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FUNDAMENTOS SÓCIO-

ANTROPOLÓGICOS E DA SAÚDE

O CONCEITO AMPLIADO DE SAÚDE: A OMS


E O CONCEITO DE SAÚDE

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Olá!
Ao final dessa aula, você será capaz de:

1 - Problematizar o conceito de saúde;

2 - Entender a importância das discussões da OMS;

3 - Compreender os objetivos e consequências da 8ª Conferência Nacional de Saúde e da Constituição Federal de

1988.

1 Introdução
Vimos, na aula anterior, que a compreensão humana se modifica a partir das transformações sociais e culturais, e

que o conceito de saúde não pode mais ser considerado sinônimo de ausência de enfermidade.

As diversas revoluções (socioculturais e tecnológicas) promovem novas formas de compreender os fenômenos

no âmbito dos processos saúde-doença. Assim, temos que pensar os eventos que envolvem saúde e doença como

multideterminados ou multicausais.

Devemos, portanto, ampliar o sentido e incorporar novas dimensões à leitura destes fenômenos.

2 O conceito ampliado de saúde


Ampliar o sentido dos processos de saúde e doença é passar a considerá-los algo mais complexo e diretamente

relacionado a fatores sociais, políticos, econômicos, ideológicos e de representação social.

Ao fazer isso, a saúde deixa de ser compreendida a partir de uma perspectiva médica curativa, e passa a ser

concebida como um processo que envolve promoção e prevenção.

Assim, entende-se que “processo saúde-doença é um processo social caracterizado pelas relações dos homens

com a natureza (meio ambiente, espaço, território) e com outros homens (através do trabalho e das relações

sociais, culturais e políticas) num determinado espaço geográfico e num determinado tempo histórico” (SAÚDE E

CIDADANIA, 2011).

Esta “nova” compreensão de saúde está fundamentada em um modelo ampliado que, ao mesmo tempo em que

orienta novos olhares sobre os fenômenos, também reorganiza ações e serviços. “A garantia à saúde transcende,

portanto, a esfera das atividades clínico-assistenciais, suscitando a necessidade de um novo paradigma que dê

conta da abrangência do processo saúde-doença. Nesse sentido, a promoção à saúde aglutina o consenso político

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em todo o mundo e em diferentes sociedades como paradigma válido e alternativo aos enormes problemas de

saúde e do sistema de saúde dos países.” (SAÚDE E CIDADANIA, 2011).

Fique ligado
Para melhor compreendermos o processo de ampliação do conceito de saúde, vamos analisar
brevemente três importantes documentos: a Declaração de Alma-Ata, a Carta de Ottawa e, para
o Brasil, a Constituição Federal de 1988.

3 A OMS e o conceito de saúde


A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi fundada em abril de 1948, com a finalidade de desenvolver o nível de

saúde da população mundial, através do planejamento e patrocínio de programas e ações em saúde.

Hoje a OMS conta com 192 Estados membros e dois membros associados. O Brasil faz parte dos Estados

membros.

Sabe como a OMS define saúde?

Como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausências de enfermidade ou

doença” (OMS/WHO).

A definição de saúde da OMS tem sido considerada problemática por alguns pensadores, à medida que é vista

como utópica. Afinal, que indivíduo ou grupo humano apresenta “completo bem-estar” físico, mental ou social?

Assim, a definição apresenta a saúde como algo mais ideal do real; sua proposta é, na realidade, inatingível.

Uma posição mais favorável à definição da OMS permite tomá-la como um indicador para compreender a saúde

como um fenômeno complexo que não se esgota na dimensão física ou fisiológica.

Ao reconhecer a saúde como algo mais do que ausência de doença, a definição da OMS amplia os determinantes

e, consequentemente, a responsabilidade pelo bem-estar individual e coletivo.

A consideração da dimensão social nos estados de saúde-doença será fundamental para a compreensão de

sentidos particulares e para a elaboração de políticas públicas capazes de fomentar vidas mais saudáveis.

Por outro lado, ao colocar lado a lado as dimensões mental, social e física, admite a necessidade de trabalhos

intersetoriais e multidisciplinares.

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3.1 A Declaração de Alma-Ata

A OMS promove uma série de encontros e discussões que têm como objetivo discutir e propor acordos e ações

na área da saúde em âmbito mundial.

Em 1978, como resultado da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em

Alma-Ata, no Cazaquistão, a Declaração de Alma-Ata expressa as necessidades dos governos e das organizações

que trabalham no campo da saúde que centrem seus esforços no sentido de promoção da saúde para todos os

povos do mundo.

O item I reafirma a definição de saúde elaborada pela OMS e reafirma ser a saúde um direito humano

fundamental.

Item IV: “É direito e dever dos povos participar individual e coletivamente no planejamento e na execução de

seus cuidados de saúde”.

Item V: (...) “todos os povos do mundo, até o ano 2000, atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma

vida social e economicamente produtiva. Os cuidados primários de saúde constituem a chave para que essa meta

seja atingida, como parte do desenvolvimento, no espírito da justiça social”.

Item VII: “Os cuidados primários da saúde:

1 - Refletem, e a partir delas evoluem, as condições econômicas e as características socioculturais e políticas do

país e de suas comunidades, e se baseiam na aplicação dos resultados relevantes da pesquisa social, biomédica e

de serviços de saúde e da experiência em saúde pública.

4 - Envolvem, além do setor de saúde, todos os setores e aspectos correlatos do desenvolvimento nacional e

comunitário, mormente a agricultura, a pecuária, a produção de alimentos, a indústria, a educação, a habitação,

as obras públicas, as comunicações e outros setores.

7 - Baseiam-se, nos níveis locais e de encaminhamento, nos que trabalham no campo da saúde, inclusive

médicos, enfermeiros, parteiras, auxiliares e agentes comunitários, conforme seja aplicável, assim como em

praticantes tradicionais, conforme seja necessário, convenientemente treinados para trabalhar, social e

tecnicamente, ao lado da equipe de saúde e responder às necessidades expressas de saúde da comunidade.”

Vemos claramente que a Declaração de Alma-Ata recoloca a questão da saúde, considerando diversos aspectos

que vão além das ações curativas ou resumidas a estados de enfermidade ou doença. O documento engloba todas

as áreas da vida em sociedade para fazer compreender os eventos em saúde.

3.2 A Carta de Ottawa

Outro importante documento relacionado à ampliação do conceito de saúde é a Carta de Ottawa.

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Resultado da I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em novembro de 1986, em Ottawa,

Canadá, baseia-se nos progressos das discussões de Alma-Ata.

É uma carta de intenções que tem por objetivo contribuir com as políticas de saúde desenvolvidas pelos países

envolvidos na Conferência.

Na Carta de Ottawa, o ponto central é a ideia de promoção da saúde. Aqui também vemos o sentido ampliado

do conceito de saúde.

São condições e recursos para a saúde: paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistema estável,

recursos sustentáveis, justiça social e equidade (OPAS, 1986).

Saiba mais
Promoção da saúde: “Processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua
qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para
atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social, os indivíduos e grupos devem
saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio
ambiente” (OPAS, 1986).

Considerando as discussões internacionais, já estamos longe de um modelo puramente organicista dos processos

saúde-doença ou da concepção de saúde como ausência de enfermidade. Documentos como a Declaração de

Alma-Ata e a Carta de Ottawa reorganizam a compreensão do campo da saúde, destacando a importância de

outras esferas da vida.

No Brasil, as orientações internacionais irão se consolidar na Carta Magna de 1988. É na Constituição Federal de

1988 que o conceito de saúde expressará claramente as principais diretrizes das conferências internacionais.

REFLEXÃO

O ano de 2000 é estabelecido como limite para o desenvolvimento de estratégias para a promoção da saúde.

Assim, pode-se ler no último parágrafo do documento: “A Conferência está firmemente convencida de que se as

pessoas, as ONGs e organizações voluntárias, os governos, a OMS e demais organismos interessados, juntarem

seus esforços na introdução e implementação de estratégias para a promoção da saúde, de acordo com os

valores morais e sociais que formam a base desta Carta, a Saúde Para Todos no Ano 2000 será uma realidade”

(OPAS, 1986).

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4 A 8ª Conferência Nacional de Saúde e da Constituição
Federal de 1988
O Brasil teve, ao longo de sua história, oito Constituições, sendo a primeira em 1824 e a última, em 1988. Cada

um desses documentos expressa transformações e avanços na estrutura da sociedade brasileira e na

consolidação da cidadania.

Direitos civis, políticos e sociais vão, aos poucos, sendo conquistados, não sem muita luta e sacrifício. Podemos

dizer que ainda estamos longe da pretendida cidadania plena. Entretanto, inegáveis mudanças podem ser

observadas.

No campo da saúde, uma série de transformações vai sendo operada desde o final do século XIX e início do

século XX. Assim como ocorreu em outros países, o Brasil adotou modelos de saúde semelhantes aos

desenvolvidos internacionalmente.

Embora na virada do século já houvesse alguma discussão sobre a necessidade de uma concepção mais ampliada

de saúde – por exemplo, a adoção de políticas sanitárias –, a ênfase ainda recaía nas ações curativas e

individualistas.

O modelo predominante de atenção à saúde é o modelo hospitalocêntrico, no qual o hospital figura como

personagem principal. Este modelo, que ainda não foi totalmente superado, privilegia as ações curativas e

reabilitadoras em detrimento da atenção básica, da prevenção e da promoção da saúde.

Curiosamente, ainda que não tenhamos superado no exercício da prática esta lógica biologizante, fizemos

consideráveis avanços no campo da reflexão e na definição jurídico-política.

4.1 A 8ª Conferência Nacional de Saúde

Em 1986, em Brasília (DF), foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde. Esta Conferência foi um marco na

história das conferências de saúde no Brasil, à medida que, pela primeira vez, houve participação da população.

Este importante evento é o resultado de movimentos populares e de profissionais da saúde, que exigiam

mudanças estruturais na concepção e gerenciamento das ações e serviços de saúde no Brasil.

Da 8ª Conferência, participaram mais de quatro mil delegados. Como consequência do chamado Movimento da

Reforma, os participantes propuseram alterações nas instituições de saúde que correspondessem ao conceito

ampliado de saúde, isto é, que contemplassem a promoção, a proteção e a recuperação.

O relatório final da 8ª Conferência reafirma que “em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das

condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,

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liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de

organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis da vida” (BRASIL, 1986,

p. 4).

As propostas da 8ª Conferência serão consideradas pela Constituição Federal de 1988 e pelas Leis Orgânicas da

Saúde, que darão sustentação ao Sistema Único da Saúde (SUS).

4.2 A Constituição Federal de 1988

Também chamada de “Constituição Cidadã”, foi promulgada em 5 de outubro de 1988. Esta Carta representa um

avanço importante em direção à democracia, e contou com a participação da sociedade, que contribuiu para sua

elaboração por meio de propostas, formuladas por cidadãos organizados em sindicatos e associações.

O espírito das discussões da 8ª Conferência Nacional de Saúde é incorporado ao texto da nova Constituição. Os

artigos 196 a 200 encerram as principais diretrizes sobre a saúde.

No Título VII, Capítulo II, Seção II - DA SAÚDE, Artigo 196, lemos: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,

garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e

ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (BRASIL,

1988). Os demais artigos, até o 200, detalham a estruturação das ações e serviços de saúde a serem

implementados pelo Estado.

O que vem na próxima aula


Na próxima aula, você estudará sobre os assuntos seguintes:
• A importância do planejamento de políticas públicas em saúde;
• Implantação de programas e ações em saúde no âmbito da atenção curativa, de promoção e de
prevenção;
• Efetivação e abrangência das políticas públicas em saúde no Brasil.

CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Percebeu a importância da problematização do conceito saúde;
• Entendeu a importância das discussões da OMS;
• Analisou os objetivos e consequências da 8ª Conferência Nacional de Saúde e da Constituição Federal de
1988.

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Referências
ALBUQUERQUE, Carlos Manuel de Sousa; OLIVEIRA, Cristina Paula Ferreira de. Saúde e doença: significações e

perspectivas em mudança. Millenium. n. 25, jan. de 2002. Revista online do ISPV (Instituto Superior Politécnico

de Viseu). Disponível em: //www.ipv.pt/millenium/Millenium25/25_27.htm. Acesso em: 25 mar. 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. Artigos

196 a 200.

BRASIL. Ministério da Saúde. 8ª Conferência Nacional de Saúde: relatório final. 1986. Disponível em: conselho.

saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/relatorio_8.pdf.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS / WHO). //www.who.int.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Carta de Ottawa. Primeira Conferência Internacional sobre

Promoção da Saúde. Ottawa, 1986. Disponível em: www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Ottawa.pdf. Acesso

em: 25 mar. 2012.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Declaração de Alma-Ata. Conferência Internacional sobre

Cuidados Primários de Saúde. Alma-Ata, 1978. Disponível em: www.opas.org.br/coletiva/uploadArq/Alma-Ata.

pdf. Acesso em: 25 mar. 2012.

SAÚDE E CIDADANIA. Um conceito ampliado de saúde. Disponível em: //www.saude.sc.gov.br/gestores

/sala_de_leitura/saude_e_cidadania/ed_02/03_01.html. Acesso em: 24 set. 2011.

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