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Moda e Sustentabilidade.

Uma reflexão necessária © Lilyan Berlim 2012


 
Direitos reservados à Estação das Letras e Cores Editora. Vedada, nos termos da lei, a reprodução total
ou parcial deste livro.
A grafia do texto foi atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em
vigor no Brasil desde 2009.
 
Direção Editorial Kathia Castilho
Capa: Dorival Lopes Junior
Ilustrações da capa e miolo: Lilyan Berlim
Editoração: Dorival Lopes Junior
Revisão: Mariana Menezes
Assistente de preparação de originais: Marina Cunha
Produção do ebook: Schaffer Editorial
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
de acordo com ISBD

B514m
Berlim, Lilyan
 
    Moda e sustentabilidade [recurso eletrônico] : uma reflexão necessária / Lilyan Berlim. - Barueri,
SP : Estação das Letras e Cores, 2020.
    160 p. ; ePUB.
 
    Inclui bibliografia.
    ISBN: 9786586088090 (Ebook)
 
    1. Moda. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Aspectos ambientais. 4. Aspectos sociais. 5.
Responsabilidade ambiental. 6. Sustentabilidade. I. Título.
 
  CDD 363.7
2020-236 CDU 391

Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410


 
Índice para catálogo sistemático:
Moda : Sustentabilidade 363.7
Moda : Sustentabilidade 391
 
Palavras chave: Moda, Desenvolvimento sustentável, Aspectos ambientais, Aspectos sociais,
Responsabilidade ambiental, Sustentabilidade.
 
Estação das Letras e Cores Editora
Av. Real, 55 – Aldeia da Serra – Barueri
06429-200 – São Paulo –
Tel: 55 11 4326 8200
www.estacaoletras.com.br
www.facebook.com/estacaodasletrasecoreseditora/
Ao
Evandro, aos meus
filhos Isadora,
Fernando e Annais e
ao meu amigo
Cláudio Bohrer, que
me mostrou o
caminho para chegar
aqui. E também à
Kathia Castilho, por
ter acreditado neste
trabalho.

Dedico este
livro à minha avó
Lila, por gratidão a
tudo que me ensinou,
e à Manuela, minha
neta, que representa
todas as futuras
gerações.
SUMÁRIO

 
APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1 – MODA, INDÚSTRIA, CONSUMO E SUSTENTABILIDADE: BASES PARA O


ESTUDO
1.1 A indústria têxtil e a
moda
1.1.1 Impactos sociais da
indústria têxtil: a mão de
obra humana
1.1.2 Impactos ambientais
1.1.3 Mudanças de endereços
da produção têxtil
1.1.4 Ciclo de vida dos
produtos de moda
1.1.5 Cenários a serem
considerados

1.2 Consumo de moda


1.2.1 Moda e identidade
moderna. O corpo como
suporte da expressão
1.2.2 Um novo cenário no
consumo de moda
1.2.3 Tendências e consumo

1.3 Consumo responsável e


moda responsável
1.3.1 Cenários em
consolidação: mercados
justos; mercados verdes;
mercados éticos
1.3.2 Cenários em
construção
1.3.3 Considerações sobre o
consumo consciente

1.4 Responsabilidade
socioambiental no setor de
moda: a nova onda do
consumo
1.4.1 Responsabilidade
socioambiental
1.4.2 Responsabilidade
socioambiental na passarela
da moda

CAPÍTULO 2 – A MODA COMEÇA A VESTIR A CAMISA DA SUSTENTABILIDADE

2.1 Disseminação de
informações e formação do
conhecimento
2.1.1 Fashion Weeks, salões,
etc.
2.1.2 Feiras
2.1.3 Formação e pesquisa
acadêmica
2.1.4 Pesquisas e eventos
acadêmicos
2.1.5 Série na TV
2.1.6 Negócios

2.2 A inspiração criativa


2.2.1 Estilistas e marcas
pioneiras
2.3 Adequação corporativa:
trabalho com moda
sustentável, parcerias e
associações
2.3.1 Empresas
2.3.2 As ações da sociedade
civil e suas parcerias

CAPÍTULO 3 – PRINCIPAIS MATERIAIS, MATÉRIAS-PRIMAS E SERVIÇOS


CONSIDERADOS SUSTENTÁVEIS NA MODA E SEUS ASPECTOS SOCIAIS, ECONÔMICOS
E AMBIENTAIS

3.1 Algodão orgânico


3.1.1 Diferenças do cultivo
do algodão convencional e
do algodão orgânico.
3.1.2 Certificação do algodão
orgânico
3.1.3 Panorama atual do
cultivo do algodão orgânico
3.1.4 Algodão orgânico no
Brasil
3.1.5 Algodão agroecológico
3.2 Couro vegetal fabricado
a partir do látex (tree-tap)

3.3 O PET e a reciclagem


3.3.1 Impactos ambientais do
PET e vantagens da
reciclagem
3.3.2 Números da
Reciclagem de PET
3.3.3 Um outra questão a ser
refletida sobre a reciclagem

3.4 Refio, reuso, reforma,


upcycling

CAPÍTULO 4 – REFLEXÕES SOBRE TEORIAS ESTRANHAS. A FALSA DICOTOMIA ENTRE


MODA E CONSUMO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS PARA UM FUTURO SUSTENTÁVEL NA MODA:
MATERIALIDADES, CONCEITOS, CONSCIÊNCIA E NOVAS PERCEPÇÕES

BIBLIOGRAFIA
APRESENTAÇÃO

 
“Se são as ideias que movem
as coisas, são os
elaboradores de ideias, os
que nada sabem fazer, senão
pensar, que fornecem os mais
poderosos instrumentos para
que o mundo seja feito,
refeito ou transformado. Não
há soluções, senão quando
houver problemas: é saber
formulá-los. Para formulá-
los, é necessário o
pensamento. E é o
pensamento que forja as
opiniões e elabora os valores
que comandam a ação
daqueles que encontram as
soluções ou tomam as
decisões”.

Hilton Japiassu – Introdução


ao Pensamento
Epistemológico
A autora, Lilyan Berlim, logra instalar uma ruptura epistemológica no
campo do conhecimento sobre moda, inscrevendo sua obra entre aquelas que
delimitam o antes e o depois. Sua proposta é tão inovadora e criativa, que
não é exagero supor que doravante este livro se torne uma referência para
todos os que se dedicam a estudar a moda e sua relação com
sustentabilidade.
Para quem acompanha a trajetória desta autora, o pioneirismo e
ousadia das ideias contidas nesta obra não são de todo surpreendentes.
Precursora de reflexões no campo acadêmico sobre moda e sustentabilidade,
Lilyan consegue agora reunir muito do que vem debatendo nos últimos anos
e contribui com este livro para que, finalmente, o público disponha, de forma
indelével, de um registro argumentativo consistente.
Desde a introdução, a autora proclama, em oposição ao senso
comum, a complementaridade possível – e desejável – entre moda e
sustentabilidade. Demonstra como a aparente incompatibilidade provém de
uma compreensão rasteira do que seja moda. Num contexto como o atual,
em que muitas vezes a superficialidade dá o tom das discussões em vários
âmbitos, urge recuperar a origem e a finalidade do vestir, originalmente
concebido como um capital simbólico de quem o usa ou ostenta. Como
pontua o cientista social Bourdieu, há uma correspondência entre habitus e
estilo de vida, sendo a moda um ingrediente essencial nesse arranjo. Por isso
nada tem em comum com a dita fast fashion, cujas práticas são de fato
incompatíveis com qualquer norteador de sustentabilidade.
Da mesma maneira que investiga a percepção equivocada sobre o
que seja moda, Lilyan Berlim põe em cheque as interpretações reducionistas
sobre o conceito de sustentabilidade. Expande os limites de uma discussão
em sua maioria restrita às dimensões materiais para um questionamento do
devir da humanidade. A exiguidade do prazo que a espécie humana dispõe
para redirecionar suas opções e, com isso, ter mais chances de continuar a
usufruir de condições, ao menos razoáveis, de vida neste planeta de recursos
naturais finitos é imperativa, pautando a oportunidade deste debate.
O fato de esta discussão ter lugar entre a terceira mais importante
atividade econômica do mundo chama atenção para a constatação de que a
abordagem holística presente neste livro é mais do que auspiciosa e deveria
ser aplicada a outros setores industriais. O abandono da dicotomia entre o
capital e o trabalho indica o caminho para que a indústria da moda seja
plenamente sustentável. É preciso examinar, e nossa autora não se furta a
isso, as condições de produção de um imenso volume de riqueza que é
crucial para a sobrevivência de milhões de pessoas ao redor do mundo. A
estética deve novamente andar de mãos dadas com a ética (lembrando que a
etimologia de ambos os vocábulos deriva de ethos) e o ambiental jamais
pode ser desassociado do social, sobretudo em um país como o nosso, que
abriga a maior biodiversidade do planeta, cuja importância e necessidade de
preservação não são evidentes para a maioria da população.
Todavia, não basta cuidar da humanização das condições dos
trabalhadores, mas também do conjunto do processo produtivo, o qual
deveria passar de um modelo linear para o da circularidade. Sem considerar
o escoamento e o descarte de uma produção de tamanha envergadura – e
Lilyan não escamoteia essa questão – não há como falar, sequer en passant,
de uma moda sustentável ou ecoeficiente. Por isso, são fundamentais
iniciativas como o levantamento de pegadas de carbono, sua neutralização
ou mitigação, assim como a certificação de matérias-primas e produtos.
A economia verde está em pauta. Sua consolidação requer
introduzir novas variáveis na equação custo-benefício do que produzimos e
consumimos. E uma delas com certeza é a utilização em larga escala, em
lavouras como a do algodão, de agrotóxicos nocivos não só à saúde dos
agricultores, como também ao meio ambiente físico. Por meio de uma
descrição minuciosa desses poluentes, este livro chama atenção para quão
nefastas e frequentes são essas atividades que comprometem, num futuro
não muito distante, as nossas riquezas naturais e humanas.
Por seu lado, a sociedade civil se mobiliza para fazer frente a esses
desafios e disseminar as boas práticas. Organizações não governamentais
(ONGs), organizações sociais de interesse público (OSCIPs), associações de
classe e instituições acadêmicas se dedicam a esse universo. Porém, carecem
de canais permanentes de diálogo e, com isso, têm seu poder diluído. Como
assinala a autora, é indispensável o fomento dessas interlocuções.
Outra interlocução fundamental para se entender a relação entre
sustentabilidade e moda se dá no plano da identidade, ou melhor, no papel da
moda enquanto construção identitária. Num mundo globalizado no qual as
distinções se dissipam e as efemeridades ocupam um lugar central,
encontramos, como descreve o sociólogo polonês Bauman, as “comunidades
guarda-roupa”, que primam pela curta duração do seu ciclo de vida, tal qual
as roupas vendidas aos montes em lojas de departamentos. A ideia é a de se
fundir e de se diluir numa massa, contraditoriamente fazendo da
inconstância uma constância, nestes tempos de, ainda de acordo com esse
estudioso, “amor líquido”.
A introdução da sustentabilidade na moda se sobrepõe a essa
tendência, tornando possível a individuação ou a afirmação da subjetividade.
Similar ao movimento do slow food, ressalta Lilyan Berlim, surge a slow
fashion, que resgata o prazer da percepção de uma obra em progresso, em
vez de um foco restrito ao resultado, ao produto. Dessa maneira se recupera
a noção de desenvolvimento associada à esperança de um futuro melhor, em
contraposição à significação contemporânea de progresso como uma espécie
de “ameaça constante de ser chutado para fora de um carro em aceleração.
De não descer ou embarcar a tempo. De não estar atualizado com a nova
moda”1.
E o futuro que queremos necessariamente passa por dispormos de
uma indústria da moda – vale lembrar que se trata da terceira maior
atividade econômica – que se orienta pelas boas práticas de sustentabilidade,
humanizando a todos e a tudo. É uma estratégia que favorece o
desenvolvimento desse setor em economias emergentes, como a do Brasil,
que passa assim a contar com um valor agregado para se distanciar e
diferenciar do que é produzido em outros países e que erroneamente recebe
também o nome de moda.
A leitura deste livro envereda por todas essas questões, habilmente
examinadas por Lilyan Berlim. Tem o mérito de diagnosticar a situação atual
e de propor novos olhares, tecendo uma trama original e livre de falsos
dogmas e frágeis dicotomias. Por tudo isso é uma obra libertária e, como
dito, representa um corte epistemológico no campo dos saberes sobre moda.
Assim sendo, termino este prefácio expressando meu desejo de que este livro
se transforme em leitura obrigatória para todos aqueles que se interessam por
uma Moda com m maiúsculo, ou seja, uma Moda condizente com uma
Sustentabilidade também maiúscula e maior.
Nina de Almeida Braga
Diretora do Instituto E

Referências bibliográficas:
BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2005
BOURDIEU, P. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo:
Edusp, 2007
JAPIASSU, H. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro:
Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1992
1 Bauman, Zygmunt: entrevista à revista Isto É, 24 Set. 2010. Disponível em:
<www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/102755_VIVEMOS+TEMPOS+LIQUIDOS+NADA+
E+PARA+DURAR+>
INTRODUÇÃO

PARA REFLETIR...
Unir o termo moda ao termo sustentabilidade pode parecer contraditório, e
em parte é. O consumo exagerado de roupas e acessórios, bem como a lógica
da fast fashion fazem com que a data de validade desses produtos seja curta
e nossas relações com eles superficiais. Essa é uma realidade do mercado da
moda que nos permite analisar muitas contradições diante do que a
contemporaneidade nos apresenta. Hoje, moda e sustentabilidade é um tema
que não se esgota nos danos causados pelos excessos do consumo, naqueles
causados pelos sweet shops (trabalho escravo ou em subcondições) ou por
todas as outras mazelas atribuídas à terceira maior indústria do mundo.
Devemos também ser coerentes ao reconhecer todos os aspectos
transgressores, reflexivos e expressivos que a moda aponta na sociedade
atual. Esses “sinais” nos mostram caminhos diferenciados sobre os quais
precisamos primeiramente refletir, depois escolher (se conseguirmos) e,
finalmente, discutir.
De fato, verificamos que a moda pode, sim, adotar práticas de
sustentabilidade, criando produtos que demonstrem sua consciência diante
das questões sociais e ambientais que se apresentam hoje em nosso planeta,
e pode, ao mesmo tempo, expressar as ansiedades e desejos de quem a
consome. Afinal, a moda não apenas nos espelha – ela nos expressa.
Se ao falar de moda evocamos um universo de valores complexos,
não é diferente com a questão da sustentabilidade. Essa temática, ainda mais
fortemente na contemporaneidade, gera contínuos desdobramentos e impõe
problemas inéditos, que nos obrigam a repensar nossas atitudes diárias e
práticas de negócio de forma ampla. Sustentabilidade não está apenas
relacionada a ações de filantropia, gestão de resíduos ou plantio de árvores,
mas a uma reorganização da visão de mundo de cada cidadão. É algo que
requer uma profunda e íntima reflexão sobre o que é considerado
desenvolvimento e para onde esse desenvolvimento está levando a
humanidade, quais são suas consequências, que preço estamos pagando por
ele e como temos nos relacionado com a natureza, da qual fazemos parte.
O desenvolvimento sustentável, a manutenção dos ecossistemas e
a responsabilidade perante os seres humanos e seus descendentes exigem
uma abordagem diferenciada do paradigma do desenvolvimento. Nossa
compreensão deve ser expandida, indo além da valorização dos recursos
naturais, da mão de obra humana e da produção e consumo de bens
materiais: carros, casas, relógios, celulares, aviões, roupas, etc.
Nossas vestimentas, assim como todos os têxteis que nos rodeiam
em nossos lares, são parte significante dos produtos que consumimos
durante a vida. A moda permeia todos esses itens, traduzindo em cores,
formas e texturas os aspectos sociais e estéticos de cada época, de cada
localização e de cada geração. Os têxteis contam nossa história no planeta
desde antes de sermos civilizados – há milênios2, as roupas e acessórios, em
especial, narram passo a passo a trajetória e os anseios de nossos corpos e
almas porque criamos a moda, e ela recai sobretudo sobre “como” nos
vestimos.
Se estamos em uma era em que é preciso um reposicionamento
perante o meio ambiente e as gerações futuras, é preciso refletir sobre como
nos vestimos, o que compramos, como compramos, por que compramos e
que diálogo estamos travando com a natureza e com o próximo por meio da
moda. Assim também estaremos refletindo sobre nossos anseios e nossa
trajetória.

Sobre o livro...
Não é possível mudar os rumos da moda, em especial dos modelos
atuais de consumo e produção de roupas, de uma hora para outra. Serão
necessárias muitas mudanças para tal.
Foi pensando em propor uma reflexão sobre a questão moda e
sustentabilidade que este estudo foi feito. Minha intenção aqui é
disponibilizar informações para fomentar a reflexão e, assim, gerar
conhecimentos.
Para este trabalho foi levantado o que de mais significativo vem
sendo feito na área de moda, abrangendo desde produtos, serviços e
pesquisas até novas formas de parcerias, negócios e posturas sustentáveis, de
maneira a comprovar que o conceito de desenvolvimento sustentável é uma
tendência sociocomportamental de caráter amplo e em consolidação, que já
pode ser percebida no universo da moda. Não se trata, portanto, de um
modismo de caráter efêmero.

Foram assim divididos os capítulos...


No capítulo1, intitulado Moda, indústria, consumo e
sustentabilidade: bases para o estudo, fizemos um levantamento teórico e
bibliográfico sobre os principais conceitos que essa área abriga. Abordamos
também a indústria têxtil nacional e mundial, suas benesses e prejuízos,
assim como discutimos os diversos e complexos aspectos do consumo
contemporâneo de moda.
O capítulo 2, chamado A moda começa a vestir a camisa da
sustentabilidade, apresenta ações com a finalidade de promover a
sustentabilidade na moda, abrangendo a disseminação de informações e
conhecimentos, tendências, serviços, feiras, eventos, negócios, ONGs,
universidades e práticas de consumo consciente.
No capítulo 3 são abordados os principais materiais e matérias-
primas brasileiros considerados sustentáveis na moda, bem como seus
aspectos sociais, econômicos e ambientais. Também são abordadas as
práticas de reforma, reúso e upcycling3.
O capítulo 4 propõe uma reflexão acerca da dicotomia moda-
consumo. E, como ainda não me parece possível falar em considerações
finais, apresento minhas Considerações iniciais para o desenvolvimento
sustentável na moda, como última parte deste trabalho.

Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável...


A diminuição da miséria
mental dos desenvolvidos
permitiria rapidamente, em
nossa era científica, resolver
o problema da miséria
material dos
subdesenvolvidos. Mas é
justamente desse
subdesenvolvimento mental
que não conseguimos sair, é
dele que não temos
consciência (MORIN;
KERN, 2005, p. 4).

Na década de 60, a crise ambiental já vinha sendo analisada e


debatida por pesquisadores e ambientalistas. A percepção de uma série de
desastres e desequilíbrios dos ecossistemas levou a comunidade científica e
governantes conscientes a considerarem essa questão um problema de ordem
mundial. Foi então que aconteceu em Estocolmo, na Suécia, em 1972, a
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, primeira
conferência global voltada para a questão ambiental. (PASSO, 2009).
Mais de dez anos após a Conferência de Estocolmo, como ficou
conhecida essa primeira Conferência, nasceu o conceito de desenvolvimento
sustentável, um dos mais complexos da atualidade e que vem sendo
questionado desde a sua origem, em 1987. Com os objetivos de verificar o
que havia mudado na última década e promover audiências mundiais que
produzissem um resultado formal das discussões ambientais da época, a
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) criou a
Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, presidida
pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Por essa
razão, o relatório elaborado por essa comissão, intitulado Nosso Futuro
Comum (Our Common Future), ficou também conhecido como Relatório
Brundtland.
Os pontos mais proeminentes apresentados foram dois:
a incompatibilidade entre os padrões de produção industrial e consumo
da época – então menores do que os de hoje – e a possibilidade de um
futuro digno4 para as gerações futuras;
um novo olhar sobre o conceito de desenvolvimento, definindo-o como
um processo que “satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer
a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”
(BRUNDTLAND, 1991, p. 52). Essa é a definição usada atualmente
para definir o termo sustentabilidade, um novo paradigma da relação
entre ser humano e meio ambiente, sem desprezar a questão econômica.

O desenvolvimento industrial nos últimos dois séculos impactou o


planeta de forma contundente, causando ganhos e danos à humanidade. Dos
danos causados precisamos considerar a degradação do ambiente natural, a
perda de biodiversidade, as mudanças climáticas, o aumento do efeito estufa,
a chuva ácida, a deterioração dos solos, o desperdício e uso leviano dos
recursos naturais, o crescimento excessivo do lixo e, em especial, a fome e a
miséria. Em nome do crescimento econômico, sacrificam-se o meio
ambiente e a dignidade de boa parte da sociedade e, dessa forma, a
viabilidade futura da vida da humanidade. Dessa maneira, o que vem sendo
questionado é como conciliar crescimento econômico, geração de empregos,
acesso a saúde e educação com a melhoria da qualidade de vida, aqui
entendida no sentido amplo do termo, em que o ambiente natural, a
biodiversidade e os recursos naturais aparecem como base para essa
qualidade.
O Relatório Brundtland define, de acordo com Nascimento et al.
(2008), que “em seu sentido amplo, a estratégia de desenvolvimento
sustentável visa promover a harmonia entre os seres humanos e a natureza.”
Em síntese, o desenvolvimento sustentável se baseia em três pilares de igual
valor: justiça social, viabilidade econômica e preservação ambiental.
Sachs (2002) considera o termo similar a ecodesenvolvimento e o
fundamenta na harmonização dos objetivos sociais, ambientais e
econômicos. De acordo com o autor, o objetivo geral do desenvolvimento
sustentável deveria ser o estabelecimento de um aproveitamento racional e
ecologicamente sustentável da natureza.
Para Sachs, a sustentabilidade está baseada em oito critérios: o
social, o cultural, o ecológico, o ambiental, o territorial, o econômico, o
político nacional e o político internacional. Dessa forma, o autor pauta
critérios de sustentabilidade e estabelece objetivos de desenvolvimento
sustentável em todas essas áreas, de forma interdisciplinar.
Dentre as medidas propostas pelo Relatório Brundtland
(BRUNDTLAND, 1991, p. 31) para promoção do desenvolvimento
sustentável, vale ressaltar as seguintes:
desenvolvimento de tecnologias para uso de fontes energéticas
renováveis e o aumento da produção industrial nos países não
industrializados com base em tecnologias ecologicamente adaptadas;
limitação do crescimento populacional;
adoção da estratégia de desenvolvimento sustentável pelas organizações
de desenvolvimento (órgãos e instituições internacionais de
financiamento);
proteção dos ecossistemas supranacionais, como a Antártica e os
oceanos, pela comunidade internacional;
banimento das guerras;
implantação de um programa de desenvolvimento sustentável pela
ONU;
uso de novos materiais na construção;
garantia de recursos básicos (água, alimentos, energia) no longo prazo;
preservação da biodiversidade e dos ecossistemas;
controle da urbanização desordenada e integração entre campo e
cidades menores;
atendimento das necessidades básicas (saúde, escola, moradia);
reestruturação da distribuição de zonas residenciais e industriais;
aproveitamento e consumo de fontes alternativas de energia, como a
solar, a eólica e a geotérmica;
reciclagem de materiais reaproveitáveis;
consumo racional de água e de alimentos;
redução do uso de produtos químicos prejudiciais à saúde na produção
de alimentos.

O conceito de desenvolvimento sustentável vem ganhando novas


dimensões ao longo dos anos. Uma das principais reflexões é em relação às
noções de desenvolvimento e progresso – Afinal, o que é progredir? O que é
desenvolver? Na bandeira do Brasil a palavra progresso deve ser entendida
como desenvolvimento? Qual desenvolvimento queremos?
A noção de progresso vem sendo discutida desde o séc. XIX e é
alvo de permanentes desafios no mundo do conhecimento, em especial nas
ciências sociais. Entretanto, diante da crescente inovação e avanço
tecnológico, esses questionamentos parecem desvanecer-se
(WALLERSTAEIN, et al., 1996). Em termos gerais, desenvolveu-se no
ocidente uma lógica evolucionista de melhoria da sociedade associada à
lógica do crescimento econômico e seu mitológico progresso. Essas lógicas
tornaram-se a base da compreensão do que chamamos desenvolvimento.
Este trabalho não se propõe a discutir a noção de progresso e
desenvolvimento, mesmo que ela pareça extremamente importante para uma
reflexão mais profunda, especialmente diante do paradigma de crescimento
econômico como referência para progresso. Entretanto, não nos
estenderemos sobre ela, uma vez que tais desdobramentos fugiriam do foco
central.
Hoje, o paradigma do desenvolvimento vem se apresentando como
principal gerador de problemas ambientais graves, como o aquecimento
global, a perda de biodiversidade e de diversidade cultural. É ainda agente de
disparidades sociais globais e promotor de desigualdade racial, de gênero, de
acesso a cultura e ao emprego. Tornar esse desenvolvimento responsável é
pensá-lo em harmonia com o futuro, é pensar em um desenvolvimento
erigido sobre a responsabilidade e a solidariedade do presente para com o
planeta e seu futuro (KAZAZIAN, 2005).
Dentre os grandes desafios para as futuras gerações, compreender
e transformar a lógica do desenvolvimento e do progresso parece figurar
como um dos objetivos mais complexos. Com mais de um século de
vivência, a sociedade de consumo passa agora por crises mais sérias: a crise
econômica financeira de 2008, iniciada nos Estados Unidos, e suas
consequencias mundiais, como a crise europeia com a qual o ano de 2012
iniciou. Seriam essas as oportunidades para o nascimento de novo modelos?
É provável que um novo modelo de capitalismo e,
consequentemente, um novo modelo de produção e de consumo esteja
embrionariamente se preparando para eclodir com novas propostas e
soluções. Nesses possíveis modelos que emergirão das crises atuais e futuras
residem, justamente, os desafios das futuras gerações. E se aguçarmos a
percepção sobre o que já existe na sociedade contemporânea podemos
verificar que muitas iniciativas estão sendo implantadas. Verificam-se
importantes ações no comportamento e nas ideias das pessoas em suas
múltiplas expressões, inclusive no seu modo de consumir e vestir, o que nos
interessa de modo particular.
Moda e sustentabilidade...

Dentre os bens que consumimos, as roupas e os acessórios


permeiam nossa vida do nascimento à morte. Os sentidos primordiais do
vestir sempre estiveram relacionados a pudor, proteção e adorno, sendo que,
enquanto adorno, existe uma íntima relação com magia, identidade e
comunicação. A roupa, então, ocupa um espaço de distinção entre os bens
que consumimos e fabricamos, pois se configura também como um agente
de comunicação.
Ao se pensar em moda, pensa-se imediatamente em roupa, e a
ligação é pertinente, uma vez que a vestimenta é hoje o maior símbolo da
moda. A produção industrial de roupas no século XX efetivou a indústria
têxtil como uma das mais poderosas. De um lado temos o crescente
desenvolvimento da indústria e a criação de tendências que geram mudanças
significativas no design da roupa (seu feitio, material e durabilidade). Do
outro, temos a moda, propulsora das engrenagens dessa indústria, que
apresenta duas importantes facetas: a do produto (roupas e acessórios) e a do
conceito gerador de tendências, que expressa nossas necessidades
emocionais e psicológicas.
Roupa e moda são conceitos diferentes e, embora se encontrem
com muita frequência, falam linguagens nem sempre iguais. De acordo com
Fletcher (2010), roupas e moda são entidades diversas, porém ambas
contribuem para o bem-estar do ser humano em aspectos funcionais e
emocionais. Roupas estão relacionadas com a produção material e moda
com a produção simbólica. A moda, portanto, segundo o mesmo autor, está
relacionada à identidade contemporânea e individual de cada sujeito e
manifesta nossos desejos, nossas emoções. Embora muitas vezes os
conceitos se fundam numa peça de roupa ou na aparência de uma pessoa,
ambos se conectam conosco de maneiras diferentes (FLETCHER, 2010).
Roupas atualmente são produzidas quase que totalmente de forma
industrial – são produtos materiais de primeira necessidade. Moda é uma
necessidade não material de afeto, de compreensão, de aceitação e
pertencimento, de criação, de liberdade, de identidade e prazer (MANFRED;
NEEF; apud FLETCHER, 2010). Por esse viés é fácil compreender que a
indústria têxtil e a moda apresentam duas facetas diferentes, mas são partes
de uma mesma unidade. Materialidade e imaterialidade se fundem quando
adentramos nesse mundo.
Ao associar esses dois conceitos, percebe-se o surgimento de uma
área que soma as necessidades materiais e funcionais com as imateriais,
adequando materias-primas, formas, funcionalidade, durabilidade e
qualidade às necessidades emocionais produzidas e expressadas na moda.
Trata-se do design de moda. O design, por definição5, “é uma atividade
criativa cujo objetivo é estabelecer as multifacetadas qualidades de objetos,
processos, serviços e seus sistemas em todos os seus ciclos de vida. Portanto,
o design é o fator central da humanização inovadora de tecnologias e o fator
crucial de intercâmbios culturais e econômicos”.
Enquanto moda, o design associou ao produto considerações
comportamentais e estéticas, interagindo com outras áreas como sociologia,
psicologia, comunicação, antropologia e arte, e agregando às roupas e
acessórios os conceitos e objetivos inerentes ao design.
A interação moda-design-indústria resulta em um poderoso
processo de produção, difusão e consumo, tanto de produtos de moda quanto
de novos padrões de comportamento. A relação tendência-moda pode ser
vista como uma relação de retroalimentação: a moda tanto expressa
tendências quanto as gera. Na prática, isso significa que quando uma
determinada moda, enquanto produto ou apelo comportamental, se
estabelece, observa-se que esta já se encontra expandida nas principais
capitais mundiais.
Na esfera da sustentabilidade, o foco atual das pesquisas dos
setores de moda e produção têxtil está no produto e no seu processo de
produção, obedecendo a uma tendência mundial, originada nas últimas
décadas do século XX, para o desenvolvimento de materiais ecológicos.
Mais recentemente, as pesquisas passaram a abranger não apenas o aspecto
ambiental dos produtos, mas também suas questões sociais, econômicas,
políticas e culturais, analisando desde o processo produtivo até o consumo e
descarte desses bens. Outros pontos ora percebidos são a rapidez do descarte
(ou seja, o curto período de uso das roupas) e o papel do consumidor, mais
precisamente o poder de escolha deste.
Hoje, o consumo, tanto insustentável quanto sustentável, está além
de produções limpas e produtos ecológicos. Ele é um determinante no
cenário das pesquisas e criações, e eclode como uma das chaves para uma
moda mais sustentável.
No que concerne ao consumo verde ou consumo consciente, a
moda, por seu poder de expressão e disseminação, tem um papel realmente
relevante. Percebe-se que muitas empresas fazem uso das tendências de
moda na disseminação de comportamentos relativos à preservação do meio
ambiente e usam o conceito de responsabilidade socioambiental como um
valor agregado a seu produto. Se por um lado os termos ecochique, green-
glamour, ecofriend e outros adjetivos usados ajudaram a disseminar o
conceito, por outro funcionaram e têm funcionado apenas como mais um
mecanismo de marketing e promoção de consumo.
O uso desses termos pela moda geralmente reduzem a
sustentabilidade ao uso de fibras naturais, tingimentos não poluentes,
materiais orgânicos e reciclados, lojas ecoeficientes, plantio de árvores,
coleta e reciclagem de lixo, entre outras ações que remetem ao tema. Assim,
o consumidor entende essas ações como sustentáveis e absorve a ideia de
que esse conceito está relacionado apenas a ecologia e meio ambiente.
De fato, todas essas ações têm valor, mas estão muito longe de
serem consideras sustentáveis. O universo da moda e da indústria têxtil não
apresenta apenas um cenário de glamour, business e estética. Há também
outro lado muito sério, palco de disseminação de miséria, transtornos
psicológicos e alimentares e de ampla degradação ambiental. Uma realidade
pouco percebida e sobre a qual há quase nenhuma reflexão.
Algumas palavras sobre a pesquisa...

Pesquiso essa área há sete anos e verifico que só nos últimos dois
ou três começaram de fato a surgir publicações que relacionam o design de
moda à sustentabilidade. Acredito que a relação dos indivíduos com o
universo de bens que eles consomem e descartam, deveria ser tão pesquisada
quanto o produto em si. Entretanto, a maioria das pesquisas na área de
design ainda confere maior enfoque ao produto e suas qualidades
ambientais.
Esse fato é compreensível, uma vez que o design tem por
característica uma ligação maior com a indústria de produtos, e não com a de
serviços. A prestação de serviços pressupõe uma relação entre o prestador e
o cliente e, por essa razão, a interação entre o consumidor e a empresa tem
um enfoque especial. Talvez por esse motivo e pela materialidade projetual
do design, os itens mais pesquisados em se tratando de sustentabilidade e
design são: mobiliário, material de construção, moradias, carros, celulares,
consumo de energia e água e reciclagem de lixo.
A bibliografia sobre o assunto é escassa e existe dificuldade em se
encontrar publicações e autores da área de design de produto que trabalhem
especificamente com a vestimenta com enfoque ou com discussão que leve
em conta a sustentabilidade.
O Instituto de Manufaturados da Universidade de Cambridge, por
exemplo, produziu um estudo sobre a indústria têxtil inglesa que, embora
apresente maior ênfase no aspecto econômico, foi muito útil para esta
pesquisa, pois contribuiu com dados atuais e estatísticas importantes. Uma
publicação que não podemos deixar de mencionar é a de Thierry Kazazian
(2005), da Agência O2, primeira rede internacional de designers que
trabalham com desenvolvimento sustentável.
A proposta do autor se fundamenta na ideia de que vivemos uma
época em que o desenvolvimento sustentável é uma necessidade vital e que
cabe às pessoas criar soluções mais “leves”, que promovam a prosperidade
das sociedades sem regressões dos sistemas naturais e econômicos.
Em sua tese, Kazazian propõe a utilização do conceito de
ecodesign na concepção dos produtos, visando satisfazer as necessidades das
sociedades com uma utilização mínima dos recursos naturais. Outra proposta
é a substituição do produto pelo serviço, em que o termo “possuir” possa ser
substituído pelo termo “usar”. Dessa maneira, o autor prega a concepção de
bens e serviços de forma sustentável, pois, para ele, a origem de uma grande
mudança em rumo à sustentabilidade seria a passagem de uma sociedade de
consumo baseada no produto para uma sociedade baseada na utilização de
serviços, o que geraria uma economia mais “leve”.
Os temas abordados pelo livro de Kazazian são: água, energia,
alimentação, habitação, mobilidade, esporte e multimídia. A questão da
vestimenta, embora tão inerente e importante aos seres humanos quanto
moradia e alimentação, não foi abordada. Entretanto, foram as noções de
uma economia leve, de um design leve, de serviços leves e de benefícios
sociais que inspiraram esta pesquisa.
A leveza a que se refere Kazazian é a mesma proposta por Fletcher
(2010) quando aborda o universo têxtil: o papel do design leve (light design)
é reduzir o uso de recursos sem comprometer a função dos têxteis. Logo, a
leveza da moda, tantas vezes associada apenas a sua superficialidade e
efemeridade, também é aquela que pode estar começando a apontar os
caminhos sustentáveis que o design contemporâneo busca.
A inglesa Kate Fletcher (2010), pesquisadora da Chelsea College
of Art and Design e de ecodesign na Universidade de Londres, ambos no
Reino Unido, elaborou um profundo e denso estudo sobre os caminhos do
design através da sustentabilidade das roupas e dos têxteis em geral. Nesse
estudo, a autora questiona o papel do designer de moda dentro das estruturas
do fast fashion e o confronta com o papel essencial do design, apontando
soluções que, entre outras, remetem às funções fundamentais do design e da
moda, envolvendo conceitos de ética, velocidade, qualidade e integração
entre seres humanos e materiais.
Sem o conhecimento e os estudos necessários para discutir a
questão e diante da emergência do tema, o risco de nos depararmos com
discursos vazios, usados muitas vezes como estratégia de marketing é
grande. De fato, o oportunismo em falar de produtos verdes, de inclusão
social e de meio ambiente foi se tornando lugar comum no discurso de
empresas e criadores, transformando, na maioria das vezes, uma área
importante de pesquisa em estratégias de marketing esvaziadas de
significados. Afinal, as informações consistentes são pouquíssimas e muitas
ainda não foram publicadas no Brasil.
O assunto é polêmico e carece de estudos interdisciplinares para
que se obtenham conclusões significativas que possam realmente ser
aplicadas na criação de novos caminhos, conceitos e possibilidades, novos
modelos criativos e novos modelos de negócios, em sintonia com as
diretrizes do desenvolvimento sustentável. Devemos ter cautela com o uso
leviano e despreparado das abordagens simplistas e reducionistas que
indevidamente banalizam estudos e pesquisas na área.
Espero que a leitura das próximas páginias inspire transformações
efetivas na indústria da moda e colabore para o aprofundamento desse
debate.
2 Em estudo publicado na edição de dezembro de 2011 da revista Science, uma das mais importantes
revistas científicas da atualidade, cientistas relatam a descoberta de vestígios do primeiro lençol da
história da humanidade no sítio arqueológico de Sibudu, na região sudeste da África do Sul. Esse
trabalho resultou na avaliação e análise de 15 fósseis diferentes de plantas usadas entre 38 mil e 77 mil
anos atrás. Disponível em: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2011/12/cientistas-descobrem-
primeiro-lencol-da-historia-feito-ha-77-mil-anos.html .

3 Trata-se de um processo para transformar resíduos ou produtos descartáveis em novos materiais ou


produtos utilizáveis. Diferentemente da reciclagem, não usa energia para transformar a forma ou o
material em algo novo, evitando assim o desperdício de recursos.

4 Neste caso, um “futuro digno” significa recursos naturais (água, ar, solo, florestas e biodiversidade)
disponíveis para as próximas gerações e a diminuição, se não a erradicação, da miséria no mundo
(nota da autora).

5 International Council of Societies of Industrial Design (ICSID), disponível em:


http://www.icsid.org/about/about/articles31.htm
CAPÍTULO 1

MODA, INDÚSTRIA, CONSUMO E SUSTENTABILIDADE:


BASES PARA O ESTUDO
“Vestimos plantas, pelos de bichos, saliva de lagartas e petróleo”.
Foi com essa frase que respondi à primeira pergunta que me fizeram na
entrevista para o mestrado em Ciência Ambiental, em 2007. Em seguida a
essa frase (que naquele momento foi uma “frase de efeito”) falei de cada
peça de roupa que eles estavam usando – identifiquei suas fibras, falei do
tipo de tecelagem, de corantes e dos demais processos pelos quais cada uma
daquelas peças passava até chegar a seus corpos. Coincidentemente, em
janeiro de 2007, mês daquela entrevista decisiva na minha vida, acontecia o
primeiro São Paulo Fashion Week em que a questão ambiental começava a
se fazer presente. A Osklen lançava sua coleção Amazon Guardians, que era
um grito da moda contra o desmatamento, o aquecimento global, a
biopirataria e a pesca predatória – e, para minha sorte, essa coleção ganhou
espaço suficiente na mídia para chamar a atenção de biólogos, geólogos,
geógrafos e ambientalistas (alguns deles chegaram a comprar as revistas
especializadas em moda para saber exatamente do que se tratava).
Ao fazer com que percebessem o que estavam vestindo e que a
vestimenta era algo de extrema importância em toda a história humana, ao
estabelecer uma relação entre a roupa e os recursos naturais que a natureza
nos oferece e ao mostrar que a moda é uma das formas da sociedade se
expressar, ganhei a confiança daquela banca. Se antes a mistura de moda
com sustentabilidade era algo total e absolutamente inadequado ao programa
de pós-graduação no qual eu pretendia estudar, considerado ainda fora de
suas linhas de pesquisas, agora se abria um caminho novo e interdisciplinar
no programa. Eles pareciam se perguntar “como não pensamos nisso
antes?”. Passei! E pude usufruir do conhecimento e convivência daqueles
mestres.
Retomei essa história, vivida logo no início da minha carreira
acadêmica, para apresentar a essência do que abordo neste primeiro capítulo.
Após alguns anos de pesquisa, hoje é possível entrelaçar fios e tecer teias de
informações que conferem sentido à associação entre indústria, moda,
consumo e sustentabilidade.
1.1 A indústria têxtil e a moda

A moda diz respeito a uma


questão essencial para nossos
contemporâneos, talvez a
mais essencial de todas: a
sua identidade. Sendo assim,
interpretar este fenômeno
como um sinal suplementar
do materialismo do Ocidente
apenas leva a torná-lo
incompreensível. (ERNER,
2005, p. 219).

“Não existe beleza na roupa


mais fina se gera morte e
tristeza.”
Gandhi

Moda é um conceito multifacetado e multidisciplinar.


Multifacetado porque é um fenômeno constituído de várias possibilidades de
estudo, todas interligadas e quase sempre interdependentes. As áreas que se
interessam e estudam o fenômeno da moda perpassam a sociologia, a
antropologia e, atualmente, há o crescente interesse da economia, visto que
temos em discussão um mercado global que move a poderosa indústria
têxtil, um dos três setores mais importantes da economia mundial. Ao falar
de moda, estamos nos referindo a um processo que vai da produção e plantio
de sementes para a obtenção da matéria-prima dos substratos têxteis até a
milhões de trabalhadores e suas variadas funções em diversos países do
mundo – de lavradores a top-models. Enquanto campo do fazer, é uma
indústria que necessita de insumos e produtos específicos, como linhas,
agulhas, máquinas de lavar, teares industriais, óleos, adstringentes,
solventes, branqueadores, lixas, tintas, corantes, resinas, metais, papéis,
plásticos, filmes, tratores, arados, pesticidas, fertilizantes, etc.
Já a multidisciplinaridade na moda é decorrente de um complexo
campo de estudo, formado por disciplinas que fundamentam o produto –
como agricultura, engenharia, química, design e seus atributos – e os
processos produtivos – como tecnologia têxtil, tecnologia em geral,
modelagem, desenho, tingimento, gestão e logística – com disciplinas que
fundamentam o desejo, o consumo e as tendências – como história,
psicologia, semiótica, as artes em geral e, sobretudo, a comunicação.
Podemos considerar que o vestir, após o surgimento da moda,
ganhou conotações comportamentais de busca de identidade e que as atuais
teorias socioculturais têm como ponto de partida para definição de moda a
construção cultural da identidade.
A cadeia produtiva têxtil, cujo início se encontra nos produtores de
matérias-primas naturais e artificiais (ou seja, manufaturadas pelo homem), é
a força motriz dessa indústria. O setor têxtil pode ser definido como aquele
que transforma fibras em fios, fios em tecidos planos e malhas em uma
infinidade de produtos: peças de vestuário, roupas de cama e mesa,
substratos têxteis para a indústria automobilística usar em cintos de
segurança e air-bags, sacos de estocagem para a agricultura, roupas
especiais para bombeiros, tendas, paraquedas, velas de barco, gazes para uso
hospitalar, estofados de uso doméstico, etc.
Da matéria-prima, passando pelos insumos e processos, fiação,
tecelagem, tinturaria, confecção e beneficiamento, e chegando à venda final
para o consumidor, atravessa-se um longo campo de possibilidades de
geração de empregos e renda, em áreas variadas como a agricultura, nas
culturas de algodão, linho, sisal, cânhamo, juta, rami, bambu e madeira para
obtenção de viscoses; a pecuária, na criação de animais para geração de
fibras de lã e couro de animais como jacarés, cobras, porcos e gado; a
engenharia, na fabricação de maquinários têxteis e elaboração dos processos
de produção; e a química, na produção de corantes, pigmentos, solventes,
detergentes, umectantes, alvejantes, amaciantes, branqueadores e outros
auxiliares.
Considerada uma das maiores áreas industriais do planeta, a
indústria têxtil é movida especialmente pela venda de roupas. De acordo
com Rodrigues et al. (2006), no ano de 2000 os consumidores mundiais
gastaram US$ 1 trilhão na compra de roupas. A mão de obra usada na
indústria têxtil nesse mesmo ano envolveu 26,5 milhões de pessoas. Ainda
de acordo com o referido estudo, mais de um quarto da produção global de
roupas é, hoje, produzida na China. No ocidente, a Alemanha e a Itália ainda
possuem grande importância no cenário de exportação de roupas e os
Estados Unidos na exportação de tecidos. Observa-se que os preços dos
produtos têxteis, especialmente peças de vestuário, vêm caindo, enquanto o
volume de consumo e de negócios no setor vem aumentando. Esse fato se dá
por conta de uma série de fatores econômicos, financeiros e também sociais
que podemos aqui sintetizar nos principais pontos:
o aumento significativo do uso da fibra poliéster nos últimos 20 anos;
as políticas públicas protecionistas americanas, que conferem subsídios
aos seus cotonicultores, alterando o preço da commodity algodão no
mercado mundial e promovendo, por consequente comparação, um
barateamento das fibras sintéticas – em especial do poliéster;
o baixo custo da produção do poliéster de vestuário em países do
oriente, especialmente na China, que fabrica mais da metade da
produção mundial desse material e que também é o maior exportador de
vestuário para a União Europeia; (LEE, 2009);
o barateamento da produção decorrente da fragilidade das leis
trabalhistas e falta de fiscalização dessas leis em países como a China e
outros países orientais, africanos e sul-americanos, incluindo o Brasil;
a rigorosa implementação e regularização de normas ambientais e
sociais na União Europeia, que, diferentemente dos países citados
acima, impossibilita a implantação de fábricas de poliéster e viscoses,
bem como a manutenção de cotoniculturas e todas as demais atividades
da cadeia têxtil que não sigam rigorosamente as regulamentações
vigentes.

De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil


e de Confecção6 (ABIT), a indústria têxtil nacional tem aproximadamente
200 anos e, nesse curto espaço de tempo, se posicionou como o quarto maior
parque produtivo de confecção têxtil do mundo e o quinto maior produtor
mundial. Em todo o ocidente, o Brasil é o único país que possui uma cadeia
têxtil completa, ou seja, que passa por todas as etapas, desde a produção de
fibras até o varejo (fiação, tecelagem, acabamentos, beneficiamentos,
confecção, desfiles promocionais e vendas). Esses dados, recentemente
atualizados pela ABIT para o ano de 2011, também apontam o Brasil como o
segundo maior produtor e o terceiro maior consumidor de denin do planeta.
Esse fato se deve em parte pela nossa produção de algodão que é, em média,
de 1,5 milhão de toneladas anuais.
O faturamento da cadeia têxtil e de confecção brasileira é estimado
em US 2,5 bilhões. O setor é o segundo maior empregador da indústria de
transformação no país, compreendendo mais de 30 mil empresas e gerando
anualmente 1,7 milhões de empregos diretos. Ainda de acordo com a ABIT,
além dos empregos diretos, o setor gera renda indireta para 8 milhões de
trabalhadores, sendo 75% dessa mão de obra feminina.

1.1.1 Impactos
sociais da indústria
têxtil: a mão de obra
humana
Ao se comprar uma peça de roupa barata com a etiqueta made in
China raramente o consumidor tem em mente o que está por trás daquela
etiqueta. Sabemos da usurpação da mão de obra humana nesse país, mas, em
geral, a preocupação de quem compra é buscar um preço melhor – uma
roupa mais barata e, ao mesmo tempo, esteticamente bela. Essa atitude pode
começar a mudar se o consumidor for introduzido à realidade da confecção
têxtil mundial, onde, com uma frequência maior do que se pode imaginar,
encontram-se emigrantes trabalhando em porões, contêineres e prédios cujas
condições de segurança e higiene são altamente comprometidas; onde
trabalhadores, crianças e especialmente jovens mulheres trabalham mais de
doze horas por dia; onde leis trabalhistas não são cumpridas; onde a
dignidade humana é atropelada pelo abuso exercido pelos donos de
confecções, que se valem da extrema pobreza de algumas comunidades e
seus indivíduos para obter uma maior e mais rápida produção. Onde, enfim,
o trabalhador não tem direitos. Todas essas práticas configuram a forma
moderna de escravidão, que gera impactos sociais com consequências
profundas na sociedade e reflete os desajustes de um sistema que precisa de
revisão.
Estendendo-se para muito além da China, os tentáculos dessas
práticas podem permear a maioria das roupas vendidas no varejo,
especialmente as baratas. Logo, precisamos de informações para que, de
posse delas, o consumidor possa adotar posturas menos passivas e mais
críticas e sustentáveis.
O uso de mão de obra em subcondições de trabalho, assim como o
trabalho infantil não é um fato isolado na indústria têxtil. Apesar da
eliminação do uso de mão de obra infantil ser uma das prioridades da
Organização Internacional do Trabalho (International Labour Organization
– ILO), esse ainda é um dos maiores desafios da indústria têxtil mundial
devido à dificuldade de se monitorar subcontratações e trabalhadores
indiretos e externos, que trabalham em suas próprias residências. A mão de
obra contratada é geralmente feminina (RODRIGUES et al., 2006) e com
nenhuma, ou quase nenhuma, qualificação, o que a torna vulnerável a várias
formas de abusos. Essas mulheres, em geral, não sabem ou não são capazes
de requerer seus direitos como trabalhadoras.
Os países considerados em desenvolvimento são responsáveis por
aproximadamente 75% das roupas produzidas no mundo. De acordo com o
Departamento Norte-Americano do Trabalho (United States Department of
Labor),7China, Índia, Nepal, Tailândia, Malásia, Jordânia e Argentina, são
os países onde mais se encontra uso de mão de obra infantil e trabalho
forçado na confecção de roupas, sapatos e bordados.
Neste exato momento, existem 100 milhões de pessoas no mundo
plantando, regando, pulverizando e descaroçando algodão, tecendo,
cortando, tingindo, costurando, bordando, tricotando, empacotando e
vendendo roupas, tecidos e acessórios como bolsas e sapatos (LEE, 2009).
Não se sabe ao certo quantas destas pessoas trabalham em condições
humanas ou não, nem quantas são crianças sendo exploradas. As empresas
do setor alegam que é extremamente difícil controlar todos os processos da
cadeia têxtil e, portanto, não há nenhuma estatística sobre esses dados.
A forma moderna de escravidão é chamada de trabalho forçado,
de acordo com Associação Mundial contra o Trabalho Escravo (Anti-Slavery
International). Essa mesma associação afirma que atualmente 12,3 milhões
de pessoas, entre crianças e adultos, estão submetidos a esse flagelo.
Recentes pesquisas do United States Department of Labor 8 revelam uma
alta incidência de uso de trabalho forçado em 29 países na produção de 50
produtos. Dos 50 produtos e serviços elencados na pesquisa, encontramos
roupas, bordados, tapetes, extração e cultivo de algodão, borracha (látex) e
bambu, itens que se relacionam diretamente à indústria têxtil.
O panorama do trabalho em subcondições no Brasil é dramático.
Embora ainda não figuremos nas pesquisas, vem crescendo a localização de
pequenas e médias confecções movidas por trabalhadores emigrantes
(colombianos, chilenos e até chineses) trabalhando em subcondições e sem
nenhum contrato legal de trabalho. Muitas vezes, esses emigrantes trabalham
para pagar as passagens de seus países até o Brasil. Em geral, eles vêm para
cá com a promessa de uma vida melhor, mas ao chegarem aqui descobrem
que possuem uma significativa dívida com o “esquema” que os trouxe.
Assim, geralmente permanecem morando no local onde trabalham e
eventualmente recebem algum dinheiro pelo que produzem – alguns
trabalham apenas para pagar a dívida.
Sabemos que a extensão e aplicação da legislação nos domínios
das empresas de confecção no Brasil são restritas O trabalho forçado e em
subcondições não é apenas um reduto de estrangeiros emigrantes. Muito
pelo contrário, é comum nas comunidades ao entorno dos grandes centros e
é muito fácil ter acesso e conhecimento do funcionamento dessas estruturas.
Em geral, os processos de desenvolvimento do sistema da moda que
permitem ou estimulam a formação desses centros se apresentam da seguinte
forma:
1. A empresa de varejo entra em contato com uma confecção de médio a
grande porte e solicita o desenvolvimento de um determinado modelo
de roupa. Nesse caso, o tecido e os demais insumos são fornecidos pela
própria confecção. Fechada a peça piloto e definidas as grades de
tamanho e número de peças, a confecção produz o produto e o vende à
empresa na quantidade acordada. Para se obter mais rapidez, economia
de custos e um maior lucro, a confecção procura seus parceiros
externos, ou seja, costureiras autônomas que possuem pequenas
confecções nas comunidades locais. A produção é passada para essas
estruturas parceiras, que por sua vez, para agilizar a produção e
minimizar os custos, repassam a produção para outras costureiras
externas, que possuem máquinas próprias ou que trabalham com
máquinas de costura e overloques emprestadas, e assim por diante.
Quando a produção está pronta, a confecção recolhe as peças fechadas e
as entrega na empresa de varejo. Toda a negociação entre a empresa de
varejo e a confecção pode ser ou não feita dentro dos parâmetros legais
(notas fiscais, recolhimento de impostos, etc.). Mas a relação entre a
confecção e as costureiras externas costuma não ter nenhuma
legalidade.
2. A empresa de varejo desenvolve o produto, que neste momento se
chama peça piloto, compra todos os insumos necessários para a
produção e a terceiriza. O processo a partir desse ponto é o mesmo que
o citado acima – uma longa cadeia de terceirizações.
Como se pode observar, a terceirização acontece sempre pelas
mesmas razões: aumento do lucro e rapidez na entrega. No entanto, não é tão
difícil quanto se alega rastrear e supervisionar terceirizações contratadas e
subcontratadas. A justificativa das grandes empresas varejistas, cujas
etiquetas são constantemente flagradas pela mídia nas mãos de operárias,
geralmente emigrantes ilegais, parece muitas vezes ser camuflagem para
aumento de margem de lucro.
De maneira geral, o setor têxtil tem sérios comprometimentos com
a questão social e vem sofrendo tanta pressão que já é visível a preocupação
de grandes varejistas mundiais em rever seus posicionamentos sociais, como
veremos mais adiante.

1.1.2 Impactos
ambientais
É pouco provável que ao comprar uma camiseta de algodão
convencional o consumidor pense que está comprando um produto que, até
chegar às suas mãos, consumiu 160 gramas de agrotóxicos, uma determinada
quantidade de energia e que causou danos sérios ao solo, à água e àqueles
que trabalharam no cultivo do algodão. Tampouco sabe que ele estará
gerando novos impactos ambientais cada vez que sua camiseta for lavada e
passada.
A roupa está tão próxima ao nosso corpo que acabamos por não
percebê-la enquanto produto. O que vestimos é parte de nós, por isso é mais
frequente usarmos do sentimento e da moda para entendermos uma roupa do
que a racionalizarmos como produto. Talvez seja por essa razão que,
comparativamente à arquitetura e à produção de alimentos, a indústria têxtil
e a área de moda tenham demorado tanto a despertar o interesse de
pesquisadores e empresários quando se fala em sustentabilidade.
Essa imensa e poderosa indústria, que configura juntamente com a
de construção civil e de alimentos o triunvirato das três maiores indústrias do
mundo, produz o produto “roupa”, assim como todos os demais produtos
têxteis. Esses produtos estabelecem conosco relações de intimidade, já que
nascemos e morremos envoltos neles: casamos e dormimos rodeados por
eles todas as noites; tecemos para nossos bebês lindos sapatinhos e os
enrolamos em mantas protetoras, em tons de rosa ou azul; sentamos sobre
eles em nossos sofás, cadeiras e carros; deitamos em nossas redes; pisamos
em tapetes e abraçamos nossos travesseiros e bichos de pelúcia; colocamos
nosso sagrado alimento sobre eles e, em dias de festas, usamos os tecidos
mais bonitos e especiais; penduramo-nos em cordas e com ela amarramos
nossas mudanças; enfeitamos nossos presentes e criamos laços – laços de
afeto com os tecidos. Humanos e têxteis são inseparáveis há milênios – trata-
se de uma história de coexistência.
Entretanto, precisamos lembrar que com a revolução industrial e,
posteriormente, com a democratização da moda decorrente dos movimentos
culturais e sociais do século XX, os bens têxteis ganharam um volume e uma
importância jamais percebida. Como são provenientes de recursos naturais
(assim como todos os demais bens de consumo), produzidos em massa,
considerados bens de primeira necessidade e relativamente baratos, os
impactos ambientais por eles gerados são igualmente volumosos e
importantes.
A produção de têxteis foi uma das atividades mais poluidoras do
último século e foi tema de várias pesquisas que recaíram em especial sobre
seus principais impactos: a contaminação de águas e do ar. Além de
demandar muita energia na produção e transporte de seus produtos, a
indústria têxtil polui o ar com emissões de gases de efeito estufa; as águas
com as químicas usadas nos beneficiamentos, tingimentos e irrigação de
plantações; e o solo, com pesticidas de alta toxidade. Além disso, os resíduos
que permanecem nos produtos podem contaminar quem os usa.
Entretanto, no final do século XX (PORTILHO, 2010) chegou-se à
conclusão que não se pode analisar os impactos das produções industriais
olhando apenas as questões da poluição e do gerenciamento de detritos
sólidos e efluentes9. É necessário estender a visão aos padrões de consumo e
estilos de vida que demandam essa produção. Logo, a partir da década de 90
o foco das preocupações, discussões e pesquisas passou do processo
industrial para a esfera do consumo.
A produção e suas consequências já não são mais vistas como as
vilãs da história da degradação ambiental. Estudos vêm sendo feitos e,
progressivamente, soluções vêm sendo alcançadas. Os Sistemas de Gestão
Ambiental e de Produção Limpa, que veremos mais adiante, são cada dia
mais comuns nas indústrias, bem como a adequação às normas ambientais
mundiais, como as ISOs10, que vêm sendo seguidas, mesmo que
inicialmente apenas por um grupo especial de países e de empresas.
Graças a esses avanços, a reflexão que nas últimas duas décadas
vem ganhando espaço nas pesquisas gira em torno do consumo
absolutamente excessivo e aparentemente infindável de recursos naturais
finitos e da falta de cuidado e parcimônia no uso dos recursos não
renováveis, ou ainda não totalmente renováveis, como a água, o solo, o
petróleo, a fauna e a flora. Como a produção de têxteis está diretamente
ligada à moda, uma poderosa indutora de consumo, ela pode ser considerada
uma das maiores degradantes desses recursos.
Aqui trataremos dos principais impactos ambientais dessa
indústria, que se concentram nas seguintes áreas: consumo de energia; uso
de produtos tóxicos (mais especificamente no plantio do algodão, que
interessa particularmente à economia brasileira); consumo de água; produção
de efluentes químicos e geração de resíduos sólidos.
Consumo de energia

A produção de dióxido de carbono (CO2), principal gás do efeito


estufa, é tida como uma das principais causas do aumento da temperatura do
planeta nos últimos 100 anos e chama nossa atenção para o uso de energia.
Hoje, grande parte da indústria mundial é movida por energias geradas a
partir da queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral, gás
natural e derivados), que resultam na emissão de CO2. Enquanto não forem
amplamente implementadas novas fontes de energias renováveis e não
poluentes, é preciso aumentar ao máximo a eficiência dos processos
produtivos, reduzindo o uso de energia gerada por combustíveis fósseis e o
consumo de recursos naturais.
Essa mudança deve englobar todas as etapas da cadeia têxtil, pois
a emissão de gases de efeito estufa ocorre primeiramente no setor da
agricultura, no combustível para os maquinários utilizados, e posteriormente
no aquecimento das caldeiras de lavagem e tingimento, assim como na
lavagem e passadoria de têxteis, na produção e manufatura de fibras
artificiais e sintéticas, na transformação das fibras em fios (fiação) e fios em
tecidos (tecelagem) e no transporte de todos os elementos e insumos da
cadeia – das matérias-primas à distribuição das peças para o consumidor
final.
Contabilizando tudo isso, ao comprar uma camiseta de algodão
tipo t-shirt, por exemplo, o individuo está consumindo 1,7 kg de
combustíveis fósseis, gerando 450g de resíduos sólidos resultantes da
fabricação e emitindo 4 kg de CO2 na atmosfera. Esse gasto se multiplica
quando levamos em consideração a energia necessária para lavar e passar
essa camiseta durante sua vida útil (RODRÍGUEZ et al., 2006).
O consumo de energia deve ser avaliado em cada etapa do ciclo de
vida do produto e devem ser consideradas as características de cada produto
em cada etapa, o que não é uma tarefa fácil mediante a diversidade da
produção têxtil. Existe, por exemplo, uma relação importante entre o peso
dos produtos e o impacto ambiental de seu transporte: quanto mais leves
forem os itens, mais produtos podem ser transportados de uma única vez, o
que reduz consideravelmente as emissões de gases de efeito estufa durante
essa etapa.
Parte de um estudo realizado por Walsh e Brown (apud
FLETCHER, 2010) sobre os impactos causados pela produção e ciclo de
vida de uma camiseta demonstrou que a fase de uso pelo consumidor é a
mais impactante. Ou seja, na lavagem e passadoria doméstica dos têxteis
reside um vilão da sustentabilidade – o consumo excessivo de energia (isso
sem falar no consumo e de água e produtos químicos como alvejantes,
detergentes e amaciantes).
Outro estudo que confirma isso foi feito em 1993 e financiado pela
American Fiber Manufacturers Association. Entre os vários dados
levantados por essa pesquisa, ficou comprovado que o maior consumo de
energia e os maiores impactos ambientais dos produtos têxteis acontecem
durante seu uso pelo consumidor (lavagem e passadoria). Ainda de acordo
com o a pesquisa, durante o uso de uma blusa de poliéster por usuários
residentes em países cujas fontes energéticas não são sustentáveis, emite-se
mais da metade das emissões de carbono do que na sua fabricação, e 86% da
energia consumida no ciclo de vida dessa blusa acontece durante seu uso.
Portanto, o papel desempenhado pelo consumidor na questão
“consumo de energia” é comprovadamente significativo. Um cenário que
surge dessa discussão é a implementação de novas tecnologias, com a
criação de tecidos que dispensem lavagens e a mudança de hábitos quanto ao
uso e passadoria dos têxteis.
Uso de produtos
tóxicos

Além do uso de produtos químicos impactantes nas áreas de


alvejamento, tinturaria e estampagem, deve-se considerar em especial o uso
de agrotóxicos nas monoculturas tradicionais de algodão, que causam
doenças nos trabalhadores e poluem o solo e o lençol freático.
Pode-se considerar que o algodão concorre com o poliéster como a
fibra de maior consumo no planeta. Enquanto fibra natural, ela é
unanimidade global. No Brasil, o algodão representa 85% do total de fibras
naturais manufaturadas pela indústria têxtil, logo, sua importância no cenário
têxtil (SANTOS, 2007), brasileiro é evidente. Segundo Rogério Santos,
pesquisador e um dos autores do livro O Brasil no mercado mundial do
algodão (2007), no biênio 2005-2006 o Brasil voltou a figurar entre os dez
principais países produtores e exportadores de algodão e há previsões de que
nos próximos dez anos o país chegará a cultivar 5 milhões de hectares de
algodão, tornando-se o maior produtor e exportador de fibras do mundo.
Esses cenários se baseiam na possibilidade de redução dos subsídios
agrícolas nos Estados Unidos (que hoje ocupam o primeiro lugar na
produção de algodão no mundo), na crescente necessidade de fibras pela
China, na exaustão da água dos lençóis freáticos usados para irrigação nos
principais países produtores, no crescimento da economia mundial e na falta
de terras para expansão dos cultivos fora do Brasil.
Na cotonicultura em larga escala predomina a monocultura
intensiva, mecanizada, com intervenções de cultivo programadas, utilização
de tecnologia de última geração e emprego de produtos químicos como
fertilizantes e agrotóxicos para controle de pragas e doenças. Hoje,
economicamente, a cotonicultura integra o agronegócio brasileiro e o
algodão é comercializado como uma commodity.
A produção convencional de algodão em larga escala teve início
com o desenvolvimento de fertilizantes sintéticos, pesticidas, modernos
sistemas de irrigação e variedades de alto rendimento cuja adoção, no início,
parecia bastante promissora (ESCH, 1996, apud SOUZA, 1998). Com a
ajuda de subsídios para os insumos e estímulo dos governos, os agricultores
investiram em suas produções, aumentado-as consideravelmente nas últimas
décadas. Os sistemas de produção, em pouco tempo, tornaram-se
extremamente dependentes do emprego maciço de pesticidas, o que resultou
no aumento da resistência dos insetos e agentes patológicos, além da
extinção dos insetos benéficos. A persistência das pragas, cujo combate
requeria doses e frequência de aplicações cada vez maiores, exigiu o
desenvolvimento de novos produtos igualmente nocivos ao solo e ao
ecossistema local. Esse “ciclo vicioso” motivado pelo aumento da produção
vem provocando mudanças na ciclagem de nutrientes e, consequentemente,
alterando a fertilidade dos solos e contaminando os lençóis freáticos
(SOUZA, 1998).
A cultura de algodão no Brasil demanda boa parte de todo o
inseticida comercializado no país (PIRES et al., 2005), que é considerado
pela Organização Mundial de Saúde o terceiro maior consumidor de
agrotóxicos no mundo – dado esse alarmante. As principais classes de
agrotóxicos usadas nas culturas de algodão são os organofosforados,
carbamatos e o endossulfan. Tais inseticidas têm alto nível de toxicidade e
causam efeitos endócrinos e neurológicos cujos sintomas surgem a médio e
longo prazo após a exposição. Como decorrência da exposição crônica, os
sintomas incluem infertilidade, confusão mental, fraqueza muscular e
depressão, existindo ainda a associação ao aumento do índice de suicídios
nas regiões onde são utilizados e seus entornos. Estudos como os de Pires et
al. (2005) confirmam que a exposição a esses produtos está relacionada à
deficiência das funções neurológicas ligadas ao comportamento, bem como a
prejuízos da capacidade de abstração verbal, atenção e memória, assim como
ao risco de letalidades em consequência de desordens mentais. Esses
sintomas são muitas vezes confundidos com mau comportamento e/ ou
demência, gerando no indivíduo e em sua família uma série de transtornos
sociais graves.
Os agrotóxicos mais utilizados no Brasil são:
Organofosforados: esses inseticidas foram amplamente usados na
agricultura, porém seu uso tem sido gradualmente restrito ou mesmo
proibido por lei. São substâncias de lenta degradação e com grande
capacidade de persistirem nos solos e lençóis freáticos (intoxicam os
solos por aproximadamente 30 anos). Em seres vivos também
apresentam alto nível de toxidade, contaminando o ser humano direta e
indiretamente através da absorção pela pele, inalação, uso da água e da
cadeia alimentar pelo consumo de animais intoxicados. São
cancerígenos e atuam sobre o sistema nervoso central, resultando em
alterações do comportamento, distúrbios sensoriais, do equilíbrio, da
atividade da musculatura involuntária e depressão dos centros vitais,
particularmente da respiração. Por esses motivos, em 1985 seu uso foi
limitado apenas ao controle de formigas e em campanhas de saúde
pública. Entretanto, continua em uso no cultivo tradicional de algodão
no Brasil.
Endossulfan: considerado um dos agrotóxicos mais letais encontrados
no mercado, o endossulfan tem as mesmas características de
bioacumulação dos organofosforados e contamina o ser humano da
mesma maneira. A ação desse agrotóxico reproduz ou potencializa o
efeito dos estrogênios, podendo atuar sobre o sistema endócrino,
prejudicando o desenvolvimento e a reprodução dos seres humanos, em
especial de animais, agricultores e moradores dos entornos das
plantações. Proibido por lei nos países da União Europeia e em outros,
continua sendo amplamente utilizado na Índia, na Austrália e no Brasil.
Por conta de seu alto risco ambiental e social, a Convenção de
Estocolmo está considerando o banimento global da utilização e
produção desse produto. Embora ainda em uso, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou resolução que determina o
banimento do ingrediente ativo endossulfan do Brasil. De acordo com
cronograma estabelecido pela norma, o endossulfan não poderá ser
comercializado no país a partir de 31 de julho de 2013. Desde 2011 o
produto não pode mais ser importado e a fabricação em território
nacional está proibida a partir de 31 de julho de 201211.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) disponibiliza os
seguintes dados12 em relação ao uso de agrotóxicos e a cotonicultura:
160g de agrotóxicos são utilizados para produzir o algodão necessário
para confeccionar uma camiseta que pesa 250g;
25% dos inseticidas produzidos no mundo são utilizados na plantação
do algodão convencional;
Um hectare de lavoura de algodão utiliza oito vezes mais agrotóxicos
do que um hectare de lavoura de alimentos;
O gasto com agrotóxicos na plantação de algodão despende,
anualmente, US$ 2,6 bilhões;

Consumo de água e
produção de
efluentes químicos:
A água é um dos principais recursos que vêm sendo explorados de
maneira imprópria pelo setor têxtil. Em especial na irrigação de plantações
de algodão, mas também nos setores de acabamentos e beneficiamentos
têxteis. Anualmente, a indústria têxtil descarta entre 40 e 50 mil toneladas de
corantes em rios e riachos (LEE, 2008). Todos os resíduos líquidos ou
gasosos produzidos por indústrias ou por esgotos domésticos urbanos
lançados no meio ambiente são chamados de efluentes. A poluição das
águas, devido às marés e aos ventos, é uma das mais complexas para
monitoramento, pois nunca se sabe exatamente por onde ela vai se espalhar.
Por esse motivo, a regulamentação sobre efluentes na União Europeia é
extremamente rigorosa.
Todos os efluentes resultantes dos beneficiamentos e acabamentos
têxteis são químicos que, em sinergia com outros componentes, afetam o
meio ambiente (flora e fauna) e o ser humano. São beneficiamentos e
acabamentos:
o tingimento, que implica no uso em larga escala de corantes das mais
variadas classes, alguns terminantemente proibidos na União Europeia,
como aqueles à base de Benzidina13;
o branqueamento ótico e o alvejamento;
a estampagem tanto com uso de corantes espessos quanto com uso de
tintas de base acrílica;
a aplicação de agentes biocidas em algodões e viscoses, usados para
que alguns produtos usados na manufatura do tecido não se degradem
durante o estoque;
os processos de acabamento da lã e do couro, beneficiamento
antipassadoria (tecidos que não amarrotam), impermeabilização e
tratamento antichamas.
Esses procedimentos da indústria têxtil são feitos por meio de
processos químicos em que se utilizam produtos que oferecem comprovados
riscos à saúde e ao meio ambiente. Em geral, todos esses processos são
finalizados em lavagens com água.
Sabe-se que a água é um dos elementos básicos para o processo de
produção da indústria têxtil, principalmente nas etapas de alvejamento e
tingimento dos tecidos planos e das malhas de algodão, que provocam
contaminação da água utilizada devido às substâncias químicas que fazem
parte do processo. Entretanto, é preciso considerar não apenas o que diz
respeito aos efluentes, mas também ao consumo de água. De acordo com
Matilda Lee 2008, Richard Blackburn, especialista do Centro de Técnicas
Têxteis da Universidade de Leeds, no Reino Unido, afirma que para tingir
uma camiseta comum, de 200 gramas, são usados entre 16 e 20 litros de
água. Em escala industrial esses números alcançam valores muito maiores.
Logo, no caso da água há duas questões sérias: o uso abusivo do recurso
hídrico e a poluição deste.

Geração de resíduos
sólidos
A indústria têxtil possui um elevado potencial de geração de
resíduos sólidos. Dentre as etapas de maior impacto estão a tecelagem e o
corte do tecido, que geram um montante significativo de pelos (sobras do
processo de fiação do fio), buchas (sobras dos fios no processo de
tecelagem) e retalhos (gerados no corte) (MOURA et al., 2005). Todos esses
resíduos têxteis sólidos encontram mercado quando transformados em
estopas ou enchimentos para travesseiros, edredons e bichos de pelúcia,
entre outros.
Em relação aos resíduos sólidos têxteis domésticos, ou seja,
aqueles gerados pela sociedade quando o produto é descartado, não é comum
encontrar pesquisas ou dados. Em geral, as pessoas doam lençóis, mantas,
cobertores e toalhas usadas, assim como suas roupas, a instituições
religiosas, campanhas governamentais, orfanatos, creches comunitárias,
leprosários, asilos e outros. Embora exista uma parcela dos têxteis que é
descartada no lixo doméstico, não existem muitos dados que mensurem esse
resíduo. De acordo com Rodríguez et al. (2006) em estudo feito na
Universidade de Cambridge, na Inglaterra se produz 30 quilos anuais de
resíduos têxteis por pessoa.14

1.1.3 Mudanças de
endereços da
produção têxtil
Observa-se nas últimas décadas um constante declínio na
fabricação de roupas nos Estados Unidos e na Europa, em especial na
Inglaterra, Espanha, Itália e França. De acordo com Matilda Lee (2008),
entre 1995 e 2005 houve uma redução drástica de empregos no setor têxtil
desses países; os números superam a casa dos milhões. A indústria têxtil
europeia e americana praticamente mudou-se para o oriente. Nos últimos
anos a China tem sido responsável por mais de um quarto da produção
mundial de roupas. O restante é produzido em países como Índia,
Bangladesh, Haiti, Camboja, Turquia, México, Paquistão e Romênia (LEE,
2008).
Existem vários motivos para a transferência das atividades
industriais para esses países: produção em curto prazo, pouca ou nenhuma
regulamentação trabalhista em várias fábricas, impostos de produção
reduzidos e incentivos à exportação (nos países sede da produção, no
oriente) e importação (nos países sede das marcas de moda), entre outros. Do
outro lado, um dos fatores que nos parece determinante é a rigorosa
regulamentação trabalhista e ambiental europeia, que vem em crescente
desenvolvimento e elaboração.
A proibição legal do uso de diversas substâncias químicas e as
regulamentações em relação à gestão de resíduos sólidos e efluentes
inviabilizou boa parte das práticas tradicionais de acabamentos e
beneficiamentos têxteis. A adequação das empresas têxteis europeias e
americanas a esses novos normativos seria mais onerosa do que a mudança
de continente; e a mudança, por sua vez, possibilitaria a reprodução das
práticas tradicionais, mais baratas e amplamente conhecidas. Esse
certamente não foi o único fator, mas foi uma das circunstâncias cruciais
para a implantação de tecelagens, confecções, curtumes, tinturarias e
estamparias europeias em solo oriental e, também, brasileiro.
Entre o final do século XX e o final dos anos 2010, foram
implementados nos países desenvolvidos os conceitos e práticas de Sistemas
de Gestão Ambiental (SGM), Produção Limpa (PL) e Ecodesign.
O Sistema de Gestão Ambiental estabelece uma política ambiental
para todos os setores da empresa, planeja, implementa e operacionaliza as
práticas que essas políticas determinam, estabelece verificações frequentes,
ações corretivas e análise crítica. Os aprendizados provocam então a revisão
das políticas primeiramente estabelecidas, o planejamento destas e assim por
diante, num ciclo fechado e contínuo de verificações e ações.
A Produção Limpa foi um conceito originado na Rio92 e tem
como princípio minimizar o desperdício de matéria-prima e de energia, que
geralmente ocorre devido à grande geração de efluentes e rejeitos (lixo) –
característica em todos os processos industriais atuais. Atualmente, a PL
pode ser definida como

a aplicação contínua de uma


estratégia econômica e
tecnológica integrada aos
processos e produtos, a fim
de aumentar a eficiência no
uso das matérias-primas,
água e energia pela não
geração ou reciclagem de
resíduos gerados em um
processo produtivo
(NASCIMENTO; LEMOS;
MELLO, 2008).
O ecodesign talvez seja a parte mais importante de todos esses
processos e práticas, pois ele está na base de todo e qualquer produto. É na
concepção do produto, quando seu custo ainda é zero e seu impacto é
nenhum, que são definidas todas as suas características: material,
durabilidade, estilo, cor, forma, métodos de fabricação, estratégias de
fabricação, atividades pré-produção, produção e comercialização (BAXTER,
1995). O ecodesign, ao invés de conceber o produto linearmente, parando na
sua comercialização, o concebe de forma circular, considerando seu ciclo de
vida, durabilidade e seu retorno à produção por meio da reciclagem ou
reutilização. Outra característica do ecodesign é avaliar os impactos
socioambientais de cada etapa do ciclo de vida dos produtos e tentar
eliminar, ou reduzir ao mínimo, os malefícios por eles causados.
Esses conceitos geram calorosas polêmicas nos meios empresarias,
pois apresentam um cenário de maiores custos em curto prazo. Certamente
temos hoje no Brasil mais controle socioambiental do que em alguns países
africanos e orientais, mas ainda estamos longe de termos um parque
industrial têxtil formal, cujas empresas pequenas, médias e grandes,
compreendam e façam valer o conceito de ecodesign, fomentem práticas de
PL e SGA, cumpram as leis ambientais que já existem e implementem as
soluções técnicas de adequação a elas.
Outro fator importante é percebermos que o Brasil apresenta,
dentro da área têxtil, um quadro formal e outro informal. As cadeias de
fornecedores e prestadores de serviço (facções, confecções, estamparias e
tinturarias) informais são crescentes e de complexa supervisão trabalhista e
ambiental.
Essa informalidade do sistema de confecções e beneficiamentos de
nossa produção têxtil gera um atrativo para empresas europeias e
americanas, que percebem, nessa falha de regulamentação e de políticas de
fiscalização efetivas, uma oportunidade de aumentar suas margens de lucro.
Avaliando os custos e benefícios, abrigar esses empreendimentos não gera
vantagens reais para nosso país.
De acordo com a empresa inglesa de informações sobre a indústria
têxtil Just-Style15, em 2011 o Brasil era o país que apresentava o maior
índice de crescimento e implantação de grandes grupos varejistas, seguido
apenas pela China. Assim, sem a supervisão efetiva exercida nos países
europeus, crescem não apenas o uso de nossos recursos e a degradação
ambiental, mas também o uso de mão de obra de emigrantes e de brasileiros
em condições desumanas de trabalho, fatos que passaram a aparecer na
mídia com maior frequência.
Sabemos que em nosso país construímos um código florestal e
uma boa legislação ambiental; temos acesso a normatizações e certificações
ISO específicas, tanto as ambientais quanto as sociais; dispomos de leis
trabalhistas, direitos humanos e da constituição nacional. Contudo, talvez
por incapacidade de supervisão, por impunidade ao não cumprimento das
leis e pela falta de vontade política e empresarial, continuamos poluindo
nossos recursos naturais e sendo constantemente assombrados por
descobertas de pessoas trabalhando em clandestinidade, sem condições
adequadas.

1.1.4 Ciclo de vida


dos produtos de
moda
Os produtos de moda talvez sejam aqueles de menor e mais frágil
vida útil, pois são geridos dentro da lógica da moda, um sistema que
dignifica o presente e a efemeridade (LIPOVETSKY, 1989). Alguns autores,
como Cobra (2007), por exemplo, compreendem o ciclo de vida do produto
de moda com foco na venda deste.
O produto “moda” passou a ser compreendido como algo útil
enquanto estiver “na moda”. Logo, o ciclo de vida desses produtos ainda é
compreendido por abordagens que presumem as seguintes etapas:
introdução, crescimento, desenvolvimento, maturidade e declínio; ou seja, as
etapas entre “entrar na moda e sair de moda” em espaços de tempos cada vez
menores. Na lógica do pensamento do design no séc. XX considera-se “ciclo
de vida” o conjunto das etapas da vida do produto do “berço ao túmulo”, isto
é, desde a extração das matérias-primas que servem à sua fabricação até sua
eliminação como resíduo, passando por sua distribuição, comercialização e
utilização (KAZAZIAN, 2005).
Em 2002 o conceito de ecodesign, que envolve especialmente a
área do design de produtos no contemporâneo, foi ainda mais
contextualizado. O designer e arquiteto William McDonough e o químico
Dr. Michael Braungart desenvolveram o termo “from cradle-to-cradle” (do
berço ao berço), em que o design de produtos e os processos produtivos
passam a ser concebidos de modo que todas as partes (componentes,
matérias-primas, processos químicos, etc.) possam ser reutilizadas em novos
processos produtivos após o descarte16. Esse é o novo paradigma do design
contemporâneo. Uma produção cíclica e contínua, com transformação de
materiais e processos. Um importante conceito que mudará para sempre o
jeito e pensar e de fazer as coisas.
1.1.5 Cenários a
serem considerados

Em termos industriais, segundo Rodríguez et al. (2006), existem


três cenários que devemos considerar no longo e médio prazos:
a substituição das atuais fontes de fibras têxteis por outras novas ou o
retorno às fontes tradicionais;
a diminuição da demanda de produtos químicos na produção de fibras
têxteis e nos processos industriais por meio da implementação do
cultivo do algodão orgânico, (produzido com o uso de fertilizantes
naturais, livres de substâncias poluentes) e da substituição dos produtos
atuais por outros menos impactantes;
a inovação tecnológica na criação de fibras com qualidades sustentáveis
em termos de produção e processo, já mencionadas, mas com
características hoje chamadas de “inteligentes”, ou seja, que reduzam a
demanda por lavagens e passadoria, eliminem odores, promovam
hidratação da pele, entre outras funções.
Embora estejam listados aqui os principais impactos gerados pela
indústria têxtil e os cenários que devem ser considerados, é de extrema
importância mencionar o impacto indireto gerado pela obsolescência
programada dos produtos de moda e a rapidez com que os descartamos. A
infinita aquisição e descarte de roupas e acessórios e sua velocidade são as
engrenagens principais no eixo da atual indústria têxtil. Nesse cenário é onde
melhor se pode perceber o consumo de moda como a principal mola
propulsora na aquisição de bens têxteis e acessórios.
Por essa razão, o estudo e a compreensão do consumo, desejos e
motivações de compra, são fundamentais para a geração de um quarto
cenário a ser considerado: o cenário do consumo diferenciado.

1.2 Consumo de moda


1.2.1 Moda e
identidade moderna.
O corpo como
suporte da expressão

O indivíduo moderno precisa


da história porque a vê como
uma espécie de guarda-roupa
onde todas as fantasias estão
guardadas. Ele repara que
nenhuma realmente lhe serve
– nem primitiva, nem
clássica, nem medieval nem
oriental – e então continua
tentando, incapaz de aceitar
o fato de que o homem
moderno jamais se mostrará
bem trajado, porque nenhum
papel social nos tempos
modernos é para ele um
figurino perfeito
(NIETZSCHE, 1882, p. 57).
A moda é percebida por vários autores e em especial por Roland
Barthes, em sua obra o Sistema da moda (1979), como forma de
comunicação semiológica que dá sentido e gera valores simbólicos ao seu
principal produto, a roupa. Logo, o vestir pode ser compreendido como um
campo privilegiado da experiência estética, permitindo ao sujeito, na
apropriação dos objetos de vestimenta e acessórios, o uso de uma infinidade
de signos que estão na subjetividade de cada um. Significados atrelados à
beleza, juventude, feminilidade, masculinidade, alegria ou tristeza, riqueza
ou pobreza, simplicidade, sofisticação, tradicionalismo, vanguardismo,
comprometimento com uma determinada causa, postura política e outros.
Conforme sugere Mesquita (2006), nossas roupas são nossas
fantasias diárias, nossos conteúdos aceitáveis, nossos signos. No rol de peças
de vestuários e acessórios encontramos uma oferta interminável de signos e
de combinações destes, em que se pode fazer uma seleção que componha um
determinado discurso da aparência. De acordo com Sant´Anna (2007), há
regras constituídas socialmente de combinação entre esses signos (peças) e o
grau de aceitação que cada combinação desfruta dentro de um contexto
social, o que exige do sujeito a competência de compreender e saber lidar
com essas regras.
No contexto da apropriação de signos e adequação às regras, o
mesmo sentimento que leva o sujeito a querer se identificar com um
determinado grupo, por necessidade de aceitação, o leva a querer se
distinguir dele ou de outros criando sua própria identidade, por necessidade
de diferenciação. Quando se diz que alguém ou algo tem estilo, muitas vezes
se quer dizer que alguém ou algo é diferente, tem personalidade própria.
De acordo com Lipovetzky (1989) o sistema de moda seria a
própria dinâmica temporal que produziu a modernidade e a sociedade de
consumo, pois uma faceta de sua lógica é a efemeridade e um de seus
fundamentos é a obsolescência. Entretanto, como já foi visto, existem outros
vetores na compreensão da moda que validam seu caráter simbólico
representativo e psicossocial. Nesse escopo, a moda pode ser o eixo que está
subterrâneo tanto ao consumo quanto à resignificação do parecer.
1.2.2 Um novo
cenário no consumo
de moda

As marcas são edificadas sobre valores imateriais de estima e de


luxo, sobre a imagem por elas divulgadas em seus cases de marketing.
Através da imagem edificada, elas desenvolvem o poder de criar fantasias e
“pareceres” que passam por realidade. A esse poder que a marca exerce
sobre quem a usa o autor Cobra (2007) chama de poder de referência.
Exemplo: o tênis Adidas é uma referência de marca de tênis esportivo por
sua durabilidade, seu design, suas campanhas de marketing esportivo e
patrocínios dentro do esporte. Ao usar o tênis, o indivíduo passa também a
ter essa referência: o usuário da marca Adidas distingue-se pela escolha por
uma marca de referência, qualidade e desempenho entre as demais no
mercado. Entretanto, existem outros vetores na escolha ou não escolha de
uma determinada marca. A Nike, por exemplo, também é uma marca
esportiva, de alta qualidade, de design arrojado e que patrocina inúmeros
atletas, inclusive a seleção brasileira de futebol. Entretanto, embora a
empresa já tenha desenvolvido inúmeros projetos e ações para reverter esse
quadro, a Nike17 ainda é percebida por muitos consumidores como uma
marca socialmente incorreta, que se utiliza de mão de obra infantil e escrava
proveniente da China. Logo, entre aqueles que estudam ou trabalham com
moda, ou mesmo entre aqueles que se interessam pelo assunto, a escolha
pela marca pode significar falta de conhecimento e descompromisso com o
futuro e as próximas gerações, enfim, falta de modernidade.
A posse ou o consumo de produtos, sejam eles materiais ou
imateriais, representam para o sujeito moderno muito mais do que simples
aquisições. Os valores atribuídos aos produtos transcendem eles próprios e
as motivações do consumo de moda vão além da clássica explicação da
busca por status. O consumidor atual orienta-se também, e talvez mais do
que se imagina, por valores individuais, emocionais e psicológicos. De
acordo com Caldas (2008), mesmo no Brasil, onde existe uma grande
diferença social, o que motiva a compra não é apenas o status que se
pretende alcançar com o bem comprado. Ele afirma que:

O consumidor pode querer


comprar para satisfazer a si
mesmo; para se identificar
com o outro ou com a
referência; por achar bonito,
isto é, por estética; ou
simplesmente para se sentir
melhor (e não
necessariamente melhor do
que ninguém) [...] o bem
imaterial que se almeja,
juntamente com a
mercadoria adquirida é de
outra natureza [...] o que
sintetiza os exemplos citados
é que neles a referência do
consumidor é si mesmo, e
não mais o outro – uma
verdadeira revolução, com
vastas consequências [...]
(CALDAS, 2008, p. 62).

Pode-se afirmar então, que o consumidor tende a se individualizar,


ou a exercer a individualização, que seria a ação de se tornar indivíduo, de se
autorreferenciar e se autorresponsabilizar, tanto por si mesmo quanto por
suas escolhas.
Essa tendência pode ser considerada um novo cenário para a
compreensão da relação do indivíduo com o consumo, pois sugere novos
caminhos e possibilidades a partir da reestruturação do sujeito mediante a
sociedade de consumo. Isso não pode ser considerado um componente que
corrobora o individualismo do sujeito moderno, pois ao tomar para si o
prazer individual existente em sua própria imagem e parecer, o sujeito
concebe a existência do outro - caso contrário não haveria quem o
percebesse, ou seja, por quem ser visto. Podemos lembrar aqui o conceito de
individuação elaborado por Jung (1998), que define o processo por meio do
qual o ser humano evolui de um estado infantil de identificação para um
estado de maior diferenciação, o que gera a ampliação da consciência.
Através desse processo, o indivíduo identifica-se menos com as condutas e
valores encorajados pelo meio no qual se encontra e mais com as orientações
emanadas de sua personalidade individual.

1.2.3 Tendências e
consumo

A moda é, sobretudo, um
negócio, que acompanha a
tendência da economia, dos
estilos de vida das pessoas,
seus comportamentos e, ao
mesmo tempo,
interdependência de e entre
mercados. O que acontece na
Europa, na Ásia, na América
não são fenômenos isolados;
ao contrário, tal qual vasos
comunicantes, para usar um
exemplo da física, quando
surge uma tendência em uma
região, ela acaba por
estimular tendências em
outros lugares. Os
acontecimentos influem na
cadeia produtiva de negócio
de moda de forma tão intensa
que fica difícil dizer, sem
medo de errar, de que
maneira os fatos se
sobrepõem, identificando ou
criando necessidade de
consumo. (COBRA, 2007, p.
26)

A indústria têxtil é movida por outra indústria, a da moda,


geradora de informação e tendências. As tendências de moda são, após
identificadas, veiculadas pelos instrumentos de marketing e de difusão
cultural. No entanto, suas origens são múltiplas e amplas. Para começar,
Caldas (2004) afirma que existem dois tipos de tendências em moda: as
tendências de curto prazo, chamadas de “modismo”, e as tendências de
fundo, também chamadas de macrotendências. Estas promovem um impacto
mais forte e por um período mais longo na sociedade e geram “correntes ou
movimentos que se desdobram noutra série de fenômenos, entre os quais os
estéticos e os de consumo”.
As macrotendências têm suas origens em vários fatores de ordens
comportamentais, socioculturais, econômicos, etc., que juntos formam uma
rede fenomenológica de interdependência. As tendências de consumo são
ditadas, indiretamente, pela percepção do comportamento da sociedade
como um todo, e não o contrário. De acordo com o autor, tendência é a
manifestação, na esfera do comportamento, do consumo ou do “espírito do
tempo”, de uma sensibilidade anunciada por sinais. Para o autor, os sinais
são gerados dentro da sociedade e nela se encontram.
O produto de moda está diretamente ligado ao desejo de “parecer”
do consumidor e esse aspecto da subjetividade está conectado à identidade.
De acordo com Sant´Anna (2007), a configuração social do sujeito moderno
faz com que a aquisição de bens materiais e imateriais seja mais que uma
simples aquisição feita inadvertidamente. No ato do consumo existe uma
adequação e uma manipulação de fichas simbólicas de valores e
representações. Logo, existe uma forte evidência de que as tendências
comportamentais, sociais e todas as demais inerentes aos seres humanos
antecedem o consumo. Pode-se afirmar que no ato da compra existe um
componente de identidade e identificação entre o comprador e o objeto ou
serviço escolhido e que essa identificação ocorre como consequência de uma
série de vetores subjetivos que se cruzam em um determinado momento.
Frente à moda a sociedade
pode apenas adaptar-se. – Ela
é nossa lei porque toda nossa
cultura sacraliza a novidade e
a dignidade do presente.
(LIPOVETSKY, 1989, p. 27)

Os conceitos de sociedade, identidade, imagem e consumo têm


estado tão juntos e em evidência na modernidade que inúmeros autores
afirmam que esta é constituída por aqueles agentes. E a moda, como uma
grande mãe, abraça a todos na sua exclusão e inclusão social e psicológica.
Pierre Bourdieu (1983) sugere que as posses e o consumo ajudam
a definir a identidade dos indivíduos. Assim, a posse ou o consumo de bens,
materiais ou imateriais, representam, para o sujeito moderno, muito mais do
que simples aquisições. Os valores atribuídos aos objetos transcendem eles
próprios.
A agência de publicidade Mccann-Erickson18 realizou um estudo
para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) sobre
os símbolos associados ao sucesso. A pesquisa apontou que existem indícios
significativos de deslocamento desses símbolos: de carros, roupas, aparelhos
eletrodomésticos e cartões de crédito para conquistas imateriais, como o
controle sobre a própria vida, satisfação, bons relacionamentos familiares,
capacidade de prover o que é realmente importante e ter um estilo de vida
simples, entre outros.
Assim sendo, pode-se afirmar que, mesmo que as motivações do
consumo de itens que estejam na moda sejam múltiplas, elas não podem ser
avaliadas apenas pela clássica explicação da busca por status. Existem
razões que transcendem essa explicação simplista. Embora ela ainda seja
real e percebida com muita facilidade nas sociedades dos países emergentes,
a orientação do consumo por busca de status já não basta aos observadores
de tendências.
Ainda levando em consideração a abordagem de Bourdieu,
percebe-se, então, que nossas aquisições materiais e imateriais, que vão da
escolha de um plano de saúde a uma marca de pneu, também são escolhas
que nos significam. E essas escolhas, que muitas vezes parecem ter sua
origem no marketing, são, na verdade, oriundas das tendências; e quando se
afirma que há significado individual em tudo o que o indivíduo consome é
porque esta é uma tendência: a individuação do sujeito.

1.3 Consumo responsável e moda responsável


É possível estabelecer uma relação entre consumo e preservação
de recursos naturais? Consumo e consciência ética? É possível consolidar
uma tendência ecológica e socialmente responsável na moda? A moda
poderia colaborar com a difusão e a conscientização do conceito de
sustentabilidade?
Partindo da premissa de que uma das facetas de maior poder da
moda é aquela que a reconhece como a mola propulsora do consumo, pode-
se afirmar que a relação moda-responsabilidade socioambiental é dicotômica
e que todas as ações empreendidas no sentido de uni-las, como o uso de
materiais menos impactantes, parcerias com cooperativas, etc., seriam
ilegítimas, uma vez que visariam sanar problemas que são parte das
contradições inerentes à própria sociedade de consumo.
Pode-se partir também da premissa postulada por Lipovetzky
(1989) de que a moda está associada à identidade e à significação do parecer.
De acordo com Castilho (2004), a criação de qualquer traje é feita a partir da
percepção do meio circundante, já que as qualidades ou problemáticas que
envolvem a sua contemporaneidade permeiam todo processo criativo.
Essas premissas demonstram que a moda, em toda sua amplitude,
dos usuários aos criadores, associada a seu potencial de difusão de
informação, pode ser compreendida como um fenômeno revolucionário.
Assim, abre-se uma possibilidade diferenciada e ainda pouco compreendida
para a relação moda-sustentabilidade.
De acordo com Ashley (2005), existe um questionamento
permanente a ser feito pelos consumidores: por que comprar? Quando o
consumidor se pergunta “por que” comprar, ele assume a possibilidade de
não comprar, assume a sua liberdade e autonomia.
[...] uma pergunta curta e que
requer uma reorientação na
consciência dos indivíduos:
um novo eixo de imagem de
si e do outro; do tempo
passado, presente e futuro;
do próximo e do distante; de
causas e efeitos; de
autonomia e
interdependência; de vítima e
de réu; do normal e do
absurdo; de saúde e doença;
de saudáveis e doentes;
enfim, de toda uma
transformação no conjunto
de premissas para a
existência humana.
(ASHLEY, 2005, p. 59)

Tal ato gera, então, uma profunda alteração nas relações entre
criador, produtor e consumidor. A importância da compreensão da pergunta
e a sinceridade da resposta geram todo o processo de educação do
consumidor responsável; logo, tem a capacidade de gerar novas percepções.
1.3.1 Cenários em
consolidação:
mercados justos;
mercados verdes;
mercados éticos

Alguns cenários estão em construção, outros já estão construídos e


encontram-se em plena consolidação. Essa afirmação é baseada na contínua
conscientização socioambiental dos consumidores e confirma que a
construção, embora ainda não concluída (e talvez não termine nunca, pois
trata-se na verdade de uma transformação, uma das características
recorrentes nas sociedades modernas), já apresenta cenários estabilizados.
Esse é o caso do Fair Trade, que veremos a seguir.
Nos anos 60, a consciência do consumidor europeu sobre a
exploração de trabalhadores nos países em desenvolvimento ao redor do
mundo fez surgir uma grande tendência chamada Fair Trade – Mercado
Justo. A tendência transformou-se em movimento e hoje em dia o Fair
Trade é considerado uma das maiores e mais importantes ferramentas da
sociedade. A atuação do movimento mercado justo é bastante ampla,
cobrindo desde o pequeno artesão até as grandes cooperativas, mas o seu
foco principal recai sobre comunidades em situações desfavoráveis, em geral
situadas em países pobres. Sua maior preocupação é atenuar as discrepâncias
comerciais, sociais e éticas entre os trabalhadores e pequenos agricultores e
as grandes corporações. Para isso, geralmente essas comunidades recebem
qualificação e apoio na comercialização de seus produtos a um preço justo,
investindo parte da renda em projetos sociais ou ambientais e distribuindo a
renda líquida final entre seus membros.

Comércio Justo é uma


parceria comercial baseada
em diálogo, transparência e
respeito, que busca maior
equidade no comércio
internacional. Ele contribui
para o desenvolvimento
sustentável através de
melhores condições de troca
e a garantia dos direitos para
produtores e trabalhadores
marginalizados –
principalmente do hemisfério
sul. (SEBRAE, 2004, p. 3)
Essa definição de Fair Trade é a que a IFAT (International
Federation of Alternative Trade) formalizou em 2001 para nortear o setor.
Um dos objetivos principais da IFAT é estabelecer um contato direto entre o
produtor e o comprador e tirá-los da dependência de atravessadores e das
instabilidades do mercado global de commodities, evidenciando que a
relação comercial entre eles precisa obedecer a princípios precisos, para que
possa ser considerada justa.
Além da IFAT, existe também a inglesa Fairtrade Foundation
(Fundação do Mercado Justo), uma das maiores e mais importantes
entidades certificadoras do mundo. Sua verificação garante que todos os
trabalhadores envolvidos na manufatura do produto atuam sob as regras do
mercado justo.
As expressões “mercado ético” ou “mercado solidário” e também
“mercado verde” ou “comércio verde” são usadas, no Brasil, num sentido
mais amplo e abrangem todas as formas alternativas de comércio que, não
necessariamente, obedecem aos critérios definidos pela IFAT ou pela
Fairtrade. É frequente o uso desses termos como estratégias de marketing,
associado ao prefixo “eco” como indicativo de produtos ou atitudes
sustentáveis, como ecocarro, ecobolsa, ecoamigo, etc. “Eco” não está
relacionado a comércio justo, está relacionado a ecologia, que é apenas um
segmento da questão da sustentabilidade. De qualquer maneira, os “ecos” em
etiquetas de produtos de moda, assim como os rótulos de comércio justo,
devem ser sempre questionados.
1.3.2 Cenários em
construção

De acordo com o pesquisador do Instituto Politécnico de Milão,


Carlo Vezzolli (apud SCHULTE, 2006), existe a possibilidade de quatro
cenários para que os produtos de moda tenham um ciclo de vida mais longo,
o que minimizaria o consumo de novos produtos que, por sua vez,
utilizariam mais recursos para serem produzidos. Nos primeiros dois
cenários o foco é o “compartilhamento”.
Cenário 1: os consumidores comprariam roupas e compartilhariam
com outras pessoas. Como exemplo, ele cita uma rouparia coletiva num
condomínio residencial, onde as pessoas cuidariam da manutenção e
limpeza das roupas, sem que cada morador precisasse ter sua própria
máquina de lavar e demais produtos.
Cenário 2: sistema de aluguel de roupas para o dia a dia. O consumidor
compraria apenas peças básicas e as demais alugaria, sem ter a
necessidade de lavar, passar e consertar. Assim poderia estar vestindo
sempre roupas diferentes e adequando suas escolhas às suas
necessidades.
De fato, Kazazian (2005) questiona: “É necessário possuir todos os
objetos que utilizamos?”. Em resposta o próprio autor diz: “A durabilidade
questiona a própria ideia da posse”. Tornar os produtos de vestuário e
acessórios bens materiais à disposição de um serviço multiplicaria o número
de usuários de um mesmo produto. Dessa maneira, embora a duração de vida
do produto tenda a ser reduzida devido ao uso constante, ele multiplicaria
sua resposta às necessidades e desejos dos usuários.
Nos dois últimos cenários analisados por Vezzolli, o foco é o
“emotional design”, termo criado no início do ano 200019, quando
começaram a surgir no mercado expressões como a “natureza emocional da
marca” e “identidade emocional do produto”. Nesses contextos, os
consumidores comprariam os produtos de moda, mas teriam uma relação
mais “apaixonada” com os mesmos, querendo ficar mais tempo com eles e,
consequentemente, diminuindo a obsolescência programada dos produtos de
moda.
Cenário 3: o consumidor participa da criação e produção,
personalizando as peças, o que poderia gerar interação,
comprometimento e responsabilidade para com o produto.
Cenário 4: as empresas/lojas oferecem serviços de manutenção,
restauração e roupas sob medida.

Nesses cenários, a proposta é uma maior durabilidade dos produtos


e uma identificação do consumidor com os mesmos, de forma que ele queira
ficar mais tempo com eles (SCHULTE, 2006) e que os produtos sejam de
fato mais duráveis – nesse ponto, o papel do design enquanto agente
integrador de objetos e pessoas deveria funcionar não apenas na avaliação da
qualidade dos materiais, mas também desenvolver uma maior proximidade
com os aspectos mais sutis e profundos das necessidades humanas, como
afeto, proteção e memória. O aspecto relacional é determinante para a
durabilidade do objeto (KAZAZIAN, 2005); assim, guardam-se os bens
materiais em função não apenas das relações utilitárias, mas cognitivas,
afetivas e hedonistas que se estabelece com eles. Quanto mais significado
possui um objeto, maior o seu prazo de durabilidade, menor a sua
obsolescência.
Esse conceito está desaparecendo das práticas do design de moda,
área em que poderia ser estimulado e, especialmente, bem trabalhado.
Afinal, roupas e acessórios são itens extremamente próximos ao ser humano,
nos cobrindo a pele, calçando nossos pés, carregando nossos pertences mais
pessoais e íntimos. Essa intimidade que temos com nossas roupas, bolsas,
sapatos, colares, brincos, pulseiras, etc., está sendo muito pouco explorada.
Economicamente falando, seria a oportunidade para consolidar um novo
segmento, em que esses itens teriam novos valores, em que a quantidade
seria substituída pela qualidade.
A prestação de serviço também é um cenário a ser considerado,
pois de certa maneira ele já existe. O aluguel de roupa já funciona como um
mercado; entretanto, a proposta aqui seria uma prestação de serviço feita a
partir dos mesmos diferenciais usados pelas marcas, como luxo, distinção,
excelência, etc. Ou seja, as empresas poderiam passar a prestar serviços, ao
invés de apenas produzir objetos. As grandes marcas poderiam ter seus
departamentos de concertos, manutenção, reforma, etc.; e esses serviços
seriam, então, feitos sob a chancela da marca e ganhariam suas etiquetas.
Pensar o consumo de moda é não apenas pensar o produto, sua
produção e seu ciclo de vida, é também gerenciar a obsolescência produzida,
não pelo desgaste do produto ou a perda de suas funções, mas aquela que é
motivada pela aparência e pela moda (KAZAZIAN, 2005), que condicionam
o fim de vida de alguns objetos enquanto suas funções parecem válidas.
Considerando a questão da obsolescência acima, Kate Fletcher
(2010) propõe reflexões que colocam o design de moda sob outros enfoques
tais como:
Slow Fashion e Slow
Design

Se a expressão fast fashion relaciona-se com a velocidade com que


os produtos são criados, produzidos, distribuídos e vendidos, a autora
questiona o conceito de velocidade e propõe um contexto em que o termo
“devagar” (slow) não se contrapõe ao “rápido” (fast), mas apresenta-se
simplesmente como outra abordagem do design e da moda. Esse princípio
implica que designers, comerciantes varejistas e consumidores considerem a
velocidade da natureza para produzir os recursos naturais usados na
produção têxtil e a comparem com a velocidade com que são consumidos e
descartados. Implica ainda em serem conscientes dos impactos da produção
dos produtos sobre os trabalhadores e ecossistemas.
A partir de pesquisas feitas por Jonh Thackara (2005), Fletcher
(2010) sugere que o paradigma cultural da velocidade esteja em declínio. As
ideias relacionadas ao Slow Design teriam nascido do movimento Slow
Food, criado em 1986 por Carlo Petrini, na Itália. Assim como no Slow
Food, o Slow Design e o Slow Fashion conjugam prazer em criar, inventar e
inovar com prazer em consumir. Esses movimentos se posicionam contra a
padronização (no nosso caso, padronização de estilos). A informação sobre a
procedência dos produtos e seus impactos também são itens considerados
pelos consumidores e interagem com o prazer ligado à consciência de estar
fomentando uma cadeia produtiva ética – valor perdido com muita rapidez
na criação e no consumo da fast fashion.

Design Participativo

O design, na esfera da moda, deve estabelecer uma relação muito


mais próxima do consumidor. Essa integração, a qual Kate Fletcher (2008)
chama de design participativo, une designers a usuários. Se analisarmos
bem, o design participativo foi algo que sempre aconteceu entre as
costureiras e suas clientes – o que é diferente agora é a qualificação do
profissional que faz o produto e a especificação de quem o usa. O design
participativo, em que usuários e designers teriam um contato maior e mais
profundo, apresenta um lado bastante interessante ligado ao
compartilhamento de conhecimento. O processo de criação e produção –
modelar, cortar, costurar, bordar, tingir, etc. – é compartilhado entre as
pessoas. Um bom exemplo são as oficinas de customização que alguns
cursos universitários (de extensão ou não) promovem em feiras e em ONGs,
quando alunos de design de moda ensinam pessoas de comunidades ou
pessoas comuns (no caso de feiras) a interferirem em suas roupas,
reformulando-as. Nesse contexto, o consumidor desaparece e entram em
cena seres humanos compartilhando saberes. Segundo Fletcher (2008), essa
prática já vem acontecendo e nos leva a pesar em outro ponto que a autora
toca e que me parece muito importante, o Open-Source Design.

Open-Source Design
A ideia de uma fonte aberta de informações na área de design, em
especial de design de moda, é uma iniciativa autônoma, individual ou
coletiva, que possivelmente seguiu o caminho de outras fontes abertas de
informação, como Wikipédia e YouTube, que são os melhores exemplos de
open-source (fontes livres de informação e compartilhamento). De acordo
com Fletcher (2008), essas iniciativas são construídas tendo como base a
premissa de que as pessoas desejam compartilhar suas capacidades e
conhecimento, colaborando em escala global (via web) uma com as outras,
sem o controle do mercado ou de qualquer empresa. A autora aponta a
crescente oferta de blogs, assim como o crescente uso das redes sociais no
compartilhamento das informações. Por meio dessas ferramentas, os
designers compartilham com usuários e vice-versa várias informações sobre
inovações, processos, materiais e seus usos e reúsos.
Esse tipo de ação exclui o tradicional sistema de informação
empresa - consumidor e instala um modelo mais democrático e inclusivo de
trocas, com uma via de mão dupla e sem interferência empresarial. Assim,
ambas as partes envolvidas podem se sentir engajadas em um processo de
enriquecimento mútuo de competências, experiências e conhecimentos, em
que o foco deixa de ser a acumulação de bens para se tornar a construção do
bem em si. Embora ainda importante, a lucratividade perde terreno para as
trocas de conhecimentos – usadas como ferramentas para tornar todos mais
qualificados e competentes.
De certa maneira, esse é um novo modelo de atuação dentro do
design em geral, podendo ser visto como uma ação social e política – ou
seja, uma ação que tem contornos muito mais profundos do que aparenta e
que pode sinalizar uma mudança de paradigma de consumo.
A fast fashion
italiana

Uma das percepções que considero bastante interessante é a de


Enrico Cietta em seu livro “A revolução do fast fashion” (2010). Ainda que
o termo fast fashion esteja novamente sendo usado no sentido de promover o
consumo, pela primeira vez não é tratado como um indutor de pobreza,
muito pelo contrário. O autor, avaliando alguns dos grandes varejistas de
moda europeus e o recente retorno de suas fabricações para dentro do
próprio continente, considera o funcionamento da lógica da fast fashion em
relação ao consumidor como uma dinâmica de proximidade, bem como a
velocidade na fabricação e a qualidade como itens essenciais ao produto. Ao
avaliar o funcionamento de algumas marcas do fast fashion italiano e seus
cases de sucesso, ele evoca o produto local e o artesanal como alternativa
estratégica de competição em mercados híbridos, que é o caso do produto de
moda.
Com essa estratégia ele enxerga não apenas a possibilidade de
aproximação com o consumidor, mas também com toda a cadeia produtiva
no sentido de ganhar tempo e qualidade. No modelo por ele identificado, a
proximidade colaborou para que existisse um maior cuidado com o produto
e com as questões socioambientais de cada fornecedor. Uma produção local
e uma cadeia de produção sob controle tornam, de acordo com o autor, a
manutenção da qualidade viável.
Esse posicionamento é interessante na medida em que surge como
um retorno ao prêt-à-porter mais tradicional e proporciona uma mudança a
curto e médio prazos com benefícios para todos. Entretanto, temos que
considerar as diferenças econômicas e sociais entre a Itália e o Brasil,
especialmente em termos de legislações trabalhistas e ambientais. Exceto
nesta questão, é uma ideia válida que conspira para a sustentabilidade.

1.3.3 Considerações
sobre o consumo
consciente
Existem questões específicas na área do consumo, em especial no
que concerne ao “consumo verde” ou “consumo consciente”. Embora todos
os focos sobre a questão da sustentabilidade ambiental incidam sobre os
meios de produção e nas trocas do mercado, o consumo transcende esses
aspectos.
De acordo com Portilho (2010), a dimensão social e a dimensão
política do consumo não podem ser desprezadas e, se considerarmos que as
mudanças sociais, embora ínfimas, não se dão apenas de forma radical e
grandiosa, poderíamos considerar o campo de consumo como uma
necessária extensão das novas práticas políticas que surgem no centro da
modernidade contemporânea (PORTILHO, 2010). Isso já pode ser percebido
na forma de produção e no mercado dos orgânicos e dos produtos
considerados éticos20. Também podemos observar isso no Open Sourced
Design, apontado por Fletcher, em que a democratização das competências é
evidenciada a partir do compartilhamento via web e é o foco das relações ali
estabelecidas.
Podemos considerar, então, que alguns consumidores já
estabelecem novas relações de consumo em outras esferas, que escapam a
todo e qualquer controle se não o de suas próprias capacidades e desejos.
Novas formas de consumo estão se estabelecendo por meio de interações
não mais entre consumidores e empresas, mas entre usuários, criadores e
designers.
Devido à forte influência da moda em sua ampla rede de difusão
de produtos, comportamentos e representações sociais, é relevante
compreender os mecanismos dessa estrutura no que concerne à suposta
dicotomia consumo-preservação nos âmbitos empresarial e social. Por ser o
consumidor e seu comportamento de vital importância para as empresas de
moda, a base do crescimento econômico destas vem passando por uma
reflexão que foca seus clientes, atuais e futuros, dentro do cenário da
sustentabilidade.
1.4 Responsabilidade socioambiental no setor de moda: a nova onda
do consumo

1.4.1
Responsabilidade
socioambiental
Embora o conceito de responsabilidade ambiental inclua todo o
âmbito social e suas múltiplas relações com o mundo natural, aqui será
usada a terminologia “socioambiental” de forma a tornar clara para
pesquisadores de outras áreas, como design e moda, a objetividade da
relação entre os aspectos sociais e ambientais aqui discutidos.
O fundamento da responsabilidade socioambiental tem sido fruto
de críticas e análises de diversos autores (ASHLEY, 2005), pois sua
complexidade envolve limites entre a atuação do estado, da iniciativa
privada e da sociedade civil. A esse cenário ainda se somam novas questões
sociais e ambientais, geradas a cada dia. A principal crítica vem de Milton
Friedman (1970), que afirma que a direção corporativa não tem direitos,
obrigações, competência técnica ou tempo disponível para fazer nada que
não atenda diretamente ao objetivo de maximização dos lucros das
empresas, mantidos os limites da lei.
Os argumentos a favor das posturas de responsabilidade social das
empresas partem de duas linhas básicas: a ética e a instrumental. Os
argumentos que embasam a visão ética derivam de princípios religiosos,
morais e sociais. Tais argumentos consideram que as empresas, assim como
as pessoas que nelas trabalham, devem se comportar de maneira social e
moralmente correta, mesmo que tal comportamento envolva despesas
improdutivas para a empresa (ASHLEY, 2005). Na visão instrumental é
evidenciada a relação produtiva entre o comportamento socialmente
responsável e o desempenho econômico da empresa. Nesse escopo, segundo
Ashley (2005), a empresa busca agir proativamente na busca das
oportunidades geradas pela maior consciência sobre as questões culturais,
ambientais e de gênero; pela antecipação, evitando regulamentações de
governo restritivas à ação empresarial; e pela diferenciação de seus
produtos diante de competidores menos responsáveis.
Para o designer Kazazian (2005), o princípio da responsabilidade é
bastante ampliado e está ancorado no princípio da precaução, que incita à
prudência e ao bom senso. O autor afirma que toda ação está acompanhada
de uma série de riscos, logo, de uma indispensável vigilância. A vigilância
se faz sempre necessária porque a investigação científica não é suficiente
para garantir a inocuidade de muitas das ações humanas e porque cada uma
das nossas escolhas, das mais banais às mais racionais, podem influenciar
gravemente nosso futuro no planeta. Responsabilidade, para o autor,
extrapola o círculo restrito às ações empresariais já estabelecidas no campo
da responsabilidade socioambiental e se estende ao indivíduo e seus valores
éticos e morais. Para ele, a responsabilidade está ligada a um agir
responsável, em que o indivíduo tem consciência das consequências de suas
ações e é capaz de compreender e considerar, a cada tomada de decisão, a
relação de interdependência que existe entre as esferas econômicas e sociais
e a biosfera.
Na interpretação de Kazazian (2005), percebe-se uma visão
aprofundada e particular para o conceito de responsabilidade. Entretanto, por
considerar o imenso raio de abrangência do conceito de ética, pode-se
afirmar que tanto Kazazian (2005) quanto Ashley (2005) comungam de uma
mesma visão holística e integrada de responsabilidade. No recorte da
responsabilidade socioambiental corporativa, ambos sugerem que a simples
concepção de uma empresa ética já seria uma postura de responsabilidade
socioambiental.

1.4.2
Responsabilidade
socioambiental na
passarela da moda
Embora ainda não exista consenso generalizado acerca da
pertinência ou não de empresas assumirem posturas socioambientais, alguns
setores da economia global já perceberam que, ao agir de forma responsável,
são geradas não apenas oportunidades de diferenciação, antecipação e
consciência, mas uma nova relação com o consumidor é estabelecida. Essa
relação é fundamentada nas novas formas de percepção e de sensibilidade do
neoconsumidor. Sendo a área da moda atravessada transversalmente pelas
áreas culturais, tudo que é novo, logo ainda incipiente, é acolhido pela moda.
Assim, não é surpresa percebermos que marcas de luxo (grifes) estejam
reavaliando seu posicionamento em relação a posturas socioambientais
éticas.
A questão da preocupação com uma moda mais ética e sustentável
tem suas raízes na primeira metade do século XX, nos movimentos de
agricultura orgânica e suas várias correntes minoritárias (LIMA, 2008). Mas
foi a partir da década de 70, quando as organizações ambientalistas e os
consumidores europeus começaram a se preocupar com a qualidade dos
alimentos que estavam ingerindo, que se compreendeu e se evidenciou que
os agrotóxicos também estavam na produção de roupas.
Segundo Lima (2008, p. 5):

Após um crescimento
considerável nesse ramo da
produção ecológica, já no
final dos anos 80, as atenções
de consumidores e
ambientalistas se voltaram
para o algodão, considerado
um dos campeões mundiais
no uso de agroquímicos e,
consequentemente, de
poluição ambiental.

Já no final da década de 60, surgiram no Brasil e no mundo as


primeiras preocupações com o impacto ambiental causado pela indústria
têxtil. Na época, toda a preocupação ambiental era voltada para o setor de
acabamento, tinturaria e estampagem, pois essa etapa dos processamentos
têxteis é uma das mais poluentes devido à grande quantidade de produtos
químicos usados. De acordo com Souza (1998), surgiram nesse momento,
incentivados pelos ambientalistas da época, a produção e o uso de roupas de
algodão cru, fabricadas com tecidos que não passavam por alvejamento,
tinturaria ou estampagem. As sandálias de couro, criadas dentro deste
princípio e feitas sobre solas de pneus, também foram moda durante as
décadas de 60 e 70.
No final da década de 80, as preocupações se voltaram para o
impacto da produção de matéria-prima; no caso, o centro das atenções foi
justamente o algodão. Foi nesse momento que surgiram as primeiras culturas
de algodão orgânico e as primeiras roupas consideradas ecológicas, ou
“verdes”.
Em 1993 e 1994, uma associação de pequenos produtores do
município cearense de Tauá, a ADEC, forneceu um (pequeno) volume de
dez toneladas de algodão orgânico à Filobel, uma indústria têxtil de Jundiaí-
SP, com o qual foram fabricadas camisetas para a ONG Greenpeace. Essa
indústria foi a primeira no Brasil a se adaptar às exigências da produção
ecológica no campo têxtil, com a chancela do Instituto de Pesquisa
Hohenstein, da Alemanha, membro da Associação Internacional para
Pesquisa e Teste no campo da Ecologia Têxtil.
Para Souza (1998), pode-se definir como ecológicos os produtos
têxteis que empregam pelo menos uma das iniciativas de redução de impacto
ambiental, seja na produção agrícola, seja na etapa de acabamento, com o
uso de alternativas como corantes naturais ou fibras naturalmente coloridas.
Entretanto, ainda segundo a autora, foi apenas nos últimos dez anos que a
visão integrada dos diferentes segmentos da indústria têxtil deu origem aos
têxteis orgânicos, que são produzidos considerando o impacto ambiental
tanto da produção da matéria-prima como do processamento industrial.
Na zona sul do Rio de Janeiro, na década de 70, a loja Lixo, que
vendia roupas usadas norte-americanas, já era um indício da tendência de
reúso. A geração que comprou nessa loja era a mesma que frequentava o
Natural, primeiro restaurante natural do Rio, e também a que usava roupa
surfwear. Foi a geração de onde saíram os empresários hoje à frente de
marcas como Osklen e Treetap. A marca que trouxe maior visibilidade para
os têxteis orgânicos e para a relação entre moda e meio ambiente foi a
carioca Osklen. Seguindo os mesmos princípios, nos últimos cinco anos
houve uma enormidade de empresas entrando para o segmento. De
embrionária intenção a tendência consolidada no mercado, a preocupação do
setor é visível e já se transforma em movimento envolvendo grandes
conglomerados do luxo, gigantes do varejo e inúmeros incentivos ao
consumo consciente e à produção sustentável, como veremos adiante.
Entretanto, observa-se em uma análise mais apurada que muitas
empresas que afirmam estar trabalhando dentro dos conceitos de
sustentabilidade, ou de forma ecológica, usam esses termos para efeitos de
marketing, e não com a responsabilidade que tais palavras supõem. Além
disso, em relação aos produtos, matérias-primas e insumos, as informações
são muitas vezes omitidas; assim, nem sempre é possível confiar
integralmente nas comunicações feitas por comerciantes em seus websites,
catálogos ou por meio de seus representantes. Reside nesse fato a
necessidade de normatizações, como a ISO, e a certificação para produtos,
serviços, cadeias produtivas e empresas, assim como a implementação
efetiva de sistemas de gestão ambiental nas empresas.
Talvez seja a falta de informações precisas, ou a confiança
demasiada no representante do serviço ou produto, que leve um grande
número de marcas a incorrerem no uso de um marketing ambiental
equivocado. Um dos grandes erros é acreditar que a área ambiental é
dissociada da social. É comum empresas de moda, que sequer cumprem as
leis trabalhistas vigentes, virem a público afirmar que estão colaborando
para o meio ambiente com o uso de estampas ecológicas digitais, ou com a
produção de roupas que utilizam malhas ambientalmente corretas – como a
de bambu, cuja fabricação sustentável depende de fatores que dificilmente
estão presentes nas malhas vendidas no Brasil e cujas fontes de produção são
obscuras ou não são divulgadas.
Os dois exemplos acima são questionáveis do ponto de vista
ambiental. A estamparia digital usa tintas e corantes cuja procedência e
toxicidade não são conhecidas e não se sabe se seus efluentes são tratados.
Além disso, o aspecto social também deve ser considerado: uma única
impressora digital, com capacidade de impressão igual ou superior ao de
uma pequena estamparia manual, está substituindo o trabalho de vários
operários, o que levanta a questão da troca do homem pela máquina e o
consequente aumento do desemprego. Já em relação à malha de bambu,
sabe-se que se trata de uma fibra celulósica que precisa ser dissolvida para
ser transformada em fibra têxtil e que esse processo é altamente poluente.
Kleine (2009) afirma que “todos os tipos de tecido de bambu são uma
fraude, pois não podem ser feitos de uma fibra natural de bambu”.
Entretanto, essa questão tem outras perspectivas. Enquanto uma fibra
celulósica, o bambu se divide em dois tipos de fios: um proveniente da
planta e que tem muitas das características do linho, especialmente na sua
obtenção – também chamado de “linho de bambu” (FLETCHER, 2008), e
outro tipo de fio, este artificial, uma viscose obtida através de um processo
que utiliza um solvente à base de Óxido de Amina, que causa grande
impacto no meio ambiente, especialmente na água. Mesmo quando o
efluente (a água) proveniente desse processo é tratado, ele ainda deixa
vestígios de toxidade.
Embora pareça pessimista, esse cenário sustenta a importância da
difusão da informação e da transparência das empresas no setor. Hoje, as
empresas de moda brasileiras que realmente representam um
reposicionamento no mercado em termos responsabilidade socioambiental –
ou seja, preocupação com o bem-estar dos funcionários, com as questões
ambientais envolvidas em suas operações e na cadeia produtiva de seus
produtos e no fomento de ações de transformação social na comunidade –
não são muitas, e as que existem ainda não desfrutam de tempo suficiente
para serem percebidas na consistência de suas ações e no reflexo do seu
conjunto de crenças e valores no valor da marca. Empresas que realmente
são engajadas socioambientalmente não o fazem por marketing, mas por
estratégias de negócio e por crença nos princípios que fundamentam a
sustentabilidade. Além disso, tal engajamento tem se mostrado vantajoso do
ponto de vista econômico, já que a empresa assim envolvida torna sua
operação mais eficiente (e consequentemente mais lucrativa), reduz o risco
de exposição da sua marca (algo cada vez mais levado em consideração na
concessão de crédito), gera inovações e diferenciais para o seu negócio,
antecipa regulamentações e, dessa forma, adota tecnologias à frente de seus
concorrentes. Isso permite que essas empresas atuem em sintonia com os
anseios da sociedade e, consequentemente, de seus consumidores.
Alguns fatos, como o já mencionado caso da Nike, demonstram
como a sensibilidade dos consumidores vem se transformando. De acordo
com Mattar (2002), a denúncia de uso de mão de obra infantil por seus
fornecedores do Sudeste Asiático resultou para a Nike, de maneira quase
instantânea, em uma imediata perda de vendas da marca nos Estados Unidos.
Processo semelhante aconteceu com a GAP, rede americana de roupas,
devido a contratos mantidos com fornecedores asiáticos que não previam
relações trabalhistas adequadas com os funcionários. A GAP, como resposta
imediata, alterou os contratos com seus fornecedores e estabeleceu uma
auditoria mundial para garantir que os novos critérios de contratação
efetivamente estariam sendo seguidos. De acordo com o autor, esse
comportamento seria uma mensagem clara de mudança de sensibilidade e do
comportamento do consumidor.
Segundo Mattar (2002, p. 4):
O consumo consciente
exigirá que a marca e a
imagem de uma empresa
sejam o reflexo efetivo da
prática dos seus valores,
elementos de identificação
que vão muito além do
produto e qualidade, sendo
fundados em sua
responsabilidade social em
relação aos seus diversos
públicos.

Nada vem sendo mais explorado na publicidade que as questões


ligadas ao meio ambiente, à ecologia e ao consumo “verde”. Sejam bancos,
distribuidoras de gasolina, cartões de crédito, planos de saúde ou empresas
de moda, toda empresa que promove em demasia o consumo e ao mesmo
tempo alega que plantará árvores para neutralizar suas emissões de CO2
deve ter suas práticas e sua coerência questionadas: plantar aonde? Quais
árvores? Por quê? De onde vem a matéria-prima do produto que estou
comprando? Há minimização de impactos em sua produção? Esse produto é
produzido por funcionários em condições adequadas de trabalho? O que faço
com o produto depois que ele perder sua função de uso (ou seja, estragar,
quebrar, parar de funcionar)?
A sustentabilidade não pode ser vendida – ela é uma filosofia a ser
percebida. O seu exercício deve estar intrínseco a toda e qualquer ação,
atitude e comportamento de uma pessoa ou instituição. Esse alinhamento
com os princípios do desenvolvimento sustentável se estende a cada uma das
áreas abordadas e as une em suas complexidades. Por exemplo: a área social
está ligada à cultura e a amplitude do conceito de cultura vai das etnias
culturais e ancestrais de cada nação, povo, comunidade ou pessoa até a
cultura de mídias digitais e as subjetividades; na área econômica, o conceito
vai de geração de valor a para todos os stakeholders21 de uma corporação até
a modelagem de novas formas de negócios, atravessando as atuais aflições
do capitalismo como a única bóia realmente segura para os próximos anos,
mas ainda perdida em meio à névoa do maremoto da crise. A área ambiental
atravessa transversalmente o social, as áreas de arquitetura e, principalmente,
de urbanismo, deflagrando a degradação humana em regiões onde o meio
ambiente também está degradado e vice-versa; transpassa a área econômica,
nos lembrando que os elementos que caracterizam riqueza provêm da
natureza: ouro, petróleo, água, pedras preciosas, minérios, solos férteis, etc.
A sustentabilidade é complexa, mas certamente não é vendável –
cabe ao consumidor ter a atenção necessária para buscar a informação
correta sobre cada produto e ser consciente da força de suas escolhas. Como
veremos no capítulo dois, conjugar moda e sustentabilidade não é tão
dicotômico quanto parece, pois a mudança de visão do consumidor e as
estratégias empresariais para se adequar a essas mudanças consolidaram, de
fato, não apenas uma tendência, mas um movimento sério de
sustentabilidade dentro do setor.
6 www.abit.org.br

7 United States Department of Labor, disponível em: www.dol.gov/ilab/programs/ocft/PDF/


2009TVPRA.pdf

8 United States Department of Labor, disponível em: www.dol.gov

9 Efluente: resíduos líquidos ou gasosos produzidos por indústrias ou resultante dos esgotos
domésticos urbanos, que são lançados no meio ambiente (nota da autora).

10 ISO (International Organization for Standardization) é o maior sistema de desenvolvimento de


padrões internacionais. Disponível em: www.iso.org
11 http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/anvisa/home.

12 World Health Organization; PAN-UK; IBD; FAO apud Instituto Ecotece, disponível em:
www.ecotece.org.br/conteudo.php?i=4.

13 Base cristalina branca ou cinzento-avermelhada, altamente cancerígena, usada na fabricação de


corantes para o setor têxtil. Unesp; disponível em:
www.qca.ibilce.unesp.br/prevencao/produtos/benzidina.html; Dicionário Online de Português,
disponível em: www.dicio.com.br/benzidina

14 Vale comentar que a realidade da indústria têxtil inglesa é bastante diversa da brasileira e que a
relação dos ingleses com as roupas é também diferente. Primeiramente, é importante considerar que o
poder aquisitivo dessa sociedade é alto, e que, consideradas muito baratas, as roupas na Inglaterra são
descartadas com muita facilidade. É por esse motivo que existem na Inglaterra movimentos para
conscientização da população em relação à produção de roupas em países em desenvolvimento e
associações como a Textile Recycling Association (Associação de Reciclagem Têxtil) (RODRÍGUEZ
et al., 2005).

15 www.just-style.com
16 From Cradle to Cradle Institute, disponível em:
http://c2ccertified.org/index.php/about/what_is_cradle_to_cradle

17 Na década de 90 prestadores de serviços da Nike foram fotografados usando mão de obra infantil.
A empresa sofreu boicote global coordenado por ONGs e suas vendas despencaram especialmente nos
Estados Unidos, conforme matéria publicada na Revista Isto É Dinheiro (FERREIRA, 2010).

18 Conhecida como Pulse (GUNN, 2002, apud TRIGUEIRO, 2007)

19 Emotional Design (ou Design Emocional), é um conceito defendido por Donald Arthur Norman, no
livro Emotional Design, de 2005, no qual considera não apenas a dimensão estética dos produtos
como também a dimensão emocional envolvida na interação ser humano-produto.

20 Nota da autora
21 Stakeholder: termo em inglês amplamente utilizado para designar as partes interessadas, ou seja,
qualquer indivíduo ou grupo que possa afetar a empresa por meio de suas opiniões ou ações, ou ser
por ela afetado. Há uma tendência cada vez maior em se considerar stakeholder quem se julgue como
tal. Disponível em: www.ethos.org.br/docs/conceitos_praticas/indicadores/glossario
CAPÍTULO 2

A MODA COMEÇA A VESTIR A CAMISA DA


SUSTENTABILIDADE
O conhecimento pode
inspirar a ação. Eu acredito
que, hoje, podemos vestir
roupas que reflitam as
mudanças que queremos ver.
(LEE, 2009, p. 14)

Traremos a seguir um panorama dos movimentos e tendências que


envolvem a relação entre a moda e o conceito de sustentabilidade e
pontuaremos como, gradualmente, essas tendências se transformaram em
conhecimento e educação.
2.1 Disseminação de informações e formação do conhecimento

2.1.1 Fashion Weeks,


salões, etc.

Analisando os últimos seis anos de lançamentos de moda, observa-


se uma crescente onda de produtos “verdes”, que apresentam algum aspecto
ecológico seja na cor, no uso de fibras naturais, na embalagem reciclável ou
em qualquer outro componente que o associe a causas ambientais ou sociais.
São os chamados produtos “ecofashion” Esse termo passou a ser utilizado
com maior frequência e a aparecer em revistas de moda e outros periódicos
com a mesma desenvoltura que se apresentam matérias sobre a cor do
momento. Como previa Dario Caldas em seu livro Observatório de Sinais
(2004), tecnologia e economia são assuntos que, hoje em dia, correm o risco
de perder a importância para assuntos que revelem sustentabilidade. Por que
a moda ficaria fora disso? Nos últimos anos, essa nova onda passou então a
frequentar as passarelas de moda com pontual frequência e múltiplos
olhares. Não só no exterior como aqui no Brasil os grandes eventos de moda
passaram a ter como tema a conscientização ecológica, a sustentabilidade, a
preservação ambiental, a água, os povos das florestas, as árvores e outros
assuntos relacionados às questões socioambientais.
O São Paulo Fashion Week (SPFW) é o maior evento de moda que
acontece no Brasil e consiste na apresentação de desfiles de várias marcas
pelo período de uma semana. Inseridos entre as maiores semanas de moda
do mundo por seu porte e visibilidade, o SPFW e o Fashion Rio (semana de
moda do Rio de Janeiro) foram criados para ampliar as fronteiras da moda
nacional e consolidar a permanência de ajustes com o calendário
internacional, incorporar a noção e cultura de moda à moda e inserir a moda
brasileira na pauta de desenvolvimento econômico-industrial e de produção
de entretenimento cultural no cenário internacional. Ambos acontecem
simultaneamente a eventos secundários, como exposições, palestras e feiras
de negócios, em que parte da cadeia produtiva da moda – dos tecidos e
linhas até mostruários de coleções e produtos para venda por atacado – é
exibida, potencializando a geração de negócios deste que é um dos maiores
setores da economia mundial: o setor de vestuário22.
A sustentabilidade tem estado em pauta nos últimos seis anos do
SPFW. Em 2007, na edição de inverno, quando a proposta apareceu pela
primeira vez, reuniram-se 37 estilistas sob o signo da moda responsável.
Após o evento, todos os demais que se seguiram basearam-se em práticas
ecologicamente corretas, com enfoque especial na neutralização das
emissões de CO2.
No ano seguinte, 2008, a direção do SPFW, junto com a
Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT) e outras
empresas, levou a Nova York os 12 estilistas expositores do inverno 2007
para participarem da exposição Amazônia Design, Fashion and Sustainable
Economy. Dentre os estilistas estavam Samuel Cirnansck e Clô Orozco, que
usaram algodão orgânico em suas criações, e André Lima e Oskar
Metsavaht, que preferiram a seda artesanal feita com PET reciclado23.
Nos últimos anos, a adoção de novos processos e materiais nos
eventos de moda organizados pelo SPFW no Brasil resultou, sem nenhuma
dúvida, numa montagem mais limpa e econômica em todos os sentidos. Os
materiais utilizados (madeira, tinta, prego e cola), que transformavam o
prédio da Bienal num grande canteiro de obras no mês que antecedia o
evento, foram substituídos por uma estrutura de papelão, toda de encaixe,
que tinha a preocupação com o design e que pooderia ser recriada e
reutilizada.
Foi também em 2007 que surgiu, dentro da London Fashion Week,
a Esthetica. Atuando como o segmento de moda ética em um dos maiores e
mais significantes eventos do mundo, a Esthetica foi fundada pelo Conselho
Britânico de Moda e é patrocinada desde seu início pelo grupo Monsoon24.
Inúmeros criadores já foram lançados por esse evento e, para participar, é
estritamente necessário que a marca interessada se encaixe em um dos três
princípios do evento: fair trade e práticas éticas de trabalho, uso de
orgânicos e reciclagem de materiais. Além desses princípios, a marca deve
aliar estratégias de sustentabilidade à excelência estética em design.
Em Paris, desde 2004 acontece o Ethical Fashion Show (EFS),
salão francês de moda ética que já está em sua quarta edição. Anualmente,
acontecem duas edições, uma durante a Fashion Week Parisiense, geralmente
em março, e outra em setembro, durante o Salão Francês do Prêt-à-Porter. O
evento pode ser considerado um dos mais importantes do mundo na área e
reúne a cada edição mais de 100 expositores de todos os continentes.
O Ethical Fashion Show seleciona seus participantes em função do
cumprimento de uma série de normas de respeito aos direitos trabalhistas e
ambientais e da colaboração com artesãos de seus respectivos países. Os
criadores devem assinar uma carta de princípios que se comprometem a
respeitar. No setor trabalhista, trata-se do cumprimento das normas da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) quanto a salário, saúde e
liberdade sindical. Além dos desfiles e do salão de apresentação dos
criadores, o Ethical Fashion Show organiza vários debates sobre temas
relacionados a moda e desenvolvimento sustentável, promove pesquisas e
prêmios, além de servir como uma grande vitrine para criadores e empresas
com atuação ética e uma forte identidade de moda. Em geral, seus eventos
são locados no Carrossel do Louvre e nas margens do rio Sena, em Paris.
Atualmente, o Ethical Fashion Show se estendeu pelas Fashion Weeks de
Milão, Berlim, Frankfurt, Barcelona, etc. A representante do EFS no Brasil é
a ONG Moda Fusion, em Santa Teresa, Rio de Janeiro.
Nos Estados Unidos, o evento que chama atenção é o The Green
Shows New York Eco Fashion Week25, um salão anual com desfile de
lançamentos, estandes de fornecedores, debates, palestras, etc. O evento, que
existe há quatro anos, é uma iniciativa da Green Shows, uma empresa de
consultoria especializada em estratégias sustentáveis na área de moda.
Assim como a The Green Shows (TGS), existem várias empresas
e organizações não governamentais que, além de promoverem salões,
desfiles e feiras de negócios, prestam consultorias às empresas de moda
sobre materiais e matérias-primas sustentáveis, responsabilidade
socioambiental, gestão de resíduos, gestão de efluentes, mercado justo,
cadeia de produção sustentável, cooperativas e outros segmentos cujo
conhecimento, em geral, não abrange os profissionais de moda. Uma das
mais influentes empresas na área é a C.L.A.S.S. (Creative Lifestyle and
Sustainable Synergies)26. Com escritórios em Londres, Milão e Nova York, a
empresa é parceira das mais importantes ONGs do segmento e juntas
promovem muito mais que desfiles e lançamentos: essas parcerias fazem
com que as pessoas se conectem, que as redes sociais se formem, que o
movimento tenha cada vez mais força e que, especialmente, a informação se
dissemine.
Trabalhando sempre no sentido de atualizar critérios e padrões
para melhores práticas dentro da indústria têxtil e da moda, as iniciativas que
promovem a apresentação de novos designers e estilistas durante as semanas
de moda (Fashions Weeks) sustentável, sejam elas geradas por empresas,
ONGs, parcerias simples ou mistas, tiveram que estabelecer seus critérios de
aprovação dos participantes. Algumas são mais flexíveis, outras nem tanto.
Abaixo relacionamos os critérios da TGS, que são bastante abrangentes. Para
participar do evento a empresa ou designer precisa estar inserido em um dos
segmentos abaixo.
Comércio Justo/ Ético: responsabilidade para com os direitos
humanos; horário de trabalho razoável; não uso de trabalho infantil;
direito de sindicalização; salário justo; melhores padrões ambientais e
sociais. Nenhuma influência ambiental direta que tenha impacto sobre
as pessoas em seus locais de trabalho sob a forma de vapores, gases,
partículas de poeira, ruído e temperatura.
Feito sob medida: também chamado de demi-couture. Feito de forma
artesanal, mesmo com o uso da máquina de costura. Essa é uma
maneira de incentivar a slow fashion, contraponto da fast fashion
descartável e industrializada.
Artesanal: produtos que sejam feitos artesanalmente por artistas que
perpetuem tradições ancestrais (incluindo bordados).
Materiais orgânicos e naturais: tecidos de fibras naturais cultivados
sem pesticidas e/ou qualquer outro material tóxico.
Reciclados/ renascidos: qualquer produto que seja feito a partir de
materiais já existentes e descartados, como tecidos, metais ou outras
fibras. Produtos feitos a partir de roupas descartadas; tecidos feitos
através de refiação.
Vintage /segunda mão: vintage é um termo genérico usado para roupas
e acessórios novos ou usados criados entre 1920 e 1980. Contudo, o
termo é empregado geralmente para o uso de roupas de segunda mão ou
reformadas (upcycled). De uma maneira geral, esse critério se estende a
toda e qualquer peça de vestuário que tenha ganhado nova vida por
meio do reúso ou de algum tipo de customização.
Vegan/ sem produtos animais/ sem crueldade: produtos criados e
produzidos sem testes em animais. Produtos feitos sem uso de couro
animal, penas ou pelos.
Estampagem e tingimento de baixo impacto: uso de corantes naturais
extraídos de raízes, sementes, frutos, flores ou outras fontes naturais.
Redução de resíduos: redução de resíduos nos ciclos de produção das
roupas (processo de corte e costura).
Marketing verde: offsets, embalagem, rotulagem, promoção e cartões
de visita ecologicamente corretos.
Responsabilidade socioambiental: produtos que promovam
sensibilização para as questões ambientais e sociais.
Eficiência de recursos: produtos que gerem o maior benefício possível
utilizando a menor quantidade possível de recursos naturais.
2.1.2 Feiras

Existem atualmente 453 feiras de moda, em 44 países27. Os


principais países são o Brasil, com 54 feiras de moda anuais, a Espanha, com
81, depois Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra, França, Índia, Itália,
México e Portugal – todos com mais de uma dezena de feiras anuais.
Em cada um desses eventos, mesmo que seja apenas uma simples
palestra ou estande, existe uma “menção honrosa” à sustentabilidade.
Transparente que é, a sustentabilidade vem penetrando pelos poros desse
segmento mesmo quando usada como promotora de venda de algum novo
produto ou serviço, mesmo quando mal compreendida em seus princípios
básicos, ou quando é usada para atribuir uma identidade de
“contemporaneidade” ao evento.
Rastrear cada uma dessas feiras seria tarefa impossível mesmo
para o mais árduo pesquisador, pois, por mais que a maioria delas seja
legitimada e tenha longa duração, algumas (talvez por terem em suas
certidões de nascimento a mesma madrinha da moda: a efemeridade),
surgem e desaparecem em um estalar de dedos. E embora sejam entendidas
como sucessos únicos, somem no tempo e no espaço como se nunca
tivessem existido.
Mas o fato é que elas acontecem em suas múltiplas facetas e que,
pelo menos entre as mais maduras, como as europeias, os termos fair trade,
sustentabilidade e ecodesign estão inseridos em todo o contexto - muitas
vezes, desde a produção executiva da feira até a limpeza final do espaço,
todas as etapas são concebidas de forma sustentável. E relação aos
expositores, grandes tecelagens, gigantes da química têxtil e reconhecidas
marcas de roupas e acessórios, também já possuem, em sua maioria, linhas
ecofriendly, éticas, fair trade, verdes, sustentáveis, etc. A sustentabilidade é
um movimento dentro dos negócios de moda, e a ética que esse movimento
inspira começa de fato a permear a moda.
Dentre as feiras especializadas no segmento existe uma que pela
importância e tradição deve ser mencionada. A ONG inglesa Ethical
Fashion Forum (EFF) promove anualmente a Ethical Fashion Source
Expo. Funcionando como uma grande feira de exposição de produtos, é
atualmente uma das únicas do mundo no formato das grandes feiras ou
salões europeus de moda. A EFF apresenta e une os fornecedores de
matérias-primas e outros insumos obtidos de forma ética, estilistas e
designers cujas criações são realizadas de maneira sustentável, prestadores
de serviços com ecoeficiência, simpatizantes, compradores e outros. Dessa
maneira, fornecendo inspiração e apoio ao comércio justo global, o evento
conecta pessoas, empresas e pesquisadores e demonstra que na esfera da
moda os negócios sustentáveis não são apenas possíveis, mas extremamente
promissores.

Nosso foco é inspirar


mudanças sustentáveis na
indústria da moda. Não se
pode forçar a
sustentabilidade, mas pode-
se inspirá-la (...). Eu gostaria
de ver um mundo onde se
comprasse menos e quando
comprássemos usássemos de
nossa responsabilidade e
respeito por todas as pessoas
e pelo planeta. (Emily
Pearce, diretora geral da
EFF)

2.1.3 Formação e
pesquisa acadêmica
Um fato que merece total atenção e que está diretamente ligado à
difusão da informação e na formação de novos criadores e consumidores é a
implantação de disciplinas de caráter socioambiental e de ecodesign nos
currículos dos cursos de graduação e pós-graduação em design de moda.
Além disso, o fomento a projetos educativos na área e programas de
extensão também pressupõem um espaço de disseminação e formação de
conhecimento.
De acordo com dados de 2011 do Ministério da Educação, existem
no Brasil 122 cursos de design de moda com reconhecimento do ministério.
Considerando esses dados e supondo que cada um desses cursos forma
apenas uma turma de 30 alunos, pode-se afirmar que chegam ao mercado, no
mínimo, mais de seis mil designers de moda por ano. A adequação desses
novos profissionais a uma nova realidade é uma questão muitas vezes
discutida, mas poucas vezes compreendida e trabalhada em sua amplitude. É
urgente, hoje, reavaliar os currículos desses cursos, acrescentando a eles
disciplinas que tratem de questões socioambientais ligadas à cadeia têxtil.
A disciplina de ecodesign, já frequente em grades de curso de
design de produto, começa a ser oferecida também em cursos de design de
moda. A disciplina atende à necessidade de pensar o conceito de
sustentabilidade nas várias fases do ciclo de vida do produto, em toda a sua
amplitude. Durante o projeto são abordados a economia de recursos naturais,
bem como a minimização de resíduos e emissões e a utilização de fontes de
energia renováveis, considerando sempre a realidade socioambiental da mão
de obra envolvida. Entretanto, apenas a inclusão da disciplina de ecodesign
não é o bastante para os vultosos números de produtos desenvolvidos neste
mercado e nesta indústria. Além da questão que se insere na problemática da
criação e desenvolvimento de produtos, a atenção deve também se estender e
atentar para as práticas de trabalhos em condições precárias, uso de mão de
obra infantil, trabalho escravo, graves impactos ambientais e alto consumo
energético e de recursos naturais – o que incide diretamente sobre a
sociedade contemporânea e é o futuro dos alunos atuais.
Alguns dos cursos superiores oferecidos no Brasil já incluíram
disciplinas que abordam esses temas em suas grades curriculares. Observa-se
que, na medida em que a preocupação com essas questões vem crescendo,
aumenta também o número de jovens interessados no conhecimento
científico necessário para lidar com os problemas e desafios atuais e que os
ajude a pensar e se inserir no mercado contemporâneo.
Seguindo os modelos curriculares que vêm sendo adotados nos
principais cursos ingleses e acrescentando aspectos que estão diretamente
ligados à realidade brasileira, essas disciplinas deveriam apresentar em seus
programas os seguintes itens:
Extrativismo; Revolução Agrícola; fontes renováveis de energia; fontes
tradicionais e potenciais dos seguintes produtos: fibras, madeira, óleos
fixos, resinas, gomas, látex, óleos essenciais e princípios ativos tóxicos
e medicinais; perspectivas das relações entre humanidade e vegetais.
História ambiental; estudo das manifestações de cultura em relação ao
ambiente circundante na antiguidade e no processo da modernização.
Relações e dicotomias entre a cultura de moda e a sociedade de
consumo; identidade e expressão através do parecer e da necessidade de
consumo.
Estudo aprofundado da sustentabilidade como macrotendência mundial
e sua expressão na moda contemporânea; o termo desenvolvimento
sustentável e seus conceitos fundamentais; como avaliar e monitorar e o
que esse tipo de desenvolvimento pode significar na indústria têxtil.
Introdução à responsabilidade social corporativa; ISO26000 – o custo
humano da fast fashion e como entendê-lo e processá-lo segundo novos
conceitos e realidade de mercado.
Mercados alternativos; comércio justo; proposta ética e seus aspectos
sociais.
Introdução à ecologia, à biodiversidade nacional e aos recursos vegetais
têxteis.
Recursos usados na manufatura de fibras têxteis sintéticas e artificiais.
Reciclagem, reúso, reforma e redução de materiais/recursos
Gestão ambiental na indústria têxtil; conceitos de Produção Limpa;
certificações de orgânicos; a ISO14001 (e outras complementares).
Algodão orgânico no mundo e no Brasil, seus aspectos políticos, sociais
e ambientais.
Estudo dos conceitos de ecodesign, novos materiais; ciclos da cadeia
têxtil e ciclo de vida dos produtos da indústria têxtil.
O principal objetivo desses assuntos inseridos em novas
disciplinas não é apenas o de capacitar o futuro designer para atuar num
mercado diferenciado, mas inspirá-lo a ser sustentável e a agir de forma
ética.
Aqui foram mapeados projetos inovadores oriundos de
universidades que tenham como foco uma reinterpretação da noção de moda
e o estabelecimento de um novo diálogo entre a moda, as pessoas e a
natureza.

Ecomoda
Em termos de projetos, o programa Ecomoda, coordenado pela
professora Neide Schulte, foi pioneiro. O projeto faz parte do programa de
extensão da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e, desde o
princípio, em 2005, teve como objetivo a disseminação do conceito de
sustentabilidade e do consumo consciente. De acordo com sua mentora, o
Ecomoda foi criado para

promover a interação entre


os acadêmicos e a
comunidade contribuindo
para a questão
socioambiental e pesquisar a
adequação dos produtos
ligados ao universo da moda
para um contexto de menor
impacto ambiental. O
programa é constituído por
projetos, eventos, cursos e
outras atividades, como
palestras, exposições,
participação em programas
de televisão, rádio, entre
outros28.
O Ecomoda tem uma atuação incisiva no cenário da moda em
Santa Cataria, mas também promove ações em outros estados e representa o
Brasil em outros países da Europa e América Latina.

Moda,
sustentabilidade e
inclusão: retraços
que tecem histórias
Outra iniciativa pioneira foi a implantada pela Prof.ª Suzana
Barreto na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no bacharelado em
Design de Moda. Desde 2009 ela coordena o projeto que é desenvolvido
com alunos bolsistas e a comunidade local, no qual são recriadas peças de
vestuário a partir de resíduos têxteis.
O projeto se desenvolve por meio de oficinas com os estudantes do
curso e com jovens e adultos da comunidade. As atividades são divididas em
duas fases: a produção de produtos, feita com a orientação dos alunos do
curso de Design de Moda da UEL, e a apresentação dos produtos à
comunidade e às empresas de moda da região29.

Pós-Graduação em
Moda sustentável La
Salle
O Instituto Superior La Salle, no Rio de Janeiro, lançou em 2009 a
Pós-Graduação em Design de Moda com foco em Estratégias para
Sustentabilidade, sob minha coordenação e ainda o único no segmento. Com
a intenção de formar especialistas designers já atuantes no mercado e alunos
egressos das graduações, o curso da La Salle também tem como objetivo
formar professores para suprir a falta desses conhecimentos específicos na
área de moda.
Os alunos que procuram o curso não são todos oriundos das
graduações de Moda, mas também de Biologia, Assistência Social, Artes
Plásticas e outros, o que o torna heterogêneo e dinâmico. Atualmente o curso
abriga o núcleo Design do Bem. Esse projeto oferece consultorias a terceiros
em vários segmentos – de atendimento a ranários que precisam reverter as
peles das rãs, anteriormente jogadas no lixo, em produtos de moda a serem
oferecidos no mercado e em feiras internacionais, até a consultoria de
produtos e materiais sustentáveis, desenvolvimento de coleções e áreas do
design de moda em geral. O núcleo também é composto por um laboratório
de pesquisas acadêmicas em moda sustentável, onde são locados e
disponibilizados todos os trabalhos de conclusões de curso e artigos dos
docentes. Finalmente, o núcleo abriga um ainda embrionário atelier social,
em fase de implementação.
O curso vem crescendo ao longo dos anos e recentemente está
fechando um acordo de colaboração com cursos europeus, como o Centro de
Moda sustentável do London College of Fashion, para parcerias e
intercâmbio de saberes e interesses.
A implantação de projetos, disciplinas e cursos de pós-graduação e
extensão nesta área acadêmica atende a novas demandas, não apenas do
mercado de trabalho, mas sobretudo de um novo direcionamento no
desenvolvimento da indústria têxtil e da moda no Brasil, que requer um foco
em responsabilidade socioambiental.
Para tornar a visão acadêmica mais clara e necessária no Brasil, é
interessante perceber que o processo de implementação desses saberes no
universo dos cursos europeus aconteceu há algum tempo e que, enquanto
profissionais de um país em desenvolvimento com reservas naturais
importantes, a nossa atualização e constante aprimoramento é uma
necessidade.
Na Inglaterra, em especial, as escolas de moda se transformaram
em eco, como afirma Matilda Lee em seu livro EcoChic (2009), de onde
foram pesquisados parte dos dados sobre as escolas inglesas.

Textile Environment
Design (TED), da
Chelsea School of
Art
Rebecca Early fundou em 2003, na Chelsea School of Art, o
centro TED – Textile Environment Design30 (centro de Design Ambiental
Têxtil). Esse centro se tornou uma referência para aqueles que se
preocupavam com a questão socioambiental mas não queriam criar produtos
em que a temática “eco” fosse reconhecida. Graças à inserção dos conteúdos
e atividades acadêmicas do TED no currículo do bacharelado da Chelsea,
surgiu o projeto Short-life, long-life (Vida-curta, vida-longa) enfocando o
pós-vida de peças descartadas e outras questões relacionadas. De acordo
com Rebecca (LEE, 2009), para fugir dos tradicionais trabalhos “verdes”,
que na maioria das vezes pecam na estética do produto, é preciso encontrar
um equilíbrio dentro do curso. Quando os alunos têm as informações
corretas e quando ideias éticas, ecológicas e estratégicas estão integradas ao
currículo, o resultado final das criações é muito melhor, pois os trabalhos
não só ficam lindos como o pensamento ecológico passa despercebido.

Green is the New


Black e o Centro de
Estudos de Moda
sustentável do
London College, UK
Em 2007 a London College of Fashion (Escola de Moda de
Londres) firmou um termo de compromisso para que se inserisse como
hábito no cotidiano de seus alunos o Green is the New Black (O verde é o
novo preto), fazendo uma clara alusão ao conceito de básico e chique que a
cor preta representa e resignificando a questão ambiental, no caso
representada pela cor verde. Após a realização do acordo e apresentação dos
projetos, a Escola organizou ainda uma semana de debates sobre a questão
ambiental e a moda, da qual participaram estudantes, empresários,
professores e pesquisadores de todo o mundo. O London College of Fashion
fundou o Centre for Sustainable Fashion31 (Centro de Estudos de Moda
sustentável). Há três anos a instituição oferece um mestrado em Moda
sustentável (Master in Fashion and the Environment), sob a direção da
professora Dilys Willians.

Design for Textile


Futures (Design
para Futuros
Têxteis), da Central
Saint Martin College
of Art and Design
A Central St. Martin´s dedica todo o segundo ano do curso
superior de Design de Moda ao desenvolvimento de um projeto sustentável,
promovendo não apenas o uso de produtos sustentáveis, mas também
importantes noções de responsabilidade no ato do consumo. Nesse sentido, a
disciplina que o curso oferece se chama “As Responsabilidades do Consumo
– Além das Compras”.
Com o tempo, surgiu a necessidade de aprofundamento nas
questões e em 2009 a Saint Martin´s passou a oferecer o mestrado Design
for Textile Futures (Design para Futuros Têxteis).

Esmode Berlim
Em 2011 a Esmode Berlim32, também inaugurou seu mestrado em
Moda sustentável. (Master in Sustainable Fashion). Todas as filiais Esmode
pelo mundo já incorporaram os conteúdos de sustentabilidade aos seus
currículos e é provável que a pós-graduação também se estenda as outras
unidades, pois é clara a necessidade de formação de pesquisadores e mestres
na área.

As universidades americanas também têm alterado seus currículos


de cursos específicos para Design de Moda e algumas também oferecem
cursos de extensão na área, como a University of the Pacific, a Parsons
School of Fashion, e a California College of the Arts, entre outras.
2.1.4 Pesquisas e
eventos acadêmicos

Kate Fletcher

Pesquisadora da Chelsea College of Art and Design e do


Goldsmiths College, da Universidade de Londres, Katie Fletcher é, dentre
todos os pesquisadores da moda sustentável, uma das mais antigas – ela
estuda a área há mais de 15 anos e é uma das maiores pesquisadoras e
fomentadoras do conceito. Com uma visão holística do mundo ao seu redor e
da relação do ser humano com a natureza, suas pesquisas se estenderam para
a área dos têxteis e da moda e nos presenteiam com relações e reflexões
transformadoras.
A criação do conceito “Slow Fashion” teve grande influência de
seu trabalho e por isso ela é considerada um dos fundadores dessa visão e
desse movimento dentro do design de moda.
Katie trabalha simultaneamente em cinco projetos nos quais suas
ideias evoluem dentro de sistemas de construção e experimentação. São eles:
1. Sabedoria local: explorar o uso do artesanato;
2. Tempo de vida: rápido e lento – o metabolismo da moda;
3. Cuidados: minimizar as lavagens tempo de passadoria;
4. Reúso: todas as formas de recondicionamento e reciclagem para
que as roupas tenham uma vida mais longa;
5. Satisfação: roupas que nos fazem felizes.
Seus livros e publicações são fonte de inspiração e informação
para estudantes de design e para consumidores e seu olhar sobre o mundo
faz com que a expressão moda sustentável ganhe conotações mais reflexivas
política e socialmente. Dentre suas publicações, destaca-se o livro
Sustainable Fashion and Textiles: Design Journeys (Moda e Têxteis
Sustentáveis: a Jornada do Design), ainda não publicado no Brasil.
Colóquio de Moda

Em 2005 surgia no Brasil o primeiro Colóquio Nacional de


Moda33. Fruto do trabalho de um grupo interdisciplinar de pesquisadores que
tinham em comum o estudo, a pesquisa e a docência em moda. Idealizado
pelas professoras Kathia Castilho e Maria de Fátima da S. G. C. Mattos, o
Colóquio foi o primeiro e ainda é o único congresso científico de Moda no
país. Hoje, juntamente a outras iniciativas científicas na área, faz parte das
atividades promovidas pela Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em
Moda (ABEPEM).
O evento chega este ano (2012) na sua oitava edição, que
acontecerá na cidade do Rio de Janeiro, e tem buscado ao longo desse
período estar em sintonia com as pesquisas e atualizações necessárias à área.
Em 2009, se estabeleceu um novo grupo de trabalho, orientado à pesquisa e
à discussão de moda e sustentabilidade. Tal grupo foi proposto e coordenado
pelas professoras Suzana Barreto e Ana Mery S. De Carli e apresentou como
justificativa a necessidade de se ancorar a produção dos produtos de moda
nos princípios do desenvolvimento sustentável, ou seja: produtos e
produções que harmonizem desenvolvimento econômico, justiça social e
preservação ambiental. O grupo de trabalho tem sua proposta alinhada com
os melhores centros de pesquisa europeus e, mesmo com as deficiências
didáticas que ainda enfrentamos e o fato de a área ser extremamente nova
em nosso contexto, seu desempenho e interesse que desperta dentro do
Colóquio vêm crescendo a cada ano.
De acordo com a Prof.ª Ana Mery, em 2009 foram inscritos onze
trabalhos no grupo de trabalho de moda e sustentabilidade; em 2010, vinte e
dois; e em 2011, vinte e três. Serão necessárias ainda algumas décadas de
distanciamento para sabermos com exatidão a importância desse congresso
não só na área em questão, mas dentro do amplo contexto da moda. Este é
hoje o mais importante e promissor evento acadêmico de moda no Brasil.
Será necessário ainda algum tempo de distanciamento para sabermos com
exatidão os resultados da iniciativa dentro do amplo contexto da moda.
Participa-se, incentivam-se alunos a participar e orientam-se alunos em seus
primeiros artigos científicos; ou seja, a participação ativa nesse evento, bem
como no Grupo de Trabalho dedicado à sustentabilidade, faz com que
percebamos o crescimento e importância deste espaço no calendário da
moda no Brasil.

Congresso Nacional
de Técnicos Têxteis
Em 2009, considerado pela indústria têxtil como o ano das fibras
naturais, o XXIII Congresso Nacional de Técnicos Têxteis (CNTT),
juntamente com a feira Tecnotêxtil, voltaram-se para o tema
sustentabilidade. A partir de então, anualmente, a cada edição do Congresso,
passaram a contar com painéis inerentes ao tema na área, como a questão do
algodão e o uso de pesticidas, o uso da água e da energia, nanotecnologia e
ecologia humana, entre outros.

Textile Exchange -
Organic Exchange
Em 2008 o Brasil sediou a III Conferência Latino-americana de
Algodão Orgânico, promovida pela ONG Organic Exchange, da Califórnia.
De acordo com o portal Ecotece, que foi um dos organizadores do evento,
um dos principais temas abordados foi a “conscientização para que o
orgânico não seja apenas uma moda inserida no mesmo sistema de
exploração e commodities aplicado atualmente para produtos têxteis”. O
orgânico é uma questão de mudança de paradigma e por isso está associado
ao comércio ético e solidário, o que promove uma dupla certificação: para a
produção orgânica e para o comércio justo.
Nesse mesmo ano aconteceu a I Conferência Global de Têxteis
Sustentáveis, também promovida pela Organic Exchange. Cerca de 300
participantes de 29 países se reuniram na cidade do Porto, em Portugal, para
compartilhar o que tem sido feito no mundo para viabilizar um vestir mais
consciente.
Em 2007 a Organic Exchange passou a ser conhecida formalmente
como Textile Exchange (TE), termo que em uma tradução livre significa
“Têxteis em Mudança”. Desde 2001, ano de sua fundação, até hoje, a TE
promove conferências e seminários e participa das principais feiras e
exposições da indústria têxtil mundial. Dentre as mais importantes podemos
destacar os eventos de 2011, como a Conferência de Têxteis Sustentáveis –
Impactos, Integridade e Inovação, realizada em Barcelona; o seminário O
Case da Moda sustentável, em Bruxelas; e o Seminário Global dos Têxteis
Orgânicos, em Nova York.
Como a TE é uma ONG que promove a pesquisa e a difusão das
informações sobre os meios empresariais e sociais e como grande parte dos
tecidos consumidos é de origem vegetal e animal, uma grande ONG
certificadora dos produtos orgânicos, a poderosa IFOAM (Federação
International do Movimento da Agricultura Orgânica), assim como a
BioFach, feira internacional de produtos orgânicos e ecológicos de origem
alemã, vêm realizando juntamente com a Textile Exchange34 inúmeros
fóruns de debate sobre a questão têxtil no mundo.
Internacionalmente, o que antes era apenas uma tendência é hoje
prática consolidada. E sua seriedade é inquestionável: a sustentabilidade na
área têxtil não é mais um destaque nas feiras de tecnologia têxtil, mas um
segmento tão importante e fundamental quanto os negócios e a própria
tecnologia. É por essa razão que se percebe não apenas a expansão de
saberes sobre a moda e o crescimento do debate por uma moda sustentável,
mas também a interação sistemática entre feiras de negócios e geração de
conhecimento.

2.1.5 Série na TV
É importante destacar nesse cenário de mudanças, de tomada de
consciência de um novo momento e de transição para uma nova filosofia de
vida, que em 2008 a rede inglesa BBC produziu e transmitiu na televisão
britânica uma série de quatro episódios, com uma hora cada, sobre moda
ética. Nessa série, chamada Blood, Sweat and T-Shirts (Sangue, Suor e
Camisetas) a BBC enviou estudantes de moda para passar uma temporada
vivendo as duras condições de trabalho nas fábricas de roupas nos países em
desenvolvimento do Oriente. A ideia da série foi avaliar como esses jovens
mudam sua atitude em relação ao consumo desenfreado e como questionam
a moda barata produzida em condições duvidosas em países como a Índia,
Bangladesh e China e vendida em lojas britânicas. Para apoiar o projeto e
acompanhar a série, a BBC passou a produzir a revista online Thread,
Fashion Without Victim (Fiapo, Moda sem Vítima), direcionada aos
internautas entre 16 e 30 anos. Essa iniciativa teve um grande impacto sobre
os estudantes de todas as nacionalidades que residiam na Inglaterra ou que
estavam acessando de qualquer outra parte do mundo, assim como provocou
mudanças no consumo de roupas dos jovens em geral.

2.1.6 Negócios
Inúmeros outros seminários, cursos, conferências e palestras vêm
sendo realizados com foco exclusivo em negócios de moda. Algumas
poucas, mas distintas universidades, tanto quanto ONGs, órgãos midiáticos e
instituições empresariais apostam em estratégias éticas dentro do setor têxtil.
Embora ainda pouco visíveis mediante a colossal carga de mídias de moda,
as informações e estruturas que transformam essas informações em
conhecimento (conferências, simpósios, feiras, mostras, exposições,
projetos, núcleos de pesquisa, palestras, etc.) acontecem com mais
frequência do que supomos. Em 2011, de acordo apenas com os dados da
ONG inglesa Ethical Fashion Forum, no segundo semestre de 2011
aconteceram na cidade de Londres cerca de 13 eventos ligados a moda ética,
ou seja, uma média de dois eventos por mês. Cidades como Berlim, Paris e
Barcelona também sediam esses fóruns.
Pelo que se pode perceber, existem muitas empresas de consultoria
e seminários voltados para a área de negócios em moda. Em praticamente
todo evento que discute e fomenta a implementação das ISOs de
responsabilidade social, em especial a ISO2600035, que normatiza ações
socioambientais, discute-se moda ética, seus números e suas estratégias.
Talvez pela necessidade ou desejo de se definir como uma “corporação de
qualidade”, as empresas têxteis de confecção e/ou comercialização de peças
de vestuário recorrem a consultorias que possam guiar seus passos na
direção da implementação dessas normas. Assim, conseguem suas
certificações e redefinem seus perfis no concorrente mercado da moda.
Um exemplo entre os vários eventos de 2011 foi o Forum for the
Future, realizado pelo tradicional jornal inglês The Guardian em parceria
com empresas de consultoria na área de sustentabilidade. O jornal costuma
promover vários seminários sobre sustentabilidade, entre eles alguns
especialmente voltados para o setor têxtil, e tem até mesmo uma área
dedicada à organização desses eventos: a Guardian Sustainable Business
Network (Um Guardião da Rede de Negócios Sustentáveis)36.
As informações buscadas pelas empresas estão geralmente
atreladas à ascensão dos meios de comunicação social, pois, atualmente, a
transparência corporativa e a reputação são um “valor de negócio”; e a
comunicação é sua principal ferramenta.
Nesses seminários prioriza-se conscientizar os executivos sobre a
importância fundamental do design do produto para a cadeia produtiva deste;
gerar conhecimento sobre as atuais normas – como a GRI37, AA100038 e a
ISO26000 – e sobre como adequar os negócios a elas; mostrar como
melhorar, implementar, e/ou construir relatórios anuais de sustentabilidade
integrados; mostrar como ser mais credível na informação e, especialmente,
mostrar aos executivos que é importante remodelar os negócios sob outra
racionalidade – a sustentabildiade – e aprender com os outros.

2.2 A inspiração criativa


Alguns estilistas emocionam porque fazem coleções belas, porque
criam produtos ímpares ou porque tocam fundo em nossos corações ao
narrar em suas criações histórias que nos fazem sonhar, expressar assuntos
que nos afligem ou questões que nos encantam ou atormentam. Na verdade,
em todas as áreas existem pessoas que fazem seus trabalhos de maneira tão
singular que acabam nos inspirando e servindo como modelos. Isso acontece
também com as marcas que amamos e com as quais nos identificamos.
No início da década de 70, existia uma loja em Ipanema, na zona
do sul do Rio de Janeiro, chamada Lixo39 (da qual os únicos registros que
restaram estão na memória de alguns amigos), que vendia roupas usadas
provenientes dos Estados Unidos – especialmente uniformes de exército e
calças jeans. Foi nessa loja que comprei minha primeira roupa de segunda
mão – meu primeiro jeans used, clarinho, macio, rasgado, para total desgosto
de meus pais. Certamente, a minha fascinação pela Lixo, da qual fui cliente
assídua, foi e é parte da minha inspiração em trabalhar com moda
sustentável. Logo, inspiração é um termo que está associado ao que nos faz
pensar, sentir, refletir e gerar ações de criação e inovação.
A inspiração criativa da qual tratarei aqui provém de estilistas e
marcas que vêm sistematicamente difundindo o conceito de sustentabilidade
nos materiais usados em suas criações; nos valores imateriais que seus
produtos agregam (como é o caso do uso de características culturais
endêmicas a regiões brasileiras, dos aspectos da cultura nacional e do resgate
de técnicas artesanais ancestrais); e/ou, no cuidado responsável exercido nas
cadeias produtivas. E uma vez que a moda é considerada um dos mais
poderosos meios de comunicação, usei na seleção desses estilistas e marcas
também o critério da “narrativa”, ou seja, da capacidade de expressar um
valor e promover uma reflexão sobre desenvolvimento sustentável através da
moda, como é o caso de Ronaldo Fraga, com o qual começo esta, também,
“narrativa”.
2.2.1 Estilistas e
marcas pioneiras

Os brasileiros que inspiram...

Ronaldo Fraga
Um dos nomes mais importantes no atual cenário da moda
nacional é o do mineiro Ronaldo Fraga. Esse estilista passou a fazer parte do
grupo de marcas a desfilar no São Paulo Fashion Week em 2001, quando
apresentou a coleção “Quem matou Zuzu Angel”. A partir de então, em
todos os desfiles, ele estabeleceu o diálogo da cultura brasileira com o
mundo contemporâneo: o universo da obra de Carlos Drummond de
Andrade, o sertão de Guimarães Rosa, a cerâmica das bonecas do
Jequitinhonha e o legado da cantora Nara Leão foram temas em coleções –
manifestos que sempre são citados pela crítica como marcos do São Paulo
Fashion Week e da história da moda no Brasil.
Estabelecendo suas pesquisas a partir de seus próprios territórios
de percepção – problemas sociais e ambientais brasileiros, histórias
familiares, literatura brasileira e outros –, ele acredita no poder “narrativo”
da moda e na sua capacidade de emocionar, contar histórias e fazer pensar.
Seu trabalho se fundamenta em especial nas narrativas do povo e sua
diversidade cultural, ambiental e racial.
Considero-o um estilista genuinamente brasileiro, conectado com a
realidade objetiva e subjetiva deste país. Sua produção tem um cunho de
valoração da diversidade cultural, do artesanato e da cultura local, gerando
renda para comunidades rurais; de resgate de artistas nacionais, inspirando o
reconhecimento da cultura nacional; de questionamento sobre temas que
afligem a sociedade tanto nas questões ambientais, como a transposição do
rio São Francisco presente na coleção “Rio São” do verão 2008-2009, e
sociais, como o abandono de nossas crianças e idosos, presente na coleção
“Tudo é Risco de Giz” do inverno 200940. Para falar dessas pessoas, ele
levou às passarelas do SPFW senhoras e senhores com idades entre 60 e 80
anos e crianças. Pensar a efemeridade e a vida em forma de moda e usar
como modelos crianças e pessoas com idades avançadas fizeram com que
esse trabalho fosse um dos mais importantes em termos de reflexão para a
sustentabilidade, pois ali estiveram presentes as consciências do tempo e das
gerações futuras.
O conceito de sustentabilidade engloba as questões culturais e
humanas – especialmente quando gera renda, bem-estar social, preservação
cultural e ambiental e “reflexão” –, trabalho que Ronaldo vem
desenvolvendo em sua própria marca, nos projetos dos quais participa (como
o Talentos do Brasil)41 e em seu discurso, quando ministra palestras por este
mundão de meu Deus para estudantes de design de moda que sequer sabem
direito quem ele é.

Carlos Miele

Outro estilista cuja atuação foi e é importante enquanto inspirador


de trabalhos sociais e ambientais é Carlos Miele pela bem sucedida parceria
de sua marca, a M. Oficcer, com a Coopa Roca, cooperativa da comunidade
da Rocinha, no Rio de Janeiro (sobre a qual falaremos mais à frente42). Essa
parceria aconteceu no início dos anos 80, quando Miele usou dos fuxicos e
bordados oriundos da cooperativa em suas criações, impulsionando o
trabalho de ambos. Sua importância está no olhar que lançou sobre o
trabalho artesanal e social e o valor que agregou a este. Hoje sua marca
representa a moda brasileira em mais de trinta países e é difundida como um
trabalho de criação proveniente de um país em desenvolvimento
fundamentado inicialmente em parcerias com comunidades carentes, para as
quais seu arrojado design abriu inúmeras portas, trazendo incontestáveis
oportunidades de negócios e, consequentemente, geração de renda.

Gilson Martins
Outro expoente que não pode faltar nesta tão restrita seleção é
Gilson Martins, o carioca que, entre tantas inovações e ações sociais que
promoveu, foi quem resgatou a Bandeira do Brasil e nos deu a oportunidade
de expressar nosso orgulho de ser brasileiro em nosso vestir.
Ele foi o precursor de um termo que só nesta década apareceria
associado à moda: upcycling, que quer dizer dar nova vida a produtos
considerados inúteis ou obsoletos, transformando-os (veremos mais sobre
upcycling adiante43). Gilson Martins (2008) transformava em bolsas,
bolsinhas e mochilas materiais inusitados, muitas vezes completamente
ignorados pelo universo da moda, como teto de fusca (o carro da
Volkswagen), chão de Kombi, assento de ônibus e mangueiras de borracha,
lonas de cadeira de praia, entre muitos outros materiais. Vale destacar o uso
das passadeiras de corredor, uma comprida faixa de plástico colorido que se
usava para cobrir corredores e passagens nas décadas de 60 e 70, com as
quais misturou seu talento criativo dando vida a produtos inéditos, lindos,
diferentes e muito à frente de seu tempo. E o melhor, vendáveis!
Esse talento de prever e adequar produtos aos desejos íntimos dos
usuários é e foi um diferencial na carreira do estilista. Um exemplo
categórico dessa espécie de “mediunidade criativa” foi ter intuído o quanto
nós, brasileiros comuns, gostamos de valorizar nossa bandeira – tão
cruelmente desgastada pelos longos anos de ditadura militar, quando seu uso
era proibido por lei. Na I Semana Barra Shopping de Estilo, Gilson, então no
seu segundo desfile em carreira solo, apresentou a coleção “Brasil usa
Brasil”. Colocou uma escola de samba na passarela e, ao final, seis garis da
Comlurb entraram varrendo, sambando e usando uma mochila em forma de
coração com a imagem da bandeira do Brasil. Foi aplaudido de pé.
A partir de então, passei a
identificar os motivos que
despertaram nas pessoas o
orgulho de exibir a bandeira
do Brasil. Tentei entender
qual era o meu papel naquele
momento. O que eu estava
fazendo? Resgatando a
autoestima das pessoas, o
orgulho de ser brasileiro.
Peguei esse símbolo que
estava engavetado e
desprestigiado, no formato
de souvenir de baixo escalão,
usei-o como forma de
representar o novo
sentimento transformado
num produto de moda e
design. A marca de um novo
Brasil. (MARTINS, 2008,
p.74)

Além do uso de materiais diversos e da capacidade de prolongar a


vida dos produtos (o que é ambientalmente extraordinário), Gilson se
apodera dos objetos e dos símbolos do cotidiano e os faz de território de
criações. Com esse movimento relançou um olhar sobre o Rio de Janeiro, o
Brasil e o trabalho artesanal, este tão bem inserido em sua produção. Pelo
viés do artesanal entram em cena as parcerias do designer com cooperativas
e associações, que estão presentes em sua trajetória e em sua identidade. Seu
trabalho parece ter o reflexo do Brasil de nossos sonhos: trabalho,
criatividade, uso adequado dos recursos, integração social, paz e geração de
bem-estar.

...os estrangeiros que inspiram...

Estella McCartney
Certamente um dos nomes com maior visibilidade no cenário da
moda sustentável internacional. Filha de Paul McCartney e Linda
McCartney, Estella conviveu toda a sua vida com os ícones do pop e da
contracultura europeia e americana. Essa convivência conferiu-lhe um olhar
além do estabelecido pelo senso comum. Por mais que o movimento
ambientalista seja criterioso, a causa animal não compõe seu universo de
representatividade. Ética é a palavra certa para questionarmos a banalidade
com que matamos animais não só para alimentação como também por
esporte (caso da caça e da pesca esportiva) e para transformá-los em roupa,
em especial em casacos de pele – ainda objetos de desejo e símbolos de luxo
e glamour nos dias de hoje.
O uso de peles para proteção ou a alimentação à base de animais é
compreensível e, embora questionada pelos ativistas, não incidem sobre as
questões de fundo da moda, que são simbólicas. Entretanto, dentre os vários
produtos de origem animal usados pela indústria têxtil e de acessórios, o uso
de casacos de pele ocupa um lugar de destaque por dois motivos: pelos
significados poder, luxo e riqueza que possuem e pelo exagero de sacrifícios
envolvidos em suas produções.
Estella, criada na Inglaterra e no seio de uma sociedade onde o uso
de casacos de pele era uma constante, sempre foi simpatizante da causa
animal e hoje é uma das mais ativas representantes da PETA (People for the
Ethical Treatment of Animals – Pessoas pelo Tratamento Ético dos
Animais)44. Seu trabalho (no qual nenhum produto animal é usado)
representa hoje o contraponto elegante ao uso de couro animal, peles e pelos
em geral, ainda tão frequentes nos invernos europeus e em crescente
consumo pelas elites econômicas e políticas dos países em desenvolvimento.
Trabalha atualmente em sua própria marca de roupas e acessórios
e também nas coleções de fitness feminina da poderosa Adidas, onde impôs
seus critérios de ética e de compromisso com as causas ambientais e
animais, e em sua própria linha de produtos éticos, a CARE, que vai de
roupas a cosméticos éticos.
Martin Margiela

Embora não desfrute da mesma visibilidade da amiga Estella (os


dois se formaram juntos no London College of Fashion), Martin Margiela é
outro designer de peso na área.
Depois de trabalhar por cinco anos como free-lancer e dois anos
com Jean Paul Gaultier, em 1989 Martin lançou sua primeira coleção pela
maison que leva seu nome. Martin não fez parte do Grupo dos Seis45
(conhecidos como “Antwerp Six”), graduados pela principal escola de Moda
da Antuérpia, a Artesis Hogeschool Antwerpen, da Royal Academy, Bélgica,
que questionaram a noção de luxo do mundo da moda e suas implicações no
consumo. Entretanto, Martin foi dessa geração e compartilhou com o grupo
seus questionamentos e inovações. Juntos trouxeram para o cenário da moda
a revolucionária desconstrução da roupa e do olhar sobre a moda, revelando
seus avessos em todos os sentidos – tanto nas peças de roupas quanto no
conceito. Talvez Margiela seja o representante dessa geração que mais tenha
tido oportunidades de se expressar e impressionar. Seu discurso é tão
inovador que transcende a questão da sustentabilidade na moda e cai como
uma “luva apertada” sobre as questões da própria sociedade de consumo e
seu futuro incerto.
Mesmo audacioso e questionador, esteve à frente da direção
criativa da linha feminina do grupo Hermès, um dos mais poderosos do
mundo. Na renomada maison, o estilista criou o segmento “artesane”46, em
que as roupas são feitas a partir de artesanato, materiais comprados em
brechós de roupas e antiguidades em geral e confeccionadas totalmente à
mão.
Em 2002, sua maison foi comprada pelo grupo Diesel e Martin,
sempre muito discreto e reservado, retirou-se do mercado fashion.
Entretanto, seu legado permanece como inspiração inquestionável pelo
poder de questionar.

Katharine Hamnet
Outro nome importante e inspirador no cenário internacional é o
da inglesa Katharine Hamnet, considerada a “rainha da ecofashion” (LEE,
2009) pela capacidade de aliar criação com ativismo político na defesa de
ideais e ideias políticas, do meio ambiente e dos pequenos produtores rurais
de fibras vegetais. Hoje, de acordo com Lee (2008), ela produz uma das
coleções mais éticas que existem. Entre suas práticas estão o uso de
materiais como fibras e zíperes com certificações de orgânicos, de estampas
à base de água, a interação direta com os produtores de cânhamo47 da
Inglaterra e o cuidado na seleção das fábricas contratadas por ela para suas
produções.

De 2006 até hoje surgiram vários nomes nos cenários nacional e


internacional. Livros foram lançados com os trabalhos desses profissionais e
pesquisas foram e continuam sendo feitas. Além disso, nos últimos anos a
sociedade passou a entender melhor os conceitos do “sustentável” e os
criadores, por sua vez, passaram a compreender que nada pode ser 100%
sustentável e que qualquer prática de sustentabilidade é bem-vinda na
produção de um produto. Um tecido reaproveitado, um trabalho feito sem
exploração de mão de obra, a valorização do artesanato, da produção local,
do feito à mão; o uso de corantes naturais, de tecidos fiados a partir de
retalhos, o uso das malhas de PET reciclado, o uso de roupas de segunda
mão e várias outras atitudes e variações no emprego de materiais são
consideradas “sustentáveis” – sim. Essas reflexões mudaram, estão mudando
e estão inspirando os novos talentos do mercado e uma maneira nova de
consumir.

...marcas nacionais pioneiras e inspiradoras...

Osklen
A brasileira Osklen tem uma trajetória singular no segmento como
um dos casos mais interessantes e demonstrativos de que moda e meio
ambiente podem se unir.
A grife desenvolve materiais naturais e reciclados na produção de
suas coleções, como seda, lã e algodão orgânicos, malha PET, sementes e
couro de tilápia. Demonstrando que essas matérias-primas ecológicas podem
ser transformadas em belas criações luxuosas, a Osklen vem nos últimos
cinco anos se posicionando no setor como uma empresa de “perfil”
responsável socialmente e ambientalmente. Segundo conceito descrito pela
empresa, seus produtos e anúncios representam a luta contra o aquecimento
global e o estilo de vida da mulher e do homem contemporâneos, em um
mundo onde convivem o urbano e a natureza, o global e o local, o orgânico e
o tecnológico.
A primeira loja Osklen foi inaugurada em 1989, na cidade de
Búzios, no Rio de Janeiro. No início dos anos 90, a marca começou a ser
reconhecida pelo seu estilo inovador, de qualidade internacional, e pelos
novos conceitos de esportes de ação e aventura da época. O primeiro desfile
da grife, em 1992, levou a Osklen a ser eleita pelos jornalistas como a
melhor de moda sportswear no prêmio Rio Sul. Em 1999, a marca lançou a
coleção feminina. Desde 2003, a Osklen apresenta suas coleções no São
Paulo Fashion Week.
Seu criador e atual diretor criativo, Oskar Metsavaht, foi também
vice-presidente da Associação Brasileira de Estilistas (ABEST), conselheiro
da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT) e presidente do Instituto
E. Hoje, a Osklen tem 41 lojas no Brasil, três em Portugal, duas lojas em
Milão e uma em Nova York, Tóquio, Roma e Genebra, além de pontos de
venda na Itália, França, Espanha, Grécia e Portugal e de exportar para
Bélgica, Chile e Oriente Médio.
Um dos principais diferenciais da confecção, entretanto, é não
apenas a sua essência de marca, mas a postura de seu proprietário, Oskar
Metsavaht, que tem participação efetiva nos processos de pesquisa,
regulamentação e apoio à produção de fibras sustentáveis e de comércio
justo do Instituto E, do qual falaremos no item 2.4 deste capítulo. Além de
emprestar profissionais de sua equipe de criação e comunicação, a Osklen dá
espaço nas lojas para a coleção e-brigade, produzida pelo Instituto, assim
como para a divulgação das campanhas deste. Parte do lucro das vendas de
roupas desta coleção é revertida para o fundo de criação da ONG e-brigade,
da qual também falaremos no item 2.4.

Tree-Tap, o “couro
vegetal” de Beatriz
Saldanha e João
Fortes
A brasileira Amazon Life foi o a marca que deu projeção
internacional ao couro vegetal feito a partir do algodão e do látex colhido
por seringueiros de comunidades na Amazônia. A marca exportou o material
em forma de bolsas, carteiras e mochilas para as grandes grifes europeias.
De acordo com sua antiga proprietária, Beatriz Saldanha (2006), a empresa
contribuiu para a conservação da floresta, das culturas indígenas e dos
seringueiros.
Beatriz e seu sócio João Augusto Fortes inauguraram em 1992, no
Rio de Janeiro, a EcoMercado, uma loja pioneira em produtos ecológicos.
Foi a partir desse empreendimento que os sócios se uniram a índios e
seringueiros do Acre, em plena floresta, e criaram uma linha de montagem
que se tornou pioneira na fabricação de produtos feitos a partir do couro
vegetal, levando suas criações para o mundo.48

Aqualung
Nesse segmento está também a Aqualung, de Luca Padovano, que
começou como uma simples fábrica de camisetas com estampas de temática
ecológica. A marca teve uma trajetória que envolveu o apoio a diversos
projetos como o Projeto Tamar, o Projeto Cetáceos, o Projeto Peixe-boi, o
Projeto Baleia Jubarte e o Projeto Mamirauá, entre outros.
Após quase uma década de engajamento na defesa e preservação
do meio ambiente marinho, a Aqualung, em 1994, decidiu participar de
forma direta fundando o Instituto Ecológico Aqualung, uma entidade sem
fins lucrativos que tem como objetivo atuar nas áreas de preservação e
educação ambiental.49

Éden
Em 2008 foi inaugurada a primeira loja no Brasil com roupas
100% orgânicas: a marca Éden. Todas as peças comercializadas pela
empresa utilizam tecidos em puro algodão orgânico, coloridos com corantes
e pigmentos naturais, totalmente livres de produtos químicos nocivos. Éden
é a marca própria da YD Confecções em parceria com o Projeto Orgânico
Coexis, sobre os quais falaremos mais à frente.

...marcas internacionais...
Edun

Internacionalmente, a Edun50, fundada por Bono Vox, vocalista do


grupo de música U2, sua esposa Ali Hewson e o designer americano Rogan
Gregory, é a empresa com maior visibilidade mundial. Ela tem como missão
criar belas roupas por meio de atividades sustentáveis em regiões em
desenvolvimento no planeta, particularmente na África. A produção também
acontece em países como Índia, Tunísia, Quênia, Peru, Uganda, Lesoto,
Mauritius e Madagascar. Além disso, a marca age como uma forte voz,
incentivando investimentos do mercado da moda no continente africano
como alternativa para diminuir a extrema pobreza que afeta a região. Das
peças fabricadas pela marca, 75% são confeccionadas em algodão orgânico
certificado e as camisetas são todas 100% orgânicas. Um braço da Edun é a
campanha ONE, criada para implementar o comércio solidário no continente
Africano. Em 2006, com dois anos de existência, a campanha vendeu mais
de dezenas de milhares de camisetas, difundindo para milhões de pessoas a
mensagem de que, juntos, podemos lutar contra a extrema pobreza e
viabilizando a implementação de noções de comércio solidário e o
tratamento a vítimas da AIDS em Lesoto. Hoje, 51% das ações da Edun
pertencem ao grupo LVMH.
Patagonia

A empresa Patagonia, criada pelo americano Yvon Chouinard, foi


a pioneira em roupas sustentáveis no mundo – em 1993 a Patagonia já usava
algodão 100% orgânico em todas as suas produções e já havia substituído as
peles animais, como a da Synchilla, por pelos de poliéster provenientes da
reciclagem de PET.
A marca é especializada em roupas para escaladas e aventuras, ou
seja, está diretamente concetada ao universo ambiental. Assim, a Patagonia
inspirou, esverdeou e mostrou a viabilidade do produto sustentável no século
XX.
Hoje ela tem como objetivo alcançar o uso de materiais 100%
recicláveis em toda a sua produção. Mais um passo dado adiante é sua
atuação nos leilões online do site de vendas eBay. Toda as quartas-feiras,
clientes da Patagonia se encontram online para comprar, vender e trocar
produtos usados da marca, promovendo um modelo de negócio incomum
nas empresas de varejo.
From Somewhere

Desde sua fundação, em 1997, a From Somewhere redireciona a


visão de consumo pelo emprego de reúso, upcycling e reciclagem de rejeitos
têxteis produzidos pela indústria. Seus fundadores, Filippo Ricci e Orsola de
Castro atuam com o respaldo da British Fashion Council, e não apenas
prestam consultoria a outras marcas, como também atuam na fabricação de
novos produtos para marcas do mercado.
A empresa parte do princípio que repensar o lixo industrial é uma
das funções do design contemporâneo. Assim, emprega as tecnologias mais
modernas e sustentáveis e o trabalho manual para produzir novos e originais
produtos, feitos a partir de resíduos que ainda mantêm suas qualidades
inerentes, como restos de tecidos, retalhos, zíperes, botões, linhas, entretelas,
etc.
Com a intenção de fornecer produtos sustentáveis para aqueles que
não têm experiência na produção ética, a From Somewhere ainda fabrica
produtos para outras marcas, como a gigante marca esportiva Speedo e a
varejista Tesco, entre outras menos conhecidas no Brasil.
Illuminati II, Noir

A Illuminati II foi uma marca criada por Peter Ingwersen,


proprietário da inglesa Noir. O objetivo da Illuminati II, que é o braço
sustentável da Noir, é produzir roupas a partir do algodão orgânico fabricado
em Uganda. Peter foi pioneiro na formação de uma cadeia de fornecimento
do algodão orgânico produzido por pequenos agricultores para empresas na
Europa, onde é tecido. A diferenciação do produto, tanto da Noir quanto da
Illuminati II, é o toque de refinamento e sofisticação de suas coleções. De
acordo com seu criador (apud LEE, 2009), é preciso criar roupas eticamente
corretas, bonitas e sexy – o que não é mais caro, mas mais trabalhoso. Afinal,
a cadeia de fornecimento é diferente das tradicionais, portanto exige mais
trabalho para ser montada e administrada. Para Peter, ninguém consegue
persuadir o consumidor a adquirir roupas éticas se elas não tiverem estilo e
forem sensuais, como outros produtos concorrentes.
A visão de Peter não só é reconhecida pela imprensa europeia
como uma das mais importantes no movimento da moda sustentável como
deu origem à Fundação Noir. Essa fundação tem como objetivo fomentar a
produção de algodão orgânico na África, melhorar as condições de vida dos
agricultores e contribuir para um melhor uso dos recursos naturais.
Atualmente, a fundação envolve 4.100 agricultores com financiamentos
oriundos de uma porcentagem do lucro das vendas das roupas de algodão51.
Seus prognósticos são alcançar a meta de atender a 10 mil agricultores e
refinar cada vez mais o uso do algodão por eles fornecido.

Honest By

Criada pelo belga Bruno Pieters, ex-diretor criativo da Hugo Boss.


Após observar que a maioria das roupas comercializadas na Índia para uso
dos indianos tem origem local e procedência conhecida, Bruno se propôs a
aplicar essa transparência em uma marca ocidental. A Honest By52 busca a
sustentabilidade em toda a cadeia de produção dos produtos e diponibiliza
uma plataforma pública com informações sobre fornecedores e suas
certificações, materiais e custos.
Os materias excluem todo e qualquer uso de peles, couros ou
chifres animais. As fibras protéicas, provenientes de pelo animal e do bicho
da seda, precisam ter certificações que verificam a adequação às normas de
bem-estar animal. No que concerne ao design e às coleções, os produtos são
atemporais e projetados para serem usados durante todas as estações do ano.
Na Honest By a questão da atemporalidade é muito bem estudada e
esclarecida, por essa razão a intenção da empresa é importante e deve ser
vista com atenção.

2.3 Adequação corporativa: trabalho com moda sustentável,


parcerias e associações
A empresa representa a
escala mais eficiente para a
introdução de mudanças
fundamentais nas
modalidades do consumo.
Reformar as ferramentas do
mercado, que são o
marketing e o design, em
prol de um desenvolvimento
sustentável permitiria superar
uma primeira etapa que, hoje
em dia, parece ambiciosa
demais, quer olhemos em
direção à massa
consumidora, quer
escolhamos o sistema do
todo econômico.
(KAZAZIAN, 2005, p.27)

2.3.1 Empresas
As ações na área socioambiental das corporações que trabalham
com a indústria do vestuário e acessórios são muitas e variadas; estendem-se
pelas áreas de logística, arquitetura, consumo de energia, emissão de
carbono, gestão de resíduos, gestão da água e responsabilidade social, entre
outros. Aqui o foco é apenas no que tange a moda e indústria têxtil em suas
amplitudes, o que já é muita coisa.
Alguns varejistas na área de moda trabalham dentro de todas as
normatizações socioambientais que uma empresa deve trabalhar. No entanto,
não trabalham com o conceito de moda sustentável que estamos tratando
aqui, pois não necessariamente utilizam materiais sustentáveis em seus
produtos, não possuem uma equipe de designers e compradores conectados a
fornecedores de serviços ou materiais sustentáveis, não verificam as práticas
de seus fornecedores ou simplesmente não acreditam que é possível tornar a
moda sustentável. Essas empresas, mesmo reciclando todo o seu lixo,
mesmo trabalhando com os melhores ISOs de qualidade, mesmo
neutralizando suas emissões de gases de efeito estufa, não trabalham com
moda sustentável. Elas trabalham com “responsabilidade social” , algumas
vezes com responsabilidade socioambiental, mas não trabalham exatamente
com Moda sustentável. A empresa pode estar no caminho da
sustentabilidade, mas o produto dela não, tampouco é sua intenção mudar
seus processos de produção, rever suas escolhas de materiais ou o ciclo de
vida de seus produtos. Uma boa forma de explicar a diferença entre quem
está associado a projetos em responsabilidade social e quem está
incorporando sustentabilidade ao negócio é a seguinte: empresas que
realmente estão buscando ser mais sustentáveis estão provocando mudanças
no coração do seu negócio. Essa empresa está se perguntando “será que meu
negócio será viável daqui a 50 anos? O que eu, enquanto empresa de moda,
posso fazer pra reduzir os impactos da minha atividade”? E mais: “o que eu
posso fazer para gerar impactos positivos no meio ambiente, na sociedade e
ainda crescer economicamente com isso”? Na prática, para as empresas de
moda isso implica em mudar o design do produto, repensar a obsolescência
programada, inovar criando materiais menos impactantes, construir uma
relação diferente com fornecedores, em que todo mundo cresce e sai
ganhando... Ou seja: a diferença está no quanto se está disposto a mudar o
modelo de negócio da empresa. Um bom exemplo para essa questão é o caso
citado por Matilda Lee:
Ao elaborar sua monografia
para o curso de bacharelado
de Design Têxtil no Chelsea
College of Art, Rowan
Harland enviou um
questionário para antigos
estudantes que agora
trabalhavam como estilistas
na indústria. As questões
visavam sondar quão
conscientes os estilistas
estavam do impacto que a
indústria tinha no meio
ambiente. Ela recebeu 19
respostas e nenhum dos
entrevistados, nem as
empresas para as quais eles
trabalhavam, havia mudado
seus processos de produção
baseados em preocupações
ambientais, ainda que eles
“reciclassem os papéis”.
(LEE, 2009, p.47)

De acordo com Matilda Lee (2009), em 2007 a empresa de


consultoria em Gestão Empresarial A.T. Kearney realizou uma pesquisa com
25 empresas inglesas e descobriu que os presidentes destas acreditavam que
a sustentabilidade era uma oportunidade “top de linha”. Várias pesquisas
têm sido feitas por bancos de investimentos, consultorias, departamentos de
marketing e de desenvolvimento para comprovar a crescente importância da
implementação de políticas de responsabilidade socioambiental corporativa.
Empresas de consultoria como a Ethical Investment Research
Services, da Fundação Empowering Responsible Investment53 e a Innovest
Strategic Value Advisors LEE, (2009) vêm sistematicamente avaliando e
auxiliando as empresas na implantação, transição e adequação a uma nova
realidade. No resultado da grande maioria das pesquisas empreendidas,
especialmente a dos bancos de investimento, percebe-se que as empresas
consideradas líderes em gestão de políticas socioambientais internas e
externas têm melhor performance no mercado de ações e superam seus
competidores.
Os analistas da A.T. Kearney afirmam a viabilidade de ser ético
com dados e resultados tangíveis, como os financeiros, e intangíveis, como a
satisfação dos funcionários, por exemplo. Um dos dados que chama muito a
atenção para as empresas de moda é aquele que fala diretamente à questão
das condições de trabalho. De acordo com os analistas, a porcentagem de
empresas que descartaram fornecedores por não estarem cumprindo os
critérios de responsabilidade socioambiental em 2002 era de apenas 17%;
em 2007 a porcentagem passou para 60%. Acredita-se que futuramente ser
sustentável não será apenas uma opção, “será uma necessidade”, como diz
Matilda Lee.
A seguir veremos as principais corporações que estão inserindo
sustentabilidade ao seu modelo de negócio, ou seja, que estão trabalhando
com moda sustentável e aplicando os princípios do desenvolvimento
sustentável na esfera de seus produtos e ações.
É importante destacar que a mudança total de foco dessas
empresas ainda é um processo em construção e muito subjetivo, mas as
ações por elas promovidas são notáveis e representam movimentos
importantes dentro da moda sustentável – por menores que sejam as
iniciativas, elas demonstram comprometimento junto aos órgãos que as
certificam e às organizações parceiras e possuem enorme poder de influência
graças à vultuosidade de suas dimensões empresariais e grande exposição a
qual estão submetidas.
C&A

O comprometimento da gigante C&A Europa com a Textile


Exchange é um exemplo de adequação ao mercado. A C&A se
comprometeu, em outubro de 2007, que a partir daquele ano, do total das
compras de artigos confeccionados com algodão, 15% seriam de algodão
orgânico provenientes de países em desenvolvimento. Embora a expectativa
para 2010 fosse vender 23 milhões de artigos, a C&A comercializou 26
milhões de peças feitas com algodão 100% orgânico certificado pela OE 100
Environmental Standard, estabelecida pela Textile Exchange e reconhecida
internacionalmente.
De 2007 até hoje foram comercializados nas lojas da C&A Europa
cerca de 60 milhões de produtos, o que fez a empresa ocupar a posição de
líder global em venda de algodão orgânico. Uma análise de mercado levada
a cabo pela Textile Exchange identificou a empresa também como líder
mundial em têxteis feitos com algodão cultivado de forma sustentável, pois
além do orgânico a empresa também compra algodão com outras formas de
cultivo consideradas sustentáveis.
No varejo de roupas, o algodão orgânico, ou mesmo o algodão
apenas limpo de tóxicos, possuem um aspecto determinante: o preço final
para o consumidor que é muito mais alto. Entretanto, várias organizações
internacionais como a Shell Foundation e Textile Exchange, já citadas,
estabeleceram programas com o objetivo apoiar a transição do método de
cultivo convencional para métodos sustentáveis, especialmente em países da
África e da Índia.
A C&A destaca-se como parceira dessas instituições, participando
de acordos de cooperação com produtores agrícolas destinados a minimizar
os riscos financeiros associados a essa transição, fomentando a educação
ambiental em áreas rurais, cofinanciando programas de desenvolvimento de
sementes certificadas e projetos de irrigação ecoeficiente. Essa iniciativa já é
uma realidade em alguns países como Turquia, Uganda, Síria, Egito,
Quirguistão e particularmente na Índia, onde a exportação de algodão
orgânico tem grande representação.
Uma das metas adotadas pela C&A para dar sustentabilidade ao
programa é conseguir comercializar as peças confeccionadas com o algodão
orgânico pelo mesmo preço que comercializa peças produzida com algodão
convencional54.
Sabemos que o foco do programa é atender ao consumidor
europeu, que já demanda um novo tipo de produto têxtil. Entretanto, para se
estabelecer uma transição bem sucedida entre o plantio convencional e o
plantio orgânico é preciso muito mais do que grandes investimentos
financeiros, é preciso consciência de que a adequação é necessária e precisa
ser séria. Assim, a associação com entidades sem fins lucrativos e não
governamentais permite que a C&A foque sua atuação no que melhor sabe
fazer – a conexão entre o consumidor e o produto, gerando a demanda sem a
qual não há o que ser comercializado. Sua participação é de grande
importância para cerca de 30 mil agricultores indianos e suas famílias. Com
o objetivo de tornar real a transição do convencional para o orgânico, dentro
do programa foi criada uma organização chamada “Conexão Algodão” 55
(Cotton Connect), que fornece suporte na transferência de métodos
agronômicos e na elaboração de novas propostas de negócios56.
Grupo PPR

A minha convicção de que a


sustentabilidade agrega valor
faz parte da minha estratégia
para a PPR. A
sustentabilidade pode, e
deve, dar origem a novos
modelos de negócios e pode
tornar-se uma alavanca de
competitividade para as
nossas marcas”. (François-
Henri Pinault, diretor
executivo do grupo).
O grupo PPR (Pinault-Printemps-Redoute), considerado um dos
mais importantes conglomerados do luxo, lançou em abril de 2011 um
projeto voltado para a sustentabilidade de todas as suas marcas. O grupo
detém parte das maiores marcas de luxo do mundo, como Gucci, Stella
McCartney, Yves Saint Laurent, Balenciaga, Boucheron, Sergio Rossi,
Alexander McQueen, Bédat &Co., FNAC, Magasins du Printemps e Puma, e
está investindo inicialmente 10 milhões de Euros anuais nesse projeto, valor
que irá se somar aos investimentos individuais das marcas do grupo.
No dia cinco de junho de 2009, dia internacional do meio
ambiente, o grupo lançou o documentário Home57. Era o inicio de uma
estratégia que abriria caminho para o lançamento do projeto PPR HOME. O
documentário versa sobre o planeta Terra e trata das questões ambientais e
suas consequências sociais. No texto de apresentação lê-se: “é demasiado
tarde para ser um pessimista”. Em seguida é explicado que o objetivo do
filme é sensibilizar a opinião pública para a necessidade de preservar o
planeta por meio da alteração de hábitos de vida. Diferentemente de outros
documentários sobre o assunto, HOME é um filme que se utiliza da estética
da imagem como maior veículo de comunicação e informação. No filme não
existem cientistas dando depoimentos, nem gráficos, tampouco estatísticas
sobre os danos causados ao planeta, mas a música, a imagem e a atmosfera
do filme sensibilizam com propriedade o espectador e o fazem questionar
sobre seus hábitos diários, inclusive hábitos de consumo.
Na mesma época, a empresa fez outro movimento a favor da
sustentabilidade, mas na área da criação: Alexander McQueen era o diretor
criativo da GUCCI, também controlada pelo PPR, e em uma de suas últimas
coleções para essa marca reuniu nas passarelas resíduos sólidos produzidos
no cotidiano, como sacolas plásticas, latas de refrigerante e calotas de pneu,
e deu uma aula de consciência ecológica e estilo. Como forma de questionar
a reinvenção da moda, na qual designers “vivem para reinventar modas
antigas”58, o estilista, à frente de seu tempo e já respondendo às dicotomias
da vanguarda, provocou reflexões sobre o consumo e o descarte.
O Projeto PPR HOME é composto por quatro programas com
identidade própria, mas interdisciplinares entre si: um sobre “Ecologia”, que
trabalha a redução e compensação de emissões de carbono das empresas do
conglomerado; um relacionado à “Liderança”, que tem como objetivo alterar
a imagem corporativa do grupo e suas empresas tanto interna quanto
externamente; um sobre “Humanidade”, que tem foco em responsabilidade
socioambiental corporativa e aborda o bem-estar social, econômico e
ambiental das comunidades onde atuam as empresas do grupo; e, finalmente,
um programa ligado ao ecodesign e criatividade, o “Laboratório da
Criatividade Sustentável”.
Por meio de uma parceria com a Cradle-to-Cradle, renomada
empresa de arquitetura sustentável dirigida por Willian McDonough, o
Laboratório Criativo de Sustentabilidade possui um papel fundamental entre
os programas do projeto. Por estar baseado no princípio de que o design dos
produtos e serviços vai além do custo da qualidade e desempenho, e que a
viabilidade econômica é tão importante quanto o bem-estar social e a
preservação ambiental, o Laboratório gerencia todas as ações de mudanças
dentro do grupo e atua também na criação de novas práticas de negócios.
Na busca por soluções sustentáveis e novas definições de
consumo, o grupo PPR salta à frente de forma corajosa revendo paradigmas
e buscando novos modelos de negócios, mais sintonizados com as mudanças
da sociedade.

LVMH
Louis Vuitton Moët Hennessy S.A., ou simplesmente LVMH, é
uma holding francesa especializada em artigos de luxo, sendo atualmente um
dos mais poderosos grupos no setor. Foi formado pelas fusões dos grupos
Moët et Chandon e Hennessy e, posteriormente, do conglomerado resultante
com a Louis Vuitton. Hoje, a empresa detém o controle acionário das
seguintes marcas de moda: Dior, Louis Vuitton, Fendi, Bvlgari, Berluti,
Céline, Donna Karan, Nowness, Emilio Pucci, Givenchy, Kenzo, Loewe,
Marc Jacobs, Stefano Bi, Thomas Pink, Sephora, La Samaritaine e Le Bon
Marché, entre outras.
O Grupo LVMH vem se mostrando engajado no intuito de iniciar
uma pequena, mas não imperceptível, mudança de seus paradigmas. Nos
eventos criados pela Ethical Fashion, ONG inglesa que trabalha o conceito
de ética na área de moda, representada na França pelo Ethical Fashion Show,
já existe a participação de um reprsentante do grupo, o que é surpreendente,
uma vez que há poucos anos o mercado de luxo insistia em se manter
absolutamente distante das questões ambientais. Além da participação em
atividades sustentáveis, o grupo confirmou uma participação acionária na
marca Edun. Uma decisão estratégica que traduz a necessidade de romper
com o estilo de ostentação e iniciar um trajeto marcado pela
responsabilidade social e pela ética. Entretanto, o conglomerado ainda não
tem um projeto pragmático e producente como seu concorrente PPR.

H&M
A H&M, assim como outras importantes marcas, lança anualmente
um Relatório de Sustentabilidade. Esse relatório tem como objetivo principal
mostrar aos seus stakeholders de forma clara o empenho que a empresa tem
feito para garantir que seus produtos sejam fabricados, transportados e
vendidos de forma responsável. De acordo com seu diretor executivo, Karl-
Johan Persson, “para conseguir isso, a transparência é fundamental e nosso
Relatório de Sustentabilidade é uma ferramenta importante para mostrar
nosso progresso e desafios”.
A meta da H&M59 é em 2020 ter 100% do algodão vendido na
empresa obtido de forma sustentável. Para isso a empresa associou-se à
ONG Better Cotton60 para, assim como sua concorrente C&A, ajudar 68 mil
produtores de algodão a fazer a transição do cultivo insustentável para o
sustentável.
Em termos de uso de materiais reciclados, o último relatório,
veiculado em 2011 e referente ao ano de 2010, afirma terem sido usados boa
parte dos resíduos têxteis gerados pela empresa. Num total, 1.600 toneladas
de materiais reciclados foram destinadas à confecção de novas peças.
Vários outros aspectos estão dimensionados de maneira
sustentável nesse relatório: transporte / logística, consumo de papel, água e
energia em geral, entre outros.

Mark Spencer, Body


Shop, Gap Inc. e
Primark

Algumas das gigantes do varejo de moda vêm gradativamente


apostando em segmentos sustentáveis aparentes, ou seja, a partir de seus
produtos. Por mais surpreendente que possa parecer, os grandes
“predadores” do varejo têxtil estão se adequando às novas demandas.
Com a existência de relatórios anuais e uma boa quantidade de
agências e organizações reguladoras e certificadoras de fair trade e produtos
sustentáveis, não é muito difícil monitorar as ações de cada empresa e as
fontes irregulares de seus produtos. Talvez seja mais correto dizer que
atualmente, com as iniciativas da sociedade civil e de multistakeholders
como a inglesa Ethical Trading Initiative61 (ETI, Inciativa de Comércio
Ético), é cada dia mais difícil ignorar o que acontece em sua cadeia
produtiva.
A ETI, acima citada, existe desde 1998 e é uma das maiores
iniciativas voluntárias no setor, sendo seus membros empresas como Body
Shop, Gap Inc., Marks & Spencer e Primark. No mesmo segmento está a
holandesa Fair Wear Foundation (Fundação do Vestir Justo)62 que, assim
como a ETI, estabelece códigos de conduta, normatiza ações e promove
auditorias e planos de correções. Dessa maneira, não apenas as organizações
não governamentais são órgãos atentos de controle, mas as próprias
empresas se autorregulam e auditam, diminuindo em muito a incerteza do
consumidor sobre a veracidade de seus relatórios anuais e sobre a
viabilidade do produto ético.
Como as ações e o comprometimento do setor empresarial mudam
constantemente, a consulta permanente às fontes aqui citadas são imperiosas
para a transparência dos negócios sustentáveis na área de moda.

2.3.2 As ações da
sociedade civil e suas
parcerias
A sociedade civil, nós, abrimos trincheiras, criamos novos modos
de nos relacionarmos e de estabelecermos ideais enquanto caminhos. Neste
item trataremos de incitativas empresariais alternativas e híbridas e das
parcerias que essas novas formas de negócio propõem. Também citaremos as
associações do chamado terceiro setor (todas as organizações civis não
governamentais – ONGs – com ou sem fins lucrativos, como cooperativas,
associações de classe e outros) e seu importante papel enquanto autônomas e
em associação com empresas.
Para expandirem suas ações e cumprirem suas missões, melhorar
suas pesquisas e sua atuação junto à sociedade ou até para ganharem
credibilidade, várias empresas de varejo de moda associam-se a essas
entidades. Ambos os lados saem ganhando. A empresa ganha por poder
contar com a ajuda dos especialistas das ONGs, que entendem de assuntos
como orgânicos e fair trade, e por contemplar requisitos de responsabilidade
socioambiental – o que gera maior confiança por parte de seus públicos, que
passam a percebê-la como contribuinte para a melhoria da vida das
comunidades, a erradicação da miséria e diminuição da pobreza. O terceiro
setor ganha com divulgação, investimentos e patrocínios dos quais necessita
para promover seu desenvolvimento e sua autoestima.
Abaixo estão listadas algumas das mais significativas novas
formas de negócios, instituições do terceiro setor e as associações
provenientes delas com empresas e universidades.
Instituto E

O “Instituto E” é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse


Público (OCIP)63 e tem como objetivo a difusão de conceitos e práticas de
desenvolvimento sustentável. Dirigido pela antropóloga Nina Braga, o
Instituto apresenta projetos de aspectos ambientais e sociais que envolvem
parcerias internacionais e nacionais. Dentre eles destaca-se o projeto e-
brigade, o e fabrics e o TRACES.
A característica do e-brigade é ser um projeto de movimento, de
informação e sensibilização ambiental que promove ações para disseminar
uma cultura orientada para a responsabilidade individual e para o
desenvolvimento sustentável do planeta, transformando conceitos em
atitudes. “O e-brigade aposta numa comunicação alternativa para promover
a educação ambiental e a difusão da cultura de consumo consciente”.
O e-brigade e a ONG WWF (World Wildlife Foundation) estão
juntos em uma campanha de conscientização sobre a Amazônia, a “Amazon
Guardians”, um dos projetos ambientais de conservação e proteção da
região.
Dentre as várias iniciativas e parcerias do instituto, o e-fabrics é
um projeto permanente cujo objetivo e comprometimento direciona-se para a
moda sustentável.
O Instituto E é uma
associação civil sem fins
lucrativos, cuja missão é a
promoção do Brasil como o
país do desenvolvimento
humano sustentável. Nossas
ações orientam-se pela Carta
da Terra e pela Agenda 21. A
educação, o empoderamento
e a valorização dos diversos
saberes da nossa população,
assim como da
biodiversidade brasileira,
pautam nossas iniciativas e
projetos. Alguns dos
parceiros do Instituto são
UNESCO, ISA, Renctas,
WWF, EcoFuturo e
Associação Brasileira Terra
dos Homens. Dentre os
projetos do Instituto E, tem
lugar de destaque o e-fabrics
que pesquisa e identifica
matérias-primas e produtos
sustentáveis que podem ser
utilizados pelo mercado da
moda e pela indústria têxtil
em geral. Esses materiais são
selecionados de acordo com
critérios socioambientais,
tais como a matéria-prima
utilizada; o impacto
ambiental do processo
produtivo; o respeito às
tradições culturais dos
núcleos produtores e as
relações sociais com a
comunidade e seus
colaboradores. Atualmente,
recebem o selo e-fabrics
mais de 24 produtos e 12
comunidades, cooperativas e
grupos industriais que
compartilham destes
parâmetros de
sustentabilidade e de um
comércio justo. [...]”.
(METSAVAHT, 2008)
De acordo com Joana Camilo (2007), “o objetivo do e-fabrics é
criar a cultura de consumo consciente na sociedade”. O projeto foi incubado
entre os anos 2000 e 2006 pela Osklen e lançado em janeiro de 2007 durante
o São Paulo Fashion Week. Sua missão é contribuir na constituição de um
tripé de sucesso para a moda brasileira pelo mundo, associando design a
biodiversidade e às tradições culturais do país, assim como fomentar o
consumo consciente. Concebido como um label64 independente, o projeto
tem a intenção de comunicar e representar os valores do Instituto E,
apontando a possibilidade de geração de negócios e oportunidades aos
diversos atores da cadeia têxtil em todo o mundo.
Na prática, o e-fabrics identifica e concede uma etiqueta a todos os
tecidos e materiais cuja origem e processo de produção respeitem critérios
de comércio justo e de desenvolvimento sustentável. Além disso, faz a
interlocução entre produtores de materiais ecológicos e estilistas e suas
grifes, apresentando-lhes matérias-primas de caráter renovável a serem
utilizadas pela cadeia produtiva da moda em geral. Para receber a
identificação e-fabrics, os tecidos e materiais são avaliados a partir de cinco
critérios de conformidade:
Matérias-primas de origem sustentável, renováveis ou recicladas;
Impacto do processo produtivo no meio-ambiente natural;
Resgate e preservação da diversidade e tradições culturais;
Fomento às relações éticas com comunidades e colaboradores;
Design, atributos comerciais e viabilidade econômica.
Por não ser uma certificação, e sim um label de identificação, sua
filosofia abraça inclusive os “produtos em transição”, aqueles que estão se
adequando a uma futura certificação, seja ela social ou ambiental, mas que
ainda necessitam de massa crítica para sua viabilização. O projeto é
executado pela Environmental Directions, empresa especializada em
projetos, consultoria em estratégia e comunicação ambiental.
Atualmente o e-fabrics, em parceria com a Osklen e o Ministério
do Meio Ambiente da Itália, por meio de um programa de colaboração
ambiental entre o Brasil e a Itália estabelecido em 2004, e em colaboração
com o Senai-cetiqt e o Fórum das Américas, desenvolve o e-fabrics Carbon
Footprint and Social Impact Project (Projeto de Impacto Socioambiental do
e-fabrics). Chamado “TRACES – Projeto de pegada de carbono
socioambiental”, concebido por Nina Braga e por Martina Hauser, o projeto
promove o rastreio dos impactos ambientais e sociais do ciclo de vida dos
produtos da Osklen a partir de uma camiseta de algodão orgânico e se
estendendo por todos os demais produtos da marca.
O estudo do impacto socioambiental e do ciclo de vida desses
produtos e das comunidades onde eles são produzidos ou manufaturados
identifica onde estão os gargalos insustentáveis da produção e onde se
encontram as possibilidades de aprimoramento. O objetivo maior do projeto
é a introdução de melhorias nas condições socioambientais das comunidades
por meio dos produtos por elas gerados.
Por isso, além de responsabilidade socioambiental, o projeto
abraça com generosidade conceitos do ecodesign. Como um dos parceiros é
a própria Osklen, útero do Instituto E e do e-fabrics, a escolha dos materiais
a serem rastreados se deu em função da utilização nos produtos desta
empresa. Assim, a cadeia produtiva conhece seu consumidor final e ainda
conta com a direção criativa de uma equipe para conceber o produto
alinhado com as demandas do design contemporâneo.
Inédito no mundo, o projeto apresenta-se como um modelo de
ação nas economias emergentes no que concerne a produção têxtil e
desenvolvimento sustentável.
Instituto Ecotece

O Instituto Ecotece é pioneiro no Brasil na orientação de pesquisas


sobre o desenvolvimento sustentável da área de moda e da indústria têxtil.
De acordo com sua própria definição, o instituto é uma OSCIP, fundada em
26 de setembro de 2005, que promove o conceito do Vestir Consciente,
informando, desenvolvendo projetos e produtos, contando histórias,
valorizando o que é feito à mão e promovendo a sustentabilidade de pessoas
e do planeta.
Sua proposta está baseada na consciência de que a vida é um
tecido: “o bem que praticamos em nosso pequeno mundo tem reflexo em
todo o Universo”, como afirma sua mentora, Ana Cândida Zanesco65.
Em Setembro de 2007, juntamente com a Organização para o
Desenvolvimento da Educação e Cidadania (ODEC) e a Giral – Viveiro de
Projetos, o Instituto Ecotece iniciou o Projeto Retece, um dos mais belos do
segmento no Brasil. Seus objetivos são prolongar a vida das roupas e
otimizar recursos já existentes, bem como criar os produtos da campanha
Vestir Consciente com preços acessíveis às diversas camadas sociais,
partindo da premissa de que os produtos ecológicos e/ou orgânicos do
vestuário, atualmente, são direcionados apenas às classes A e B, com um
acréscimo de 30% no valor, em média.
Os produtos têm como matéria-prima roupas doadas e retalhos
residuais de confecções. Essas peças são “recondicionadas” utilizando as
técnicas do “retecer”: reparos, reformas e retoques. Sua oficina de costura
tem a proposta de contribuir para a conscientização e geração de renda na
comunidade. A metodologia do projeto consiste em colocar na roda o tema
do Vestir Consciente para a construção da visão local a respeito desse tema
e, assim, explorar as possibilidades em conjunto.
Além disso, os seguintes assuntos são trabalhados com a
comunidade, especialmente com as costureiras:
Roupas e meio-ambiente. Impactos e alternativas. O Retece como uma
alternativa.
A vida é um tecido! Tudo e todos são como fios que se conectam. O
bem que praticamos em nosso pequeno mundo tem reflexo em todo o
Universo.

O projeto é pautado por um dos princípios do Instituto Ecotece:


buscar a realização do trabalho em escala, propagando a proposta do Vestir
Consciente por diversas camadas sociais.
Em 2009 o projeto firmou parceria com a Companhia de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo e recebeu o prêmio
Empreendedorismo Cooperativo, sendo contemplado com recursos do Fundo
Viva o Amanhã, patrocinado pela Avon, para serem usados na capacitação
de mulheres do Jardim Santo André, em São Paulo, em ações de geração de
renda e sustentabilidade.
Coopa-Roca

A mais famosa cooperativa brasileira dentro do universo da moda


e das artes é sem dúvida a Coopa-Roca66, Cooperativa de Trabalho Artesanal
e de Costura da Rocinha Ltda.
Criada no início dos anos 80, a cooperativa surgiu como
consequência de uma bem sucedida experiência com reciclagem para as
crianças da comunidade, em 1981. Na época, a socióloga e arte-educadora
Maria Teresa Leal dava aulas para as crianças da Rocinha, na zona sul do
Rio de Janeiro, e observava o trabalho feito por suas mães, especialmente os
“fuxicos”. Foi então que retalhos de tecidos, pela iniciativa de Maria Teresa,
migraram para as mãos dessas mulheres e deram início ao embrião do que
hoje é a cooperativa (SANTANA, 2011).
Os trabalhos artesanais produzidos a partir desses retalhos
motivaram a organização do primeiro grupo de mulheres e, depois, a criação
da cooperativa na comunidade local. Hoje, a instituição soma
aproximadamente cem artesãs. Como se autodefine em seu site:
com um enfoque profissional
que valoriza a produção
artesanal apoiada no
aperfeiçoamento constante
das cooperadas, a Coopa-
Roca tem por visão ampliar o
impacto social de sua
experiência na Rocinha,
tornando-se uma referência
nacional no processo de
inserção social das
comunidades de baixa renda.

As associadas desenvolvem produtos de moda a partir de materiais


reciclados e sobras de tecidos doadas por empresas de confecção, utilizando
técnicas artesanais como fuxico, patchwork, bordado, nozinho, crochê, tricô,
tingimentos e estampas artesanais como pinturas, batik e tié dyes.
Embora a sede da cooperativa seja dentro da comunidade, é
importante ressaltar que as artesãs não se afastam de suas casas para
trabalhar – elas trabalham em casa, o que promove vários benefícios, entre
eles a proximidade com os filhos, muitas vezes pequenos, em idade não
escolar.
A gestão é participativa e todas as cooperadas têm poder de
decisão e interagem nos processos criativos e de produção. Dentre as
atividades geridas pela cooperativa estão as exposições nacionais e
internacionais que acontecem desde 2000. Para se ter uma ideia, apenas no
último ano (2011) a cooperativa participou de três importantes eventos
internacionais, sendo um na Itália e dois nos Estados Unidos.
A diretriz criativa e coordenação artística da Coopa-Roca é dada
pela iniciativa de sua cofundadora, Maria Teresa Leal, sem a qual a
cooperativa não existiria e nem chegaria aonde chegou, pois, como bem
colocou uma conhecida revista de moda, Tetê (como é chamada) é a “Fada
da Rocinha”. Uma fada com os valores que todas as fadas têm: justiça,
bondade, bom senso e uma varinha mágica chamada “DDD” – desejo,
determinação e disciplina. Foram esses princípios, associados a sua sólida
formação, que fizeram com que a nossa Tetê fosse reconhecida em todo o
mundo como uma ativista que se antecipou às questões da sustentabilidade
antes mesmo do conceito ser edificado.
Depois de ter inicialmente como parceiros o estilista Carlos Miele
e a marca Osklen, hoje a cooperativa atua junto a marcas como Lacoste e
nomes como Paul Smith, Ann Taylor, Lacroix e outros, além de ter sua
própria marca. Em março de 2012 a Coopa-Roca inaugurou sua primeira loja
buscando ampliar a visibilidade no país e o consumo local de seus produtos,
atendendo a um público que considero ainda pouquíssimo explorado no
âmbito da moda no Brasil – pessoas que vêem na roupa ética uma expressão
de seus valores.

Contextura
Fruto do desejo de suas idealizadoras e sócias-fundadoras, a Prof.ª
Evelise Anicet e sua filha, Anne Anicet, a Contextura é uma empresa
híbrida. Ela mistura arte, produtos de design de superfície, moda sustentável
e decoração. Na verdade, tudo o que a marca Contextura faz é sustentável.
Talvez seja por isso mesmo que Evelise Anicet67 a chamou de “híbrida”, e
fez questão de colocar a marca no contexto de empresa que tem por
finalidade ser viável economicamente, socialmente justa, ambientalmente
correta e culturalmente aceita.
Para uma pesquisadora que construiu a área acadêmica do Design
de Superfície e que lida com a poesia das cores e formas, cumprir esses
requisitos é uma prova de hibridismo. Significa atuar em vários níveis de
compreensão e em várias frentes, misturar decoração com oficinas para
ONGs em troca de retalhos, desfiles com exposição de artes, servir como
plataforma de pesquisa para estudos acadêmicos, calcular preços justos e
ainda gerir uma empresa dentro dos mais modernos conceitos de
administração – a horizontalidade das relações. Isso é hibridismo, sim!
A Contextura foi uma semente da atuação do Núcleo de Design de
Superfície (NDS) em pesquisa e extensão da Universidade Federal do Rio
Grande o Sul (UFRGS), que prestava consultoria para indústrias têxteis
gaúchas pelo SEBRAE desde 2004.
Com todo o conhecimento adquirido ao longo dos anos de
pesquisas e consultorias, o projeto da Contextura nasceu “como um atelier
de investigação têxtil que explora a interação entre arte, artesanato, design,
moda e sustentabilidade”68. Esse atelier virou uma empresa, mas jamais
deixará de ser um local de experimentos e reflexão, de encontro e de
interação entre usuários e designers. Uma prova de que o design
participativo existe e funciona.
Enquanto empresa, a marca cria produtos dentro dos conceitos de
upcycling e, nesse mesmo escopo, presta serviços de beneficiamentos e
consultoria, assim como trava parcerias com e para criadores da área de
moda no Brasil. Interação, integração e desenvolvimento são os lemas da
Contextura.
A criação dos produtos é sempre feita a partir de sobras de
confecções ou ateliers e resíduos industriais têxteis. Convertidos em
matérias-primas, o que era antes lixo passa a ser um novo produto através de
colagens, tratamentos de superfícies e outros experimentos continuamente
elaborados, com sensibilidade e atenção.
Os processos produtivos
utilizados seguem a mesma
filosofia e abrangem tanto a
transferência de desenhos
para novas superfícies têxteis
utilizando transfers
sublimáticos rejeitados,
quanto a composição de
texturas táteis através da
agregação de retalhos, linhas,
fios, etiquetas e demais
materiais excedentes da
indústria têxtil ou não. (...) O
trabalho é resultado de
pesquisa artística contínua e
o produto é uma moda livre
de regras do mercado, sem
velocidade, sazonalidade,
nem efemeridade. As
coleções são compostas em
sua maioria de peças únicas,
independentes das
tendências, driblando os
calendários impostos na
indústria da moda.

A questão do aproveitamento dos resíduos sólidos sempre chamou


a atenção das pesquisadoras, tanto nos trabalhos desenvolvidos pelo NDS-
UFRGS quanto na investigação têxtil realizada por Anne Anicet em sua tese
de Doutorado em Design na Universidade de Aveiro (Portugal), baseada no
upcycling dos resíduos provenientes do Banco de Vestuário de Caxias do
Sul, do qual falaremos mais adiante.
Em troca dos retalhos utilizados nas colagens têxteis que criarão
novas superfícies para a Contextura, são realizadas oficinas para as ONGs
ligadas a esse Banco, levando práticas atuais e inovadoras a comunidades
onde o aprendizado significa geração de renda e autoestima. Afinal,
trabalhar com arte e criatividade envolve indubitavelmente a valoração da
auto-estima de quem o exerce. Ao mesmo tempo, é com essa atividade que a
marca angaria parte de sua matéria-prima, trocando materiais por
conhecimento, com amor.
Assim, o trabalho da Contextura contribui para minimização da
pobreza, a diminuição do consumo de recursos naturais e com a redução dos
resíduos sólidos provenientes das produções têxteis industriais, minimizando
custos e multiplicando uma nova maneira de sentir e pensar a moda.
A dinâmica de sua gestão participativa e de seus princípios,
baseados na prática efetiva da sustentabilidade é, além de inspiração, um
trabalho não efêmero – um projeto com alma, vigor e futuro.

Justa Trama
Outra cooperativa que tem relevância neste estudo é a Justa Trama,
nascida a partir da reflexão de trabalhadores de cooperativas do setor têxtil
sobre a importância de se fortalecerem e agregarem valor a seus produtos a
partir da cadeia produtiva do setor. Após várias reuniões e debates sobre o
tema, eles idealizaram e criaram a cadeia produtiva solidária do algodão
agroecológico.
Como primeira experiência de ação, os sócios-trabalhadores se
uniram para produzir as cerca de 60 mil bolsas de algodão (tipo
convencional) distribuídas aos participantes do Fórum Social Mundial69 em
2005. Essa ação mobilizou os profissionais da Cooperativa Nova Esperança
(CONES), em Nova Odessa (SP), que ficaram responsáveis pela produção
do fio. O estágio seguinte envolveu os cooperados da Cooperativa Industrial
de Trabalhadores em Fiação, Tecelagem e Confecções (TEXTILCOOPER)
de Santo André (SP), que transformaram os fios em tecido. Na etapa final da
cadeia uniram-se 35 empreendimentos de confecção da economia social e
solidária de diversas regiões do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná,
coordenados pela Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos
(UNIVENS), de Porto Alegre (RS), para a elaboração das bolsas. No
conjunto, essa ação reuniu quase 600 trabalhadores.
A partir dessa ação, a necessidade de um projeto maior se tornou
mais sólida e a cadeia produtiva solidária do algodão agroecológico se
tornou uma realidade. A cadeia ficou completa com a adesão dos produtores
familiares da Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de
Tauá (ADEC), nos municípios de Choró, Quixadá e Massapé (CE).
Banco do Vestuário
de Caxias do Sul

Com o objetivo de integrar esforços no sentido de promover uma


melhor qualidade de vida para a comunidade, aumentar a profissionalização
do setor de vestuário, gerar renda e dar um destino produtivo aos resíduos
têxteis locais, foi criado em 2009 o Banco do Vestuário de Caxias do Sul. O
projeto é resultado da união da Prefeitura da cidade, a Universidade de
Caxias do Sul (UCS) e outras entidades70.
Criado com base nos modelos de bancos sociais do sistema
71
FIERGS , o órgão centraliza os resíduos com possibilidade de
aproveitamento gerados pelas indústrias têxteis locais e os utiliza em cursos
de formação em corte e costura e tecelagem, entre outros. As oficinas são
realizadas com parceiros como a UCS e o projeto Contextura, de Porto
Alegre. A utilização dos resíduos em cursos promove a capacitação de
pessoas, especialmente mulheres ligadas às 130 entidades cadastradas, como
clubes de mães, associações de bairros, grupos de artesanato e economia
solidária, centros comunitários e penitenciários.
Com dois anos de existência, o Banco já formou 153 pessoas para
atuar na área de moda e 35 pessoas para trabalhar com tear visando atender à
área de decoração. O órgão arrecadou aproximadamente 72 dos mais
diversos tipos de resíduos provenientes de 50 empresas cadastradas.
A iniciativa é muito interessante porque une os três setores –
governo, empresas e sociedade civil organizada – em torno de um projeto
que contempla toda a comunidade e cujas raízes estão na Universidade, onde
é foco de pesquisa

Greenpeace
Em 2007 0 Greenpeace engendrou uma ampla campanha por toda
a Europa chamada “Moda sem Tóxico”. Talvez a maior e mais importante
campanha da ONG no setor têxtil. Além de promover desfiles, fotos e mídia,
o grupo conseguiu junto ao parlamento da União Europeia criar restrições
para a importação de algodão ou tecidos feitos de algodão cultivado com os
pesticidas condenados pelas pesquisas e/ou com mão de obra sem condições
adequadas de trabalho.
Lançada em junho de 2011, a Detox é a atual campanha do
Greenpeace72 envolvendo a indústria têxtil. Com a intenção de combater a
poluição das águas ao redor do mundo por meio de acordos com as
indústrias, aplicação de leis e interrupção de uso de determinados produtos, a
campanha expôs claramente a ligação entre os beneficiamentos da indústria
têxtil e a poluição das águas em alguns países, em especial na China.
Em resposta à crescente difusão midiática da campanha
internacionalmente, as marcas Nike, Adidas, Puma, H&M, C&A e Li-Ning
se comprometeram a apoiar as ações do Greenpeace.
Entre as mais sérias ONGs internacionais, o Greenpeace
certamente é o órgão com maior alcance de mídia. Ele geralmente consegue
adesões rápidas às suas campanhas, pois as empresas temem as
consequências de uma exposição negativa. Posteriormente, outras
instituições, como a WWF e a Nature Conservancy73, cobram das partes
comprometidas as ações necessárias para o combate à degradação do meio
ambiente.
RITE

O grupo Reducing the Impact of Textiles on the Environment74


(RITE) – Reduzindo os Impactos dos Tecidos no Meio Ambiente – é
formado pela Universidade de Leeds, Reino Unido, pela empresa Mark &
Spencer e pela revista Ecotextile News75. Como o próprio nome diz, o RITE
atua na área de forma sistemática publicando novas pesquisas, abrindo
espaço para estudantes de moda e engenharia têxtil e, especialmente,
difundindo informações científicas.
Outros

Três outras organizações não governamentais que trabalham


dentro do conceito de fair trade e de desenvolvimento sustentável merecem
ser listadas aqui como detentoras de credibilidade internacional. Suas ações
são certificadas pelas mais importantes instituições de comércio justo do
mundo e os trabalhos desenvolvidos agregam os elementos do design às
tradições das comunidades onde atuam. São elas:
Minka Fair Trade – a peruana Minka tem exercido um papel
fundamental no combate à pobreza em algumas comunidades peruanas
isoladas. Atualmente, mais de 3.000 artesões estão inseridos no trabalho
da Minka, que vem organizando as relações de trabalho e as formas de
comércio justo na América do Sul há mais de três décadas.
People Tree – uma ideia simples. Pioneira do comércio justo e da moda
sustentável no mundo, foi fundada em 1991, no Japão, por Safia
Minney. Desenvolve produtos com 50 grupos de artesões em 15 países.
IOU Project – baseada em Madri, Espanha, o projeto fabrica e
comercializa peças feitas à mão na Índia. Sem intermediários e com a
identificação individual de cada artesão em cada roupa por ele feita, o
projeto gera renda para todos os envolvidos e é um dos mais novos e
tecnológicos no setor.
22 www.spfw.com.br/.

23 www.spfw.com.br/noticia_det.php?c=1260

24 A Monsoon é uma marca inglesa que sempre trabalhou nos moldes do fair trade; atualmente,
graças a sua parceria com a Accessorize, possui mais de 1200 lojas pelo mundo (nota da autora).

25 www.thegreenshows.com/about_us.htm

26 Estilo de vida criativo e sinergias sustentáveis – tradução da autora.


27 Dados da n’feiras, disponível em: www.nfeiras.com/moda/

28 www.ecomoda.ceart.udesc.br/?cat=15

29 http://modasustentabilidade.blogspot.com/2009/10/mnoda-sustentabilidade-e-inclusão.html

30 www.sustainable-fashion.com

31 www.sustainable-fashion.com

32 www.esmod.de/en/berlin/study-courses/ma-sustainability-fashion
33 www.coloquiomoda.com.br

34 http://textileexchange.org/

35 A norma enfatiza que a responsabilidade ambiental é um pré-requisito para a sobrevivência e


prosperidade dos seres humanos, e que, portanto, é um aspecto importante da responsabilidade social.

36 Tradução livre da autora

37 Global Reporting Initiative (GRI) é o modelo de relatório de sustentabilidade mais completo e


mundialmente difundido. Considera-se o GRI a principal ferramenta de comunicação do desempenho
social, ambiental e econômico das organizações. (Instituto ETHOS, disponível em
http://www1.ethos.org.br/EthosWeb/pt/1400/o_instituto_ethos/o_uniethos/o_que_fazemos/cursos/relat
orio_gri/relatorio_de_sustentabilidade_gri.aspx.
38 AA1000 é uma norma de desempenho social criada em 1999 pelo Institute for Social and Ethical
Accountabily da Inglaterra, uma organização não governamental especializada na Responsabilidade
Social e Ética. A organização foi fundada em 1995 para promover inovações na prestação de contas,
bem como avanços nas práticas de negócios responsáveis e na prestação de contas da sociedade civil e
de órgãos públicos. É formada por 350 membros, entre empresas, ONGs e organismos de pesquisa que
elegem um conselho composto por representantes do Brasil, Índia, América do Norte, Rússia, África
do Sul e Europa (Accountability, disponível em: www.accontability.org/about-
us/publications/aa1000.html

39 A primeira Lixo foi inaugurada em Ipanema e posteriormente foi inaugurada uma filial em
Copacabana.

40 www.ronaldofraga.com.br

41 Talentos do Brasil - Portal do Ministério do Desenvolvimento Agrário, disponível em:


www.mda.gov.br/portal/saf/programas/talentosdobrasil.

42 Ítem 2.4 deste capítulo


43 Ítem 3.4 do terceiro capítulo

44 PETA, organização não governamental dedicada aos direitos dos animais fundada em 1980. Seu
objetivo é mostrar ao mundo que os animais não são nossos para que os comamos, usemos como
roupas, usemos para experimentos em laboratórios ou para nosso divertimento. Pregam a ética e
defendem os animais em campanhas que envolvem celebridades e protestos públicos. Hoje a PETA
conta com mais de 2 milhões de seguidores.

45 Eram eles: Ann Demeulemeester, Dirk Van Saene, Marina Yee, Dries Van Noten, Walter Van
Beirendonck e Dirk Bikkembergs. Disponível em: www.bikkembergs.com

46 www.maisonmartinmargiela.com/en

47 Cânhamo ou cânhamo industrial é o nome que recebem as variedades da planta Cannabis e o nome
da fibra que se obtém a partir destas, que tem, entre outros, usos têxteis.
48 O Tree-Tap, ou Couro Vegetal, será abordado novamente no capítulo 3.

49 www.institutoaqualung.com.br

50 www.edunonline.com

51 www.noir.dk/illuminati2.php.

52 www.honestby.com/

53 www.eiris.org
54 Em abril de 2012, na C&A Paris, filial Rivoli, procurei por camisetas de algodão orgânico. Não
havia uma arara específica com produtos orgânicos, como em outros anos, tampouco prateleiras com
indicações. Encontrei as camisetas orgânicas separadas em prateleiras discretas, juntamente com
outras prateleiras de camisetas comuns; o que as diferenciava era um simples tag com o termo “bio
cotton” (algodão orgânico). O preço das peças se diferenciava das similares de algodão convencional
em menos de um euro e, dependendo do feitio, eram até mais baratas. O fato de a apresentação
espacial do orgânico dentro da loja ter sido, nesta empresa, incorporada à dos produtos convencionais
e a crescente queda dos preços me impressionou bastante. Acompanho a promoção, a oferta e os
preços desses produtos há alguns anos e é possível que até o final de 2012 eles cheguem ao
consumidor pelo mesmo preço de um produto convencional. (nota da autora).

55 Tradução livre da autora

56 www.c-and-a.com/uk/en/corporate/company/our-responsibility/protecting-the-environ-
ment/organic-cotton/

57 www.youtube.com/user/homeproject

58 Frase atribuída ao estilista Alexander McQueen (nota da autora).


59 Triple Pundit, disponível em: www.triplepundit.com/2011/04/hm-releases-latest-sustainability-
report/.

60 www.bettercotton.org/index/178/portugu%C3%AAs.html

61 www.ethicaltrade.org

62 www.fairwear.org

63 De acordo com o Sebrae, as OCIPs caracterizam-se normalmente por serem organizações


constituídas para fins não econômicos e finalidade não lucrativa, em grande medida com trabalho
voluntário e dependentes financeiramente, na maioria das vezes, de doações privadas e/ou estatais.

64 Marca ou etiqueta de identificação


65 Instituto Ecotece, disponível em: www.ecotece.org.br

66 Coopa-Roca, disponível em: www.coopa-roca.rj.gov.br

67 Em entrevista à autora em março de 2012.

68 www.contextura.art.br/?pg=quem_somos

69 O V Fórum Social Mundial foi realizado em Porto Alegre entre os dias 26 e 31 de janeiro de 2005.
Na marcha que marcou o início do Fórum estiveram presentes mais de 200 mil pessoas. No total,
foram 155 mil participantes cadastrados, sendo 35 mil integrantes do Acampamento da Juventude e
6.823 comunicadores. Cerca de 6.872 organizações de 151 países estiveram envolvidas em 2.500
atividades, distribuídas entre os 11 espaços temáticos do Território Social Mundial.
http://www.forumsocialmundial.org.br
70 CODECA, FAS, FITEMASUL, Fundação Caxias, Polo de Moda da Serra Gaúcha, SENAI e
SINDIVEST por meio das Secretarias do Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Emprego.
Disponível em: http://www.caxias.rs.gov.br/desenv_economico/texto.php?codigo=194.

71 Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul. Fonte:


www.fiergs.org.br/rede_atendimento_fiergs.asp.

72 www.greenpeace.org/international/en

73 www.nature.org

74 http://new.ritegroup.org/www.ecotextile.com

75 www.ecotextile.com
CAPÍTULO 3

PRINCIPAIS MATERIAIS, MATÉRIAS-PRIMAS E SERVIÇOS


CONSIDERADOS SUSTENTÁVEIS NA MODA E SEUS
ASPECTOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E AMBIENTAIS
Dentre todas as tendências que emergem, nenhuma tem ou teve
crescimento tão vigoroso quanto o algodão orgânico; o couro vegetal,
elaborado a partir do látex extraído por comunidades de seringueiros na
Amazônia; a fibra de poliéster obtida da reciclagem de garrafas PETs; a
utilização de retalhos e sobras de tecidos para fiação de novos fios e,
finalmente, as práticas de reúso, reforma, e o bem-vindo upcycling.

3.1 Algodão orgânico


A produção do algodão orgânico parece ser a única alternativa
sustentável para o fornecimento dessa fibra no mundo, pois, como veremos,
alia viabilidade econômica, preservação ambiental e bem-estar social – que,
como já foi abordado no início do livro, é o tripé sobre o qual se fundamenta
o conceito de desenvolvimento sustentável.
A iniciativa do algodão orgânico teve início nos Estados Unidos e
na Turquia em 1989. Foram os próprios agricultores que decidiram dar início
a essa produção em função de problemas de saúde decorrentes do uso de
agrotóxicos. Hoje em dia, os Estados Unidos não só usam técnicas
desprovidas de agrotóxicos de alto impacto no plantio tradicional como
cultivam todo o algodão orgânico que consomem. Já os países da União
Europeia, por não serem produtores, apóiam a produção de algodão orgânico
em países em desenvolvimento por meio de agências governamentais e não
governamentais. Além disso, regulam o algodão que importam: só adquirem
aqueles que tenham sido cultivados sem o uso de organofosforados,
endosulfan e carbamatos (mencionados no primeiro capítulo).
Por meio de colheitas alternadas e métodos ancestrais, como adubo
feito de esterco ou de outros produtos naturais provenientes do próprio local,
o algodão orgânico, diferentemente da tradicional cultura de algodão, é
cultivado dentro de um sistema que fomenta a atividade biológica, exigindo
um manejo diferenciado do sistema de produção convencional. As plantas,
assim como o solo, quando nutridas com adubos orgânicos ficam mais
resistentes a pragas; entretanto, ainda é necessário se valer dos predadores
naturais dessas pragas e de outros recursos que não quebram a harmonia dos
ciclos naturais. É importante ressaltar que o produto orgânico, por lei, não
pode estar contaminado com organismos transgênicos, pois a contaminação
genética é uma grande ameaça aos sistemas agroecológicos.
Com a eliminação dos pesticidas e de outros produtos químicos
danosos dentro dos processos de manejo, os sistemas orgânicos contribuem
para a saúde do solo, das águas dos lençóis freáticos e do ar que os
agricultores respiram. Logo, contribuem também para a saúde das pessoas.
Dados do Instituto E revelam que esse tipo de cultivo evita o adoecimento de
cerca de 250 mil agricultores ao ano, que seriam contaminados pelo
manuseio dos venenos utilizados no controle de pragas.
Ao contrário dos métodos adotados em larga escala, o cultivo do
algodão orgânico não agride o meio ambiente e contribui para uma melhor
qualidade de vida de seus produtores. Em geral, essa fibra é produzida e
comercializada por cooperativas, ONGs e outros órgãos ligados ao comércio
de orgânicos ou dentro do escopo de comércio justo (fair trade), que
promove uma relação mais justa entre os pequenos produtores e o mercado.
Na maior parte do mundo, o cultivo do algodão orgânico está
inserido dentro da chamada agricultura familiar, constituída por pequenos e
médios produtores, um segmento que detêm 20% das terras e 30% da
produção agrícola global76. Atuam junto aos agricultores familiares vários
órgãos governamentais, instituições de ensino e pesquisa, associações e
ONGs, constituindo na prática a fórmula mais adequada para a produção
desse tipo de algodão – desde a preparação da terra para o plantio, condução
da lavoura no campo, colheita e processamento até o preço justo e a
manufatura de peças para o mercado local e internacional.
Os agricultores familiares que atuam no cultivo e comércio de
algodão orgânico instituem uma nova organização social e de produção, mas
dependem de uma demanda de consumo para se inserirem no mercado.
Tanto a inserção no mercado quanto o avanço da produção estão ligados ao
desenvolvimento tecnológico e às condições político-institucionais de
crédito, informações, canais de comercialização, transporte, energia, difusão
do produto e, especialmente, de um consumidor comprometido com as
ansiedades coletivas por um mundo mais sustentável em seu espaço privado
de arbítrio na aquisição de bens materiais.
Percebe-se, então, que a construção e fortalecimento da cadeia
produtiva do algodão orgânico dependem do desempenho conjunto de
diferentes elos de uma complexa cadeia de interesses e atores. A demanda
do algodão orgânico pode ser a base sobre a qual se edifica e se justifica toda
a cadeia produtiva. Assim sendo, o cenário de consumo de produtos
orgânicos, em especial de produtos de vestuário confeccionados com
algodão orgânico, talvez seja o mais intrínseco e importante no fomento da
sustentabilidade nessa área.
3.1.1 Diferenças do
cultivo do algodão
convencional
e do algodão
orgânico.

Aparentemente não existe nenhuma diferença entre os dois tipos


de algodão. É comum o consumidor pensar que o algodão orgânico não é
branco, e sim “cru”, ou seja, sem nenhum alvejante. Entretanto, essa crença
não é fundamentada, pois muitos dos artigos confeccionados com algodão
orgânico são tingidos e passam por processos tradicionais da indústria, como
os que dão acabamento ao jeans e aos tecidos coloridos. O que diferencia o
algodão orgânico do convencional é a forma de cultivo. O quadro 1 mostra
essas diferenças.
      
Algodão convencional  Algodão orgânico 
     
Sementes  • Tratamento com fungicidas ou inseticidas • Não recebe tratamento químico
• Uso de sementes transgênicas  • Não utiliza sementes
transgênicas 
     
Solo e • Desgaste do solo por predominância de monocultura • Fortalece o solo com rotação de
água  • Requer irrigação culturas
• Uso de fertilizantes químicos  • Retém água com matéria
orgânica para adubar o solo
• Uso de adubo orgânico e/ou
composto orgânico produzido no
próprio local 
     
Controle • Aplicação de herbicida no solo para inibir a • Capina manual de ervas
de ervas germinação daninhas
daninhas • Aplicação de herbicida nas ervas daninhas que • Armadilhas de controle de
germinam  pragas 
     
Controle • Uso intensivo de pesticidas, responsável por 25% do • Mantém o equilíbrio entre as
de consumo mundial de agrotóxicos pragas e seus predadores naturais
pragas  • Os pesticidas mais usados têm alto índice de por meio da manutenção da saú
toxidade; cinco deles são cancerígenos de do solo
• Os produtos químicos tóxicos são aplicados em • Utilização de controle biológico
forma de aerossol – no ar, eses compostos alcançam a com insetos benéficos
casa dos agricultores, a comunidade e a vida selvagem • Cultivo de plantas que atraem os
nos arredores.  insetos e os mantêm longe da
lavoura de algodão. 
     
Colheita  • Desfolha procedida com uso de produtos químicos  • Desfolha procedida
manualmente 
Quadro 1: Diferenças de cultivo entre algodão convencional e
algodão orgânico. Fonte: Instituto Ecotece – 2011

3.1.2 Certificação do
algodão orgânico

A certificação é a garantia da procedência e da qualidade orgânica


de um produto natural ou processado. Na certificação, produtores e
processadores são inspecionados e orientados segundo as normas de
produção orgânica. O consumidor tem a comprovação de que se trata de um
produto sem contaminação química, cuja produção respeita o meio ambiente
e o trabalhador.
A rigor, somente o algodão que tenha sido inspecionado e
certificado por uma organização credenciada pela IFOAM (International
Federation of Organic Agriculture Movements) está autorizado a receber o
selo orgânico. No Brasil, a Associação de Certificação Instituto Biodinâmico
(IBD) é única entidade habilitada internacionalmente a conceder a
certificação para produtos orgânicos. O IBD é uma instituição 100%
brasileira e sem fins lucrativos, que desenvolve atividades de inspeção e
certificação agropecuária, de processamento e de produtos extrativistas,
orgânicos, biodinâmicos e de mercado justo (fair trade).
O IBD é validado por quatro organismos internacionais77:
IFOAM - Federação Internacional de Movimentos de Agricultura
Orgânica, acreditação da maior rigidez para certificadoras de produtos
orgânicos.
DAR – Deutsche Akkreditierungsrat, órgão com alta competência de
credenciamento de certificadoras da Alemanha, que garante aos
produtos certificados IBD acesso a todos os países da Comunidade
Europeia. O DAR verifica se o IBD aplica as Normas ISO 65, para
certificadoras do regulamento orgânico CE 834/2007.
USDA - United States Department of Agriculture, que garante aos
produtos certificados IBD acesso ao mercado norte-americano
Demeter International, que garante a certificação de produtos
biodinâmicos com a marca DEMETER.
São as principais exigências da certificação IBD:
desintoxicar o solo;
não utilizar adubos químicos e agrotóxicos;
atender às normas ambientais do Código Florestal Brasileiro;
recompor matas ciliares, preservar espécies nativas e mananciais;
respeitar as normas sociais baseadas nos acordos internacionais do
trabalho;
respeitar o bem-estar animal;
desenvolver projetos sociais e de preservação ambiental.

Para o algodão receber a certificação de orgânico deve ser


considerada toda a regulamentação exigida para os demais produtos
alimentares orgânicos. Por isso, os materiais proibidos neste tipo de
agricultura também não podem ser utilizados no algodão, bem como nas
outras culturas em rotação na mesma área. Para se receber a certificação, o
solo também é avaliado. Ele deve estar livre de agrotóxicos há um
determinado período, que varia de acordo com a lei de cada país:
Brasil: um ano
Europa: dois anos
EUA: três anos
3.1.3 Panorama
atual do cultivo do
algodão orgânico

De acordo com dados do relatório de 2008 da Organic Exchange, a


produção da fibra de algodão orgânico vem praticamente dobrando
anualmente nos últimos cinco anos. A partir de 2008 a maior parte da
produção mundial foi consumida por empresas varejistas como C&A, Wal-
Mart H&M, M&S, Nike e Gap Inc., entre outras. O uso de produtos
orgânicos têxteis vem deixando de ser uma alternativa que atendia a um
número específico de marcas e empresas que investiam na sustentabilidade
para atender de forma imperativa a conglomerados com grande significância
no setor.
Mesmo que na esfera global o mercado já esteja se adequando a
reorganizações de produção-consumo e constituindo novas políticas
governamentais de regulação, tanto mundialmente como no Brasil os têxteis
orgânicos ainda se encontram em desequilíbrio, seja no lado da oferta ou no
lado da demanda. A incorporação de valores também recentes no comércio
internacional, como o fair trade, a restrição ao trabalho infantil e o conceito
de empresa responsável, entre outros, tendem a aumentar a demanda por
produtos diferenciados, podendo promover novos rearranjos contratuais.
A estabilização desse mercado enfrenta uma série de restrições, a
começar pelo baixo poder aquisitivo da maior parte dos consumidores e à
ainda pequena adesão destes às práticas de consumo consciente. De acordo
com a pesquisa de Célia Souza, de 1998, a restrição da oferta de têxteis
orgânicos deve mantê-los como um nicho, já que sua expansão é limitada
pelas dificuldades de produção e especificidades geográficas. Além disso, a
manutenção do lucro sobre o preço de mercado é o principal estímulo à sua
produção, com tendência de divisão dos custos maiores de produção entre os
segmentos produtivos e os consumidores. Ou seja, o custo final do produto
orgânico é maior que o do algodão convencional. Sabe-se que muito vem
sendo feito na tentativa de erradicar o uso de determinados agrotóxicos no
Brasil, em especial nas cotoniculturas. Assim, existe a possibilidade
constante de novas normas serem criadas para o cultivo do orgânico e/ou
agroecológico no Brasil, Considerando a importância e frequência das
discussões na área, novas regulamentações e adequações estão sendo
feitas78.

3.1.4 Algodão
orgânico no Brasil
Segundo Sylvio Nápole, gerente de tecnologia da Associação
Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções79, a produção de algodão
tradicional no país é de 800 mil a 1 milhão de toneladas por ano, enquanto a
oferta do orgânico não chega a 50 toneladas anuais. Nos último dois anos, o
crescimento de cerca de 30% na produção pode parecer promissor, mas a
área plantada de algodão ainda é pequena se comparada a outros países. As
políticas econômicas não privilegiam o financiamento aos pequenos
produtores, tampouco as cooperativas que trabalham no segmento.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) tem
consolidado várias pesquisas na área do algodão orgânico no interior da
Paraíba há algumas décadas. Entretanto, a produção no país ainda é bastante
insipiente, não chegando sequer a suprir a demanda das marcas de moda que
se interessam na aquisição desse produto.
Existem, por enquanto, aproximadamente apenas 250 ha de cultivo
de algodão orgânico inspecionados e certificados pela Associação de
Certificação Instituto Biodinâmico (IBD), os quais estão distribuídos nos
seguintes projetos80:

Coopnatural
Cooperativa de Campina Grande (PB) que trabalha com
confecções de algodões coloridos da marca Natural Fashion. O Consórcio
Natural Fashion foi fundado com o objetivo de fortalecer as empresas têxteis
e de confecções da cidade de Campina Grande para enfrentar a concorrência
acirrada no mercado externo. Com essa pretensão, membros do consórcio
buscaram um produto que pudesse servir como diferencial competitivo para
esse grupo, ou seja, o algodão colorido. O Consórcio cresceu e foi necessária
a criação de uma cooperativa de produção para que a entrada de novos
parceiros e a comercialização crescente dos produtos fosse viabilizada. Hoje,
a Coopnatural conta com 35 cooperados, sendo 25 fabricantes no setor têxtil,
mais especificamente, confecções femininas, masculinas, infantil,
decorações e acessórios. A pesquisa do algodão colorido foi realizada pela
EMPRAPA.

Programa Orgânico
Coexis
Desenvolvido e apoiado pela empresa Têxtil Coexis P&D Ltda.,
responsável pelo selo NOW (Natural Organic World), que certifica têxteis
orgânicos segundo normas internacionais, o programa contempla desde o
cultivo de matérias-primas até a confecção de produtos. Em parceria com
associações, cooperativas de agricultores orgânicos, indústrias, instituições
governamentais e ONGs, o Programa Orgânico Coexis promove a
sustentabilidade na produção de insumos como algodão orgânico e corantes
naturais, em diversas regiões do Brasil. Todos os produtos da Coexis
possuem a certificação internacional própria dos orgânicos81.

YD Confecções
A YD Confecções é uma empresa de grande porte do setor de
moda (350 mil peças de roupas por mês), atendendo clientes nos segmentos
de marcas, magazines e hipermercados e empregando mais de 600
colaboradores nas unidades de produção em Conchas (SP) e São Paulo (SP).
A YD possui o selo NOW em sua linha de produtos orgânicos e atualmente é
a proprietária da marca Éden.

Apesar de iniciativas como essas, de acordo com Oskar Metsavaht


(2008)82, os índices de produção de algodão orgânico em nosso país são
irrisórios, e o pouco que é produzido sequer atende à demanda de um dia de
produção de um grupo têxtil de médio porte. Além disso, os fornecedores se
encontram pulverizados em empreendimentos isolados, sem conexões nem o
apoio de uma rede ou uma política de incentivo governamental.
Estamos perdendo terreno
para os demais países
emergentes que se
aperceberam e já se
organizaram para atender a
esta inequívoca tendência de
demanda. Tanto que algumas
de nossas indústrias têxteis
não têm tido outra opção que
não a de trabalhar com
matéria-prima importada do
Peru, Turquia e Índia. Assim,
oportunidades de trabalho, de
emprego, de inclusão social,
de geração de renda têm
lugar em outras nações que
não a nossa. Nos países
citados foram implantadas
políticas públicas, em
consonância com o setor
privado, de incentivo ao
plantio e comercialização do
algodão orgânico.
(METSAVAHT, 2008)

De acordo com os dados do Instituto Ecotece, no Brasil,


atualmente, os projetos de algodão orgânico só vendem a peça pronta, não
vendem o tecido. Entretanto, de acordo com o Instituto E, há vários tecidos
feitos com algodão orgânico no Brasil. A seguir uma lista desses produtos:
Algodãozinho
Orgânico

Nome genérico utilizado para denominar qualquer tipo de tecido


cru com fibras de algodão. O algodãozinho orgânico é antialérgico no
contato com a pele na medida em que não se empregam produtos químicos
em sua composição. A utilização de corantes naturais e até mesmo a
existência de algodões que já nascem coloridos conferem alternativas de
cores aos algodões crus.
Brim Natural em
Algodão Orgânico

O algodão orgânico possui os mesmos atributos da fibra


convencional, com a possibilidade da confecção de diferentes tecidos planos,
como o brim. Tecido resistente, assemelha-se ao coutil, jeans ou denim.
Atualmente, além de usado em calças, bermudas, uniformes, etc., é muito
utilizado para decoração, toalhas de mesa, guardanapos e fundo de palco,
entre outras aplicações.
Linhão em Algodão
Orgânico

Um tecido proveniente das fibras mais longas do linho. O linhão


possui aspecto rústico, é muito resistente e confortável. Também é de fácil
manuseio, não encolhendo ao lavar. Usado em confecções para produzir
cortinas, rouparia doméstica, lenços, etc.
Malha Piquet em
Algodão Orgânico

O Piquet, cujo nome é originário da França, é um tecido jacquard83


e sua marca é o aspecto de “costura” ao redor dos motivos. É muito utilizado
para aumentar os efeitos de alto-relevo. Possui uma aparência e textura que
favorecem seu uso em camisas de gola pólo.
Malha Ribana em
Algodão Orgânico

Esse tipo de malha é feito em teares de dupla frontura, ou seja,


uma face da malha é diferente da outra, que podem ser trabalhadas ou lisas.
O tecido possui alongamento e elasticidade que possibilitam que se molde e
acompanhe os movimentos do corpo. Assim, a malha ribana, também
conhecida como “malha sanfonada”, é utilizada para acabamentos de golas e
punhos. Ela leva em sua composição 3% de elastano, quantidade permitida
nos padrões de tecidos orgânicos.
Meia Malha em
Algodão Orgânico

A meia malha, mais conhecida como Jersey ou Jérsei, é um tecido


de malha leve e de ligamento simples, muito usado para lingeries.

Sarja Natural em
Algodão Orgânico
Tecido básico e versátil que apresenta um excelente caimento, um
ótimo aspecto após lavagem e que combina com qualquer tipo de clima.
Muito usado também em estofados, cortinas, almofadas, etc.

3.1.5 Algodão
agroecológico
De acordo com Lima (2008), o algodão agroecológico é aquele
cultivado em sistemas de manejo que preenchem os requisitos para a
certificação orgânica, porém não é certificado como tal, seja por falta de
recursos dos agricultores para arcar com os custos da certificação ou porque
o comprador da fibra dispensa o selo. Nesse tipo de cultivo, muitas vezes os
próprios produtores se autocertificam.
No Brasil, trabalham no sistema de cultivo do algodão
agroecológico:
ESPLAR: organização não governamental, sem fins lucrativos, fundada
em 1974, com sede em Fortaleza (CE). Atua diretamente em
municípios do semiárido cearense, desenvolvendo atividades voltadas
para a agroecologia, à serviço da agricultura familiar, pesquisa e
assessoria.
ADEC: Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural,
formada por agricultores(as) familiares agroecológicos e responsável
pela compra do algodão em rama, bem como pelo beneficiamento e
venda da pluma.
Justa Trama – Fibra Ecológica: consórcio de cooperativas.

Mesmo sem a certificação de orgânico, o algodão agroecológico


vem ganhando mercado no Brasil. Apoiado recentemente por duas empresas
estrangeiras (ambas francesa) que trabalham no segmento de mercado justo
(fair trade), esse mercado vem se expandindo e apresentando números
incentivadores. O maior projeto no Brasil é o da ADEC, no interior do
Ceará, que vem recebendo assessoria da ESPLAR com o envolvimento da
empresa francesa Veja Fair Trade e da nacional Justa Trama. De acordo com
Lima (2008), após a inserção do algodão no comércio justo e mercado
solidário, o número de agricultores familiares envolvidos nesse projeto vem
crescendo de forma consistente, passando de 97 participantes em 2003 para
245 em 2007. Em relação à produção, o autor afirma que de modestos 7.000
kg em 2003, a produção passou para 43 mil kg em 2007.
Nos demais estados do nordeste várias cooperativas vêm sendo
fundadas, assim como associações e outras formas de organização social.
Apoiados por ONGs, diversos grupos da região vêm produzindo algodão
agroecológico e se estruturando para comercializá-lo. A diferença básica que
vem sendo apresentada entre o algodão agroecológico e o orgânico é, em
especial, o tempo de descanso do solo, também chamado de “período de
pousio”, pois não são todos os produtores que podem esperar o tempo
estipulado para sua recuperação.

3.2 Couro vegetal fabricado a partir do látex (tree-tap)


O couro vegetal, também chamado tree-tap (árvore-torneira ou
vindo da árvore, em uma tradução informal) é um produto obtido por meio
do revestimento de tecido de algodão (ou outra fibra natural) com látex
extraído da seringueira (Hevea spp.). O processo de fabricação envolve
também uma vulcanização84 associada à defumação. É um excelente
substituto do couro animal e dos produtos derivados de petróleo na
fabricação de calçados, bolsas, roupas, bem como no revestimento de
cadeiras, bancos e revestimentos automotivos.
Seu uso é inequivocamente sustentável. A produção do couro
ecológico é uma alternativa econômica para populações ribeirinhas e
seringueiras. Sua produção colabora para o fortalecimento das comunidades
que permanecem na floresta, evitando a migração para as periferias das
cidades, a geração de mais pobreza e a perda de identidade cultural. Em
termos ambientais, essa produção colabora com a preservação da floresta e
uso sustentável da biodiversidade, pois mantém intactas as árvores das quais
se retira o látex.
São estas suas características:
Composição: borracha natural (látex) e tecido (algodão orgânico ou não
ou outra fibra).
Padrão do produto para comercialização: lâminas de 70x100cm em
geral.
Características estéticas: leve brilho, sem transparência, superfície lisa.
Características técnicas: excelente resistência à tração.
Processabilidade: similares às do couro animal (corte, costura, etc.).
Principais aplicações: móveis, vestuário, bolsas e acessórios em geral.
O couro vegetal é um dos únicos produtos originários da
Amazônia que alcançaram as passarelas da moda e as grandes marcas
internacionais. Criado no início da década de 90, o tree-tap foi desenvolvido
pelo empresário João Augusto Fortes e pela estilista Bia Saldanha com a
ajuda de amigos seringueiros acreanos e de alguns químicos, que
aperfeiçoaram o produto. A dupla de empresários criou a empresa
AmazonLife, que comercializou o produto por mais de uma década. Foi
através dessa empresa que o trabalho desenvolvido no Alto Juruá junto a
comunidades ribeirinhas e indígenas adentrou a moda e pousou em Ipanema.
Sob a etiqueta de um gigante do couro, o grupo Hermès, o couro que era
uma planta ganhou as vitrines de Milão, Paris e Nova York.
Em 1996, graças ao sucesso da venda de produtos que agregavam
o conceito de sustentabilidade (bolsas, mochilas e brindes especiais para
grandes empresas), os empresários do couro vegetal foram recebidos na
Semana da Amazônia, em Nova York, e saudados como “a dupla de
empresários que se associara ao povo de Chico Mendes para conectá-los
com os mercados modernos” (FIUZA, 2008). No mesmo ano, esse povo ao
qual a dupla se associou, formado por seringueiros e índios, multiplicou em
até 15 vezes sua renda com a produção e venda do couro vegetal. Era o
primeiro trabalho que reunia moda com sustentabilidade acontecendo dentro
do Brasil, em plena Amazônia e com repercussão internacional.
Com a dimensão e o padrão do grupo Hermès, o produto foi
lançado na Europa em 1998 em um projeto temático que a empresa chamou
de “Ano da Árvore”. E o couro vegetal – chamado pela Hermès de produto
“Amazônia”, era o destaque mundial da grife. A bolsa de couro vegetal
batizada “Gardene” era o carro-chefe da linha Amazônia, que foi colocada à
venda por 1.300 Euros e se tornou uma campeã de vendas. Nos dois anos
que se sucederam, o faturamento gerado pelo couro vegetal rendeu à gigante
Hermès mais de 100 milhões de Euros (FIUZA, 2008). No Brasil, a
AmazonLife também desenvolvia e criava produtos para serem vendidos em
um primoroso site na internet.
O couro vegetal era a seiva de uma árvore transformada em bolsa,
portanto, um produto orgânico em sua essência, mas não em certificação.
Com o passar do tempo as “bolsas-plantas” começavam a mudar de cor –
elas embranqueciam, e isso foi a causa da ruptura do contrato com a Hermès.
A solução para o embranquecimento estava no consumidor: era preciso que
ele cuidasse de sua “bolsa planta”, passando silicone em sua superfície,
como se estivesse regando-a. No entanto, esse procedimento não agradou à
Hermès. A filosofia da grife, de acordo com Guilherme Fiuza (2008), autor
do livro que conta essa história, “não tinha nada de ambientalista. O que os
fascinava – a seus clientes – na Amazônia, não era o ecológico, era o
exótico”.
A luta pelo tree-tap e pelo trabalho social desenvolvido pela dupla
carioca continuou, apesar da ruptura com a empresa europeia, as dívidas
contraídas e as dificuldades com o desbotamento do produto – sem nenhuma
solução industrial até hoje. Mas o reconhecimento veio de outras formas,
entre eles a participação em um relatório feito pelo Banco Mundial, PNUMA
(Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e Instituto de
Recursos Mundiais, em 2008, que destacou a AmazonLife como um exemplo
de uso sustentável de recursos naturais aliado à melhoria da qualidade de
vida de comunidades pobres. O relatório, intitulado Roots of Resilience —
Growing the Wealth of the Poor (Raízes da resistência – Aumentando a
prosperidade dos pobres), defende que empresas adequadamente
estruturadas apoiem econômica, social e ambientalmente essas comunidades
de forma a amenizar os impactos das mudanças climáticas e ajudar na
necessária estabilidade social delas (WORLD RESOURCES INSTITUTE,
2008).
De acordo com o relatório, “a AmazonLife, produtora de uma
espécie de couro vegetal à base de látex natural, usado na confecção de itens
como bolsas, malas, pastas e chapéus” é uma empresa que atua dentro deste
escopo. Ainda conforme o estudo: “em 2006, cerca de 200 famílias
forneciam borracha para o tecido, e a AmazonLife vendia 40 mil folhas de
borracha laminada por ano, a um preço dez vezes superior ao que os
produtores locais recebiam antes”. Além disso, os produtores das peças eram
e ainda são coproprietários da patente do produto.”
Após alguns anos e vários percalços, a AmazonLife foi vendida
para um grupo de empresários italianos; entretanto, a patente intelectual do
produto permaneceu em território nacional, com a estilista Bia Saldanha. A
história do couro vegetal no Brasil virou livro85 e por meio de sua leitura se
percebe melhor o quanto esse produto estava alinhado com a
contemporaneidade da questão do desenvolvimento sustentável e de uma
nova percepção dos produtos florestais.
Nenhum material é 100% sustentável, logo, aqui não se questiona
a origem do algodão que é banhado em látex para se tornar o couro vegetal.
A procedência desse tecido ou de outro que o substitua não está sendo
avaliada neste momento. O que importa aqui é que essa atividade produtiva,
dentro da floresta Amazônica, gera renda para as comunidades envolvidas,
promove a melhoria de vida, a autoestima e as condições de saúde dessas
comunidades, em geral de índios e ribeirinhos, e colabora para a preservação
da floresta.
Presenciando constantemente a luta contra o desmatamento no
Brasil e refletindo sobre como desenvolver a Amazônia sem acabar com ela,
as atividades que valoram a floresta em pé soam como uma espécie de ponto
“x” para um futuro sustentável. As florestas no Brasil sempre foram vistas
como um manancial de exploração de madeira, água e solo. Desde a época
da colonização as florestas foram devastadas pela exploração da madeira
(Pau-Brasil, no início), os índios foram relegados a seres inferiores – muitos
deles foram dizimados – e o solo usado posteriormente para os ciclos que
viriam no decorrer dos séculos: café, cana, algodão, soja e pasto para gado.
Hoje em dia, por mais que estejamos conseguindo reduzir, mesmo que
minimamente, as queimadas na Amazônia, ainda não há uma estratégia para
o desenvolvimento sustentável da floresta.
Em artigo recentemente publicado, o pesquisador Ricardo
Abramovay (2010) afirma que “ainda são extremamente minoritárias no
meio empresarial as práticas voltadas à exploração sustentável dos recursos e
dos potenciais dos principais biomas brasileiros vítimas de desmatamento
generalizado”. É necessário definir estratégias e ações que unam
biotecnologia, bioquímica, ações comunitárias e políticas públicas para que a
riqueza da Amazônia seja explorada sem que ela seja derrubada, ou seja,
para a sustentabilidade, as atividades econômicas na região devem preservar
a floresta e seus povos. De acordo com a Academia Brasileira de Ciências
(2008) o que proverá a harmonia entre o desenvolvimento regional e a
conservação ambiental do patrimônio amazônico é o uso racional de seus
serviços ambientais e recursos naturais – elementos que devem ser vistos
como a base para uma “verdadeira revolução da fronteira da ciência”.
O elemento mais importante
em uma estratégia de
desenvolvimento sustentável
na Amazônia está na
aplicação sistemática da
ciência e da tecnologia para
o uso e a exploração
sustentável de sua
biodiversidade, o que supõe
atividades empresariais e
políticas públicas bem
diferentes das que
predominam nos dias de
hoje. (ABRAMOVAY, 2010)

O couro vegetal foi produzido por outras empresas nos últimos dez
anos e teve pesquisas de aprimoramento fomentadas em Universidades. Por
meio de inovações tecnológicas em parceria com a UnB (Universidade de
Brasília) e com o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis), todo o processo de produção foi
aperfeiçoado, trazendo ao produto melhores padrões de qualidade e
características estéticas extremamente similares às do couro convencional.
Contudo, ainda não há uma solução estável para o processo de
branqueamento do produto que confira a ele a qualidade requerida.
Até o presente momento esta pesquisa não encontrou nenhuma
outra empresa ou ONG trabalhando com o tree-tap. Segundo Bia Saldanha
(comunicação pessoal)86, o trabalho com o couro vegetal está parado. Bia
vive atualmente no Acre, para onde foi quando começou o desenvolvimento
do tree-tap, e presta consultoria para algumas empresas que usam o látex
amazônico, como a francesa Veja87, que o utiliza nos solados de seus tênis.
Conversando com Bia refletimos sobre como seria hoje o consumo
das bolsas vendidas pela Hermès: talvez o desbotamento fosse um valor
agregado de beleza estética, de aparência “used”, e o consumidor gostaria
dessa característica; talvez essa transformação orgânica e a necessidade de
“cuidados, como uma planta” (palavras da própria Bia), fosse o grande
diferencial do produto e a história seria completamente diferente.
Mas a história não acabou ainda... Apenas com o distanciamento
do tempo poderemos perceber seu desenrolar.

3.3 O PET e a reciclagem


Politereftalato de etila, ou PET, é um poliéster, polímero
termoplástico, desenvolvido por dois químicos britânicos, John Rex
Whinfield e James Tennant Dickson, em 1941, para ser usado na fabricação
de fibras sintéticas. Após a segunda guerra mundial, a indústria têxtil
europeia encontrava-se desabastecida de fibras naturais, pois os campos
onde eram cultivadas estavam arruinados. Foi então que as pesquisas e a
produção da fibra do poliéster passaram a ser incentivadas. O poliéster
substituiria o algodão, o que de fato aconteceu. As pesquisas continuaram e
posteriormente a resistência do poliéster permitiu que fosse utilizado na
indústria de pneus, em 1962.
O que é hoje sua principal função só passou a existir a partir da
década de 70, nos Estados Unidos, quando o PET começou a ser utilizado
pela indústria de embalagens como um dos melhores e mais resistentes
materiais polímeros já fabricados pelo homem. E o mundo, a partir de então,
embalou-se em PET.
Enquanto embalagem, o PET só chegaria ao Brasil em 1988 e
durante a década seguinte ganharia o mercado não apenas como recipiente
para refrigerantes, mas se materializando em diversos outros produtos.
Uma das vantagens do PET é sua possibilidade de reciclagem, ou
“reciclabilidade”. O que tornou o PET tão popular é que, além de ser 100%
reaproveitável e de sua composição química não liberar nenhum produto
tóxico, as embalagens possuem uma capacidade plástica e estética que faz
diferença.
Mas o que é reciclagem de fato? A expressão vem do inglês
recycle (re = repetir, e cycle = ciclo). Em geral, esse termo é usado para
assinalar o reaproveitamento de materiais beneficiados como matéria-prima
para um novo produto. Por ter o atributo da “reciclabilidade” e por poder ser
transformado em fio têxtil para a produção de roupas, o PET transformou-se
em fonte de renda para inúmeras associações de coletores de lixo no Brasil.
Milhares de pessoas vivem do aproveitamento de materiais
recicláveis, profissão cuja regulamentação encontra-se em discussão desde
2002. Entretanto, no país mais de 100 mil pessoas vivem da reciclagem do
alumínio e 25 mil da coleta nos aterros e lixões. Essa população é
responsável pelo fornecimento de 90% dos materiais necessários à indústria
da reciclagem.88
É esse caráter social que faz da reciclagem do PET uma das faces
mais importantes da aliança moda e sustentabilidade. A proliferação de
confecções de camisetas provenientes de PET reciclado é inegável e sua
ligação com cooperativas, associações e projetos sociais vem crescendo
anualmente.

3.3.1 Impactos
ambientais do PET e
vantagens da
reciclagem
Os impactos ambientais do PET são consideráveis, pois sua
degradação no meio ambiente demora em média cem anos. Além disso, os
impactos ambientais devem ser considerados em todo o ciclo de vida do
produto, da extração do petróleo até o descarte final.
Há algumas décadas, pouquíssimas embalagens PET descartadas
pelo consumidor eram recicladas, a maioria acabava sendo depositada em
lixões, rios, córregos ou galerias pluviais. Esse dejeto, por ser um plástico,
além de ocupar lugar nos aterros sanitários prejudicando a decomposição da
matéria orgânica, impermeabiliza as camadas em degradação, impedindo a
circulação de gases e líquidos.
Quando lançadas aos lagos, rios, baías e enseadas, ou seja, em
meio aquoso, o PET, por ser volumoso e boiar, muitas vezes forma barreiras
onde outros detritos se acumulam. Essas barreiras são como cordões móveis
sobre a água e, além de causarem danos aos ecossistemas locais por não
deixarem que a luz penetre na água adequadamente, costumam enrolar-se
nas hélices dos motores das embarcações, entre outros fatores.
A reciclagem do PET apresenta vários benefícios e todas
contemplam os pilares do desenvolvimento sustentável. De acordo com a
Associação Brasileira da Indústria do PET (ABIPET)89 eles são as seguintes:

Benefícios Sociais
No Brasil e em qualquer lugar do mundo onde a reciclagem do
PET aconteça, a indústria têxtil é a maior usuária do insumo. Somente aqui,
entretanto, a diversidade de usos permite que o valor pago pela sucata seja
altamente atrativo o ano todo, o que mantém em atividade muitas empresas
que comercializam o material, bem como inúmeras cooperativas e seus
catadores, a despeito da ausência de sistemas de coleta seletiva. Isso permite
que a rentabilidade permaneça em patamares aceitáveis e garante
remuneração justa aos trabalhadores. Finalmente, outra vantagem social que
passa pelo viés econômico é o menor preço para o consumidor dos artefatos
produzidos com plástico reciclado, que custam aproximadamente 30%
menos que os mesmos produtos fabricados com matéria-prima virgem.

Benefícios
Econômicos
A indústria recicladora do PET no Brasil é economicamente
viável, sustentável e funcional. Basta citar que cerca de um terço do
faturamento de toda a Indústria Brasileira do PET provém da reciclagem.
Gera impostos, empregos, renda e todos os demais benefícios de um setor de
base sólida. Seu crescimento anual constante, em média superior a 11%
desde 2000, permite planejar novos investimentos, incrementados e
incentivados pela criação de novos usos para o PET reciclado.

Benefícios
Ambientais
A matéria-prima reciclada substitui material virgem em muitos
produtos dos mais diversos segmentos, como construção civil, tintas,
produção de automóveis e caminhões ou telefones celulares. Ou seja, não
bastasse o reaproveitamento de centenas de milhares de toneladas de
embalagens que seriam indevidamente destinadas a aterros sanitários e
lixões, a reciclagem de PET economiza recursos naturais. Outra vantagem
importante é a economia de energia elétrica e petróleo, pois a maioria dos
plásticos é derivada do petróleo e um quilo desse material equivale a um
litro de petróleo em energia.
Vale mencionar ainda que o impacto ambiental da confecção de
tecido reciclado é bem menor que quando se usam fibras virgens. A
economia de energia na produção reciclada é de 76% e a redução de
emissões de CO2 é de 71%.

De acordo com a ABIPET, as fases da reciclagem do PET são as


seguintes:
1. Recolhida: as garrafas e outras embalagens usadas são recolhidas pelos
catadores, lavadas e separadas por cores. Nessa fase, são retirados o
rótulo e a tampa e a embalagem passa por um processo de secagem.
Então o PET é moído e assim reduzido a pedaços pequenos.
2. Fusão: é feita a uma temperatura de 300 graus para a filtragem e a
retirada de impurezas. Na fábrica onde é produzida a fibra, repete-se o
processo de fusão a 300 graus e o material é passado por equipamentos
que o separam em filamentos. O resultado é uma fibra cerca de 20%
mais fina que o algodão.
3. Estiragem: a fibra é transformada em fio. Elas podem ser usadas
sozinhas ou associadas a outro tecido, como a seda ou o algodão. Para
peças do vestuário, o poliéster, seja ele reciclado ou virgem, é mesclado
com algodão, pois o tecido 100% poliéster pode dificultar a
transpiração.

3.3.2 Números da
Reciclagem de PET
A quantidade de PET reciclado em solo nacional cresce a cada ano
e retomou a taxa de dois dígitos em 2006 – nesse ano o crescimento foi de
11,5% em relação ao ano anterior (2005). Não existem dados atualizados
sobre esses índices, mas percebe-se que é um segmento em crescimento. Em
2005, foram recicladas no Brasil 174 mil toneladas de PET, o que
representava então 47% da produção total no país. Embora não existam
dados atualizados, a ABIPET90 garante que o Brasil tem destaque mundial,
com um percentual de PET reciclado sobre o consumo virgem maior que os
índices da Europa e dos Estados Unidos e inferior apenas ao Japão.
Segundo esse censo, há atualmente no Brasil 425 empresas
trabalhando com a reciclagem do PET; desse total, 47% compram o material
diretamente de catadores, 19% compram de cooperativas e 34% compram de
outros – mais uma vez o registro do caráter social envolvido na reciclagem
do PET. Outro dado que chama atenção é que 47% desse insumo são usados
pela indústria têxtil, sendo 29% em tecidos e malhas, 43% em não tecidos e
28% em cerdas, cordas e monofilamentos.
Em termos gerais, a utilização do PET reciclado na produção de
peças ou tecidos ecológicos é de extrema importância para o segmento do
mercado justo, pois se trata de um produto ecológico que retira do meio
ambiente um material de difícil decomposição e que é responsável por 30%
dos resíduos sólidos coletados nos municípios brasileiros.
A combinação das fibras de poliéster feitas a partir de PET com as
de algodão, de acordo com informações do Instituto E91, permite a criação
de uma malha com resistência, durabilidade, solidez, e cores idênticas aos
produtos fabricados com poliéster convencional. O resultado final é uma
malha de qualidade tão boa quanto a que é confeccionada com matéria-
prima não reciclada, mas com uma diferença fundamental: tem um valor
social e ecológico agregado sem precedentes.
3.3.3 Um outra
questão a ser
refletida sobre a
reciclagem

A reciclagem de PET ou de qualquer outro material é uma


necessidade da sociedade no século XXI; no entanto, muitos fabricantes, em
vários segmentos, têm receio de prejudicar as vendas ao divulgar a
existência de materiais reciclados como matéria-prima de seus produtos.
Esse receio é baseado em fatores culturais associados ao conceito de “lixo”.
As relações das sociedades com o lixo são de fundamental importância não
apenas para a compreensão dos processos de reciclagem, mas também para
os processos de consumo.
De acordo com Eigenheer (2003), o lixo não pode ser visto apenas
como resíduos e dejetos, mas em toda a sua complexa teia de significados e
simbolismos. Segundo o autor, a palavra “lixo” e sua presença nas artes
plásticas, literatura, folclore e lenda apontam para uma significativa relação
entre lixo e morte. As relações subjetivas, em geral inconscientes, que a
sociedade estabelece com seus dejetos, ou seja, com seu lixo doméstico, sua
binga de cigarro, o esgoto de sua casa e até o papel de sua bala, é um dos
principais obstáculos à compreensão da importância e necessidade da
reciclagem e dos demais “Rs” propostos (reúso, reforma, etc.). O tratamento
objetivo e pragmático que é dado aos detritos sólidos domésticos, industriais
e hospitalares, assim como aos efluentes, é concebido baseado no paradigma
social do lixo, logo é preciso considerar esse paradigma para se alterar a
realidade da percepção em torno dos resíduos.
Infelizmente, no Brasil ainda não se dispõe de educação ambiental
suficiente para que a questão da reciclagem de resíduos sólidos seja
percebida como uma fonte de recursos e de cidadania. Entretanto, o país está
apenas começando a se estruturar socialmente e ambientalmente, e o
processo de conscientização socioambiental, espera-se, virá com o tempo.

3.4 Refio, reuso, reforma, upcycling


Hoje em dia existem vários “Rs” nos domínios do
desenvolvimento sustentável: repensar, readequar, reavaliar, reusar, restaurar,
reformar, etc. Todos eles surgiram de um princípio ligado ao gerenciamento
de resíduos sólidos que ganhou muita visibilidade na Rio-9292 e que entrou
para um dos capítulos da Agenda 2193. A validade de todos é inquestionável,
todavia, os princípios dos mais importantes “Rs” são os seguintes:
Reduzir: diminuir o consumo de recursos naturais na forma de
matérias-primas e energia, reduzindo assim a quantidade de descarte e
poupando os recursos;
Reutilizar: usar novamente os produtos, dando a eles novas funções ou
não;
Reciclar: retornar o que foi utilizado ao ciclo de produção.

Esses princípios têm uma lógica hierárquica e estão orientados


para uma mudança sustentável de padrões de consumo e de produção. Logo,
a reciclagem não pode e nem deve estar desvinculada dos dois primeiros
procedimentos, o que poderia servir para legitimar o desperdício de energia,
matérias-primas ou recursos.
Na esfera dos têxteis, as possibilidades de redução e reutilização
de roupas, toalhas, lençóis, colchas, cobertores e outros são não apenas
possíveis, como uma expressão crescente da realidade contemporânea. De
acordo com dados de 2006 do Instituto de Manufatura da Universidade de
Cambridge94, a cadeia da chamada roupa de segunda mão, ou peças
seminovas e usadas, que transita pelos brechós e empresas de reciclagem e
reforma de têxteis, é um mercado com uma performance financeira sólida.
Na França, em 2008, de acordo com o website de busca europeu Europages,
existiam 210 empresas de reciclagem e reforma de têxteis, que na sua
maioria trabalhavam com tecidos, calçados, vestuários usados e exportação
de roupas usadas.
Na Inglaterra, roupas e sapatos usados são triados e os melhores
enviados para venda em países do leste europeu e da África; os demais itens
são doados àqueles que estão abaixo da linha de pobreza. Há ainda o projeto
de reaproveitamento dos restos de coleções, em que 50% dos produtos são
reciclados, agregando-se a ele 50% de lã virgem, criando assim um novo fio.

EcoSimple
A indústria têxtil nacional também já possui tecnologia para
utilizar restos na produção de novos fios. A tecelagem paulistana EcoSimple
desenvolve um trabalho inédito no Brasil, transformando toneladas de
retalhos e sobras de tecidos em toneladas de novos fios sem uso de corantes,
sem consumo de recursos naturais, usando menos energia e com um valor
social agregado.
Como funciona: a empresa coleta sobras de tecidos e garrafas PET
e as encaminha para pequenas cooperativas. Uma vez lá, esses tecidos são
separados primeiramente por cor e depois por tamanho, para então serem
devolvidos para a empresa. A separação por cor evita o tingimento ou
retingimento, o que é um ganho extraordinário em termos de minimização de
impactos ambientais. De volta à empresa, esses resíduos seguem para as
etapas de moagem e desmanche, limpeza e transformação em polímero,
fiação e tecelagem.
Diferentemente de outras empresas, a EcoSimple usa como
matéria-prima não só resíduos de tecidos oriundos das confecções e
tecelagens, mas também fios de poliéster obtidos na reciclagem do PET. Os
fios de poliéster são filamentos de alta elasticidade e estabilidade
dimensional, sendo resistentes à ruptura e ao desgaste, e por essas razões
eles sustentam a fabricação do refio.

Esse aproveitamento de resíduos e têxteis descartados na


fabricação de novas peças é o que se chama hoje de upcycled ou upcycling,
cujo prestígio, especialmente na área de design de moda e design em geral,
deve-se à maior aceitação comercial de sua estética e conceito e aos menores
custos de produção.
Diferentemente do processo de reciclagem, em que se usa energia
(seja de qualquer fonte) para destruir o produto e transformá-lo em matéria-
prima para algo novo, o upcycling transforma produtos inúteis e descartáveis
em novos materiais ou peças de maior valor, uso ou qualidade. O upcycling
se fundamenta no uso de materiais cujas vidas úteis estejam no fim, por
obsolescência real ou percebida na forma, função ou materialidade, valendo-
se deles para a criação de outros. Um exemplo precursor do upcycling no
Brasil é o trabalho de Gilson Martins que, como já vimos, deu vida a novos
materiais e fez disso uma alavanca para seu talento.
Ao se pensar em moda, esse paradigma se esconde por trás da cara
comercial do movimento vintage, e ao se pensar em roupas, pode-se
perceber o quanto o processo do upcycling está conectado ao slow fashion e
ao ressurgimento dos brechós.
A cultura dos brechós de roupas no Brasil vem ganhando
conotações diferentes nos últimos anos, quando as novas gerações
estabeleceram vendas e trocas de roupas pela internet, e pela difusão do
conceito de reúso, tão em evidência na Europa.
Alvo de preconceitos por grande parte da sociedade brasileira, a
roupa de segunda mão e seus pontos de venda são tidos por muitos como
algo negativo, “coisa de pobre”. No Brasil, historicamente, roupas que não
serviam mais ao usuário, seja por qualquer uma das razões normalmente
apontadas – não serve mais, caiu de moda, etc. – eram doadas para a igreja
ou associações de caridade, onde eram revendidas a preços simbólicos ou
então doadas para serem usadas por empregados. Em geral, os espaços onde
as roupas usadas são vendidas são apontados como sujos e as peças ali
comercializadas como impregnadas de “energia de gente morta” ou “energia
de outra pessoa”, “de gente doente”, etc. Quanto menos poder aquisitivo e
menor o padrão sociocultural, mais esse tipo de discurso se repete. Um
brechó em um bairro da zonal sul do Rio de Janeiro possivelmente vende
mais do que um localizado em uma comunidade pobre.
Entretanto, esses padrões vêm sofrendo algumas mudanças. A
higienização das roupas e outras peças vendidas em brechós, o design
interior das lojas, o atendimento e mesmo o clima vintage do espaço são
fatos que chamam atenção para essa mudança de percepção. Outro indicador
de que o negócio prospera é o surgimento de publicações de guias de
brechós nas principais cidades brasileiras.
Em geral, brechós são locais com uma atmosfera especial, onde
todas as peças expostas têm uma história regressa. Nada entrou naquele
espaço sem ter vivido antes em outros, com outras pessoas. Agregar esse
tipo de valor às roupas de segunda mão alinha-se aos princípios do design
emocional, que nos faz amar ou odiar algum objeto (roupas e acessórios, no
caso). As roupas permeiam as nossas histórias pessoais; de fato, as roupas
permeiam todas as histórias, documentam e recontam a própria história da
moda. Logo, apreciar e adquirir peças que tenham tido uma história antes de
nos pertencer é respeitá-las e amá-las.
Talvez seja pelas razões expostas acima que os frequentadores de
brechós, antes de mais anda, são pessoas que gostam de roupas, gostam de
garimpá-las, de achar uma peça linda entre outras nem tanto, gostam de se
deixar contaminar por diferentes histórias, de viajar no imaginário que se
compartilha no encontro de novas peças e estão sempre em busca de algo
que realmente lhes agrade. Ninguém entra em um brechó procurando pela
peça da “última moda”, ou a roupa da mocinha da novela das nove. Outros
fatores levam os consumidores a eles.
De acordo com Wania Silva e Luiz Godinho (2009), especialistas
em marketing e comunicação, as pessoas procuram os brechós por diversos
motivos: por estarem cansados de tantas novidades, do excesso de marcas e
de tentar acompanhar os diversos lançamentos e tendências do mundo da
moda; porque compreendem os brechós como uma maneira de se gastar
menos com roupas e acessórios, e também como uma forma de buscar a
qualidade de peças de marcas prestigiadas com preços mais acessíveis; e,
finalmente, porque existem pessoas para as quais os produtos vintage são
uma forma de diferenciação ou estilo.
Em breve poderemos observar que a procura pelos brechós
também será pautada pela consciência da necessidade do upcycling pessoal
em nossas próprias roupas, restaurando-as, resignificando-as e acrescentando
a elas nossas histórias de vida.
“Num brechó não se vende
apenas produtos, mas
emoções”.
(SILVA; GODINHO, 2009,
p. 13)
76 Ecotextile News, disponível em: www.ecotextile.com

77 IBD Certificação, disponível em: www.ibd.com.br

78 Esta pesquisa foi realizada entre os anos de 2007 e 2009 e amplamente revisada em 2011. Com as
mudanças aceleradas, sugiro que os interesados pesquisem, aprofundem seus conhecimentos na lista
de na webgrafia.

79 Atitude Sustentável, disponível em: http://atitudesustentavel.uol.com.br/blog/2010/06/07/producao-


de-algodao-organico-cresce-no-brasil/

80 IBD, disponível em: www.ibd.com.br


81 www.coexis.com.br

82 Diretor criativo da OSKLEN

83 Tecelagem decorativa criada por um tear de jacquard e utilizada para brocados, damascos e
malharia desde meados do século XIX (O´HARA, 1984).

84 A vulcanização é um método criado em 1839 pelo inventor norte-americano Charles Goodyear, que
consiste geralmente na aplicação de calor e pressão a uma composição de borracha, a fim de dar a
forma e propriedades do produto final. Sem dúvida é a fase mais importante da indústria de borracha.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Vulcaniza%C3%A7%C3%A3o

85 Amazônia 20º andar, de Guilherme Fiuza. Editora Record, 2008.

86 SALDANHA, Beatriz. Jan. 2012


87 www.veja.fr/#/projets/Caoutchouc_sauvage-7

88 Fonte: Fórum Lixo e Cidadania, apud Cicloambiental, 2009. Disponível em:


www.cicloambiental.com

89 www.abipet.org.br/

90 www.abipet.org.br/index.html/index.html?method=mostrarInstitucional&id=49

91 http://institutoe.org.br/novo/projetos/e-fabrics

92 Rio-92 ou ECO-92: Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
(CNUMAD), realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro.
93 A Agenda 21 é um documento que estabeleceu a importância de cada país se comprometer a
refletir, global e localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não
governamentais, e todos os setores da sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os
problemas socioambientais.

94 Citado por EcoSimple, disponível em: http://www.ecosimple.com.br/


CAPÍTULO 4

REFLEXÕES SOBRE TEORIAS ESTRANHAS. A FALSA


DICOTOMIA ENTRE MODA E CONSUMO95
Esforço-me aqui pela
pertinência e relevância
jamais nascidas da vontade
de fechamento, mas do
trabalho de articulação
consequente, considerando
sempre o caráter inacabado e
insuficiente do pensamento,
no conjunto da pluralidade
dos olhares que miram as
práticas humanas,
interpretando-as (MACEDO,
2004, p. 17).

Não se pode simplesmente condenar a moda ao caos do capitalismo, pois,


como foi visto anteriormente, antes do capital existe o sujeito e sua
identidade. A moda foi criada por esse indivíduo, o mesmo que provocou a
revolução dos últimos duzentos anos.
Conceber a questão dentro das premissas do desenvolvimento
sustentável apenas com o olhar dicotômico e separatista, tão presente ainda
em nossa sociedade, implicaria em uma impossibilidade de coesão na
questão, pois suas facetas seriam interpretadas como partes de conteúdos e
universos diferentes.
É nesse sentido que De Carli e Manfredini (2010) sustentam que a
moda encontra-se em sua quarta fase, já tendo passado pela alta-costura,
pelo prêt-à-porter pela fase do sujeito autônomo que Lipovetsky (1989)
chamou de “moda consumada”; segundo a autora, pode-se arriscar a chamar
esta quarta fase de “moda ética anunciada”.
No mosaico de disciplinas que interagem com a moda, a
adequação do consumo às novas realidades parece ser a mais dicotômica e
de maior complexidade para compreensão. Como afirmam os autores de um
dos artigos publicados no livro Moda em Sintonia “a própria essência da
moda de gerar novas tendências periodicamente, estimulando a efemeridade
dos produtos, já é uma contradição” (PARODE; REMUS; VISONÁ, 2010).
A sociedade ocidental passa por um período de maturação de uma
nova visão de mundo, a visão sob a ótica da sustentabilidade, por uma
questão de necessidade e em virtude da preservação de nossa espécie. Nesse
período, é de extrema importância a investigação científica não só no
rastreamento de novas ações, posturas e produtos, mas também no
aprofundamento da reflexão em torno das dicotomias que a sociedade atual
compreende.
A Teoria das Estranhezas, criada pelo professor Ued Maluf (2002),
possibilita a compreensão e o entendimento da questão por outro viés: ela
parte do pressuposto que perante qualquer questão apresentada não existe
um elemento reflexivo, ou seja, inexistem partes e sim um todo
multifacetado. No lugar de partes “interagentes” e interdependentes tem-se o
conceito da percepção fluida – múltiplas faces, diferentes, diversas,
desiguais, opostas e duais, porém todas “partes de uma mesma unidade, num
único fenômeno”.
Proposta por Maluf nos anos 90, a Teoria das Estranhezas
representa uma linguagem não reducionista para as complexidades não
físicas. Ou seja, uma linguagem fora dos padrões do mensurável. A teoria é
considerada uma alternativa
conceitual para as áreas
humanas, pois permite fazer
uma “conjectura das
fragmentaridades”, na qual a
adoção de “fragmento”,
como substitutivo de
“elemento”, “informação”,
pode ensejar o descontínuo
de novas perspectivas
teóricas, sob as quais as
tradicionais oposições
venham a ser interpretadas,
não mais como extremos,
mutuamente exclusivos, mas
como unidades fluidas, em
termos específicos: mosaicos
isomorfos. (SOUZA, 2009,
p. 47)

Assim, o professor Ued nos leva a refletir que aquilo que


percebemos como dicotomias pode ser percebido por meio de uma ideia
geral de “unidade diferenciada”. No contexto das estranhezas, fluidez para o
autor é a busca de uma “sensibilidade perdida” na cultura ocidental; o
resgate do intuitivo – tal como nas artes – nas ciências, nas técnicas, nas
matemáticas, nas filosofias.
A teoria interpreta
o espaço como “fase
metamorfoseada” do tempo,
e tempo como “face
metamorfoseada” do espaço;
a fluidez entre um e outro,
assegurando as diferenças
entre ambos, mas apontando
para uma assegurabilidade
entre eles [...] É este mosaico
que irá permitir falar-se de
tempo e espaço, sem sujeição
às condições fisicalistas
destas “dimensões”; o que de
modo imediato faz
vislumbrar o leque de
aplicações para as ciências
humanas, abrangendo, desde
questões básicas de espaço-
tempo nas sociologias e
antropologias, por exemplo,
até aspectos subjetivos de
tais tópicos nas psicologias
[...] (MALUF, 2002, p.80).

Tal definição caberia adequadamente na pressuposta dicotomia


entre moda e sustentabilidade. Moderna, transformadora e aglutinadora do
volátil e do fluido no conceito da moda e da sociedade contemporânea, a
Teoria das Estranhezas parece ser a resposta teórica às impossibilidades,
transformando-as em possibilidades.
A teoria não concebe a percepção de opostos, e sim a possibilidade
da percepção dos fenômenos através de uma propriedade especial e
diferenciada: a da reversibilidade não fechada entre as facetas de um mesmo
fenômeno.
Nesse escopo, o consumo seria a face metamorfoseada da
preservação; a moda seria a outra face da justiça social, e assim por diante,
mas sempre concebidos como reversíveis, fluidos, possíveis de
transformações, geradores de novas possibilidades.
Como uma “unidade de alta complexidade”, o autor define seu
mosaico. Adequar as questões socioambientais contemporâneas a esse
mosaico particular seria dar uma nova chance às possibilidades que ainda
não percebemos.
Segundo Ued Maluf,

o que não existe pode ser


criado: é a não reflexividade
[...]. Quando modifico o
olhar vou revelar por
amostras outras verdades,
fundamentar esse olhar –
“ver como modo de ouvir”.
A explosão de significados
com variações semânticas dá
narrativa própria a cada
situação, o determinante está
na “forma de olhar”.
Dependendo de como
olhamos, percebemos o
mundo, estamos nos
permitindo entrar em um
cenário completamente
desconhecido, é a fluidez que
nunca se completa, e o olhar
é quem define esse
movimento. (MALUF, 2002,
p.104)

A face clara da pressuposta dicotomia consumo-preservação pode


residir no conceito de moda. Sua compreensão pode também residir na
Teoria das Estranhezas, em que ao se falar de ciência e de complexidades
não físicas, pode-se apresentar caos e ordem, ordem e desordem, ética e
corrupção, consumo e preservação como as faces metamorfoseadas de
realidade, como um imensurável e atemporal mosaico imagético, onde não
existem impossibilidades.
95 Este capítulo foi escrito tendo como base o artigo “Moda e Sustentabilidade, o mosaico imagético”,
escrito pela autora e apresentado em 2011 no VII Colóquio Nacional de Moda. Aqui as questões
foram reconsideradas e revistas.
 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS PARA UM FUTURO


SUSTENTÁVEL NA MODA: MATERIALIDADES,
CONCEITOS, CONSCIÊNCIA E NOVAS PERCEPÇÕES
Considero que seria inoportuno finalizar este trabalho com uma
“conclusão”, pois esse termo parece fechado em si mesmo, sem deixar
espaço para outras interpretações e percepções.
No decorrer dos anos, durante os quais este estudo foi realizado, as
citações no Google e Google Acadêmico sobre a busca de publicações que
se relacionavam a moda sustentável crescia de forma exponencial. Para
finalizar este trabalho foi necessário impor um limite; de outra forma não
haveria como estabelecer um critério de importância para o que ainda estava
por vir e que vinha, a cada dia, a cada hora, a cada momento.
Nos últimos meses, novos atores, novos cenários, novas e
surpreendentes associações, novas compreensões atribuídas ao luxo, seus
significados e sentidos, surgiram e foram avaliados cuidadosamente para que
apenas o realmente mais relevante até aquele momento fosse de fato
apreciado. Certamente, enquanto o leitor estiver lendo estas palavras muitas
outras formas de pensar e agir já terão surgido e não estarão aqui citadas.
A velocidade com que essa área de estudo tem se manifestado é
excepcional, mas as bases para sua discussão ainda estão muito distantes de
compreensão. Dessa maneira, deixando de acompanhar as inserções diárias
sobre o assunto no Google e pensando em organizar este nosso livro,
cheguei às considerações e escolhas aqui expostas, esperando que as mesmas
possam dar base a reflexões e novos diálogos.
Todo o levantamento e estudo ao qual venho me dedicando ao
longo de anos – as pesquisas que venho realizando, o mestrado concluído na
área, a proposta de trabalho do doutorado em curso, as visitas a diferentes
instituições de ensino nacionais e internacionais, a órgãos de fomento, a
associações, a empresas de produção, a empresas de varejo, etc. –, além da
própria coordenação de um curso de pós-graduação na cidade do Rio de
Janeiro que possui justamente esse enfoque, tem levantado temas sempre
levados à reflexão e posteriormente discutidos e analisados não apenas com
parceiros pesquisadores, mas essencialmente com meus alunos.
Toda a discussão em voga nos permitiria sim chegar a algumas
conclusões, mas conclusões provisórias, uma vez que o assunto é polêmico,
complexo e muito atual.
Considero oportuno lembrar que em minha dissertação de
mestrado, concluída na Universidade Federal Fluminense, no Programa de
Ciências Ambientais em 2009, elaborei um questionário de pesquisa para
entrevistar alunos de várias instituições de ensino relacionadas a design na
cidade do Rio de Janeiro, profissionais de moda, empresas e ateliês. A
hipótese desse trabalho era que a sustentabilidade na moda é uma demanda
da sociedade contemporânea.
Realizamos 500 entrevistas que foram devidamente tabuladas,
depois transformadas em gráficos e analisadas com o objetivo de obter
resultados mesuráveis para a percepção de subáreas dentro da questão
ambiental e da moda sustentável.
Alguns dados são importantes retomar, pois já naquele momento
constatou-se que a questão ambiental no Brasil é prioritária, ou seja, existe o
desejo e o entendimento de que ela é importante e nos diz respeito.
Constatou-se ainda que no entendimento da sustentabilidade existe a
associação “tecnologia-desenvolvimento” e que algumas marcas são
reconhecidas por seu relacionamento com as questões sociais e ambientais.
A marca mais citada foi a brasileira Osklen, seguida pela também brasileira
Natura e posteriormente pela Mundo Verde (produtos naturais) e a Redley. A
percepção da importância da sustentabilidade em segmentos específicos da
indústria têxtil e da moda apareceu como um grande vazio, demonstrando o
pouco conhecimento dos entrevistados sobre os materiais, processos e
posturas sustentáveis. A análise apontou também para a falta de informações
verificáveis e sérias no setor acadêmico e profissional na área de design de
moda.
Muitos dos resultados obtidos por meio dessa pesquisa
direcionaram meus interesses e desdobramentos futuros e, ainda que a
velocidade de notícias e estudos na área se adensem, eles continuam válidos
e espelham com fidelidade o panorama nacional.
De fato, verificou-se ao longo deste estudo que o conceito de
responsabilidade socioambiental é uma tendência de caráter amplo e
profundo e que está se consolidando com a velocidade e a imprevisibilidade
da contemporaneidade.
Gostaria de retomar alguns temas que aqui desenvolvemos para
tecer comentários oportunos para o fechamento deste livro e a abertura de
novas perspectivas de pesquisas:
Moda não é apenas
“business”

O que nos leva a considerar a hipótese de um novo paradigma é o


questionamento da crença em um desenvolvimento econômico desvinculado
de preceitos éticos. Esse questionamento é inevitável quando se percebe, nos
resultados, que a motivação para a criação e o consumo aparece relacionada
à consciência socioambiental, e não aos aspectos econômicos. A indicação
do “desejo” de considerar outros aspectos que não o financeiro já é um
indício muito forte de mudança.
Esse fato nos leva a compreender que a relação “moda-consumo”
inicia a passagem por uma fase de reavaliação, resignificação e
transformação, e que a questão de fundo da pesquisa – a possibilidade da
consolidação de uma tendência socioambiental responsável na área de
design de moda – contempla uma realidade: as relações entre consumo,
conservação e responsabilidade social vêm sendo reavaliadas nessa área.
O ensino:
transformando
informação em
conhecimento

Ainda que conheçamos e pesquisemos novos materiais,


tecnologias e serviços na área de design de moda, estamos no início de um
processo de reconhecimento de possibilidades inerentes à materialidade.
Serviços advindos de ONGs, associações e outros, assim como novos
produtos e novas tecnologias, ainda são pouco difundidos e utilizados.
A área acadêmica, base de formação de profissionais, ainda é
tímida e incipiente de revisão e reciclagem de conhecimento sobre esses
novos cenários e atores. A informação atualizada é adquirida pelos alunos
muito mais por meio de periódicos, blogs e sites do que em sala de aula.
É imprescindível que os cursos superiores de design de moda
adotem o quanto antes disciplinas que contemplem as realidades da indústria
têxtil, seus materiais, matérias-primas e processos, suas dimensões,
representações globais e questões.
Criar grades curriculares que tenham como base a
contemporaneidade, e não a tradição das antigas “escolas de moda” ou
apenas os conteúdos específicos do design de produto, é uma necessidade
emergente.
De maneira geral, os cursos de design de moda deveriam ser
orientados e fundamentados pelos novos rumos do design, que entendo
como “design para a sustentabilidade”. Ética social, viabilidade econômica e
preservação ambiental são, de fato, características do design contemporâneo.
Como dissemos, estamos constantemente entre os seis maiores
parques têxteis do planeta e é importante que tenhamos profissionais
preparados para lidar com as questões desse setor, e não apenas com as
engrenagens processuais e produtivas atuais ou os últimos lançamentos do
mercado, tampouco com a capacidade criativa limitada à criação de moda.
Acredito que as pesquisas no setor necessitam ser transpostas para a área
acadêmica do design de moda o mais rápido possível para geração de
conhecimento, reflexão, discussão e mudanças futuras, nessa ordem. O
estímulo à pesquisa deve ser frequente e bem conduzido, assim como o
ingresso em cursos de pós-graduação, a publicação e a participação em
congressos.
O ensino de moda no Brasil tem carência de pesquisa e
capacitação de docentes em design de moda. Quando se trata de
sustentabilidade, a incompreensão do tema é relevante, mas de uma forma
geral, falta ao professor uma capacitação integrada e interdisciplinar.
Se esses dois pontos – capacitação e fomento à pesquisa – fossem
colocados em prática, a maioria dos cursos de moda não seria um esboço do
retrato do mercado (insustentável, copista, não ético, propulsor de fast
fashion, bajulador de celebridades instantâneas, etc.). Talvez, se tivéssemos
mais pesquisa e mais docentes capacitados, conseguíssemos colocar em
prática o conceito de “pensar global e agir local”, configurando uma nova
geração de professores conectados com o que está acontecendo nos melhores
centros de pesquisa do mundo (pensar global) e com capacidade de gerar
conhecimentos e fomentar transformações junto a seus alunos e parceiros
(agir local). Talvez assim conseguíssemos gerar docentes e novos designers
de moda mais procurados para refletir sobre os caminhos da profissão e
promover transformações pertinentes nas áreas sociais, econômicas e
ambientais; construir uma identidade para nosso mercado; desenvolver
adequações pertinentes à nossa indústria e sedimentar a construção de uma
cultura de moda no país, que não gere miséria, não escravize as pessoas ao
consumo e não comprometa nossos recursos naturais e culturais.
Alianças possíveis

Moda não é igual a consumo. Moda e consumo são partes de uma


mesma unidade, de uma mesma realidade, um a metade do outro, um
diferente do outro. Percebe-se que essa aliança necessita ser estudada,
fomentada, questionada, avaliada.
Já a união moda e sustentabilidade têm facetas contrastantes,
entretanto complementares: moda e sustentabilidade podem significar muito
mais que “gerar novas tendências transformadoras e resignificadoras da
lógica do consumo”, ou que “gerar bens ecologicamente corretos”. Com um
olhar cuidadoso, pode-se prever a concepção de sustentabilidade
socioambiental dentro das tendências contemporâneas como a criação de
novas formas de prestação de serviço, portanto novas formas de trabalho;
novas materialidades, logo novos produtos virtuais, impalpáveis, éticos e,
consequentemente, sustentáveis – uma lógica que não se baseia não na noção
de descarte e obsolescência, mas de afeto e restauração, criando bens mais
duráveis e que despertam emoções mais efetivas e duradouras.
A partir de reflexões como as aqui propostas, toda e qualquer
pesquisa que considere a disseminação e o desenvolvimento de novas
racionalidades no modo de vida e de consumo possibilitará um repensar nos
vínculos entre o ser humano, seu próximo, seus descendentes e a natureza.
Responsabilidade socioambiental e desenvolvimento sustentável
em seu amplo significado e individuação, no sentido integrador do ser
humano, são conceitos que vêm sendo amplamente revistos e muitas vezes
postos em prática pelas pessoas comuns. Percebidos como tendências em
consolidação, possuem os elementos fundamentais para sua difusão e
aderência. Virar moda pode significar “vingar”, “acontecer”, ser
“acreditado”, e não ser “superficial e passageiro”.
Assim, o conceito de sustentabilidade, ainda tão pouco
compreendido pelas suas múltiplas facetas (novamente a multiplicidade),
quando aplicado ao segmento da moda pode significar muito mais que gerar
bens ecologicamente corretos. Pode significar gerar novas tendências
transformadoras e resignificadoras da lógica do consumo. Pode redefinir o
papel do usuário, do designer e, especialmente, do consumidor.
Esta é a face mais clara da moda: sua capacidade de representação
da subjetividade e sua fundamentação humana e transformadora. A moda se
reinventa e se autodemocratiza, espalhando seu luxo em múltiplos sentidos e
em novos paradigmas.
Dentro da área do design, o design de moda se diferencia pelo alto
grau de transformação social que expressa em suas tendências de consumo,
nas quais a própria sociedade sinaliza suas demandas, anteriormente à
comercialização destas.
Para finalizar este livro, gostaria de convidar o leitor à seguinte
reflexão: é importante que os aspectos transformadores e transgressores da
moda sejam considerados a porta de entrada para novas possibilidades, como
espelhos da imprevisibilidade, como sinais de rupturas com as normas do
passado e agentes das normas futuras que ainda virão.
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