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POR

POR QUE
QUE
A ESCOLA
A ESCOLA
NÃO ENSINA
GRAMÁTICA
ASSIM?

Stella Maris
Stella Maris Bortoni-Ricardo
Bortoni-Ricardo
Rosineide Magalhães
Rosineide Magalhães de deSousaSousa
Vera Aparecida
Aparecida dede Lucas
Lucas Freitas
Freitas
Veruska Ribeiro
Veruska Ribeiro Machado
Machado
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Direção: Andréia Custódio
Capa e diagramação: Telma Custódio
Revisão: Karina Mota
Ilustração de capa: Telma Custódio

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

P873
Por que a escola não ensina gramática assim? / organização
Stella Maris Bortoni-Ricardo… [et al.]. - 1. ed. - São Paulo : Parábola
Editorial, 2014.
256 p. ; 23 cm. (Estratégias de ensino ; 47)
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-7934-095-6
1. Língua portuguesa - Gramática. 2. Prática de ensino.
I. Bortoni-Ricardo, Stella Maris. II. Série.
14-14349 CDD: 469.5
CDU: 811.134.3”36

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ISBN: 978-85-7934-095-6
1a edição, 1a reimpressão: fevereiro de 2016
© do texto: Stella Maris Bortoni-Ricardo et al., outubro de 2014.
© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, outubro de 2014.
SUMÁRIO

Prefácio..................................................................... 9
Maria Cecilia Mollica

Introdução................................................................ 11
Stella Maris Bortoni-Ricardo & Rosineide Magalhães de Sousa

CAPÍTULO 1
Coesão referencial: aspectos
morfossintáticos e semânticos.............................19
Rosineide Magalhães de Sousa & Veruska Ribeiro Machado

CAPÍTULO 2
A topicalização e outros deslocamentos:
aspectos morfossintáticos e semânticos ...........45
Francisca Cordelia Oliveira da Silva & Scheyla Brito Alves

CAPÍTULO 3
Concordância de número no
português brasileiro................................................ 71
Caroline Rodrigues Cardoso & Paula Cobucci

CAPÍTULO 4
Orações relativas e interrogativas: aproximação
entre teoria e prática na sala de aula................. 109
Luzineth Rodrigues Martins & Ana Aparecida Vieira de Moura

CAPÍTULO 5
O fenômeno da hipercorreção..............................129
Marcia Elizabeth Bortone & Scheyla Brito Alves

CAPÍTULO 6
Verbos impessoais: variação no uso de haver,
ter e fazer.............................................................. 161
Vera Aparecida de Lucas Freitas & Maria Alice Fernandes de Sousa

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POR QUE A ESCOLA NÃO ENSINA GRAMÁTICA ASSIM?

CAPÍTULO 7
Uso e ensino dos tempos e modos verbais em uma perspectiva
sociolinguística....................................................................................... 181
Rosário Rocha & Cátia Martins

CAPÍTULO 8
Regência verbal.....................................................................................205
Ana Dilma de Almeida Pereira, Cláudia Heloisa Schmeiske da Silva & Marli Vieira Lins de Assis

CAPÍTULO 9
Como a escola pode explicar erros gramaticais e inovações?..........217
Maria Cecilia Mollica & Claudia Roncarati

Referências bibliográficas.................................................................. 249

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CAPÍTULO 1 PREFÁCIO
Maria Cecilia Mollica

P
or que a escola não ensina gramática assim? é a
pergunta que os alunos me fazem quando se
deparam com explicações simples nas salas de
aulas da Letras da UFRJ. Ao dar evidências de
que o falante tende a buscar a naturalidade do
sistema cancelando segmentos sem funcionalidade, por
vezes redundantes, procurando a economia e a eficácia
na comunicação, os futuros professores reagem: “Mas
é tão simples!”
A pergunta que não quer calar torna-se agora o
título deste livro. Teria sido o título do capítulo que
Claudia e eu escrevemos, se todas as colaboradoras
desta obra não tivessem também adotado o mote como
desafio de contribuir para a efetiva formação do pro-
fessor contemporâneo no que se refere aos processos
linguísticos variáveis e em mudança.
Na Brasília de 2011, em reunião na casa de Stella,
a última em que Claudia estaria, era impossível escon-
der nossa empolgação em reunir base teórica sólida
com a experiência de um bom grupo de educadores
com vasta prática de sala de aula. Como construir
uma pedagogia nova, tangível, para traduzir de forma
simples as principais diretrizes dos PCN em linguagem,
objeto de estudo de muitos pesquisadores e preocupa-
ção constante dos nossos formandos e mestres que já
se encontram na prática profissional? Como lidar con-

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POR QUE A ESCOLA NÃO ENSINA GRAMÁTICA ASSIM?

cretamente na escola com os usos variáveis das distintas comunidades de


fala, das diferenças sociossimbólicas das construções linguísticas variáveis
por parte dos usuários de uma mesma língua?

Por que a escola não ensina gramática assim? se propõe a fornecer al-
gumas respostas às inquietações de alunos e professores quanto aos modos
de ensinar, compreender e fazer uso da língua em movimento. Não basta
constatar que as línguas humanas não são estáticas e que os falantes são
bilíngues em sua língua. Não é suficiente alertar que os usos dependem dos
contextos e que devem ser adequados às situações discursivas, aos gêneros
e aos estilos monitorados e não monitorados. Não satisfaz colocar por terra
a dicotomia certo/errado, em nome do preconceito linguístico, se os fatos
são mais complexos do que aparentam ser.

Por que a escola não ensina gramática assim? se apoia em explicações


segundo alguns princípios funcionais dos usos linguísticos reais. Preferir
estruturas menos marcadas é um dos critérios de que o falante lança mão,
dando preferência a processamento de estruturas mais econômicas quando
não quer imprimir relevo à informação, podendo o oposto ser verdadeiro.
Preferir estruturas inovadoras em geral reflete tendência de bloquear exce-
ções, de regularizar paradigmas na fala e na escrita. Selecionar construções
supõe motivações na interlocução e pressupõe propósitos comunicativos,
de modo a tornar o processamento discursivo mais ou menos icônico, bem
como disponibilizar a informação nova ou dada mais ou menos acessível
em distintos graus de informatividade e opacidade.

Por que a escola não ensina gramática assim? desvenda parte da com-
plexidade implicada nos empregos linguísticos dinâmicos numa proposta
pedagógica contemporânea.

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CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO
Stella Maris Bortoni-Ricardo
Rosineide Magalhães de Sousa

E
u poderia, como Shakespeare, dizer que se trata
de muito barulho por nada, mas prefiro me ater
a analisar o “barulho”. Nunca os órgãos de
imprensa, inclusive os mais poderosos, dedica-
ram tanto espaço para discutir um conteúdo de
livro didático, como aconteceu em maio de 2011, em
relação ao tratamento de regras linguísticas variáveis
em livro destinado à educação de jovens e adultos. Não
me deterei nos fatos, sobejamente conhecidos. Observo
apenas que, por um lado, tivemos jornalistas ilustres
criticando veementemente o tratamento que o livro
deu às variantes de regras de concordância nominal
e verbal, com o objetivo de ensinar que há diferenças
entre as modalidades oral e escrita da língua. Argu-
mentavam os jornalistas que a escola estaria fugindo a
sua função precípua, que é ensinar alunos de todos os
estratos sociais a usar com competência a nossa língua
materna. Gostaria de incluir aqui a refutação a essa
interpretação equivocada da imprensa, mas resisto à
tentação e deixo isso para um próximo texto.
Por outro lado, tivemos manifestações esmeradas
de linguistas nacionais, inclusive da Associação Bra-
sileira de Linguística — ABRALIN, mostrando que
toda a Linguística brasileira está comprometida com
o ensino competente da língua portuguesa nas escolas.
Retomarei também esse ponto em breve.

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POR QUE A ESCOLA NÃO ENSINA GRAMÁTICA ASSIM?

O que quero agora é refletir sobre o impacto que fatos, geralmente cir-
cunscritos à atenção apenas de professores e dos responsáveis pelas políticas
públicas de educação, tiveram sobre a sociedade, a julgar pela importância
que a grande imprensa lhes conferiu. É possível também que, ao pautar
a matéria, a mídia tivesse intenções políticas, mas deixo essa análise aos
especialistas em política. Restrinjo-me ao acervo de conhecimentos acumu-
lados na área de Sociolinguística, com os quais convivo há mais de 30 anos.

Um conceito seminal na Sociolinguística, que preside a toda a con-


tribuição que essa disciplina tem feito à Educação, é o de competência
comunicativa, avançado por Dell Hymes em 1967 e retomado em 1972.
Para sua postulação, esse sociolinguista de formação antropológica buscou
subsídios na teoria sintática de Noam Chomsky e na antropologia funciona-
lista de Ward H. Goodenough (1957). Caudatária dessas duas influências,
a competência comunicativa de Hymes tem na adequação dos atos de fala
seu principal componente, ou seja, um ato de fala é adequado se atende às
exigências do contexto em que é produzido e, principalmente, se leva em
conta as expectativas do ouvinte. Assim posta, a adequação, parte essencial
da competência comunicativa, emana diretamente da definição fornecida
por Goodenough para cultura: “a cultura de uma sociedade consiste de tudo
aquilo que as pessoas têm de conhecer e tudo em que têm de acreditar a fim
de operarem de uma maneira aceitável pelos membros dessa sociedade”.
Ele vai além, ao associar cultura aos modelos que as pessoas têm em men-
te para perceber, relacionar e interpretar o que as cerca. A aceitabilidade,
Goodenough enfatiza, depende ainda em grande parte de critérios estéticos,
que alguns cientistas denominam “elegância”.

A noção de aceitabilidade coletiva, como propõe o antropólogo, nos


ajuda muito a entender como as sociedades que desenvolveram a escrita,
a literatura e as tecnologias elegem uma determinada variedade linguísti-
ca como a mais correta, mais lógica, mais desejável, em detrimento das
demais. Essa escolha não é aleatória, depende de fatores sócio-históricos
e está intimamente associada ao prestígio dos usuários de cada variedade.
No começo do século XX, o Círculo Linguístico de Praga dedicou atenção
ao processo de padronização das línguas, que as transforma em línguas
nacionais de uso suprarregional. Enfatizava esse Círculo dois componentes
desse processo: primeiramente a padronização, via elaboração de gramá-

12
Introdução

ticas, construção de dicionários, fundação de academias de belas letras, e,


em segundo lugar, a legitimação, que consiste no apreço dos falantes pela
variedade padronizada e pelo valor que lhe conferem.

No caso do nosso português, a variedade de prestígio, usada na lite-


ratura, na burocracia estatal e no culto religioso, chegou nas caravelas. A
língua lusitana já estava em processo de padronização quando seus usuários
chegaram ao Novo Mundo. Desde então, vem sendo cultuada e reverenciada
e se transformou no principal passaporte para a ascensão social em um país
de mestiços, ansiosos por se assemelharem aos europeus.

O que assistimos em maio de 2011 foi à manifestação desse apreço


pela língua padronizada, temperado pelo temor (naturalmente infundado)
de que pudéssemos perder um patrimônio linguístico cultivado nos cinco
séculos de nossa curta história e nos séculos anteriores, na Península Ibé-
rica. Quando os jornalistas bradam contra a teoria sociolinguística que
recomenda a discussão na escola dos nossos modos de falar e de escrever,
estão ecoando valores muito arraigados. Nós, os sociolinguistas, que por
obrigação de ofício, temos de nos ater aos princípios em que nos formamos
e nos deter em análises de cunho científico, devemos encontrar o tom certo
do discurso para explicar à sociedade e aos seus porta-vozes que nós, brasi-
leiros, somos uma comunidade de fala marcada por ampla heterogeneidade.
Temos de convencê-los de que a descrição da variação linguística ajuda a
coibir a discriminação odiosa contra os falantes das variedades de pouco
prestígio e, mais que tudo, facilita, aos nossos alunos, a aprendizagem dos
modos prestigiosos de falar e de escrever indispensáveis à vida urbana, plas-
mada pela cultura letrada (reproduzido de <www.stellabortoni.com.br>,
Brasília — UnB, 20 de maio de 2011).

***
A pesquisa que deu origem a esta antologia teve início em 2011,
concluindo-se em 2013. Nesse período foram publicadas novas gramáticas
normativas do Português do Brasil, rica fonte de consulta à medida que
as autoras dos capítulos foram tendo acesso a esse novo material. Cabe
registro a duas dessas obras: Gramática do português brasileiro, de Ataliba T.
de Castilho (São Paulo: Contexto, 2010); e Gramática pedagógica do português
brasileiro, de Marcos Bagno (São Paulo: Parábola Editorial, 2012).

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POR QUE A ESCOLA NÃO ENSINA GRAMÁTICA ASSIM?

Motivação deste livro é justamente discutir os valores relacionados


à padronização da língua portuguesa no Brasil e à legitimação confe-
rida à variedade de prestígio pela sociedade, fenômenos subjacentes à
contínua discussão de questões linguísticas na mídia. Todos os capítulos
contribuem para a discussão e reflexão sobre tópicos de gramática, de
fenômenos fonético-fonológicos, morfossintáticos e semânticos que
ocorrem tanto na variedade de prestígio, considerada a “norma-padrão”,
como nas variedades estigmatizadas, consideradas “não padrão”, em-
pregadas em vários contextos de uso, nas modalidades orais e também
em alguns gêneros escritos do português brasileiro (PB). Tais fenômenos
não são trabalhados em livros didáticos e em gramáticas na forma como
os registramos aqui.

As discussões e as reflexões têm como base exemplos da língua oral


e escrita e se fundamentam na tradição da gramática normativa e nas pes-
quisas empíricas da sociolinguística, principalmente na vertente variacio-
nista. Nossa proposta é apresentar uma obra que trata dos conhecimentos
acumulados dessas duas áreas, já consolidados, com a finalidade de auxi-
liar na formação linguística de docentes da área de linguagem — língua
materna, levando os colegas professores, para quem estamos escrevendo,
a refletirem sobre o ensino de gramática em perspectivas diferentes, mas
que se complementam.

Além de apresentar discussão e reflexão, a obra faz sugestões de como


trabalhar cada tema em sala de aula. Na verdade, propomos um trabalho
sobre fenômenos gramaticais que envolvem a linguagem em uso, com
suas variações, na modalidade oral e escrita, fenômenos materializados
em gêneros discursivos diversos, com a abordagem dos conhecimentos da
gramática normativa e conhecimentos da sociolinguística, oriundos de pes-
quisas desenvolvidas há mais de trinta anos no Brasil, focalizando o “certo”
ou “errado” ou inovações ou variação. Esta é a contribuição que a obra
pretende proporcionar aos docentes do ensino básico e à formação inicial
e continuada de professores de língua materna. Todos os capítulos sugerem
modos de ensinar os fenômenos abordados, considerando as possibilidades
de uso da língua conforme o contexto, com base nos conhecimentos da
gramática normativa e da sociolinguística.

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Introdução

O livro está organizado da seguinte forma:

O capítulo 1, “Coesão referencial: aspectos morfossintáticos e semân-


ticos”, de Rosineide Magalhães de Sousa e Veruska Ribeiro Machado, tem
como foco a coesão referencial, termo empregado para identificar as marcas
linguísticas que permitem ir recuperando, no texto, os objetos anteriormente
referidos. Identifica e analisa categorias linguísticas na constituição discur-
siva oral e escrita, mostrando as funções morfossintática e semântica dos
elementos que constituem o sentido do texto.

O capítulo 2, “Aspectos morfossintáticos e semânticos da topicaliza-


ção e de outros deslocamentos”, de Francisca Cordelia Oliveira da Silva e
Scheyla Brito Alves, trata do deslocamento em língua portuguesa, fenômeno
natural e rotineiro na língua, mas que, se mal utilizado, desequilibra a coesão
e a coerência. O objetivo do capítulo é refletir sobre algumas manifestações
desse fenômeno na língua oral e escrita, com suas variedades, enfocando
principalmente a topicalização.

“A concordância de número no português brasileiro” é o título do


capítulo 3, de Caroline Rodrigues Cardoso e Paula Cobucci, que traz con-
cepções teóricas e exemplos desse fenômeno na língua em uso, fazendo
uma analogia crítica com a tradição gramatical e mostrando que precisamos
entender melhor cada aspecto que influencia a variação da concordância.
As autoras discutem ainda a variação da concordância de número no PB
e a relação dessa variação com a escolaridade dos falantes.

Luzineth Rodrigues Martins e Ana Aparecida Vieira de Moura são


autoras do capítulo 4, “Orações relativas e interrogativas: uma aproximação
entre teoria e prática de sala de aula”, centrado na variação de uso e de
funções dos pronomes constituintes das orações relativas e interrogativas.
O objetivo é discuti-los, conforme os aportes da sociolinguística, e analisar
em que medida abordamos o uso dessas orações na sala de aula. As auto-
ras ainda mostram como os professores os abordam e como a temática é
tratada nos materiais didáticos que dão suporte ao trabalho pedagógico do
professor de língua materna.

O capítulo 5, “O fenômeno da hipercorreção”, de Marcia Elizabeth


Bortone e Scheyla Brito Alves, retrata um fenômeno frequente nas pro-

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POR QUE A ESCOLA NÃO ENSINA GRAMÁTICA ASSIM?

duções orais e escritas dos alunos, a hipercorreção. Para tanto, as autoras


fazem breves considerações teóricas, ora conceituando, ora classificando,
ora exemplificando o fenômeno. O objetivo do capítulo não é fazer uma
exaustiva análise teórica desse fenômeno, mas apresentar alguns elementos
teóricos importantes para que haja condições de, a partir deles, identificar
a hipercorreção na produção dos alunos e realizar uma boa interferência
didática no ensino da norma-padrão.
“Verbos impessoais: variação no uso de haver, ter e fazer”, capítulo 6,
de Vera Aparecida de Lucas Freitas e Maria Alice Fernandes de Sousa,
aborda a variação dos verbos haver, ter e fazer, como verbos impessoais. Dis-
cute também o papel da escola no processo de ensino-aprendizagem desses
verbos, na perspectiva da variação como inerente ao sistema linguístico e
como fato social culturalmente situado.
No capítulo 7, “Reflexões sobre o uso e o ensino dos tempos e modos
verbais em uma perspectiva sociolinguística”, de Rosário Rocha e Cátia
Martins, o fenômeno gramatical em tela é a variação modo-temporal no
uso do verbo no português do Brasil (PB). Nesse capítulo, esse fenômeno
será tratado com o objetivo de proporcionar o reconhecimento das variantes
correntes na língua e suas implicações. O capítulo baseia-se na apresenta-
ção de exemplos com a finalidade de descrever eventos da fala e da escrita,
coletados nas interações de brasileiros de diferentes áreas geográficas e de
níveis escolares e socioeconômicos diversos. A intenção é contribuir para
que o professor entenda o que leva o usuário da língua a realizar deter-
minada variante: o que faz dada flexão nos modos e nos tempos verbais
ocorrer naquele contexto de uso. Segundo as autoras, esse reconhecimento
ajuda a propor formas de ampliar a competência comunicativa do falante/
escrevente nas diferentes interações sociais.
O capítulo 8, “Regência verbal com verbos de movimento”, de Ana
Dilma de A. Pereira, Claudia H. S. da Silva e Marli Vieira L. de Assis,
discute o tema, fazendo-nos perceber que nem sempre seguimos ao pé da
letra as indicações da gramática normativa. O capítulo aborda essa temática
complexa em três perspectivas:
(i) verbos de dupla regência;
(ii) verbos de movimento;
(iii) queísmo e dequeísmo.

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Introdução

As autoras recorrem a exemplos da fala e da escrita e ao aporte teórico


de linguistas com pesquisas significativas. Além disso, contam com o au-
xílio de gramáticos e autores de livros didáticos adotados tanto em escolas
públicas quanto particulares.

“Como a escola pode explicar erros gramaticais e inovações?”, capítulo


9, de Maria Cecília Mollica e Claudia Roncarati, discute os fenômenos que
suscitam rejeição, realimentando o binômio certo x errado, ou legitimando
o “tudo vale”. O capítulo tem por objetivo esclarecer, conforme pressupos-
tos teóricos da linguística, a natureza dos fenômenos variáveis e funcionais
da língua; explorar a força explicativa de alguns enfoques funcionalistas e
oferecer ao professor caminhos alternativos para a compreensão de fenô-
menos sociofuncionais.

Esse capítulo merece ainda algumas considerações: quando o projeto


foi iniciado, o grupo de pesquisadores de Brasília convidou as pesquisadoras
Claudia Roncarati e Cecília Mollica para serem consultoras, considerando
sua expertise na área da variação em morfossintaxe. O grupo manteve com
elas intensa discussão on-line e houve um encontro presencial no qual as
pesquisadoras apresentaram o esboço do capítulo 9. Nessa ocasião, sugeri-
ram também que o livro se intitulasse Por que a escola não ensina [gramática]
assim? Como o leitor poderá observar, trata-se de um capítulo que transita
por conhecimentos teóricos de linguística funcional e de sociolinguística
variacionista muito atualizados. A inclusão desse capítulo em um livro
voltado prioritariamente para o trabalho pedagógico da sintaxe tem duas
importantes motivações: a primeira é permitir ao leitor, especialmente o
professor leitor, acesso a um refinado arcabouço teórico subjacente a toda
a discussão dos diferentes fenômenos sintáticos variáveis no português
brasileiro contemporâneo. A segunda tem o caráter de uma homenagem.
O texto foi discutido por Claudia Roncarati e Cecília Mollica quando
Claudia já se encontrava em estágio avançado da enfermidade que ceifou
prematuramente sua vida. Esse é o último trabalho que a grande linguista
produziu e legou aos novos pesquisadores. Por ser um texto tão especial,
as organizadoras decidiram preservá-lo tal como originalmente produzido:
preservou-se a voz das autoras, atitude que reflete sua subjetividade e sua
intenção ao colaborar com essa coletânea.

17
A
pergunta feita pelos futuros professores nas salas de
aula dos cursos de Letras quando se deparam com
explicações simples de questões gramaticais, torna-se
agora o título deste livro: POR QUE A ESCOLA
NÃO ENSINA GRAMÁTICA ASSIM?

Este livro vem contribuir para a discussão e reflexão sobre tó-


picos de gramática, de fenômenos fonético-fonológicos, mor-
fossintáticos e semânticos que ocorrem tanto na variedade de
prestígio quanto nas variedades estigmatizadas, empregadas
em vários contextos de uso, nas modalidades orais e também
em alguns gêneros escritos do português brasileiro.

Todos esses fenômenos não são trabalhados em livros didáti-


cos e em gramáticas da forma como são registrados aqui.

POR QUE A ESCOLA NÃO ENSINA GRAMÁTICA


ASSIM? baseia-se em explicações segundo princípios fun-
cionais dos usos reais da língua. Propõe respostas às inquie-
tações de alunos e professores quanto aos modos de ensinar,
compreender e fazer uso da língua em movimento e desvenda
parte da complexidade implicada nos empregos linguísticos
dinâmicos numa proposta pedagógica contemporânea. Além
de apresentar discussão e reflexão, a obra ainda faz sugestões
de como trabalhar cada tema em sala de aula.

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