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Alba Flesler A PSICANALISE DE CRIANCAS E O LUGAR DOS PAIS A meus pais epi 87 he er rt args de Vc ana | 249 ‘seo [e230 ‘hernenbacoaie | wacom ‘on epi sLige ape Arn Tota ts“ 2a ‘rate de ‘SUMARIO Petco 4. Aatanga em anise ‘Problemas da anise de rans, 1» O objeto da pcan 0 sujet, 19+ A exten do sje: nite prdas pao, 20 O Sujetoda star: Yad TU sum)24+ Aarne Sooo fsa ices 8 2 0s pals des dot psi 2» Aanecipsto da mie 42+ A nominasto do ats Tie verse da impotence dopa 9 Acosta dopa 15 Aastoriade dos pal 3+ O des do puis entre eon doerotamo, 2 305 tempos do suet. Tempos do Res, Abosimblc edo iagiaisio 44 Ostempos da angst Aguas considera sobre angina fb inn, 0 ‘fbi: precptad extrataral 57 Os tempos do brincar A polemic em jogo 8 + Obncar na estar, =O primeeo Jog, 98 A demandaem joa 7» Ortrs tempor Sogo Scat {eL99 + Ostempos da fntanacenaem jon 0» A representa da» Re realidad em og 17 Ace di: ac goes + Brscare semble a mage em jog» A intr veges do anal 18 8 os tempos do desenho (deseo nos trp infin 2» Odeenhoem rans otar= Um dese, 127» O deseo den et 19» Ater ‘Seo do anal, 8» Un dosno pat olay,» O deseno (eos aden 8» Deena de um ito 28 10s palsea ransferéaca Aguas note soe os tnipos ds transerénl, 18 - Os pune Colts, 2 » Os destino da saber na infin 4 Busca de aber sn de verde, 15 +O tempo da pergnts, 19 «Terns € eo 19 » Ar espouses io Som € angi 15 «A verdad dsp 4 {As intewvengdes o analista ra anise de ums clanga Asciverintervenges do aml» Asters alt perce el = Alu pga ei de Somente a nerpretaio 2» ltr 0 fata, 2 bogie PREFACIO Escaavxsre Liveo a partir da minha pritica como psicanalia, Depois de trinta anos recebendo cranease pais em meu consul ‘ioe ministrando uma sri de seminéris sobre o tema, reuni nest texto alguas reflexes suscitadas por essa experiéncia, Os analistas qu assstiram aos eminirios me etimularam a expor or escrito as dis que foram se desenvolvendo a0 longo de todos esses anos. Escrevi,portanto, pensando nagueles que petendem fazer formacio como analista de ceangas.Refiro-me a08 que de- «idem receber em seus consultios pacientes que nio vém por ‘mesmos, io apresentam "as condigdes necessieas picanslise ‘mencionadas por Freud, nunca ouiram falar de psicanilise, nem ‘um adulto jamais hes falou dessa pritica. ‘Chegam com seu sofrimento porque so tazidos ou desviados ‘de um determinado meio social para outro, nio costamam fla, ‘como fazem os adultos, no mais das vers brincam au ficam emt sllnclo, is vezes no querem vir o¥ nos fazem perguntas de foro intimo, Os adults que os acompanham ou que os enviam tam ‘hm perguntam, demandam respostse indicagées, protestam e, As vers, se queinam dessa criangas que no respondem. Desde o inicio as crangas apresentaram um vgs problemstico para o analist, pois a abordagem delas demonstrau exceder 0 ‘marco teérico orignal pars o qual a psiandlise fra crsda, "No entanto, os problemas que ese panorama aponta devem set comsieradosintrinscos i psicanlisedecrangas ou um convite 3 reineroga os propos concets nos quas se inscrevea sua pit? ‘A meu ver, 8 oposigo que tem so sustentada em nosso meio entre analisabilidade da crianca, seu pleno direto 3 andlise- tal . A pcan de rancor dos pit ‘como éofeecida a um adulo -, ea afiemagio oposta,baseada na insufcgnca psiquica para trabalhar a partir dessa disciplina, resultouinoperante. A erianga ndo pode ser abordada da mesma manera que © adult, mas ndoexig, por isso, uma especialidade. Em compen: ‘ago, sua atengdo supe uma espcifiidade que, asentada no reconhecimento dos diferentes tempos do sujelto, guid opera: téria diversas na pita anata, Alimentada pelos textos de Freud e seus seguidores,impreg: ‘ada pela polémica entreas letras de Melanie Kleine Anna Freud, sequidoraatenta das elucubragSes de Winnicott e dos aportes de Frangoise Dolto ¢ Maud Mannoni, pude encontrar naformaliza «0 que Lacan faz do sujeito da estrutura uma via para dirimir Alguns problemas da pti com riangas, acentuando uma ig ‘que sublinha ofator temporal “Minha proposta €abordar nest ivro as especiicidades do sto analtico& luz de cada um desses tempos, pois sua fina delimit: ‘lo deve orentar a condusio do tratamento, No meu entender, 0 uso dessa bsslatorna prescindivel o apelo a uma técnica espe cial paraatender cian, Jogos, ringvedos, desenhos também ‘lugar dos pais respondem a razdes de estrutura, cua localzagio redundari em beneficio na hora de decidir s intervengBes do nals ‘Ao tratar do lugar dos pas tentoabordar um dos tragos espe clfcos da andlise de uma criang, contemplanda ofato evdente da sua presenga em cada uma das consuls, Em um ocasio, um pacente me conto que alguém Ihe tinha perguntado como ele havia se capacitado para seu ofc, Ele re. Pode que tudo o qu sabia fazer tina aprendidotrabalhando com outras pesoas. "Vendo o que fariam? continuo o iter locutor. “Isso mesmo, olhando, mas fundamentalmentepergun tando" fia resposta. Do mesmo modo 38 perguntasconstituem TT Pref . ‘o verdadeiro estimalo deste livo, Tanto as perguntas dos outros, das quals me apropriel, quanto aquelas que fiza mim mesma, Se: _guindo ese percurso também fai enconeando aguas respostas, Pos bem: onde as enconre? Qual fia sua fnte? Enconte respstas em Freud e Lacan, em autos pscanalisas - alguns que trabalham com cransas, outros que atendem adultos -, assim como nas sssdes com meus pacientes criancas, adolescen: teseadultos emasentrevstas com seus pais Agradegoa cada um eles também aos analistas que generosamente publicaram os relatos de so pritica, nto com a8 formulagdesteieas, perm tindo que eu delimitasse coincidencasediferenas. Por iltimo, mas em primeico lugar, quero agradecer a Mata CCabarrou de Gotthel, da edtoraPaidés, pela acolhida que dew minha proposta,oferecendo-me a oportunidade de editar este livr, Meu sinceroagradecimento também a Moira Irigoyen, por ‘ua letra atenta, a minhas colaboradoras na digitacao do mate: ‘al, Johanna Soler e Karina Del Isoa, por seu compromisso com «a tarefa, a meus queridos metres em psiandlise,Isidoro Vegh «Fernando Ulla, {dice present em od comego. Com iss, lamentavelmente, dei sam escapar a relevincia posterior de sua ieidéncia na aborda ‘gem da crianga. Quando considerames 20 contrrio, as diversas signifiasBes que uma criang recria no psiglsmo de um adulto ‘encontramos, com no pequena surpresa, a localizagio conden: sada que uma crianga acaba ocupando em qualquer ser humano. [Na maloria dos casos eno por razdes casas, mas de estrutura, «qwem busca a consults para uma criang sio os pais. Em tal s ‘ago ~ ,embora parega dbvio, nem sempre é-, acianca que cles nos trazem € um iho ‘A compleridade do tema que nos ocupa no pode se concuir sem que se interroguem as variveis que intervém na questdo, vs pais na sinda mais quando a decisSo de dar ou néo lugar nile da crianga esténo centro de wma polémica de nossa A.A CRIANGA EM ANALISE UMA ORIANGA citEOA 20 consltério de um analista peas es sonfnsas que ger num adult, Fforgoso, portant ~eestenio ‘um dado menor -, da lgareimportincis aos acordes singula ‘res que uma cranga desperta naquele ue nos procura. Segundo ‘pude comprovar, alguns analistas de criangas desconsideram esse lidade, Uma polémica que, sendo da atualdade, no é, porém spenasatualelarevea um problema que sesitua no inicio mesmo a sia travado para pacientes adultos, permeou de obsticulose contra axto=2 Problemas da andlise de criancas, [Na experléncia de todo psicanaista se apresentam, inludivel- ‘mente alguns pfs nsuspetados que ndo seencalxam no conhe- 4 A icone declan ger do ps ido marco tedrco, Ness caso, 0 acervo conceit acumuladasté «esse momento se depara com um vids inguietante, que acentua de ‘manera novel um tom cuja magnitude real dui tudo o que se pode ter imaginado, estretando também o caudaloso fuxo das palavras. Com um matizimprevsive,abre-se um capitulo nio incorporivel até ent. [Ness sentido, é preciso rechecer que, desde onc a crianga tornou presente um ral na clinica anata. Como um prego que io se encaixa bem no buraco, ela trouxe problemas. Mas que tipo de problemas? Prefiro propor a pergunta, dado que um problema pode ser ‘magindro ou ral «esa distingo ter utilidade clinica. No pi _meir cas, quando um problems ¢imaginiri,costamam surgi solugdesambivalentes: solo segue a economia da totalidade «a0 se debater entre tudo e nada, restringe a saida do problema a opcses concludentes. A colacagio do problema gira apertada, en tne duas perspectivasigualmente impotents, sea como onipatén «ia sea como impoténcia do ato analitco,Abordar um problems, Sintetizasio de um resto, Com essa abordagem, o que se tena & que um significant representa pa fi ‘Mais tarde ele foi enlacando o registro do Real aos dois prime ros, Nese percuso, sua preocupacio “em passar-nos um peda e real” (Semindrio XX) foi aumentando pouco a pouco, ge ando, paralelamente, a busca de nova escrituras para acercar-se sscrever.Apelow,portanto, 2 seus matemas ea liga para apr Ximar-se do Ral, que nlo pode ser coberto nem pelo Simbico, nem pelo Imaginrio essa maneia, nos tims anos de seus seminars, com a apresentagio do e do qu se mostra junto com ele, chegou a afirmar que a estrutura £0 sujelto, sujet da estrutura tripartite RSL, queé Um, Escreveu isso com 0 né borramesne,calyando 0 objeto no en ‘ada ver mais dsse real que, como firme leccruzamento dos rs ¢ confesando que, com essa esrita en ‘tava em jogo um invento no marco de sua teorizagio: objeto a R s Depois de apresentar os tes de modo simultineo,é conve: niente, no entant,consierar minimamentea is de eu entre ‘amento, poison ¢ dtl para abordarasintervengdes do analist, ‘no plural: ntervengbe no Real, no Simbslicae no Imaginéro, Esse né de ts cordas se denomina brromeano. All par sl) amarragdo € muito simple; parece dificil porque gera ressten «as a0 romper nossa intuicd imaginia, Sua armacio exe 0 Fespeito a uma ciusulaprscritvae ours restriiva, Cada uma, elas dro que se deve faze? €0 que nio se deve fzer durante a armagio, O que nao se pode fazer com esses trés ants, ou cordas, ¢amarciclos de maneira al ques interpenetemn, O que, 20 con war, se deve fazer Eentrelaci-los pasando por cia do ane] que ‘std em cima por baixo da que et embaixo. Por conven, cords escrita com lina chela que va por cima, ea que apa- rece cortada €a que fica por baixo.Potant,escrevo 0 Real, em ‘Seguida oImaginiio,cobrindoparcalmente Real, inalmente © Simbélico, por cima do que ests em cima e por baixo do que ¢sti embaixo. Apresenti-los deste modo produz um geno: 20 [@emtediada. Sendo asim, com requtnca termina a note po ~ | Yocandoalgum confito com qualquer se desprevnido que cu zasse seu caminho de tio e continua apaia Para evar que “Tes rastages sus al tentavam aise laa tal pont havi Ihe tiradoo deseo; ada capricho satisfto minguara ainda masa sua j combalidavontade, deisando ats de so Sabor amargo do ti existencal. Os objeos de gros sleance imediato de ua mao a prvavam de nada mals nada menos que sua condigio dscjane,levando-a a procurar deseo insti tos porum eaminhosintmdtic, Ua ve lcalladeosntorna, comeou a sispender seu pre portnidade numa exstenci tho desmotivada:pergont «que beara faa em sa via desrientada Poisbem,o qu acontece quando o objeto mio eri seu liga de faa efanconaoperando com um tamplo, como mai-de. gorarem cadaum dos reistos No Imagini etl se ora fio ea fixides poder ser vista no plano da representa Aiden ‘cago com aimagem parece torarseidénticaso se O suet 80 automsiico para abrir uma “ A pscandise decries 0 ge dor pais se apresnta na cena com sua identidade. Sua representagio no Incla um nio representvel. Lembro-me de wma menina fixada ‘em “Ser uma boneca" Nio se tratava de um jogo, tampouco de uma metdfora. As consequéncias da fixagio na imagem sio ob- servives na clinica, mas nio 6 li, também na vids 0 brinca se Interrompe e pode faze iso tanto no tempo inca, consitutiva «da primeira identificagso (Cruglak, 2000), como depois, em cada tum dos tempos postrioes do sujet. Lembro-me também de outa menina, cu agar fx no are sismo da mie nio "fia jogo” eimpedia toda adiltica de er ou nose ofaloimagindrio da mie Ison permita ques inrody 2sse no espago analitco a cena dca. Se eu brincav de falar com ‘um boneco la me olhavae, com grande seriedade, dia: “E um bringueda” Rompiaa cea de representa dia e revel o rel Essa filer do ser no apenas impediaobrincar como também a levavaadenuncar oral em cada realiade, Claro, rigid no € ‘exclusiva das criangas, pode eencravar em forma perdurével como ode a nominacio enlagar todo o real? De maneira nenhuma um eal que no serdabordado completamente nem pelo im- ‘lico nem pelo Imaginirio. Non6 ce fica escrito como real do Real real ao quadrado;e ndo é por acaso,nem uma questio menor. ‘que ali Lacan escreva"W1DA" (Lacan 198) ‘Avda mantém permanentemente um grio de real que sur preende suet, transpassando a representagioimaginira que ppodera ter aleansado ou a simbolizasio significant, Por isso, 0 plural dos nomes do pa, além do mais, me fz pensar que opal _enitor me x6 um, mas existe tanta supléncias de pai quan) tas osucto necesita estver dsposto a adota. E, assim também, a proposta do fim da anliseseafasta do \ealismo nominasité que se podera esperar dele. Ir mais além do pai nio impede que se usem os nomes do pai (Vegh, 2006) Além disso, 6 nomes do * A pans de criagas 0 ga des pais Se consderrmos, portato, x coordenadas etre agi gue neces, 0 que 6 contingent eo ue reste como impose tncontaremos panos scesvos de cmplxidde com uma i tidécadfrencl ma extrturagi de na clang 4 {© caso dos prncrosanosdepende raiment dessa op sy has de ntcpao e nominaio neces para qu eto {ext como eft desu icici A despoteio Pies exis, da prt dow pis reiterago da antelpago€ nominaSo em ada tempo do sijeito na infin, desde nts de nascer che {ar a conformagiodeinitria, na metamorfoe da pberdade (Os tempos esto encadeado de alguna mania odem de um brinear qe pres recom eo eid to decd ¢ porque sus tratirsnc vic dese vines oe, tempor econtatempo amb entetempos(Meghesan de Neca, 200 ps Poe curio sereliza pode oun se ealzar tempo x pode fet doi 2 posse impoitacis Son dv, oa renova sefardneces ‘Tada omen da vida em que a condi prematra se Ser presente com freainasitad na existéncia do sjito sso ocr __ especialmente nos tempos, destacados por Freud, do primeire <° edo segundo despertar, quando o teal sexual faz elodir a ima‘ {em que se tnha do proprio corpo, mostrando a preméncia com ‘que 0 sujetotentareencontrar uma trama simbéliea para sus- tear a exstenci.B por iso que tantasurgéncas se apesentam nesses dois momentos. Os tempos da infncla nfo transcorrem mansamente ¢ alguns fins 6 serao alcancados se determinados spforem mantidos. Para cada tempo do suit preciso ferar a anteipacio ea nominacio dos pais. A puberdade tam: oo) Tbémn se revel, ta como assnala Freud, um tempo de profunda > metamorfose, de cuja precipita dependersaescolha do objeto Isxo pressupae a busca do objeto do deseo, do gozo de amor, em sempre orientada 140 corpo de outro ser humano como spas = arcero, pois reorientagSo que vi do corpo da mie a0 proprio ‘corpo eem seguia, e apenas em seguida, 20 corpo do pareciro ‘io seencaminha por instito (0s meandros do percurso se diagramam num Iabirinte que também incluibecos sem saa. Os techos que o individu ters ‘que percorrer podem sr fetos com pés de chumbo, com asas nos és, passo a paso ou afundando em areas movedias, até se afoga no travo amargo de slguma tage Tres versbes da impoténcia do pai [Everdade que a estutura do ser humano tem como base de sew fundamento essa lgica de incomplete, cuja vali essaltamos Anterorment. Nao se trata de um dado menor, nem de um ganho seguro, pois 0 Outeo quem promove sua dinkmica a0 ofeecer sua falta, Mas cada tempo do sujitoexig, por sua vez, uma ope: acd de esritura prépria do suet Bua chamei de operasioes: ritual (Flese, 1994), tomando a expresso utilizada no processo de compra de um imével. Nela o sujeito tem que concretizar coperacio deesrituracio da fill, 'Sé podemos tomar posse de uma propriedade como um bem proprio quando avramos sua esritura. Sem esse ato, no secon lui a compra realizada antriormente e mantida em suspenso, Do mesmo modo, para conseguir promover cada um dos tempos do sueto€ necessirio que ambas as partes, os pais ea crianga, ‘cumpram o seu papel “Mesmo reconhecendo ques incorporagio do Real como opera ‘4 fandadora da estrutura humana é demasiado precoce para o parte [alasser, as vilstudesseguidas peta redistibuigio do ‘govo em cada um dos tempos da infincia parecem, por sua vez,

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