados,
devido à frequente disfunção de VD nesses pacientes, porém também se correlacionam
com maior número de complicações, principalmente infecciosas e disfunção hepática.
Estes dispositivos permitem manter o suporte circulatório do paciente até melhora do
quadro, ou em caso desta não ocorrer, oferecem aumento de sobrevida, servindo como
ponte, até que o transplante cardíaco seja realizado (Figura 1).
Figura 1
Algoritmo de investigação e tratamento de IC grave de início recente.
Fonte: Gupta et al.29

8. O prognóstico difere entre as apresentações clínicas?

O prognóstico de pacientes com miocardite aguda pode variar de acordo com a


apresentação clínica, fração de ejeção e pressão arterial pulmonar.

Outros fatores relacionados ao mau prognóstico são pacientes com classe funcional
(NYHA) avançada, sinais imuno-histológicos de inflamação e o não uso de
betabloqueadores. A presença da persistência viral também tem sido associada com
disfunção ventricular esquerda progressiva.

De um modo geral, o prognóstico na miocardite aguda é bom, exceto na miocardite de


células gigantes. A miocardite fulminante é uma entidade diferente, caracterizada por
comprometimento hemodinâmico grave à apresentação, mas um prognóstico a longo
prazo excelente e potencial recuperação contrátil ventricular esquerda.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Referências

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CARDIOMIOPATIA CHAGÁSICA

Ademir Batista da Cunha


Delma Cunha

CASO CLÍNICO
Paciente feminina, 57 anos, branca, natural de Maceió (AL), residente no Rio de
Janeiro há 16 anos. Apresenta cansaço aos grandes esforços há quatro anos, sendo que
há seis meses evoluiu para cansaço aos mínimos esforços. É tabagista há 30 anos (1\2
maço/dia). Residiu em casa de pau a pique em sua terra natal e conhece o mosquito
“barbeiro”. Nega hemotransfusão.
Sinais vitais: PA =100/60mmHg; Temp =36°C; FC =47bpm; FR =18irpm.
Ectoscopia: Lúcida, orientada no tempo e no espaço. Apresenta-se normocorada,
anictérica, acianótica e hidratada. Levemente dispneica em ar ambiente. Presença de
turgência jugular a 45°.

Exame físico à admissão:


AR: Estertores crepitantes bibasais
ACV: RCR, 4T B3 e B4 BNF e sopro sistólico de regurgitação em foco mitral.
ABD: Flácido, peristalse presente. Hepatomegalia dolorosa e refluxo
hepatojugular.
MMII: Presença de edema bilateral indolor, mole, frio e com sinal do cacifo.
Pulsos presentes e isocóricos.

Exames complementares à admissão


sorologia para doença de Chagas
Hemaglutinação indireta: Positivo
ELISA: Reagente
Laboratório:
Sódio sérico =138 mEq/L; Potássio =4,6mEq/L; Glicemia =96mg/dL; Ureia
=65mg/dL; Creatinina =0,88mg/dL; Hemoglobina =12,6 milhões/mm3; Hematócrito
=38%; Leucócitos =6000/mm3; TGO =18U/L; TGP =16U/L; GGT =16U/L;
Bilirrubinas totais =0,63mg/dL; Bilirrubina direta =0,22mg/dL; Bilirrubina
indireta =0,41mg/dL; Tempo de protrombina =106s; RNI =0,97.

Radiografia de tórax: Índice cardiotorácico =0,55


Eletrocardiograma (ECG): Bradicardia sinusal (FC =47bpm) BRD de 3º grau,
hemibloqueio anterior esquerdo e distúrbios inespecíficos da repolarização
ventricular.

Ecocardiograma:
DDFVE: 6,8; DSFVE: 5,6; VSFVE: 153
Fração de ejeção (método Simpson) =31%
Insuficiência mitral: moderada
Insuficiência tricúspide: leve
Veia cava inferior/congestão: ausente

Ergoespirometria:
Duração: 8min20s; Distância percorrida: 0,24 milhas
FC max: 95bpm; VE/VCO2: 39
Limiar anaeróbio prejudicado: não
Limiar anaeróbio: 80
Pulso de oxigênio: 6,8; VO2 max: 12,5; R (VO2/VCO2): 1,26
Grupo funcional: III

Holter:
Total de batimentos: 87649; Total de ectopias ventriculares: 18194; Total de ectopias
supraventriculares: 1; Total de salvas em TVNS: 7
Variabilidade da FC (SDNN): 137; Variabilidade da FC (SDANN): 121

Tratamento medicamentoso: foi instituída a medicação clássica adotada para


insuficiência cardíaca (IC) classe funcional III da New York Heart Association
(NYHA) conforme recomendações contidas no Quadro 1.

Quadro 1
Tratamento medicamentoso da cardiomiopatia chagásica

Evolução: A evolução clínica foi satisfatória e em quatro anos de acompanhamento a


paciente passou da classe funcional III (NYHA) para a classe I, tanto na avaliação
clínica subjetiva como na avaliação da ergoespirometria. A evolução dos parâmetros
de laboratório foi considerada pertinente e não apresentou nenhum transtorno relevante
(Quadro 2).

Quadro 2
Evolução laboratorial

Sódio sérico: mEq/L; Potássio: mEq/L; Glicemia: mg/dL; Ureia: mg/dL; Creatinina: mg/dL
Hemoglobina: milhões/mm3; Hematócrito: %; Leucócitos: mm3; TGO: U/L; TGP: U/L; GGT: U/L. Bilirrubinas totais:
mg/dL; Bilirrubina direta: mg/dL; Bilirrubina indireta: mg/dL; Tempo de protrombina: s; RNI: 0,97

Foram realizados ecocardiogramas seriados no período de quatro anos e a evolução foi


excelente, demonstrando ganho de 10% na fração de ejeção (FE) avaliada pelo método
de Simpson e uma redução significativa do volume sistólico final (VSF) de 153 para
107 (Quadro 3).

Quadro 3
Evolução ecocardiográfica
DDFVE=diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo; DSFVE=diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo;
VSFVE=volume sistólico final de ventrículo esquerdo; VE=ventrículo esquerdo

Durante a evolução, o teste cardiopulmonar foi realizado com intervalo de seis meses e
demonstrou que a paciente passou da classe funcional III para a classe funcional I com
aumento da duração do teste de 12,5min para 16min, passando de um pulso de oxigênio
de 10ml p/bat no primeiro teste para 13ml p/bat no segundo teste. Houve aumento do
VO2 max (ml/kg/min) de 21,85ml/kg/min para 24,04ml/kg/min (Quadro 4).

Quadro 4
Evolução pela ergoespirometria

O exame de Holter-ECG 24h foi muito importante na avaliação evolutiva, pois


demonstrou o excelente resultado obtido com a instituição de amiodarona. Na avaliação
pelo Holter, no primeiro ano de evolução, chegou a ser detectado um número de 203
episódios de taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) e 31.335 ectopias
ventriculares em 24horas. Na última avaliação pelo Holter, não foram detectados
episódios de TVNS e apenas 1.136 ectopias ventriculares (Quadro 5).

Assim, o caso clínico foi apresentado de forma a demonstrar que a cardiopatia


chagásica crônica pode se apresentar de forma grave com um quadro clínico exuberante
e maus indicadores pelo ecocardiograma (FE 31%), pelo Holter-24h (203 episódios de
TVNS), porém com instituição de terapêutica adequada e controle rigoroso dos
parâmetros clínicos, de laboratório e exames complementares, é possível a obtenção de
um resultado bastante satisfatório.
Quadro 5
Evolução pelo Holter
TVNS=taquicardia ventricular não sustentada; FC=frequência cardíaca; SDNN=desvio-padrão da média de todos os
intervalos RR normais; SDANN=desvio-padrão das médias dos intervalos RR normais

OBJETIVOS
1. Discutir as novas fronteiras para o diagnóstico da cardiopatia chagásica
crônica (CCC).
2. Estabelecer a relação dos sinais e sintomas com a fisiopatologia da CCC.
3. Discutir os mecanismos fisiopatológicos e patogênicos da CCC.
4. Definir as bases terapêuticas da CCC.
5. Discutir o tratamento farmacológico das arritmias na CCC.
6. Analisar as indicações de transplante cardíaco e terapia celular na CCC.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas que poderiam explicar a causa dos sintomas?

O principal sintoma apresentado pela paciente foi cansaço, inicialmente aos grandes
esforços e, posteriormente, aos mínimos esforços, acompanhado de sinais clássicos de
insuficiência cardíaca congestiva: estertores crepitantes bibasais e síndrome de
congestão venosa sistêmica exteriorizada por turgência jugular a 45º, hepatomegalia
com refluxo hepatojugular e edema de membros inferiores.

Impõe-se o diagnóstico sindrômico de insuficiência cardíaca, porém é fundamental


pesquisar a etiologia do quadro. A primeira hipótese, indiscutivelmente, é a doença de
Chagas na sua forma determinada com cardiopatia grave, determinando insuficiência
cardíaca em classe funcional III da NYHA pelos seguintes argumentos: história
epidemiológica para doença de Chagas; eletrocardiograma basal apresentando bloqueio
de ramo direito de 3º grau associado à hemibloqueio anterior esquerdo; grande
predomínio de sinais de insuficiência ventricular direita.

Diante de tais argumentos é obrigatória a confirmação sorológica, sendo realizados


dois testes: ELISA e hemaglutinação indireta. O bloqueio de ramo direito associado ao
hemibloqueio anterior esquerdo é forte indicador de cardiomiopatia chagásica em
pacientes que viveram em área endêmica1,2, e o bloqueio de ramo esquerdo não é um
fator sugestivo dessa hipótese.

Ao ecocardiograma bidimensional com Doppler encontra-se uma disfunção ventricular


esquerda importante traduzida na reduzida fração de ejeção pelo método de Simpson
(31%) e uma hipocinesia difusa, fatores que favorecem o diagnóstico de insuficiência
cardíaca, mas não a etiologia chagásica especificamente. A presença de aneurisma de
ponta do VE poupando o septo é considerada ótimo marcador da etiologia chagásica na
disfunção ventricular esquerda pelo ecocardiograma3,4, porém esse dado não foi
detectado.

A etiologia isquêmica e a hipertensiva sempre devem ser pesquisadas considerando sua


alta incidência, porém habitualmente não vêm acompanhadas de sinais característicos
de insuficiência ventricular direita associadas5-7. Além disso, faltam dados importantes
para etiologia isquêmica, como o passado de dor precordial ou mesmo de infarto agudo
do miocárdio e ausência de fatores de risco contundentes para a etiologia isquêmica.
Considerando a etiologia hipertensiva, esta foi facilmente afastada, pela negativa de
quaisquer episódios de hipertensão na história da paciente e pela apresentação do
quadro clínico sem comemorativos relacionados à evolução da hipertensão arterial
sistêmica.

É muito comum na insuficiência cardíaca de etiologia chagásica a queixa de dor


precordial atípica em pacientes com história epidemiológica e mesmo com defeitos
perfusionais na cintilografia miocárdica8-10. Nesse caso é importante definir primeiro a
etilogia chagásica através da confirmação sorológica, em vez de um encaminhamento
precipitado e imediato para a cineangiocoronariografia, que na maioria das vezes,
nesse contexto, não revela obstrução arterial coronariana.

2. Como confirmar o diagnóstico?

Os sintomas predominantes na cardiopatia chagásica crônica (CCC) são aqueles da IC,


como dispneia progressiva, astenia e fadiga. Os sintomas de IC direita embora mais
comuns nas fases mais tardias da doença podem surgir precocemente na forma de
edema de membros inferiores, hepatomegalia e desconforto epigástrico. Nas fases
tardias, além dos sinais de IC direita, podem ser encontrados sintomas de baixo débito
cardíaco e intolerância ao esforço.

Outros parâmetros frequentes são: história de eventos arrítmicos como bradi ou


taquiarritmias, palpitações, pré-sincope e síncope11-13.

O diagnóstico da cardiopatia chagásica crônica se baseia em dados epidemiológicos,


história clínica, exame físico, sinais eletrocardiográficos, radiológicos, além dos testes
sorológicos.

O acidente vascular encefálico por evento tromboembólico pode ser a primeira


manifestação da CCC, sendo consequência principalmente de trombos intracavitários12.
Dor anginosa atípica é muito comum devido à isquemia miocárdica na ausência de
obstrução coronariana cuja explicação está nas alterações inflamatórias, tromboses e
distúrbios da microcirculação coronariana14-16.

Ao exame, evidencia-se cardiomegalia global, sopros de regurgitação mitral e


tricúspide, e terceira bulha. A importante disfunção do ventrículo direito resulta em
sinais de baixo débito, hipotensão e pulso filiforme o que contrasta muitas vezes com
sinais de congestão pulmonar menos intensos17-19.

Considerando a baixa parasitemia encontrada na fase crônica da doença de Chagas, os


testes parasitológiocos não são mais realizados. Devem ser feitos de rotina testes que
se baseiem na detecção dos anticorpos contra o Trypanosoma cruzi, utilizados para o
esclarecimento da etiologia da cardiopatia20.

Confirma-se o diagnóstico sorológico da doença de Chagas utilizando-se pelo menos


dois testes sorológicos de princípios diferentes, buscando demonstrar a presença de
anticorpos anti-T.cruzi20. Os testes sorológicos considerados convencionais são: ensaio
imunoenzimático (ELISA), imunofluorescência indireta (IF) e hemaglutinação indireta
(HAI). A concordância obtida entre os três testes é mais de 98,0%21,22. O teste ELISA e
IF têm sensibilidade superior a 99,5%, porém a especificidade é menor (97-98,0%). Já
o teste de HAI apresenta sensibilidade menor (97-98,0%) com especificidade maior
(99,0%)23-26.

O eletrocardiograma é importante marcador prognóstico na cardiopatia chagásica


crônica. As alterações iniciais se traduzem no aparecimento de retardos transitórios ou
fixos da condução atrioventricular, da condução pelo ramo direito ou em alterações da
repolarização ventricular e/ou ectopias ventriculares1,27.

O bloqueio de ramo direito associado ao hemibloqueio anterior esquerdo é a alteração


eletrocardiográfica mais frequente na CCC1,27,28; a detecção do bloqueio de ramo
esquerdo ou do fascículo posterior é considerado raro. Os bloqueios atrioventriculares
mais avançados representam lesões extensas do nó AV e sistema de His, e podem surgir
como a primeira manifestação da doença.

Os bloqueios sinoatriais são decorrentes da disfunção do nó sinusal que pode se


exteriorizar ao eletrocardiograma como uma bradicardia ou taquicardia atrial ectópica.

É importante ressaltar que na CCC o surgimento do flutter atrial e fibrilação atrial são
mais tardios e se instalam geralmente nos quadros de grave disfunção ventricular29,30.

As extrassístoles ventriculares representam um capítulo à parte na CCC, e


frequentemente se associam à disfunção ventricular. As formas mais complexas como a
TVNS ou a taquicardia ventricular sustentada (TVS) podem estar presentes mesmo em
pacientes sem IC, mas são mais comuns nos casos avançados sendo a sua coexistência
um fator de pior prognóstico11,13,31.

A radiografia de tórax mostra cardiomegalia nas fases evolutivas mais avançadas,


contrastando com discretos sinais de congestão pulmonar, muitas vezes destacando o
acentuado comprometimento do ventrículo direito (VD). Outros sinais detectáveis ao
RX de tórax na CCC são: congestão venosa sistêmica, derrame pleural e pericárdico.

O ecocardiograma é forte aliado do clínico no diagnóstico e na avaliação do paciente


portador de CCC. Através do ecocardiograma é possível avaliar a contratilidade
regional e global do VE, o acometimento do VD, a existência de aneurisma apical,
trombos intracavitários e as alterações na função diastólica de VE3,32.

Uma grande vantagem da ecocardiografia está no fato de poder demonstrar, mesmo em


pacientes na fase indeterminada da doença de Chagas, as alterações na contratilidade
segmentar em parede inferior ou apical do VE em cerca de 10-15% dos casos. Nos
pacientes com CCC, o aneurisma apical pode ser encontrado na frequência de 40-
60%3,4,32.

O Doppler tecidual tem sido utilizado para demonstrar disfunção sistólica; as


velocidades de encurtamento sistólico e o alongamento diastólico, em pacientes com
ECG normal são capazes de mostrar tempos de contração isovolumétrica prolongados
em VE e VD33-36; logo, mesmo na presença de ECG normal é possível demonstrar pelo
ecocardiograma o dano funcional ao miocárdio.

O ecocardiograma de estresse farmacológico também tem apresentado importante


contribuição na avaliação funcional do VE, demonstrando a redução da resposta
inotrópica e cronotrópica à infusão de dobutamina, resposta contrátil bifásica
inclusive37. Arritmias ventriculares complexas podem ser induzidas pelo
ecocardiograma de estresse nas fases precoces da doença de Chagas38.

A fase indeterminada da doença de Chagas continua apresentando excelente


prognóstico, mesmo com alterações refinadas ao ecocardiograma, seja de função
diastólica ou sistólica, conforme demonstrado por inúmeros estudos39-43.

O ecocardiograma, portanto, não só demonstra o estágio avançado da CCC como


também alterações extremamente precoces do dano miocárdico, tornando-se exame de
alto valor no acompanhamento clínico de tais pacientes.

Outra forma importante de avaliação do dano miocárdico é a ressonância magnética que


pode identificar precocemente áreas de realce tardio reflexivos de fibrose, o que
permite estratificar de forma precisa os parâmetros de gravidade da doença. É possível
correlacionar a extensão da fibrose com o estágio de evolução da doença, com a classe
funcional e com a fração de ejeção do VE, refletindo assim fatores prognósticos da
CCC44.

Nos pacientes com CCC e dor anginosa, a cintilografia de perfusão miocárdica pode
demonstrar déficits de perfusão segmentar em até 30% e com coronariografia normal, o
que reflete alteração da microcirculação coronariana. Esse distúrbio se correlaciona
com a redução progressiva da função ventricular9,10.

O Holter (eletrocardiografia dinâmica) é valioso instrumento na avaliação da CCC,


pois pode detectar bradiarritmias ou taquiarritmias e esclarecer episódios de síncope.
Tanto as bradiarritmias quanto as taquiarritmias podem estar presentes ao mesmo
tempo, destacando-se o bloqueio atrioventricular avançado e a taquicardia ventricular
sustentada. São frequentes ao Holter episódios de TVNS cuja detecção é importante
pelo potencial prognóstico que essa arritmia apresenta, como tem sido observado em
séries retrospectivas e prospectivas11,13,45,46.
O teste ergométrico e o teste cardiopulmonar também representam importante
instrumento de avaliação na CCC, detectando arritmias induzidas por esforço e assim
evidenciar mais um fator prognóstico nessa condição38,45.

A medida direta do consumo de oxigênio pelo teste cardiopulmonar (VO2) é importante


fator prognóstico. Já está demonstrado que pacientes com VO2 <12ml/kg/min estão
sujeitos a elevada mortalidade em um ano. O teste cardiopulmonar é um método
auxiliar utilizado na indicação de transplante cardíaco.

O estudo eletrofisiológico (EEF) na CCC tem importante papel no esclarecimento da


função do nó sinusal e condução AV, sobretudo em pacientes que apresentam síncope a
esclarecer, após avaliação não invasiva ou em pacientes com morte súbita
revertida45,46.

Uma indicação fundamental do EEF está na situação em que uma taquicardia ventricular
é refratária e, portanto, susceptível à ablação de focos arritmogênicos46.

O cateterismo cardíaco na CCC não é um exame de rotina e deve ser reservado para
situações em que o paciente apresente múltiplos fatores de risco para doença arterial
coronariana, dor precordial típica, com a demonstração de uma extensa área isquêmica
por métodos não invasivos.

3. Qual a patogenia e a fisiopatologia da CCC?

Diversos mecanismos são responsáveis pela patogenia das lesões cardíacas na CCC e
todos eles contribuem para implantar os diversos transtornos fisiopatológicos, que vão
se refletir na construção de uma miocardiopatia dilatada, marcada pela inflamação
crônica de baixa intensidade, mas permanente, o que vai contribuir para a destruição
tecidual progressiva e uma extensa fibrose cardíaca.

Os mecanismos patogênicos são: disautonomia cardíaca, distúrbios microcirculatórios,


mecanismos imunopatológicos, inflamação e agressão tissular parasito-dependente,
fisiopatologia da cardiopatia chagásica crônica.

Disautonomia cardíaca
A depopulação neuronal predominantemente parassimpática é um fator demonstrado
exaustivamente por estudo necroscópico pioneiro47.
Vários métodos de avaliação funcional demonstram disautonomia cardíaca e essas
alterações podem ser encontradas antes da disfunção ventricular esquerda, em formas
indeterminadas ou digestivas da doença.

A maior consequência dessa alteração é que pacientes portadores da doença de Chagas


perdem o controle inibitório vagal, que normalmente é exercido sobre o nó sinusal, e se
tornam incapazes de realizar ajustes cronotrópicos rápidos em resposta a estímulos
fisiológicos como alterações posturais, exercício físico, em que existe a mediação
vagal8,48. A grande pergunta que surge é se a perda do controle parassimpático poderia
explicar os mecanismos de morte súbita na CCC.

Alterações estruturais e funcionais do sistema simpático também estão descritas, porém


em menor intensidade. Essas alterações estão associadas a distúrbios contráteis e
perfusionais miocárdicos14.

A interferência com os receptores adrenérgicos e muscarínicos através de anticorpos


circulantes podem produzir disautonomia e modular aspectos eletrofisiológicos
responsáveis por arritmias importantes49.

Para analisar o envolvimento do SNA na patogênese da cardiopatia chagásica crônica,


o estudo de Cunha et al.50 analisou 75 pacientes distribuídos, pela classificação de Los
Andes, em quatro grupos (IA, IB, II e III). Realizou dosagem de norepinefrina na urina
de 24 horas coletada de 52 pacientes com cardiopatia chagásica (69%), 12 pacientes
cardiopatas de outras etiologias (classe IV NYHA), sendo este o grupo-controle, e 10
indivíduos normais. Também realizou Holter 24 horas em 56 pacientes (74,6%) para
análise da variabilidade da frequência cardíaca (VFC), sendo os parâmetros
distribuídos de acordo com a classificação de Los Andes e a classificação de Lown. Os
níveis de norepinefrina foram significativamente maiores (p=0,0001) no grupo-controle
(cardiopatas não chagásicos) do que no grupo III (CCC). Observou-se diminuição da
VFC nos pacientes chagásicos, porém sem relação com a classe funcional. Concluiu-se
que os níveis de norepinefrina dos pacientes chagásicos em fase avançada de
comprometimento cardíaco (grupo III) não se elevam como na cardiopatia de outras
etiologias com semelhante grau de comprometimento cardíaco, sendo deduzida a
possibilidade de exaustão do simpático nessa fase já avançada da CCC50.

Em resumo, a teoria neurogênica está implantada, porém permanece controversa no que


diz respeito à explicação da destruição miocárdica observada na CCC.

Distúrbios microcirculatórios
A inflamação é, sem dúvida, uma evidência na explicação de diversos aspectos da
agressão dirigida ao miocárdio na CCC. Alterações microvasculares, microtrombos,
espasmo microcirculatório, disfunção endotelial e aumento da atividade plaquetária são
deformações encontradas em modelos experimentais de infecção por Trypanosoma
cruzi51.

A inflamação pode estar diretamente relacionada ao T.cruzi ou pode ser resultado de


uma intervenção imunológica. A isquemia miocárdica parece ser a consequência mais
evidente dos efeitos inflamatórios estimulados pelas alterações microcirculatórias.
Como já comentado, a dor precordial é muito frequente entre pacientes com CCC,
muitas vezes seguida por alterações perfusionais evidenciadas à cintilografia
miocárdica de perfusão, porém sem alterações obstrutivas à cineangiocoronariografia.
O acometimento de áreas com poucas ramificações coronarianas no miocárdio, por
alterações microcirculatórias já descritas, provocam zonas de perfusão marginal ou
“divisoras de águas”, levando à formação de aneurismas em paredes do ventrículo
esquerdo, como a apical e a posterobasal52.

Mecanismos imunopatológicos
Se por um lado a fase indeterminada da doença de Chagas reflete um equilíbrio dos
mecanismos imunopatológicos, caracterizando-se por baixa parasitemia e uma
inflamação de baixa intensidade com evolução clínica benigna, fatores ainda não
totalmente esclarecidos podem romper esse equilíbrio protetor tornando mais intensa a
inflamação, necrose e fibrose, de forma difusa e progressiva.

A carga parasitária, a cepa do parasito, o tropismo tecidual do parasito, o tempo de


infecção e componentes genéticos do hospedeiro são fatores determinantes na
estabilidade ou na instabilidade dos mecanismos imunopatológicos na doença de
Chagas.

Uma resposta inflamatória limitada está ligada a indivíduos com infecção controlada e
sem o desenvolvimento de alterações cardíacas estruturais importantes. Já aqueles que
se apresentam em forma de cardiopatia grave refletem a evolução com inflamação
grave, necrose e fibrose intensas.

Se por um lado não há dúvida de que reações patogênicas de autoimunidade por


mimetismo celular e ativação policlonal estão presentes na CCC, por outro lado, ainda
não se sabe se a agressão às estruturas cardíacas relacionadas à autoimunidade será
determinante para explicar as lesões características da CCC.

A teoria sobre a reação do sistema imunológico à infecção pelo T.cruzi referindo sua
participação na cardiopatia chagásica crônica como um mecanismo essencial está
consolidada por inúmeras evidências experimentais e clínicas.

Inflamação e agressão tissular parasito-dependente


A evidência da persistência de parasitas em focos inflamatórios miocárdicos foi
possível a partir de técnicas mais sensíveis como a imuno-histoquímica ou a PCR, o
que antes era quase impossível através dos clássicos métodos histológicos. Foi
possível observar, através de estudos em animais de experimentação e humanos a
redução da carga parasitária através do tratamento tripanossomicida e a consequente
atenuação ou interrupção da progressão da miocardite crônica53,54.

Também se pode observar que em situações de reinfecções com T.cruzi ou na sua


multiplicação em casos de imunodepressão haverá uma intensificação das reações
inflamatórias e da evolução clínica da cardiopatia chagásica crônica. Esse tipo de
evidência tem contribuído para o consenso de que o cerne da patogenia na CCC está na
teoria que relata a inflamação estritamente dependente da persistência parasitária e de
sua consequente reação imunopatológica.

Com base nessa teoria, surge o racional de que mesmo na fase crônica, a CC é um
processo inflamatório infeccioso e, portanto, torna-se essencial verificar se nessa fase a
terapêutica antiparasitária será eficiente.

As citocinas produzidas por pacientes e também animais infectados pelo T.cruzi


parecem exercer a modulação da expressão gênica e proteômica de células
miocárdicas.

A fibrose é considerada o maior substrato para a instalação da insuficiência ventricular


esquerda na cardiopatia chagásica crônica. No músculo cardíaco os fibroblastos e os
cardiomiócitos secretam citocinas fibrogênicas como TGF-β e PDGF. Essas citocinas
associadas àquelas produzidas pelas células inflamatórias atraídas para o tecido
inflamado contribuem para o desencadeamento e manutenção do processo fibrótico, o
maior responsável pela instalação da insuficiência cardíaca. A elevada expressão de
colágeno durante a fase crônica da doença de Chagas, associada a outros componentes
de matriz extracelular também têm sua expressão aumentada durante a evolução do
processo de fibrose, como laminina e fibronectina. Em resposta à injúria, TGF-β
promove a migração e proliferação de fibroblastos requerida para a regeneração
tecidual.

Animais deficientes no gene de Alfa-2-Macroglobulina (AM-KO) mostram importante


aumento nos níveis de TGF-β induzidos pela infecção do T.cruzi (em relação aos
camundongos selvagens infectados), com relação direta a padrão histopatológico mais
avançado de fibrose cardíaca.

Ensaios in vivo e in vitro mostram que o TGF-β favorece a proliferação do parasita na


célula hospedeira por desativar a atividade tripanocida de macrófagos, levando a
concluir também que os altos níveis de TGF-β contribuem para a manutenção da carga
parasitária, como observado em pacientes na fase crônica e em animais AM-KO55.

Fisiopatologia da cardiopatia chagásica crônica


O Trypanosoma cruzi, de forma direta ou indireta, atinge o sistema de condução
especializado, o miocárdio e o sistema nervoso intramural, levando a dano miocárdico
através de inflamação, necrose e fibrose.

O nó sinusal, o nó atrioventricular e o feixe de His podem ser afetados por alterações


inflamatórias, degenerativas e fibróticas e, consequentemente, pode resultar em
disfunção sinusal, bloqueios atrioventriculares e intraventriculares.

As regiões posterolateral e inferobasal são acometidas por focos inflamatórios e áreas


de fibrose, produzindo um substrato eletrofisiológico que favorece o surgimento de
reentrada, que vem a ser o mecanismo protagonista do ponto de vista eletrofisiológico
da gênese de taquiarritmias ventriculares malignas. Estas podem acarretar morte súbita,
mesmo em pacientes com CCC sem insuficiência cardíaca ou grave disfunção do
ventrículo esquerdo.

A CCC evolui de um comprometimento regional semelhante à cardiopatia por obstrução


coronariana a uma cardiopatia por dilatação e hipocinesia generalizada. O
aparecimento de discinesias e aneurismas ventriculares suportam as explicações para
os eventos tromboembólicos na CCC.

Já nas fases mais avançadas da CCC observa-se dilatação global, sendo que a estase
venosa associada à fibrilação atrial vão corroborar para a formação de trombos com
possível complicação para embolia pulmonar e sistêmica.

Finalmente, pode-se caracterizar a CCC como uma cardiopatia que pode se apresentar
em forma arritmogênica grave e/ou insuficiência cardíaca refratária e, além disso, de
forma embolizante.

4. Qual o prognóstico do paciente com CCC?


O prognóstico da CCC está estritamente relacionado à fase e à forma clínica em que o
paciente se apresenta.

A forma indeterminada é sabidamente uma fase de bom prognóstico, sobretudo pela


evolução lenta e assintomática. Embora muitos estudos tenham demonstrado alterações
discretas tanto da função sistólica quanto da função diastólica de VE nessa fase da
doença, e tenham sinalizado uma correlação com deterioração mais precoce da função
ventricular, não houve ainda um acompanhamento estrito desses sinalizadores para a
confirmação evolutiva longitudinal desses preceitos preditivos das alterações precoces
detectadas nesses pacientes.

Portanto pode-se definir a fase indeterminada como uma fase decididamente de bom
prognóstico. A CCC, ao ser comparada à evolução de outras cardiopatias crônicas,
sempre apresenta pior prognóstico e, nesse sentido, a disfunção ventricular esquerda é
apontada como marcador independente. Esse marcador pode se refletir como
cardiomegalia ao RX de tórax, reduzida fração de ejeção, ou aumento dos diâmetros
ventriculares ao ecocardiograma.

Para a definição prognóstica na CCC é importante recorrer ao escore de risco de Rassi


Jr et al.11, descrito em 2006, o qual utilizou seis fatores prognósticos evidenciados
através de análise multivariada e seguimento a longo prazo.

Nesse estudo, cardiopatas crônicos foram avaliados através de exames não invasivos e
as variáveis com valor prognóstico independente foram: classe funcional III e IV (5
pontos), cardiomegalia ao RX (5 pontos), disfunção ventricular ao eco (3 pontos),
TVNS ao Holter (3 pontos), baixa voltagem do QRS (2 pontos) e sexo masculino (2
pontos).

Através deste escore, pacientes com baixo risco (0 a 6 pontos) tiveram mortalidade de
10%, pacientes de risco intermediário (7 a 11 pontos) apresentaram mortalidade de
44% e aqueles com alto risco (12 a 20 pontos) tiveram uma mortalidade de 84% em 10
anos de acompanhamento.

A TVNS em presença de disfunção ventricular esquerda tem evidenciado um importante


grupo de risco, que apresenta 2,14 vezes maior risco de óbito conforme demonstrado
em alguns estudos11,13. Disfunção ventricular, embora seja um dos mais fortes
marcadores de risco, quando associada à presença de arritmia ventricular torna
evidente um grupo com maiores possibilidades de apresentar morte súbita11,13,56,57.

Também podem interferir no prognóstico da CCC variáveis como classe funcional,


disfunção ventricular direita, diâmetro ventricular, FEVE, VO2, tempo de exercício e
nível de BNP11,6,56,58.

5. Qual o tratamento atual para um portador de CCC?

5.1 Tratamento parasiticida

É controverso indicar esta terapêutica para portadores de CCC, porém muitos


estudiosos de doença de Chagas defendem essa hipótese baseado em evidências
experimentais que mostram a atenuação do progresso da cardiopatia53,59.

Há desfechos relevantes em estudos realizados em humanos, com possíveis benefícios


sobre a história natural da doença em fase não avançada de CCC20,54,60-63. Porém, para
esclarecer melhor os benefícios ou não da terapia parasiticida na CCC está sendo
realizado um estudo multicêntrico internacional, randomizado, duplo-cego e controlado
por placebo, colocando em avaliação a evolução clínica por seis anos em pacientes
portadores de CCC utilizando o benzonidazol, denominado estudo BENEFIT64.

5.2 Tratamento da disfunção ventricular e insuficiência cardíaca

Essa parte do tratamento será priorizada neste capítulo, considerando que a paciente
apresentada preenche todos os critérios para a CCC em forma avançada e utilizou
praticamente todos os temas enfatizados nesse contexto do capítulo.

Para o tratamento da IC no paciente portador de doença de Chagas utiliza-se a


combinação de três tipos de medicamentos: diuréticos, inibidores da enzima conversora
da angiotensina (IECA) ou bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA) e
betabloqueadores adrenérgicos65. Mesmo sendo a doença de Chagas uma importante
causa de IC na América Latina, os portadores da doença não foram incluídos nos
estudos decisivos que validaram os medicamentos utilizados na IC, de forma que sua
eficácia e tolerabilidade nos portadores de CCC não estão estabelecidas
cientificamente, sendo o seu uso empírico referenciado pelo uso em IC de outras
causas.

5.2.1 Bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona

O racional da utilização de medicamentos que têm esse efeito é bastante adequado na


CCC, uma vez que o sistema renina-angiotensina-aldosterona tem um papel decisivo no
remodelamento cardíaco reverso e na progressão da disfunção ventricular esquerda66.

A avaliação do captopril sobre a classe funcional de 115 pacientes com IC, incluindo
17% de pacientes portadores de CCC, mostrou benefício do bloqueio do sistema
renina-angiotensina-aldosterona, mas não houve separação dos efeitos entre as
etiologias estudadas67.

Portanto o uso dos IECA na CCC está recomendado em todos os pacientes com
disfunção ventricular esquerda desde a classe funcional I da New York Heart
Association (NYHA) até a classe funcional IV; quando os IECA apresentarem algum
efeito colateral intolerante, poder-se-á utilizar os BRA como alternativa, tendo como
suporte os estudos realizados para IC de outras etiologias68.

O bloqueio da aldosterona, com o uso da espironolactona, está indicado para pacientes


com disfunção sistólica de VE e FEVE ≤35% e IC classe funcional NYHA III / IV.
Nesse sentido, o estudo randomizado, duplo-cego e placebo controlado que avaliou a
espironolactona na IC crônica incluiu outras etiologias como a isquêmica e algumas
dezenas de pacientes com CCC69.

Através desse estudo ficou demonstrado o benefício do medicamento nos portadores de


IC classe funcional III e IV (NYHA), mas infelizmente não foi feita uma análise de
subgrupo considerando os pacientes com CCC. A validade dessa análise seria
questionável considerando que ela não foi pré-especificada e era composta de um
número amostral de pequenas proporções.

5.2.2 Bloqueio beta-adrenérgico

Ao escolher um medicamento para introdução no receituário da CCC torna-se


fundamental observar as evidências que tal fármaco apresenta, seja na melhora da
qualidade de vida ou aumento de sobrevida. Considerando os betabloqueadores, tais
evidências foram consistentes na cardiopatia isquêmica e dilatada com disfunção
sistólica70-75.

Na CCC são observadas poucas evidências obtidas através de rigorosos estudos. Um


estudo importante reuniu 42 pacientes com CCC e FEVE <45%, em que o carvedilol foi
acrescentado ao enalapril e à espironolactona, de forma randomizada, duplo-cego e
com placebo. Houve melhora significativa do escore de Framingham e da qualidade de
vida e uma redução importante do índice cardiotorácico bem como dos níveis
circulantes de BNP além de aumentar 2,8% a FEVE, com o uso do betabloqueador76.
Na CCC já foi demonstrada a presença de anticorpos antirreceptores adrenérgicos β1 e
muscarínicos M-2, que podem estar relacionados ao agravamento do processo de IC.
Dessa forma é bastante racional deduzir que a característica ativação simpática que
acompanha a disfunção ventricular esquerda possa ser mais intensa que em IC de outras
etiologias, o que pode intensificar as lesões responsáveis pelo remodelamento
ventricular, estimular o risco de morte súbita e arritmias cardíacas. Através desse
racional se indica o bloqueio beta-adrenérgico na CCC, respeitando-se as limitações
como as bradicardias comuns na CCC (por disfunção sinusal, denervação sinusal e
bloqueios AV).

Portanto, tendo como referência as recomendações para o tratamento de IC de outras


etiologias, pode-se utilizar o carvedilol, bisoprolol ou succinato de metoprolol para
pacientes portadores de CCC com sintomas e/ou sinais de IC atuais ou passados, e
FEVE ≤45%. Utilizam-se doses baixas que vão progredindo lentamente, visando a
evitar FC <50bpm em repouso. Os betabloqueadores podem ser usados até na ausência
de sinais e sintomas de IC quando se verifica disfunção ou remodelamento de VE, e são
contraindicados em casos de FC ≤50bpm ou bloqueios atrioventriculares com PR
>280ms.

5.2.3 Hidralazina e nitrato

Os portadores de CCC de qualquer etnia, em classe funcional II e III e que apresentam


contraindicação aos inibidores da enzima conversora da angiotensina ou aos
bloqueadores dos receptores da angiotensina podem utilizar a hidralazina e o nitrato,
com base nos estudos V-HeFT e A-HeFT. Afrodescendentes em classe funcional III e IV
já otimizados do ponto de vista terapêutico e portadores de CCC também poderão
utilizar esses fármacos com base no estudo A-HeFT77,78.

5.2.4 Digitálicos

Segundo o estudo The Digitalis Investigation Group79, o digital foi o único inotrópico
positivo testado em uso prolongado que não aumentou a mortalidade quando comparado
ao placebo, tendo com ele empatado, mas reduziu o número de internações por IC,
podendo ser acrescentado aos créditos do digital o fato de ser o fármaco utilizado há
mais tempo no tratamento da IC.

É justificável utilizar digital em pacientes com CCC e FE ≤45%, sintomática (classe


funcional II a IV da NYHA), sobretudo se a frequência ventricular estiver aumentada no
contexto da fibrilação atrial80.

Torna-se necessário chamar a atenção para a ação inibitória do nó sinusal e junção


atrioventricular exercida pelo digital e que ainda pode ser potencializada pela
associação de betabloqueadores e amiodarona.

5.2.5 Diuréticos

Os diuréticos podem ser utilizados na CCC com a finalidade de reduzir os sinais e


sintomas decorrentes da congestão.

A furosemida é um diurético de alça dos mais utilizados. Seu mecanismo de ação


consiste na inibição da reabsorção de sódio, potássio e cloro na porção ascendente da
alça de Henle, com rápida ação (período de ação de 4-6 horas) e efeito diurético
importante podendo ser usada por via intravenosa.

Meta-análise, reunindo vários estudos em relação aos diuréticos, evidenciou discreto


efeito em reduzir mortalidade, porém se deve considerar que esses fármacos são úteis
na modulação da resposta benéfica de outros medicamentos como os antagonistas
neuro-humorais, cujo balanço de sódio será determinante na produção de seus efeitos81.

Outra medida possível nesse contexto é a adição dos tiazídicos, nos casos de IC mais
avançada, visando à sua atuação no túbulo contornado distal; porém essa medida é
ineficaz quando o clearence de creatinina estiver <30ml/min.

5.3 Tratamento farmacológico das arritmias na CCC

A miocardite fibrosante crônica iniciada pela agressão pelo T.cruzi com formação de
aneurisma e cicatrizes será a responsável por grande parte das arritmias e transtornos
da condução na CCC.

Tais pontos cicatriciais distribuídos de forma localizada ou dispersas nos ventrículos


permitirá mecanismo de reentrada e consequentemente arritmias ventriculares. Outros
pontos de acometimento importante estão no sistema excito-condutor cujos danos serão
indiretamente mostrados pela disfunção do nó sinusal e distúrbios de condução
atrioventricular e intraventricular. A ocorrência de lesão nas terminações nervosas
cardíacas, sobretudo nas parassimpáticas, justifica o aumento de extrassístoles
ventriculares, alta instabilidade elétrica ventricular e até morte súbita nos portadores
de CCC8,82,83. Outro mecanismo importante é a alteração na densidade e função das
conexinas como um fator determinante na gênese das arritmias e distúrbios de condução
da CCC84.

Embora sem evidências concretas de prevenção de morte súbita, o tratamento


farmacológico das arritmias na CCC tem como intuito a redução dos sintomas. A
presença de arritmias como as ectopias ventriculares isoladas ou repetitivas em
portadores de CCC assintomáticos com função ventricular normal não indica a terapia
antiarrítmica.

Em pacientes sintomáticos, porém com boa função ventricular, o tratamento


antiarrítmico deve ser individualizado e sempre refletir o fator risco/benefício. Já no
paciente com CCC que apresenta ectopias ventriculares, TVNS e disfunção ventricular
esquerda, a amiodarona está indicada pelo seu poder de redução das arritmias e dos
sintomas a ela relacionados, embora não haja evidência de que ela possa mudar o
prognóstico na CCC a longo prazo85-90.

As doses habituais de amiodarona de 200-400mg/dia permitem associar o


betabloqueador visando à redução de eventos arrítmicos sérios. A presença de
taquicardia ventricular sustentada (TVS) é uma situação de alto risco, podendo levar à
morte súbita mesmo na ausência de disfunção ventricular e por isso sua reversão deve
ser buscada de forma enfática. A TVS, se estável, permite a tentativa de reversão com
amiodarona injetável na dose de 150mg em 10 minutos (com possível repetição no caso
de não reversão). Uma vez revertida, manter a infusão de 1mg/min nas primeiras 6
horas e, posteriormente, 0,5mg/min nas 18 horas subsequentes. No caso de TVS com
instabilidade hemodinâmica, a cardioversão elétrica deve ser providenciada.

A TVS associada à disfunção ventricular importante (FEVE<35%) tem na terapia


antiarrítmica um papel coadjuvante ao implante de cardioversor desfibrilador
implantável (CDI). Nessa situação a amiodarona continua sendo a droga de eleição nas
doses de 200-400mg/dia.

A TVS bem tolerada em pacientes com boa função ventricular permite a utilização de
amiodarona e a ablação por cateter como possibilidade de abordagem, porém o CDI é a
conduta mais segura.

5.4 Transplante cardíaco e terapia celular

A cardiopatia chagásica já é a terceira causa de indicação ao transplante cardíaco


(TC). Portadores de CCC com IC refratária, na dependência de medicamentos
inotrópicos e/ou de suporte circulatório e /ou ventilação mecânica têm recomendação I
e nível de evidência C na indicação do TC. O VO2 pico ≤10ml/kg/min também
apresenta grau I de recomendação e nível de evidência C.

Fibrilação ou taquicardia ventricular sustentada refratária também estão com


recomendação I e nível de evidência C, bem como pacientes na classe funcional III e IV
persistente apesar da otimização terapêutica19.

Considera-se o prognóstico de pacientes chagásicos submetidos à TC melhor do que


aquele registrado em pacientes não chagásicos.

Os portadores de CCC submetidos a TC têm probabilidade de sobrevida de 76%, 62%


e 46% em um ano, dois e seis anos, respectivamente91.

Fatores como idade mais jovem, menor número de comorbidades, menor incidência de
doença vascular do enxerto, menor hiper-resistência pulmonar e a ausência de cirurgia
prévia podem explicar esse melhor prognóstico de TC na CCC91.

Em relação à terapia celular, estudo experimental controlado, com células da medula


óssea de camundongos normais injetadas em camundongos na fase crônica da doença de
Chagas produziu redução significativa do quadro de miocardite, dois meses após a
injeção dessas células92.

Os mecanismos que evidenciam esses benefícios podem ser a redução da apoptose, da


fibrose, do processo inflamatório, e estimulação de células residentes locais. Pode-se
observar que células transplantadas passam a ter morfologia de cardiomiócitos com
possível diferenciação, ou seja, células transplantadas passando a esse tipo celular, ou
mesmo a fusão com os cardiomiócitos do receptor93,94.

Em relação à terapia com células-tronco em portadores de CCC o único estudo duplo-


cego, randomizado e multicêntrico, ainda não publicado, não demonstrou benefício,
porém ainda se acredita nessa terapia como uma opção promissora, estando ainda por
se determinar o melhor tipo celular, as doses mais adequadas, a melhor via de
aplicação e a fase da CCC a ser tratada.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.


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CARDIOMIOPATIA DE TAKOTSUBO

Anna Karinina Sá

CASO CLÍNICO

Paciente feminina, 73 anos, foi admitida com quadro de dor torácica na emergência,
com início há 40 minutos, após significativo estresse emocional (óbito do filho em
acidente de carro). Relata dor de característica crescente, de forte intensidade, com
irradiação para mandíbula associada à náusea.

Portadora de HAS há 30 anos, em tratamento regular com hidroclorotiazida e


bloqueador do receptor de angiotensina. Sem relato de outras morbidades.

Apresentava ao exame físico:


PA =160x95mmHg; FC =95bpm; SpO2 =95% em ar ambiente.
Sem TJP; RCR 3T (B4 VE); SS FMitral 2+/6.
MVUA sem RA. ABD e MMII sem alterações.
ECG evidenciou ritmo sinusal com supra do segmento ST em parede anterior.
OBJETIVOS
1. Discutir a significativa semelhança clínica da cardiomiopatia adrenérgica e
síndrome coronariana aguda (SCA).
2. Descrever o fenótipo mais prevalente da doença e seus critérios
diagnósticos.
3. Avaliar a importância dos recursos de imagem para o diagnóstico diferencial.
4. Orientar quanto à abordagem terapêutica distinta da SCA.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso clínico?

O termo cardiomiopatia por estresse foi utilizado pela primeira vez em 1980 por
Cebelin e Hirsch1, para descrever achados de autopsias de lesão miocárdica
compatível com injúria adrenérgica de pacientes que evoluíram para óbito subitamente,
como consequência de assalto, sem qualquer evidência de lesão interna. Na década
seguinte, relatos de disfunção miocárdica reversível devido ao estresse emocional,
hemorragia subaracnoidea e feocromocitoma foram descritos2.

A cardiomiopatia de Takotsubo (CMPT) foi inicialmente descrita em 1990, por Hikaru


Sato, no Japão. Takotsubo é uma palavra japonesa que significa armadilha para polvo3.
A cardiomiopatia recebe essa denominação, pois sua morfologia ventricular
inicialmente descrita assemelha-se ao vaso de cerâmica utilizado para captura desse
molusco, que apresenta base larga e colo estreito (Figura 1).
Figura 1
Takotsubo – vaso japonês utilizado para captura de polvo.

Baseado no estudo de sua fisiopatologia e característica anatômica surgiram novas


denominações como: cardiomiopatia estresse-induzida, síndrome do abalonamento
apical, abalonamento agudo do ventrículo esquerdo, síndrome da ampulheta, síndrome
do coração partido e o termo mais apropriado, CMP adrenérgica.

Acreditava-se que a síndrome afetasse exclusivamente japoneses, por fatores genéticos


e ambientais ainda pouco conhecidos4. Entretanto na última década puderam-se
testemunhar relatos por todo o mundo. O diagnóstico dessa doença tem aumentado
consideravelmente nos últimos anos, provavelmente pelo maior conhecimento médico5.
No entanto, seu diagnóstico permanece um desafio.

Esta síndrome se assemelha ao quadro de síndrome coronariana em diversos aspectos,


exceto pela ausência de lesão obstrutiva coronariana significativa6,7. A apresentação
clínica típica é composta por dor torácica e dispneia, que reflete a aguda sobrecarga
ventricular esquerda. No entanto manifestações arrítmicas, choque cardiogênico e
evento embólico também podem compor o quadro8.

Apesar do predomínio da elevação do segmento ST na admissão, não há uma alteração


eletrocardiográfica típica. A função ventricular regional se encontra obrigatoriamente
comprometida, principalmente apical. Variantes do padrão de disfunção contrátil têm
sido descrito como a CMPT Invertido. Contudo, a característica principal é a extensão
do comprometimento da função miocárdica além da perfusão de uma coronária
epicárdica. Assim, torna-se essencial a realização da coronariografia, uma vez que a
CMPT é um diagnóstico de exclusão.
A American Heart Association, em 2006, classificou esta cardiomiopatia como
adquirida9, enquanto a European Society of Cardiology a definiu como não
0classificável10. Contudo, ela é mais bem contemplada no Guideline de Angina
Instável/ IAMSSST (infarto agudo do miocárdio sem supra do segmento ST) como
diagnóstico diferencial da síndrome coronariana aguda11,12.

A CMPT representa aproximadamente 2% dos pacientes admitidos com síndrome


coronariana aguda. Com o aperfeiçoamento dos critérios diagnósticos, publicações
mais recentes apontam percentuais cada vez maiores, com estimativas de até 5,7%2.
Esse valor pode ser ainda maior quando o subgrupo feminino é analisado
exclusivamente. Curiosamente tem-se observado maior incidência em populações
específicas, como pacientes em unidade de terapia intensiva e portadores de doença
pulmonar, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica4,13. Esses achados
confirmam a hipótese do componente adrenérgico na fisiopatologia desta síndrome.

Observa-se uma predileção para o sexo feminino, acima de 90%, com idade
avançada14, na menopausa sem reposição hormonal15; contudo há casos descritos em
homens e mulheres jovens. As características epidemiológicas, clínicas e prognósticas
têm se mostrado semelhantes nos diversos países, em sua maioria.

O trigger adrenérgico está presente em aproximadamente 2/3 dos casos, antecedendo a


síndrome, em média, em 12 horas16. Portanto, a não identificação do fator estressor não
exclui o diagnóstico. O estresse emocional é discretamente mais prevalente que o
estresse físico17. Em ambos os casos, a etiologia é extremamente diversificada. O
estresse emocional é classicamente representado pela perda de um ente querido;
manifestações de pânico, medo, ansiedade e raiva são frequentes, antecedendo o
quadro.

A associação crescente da CMPT com procedimentos cirúrgicos, infecção, drogas


(principalmente aminas vasoativas e inotrópicos) e com outras patologias clínicas tem
sido descrita16. Sugere-se suscetibilidade maior dos caucasianos ao estresse
emocional, em comparação com os asiáticos4.

Esta doença apresenta fisiopatologia complexa e de difícil diagnóstico. É necessária


alta suspeição clínica e consciência da necessidade do diagnóstico, uma vez que seu
tratamento difere da síndrome coronariana aguda. O diagnóstico é realizado em sua
grande maioria com a coronariografia e a ventriculografia, evitando assim a
administração equivocada de trombolíticos e de anticoagulante.
O ecocardiograma transtorácico é de grande auxílio na compreensão hemodinâmica
desses pacientes. A maioria apresenta um septo sinusoide, predispondo à formação de
gradiente intraventricular e insuficiência mitral. Portanto, o tratamento com
betabloqueador, correção volêmica e balão intra-aórtico se contrapõe aos
antiagregantes, vasodilatadores coronarianos e inotrópicos, que podem agravar o
quadro.

Diferente da SCA, esses pacientes apresentam bom prognóstico. Contudo, sua evolução
em longo prazo, recorrência, terapêutica extra-hospitalar e fatores prognósticos ainda
não estão bem definidos.

2. Como confirmar o diagnóstico?

Mediante o desafio diagnóstico, em 200418 a Mayo Clinic criou os critérios


diagnósticos baseados no que melhor havia documentado sobre a doença. Todos os
quatro critérios a seguir devem ser preenchidos:

1. Hipocinesia, acinesia ou discinesia transitória do segmento médio do


ventrículo esquerdo, com ou sem envolvimento apical. Disfunção segmentar
que se estenda além da perfusão de uma coronária epicárdica. O trigger
adrenérgico é frequente, mas nem sempre presente;
2. Ausência de lesão obstrutiva coronariana ou de evidência de ruptura de placa
à angiografia;
3. Novas alterações eletrocardiográficas (elevação do segmento ST e/ou
inversão da onda T) ou discreta alteração da troponina;
4. Ausência de feocromocitoma, miocardite, cardiomiopatia hipertrófica,
traumatismo craniano recente e hemorragia intracraniana.

É possível que um paciente com doença aterosclerótica obstrutiva possa desenvolver


CMPT; esse fato na literatura é muito raro, provavelmente pelo subdiagnóstico como
síndrome coronariana aguda.

Contudo, em 2008, os critérios estabelecidos sofreram modificações baseadas em


estudos recentes sobre sua fisiopatologia, descartando a cardiomiopatia hipertrófica,
hemorragia intracraniana e traumatismo craniano como critério de exclusão6,19.
Diversos estudos mais recentes já não contemplam o feocromocitoma como quarto
critério, por considerar que compartilham a mesma base fisiopatológica20-22.

2.1.Sintomas
O cenário clínico da CMPT, normalmente é indistinguível da síndrome coronariana
aguda. Os sintomas iniciais mais frequentes são a dor torácica (68%) e a dispneia
(17%)2, podendo estar acompanhada de palpitação, náusea e síncope.

Apresentações mais graves em decorrência de insuficiência cardíaca (20%)23, arritmia


supraventricular e ventricular, choque cardiogênico (6,5%)8, ruptura ventricular e
evento embólico também podem compor o quadro20.

2.2 ECG
Os achados eletrocardiográficos sugerem SCA. A apresentação eletrocardiográfica
mais comum é a elevação do segmento ST em derivações precordiais (80%)2 (Figura
2). A elevação do segmento ST é menos pronunciada quando comparada com o
IAMCSST (infarto com supra do segmento ST)6. Alterações da onda T (64%),
prolongamento do intervalo QTc (32%), bloqueio atrioventricular (a maioria de
primeiro grau, 24%), bloqueio hemidivisional (menos de 5%), extrassístole ventricular
(33%) e supraventricular (45%) também podem estar presentes24.
Figura 2
Em A: ECG admissional com elevação do segmento ST nas derivações precordiais de V2 a V6, DI, aVL e DII.
Em B: ECG realizado após 24 horas ilustra evolução para inversão da onda T simétrica nas derivações precordiais20.

A combinação de arritmia ventricular com prolongamento do intervalo QT pode


favorecer a ocorrência de Torsades de Pointes. Há ainda a hipótese da evolução
eletrocardiográfica em quatro fases: elevação do segmento ST (imediata), inversão da
onda T (de um a três dias), progressão (de dois a seis dias) e finalmente ondas T
invertidas gigantes e prolongamento do intervalo QTc (de semanas a meses)13.

O tempo de progressão das alterações eletrocardiográficas é semelhante ao do paciente


com IAMCST com reperfusão precoce, evoluindo usualmente para recuperação
completa4; contudo, algumas podem persistir por meses. Essas alterações não
apresentam correlação com o grau de disfunção ventricular ou prognóstica25.

Estudos recentes sugerem critérios eletrocardiográficos mais específicos para a CMPT,


como a elevação do segmento ST ≥1mm em mais de uma derivação de V3 a V5, sem
elevação ≥1mm em V1, com sensibilidade de 74,2% e especificidade de 80,6%26.

2.3 Biomarcadores
A elevação dos marcadores de necrose miocárdica (74-86%) geralmente é
desproporcional ao grau de disfunção miocárdica; no entanto sua ausência não exclui o
diagnóstico19. A cinética da troponina I e T na CMPT, quando comparada ao IAMCSST
com reperfusão, apresenta um pico menos elevado com descenso mais precoce6.

A elevação dos níveis de BNP é frequente (85%) e está relacionado com a sobrecarga
ventricular27. O nível sérico das catecolaminas, na fase aguda da CMPT, encontra-se
duas a três vezes mais elevado quando comparado ao do IAM8,27,28.

2.4 Coronariografia/Ventriculografia
Em decorrência da semelhança clínica do quadro com a síndrome coronariana aguda,
grande parte desses pacientes é encaminhada ao setor de hemodinâmica, onde a
coronariografia e ventriculografia são, em muitos casos, os exames de imagem iniciais.

Este método apresenta limitação quanto à identificação da resolução precoce de um


trombo coronariano por ruptura de placa. A utilização da ultrassonografia coronariana
aumenta a sensibilidade do método, mas a relevância desse achado permanece
indefinida4.

O diagnóstico é sugerido pela ausência de lesão coronariana obstrutiva associada à


imagem característica da CMPT à ventriculografia, determinada pela
hipercontratilidade basal e abalonamento apical24 (Figuras 3 e 4).

Figura 3
Coronariografia sem lesão aterosclerótica obstrutiva.
Figura 4
Ventriculografia esquerda, na diástole e na sístole, ilustrando hipercontratilidade basal e acinesia nos segmentos médio
e apical (setas).

2.5 Ecocardiograma
O ecocardiograma é uma ferramenta útil para avaliação diagnóstica e hemodinâmica,
propiciando a melhor abordagem terapêutica. A apresentação inicial é marcada por
extenso comprometimento miocárdio com significativa redução da função ventricular
esquerda (Fração de ejeção <30%)6.

O aspecto típico é decorrente da hipercontratilidade basal, disfunção moderada a grave


da porção medioventricular e acinesia ou discinesia apical (Figura 5). A disfunção
diastólica pode estar presente, contudo a maioria dos pacientes apresenta outras
doenças, como hipertensão arterial24.

Figura 5
Ecocardiograma transtorácico apical 4 câmaras, no paciente com a CMPT clássica, ilustrando a presença do septo
sigmoide associado à acinesia apical15.
A associação de insuficiência mitral e movimento sistólico anterior da mitral,
desencadeando gradiente intraventricular, pode ocorrer em torno de 25% dos casos25.
Esses pacientes podem ter apresentação clínica inicial mais grave29.

Tem sido descrita uma nova apresentação morfológica: a CMPT Invertido ou


abalonamento medioventricular. Sua caracterização corresponde à disfunção
medioventricular associada à contratilidade preservada ou hipercontratilidade apical
do ventrículo esquerdo2. Está descrita uma prevalência de até 24% dentre os pacientes
com diagnóstico de CMPT. Quando comparada à CMPT clássica, essa variante é
descrita com maior frequência em pacientes mais jovens, associada principalmente ao
estresse emocional, hemorragia intracraniana ou ao feocromocitoma19. Apesar de a
CMPT Invertido apresentar na fase aguda menor comprometimento da função
ventricular, ambos apresentam recuperação semelhante30.

2.6 Ressonância magnética (RM) cardíaca


A RM cardíaca é, na atualidade, o principal recurso de imagem para diagnóstico e
diferenciação de outras cardiomiopatias, sobretudo isquêmica e inflamatória. É um
exame não invasivo que agrega dados diagnósticos e prognósticos31.

O achado mais característico da CMPT é o edema restrito a todo miocárdio


desfuncionante, visualizado em T2 STIR (Figura 6). Essa característica o diferencia do
infarto agudo do miocárdio, no qual o edema é usualmente transmural, porém com
distribuição correspondente à perfusão de uma coronária. Quando comparado à
miocardite, esta apresenta distribuição mais heterogênea e de localização médio ou
subepicárdica. Após duas semanas do quadro clínico a imagem torna-se bem menos
evidente. Isto a difere do infarto agudo do miocárdio e da miocardite, cuja imagem
pode persistir por até três meses.

Figura 6
Esquerda: RM cardíaca ilustrando em T2 edema porção apical e medioventricular esquerda.
Direita: Ausência de captação do realce tardio à visualização do ventrículo esquerdo.

A ausência de realce tardio miocárdico após o uso do gadolínio parece ser


característico desta cardiomiopatia. A distribuição do gadolínio é confinada, em geral,
ao espaço extracelular e intersticial. Assim, qualquer alteração no interstício aumenta o
volume de distribuição do contraste intensificando o realce tardio. O mesmo ocorre
quando há necrose miocárdica e perda da integridade da membrana, causando acúmulo
do gadolínio intracelular. Essa avaliação é de fundamental importância no diagnóstico
diferencial do infarto agudo do miocárdio e de miocardite. O primeiro apresenta
captação em segmento correspondente à perfusão de uma coronária, e o segundo
apresenta captação média ou subepicárdica. A ausência de captação em um miocárdio
desfuncionante confirma a teoria do stunned myocardium. A perfusão miocárdica
normalmente não está comprometida. Porém, alguns pacientes podem apresentar
discreto comprometimento que é atribuído à alteração do fluxo microvascular.

A RM cardíaca, além da avaliação da função global e segmentar do ventrículo


esquerdo, oferece significativa vantagem quanto à visualização de complicações, como
a presença de trombo intracavitário e a disfunção ventricular direita. O acometimento
do ventrículo direito ocorre em 30% dos pacientes que, em geral, cursam de forma mais
grave e com maior tempo de internação17. Os segmentos mais acometidos do ventrículo
direito são: apicolateral (89%), anterolateral (67%) e o segmento inferior (67%)2.

2.7 Biopsia endomiocárdica


Os achados histopatológicos da CMPT correspondem a um infiltrado intersticial com
linfócitos mononucleares, leucócitos e macrófagos, fibrose miocárdica e necrose em
bandas de contração com ou sem necrose de miócitos. Essas alterações são sugestivas
de injúria pelo alto nível sérico de catecolaminas. Contudo, essas alterações podem
não estar presentes e usualmente revertem quando normaliza a função ventricular19,27.

A biopsia endomiocárdica é um exame invasivo, com uma taxa de complicação de 1-


2% quando realizado em centros experientes. Considerando-se o caráter de evolução
benigna dessa doença, justifica-se a utilização da biopsia endomiocárdica em pacientes
nos quais o diagnóstico não foi obtido por métodos não invasivos com sintomas
persistentes e complicações decorrentes da insuficiência cardíaca de início recente32,33.

2.8 Cintilografia miocárdica


A medicina nuclear permitiu a obtenção de importantes dados no que tange à
fisiopatologia da cardiomiopatia adrenérgica34. A avaliação perfusional realizada em
repouso na fase aguda e subaguda com 99mTc ou 201-Tl é habitualmente normal ou
discretamente alterada (menos de 5% do total da massa miocárdica).

A avaliação do metabolismo da glicose através da tomografia com emissão de


pósitrons (18F-FDG-PET) evidencia importante comprometimento no segmento
desfuncionante durante a fase aguda, com sua normalização após recuperação da função
ventricular. Esse fenômeno ocorre, possivelmente, em função da resistência à insulina
ocasionada pela ação da catecolamina.

A associação de um padrão perfusional normal com uma significativa alteração no


metabolismo da glicose em um miocárdio desfuncionante reflete estado metabólico
conhecido como inverse flow metabolism mismatch, sugestivo de stunned
myocardium.

A utilização da cintilografia com 123I-mIBG evidenciando redução na atividade


adrenérgica na região apical ou região periapical anterior sugeriu fortemente a
participação do sistema nervoso simpático na fisiopatologia da CMPT. Isso se deve,
possivelmente, pela maior densidade de receptores adrenérgicos localizados no ápice
do ventrículo esquerdo. O mIBG é um análogo da noradrenalina submetido ao mesmo
processo de captação e armazenamento, portanto, um indicador da atividade do nervo
simpático. O mIBG é armazenado nas vesículas pré-sinápticas e secretado após a
estimulação feita pela acetilcolina, liberada dos neurônios pré-ganglionares. Com a
intensa liberação de catecolaminas na fenda sináptica há uma saturação e
dessensibilização dos receptores. Contudo, não se deve atribuir essa hipocaptação ao
fenômeno de denervação, uma vez que essa imagem se recupera gradualmente em torno
de seis meses.

Esse processo se diferencia do ocorrido na doença coronariana, em que por lesão


fibrótica e perda definitiva dos receptores adrenérgicos, o miocárdico mantém fixo sua
hipocaptação. O washout rate se encontra elevado na fase aguda. Esse dado indica que
existe um excesso de norepinefrina nas terminações simpáticas ou um aumento do
clearance do MIBG pelo tecido extraneural20,35-37.

A forma variante apresenta hipocaptação correspondente ao segmento desfuncionante,


provavelmente pela disposição diferenciada dos receptores adrenérgicos38.

3. Qual é o mecanismo fisiopatológico da CMPT?

A fisiopatologia da CMPT é multifatorial, contudo, a hiperatividade do sistema nervoso


simpático é considerada determinante. Isso se deve a diversos fatores, entre eles a
detecção de altos níveis de catecolamina sérica na apresentação e fase aguda da
doença. Estudos demonstraram uma elevação duas a três vezes maior na CMPT do que
no IAM, e 20 vezes maior quando comparados aos de um adulto normal. Esse achado é
corroborado pelo fato de a meia-vida plasmática da epinefrina ser aproximadamente de
três minutos sugerindo sua secreção elevada e contínua ou seu clearance
comprometido. Desse modo, o nível mais elevado de catecolamina no seio coronariano
em relação à raiz da aorta é consistente com uma excessiva liberação com origem no
próprio coração2.

Os níveis elevados de catecolamina podem alterar a fisiologia cardíaca por toxicidade


direta da epinefrina/norepinefrina e seus metabólitos no tecido cardíaco, através da
estimulação adrenérgica excessiva das artérias coronárias ou dos receptores beta-
adrenérgicos no cardiomiócito.

A participação do vasoespasmo da coronária epicárdica na fisiopatologia da CMPT


tem sido pouco valorizada, pois os testes provocativos foram positivos somente em
28% dos casos. A extensão da disfunção miocárdica além da perfusão de uma coronária
epicárdica torna essa teoria menos provável. A ruptura de uma placa aterosclerótica
com reperfusão espontânea e precoce em uma longa artéria descendente anterior
também tem sido desvalorizada. Especula-se que pacientes com ponte miocárdica
possam contribuir para a fisiopatologia em decorrência da isquemia apical39-41.

Os estudos sobre o espasmo microvascular são limitados e conflitantes. Questiona-se


sua participação como fator primário ou secundário da anormalidade miocárdica.

Os receptores beta1-adrenérgicos estimulam somente a proteína G-alfa s, enquanto os


receptores beta2-adrenérgicos estimulam ambas as proteínas G-alfa s e i. Em condições
fisiológicas e com nível plasmático elevado de catecolaminas, a norepinefrina se liga
preferencialmente aos receptores beta1 localizados no ventrículo, exercendo ação
inotrópica e lusitrópica positivas. A epinefrina também se liga ao receptor beta1, porém
tem maior afinidade com receptor beta2, que ativa a G-alfa s (ação inotrópica,
lusitrópica e cronotrópica positivas). Quando os níveis plasmáticos estão elevados, a
epinefrina ainda se liga ao receptor beta2, porém promove uma conversão da G-alfa s
em G-alfa i (ação inotrópica, lusitrópica e cronotrópica negativas) pela intensa
estimulação adrenérgica. A apresentação clássica da CMPT sugere grande densidade
de receptores beta em região apical com decréscimo em direção à base. Portanto, o
ápice seria mais sensível à ação das catecolaminas. A forma variante seria justamente
uma alteração na disposição desses receptores42.
A miocardite aguda não foi comprovada como fator fisiopatológico. Os estudos em que
os pacientes com a CMPT foram biopsiados evidenciaram alterações estruturais
compatíveis com lesão direta pela catecolamina e não apresentaram alteração na
captação do realce tardio à RM cardíaca4,6.

A disfunção ventricular pode estar correlacionada com o estresse oxidativo. Contudo,


ainda não está claro se os radicais livres são liberados como resultado das alterações
microvasculares ocasionadas pela catecolamina, diretamente em resposta ao excesso
desta ou por lesão dos miócitos por outros mecanismos.

A associação dos níveis plasmáticos elevados de catecolaminas com ventrículos com o


septo sigmoide, frequentemente identificado em mulheres de idade avançada, pode
favorecer o surgimento de gradiente intraventricular. Assim, surge uma câmara de alta
(ápice) e uma de baixa pressão. A isquemia subendocárdica em progressão gera a
disfunção ventricular nessa região. No entanto, por apresentar as coronárias
epicárdicas íntegras, a isquemia não evolui com necrose significativa por restaurar o
fluxo coronariano. Esse fenômeno está presente em aproximadamente 25% dos
pacientes, acompanhado de movimento sistólico anterior da mitral e insuficiência
mitral24,15. Portanto, parece não justificar a totalidade dos pacientes com a forma
clássica, aqueles portadores da forma variante e com comprometimento ventricular
direito, apesar de ser um fator contribuidor4. Questiona-se se este fenômeno seria
primário ou secundário à hipercontratilidade basal, favorecido por um ventrículo
anatomicamente pequeno, mais frequente no sexo feminino ou pela hipovolemia43.

A maior prevalência da CMPT em mulheres na menopausa sugere que a deficiência do


estrogênio possa ser um fator determinante. Supõe-se que sua ação benéfica deve-se,
em última análise, à maior liberação de óxido nítrico pelo endotélio vascular. Portanto,
o estrogênio atenuaria a ação lesiva ocasionada pela catecolamina27,44.

O crescente diagnóstico da CMPT gerou o questionamento da participação de um


agente infeccioso na sua fisiopatologia, principalmente viral. Apesar do aspecto
inflamatório das biopsias nenhum agente foi comprovado2.

4. Qual a conduta terapêutica na CMPT?

O tratamento é baseado na suposta fisiopatologia, contudo ainda não há trials clínicos


randomizados comprovando seu benefício. Essa dificuldade se deve ao número restrito
de pacientes e sua evolução benigna19.
Mediante a semelhança clínica da CMPT com a SCA, muitos desses pacientes são
submetidos à trombólise coronariana, uso de antiagregantes, anticoagulantes e
vasodilatadores. Essas drogas podem propiciar eventos hemorrágicos, ruptura
ventricular e piora do quadro hemodinâmico. Daí a necessidade da alta suspeição
clínica e exames complementares que possam auxiliar no diagnóstico.

A condição hemodinâmica irá orientar a terapêutica mais apropriada. Deve-se


priorizar, em pacientes admitidos com estabilidade hemodinâmica, a administração de
betabloqueador venoso. Contudo, há um subgrupo de pacientes que apresenta
instabilidade hemodinâmica em função de gradiente intraventricular. Esses certamente
serão beneficiados pela associação de betabloqueador e oferta de volume, uma vez que
a hipovolemia pode estar contribuindo para maior gradiente.

A administração de vasodilatadores, inotrópicos ou balão intra-aórtico, nesse contexto,


pode agravar o quadro. Aqueles com hipotensão mais grave devem receber amina,
preferencialmente fenilefrina. Esta aumenta a pós-carga, sem grande aumento do
inotropismo. Pacientes admitidos em choque cardiogênico devem receber suporte com
balão intra-aórtico. Apesar da possível intervenção da dobutamina na fisiopatologia,
esta se mostrou eficaz em subgrupo de pacientes instáveis hemodinamicamente.

Outros inotrópicos, como os sensibilizadores dos canais de cálcio, podem ser


considerados uma segunda opção. Suporte mecânico ventricular deve ser considerado
nos casos refratários. Os diuréticos podem ser usados no manejo da insuficiência
cardíaca. O uso de anticoagulantes não está indicado de rotina, contudo deve ser
considerado nos pacientes com disfunção grave pelo risco de evento embólico. Drogas
antiarrítmicas podem ser utilizadas, além do betabloqueador, no tratamento das
taquiarritmias, porém deve-se ter cautela com o prolongamento do intervalo QT.
Considera-se o benefício da administração de drogas ansiolíticas, principalmente nos
pacientes que apresentaram trigger de origem emocional2.

Após evento agudo sugere-se a manutenção de betabloqueador até a recuperação


completa da função ventricular. O uso do inibidor da enzima de conversão da
angiotensina deve ser iniciado no paciente que não apresente gradiente
intraventricular4,6.

Apesar da estreita correlação fisiopatológica da deficiência do estrogênio com a


CMPT, não foi comprovado o benefício da reposição hormonal como profilaxia
primária ou secundária.
5. Qual o prognóstico dos pacientes portadores de CMPT?

O prognóstico é usualmente benigno, principalmente para aqueles que sobrevivem à


fase aguda, com mortalidade intra-hospitalar entre 1-3%. A complicação mais frequente
é a insuficiência cardíaca (20%) e a mais grave, o choque cardiogênico. Arritmia
maligna, evento embólico, comunicação interventricular, ruptura ventricular e
insuficiência mitral grave podem compor o quadro45.

Apesar de ser menos frequente a apresentação no sexo masculino, sua evolução clínica
é semelhante à do sexo feminino19.

A completa recuperação da função ventricular ocorre na maioria dos casos, podendo


levar alguns dias ou até quatro semanas, em média. Contudo, há descrição da
persistência da disfunção, por anos2.

Pacientes com apresentação clássica da doença apresentam pior prognóstico; porém


superada a fase aguda, a variante e a clássica apresentam evolução semelhante30.
Pacientes admitidos com níveis elevados de BNP apresentam pior prognóstico por
refletir maior grau de sobrecarga ventricular.

Estima-se que a recorrência da cardiomiopatia seja entre 3,5% e 10%. São descritos
casos de recorrência com morfologias distintas. A dor torácica pode recorrer em torno
de 30% dos pacientes, mas a grande maioria (acima de 96%) segue assintomática2.

Ainda não é comprovado o benefício do betabloqueador na prevenção de recorrência e,


apesar da baixa morbimortalidade, sugere-se a terapêutica de manutenção.

6. Quais são os principais questionamentos da CMPT que ainda persistem?

Apesar de aproximadamente 20 anos de relato da CMPT, muitos questionamentos ainda


persistem sem resposta:

Qual o envolvimento do perfil genético?


Qual o fator determinante na sua fisiopatologia?
Quais os fatores de risco? São eles modificáveis?
Existiria um teste sensível que pudesse identificar as potenciais vítimas
dessa cardiomiopatia?
Quais são as melhores estratégias para promover a recuperação completa da
função ventricular?
Qual dado no exame de imagem sugere o paciente de pior prognóstico?
Existe algum benefício na terapêutica adicional com aspirina ou
anticoagulante? Qual o real valor do betabloqueador e bloqueador do
receptor de angiotensina na prevenção da recorrência?
Há descrição da CMPT associada a doenças como miocardite, sepse,
cardiomiopatia hipertrófica, feocromocitoma, entre outros. Seria a CMPT
uma cardiomiopatia de apresentação isolada ou com o potencial de estar
associada a outras patologias compartilhando as mesmas bases
fisiopatológicas?2,28

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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MIOCÁRDIO NÃO COMPACTADO ISOLADO

Helena Cramer Veiga Rey

CASO CLÍNICO
Paciente masculino, 54 anos, operário de obra, sem antecedentes de doença crônica ou
história familiar de doença cardiovascular, apresentando queixa de dispneia
progressiva aos esforços nos últimos oito meses, atualmente em classe funcional NYHA
III procura atendimento médico ambulatorial.

HPP: Doenças comuns da infância e apendicectomia aos 16 anos.


História social: Nega tabagismo ou uso de drogas ilícitas; etilista social de duas a três
latas de cerveja no final de semana.
História familiar: Pai faleceu de acidente automobilístico aos 40 anos e mãe viva,
hipertensa controlada e sem outras comorbidades.

Ao exame: Fácies atípica, corado, hidratado, afebril, eupneico com turgência jugular
patológica.
PA =110x60mmHg; FC =92bpm; Peso =76kg; Altura =1,78m; Cintura abdominal
=85cm; IMC =24kg/m2
AC: RCR em 3 tempos com terceira bulha do VE com íctus cordis palpável em sexto
espaço intercostal esquerdo na linha axilar anterior.
AR: Crepitação em bases pulmonares.
Abdome sem alterações e ausência de edema de MMII

Foi medicado com furosemida 40mg 1cp às 8h e às 16h. Solicitado RX de tórax,


exames laboratoriais, ECG, ecocardiograma, e encaminhado ao cardiologista.
RX de tórax com aumento da área cardíaca e congestão venocapilar pulmonar.
Hemoglobina =12,2g/dL; glicose =88g/dL; creatinina 0,9mg/dL; Na+; K+ 4,8.
ECG : Ritmo sinusal com BRE 1º grau
Ecocardiograma transtorácico demonstrou ventrículo esquerdo dilatado e trabeculações
excessivas e proeminentes, com recessos trabeculares profundos e presença de trombo
na cavidade ventricular. Fração de ejeção de 30% pelo método de Simpson e átrio
esquerdo levemente aumentado sem coexistência de demais alterações anatômicas.

Na avaliação cardiológica, feito o diagnóstico de miocárdio não compactado e iniciado


terapia com IECA, diurético, betabloqueador e anticoagulante oral.

OBJETIVOS

1. Descrever a embriogênese, definição e prevalência de miocárdio não


compactado isolado.
2. Descrever os aspectos genéticos, a apresentação clínica e a fisiopatologia de
miocárdio não compactado isolado.
3. Discutir o diagnóstico, tratamento e prognóstico do paciente com miocárdio
não compactado isolado.

PERGUNTAS
1. Quais as hipóteses diagnósticas para o caso relatado?

Neste paciente com história de IC classe III NYHA e evolução nos últimos seis meses,
as hipóteses são: miocardite viral, cardiopatia isquêmica, cardiopatia dilatada,
hipertensiva, hipertrófica e infiltrativa bem como as cardiopatias congênitas que se
manifestam clinicamente no adulto.

2. Como confirmar o diagnóstico?

Através da história clínica e familiar em paciente com quadro de IC, FA ou fenômeno


cardioembólico.

O miocárdio não compactado isolado é uma doença rara, classificada como


cardiomiopatia genética primária pela American Heart Association1. Denominada
previamente síndrome do miocárdio esponjoso ou hipertrabeculado2,3.

Apresenta as seguintes características:

1. Miocárdio com proeminências de trabéculas e sulcos intertrabeculares


profundos3,4.
2. Continuidade entre a cavidade do ventrículo esquerdo e os sulcos
intertrabeculares, que são preenchidos com o sangue, porém sem
comunicação com o sistema coronariano epicárdico.

O diagnóstico de miocárdio não compactado é estabelecido por método de imagem:


ecocardiograma, ressonância nuclear magnética, tomografia computadorizada e
ventriculografia. Como o ecocardiograma é o método mais comum, geralmente o
diagnóstico é feito com esse exame4-6.

O diagnóstico diferencial inclui cardiomiopatia hipertensiva em fase dilatada,


cardiomiopatia hipertrófica apical, cardiomiopatia infiltrativa ou
endomiocardiofibrose.

O ecocardiograma é o exame para diagnóstico, acompanhamento terapêutico e


prognóstico do miocárdio não compactado. Alguns critérios para o diagnóstico são
utilizados e ainda não há consenso e nem padrão-ouro estabelecido.

Os critérios utilizados são os de Jenni et al.5 e os de Chin et al.6. Segundo Jenni et al.5,
o diagnóstico de miocárdio não compactado isolado se faz na ausência de anomalia
cardíaca coexistente e pela presença de ventrículo esquerdo com parede espessada e
constituída de duas camadas: uma camada epicárdica compactada e a camada
endocárdica com numerosas trabéculas proeminentes com sulcos profundos, com razão
de miocárdio não compactado para compactado maior que 2:1 no final da sístole, no
corte paraesternal; Doppler colorido com evidência de fluxo nos sulcos
intertrabeculares; e trama trabecular proeminente no ápex do ventrículo esquerdo ou
dos segmentos da parede inferior e lateral5-14.

Chin et al.6 propuseram o seguinte critério: considerando que X é a distância da


superfície epicárdica até o sulco trabecular e Y é a distância da superfície trabecular
até o pico da trabeculação, a razão X/Y deve ser ≤0,56-15.

Stöllberger e Finsterer7 propuseram um critério baseado na trabeculação: mais de três


trabeculações na parede ventricular esquerda, sendo vistas em um único corte e
espaços intertrabeculares perfundidos dectados ao Doppler7-16. Resultados falso-
positivos podem ser observados em atletas e principalmente em indivíduos de etnia
negra7-16.

3. Qual o mecanismo fisiopatológico desta doença?

No desenvolvimento do embrião, o miocárdio é uma rede frouxa de fibras entrelaçadas,


separadas por recessos profundos que liga o miocárdio à cavidade ventricular. Entre a
quinta e a oitava semanas de vida intrauterina, o miocárdio tem um aspecto de fibras
enoveladas tal como uma esponja e, gradualmente, ocorre uma compactação gradual e
progressiva do músculo cardíaco que vai do epicárdio ao miocárdio, e da base do
coração para o ápex, tornando o músculo mais denso. A circulação coronariana também
se desenvolve durante esse processo e os recessos entre as trabéculas formam os
capilares cardíacos1.

A não compactação do miocárdio é um achado raro que pode ser isolado ou


acompanhado de outras malformações cardíacas. O miocárdio não compactado é
caracterizado pela manutenção do aspecto embrionário que antecede o processo de
compactação. Vários fatores de crescimento vascular e angiogênese estão envolvidos
nesse processo e a causa da não compactação ainda não é bem esclarecida. Postula-se
que fatores genéticos e condições que levam à sobrecarga de pressão ou isquemia do
miocárdio possam estar envolvidos2-8.

Miocárdio não compactado pode ter uma característica familiar, predominantemente


por herança autossômica dominante5-9, em até 50% dos casos. O genótipo ainda não é
identificado baseado em dados fenotípicos. Sabe-se que cardiomiopatias distintas têm a
mesma alteração de loci genético7-10.

Mutações em pelo menos nove genes têm sido relacionadas com miocárdio não
compactado isolado, que incluem a mutação no gene G4.5 no cromossomo Xq28 onde
outras miopatias com acometimento cardíaco também foram localizadas, como a
síndrome de Barth e a distrofia muscular de Emery-Dreifuss8-11. A deleção do
cromossomo 5q do gene cardíaco CSX tem implicações no desenvolvimento de alguns
casos de miocárdio não compactado isolado9-12.

Deve-se investigar a história familiar de pelo menos três gerações em todos os


pacientes com miocárdio não compactado isolado. Recomenda-se rastreamento de
familiares de primeiro grau com eletrocardiograma e ecocardiograma, mas o
rastreamento genético ainda não é indicado10-13.

As manifestações clínicas mais comuns são: insuficiência cardíaca, arritmias cardíacas


e eventos tromboembólicos2-8.

Em coorte de 34 pacientes consecutivos, os sintomas relatados na apresentação clínica


foram: dispneia (79%); insuficiência cardíaca classe funcional III ou IV da New York
Heart Association (35%), dor torácica (26%) e fibrilação atrial (26%)1.

O espectro clínico pode variar de um achado em exame ecocardiográfico de paciente


assintomático até insuficiência cardíaca congestiva avançada, porém a maioria dos
pacientes apresentam sintomas de insuficiência cardíaca1, sendo a disfunção ventricular
esquerda mais prevalente.

A fisiopatologia da disfunção sistólica parece estar relacionada à alteração da


microcirculação que leva à isquemia subendocárdica e à consequente disfunção
ventricular. Esse mecanismo parece também estar envolvido com a arritmogênese. Já a
disfunção diastólica está relacionada pela alteração do relaxamento e pela restrição ao
enchimento ventricular devido à presença de trabéculas proeminentes2,3.

Entre as arritmias, a fibrilação ocorre em cerca de 25% dos casos descritos em adultos
e a taquicardia ventricular em cerca de 47%, o que justifica a ocorrência de morte
súbita em 50% dos casos de pacientes com miocárdio não compactado isolado.
Alterações não específicas no eletrocardiograma de repouso são encontradas na
maioria dos pacientes, e incluem: inversão de onda T, alterações do segmento ST,
bloqueio de ramo direito, esquerdo e bloqueios atrioventriculares11-14.
A ocorrência de eventos tromboembólicos como acidente cerebrovascular, embolia
pulmonar e infarto mesentérico pode variar de 21% a 38%. As complicações embólicas
estão relacionadas à formação de trombo nos recessos intertrabeculares, à disfunção
ventricular esquerda e à presença de arritmias ventriculares e supraventiculares12-15.

4. De acordo com os estudos clínicos que comorbidades estão mais associadas ao


caso?

A apresentação de miocárdio não compactado isolado é bem mais rara do que quando
encontrado associado a outras cardiopatias congênitas como anomalias do trato de
saída do ventrículo direito ou esquerdo, anomalias septais, síndromes metabólicas ou
doenças genéticas como: síndrome de Barth, doença de Charcot-Marie-Tooth e
síndrome de Melnick-Needles, por exemplo5-9. Além das complicações relacionadas a
essas associações, síndromes isquêmicas devido aos fenômenos tromboembólicos
podem estar presentes.

5. Qual é o prognóstico?

Estudos de séries de casos publicados demonstram alta morbidade e mortalidade em


pacientes adultos. O prognóstico piora com a evolução da IC. Pacientes com ou sem
fibrilação atrial apresentam fenômenos tromboembólicos sistêmicos.

Cerca de 60% dos pacientes adultos evoluem para a morte ou indicação de transplante
cardíaco. A ocorrência de embolia sistêmica, arritmias ventriculares e morte é
consideravelmente baixa em pacientes pediátricos, embora 90% dos pacientes
pediátricos evoluam com disfunção ventricular em 10 anos1.

Como esperado, o prognóstico de indivíduos assintomáticos parece ser muito melhor


do os sintomáticos14. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo <31% tem sido
relatada com sensibilidade de 71% e especificidade de 90% para predizer eventos
adversos, bem como o aumento de átrio esquerdo >40mm e a presença de arritmias
ventriculares estão também associadas com pior prognóstico14.

6. Existe algum tratamento que comprovadamente reduza desfechos (morte e


internação) neste caso?
Não há tratamento específico para esta cardiomiopatia, sendo a abordagem terapêutica
conforme a apresentação clínica. Relatos de casos e registros recentes apresentam
melhor desfecho clínico de pacientes que evoluem com sintomas e disfunção
ventricular, possivelmente pelo tratamento precoce e adequado da insuficiência
cardíaca, arritmias manifestas e prevenção de eventos tromboembólicos15.

7. O tratamento pode ajudar no controle da evolução da doença?

O tratamento desta cardiomiopatia tem como foco o controle das manifestações clínicas
já descritas anteriormente (insuficiência cardíaca, arritmias e eventos
tromboembólicos), além da terapia farmacológica e não farmacológica da insuficiência
cardíaca, quer seja sistólica ou diastólica.

A anticoagulação sistêmica profilática é preconizada, bem como a avaliação da


necessidade de marca-passo bicameral ou desfibrilador-cardioversor implantável para
o controle de arritmias ventriculares e para evitar a morte súbita. O paciente com
insuficiência cardíaca avançada e refratária deve ser encaminhado ao transplante
cardíaco17.

O uso de carvedilol em crianças pequenas tem sido descrito como seguro em relatos de
casos17.

É recomendado realizar Holter de ECG anual a fim de detectar arritmias


assintomáticas. Aconselha-se aos pacientes com miocárdio não compactado isolado a
não realizarem esportes competitivos ou levantamento de peso da mesma forma que
pacientes com cardiomiopatia hipertrófica18.

Devido à característica familiar, parentes de primeiro grau de pacientes diagnosticados


devem ser submetidos a rastreamento com ecocardiograma.

8. Existe alguma estratégia para a prevenção (primária e secundária) desta


doença?

O uso de desfibrilador-cardioversor implantável (DCI) pode ser usado como


prevenção primária em paciente com história grave de disfunção de ventrículo
esquerdo (fração de ejeção <35%) e classe funcional NYHA II-III. O DCI é indicado
para prevenção secundária em pacientes com taquicardia ventricular sustentada ou
morte súbita abortada19.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

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