B514m
Berlim, Lilyan
Moda e sustentabilidade [recurso eletrônico] : uma reflexão necessária / Lilyan Berlim. - Barueri,
SP : Estação das Letras e Cores, 2020.
160 p. ; ePUB.
Inclui bibliografia.
ISBN: 9786586088090 (Ebook)
1. Moda. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Aspectos ambientais. 4. Aspectos sociais. 5.
Responsabilidade ambiental. 6. Sustentabilidade. I. Título.
CDD 363.7
2020-236 CDU 391
Dedico este
livro à minha avó
Lila, por gratidão a
tudo que me ensinou,
e à Manuela, minha
neta, que representa
todas as futuras
gerações.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
1.4 Responsabilidade
socioambiental no setor de
moda: a nova onda do
consumo
1.4.1 Responsabilidade
socioambiental
1.4.2 Responsabilidade
socioambiental na passarela
da moda
2.1 Disseminação de
informações e formação do
conhecimento
2.1.1 Fashion Weeks, salões,
etc.
2.1.2 Feiras
2.1.3 Formação e pesquisa
acadêmica
2.1.4 Pesquisas e eventos
acadêmicos
2.1.5 Série na TV
2.1.6 Negócios
BIBLIOGRAFIA
APRESENTAÇÃO
“Se são as ideias que movem
as coisas, são os
elaboradores de ideias, os
que nada sabem fazer, senão
pensar, que fornecem os mais
poderosos instrumentos para
que o mundo seja feito,
refeito ou transformado. Não
há soluções, senão quando
houver problemas: é saber
formulá-los. Para formulá-
los, é necessário o
pensamento. E é o
pensamento que forja as
opiniões e elabora os valores
que comandam a ação
daqueles que encontram as
soluções ou tomam as
decisões”.
Referências bibliográficas:
BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2005
BOURDIEU, P. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo:
Edusp, 2007
JAPIASSU, H. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro:
Livraria Francisco Alves Editora S.A., 1992
1 Bauman, Zygmunt: entrevista à revista Isto É, 24 Set. 2010. Disponível em:
<www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/102755_VIVEMOS+TEMPOS+LIQUIDOS+NADA+
E+PARA+DURAR+>
INTRODUÇÃO
PARA REFLETIR...
Unir o termo moda ao termo sustentabilidade pode parecer contraditório, e
em parte é. O consumo exagerado de roupas e acessórios, bem como a lógica
da fast fashion fazem com que a data de validade desses produtos seja curta
e nossas relações com eles superficiais. Essa é uma realidade do mercado da
moda que nos permite analisar muitas contradições diante do que a
contemporaneidade nos apresenta. Hoje, moda e sustentabilidade é um tema
que não se esgota nos danos causados pelos excessos do consumo, naqueles
causados pelos sweet shops (trabalho escravo ou em subcondições) ou por
todas as outras mazelas atribuídas à terceira maior indústria do mundo.
Devemos também ser coerentes ao reconhecer todos os aspectos
transgressores, reflexivos e expressivos que a moda aponta na sociedade
atual. Esses “sinais” nos mostram caminhos diferenciados sobre os quais
precisamos primeiramente refletir, depois escolher (se conseguirmos) e,
finalmente, discutir.
De fato, verificamos que a moda pode, sim, adotar práticas de
sustentabilidade, criando produtos que demonstrem sua consciência diante
das questões sociais e ambientais que se apresentam hoje em nosso planeta,
e pode, ao mesmo tempo, expressar as ansiedades e desejos de quem a
consome. Afinal, a moda não apenas nos espelha – ela nos expressa.
Se ao falar de moda evocamos um universo de valores complexos,
não é diferente com a questão da sustentabilidade. Essa temática, ainda mais
fortemente na contemporaneidade, gera contínuos desdobramentos e impõe
problemas inéditos, que nos obrigam a repensar nossas atitudes diárias e
práticas de negócio de forma ampla. Sustentabilidade não está apenas
relacionada a ações de filantropia, gestão de resíduos ou plantio de árvores,
mas a uma reorganização da visão de mundo de cada cidadão. É algo que
requer uma profunda e íntima reflexão sobre o que é considerado
desenvolvimento e para onde esse desenvolvimento está levando a
humanidade, quais são suas consequências, que preço estamos pagando por
ele e como temos nos relacionado com a natureza, da qual fazemos parte.
O desenvolvimento sustentável, a manutenção dos ecossistemas e
a responsabilidade perante os seres humanos e seus descendentes exigem
uma abordagem diferenciada do paradigma do desenvolvimento. Nossa
compreensão deve ser expandida, indo além da valorização dos recursos
naturais, da mão de obra humana e da produção e consumo de bens
materiais: carros, casas, relógios, celulares, aviões, roupas, etc.
Nossas vestimentas, assim como todos os têxteis que nos rodeiam
em nossos lares, são parte significante dos produtos que consumimos
durante a vida. A moda permeia todos esses itens, traduzindo em cores,
formas e texturas os aspectos sociais e estéticos de cada época, de cada
localização e de cada geração. Os têxteis contam nossa história no planeta
desde antes de sermos civilizados – há milênios2, as roupas e acessórios, em
especial, narram passo a passo a trajetória e os anseios de nossos corpos e
almas porque criamos a moda, e ela recai sobretudo sobre “como” nos
vestimos.
Se estamos em uma era em que é preciso um reposicionamento
perante o meio ambiente e as gerações futuras, é preciso refletir sobre como
nos vestimos, o que compramos, como compramos, por que compramos e
que diálogo estamos travando com a natureza e com o próximo por meio da
moda. Assim também estaremos refletindo sobre nossos anseios e nossa
trajetória.
Sobre o livro...
Não é possível mudar os rumos da moda, em especial dos modelos
atuais de consumo e produção de roupas, de uma hora para outra. Serão
necessárias muitas mudanças para tal.
Foi pensando em propor uma reflexão sobre a questão moda e
sustentabilidade que este estudo foi feito. Minha intenção aqui é
disponibilizar informações para fomentar a reflexão e, assim, gerar
conhecimentos.
Para este trabalho foi levantado o que de mais significativo vem
sendo feito na área de moda, abrangendo desde produtos, serviços e
pesquisas até novas formas de parcerias, negócios e posturas sustentáveis, de
maneira a comprovar que o conceito de desenvolvimento sustentável é uma
tendência sociocomportamental de caráter amplo e em consolidação, que já
pode ser percebida no universo da moda. Não se trata, portanto, de um
modismo de caráter efêmero.
Pesquiso essa área há sete anos e verifico que só nos últimos dois
ou três começaram de fato a surgir publicações que relacionam o design de
moda à sustentabilidade. Acredito que a relação dos indivíduos com o
universo de bens que eles consomem e descartam, deveria ser tão pesquisada
quanto o produto em si. Entretanto, a maioria das pesquisas na área de
design ainda confere maior enfoque ao produto e suas qualidades
ambientais.
Esse fato é compreensível, uma vez que o design tem por
característica uma ligação maior com a indústria de produtos, e não com a de
serviços. A prestação de serviços pressupõe uma relação entre o prestador e
o cliente e, por essa razão, a interação entre o consumidor e a empresa tem
um enfoque especial. Talvez por esse motivo e pela materialidade projetual
do design, os itens mais pesquisados em se tratando de sustentabilidade e
design são: mobiliário, material de construção, moradias, carros, celulares,
consumo de energia e água e reciclagem de lixo.
A bibliografia sobre o assunto é escassa e existe dificuldade em se
encontrar publicações e autores da área de design de produto que trabalhem
especificamente com a vestimenta com enfoque ou com discussão que leve
em conta a sustentabilidade.
O Instituto de Manufaturados da Universidade de Cambridge, por
exemplo, produziu um estudo sobre a indústria têxtil inglesa que, embora
apresente maior ênfase no aspecto econômico, foi muito útil para esta
pesquisa, pois contribuiu com dados atuais e estatísticas importantes. Uma
publicação que não podemos deixar de mencionar é a de Thierry Kazazian
(2005), da Agência O2, primeira rede internacional de designers que
trabalham com desenvolvimento sustentável.
A proposta do autor se fundamenta na ideia de que vivemos uma
época em que o desenvolvimento sustentável é uma necessidade vital e que
cabe às pessoas criar soluções mais “leves”, que promovam a prosperidade
das sociedades sem regressões dos sistemas naturais e econômicos.
Em sua tese, Kazazian propõe a utilização do conceito de
ecodesign na concepção dos produtos, visando satisfazer as necessidades das
sociedades com uma utilização mínima dos recursos naturais. Outra proposta
é a substituição do produto pelo serviço, em que o termo “possuir” possa ser
substituído pelo termo “usar”. Dessa maneira, o autor prega a concepção de
bens e serviços de forma sustentável, pois, para ele, a origem de uma grande
mudança em rumo à sustentabilidade seria a passagem de uma sociedade de
consumo baseada no produto para uma sociedade baseada na utilização de
serviços, o que geraria uma economia mais “leve”.
Os temas abordados pelo livro de Kazazian são: água, energia,
alimentação, habitação, mobilidade, esporte e multimídia. A questão da
vestimenta, embora tão inerente e importante aos seres humanos quanto
moradia e alimentação, não foi abordada. Entretanto, foram as noções de
uma economia leve, de um design leve, de serviços leves e de benefícios
sociais que inspiraram esta pesquisa.
A leveza a que se refere Kazazian é a mesma proposta por Fletcher
(2010) quando aborda o universo têxtil: o papel do design leve (light design)
é reduzir o uso de recursos sem comprometer a função dos têxteis. Logo, a
leveza da moda, tantas vezes associada apenas a sua superficialidade e
efemeridade, também é aquela que pode estar começando a apontar os
caminhos sustentáveis que o design contemporâneo busca.
A inglesa Kate Fletcher (2010), pesquisadora da Chelsea College
of Art and Design e de ecodesign na Universidade de Londres, ambos no
Reino Unido, elaborou um profundo e denso estudo sobre os caminhos do
design através da sustentabilidade das roupas e dos têxteis em geral. Nesse
estudo, a autora questiona o papel do designer de moda dentro das estruturas
do fast fashion e o confronta com o papel essencial do design, apontando
soluções que, entre outras, remetem às funções fundamentais do design e da
moda, envolvendo conceitos de ética, velocidade, qualidade e integração
entre seres humanos e materiais.
Sem o conhecimento e os estudos necessários para discutir a
questão e diante da emergência do tema, o risco de nos depararmos com
discursos vazios, usados muitas vezes como estratégia de marketing é
grande. De fato, o oportunismo em falar de produtos verdes, de inclusão
social e de meio ambiente foi se tornando lugar comum no discurso de
empresas e criadores, transformando, na maioria das vezes, uma área
importante de pesquisa em estratégias de marketing esvaziadas de
significados. Afinal, as informações consistentes são pouquíssimas e muitas
ainda não foram publicadas no Brasil.
O assunto é polêmico e carece de estudos interdisciplinares para
que se obtenham conclusões significativas que possam realmente ser
aplicadas na criação de novos caminhos, conceitos e possibilidades, novos
modelos criativos e novos modelos de negócios, em sintonia com as
diretrizes do desenvolvimento sustentável. Devemos ter cautela com o uso
leviano e despreparado das abordagens simplistas e reducionistas que
indevidamente banalizam estudos e pesquisas na área.
Espero que a leitura das próximas páginias inspire transformações
efetivas na indústria da moda e colabore para o aprofundamento desse
debate.
2 Em estudo publicado na edição de dezembro de 2011 da revista Science, uma das mais importantes
revistas científicas da atualidade, cientistas relatam a descoberta de vestígios do primeiro lençol da
história da humanidade no sítio arqueológico de Sibudu, na região sudeste da África do Sul. Esse
trabalho resultou na avaliação e análise de 15 fósseis diferentes de plantas usadas entre 38 mil e 77 mil
anos atrás. Disponível em: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2011/12/cientistas-descobrem-
primeiro-lencol-da-historia-feito-ha-77-mil-anos.html .
4 Neste caso, um “futuro digno” significa recursos naturais (água, ar, solo, florestas e biodiversidade)
disponíveis para as próximas gerações e a diminuição, se não a erradicação, da miséria no mundo
(nota da autora).
1.1.1 Impactos
sociais da indústria
têxtil: a mão de obra
humana
Ao se comprar uma peça de roupa barata com a etiqueta made in
China raramente o consumidor tem em mente o que está por trás daquela
etiqueta. Sabemos da usurpação da mão de obra humana nesse país, mas, em
geral, a preocupação de quem compra é buscar um preço melhor – uma
roupa mais barata e, ao mesmo tempo, esteticamente bela. Essa atitude pode
começar a mudar se o consumidor for introduzido à realidade da confecção
têxtil mundial, onde, com uma frequência maior do que se pode imaginar,
encontram-se emigrantes trabalhando em porões, contêineres e prédios cujas
condições de segurança e higiene são altamente comprometidas; onde
trabalhadores, crianças e especialmente jovens mulheres trabalham mais de
doze horas por dia; onde leis trabalhistas não são cumpridas; onde a
dignidade humana é atropelada pelo abuso exercido pelos donos de
confecções, que se valem da extrema pobreza de algumas comunidades e
seus indivíduos para obter uma maior e mais rápida produção. Onde, enfim,
o trabalhador não tem direitos. Todas essas práticas configuram a forma
moderna de escravidão, que gera impactos sociais com consequências
profundas na sociedade e reflete os desajustes de um sistema que precisa de
revisão.
Estendendo-se para muito além da China, os tentáculos dessas
práticas podem permear a maioria das roupas vendidas no varejo,
especialmente as baratas. Logo, precisamos de informações para que, de
posse delas, o consumidor possa adotar posturas menos passivas e mais
críticas e sustentáveis.
O uso de mão de obra em subcondições de trabalho, assim como o
trabalho infantil não é um fato isolado na indústria têxtil. Apesar da
eliminação do uso de mão de obra infantil ser uma das prioridades da
Organização Internacional do Trabalho (International Labour Organization
– ILO), esse ainda é um dos maiores desafios da indústria têxtil mundial
devido à dificuldade de se monitorar subcontratações e trabalhadores
indiretos e externos, que trabalham em suas próprias residências. A mão de
obra contratada é geralmente feminina (RODRIGUES et al., 2006) e com
nenhuma, ou quase nenhuma, qualificação, o que a torna vulnerável a várias
formas de abusos. Essas mulheres, em geral, não sabem ou não são capazes
de requerer seus direitos como trabalhadoras.
Os países considerados em desenvolvimento são responsáveis por
aproximadamente 75% das roupas produzidas no mundo. De acordo com o
Departamento Norte-Americano do Trabalho (United States Department of
Labor),7China, Índia, Nepal, Tailândia, Malásia, Jordânia e Argentina, são
os países onde mais se encontra uso de mão de obra infantil e trabalho
forçado na confecção de roupas, sapatos e bordados.
Neste exato momento, existem 100 milhões de pessoas no mundo
plantando, regando, pulverizando e descaroçando algodão, tecendo,
cortando, tingindo, costurando, bordando, tricotando, empacotando e
vendendo roupas, tecidos e acessórios como bolsas e sapatos (LEE, 2009).
Não se sabe ao certo quantas destas pessoas trabalham em condições
humanas ou não, nem quantas são crianças sendo exploradas. As empresas
do setor alegam que é extremamente difícil controlar todos os processos da
cadeia têxtil e, portanto, não há nenhuma estatística sobre esses dados.
A forma moderna de escravidão é chamada de trabalho forçado,
de acordo com Associação Mundial contra o Trabalho Escravo (Anti-Slavery
International). Essa mesma associação afirma que atualmente 12,3 milhões
de pessoas, entre crianças e adultos, estão submetidos a esse flagelo.
Recentes pesquisas do United States Department of Labor 8 revelam uma
alta incidência de uso de trabalho forçado em 29 países na produção de 50
produtos. Dos 50 produtos e serviços elencados na pesquisa, encontramos
roupas, bordados, tapetes, extração e cultivo de algodão, borracha (látex) e
bambu, itens que se relacionam diretamente à indústria têxtil.
O panorama do trabalho em subcondições no Brasil é dramático.
Embora ainda não figuremos nas pesquisas, vem crescendo a localização de
pequenas e médias confecções movidas por trabalhadores emigrantes
(colombianos, chilenos e até chineses) trabalhando em subcondições e sem
nenhum contrato legal de trabalho. Muitas vezes, esses emigrantes trabalham
para pagar as passagens de seus países até o Brasil. Em geral, eles vêm para
cá com a promessa de uma vida melhor, mas ao chegarem aqui descobrem
que possuem uma significativa dívida com o “esquema” que os trouxe.
Assim, geralmente permanecem morando no local onde trabalham e
eventualmente recebem algum dinheiro pelo que produzem – alguns
trabalham apenas para pagar a dívida.
Sabemos que a extensão e aplicação da legislação nos domínios
das empresas de confecção no Brasil são restritas O trabalho forçado e em
subcondições não é apenas um reduto de estrangeiros emigrantes. Muito
pelo contrário, é comum nas comunidades ao entorno dos grandes centros e
é muito fácil ter acesso e conhecimento do funcionamento dessas estruturas.
Em geral, os processos de desenvolvimento do sistema da moda que
permitem ou estimulam a formação desses centros se apresentam da seguinte
forma:
1. A empresa de varejo entra em contato com uma confecção de médio a
grande porte e solicita o desenvolvimento de um determinado modelo
de roupa. Nesse caso, o tecido e os demais insumos são fornecidos pela
própria confecção. Fechada a peça piloto e definidas as grades de
tamanho e número de peças, a confecção produz o produto e o vende à
empresa na quantidade acordada. Para se obter mais rapidez, economia
de custos e um maior lucro, a confecção procura seus parceiros
externos, ou seja, costureiras autônomas que possuem pequenas
confecções nas comunidades locais. A produção é passada para essas
estruturas parceiras, que por sua vez, para agilizar a produção e
minimizar os custos, repassam a produção para outras costureiras
externas, que possuem máquinas próprias ou que trabalham com
máquinas de costura e overloques emprestadas, e assim por diante.
Quando a produção está pronta, a confecção recolhe as peças fechadas e
as entrega na empresa de varejo. Toda a negociação entre a empresa de
varejo e a confecção pode ser ou não feita dentro dos parâmetros legais
(notas fiscais, recolhimento de impostos, etc.). Mas a relação entre a
confecção e as costureiras externas costuma não ter nenhuma
legalidade.
2. A empresa de varejo desenvolve o produto, que neste momento se
chama peça piloto, compra todos os insumos necessários para a
produção e a terceiriza. O processo a partir desse ponto é o mesmo que
o citado acima – uma longa cadeia de terceirizações.
Como se pode observar, a terceirização acontece sempre pelas
mesmas razões: aumento do lucro e rapidez na entrega. No entanto, não é tão
difícil quanto se alega rastrear e supervisionar terceirizações contratadas e
subcontratadas. A justificativa das grandes empresas varejistas, cujas
etiquetas são constantemente flagradas pela mídia nas mãos de operárias,
geralmente emigrantes ilegais, parece muitas vezes ser camuflagem para
aumento de margem de lucro.
De maneira geral, o setor têxtil tem sérios comprometimentos com
a questão social e vem sofrendo tanta pressão que já é visível a preocupação
de grandes varejistas mundiais em rever seus posicionamentos sociais, como
veremos mais adiante.
1.1.2 Impactos
ambientais
É pouco provável que ao comprar uma camiseta de algodão
convencional o consumidor pense que está comprando um produto que, até
chegar às suas mãos, consumiu 160 gramas de agrotóxicos, uma determinada
quantidade de energia e que causou danos sérios ao solo, à água e àqueles
que trabalharam no cultivo do algodão. Tampouco sabe que ele estará
gerando novos impactos ambientais cada vez que sua camiseta for lavada e
passada.
A roupa está tão próxima ao nosso corpo que acabamos por não
percebê-la enquanto produto. O que vestimos é parte de nós, por isso é mais
frequente usarmos do sentimento e da moda para entendermos uma roupa do
que a racionalizarmos como produto. Talvez seja por essa razão que,
comparativamente à arquitetura e à produção de alimentos, a indústria têxtil
e a área de moda tenham demorado tanto a despertar o interesse de
pesquisadores e empresários quando se fala em sustentabilidade.
Essa imensa e poderosa indústria, que configura juntamente com a
de construção civil e de alimentos o triunvirato das três maiores indústrias do
mundo, produz o produto “roupa”, assim como todos os demais produtos
têxteis. Esses produtos estabelecem conosco relações de intimidade, já que
nascemos e morremos envoltos neles: casamos e dormimos rodeados por
eles todas as noites; tecemos para nossos bebês lindos sapatinhos e os
enrolamos em mantas protetoras, em tons de rosa ou azul; sentamos sobre
eles em nossos sofás, cadeiras e carros; deitamos em nossas redes; pisamos
em tapetes e abraçamos nossos travesseiros e bichos de pelúcia; colocamos
nosso sagrado alimento sobre eles e, em dias de festas, usamos os tecidos
mais bonitos e especiais; penduramo-nos em cordas e com ela amarramos
nossas mudanças; enfeitamos nossos presentes e criamos laços – laços de
afeto com os tecidos. Humanos e têxteis são inseparáveis há milênios – trata-
se de uma história de coexistência.
Entretanto, precisamos lembrar que com a revolução industrial e,
posteriormente, com a democratização da moda decorrente dos movimentos
culturais e sociais do século XX, os bens têxteis ganharam um volume e uma
importância jamais percebida. Como são provenientes de recursos naturais
(assim como todos os demais bens de consumo), produzidos em massa,
considerados bens de primeira necessidade e relativamente baratos, os
impactos ambientais por eles gerados são igualmente volumosos e
importantes.
A produção de têxteis foi uma das atividades mais poluidoras do
último século e foi tema de várias pesquisas que recaíram em especial sobre
seus principais impactos: a contaminação de águas e do ar. Além de
demandar muita energia na produção e transporte de seus produtos, a
indústria têxtil polui o ar com emissões de gases de efeito estufa; as águas
com as químicas usadas nos beneficiamentos, tingimentos e irrigação de
plantações; e o solo, com pesticidas de alta toxidade. Além disso, os resíduos
que permanecem nos produtos podem contaminar quem os usa.
Entretanto, no final do século XX (PORTILHO, 2010) chegou-se à
conclusão que não se pode analisar os impactos das produções industriais
olhando apenas as questões da poluição e do gerenciamento de detritos
sólidos e efluentes9. É necessário estender a visão aos padrões de consumo e
estilos de vida que demandam essa produção. Logo, a partir da década de 90
o foco das preocupações, discussões e pesquisas passou do processo
industrial para a esfera do consumo.
A produção e suas consequências já não são mais vistas como as
vilãs da história da degradação ambiental. Estudos vêm sendo feitos e,
progressivamente, soluções vêm sendo alcançadas. Os Sistemas de Gestão
Ambiental e de Produção Limpa, que veremos mais adiante, são cada dia
mais comuns nas indústrias, bem como a adequação às normas ambientais
mundiais, como as ISOs10, que vêm sendo seguidas, mesmo que
inicialmente apenas por um grupo especial de países e de empresas.
Graças a esses avanços, a reflexão que nas últimas duas décadas
vem ganhando espaço nas pesquisas gira em torno do consumo
absolutamente excessivo e aparentemente infindável de recursos naturais
finitos e da falta de cuidado e parcimônia no uso dos recursos não
renováveis, ou ainda não totalmente renováveis, como a água, o solo, o
petróleo, a fauna e a flora. Como a produção de têxteis está diretamente
ligada à moda, uma poderosa indutora de consumo, ela pode ser considerada
uma das maiores degradantes desses recursos.
Aqui trataremos dos principais impactos ambientais dessa
indústria, que se concentram nas seguintes áreas: consumo de energia; uso
de produtos tóxicos (mais especificamente no plantio do algodão, que
interessa particularmente à economia brasileira); consumo de água; produção
de efluentes químicos e geração de resíduos sólidos.
Consumo de energia
Consumo de água e
produção de
efluentes químicos:
A água é um dos principais recursos que vêm sendo explorados de
maneira imprópria pelo setor têxtil. Em especial na irrigação de plantações
de algodão, mas também nos setores de acabamentos e beneficiamentos
têxteis. Anualmente, a indústria têxtil descarta entre 40 e 50 mil toneladas de
corantes em rios e riachos (LEE, 2008). Todos os resíduos líquidos ou
gasosos produzidos por indústrias ou por esgotos domésticos urbanos
lançados no meio ambiente são chamados de efluentes. A poluição das
águas, devido às marés e aos ventos, é uma das mais complexas para
monitoramento, pois nunca se sabe exatamente por onde ela vai se espalhar.
Por esse motivo, a regulamentação sobre efluentes na União Europeia é
extremamente rigorosa.
Todos os efluentes resultantes dos beneficiamentos e acabamentos
têxteis são químicos que, em sinergia com outros componentes, afetam o
meio ambiente (flora e fauna) e o ser humano. São beneficiamentos e
acabamentos:
o tingimento, que implica no uso em larga escala de corantes das mais
variadas classes, alguns terminantemente proibidos na União Europeia,
como aqueles à base de Benzidina13;
o branqueamento ótico e o alvejamento;
a estampagem tanto com uso de corantes espessos quanto com uso de
tintas de base acrílica;
a aplicação de agentes biocidas em algodões e viscoses, usados para
que alguns produtos usados na manufatura do tecido não se degradem
durante o estoque;
os processos de acabamento da lã e do couro, beneficiamento
antipassadoria (tecidos que não amarrotam), impermeabilização e
tratamento antichamas.
Esses procedimentos da indústria têxtil são feitos por meio de
processos químicos em que se utilizam produtos que oferecem comprovados
riscos à saúde e ao meio ambiente. Em geral, todos esses processos são
finalizados em lavagens com água.
Sabe-se que a água é um dos elementos básicos para o processo de
produção da indústria têxtil, principalmente nas etapas de alvejamento e
tingimento dos tecidos planos e das malhas de algodão, que provocam
contaminação da água utilizada devido às substâncias químicas que fazem
parte do processo. Entretanto, é preciso considerar não apenas o que diz
respeito aos efluentes, mas também ao consumo de água. De acordo com
Matilda Lee 2008, Richard Blackburn, especialista do Centro de Técnicas
Têxteis da Universidade de Leeds, no Reino Unido, afirma que para tingir
uma camiseta comum, de 200 gramas, são usados entre 16 e 20 litros de
água. Em escala industrial esses números alcançam valores muito maiores.
Logo, no caso da água há duas questões sérias: o uso abusivo do recurso
hídrico e a poluição deste.
Geração de resíduos
sólidos
A indústria têxtil possui um elevado potencial de geração de
resíduos sólidos. Dentre as etapas de maior impacto estão a tecelagem e o
corte do tecido, que geram um montante significativo de pelos (sobras do
processo de fiação do fio), buchas (sobras dos fios no processo de
tecelagem) e retalhos (gerados no corte) (MOURA et al., 2005). Todos esses
resíduos têxteis sólidos encontram mercado quando transformados em
estopas ou enchimentos para travesseiros, edredons e bichos de pelúcia,
entre outros.
Em relação aos resíduos sólidos têxteis domésticos, ou seja,
aqueles gerados pela sociedade quando o produto é descartado, não é comum
encontrar pesquisas ou dados. Em geral, as pessoas doam lençóis, mantas,
cobertores e toalhas usadas, assim como suas roupas, a instituições
religiosas, campanhas governamentais, orfanatos, creches comunitárias,
leprosários, asilos e outros. Embora exista uma parcela dos têxteis que é
descartada no lixo doméstico, não existem muitos dados que mensurem esse
resíduo. De acordo com Rodríguez et al. (2006) em estudo feito na
Universidade de Cambridge, na Inglaterra se produz 30 quilos anuais de
resíduos têxteis por pessoa.14
1.1.3 Mudanças de
endereços da
produção têxtil
Observa-se nas últimas décadas um constante declínio na
fabricação de roupas nos Estados Unidos e na Europa, em especial na
Inglaterra, Espanha, Itália e França. De acordo com Matilda Lee (2008),
entre 1995 e 2005 houve uma redução drástica de empregos no setor têxtil
desses países; os números superam a casa dos milhões. A indústria têxtil
europeia e americana praticamente mudou-se para o oriente. Nos últimos
anos a China tem sido responsável por mais de um quarto da produção
mundial de roupas. O restante é produzido em países como Índia,
Bangladesh, Haiti, Camboja, Turquia, México, Paquistão e Romênia (LEE,
2008).
Existem vários motivos para a transferência das atividades
industriais para esses países: produção em curto prazo, pouca ou nenhuma
regulamentação trabalhista em várias fábricas, impostos de produção
reduzidos e incentivos à exportação (nos países sede da produção, no
oriente) e importação (nos países sede das marcas de moda), entre outros. Do
outro lado, um dos fatores que nos parece determinante é a rigorosa
regulamentação trabalhista e ambiental europeia, que vem em crescente
desenvolvimento e elaboração.
A proibição legal do uso de diversas substâncias químicas e as
regulamentações em relação à gestão de resíduos sólidos e efluentes
inviabilizou boa parte das práticas tradicionais de acabamentos e
beneficiamentos têxteis. A adequação das empresas têxteis europeias e
americanas a esses novos normativos seria mais onerosa do que a mudança
de continente; e a mudança, por sua vez, possibilitaria a reprodução das
práticas tradicionais, mais baratas e amplamente conhecidas. Esse
certamente não foi o único fator, mas foi uma das circunstâncias cruciais
para a implantação de tecelagens, confecções, curtumes, tinturarias e
estamparias europeias em solo oriental e, também, brasileiro.
Entre o final do século XX e o final dos anos 2010, foram
implementados nos países desenvolvidos os conceitos e práticas de Sistemas
de Gestão Ambiental (SGM), Produção Limpa (PL) e Ecodesign.
O Sistema de Gestão Ambiental estabelece uma política ambiental
para todos os setores da empresa, planeja, implementa e operacionaliza as
práticas que essas políticas determinam, estabelece verificações frequentes,
ações corretivas e análise crítica. Os aprendizados provocam então a revisão
das políticas primeiramente estabelecidas, o planejamento destas e assim por
diante, num ciclo fechado e contínuo de verificações e ações.
A Produção Limpa foi um conceito originado na Rio92 e tem
como princípio minimizar o desperdício de matéria-prima e de energia, que
geralmente ocorre devido à grande geração de efluentes e rejeitos (lixo) –
característica em todos os processos industriais atuais. Atualmente, a PL
pode ser definida como
1.2.3 Tendências e
consumo
A moda é, sobretudo, um
negócio, que acompanha a
tendência da economia, dos
estilos de vida das pessoas,
seus comportamentos e, ao
mesmo tempo,
interdependência de e entre
mercados. O que acontece na
Europa, na Ásia, na América
não são fenômenos isolados;
ao contrário, tal qual vasos
comunicantes, para usar um
exemplo da física, quando
surge uma tendência em uma
região, ela acaba por
estimular tendências em
outros lugares. Os
acontecimentos influem na
cadeia produtiva de negócio
de moda de forma tão intensa
que fica difícil dizer, sem
medo de errar, de que
maneira os fatos se
sobrepõem, identificando ou
criando necessidade de
consumo. (COBRA, 2007, p.
26)
Tal ato gera, então, uma profunda alteração nas relações entre
criador, produtor e consumidor. A importância da compreensão da pergunta
e a sinceridade da resposta geram todo o processo de educação do
consumidor responsável; logo, tem a capacidade de gerar novas percepções.
1.3.1 Cenários em
consolidação:
mercados justos;
mercados verdes;
mercados éticos
Design Participativo
Open-Source Design
A ideia de uma fonte aberta de informações na área de design, em
especial de design de moda, é uma iniciativa autônoma, individual ou
coletiva, que possivelmente seguiu o caminho de outras fontes abertas de
informação, como Wikipédia e YouTube, que são os melhores exemplos de
open-source (fontes livres de informação e compartilhamento). De acordo
com Fletcher (2008), essas iniciativas são construídas tendo como base a
premissa de que as pessoas desejam compartilhar suas capacidades e
conhecimento, colaborando em escala global (via web) uma com as outras,
sem o controle do mercado ou de qualquer empresa. A autora aponta a
crescente oferta de blogs, assim como o crescente uso das redes sociais no
compartilhamento das informações. Por meio dessas ferramentas, os
designers compartilham com usuários e vice-versa várias informações sobre
inovações, processos, materiais e seus usos e reúsos.
Esse tipo de ação exclui o tradicional sistema de informação
empresa - consumidor e instala um modelo mais democrático e inclusivo de
trocas, com uma via de mão dupla e sem interferência empresarial. Assim,
ambas as partes envolvidas podem se sentir engajadas em um processo de
enriquecimento mútuo de competências, experiências e conhecimentos, em
que o foco deixa de ser a acumulação de bens para se tornar a construção do
bem em si. Embora ainda importante, a lucratividade perde terreno para as
trocas de conhecimentos – usadas como ferramentas para tornar todos mais
qualificados e competentes.
De certa maneira, esse é um novo modelo de atuação dentro do
design em geral, podendo ser visto como uma ação social e política – ou
seja, uma ação que tem contornos muito mais profundos do que aparenta e
que pode sinalizar uma mudança de paradigma de consumo.
A fast fashion
italiana
1.3.3 Considerações
sobre o consumo
consciente
Existem questões específicas na área do consumo, em especial no
que concerne ao “consumo verde” ou “consumo consciente”. Embora todos
os focos sobre a questão da sustentabilidade ambiental incidam sobre os
meios de produção e nas trocas do mercado, o consumo transcende esses
aspectos.
De acordo com Portilho (2010), a dimensão social e a dimensão
política do consumo não podem ser desprezadas e, se considerarmos que as
mudanças sociais, embora ínfimas, não se dão apenas de forma radical e
grandiosa, poderíamos considerar o campo de consumo como uma
necessária extensão das novas práticas políticas que surgem no centro da
modernidade contemporânea (PORTILHO, 2010). Isso já pode ser percebido
na forma de produção e no mercado dos orgânicos e dos produtos
considerados éticos20. Também podemos observar isso no Open Sourced
Design, apontado por Fletcher, em que a democratização das competências é
evidenciada a partir do compartilhamento via web e é o foco das relações ali
estabelecidas.
Podemos considerar, então, que alguns consumidores já
estabelecem novas relações de consumo em outras esferas, que escapam a
todo e qualquer controle se não o de suas próprias capacidades e desejos.
Novas formas de consumo estão se estabelecendo por meio de interações
não mais entre consumidores e empresas, mas entre usuários, criadores e
designers.
Devido à forte influência da moda em sua ampla rede de difusão
de produtos, comportamentos e representações sociais, é relevante
compreender os mecanismos dessa estrutura no que concerne à suposta
dicotomia consumo-preservação nos âmbitos empresarial e social. Por ser o
consumidor e seu comportamento de vital importância para as empresas de
moda, a base do crescimento econômico destas vem passando por uma
reflexão que foca seus clientes, atuais e futuros, dentro do cenário da
sustentabilidade.
1.4 Responsabilidade socioambiental no setor de moda: a nova onda
do consumo
1.4.1
Responsabilidade
socioambiental
Embora o conceito de responsabilidade ambiental inclua todo o
âmbito social e suas múltiplas relações com o mundo natural, aqui será
usada a terminologia “socioambiental” de forma a tornar clara para
pesquisadores de outras áreas, como design e moda, a objetividade da
relação entre os aspectos sociais e ambientais aqui discutidos.
O fundamento da responsabilidade socioambiental tem sido fruto
de críticas e análises de diversos autores (ASHLEY, 2005), pois sua
complexidade envolve limites entre a atuação do estado, da iniciativa
privada e da sociedade civil. A esse cenário ainda se somam novas questões
sociais e ambientais, geradas a cada dia. A principal crítica vem de Milton
Friedman (1970), que afirma que a direção corporativa não tem direitos,
obrigações, competência técnica ou tempo disponível para fazer nada que
não atenda diretamente ao objetivo de maximização dos lucros das
empresas, mantidos os limites da lei.
Os argumentos a favor das posturas de responsabilidade social das
empresas partem de duas linhas básicas: a ética e a instrumental. Os
argumentos que embasam a visão ética derivam de princípios religiosos,
morais e sociais. Tais argumentos consideram que as empresas, assim como
as pessoas que nelas trabalham, devem se comportar de maneira social e
moralmente correta, mesmo que tal comportamento envolva despesas
improdutivas para a empresa (ASHLEY, 2005). Na visão instrumental é
evidenciada a relação produtiva entre o comportamento socialmente
responsável e o desempenho econômico da empresa. Nesse escopo, segundo
Ashley (2005), a empresa busca agir proativamente na busca das
oportunidades geradas pela maior consciência sobre as questões culturais,
ambientais e de gênero; pela antecipação, evitando regulamentações de
governo restritivas à ação empresarial; e pela diferenciação de seus
produtos diante de competidores menos responsáveis.
Para o designer Kazazian (2005), o princípio da responsabilidade é
bastante ampliado e está ancorado no princípio da precaução, que incita à
prudência e ao bom senso. O autor afirma que toda ação está acompanhada
de uma série de riscos, logo, de uma indispensável vigilância. A vigilância
se faz sempre necessária porque a investigação científica não é suficiente
para garantir a inocuidade de muitas das ações humanas e porque cada uma
das nossas escolhas, das mais banais às mais racionais, podem influenciar
gravemente nosso futuro no planeta. Responsabilidade, para o autor,
extrapola o círculo restrito às ações empresariais já estabelecidas no campo
da responsabilidade socioambiental e se estende ao indivíduo e seus valores
éticos e morais. Para ele, a responsabilidade está ligada a um agir
responsável, em que o indivíduo tem consciência das consequências de suas
ações e é capaz de compreender e considerar, a cada tomada de decisão, a
relação de interdependência que existe entre as esferas econômicas e sociais
e a biosfera.
Na interpretação de Kazazian (2005), percebe-se uma visão
aprofundada e particular para o conceito de responsabilidade. Entretanto, por
considerar o imenso raio de abrangência do conceito de ética, pode-se
afirmar que tanto Kazazian (2005) quanto Ashley (2005) comungam de uma
mesma visão holística e integrada de responsabilidade. No recorte da
responsabilidade socioambiental corporativa, ambos sugerem que a simples
concepção de uma empresa ética já seria uma postura de responsabilidade
socioambiental.
1.4.2
Responsabilidade
socioambiental na
passarela da moda
Embora ainda não exista consenso generalizado acerca da
pertinência ou não de empresas assumirem posturas socioambientais, alguns
setores da economia global já perceberam que, ao agir de forma responsável,
são geradas não apenas oportunidades de diferenciação, antecipação e
consciência, mas uma nova relação com o consumidor é estabelecida. Essa
relação é fundamentada nas novas formas de percepção e de sensibilidade do
neoconsumidor. Sendo a área da moda atravessada transversalmente pelas
áreas culturais, tudo que é novo, logo ainda incipiente, é acolhido pela moda.
Assim, não é surpresa percebermos que marcas de luxo (grifes) estejam
reavaliando seu posicionamento em relação a posturas socioambientais
éticas.
A questão da preocupação com uma moda mais ética e sustentável
tem suas raízes na primeira metade do século XX, nos movimentos de
agricultura orgânica e suas várias correntes minoritárias (LIMA, 2008). Mas
foi a partir da década de 70, quando as organizações ambientalistas e os
consumidores europeus começaram a se preocupar com a qualidade dos
alimentos que estavam ingerindo, que se compreendeu e se evidenciou que
os agrotóxicos também estavam na produção de roupas.
Segundo Lima (2008, p. 5):
Após um crescimento
considerável nesse ramo da
produção ecológica, já no
final dos anos 80, as atenções
de consumidores e
ambientalistas se voltaram
para o algodão, considerado
um dos campeões mundiais
no uso de agroquímicos e,
consequentemente, de
poluição ambiental.
9 Efluente: resíduos líquidos ou gasosos produzidos por indústrias ou resultante dos esgotos
domésticos urbanos, que são lançados no meio ambiente (nota da autora).
12 World Health Organization; PAN-UK; IBD; FAO apud Instituto Ecotece, disponível em:
www.ecotece.org.br/conteudo.php?i=4.
14 Vale comentar que a realidade da indústria têxtil inglesa é bastante diversa da brasileira e que a
relação dos ingleses com as roupas é também diferente. Primeiramente, é importante considerar que o
poder aquisitivo dessa sociedade é alto, e que, consideradas muito baratas, as roupas na Inglaterra são
descartadas com muita facilidade. É por esse motivo que existem na Inglaterra movimentos para
conscientização da população em relação à produção de roupas em países em desenvolvimento e
associações como a Textile Recycling Association (Associação de Reciclagem Têxtil) (RODRÍGUEZ
et al., 2005).
15 www.just-style.com
16 From Cradle to Cradle Institute, disponível em:
http://c2ccertified.org/index.php/about/what_is_cradle_to_cradle
17 Na década de 90 prestadores de serviços da Nike foram fotografados usando mão de obra infantil.
A empresa sofreu boicote global coordenado por ONGs e suas vendas despencaram especialmente nos
Estados Unidos, conforme matéria publicada na Revista Isto É Dinheiro (FERREIRA, 2010).
19 Emotional Design (ou Design Emocional), é um conceito defendido por Donald Arthur Norman, no
livro Emotional Design, de 2005, no qual considera não apenas a dimensão estética dos produtos
como também a dimensão emocional envolvida na interação ser humano-produto.
20 Nota da autora
21 Stakeholder: termo em inglês amplamente utilizado para designar as partes interessadas, ou seja,
qualquer indivíduo ou grupo que possa afetar a empresa por meio de suas opiniões ou ações, ou ser
por ela afetado. Há uma tendência cada vez maior em se considerar stakeholder quem se julgue como
tal. Disponível em: www.ethos.org.br/docs/conceitos_praticas/indicadores/glossario
CAPÍTULO 2
2.1.3 Formação e
pesquisa acadêmica
Um fato que merece total atenção e que está diretamente ligado à
difusão da informação e na formação de novos criadores e consumidores é a
implantação de disciplinas de caráter socioambiental e de ecodesign nos
currículos dos cursos de graduação e pós-graduação em design de moda.
Além disso, o fomento a projetos educativos na área e programas de
extensão também pressupõem um espaço de disseminação e formação de
conhecimento.
De acordo com dados de 2011 do Ministério da Educação, existem
no Brasil 122 cursos de design de moda com reconhecimento do ministério.
Considerando esses dados e supondo que cada um desses cursos forma
apenas uma turma de 30 alunos, pode-se afirmar que chegam ao mercado, no
mínimo, mais de seis mil designers de moda por ano. A adequação desses
novos profissionais a uma nova realidade é uma questão muitas vezes
discutida, mas poucas vezes compreendida e trabalhada em sua amplitude. É
urgente, hoje, reavaliar os currículos desses cursos, acrescentando a eles
disciplinas que tratem de questões socioambientais ligadas à cadeia têxtil.
A disciplina de ecodesign, já frequente em grades de curso de
design de produto, começa a ser oferecida também em cursos de design de
moda. A disciplina atende à necessidade de pensar o conceito de
sustentabilidade nas várias fases do ciclo de vida do produto, em toda a sua
amplitude. Durante o projeto são abordados a economia de recursos naturais,
bem como a minimização de resíduos e emissões e a utilização de fontes de
energia renováveis, considerando sempre a realidade socioambiental da mão
de obra envolvida. Entretanto, apenas a inclusão da disciplina de ecodesign
não é o bastante para os vultosos números de produtos desenvolvidos neste
mercado e nesta indústria. Além da questão que se insere na problemática da
criação e desenvolvimento de produtos, a atenção deve também se estender e
atentar para as práticas de trabalhos em condições precárias, uso de mão de
obra infantil, trabalho escravo, graves impactos ambientais e alto consumo
energético e de recursos naturais – o que incide diretamente sobre a
sociedade contemporânea e é o futuro dos alunos atuais.
Alguns dos cursos superiores oferecidos no Brasil já incluíram
disciplinas que abordam esses temas em suas grades curriculares. Observa-se
que, na medida em que a preocupação com essas questões vem crescendo,
aumenta também o número de jovens interessados no conhecimento
científico necessário para lidar com os problemas e desafios atuais e que os
ajude a pensar e se inserir no mercado contemporâneo.
Seguindo os modelos curriculares que vêm sendo adotados nos
principais cursos ingleses e acrescentando aspectos que estão diretamente
ligados à realidade brasileira, essas disciplinas deveriam apresentar em seus
programas os seguintes itens:
Extrativismo; Revolução Agrícola; fontes renováveis de energia; fontes
tradicionais e potenciais dos seguintes produtos: fibras, madeira, óleos
fixos, resinas, gomas, látex, óleos essenciais e princípios ativos tóxicos
e medicinais; perspectivas das relações entre humanidade e vegetais.
História ambiental; estudo das manifestações de cultura em relação ao
ambiente circundante na antiguidade e no processo da modernização.
Relações e dicotomias entre a cultura de moda e a sociedade de
consumo; identidade e expressão através do parecer e da necessidade de
consumo.
Estudo aprofundado da sustentabilidade como macrotendência mundial
e sua expressão na moda contemporânea; o termo desenvolvimento
sustentável e seus conceitos fundamentais; como avaliar e monitorar e o
que esse tipo de desenvolvimento pode significar na indústria têxtil.
Introdução à responsabilidade social corporativa; ISO26000 – o custo
humano da fast fashion e como entendê-lo e processá-lo segundo novos
conceitos e realidade de mercado.
Mercados alternativos; comércio justo; proposta ética e seus aspectos
sociais.
Introdução à ecologia, à biodiversidade nacional e aos recursos vegetais
têxteis.
Recursos usados na manufatura de fibras têxteis sintéticas e artificiais.
Reciclagem, reúso, reforma e redução de materiais/recursos
Gestão ambiental na indústria têxtil; conceitos de Produção Limpa;
certificações de orgânicos; a ISO14001 (e outras complementares).
Algodão orgânico no mundo e no Brasil, seus aspectos políticos, sociais
e ambientais.
Estudo dos conceitos de ecodesign, novos materiais; ciclos da cadeia
têxtil e ciclo de vida dos produtos da indústria têxtil.
O principal objetivo desses assuntos inseridos em novas
disciplinas não é apenas o de capacitar o futuro designer para atuar num
mercado diferenciado, mas inspirá-lo a ser sustentável e a agir de forma
ética.
Aqui foram mapeados projetos inovadores oriundos de
universidades que tenham como foco uma reinterpretação da noção de moda
e o estabelecimento de um novo diálogo entre a moda, as pessoas e a
natureza.
Ecomoda
Em termos de projetos, o programa Ecomoda, coordenado pela
professora Neide Schulte, foi pioneiro. O projeto faz parte do programa de
extensão da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e, desde o
princípio, em 2005, teve como objetivo a disseminação do conceito de
sustentabilidade e do consumo consciente. De acordo com sua mentora, o
Ecomoda foi criado para
Moda,
sustentabilidade e
inclusão: retraços
que tecem histórias
Outra iniciativa pioneira foi a implantada pela Prof.ª Suzana
Barreto na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no bacharelado em
Design de Moda. Desde 2009 ela coordena o projeto que é desenvolvido
com alunos bolsistas e a comunidade local, no qual são recriadas peças de
vestuário a partir de resíduos têxteis.
O projeto se desenvolve por meio de oficinas com os estudantes do
curso e com jovens e adultos da comunidade. As atividades são divididas em
duas fases: a produção de produtos, feita com a orientação dos alunos do
curso de Design de Moda da UEL, e a apresentação dos produtos à
comunidade e às empresas de moda da região29.
Pós-Graduação em
Moda sustentável La
Salle
O Instituto Superior La Salle, no Rio de Janeiro, lançou em 2009 a
Pós-Graduação em Design de Moda com foco em Estratégias para
Sustentabilidade, sob minha coordenação e ainda o único no segmento. Com
a intenção de formar especialistas designers já atuantes no mercado e alunos
egressos das graduações, o curso da La Salle também tem como objetivo
formar professores para suprir a falta desses conhecimentos específicos na
área de moda.
Os alunos que procuram o curso não são todos oriundos das
graduações de Moda, mas também de Biologia, Assistência Social, Artes
Plásticas e outros, o que o torna heterogêneo e dinâmico. Atualmente o curso
abriga o núcleo Design do Bem. Esse projeto oferece consultorias a terceiros
em vários segmentos – de atendimento a ranários que precisam reverter as
peles das rãs, anteriormente jogadas no lixo, em produtos de moda a serem
oferecidos no mercado e em feiras internacionais, até a consultoria de
produtos e materiais sustentáveis, desenvolvimento de coleções e áreas do
design de moda em geral. O núcleo também é composto por um laboratório
de pesquisas acadêmicas em moda sustentável, onde são locados e
disponibilizados todos os trabalhos de conclusões de curso e artigos dos
docentes. Finalmente, o núcleo abriga um ainda embrionário atelier social,
em fase de implementação.
O curso vem crescendo ao longo dos anos e recentemente está
fechando um acordo de colaboração com cursos europeus, como o Centro de
Moda sustentável do London College of Fashion, para parcerias e
intercâmbio de saberes e interesses.
A implantação de projetos, disciplinas e cursos de pós-graduação e
extensão nesta área acadêmica atende a novas demandas, não apenas do
mercado de trabalho, mas sobretudo de um novo direcionamento no
desenvolvimento da indústria têxtil e da moda no Brasil, que requer um foco
em responsabilidade socioambiental.
Para tornar a visão acadêmica mais clara e necessária no Brasil, é
interessante perceber que o processo de implementação desses saberes no
universo dos cursos europeus aconteceu há algum tempo e que, enquanto
profissionais de um país em desenvolvimento com reservas naturais
importantes, a nossa atualização e constante aprimoramento é uma
necessidade.
Na Inglaterra, em especial, as escolas de moda se transformaram
em eco, como afirma Matilda Lee em seu livro EcoChic (2009), de onde
foram pesquisados parte dos dados sobre as escolas inglesas.
Textile Environment
Design (TED), da
Chelsea School of
Art
Rebecca Early fundou em 2003, na Chelsea School of Art, o
centro TED – Textile Environment Design30 (centro de Design Ambiental
Têxtil). Esse centro se tornou uma referência para aqueles que se
preocupavam com a questão socioambiental mas não queriam criar produtos
em que a temática “eco” fosse reconhecida. Graças à inserção dos conteúdos
e atividades acadêmicas do TED no currículo do bacharelado da Chelsea,
surgiu o projeto Short-life, long-life (Vida-curta, vida-longa) enfocando o
pós-vida de peças descartadas e outras questões relacionadas. De acordo
com Rebecca (LEE, 2009), para fugir dos tradicionais trabalhos “verdes”,
que na maioria das vezes pecam na estética do produto, é preciso encontrar
um equilíbrio dentro do curso. Quando os alunos têm as informações
corretas e quando ideias éticas, ecológicas e estratégicas estão integradas ao
currículo, o resultado final das criações é muito melhor, pois os trabalhos
não só ficam lindos como o pensamento ecológico passa despercebido.
Esmode Berlim
Em 2011 a Esmode Berlim32, também inaugurou seu mestrado em
Moda sustentável. (Master in Sustainable Fashion). Todas as filiais Esmode
pelo mundo já incorporaram os conteúdos de sustentabilidade aos seus
currículos e é provável que a pós-graduação também se estenda as outras
unidades, pois é clara a necessidade de formação de pesquisadores e mestres
na área.
Kate Fletcher
Congresso Nacional
de Técnicos Têxteis
Em 2009, considerado pela indústria têxtil como o ano das fibras
naturais, o XXIII Congresso Nacional de Técnicos Têxteis (CNTT),
juntamente com a feira Tecnotêxtil, voltaram-se para o tema
sustentabilidade. A partir de então, anualmente, a cada edição do Congresso,
passaram a contar com painéis inerentes ao tema na área, como a questão do
algodão e o uso de pesticidas, o uso da água e da energia, nanotecnologia e
ecologia humana, entre outros.
Textile Exchange -
Organic Exchange
Em 2008 o Brasil sediou a III Conferência Latino-americana de
Algodão Orgânico, promovida pela ONG Organic Exchange, da Califórnia.
De acordo com o portal Ecotece, que foi um dos organizadores do evento,
um dos principais temas abordados foi a “conscientização para que o
orgânico não seja apenas uma moda inserida no mesmo sistema de
exploração e commodities aplicado atualmente para produtos têxteis”. O
orgânico é uma questão de mudança de paradigma e por isso está associado
ao comércio ético e solidário, o que promove uma dupla certificação: para a
produção orgânica e para o comércio justo.
Nesse mesmo ano aconteceu a I Conferência Global de Têxteis
Sustentáveis, também promovida pela Organic Exchange. Cerca de 300
participantes de 29 países se reuniram na cidade do Porto, em Portugal, para
compartilhar o que tem sido feito no mundo para viabilizar um vestir mais
consciente.
Em 2007 a Organic Exchange passou a ser conhecida formalmente
como Textile Exchange (TE), termo que em uma tradução livre significa
“Têxteis em Mudança”. Desde 2001, ano de sua fundação, até hoje, a TE
promove conferências e seminários e participa das principais feiras e
exposições da indústria têxtil mundial. Dentre as mais importantes podemos
destacar os eventos de 2011, como a Conferência de Têxteis Sustentáveis –
Impactos, Integridade e Inovação, realizada em Barcelona; o seminário O
Case da Moda sustentável, em Bruxelas; e o Seminário Global dos Têxteis
Orgânicos, em Nova York.
Como a TE é uma ONG que promove a pesquisa e a difusão das
informações sobre os meios empresariais e sociais e como grande parte dos
tecidos consumidos é de origem vegetal e animal, uma grande ONG
certificadora dos produtos orgânicos, a poderosa IFOAM (Federação
International do Movimento da Agricultura Orgânica), assim como a
BioFach, feira internacional de produtos orgânicos e ecológicos de origem
alemã, vêm realizando juntamente com a Textile Exchange34 inúmeros
fóruns de debate sobre a questão têxtil no mundo.
Internacionalmente, o que antes era apenas uma tendência é hoje
prática consolidada. E sua seriedade é inquestionável: a sustentabilidade na
área têxtil não é mais um destaque nas feiras de tecnologia têxtil, mas um
segmento tão importante e fundamental quanto os negócios e a própria
tecnologia. É por essa razão que se percebe não apenas a expansão de
saberes sobre a moda e o crescimento do debate por uma moda sustentável,
mas também a interação sistemática entre feiras de negócios e geração de
conhecimento.
2.1.5 Série na TV
É importante destacar nesse cenário de mudanças, de tomada de
consciência de um novo momento e de transição para uma nova filosofia de
vida, que em 2008 a rede inglesa BBC produziu e transmitiu na televisão
britânica uma série de quatro episódios, com uma hora cada, sobre moda
ética. Nessa série, chamada Blood, Sweat and T-Shirts (Sangue, Suor e
Camisetas) a BBC enviou estudantes de moda para passar uma temporada
vivendo as duras condições de trabalho nas fábricas de roupas nos países em
desenvolvimento do Oriente. A ideia da série foi avaliar como esses jovens
mudam sua atitude em relação ao consumo desenfreado e como questionam
a moda barata produzida em condições duvidosas em países como a Índia,
Bangladesh e China e vendida em lojas britânicas. Para apoiar o projeto e
acompanhar a série, a BBC passou a produzir a revista online Thread,
Fashion Without Victim (Fiapo, Moda sem Vítima), direcionada aos
internautas entre 16 e 30 anos. Essa iniciativa teve um grande impacto sobre
os estudantes de todas as nacionalidades que residiam na Inglaterra ou que
estavam acessando de qualquer outra parte do mundo, assim como provocou
mudanças no consumo de roupas dos jovens em geral.
2.1.6 Negócios
Inúmeros outros seminários, cursos, conferências e palestras vêm
sendo realizados com foco exclusivo em negócios de moda. Algumas
poucas, mas distintas universidades, tanto quanto ONGs, órgãos midiáticos e
instituições empresariais apostam em estratégias éticas dentro do setor têxtil.
Embora ainda pouco visíveis mediante a colossal carga de mídias de moda,
as informações e estruturas que transformam essas informações em
conhecimento (conferências, simpósios, feiras, mostras, exposições,
projetos, núcleos de pesquisa, palestras, etc.) acontecem com mais
frequência do que supomos. Em 2011, de acordo apenas com os dados da
ONG inglesa Ethical Fashion Forum, no segundo semestre de 2011
aconteceram na cidade de Londres cerca de 13 eventos ligados a moda ética,
ou seja, uma média de dois eventos por mês. Cidades como Berlim, Paris e
Barcelona também sediam esses fóruns.
Pelo que se pode perceber, existem muitas empresas de consultoria
e seminários voltados para a área de negócios em moda. Em praticamente
todo evento que discute e fomenta a implementação das ISOs de
responsabilidade social, em especial a ISO2600035, que normatiza ações
socioambientais, discute-se moda ética, seus números e suas estratégias.
Talvez pela necessidade ou desejo de se definir como uma “corporação de
qualidade”, as empresas têxteis de confecção e/ou comercialização de peças
de vestuário recorrem a consultorias que possam guiar seus passos na
direção da implementação dessas normas. Assim, conseguem suas
certificações e redefinem seus perfis no concorrente mercado da moda.
Um exemplo entre os vários eventos de 2011 foi o Forum for the
Future, realizado pelo tradicional jornal inglês The Guardian em parceria
com empresas de consultoria na área de sustentabilidade. O jornal costuma
promover vários seminários sobre sustentabilidade, entre eles alguns
especialmente voltados para o setor têxtil, e tem até mesmo uma área
dedicada à organização desses eventos: a Guardian Sustainable Business
Network (Um Guardião da Rede de Negócios Sustentáveis)36.
As informações buscadas pelas empresas estão geralmente
atreladas à ascensão dos meios de comunicação social, pois, atualmente, a
transparência corporativa e a reputação são um “valor de negócio”; e a
comunicação é sua principal ferramenta.
Nesses seminários prioriza-se conscientizar os executivos sobre a
importância fundamental do design do produto para a cadeia produtiva deste;
gerar conhecimento sobre as atuais normas – como a GRI37, AA100038 e a
ISO26000 – e sobre como adequar os negócios a elas; mostrar como
melhorar, implementar, e/ou construir relatórios anuais de sustentabilidade
integrados; mostrar como ser mais credível na informação e, especialmente,
mostrar aos executivos que é importante remodelar os negócios sob outra
racionalidade – a sustentabildiade – e aprender com os outros.
Ronaldo Fraga
Um dos nomes mais importantes no atual cenário da moda
nacional é o do mineiro Ronaldo Fraga. Esse estilista passou a fazer parte do
grupo de marcas a desfilar no São Paulo Fashion Week em 2001, quando
apresentou a coleção “Quem matou Zuzu Angel”. A partir de então, em
todos os desfiles, ele estabeleceu o diálogo da cultura brasileira com o
mundo contemporâneo: o universo da obra de Carlos Drummond de
Andrade, o sertão de Guimarães Rosa, a cerâmica das bonecas do
Jequitinhonha e o legado da cantora Nara Leão foram temas em coleções –
manifestos que sempre são citados pela crítica como marcos do São Paulo
Fashion Week e da história da moda no Brasil.
Estabelecendo suas pesquisas a partir de seus próprios territórios
de percepção – problemas sociais e ambientais brasileiros, histórias
familiares, literatura brasileira e outros –, ele acredita no poder “narrativo”
da moda e na sua capacidade de emocionar, contar histórias e fazer pensar.
Seu trabalho se fundamenta em especial nas narrativas do povo e sua
diversidade cultural, ambiental e racial.
Considero-o um estilista genuinamente brasileiro, conectado com a
realidade objetiva e subjetiva deste país. Sua produção tem um cunho de
valoração da diversidade cultural, do artesanato e da cultura local, gerando
renda para comunidades rurais; de resgate de artistas nacionais, inspirando o
reconhecimento da cultura nacional; de questionamento sobre temas que
afligem a sociedade tanto nas questões ambientais, como a transposição do
rio São Francisco presente na coleção “Rio São” do verão 2008-2009, e
sociais, como o abandono de nossas crianças e idosos, presente na coleção
“Tudo é Risco de Giz” do inverno 200940. Para falar dessas pessoas, ele
levou às passarelas do SPFW senhoras e senhores com idades entre 60 e 80
anos e crianças. Pensar a efemeridade e a vida em forma de moda e usar
como modelos crianças e pessoas com idades avançadas fizeram com que
esse trabalho fosse um dos mais importantes em termos de reflexão para a
sustentabilidade, pois ali estiveram presentes as consciências do tempo e das
gerações futuras.
O conceito de sustentabilidade engloba as questões culturais e
humanas – especialmente quando gera renda, bem-estar social, preservação
cultural e ambiental e “reflexão” –, trabalho que Ronaldo vem
desenvolvendo em sua própria marca, nos projetos dos quais participa (como
o Talentos do Brasil)41 e em seu discurso, quando ministra palestras por este
mundão de meu Deus para estudantes de design de moda que sequer sabem
direito quem ele é.
Carlos Miele
Gilson Martins
Outro expoente que não pode faltar nesta tão restrita seleção é
Gilson Martins, o carioca que, entre tantas inovações e ações sociais que
promoveu, foi quem resgatou a Bandeira do Brasil e nos deu a oportunidade
de expressar nosso orgulho de ser brasileiro em nosso vestir.
Ele foi o precursor de um termo que só nesta década apareceria
associado à moda: upcycling, que quer dizer dar nova vida a produtos
considerados inúteis ou obsoletos, transformando-os (veremos mais sobre
upcycling adiante43). Gilson Martins (2008) transformava em bolsas,
bolsinhas e mochilas materiais inusitados, muitas vezes completamente
ignorados pelo universo da moda, como teto de fusca (o carro da
Volkswagen), chão de Kombi, assento de ônibus e mangueiras de borracha,
lonas de cadeira de praia, entre muitos outros materiais. Vale destacar o uso
das passadeiras de corredor, uma comprida faixa de plástico colorido que se
usava para cobrir corredores e passagens nas décadas de 60 e 70, com as
quais misturou seu talento criativo dando vida a produtos inéditos, lindos,
diferentes e muito à frente de seu tempo. E o melhor, vendáveis!
Esse talento de prever e adequar produtos aos desejos íntimos dos
usuários é e foi um diferencial na carreira do estilista. Um exemplo
categórico dessa espécie de “mediunidade criativa” foi ter intuído o quanto
nós, brasileiros comuns, gostamos de valorizar nossa bandeira – tão
cruelmente desgastada pelos longos anos de ditadura militar, quando seu uso
era proibido por lei. Na I Semana Barra Shopping de Estilo, Gilson, então no
seu segundo desfile em carreira solo, apresentou a coleção “Brasil usa
Brasil”. Colocou uma escola de samba na passarela e, ao final, seis garis da
Comlurb entraram varrendo, sambando e usando uma mochila em forma de
coração com a imagem da bandeira do Brasil. Foi aplaudido de pé.
A partir de então, passei a
identificar os motivos que
despertaram nas pessoas o
orgulho de exibir a bandeira
do Brasil. Tentei entender
qual era o meu papel naquele
momento. O que eu estava
fazendo? Resgatando a
autoestima das pessoas, o
orgulho de ser brasileiro.
Peguei esse símbolo que
estava engavetado e
desprestigiado, no formato
de souvenir de baixo escalão,
usei-o como forma de
representar o novo
sentimento transformado
num produto de moda e
design. A marca de um novo
Brasil. (MARTINS, 2008,
p.74)
Estella McCartney
Certamente um dos nomes com maior visibilidade no cenário da
moda sustentável internacional. Filha de Paul McCartney e Linda
McCartney, Estella conviveu toda a sua vida com os ícones do pop e da
contracultura europeia e americana. Essa convivência conferiu-lhe um olhar
além do estabelecido pelo senso comum. Por mais que o movimento
ambientalista seja criterioso, a causa animal não compõe seu universo de
representatividade. Ética é a palavra certa para questionarmos a banalidade
com que matamos animais não só para alimentação como também por
esporte (caso da caça e da pesca esportiva) e para transformá-los em roupa,
em especial em casacos de pele – ainda objetos de desejo e símbolos de luxo
e glamour nos dias de hoje.
O uso de peles para proteção ou a alimentação à base de animais é
compreensível e, embora questionada pelos ativistas, não incidem sobre as
questões de fundo da moda, que são simbólicas. Entretanto, dentre os vários
produtos de origem animal usados pela indústria têxtil e de acessórios, o uso
de casacos de pele ocupa um lugar de destaque por dois motivos: pelos
significados poder, luxo e riqueza que possuem e pelo exagero de sacrifícios
envolvidos em suas produções.
Estella, criada na Inglaterra e no seio de uma sociedade onde o uso
de casacos de pele era uma constante, sempre foi simpatizante da causa
animal e hoje é uma das mais ativas representantes da PETA (People for the
Ethical Treatment of Animals – Pessoas pelo Tratamento Ético dos
Animais)44. Seu trabalho (no qual nenhum produto animal é usado)
representa hoje o contraponto elegante ao uso de couro animal, peles e pelos
em geral, ainda tão frequentes nos invernos europeus e em crescente
consumo pelas elites econômicas e políticas dos países em desenvolvimento.
Trabalha atualmente em sua própria marca de roupas e acessórios
e também nas coleções de fitness feminina da poderosa Adidas, onde impôs
seus critérios de ética e de compromisso com as causas ambientais e
animais, e em sua própria linha de produtos éticos, a CARE, que vai de
roupas a cosméticos éticos.
Martin Margiela
Katharine Hamnet
Outro nome importante e inspirador no cenário internacional é o
da inglesa Katharine Hamnet, considerada a “rainha da ecofashion” (LEE,
2009) pela capacidade de aliar criação com ativismo político na defesa de
ideais e ideias políticas, do meio ambiente e dos pequenos produtores rurais
de fibras vegetais. Hoje, de acordo com Lee (2008), ela produz uma das
coleções mais éticas que existem. Entre suas práticas estão o uso de
materiais como fibras e zíperes com certificações de orgânicos, de estampas
à base de água, a interação direta com os produtores de cânhamo47 da
Inglaterra e o cuidado na seleção das fábricas contratadas por ela para suas
produções.
Osklen
A brasileira Osklen tem uma trajetória singular no segmento como
um dos casos mais interessantes e demonstrativos de que moda e meio
ambiente podem se unir.
A grife desenvolve materiais naturais e reciclados na produção de
suas coleções, como seda, lã e algodão orgânicos, malha PET, sementes e
couro de tilápia. Demonstrando que essas matérias-primas ecológicas podem
ser transformadas em belas criações luxuosas, a Osklen vem nos últimos
cinco anos se posicionando no setor como uma empresa de “perfil”
responsável socialmente e ambientalmente. Segundo conceito descrito pela
empresa, seus produtos e anúncios representam a luta contra o aquecimento
global e o estilo de vida da mulher e do homem contemporâneos, em um
mundo onde convivem o urbano e a natureza, o global e o local, o orgânico e
o tecnológico.
A primeira loja Osklen foi inaugurada em 1989, na cidade de
Búzios, no Rio de Janeiro. No início dos anos 90, a marca começou a ser
reconhecida pelo seu estilo inovador, de qualidade internacional, e pelos
novos conceitos de esportes de ação e aventura da época. O primeiro desfile
da grife, em 1992, levou a Osklen a ser eleita pelos jornalistas como a
melhor de moda sportswear no prêmio Rio Sul. Em 1999, a marca lançou a
coleção feminina. Desde 2003, a Osklen apresenta suas coleções no São
Paulo Fashion Week.
Seu criador e atual diretor criativo, Oskar Metsavaht, foi também
vice-presidente da Associação Brasileira de Estilistas (ABEST), conselheiro
da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT) e presidente do Instituto
E. Hoje, a Osklen tem 41 lojas no Brasil, três em Portugal, duas lojas em
Milão e uma em Nova York, Tóquio, Roma e Genebra, além de pontos de
venda na Itália, França, Espanha, Grécia e Portugal e de exportar para
Bélgica, Chile e Oriente Médio.
Um dos principais diferenciais da confecção, entretanto, é não
apenas a sua essência de marca, mas a postura de seu proprietário, Oskar
Metsavaht, que tem participação efetiva nos processos de pesquisa,
regulamentação e apoio à produção de fibras sustentáveis e de comércio
justo do Instituto E, do qual falaremos no item 2.4 deste capítulo. Além de
emprestar profissionais de sua equipe de criação e comunicação, a Osklen dá
espaço nas lojas para a coleção e-brigade, produzida pelo Instituto, assim
como para a divulgação das campanhas deste. Parte do lucro das vendas de
roupas desta coleção é revertida para o fundo de criação da ONG e-brigade,
da qual também falaremos no item 2.4.
Tree-Tap, o “couro
vegetal” de Beatriz
Saldanha e João
Fortes
A brasileira Amazon Life foi o a marca que deu projeção
internacional ao couro vegetal feito a partir do algodão e do látex colhido
por seringueiros de comunidades na Amazônia. A marca exportou o material
em forma de bolsas, carteiras e mochilas para as grandes grifes europeias.
De acordo com sua antiga proprietária, Beatriz Saldanha (2006), a empresa
contribuiu para a conservação da floresta, das culturas indígenas e dos
seringueiros.
Beatriz e seu sócio João Augusto Fortes inauguraram em 1992, no
Rio de Janeiro, a EcoMercado, uma loja pioneira em produtos ecológicos.
Foi a partir desse empreendimento que os sócios se uniram a índios e
seringueiros do Acre, em plena floresta, e criaram uma linha de montagem
que se tornou pioneira na fabricação de produtos feitos a partir do couro
vegetal, levando suas criações para o mundo.48
Aqualung
Nesse segmento está também a Aqualung, de Luca Padovano, que
começou como uma simples fábrica de camisetas com estampas de temática
ecológica. A marca teve uma trajetória que envolveu o apoio a diversos
projetos como o Projeto Tamar, o Projeto Cetáceos, o Projeto Peixe-boi, o
Projeto Baleia Jubarte e o Projeto Mamirauá, entre outros.
Após quase uma década de engajamento na defesa e preservação
do meio ambiente marinho, a Aqualung, em 1994, decidiu participar de
forma direta fundando o Instituto Ecológico Aqualung, uma entidade sem
fins lucrativos que tem como objetivo atuar nas áreas de preservação e
educação ambiental.49
Éden
Em 2008 foi inaugurada a primeira loja no Brasil com roupas
100% orgânicas: a marca Éden. Todas as peças comercializadas pela
empresa utilizam tecidos em puro algodão orgânico, coloridos com corantes
e pigmentos naturais, totalmente livres de produtos químicos nocivos. Éden
é a marca própria da YD Confecções em parceria com o Projeto Orgânico
Coexis, sobre os quais falaremos mais à frente.
...marcas internacionais...
Edun
Honest By
2.3.1 Empresas
As ações na área socioambiental das corporações que trabalham
com a indústria do vestuário e acessórios são muitas e variadas; estendem-se
pelas áreas de logística, arquitetura, consumo de energia, emissão de
carbono, gestão de resíduos, gestão da água e responsabilidade social, entre
outros. Aqui o foco é apenas no que tange a moda e indústria têxtil em suas
amplitudes, o que já é muita coisa.
Alguns varejistas na área de moda trabalham dentro de todas as
normatizações socioambientais que uma empresa deve trabalhar. No entanto,
não trabalham com o conceito de moda sustentável que estamos tratando
aqui, pois não necessariamente utilizam materiais sustentáveis em seus
produtos, não possuem uma equipe de designers e compradores conectados a
fornecedores de serviços ou materiais sustentáveis, não verificam as práticas
de seus fornecedores ou simplesmente não acreditam que é possível tornar a
moda sustentável. Essas empresas, mesmo reciclando todo o seu lixo,
mesmo trabalhando com os melhores ISOs de qualidade, mesmo
neutralizando suas emissões de gases de efeito estufa, não trabalham com
moda sustentável. Elas trabalham com “responsabilidade social” , algumas
vezes com responsabilidade socioambiental, mas não trabalham exatamente
com Moda sustentável. A empresa pode estar no caminho da
sustentabilidade, mas o produto dela não, tampouco é sua intenção mudar
seus processos de produção, rever suas escolhas de materiais ou o ciclo de
vida de seus produtos. Uma boa forma de explicar a diferença entre quem
está associado a projetos em responsabilidade social e quem está
incorporando sustentabilidade ao negócio é a seguinte: empresas que
realmente estão buscando ser mais sustentáveis estão provocando mudanças
no coração do seu negócio. Essa empresa está se perguntando “será que meu
negócio será viável daqui a 50 anos? O que eu, enquanto empresa de moda,
posso fazer pra reduzir os impactos da minha atividade”? E mais: “o que eu
posso fazer para gerar impactos positivos no meio ambiente, na sociedade e
ainda crescer economicamente com isso”? Na prática, para as empresas de
moda isso implica em mudar o design do produto, repensar a obsolescência
programada, inovar criando materiais menos impactantes, construir uma
relação diferente com fornecedores, em que todo mundo cresce e sai
ganhando... Ou seja: a diferença está no quanto se está disposto a mudar o
modelo de negócio da empresa. Um bom exemplo para essa questão é o caso
citado por Matilda Lee:
Ao elaborar sua monografia
para o curso de bacharelado
de Design Têxtil no Chelsea
College of Art, Rowan
Harland enviou um
questionário para antigos
estudantes que agora
trabalhavam como estilistas
na indústria. As questões
visavam sondar quão
conscientes os estilistas
estavam do impacto que a
indústria tinha no meio
ambiente. Ela recebeu 19
respostas e nenhum dos
entrevistados, nem as
empresas para as quais eles
trabalhavam, havia mudado
seus processos de produção
baseados em preocupações
ambientais, ainda que eles
“reciclassem os papéis”.
(LEE, 2009, p.47)
LVMH
Louis Vuitton Moët Hennessy S.A., ou simplesmente LVMH, é
uma holding francesa especializada em artigos de luxo, sendo atualmente um
dos mais poderosos grupos no setor. Foi formado pelas fusões dos grupos
Moët et Chandon e Hennessy e, posteriormente, do conglomerado resultante
com a Louis Vuitton. Hoje, a empresa detém o controle acionário das
seguintes marcas de moda: Dior, Louis Vuitton, Fendi, Bvlgari, Berluti,
Céline, Donna Karan, Nowness, Emilio Pucci, Givenchy, Kenzo, Loewe,
Marc Jacobs, Stefano Bi, Thomas Pink, Sephora, La Samaritaine e Le Bon
Marché, entre outras.
O Grupo LVMH vem se mostrando engajado no intuito de iniciar
uma pequena, mas não imperceptível, mudança de seus paradigmas. Nos
eventos criados pela Ethical Fashion, ONG inglesa que trabalha o conceito
de ética na área de moda, representada na França pelo Ethical Fashion Show,
já existe a participação de um reprsentante do grupo, o que é surpreendente,
uma vez que há poucos anos o mercado de luxo insistia em se manter
absolutamente distante das questões ambientais. Além da participação em
atividades sustentáveis, o grupo confirmou uma participação acionária na
marca Edun. Uma decisão estratégica que traduz a necessidade de romper
com o estilo de ostentação e iniciar um trajeto marcado pela
responsabilidade social e pela ética. Entretanto, o conglomerado ainda não
tem um projeto pragmático e producente como seu concorrente PPR.
H&M
A H&M, assim como outras importantes marcas, lança anualmente
um Relatório de Sustentabilidade. Esse relatório tem como objetivo principal
mostrar aos seus stakeholders de forma clara o empenho que a empresa tem
feito para garantir que seus produtos sejam fabricados, transportados e
vendidos de forma responsável. De acordo com seu diretor executivo, Karl-
Johan Persson, “para conseguir isso, a transparência é fundamental e nosso
Relatório de Sustentabilidade é uma ferramenta importante para mostrar
nosso progresso e desafios”.
A meta da H&M59 é em 2020 ter 100% do algodão vendido na
empresa obtido de forma sustentável. Para isso a empresa associou-se à
ONG Better Cotton60 para, assim como sua concorrente C&A, ajudar 68 mil
produtores de algodão a fazer a transição do cultivo insustentável para o
sustentável.
Em termos de uso de materiais reciclados, o último relatório,
veiculado em 2011 e referente ao ano de 2010, afirma terem sido usados boa
parte dos resíduos têxteis gerados pela empresa. Num total, 1.600 toneladas
de materiais reciclados foram destinadas à confecção de novas peças.
Vários outros aspectos estão dimensionados de maneira
sustentável nesse relatório: transporte / logística, consumo de papel, água e
energia em geral, entre outros.
2.3.2 As ações da
sociedade civil e suas
parcerias
A sociedade civil, nós, abrimos trincheiras, criamos novos modos
de nos relacionarmos e de estabelecermos ideais enquanto caminhos. Neste
item trataremos de incitativas empresariais alternativas e híbridas e das
parcerias que essas novas formas de negócio propõem. Também citaremos as
associações do chamado terceiro setor (todas as organizações civis não
governamentais – ONGs – com ou sem fins lucrativos, como cooperativas,
associações de classe e outros) e seu importante papel enquanto autônomas e
em associação com empresas.
Para expandirem suas ações e cumprirem suas missões, melhorar
suas pesquisas e sua atuação junto à sociedade ou até para ganharem
credibilidade, várias empresas de varejo de moda associam-se a essas
entidades. Ambos os lados saem ganhando. A empresa ganha por poder
contar com a ajuda dos especialistas das ONGs, que entendem de assuntos
como orgânicos e fair trade, e por contemplar requisitos de responsabilidade
socioambiental – o que gera maior confiança por parte de seus públicos, que
passam a percebê-la como contribuinte para a melhoria da vida das
comunidades, a erradicação da miséria e diminuição da pobreza. O terceiro
setor ganha com divulgação, investimentos e patrocínios dos quais necessita
para promover seu desenvolvimento e sua autoestima.
Abaixo estão listadas algumas das mais significativas novas
formas de negócios, instituições do terceiro setor e as associações
provenientes delas com empresas e universidades.
Instituto E
Contextura
Fruto do desejo de suas idealizadoras e sócias-fundadoras, a Prof.ª
Evelise Anicet e sua filha, Anne Anicet, a Contextura é uma empresa
híbrida. Ela mistura arte, produtos de design de superfície, moda sustentável
e decoração. Na verdade, tudo o que a marca Contextura faz é sustentável.
Talvez seja por isso mesmo que Evelise Anicet67 a chamou de “híbrida”, e
fez questão de colocar a marca no contexto de empresa que tem por
finalidade ser viável economicamente, socialmente justa, ambientalmente
correta e culturalmente aceita.
Para uma pesquisadora que construiu a área acadêmica do Design
de Superfície e que lida com a poesia das cores e formas, cumprir esses
requisitos é uma prova de hibridismo. Significa atuar em vários níveis de
compreensão e em várias frentes, misturar decoração com oficinas para
ONGs em troca de retalhos, desfiles com exposição de artes, servir como
plataforma de pesquisa para estudos acadêmicos, calcular preços justos e
ainda gerir uma empresa dentro dos mais modernos conceitos de
administração – a horizontalidade das relações. Isso é hibridismo, sim!
A Contextura foi uma semente da atuação do Núcleo de Design de
Superfície (NDS) em pesquisa e extensão da Universidade Federal do Rio
Grande o Sul (UFRGS), que prestava consultoria para indústrias têxteis
gaúchas pelo SEBRAE desde 2004.
Com todo o conhecimento adquirido ao longo dos anos de
pesquisas e consultorias, o projeto da Contextura nasceu “como um atelier
de investigação têxtil que explora a interação entre arte, artesanato, design,
moda e sustentabilidade”68. Esse atelier virou uma empresa, mas jamais
deixará de ser um local de experimentos e reflexão, de encontro e de
interação entre usuários e designers. Uma prova de que o design
participativo existe e funciona.
Enquanto empresa, a marca cria produtos dentro dos conceitos de
upcycling e, nesse mesmo escopo, presta serviços de beneficiamentos e
consultoria, assim como trava parcerias com e para criadores da área de
moda no Brasil. Interação, integração e desenvolvimento são os lemas da
Contextura.
A criação dos produtos é sempre feita a partir de sobras de
confecções ou ateliers e resíduos industriais têxteis. Convertidos em
matérias-primas, o que era antes lixo passa a ser um novo produto através de
colagens, tratamentos de superfícies e outros experimentos continuamente
elaborados, com sensibilidade e atenção.
Os processos produtivos
utilizados seguem a mesma
filosofia e abrangem tanto a
transferência de desenhos
para novas superfícies têxteis
utilizando transfers
sublimáticos rejeitados,
quanto a composição de
texturas táteis através da
agregação de retalhos, linhas,
fios, etiquetas e demais
materiais excedentes da
indústria têxtil ou não. (...) O
trabalho é resultado de
pesquisa artística contínua e
o produto é uma moda livre
de regras do mercado, sem
velocidade, sazonalidade,
nem efemeridade. As
coleções são compostas em
sua maioria de peças únicas,
independentes das
tendências, driblando os
calendários impostos na
indústria da moda.
Justa Trama
Outra cooperativa que tem relevância neste estudo é a Justa Trama,
nascida a partir da reflexão de trabalhadores de cooperativas do setor têxtil
sobre a importância de se fortalecerem e agregarem valor a seus produtos a
partir da cadeia produtiva do setor. Após várias reuniões e debates sobre o
tema, eles idealizaram e criaram a cadeia produtiva solidária do algodão
agroecológico.
Como primeira experiência de ação, os sócios-trabalhadores se
uniram para produzir as cerca de 60 mil bolsas de algodão (tipo
convencional) distribuídas aos participantes do Fórum Social Mundial69 em
2005. Essa ação mobilizou os profissionais da Cooperativa Nova Esperança
(CONES), em Nova Odessa (SP), que ficaram responsáveis pela produção
do fio. O estágio seguinte envolveu os cooperados da Cooperativa Industrial
de Trabalhadores em Fiação, Tecelagem e Confecções (TEXTILCOOPER)
de Santo André (SP), que transformaram os fios em tecido. Na etapa final da
cadeia uniram-se 35 empreendimentos de confecção da economia social e
solidária de diversas regiões do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná,
coordenados pela Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos
(UNIVENS), de Porto Alegre (RS), para a elaboração das bolsas. No
conjunto, essa ação reuniu quase 600 trabalhadores.
A partir dessa ação, a necessidade de um projeto maior se tornou
mais sólida e a cadeia produtiva solidária do algodão agroecológico se
tornou uma realidade. A cadeia ficou completa com a adesão dos produtores
familiares da Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de
Tauá (ADEC), nos municípios de Choró, Quixadá e Massapé (CE).
Banco do Vestuário
de Caxias do Sul
Greenpeace
Em 2007 0 Greenpeace engendrou uma ampla campanha por toda
a Europa chamada “Moda sem Tóxico”. Talvez a maior e mais importante
campanha da ONG no setor têxtil. Além de promover desfiles, fotos e mídia,
o grupo conseguiu junto ao parlamento da União Europeia criar restrições
para a importação de algodão ou tecidos feitos de algodão cultivado com os
pesticidas condenados pelas pesquisas e/ou com mão de obra sem condições
adequadas de trabalho.
Lançada em junho de 2011, a Detox é a atual campanha do
Greenpeace72 envolvendo a indústria têxtil. Com a intenção de combater a
poluição das águas ao redor do mundo por meio de acordos com as
indústrias, aplicação de leis e interrupção de uso de determinados produtos, a
campanha expôs claramente a ligação entre os beneficiamentos da indústria
têxtil e a poluição das águas em alguns países, em especial na China.
Em resposta à crescente difusão midiática da campanha
internacionalmente, as marcas Nike, Adidas, Puma, H&M, C&A e Li-Ning
se comprometeram a apoiar as ações do Greenpeace.
Entre as mais sérias ONGs internacionais, o Greenpeace
certamente é o órgão com maior alcance de mídia. Ele geralmente consegue
adesões rápidas às suas campanhas, pois as empresas temem as
consequências de uma exposição negativa. Posteriormente, outras
instituições, como a WWF e a Nature Conservancy73, cobram das partes
comprometidas as ações necessárias para o combate à degradação do meio
ambiente.
RITE
23 www.spfw.com.br/noticia_det.php?c=1260
24 A Monsoon é uma marca inglesa que sempre trabalhou nos moldes do fair trade; atualmente,
graças a sua parceria com a Accessorize, possui mais de 1200 lojas pelo mundo (nota da autora).
25 www.thegreenshows.com/about_us.htm
28 www.ecomoda.ceart.udesc.br/?cat=15
29 http://modasustentabilidade.blogspot.com/2009/10/mnoda-sustentabilidade-e-inclusão.html
30 www.sustainable-fashion.com
31 www.sustainable-fashion.com
32 www.esmod.de/en/berlin/study-courses/ma-sustainability-fashion
33 www.coloquiomoda.com.br
34 http://textileexchange.org/
39 A primeira Lixo foi inaugurada em Ipanema e posteriormente foi inaugurada uma filial em
Copacabana.
40 www.ronaldofraga.com.br
44 PETA, organização não governamental dedicada aos direitos dos animais fundada em 1980. Seu
objetivo é mostrar ao mundo que os animais não são nossos para que os comamos, usemos como
roupas, usemos para experimentos em laboratórios ou para nosso divertimento. Pregam a ética e
defendem os animais em campanhas que envolvem celebridades e protestos públicos. Hoje a PETA
conta com mais de 2 milhões de seguidores.
45 Eram eles: Ann Demeulemeester, Dirk Van Saene, Marina Yee, Dries Van Noten, Walter Van
Beirendonck e Dirk Bikkembergs. Disponível em: www.bikkembergs.com
46 www.maisonmartinmargiela.com/en
47 Cânhamo ou cânhamo industrial é o nome que recebem as variedades da planta Cannabis e o nome
da fibra que se obtém a partir destas, que tem, entre outros, usos têxteis.
48 O Tree-Tap, ou Couro Vegetal, será abordado novamente no capítulo 3.
49 www.institutoaqualung.com.br
50 www.edunonline.com
51 www.noir.dk/illuminati2.php.
52 www.honestby.com/
53 www.eiris.org
54 Em abril de 2012, na C&A Paris, filial Rivoli, procurei por camisetas de algodão orgânico. Não
havia uma arara específica com produtos orgânicos, como em outros anos, tampouco prateleiras com
indicações. Encontrei as camisetas orgânicas separadas em prateleiras discretas, juntamente com
outras prateleiras de camisetas comuns; o que as diferenciava era um simples tag com o termo “bio
cotton” (algodão orgânico). O preço das peças se diferenciava das similares de algodão convencional
em menos de um euro e, dependendo do feitio, eram até mais baratas. O fato de a apresentação
espacial do orgânico dentro da loja ter sido, nesta empresa, incorporada à dos produtos convencionais
e a crescente queda dos preços me impressionou bastante. Acompanho a promoção, a oferta e os
preços desses produtos há alguns anos e é possível que até o final de 2012 eles cheguem ao
consumidor pelo mesmo preço de um produto convencional. (nota da autora).
56 www.c-and-a.com/uk/en/corporate/company/our-responsibility/protecting-the-environ-
ment/organic-cotton/
57 www.youtube.com/user/homeproject
60 www.bettercotton.org/index/178/portugu%C3%AAs.html
61 www.ethicaltrade.org
62 www.fairwear.org
68 www.contextura.art.br/?pg=quem_somos
69 O V Fórum Social Mundial foi realizado em Porto Alegre entre os dias 26 e 31 de janeiro de 2005.
Na marcha que marcou o início do Fórum estiveram presentes mais de 200 mil pessoas. No total,
foram 155 mil participantes cadastrados, sendo 35 mil integrantes do Acampamento da Juventude e
6.823 comunicadores. Cerca de 6.872 organizações de 151 países estiveram envolvidas em 2.500
atividades, distribuídas entre os 11 espaços temáticos do Território Social Mundial.
http://www.forumsocialmundial.org.br
70 CODECA, FAS, FITEMASUL, Fundação Caxias, Polo de Moda da Serra Gaúcha, SENAI e
SINDIVEST por meio das Secretarias do Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Emprego.
Disponível em: http://www.caxias.rs.gov.br/desenv_economico/texto.php?codigo=194.
72 www.greenpeace.org/international/en
73 www.nature.org
74 http://new.ritegroup.org/www.ecotextile.com
75 www.ecotextile.com
CAPÍTULO 3
3.1.2 Certificação do
algodão orgânico
3.1.4 Algodão
orgânico no Brasil
Segundo Sylvio Nápole, gerente de tecnologia da Associação
Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções79, a produção de algodão
tradicional no país é de 800 mil a 1 milhão de toneladas por ano, enquanto a
oferta do orgânico não chega a 50 toneladas anuais. Nos último dois anos, o
crescimento de cerca de 30% na produção pode parecer promissor, mas a
área plantada de algodão ainda é pequena se comparada a outros países. As
políticas econômicas não privilegiam o financiamento aos pequenos
produtores, tampouco as cooperativas que trabalham no segmento.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) tem
consolidado várias pesquisas na área do algodão orgânico no interior da
Paraíba há algumas décadas. Entretanto, a produção no país ainda é bastante
insipiente, não chegando sequer a suprir a demanda das marcas de moda que
se interessam na aquisição desse produto.
Existem, por enquanto, aproximadamente apenas 250 ha de cultivo
de algodão orgânico inspecionados e certificados pela Associação de
Certificação Instituto Biodinâmico (IBD), os quais estão distribuídos nos
seguintes projetos80:
Coopnatural
Cooperativa de Campina Grande (PB) que trabalha com
confecções de algodões coloridos da marca Natural Fashion. O Consórcio
Natural Fashion foi fundado com o objetivo de fortalecer as empresas têxteis
e de confecções da cidade de Campina Grande para enfrentar a concorrência
acirrada no mercado externo. Com essa pretensão, membros do consórcio
buscaram um produto que pudesse servir como diferencial competitivo para
esse grupo, ou seja, o algodão colorido. O Consórcio cresceu e foi necessária
a criação de uma cooperativa de produção para que a entrada de novos
parceiros e a comercialização crescente dos produtos fosse viabilizada. Hoje,
a Coopnatural conta com 35 cooperados, sendo 25 fabricantes no setor têxtil,
mais especificamente, confecções femininas, masculinas, infantil,
decorações e acessórios. A pesquisa do algodão colorido foi realizada pela
EMPRAPA.
Programa Orgânico
Coexis
Desenvolvido e apoiado pela empresa Têxtil Coexis P&D Ltda.,
responsável pelo selo NOW (Natural Organic World), que certifica têxteis
orgânicos segundo normas internacionais, o programa contempla desde o
cultivo de matérias-primas até a confecção de produtos. Em parceria com
associações, cooperativas de agricultores orgânicos, indústrias, instituições
governamentais e ONGs, o Programa Orgânico Coexis promove a
sustentabilidade na produção de insumos como algodão orgânico e corantes
naturais, em diversas regiões do Brasil. Todos os produtos da Coexis
possuem a certificação internacional própria dos orgânicos81.
YD Confecções
A YD Confecções é uma empresa de grande porte do setor de
moda (350 mil peças de roupas por mês), atendendo clientes nos segmentos
de marcas, magazines e hipermercados e empregando mais de 600
colaboradores nas unidades de produção em Conchas (SP) e São Paulo (SP).
A YD possui o selo NOW em sua linha de produtos orgânicos e atualmente é
a proprietária da marca Éden.
Sarja Natural em
Algodão Orgânico
Tecido básico e versátil que apresenta um excelente caimento, um
ótimo aspecto após lavagem e que combina com qualquer tipo de clima.
Muito usado também em estofados, cortinas, almofadas, etc.
3.1.5 Algodão
agroecológico
De acordo com Lima (2008), o algodão agroecológico é aquele
cultivado em sistemas de manejo que preenchem os requisitos para a
certificação orgânica, porém não é certificado como tal, seja por falta de
recursos dos agricultores para arcar com os custos da certificação ou porque
o comprador da fibra dispensa o selo. Nesse tipo de cultivo, muitas vezes os
próprios produtores se autocertificam.
No Brasil, trabalham no sistema de cultivo do algodão
agroecológico:
ESPLAR: organização não governamental, sem fins lucrativos, fundada
em 1974, com sede em Fortaleza (CE). Atua diretamente em
municípios do semiárido cearense, desenvolvendo atividades voltadas
para a agroecologia, à serviço da agricultura familiar, pesquisa e
assessoria.
ADEC: Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural,
formada por agricultores(as) familiares agroecológicos e responsável
pela compra do algodão em rama, bem como pelo beneficiamento e
venda da pluma.
Justa Trama – Fibra Ecológica: consórcio de cooperativas.
O couro vegetal foi produzido por outras empresas nos últimos dez
anos e teve pesquisas de aprimoramento fomentadas em Universidades. Por
meio de inovações tecnológicas em parceria com a UnB (Universidade de
Brasília) e com o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis), todo o processo de produção foi
aperfeiçoado, trazendo ao produto melhores padrões de qualidade e
características estéticas extremamente similares às do couro convencional.
Contudo, ainda não há uma solução estável para o processo de
branqueamento do produto que confira a ele a qualidade requerida.
Até o presente momento esta pesquisa não encontrou nenhuma
outra empresa ou ONG trabalhando com o tree-tap. Segundo Bia Saldanha
(comunicação pessoal)86, o trabalho com o couro vegetal está parado. Bia
vive atualmente no Acre, para onde foi quando começou o desenvolvimento
do tree-tap, e presta consultoria para algumas empresas que usam o látex
amazônico, como a francesa Veja87, que o utiliza nos solados de seus tênis.
Conversando com Bia refletimos sobre como seria hoje o consumo
das bolsas vendidas pela Hermès: talvez o desbotamento fosse um valor
agregado de beleza estética, de aparência “used”, e o consumidor gostaria
dessa característica; talvez essa transformação orgânica e a necessidade de
“cuidados, como uma planta” (palavras da própria Bia), fosse o grande
diferencial do produto e a história seria completamente diferente.
Mas a história não acabou ainda... Apenas com o distanciamento
do tempo poderemos perceber seu desenrolar.
3.3.1 Impactos
ambientais do PET e
vantagens da
reciclagem
Os impactos ambientais do PET são consideráveis, pois sua
degradação no meio ambiente demora em média cem anos. Além disso, os
impactos ambientais devem ser considerados em todo o ciclo de vida do
produto, da extração do petróleo até o descarte final.
Há algumas décadas, pouquíssimas embalagens PET descartadas
pelo consumidor eram recicladas, a maioria acabava sendo depositada em
lixões, rios, córregos ou galerias pluviais. Esse dejeto, por ser um plástico,
além de ocupar lugar nos aterros sanitários prejudicando a decomposição da
matéria orgânica, impermeabiliza as camadas em degradação, impedindo a
circulação de gases e líquidos.
Quando lançadas aos lagos, rios, baías e enseadas, ou seja, em
meio aquoso, o PET, por ser volumoso e boiar, muitas vezes forma barreiras
onde outros detritos se acumulam. Essas barreiras são como cordões móveis
sobre a água e, além de causarem danos aos ecossistemas locais por não
deixarem que a luz penetre na água adequadamente, costumam enrolar-se
nas hélices dos motores das embarcações, entre outros fatores.
A reciclagem do PET apresenta vários benefícios e todas
contemplam os pilares do desenvolvimento sustentável. De acordo com a
Associação Brasileira da Indústria do PET (ABIPET)89 eles são as seguintes:
Benefícios Sociais
No Brasil e em qualquer lugar do mundo onde a reciclagem do
PET aconteça, a indústria têxtil é a maior usuária do insumo. Somente aqui,
entretanto, a diversidade de usos permite que o valor pago pela sucata seja
altamente atrativo o ano todo, o que mantém em atividade muitas empresas
que comercializam o material, bem como inúmeras cooperativas e seus
catadores, a despeito da ausência de sistemas de coleta seletiva. Isso permite
que a rentabilidade permaneça em patamares aceitáveis e garante
remuneração justa aos trabalhadores. Finalmente, outra vantagem social que
passa pelo viés econômico é o menor preço para o consumidor dos artefatos
produzidos com plástico reciclado, que custam aproximadamente 30%
menos que os mesmos produtos fabricados com matéria-prima virgem.
Benefícios
Econômicos
A indústria recicladora do PET no Brasil é economicamente
viável, sustentável e funcional. Basta citar que cerca de um terço do
faturamento de toda a Indústria Brasileira do PET provém da reciclagem.
Gera impostos, empregos, renda e todos os demais benefícios de um setor de
base sólida. Seu crescimento anual constante, em média superior a 11%
desde 2000, permite planejar novos investimentos, incrementados e
incentivados pela criação de novos usos para o PET reciclado.
Benefícios
Ambientais
A matéria-prima reciclada substitui material virgem em muitos
produtos dos mais diversos segmentos, como construção civil, tintas,
produção de automóveis e caminhões ou telefones celulares. Ou seja, não
bastasse o reaproveitamento de centenas de milhares de toneladas de
embalagens que seriam indevidamente destinadas a aterros sanitários e
lixões, a reciclagem de PET economiza recursos naturais. Outra vantagem
importante é a economia de energia elétrica e petróleo, pois a maioria dos
plásticos é derivada do petróleo e um quilo desse material equivale a um
litro de petróleo em energia.
Vale mencionar ainda que o impacto ambiental da confecção de
tecido reciclado é bem menor que quando se usam fibras virgens. A
economia de energia na produção reciclada é de 76% e a redução de
emissões de CO2 é de 71%.
3.3.2 Números da
Reciclagem de PET
A quantidade de PET reciclado em solo nacional cresce a cada ano
e retomou a taxa de dois dígitos em 2006 – nesse ano o crescimento foi de
11,5% em relação ao ano anterior (2005). Não existem dados atualizados
sobre esses índices, mas percebe-se que é um segmento em crescimento. Em
2005, foram recicladas no Brasil 174 mil toneladas de PET, o que
representava então 47% da produção total no país. Embora não existam
dados atualizados, a ABIPET90 garante que o Brasil tem destaque mundial,
com um percentual de PET reciclado sobre o consumo virgem maior que os
índices da Europa e dos Estados Unidos e inferior apenas ao Japão.
Segundo esse censo, há atualmente no Brasil 425 empresas
trabalhando com a reciclagem do PET; desse total, 47% compram o material
diretamente de catadores, 19% compram de cooperativas e 34% compram de
outros – mais uma vez o registro do caráter social envolvido na reciclagem
do PET. Outro dado que chama atenção é que 47% desse insumo são usados
pela indústria têxtil, sendo 29% em tecidos e malhas, 43% em não tecidos e
28% em cerdas, cordas e monofilamentos.
Em termos gerais, a utilização do PET reciclado na produção de
peças ou tecidos ecológicos é de extrema importância para o segmento do
mercado justo, pois se trata de um produto ecológico que retira do meio
ambiente um material de difícil decomposição e que é responsável por 30%
dos resíduos sólidos coletados nos municípios brasileiros.
A combinação das fibras de poliéster feitas a partir de PET com as
de algodão, de acordo com informações do Instituto E91, permite a criação
de uma malha com resistência, durabilidade, solidez, e cores idênticas aos
produtos fabricados com poliéster convencional. O resultado final é uma
malha de qualidade tão boa quanto a que é confeccionada com matéria-
prima não reciclada, mas com uma diferença fundamental: tem um valor
social e ecológico agregado sem precedentes.
3.3.3 Um outra
questão a ser
refletida sobre a
reciclagem
EcoSimple
A indústria têxtil nacional também já possui tecnologia para
utilizar restos na produção de novos fios. A tecelagem paulistana EcoSimple
desenvolve um trabalho inédito no Brasil, transformando toneladas de
retalhos e sobras de tecidos em toneladas de novos fios sem uso de corantes,
sem consumo de recursos naturais, usando menos energia e com um valor
social agregado.
Como funciona: a empresa coleta sobras de tecidos e garrafas PET
e as encaminha para pequenas cooperativas. Uma vez lá, esses tecidos são
separados primeiramente por cor e depois por tamanho, para então serem
devolvidos para a empresa. A separação por cor evita o tingimento ou
retingimento, o que é um ganho extraordinário em termos de minimização de
impactos ambientais. De volta à empresa, esses resíduos seguem para as
etapas de moagem e desmanche, limpeza e transformação em polímero,
fiação e tecelagem.
Diferentemente de outras empresas, a EcoSimple usa como
matéria-prima não só resíduos de tecidos oriundos das confecções e
tecelagens, mas também fios de poliéster obtidos na reciclagem do PET. Os
fios de poliéster são filamentos de alta elasticidade e estabilidade
dimensional, sendo resistentes à ruptura e ao desgaste, e por essas razões
eles sustentam a fabricação do refio.
78 Esta pesquisa foi realizada entre os anos de 2007 e 2009 e amplamente revisada em 2011. Com as
mudanças aceleradas, sugiro que os interesados pesquisem, aprofundem seus conhecimentos na lista
de na webgrafia.
83 Tecelagem decorativa criada por um tear de jacquard e utilizada para brocados, damascos e
malharia desde meados do século XIX (O´HARA, 1984).
84 A vulcanização é um método criado em 1839 pelo inventor norte-americano Charles Goodyear, que
consiste geralmente na aplicação de calor e pressão a uma composição de borracha, a fim de dar a
forma e propriedades do produto final. Sem dúvida é a fase mais importante da indústria de borracha.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Vulcaniza%C3%A7%C3%A3o
89 www.abipet.org.br/
90 www.abipet.org.br/index.html/index.html?method=mostrarInstitucional&id=49
91 http://institutoe.org.br/novo/projetos/e-fabrics
92 Rio-92 ou ECO-92: Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
(CNUMAD), realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro.
93 A Agenda 21 é um documento que estabeleceu a importância de cada país se comprometer a
refletir, global e localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não
governamentais, e todos os setores da sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os
problemas socioambientais.
ABRAMOVAY, Ricardo. Desenvolvimento sustentável: qual a estratégia
para o Brasil? Novos Estudos -
CEBRAP, n. 87, p. 107 -122, 2010.