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Sumário

Apresentação à edição em Português


Introdução
1 | Montando o Cenário
A Caminho da Babilônia
3 | O Sonho de Nabucodonosor
4 | A fornalha ardente
5 | A Vez de nabucodonosor
6 | Como perder-se
7 | Na cova dos leões
8 | Um intervalo
9 | A visão dos quatro animais
10 | O chifre pequeno
11 | Uma Grande Oração
12 | Um velho tem uma visão
13 | Deus é o Senhor da história
14 | Antíoco Epifânio
15 | O fim
Apresentação à edição em Português

A despeito de não poucos estudiosos apresentarem o Livro do


Profeta Daniel como enigmático e, às vezes, pouco apreciado pelos
leitores comuns, o Dr. Stuart Olyott tornou sua leitura mais fácil e
mais compreensiva. Ele fez isso, graças ao Senhor Deus, usando a
sua já conhecida maneira de falar e ou escrever concisa, atraente e
profunda. A comprovação de tal façanha pode ser vista numa rápida
leitura do capítulo denominado “Montando o Cenário”, onde ficamos
maravilhados com o poder de Deus em manter o Seu remanescente
fiel.
Então, na medida em que lermos as páginas desse livro seremos
desafiados a ser firmes nos dias de hoje, sabendo que Daniel e
seus companheiros foram homens “fortes e ativos” por causa do seu
conhecimento e amor a Deus.
Ouso, portanto, desafiar você a voltar-se ao Livro do Profeta
Daniel estando certo de que o Senhor é o Deus da História, e que
no Seu tempo cumpriu Seu propósito em Cristo Jesus, o mesmo
que esteve sempre ao lado de Daniel, o firme e fiel servo de Deus!

Rev. Jaime Marcelino de Jesus


Pastor da Igreja Presbiteriana Cidade Nova, em Manaus e
Organizador do “Encontro da Fé Reformada”.
Introdução

Este livro é para aqueles que gostariam não apenas de ler, mas
também de apreciar o livro de Daniel. Se você deseja saber a
respeito de todas as teorias enfadonhas que os estudiosos
inventaram, terá de procurá-las em outro lugar. Se quiser provas de
que o livro de Daniel foi escrito no século VI a.C., e não no século II
a.C., como muitos escritores atuais afirmam, seu ponto de partida
deve ser a obra de E. J. Young, A Commentary on Daniel. Este livro
não examina tais assuntos. Seu alvo é muito mais direto. É
estimulá-lo a ler Daniel pelo valor do próprio livro e ver que sua
mensagem é para o nosso tempo.
Daniel é basicamente um livro muito fácil de entender. Seus
primeiros seis capítulos são narrativos. Após estes, há seis capítulos
repletos de símbolos aparentemente misteriosos, sobre os quais
tem havido grande controvérsia, mas que, de fato, não são tão
difíceis. O livro inteiro é bastante prático – especialmente para
crentes que se encontram solitários, mesmo estando entre colegas
de escola, ou de trabalho, ou entre seus familiares e amigos.
Que o Deus de Daniel nos abençoe, enquanto perscrutamos sua
santa Palavra!

Stuart Olyott
1 | Montando o Cenário

Há muito tempo, Deus escolheu um homem, Abraão, e prometeu


que por meio dele e de sua descendência todas as famílias da terra
seriam abençoadas.

O PANORAMA HISTÓRICO
Abraão, o homem escolhido por Deus, se tornou uma família, e a
família, uma nação. Finalmente, a nação desceu ao Egito, onde
permaneceu por quatrocentos anos.
Depois, saiu. Você já ouviu a respeito das pragas do Egito, da
Páscoa e da travessia do Mar Vermelho. Por quarenta anos, a
nação, guiada por Moisés, vagou no deserto, onde recebeu a lei de
Deus e as instruções acerca do tabernáculo, dos sacrifícios e do
sacerdócio. Quando as peregrinações no deserto terminaram, os
israelitas entraram na terra prometida, sob a liderança de Josué; e,
antes de sua morte, a terra foi conquistada, em grande parte, e
dividida entre as doze tribos.
Isto foi seguido pela época dos juízes, homens a quem Deus
levantou para livrar a nação de sucessivos conquistadores. Veio,
então, o período dos reis. O primeiro foi Saul, seguido por Davi,
Salomão e Roboão. Todos estes governaram sobre um reino unido,
formado por doze tribos.
Logo após o início do reinado de Roboão, a nação se dividiu em
duas. Ao norte ficou o reino de Israel (ou Efraim), e ao sul, o reino
de Judá. O reino do norte compunha-se de dez tribos, e sua capital
era Samaria. O do sul era constituído por duas tribos; sua capital era
Jerusalém. No início, os dois reinos eram inimigos. A isto, seguiu-se
um período de amizade, mas tornaram-se inimigos novamente.
Houve várias dinastias no norte, porém nenhum monarca temente
a Deus se assentou no trono. Finalmente, Deus castigou o reino do
norte, tendo antes condenado sua apostasia, várias vezes, por
intermédio de seus profetas. Os exércitos da poderosa Assíria
vieram do norte e, em 722 a.C., Samaria caiu. As dez tribos de
Israel foram levadas em cativeiro e, com o tempo, perderam sua
identidade como povo de Deus.
O reino do sul permaneceu por mais cem anos. Todos os seus
reis pertenceram a uma mesma dinastia; eram descendentes de
Davi. A vida da nação foi de crescente apostasia. Todavia, alguns
reis foram tementes a Deus, e houve diversos períodos de grande
despertamento espiritual. Em 609 a.C., Jeoaquim subiu ao trono.
Seu governo nada fez para deter a idolatria e a imoralidade
prevalecentes; pelo contrário, aumentou-as. Os profetas advertiram
que, se não houvesse arrependimento, haveria julgamento, mas
seus avisos não foram atendidos.
De além do horizonte, em 605 a.C., veio Nabucodonosor. Durante
os vinte e três anos seguintes, em quatro estágios sucessivos, ele
transportou quase todo o povo de Judá para a Babilônia. Às
margens dos rios da Babilônia, os judeus se assentavam e
choravam, quando se lembravam de Sião, e perguntavam como
haveriam de entoar o cântico do Senhor em terra estranha (Sl 137.1,
4).
O povo não quis ouvir as advertências de Deus e estava agora à
mercê de seus inimigos. No entanto, dentro da nação apóstata
existia um pequeno grupo de pessoas que se mantinham fiéis a
Deus, como os profetas haviam predito. Este minúsculo
remanescente fiel existiu também durante os 70 anos do cativeiro,
amando a Deus e vivendo para agradá-Lo, mesmo na longínqua
Babilônia. É verdade que a nação, como um todo, eliminou a
idolatria de seu meio. Mas o amoroso relacionamento com Jeová foi
uma experiência que poucos desfrutaram. Após o exílio, o
remanescente se tornou cada vez menor, havendo ocasião em que
consistia apenas de Zacarias e Isabel, Maria e José, Simeão e Ana
e alguns pastores. Ninguém mais, na Judéia, estava pronto para
receber o Descendente prometido de Abraão. Ninguém mais
reconheceu a Luz que viera para iluminar os gentios; ninguém
reconheceu a Glória do povo de Deus, Israel.
Nos dias do cativeiro, este remanescente era representado por
Daniel, Hananias, Misael e Azarias (Dn 1.6). Apenas quatro luzes, e
mais algumas, brilhavam na escuridão espiritual daqueles dias.
Somente algumas pessoas permaneciam fiéis a Deus. Numa época
em que ninguém mais se importava, Deus e sua Palavra
continuavam a ter importância para este pequeno grupo.
Deus não se interessa muito por números, mas insiste em que
nunca ficará sem testemunhas. A verdadeira religião continua
ininterrupta no mundo, mas raramente seus seguidores são muitos.
Na Babilônia, Deus se contentou em ter seu verdadeiro Israel
reduzido a um pequeníssimo grupo de pessoas. Os primeiros seis
capítulos de Daniel nos contam como este remanescente minúsculo
permaneceu fiel a Deus em um ambiente hostil.

A PRINCIPAL LIÇÃO
A sentença anterior nos traz à principal lição deste livro. Daniel
nos revela como podemos permanecer fiéis a Deus em um
ambiente hostil. Mostra-nos como viver para Deus, quando tudo
está contra nós. De suas páginas, aprendemos como entoar o hino
do Senhor em uma terra estranha. Daniel e seus três companheiros
conseguiram; nós também podemos.
É possível uma pessoa viver para Deus quando as circunstâncias
lhe são totalmente contrárias. Noé, Abraão, Moisés e Davi foram
homens tementes a Deus, mas a Palavra de Deus registra que cada
um deles, em determinada ocasião, cometeu uma falta grave. Cada
um deles tem pelo menos uma mácula em seu caráter, e alguns
deles mais do que uma. A Bíblia não esconde os erros de seus
principais personagens, nem pretende apresentá-los melhores do
que realmente foram. Porém, o próprio livro não registra qualquer
mancha no caráter de Daniel. Espiritualidade e integridade de
caráter não exigem condições ideais para se desenvolverem. Não
são plantas que se desenvolvem sob a proteção da estufa, mas
crescem melhor quando expostas à neve, ao vento, ao granizo, à
seca e ao sol escaldante.
Pense nisto! Um garoto de catorze anos (era esta sua idade) foi
tirado de sua casa, família e amigos e forçado a marchar até uma
terra estranha. Ali, foi submetido a uma forma de instrução poderosa
e sutil, sobre a qual receberemos algumas informações. Anos mais
tarde, foi cercado por inimigos invejosos, que conspiraram contra
sua vida. Em tempo algum, Daniel esteve livre da tentação de
buscar a prosperidade material e pessoal às custas de afastar-se de
Deus. Esteve rodeado pelo mal, na juventude, na maturidade e na
velhice. Quase não há tentação conhecida que ele não tenha
enfrentado. Entretanto, as Escrituras não registram uma única
mancha em seu caráter! Ele propôs em seu coração que agradaria a
Deus e nunca se apartou desse propósito. É possível, sim, vivermos
para Deus em um mundo hostil. A verdadeira santidade pode
desenvolver-se e florescer diante de condições não-ideais.
Pouquíssimos de nós enfrentamos as dificuldades que Daniel
enfrentou. Ao pensar em dificuldades, normalmente nos lembramos
apenas das nossas. Convencemo-nos de que todos os demais têm
vida fácil e que faríamos mais progresso espiritual se estivéssemos
em alguma outra situação. O operário pensa que a secretária tem
maior facilidade para viver a vida cristã; a secretária está
convencida de que a vida cristã é mais fácil para a dona de casa. A
dona de casa acha que o estudante encontra poucas dificuldades
para desenvolver sua vida cristã; o estudante anseia pelo dia em
que enfrentará o desafio comparativamente mais fácil do trabalho na
fábrica. E o ciclo continua. Cada um de nós imagina que ninguém
tem dificuldades tão grandes quanto as nossas. Justificamos nosso
padrão de vida cristã medíocre apontando para as circunstâncias
em que nos encontramos. O livro de Daniel nos denuncia
completamente. Prova que a verdadeira espiritualidade nunca
dependeu de circunstâncias fáceis.
Qual era o segredo de Daniel?
É simples. Antes de interpretar o sonho de Nabucodonosor, o que
Daniel fez? Orou (2.17-19). O que ele estava fazendo quando houve
a conspiração que resultou em ser lançado na cova dos leões?
Estava orando (6.10). Qual o assunto do capítulo 9? Daniel em
oração. Era um homem de oração. Uma adequada vida de oração é
uma parte do segredo de permanecer fiel a Deus em um mundo
hostil.
A outra parte do segredo é bem simples. No capítulo 9,
encontramos Daniel examinando e entendendo os “livros” (v. 2).
Quais livros? Os livros proféticos do Antigo Testamento, os que
haviam sido escritos até aquela data. Nos versículos 11 e 13, vemos
Daniel se referindo à “lei de Moisés”. Daniel lia e conhecia a Bíblia.
É fácil definir seu segredo, mas nem sempre é fácil praticá-lo. Ele
permaneceu firme servindo a Deus em um mundo hostil porque lia
sua Bíblia e orava!
A prática dessas verdades simples precisa ser enfatizada hoje.
Pensa-se, muitas vezes, que o segredo da vida cristã está em uma
nova e excepcional experiência com Deus. Palavras diferentes são
usadas por diversas pessoas, mas a idéia é, em geral, muito
semelhante. É ensinado que uma nova experiência com Deus me
conduzirá a um nível mais elevado do que aquele em que vivo
agora. Se apenas eu tiver essa nova experiência, jamais serei o
mesmo. Todas as minhas forças devem ser dedicadas à procura
dessa vida mais elevada, e não devo descansar até que essa nova
experiência seja minha.
Daniel teve maravilhosas experiências com o Senhor, mas não as
procurou. Ele buscava a Deus pela excelência de Deus, e não pelo
que Deus poderia fazer por ele. Daniel gostava de estar com o
Senhor, discernindo sua vontade, por meio da Palavra, e de ter
comunhão com Ele em oração. Enfatizamos novamente: seu
segredo era simples demais para não ser percebido – lia a Bíblia e
orava.
Este foi também o segredo dos primeiros mártires cristãos, dos
perseguidos durante a Reforma, dos zelosos evangelistas e de seus
sucessores. Foi o segredo dos grandes missionários pioneiros que
viveram no século passado. Estavam convictos de que “o povo que
conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo” (11.32). Como Daniel,
viviam em dois mundos e, freqüentemente, contemplavam aquele
mundo que interfere nos afazeres deste. Tornaram-se amigos de
Deus e muito amados (10.19) nos céus. Este era seu segredo!
Sabendo isto, estudemos agora o livro de Daniel e aprendamos
como permanecer firmes.
A Caminho da Babilônia

LEIA DANIEL 1

O primeiro capítulo de Daniel, assim como o último, é breve. É uma


narrativa simples e direta, para nos ensinar inicialmente uma lição
que não deveríamos esquecer. O capítulo se divide em quatro
partes.

A EXPEDIÇÃO DE NABUCODONOSOR CONTRA JERUSALÉM


Os primeiros dois versículos nos falam sobre a expedição de
Nabucodonosor contra Jerusalém. É importante lembrar que não
estamos lendo uma fábula. Estamos lidando com a História, com
eventos que realmente aconteceram.
Em 605 a.C., ano em que Nabucodonosor se tornara rei de
Babilônia, ele marcha contra Jerusalém. Ele a sitia. Derrota-a,
invade-a e leva para Babilônia as coisas e pessoas que deseja, mas
não deporta o rei. Jeoaquim permanece como seu rei-fantoche
pelos oito anos seguintes. Depois disto, se rebelará, e o poder lhe
será tirado.
No entanto, Nabucodonosor traz à Babilônia diversos cativos e
uma grande parte dos tesouros do templo. Jerusalém fica intacta,
mas o templo é saqueado. Isso não foi por acidente. Tal como todos
os eventos históricos, esse também foi obra do Senhor. Por muito
tempo, os judeus haviam confiado no templo e não no Senhor, que
diziam louvar ali. Apesar das advertências dos profetas, haviam
crido que a própria existência do templo lhes garantiria imunidade a
qualquer ameaça de invasão. “Enquanto tivermos o templo,
estaremos seguros”, eles proclamavam. “Você crê que Jeová
permitirá que seu templo seja destruído? Claro que não! Quando o
templo for ameaçado, Ele certamente virá em nosso socorro.”
Crendo nisso, a nação havia continuado em seu pecado. A
idolatria, a imoralidade e a injustiça continuaram ininterruptamente.
A mentira e o roubo aumentaram sem restrições. Estavam certos de
que, não importando como vivessem, o templo os salvaria. Mas não
os salvou. O templo estava agora em ruínas. Um rei pagão levara
aos seus cofres e à casa de seu deus os tesouros do templo. Por
meio desses acontecimentos, Deus demonstrou que não toleraria o
pecado, onde quer que fosse encontrado. Teria feito cessar o seu
furor, se o povo se tivesse voltado a Ele. Mas confiar no templo não
era substituto para o arrependimento.
Deus reina, quer seu templo exista, quer não. Deus permanece,
aconteça o que acontecer na terra. De fato, as coisas acontecem na
terra porque Ele é Deus. “O Senhor lhe entregou nas mãos a
Jeoaquim, rei de Judá” (v. 2). Deus está controlando perfeitamente a
História, sendo capaz de implementar suas ameaças. A cidade
conquistada, o templo saqueado, os tesouros transportados e os
cativos a chorar, tudo isso foi obra dEle, destinada a cumprir seus
propósitos. A experiência de seu povo foi a derrota, a ruína e a
destruição. Contudo, Ele permaneceu invencível, operando em e por
meio de tudo.

DANIEL E SEUS TRÊS COMPANHEIROS SÃO APRESENTADOS


Com este cenário diante de nós, os versículos 3 a 7 nos
apresentam agora os principais personagens do livro.
Nabucodonosor era brilhante. Era um gênio, sutil demais para cair
no mesmo erro de Faraó, que havia oprimido os hebreus no Egito.
Você se lembra de que Faraó tratara os hebreus com ampla
maldade, tornando-os escravos, afligindo-os e colocando-os sob seu
domínio cruel.
Há sempre um alto risco de que pessoas tratadas dessa maneira
se revoltem. Nabucodonosor queria evitar isso. Babilônia estava
conquistando o mundo. Logo, o número de conquistados seria muito
maior do que os conquistadores. Seria militarmente impossível para
Babilônia sustentar um regime opressivo através do mundo
conhecido. Simplesmente havia povos demais para serem oprimidos
e poucos soldados para fazê-lo. Outro meio teria de ser achado,
para que as nações conquistadas fossem mantidas leais ao império.
O método de Nabucodonosor era deportar a nobreza de cada
nação conquistada e integrá-la no serviço público de Babilônia.
Desse modo, as várias partes de seu império crescente eram
governadas pelos cativos. Aqueles que se rebelassem teriam de
fazê-lo contra seu próprio povo, talvez contra seus próprios filhos.
Nabucodonosor utilizou este método quando conquistou Judá (v.
3). Ele instruiu a Aspenaz, “chefe dos seus eunucos” (isto é, o
oficial-chefe do seu serviço público), a tomar os melhores da
juventude de Judá e colocá-los em lugares de responsabilidade.
Deveriam entrar em seu serviço real e na administração crescente.
Deveriam andar pelos corredores do poder. Aspenaz deveria achar
os possíveis candidatos entre a realeza e a nobreza da nação
judaica.
Alguns afirmam que Nabucodonosor fez esses jovens tornarem-
se eunucos, mas isso não pode ser verdade, pois o versículo 4 nos
mostra que deveriam ser completamente sem defeito. Este versículo
também nos diz que deveriam ser de boa aparência, inteligentes,
versados em todos os ramos do conhecimento, bem informados e
aptos para tomar parte no serviço pessoal do rei. Nabucodonosor
deveria ter somente o melhor!
Uma vez selecionados, esses jovens deveriam ingressar em um
abrangente programa de reeducação, onde importância particular
fosse dada a um aprendizado completo da língua e da literatura dos
babilônios. Nada que os distraísse de seus estudos seria permitido.
Além da língua e da literatura, por três anos receberiam lições de
matemática, ciência, navegação, política, história e geografia;
realmente, todo o conhecimento babilônio seria instilado em suas
mentes jovens. Não precisariam se preocupar com sua comida e
bebida. Esta lhes seria preparada e servida exatamente como se
fossem membros da família real (v. 5).
Quantos estudantes, que estão lendo este livro, abandonaram
seus estudos porque, morando em quartos alugados, tinham de
comprar sua própria comida e preparar suas refeições! Daniel,
Hananias, Misael e Azarias não enfrentaram este problema. Tinham
de pensar somente em seus estudos. Deveriam até esquecer que
eram judeus, a fim de tornarem-se babilônios. Deveriam esquecer
que eram servos de Deus e tornarem-se servos de um rei terrestre.
Isto explica o versículo 7. Era parte da política babilônica mudar
os nomes de todos os selecionados para a reeducação e
treinamento especial. Daniel (que significa “Deus é meu juiz”) foi
chamado de Beltessazar (“Guarda dos segredos ocultos de Bel”).
Hananias (“Jeová é gracioso”) recebeu o nome de Sadraque. Não
sabemos o que esse nome significa, mas contém o nome da
divindade pagã Marduque. Misael (“Quem é semelhante a Deus?”)
passou a ser chamado de Mesaque, um nome que contém uma das
antigas formas do nome da deusa Vênus. Azarias (“Jeová auxilia”)
tornou-se Abede-Nego (“o servo de Nego”).
Quando olhamos os quatro nomes originais, vemos que dois
deles terminam em “el”, que indica um dos nomes de Deus, e dois
terminam em “ias”, uma versão abreviada de “Jeová”. Esses nomes
foram alterados pelos babilônios para outros que se referiam às
divindades pagãs de Bel, Marduque, Vênus e Nego. Os quatro
rapazes deveriam ter cerca de quatorze anos de idade quando seus
nomes foram mudados, pois essa era a idade em que os babilônios
introduziam os jovens em seu programa de reeducação. Não teriam
descanso até que tivessem completo domínio de tudo que se exigia
deles. Isso levaria três anos. Afastados de seus lares, instruídos a
esquecer seu Deus e reeducados intensivamente numa cultura
pagã, o que aconteceria a estes jovens rapazes? Permaneceriam
fiéis a seu Deus e ao que sabiam ser correto? Ou sucumbiriam?
Teriam eles enfrentado outro tipo de pressão? Será que, ao
saírem em marcha, alguns dos judeus se alegraram e disseram: “O
cativeiro não será tão mau para eles. O rei fará algo por nossos
jovens. Eles serão alguém”?
Sim, os jovens seriam alguém, mas correndo o risco de perderem
sua identidade como filhos de Deus. Resistiriam eles à pressão?
Pode o cristão hoje permanecer firme, quando a mídia e a
sociedade em geral bombardeiam sua mente dia e noite, colocando-
o sob pressão para mudar sua maneira de pensar? Pode ele
lembrar-se de seu status privilegiado de filho de Deus e viver
dignamente, quando tudo ao seu redor está forçando-o a pensar em
outras coisas?

A POSIÇÃO OCUPADA POR ELES


O que aconteceu depois encontra-se nos versículos 8 a 16. Para
entendê-los, devemos recordar por que, afinal, os judeus estavam
sendo levados em cativeiro. A nação inteira se encontrava em um
baixo nível espiritual e moral. Seu maior pecado era a idolatria. O
exílio era um castigo por todos os pecados da nação, mas em
particular, por esse pecado. O povo deveria permanecer em
Babilônia até que a idolatria fosse abandonada para sempre. Entre
os erros cometidos pelos judeus no período pós-exílico não se inclui
a idolatria. O exílio os havia curado para sempre. Mas, por ocasião
do exílio, a idolatria fazia parte da vida da nação, e o que distinguia
o remanescente fiel de todos os outros judeus era sua recusa
inflexível de participar de qualquer forma de idolatria.
Imagine, então, estes quatro rapazes iniciando sua reeducação.
São informados de que, ao invés de prepararem sua própria comida,
serão alimentados da mesa real. A razão por que recusaram a
comida real não foi as leis alimentares judaicas. Poderiam, ao
menos, tomar vinho, pois nenhuma lei alimentar judaica o proibia. A
razão para sua recusa foi que a comida da mesa real era oferecida
a ídolos antes de ser posta à mesa. Cada refeição, no palácio real
de Babilônia, se iniciava com um ato de adoração pagã. Quanto a
isso, aqueles jovens se mostraram muito mais diligentes do que
muitos cristãos hoje quanto a darem graças antes de comer. Nada
se comia ou se bebia antes que fosse dedicado a certos deuses
pagãos. Considerava-se que aqueles que comiam o alimento
haviam participado nos ritos pagãos. Foi precisamente por se
recusarem a comprometer-se com a idolatria que os quatro rapazes
fizeram parte do remanescente fiel. Se não se envolveram antes
com a idolatria, não seria agora que o fariam.
“Mas Daniel, você não está sendo um tanto exagerado?”
Isto é o que muitos diriam hoje. “Por que criar um caso sobre uma
coisa tão pequena como comer alimento oferecido aos ídolos? Você
perderia sua cabeça por recusar a comida da mesa real. Por que
não colocar os escrúpulos de lado? Pense na influência que você
pode exercer, estando no serviço público da Babilônia. Talvez você
possa chegar ao auge. Não seria maravilhoso para um dos filhos de
Deus estar nessa posição social? Com essa atitude, você está
pondo em risco sua própria vida. Mesmo que não perca a cabeça,
provavelmente você terminará em uma masmorra. Certamente
jamais chegará ao topo, se não obedecer as instruções do rei.”
A resposta de Daniel e de cada um de seus três companheiros
foi: “Não! Não comerei e me absterei de qualquer aparência do mal.
Embora signifique grande perigo pessoal e possa custar-me a vida,
é melhor apodrecer em uma masmorra ou morrer executado a
associar-me à idolatria. Prefiro a morte do que pecar, ainda que um
pouco”. Este é o espírito a que nos referimos quando dizemos:
“Ouse ser como Daniel!”
É claro que não devemos ter a impressão de que Daniel foi mal-
educado, ao recusar a comida real. A linguagem do versículo 8
demonstra cautela: “Resolveu Daniel, firmemente, não contaminar-
se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia;
então pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não
contaminar-se”. Foi ao chefe dos eunucos e apresentou-lhe seu
caso. Permaneceu firme em seus princípios, mas foi gentil e cortês
quando pediu que fosse eximido de sua obrigação de comer o
alimento.
A absoluta integridade de Daniel lhe conquistara o favor do chefe
dos eunucos (v. 9), mas este, como é natural, estava um pouco
preocupado com sua própria vida. “Veja, Daniel, se vocês não se
tornarem aquilo que o rei deseja, serei responsabilizado por isso.”
O caráter de Daniel é visto no fato de não ter desistido. Não
voltaria atrás. Nos versículos 11 a 14, vemo-lo dirigir-se ao
cozinheiro-chefe, o oficial inferior ao chefe dos eunucos, solicitando:
“Experimenta, peço-te, os teus servos dez dias; e que se nos dêem
legumes a comer e água a beber”.
Legumes não parece ser algo apetitoso! Realmente, era uma
mistura de verduras e frutas frescas. Daniel estava sugerindo uma
dieta de salada permanente, sem importar-se quão freqüentemente
se alimentaria. Qualquer coisa seria melhor do que alimentos que
estivessem associados à adoração aos ídolos.
“Experimente-nos dez dias; não beberemos vinho, somente
água.” Este exemplo é digno de nossa séria consideração. Daniel
era sábio, discreto, gentil e sensível. Mas também era firme.
Os versículos 15 e 16 nos contam o efeito dessa dieta monótona.
Os jovens nada sofreram por absterem-se das finas iguarias da
mesa real. Após dez dias, houve uma notável melhora em suas
aparências, e mostravam-se mais sadios. Em todos os aspectos
estavam melhores que os outros jovens que desfrutaram da dieta
prescrita pelo rei.
Isto nos ensina que ninguém perde coisa alguma quando se
recusa a comprometer sua fé. O chefe dos eunucos sentiu-se
completamente tranqüilo e permitiu que os rapazes continuassem
na dieta que haviam escolhido. Ninguém fora ofendido. No entanto,
nem Daniel, nem seus três companheiros haviam-se acomodado.
Foram fiéis no pouco, e isso seria o início para serem fiéis no muito.
Se Daniel não permanecesse firme nesta ocasião, poderia se
mostrar firme depois, quando ameaçado com a morte, na cova dos
leões? Se os seus três companheiros tivessem-se comprometido no
início de suas vidas, na Babilônia, como reagiriam ao serem
confrontados com a fornalha ardente? Por terem honrado a Deus
em uma coisa pequena, puderam honrá-Lo também nas questões
mais importantes. Pessoas caem em pecados sérios somente
porque aprenderam a tolerar pecados menores.

O RESULTADO
O resultado imediato da ação corajosa e espiritual destes jovens
é registrado nos versículos 17 a 21. Eles colocaram Deus acima de
todas as outras considerações. Por sua vez, Ele os honrou e
despertou em suas vidas dons que nem imaginavam possuir.
Isto acontece freqüentemente. Anos atrás, conheci um homem
que era totalmente analfabeto. Não podia ler sequer uma palavra.
Quando o Senhor o salvou, concluiu que poderia andar melhor com
Deus se pudesse ler a sua Palavra. Com considerável perseverança
e grande esforço pessoal, aprendeu a ler. Fazendo isso, descobriu
(para seu deslumbramento) que tinha uma inteligência bem
aguçada. Tornou-se um leitor ávido e conseguiu um emprego como
carteiro. Em anos recentes, tornou-se um pastor. Desde sua
infância, todos lhe diziam que nada realizaria. Quando colocou a
Deus em primeiro lugar e decidiu agradá-Lo, descobriu subitamente
que tinha dons que nem ele nem ninguém havia imaginado possuir.
Foi exatamente isso que aconteceu com Daniel, Hananias, Misael
e Azarias. Puseram Deus em primeiro lugar e se aplicaram nos
estudos. Foram abençoados com sabedoria.
Já aconteceu algo semelhante em sua própria experiência? Você
viu alguma coisa que precisava ser feita e, somente por causa do
Senhor, começou a realizá-la. Fazendo isso, descobriu que possuía
dons, os quais desconhecia inteiramente. Percebeu, por exemplo,
que tinha uma propensão para administrar ou que poderia liderar
facilmente os jovens. Os dons vieram à tona em sua vida apenas
porque você colocou Deus em primeiro lugar; e, freqüentemente, a
descoberta desses dons ajudaram-no a aprimorar-se em seu próprio
trabalho. Esta experiência não é, de modo algum, diferente da que é
descrita em Daniel l. Daniel tinha outro dom que se destacará neste
livro, e a primeira menção dele ocorre no versículo 17.
Assim, finalmente, o curso de três anos terminou. Era hora dos
exames finais. Como nas universidades britânicas em dias
passados, esses exames não eram escritos, e sim orais. Os
estudantes apresentaram-se ao rei, que examinou, pessoalmente,
cada um e deu seu parecer. Sua avaliação de Daniel, Hananias,
Misael e Azarias é preservada para nós nos versículos 19 e 20.
Eram melhores que todos os outros estudantes. Porém, isso não é
tudo. Mostraram-se mais cultos do que os graduados que já haviam
concluído seus estudos e agora ocupavam posições de liderança no
império. De fato, dez vezes mais sábios! Como resultado, cada um
dos quatro foi colocado em um cargo alto, no qual poderia usar sua
influência para Deus. O Senhor poderia confiar-lhes tal posição, pois
haviam demonstrado que, diante de qualquer circunstância, mesmo
em perigo de vida, Lhe seriam fiéis. Daniel permaneceria nesta
posição por 70 anos (v. 21).
Muitos crentes anseiam por posições mais altas, onde podem ter
mais influência espiritual. Professores querem ser diretores,
balconistas querem tornar-se gerentes, sócios de sindicato esperam
tornar-se representantes de classe. “Se eu apenas estivesse
naquele cargo”, pensam eles, “que influência poderia exercer para o
Senhor!”
Se não vivermos para Deus agora, nenhum de nós poderá fazer
com que uma posição mais elevada se torne valiosa para Ele. Se
não estamos dispostos a permanecer firmes e comprometidos com
Ele em coisas pequenas, como o faremos nas grandes? É possível
ser fiel no muito, sem primeiro ter sido fiel no pouco? Se não
podemos resistir a tentações comparativamente pequenas, o que
faremos quando elas forem intensificadas?
O ensino central deste capítulo pode ser resumido em uma frase:
“Aos que me honram, honrarei” (1 Sm 2.30).
3 | O Sonho de Nabucodonosor

LEIA DANIEL 2

Estamos no século VI a.C. Como castigo por seus pecados,


especialmente a idolatria, os judeus estão cativos na Babilônia.
Deus os advertira repetidamente, e não O ouviram. Mas, em meio à
nação apóstata, há ainda alguns que Lhe são fiéis; quatro desses
ocupam agora posições importantes e influentes no serviço público
da Babilônia. São os principais personagens do livro de Daniel.
Neste capítulo, vemos como este remanescente piedoso foi não
somente preservado, mas também elevado a uma posição de
grande influência na Babilônia pagã. Parecia certo que o verdadeiro
Israel de Deus seria eliminado. Parecia certo que o pequeno grupo
que se apegava à sua verdade seria destruído. Mas o remanescente
de Deus é objeto de seu cuidado especial, e Ele governa a História
para proveito deles. Isso é o que veremos agora.

O QUE NABUCODONOSOR VIU?


Os primeiros treze versículos do capítulo 2 nos contam três
coisas que o rei Nabucodonosor viu. A primeira foi um sonho, que
ele se recusou a relatar ou descrever. Nabucodonosor havia-se
deitado, pensando sobre o futuro. Era ele o cabeça de um império
imenso; portanto, era bem natural que, como último pensamento do
dia, houvesse conjecturado a respeito do que aconteceria no futuro
(v. 29). Isso aconteceu no segundo ano de seu reinado.
Como sabemos, muitas vezes as coisas que passam por nossa
mente durante o dia, especialmente quando vamos dormir, são
aquelas sobre as quais sonhamos. Mas o sonho de Nabucodonosor
foi incomum. Foi dado por Deus. Sua vivacidade era particularmente
intensa, e o rei ficou apavorado. Freqüentemente, quando alguém
tem um pesadelo, acorda de repente, e a impressão do sonho
continua. No entanto, logo desaparece. Não aconteceu assim com
Nabucodonosor! Agitado em espírito, acordou e não conseguiu
esquecer o sonho. O sono se fora, e Nabucodonosor jazia
apavorado no leito real.
Imediatamente, convocou as pessoas que acreditava poderiam
interpretar o sonho e esclarecer seu significado (v. 2). Em sua corte,
Nabucodonosor possuía todo tipo de “agregado”: os adivinhadores,
os mágicos, os astrólogos, os feiticeiros e um grupo especial de
pessoas chamadas de “caldeus”, que não devem ser confundidos
com a nação que tinha o mesmo nome. Narrou-lhes sua agitação de
espírito e seu desejo de saber o significado do sonho (v. 3). O sonho
o perseguia. Não pôde tirá-lo de sua mente.
Do versículo 4 até o fim do capítulo 7, o livro de Daniel está
escrito em siríaco, mais conhecido como caldeu ou aramaico. O
versículo 4 registra a resposta dos homens da corte ao pedido do
rei. Respondem com outro pedido. É uma solicitação razoável, se
bem que proferida um tanto arrogantemente. “Ó rei”, dizem eles,
“dize o sonho a teus servos, e daremos a interpretação”. “Descreva
o que viu, e lhe diremos o que significa.”
Esta solicitação aparentemente razoável é respondida com uma
ameaça horripilante! Tais ameaças eram típicas dos déspotas
orientais daquele tempo. Nabucodonosor poderia executar aquilo
que falara.
Ele disse: “Uma coisa é certa: se não me fizerdes saber o sonho”.
Isso não significa, como se imagina freqüentemente, que
Nabucodonosor havia esquecido o sonho. Se este fosse o caso,
como poderia o sonho ainda estar a perturbá-lo? Se o rei não
pudesse lembrar o sonho, então, o final do versículo 9 não teria
sentido. Visto que o rei se lembrava realmente do sonho, poderia
conferir se o haviam relatado corretamente e, portanto, ter confiança
de que sua interpretação estava correta.
Quando Nabucodonosor declarou “Uma coisa é certa”, ele quis
dizer: já está decretado que, “se não me fizerdes saber o sonho e a
sua interpretação, sereis despedaçados, e as vossas casas serão
feitas monturo” (v. 5). “Afinal, a função de vocês é interpretar
sonhos; são pagos para fazer isso.”
As honras extravagantes, prometidas no versículo 6, também
eram típicas dos governantes daquela época. O fracasso em contar
o sonho e interpretá-lo significaria morte certa. Atender o pedido do
rei significaria honra, promoção e recompensa.
Além do sonho, Nabucodonosor também viu os astrólogos
tentando ganhar tempo (vv. 7-11). A ameaça terrível e a promessa
extravagante curaram rapidamente a arrogância deles. No versículo
7, os astrólogos falam ao rei de um modo mais reverente: “Diga o rei
o sonho a seus servos, e lhe daremos a interpretação”.
A resposta do rei é áspera (vv. 8-9): “Vocês estão apenas
tentando ganhar tempo, porque são totalmente incapazes de fazer o
que lhes pedi. Esperam que eu mude de idéia sobre destruí-los, se
não derem a interpretação. De fato, se nem podem dizer-me o que é
o sonho, tampouco poderão dar-me a interpretação correta. Se não
podem me contar o sonho, estão demonstrando, com certeza, que
nada são, exceto enganadores e charlatães. Pessoas assim são
dignas apenas de uma coisa – o decreto de morte, sobre o qual já
falei”. “Mas”, gaguejam os astrólogos, “o que tu pedes está acima da
capacidade humana. Ninguém, em toda a história, jamais pediu tal
coisa. Normalmente, só interpretamos o sonho, mas desta vez tu
esperas que também contemos o sonho. Isto é difícil demais para
meros homens. Os únicos que poderiam fazê-lo são os próprios
deuses” (v. 10).
Então, Nabucodonosor encolerizou-se! “O rei muito se irou e
enfureceu” (v. 12).
Deve ter sido uma cena apavorante! O mais poderoso homem do
mundo num acesso de raiva! Não manifestou paciência ante a
confissão de incapacidade de seus servos. Os astrólogos e magos
disseram que não podiam atender o pedido do rei. Haviam feito todo
o tipo de afirmações orgulhosas, mas agora Nabucodonosor podia
ver o íntimo deles. Declaravam poder revelar segredos, mas nem
mesmo podiam contar-lhe o conteúdo de um sonho que ainda o
aterrorizava. Se não podiam fazer isso, como poderiam realizar a
coisa mais profunda e mais difícil que prometiam, ou seja,
interpretar sonhos?
“Matem a todos!”, disse o rei da Babilônia.
A ordem áspera do rei é uma indicação de quanto o sonho o
preocupava. Precisava saber o que significava! Não conseguia
retirá-lo de sua mente. O sonho lhe roubava a paz. Estava com ele
momento a momento. Perseguia-o e nunca o deixava. Como
resultado, o rei estava numa turbulência inexprimível. Precisava
saber o que significava e, portanto, não tinha paciência com aqueles
que confessaram ser completamente incapazes de ajudá-lo.
“Matem todos os sábios.”
A ordem era o fim de Daniel, Hananias, Misael e Azarias. Eles
não eram astrólogos, pois haviam recusado envolver-se com
qualquer coisa pagã ou idólatra. Mas precisamos lembrar que
haviam sido educados pelos sábios de Babilônia e estavam,
portanto, no sentido mais amplo, incluídos entre eles. O decreto do
rei impaciente, se fosse realizado, significaria o fim do
remanescente fiel. Os únicos no mundo que eram leais à verdade
de Deus seriam eliminados. O verdadeiro Israel de Deus seria
extinto. Venceram a tentação de comprometer sua fé, no capítulo 1,
mas como poderiam sobreviver a isto?

O QUE DANIEL VIU?


Respondemos esta pergunta ao lermos do versículo 14 ao final
do capítulo. Já consideramos três coisas que Nabucodonosor viu e
percebeu. Agora, consideraremos três coisas percebidas por Daniel.
Primeiramente, ele viu quem é Deus (vv. 14-23). Falou
discretamente com o oficial encarregado de executar os sábios e,
como resultado, a realização do decreto foi adiada.
O próximo passo de Daniel foi dirigir-se ao rei. Conseguiu uma
audiência real (v. 16). “Dá-me tempo”, pediu, “e satisfarei o teu
pedido e te darei a interpretação”.
O rei, evidentemente, acedeu ao pedido de Daniel, pois o terceiro
passo de Daniel revela isso (vv. 17, 18). Voltou ao remanescente
fiel, e os quatro homens de fé se uniram em oração. Sua
preocupação, enquanto oravam, não era que Daniel tivesse uma
grande reputação como intérprete de sonhos. Desejavam as
misericórdias do Deus dos céus, para que não perecessem com os
demais sábios da Babilônia.
Quatro homens, em sua própria casa, começaram a orar, sem
dúvida usando argumentos, como fazem todos os bons homens de
oração: “Senhor, somos o teu remanescente. Foi decretada a
execução de todos os sábios de Babilônia, e estamos incluídos
entre eles. Se o decreto for cumprido, teu remanescente
desaparecerá, e o povo de Deus será extinto da terra. O verdadeiro
Israel será aniquilado. Ó Senhor, mostra tua misericórdia para
conosco. Dá-nos um relato do sonho e uma compreensão do que
significa”.
Do que lemos em 1.17, sabemos que Daniel tinha “inteligência de
todas as visões e sonhos”. Era um dom especial de Deus para ele.
Naquela noite ou em outra logo depois, a oração unânime do povo
de Deus foi respondida, e Daniel soube tanto o que o rei sonhara
como o que o sonho significava (v. 19). O texto bíblico não nos
declara imediatamente o que era. Mas nos conta que a reação
imediata de Daniel à revelação foi explodir em louvor a Deus. Daniel
recebeu uma compreensão clara do sonho e sua interpretação.
Porém, adquiriu uma compreensão ainda mais clara sobre a
natureza e os atributos de Deus.
Veja as suas afirmações sobre Deus no versículo 20: Deus é
gracioso, sábio e poderoso.
É este Deus que controla a História (v. 21). Não é a natureza. Não
são os ídolos. É Deus! Ele exerce seu poder não apenas no céu,
mas também aqui na terra. Não podemos dizer que cremos na
soberania de Deus, se não crermos nisso.
Daniel recebera uma sabedoria superior a de todos os sábios de
Babilônia, mas observe o que ele afirma sobre este assunto (v. 21):
se um homem tem sabedoria, é porque a recebeu de Deus, que é a
fonte de toda a sabedoria. Daniel reconhece que o entendimento
que possui agora resulta tão-somente da imerecida bondade de
Deus (vv. 22-23).
Daniel percebeu quem é Deus. Temos aqui uma revelação de
como é o coração de um homem de Deus. Tal homem é disposto a
erguer sua voz a Deus e admirá-Lo; está ciente de que tudo o que
ele é, em si mesmo, e tudo o que possui não são de valor algum.
Não reivindica méritos para si mesmo e insiste em que somente a
Deus devemos dirigir nossas palavras e pensamentos de adoração.
Os versículos 24 a 45 nos contam o que Daniel viu na visão da
noite. Havendo agradecido a Deus pela oração respondida, agora
está pronto para se apresentar ao rei.
Na corte da Babilônia havia um protocolo muito severo para que
os súditos se aproximassem do rei. Sem dúvida, esta formalidade
fora observada no versículo 16, mas não é relatada ali. É
mencionada no versículo 24. No versículo 25, vemos que Daniel é
introduzido à presença do rei por Arioque e que este toma para si
todo o mérito por haver descoberto um homem que podia interpretar
o sonho do rei.
“Podes?”, pergunta o rei. “Podes tu fazer-me saber o que vi no
sonho e a sua interpretação?” (v. 26).
“Nem encantadores, nem magos, nem astrólogos o podem
revelar ao rei; mas há um Deus nos céus, o qual revela os mistérios,
pois fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de ser nos últimos
dias”, responde Daniel.
Ao ouvirmos a expressão “os últimos dias”, nossos corações
ficam alertas. A Bíblia usa consistentemente esta expressão para se
referir ao período entre o nascimento de Cristo e o fim do mundo.
Não é usada para se referir às últimas horas antes da volta de
Cristo, como alguns cristãos às vezes imaginam, mas para todo o
período da história do mundo que começou na manjedoura de
Belém. O sonho de Nabucodonosor nos dirá algo sobre o período
da história em que estamos vivendo!
Daniel continua: “Este sonho é a resposta de Deus aos teus
pensamentos no leito. Tu foste para a cama inquirindo sobre o
futuro. Deus te respondeu por meio de um sonho; e eu posso relatar
tanto o sonho como a sua interpretação. Eu não sou especialmente
sábio ou exaltado, mas Deus me deu a interpretação apenas para
que seja conhecida”.
Os versículos 31 a 35 mostram Daniel descrevendo o que o rei
sonhou e nos trazem ao clímax do capítulo.
O rei, em seu sonho, contemplou uma estátua imensa (v. 31).
Sendo quase totalmente metálica, brilhava ao sol. Seu brilho e
tamanho a tornavam apavorante e assustadora.
Olhando para a imagem, o rei vira que era composta de
diferentes materiais, todos metais, menos um. A cabeça era feita do
melhor ouro (v. 32). O peito e os dois braços eram de prata. O
ventre e os quadris, de bronze. As pernas, dos joelhos para baixo,
eram de ferro (v. 33). Os dedos não são mencionados nesta
passagem, mas os pés eram, em parte, de ferro e, em parte, de
barro.
Coisas estranhas acontecem em sonhos, e o que aconteceu
depois foi tão estranho como qualquer coisa que alguém jamais viu.
Em direção à estátua veio uma pedra insignificante. Talvez fosse
como uma das pequenas pedras que achamos na estrada. Não há
indicação de onde a pedra veio; pareceu vir do nada. O sonho do rei
não deu detalhes quanto a sua origem. Apenas notou que ela veio e
caiu sobre os pés da imagem (v. 34). Imediatamente, toda a imagem
desmoronou e foi reduzida a pó. O vento soprou sobre ela, e logo
não havia sinal de que estivera ali. O que era tão apavorante, que
parecia tão permanente e formidável, havia desaparecido.
Então, a pequena pedra começou a crescer, tornando-se um
seixo e, depois, uma rocha. Enquanto o rei, assombrado, olhava, a
pedra crescia, tornando-se maior que uma casa, maior que o prédio
mais elevado e maior que os montes. De fato, tornou-se uma grande
montanha, que enchia toda a terra (v. 35).
“Este é o sonho; e também a sua interpretação diremos ao rei” (v.
36).
“A cabeça, ó rei Nabucodonosor, és tu! És um poder mundial. És
um reino. És um império. Tu és a cabeça de ouro” (v. 37-38).
Devemos ter cuidado e notar que Daniel dirigiu suas palavras
diretamente ao rei diante dele, não dando de modo algum a
impressão de que falava sobre um império babilônio renascido,
como alguns pensam.
“O peito e os braços são também um império, menos poderoso,
que te sucederá” (v. 39).
“O ventre e as coxas são outro império mundial que sucederá
àquele” (v. 39).
“As pernas e os pés são ainda outro império mundial que, por sua
vez, sucederá ao terceiro. Este quarto império será particularmente
notável pelo seu poder de destruição. Terá a força do ferro e será
constituído de uma mistura de ferro com barro. Seus dois elementos
finalmente serão incapazes de permanecer ligados e se tornarão um
reino dividido. Uma das partes permanecerá forte, mas a outra será
frágil e mais facilmente destruída.”
“E a pequena pedra? Bem, durante o governo deste quarto poder
mundial, ocorrerá um evento de grande significado. Nos dias destes
reis, o Deus do céu suscitará um reino que não será jamais abalado.
Este reino não passará a outro povo; esmiuçará e consumirá todos
estes reinos, mas ele mesmo subsistirá para sempre” (v. 44).
“Como viste que do monte foi cortada uma pedra, sem auxílio de
mãos, e ela esmiuçou o ferro, o bronze, o barro, a prata e o ouro. O
Grande Deus fez saber ao rei o que há de ser futuramente. Certo é
o sonho, e fiel a sua interpretação” (v. 45).
Deste modo, Daniel viu quem é Deus e ficou ciente do sonho e de
sua interpretação. A terceira coisa que ele viu, foi algo que ninguém
em Babilônia jamais esperaria. Lemos sobre isso na narração do
versículo 46 até o final do capítulo: Ele viu o rei humilhado, o
verdadeiro Deus glorificado e o remanescente temente a Deus
promovido. Quem esperaria ver o mais poderoso homem da terra
cair sobre o seu rosto, em atitude de homenagem?
Mas foi precisamente isso que aconteceu. Ao mesmo tempo, o rei
ordenou que fosse queimado incenso em honra a Daniel. Alguns
têm pensado que Nabucodonosor estava prestando a Daniel a
adoração que é devida somente a Deus. Mas não foi isso que
aconteceu. Talvez possamos compreender, se lembrarmos um
incidente semelhante na vida de Alexandre, o Grande. Quando
chegou a Jerusalém, prostrou-se aos pés do sumo sacerdote e foi
severamente repreendido por um de seus auxiliares.
“Não faça isso”, ele disse.
“Eu não adoro o sumo sacerdote”, replicou Alexandre, “mas o
Deus a quem ele honra”.
Algo semelhante aconteceu na sala do trono de Nabucodonosor.
O rei caiu aos pés de Daniel, não porque estava adorando-o como
Deus, mas porque reconheceu Daniel como um porta-voz de Deus.
Então, o verdadeiro Deus foi glorificado. Nabucodonosor ainda não
compreendia que o Deus de Israel era o único Deus, mas O
reconheceu como o supremo Deus.
Ninguém poderia pensar, algumas horas antes, que isso
aconteceria. Tudo indicava que os dias do remanescente fiel
estavam contados. Parecia certo que os piedosos seriam mortos e
que desapareceriam para sempre. Mas agora Daniel, Sadraque,
Mesaque e Abede-Nego estavam todos recebendo promoção.
Daniel foi colocado como governador da província de Babilônia e
como o chefe supremo de todos os sábios. A arqueologia ainda não
conseguiu esclarecer-nos o que esse cargo envolvia, embora o título
“o chefe supremo”, cargo ao qual Daniel foi promovido, já tenha sido
encontrado entre as inscrições antigas.
Os seus três companheiros de oração foram promovidos a sub-
chefes, para servir sob a autoridade de Daniel.
O remanescente fiel não apenas estaria seguro, mas exerceria
influência. Tudo havia estado contra ele, mas não fora aniquilado.
Não pereceram no capítulo 1 simplesmente por recusarem-se a
fazer algo pecaminoso. Tampouco pereceram no incidente deste
capítulo, pois se entregaram unanimemente à oração. É assim que
uma testemunha de Deus é preservada no mundo. Faremos bem
em guardar essas lições em nosso coração.

O QUE DEVEMOS APRENDER


Neste capítulo, notamos o que Nabucodonosor e Daniel viram. O
que devemos aprender disso? Além de algumas lições a que já nos
referimos, há três coisas principais.
Em primeiro lugar, a Palavra de Deus é verdadeira. Daniel falou
as palavras que Deus lhe deu, e tudo que ele anunciou que
aconteceria realmente aconteceu.
O império de Nabucodonosor foi sucedido por três outros. Não
precisamos indagar quais os impérios referidos no sonho e na sua
interpretação; três deles são identificados no próprio livro de Daniel,
e a identidade do quarto é revelada por nosso Senhor Jesus Cristo.
Este ponto deve ser enfatizado, especialmente nestes dias em que
tantas coisas contraditórias foram escritas sobre a visão do capítulo
2. Não há dúvida possível a respeito de quais poderes mundiais são
referidos aqui.
No entanto, não foram quatro imagens que Nabucodonosor viu,
somente uma. Isso porque, num sentido muito real, todos os
impérios descritos por Daniel são o mesmo império. O segundo
conquistou o primeiro. O terceiro venceu o segundo. E o quarto
derrotou o terceiro.
O primeiro teve um sucessor, assim como o segundo e o terceiro.
O quarto não teve um sucessor, mas, no período deste quarto
império, um outro reino se levantou. Pode-se afirmar com certeza
que a pequena pedra destruiu os quatro impérios, e não apenas o
último.
Babilônia desapareceu, como um poder mundial, quando foi
conquistada e incorporada pelos medos e persas. A Medo-Pérsia,
por sua vez, foi conquistada e absorvida pela Grécia. O poderoso
império da Grécia foi, por sua vez, conquistado pelos romanos.
Estes não apenas apropriaram-se de todas as terras do império
grego, mas também estabeleceram um império ainda mais
abrangente e expansivo do que qualquer outro que o havia
precedido. Foi nos dias do império romano que um outro reino foi
estabelecido, um reino que está sempre crescendo e nunca
terminará.
Pensemos um pouco mais sobre esta maravilhosa visão
profética. De todos os quatro impérios, somente um era totalmente
unificado. Este era Babilônia, que é, portanto, retratado como a
cabeça de ouro da imagem. A Medo-Pérsia nunca possuiu a mesma
glória que Babilônia possuía, e para sua descrição, nada melhor do
que a prata. Embora formasse uma unidade, na realidade era
constituída de dois braços, exatamente como o sonho da imagem
havia profetizado. A Grécia veio em seguida. Sob Alexandre, o
Grande, a Grécia foi um império unificado, mas eventualmente se
dividiu em duas pernas, a Síria e o Egito.
Da mesma forma, o império romano teve duas grandes divisões,
do Oriente e do Ocidente (eventualmente se dividiu em dez reinos
menores, ou seja, dez dedos – um assunto que está fora do escopo
deste capítulo). Foi nos dias do império romano que uma Pedra,
sem origem, veio a este mundo. Não teve origem, pois existia
mesmo antes de existir o tempo. João Batista proclamou a respeito
dEle: “O que vem depois de mim tem, contudo, a primazia,
porquanto já existia antes de mim” (Jo 1.15). O eterno Filho de Deus
veio a Belém como um menino insignificante, a fim de estabelecer
um reino que permanecerá para sempre. Hoje, os reinos que o
antecederam estão aniquilados. Mas o reino de Cristo permanece,
está crescendo e durará para sempre. Nunca terá sucessor. Tudo
aconteceu conforme Daniel profetizou.
Quando Deus fala, o que Ele diz é verdadeiro. Um capítulo como
este deve renovar nossa confiança na Palavra de Deus. Devemos
admirá-la e descansar nela, de um modo que não fizemos antes. O
capítulo deve levar-nos a recordar que “os juízos do S são
verdadeiros e todos igualmente, justos” (Sl 19.9).
Mas devemos aprender algo mais: a História está nas mãos de
Deus.
O livro de Daniel foi escrito no século VI a.C. Há muitos que não
crêem nisso e insistem em que deve ter sido escrito no século II a.C.
Essa teoria pode ser inteiramente descartada; e mais uma vez,
recomendo aos leitores interessados a obra de E. J. Young. Ele,
Robert Dick Wilson e outros explicam claramente a impossibilidade
dessa teoria. Essa visão equivocada tornou-se popular porque
muitos homens e mulheres não podem aceitar a idéia da profecia
preditiva. Não conseguem acreditar que a Palavra de Deus prevê
corretamente os eventos antes que estes ocorram. Se não crêem
nisso, nem mesmo a mais bem elaborada argumentação pode
convencê-los. Essa é a principal razão por que estudiosos que
defendem a data do sexto século antes de Cristo não têm sido
amplamente aceitos. Mas os sensatos acharão os argumentos deles
convincentes. É importante notar que o Senhor Jesus atribuiu a
Daniel a autoria do livro que tem o seu nome (Mt 24.15). Quem
ousaria dizer que o perfeito Filho de Deus estava enganado?
Podemos, então, confiantemente, afirmar que Daniel registrou a
História antes de sua concretização. Como pode acontecer isso, se
Deus não controla a História?
Não é suficiente dizer que Deus meramente previu o que
aconteceria. Ele poderia ter feito isso sem ter controle dos eventos
que Ele mesmo previu? Poderia tê-los previsto com exatidão, se não
os controlasse perfeitamente? Ninguém pode profetizar
infalivelmente aquilo que não controla plenamente. Se não fosse
assim, alguma coisa poderia acontecer de modo errado. Alguém
poderia colocar areia na engrenagem. Alguém poderia tomar uma
decisão de modo contrário às profecias feitas. Ninguém pode prever
o futuro, se não tem controle sobre ele.
É exatamente isso que as Escrituras nos ensinam. Contam-nos
que Deus fez “de um só... toda a raça humana para habitar sobre
toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente
estabelecidos e os limites da sua habitação” (At 17.26).
Daniel já havia dito que é Deus quem estabelece e remove reis
(v. 21). Deus controla a História. Este é um pensamento que se
mostra maravilhoso para mim, enquanto escrevo estas páginas. Não
vivo em um universo descontrolado. Vivo em um mundo onde os
propósitos de Deus estão se cumprindo, ainda que muitos eventos
sejam horríveis e amedrontadores, como eram nos dias dos
impérios mencionados neste capítulo. Todos os acontecimentos
estão se realizando de acordo com o que Deus planejou. Deus
continua no trono.
Isso nos traz à compreensão de uma terceira verdade: não há
razão para o cristão ficar desencorajado.
Cristo, a Pedra, estabeleceu um reino onde Ele mesmo governa.
Não é um reino político, porque Ele asseverou dogmaticamente: “O
meu reino não é deste mundo” (Jo 18.36). Ele nos explicou sobre a
qualidade do seu reino: “O reino de Deus está dentro em vós” (Lc
17.21). O reino de Cristo é espiritual.
Em todo o mundo, há homens, mulheres, jovens, meninos e
meninas em cujo coração Cristo reina. De todas as nações, Ele tem
constituído uma nova nação. Dentre as pessoas de todas as raças,
Ele tem formado uma nova raça. Pessoas de todas as cidadanias
têm adquirido uma nova cidadania. As barreiras entre judeus e
gentios, escravos e livres, bárbaros e gregos foram destruídas. A
extensão do reino de Cristo não é medida por fronteiras visíveis em
um mapa. O Filho de Deus governa no coração de todas as pessoas
que foram unidas a Ele pelo evangelho.
Cristo estabeleceu este reino com a autoridade do Deus do céu
(v. 44). Iniciou-se nos dias do império romano, como fora
profetizado, e nunca passará. Cristo permanece como seu Rei
perpétuo e nunca terá sucessor. Ele mesmo é o Deus todo-
poderoso, e, portanto, seu reino jamais será conquistado. Os
cidadãos do reino nunca Lhe serão tomados e jamais se revoltarão,
pois cada um deles é um súdito voluntário.
Este capítulo fala deste reino maravilhoso.
Nada pode evitar o crescimento deste reino. Esse fato deve nos
proporcionar imenso encorajamento. O reino tem prevalecido e
sempre prevalecerá contra toda oposição. Os cristãos podem ser
queimados vivos (como Nero o fez), jogados às feras em anfiteatros
ou exilados às ilhas. Podem ser encerrados em covas,
horrivelmente torturados ou publicamente executados. Porém, nada
do que é feito contra eles impede o crescimento do seu número. O
sangue dos mártires é a semente da igreja. O reino cresce...
cresce... cresce...
Finalmente, este reino será semelhante a uma montanha que
enche toda a terra. Isso não significa que todos serão salvos, mas
que, por fim, haverá pessoas de todas as nações e línguas na
proclamação do louvor celestial ao Senhor Jesus Cristo: “Digno é o
cordeiro, que foi morto...” (Ap 5.12).
O reino de Cristo é eterno. Está chegando o dia em que ele
destruirá todas as outras autoridades, governos e poderes (1 Co
15.24). Seu governo, então, será o único a permanecer. O universo
inteiro reconhecerá seu senhorio, enquanto seus súditos voluntários
ficarão emocionados, ao ouvirem: “Vinde, benditos de meu Pai!
Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação
do mundo” (Mt 25.34).
Sem dúvida, o povo do Senhor será sempre um remanescente,
uma pequena minoria em relação a toda a população do mundo.
Porém, o ensino deste capítulo nos assegura que o remanescente
existirá sempre e estará continuamente aumentando, até que se
estenda aos confins da terra.
Não precisamos temer quanto ao futuro da causa de Cristo. A
arca de Deus vai muito bem; não precisamos estender nossas mãos
para mantê-la firme. O futuro do reino de Cristo está tão seguro
quanto as promessas de Daniel 2. Este reino não falhará; em breve
será o único a existir.
Portanto, vale a pena consagrar tudo que temos e somos à
ampliação do reino de Cristo. Todas as nossas posses, talentos e
energia devem ser devotadas ao grande trabalho de ganhar outros
para Jesus. Não podemos parar. Enquanto semeamos, nem toda a
semente germina; nem a maior parte. Mas uma parte dela sempre
germina; e os que estão sendo salvos começam a viver outra vida,
sob o senhorio de Cristo.
Quão maravilhoso é tornar-se um membro deste reino! Quão
terrível, pela incredulidade e falta de arrependimento, é estar
eternamente fora dele!
4 | A fornalha ardente

LEIA DANIEL 3

Se você sorriu quando leu o texto que fala sobre “os sátrapas, os
prefeitos, os governadores, os juízes, os tesoureiros, os
magistrados, os conselheiros e todos os oficiais das províncias”, é
porque deveria mesmo. Isso é também verdade acerca do texto da
“trombeta, do pífaro, da harpa, da cítara, do saltério, da gaita de
foles e de toda sorte de música”. Daniel 3 zomba da pompa e da
cerimônia de idolatria pagã nele registradas. É escarnecedor.
Os capítulos anteriores nos contaram como um pequeno grupo
de pessoas manteve-se fiel a Deus em um ambiente hostil. Entre os
judeus, agora castigados por sua idolatria, havia apenas um número
reduzido de pessoas cujo coração era fiel a Deus. Tentados a
transigir, recusaram-se a fazê-lo. Estando aparentemente a ponto de
serem aniquilados, Deus os preservou miraculosamente. O capítulo
que consideramos agora registra um outro livramento maravilhoso e,
novamente, nos assegura que os poucos que permaneceram fiéis a
Deus foram objetos de seu cuidado especial. O estudo deste
capítulo oferece enorme encorajamento e algumas importantes
lições práticas para cada crente que não está em harmonia com os
padrões e os valores do mundo ao seu redor.
Um dos mistérios deste capítulo é a ausência de Daniel. Ninguém
sabe o motivo desta ausência, embora, naturalmente, já tenha
havido muita especulação. Onde ele estava e o que fazia nesta
ocasião não é revelado. Os seus três amigos são ressaltados neste
capítulo. Sadraque, Mesaque e Abede-Nego já haviam sido
mencionados algumas vezes no livro, mas Daniel fora sempre o
mais proeminente. Seus três amigos foram obscurecidos por ele e
colocados em segundo plano. Agora, os veremos em suas
circunstâncias pessoais.
O capítulo 3 é um relato simples de como três homens
desafiaram corajosamente o mais poderoso homem no mundo, para
não desagradarem a Deus. Agradar a Deus era mais importante
para eles do que preservarem sua própria vida. O exemplo destes
jovens nos mostra a essência da fidelidade a Deus. O capítulo
também registra como Deus interveio e sustentou-lhes a fé.
O principal ensino deste capítulo não é o livramento miraculoso.
Não temos dificuldades em acreditar em milagres, temos?
Reconhecemos que Deus é todo-poderoso e cremos que Ele
ressuscitou a seu Filho dentre os mortos, por isso, os milagres não
são mais problemas para nós. O poderoso livramento registrado
neste capítulo enche nosso coração de louvor a Deus, mas não é o
assunto mais importante que devemos observar.
O principal ensino, neste capítulo, é que três crentes jovens são
tentados a praticar o mal e recusam-se a fazê-lo. Estão dispostos a
não trilhar o mesmo caminho que todos os demais, ainda que isto
signifique morte horrível. “Transigir” não é uma palavra do
vocabulário deles. O pecado é pecado, e eles não o cometerão,
embora corram perigo. Não tolerarão o pecado, nem lhe darão
ouvidos. Devemos atentar a essa atitude, pois nos ensina, uma vez
mais, como o testemunho de Deus se mantém vivo em um mundo
pagão. Se desejamos ser fiéis a Deus em um ambiente hostil, nós
mesmos precisamos seguir o exemplo de Sadraque, Mesaque e
Abede-Nego.
Este capítulo traz à nossa mente a antiga indagação: “O que
acontece quando uma força irresistível encontra um objeto
irremovível?” Porém, neste caso há três objetos irremovíveis!
Veremos primeiro a força, depois, os objetos. Finalmente, veremos o
que aconteceu quando os dois se confrontaram.

A FORÇA IRRESISTÍVEL
A força irresistível é o rei Nabucodonosor. E, se verificarmos os
versículos 1 a 7, ficará evidente por que lhe damos este nome. A
narrativa se inicia com o rei erigindo uma imagem. Não sabemos
precisamente quando ele fez isso; e o texto não nos informa. Talvez
logo após Daniel tê-lo descrito como “a cabeça de ouro”. Essa
descrição pode tê-lo enchido de orgulho, e, por isso, ele seguiu o
sonho de uma imensa estátua, edificando uma imagem de verdade.
Era comum entre os potentados babilônios e sírios construir
imagens em sua própria honra; o que Nabucodonosor fez não era
considerado particularmente inusitado. A imagem era, quase
certamente, uma representação dele mesmo. Também é certo que
ele estava pensando não somente em sua própria honra, mas
também na honra dos deuses aos quais prestava adoração.
O custo de fabricação da imagem deve ter sido exorbitante.
Folheada a ouro, erguia-se sobre um pedestal e tinha mais de trinta
metros de altura, mas sua largura era apenas dois metros e setenta
centímetros. Estas proporções são um tanto grotescas, mas são
típicas das estátuas da Babilônia. Não devemos concluir que
Nabucodonosor fosse alto demais e pateticamente magro! Esta
imagem imensa e desproporcional foi erguida no campo de Dura.
A palavra aramaica aqui traduzida por “campo” se refere a uma
área plana entre montanhas. A imagem foi erguida em uma espécie
de arena natural. Ao seu redor havia uma grande área bastante
plana, com montanhas de cada lado. Provavelmente seria visível a
dezenas de quilômetros, especialmente quando seu revestimento
dourado brilhasse ao sol.
Quando a imagem ficou pronta, houve uma cerimônia de
dedicação, em harmonia com o costume babilônio. Isso é relatado
nos versículos 2 e 3. Oficiais importantes vieram dos lugares mais
remotos do império babilônio; seus diversos escalões são
apresentados. Talvez ninguém, no mundo inteiro, participara de uma
celebração como aquela. A multidão era imensa, e todo o
espetáculo seria infinitamente mais esplêndido do que a mais
extravagante coroação. Era uma imagem erguida pelo poderoso
imperador de Babilônia, em honra a ele e a seus deuses; e, de
todos os seus territórios, muitos vieram para contemplá-la.
No versículo 4, temos uma afirmação apenas indicativa. À frente
desta multidão sem precedentes, “o arauto apregoava em alta voz”.
Que voz ele devia ter! Para a multidão silenciosa, ele transmite um
decreto, em nome do rei. Ninguém está isento de suas exigências.
Diferentes povos, nações e línguas encontram-se presentes, de
todas as partes do império babilônio. O que é ordenado se aplica a
todos.
Uma orquestra também está presente à cerimônia, cujos
instrumentos são listados nos versículos 5, 7, 10 e 15. “Toda sorte
de música” é uma expressão persa, indicando que a orquestra
continha alguns instrumentos persas. Isso não é surpreendente,
visto que a Pérsia era um país vizinho. A “trombeta” e o “pífaro”
eram semíticos e sugerem que alguns dos músicos eram judeus
exilados. A “harpa”, a “cítara” e o “saltério” eram instrumentos
gregos. A Babilônia comerciava com a Grécia havia mais de um
século e, evidentemente, também acrescentara a música grega às
suas próprias tradições. O arauto proclamava que, quando a
orquestra tocasse, todos, quem quer que fosse ou onde quer que
estivesse, deveriam prostrar-se em terra e adorar a imagem recém-
erigida.
Se o versículo 6 nos traz perplexidade e nos parece irracional, há
algo que devemos lembrar. Essa estátua grotesca havia sido
erguida em honra do rei e seus deuses. Deixar de curvar-se a ela
poderia ser interpretado somente como um ato de infidelidade. Era
insubmissão à palavra do rei; era traição. Esse tipo de
comportamento mau poderia ser recompensado somente com a
morte horrível na fornalha de fogo ardente.
Curvar-se ao ídolo não era problema para a grande maioria das
pessoas no império babilônio, embora procedessem de nações
conquistadas. Precisavam apenas raciocinar: “É óbvio que os
deuses de Babilônia são mais fortes do que os nossos, pois, do
contrário, não teríamos sido derrotados. Podemos ao menos
reconhecer isso”.
Até para os judeus exilados, prostrar-se ao ídolo não era
problema. Por gerações, haviam desobedecido a Deus e se
envolvido em idolatria. As palavras severas dos profetas que
condenavam essa prática haviam sido ignoradas deliberada e
continuamente. Não teriam escrúpulos de consciência sobre o
prostrarem-se ante a imagem de ouro. A idolatria estava arraigada
no coração deles. Por que condenarem-se à morte certa por se
recusarem a fazer algo que haviam feito por muitos anos?
A
submissão de todos ao edito do rei era esperada, pois ninguém
desejaria ser oprimido ou prejudicado por ele. Ninguém, exceto o
remanescente fiel a Deus. A evidência de que eles permaneciam
fiéis a Deus estava no fato que de modo algum se envolveriam no
culto a deuses falsos. O primeiro mandamento era de suprema
importância para eles. Nada consideravam mais importante do que
amar o Senhor, seu Deus, com todo o seu coração, alma, mente e
forças. Haviam recusado comer alimentos oferecidos aos ídolos e,
portanto, certamente não se prostrariam diante de uma imagem.
Todos os outros poderiam submeter-se ao decreto do rei, mas não
eles. Há um Poder mais alto que devia ser obedecido. Somente eles
seriam diferentes, não-conformistas. O pecado é pecado e não pode
ser cometido, ainda que não
praticá-lo implique em morte certa em uma fornalha ardente.
Quando todos se curvassem, eles permaneceriam de pé!
Durante vinte séculos, os regimes totalitários disseram aos
cristãos que estes deveriam conformar-se com suas exigências
ímpias ou morreriam. Nunca isto foi tão verdadeiro quanto no século
atual. Em muitos países do mundo, o povo de Deus sofre
perseguições. Definham na prisão, são restringidos às tarefas mais
insignificantes da sociedade, suportam a dor de perderem seus
filhos, gritam sob tortura e morrem horrivelmente. Enfrentam tudo
isso para não se conformarem com as exigências das autoridades
que lhes ordenam abandonar sua fé e a dar-lhes o primeiro lugar em
suas vidas, o qual deve ser dado somente a Deus.
Muitos dos cristãos vivem sob tais regimes. Mas as palavras de
Samuel Rutherford permanecem verdadeiras: “Você não conseguirá
entrar sorrateiramente no céu, acompanhado de Cristo, sem
conflitos e uma cruz”. Pessoas ao nosso redor nos pressionam para
que nos unamos a elas em seus pecados. Insistem repetidamente:
“Todos o fazem, por que não você? Por que ser diferente? Vamos,
apenas esta vez; só esta vez”.
Jovens cristãos são instados a se embriagar com seus amigos ou
a perder sua virgindade antes do casamento. São tentados a mentir,
a roubar, a ler livros impróprios e a ver programas de televisão e
filmes indecentes. A profanação do Dia do Senhor, o desperdício de
dinheiro, o mau uso do tempo, os jogos de azar, a aquisição
desonesta de riquezas e muitos outros pecados e indecências são
exaltados como virtudes. A coisa “legal” é ficar sob luzes piscantes e
“curtir” músicas maliciosas.
O mundo tem sua própria fornalha ardente à espera daqueles que
não se conformam com a adoração de seus ídolos. É a fornalha de
ser desprezado, ridicularizado, escarnecido, repudiado e ignorado.
Aqueles que temem a Deus e mantêm vidas puras são
considerados “quadrados” e indiferentes, sendo excluídos da vida e
dos interesses dos outros ao seu redor. Para muitos jovens crentes,
a pressão parece irresistível. Sentem-se forçados a uma escolha.
Ou se identificam e vivem como todos os demais, ou assumem uma
postura firme e perdem tudo.
Esta foi a escolha apresentada a Sadraque, Mesaque e Abede-
Nego!

TRÊS OBJETOS IRREMOVÍVEIS


Tendo esta escolha muito clara diante deles, o que fizeram os três
jovens? Os versículos 8 a 18 nos mostram.
Decidiram agradar a Deus, apesar das conseqüências. Não
arredaram dessa posição, nem um centímetro. A força irresistível de
um decreto do rei encontrou três objetos irremovíveis!
Imaginemos a cena registrada nos versículos 8 a 12. Pensemos
na imensa multidão, a agitação e o ambiente de expectativa.
Finalmente, a orquestra toca, e, como ordenado, a multidão se
prostra à terra. Ali, tão visíveis quanto era possível, encontram-se
apenas três pessoas ainda de pé!
Sem dúvida, já vimos na igreja alguém permanecer de pé após os
demais se assentarem. Ninguém deixa de percebê-lo. Todos os
olhares se voltam para ele. Quão mais visíveis estariam Sadraque,
Mesaque e Abede-Nego! Todos haviam se curvado, mas três,
somente três, permaneceram audaciosamente de pé!
À luz do capítulo 1, é provável que todos sabiam que esses três
jovens não aprovavam a idolatria. Mas, nesta ocasião, parece que
serão arruinados. São denunciados ao rei. Sem dúvida, muitas
coisas boas poderiam ser ditas a respeito deles, para
contrabalançar a denúncia. Porém, nada disso se fala. É
severamente declarado que esses três proeminentes oficiais não
obedecem ao rei.
Os versículos 13 a 15 nos contam como o rei, na sua fúria,
ordenou que os três fossem imediatamente trazidos a ele.
“É verdade?”, pergunta-lhes Nabucodonosor. Então lhes
assegura, como o fazem as pessoas ao nosso redor, que, se for
verdade, ainda há tempo para mudarem de atitude e tornarem-se
como os demais: “Agora, pois, estai dispostos e, quando ouvirdes o
som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da gaita
de foles, prostrai-vos e adorai a imagem que fiz; porém, se não
adorardes, sereis no mesmo instante lançados na fornalha de fogo
ardente. E quem é o deus que vos poderá livrar das minhas mãos?”
(v. 15).
O mundo ao nosso redor anseia ardentemente persuadir os
cristãos a se conformarem aos seus padrões. Não pode tolerar a
firmeza daqueles que não o fazem e, antes de tentar arruiná-los,
procura persuadi-los a serem como todos os outros. Há algo
inerente ao mundo que o torna muito ansioso por ver o povo de
Deus conformado aos padrões do mundo. Sente-se perplexo e
perturbado por aqueles que não se prostram ante os seus ídolos.
Não pode compreender aqueles que possuem valores diferentes. E
particularmente desapontado por aqueles que, acima de qualquer
coisa ou pessoa, cultuam e amam o Deus invisível. Preferiria
persuadi-los a castigá-los, mas, se não puder persuadi-los,
certamente os castigará. De fato, a ameaça de punição é parte de
seu argumento de persuasão.
Nabucodonosor mostra-se mais irado neste capítulo do que no
anterior. Como se atrevem eles a recusar reconhecê-lo como
autoridade suprema? Se não aceitarem sua supremacia deste
modo, deverão fazê-lo de outro modo. A fornalha ardente
demonstraria com quem estava o verdadeiro poder. Depois que ele,
o rei, os lançasse ali, que Deus poderia livrá-los?
Este é o homem que recentemente havia reconhecido o poder e a
supremacia de Deus (2.47). Em sua indignação, esquecera as lições
do passado recente. Quando uma pessoa se entrega à ira, perde o
discernimento, ficando mais propenso a empregar as ameaças do
que a razão.
O versículo 16 nos mostra por que é correto referir-se a
Sadraque, Mesaque e Abede-Nego como “objetos irremovíveis”.
Responderam: “Ó Nabucodonosor, quanto a isto não necessitamos
de te responder”.
Isto quer dizer: “Sim, as denúncias são verdadeiras. Não temos
nenhuma defesa, escusa ou desculpa a apresentar. Confirmamos os
fatos. É perfeitamente verdadeiro que não nos prostramos ante a
imagem de ouro. Se tu nos lançares na fornalha de fogo ardente,
que assim seja. Nosso Deus pode livrar-nos. Realmente, Ele o fará.
Porém, se em sua soberana vontade, escolher não nos livrar, ainda
assim não cometeremos o pecado que estás ordenando” (vv. 16-
18).
Isto é fé em ação! É fácil recusar a prostrar-se quando a
integridade física é assegurada. Esses três homens estavam
confiantes no livramento. Mas sua determinação era que, embora
não fossem livrados, não se prostrariam. Essa é a maneira como
age a fé em Deus.
Devemos lembrar um grande princípio da vida cristã. Nas
palavras de C. H. Spurgeon: “Nosso dever é fazer aquilo que é
certo; as conseqüências pertencem a Deus... Você e eu temos de
fazer o que é certo, embora os céus caiam; precisamos seguir a
ordem de Cristo, apesar das conseqüências... Senhores, o que
podemos fazer em relação às conseqüências? Que caiam os céus,
mas que o homem seja obediente a seu Senhor e fiel à sua
verdade. Ó homem de Deus, seja íntegro e não tema! As
conseqüências pertencem a Deus e não a você”.
Este princípio bíblico é exemplificado em Sadraque, Mesaque e
Abede-Nego. Nosso dever é fazer o que é certo. Nada mais. Se
fazer o que é certo significa que estamos arruinados, isso é assunto
de Deus. As conseqüências estão em suas mãos, mas o dever, em
nossas mãos. Não importa o custo ou as conseqüências, cumpre-
nos fazer aquilo que agrada a Deus.
Sadraque, Mesaque e Abede-Nego viviam de acordo com esse
princípio. Segundo o nosso conhecimento, nunca antes eles haviam,
intencionalmente, desapontado o rei de Babilônia. Não há indicação
de que isso era algo que eles desejavam. Mas, quando temos de
escolher entre agradar o homem mais poderoso da terra e o Deus
eterno, há somente um caminho a seguir. O pior que o mundo pode
fazer é matar-nos.
Este é um pensamento que nos conforta intensamente! Todos
morreremos, mais cedo ou mais tarde, e compareceremos diante de
Deus. Sem dúvida, é melhor ser morto prematuramente e encontrá-
Lo em paz do que viver um pouco mais e apresentar-se a Ele em
terror. Sabemos que a morte não é o fim de tudo. Por que, então,
deixar que a mera ameaça de morte seja uma razão para não mais
agradarmos Àquele a quem devemos prestar contas após a morte?
Quanto menos deveria a fraca ameaça de sermos escarnecidos
desviar-nos de seguir o nosso Senhor, neste mundo?
Poucos crentes consideram a lógica do princípio que acabamos
de mencionar. Isso explica porque tantos deles cedem às pressões
da época. Pensam nas conseqüências temporárias de
desagradarem o mundo e tomam suas decisões à luz dessas
conseqüências. Sadraque, Mesaque e Abede-Nego fizeram
exatamente o oposto. Apesar das conseqüências, o certo é certo, e
o pecado é pecado. Portanto, resolveram fazer o certo e deixar as
conseqüências com Deus. Esse tipo de raciocínio mantém vivo um
testemunho de Deus no mundo. Quando o abandonamos, perdemos
todo o nosso poder de influenciar para Deus aqueles que vivem ao
nosso redor.
A força irresistível encontrou três objetos irremovíveis. A força
mais poderosa no mundo ordenou: “Façam isto!” Encontrou a
resposta mais temida pelo mal: “Não!” Nabucodonosor não voltará
atrás, e Sadraque, Mesaque e Abede-Nego não abandonarão a
postura que assumiram. Qual será o resultado? Os versículos 19 a
30 nos contam.

O QUE ACONTECEU
O resultado foi que os três crentes não-conformistas foram
lançados na fornalha ardente. Porém, ali receberam livramento.
Devemos notar que receberam livramento no fogo e não do fogo.
A intensidade da fúria de Nabucodonosor alterou até mesmo a
sua aparência (v. 19). Em seu furor, ordenou que a fornalha fosse
aquecida sete vezes mais do que o normal. Quando os santos se
recusam a pecar, não há limites para a fúria dos ímpios. Aqueles
que dizem estar preparados para entrar na fornalha, por amor ao
Senhor, devem ser alertados de que a fornalha pode ser
consideravelmente mais quente do que podem imaginar.
Com base no versículo 20, é óbvio que Nabucodonosor esperava
oposição à sua ordem para executar os três rebeldes, pois colocou
essa tarefa nas mãos dos homens mais fortes de seu exército. Os
versículos 21 a 23 nos mostram aqueles homens carregando os três
jovens, atados em suas roupas palacianas, ao topo da fornalha.
A fornalha era como um grande caldeirão. Na parte lateral, ao
fundo, havia uma porta através da qual se colocava a lenha. Mas a
parte de cima era aberta. O remanescente fiel a Deus foi conduzido
a essa parte superior. A fornalha estava tão quente que os auxiliares
de Nabucodonosor, que carregavam os jovens, foram mortos pelo
intenso calor; mas não antes de lançarem para dentro Sadraque,
Mesaque e Abede-Nego. Os que olhavam para a abertura cheia de
fumaça, viram-nos caindo através das chamas até o fundo da
fornalha. Estavam atados e indefesos; e o fogo, que já matara os de
fora, os mataria também. Com certeza, seria o fim do povo de Deus.
É tolice dizer isso!
Nunca acontecerá o fim do povo de Deus! O remanescente fiel
nunca desaparecerá. Seu número pode ser pequeno, porém jamais
deixará de existir. Nunca!
O livro de Apocalipse indica que este mundo verá o fim da igreja
cristã como uma instituição organizada. O tempo virá quando as
pessoas procurarão igrejas no sentido em que sempre as viram,
mas não as encontrarão. Contudo, isso não significa que a igreja
cristã acabará. O povo de Deus estará aqui na terra até o momento
da vinda de nosso Senhor.
Considere a Albânia. Não se encontra lá qualquer sinal visível da
igreja cristã. Não há indicação visível de que a igreja cristã tenha
exercido qualquer influência naquela nação. Nenhum livro, em
qualquer biblioteca, traz o nome de Deus, a não ser com desprezo,
e não há nem uma cruz em qualquer cemitério. Apesar disso, há
muitos que crêem e amam a Cristo naquele país. Os esforços para
erradicá-los falharam. O remanescente de Deus nunca poderá ser
destruído.
Nabucodonosor e seus cortesãos certamente esperavam ouvir
alguns gritos e ver três corpos explodirem nas chamas. Isso,
pensavam eles, seria o fim do caso. Não haveria mais rebeldes.
Todos os habitantes da Babilônia seriam pessoas dispostas a
curvarem-se à imagem de Nabucodonosor.
Mas, como todos os ímpios que já maquinaram contra o povo de
Deus, Nabucodonosor viu o que não desejava. Viu algo que o levou
a saltar de seu trono, para averiguar com seus conselheiros!
“Quantos homens foram lançados na fornalha?”
“Três.”
“Em que condição?”
“Atados.”
“Eu, porém, vejo quatro homens soltos, que andam passeando
dentro do fogo, sem nenhum dano; e o aspecto do quarto é
semelhante a um filho dos deuses” (v. 25).
Sem dúvida, Nabucodonosor descreveu a quarta pessoa nos
termos permitidos por sua própria capacidade religiosa. Ele o
chamou de “um filho dos deuses”. Não há dúvida, porém, de que a
quarta pessoa era o Filho de Deus.
A Bíblia ensina claramente que o Filho de Deus muitas vezes
apareceu na terra, em forma humana, antes que vivesse entre nós,
em carne humana. Freqüentemente, nessas teofanias anteriores à
encarnação, Ele é descrito como o “anjo do Senhor” ou “o Anjo” (Gn
48.16). Portanto, não ficamos surpresos ao ouvir a referência a Ele
como “seu anjo” (v. 28). O Senhor Jesus andou entre as chamas
juntamente com Sadraque, Mesaque e Abede-Nego! Uma
promessa, dada ao Israel de Deus pelos lábios de Isaías, não muito
tempo antes, mostrou-se verdadeira nesta ocasião: “Quando
passares pelas águas, eu serei contigo; quando pelos rios, eles não
te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem
a chama arderá em ti” (Is 43.2).
Se os três houvessem obedecido a Nabucodonosor, jamais
teriam desfrutado do privilégio de andar com Cristo entre as chamas
da fornalha. Sua comunhão com Deus teria sido quebrada e
estariam atados para sempre, não com cordas e correntes, mas
com um profundo sentimento de fracasso, desapontamento e
inutilidade.
Em vez disso, tiveram o privilégio de andar com a segunda
pessoa da Trindade, o Filho de Deus, seis séculos antes que Ele
nascesse como homem. Ao rejeitarem o pecado, tiveram uma
experiência de comunhão com o Senhor Jesus Cristo, uma
experiência quase sem igual nas páginas do Antigo Testamento.
Quem imaginaria que isso seria possível neste mundo? Se
houvessem tentado salvar sua vida, eles a teriam perdido
verdadeiramente. E a vida lhes seria uma existência sem sentido e
sem comunhão. Mas, dispondo-se a perder sua vida, encontraram-
na. Ninguém perde por recusar-se a pecar, apesar de tudo que seja
dito em contrário. Nunca antes haviam tido a experiência de serem
livres do fogo. O livramento no fogo é a estratégia de Deus.
Deus consola extraordinariamente aqueles seus filhos que se
recusam a desonrá-Lo. Que influência poderiam esses três jovens
ter exercido sobre os ímpios, se tivessem se prostrado como todos
os demais? Nenhuma! Mas eis agora os ímpios a contemplá-los,
boquiabertos e admirados, por meio da abertura lateral da fornalha.
Eram testemunhas de que os jovens insubmissos caminharam com
Cristo, entre as chamas, e estavam inteiramente ilesos. Pelo que
sabemos, ninguém se converteu naquele dia. Mas receberam uma
impressão a respeito de Deus que, durante toda a sua vida, jamais
esqueceriam.
Ao final daquele dia inesquecível, todos conversavam sobre o
Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Não houve mais
qualquer menção da horrenda imagem! A pedido de
Nabucodonosor, os três saíram da fornalha, sem terem sequer um
fio de cabelo chamuscado! Nem suas roupas foram afetadas, nem
cheiro de fumaça havia neles!
Que Deus! Seus servos completamente ilesos! Que grande Deus!
Nabucodonosor não se convertera ainda, mas os eventos do dia
foram demais para ele. Uma vez mais, ele é levado a um
reconhecimento público sobre Deus.
Ao escrever estas páginas, encontro-me num escritório em
Liverpool, na Inglaterra. No passado, houve dias em que até mesmo
os não-convertidos desta nação tinham certo reconhecimento sobre
Deus. De modo geral, os homens e as mulheres não possuíam a fé
salvadora, mas, apesar disso, Deus era reconhecido em toda a vida
da nação. Dezenas de milhares de pessoas, inclusive as não-
convertidas, iam regularmente aos locais de culto, davam graças
pelas refeições e guardavam o Dia do Senhor. Recusavam-se a
usar linguagem imprópria, a mentir e a se embriagarem. Opunham-
se àqueles que tentavam destruir a vida familiar, ou jogavam, ou se
envolviam em qualquer forma de desonestidade. Isso acontecia não
por serem homens e mulheres salvos, mas porque haviam sido
feitas em sua consciência fortes impressões a respeito de Deus. A
moralidade da nação estava muito ligada ao senso que o povo tinha
sobre Deus.
Nosso país não é mais assim e está, de fato, se afastando dessa
posição a cada minuto. O declínio se iniciou quando a igreja
começou a ceder. Quanto mais buscava estar “na onda” e “levar
vantagem em tudo”, menor influência exercia sobre o povo no
sentido de aproximá-lo de Deus. Ao começarem a enfraquecer sua
mensagem, por não pregarem algo que fosse ofensivo, como o
inferno e os milagres, as igrejas perderam seu poder.
É somente quando o povo de Deus responde “Não!” àquilo que O
desagrada, não importando quão ofensivo isso seja para os outros,
que eles causam poderosa impressão sobre os ímpios.
Veja o que Nabucodonosor foi levado a reconhecer. No versículo
28, vemos que ele reconheceu quem é Deus. Compreendeu que
Deus tem servos, que havia enviado seu anjo e que era mais
poderoso do que ele próprio, embora fosse o mais poderoso homem
no mundo. Reconheceu que Deus é maior do que qualquer outro
deus e digno de ser louvado. Não chegou a reconhecer que Deus é
o único Deus, nem chegou à fé em Cristo. Todavia, certas verdades
foram indelevelmente gravadas em seu coração.
Sua reação foi editar um decreto (v. 29). Não há como justificar ou
aprovar o que ele ordenou. Devemos lembrar que ele ainda era um
homem não-convertido; e, através dos tempos, procurar trazer
outras pessoas a algum tipo de fé pelo poder da espada tem sido
uma das características de tais homens. Essa não é a maneira de
pessoas chegarem à fé. Somente homens de fé têm o
discernimento espiritual para compreender essa verdade.
Nabucodonosor não possuía tal discernimento. Portanto, ordenou
que qualquer pessoa que falasse mal do Deus de Sadraque,
Mesaque e Abede-Nego fosse cortada em pedaços e sua casa,
reduzida a monturo. Discordamos inteiramente deste decreto, mas
salientamos o fato que ele havia recebido uma poderosa influência a
respeito de Deus. Os piedosos foram maravilhosamente
preservados pelo gracioso poder de Deus, e o testemunho de Deus
permaneceu naquele império pagão.
A continuação do verdadeiro testemunho de Deus neste mundo
depende de uma única palavra. De igual modo, todo o poder do
povo do Senhor para ser uma testemunha eficiente para com os que
estão ao seu redor pode ser arruinado por uma única palavra.
Esta palavra é “sim”. Quando os incrédulos sugerem o pecado e
aqueles que cultuam a Deus concordam em praticá-lo, estes se
tornam como todos os demais. Assim, perdem todo o seu poder
para fazer qualquer bem ou preservar a verdade.
Quando as tentações são enfrentadas com um firme “Não!”, a
situação é totalmente diferente. Para começar, uma fornalha ardente
é certa. Ou ficamos fora da fornalha, com Nabucodonosor, ou dentro
dela, com Cristo. Não há meio termo. Mas o lugar de calor
irresistível é também o lugar de comunhão intensa com o Salvador.
Aqueles que andam por entre as chamas também gozam a certeza
de que estão fazendo uma marca indelével a respeito de Deus na
consciência dos não-convertidos.
Não há fornalha ardente que consiga destruir o povo de Deus. Na
verdade, tais fornalhas acabam se tornando o meio que Deus usa
para preservar seu remanescente fiel e manter viva a sua verdade
no mundo.
5 | A Vez de nabucodonosor

LEIA DANIEL 4

Daniel 4 apresenta Nabucodonosor como o personagem principal e


relata uma grande mudança ocorrida na vida do rei. Por essas duas
razões, temos este título: “A vez de Nabucodonosor”.

NABUCODONOSOR ANTES DOS EVENTOS DO CAPÍTULO 4


Recordemos o que já lemos sobre o rei Nabucodonosor. No
capítulo 1, aprendemos sobre a sua brilhante política de engajar em
seu serviço público os cativos judeus, com a intenção de colocá-los
em posições de liderança no seu império.
Vimos como quatro dos que foram selecionados para serem
reeducados negaram-se a comer os manjares que o rei lhes
prescrevera, porque estes haviam sido oferecidos aos ídolos. O
resultado foi que Deus os honrou por terem honrado a Deus. Esses
quatro demonstraram ser melhores do que todos os seus
companheiros estudantes e, ainda, melhores do que seus
professores! “Então o rei falou com eles; e, entre todos, não foram
achados outros como Daniel, Hananias, Misael e Azarias; por isso,
passaram a assistir diante do rei” (1.19).
Nabucodonosor nunca havia encontrado homens como esses!
Quatro rapazes, com apenas 17 anos, eram mais sábios do que
seus mais experientes conselheiros. Esses mesmos quatro jovens
se destacaram pelo fato de temerem a Jeová. Isso deve ter causado
profunda impressão na mente de Nabucodonosor.
Mas o convívio com pessoas crentes, por si só, não converte
ninguém. Isto é verdade, embora tais crentes sejam excepcionais,
como esses quatro rapazes. Os eventos do capítulo 2 esclarecem
isso. Nabucodonosor permanecia ainda pagão. Vemo-lo ali sob o
pior ângulo possível – atribulado, furioso e sem compaixão. Sua
fúria para com os sábios, que não puderam contar nem interpretar
seu sonho, levou-o a ordenar precipitadamente a execução de seus
sábios em todo o reino. Somente um homem sem Deus poderia se
comportar assim.
Atribuindo a Deus todo o mérito, Daniel interpretou o sonho.
Descreveu como um reino terreno daria lugar a outro, e como, na
época do quarto grande império mundial, seria estabelecido um
reino que jamais findaria. O que os conselheiros pagãos não
puderam ver foi revelado ao piedoso Daniel, em resposta à oração
unânime do remanescente fiel. Nabucodonosor foi levado a
contemplar a ruína de sua própria religião e a confessar que “Deus é
o Deus de deuses, e o Senhor dos reis, e o revelador de mistérios”
(2.47).
Este versículo enfatiza quanto o rei ficou impressionado.
Nabucodonosor reconheceu que Deus existe e mostrou não estar
em total incredulidade. Embora não tenha chegado a admitir que
Deus é o único Deus, o rei confessa que Jeová é um Deus
verdadeiro, maior do que todos os deuses.
Mas a mente humana esquece tão cedo! Com freqüência, algo
que nos parece imensamente importante logo desaparece de nossa
mente. Por isso, o homem que no final do capítulo 2 manifestou ter
profunda percepção de Deus parece não mais possuí-la no início do
capítulo 3.
Assim, encontramos Nabucodonosor como um monarca que fez
uma estátua horrível e ordenou que deveria ser adorada. Onde
estava sua forte convicção de que Deus é o maior de todos os
deuses? Agiu em direta contradição às verdades que confessara tão
recentemente. As palavras de sua boca não alcançaram seu
coração. A vontade não se encontrava submissa àquelas verdades.
Não devemos pensar que essa atitude de Nabucodonosor seja
incomum. Há muitas pessoas assim. Elas ouvem a verdade do
evangelho, que lhes causa profunda impressão. A verdade cativa-as
e as entusiasma. Ficam inquietas pelo que ouviram. Mas há algo em
seu íntimo que não deseja que essas coisas sejam verdadeiras.
Freqüentemente, tais pessoas procuram viver como se o que
acabaram de admitir não seja verdadeiro. Não dão lugar ao
evangelho em sua vida.
Imagine um homem que sai de férias e descobre que a casa que
alugou localiza-se ao lado de uma fábrica barulhenta, que trabalha
24 horas por dia! Durante a primeira noite, não consegue dormir.
Jamais ouvira um barulho assim, tão terrível que parecia sacudir-lhe
a cama!
Na noite seguinte, o mesmo barulho! Não é diferente em nada.
No entanto, ele consegue cochilar por alguns minutos. Dentro de
uma semana, está dormindo quase toda a noite e, antes de
terminarem suas férias, dorme serenamente como os que moram na
vila há muitos anos. Aquilo que o deixou tão inquieto não mais o
impressiona. É como se não houvesse qualquer barulho. Não
produz mais efeito sobre ele.
Comumente, esta é a experiência de muitos homens e mulheres
que são expostos à Palavra de Deus. Quando a ouvem pela
primeira vez, ficam inquietos, mas, por fim, eventualmente chegam à
indiferença em relação ao que ouvem. Não estão mais perto de se
renderem a Deus do que estavam antes.
Esta era a condição de Nabucodonosor no capítulo 3, e Deus
realmente teve de sacudi-lo. Sua fúria não-convertida o motivou a
lançar os três jovens na fornalha ardente, mas o livramento
miraculoso, juntamente com a sua própria visão do Filho de Deus,
levou-o à confissão apresentada nos versículos 28 e 29. Seu
reconhecimento anterior de Jeová, como o maior Deus, se torna
ainda mais claro. Admite que nenhum outro Deus pode livrar como o
Deus daqueles jovens. Está quase para dizer que não há outro
Deus.
Porém, a narrativa não fornece a menor indicação de que sua
própria vontade foi quebrantada. Não há indícios de que chegara à
ocasião de prostrar-se e adorar a Deus. No íntimo do seu coração,
permanecia tão obstinado como antes.
Usando a linguagem de nossos antepassados, Nabucodonosor
possuía a notitia e o assensus, mas não a fiducia. Em outras
palavras, ouviu a verdade e a reconheceu como verdade – aceitou o
fato de que ela é a verdade. Mas não se comprometeu com aquilo
que sabia ser a verdade. Não descansou nela e não a tornou o
fundamento de sua confiança.
Nabucodonosor nos faz perceber quão longânimo é Deus. Deus
se manifestou a ele indiretamente no capítulo 1, abordou-o
diretamente no capítulo 2 e sacudiu-o no capítulo 3. Deus insistiu,
insistiu e insistiu de novo. Mas o coração do rei ainda não se
encontrava aberto para Deus. No capítulo 4, Deus instou mais uma
vez. A graça de Deus é soberana, e, nesta ocasião, Ele agirá de tal
modo que destruirá toda a resistência ao seu poder. Deus
determinou entrar no coração de Nabucodonosor, e o fará!

NABUCODONOSOR APÓS OS EVENTOS DO CAPÍTULO 4


Obviamente, o capítulo 4 foi escrito depois dos eventos ali
registrados. Considerando seu início e seu final, podemos ver como
os fatos ocorridos mudaram profundamente Nabucodonosor.
O capítulo começa com uma proclamação, nos versículos 1 a 3.
De um modo típico dos reis babilônios, Nabucodonosor se
apresenta como o rei do mundo conhecido. O versículo 2 atrai
nossa atenção. Ali, o rei declara abertamente que Deus trabalhou
em sua vida. A palavra hebraica traduzida por “sinais” refere-se a
um evento miraculoso. A palavra “maravilhas” significa um
acontecimento com efeitos maravilhosos. Nabucodonosor está
dizendo a seus leitores: “Deus trabalhou em minha vida. Fez algo
miraculoso, que teve efeitos maravilhosos”.
O versículo 3 não é menos impressionante. Proclama a grandeza
dos milagres que Deus faz e exalta os efeitos extraordinários
produzidos na vida das pessoas. Mas encontramos uma nova e
estranha humildade na sentença seguinte. Detectamos um
sentimento de louvor reverente nas suas palavras: “O seu reino é
reino sempiterno, e o seu domínio, de geração em geração”.
Estamos cientes de que o rei conhecia a verdade (notitia).
Sabemos que a havia reconhecido como a verdade (assensus).
Mas, agora, parece curvar-se ao Deus do céu (fiducia). Não fala
mais sobre Ele comparando-O com outros deuses. Suas palavras
não admitem que haja quaisquer outros. Uma grande mudança
sobreveio a Nabucodonosor, enfatizada ainda mais pelo estudo do
final do capítulo.
O versículo 34 contém o seguinte reconhecimento: “Eu,
Nabucodonosor, levantei os olhos ao céu, tornou-me a vir o
entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao
que vive para sempre, cujo domínio é sempiterno, e cujo reino é de
geração em geração”.
Entretanto, há mais ainda! O versículo 35 também relata palavras
de Nabucodonosor e contém a mais abrangente afirmação da
soberania de Deus encontrada no Antigo Testamento: “Todos os
moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a
sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da
terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que
fazes?”.
Mas isso não é tudo. O último versículo do capítulo contém a
confissão de fé de Nabucodonosor: “Agora, pois, eu,
Nabucodonosor, louvo, exalço e glorifico ao Rei do céu, porque
todas as suas obras são verdadeiras, e os seus caminhos, justos, e
pode humilhar aos que andam na soberba” (4.37).
O capítulo 4 de Daniel termina com um rei adorando. Vemos um
homem prostrado perante Deus, reconhecendo-O como verdadeiro
e justo. No seu louvor, há evidência tanto de entusiasmo como de
humildade. Sua fé pode ter sido muito fraca, mas era real. Seu
conhecimento pode ter sido deficiente, mas era verdadeiro. O fato
importante é que o rei se tornou um homem transformado. Mostrou-
se diferente, mudou a direção de sua vida, foi convertido!
Graças a Deus pela conversão! Aquilo que antes era uma coisa
agora é outra. Agora há vida espiritual no coração do rei. Mas, quais
são os eventos que transformaram sua vida? O que causou a
transformação de Nabucodonosor?

EVENTOS DO CAPÍTULO 4; A CONVERSÃO DE


NABUCODONOSOR
Nosso objetivo não é examinar todos os detalhes da narrativa de
Daniel 4. Focalizaremos apenas dois pontos de particular
importância.
O primeiro fato importante é o que Deus realizou. Foi Deus quem
realizou a conversão de Nabucodonosor. Deus a concretizou!
Nos versículos 4 e 5, lemos que, enquanto tudo ia bem com
Nabucodonosor, Deus interveio e lhe deu um sonho terrível. Mais
uma vez, Nabucodonosor chamou aqueles que deveriam ser
capazes de interpretar sonhos e, mais uma vez, não puderam ajudá-
lo.
Considerando sua experiência anterior, por que motivo não
chamou logo a Daniel?
A resposta é que Nabucodonosor tinha uma forte idéia a respeito
do significado do sonho, mas desejava profundamente que o sonho
não fosse verdade. Por essa razão não chamou a pessoa que,
conforme estava convicto, lhe contaria algo que não queria ouvir.
Na literatura babilônica era comum representar o rei como uma
árvore. Nabucodonosor sabia muito bem que a árvore, em seu
sonho, era ele mesmo, e os animais à sua sombra e os pássaros
nos seus ramos eram os cidadãos que viviam sob sua autoridade e
proteção. Ao ver a árvore ser derrubada, sabia que ele mesmo seria
grandemente humilhado. O versículo 17 deixa claro que ele deve ter
entendido que Deus lhe faria o que estava previsto no sonho. Em
seu estado de não-convertido, essa era uma verdade que não podia
enfrentar, uma verdade que não queria ouvir.
Portanto, mandou que viessem todos os seus intérpretes pagãos,
nutrindo a esperança de receber uma interpretação diferente
daquela que sua consciência sabia ser verdadeira, que Daniel lhe
daria se estivesse presente. Nabucodonosor não queria ser
informado do fato de que Deus iria prostrá-lo. Mas, visto que
ninguém lhe deu qualquer interpretação, obrigou-se a chamar Daniel
e ouvir do profeta de Deus a verdade que tentara ao máximo evitar.
Os versículos 10 a 16 nos falam sobre o sonho. Há uma árvore...
e cresce... e cresce... e cresce. Parece alcançar o céu e pode ser
vista de onde quer que a pessoa esteja, não importando a distância.
Um anjo desce e ordena que a árvore seja derrubada. Seus
ramos serão cortados, suas folhas, derriçadas, seus frutos,
espalhados. Os animais e os pássaros não mais gozarão de seu
refúgio. A linda árvore será destruída. Nada será deixado, além de
uma cepa atada com correntes de metal.
A cepa nada é, se comparada à árvore original. Ficará no campo,
com os animais que lá pastam, e o orvalho a molhará. O coração lhe
será tirado (v. 16) e lhe será dado um coração de animal. Ficará
assim “sete tempos”, que significa sete períodos definidos, embora
não saibamos se são meses ou anos. Tudo isso acontecerá por
ocasião do decreto de anjos.
Nos versículos 19 a 27, Daniel, com sua habilidade de interpretar
sonhos, dada por Deus, revela o significado.
Daniel deseja prosperidade ao rei. Fica admirado ante o pesado
julgamento de Deus, prestes a cair sobre Nabucodonosor. Reluta
em anunciar a interpretação, mas obedece à ordem real para fazê-
lo.
“Rei Nabucodonosor, tu és a árvore. Cresceste e te fortaleceste,
mas serás derrubado. Isto não acontecerá por causa do decreto de
anjos, e, sim, por causa do decreto de Deus, a quem os anjos
servem” (vv. 20-24).
Qual o propósito de tudo isso? O versículo 25 nos conta: “Até que
conheças que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e
o dá a quem quer”.
“Mas”, continuou Daniel, “não perderás todo o teu reino. Depois
que tudo isso te acontecer, serás restaurado ao trono. Portanto,
arrepende-te! Teu arrependimento não impedirá que o sonho se
realize, mas talvez prolongue o período de tua tranqüilidade” (vv. 26-
27).
“Todas estas coisas sobrevieram ao rei Nabucodonosor” (v. 28). O
sonho se cumpriu em todos os detalhes, como fora interpretado por
Daniel. Esse cumprimento está registrado nos versículos 28 a 33.
O momento da humilhação do rei foi durante a mais forte
manifestação do seu orgulho. Ocorreu enquanto ele contemplava
sua capital, andando no terraço de seu palácio. Dizia para si
mesmo: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa
real, com o meu grandioso poder e para glória da minha
majestade?” (v. 30). Doze meses haviam-se passado desde que sua
humilhação fora profetizada; talvez o rei pensasse que não mais
ocorreria. Mas o propósito de Deus permanece, exatamente como
sua Palavra declara, embora os calendários humanos considerem-
no atrasado.
A história e a arqueologia nos revelam que Nabucodonosor foi um
grande construtor. Em todos os seus domínios, havia grandes
templos erigidos sob seu patrocínio, bem como dezenas de
maravilhosos prédios públicos em sua capital. Entre as suas
realizações incluíam-se os famosos jardins suspensos de Babilônia,
que por muito tempo foram contados entre as sete maravilhas do
mundo. Babilônia era uma cidade linda. As realizações do rei
causavam admiração. Seu coração estava repleto de exaltação
pessoal: “Eu o fiz. Foi necessário muito poder para edificar tudo isto;
e fui eu quem administrou esse poder. Jamais houve majestade
semelhante à minha!”
Deus humilhou um homem cujo coração transbordava de orgulho.
Uma voz do céu anunciou que havia chegado o juízo prometido (vv.
31-32). “Serás expulso de entre os homens, e a tua morada será
com os animais do campo; e farte-ão comer ervas como os bois, e
passar-se-ão sete tempos por cima de ti, até que aprendas que o
Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem
quer.”
E aconteceu! “No mesmo instante se cumpriu a palavra sobre
Nabucodonosor; e foi expulso de entre os homens, e passou a
comer erva como os bois, o seu corpo foi molhado do orvalho do
céu, até que lhe cresceram os cabelos como as penas da águia, e
as suas unhas como as das aves” (v. 33).
O grande rei da Babilônia ficou completamente louco. Deus tirou-
lhe o entendimento, dando-lhe um coração de animal. Seu cabelo
cresceu até parecerem penas. Suas unhas logo se assemelharam a
garras. Vivia como um animal, no campo, alimentando-se de capim
e sendo molhado pelo orvalho da manhã, como os bois que o
cercavam.
Os escritores pagãos do mundo antigo nos contam que, depois
de travar suas grandes batalhas e haver retornado à Babilônia,
Nabucodonosor desapareceu subitamente, reaparecendo apenas
um pouco antes de sua morte. Contam que, em certo dia, foi visto
no terraço de seu palácio, de onde poderia apreciar toda a sua
cidade. Essa foi a última ocasião em que foi visto, passando-se,
então, considerável período de tempo até que apareceu novamente
pouco antes de sua morte.
Alguns desses escritores dizem que ele foi tomado por alguma
forma de divindade, enquanto outros comentam que foi afligido por
uma doença estranha.
Deus humilhou esse rei orgulhoso com uma doença conhecida
como “licantropia”. A pessoa que sofre dessa doença acredita ser
um animal, enquanto, ao mesmo tempo, preserva consciência
interior suficiente para lembrar-se do que realmente é. Pessoas
acometidas por essa enfermidade terrível agem como o animal que
imaginam ser e emitem os ruídos que o caracterizam.
Uma forma específica dessa doença é chamada de “boantropia”.
Muitos casos já foram registrados. No século XIX, houve um número
surpreendentemente alto de casos dessa doença nas ilhas
britânicas. Certas pessoas acreditavam ser bois ou vacas e agiam
exatamente como esses animais, não esquecendo completamente
sua verdadeira identidade.
Foi a esta situação que o Senhor trouxe o homem mais poderoso
do mundo, usando-a como um castigo por seu orgulho e como um
meio de ensinar-lhe uma lição espiritual que resultaria em sua
conversão. Os palacianos retiraram o soberano enlouquecido e o
observavam com espanto, enquanto comia capim e rolava no
campo, com unhas e cabelos crescidos. Quem imaginaria que tal
coisa pudesse acontecer ao rei da Babilônia? O homem a quem
nada parecia impossível havia sido entregue ao desamparo total.
Ele, que sempre fora honrado com temor servil, agora era objeto de
compaixão.
No entanto, havia um propósito bondoso no julgamento divino. Já
vimos que seus resultados espirituais estão registrados nos
versículos 34 e 35. Ao trazer-lhe de volta o entendimento, Deus
também restaurou o reino de Nabucodonosor à sua glória anterior.
Os conselheiros que haviam administrado o império durante sua
ausência agora se dirigiam a ele buscando conselho e orientação,
como o faziam antes. Após ter sido restaurado, o rei proclamou sua
confissão de fé (v. 37), governou brevemente como um rei temente
a Deus e morreu pouco tempo depois, em comunhão com Deus.
Deus o fez! Aquele que era não-convertido antes do capítulo 4
tornou-se bem diferente depois. A mudança teve origem divina.
Deus a realizou!
O segundo fato a observar é como Deus operou a conversão de
Nabucodonosor; não foi exaltando-o, mas derrubando-o. É assim
que Deus converte as pessoas!
Um dia o rei estava em sua esplêndida Babilônia, cheio de
orgulho e ensoberbecido por seu próprio senso de realização. Em
sua majestade, olha ao seu redor: os jardins, os templos e os
edifícios magníficos. Não precisa de ninguém. Fez-se por si mesmo.
Pode ter qualquer coisa que desejar. Tudo que ordenar será feito
imediatamente.
Então, dentro de pouco tempo, encontra-se vivendo como os bois
no campo!
As semanas e os meses se passam. Sete “tempos” se passam –
semanas, meses ou quaisquer que sejam esses períodos de tempo.
Pouco a pouco, enquanto está revirando o chão e comendo grama,
vem a entender uma coisa. Quase totalmente enlouquecido,
procedendo e emitindo sons como o animal que imagina ser, ainda
possui consciência interior suficiente para reconhecer verdades que
deveria ter assimilado antes. Verdades que ouvira e aceitara voltam
à sua mente. Não de imediato, mas com firmeza ele adquire a
convicção de que Deus é o único Deus e o Rei do céu. Agora está
convicto de que isso é verdade. Por fim, chega à fiducia e se
compromete com a verdade a respeito da qual foi persuadido.
Nunca mais viverá como se ele ou qualquer ser humano fosse o
centro do universo. Jamais cairá na armadilha de pensar que o
mundo gira em torno de sua própria pessoa.
Deste momento em diante, viverá como um súdito do verdadeiro
Rei. Buscará a Deus como um suplicante. Abraçará a Deus como
uma criancinha abraçaria seu pai. Quando alguém se torna como
uma pequena criança, pode ver o reino do céu (Mt 18.3).
Finalmente este grande rei está no lugar em que todo homem e
mulher devem estar. Prostrado ante a face de Deus. Seu coração foi
transformado, seu entendimento restaurado. Nabucodonosor volta à
sua humanidade plena e à glória anterior. Caminha para a
eternidade em comunhão com o Rei do céu.
Assim ocorreu a sua conversão. Deus a realizou, não levantando-
o, mas derrubando-o!
DUAS LIÇÕES A APRENDER
Esta narrativa histórica nos ensina duas lições importantes.
Primeira, nunca devemos desistir da conversão de qualquer
pessoa. Poderíamos imaginar que esse poderoso rei, que levou
cativo o povo de Deus e procurou forçar o remanescente fiel a unir-
se a ele na prática da idolatria, estaria, depois, ele mesmo, em
comunhão com Deus? Foi perante um rei completamente pagão que
os exilados se submeteram em 605 a.C. Certamente seria
impossível que esse monarca se tornasse parte do povo de Deus!
Contudo, para Deus nada é impossível.
E, quando esse homem se mostrou furioso e irracional,
ordenando a execução dos sábios, quem poderia supor que ele, em
algum tempo, se tornaria um crente? Parecia ainda menos provável
quando virou as costas à verdade que ouvira e ordenou a todo o seu
povo que adorasse aquela estátua horrível. Poderia esse homem,
que ordenou a destruição do remanescente de Deus em uma
fornalha, fazer parte daquele mesmo remanescente? Isso estava
fora de cogitação.
Mas, ao terminarmos nosso capítulo, vemo-lo como uma
criancinha aos pés de Deus. Como súdito e suplicante, está
adorando, louvando, exaltando e honrando o Rei do céu!
Enquanto o Deus de Nabucodonosor continuar sendo Deus,
nunca devemos desistir da conversão de qualquer pessoa. Muitas
vezes somos tentados a questionar se há qualquer razão para
prosseguirmos no trabalho cristão. As pessoas ao nosso redor
parecem intoleravelmente duras ou incrivelmente apáticas. Quase
tudo lhes parece mais importante do que as coisas de Deus. Nossa
mensagem tem sido gentilmente ignorada ou cinicamente resistida
por elas. Temos a impressão de que são homens e mulheres que
nunca serão quebrantados. Parece impossível que qualquer deles
venha a se converter. Achamos difícil imaginar que alguém esteja
mais longe de Deus do que eles.
Desistiremos, em desespero total, se esquecermos que Deus é
onipotente. Se Ele pôde quebrantar um coração como o de
Nabucodonosor, quem lhe será demasiadamente difícil? Fez o
“impossível” e pode fazê-lo de novo. Sendo colaboradores dEle, é
nosso dever continuar trabalhando pela conversão de todos ao
nosso redor, confiando que seu infinito poder nunca será resistido
por qualquer pessoa que Ele determinou salvar. Aquilo que não
podemos, Ele pode! Nunca devemos perder a esperança quanto à
conversão de alguém.
Há uma segunda lição a aprender deste capítulo, que recomendo
a qualquer leitor não-convertido. A razão por que até o momento
você não se converteu, apesar de todo o seu interesse na Bíblia, é
esta: você ainda não está suficientemente humilhado. Você tem um
conceito elevado a respeito de si mesmo e não pode chegar-se a
Deus como uma criança. É muito orgulhoso para, como um súdito,
prostrar-se ante o trono divino. Acha-se muito importante para
aproximar-se do Rei como um mero pedinte.
Dirijo-me com franqueza a você. É hora de você encarar o fato de
que não será salvo enquanto estiver confiando em sua
respeitabilidade. Deus não o salvará se não houver humilhação de
sua parte. Aqueles que se achegam a Deus por meio de Cristo,
precisam fazer isso do mesmo mesma modo como o fizeram todos
os demais antes deles.
O publicano nem mesmo ousou levantar os olhos ao céu, mas
suplicou, de coração: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc
18.13). O grande intelectual, Saulo de Tarso, converteu-se enquanto
ainda estava inquieto e cego na estrada de Damasco, orando:
“Senhor, que queres que eu faça?” (At 9.6). O rude carcereiro de
Filipos caiu de joelhos e implorou: “Senhores, que devo fazer para
que seja salvo?” (At 16.30).
A única maneira de nos aproximarmos do Altíssimo é descendo
ao mais baixo de todos os lugares. A conversão de Nabucodonosor
nos ensina isso. E o Senhor Jesus Cristo salva pessoas que se
encontram nessa posição, porque não veio chamar os justos, e sim
os pecadores, ao arrependimento (Mc 2.17).
O ato mais misericordioso que Deus pode realizar a favor de um
pecador é quebrantá-lo. Nessa condição, qualquer homem ou
mulher sempre estará seguro. A única direção para a qual pode
voltar seus olhos é para o alto. O céu é o único lugar ao qual pode
apelar.
UMA ADVERTÊNCIA FINAL
Aqueles que relutam em render-se a Deus, devem atentar a esta
advertência final. Deus poderia tornar louca qualquer pessoa. Quem
sabe como Deus reagirá à sua constante rejeição aos convites e
advertências dEle? Deus pode quebrantar você, sem que haja cura
(Pv 29.1). Se Ele decidisse tornar você louco e não restaurá-lo,
como, então, você clamaria por misericórdia? Ele lhe tem dado a
capacidade de raciocinar. Por que não agir de acordo com o que
você reconhece ser a verdade? Amanhã Ele poderá dizer: “Basta!” e
deixá-lo sem poder até para saber ou aceitar a sua verdade e muito
menos ainda para descansar nela.
Não precisamos temer ser quebrantados por Deus. O que Deus
quebranta somente Ele pode restaurar. Ele não despreza um
coração quebrantado e contrito (Sl 51.17). Também não devemos
ter receio de ser governados por Ele. Todas as suas obras são
verdadeiras, e seus caminhos, justos (Dn 4.37).
Ao terminar este capítulo, devemos lembrar a grandeza divina e
admitir a nossa própria insignificância. Deus não tem boas-novas
para os que imaginam ser alguma coisa. Todavia, Ele nunca vira as
costas aos que vêm a Ele com as mãos vazias, nada tendo a
reivindicar. Deus não escuta as orações que procedem de corações
orgulhosos, mas súplicas que procedem de um espírito contrito
ecoam alto em seus ouvidos e recebem toda a sua atenção. Cristo,
nosso Salvador, já viveu de modo perfeito em nosso lugar, por isso,
Deus não espera que vivamos de modo perfeito antes de sermos
salvos e termos comunhão com Ele. Não há mais penalidade com a
qual Deus nos castigará, porque o Filho, que Ele enviou, já pagou
tudo. Todas as súplicas repletas de orgulho são uma contradição a
essas grandes verdades; somente os clamores dos quebrantados
são compatíveis com elas. Por essa razão, Nabucodonosor teve de
ser tão humilhado antes de entrar em comunhão com Deus.
Agora, faça da confissão de Nabucodonosor a sua confissão
pessoal de fé. “Eu... louvo, exalço e glorifico ao Rei do céu, porque
todas as suas obras são verdadeiras, e os seus caminhos, justos, e
pode humilhar aos que andam na soberba” (v. 37).
6 | Como perder-se

LEIA DANIEL 5

Nabucodonosor foi um homem muito ímpio. Mas, no final de sua


vida, tudo lhe correu bem porque Deus o humilhou, e o rei orgulhoso
se tornou servo de Deus.
No entanto, isso nem sempre acontece com todas as pessoas.
Esta é a lição de Daniel 5.
O caminho em que andam os não-convertidos é permeado por
uma linha invisível, uma linha vista somente por Deus. Deus é
paciente e longânimo para com aqueles que O rejeitam e
desprezam. Ele lhes oferece muitas oportunidades de converterem-
se. Convida-os insistentemente a se voltarem para Ele e os
persuade. Seu grande desejo é que se arrependam e O busquem,
em vez de continuarem a se afastar dEle.
Os que persistem em andar no caminho que escolheram acabam
cruzam um dia essa linha invisível. Cruzam a tênue fronteira entre a
paciência e a ira de Deus. Por fim, Ele diz: “Basta!” e desiste deles.
Não há um caminho especial que conduz ao inferno. É necessário
apenas permanecer, por tempo suficiente, em nosso próprio
caminho.
Homens e mulheres se perdem não por serem grandes
pecadores. O Senhor Jesus tem poder suficiente para salvar o maior
dos pecadores. Pessoas vão ao tormento eterno não por causa do
número ou da freqüência de seus pecados. No inferno, há grandes
pecadores e também os que são chamados de “pequenos”
pecadores. Homens e mulheres perecem eternamente porque,
durante sua vida, seu coração resiste a Deus, e eles seguem seus
próprios caminhos, até que a paciência de Deus se esgota.
Reprimindo sua consciência muitas vezes, chegam ao ponto em que
Deus nada mais tem a dizer-lhes. Nunca procuram humildemente a
misericórdia de Deus. Nunca se aproximam do Salvador;
permanecem obstinados, arrogantes e voluntariosos. Por não se
humilharem e se renderem, homens e mulheres se perdem.
Este capítulo grava de modo eficaz essa lição em nosso coração.
Faz isso apresentando-nos cinco personagens. O primeiro deles é
mencionado nos versículos 1 a 4.

BELSAZAR
“Belsazar” quer dizer “Bel proteja o rei”; é, evidentemente, um
nome pagão. No passado, muitos céticos asseveraram que esta
história era ficção, pois Belsazar nunca existira. Mas os documentos
cuneiformes do Oriente Médio os silenciaram. Não há mais qualquer
dúvida a respeito da historicidade de Belsazar. Como sempre
acontece, a Bíblia estava certa, e os críticos, errados.
Daniel 5 chama Belsazar de “rei”, mas ele não era o único rei.
Naquele tempo, Nabonidus era o rei da Babilônia, e Belsazar era
seu co-regente. Este possuía todos os direitos, prerrogativas e
majestade do rei, exceto em um aspecto. Nas inscrições oficiais do
império, Nabonidus era sempre chamado “o rei”, e Belsazar recebia
um título menor que designava alguém que substituía o rei. Quanto
aos assuntos diários do império, ele governava juntamente com
Nabonidus; ambos tiveram um relacionamento harmonioso. Se
houvesse diferença de opinião entre eles, Nabonidus teria a palavra
final. Todavia, não sabemos de qualquer ocorrência neste sentido.
Governavam juntos o vasto império babilônio.
Como Nabonidus, Belsazar era filho de Nabucodonosor. Mas é
possível que tenha sido filho (ou filho adotivo) de Nabonidus e que a
palavra “pai”, neste capítulo, tenha a idéia de “antepassado” ou
“avô”.
Isto significa que Belsazar vivera, como menino e rapaz, durante
os eventos relatados nos primeiros quatro capítulos de Daniel.
Belsazar testemunhou o fato de que Nabucodonosor descobrira que
quatro jovens eram extraordinários e eram também adoradores de
Jeová. Provavelmente ele ouviu a interpretação de Daniel, dada por
Deus, sobre o horroroso sonho de seu pai. Talvez participou da
admiração manifestada por terem Sadraque, Mesaque e Abede-
Nego andado com o Filho de Deus, entre as chamas da fornalha.
Deve ter visto seu pai (ou avô) tornar-se como um animal e tinha
conhecimento de como Nabucodonosor passara seus últimos dias
na terra gozando de uma fé pessoal no Deus vivo.
Belsazar crescera praticamente ao lado de Daniel e seus três
companheiros. Estes tinham apenas 14 anos quando foram
exilados; a diferença de idade entre eles não deve ter sido muito
grande. Talvez tenha ouvido Daniel orar ou pregar. Certamente o viu
permanecer firme por amor a Deus.
Neste capítulo, nos deparamos com um homem que, desde seus
primeiros anos de vida, havia presenciado um testemunho vivo do
verdadeiro Deus. Nunca devemos pensar que, na Babilônia,
Nabucodonosor foi a única pessoa exposta à verdade de Deus;
Belsazar teve a mesma experiência. Como seu pai, teve a
oportunidade de acertar sua vida com Deus. O Salvador havia
batido no coração de Belsazar por meio dos eventos que ele
testemunhara. Foi um homem que viu Deus lidando de modo
pessoal com alguém próximo a ele. Sabia o que era a conversão,
pois contemplara seu próprio pai tornar-se um servo de Jeová. O
verdadeiro Deus fora louvado e adorado no palácio que agora ele
ocupava, como rei.
Este homem agora dá uma festa para mil de seus dignitários!
Chegamos ao ponto em que a paciência de Deus para com
Belsazar está-se esgotando. Em vez de submeter-se a Deus,
Belsazar continua a resistir-Lhe. Permanece inquebrantável, e o dia
do acerto de contas está chegando. Sem que Belsazar saiba, mais
um passo no caminho da incredulidade o fará ultrapassar aquela
linha invisível. Dará somente mais um passo para longe de Deus, e
Deus apresentará a sua conta. Mais um ato de desprezo à pessoa
de Deus fará que Ele declare: “Basta!” O dia de oportunidade para
Belsazar se arrepender está terminando rapidamente. Não podemos
ir até aonde desejamos em nosso pecado; e a história de Belsazar
nos mostra isso. Mais um pecado, e será o fim de Belsazar!
A ocasião para o seu último pecado foi um grande banquete. Tais
eventos eram muito comuns na antiga Babilônia. Um grande
dignitário convidava outras personalidades a se reunirem a ele
unicamente com o propósito de se embriagarem. Era uma ocasião
para cânticos espalhafatosos e lascivos e para um comportamento
desenfreado. A noite terminava com os hóspedes sendo ajudados a
chegarem em suas casas, para, no dia seguinte, se orgulharem de
que haviam “se divertido”.
Os efeitos da embriaguês são bem conhecidos, e a Palavra de
Deus alerta freqüentemente contra ela. À medida que Belsazar fica
sob o efeito da bebida, despoja-se de toda a decência e decoro.
Convida a multidão de farristas a que se juntem a ele na profanação
dos utensílios que seu pai trouxera do templo de Jeová, quando
conquistou Jerusalém. Embriagam-se usando os utensílios que
haviam sido consagrados ao louvor do único Deus. Enquanto fazem
isso, canções são entoadas em louvor aos ídolos babilônios. A cena
é de desprezo ao Deus do céu, o Deus a respeito de quem Belsazar
ouvira desde a meninice, e de rejeição ao testemunho que lhe fora
apresentado durante toda a vida. O rei coloca os utensílios de ouro
nas mãos de seus hóspedes e lidera a orgia; escarnecem do
sagrado e exaltam o profano. “Beberam o vinho e deram louvores
aos deuses de ouro, de prata, de bronze, de ferro, de madeira e de
pedra” (v. 4).

OS DEDOS DE MÃO DE HOMEM


O segundo personagem desta narrativa são os dedos de mão de
homem. Lemos sobre isso nos versículos 5 a 9.
Quantas gravuras temos visto que retratam esta cena! Em quase
todos, os livros mostram a escrita sendo feita por uma mão inteira.
Mas não foi assim; eram “dedos de mão de homem” que escreviam
(v. 5). Em nossa mente, podemos imaginar as pessoas rindo e
zombando. O clima é de hilaridade e deboche, quando vozes ébrias
entoam cânticos desprezíveis em louvor a divindades pagãs. O
pecado é geral e desregrado, procurando mostrar-se como algo
agradável. A atmosfera é de impiedade sem limites, e nada há que
frustre suas manifestações crescentes.
Então, sobrevém um silêncio atordoante e estarrecedor!
Assim acontece. Deus pode mudar rapidamente uma situação.
Num piscar de olhos, tudo terminou para o monarca arrogante. Deus
anotou todos os seus pensamentos, palavras e obras. Agora,
encontra-o e apresenta-lhe a conta!
De acordo com o costume babilônio, o salão de banquetes devia
ter uma pequena plataforma ou palco em uma das extremidades.
Esta plataforma era muito bem iluminada com lustres e candelabros,
pois ali estava a mesa do anfitrião. Por meio da arqueologia,
sabemos que atrás dessa plataforma real havia uma parede
revestida de branco. Todos os olhos estão agora voltados para ela,
pois, no meio da orgia altiva e desregrada, move-se uma silhueta
escura. São dedos de mão de homem. Nenhuma pessoa, nenhum
braço, nenhuma mão; somente alguns dedos. Quatro palavras
confrontam todos os rostos. As palavras, diz o aramaico deste
capítulo, não foram escritas, mas inscritas! A parede real parece a
lápide de um túmulo, e todos viram o epitáfio sendo gravado nela:
MENE, MENE, TEQUEL e PARSIM (v. 25).
As faces, avermelhadas pelo vinho, se tornaram pálidas,
especialmente a do rei. Onde está agora o desdenhoso e impiedoso
rei da Babilônia? Com as faces descoradas e a consciência
apavorada, o poderoso rei treme de medo, enquanto os joelhos
batem um no outro. Em seu pavor, gagueja promessas fantásticas a
qualquer um que possa interpretar a inscrição sobrenatural. Mas
ninguém pode. Os caracteres não são apenas diferentes, também é
preciso discernimento espiritual para entender a mensagem gravada
pelos dedos sinistros. Essa qualidade não se encontra onde há
bebedeiras.
Acabou-se a festa. Quatro palavras de Deus reduziram-na a
pânico, medo, terror e confusão. Quando os ímpios fazem as piores
coisas que podem imaginar, “ri-se aquele que habita nos céus; o
Senhor zomba deles” (Sl 2.4). Devemos temer a Deus, mas nunca
os ímpios.

A RAINHA
O terceiro personagem a aparecer na narrativa é a rainha (vv. 10-
12), que não é uma das mulheres de Belsazar, pois estas já
estavam na festa, como nos revelam os versículos 2 e 3. Quem,
então, é esta rainha? Possivelmente, a esposa de Nabonidus. Ela
possui o direito de entrar livremente na sala do banquete real, sem o
protocolo exigido de outros. Seu marido é o primeiro no reino, e
Belsazar, o segundo. Isso explica porque ele prometeu o terceiro
lugar no reino a quem pudesse interpretar a escrita na parede.
A rainha não esquecera aquilo que Belsazar havia esquecido.
Nos versículos 10 a 12, emprega um vocabulário pagão que lhe
devia ser peculiar. Porém, reconhece que Daniel tem uma sabedoria
sobrenatural. Era necessário apenas chamá-lo, e a interpretação
das palavras seria conhecida, pois ele possuía o dom de decifrar
enigmas e de interpretar sentenças difíceis.
Se Deus quisesse, poderia ter usado outra maneira para dar a
interpretação a Belsazar. Poderia, por exemplo, ter enviado os
dedos sinistros uma segunda vez, para escrever o significado da
primeira mensagem. Mas esse não é o método divino. Deus não
despreza o instrumento humano. Sua mensagem será apresentada
pelo seu servo. Lábios humanos trarão a mensagem ao rei. Deus
envolverá o remanescente nessa tarefa, não por ter necessidade de
fazer isso, mas porque seu método permanente é utilizar homens e
mulheres fiéis como seus cooperadores. Não prosseguirá sem eles.
É assim que Deus mantém viva, neste mundo, a sua verdade. A
chegada de Daniel nos traz o personagem que ocupa a maior parte
deste capítulo (vv. 13-29).

DANIEL
As perguntas dirigidas a Daniel, no versículo 13, confirmam que
Belsazar já sabia bastante a respeito dele. Isso ressalta o fato que
sua ignorância quanto aos caminhos de Deus era voluntária.
Belsazar fora exposto às coisas sagradas desde a meninice e,
quando se tornou rei, preferiu não ter Daniel na corte. Não queria,
em seu palácio, um profeta de Jeová. A última pessoa que desejava
como seu conselheiro e confidente era o mensageiro escolhido de
Deus. Quão diferentes seriam os acontecimentos, se Belsazar
tivesse Daniel no palácio desde o início do seu reinado!
De qualquer modo, Daniel se encontra agora diante dele. Nos
versículos 14 a 16, vemos Belsazar explicando a situação ao profeta
e prometendo recompensá-lo, se interpretasse o que estava escrito
na parede. Não precisamos de muita imaginação para visualizar a
cena, enquanto Daniel considera a sua resposta. Mil dos grandes de
Belsazar estão quietos, aterrorizados. Aqueles que há pouco
zombavam do Deus vivo estão calados, pálidos e perplexos,
aguardando com grande expectativa a resposta do homem de Deus.
Em suas palavras iniciais, Daniel informa sua rejeição aos
presentes do rei (v. 17). Diferentemente dos astrólogos e sábios ao
seu redor, ele não dava interpretações tendo em vista o ganho
pessoal. Não procurava recompensas ou favores. Não fazia isso por
dinheiro. Estas palavras devem ter causado impressão naquelas
pessoas, como ainda o fazem quando os servos de Deus mostram
não estar interessados nas honras do mundo. É claro que, apesar
das conseqüências, Daniel proclamaria a verdade. Não aceitaria
suborno para dizer o que as pessoas desejavam ouvir. Tampouco se
deixaria aliciar, a fim de evitar o que seria ofensivo àquele povo. A
interpretação seria verdadeira.
Daniel prosseguiu, falando sobre o pai de Belsazar: “Ó rei! Deus,
o Altíssimo, deu a Nabucodonosor, teu pai, o reino e grandeza,
glória e majestade” (v. 18).
Belsazar era somente um co-regente. O império já não era mais
como antes. Em sua história, nunca houvera outro maior que
Nabucodonosor, mas ele devia ao Deus altíssimo tudo que possuía.
Deus é maior que Nabucodonosor! Nabucodonosor era responsável
para com Deus pelo exercício de seu poder. E veja o que Deus lhe
fez! Daniel recorda a Belsazar como Deus humilhou seu pai: “Até
que conheceu que Deus, o Altíssimo, tem domínio sobre o reino dos
homens e a quem quer constitui sobre ele” (v. 21).
É como se Daniel estivesse dizendo: “Tu, Belsazar, agiste como
se fosses a maior pessoa que já existiu. Porém, teu pai foi maior do
que tu, e Deus é maior do que ele! Foi Deus quem lhe deu tudo que
ele possuía. Há um Deus altíssimo, e, embora sejas, na terra, o
homem a quem todos prestam contas, tu mesmo és responsável
perante Deus. Ele te deu tudo o que tens e pode tomá-lo facilmente.
Isso se aplica até mesmo ao teu entendimento”.
“Sabias disso, Belsazar. Sabias como Deus humilhou a teu pai,
até que ele se tornou um suplicante, mas não seguiste o seu
exemplo. Agiste como um homem independente e sem
responsabilidades. Foste ainda mais longe. Desafiaste o Deus do
céu. Vê a quem adoraste: aos deuses de prata, de ouro, de bronze,
de ferro, de madeira e de pedra, que não vêem, não ouvem, nem
sabem”.
“Vê, Belsazar, a quem desprezaste. Deus, em cuja mão está a
tua vida e todos os teus caminhos, a ele não glorificaste (v. 23). Por
isso, os dedos vieram e inscreveram na parede. Era uma
mensagem enviada por Deus!”
Belsazar foi condenado por seu orgulho. O orgulho, na Bíblia, é a
ausência de humilhação. Uma pessoa orgulhosa é aquela que não
se humilha perante Deus. Diante de seus colegas, pode não parecer
orgulhosa. Pode mostrar-se humilde entre seus vizinhos, e sua
família pode não perceber seu orgulho. Todavia, um coração que
não louva e adora a Deus é um coração orgulhoso. Este orgulho
caracteriza todos os homens e mulheres que seguem o caminho
que conduz ao inferno. Belsazar foi um grande pecador, mas esse
não é o assunto em questão. Sua culpa estava no fato de não
querer nada com o Deus vivo e verdadeiro. Não O buscou, como
uma criança, nem permitiu que Ele governasse sua vida.
Permaneceu nesta situação até que chegou a zombar do Altíssimo.
Neste ponto, cruzou a linha invisível. Dizemos outra vez: ninguém
precisa escolher um caminho especial para ir ao inferno; necessita
apenas permanecer, por tempo suficiente, no caminho em que está.
O versículo 25 preserva para nós o conteúdo da escrita na
parede. Consistia de três termos diferentes, um dos quais foi escrito
duas vezes. MENE, MENE quer dizer “contado, contado”. Após
estes, TEQUEL, que significa “pesado”, seguido da palavra
PARSIM.
“PARSIM” é o plural de PERES com a palavra “e” à sua frente.
Por isso, a nós, que não conhecemos aramaico, parece que a
interpretação difere das palavras escritas. Ao repassar cada palavra,
Daniel pronunciou-as em sua forma singular e não na forma em que
foram inscritas na parede.
A escritura na parede dizia: “Contado, contado, pesado e
dividido”. Isso era tudo que Deus tinha para comunicar ao arrogante
Belsazar, mas a amplitude total do significado seria explicada pelo
íntegro Daniel.
“MENE significa ‘contado’, porque os teus dias estão contados,
rei Belsazar! Deus decidiu trazer ao fim o teu reino ímpio. Teu
período de governo terminou. Durante todos estes anos, Deus tem
pesado o teu domínio; agora, é tempo de findá-lo. Ele está dizendo:
‘Basta!’; o teu reino acabou. Deus o acabou!” (v. 26).
“TEQUEL significa ‘pesado’.. Belsazar, Deus pesou cada ato de
tua vida. Ele tomou nota das oportunidades em que, na tua
meninice, rejeitaste vir a Ele. Anotou todos os convites que
desprezaste, convites que tinham o propósito de tornar-te um súdito
dEle. Os dedos enviados por Deus escreveram na parede o teu
epitáfio. Sem dúvida, enquanto o faziam, tua vida passada flamejava
em tua mente. Teus pecados ocultos e conhecidos, tuas horas
desperdiçadas, tua crueldade, teu orgulho, tuas desordens e
bebedeiras, tua rejeição às coisas santas e tua resistência ao que é
espiritual – Deus pesou tudo. Colocou tudo em sua balança.
Considerou tua vida do começo ao fim; ela não alcançou, não
satisfez o padrão exigido por Deus” (v. 27).
Quando as pessoas escarnecem do Altíssimo, Ele não ignora
isso. Visto que Deus não age imediatamente, os ímpios concluem
que ele não agirá de maneira alguma. Contudo, Ele pesa em sua
balança toda zombaria e afronta. Nada é esquecido. Ele registra
todos os convites para vir a Cristo que foram rejeitados. Anota cada
desprezo à sua ordem de arrependimento. Todos que não valorizam
à fé evangélica, que zombam das coisas santas e, especialmente,
aqueles que rejeitam a ternura de seu Criador têm suas ações
gravadas no céu. Deus registra tudo.
“A vida cristã não é para mim”, dizem alguns. “O custo é muito
grande”, afirmam outros. “Não quero ser diferente. Todos pensarão
que sou uma pessoa esquisita. Os crentes são fanáticos. Por que eu
deveria ser um extremista?” O Deus sempre presente ouve e lembra
esses e todos os demais comentários. Por fim, Ele não os aceitará
mais, e a escrita aparecerá na parede. Os dias de frivolidades
terminarão. Chegará o dia da condenação.
“PERES quer dizer ‘dividido’. Teu reino será dividido e destruído.
Isso acontecerá pelo poder dos medos e persas. O reino será
tomado de ti, Belsazar, e será dado a outro” (v. 28).
E não foi somente aquele reino que Belsazar perdeu. Ele perdeu
também o reino de Deus. Nosso Senhor Jesus Cristo fez uma
acusação semelhante aos judeus. Disse-lhes que haviam rejeitado
os profetas, apedrejando-os e matando-os. Finalmente, rejeitaram o
filho de Deus. A resposta de Deus foi tomar a vinha de suas mãos e
dá-la a outros (Mt 21.33-43).
Paulo repetiu esta mesma verdade. Quando os judeus rejeitaram
a mensagem do evangelho, ele os advertiu de que Deus tomaria
seus privilégios e os daria aos gentios (At 13.44-50). Algo
semelhante acontece quando uma pessoa rejeita constante e
obstinadamente o evangelho. Por fim, Deus lhe diz: “Visto que você
rejeita tão obstinadamente a única mensagem que pode salvá-lo, eu
o julgarei retirando-o de você. Ainda que você busque o
arrependimento e o busque com lágrimas, não será capaz de achá-
lo” (cf. Hb 12.17).
A linha invisível foi ultrapassada, não há mais retorno. Tudo está
acabado para quem a ultrapassou. Não há mais oportunidade para
alcançar misericórdia. Tudo que agora está reservado para essa
pessoa é “certa expectação horrível de juízo e fogo vingador” (Hb
10.27).

Há um tempo, não sabemos quando,


Um lugar, não sabemos onde,
Que marca o destino do homem
Em glória ou desespero.

Há uma linha, para nós invisível,


Que atravessa cada caminho,
A fronteira oculta entre
A paciência e a ira de Deus.
Oh! qual é essa misteriosa linha
Que atravessa o caminho do homem,
Além da qual, Deus mesmo jurou,
A alma que for, estará perdida?
Quanto tempo poderei continuar em pecado?
Quanto tempo Deus me poupará?
Onde termina a esperança e
Começam os limites do desespero?

A resposta dos céus é enviada:


“Vós que de Deus vos afastais,
Enquanto o dia é hoje, arrependei-vos
E não endureçais o coração”.

DARIO
Embora Daniel tenha recusado recompensas terrenas, estas lhe
foram dadas, porque Belsazar reconheceu ter ouvido a verdade (v.
29). Mas tudo isso é efêmero. E este capítulo solene termina
introduzindo-nos um quinto personagem – Dario (vv. 30-31).
Durante aquela noite em que Daniel profetizou, os exércitos de
Nabonidus lutaram contra os medos e persas que ameaçavam as
fronteiras de Babilônia. Mas Ciro, o persa, agiu rapidamente.
Desviou o curso do rio Eufrates e o transpôs. Pela manhã, os
exércitos dos medos e persas haviam invadido e conquistado a
Babilônia. Belsazar era um cadáver no palácio e ouvia a
condenação do Criador que ele tão afrontosamente havia
desprezado e de quem zombara na noite anterior. A profecia de
Daniel se cumpriu, e Deus demonstrou, mais uma vez, que é o
verdadeiro Governador da história deste mundo. A cabeça de ouro
deu lugar ao peito e braços de prata. Dario, com sessenta e dois
anos, ascendeu ao trono.
Não sabemos quando Deus dirá a alguém: “Mais um pecado, e
será o último. Então, a escrita na parede se aplicará a ti. Eu te
chamarei à eternidade, enquanto todos no céu se unirão a mim,
dizendo: ‘Louco, esta noite te pedirão a tua alma’” (Lc 12.20).
“Buscai o S enquanto se pode achar, invocai-o enquanto
está perto. Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo, os seus
pensamentos; converta-se ao S , que se compadecerá dele, e
volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar” (Is 55.6-7).
7 | Na cova dos leões

LEIA DANIEL 6

Chegamos agora ao último capítulo histórico do livro de Daniel, pois


os seguintes são constituídos de visões proféticas. Este é um dos
capítulos mais conhecidos de toda a Bíblia e, realmente, não precisa
de introdução. Registra um incidente que ocorreu quando Daniel era
idoso. No capítulo 1, ele era um jovem de apenas 14 anos. Neste
capítulo, podemos ver como ele permaneceu fiel a Deus mesmo em
seus dias avançados.

UM PLANO PARA ANIQUILAR DANIEL


O capítulo se divide naturalmente em três partes. A primeira
abrange os versículos 1 a 9 e registra um plano para aniquilar
Daniel.
A narrativa começa com uma mudança de dinastia. O império
babilônio agora é algo do passado. Fora conquistado pelo poder
conjunto dos medos e persas; o segundo grande império do sonho
de Nabucodonosor torna-se realidade. O primeiro soberano da nova
dinastia é um medo quase desconhecido, chamado Dario, que sobe
ao trono com sessenta e dois anos de idade. Sabemos que não
reinou por muito tempo, pois ao juntar os dados históricos,
descobrimos que Ciro, o persa, assume o trono, pouco tempo
depois.
Coube a Dario a difícil tarefa de governar o império babilônio e
dar-lhe nova direção e identidade, sob a autoridade dos medos e
persas. As dificuldades administrativas diante dele devem ter sido
imensas; e os versículos iniciais do capítulo revelam como as
enfrentou. Colocou os negócios do império nas mãos de cento e
vinte sátrapas. Presumivelmente, cada um assumiu a
responsabilidade por uma área específica. Eles prestavam contas a
três presidentes, “para que o rei não sofresse dano” (v .2). Os
presidentes, por sua vez, respondiam ao próprio rei. Deste modo,
Dario mantinha seu poder absoluto, e o governo não ficava distante
do povo.
Daniel era um dos três presidentes, e somos informados que era
tão notável que o rei pensava em estabelecê-lo sobre todo o reino
(v. 3). Contemplava-se uma mudança na hierarquia, de modo que
um dos presidentes seria superior aos demais e se tornaria o
representante do rei.
O que levou Daniel a alcançar imediatamente uma posição de tão
grande importância no novo império? Como poderia alguém que era
tão proeminente na dinastia conquistada alcançar logo tão alta
posição no governo dos que a conquistaram? Com freqüência, essa
pergunta tem sido considerada difícil de responder, mas a resposta,
de fato, é simples.
O império babilônio caiu como qualquer outro grande império.
Estava degenerado. Estava repleto de amor pela luxúria, e faltava-
lhe o desejo pelo trabalho árduo. Havia o abandono generalizado de
princípios morais e um aumento irrestrito da imoralidade e da
desonestidade. A situação moral era irremediável. Os oficiais da
Babilônia haviam se tornado, em geral, homens que tinham como
seu maior interesse o encher os próprios bolsos e o acumular
riquezas. A mentalidade “enriqueça-se rapidamente” governava-os
de tal modo que abandonaram todos os escrúpulos e se entregaram
à busca de enriquecimento e de prosperidade.
Uma mudança de governo não produz, por si mesma, uma
mudança na situação moral. Dario não tinha qualquer garantia de
que os sátrapas que havia nomeado seriam em qualquer aspecto
diferentes dos oficiais babilônios. Talvez se submeteriam às
mesmas táticas, tornando-se mais preocupados com seus próprios
interesses do que com a administração correta do império. Portanto,
era mister que não pusessem com facilidade as mãos em recursos
públicos. Para evitar isso, Dario precisava de um homem de
honestidade impecável, a quem pudesse entregar o tesouro público.
Se não encontrasse esse homem, provavelmente toda a sua
administração estaria arruinada.
Reconheceu que Daniel era o homem de que ele precisava. A
espiritualidade de Daniel garantia que ele não seria subornado ou
comprado (v. 3). Diz-se hoje que todo homem tem seu preço; mas
não era assim com Daniel. O temor de Deus reinava em seu
coração e poder-se-ia confiar que ele seria inquestionavelmente leal
ao rei. Sua honestidade era indiscutível. Daniel possuía excelência
moral, um espírito de integridade e pureza. Os oficiais de conduta
deturpada precisavam encarar o fato de que havia uma barreira
insuperável entre eles e o abuso do dinheiro público. Daniel era
essa barreira.
Talvez alguns de vocês vivam no mundo dos negócios. Sabem
que homens poderosos, que desejam riquezas fáceis, podem ser
totalmente inescrupulosos em alcançá-las. Nada os detém. Não se
preocupam quando a realização de suas ambições significa a
destruição de concorrentes menores e honestos. Não há medida
que não empreguem para obterem lucros vultuosos. Não há fim
para a sua desumanidade e a sua insensibilidade, quando estas
servem aos seus próprios interesses.
De igual modo, os 120 sátrapas e os outros dois presidentes
resolveram acabar com Daniel (v. 4). Sabiam que jamais poderiam
acusá-lo quanto ao desempenho de seus deveres públicos. Não
haveria oportunidade. Daniel era tudo que deveria ser. Seu
testemunho no trabalho era irrepreensível (um exemplo a ser
seguido por todo o povo de Deus). Portanto, tinham de idealizar um
plano diferente. Um plano que deveria resolver o caso, de uma vez
por todas, e tirá-lo do caminho. Logo Daniel estaria fora de cena.
O raciocínio deles era mais ou menos o seguinte: a fidelidade de
Daniel a Dario ocorre porque, em primeiro lugar, Daniel é fiel a seu
Deus. Sua espiritualidade garante a sua integridade. Uma é a causa
da outra... Se pudermos colocá-lo em uma situação em que ele
tenha de escolher entre seu Deus e o rei, sem dúvida escolherá a
favor de seu Deus. Assim, cairá em desgraça perante o rei e será
morto.
Com essa lógica em sua mente, dirigiram todos os esforços na
elaboração de um plano para apanhar Daniel.
Uma pessoa que permanece firme, motivado por honestidade e
justiça, causa impressão. Inevitavelmente, essa pessoa incomoda
os outros, que chegam a odiá-la por isso. Os ímpios procuram
colocar os crentes em situação em que tenham de escolher entre
ser fiéis a Deus e perder tudo ou ficar com tudo e perder seu
brilhante testemunho.
Os meios usados pelos inimigos de Daniel foram bajulação e
mentiras. Esses foram os mesmos instrumentos utilizados pelo
diabo no jardim do Éden; e ainda hoje ele os utiliza. Satanás disse a
Eva que, ao desobedecerem a Deus, ela e seu marido se tornariam
deuses – bajulação! Assegurou-lhe que, se comesse o fruto
proibido, não morreria – mentiras! Sua tática continua sendo a
mesma, pois, em geral, é bem-sucedida.
As propostas que os invejosos fizeram ao rei devem, com
certeza, tê-lo bajulado. Foi-lhe sugerido que, por um período de 30
dias, seria visto como o representante terreno de qualquer deus que
existisse. Foi-lhe também sugerido que nenhuma súplica deveria ser
dirigida a qualquer deus, exceto por sua mediação. Nenhuma
religião seria banida ou declarada ilegal. As orações aos vários
deuses prosseguiriam como antes, porém todas as orações e
pedidos seriam apresentados por meio de Dario, e “todo homem
que... fizer petição a qualquer deus ou a qualquer homem e não a ti,
o rei, seja lançado na cova dos leões” (v. 7).
Sem dúvida, os sátrapas e presidentes deram a Dario muitas
razões boas para justificar a aprovação dessas medidas: seria um
elemento unificador no novo império; criaria respeito para com a
nova monarquia; estabeleceria a autoridade do rei em todos os
afazeres de seus súditos, etc. Outros tipos de argumentos podem
ter sido sugeridos a um rei vaidoso como razão suficiente para que
o decreto fosse promulgado.
Se o rei fosse um homem sábio, teria desconfiado imediatamente
de que havia algo errado. Mas a bajulação produz um efeito
surpreendente. Exalta o orgulho da pessoa e cega-a quanto aos
verdadeiros aspectos do assunto. Dario ouviu os seus mais altos
oficiais sugerindo que ele deveria, de fato, ser considerado um deus.
Essa sugestão fora extraída daquela que caracterizou muitos
impérios antigos – a deificação dos reis. A bajulação levou-o a não
perceber um detalhe importantíssimo. Por isso, as Escrituras, em
particular o livro de Provérbios, falam tão diretamente contra a
língua bajuladora!
Que detalhe o rei deixou de perceber? Devia ter notado que as
palavras de seus oficiais eram uma grande mentira. Disseram que
“todos os presidentes do reino... concordaram em que o rei
estabeleça um decreto”. Se isso era verdade, por que Daniel, o mais
excelente de seus presidentes, não estava presente quando fizeram
a sugestão? Se todos estavam de acordo com as propostas, por
que não foram apresentadas pelo principal deles? Esses
pensamentos deviam ter passado pela mente de Dario, mas,
aparentemente, não passaram. Logo depois, ele assinou o decreto,
que, conforme o costume medo-persa, tornou-se lei permanente.
Uma vez assinadas, as leis reais não poderiam ser mudadas. Se
tentasse mudá-las, Dario causaria uma revolta maciça em seu
império; ele não estava preparado para esse tipo de acontecimento,
tão cedo em seu reinado.
Já vimos como a ordem de Nabucodonosor, para que todos se
curvassem à sua imagem, trouxe conseqüências apenas para o
remanescente fiel. Agora nos deparamos com uma situação
semelhante. Todo o império medo-persa era constituído de
politeístas idólatras. Nada havia nesse novo decreto que inquietasse
qualquer deles. Sua religião continuaria sem alterações. Mas não
seria assim com Daniel. A lei de Deus o proibia de curvar os joelhos
diante de um homem e reconhecer qualquer outro mediador, senão
um mediador divinamente indicado. Não poderia agradar a seu
Deus e obedecer o decreto do rei.
O dilema era complicado. Se Daniel orasse a Jeová, como
sempre fizera, certamente incorreria na fúria do decreto real. Se não
continuasse sua prática costumeira de devoção a Deus, certamente
perderia sua espiritualidade e, conseqüentemente, sua integridade.
Precisava escolher entre continuar sendo um homem de Deus que
desagradaria ao rei e morreria ou um homem ímpio que viveria. De
qualquer modo, tudo indicava que os ímpios triunfariam, pois havia
apenas uma destas alternativas: ou não existiria mais qualquer
Daniel, ou existiria um Daniel que teria sacrificado seus princípios e
renunciado seu caráter íntegro. Parecia que os elaboradores da
trama não podiam perder.
DANIEL NA COVA DOS LEÕES
A segunda parte do capítulo inclui os versículos 10 a 17, e nós a
intitulamos de “Daniel na cova dos leões”.
Quando Daniel soube que o decreto irrevogável havia sido
assinado, o que fez ele?
Não fez o que a maioria de nós faria. Ficaríamos apavorados ou
reagiríamos dramaticamente de alguma outra maneira. Se um
decreto semelhante fosse promulgado hoje, a maioria de nós
correria às casas uns dos outros ou procuraríamos o aeroporto mais
próximo, na esperança de emigrar. Nosso coração se encheria com
o pior tipo de preocupação imaginável.
O que fez Daniel? Continuou realizando normalmente suas
atividades, “como costumava fazer” (v. 10). Permaneceu firme,
calmo e inalterado.
As circunstâncias certamente haviam mudado, mas não mudaram
o homem de Deus. Daniel tinha o hábito de orar três vezes ao dia.
Fazia isso perto das janelas de sua residência, abertas em direção a
Jerusalém. Estava no exílio há muito tempo, mas não esquecera a
cidade e o país de onde fora tomado. Nem havia esquecido a
promessa divina de restaurar a Israel e reconstruir Jerusalém.
Como Daniel podia ser tão público em suas orações? Nosso
Senhor não nos manda entrar em nosso quarto, fechar a porta e
orar secretamente ao nosso Pai celestial (Mt 6.6)?
Precisamos lembrar que Daniel era um importante servidor
público, em um império oriental. Os servos estariam cumprindo seus
deveres no interior da casa; é provável que Daniel não tivesse muita
privacidade. Era impossível manter em segredo as suas devoções.
E agora havia espiões por toda parte, deliberadamente atentos em
descobrir se ele continuava em suas devoções particulares, durante
o período do decreto. Suas devoções nunca foram pomposas, mas
também nunca foram um segredo. Desempenhar suas atividades
normalmente significava que sua vida devocional não podia se
tornar um segredo agora.
Três vezes ao dia, o homem de Deus se punha de joelhos e
orava, como sempre fizera. A ameaça de morte não significava que
deixaria de fazer o que era certo. O certo permanecia certo. As
circunstâncias podem mudar, mas os absolutos de Deus não. Como
enfatizamos antes, nossa responsabilidade é fazer o que é certo,
ainda que os céus caiam. As conseqüências estão nas mãos de
Deus.
Mas, como um homem idoso pôde continuar tão firme e mostrar
tanta coragem e fé?
Essas qualidades não surgem de repente na vida de alguém. Por
ter desenvolvido durante toda a vida o hábito de responder “Não!”
ao mal, Daniel pôde fazê-lo novamente em tempos tão
desesperadores.
Se quisermos a explicação do versículo 10, devemos ler
novamente o versículo 8 do capítulo 1. Esse versículo nos diz que
um rapaz de catorze anos “resolveu... firmemente não se
contaminar”. Em sua juventude, Daniel recusara praticar um mal
relativamente pequeno. Para quaisquer males que tenha enfrentado
nos anos seguintes, sua resposta foi uma recusa consistente.
Desenvolvera uma inflexível disciplina de responder “Não!” ao que
era errado.
Cada vez que dizemos “Não!” ao pecado, estamos mais aptos a
fazê-lo novamente. Cada vez que nos rendemos a ele, nossa
capacidade de resistir-lhe enfraquece.
Sugiro que a verdadeira cova dos leões era o quarto de Daniel.
Sabia que, se desobedecesse a ordem do rei, seria estraçalhado
por animais selvagens e perderia sua vida, mas não o seu
testemunho. Como notamos antes, o diabo prefere que
preservemos nossa vida e percamos nosso testemunho.
Portanto, é certo que, ao ajoelhar-se para orar, Daniel era tentado
pelo diabo. Podemos facilmente imaginar o que se passou em sua
mente: “Por que não facilitar as coisas? Veja a sua posição e os
privilégios que goza. Pense na influência que continuará exercendo,
se mantiver o seu status. Assegure o seu futuro; não ore a Deus
durante os próximos trinta dias. Por que sacrificar seu futuro de
longo prazo no altar de uma alegria breve da oração? Ore
secretamente em seu coração, se quiser; mas, por que fazê-lo como
sempre o fez? Certamente você será notado e perderá tudo. É só
uma questão de princípios? Vale realmente a pena? Pelo menos,
você poderia orar onde nem os espiões, nem os servos pudessem
vê-lo. Por que criar um problema, ao ser visto orando? Afinal, após
trinta dias, o perigo terá passado, e você manterá suas devoções
exatamente como antes”.
Essa tentação pode ter vindo a Daniel pela manhã, ao meio-dia e
à noite. Ele deve ter escutado mil razões plausíveis para que
parasse o que estava fazendo. Quem pode dizer quão repetidas e
cansativas foram essas tentações diárias?
Há muitos crentes fortes que não podem ser derrubados por
tentações drásticas e súbitas, mas cuja resistência pode ser
arruinada. Prejudicar os santos do Altíssimo (Dn 7.25) é uma das
táticas do Maligno. Ele bem sabe que a água, pingando
constantemente, desgasta a pedra dura. Assim, muitas de suas
tentações não são violentas, mas sutis e suaves. Apresenta as
mesmas sugestões uma, duas, três ou mais vezes, até que estas
nos impressionem. Semeia a idéia de que determinado pecado
talvez não seja prejudicial e pode realmente ser útil. E, mau como é,
o Diabo pode preferir manifestar-se como um anjo de luz. Com
freqüência, a resistência de um crente desmorona diante dessas
abordagens, e o seu testemunho é arruinando.
Essa tática bem experimentada foi totalmente infrutífera com
Daniel. A pressão exercida por essa tentação diária foi a verdadeira
prova de Daniel, foi a sua cova de leões. Mas, em cada ocasião, ele
dizia “Não!”, punha-se de joelhos “e orava, e dava graças, diante do
seu Deus, como costumava fazer” (v. 10).
Os espiões viram uma firmeza inquebrantável em Daniel. Nada o
havia mudado, era o mesmo; estava tão firme como sempre.
Certamente devemos concordar que sua inflexível recusa em ser
intimidado por ameaças ou entregar-se às habilidosas sugestões do
Diabo eram um milagre maior do que seu livramento posterior da
boca dos leões.
Quando se tornou evidente que Daniel não obedecia ao decreto
do rei, os que tramavam contra ele apressaram os acontecimentos
que levariam à sua execução. O primeiro passo deles foi denunciá-
lo ao rei (v. 12). Ao fazerem isso, nada mencionaram sobre a sua
integridade notória. Não foi dita nem uma palavra elogiando sua
honestidade ou expressando quão bem havia cumprido suas
responsabilidades em sua atual função. Ao contrário, os
conspiradores lembraram ao rei que Daniel não era mais do que um
exilado cativo, insinuando deslealdade e infidelidade política. Esse
preconceito e falta de justiça é característico do modo como as
pessoas más agem.
Daniel profetizara a Nabucodonosor que o reino posterior ao seu
seria mais fraco (Dn 2.39). Os eventos que seguem mostram quão
verdadeira era essa profecia. Nabucodonosor havia sido um
monarca absoluto, mas agora vemos o rei Dario preso na teia de
suas próprias leis, sendo manipulado por seus cortesãos e
conselheiros. O rei do império se tornou um tolo!
Assinou algo a respeito do que não pensara seriamente. Estava
agora experimentando o remorso, mas nada podia fazer. Seu dilema
era terrível. Sua própria lei condenara Daniel, porém, em seu
coração, desejava salvá-lo. Em sua própria estupidez, assinara um
decreto que condenou o homem de Deus. No entanto, agora seu
desejo pessoal mais profundo era salvá-lo. Durante todo o dia,
tentou encontrar na lei uma brecha pela qual a vida de Daniel
pudesse ser poupada, mas foi asperamente lembrado pelos
conspiradores que não podia voltar atrás em seu decreto. Os ímpios
estavam dando as cartas e triunfando.
Muitos que têm escrito sobre o livro de Daniel pedem-nos que
façamos uma pausa neste ponto e consideremos “outra Lei e outro
Amor” (Gaebelein). Havia uma lei justa que nos condenava. Mas
Aquele que a estabeleceu ansiava salvar-nos, com um coração
repleto de amor.
A sabedoria divina resolveu o dilema enviando o Senhor Jesus
Cristo ao mundo. As exigências da lei divina foram satisfeitas por
Ele, em nosso lugar – tanto a exigência de cumpri-la como a de
suportar o castigo por nós, visto que a transgredimos. Deus resolveu
o dilema por meio da vida, da morte e da ressurreição de seu Filho.
Mas não havia solução para o problema do rei Dario. Nesta
situação, ele nada mais é do que um rei fraco e incapaz, que
publicara um decreto impensado e estava a lamentar sua própria
estupidez. Manifesta profunda tristeza ao enviar Daniel à cova dos
leões, expressando sua esperança de que Deus intervenha para
livrá-lo. Seu coração sente repugnância pela lei que fizera. Mas
ainda será testemunha de grande ironia. Um selo é posto na entrada
da cova dos leões, para demonstrar a todos que Daniel fora
colocado ali pela autoridade do rei e qualquer tentativa de soltá-lo
seria um ato de traição e rebeldia à palavra do rei.
Sem dúvida, os conspiradores se regozijaram ao voltar para casa,
mas não o rei. Diante dele estava uma noite de insônia. Não
desejou qualquer alimento e sabia não haver música capaz de fazê-
lo esquecer a insensatez de suas ações. Todos os seus
pensamentos diziam respeito ao seu querido e fiel amigo Daniel,
fechado na cova dos leões.
Daniel achava-se em grande perigo físico; contudo, devemos
lembrar, não estava em qualquer perigo espiritual. Havia enfrentado
as tentações do Maligno e escapado inteiramente de suas garras.
Satanás não tivera qualquer influência sobre Daniel. Não obteve
qualquer vitória e não conseguiu, em nenhum aspecto, ter Daniel
sob seu poder. “Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós”, afirmam as
Escrituras (Tg 4.7). Daniel provara a verdade dessas palavras, antes
mesmo que fossem escritas. Sua integridade e espiritualidade
permaneceram inalteradas e intactas. Todos nós precisamos imitar
seu exemplo.
O único modo de escapar do Diabo é enfrentá-lo com
determinação. Não há outra maneira de evitarmos suas garras e
permanecermos livres do seu poder: “Resisti-lhe firmes na fé” (1 Pe
5.9). Ao dizer “Não!” à tentação, Daniel forçou o Diabo a deixá-lo. É
verdade que estava na cova dos leões, mas ali não precisava tolerar
a companhia de Satanás. Como veremos em seguida, a companhia
de Daniel era muito melhor!

O LIVRAMENTO DE DANIEL E O RESULTADO FINAL


O restante deste capítulo, a partir do versículo 18, nos conta a
grande história do livramento de Daniel e o resultado final.
Após uma noite sem dormir, Dario volta à cova dos leões, logo ao
romper da manhã. Havia uma abertura no topo da cova, para que os
espectadores pudessem ver o que se passava lá embaixo. Através
dessa abertura, Dario grita com lamento e voz cheia de ansiedade:
“Dar-se-ia o caso que o teu Deus, a quem tu continuamente serves,
tenha podido livrar-te dos leões?” (v. 20). Ele não esperava qualquer
resposta; esperava apenas ver o que restara do servo de Deus, que
morrera de modo horrível durante a noite.
“Ó rei, vive eternamente!”, responde-lhe uma voz firme, que o rei
não esperava ouvir novamente. A voz do homem que todos
pensavam haver morrido responde com cortesia, desejando vida ao
rei!
Quão transbordante alegria Dario ouviu a resposta! “O meu Deus
enviou o seu anjo e fechou a boca aos leões, para que não me
fizessem dano, porque foi achada em mim inocência diante dele;
também contra ti, ó rei, não cometi delito algum” (v. 22).
Naquela noite, Satanás não incomodou Daniel, porque este lhe
havia resistido. Daniel teve a companhia do Senhor Jesus Cristo! O
Anjo do Senhor, que guiou Jacó através de sua longa vida, o Anjo
que andou com Sadraque, Mesaque e Abede-Nego na fornalha
ardente – este mesmo Anjo abençoou Daniel, permanecendo ao seu
lado durante aquela noite. Aquele que, anos depois, mostraria sua
autoridade sobre os ventos e as ondas do mar demonstrara naquela
noite sua autoridade sobre os leões, restringido todos os seus
instintos naturais, para não matarem brutalmente a vítima que lhes
fora apresentada!
Dario não pôde esperar até que o selo fosse retirado. Desceram
cordas imediatamente, e Daniel foi erguido para fora. Ao sair,
examinaram-no meticulosamente. Não havia sequer um arranhão!
Tampouco Daniel se mostrava apavorado!
Uma vez mais, Deus livrou seu servo em meio à dificuldade e não
da dificuldade, como o fez com os jovens na fornalha ardente.
Aconteceu o mesmo com o apóstolo Paulo. Que lista de sofrimentos
ele nos mostra em 2 Coríntios 11.23-33! Porém, no contexto de
sofrimento, Paulo estava persuadido de que nada poderia separá-lo
de seu Salvador (Rm 8.35-39). Esta será também a nossa
experiência. Todos que querem manter vidas cristãs fiéis a Deus
podem ter certeza de que serão perseguidos (2 Tm 3.12). Não é
correto afirmar que Deus se encarrega de nos livrar de dificuldades
e de experiências dolorosas e apavorantes. No entanto, é verdade
que Ele nos livrará na dificuldade, até no martírio. Em todas as
situações que enfrentarmos, Cristo estará ao nosso lado. E não há
sofrimento, ainda que seja o martírio, do qual não saiamos vivos!
Os ímpios não têm estas consolações para proteger-lhes o
coração. Esta verdade é enfatizada pelo versículo 24 – um versículo
terrível. Os conspiradores são lançados à sua condenação e, de
acordo com o costume persa, também suas mulheres e crianças. É
uma cena horrível!
As Escrituras não dizem que isso foi ordenado por Deus; foi a
ordem de um rei não-convertido. A Palavra de Deus não o aprova,
mas registra o fato. Logo que os conspiradores perversos e suas
pobres mulheres e crianças foram jogados na cova, foram
devorados pela ferocidade dos leões. Essa cena terrível deve nos
entristecer. Também deve servir para enfatizar, em nossa mente,
quão miraculoso foi o livramento de Daniel naquela mesma cova.
Deus o realizou!
Dario foi levado a reconhecer isso, como se torna evidente do
decreto registrado no final do capítulo. Escrevendo a todos os povos
de seu reino, Dario confessa que Deus é o grande Deus, embora, à
semelhança de Nabucodonosor após o acontecimento da fornalha
ardente, não O confesse como o único Deus.
A cegueira espiritual é algo que nos causa admiração. Uma
pessoa pode chegar a perceber que Deus é grande, que seu
domínio é eterno e seu reino não terá fim. Pode ser levada a temer
e a tremer perante o Deus que ela reconhece permanecer para
sempre. Pode, de fato, reconhecer que este Deus faz o que Lhe
agrada, tanto no céu como na terra. Mas, apesar disso, tal pessoa
pode deixar de compreender que Ele é o único Deus. Pode até viver
e morrer sem qualquer aliança pessoal com Ele. Isso foi o que
aconteceu com Dario.
Então, Dario saiu do cenário da história. O rei medo foi
substituído por Ciro, o persa (v. 28). Assim como os impérios, reis
surgem e desaparecem, mas o remanescente permanece. Essa é a
principal lição deste capítulo e não deveria jamais deixar de animar-
nos e encorajar-nos.
E se o sal vier a perder o sabor? Até em nossos dias o
remanescente é colocado em situações em que tem de escolher
entre agradar o seu Deus e satisfazer os outros. Dizem-lhes que
somente agradando os outros têm esperança de sobreviver; mas, se
agirem deste modo, sabem que perderão o brilho de seu
testemunho. O remanescente, que nos dá seu testemunho nesta
passagem da Escritura, certamente viveria um pouco mais; todavia,
a sua piedade, que o identificava como remanescente,
desapareceria. Se o testemunho de Deus deve ser mantido no
mundo, é essencial que o remanescente não pense em sua
sobrevivência física, mas apenas em sua pureza espiritual.
A preocupação pela pureza espiritual – uma recusa consistente
em praticar qualquer mal – torna a cova dos leões uma certeza para
os que são fiéis ao Senhor. Mas estes podem estar certos de que ali
desfrutarão da comunhão com Cristo e de que seu poder
assegurará a sobrevivência física de tantos quantos forem
necessários para manter seu testemunho. De qualquer modo,
embora tenham de enfrentar o martírio, todos os fiéis podem estar
seguros de que sairão vivos de suas tribulações!
Um dia, os ímpios terão de entrar na cova. Não será a cova da
malícia de um conspirador, e sim a cova da justa indignação de
Deus. Quando os ímpios entrarem lá, irão sozinhos. Nada saberão a
respeito da presença e do resgate divino. O castigo deles será para
sempre... sempre... sempre...
Que grande diferença existe entre o crente e o incrédulo! O
incrédulo prefere os eternos sofrimentos do inferno a suportar
perseguição por Cristo e seu evangelho na vida presente. Ao
contrário, o crente considera a comunhão com Deus a coisa mais
preciosa no mundo. Prefere gozar dessa comunhão a viver e afirma
constantemente: “Tenho por certo que os sofrimentos do tempo
presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada
em nós” (Rm 8.18).
8 | Um intervalo

Antes de prosseguirmos aos próximos seis capítulos de Daniel, é


necessário um pequeno intervalo. Precisamos olhar estes seis
capítulos como um todo. Depois, estaremos em condições de
examiná-los um a um.

APOCALÍPTICO
Isto se deve ao fato que a segunda parte do livro de Daniel é bem
diferente da primeira. A diferença mais óbvia é a mudança de estilo.
Os primeiros seis capítulos foram narrativos e históricos e, portanto,
fáceis de considerar. Os próximos seis capítulos são principalmente
apocalípticos.
O que é isso? É um tipo singular de literatura judaica, da qual os
seis últimos capítulos de Daniel são o exemplo mais antigo. Grande
quantidade dessa literatura foi produzida pelos judeus entre 200
a.C. e 100 d.C. Esses livros não foram divinamente inspirados e,
portanto, não se encontram em nossa Bíblia. Mas há passagens
apocalípticas em diversos dos profetas; bons exemplos são Isaías
24 a 27, Joel e Zacarias 9 a 14. Os exemplos do Novo Testamento
são o discurso de nosso Senhor no monte das Oliveiras (Mateus 24)
e, de modo especial, o livro de Apocalipse.
A maior parte da literatura apocalíptica foi escrita para encorajar
os fiéis em tempos de perseguição. Seus principais temas são
sempre os mesmos: o crescimento do mal, o cuidado de Deus por
seu povo e a segurança de que o mal não prevalecerá. A única
coisa de duração eterna é o reino de Deus.
Todos os escritos apocalípticos afirmam ser revelações de Deus,
dadas de modo extraordinário, em geral por meio de visões e
sonhos. Foi assim que surgiram os primeiros textos apocalípticos. E
não nos surpreende o fato de que essa afirmação seja atribuída
também aos livros não-inspirados. Todos, em maior ou menor grau,
são baseados nos admiráveis capítulos que estudaremos agora.
A característica mais notável da literatura apocalíptica é seu
simbolismo. Em Daniel 7 a 12, o futuro curso da História será
delineado pelo profeta, por meio de números, animais e chifres. A
linguagem é misteriosa. De fato, às vezes é quase grotesca. Mas,
quando tentados a pensar que é desnecessariamente extravagante,
devemos apenas lembrar que sua linguagem é simples e modesta,
se a compararmos com os falsos apocalipses de anos posteriores.
Nestes, a linguagem é quase ininteligível, e os autores anônimos
utilizaram todos os tipos de animais em suas supostas visões. A
Palavra de Deus está livre desses extremos fantasiosos.
A literatura apocalíptica é a História escrita sob o disfarce de
profecia. Naturalmente, no caso de textos apocalípticos das
Escrituras, a História é genuinamente profética. Os eventos foram
registrados antes de acontecer. Os escritos apocalípticos que não
se encontram na Bíblia são diferentes. Os eventos já haviam
acontecido quando os autores escreveram; estes apenas
registraram o passado. Então anexaram o nome de um autor que
havia morrido há muito tempo e se esforçaram para que tal escrito
fosse aceito como profecia genuína. Mas ninguém era enganado por
muito tempo. Os únicos escritos apocalípticos que não foram
posteriormente demonstrados como falsos são os que estão nas
páginas da Bíblia. Isso é mais uma demonstração de que a Palavra
de Deus tem origem celestial, sendo inteiramente distinta das meras
invenções humanas.
Chegamos, então, aos capítulos que profetizam tribulações
futuras aos fiéis. Eles sempre viverão em um mundo hostil e
perseguidor, mas não precisam desanimar. Deus é o Senhor da
História. Todos os eventos estão consumando firmemente os seus
propósitos. No tempo oportuno, Ele aniquilará o domínio do mal e
estabelecerá o seu reino eterno.

PROPÓSITO
Com isso em mente, o propósito geral dos capítulos 7 a 12 já
deve estar claro para nós. Pessoas que permanecem firmes,
sozinhas, por amor a Deus, necessitam de encorajamento. Não é
suficiente que saibam como permanecer firmes; também precisam
saber por que vale a pena manter essa atitude. Isso fica claro
quando o crente é informado sobre o futuro da história mundial e
adquire alguma compreensão do desenrolar do plano de Deus na
História.
Afinal de contas, os capítulos que estudaremos tiveram um efeito
maravilhoso sobre o próprio Daniel. Por exemplo, no capítulo 5
vemo-lo completamente sozinho na corte blasfema de Belsazar,
profetizando tanto a morte iminente do rei como a tomada imediata
do império babilônio pelos medos e persas. Quem pode imaginar a
coragem necessária para anunciar tais coisas? Onde Daniel obteve
forças para fazê-lo? Por que ele julgou que deveria dizer a verdade,
embora isso significasse perder a própria vida?
Compreenderemos a resposta quando tivermos lido os capítulos
7 e 8. O capítulo 7 registra um sonho; o capítulo 8, uma visão. O
sonho profetizava a ascensão e a queda dos impérios apresentados
no sonho de Nabucodonosor (capítulo 2). Daniel chegou à
compreensão de que a história humana é dirigida por uma corte
celestial, que decreta que somente o reino do Senhor Jesus Cristo
permanecerá eternamente. A visão que seguiu o sonho se referia a
um futuro imediato. Enfatizava que o império medo-persa, o qual
estava próximo, daria lugar ao império grego; deste se levantaria um
terrível perseguidor do povo de Deus, mas Deus o aniquilaria, no
auge de sua influência.
Daniel viu tudo isso antes mesmo de entrar no palácio de
Belsazar naquela noite sinistra. Por duas vezes, Daniel fora
lembrado de que todos os eventos na história humana servem
apenas para cumprir os propósitos divinos. Deus decretara que ao
império babilônio seguir-se-ia o medo-persa. Por que, então, ter
receio de revelar esse fato a Belsazar? Por duas vezes, Daniel
havia sido lembrado de que o mal jamais poderá vencer. Por que,
então, temer resistir-lhe? As visões dos capítulos 7 e 8 lhe
mostraram que vale a pena permanecer firme por amor a Deus.
As revelações dadas no capítulo 9 produziram o mesmo
resultado. Foram dadas pelo anjo Gabriel, no primeiro ano do
reinado de Dario, numa ocasião em que Daniel orava. Seria a
oração do capítulo 9 uma das que Daniel proferiu durante as
provações registradas no capítulo 6? De qualquer modo, esse
capítulo nos revela algo a respeito do conteúdo das orações do
profeta, trazendo mais informação sobre por que suas janelas eram
abertas em direção a Jerusalém.
Como resultado das revelações trazidas pelo anjo, Daniel se
tornou plenamente informado de que os judeus retornariam à
Palestina, reconstruiriam Jerusalém e testemunhariam a chegada do
Messias. Havia um futuro para o povo de Deus. Deveria ele
envergonhar-se de pertencer a esse povo? Não deveria, antes,
deixar evidente que estava do lado de Deus, ainda que significasse
perder a própria vida? O mal não tem futuro; então, por que capitular
diante dele?
Havia também uma outra consideração. A experiência de Daniel
no capítulo 9 mostrou-lhe que Deus responde à oração, às vezes
até por meio de visitações angelicais. Se uma oração pode ser
ouvida em um quarto de dormir, por que não em uma cova de
leões? Não poderia um anjo vir com a mesma facilidade à cova dos
leões? Foi precisamente o que aconteceu.
E sobre os capítulos 10 a 12? Eles constituem uma única visão,
recebida quando Daniel já tinha pelo menos oitenta e seis anos.
Podemos ver como os escritos dos capítulos 7 a 9 o ajudaram
quando, sozinho, teve de permanecer firme. Porém, qual foi o efeito
prático dessa última visão? Veio no tempo em que o profeta se
aproximava do final de sua vida.
Muitos crentes idosos e maduros são, às vezes, perseguidos por
dúvidas. O diabo não deixa de nos tentar somente porque nos
tornamos idosos! É possível que o piedoso Daniel tenha passado
por essa experiência? Será que ele indagou a si mesmo se valera a
pena viver toda a sua vida como um “homem diferente”? Teria
desperdiçado seu tempo permanecendo firme, sozinho? Não teria
sido melhor comprometer-se com o pecado?
Embora, em sua mente, Daniel tivesse concebido tais
pensamentos, a visão final, registrada nos capítulos 10 a 12, os
teriam dissipado rapidamente. Nesta, ele viu não apenas alguns dos
anjos santos, mas o próprio Filho de Deus. Viu também, com nova
ênfase, que a história humana é governada por Deus até o seu final.
A visão continha uma profecia detalhada da história do império
grego e, muito especialmente, da carreira ímpia de Antíoco Epifânio.
Daniel sabia que após sua morte o povo de Deus enfrentaria
indescritível perseguição, não apenas de Antíoco, mas também do
Anticristo, durante os últimos eventos da história do mundo.
Igualmente, Daniel percebeu que o princípio de Deus é destruir o
mal quando ele está no auge. O mal vencerá muitas batalhas,
porém jamais ganhará a guerra, jamais triunfará. Deus é Deus e não
pode ser derrotado. Somente aqueles que têm sido fiéis a Ele
experimentarão uma ressurreição gloriosa e um descanso eterno.
Sendo isso verdade, como poderia Daniel sentir qualquer
remorso por haver trilhado um caminho tão solitário, por tão longo
tempo?
O efeito das visões finais em Daniel tem sido o mesmo para
incontáveis leitores desde aquela época. Vez após vez, muitos
homens e mulheres têm testemunhado que dos primeiros seis
capítulos aprenderam como permanecer firmes por amor a Deus,
mas foi através dos seis capítulos seguintes que aprenderam o
motivo para ser fiel. Um antigo exemplo dessa motivação
encontramos nos judeus fiéis, perseguidos durante o reinado de
Antíoco Epifânio (175–164 a.C.). Durante os anos mais difíceis da
perseguição, o livro de Daniel foi o principal conforto deles; centenas
de cópias secretas foram produzidas e amplamente distribuídas.
Não há dúvidas de que o encorajamento oferecido pelo livro de
Daniel foi a principal razão por que tantos deles não se renderam ao
poder do mal. Como poderiam? Com base nestas visões proféticas,
sabiam que, assim como todo o mal, Antíoco estava condenado.
Muitas gerações se passaram desde então, mas em todo o
mundo os crentes ainda têm de permanecer firmes por amor a
Deus. Talvez você esteja sozinho e precise permanecer fiel em
casa, na escola, na universidade ou no trabalho. Se você se
encontra nesta circunstância, é provável que perguntas surjam com
freqüência em sua mente. Muitas vezes você poderá perguntar:
“Onde vai terminar tudo isto? Todos ao meu redor parecem viver
como se Deus, Cristo e a Bíblia não existissem e como se não
houvesse morte ou julgamento. Quando acabará tudo isto?”
Ocasionalmente, chegamos a dizer: há alguma razão para
continuar? Aqui estou eu, procurando viver de modo fiel a Deus,
porém tudo o que consigo são maus tratos. Em cada esquina,
parece haver uma fornalha ardente ou uma cova de leões. Não
importa o que faça ou quão bem eu viva, minha vida parece ser de
constante tribulação. Há razão para continuar firme, como uma
minoria perseguida?
Graças a Deus, vale a pena continuar! Os próximos seis capítulos
nos convencerão disto e nos mostrarão o motivo. Este é o seu
propósito.

CONTEÚDO E INTERPRETAÇÕES
Devemos ter aprendido, da seção anterior, que estes seis
capítulos finais não se apresentam como seis assuntos diferentes a
serem considerados, e sim como três assuntos.
Os capítulos 7 e 8 são dois aspectos do primeiro assunto. O
capítulo 7 é a visão de quatro grandes animais que se levantam do
mar. Os primeiros três são facilmente reconhecidos como um leão,
um urso e um leopardo. Mas o quarto é indescritível e tem dez
chifres. No entanto, logo é esquecido, e a narrativa focaliza-se em
um décimo primeiro chifre, que surge depois dos outros e destrói
alguns deles. Este não é o único foco do capítulo. Em sua visão,
Daniel também contempla a corte celestial que governa a história,
assegurando-lhe que ninguém, exceto Aquele cuja aparência era
“como o Filho do Homem”, governará para sempre.
O que significa tudo isso? Felizmente, o livro de Daniel é auto-
interpretativo e jamais nos deixa na ignorância quanto ao significado
do que está relatando, embora muitos detalhes não sejam claros.
Neste caso, há um paralelo óbvio entre as quatro partes da imagem
do sonho de Nabucodonosor (capítulo 2) e os quatro animais que
sucedem um ao outro (capítulo 7). Ambos ocupam o espaço de
tempo entre o império babilônio e o estabelecimento do reino de
Cristo; os outros impérios situam-se entre esses dois marcos. Não
achamos o capítulo 2 difícil de entender, e o capítulo 7 não é mais
complexo do que ele, exceto quanto aos dez chifres e ao décimo
primeiro, que são características novas.
O outro aspecto desse primeiro assunto é o capítulo 8. Este é
uma visão sobre um carneiro com dois chifres (identificado
especificamente como a Medo-Pérsia), derrotado por um bode do
Ocidente (identificado especificamente como a Grécia). A visão não
vai além do império grego, parando e se concentrando em um
“chifre pequeno”, que surge do bode. Esse “chifre pequeno”, do
capítulo 8, não deve ser confundido com o do capítulo anterior, pois
não emerge do quarto império, e sim de uma divisão do terceiro.
Veremos que se refere a Antíoco Epifânio e verificaremos por que a
mesma terminologia é aplicada tanto a ele quanto à figura
profetizada no capítulo 7.
Nosso segundo assunto é o capítulo 9. Veremos ali que,
enquanto Daniel examinava as Escrituras, descobriu na profecia de
Jeremias que o exílio babilônio duraria 70 anos e calculou que o
tempo estava quase esgotado. Portanto, começou a suplicar a
misericórdia de Deus para os judeus, tendo em vista o seu retorno à
Palestina. Antes de findar sua oração, recebeu a visita do anjo
Gabriel, assegurando-lhe que os judeus realmente voltariam,
reconstruiriam Jerusalém e, no tempo oportuno, testemunhariam a
vinda do Messias.
Para os eventos profetizados, Gabriel forneceu um calendário de
“setenta semanas”. Através dos anos, tem havido considerável
desacordo quanto ao que Gabriel queria realmente dizer, e os
últimos quatro versículos do capítulo 9 são corretamente vistos
como os mais difíceis de todo o livro. Isso tem levado algumas
pessoas a manterem-se afastadas desse capítulo, tornando-se
relutantes em estudar qualquer parte dele. Não adotaremos tal
atitude, mas teremos cuidado de não sugerir que temos solucionado
todos os problemas apresentados por aqueles versículos.
Isso nos traz ao nosso terceiro e último assunto, os capítulos 10 a
12. Estes contêm uma longa visão que Daniel recebeu quando já
idoso. O capítulo 10 introduz a visão, relatando-nos as
circunstâncias em que foi dada. Aprenderemos que essa revelação
final veio do próprio Senhor Jesus Cristo! O velho profeta tinha de
ser sobrenaturalmente fortalecido para recebê-la.
Inicialmente, a visão coincide em parte com a do capítulo 8.
Explica que o império grego sucederia ao da Pérsia. A profecia se
torna mais e mais detalhada à medida em que prossegue. Traça a
ascensão e queda de Alexandre, o Grande, e o relacionamento
entre as duas divisões ocidentais, que surgiram após sua morte. E,
novamente, nossos olhos são levados a focalizar a carreira de
Antíoco Epifânio e as atrocidades que ele cometeria contra o povo
de Deus. Mas, prosseguindo no estudo, logo nos deparamos com
alguém semelhante a ele, um arquiinimigo do povo de Deus, que, no
final dos tempos, ocupará o centro da história mundial. Por fim,
chegamos a compreender plenamente por que tanto Antíoco como
esse novo personagem podem ser mencionados ao mesmo tempo.
Um prefigura o outro, e, como vimos nos capítulos 7 e 8, ambos
podem ser descritos como o “chifre pequeno”.
Mas não concluímos o livro aterrorizados com o poder do mal.
Somos assegurados de que seu poder será finalmente aniquilado, e
aqueles que têm sido fiéis a Deus experimentarão, com certeza,
uma bem-aventurada ressurreição e a glória eterna. As últimas
palavras são uma exortação a Daniel, para que ele continue em seu
viver espiritual. Teremos entendido suficientemente bem os
capítulos proféticos se nos trouxerem à mesma conclusão prática.
9 | A visão dos quatro animais

LEIA DANIEL 7

Chegamos à visão dos quatro animais. Não precisamos ficar


desanimados se não pudermos decifrar cada detalhe, pois veremos
que o assunto principal do capítulo é bastante claro, e sua lição
central é óbvia demais para não ser percebida. A análise do capítulo
7 revigora a fé. Nenhum cristão deixará de ser fortalecido ao estudá-
lo, e muitos o acham totalmente empolgante.

O QUE DANIEL VIU


Primeiramente, consideremos o que Daniel viu. Isso se encontra
na primeira metade do capítulo 7, nos versículos 1 a 14.
Os eventos do capítulo 6 aconteceram durante o reinado de
Dario, o medo. No entanto, os do capítulo 7 ocorreram antes, no
primeiro ano de Belsazar (v. 1), quando o império babilônio ainda
existia.
Dormindo em seu leito, à noite, Daniel teve um sonho. Em muitas
ocasiões esquecemos nossos sonhos logo que acordamos,
enquanto em outras ocasiões nós os lembramos por todo o dia e, às
vezes, por meses depois. Quando Daniel acordou, escreveu o
sonho (v. 1). Deixou fora os detalhes secundários, mas registrou o
conteúdo principal, “a suma de todas as coisas”.
O sonho começa com quatro ventos (do norte, sul, leste e oeste),
todos soprando ao mesmo tempo sobre o oceano e agitando-o. Este
oceano significa a humanidade, pois o que emerge dele é algo que
emerge da humanidade. Isso é claro no versículo 17.
Do mar tempestuoso surgem quatro animais que se sucedem,
cada um bem diferente dos outros. O primeiro é descrito no
versículo 4: “Era como leão e tinha asas como de águia; enquanto
eu olhava, foram-lhe arrancadas as asas, foi levantado da terra e
posto em dois pés, como homem; e lhe foi dada mente de homem”.
Este primeiro animal corresponde à cabeça de ouro do capítulo 2
e refere-se à Babilônia nos dias de Nabucodonosor. O símbolo de
um leão com asas é bem conhecido nas escavações de Babilônia.
Como sabemos do capítulo 4, uma grande mudança sobreveio ao
império babilônio. Iniciou com um caráter semelhante ao de um
animal, mas, antes de seu fim, tornou-se inegavelmente
humanitário. Próximo de seu final, mostrou-se como um reino muito
mais compassivo.
A causa dessa mudança foi a conversão de Nabucodonosor.
Apesar disso, à medida em que Babilônia se tornou mais
compassiva, também perdeu grande parte de seu poder. Não podia
mais voar sobre toda a terra, como uma ave de rapina,
conquistando quem desejasse. Um coração muito mais humano
pulsava em seu íntimo. Sem dúvida, Babilônia é o primeiro animal
da visão.
Este é seguido por um segundo animal procedente do oceano e
descrito no versículo 5: “Eis aqui o segundo animal, semelhante a
um urso, o qual se levantou sobre um dos seus lados; na boca,
entre os dentes, trazia três costelas; e lhe diziam: Levanta-te,
devora muita carne”.
A figura é a de um urso com duas de suas pernas de um lado
levantadas do chão. É uma postura desajeitada, mas significa que o
animal estava pronto para avançar. É o império dos medos e persas,
correspondendo à segunda parte da visão do capítulo 2. Quando
Daniel teve este sonho, no primeiro ano do reinado de Belsazar, o
império medo-persa estava quase entrando em cena.
Francamente, não sei o que significam as três costelas na boca
do urso. Estamos em uma parte simbólica do livro e precisamos
admitir a possibilidade de os números serem símbolos: não
precisam necessariamente ser interpretados como números em
sentido literal. Mas a figura é clara. O urso tem um insaciável desejo
de devorar; e isso era certamente uma característica do império
medo-persa, por ocasião da visão. Estava faminto por conquistas.
Se as três costelas se referem a alguma coisa, deve ser aos três
impérios conquistados pelos medo-persas – isto é, Babilônia, Lídia e
Egito.
Daniel viu dois impérios mundiais consecutivos. Enquanto
continuava olhando, um terceiro animal emerge do oceano: “Eis aqui
outro, semelhante a um leopardo, e tinha nas costas quatro asas de
ave; tinha também este animal quatro cabeças, e foi-lhe dado
domínio” (v. 6).
Deparamo-nos agora com um leopardo que possuía quatro asas.
Essas coisas acontecem em sonhos! O leopardo é duas vezes mais
veloz do que o leão que surgiu primeiro. Quatro cabeças
acompanham as quatro asas.
No simbolismo bíblico, o número quatro fala do mundo. A maneira
como as Escrituras falam dos quatro ventos e dos quatro cantos da
terra atesta esse fato. Diante de nós agora temos um reino que
conquista rapidamente o mundo. Isto se refere à expansão rápida
do império grego sob Alexandre, o Grande. Como poderíamos
esperar, o terceiro animal corresponde ao terceiro reino da visão de
Nabucodonosor, no capítulo 2. Primeiramente, tivemos Babilônia,
depois, os medos e persas, e agora, a Grécia, com suas conquistas
rápidas.
E o quarto animal descrito no versículo 7? É um leão? Ou um
urso? Ou um leopardo? Nenhum deles. E como ele é não podemos
dizer – ele é indescritível.
Esse monstro esbraveja, conquista, esmaga, pisoteia. É
totalmente diferente dos animais que lhe antecederam. A referência
ao ferro mostra claramente que esse quarto animal é idêntico à
quarta parte da imagem mencionada no capítulo 2. É o grande
império de Roma. Temos aqui os mesmos reinos de antes e na
mesma ordem. O último deles é a odiosa Roma.
Não devemos esquecer que tudo que foi registrado neste capítulo
integra o sonho do profeta. Todos os seus detalhes são símbolos.
Devemos ter o cuidado de guardar isso em mente, enquanto
estudamos o que acontece em seguida. Daniel vê três fases na
história do quarto animal. No final do versículo 7 e no versículo 8, vê
o próprio animal. Somente depois de a atenção de Daniel ser
atraída à força estupenda e ao poder esmagador do animal, somos
informados sobre seus dez chifres.
Os dez chifres representam um estágio posterior na história
desse império. Sabemos disso porque o versículo 24 afirma,
especificamente, que os dez chifres saíram desse reino.
Na Bíblia, chifre simboliza poder. Dez é quase certamente um
número simbólico. É difícil insistir em entendê-lo literalmente,
quando todos os outros detalhes registrados não devem,
evidentemente, ser entendidos desta maneira.
Se desejar, não concorde com a interpretação que apresento em
seguida; mas não discorde da importante lição que aprenderemos
dela.
Conforme entendo, a visão profetiza que, sucedendo o império
romano e surgindo dele, haveria uma multiplicidade de reinos.
Nenhum deles poderia surgir sem Roma, mas nenhum deles seria
Roma. Por exemplo, a Europa moderna, tal como a conhecemos
hoje, deve sua existência a Roma; no entanto, não é uma
continuação do império romano. A visão ensina que uma
multiplicidade de domínios surgiria de Roma. Dez significa
simplesmente inteireza e não deve ser forçado a ter outro
significado. É um número completo. Os que insistem em interpretá-
lo literalmente encontram-se em terrível dificuldade. Não podem
identificar os reinos envolvidos, visto que a Palavra de Deus não nos
fornece o menor indício a respeito de quais reinos seriam eles. Tais
intérpretes são deixados à mercê de suas próprias especulações e
precisam recorrer à adivinhações. Pensamos estar em terreno mais
firme, quando dizemos apenas que uma multiplicidade de poderes
políticos surgiria de Roma e deveriam algo a ela.
No entanto, depois de Roma e dos dez reinos que lhe seguiriam,
vem uma terceira etapa da história. É o período do chifre pequeno,
referido no versículo 8. Esse chifre pequeno é um undécimo chifre.
O versículo 24 nos conta dogmaticamente que ele segue os outros.
Se levanta dentre eles, remove alguns deles e prevalece.
Neste undécimo reino, o poder se concentra em um indivíduo.
Alguém pode pensar que esse indivíduo é sobrenatural, mas não é,
visto ser salientado que ele tem olhos de homem.
Este capítulo profetiza o surgimento de um poderoso
personagem, que parecerá sobrenatural, mas, de fato, será apenas
um homem. Falará “com insolência” (v. 8). Na Bíblia, esta expressão
se refere, consistentemente, a blasfêmias, palavras arrogantes e
afirmações de vanglória. Neste ponto da visão, o quarto animal sai
do foco, e nossa atenção é centralizada no chifre pequeno.
Estou convencido de que esse chifre pequeno é o mesmo
indivíduo mencionado em 2 Tessalonicenses 2.3-4. Ele é “o filho da
perdição, o qual se opõe e se levanta contra tudo que se chama
Deus ou é objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de
Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus”.
Em Daniel 7 temos o desenrolar da história humana, desde o
tempo de Daniel até o fim do mundo. Quatro grandes reinos se
levantarão, um após outro, seguidos por uma multiplicidade de
reinos, procedendo do quarto. Por fim, o poder se concentrará em
um único indivíduo blasfemo. Embora ele seja apenas um homem,
parecerá sobrenatural e se mostrará como inimigo de Deus e de
tudo o que é santo.
Daniel viu tudo isso e algo mais, descrito nos versículos 9 a 14.
Seremos o povo menos favorecido da terra, se gastarmos todo o
nosso tempo pensando apenas nos animais e nos chifres, deixando
de observar as outras coisas reveladas ao profeta naquela noite.
O chifre pequeno pronuncia suas blasfêmias arrogantes, mas,
enquanto faz isso, Daniel levanta os olhos ao céu. Ali contempla
diversos tronos preparados. Tronos menores circundam um grande
trono. No trono central, Daniel vê (em símbolos) o eterno Deus em
sua majestade, Aquele que é digno de toda honra e adoração.
Temos diante de nós uma figura vívida de pureza e dignidade. Deus
está em seu trono, e seu trono era chamas de fogo. É uma visão
que emociona o coração de cada crente. A história do mundo
prossegue seu curso, porém, reinando sobre tudo, com seu trono
acima dos acontecimentos do mundo, está o grande Deus.
Daquele trono flui o poder que abate todos os que se opõem a
Ele (v. 10). Deus é o grande Invencível. Rodeado por incontáveis
seres gloriosos, Ele preside seu tribunal de julgamento. Lá se
encontram livros, que registram as ações de todo homem e mulher;
e os livros estão abertos.
Assim como os animais e os chifres, isso também faz parte da
visão de Daniel. Ele observa e vê que, por uma simples decisão do
Rei celeste, aquele último animal, bem como tudo que procede dele,
é destruído (v. 11). Nenhuma guerra é necessária para que isso
aconteça. Uma palavra é suficiente. A sentença divina põe fim a
tudo. Uma palavra do Rei, e o animal não mais existe. Somente
Deus é onipotente. Esse é o âmago da visão.
O tribunal de julgamento não é algo tardio que surge à última
hora, no final da História. O tribunal está legislando em todo o
tempo. Se esquecermos isso, talvez não compreenderemos o
versículo 12. O tribunal é responsável pelo aniquilamento completo
do mal. Todos os demais impérios findaram como resultado da
decisão desse tribunal. Nenhum deles teve um fim tão dramático
como o último. No entanto, todos eles, sem exceção, perderam seu
domínio por causa de um decreto divino, embora tenham recebido
permissão para continuar existindo por determinado tempo.
Mas a visão não termina no versículo 12. Daniel viu algo mais (v.
13).
Naquele tribunal celeste, entra uma forma humana, Alguém que
possui toda a dignidade e honra da Divindade! É trazido à audiência
divina “um como o Filho do Homem”. Não pode ser outra pessoa,
senão o nosso Senhor Jesus Cristo. É usada a palavra “como”
porque Ele ainda não se vestira de nossa natureza humana.
Portanto, mesmo em uma visão, as Escrituras cuidam para que sua
aparência manifeste apenas uma sombra do que Ele seria mais
tarde. Não era ainda um homem; somente parecia um. Por ocasião
desta visão, a verdadeira humanidade do Filho estava no futuro.
Devemos lembrar que nosso Senhor freqüentemente se referia a
si mesmo como “o Filho do Homem”, especialmente quando
afirmava sua divindade. Usando esta expressão, estava nos
recordando deliberadamente a realidade de sua natureza humana,
enquanto, ao mesmo tempo, se identificava como Aquele que
possui honras divinas, mencionado em Daniel 7.
A este Cristo se dá um reino eterno! Note como isso é enfatizado,
tanto positiva como negativamente, no versículo 14: “Foi-lhe dado
domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de
todas a línguas o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que
não passará, e o seu reino jamais será destruído”.
Que grande visão Daniel recebeu naquela noite! Os impérios do
mundo surgem, prosperam e desaparecem. Um último império
permanece até quase o final do mundo. A esse império seguiu-se a
ascensão do anticristo, um indivíduo blasfemo que aparentemente
governaria para sempre. Porém, uma palavra do tribunal celeste de
Deus o aniquila. Esse tribunal, que decreta o fim do reino humano,
outorga a uma Pessoa o privilégio de reinar para sempre. É o
Senhor Jesus Cristo. Quando todos os reinos humanos tiverem
acabado, o Homem que é Deus ainda estará reinando! Pelo decreto
divino, todos os outros reinos estão condenados à ruína; no entanto,
o seu reino jamais findará. Todo joelho se dobrará perante Ele, e
toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor!
Isso foi o que Daniel viu.

A INTERPRETAÇÃO
A visão deixou Daniel perturbado (v. 15). Tornou-o ansioso.
Então, ele se voltou a um dos atendentes celestiais e lhe pediu a
explicação (v. 16).
Foi-lhe dito claramente que os quatro animais representavam
quatro impérios ou “reis” e que as únicas pessoas que
experimentariam um reino eterno seriam o povo de Deus (vv. 17-
18).
Obviamente, a profecia não está se referindo a um reino terreno,
porque nenhum reino terreno poderia ser descrito como eterno.
Podemos esquecer a idéia de um milênio terreno. O reino eterno
que Daniel viu é o reino de Deus, que se estabelece em nosso
coração quando cremos no evangelho, cuja consumação
gozaremos eternamente, em glória.
Os versículos 19 a 22, deixam evidente que Daniel manifestou
interesse especial pelo quarto animal. Somos informados de um
detalhe adicional: o animal tinha garras de bronze. Contudo, o chifre
pequeno ainda era o maior interesse. Um detalhe adicional é dado a
respeito dele: tornou-se mais forte do que qualquer dos dez chifres
que o precederam (v. 20). Seu poder era inigualável. Esse chifre
representa o indivíduo que, como nenhum outro, se opõe ao povo
de Deus e pratica o mal como ninguém jamais o fez antes dele. Usa
seu poder de tal modo, que o povo de Deus não prevalece diante
dele. Seus dias parecem ser de triunfo final do mal sobre tudo que é
bom e santo (v. 21). As coisas parecerão assim, até que seja
aniquilado pelo Ancião de dias, que finalmente acolherá seu povo
em um reino seguro e eterno.
A interpretação descreve o poder dos romanos, mais poderosos
em suas conquistas do que quaisquer outros antes deles (v. 23).
Enfatizamos novamente que desse animal procedeu a multiplicidade
de reinos. É importante notar isso, porque freqüentemente ouve-se
falar sobre a possibilidade de um império romano restaurado; e
citam Daniel 7 como base para essa idéia. Neste capítulo, não há a
menor sugestão de que o império romano será restaurado. De fato,
esta profecia parece ensinar o oposto. Roma dará lugar a dez
reinos, que, por sua vez, serão eventualmente sucedidos pelo chifre
pequeno, com toda sua agressão e presunção (v. 24). Ele abaterá
três dos reis anteriores, mas não temos indício de como ou quando
isso acontecerá, nem precisamente o que significa. Mais uma vez,
expressamos nossa dúvida quanto a tomar o número três em
sentido literal.
Toda a história prossegue para o surgimento do chifre pequeno, o
tempo de sua blasfêmia e de sua perseguição ao povo de Deus (v.
25). Será tão arrogante que mudará os tempos e épocas ordenados
pelo próprio Deus. Serão dias terríveis, dias em que o povo de Deus
estará em suas mãos!
Por quanto tempo ele exercerá seu poder? O final do versículo 25
responde: “Por um tempo, dois tempos e metade dum tempo”.
Quanto tempo isto significa? Mais uma vez peço que discorde, se
desejar, mas a interpretação que segue me parece razoável, e creio
ser correta. Esse indivíduo terrível entrará em cena e, por um
tempo, perseguirá o povo de Deus e realizará seus maus desígnios.
Quando esse tempo terminar, ele agirá assim pelo dobro desse
tempo. Então, parecerá que continuará por duas vezes esse tempo,
dando a impressão de que ficará aqui para sempre e jamais haverá
fim para o mal irrestrito de seu reino. No entanto, em vez disso, seu
período de governo será um tempo, tempos e meio tempo! Deus o
destruirá imediatamente, enquanto ele e seu poder para o mal
estiverem no auge. Isso será admirável! Maravilhoso!
Essa interpretação é melhor do que entender o enigma da
expressão “tempos” no sentido de três e meio! Quem quiser
discorde neste ponto. No entanto, quaisquer que sejam os detalhes
de sua interpretação, o ensino central do versículo 25 permanece
imutável. Chegará o dia em que o tempo do anticristo acabará! Ele
não permanecerá para sempre, não importa quão permanente
possa parecer. Haverá um final.
E quem realizará este final? O versículo 26 nos informa. O
tribunal do céu removerá o anticristo e todo o seu poder. O mal pode
afigurar-se onipotente, mas é uma ilusão. O poder absoluto pertence
somente a Deus; portanto, o aniquilamento do mal é uma certeza.
“Depois, se assentará o tribunal para lhe tirar o domínio, para o
destruir e o consumir até ao fim” (v. 26).
O mal é removido da terra por meio de uma palavra, uma palavra
de Deus! A culminação da História não será o triunfo do mal, e sim o
triunfo do povo de Deus (v. 27). Aqueles que foram oprimidos por
essa pessoa má não serão mais a cauda, e sim a cabeça; não serão
mais atribulados e estarão eternamente seguros, em um reino
eterno de justiça. Está chegando o dia em que não mais veremos,
ao nosso redor, os ímpios, os perversos e todos os poderes
malignos!
Esta foi a visão recebida por Daniel e sua interpretação.
Perturbou-o! Encheu-o de inquietação, tanto exterior como
interiormente (v. 28). Era uma verdade terrível, no amplo sentido da
palavra. O bondoso profeta guardou-a em seu coração, tornando-a
parte de seu arsenal. Devemos fazer o mesmo.

O QUE SIGNIFICA PARA NÓS


Daniel 7 nos ensina que não estamos nas trevas quanto à história
futura do mundo. Ao final da era presente, o chifre pequeno
aparecerá. O “homem do pecado” travará guerra contra o povo de
Deus. Tornar-se-á cada vez mais forte, e não conseguirão detê-lo.
Imaginamos que a atividade missionária organizada será esmagada
e que a igreja de Deus será oprimida, arruinada e destruída. Sua
forma visível desaparecerá.
Ainda haverá cristãos, pois temos aprendido que nada pode
destruir o remanescente de Deus. Mas, para o mundo ímpio, todas
as coisas de Deus, seu louvor e seu povo desaparecerão. Parecerá
que o mal e o Diabo triunfaram. As forças do mal se manifestarão
com tal liberdade que parecerá que Deus abdicou do seu trono.
Neste momento, o poder do mal será arrasado. O Senhor Jesus
Cristo voltará repentinamente do céu; tomará seu povo, para que
este reine eternamente com Ele. Não haverá qualquer mal no novo
céu e nova terra, enquanto todos que amaram e praticaram a
mentira sofrerão justa e eternamente no inferno.
Este é um assunto que nós, como Daniel, precisamos manter
constantemente em nosso coração.
Entretanto, devemos preparar-nos para as dificuldades à frente.
Este ensino seria verdade ainda que esta fosse a única passagem
da Palavra de Deus a falar sobre o assunto. Mas não é. Paulo
apresenta o mesmo ensino em 2 Tessalonicenses. E até uma leitura
superficial de Apocalipse enfatiza esta verdade. Dias terríveis
aguardam a igreja de Cristo. Os homens maus se tornarão cada vez
mais perversos. Por fim, o “homem do pecado” será revelado, e as
trevas prevalecerão. Não acontecerá uma segunda vinda de nosso
Senhor até que este personagem terrível se manifeste (2 Ts 2.1-12).
Naquele tempo, Deus estará em controle de tudo como sempre
esteve! Nada acontecerá além do que Ele profetizou. Seu controle
da História é absoluto, mesmo quando Ele parece ausente do
mundo que criou.
Naqueles dias, as pessoas terão a impressão de que o mal se
tornará permanente. Contudo, aquele será o momento da suprema
demonstração da justiça e do poder de Deus. Ele dará fim ao mundo
e convocará todos os ímpios ao seu julgamento. Procuraremos o
escarnecedor, o perseguidor, o vendedor de pornografia e todo
aquele que transgrediu os Dez Mandamentos e veremos que todos
receberam a merecida condenação.
Todo domínio será colocado nas mãos dAquele que traz as
marcas dos açoites, da coroa de espinhos, da crucificação e da
lança. O título “Senhor” será exclusivamente dEle. Os que O
amaram e se submeteram a Ele, por meio do arrependimento e da
fé no evangelho, compartilharão da sua glória. Regozijar-se-ão na
insondável maravilha de estarem para sempre com Ele, como
cidadãos do reino que jamais passará.
Compensa permanecer fiel a Deus em um ambiente hostil? Vale a
pena você tolerar o desprezo e a crueldade do mundo, a fim de
identificar-se com uma minoria perseguida?
Daniel fez estas perguntas? E você? O sonho, vindo da parte de
Deus, foi a resposta que Daniel precisava. Essa resposta é,
também, suficiente à nossa necessidade. Será realmente importante
entendermos todos os seus detalhes? A mensagem central é tão
evidente, que nunca desejaremos estar do lado da maioria. Não vale
a pena. O futuro não lhes pertence, e sim a nós. Ousemos
permanecer firmes e sozinhos.
10 | O chifre pequeno

LEIA DANIEL 8

Daniel já tivera dois vislumbres do futuro. Agora, neste capítulo,


recebe um terceiro vislumbre. Havia alguns aspectos coincidentes
entre a interpretação do sonho de Nabucodonosor, no capítulo 2, e a
do sonho de Daniel sobre os quatro animais que subiam do mar, no
capítulo 7. Ambos falavam de quatro impérios mundiais que
surgiriam. A visão do capítulo 8 também manifesta alguma
coincidência com as anteriores, mas contém muitas informações
novas. No versículo inicial deste capítulo, o livro de Daniel volta a
ser escrito em hebraico, deixando o aramaico, no qual fora escrito
desde o versículo 4 do capítulo 2.
Tanto esta visão como as duas anteriores se passaram enquanto
Babilônia ainda existia. Esta ocorreu no terceiro ano do reinado de
Belsazar (v. 1), antes que os dedos da mão de homem anunciassem
a condenação do rei.
As visões anteriores foram reveladas durante a noite. Foram
sonhos. Esta, porém, ocorreu durante o dia, enquanto Daniel estava
consciente (v. 27). Se não estava consciente quando recebeu a
visão, como poderia ter perdido a consciência ao seu final?
Daniel foi levado pelo Espírito, mas não estava dormindo. Não
era um “sonhador” no sentido que usamos a expressão hoje. Foi
uma visão espiritual, que lhe veio durante o dia. Em alguns
aspectos, era semelhante à que ele tivera antes; essa é a razão por
que Daniel fala sobre ela como o faz no final do versículo 1: “Depois
daquela que eu tivera a princípio”.
Daniel foi transportado pelo Espírito a Susã, a cidade que, após a
ruína de Babilônia, tornou-se a capital do império persa. Assentou-
se às margens do rio Ulai, que era, de fato, um grande canal
artificial, que tinha trezentos metros de largura e ligava dois rios
importantes, para que os barcos pudessem passar de um para o
outro. Ali recebeu a visão que estudaremos agora.

O QUE DANIEL VIU E OUVIU


Os versículos 3 a 14 registram o que Daniel viu e ouviu.
Assentado à beira do rio, levantou os olhos. Viu um carneiro que
tinha dois chifres e, enquanto olhava, um dos chifres se tornou
maior do que o outro. Os dois chifres eram enormes, mas o segundo
se tornou maior.
O carneiro com seus dois chifres simboliza o império dos medos
e persas. Não pode haver qualquer especulação sobre isso, pois o
versículo 20 nos revela com clareza: “Aquele carneiro com dois
chifres, que viste, são os reis da Média e da Pérsia”.
De acordo com a História, essas nações formariam, depois, um
império e causariam a queda da Babilônia. A princípio, os medos
prevaleceram e, como já vimos, Dario foi o primeiro governante do
império unido. Mas essa situação não durou muito. Logo os persas
prevaleceram e Ciro ascendeu ao trono imperial. O símbolo da
Pérsia era um carneiro; e o rei persa portava a imagem de um
carneiro à sua frente quando se dirigia à guerra. Portanto, não
ficamos surpresos em saber que, na visão de Daniel, um carneiro é
o símbolo do império medo-persa.
Uma característica dos carneiros é serem agressivos e darem
marradas. À frente de Daniel, o carneiro pulava e dava marradas em
todas as direções, exceto o leste (v. 4). É um fato histórico que os
medos e persas fizeram muitas conquistas militares, especialmente
sob o governo de Ciro. Na visão anterior, seu império fora anunciado
com as palavras: “Levanta-te, devora muita carne” (7.5). Mas não
puderam ganhar muito território no Oriente e o que conquistaram ali
perderam muito cedo. O que Daniel viu, em uma visão profética,
cumpriu-se com exatidão nos eventos históricos que se seguiram.
Mas o sonho se altera (v. 5). Vindo do ocidente, tão rápido que
seus pés não tocavam o chão, surge um bode que possuía um
chifre no meio de sua testa.
O que é este bode que “vinha do ocidente sobre toda a terra”? É
o império grego. O versículo 21 nos diz isso. O chifre “é o primeiro
rei” (v. 21), isto é, Alexandre, o Grande. Os pés que não tocam o
chão significam a rapidez das conquistas de Alexandre; a expressão
“sobre toda a terra” fala da extensão de seu domínio.
Daniel observa e vê o bode correr contra o carneiro (v. 6). Com a
cabeça abaixada e seu chifre à frente, o bode enraivecido e
impetuoso ataca o carneiro, vira-se sobre ele com fúria devoradora
e o lança por terra. O carneiro é totalmente humilhado. Seus dois
chifres são quebrados, sua resistência, esmagada, e seu corpo,
pisado. Não há escape, nem livramento. É uma profecia da
completa sujeição e derrota do império medo-persa pelos gregos.
Depois lemos que “o bode se engrandeceu sobremaneira” (v. 8).
Vangloriando-se da velocidade e do número de suas conquistas,
Alexandre, o Grande, tornou-se inevitavelmente orgulhoso. Mas sua
arrogância durou pouco. No auge de seu poder, foi morto: “E, na sua
força, quebrou-se-lhe o grande chifre”. O versículo não menciona
precisamente quem o destruiu, pois foi a mão invisível de Deus que,
com um golpe, quebrou o grande chifre, aniquilando-o para sempre.
Quatro reis substituíram Alexandre (v. 8). O império grego não
desapareceu após sua morte. Foi dividido em cinco partes, mas,
logo depois, ele se estabeleceu em quatro partes distintas. A
Macedônia ficou sob o domínio de Cassandro; a Trácia e Ásia
Menor, sob o domínio de Lisímaco; a Síria, sob o domínio de
Seleuco; e o Egito, sob o domínio de Ptolomeu. No lugar do chifre
notável, havia quatro outros, mas nenhum deles foi tão poderoso
quanto o primeiro. Mais uma vez, nada aconteceu além do que as
Escrituras haviam profetizado. Aquilo que outros viram acontecer
depois dos fatos Daniel viu, antecipadamente, por meio desta visão
profética.
Daniel agora concentra sua atenção nos quatro chifres, notando
que “de um dos chifres saiu um chifre pequeno” (v. 9). De um
insignificante começo, esse chifre cresceu até adquirir grande poder,
que se estendeu e alcançou o Sul, o Leste e a “terra gloriosa”, a
terra prometida de Canaã.
Não pode haver dúvida de que o versículo 9 se refere à ascensão
de um homem conhecido na História como Antíoco Epifânio. Como
profetizado, ele surgiu de uma das quatro divisões do império grego.
Antíoco surgiu do domínio de Seleuco e logo depois saqueou o
Egito com um imenso exército. Em seguida, dirigiu sua atenção para
o leste, conquistando a Armênia e as regiões próximas. Invadiu
depois a terra de Canaã. Este é o homem representado pelo chifre
pequeno deste capítulo.
Dos selêucidas surgiu este grande perseguidor do povo de Deus.
Josefo, o historiador judeu, escreveu mais tarde sobre ele: “Surgiria
deles certo rei que guerrearia contra a nação judaica e suas leis; ele
os privaria da forma de governo baseada nestas leis, saquearia o
templo e interromperia o oferecimento dos sacrifícios por três anos.
De fato, infortúnios foram experimentados por nossa nação sob o
domínio de Antíoco Epifânio, como Daniel, muitos anos antes,
previu e escreveu que aconteceriam”.
Este chifre pequeno “cresceu até atingir o exército dos céus; a
alguns do exército e das estrelas lançou por terra e os pisou” (v. 10).
Que significa isto? Podemos entendê-lo melhor quando
lembramos que em Êxodo 7.4 e 12.41 as tribos de Israel são
chamadas de “as hostes do S ”. Não temos aqui uma
referência aos anjos, e sim aos crimes de Antíoco contra o povo do
Senhor, os quais ele esmagou cruelmente. Persegui-los é pecar
contra o céu. Isso é ilustrado nas palavras de Jesus a Saulo de
Tarso, que até então havia sido o inimigo do povo de Deus: “Saulo,
Saulo, porque me persegues?” (At 9.4).
Mas a atividade blasfema de Antíoco não se limitou a isso. O
restante de sua carreira é perfeitamente profetizado nos versículos
11 e 12. Ele desafiou realmente a Deus, “o príncipe do exército”.
Encerrou os cultos regulares do templo e, embora não tenha
destruído a estrutura do templo, profanou-o de tal modo que não se
podia usá-lo. Tudo isso foi registrado antes de ocorrer em Daniel
8.11.
O que significa o versículo 12? Assim como os sacrifícios diários
foram entregues nas mãos de Antíoco, e ele os profanou, assim
também grandes quantidades de pessoas das tribos de Israel foram
postas em suas mãos, e ele lhes fez como desejava. Foi um tempo,
na história de Israel, quando a verdade foi lançada por terra, e esse
homem ímpio praticou o mal sem restrições, prosperando nisso. Foi
um tempo de sofrimento inconcebível para o povo de Deus. Tudo
era trevas, e parecia não haver qualquer luz.
Esta foi a visão de Daniel. Enquanto ele a contemplava, ouviu um
“santo que falava”, ou seja, um anjo (v. 13).
Parece que esse anjo contava a outro anjo os eventos que Daniel
contemplava em sua visão. A reação do segundo anjo foi perguntar:
“Até quando durará este horrível estado de coisas? Por quanto
tempo este homem terrível dominará sobre o povo de Deus? Até
quando Antíoco Epifânio continuará com suas transgressões,
blasfêmia e perseguição?”
A resposta encontra-se no versículo 14: “Até duas mil e trezentas
tardes e manhãs; e o santuário será purificado”.
Se considerarmos que um ano abrange trezentos e sessenta dias
– e a maioria dos estudiosos concorda que é prudente contarmos
assim, quando lidamos com números bíblicos –, verificaremos que o
versículo se refere a aproximadamente seis anos e quatro meses.
Isso concorda com o que se tornou conhecido. De 171 a 165 a.C.,
Antíoco Epifânio perseguiu os judeus e continuou com suas
abominações. Durante os últimos três anos e meio deste período, o
templo foi usado para sacrifícios pagãos. A revolta dos macabeus
permitiu que o templo fosse novamente consagrado e aberto ao
culto a Jeová; pouco depois, Antíoco morreu. A promessa no final
do versículo 14 se tornou realidade. Tudo aconteceu como Daniel
havia visto e ouvido antecipadamente.

O QUE ISTO SIGNIFICA


Já notamos o que tudo isto significa. A interpretação da visão é
apresentada nos versículos 15 a 26. Já nos referimos a ela
enquanto prosseguíamos em nossa exposição. Mas há alguns
detalhes que ainda não consideramos, e o faremos agora. Ao
mesmo tempo, enfatizaremos alguns dos pontos já mencionados.
Ao receber a visão, Daniel procurou entendê-la (v. 15). Após sua
indagação, apresentou-se diante dele alguém que não era homem,
mas tinha a aparência de homem. Esta é a maneira comum de
descrever um anjo na Bíblia. E logo Daniel compreendeu que o
visitante era um anjo.
O próximo fato é que Daniel ouviu uma voz humana, dando
instruções a este anjo (v. 16). João Calvino estava correto ao nos
lembrar que esta voz só poderia ser de nosso Senhor Jesus Cristo.
Quem mais pode dar ordens aos anjos? E, ao fazê-lo com voz
humana, Ele dá mais uma promessa de sua encarnação vindoura.
Ele diz: “Gabriel, dá a entender a este a visão”.
Há dois anjos cujos nomes são apresentados nas Escrituras:
Gabriel, mencionado aqui, significa “homem de Deus”, e o arcanjo
Miguel, sobre quem leremos em Daniel 10.13.
Em obediência à ordem de Cristo, Gabriel se aproxima de Daniel
(v. 17). O profeta se enche de temor, pois se vê como um pecador
na presença da pureza. Prostra-se com o rosto em terra, como
qualquer um de nós faria em situação semelhante. Daniel não se
encontra diante de Deus; contudo, estar na presença de seu
mensageiro santo é suficiente para inundá-lo com um senso de
indignidade. Mas o sentimento de intimidação de Daniel não impede
que o anjo fale. Chama-o de “filho do homem”, para ressaltar a
fraqueza do profeta e prepará-lo para a interpretação divina que lhe
seria dada.
“Entende, filho do homem, pois esta visão se refere ao tempo do
fim” (v. 17).
Isto não pode ser uma referência ao fim do mundo, porque a
identificação do pequeno chifre com Antíoco Epifânio é óbvia
demais para ser ignorada. A visão se refere aos dias do perseguidor
grego, não ao fim do mundo. A que, então, se refere Gabriel?
Somente uma resposta é possível. Deve estar falando sobre o fim
destas tribulações especiais que viriam sobre os judeus antes do
tempo do reino messiânico.
A experiência de ouvir um anjo foi demais para Daniel. Foi tão
forte e profunda que ele perdeu os sentidos (v. 18). Precisou ser
tocado por Gabriel e ajudado a ficar de pé, antes que a
interpretação prosseguisse.
As palavras Gabriel, no versículo 19, confirmam nossa
interpretação do versículo 17: “Eis que te farei saber o que há de
acontecer no último tempo da ira; porque esta visão se refere ao
tempo determinado do fim”.
Em outras palavras, a visão se cumprirá no final da presente
indignação de Deus para com os judeus, pois Ele determinou que
assim será. Foi isso que o anjo disse. Aqueles que relegam o
cumprimento desta visão ao fim do mundo, escolhem suas próprias
teorias em lugar da palavras de um anjo.
É difícil ver como alguém pode deixar de compreender o que
significa a visão. O carneiro é especificado como o reino medo-
persa (v. 20). O bode é claramente identificado como o império
grego, e o chifre grande, como o seu primeiro rei, que deve ser
Alexandre, o Grande (v. 21). Os quatro chifres que se levantaram
em lugar dele são anunciados dogmaticamente como a divisão do
império grego, embora não com o poder daquele primeiro rei (v. 22).
Então, estando quase a findar o domínio desses quatro reis, surge o
chifre pequeno (v. 23). Achar que a visão se reporta ao fim do
mundo é não somente ilusão, é também desprezar uma
interpretação divina transmitida por um anjo. Muitas das
interpretações proféticas modernas a respeito deste capítulo são
francas contradições às coisas do céu.
Consideremos a descrição da vinda de Antíoco Epifânio, dada
nos versículos 23 a 25. É descrito como “um rei de feroz catadura”.
E, de fato, ele era assim. Entrou para a História como um homem
cruel, determinado, inflexível e confrontador.
O texto bíblico também afirma que ele era “especialista em
intrigas” – uma referência ao fato de que Antíoco era um homem
que praticava o engano, embora fosse difícil alguém enganá-lo.
“Grande é o seu poder, mas não por sua própria força” (v. 24).
Antíoco teria grandes realizações, mas não seriam atribuídas
apenas à sua astúcia. Nada poderia obter sem a providência de
Deus.
“Causará estupendas destruições, prosperará e fará o que lhe
aprouver; destruirá os poderosos e o povo santo.” Esta profecia
anunciava que ele destruiria em grau extraordinário e, de força em
força, prosseguiria em sua impiedade. Derrotou todos os seus
adversários e voltou-se contra o judeu do Antigo Testamento e
contra o remanescente divino, os que amavam o Cristo que viria.
“Por sua astúcia nos seus empreendimentos, fará prosperar o
engano” (v. 25). Foi um tempo em que o engano floresceu naquela
terra. “No seu coração se engrandecerá.” Isso realmente aconteceu.
À medida que seu reinado prosperava, Antíoco se ensoberbecia
cada vez mais com um sentimento de sua própria importância. “E
destruirá a muitos que vivem despreocupadamente.” Isso descreve
com exatidão a tática mais comum de Antíoco. Era amistoso com
muita gente e, quando baixavam suas armas, não sentindo mais
necessidade de manterem-se alertas, liquidava-os. “Levantar-se-á
contra o Príncipe dos príncipes.” Mais uma vez é profetizado que
este chifre pequeno seria francamente contra Deus. Esta seria a
característica mais óbvia do terrível reino de Antíoco.
No entanto, precisamos observar o final do versículo 25: “Mas
será quebrado sem esforço de mãos humanas”. Foi uma pedra
cortada “sem auxílio de mãos” que destruiu a imagem do sonho de
Nabucodonosor (2.34). Foram “uns dedos de mão de homem” que
anunciaram a condenação de Belsazar (5.5). A mão de Deus é
invisível e seria responsável pela queda de Antíoco. Não importa
quão poderoso seja o tirano, nada além do mero agir da mão
invisível de Deus o remove do cenário da História!
“A visão... que foi dita, é verdadeira; tu, porém, preserva a visão,
porque se refere a dias ainda mui distantes” (v. 26).
Daniel preservou a visão. Naqueles dias árduos, quando o povo
de Deus era perseguido e morto às mãos de Antíoco Epifânio,
necessitavam e receberam conforto deste capítulo de Daniel.
Durante aquela época, foram consolados por saber que este homem
ímpio não teria entrado para a história sem a permissão divina e que
todos os seus atos, mesmo os mais cruéis, representavam o
cumprimento do que Deus profetizara séculos antes. Sabiam que no
tempo de Deus, para consumar o versículo 25, Antíoco seria
finalmente removido. Reconhecer tudo isso lhes trouxe um conforto
indescritível, naqueles tempos horrorosos.
Este foi o efeito da visão em dias posteriores. Mas, qual foi sua
ação sobre o homem que a recebeu? O versículo 27 nos conta.
Daniel achou tudo tão angustiante, que, por um tempo, esteve
doente e não pôde servir ao rei. Não podia retornar ao trabalho. E,
quando o fez, a impressão que a visão deixara em sua mente era
inesquecível. Deixava-o perplexo e estava além da compreensão de
todos que ouviam a respeito dela. Daniel não podia receber com
indiferença a revelação de um desencadeamento vindouro do mal.

O QUE SIGNIFICA PARA NÓS


Não devemos deixar este capítulo sem aprender algumas lições.
Uma destas se encontra no fato de que Antíoco Epifânio, ainda
por vir, é descrito aqui como “um chifre pequeno” (v. 9). No capítulo
anterior, lemos a respeito de outro chifre pequeno, um indivíduo que
surgirá no final dos tempos e causará sofrimento ao povo do
Senhor, como nunca antes. Sem dúvida, achamos difícil crer, como
temos observado, que tal pessoa realmente virá e será removida
com facilidade.
O capítulo que agora estudamos fala de Antíoco como um chifre
pequeno. Ele surgiu exatamente como fora predito e foi removido
tão facilmente como fora profetizado. Aqueles que primeiro ouviram
as profecias concernentes a ele certamente acharam difícil crer
nelas. Isso não impediu que elas se cumprissem. Os eventos futuros
que esperamos são igualmente certos e devemos viver à sua luz. A
certeza do surgimento do anticristo deve nos tornar sérios. A certeza
de sua remoção deve nos regozijar!
Mas, porque tanto Antíoco, no final do século II a.C., quanto o
homem de pecado, no fim do mundo, são descritos como chifres
pequenos? São indivíduos diferentes. Um já veio; o outro ainda virá.
Por que devem ser descritos em termos idênticos?
A razão é que, em um sentido muito real, eles são uma só coisa.
O Novo Testamento esclarece este fato. Fala-nos sobre a vinda de
um anticristo pessoal, como já vimos. Mas também nos ensina que
o espírito do anticristo já está no mundo e que muitos anticristos já
surgiram (1 Jo 2.18-19; 4.3; 2 Jo 7). Esses anticristos recebem o
mesmo título que o vindouro porque são seus precursores. Contudo,
o último anticristo será maior em poder e em impiedade. Não será
diferente em tipo daqueles que o precederam. Será tudo o que eles
foram, mas em grau elevado. Seu aparecimento não trará algo que
o mundo nunca experimentou antes. Será aquilo que o mundo já
presenciou tantas vezes, mas com maior intensidade.
Ainda existiriam muitos chifres pequenos antes do último. Antíoco
Epifânio foi um deles. Houve incontáveis outros que desafiaram a
Deus e lançaram-se contra o seu povo, determinados a aniquilá-lo.
Pense em Nero, em um quase inumerável número de papas, Hitler,
Kruschev, Mao Tse-Tung e Haxhi Lleshi, presidente da Albânia. São
todos exemplos de chifres pequenos.
No entanto, devemos lembrar que para Deus todos eles são
chifres pequenos. Do nosso ponto de vista, o poder desses chifres é
impressionante, todavia nenhum deles é grande aos olhos de Deus.
A arrogância deles pode aparentar confiança. Podem ter aparência
de que permanecerão. Para Deus, isso não significa nada. Ele
despreza o poder da carne. Remove-os como deseja; e removerá o
último anticristo com a mesma facilidade onipotente. Troca cada um
deles sucessivamente, quando deseja. A única diferença sobre o
último de todos é que ele é o último da fila.
Como Deus zomba do poder humano! Para Ele, o grande império
medo-persa nada mais era do que um carneiro manco. O poder da
Grécia era um bode lanudo, e Alexandre, o Grande, um chifre
insignificante que podia ser quebrado com um estalar de dedos!
E quanto a Antíoco Epifânio? Seu reino nunca foi realmente muito
grande; no entanto, foi de grande significado para Deus, pois seu
governante afrontou os céus. Por isso, o livro de Daniel dedica-lhe
tanto espaço, se comparado com os outros impérios mundiais ali
mencionados. Deus não avalia a importância dos eventos mundiais
com critérios iguais aos nossos. A importância relativa de um
incidente, ou de um governo, é avaliada pelo seu efeito sobre o
povo de Deus. Afinal, eles são a menina de seus olhos. Antíoco se
voltou contra eles de um modo que os outros grandes impérios não
o fizeram. Os livros de história geral dão pouca atenção às
atividades de Antíoco Epifânio, embora escrevam muito sobre a
Pérsia e Roma. Deus não age deste modo. Ele anotou os detalhes
de tudo o que este rei faria e prometeu ao seu povo que Antíoco
seria “quebrado sem esforço de mãos
humanas”. O mundo não se importa muito com o futuro do povo de
Deus. O Deus infinito se importa. Ele cuida do seu povo.
Quão grande é o nosso Deus! Como Ele podia revelar a história
futura a seu profeta, séculos antes que acontecesse? Ele podia
porque é o Deus da História e porque todos os eventos, em todos os
lugares, obedecem à sua soberana vontade. Quão confortante é
saber que nenhum poder do mal pode levantar-se sem o seu
expresso decreto! Quão consolador é estar ciente de que Ele, o
Governador da História, garante que seu Filho triunfará, por fim,
sobre todo governo e autoridade humana e que toda demonstração
do mal será destruída! Que tolice é lutar contra este Deus! Que
sabedoria é andar com Ele! Que poder convincente há no
argumento: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8.31).

GABRIEL, O ANJO QUE VEIO DE DEUS


Há outro assunto que devemos considerar antes de encerrarmos
este capítulo. Em Daniel 8, lemos sobre o anjo Gabriel que veio à
terra para transmitir uma mensagem de Deus. Devemos lembrar
que essa não foi a única ocasião em que ele fez isso.
Ao ser anunciado o nascimento de João Batista, Gabriel veio a
Zacarias e disse: “Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui
enviado para falar-te e trazer-te estas boas-novas” (Lc 1.19). Assim,
o pai de João Batista teve um encontro com Gabriel.
No sexto mês da gravidez de Isabel, “foi o anjo Gabriel enviado,
da parte de Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a
uma virgem desposada com certo homem da casa de Davi, cujo
nome era José; a virgem chamava-se Maria” (Lc 1.26-27).
O anjo santo anunciou o nascimento de duas crianças! Quando a
primeira nasceu, seu pai prorrompeu em louvores a Deus e falou
sobre o Cristo, que logo nasceria: “Bendito seja o Senhor Deus de
Israel, porque visitou e redimiu o seu povo, e nos suscitou plena e
poderosa salvação na casa de Davi, seu servo” (Lc 1.68-69).
Em Daniel 8, lemos de vários chifres: um chifre que cresceu mais
do que outro, um chifre quebrado, sucedido por quatro chifres e um
chifre pequeno surgido de um destes quatro. Mas, no Novo
Testamento, o homem a quem Gabriel entregou sua mensagem
falou de outro chifre, uma “poderosa salvação”! No original grego,
chifre é a palavra usada no versículo 69: “E nos suscitou um chifre
de salvação na casa de Davi, seu servo”.
Nas Escrituras, como vimos, o chifre é um símbolo de poder
principesco. Este capítulo nos falou de muitas demonstrações de
poder humano que surgiram e desapareceram. Entretanto, ao
contemplar a vinda do Messias, Zacarias, em seu cântico, nos
assegurou que finalmente Deus nos havia dado um “chifre de
salvação”. Um chifre preparado pelo próprio Deus veio ao mundo.
Zacarias estava dizendo que qualquer outro governo ou domínio
está destinado ao fracasso. Deus tem um Rei que governará e
reinará para sempre. É uma ênfase adicional para um dos principais
temas do livro de Daniel. Não há governo duradouro, exceto o do
Senhor Jesus Cristo!

NEM UM CARNEIRO, NEM UM BODE, MAS UM CORDEIRO


Quando o filho de Zacarias cresceu e iniciou seu ministério como
precursor do Messias prometido, de que maneira O anunciou? “Eis
o Cordeiro de Deus” (Jo 1.29). Quando o apóstolo João teve o
privilégio de receber uma visão simbólica, quem ele viu no governo
do céu? Foi um carneiro ou um bode? Ele viu um leão, um leão
descrito como “um Cordeiro como tendo sido morto” (Ap 5.5-6).
Quando todos os outros chifres tiverem surgido e desaparecido,
Deus ainda terá um Poderoso! Quando carneiros e bodes tiverem
passado pelo cenário da História, Deus ainda terá um Cordeiro! E
todo o céu proclamará: “Digno é o Cordeiro que foi morto de receber
o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor.
Então, ouvi que toda criatura que há no céu e sobre a terra, debaixo
da terra e sobre o mar, e tudo o que neles há, estava dizendo:
Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a
honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos” (Ap 5.12-
13).
Nossa mente não pode deixar de comparar Daniel 8 com estas
outras referências. Uma sugere as outras, especialmente porque os
poderes mencionados em Daniel 8 são obviamente poderes
transitórios. Indagamos onde se encontram o domínio e o governo
duradouros e recordamos imediatamente o que Deus declarou a
respeito do Cordeiro, o Chifre de nossa salvação.
Esta é a razão por que podemos manter, sem reservas, um
testemunho cristão em nosso trabalho ou escola, embora fiquemos
sozinhos ao fazê-lo. Se todos os nossos parentes ou vizinhos
ignorarem ou rejeitarem a Cristo, podemos ainda identificar-nos
ousadamente com Ele. Qualquer outro poder é efêmero. Nenhum
reino, exceto o dEle, prevalecerá. Tudo que prejudica o seu povo se
tornará em nada, mas eles jamais serão esquecidos. Armados com
estas certezas, podemos dizer:

Ouse ser um Daniel!


Ouse permanecer sozinho!
Ouse ter um propósito firme!
Ouse fazê-lo conhecido.
11 | Uma Grande Oração

LEIA DANIEL 9

Este capítulo registra uma grande descoberta, uma grande oração e


uma grande revelação. Alguns o consideram um capítulo polêmico,
mas deve ser, certamente, uma das partes mais entusiasmantes de
todo o livro de Daniel.

UMA GRANDE DESCOBERTA


A grande descoberta está registrada nos dois versículos iniciais.
Para compreendê-la, devemos recordar os eventos do capítulo 1.
Estes aconteceram em 605 a.C. Naquele ano, Nabucodonosor havia
capturado Jerusalém, levando Daniel e muitos outros judeus para o
exílio. A maior parte da nação fora expatriada depois, em intervalos.
Passaram-se sessenta e oito anos desde que tudo isto aconteceu.
Daniel estava na Babilônia há quase setenta anos.
Neste capítulo, Daniel é um homem velho. Tinha catorze anos ao
ser trazido em cativeiro, mas está agora com oitenta e dois anos de
idade. Estamos em 537 a.C., o primeiro ano de Dario, o medo.
O idoso profeta pode recordar sessenta e oito anos de firmeza
corajosa por amor ao Senhor. Em todos estes anos, com apenas
algumas outras pessoas, permaneceu firme, por amor a Deus, não
sucumbindo, em nenhuma ocasião, à tentação de ser infiel a seu
Senhor.
O império babilônio havia caído, exatamente como as visões, da
parte de Deus, haviam profetizado. A Medo-Pérsia governa o
mundo, e Dario, o medo, é o soberano da Medo-Pérsia. Quanto a
Daniel, como vimos no capítulo 6, chegou a uma posição de elevada
importância. Neste novo império, é o segundo homem do governo,
estando abaixo somente do rei.
Muitos anos se passaram desde que Daniel saíra de Jerusalém,
mas a fé do velho profeta mostra-se tão vigorosa como antes. As
tribulações não a enfraqueceram. As promoções e as posições
sociais elevadas não minaram sua fé, nem o seduziram a amar
outras coisas além de seu Deus. Assim, ao iniciarmos a leitura deste
capítulo, encontramo-lo a estudar sua Bíblia. Não era um único
volume, como as Bíblias impressas hoje, mas uma coleção de rolos,
ou “livros”, como é traduzido em algumas versões.
Daniel foi um grande profeta e tivera visões e revelações
extraordinárias, mas nunca abandonou o hábito de ler sua Bíblia.
Vale a pena ressaltar seu exemplo.
Nesta ocasião, examinava os rolos de Jeremias. Quando menino,
em Jerusalém, provavelmente ouvira Jeremias em pessoa.
Certamente, soube a respeito dele. As profecias de Jeremias
haviam sido escritas e, por serem a Palavra de Deus, foram
maravilhosamente preservadas nos anos seguintes. Daniel as
estudava. Enquanto lia, quase não podia acreditar no que seus
olhos viam!
Em sua leitura, Daniel foi levado a descobrir algo que não
percebera antes. O quê? Para sabermos, temos de verificar
Jeremias 25.8-11 e 29.10-14.
Em Jeremias 25, os olhos de Daniel teriam se detido nas
seguintes palavras: “Portanto assim diz o S dos Exércitos:
Visto que não escutastes as minhas palavras, eis que mandarei
buscar todas as tribos do Norte, diz o S , como também a
Nabucodonosor, rei de Babilônia, meu servo, e os trarei contra esta
terra, contra os seus moradores e contra todas estas nações em
redor, e os destruirei totalmente, e os porei por objeto de espanto, e
de assobio, e de ruínas perpétuas” (Jr 25.8-9).
O idoso profeta teria considerado quão verdadeiras haviam sido
as profecias de Jeremias. Desde a invasão de Nabucodonosor, a
terra, de fato, se tornara uma ruína.
Teria lido em seguida: “Farei cessar entre eles a voz de folguedo
e a de alegria, a voz do noivo, e a da noiva, e o som das mós, e a
luz do candeeiro” (Jr 25.10).
Isso também o teria levado a meditar. Muitos jovens, prontos para
casar, foram subitamente separados pelo cativeiro. A terra se
encheu de dissabor e muitas lágrimas.
Mas, em seguida, contemplou estas palavras: “Toda esta terra
virá a ser um deserto e um espanto; estas nações servirão ao rei da
Babilônia setenta anos” (Jr 25.11).
Babilônia desaparecera, mas o atual soberano do império medo-
persa dominava sobre o território que constituíra o império babilônio.
A mudança de governo não alterara o fato que os judeus ainda
estavam em exílio, longe de casa. O próprio Daniel estava lá desde
o início do cativeiro, sessenta e oito anos antes. Porém, agora
descobria que o exílio duraria apenas mais dois anos!
Por isso, continuou sua leitura, chegando logo a Jeremias 29.10-
14: “Assim diz o S : Logo que se cumprirem para Babilônia
setenta anos, atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a
minha boa palavra, tornando a trazer-vos para este lugar. Eu é que
sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o S ;
pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais.
Então me invocareis, passareis a orar a mim, e eu vos ouvirei.
Buscar-me-eis e me achareis, quando me buscardes de todo o
vosso coração. Serei achado de vós, diz o S , e farei mudar a
vossa sorte; congregar-vos-ei de todas as nações e de todos os
lugares para onde vos lancei, diz o S , e tornarei a trazer-vos
ao lugar donde vos mandei para o exílio”.
Ali estava de novo! Na Escritura, Daniel lia, outra uma, a
promessa divina de que o exílio terminaria após setenta anos. Se o
povo de Deus se voltasse a Ele, seriam trazidos de volta à sua terra.
Podemos imaginar o coração do profeta a se alegrar e regozijar.
Para ele, Jerusalém era apenas uma lembrança da adolescência;
porém jamais a esquecera ou perdera o desejo de voltar para lá. Por
sessenta e oito anos havia orado, com suas janelas abertas, em
direção a Jerusalém. Tudo em Daniel ansiava por voltar. Agora
estava lendo a promessa divina afirmando que, após setenta anos,
o povo de Deus poderia retornar àquele lar!
Quão emocionado ficou, ao contar os anos. O tempo de cativeiro
estava quase findando. Mas não havia qualquer sinal visível de que
a promessa se cumpriria. O novo império não dera qualquer
indicação de que aceitaria libertar os judeus cativos. Não havia
qualquer sinal de que o povo exilado estivesse disposto a voltar,
com todo o coração, para seu Senhor ofendido. Era verdade que
haviam abandonado a idolatria, a principal causa do exílio; mas isso
era tudo. Não pareciam, em nada, mais espirituais do que antes.
Daniel percebeu que apenas alguns buscavam verdadeiramente
a Deus. Portanto, ele mesmo determinou fazer isso. Comportou-se
como um homem que possuía um cheque do céu. O cheque
prometia o retorno do exílio, sob a condição de uma nova busca do
Senhor. De acordo com o que Daniel observava, ninguém mais
estava interessado em sacar o cheque. Portanto, decidiu fazê-lo
sozinho e começou a buscar a Deus em favor do retorno dos judeus
exilados.
Daniel não disse a si mesmo: “Deus prometeu que aconteceria,
portanto, acontecerá, não importa o que eu faça”. Sua lógica era
inteiramente diferente; era assim: “Deus disse que após setenta
anos podemos voltar para casa. Esta é a promessa divina. Portanto,
orarei a Ele para que remova sua ira de Jerusalém e faça acontecer
o retorno prometido”.
Na decorrer da História, as pessoas têm utilizado freqüentemente
as promessas de Deus como desculpa para não fazer nada. A
atitude delas tem sido fatalista, levando-as à inatividade, enquanto
aguardam o cumprimento das promessas. Daniel não conhecia esse
tipo de atitude. Para ele, a promessa divina era uma razão para se
engajar no trabalho árduo de oração, e não uma desculpa para a
inatividade. Resolveu implorar que Deus manifestasse, mais uma
vez, a sua benignidade para com Jerusalém. Dentro de poucos
meses, Dario não existiria mais, e Ciro seria levantado para
proclamar que os judeus poderiam voltar à sua terra!
Deus o prometera. Daniel orou por isto. E aconteceu!

UMA GRANDE ORAÇÃO


Esta oração de Daniel é uma das maiores na Bíblia; está
registrada nos versículos 3 a 19. É um trecho longo; não
estudaremos cada palavra e frase dele. Aprenderemos bastante se
extrairmos os principais assuntos da oração e procurarmos gravá-
los em nossa mente.
Antes de considerar os seis assuntos da oração, devemos
lembrar quão importante é a oração nos propósitos de Deus. A
promessa divina foi a causa do retorno dos judeus. E a oração do
remanescente foi motivada por esta promessa.
Independentemente de quaisquer outras lições que venhamos a
aprender deste capítulo, devemos estar certos de que assimilamos
esta. A causa por que Deus age na História não é somente a sua
promessa, mas também a oração de seu povo. Isto é o que significa
orar “segundo a sua vontade” (1 Jo 5.14). O Novo Testamento
aborda freqüentemente este assunto, apresentando-o como um
conceito assustadoramente simples. Orar de acordo com a vontade
de Deus é descobrir nas Escrituras as promessas divinas e suplicar
que elas se cumpram.
Deus prometeu que o evangelho alcançará os confins da terra?
Sim. Então, oremos por isso – e acontecerá!
Deus prometeu que, ao semearmos a sua Palavra, ela não
voltará infrutífera para Ele? Sim. Então, oremos em favor de que sua
Palavra produza frutos naqueles que a ouvem – e acontecerá!
Deus prometeu que seu Filho voltará em glória e grande poder,
com todos os santos anjos? Sim, esta é uma promessa clara e
repetida em sua Palavra. Portanto, juntemo-nos ao apóstolo João e
oremos: “Amém. Vem, Senhor Jesus” (Ap 22.20). Não seremos
desapontados.
A atitude de Daniel foi exatamente a mesma. Deus fizera uma
promessa, e esta motivou o profeta a orar, suplicando que ela se
realizasse. E aconteceu!
Ao mencionarmos aspectos da oração de Daniel, o primeiro
aspecto a observar é que ele se chegou a Deus com seriedade.
Seu hábito sempre fora o de orar ao Senhor três vezes ao dia.
Mas, para ele, isso não excluía períodos especiais de oração. No
versículo 3, lemos que voltou o seu rosto para buscar o Senhor
Deus, “com oração e súplicas, com jejum, pano de saco e cinza”.
Orou com intensidade acima da que era costumeira em sua vida
devocional.
Depois, observamos que ele veio a Deus com reverência. Sua
oração não era daquele tipo “querido Jesus” que é tão popular em
nossos dias. Daniel tinha intimidade com Deus, mas não poderia
jamais esquecer Aquele com quem era íntimo. Ao aproximar-se
dEle, manifestava um grande senso da natureza de Deus, da sua
divindade. Por isso, sua oração começou assim: “Ah! Senhor! Deus
grande e temível” (v. 4).
Terceiro, sua oração estava repleta de contrição. Ao lermos o
início da oração (v. 5), encontramos ali uma confissão, e o mesmo
acontece com o seu final (v. 20). É a oração de um homem humilde,
dominado por uma convicção de pecado, que ele mesmo confessa.
Nesta confissão, Daniel não pode separar-se da nação a que
pertence; portanto, os pecados confessados por seus lábios são os
de toda a nação.
Isto não significa que sua confissão era apenas genérica. Pelo
contrário, um estudo da oração de Daniel nos mostra quão
específica ela era: “Temos pecado contra ti” (v. 8); “Pois nos temos
rebelado contra ele” (v. 9); “Não obedecemos à voz do S ,
nosso Deus, para andarmos nas suas leis, que nos deu por
intermédio de seus servos, os profetas. Sim, todo o Israel
transgrediu a tua lei, desviando-se, para não obedecer à tua voz”
(vv. 10-11); “Pois não obedecemos à sua voz” (v. 14); “Temos
pecado e procedido perversamente” (v. 15).
É uma oração de confissão. Os príncipes, os governantes e todo
o povo são culpados da mesma ofensa. Deus falou, e não ouviram.
Deus ordenou, e não obedeceram. Deus fez grandes coisas por
eles, e não agradeceram.
Por meio desta confissão, Daniel reconhece que as aflições
experimentadas pela nação e seu exílio são fruto de seu pecado.
Também reconhece claramente que Deus está agindo de modo
justo ao castigá-los. Isso é demonstrado no versículo 7, bem como
no versículo 14, quando o profeta diz: “Pois justo é o S ,
nosso Deus, em todas as suas obras”.
Nos versículos 11 a 14, Daniel admite que todos aqueles
acontecimentos não eram outra coisa, senão o que havia sido
prometido por Moisés, caso a nação se voltasse contra Deus. O
castigo presente era o cumprimento de uma promessa divina! Será
que reconhecer isso fortaleceu sua fé, quando começou a implorar
pelo cumprimento de outra promessa divina – o fim do exílio?
Daniel se aproximou do Senhor não apenas com seriedade,
reverência e contrição. Nesta grande oração, também percebemos
que ele veio a Deus confiando em sua misericórdia.
Há uma ternura esplêndida no versículo 4: “Ah! Senhor! Deus
grande e temível, que guardas a aliança e a misericórdia para com
os que te amam”. Daniel estava consciente da majestade divina e
conhecia a sua ternura infinita.
Esta mesma verdade se repete nos versículos 9 e 18: “Ao
Senhor, nosso Deus, pertence a misericórdia e o perdão, pois nos
temos rebelado contra ele... não lançamos as nossas súplicas
perante a tua face fiados em nossas justiças, mas em tuas muitas
misericórdias”. Parte da grandeza desta oração está no fato de que
Daniel tinha consciência de não haver Deus esquecido de ser
misericordioso. Alicerçado nisso, Daniel teve a coragem de
aproximar-se do Senhor e deixar confiantemente, perante Ele, os
seus pedidos.
Chegamos ao último aspecto. Daniel achegou-se a Deus com
pedidos específicos. Viu Jerusalém, o templo e o povo arruinados,
suplicou que Deus removesse de todos os judeus a sua ira e o seu
furor, tratando-os com misericórdia. Nesta oração, Daniel expressou
de modo enfático suas petições: “Aparte-se a tua ira e o teu furor da
tua cidade de Jerusalém, do teu santo monte” (v. 16); “Sobre o teu
santuário assolado faze resplandecer o rosto” (v. 17); “Abre os teus
olhos e olha para a nossa desolação e para a cidade que é
chamada pelo teu nome” (v. 18); “Não te retardes” (v. 19).
Por fim, devemos observar que Daniel buscou ao Senhor com
argumentos fortes e importunação. Assim como Moisés antes dele,
Daniel apresentou a Deus razões convincentes por que deveria
ouvi-lo, declarando seus pedidos e argumentos com fervor e
urgência. Este é um dos segredos daqueles que prevalecem com
Deus.
Por exemplo, Daniel lembrou a Deus que Ele realizara um grande
feito histórico ao libertar o povo da escravidão no Egito (v. 15). Este
ato Lhe trouxera grande fama. Era como se Daniel estivesse
inferindo: “Já fizeste grandes coisas em favor do teu povo; então,
por que não fazê-las de novo? Libertá-los do cativeiro não é algo
novo para Ti”.
No versículo 16, Daniel recorda a Deus que Jerusalém, que está
desolada, é a “tua cidade de Jerusalém... teu santo monte”. Não
deveria, então, fazer algo em favor de sua cidade? O povo que está
sendo desprezado é “o teu povo”. Poderia Deus ficar impassível,
nada fazendo, quando o seu próprio povo, aquele que Ele mesmo
resgatara do Egito, estava sendo tratado com tanto desprezo?
A argumentação se torna mais forte no versículo 17. O templo em
Jerusalém havia sido o único lugar, no mundo inteiro, dedicado ao
culto e à adoração do Deus verdadeiro. Aquele edifício – “o teu
santuário” – agora jazia desolado. Não fará Ele coisa alguma em
relação ao templo, por amor do seu nome?
Daniel lembra a Deus que a cidade em que o templo estava
situado também era chamada pelo nome dEle (v. 18). O apelo de
Daniel não é que Deus aja em favor de Israel por causa do povo.
Não o merecem. Perderam todo o direito ao favor divino, por causa
de sua rebelião e desvios. Mas permanece o fato de que são
conhecidos como o povo de Deus e têm o seu Nome. Sua
permanente desolação refletirá mal sobre o caráter de Deus.
Indicará que Ele não se importa ou não tem poder suficiente para
ajudá-los. O mundo julgará a Deus com base no bem-estar
daqueles que são conhecidos como seu povo. Deus precisa agir,
por amor ao seu próprio nome. Sua própria reputação e honra estão
em jogo. Se Ele não intervir, para restaurar Israel, seu Nome será
blasfemado.
Deste modo, Daniel expôs seus argumentos, clamando a Deus
em agonia de espírito. A oração alcança seu ápice no versículo 19:
“Ó Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e age;
não te retardes, por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua
cidade e o teu povo são chamados pelo teu nome”.
Qual foi a última vez que você orou assim? Este é o tipo de
oração que Deus ouve.
Se queremos ver Deus agindo, precisamos descobrir suas
promessas e orar por elas desta maneira. Não precisamos esperar
até que sejamos acompanhados por outros, para começarmos a
orar. Quando o remanescente ora desta maneira, a História é
mudada.
UMA GRANDE REVELAÇÃO
O que aconteceu como resultado desta oração? Os versículos 20
a 27 nos contam. A grande descoberta levou a uma grande oração,
que foi seguida por uma grande revelação.
Não sabemos quanto tempo Daniel permaneceu em oração, mas
ele ainda estava nessa prática quando a noite se aproximou (v. 21).
A grande revelação veio enquanto ele ainda se achava dominado
pela enormidade do pecado e suas conseqüências, implorando pelo
futuro da causa de Deus.
Seus lábios ainda se moviam em oração, quando Gabriel veio
novamente e o tocou. Logo Daniel foi assegurado de um fato
tremendo: desde o primeiro momento de sua oração, Deus a estava
ouvindo. A vinda imediata de Gabriel foi o resultado (v. 23).
Daniel foi novamente tomado de pavor, ao ver o visitante
celestial? Se isso ocorreu, ele foi prontamente confortado. Ficou
sabendo que era muito amado no céu, possuindo boa reputação lá!
Também foi informado de que teria uma pequena visão quanto ao
futuro da causa de Deus, a causa que o preocupava e pela qual
estivera orando (v. 23). O anjo veio dar-lhe compreensão e
entendimento, para que assimilasse a revelação que lhe seria dada:
“Considera, pois, a coisa e entende a visão”.
“Daniel”, disse o anjo (se podemos parafrasear os versículos 24 e
25), “você estava pensando sobre a figura de setenta anos, Israel e
Jerusalém. Bem, este não é o único setenta no programa de Deus
para Jerusalém. Em setenta semanas (ou, como está no hebraico,
em setenta ‘setes’), Jerusalém testemunhará quatro coisas.
“Primeiro, Jerusalém testemunhará o fim das transgressões, dos
pecados e uma reconciliação para a iniqüidade. Tudo isso é uma
coisa só. As transgressões não mais afrontarão a Deus. Os
pecados, que clamam por seu castigo, serão removidos da
presença de Deus. Será feita a reconciliação, para resolver o
problema da iniqüidade, que causa separação entre Deus e as
pessoas. Sim, daqui a setenta ‘setes’, algo será feito em relação ao
pecado.”
Que conforto estas palavras devem ter trazido ao velho profeta! O
enorme pecado de seu povo havia sido um grande fardo em sua
oração. Agora, ouve que Deus vai dar um fim ao pecado!
“Segundo, após setenta ‘setes’ a retidão eterna será trazida.”
O evangelho, como o conhecemos, não é apenas o perdão de
pecados. O cancelamento de nossa culpa não somente nos deixa
limpos aos olhos de Deus. O evangelho nos promete mais do que
isso. Ele nos diz como pecadores podem ser recomendados a um
Deus ofendido, tornando-os justos aos olhos dEle.
“Terceiro, daqui a setenta ‘setes’, as visões e profecias serão
seladas. Imagine os velhos rolos. Ao chegar ao final de um rolo,
você o enrola e o sela. Significa que a leitura terminou. Bem, já
houve muitas profecias e visões a respeito do futuro; todas se
cumprirão daqui a setenta ‘setes’.
“Finalmente, daqui a setenta ‘setes’, será ungido o Santo dos
Santos.”
Com certeza, a palavra “ungido” e a palavra “Messias” ou “Cristo”
são essencialmente a mesma. O Messias, que vem, será o
Santíssimo Deus! Jerusalém presenciará tudo isso. Setenta “setes”
estão determinados; isso é o que Gabriel declara ser o conteúdo da
profecia quanto ao futuro.
Ao ouvir tudo isso, Daniel deve ter sentido uma satisfação
indescritível. Durante a maior parte de sua vida, lamentara por
Jerusalém e ansiava por sua restauração. Agora, é informado de
que, depois de setenta “setes”, ela terá um futuro que ultrapassará
todas as suas expectativas. O Cristo prometido virá, o pecado será
expiado e haverá um meio pelo qual os pecadores poderão ser
eternamente justificados diante de Deus. O tempo de profetizar
sobre o Messias terminará. Ele terá vindo a Jerusalém!
Daniel soube disso porque o anjo lhe contou. Porém, isso não é
era tudo que Gabriel tinha a dizer. Nos versículos 25 a 27, ele
explicou a Daniel como os setenta “setes” seriam divididos. Deveria
haver três períodos; dois destes são mencionados no versículo 25, e
o terceiro, nos versículos 26 e 27.
O primeiro período será de sete “setes”; o segundo, de sessenta
e dois “setes”. Então haverá outro “sete”, no final. A divisão é
simples e fácil de lembrar.
O marco para o início do primeiro período é “a saída da ordem
para restaurar e para edificar Jerusalém”, e deste marco até ao
Messias ocorrerão as duas primeiras divisões, de sete e de
sessenta e dois “setes”, respectivamente (v. 25). O final do primeiro
período, de sete “setes”, se dará quando “as praças e as
circunvalações” serão reedificadas, mas “em tempos angustiosos”.
Isto é, certamente, uma referência ao tempo de Esdras e Neemias.
A seguir, virá a segunda divisão, de sessenta e dois “setes”,
durante a qual nada é predito que acontecerá. Após expirar esta
segunda divisão de “setes”, “será morto o Ungido e já não estará” (v.
26).
À luz de muitas interpretações fantasiosas desta passagem, que
circulam entre nós atualmente, é importante enfatizar com exatidão
o que Gabriel revelou. O Messias seria morto não durante a
“semana” de número sessenta e nove, mas depois dela. Sua morte
ocorreria durante a septuagésima “semana”.
Muitos leitores não entenderão por que enfatizo isso. Basta dizer
que grande grupo de cristãos crêem que a septuagésima “semana”,
mencionada neste capítulo, foi adiada para o fim do mundo.
Obviamente, isso é impossível. Gabriel indica com clareza que o
Messias seria morto durante aquela semana. Se a septuagésima
semana foi adiada, isso significa que o Salvador ainda não morreu
por nós e ainda estamos em nossos pecados.
A interpretação moderna não concorda com os fatos. O Messias
foi morto depois das sessenta e nove “semanas”, como profetizado.
“Porquanto foi cortado da terra dos viventes; por causa da
transgressão do meu povo, foi ele ferido” (Is 53.8).
O hebraico do versículo 26 também pode ser traduzido: “O
Messias será cortado e nada terá”. Se esta é uma tradução correta,
talvez se refira ao ato de Jesus em repudiar Jerusalém, quando
disse aos judeus: “Eis que a vossa casa vos ficará deserta” (Mt
23.38).
O resultado da morte do Messias é profetizado no versículo 26:
“E o povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o
santuário, e o seu fim será num dilúvio, e até ao fim haverá guerra;
desolações são determinadas”. Esta é uma profecia óbvia
anunciando que Jerusalém e seu templo seriam devastados,
quando exércitos estrangeiros viriam como um dilúvio trazendo caos
e destruição.
Daniel contemplou todos estes eventos no século VI a.C., mas
eles se realizam somente em 70 d.C., quando Tito e os romanos
cumpriram esta profecia em todos os seus detalhes. A destruição de
Jerusalém não se realizou imediatamente após o evento do
Calvário, mas foi determinada pelo fato de que os judeus rejeitaram
a Cristo. Não se cumpriu durante a septuagésima “semana”, mas foi
determinada na septuagésima “semana”. Nosso Senhor esclareceu
isso, tanto em seu discurso no monte das Oliveiras quanto ao
caminhar para a cruz, afirmando que sua rejeição pelos judeus
significaria a destruição da cidade e do templo (Mt 23.34 a 24.37; Lc
23.27-31).
Compreenderemos melhor este assunto se voltarmos a pensar
em Adão. Foi-lhe dito que morreria no dia em que comesse do fruto
proibido. Mas, ele não morreu, literalmente, neste momento.
Naquele dia, Adão morreu espiritualmente; a sua morte física veio
como resultado inevitável. Do modo semelhante, a destruição de
Jerusalém foi estabelecida pela rejeição dos judeus ao seu Messias,
pouco tempo antes que a destruição ocorresse. Não aconteceu na
septuagésima “semana”; mas certamente fazia parte dos eventos
daquela “semana”.
O que mais é profetizado sobre esta “semana” final? “Ele fará
firme aliança com muitos, por uma semana” (v. 27). Ele a fez,
anunciando: “Porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova]
aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados”
(Mt 26.28).
“Na metade da semana, fará cessar o sacrifício e a oferta de
manjares.” Fez isso também, porque foi sacrificado de uma vez por
todas (Hb 7.27). O véu do templo rasgou-se ao meio, e o caminho
para o Santo dos Santos foi permanentemente aberto pelo sacrifício
de Cristo, que nunca mais se repetiria. Não havia mais necessidade
dos rituais e oblações do Antigo Testamento. De fato, a destruição
de Jerusalém tornou impossível a continuidade de rituais e
oblações.
Para obtermos mais luz sobre estes fatos e sobre o restante do
versículo 27, nada melhor que citar E. B. Pursey. Hesitamos em citar
um escritor anglo-católico, mas lembramos que o Dr. Pursey foi um
erudito sem igual no que diz respeito às profecias do Antigo
Testamento e demonstrava rara percepção ao lidar com elas. Veja o
que escreveu, no século XIX, a respeito dos versículos 26 e 27
deste capítulo: “Tudo isso se consumou em Um, no evangelho. Ele,
o esperado por tanto tempo, veio; foi reconhecido como o Messias;
fez realmente com que os sacrifícios da lei cessassem; foi morto e,
ainda assim, fez aliança com muitos; um exército estrangeiro,
destruiu, de fato, o templo e a cidade. O templo, durante estes 1800
anos, permaneceu desolado; os sacrifícios típicos cessaram, não
pela descrença em de sua eficácia por parte daqueles a quem foram
originalmente ordenados ”.

O VELHO LIVRO SE COMPROVA VERDADEIRO


Daniel foi privilegiado para ver que exílio cessaria. Também foi
privilegiado para ver que o Cristo viria – e para ver o que ele faria,
onde e quando.
Cuidemos em notar que a passagem não diz que as “semanas”
são períodos de sete anos. O hebraico simplesmente fala de setenta
“setes”. Boa parte do livro de Daniel é simbólica; devemos ter muito
cuidado antes de interpretar literalmente qualquer de seus números.
Isto é verdade especialmente quanto aos números sete e dez, tão
proeminentes no simbolismo bíblico. Devemos pensar bem antes de
concluir que os setenta “setes” se referem a quatrocentos e noventa
anos.
Quando Jeremias usou o número setenta, foi mais específico –
falou de “anos”. Gabriel foi mais enigmático quando falou de “setes”.
Havendo dito isto, um assunto de grande interesse é o fato de
que aproximadamente oitenta anos após os eventos deste capítulo
Artaxerxes I lavrou a ordem para a restauração e reconstrução de
Jerusalém. Houve “a saída da ordem para restaurar e para edificar
Jerusalém” (v. 25). Dentro de quarenta de nove anos (sete vezes
sete) após esta ordem, a cidade foi reconstruída sob o ministério de
Esdras, Neemias e outros.
Quatrocentos e trinta e quatro anos depois (sessenta e dois
vezes sete) chegamos ao final dos anos vinte do século I d.C. Foi
nessa ocasião que, após três e meio anos de ministério (meia
“semana”), nosso Senhor Jesus Cristo foi morto. Durante os três e
meio anos seguintes, os apóstolos anunciaram que o futuro estava
não com os judeus, sob quem havia caído o julgamento, e sim com
os gentios.
Estes números não podem ser tomados como exatos. E as
tentativas neste sentido têm falhado. Nenhum estudioso, em
qualquer lugar, nem mesmo aqueles que possuem calculadoras e
computadores, pode fazer esses números encaixarem perfeitamente
em seus esquemas.
Mas, suponhamos que alguém lesse Daniel 9, soubesse quando
o profeta viveu e aceitasse os setenta “setes” como quatrocentos e
noventa anos. Quando chegasse o ano 1 d.C., essa pessoa diria a
si mesma: “Está próxima a hora. Se eu estou certo, a pessoa sobre
quem Daniel escreveu deve nascer a qualquer momento”.
Tenho uma teoria; é apenas uma teoria. Minha teoria é esta: visto
que Daniel foi tão proeminente nos primeiros dias do império medo-
persa, seus escritos foram colocados nas bibliotecas da Pérsia.
É somente uma teoria, mas propõe que, no mundo antigo, havia
pessoas que freqüentavam bibliotecas e faziam pesquisas, a fim de
obter títulos de doutorado daquela época! Tiravam os documentos
antigos das prateleiras, esperando encontrar algo original ou
incomum, para escrever sobre isso. Minha teoria é que leram as
profecias de Daniel, mais ou menos por volta de 4 a.C., e disseram
para si mesmos: “É chegado o tempo. O Messias anunciado neste
capítulo, se é que ele virá realmente, pode estar nascendo agora”.
Naquela época, estes mesmos estudiosos examinaram o céu e
viram uma estrela que os deixou completamente perplexos, mas
lhes deu a indicação de que um grande rei havia nascido. Buscaram
novamente os escritos de Daniel e viram que o grande rei nasceria
mais ou menos naquela época e se encontraria em Jerusalém.
Estes homens sábios, do Oriente, montaram em seus camelos,
carregando ouro, incenso e mirra, foram apressadamente a
Jerusalém e indagaram: “Onde está o recém-nascido Rei dos
judeus?” (Mt 2.2).
Tudo isso é apenas teoria. Contudo, o que eu realmente sei é que
naquela cidade, precisamente naquele momento, havia almas
humildes cheias de expectativa. De algum modo, sabiam que o
tempo da chegada do Messias estava próximo. Com base nas
Escrituras do Antigo Testamento, tinham certeza de que Ele
nasceria em Belém, mas esperavam a redenção em Jerusalém (Lc
2.38).
Como sabiam de tudo isso? É possível que, por meio das
profecias de Daniel, houvessem concluído que o tempo estava
próximo e que o Messias seria reconhecido na cidade santa, à qual
Ele certamente viria? De qualquer modo, fora revelado pelo Espírito
Santo a um deles, um homem velho, “que não passaria pela morte
antes de ver o Cristo do Senhor” (Lc 2.26).
“Movido pelo Espírito, foi ao templo; e, quando os pais trouxeram
o menino Jesus para fazerem com ele o que a lei ordenava, Simeão
o tomou nos braços e louvou a Deus, dizendo: Agora, Senhor,
podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque
os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de
todos os povos: luz para revelação aos gentios e para glória do teu
povo de Israel” (Lc 2.27-32).
Uma senhora idosa também entrou no templo, naquele exato
momento, e “dava graças a Deus e falava a respeito do menino a
todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” (Lc 2.38).
Comprovou-se a verdade do velho Livro. O Cristo veio, como
havia sido escrito a seu respeito. Aquele casal idoso morreu alegre.
O velho Livro sempre comprova a sua veracidade. De fato, retrata
a Cristo. Podemos descansar em suas afirmações não somente
com relação ao tempo, mas também quanto à eternidade.
12 | Um velho tem uma visão

LEIA DANIEL 10

Este maravilhoso capítulo está repleto de lições preciosas para nós,


especialmente quanto à nossa vida de oração. Todos os capítulos
anteriores de Daniel se apresentaram como unidades autônomas.
Cada um era completo em si mesmo. O capítulo 10 não manifesta
essa característica. Seu propósito é introduzir uma visão, cujos
detalhes se encontram nos capítulos 11 e 12. Fala-nos sobre as
circunstâncias em que a última visão do livro foi dada. Contudo,
temos de esperar e ler os dois capítulos seguintes, para sabermos
exatamente em que consistia a visão.

QUANDO E ONDE OCORREU A VISÃO


Os primeiros quatro versículos nos dizem onde e quando ocorreu
a visão – no terceiro ano do rei Ciro (v. 1). Mais de dois anos
haviam-se passado desde que este imperador persa decretara o
retorno dos judeus a Jerusalém, a fim de reconstruírem tanto a
cidade como o templo. Zorobabel e um pequeno grupo de judeus já
se
haviam estabelecido com segurança na Palestina. Mas Daniel não
se unira a eles. Ainda havia trabalho a realizar na Pérsia. Além
disso, já tinha oitenta e seis ou oitenta e sete anos. E esta era uma
idade muito avançada para se viajar longas distâncias e participar
da árdua tarefa de reconstrução.
O velho havia orado em favor do retorno dos exilados, mas não
os acompanhara. Isso não significava que o plano de Deus findara.
Deus ainda tem outra revelação para seu idoso profeta. O frágil
servo de Deus contemplará coisas não vistas em qualquer de suas
visões anteriores. Verá o Filho de Deus novamente e terá uma
percepção mais ampla quanto ao futuro. Compreenderá plenamente
o que lhe será revelado (v. 1).
Daniel envelhecera, mas não ao ponto de privar-se de exercícios
religiosos especiais (vv. 2-3). Por três semanas inteiras, esteve
pranteando e humilhando-se. Não provou comida ou iguarias
deliciosas. Pôs de lado a carne e o vinho. Deixou de ungir-se com
óleo, que é amplamente usado no Oriente para alguém se refrescar.
Dedicou-se a sincera e profunda humilhação. Foi uma ocasião de
tristeza e jejum.
Qual a razão para tudo isso? Por que deveria este homem idoso
gastar três semanas pranteando e humilhando-se, em jejum e
oração?
Não o sabemos especificamente. Mas podemos descobrir por
meio do que conhecemos na história do Antigo Testamento. Daniel
havia desejado e orado para que os judeus retornassem do exílio; e,
com o decreto de Ciro, sua oração fora atendida. Alguns judeus
haviam retornado. Mas era como se nenhum retorno tivesse
acontecido. Somente um pequeno grupo deles se apropriara da
oportunidade, dada por Deus, para retornarem. A grande maioria
não manifestou verdadeiro desejo de voltar para sua pátria.
Isso deve ter entristecido o coração de Daniel. Durante setenta
anos ou mais, ele não esquecera Jerusalém. Orava três vezes ao
dia, com suas janelas abertas em direção à cidade que amava e
nunca saíra de seus pensamentos. Era um amor que,
evidentemente, seus compatriotas não compartilhavam. Sentiam-se
mais felizes onde estavam e mostravam pouco interesse em voltar
do exílio. Quem saberia quanto tempo duraria a permissão oficial?
Talvez a oportunidade para retornar logo findasse.
Não somente isso, mas os poucos que voltaram enfrentavam
dificuldades sem precedentes em sua tarefa de reconstruir a cidade
e o templo. As fundações do templo haviam sido colocadas, mas a
obra estava parada por causa da oposição dos samaritanos, que
haviam apelado à Pérsia para que sua opinião quanto à edificação
fosse levada em conta. Os exilados que haviam retornado estavam
sobremaneira desencorajados.
Daniel suplicara pelo retorno, mas este resultara em algo
insignificante. Parecia que os poucos que haviam retornado fizeram-
no sem um verdadeiro motivo. Parecia que tudo fora em vão. A
situação pouco se assemelhava a uma concretização do que Deus
prometera por meio de Jeremias.
Foi por essa razão que Daniel se humilhou e estava orando.
Nesta situação, Deus, em sua terna misericórdia, deu-lhe a última
visão do livro, a qual logo estudaremos.
Daniel nos conta, no versículo 4, a data exata em que ocorreu.
Foi três dias após a conclusão da festa da Páscoa e dos Pães
Asmos. Os exilados recém-chegados celebraram, na Terra
Prometida, essa festa pela primeira vez em três gerações. Enquanto
o faziam, o ancião Daniel estava à beira do rio Tigre. Foi nessa
ocasião e lugar que recebeu a visão final.

O QUE DANIEL VIU E OUVIU E COMO REAGIU


Os versículos 5 a 9 nos relatam o que Daniel viu e ouviu.
Também nos mostram como ele reagiu.
À margem do rio Tigre, levantou os olhos e viu um homem vestido
de linho. Freqüentemente, na Bíblia, esta descrição se refere a um
visitante celeste. Os ombros do visitante estavam cingidos de ouro
puro. A figura é de deslumbrante esplendor e majestade.
A descrição do visitante continua no versículo 6. Devemos
compará-la a Apocalipse 1.13-17, onde João relata ter visto “um
semelhante a filho de homem, com vestes talares e cingido, à altura
do peito, com uma cinta de ouro. A sua cabeça e cabelos eram
brancos como alva lã, como neve; os olhos, como chama de fogo;
os pés, semelhantes ao bronze polido, como que refinado numa
fornalha; a voz, como voz de muitas águas. Tinha na mão direita
sete estrelas, e da boca saía-lhe uma afiada espada de dois gumes.
O seu rosto brilhava como o sol na sua força. Quando o vi, caí a
seus pés como morto. Porém ele pôs sobre mim a sua mão direita,
dizendo: Não temas; eu sou o primeiro e o último”.
João estava exilado na ilha de Patmos quando escreveu essas
palavras; com elas, o apóstolo narrou a visão profética que ali
recebera a respeito do Senhor Jesus Cristo. Há considerável
similaridade entre a visão contemplada por João e a de Daniel. Não
pode haver dúvida quanto ao fato que o lamentoso Daniel viu o
próprio Filho de Deus! Muitas vezes, na época do Antigo
Testamento, muito antes que Ele realmente assumisse a carne
humana, no ventre de Maria, o Senhor Jesus Cristo apareceu na
forma de um homem. Esse fenômeno é chamado de “teofania”; e,
como já notamos, a teofania descrita neste capítulo não é a primeira
no livro. Daniel contemplou mais uma vez o Senhor da glória pré-
encarnado!
O versículo 7 deixa evidente que somente Daniel teve essa visão
gloriosa. Foi revelada somente a alguém espiritualmente perceptivo.
Somente aqueles que possuem uma natureza espiritual podem ver
as realidades do mundo espiritual.
A experiência de Daniel nessa ocasião demonstra uma
semelhança com a de Paulo na estrada de Damasco. Quando o
Senhor Jesus Cristo falou com Paulo, todos ouviram o som de sua
voz, mas somente Paulo ouviu as palavras pronunciadas (At 9.7;
22.9). De modo semelhante, somente Daniel contemplou a visão.
Todos os demais sentiram a presença do Visitante celestial, mas
nada viram. A proximidade do Filho de Deus fez com que
tremessem e, amedrontados pela santa presença, fugiram e se
esconderam. Houve uma percepção irresistível do céu na terra. Ao
fugirem os demais, Daniel ficou sozinho perante o Filho de Deus.
“Fiquei, pois, eu só e contemplei esta grande visão, e não restou
força em mim; o meu rosto mudou de cor e se desfigurou, e não
retive força alguma” (v. 8).
Um crente velho e fiel está agora sozinho diante da segunda
Pessoa da bendita Trindade! Suas forças retraem-se de seu corpo
mortal, e sua cor natural se altera em uma palidez fúnebre. A voz
cujas palavras são “como o estrondo de muita gente” lhe fala.
Esta experiência é demais para o corpo humano suportar. Daniel
cai prostrado, com seu rosto em terra, e perde os sentidos. O velho
profeta perde a consciência, aos pés do Senhor Jesus Cristo!
Às vezes, ouvimos homens e mulheres falarem de modo
desafiante contra nosso Senhor. Afirmam que, no Dia do Juízo,
“dirão algumas coisas a Jesus”. Mas não será nada disso. Quando
homens e mulheres vêem o Senhor Jesus Cristo em seu esplendor
sem véu, perdem a força e caem prostrados aos pés dEle. Quem
pode descrever a majestade do Filho de Deus? Para criaturas
mortais, contemplar o Filho de Deus é apavorante e avassalador.
O QUE O VISITANTE DISSE
O que nosso Senhor Jesus Cristo disse a Daniel foi registrado
nos versículos 10 a 14.
No entanto, primeiramente, o velho profeta necessitava ser
restaurado à sua consciência. Isso não aconteceu de uma vez; e o
início do processo é descrito no versículo 10. Certa mão o tocou e o
acordou. Pôde, então, colocar-se de joelhos, com as palmas das
mãos no chão. Porém, algumas palavras de conforto serão
necessárias, antes que ele possa ficar de pé.
Tais palavras lhe são dirigidas (v. 11). O gracioso Salvador o
chama pelo nome e lhe assegura confortavelmente que ele é um
homem muito amado. É difícil pensar em algo mais maravilhoso que
um pecador desejaria ouvir! O Filho de Deus o amava!
É instado a colocar-se de pé e ficar atento às palavras que o
Visitante lhe transmitirá. Daniel atende a essas ordens, mas
continua a tremer. Está em grande tremor por causa do que está
prestes a ouvir dos lábios do Filho de Deus. Está muito mais
dominado do que na ocasião anterior, quando se encontrou com
Gabriel. Isso ocorre porque a glória de Deus é infinitamente maior
do que a dos mais gloriosos anjos. Daniel havia caído como morto
aos pés de Gabriel, mas se recuperou bem depressa. Neste
capítulo, quase não recobra os sentidos, e, como vemos nesta
ocasião e depois, toda a sua recuperação foi por causa de ter
recebido força sobrenatural. A glória de Deus é demais para o frágil
ser humano suportar.
Em seu temor, ouve o Salvador lhe falando novamente,
chamando-o pelo nome. Com ternura, o Senhor o consola com a
afirmação de que não há o que temer. O Visitante é um amigo (v.
12).
“Há três semanas, Daniel, você começou a orar. Desde o primeiro
momento, sua oração foi ouvida. Você teve o propósito de
compreender o futuro do povo de Deus e começou a humilhar-se
por causa dos pecados deles. No momento em que começou a orar,
você foi ouvido, e Eu lhe fui enviado. Por isso, agora você receberá
a revelação que lhe trago. Por três semanas inteiras, você esteve
orando, mas Eu fui impedido de vir.”
O versículo 13 é certamente um dos mais misteriosos do Antigo
Testamento. Quem poderia ter impedido o Senhor Jesus Cristo? A
resposta apresentada é “o príncipe do reino da Pérsia”.
Devemos observar as palavras usadas aqui. Foi o “príncipe” e
não o “rei” da Pérsia. Não foi Dario ou Ciro que resistiram a Cristo. A
Bíblia se refere consistentemente a eles como “reis”. Esse é o título
dado a esses potentados terrestres. Este versículo não se refere a
eles, mas ao “príncipe do reino da Pérsia”.
Para compreender isso, devemos recordar o ensino do apóstolo
Paulo em 1 Coríntios 10.20. Ali, ele nos instrui que as pessoas, ao
adorarem ídolos, não estão propriamente adorando os ídolos,
embora os próprios adoradores possam imaginar que façam isso.
Por trás da adoração aos ídolos, estão os demônios; e estes são os
verdadeiros deuses dos que adoram ídolos.
De modo semelhante, por trás dos deuses nacionais da Pérsia
existiam personalidades más e sobrenaturais. Foram esses espíritos
maus que levaram as autoridades persas a apoiar os samaritanos
em suas investidas contra o pequeno grupo de judeus fiéis que do
exílio haviam retornado à Palestina. A situação continuara por algum
tempo, mas, vinte e um dias antes, Daniel solicitara ajuda celestial.
Cristo se envolveu na situação e o arcanjo Miguel com Ele. Uma
batalha espiritual foi travada.
O resultado dessa batalha espiritual é indicado no final do
versículo 13, que não mais se refere ao “príncipe do reino da
Pérsia”, mas aos “reis da Pérsia”, isto é, os governantes terrenos
daquele império. Aqueles espíritos maus que antes os influenciaram
a fazer o mal já não estão mais ao lado deles. Ali agora estão
presentes Cristo e Miguel. As forças de Deus triunfaram; agora são
elas que agem e influenciam os reis persas em suas decisões. A
situação quanto aos exilados que retornaram será mudada.
Não somente a situação mudou, mas também Cristo mesmo veio
para revelar a Daniel o que o futuro traria. Daniel receberá uma
longa revelação a respeito do futuro e contemplará o que há de
acontecer ao povo de Deus (v. 14). A visão se estenderá não
apenas aos anos imediatamente posteriores, mas até o fim do
mundo. A revelação será detalhada. Daniel 11 e 12 são dois dos
mais extraordinários capítulos da Bíblia. Registram a História,
escrita em considerável detalhe, antes mesmo dos eventos se
realizarem. Foi para desvendar todos os fatos relatados nestes
capítulos que Cristo veio a Daniel naquele dia, à beira do rio Tigre.

COMO DANIEL FOI CAPACITADO A RECEBER A VISÃO


Já observamos quando e onde a visão ocorreu. Notamos como
Daniel viu, ouviu e reagiu perante o Senhor Jesus Cristo.
Estudamos as palavras iniciais de nosso Senhor. O restante do
capítulo, a partir do versículo 15, nos conta como o profeta foi
capacitado a receber a visão que ocupará os dois capítulos
seguintes.
O fato é que, apesar das palavras confortantes da ordem divina –
“Não temas” – ouvidas por Daniel, este ainda não se recompôs.
Mais uma vez, caiu prostrado aos pés de Cristo, dominado por
reverência e temor (v. 15). O encontro com o Senhor foi tão
impressionante que Daniel perdeu a fala. Ficou, literalmente,
aturdido. Mostrou-se tão abismado diante de tudo isso, que lhe
fugiram as palavras da boca.
Então, alguém em forma humana – certamente um anjo – o
tocou, como um dos serafins o fez a Isaías, quando este viu a Cristo
(Is 6.5-6). Por meio da força sobrenatural assim concedida, o profeta
recuperou sua capacidade de falar. Conseguiu pronunciar algumas
palavras, explicando como a angústia o dominou e como perdera
todas as suas forças (v. 16). Pergunta como ele, um mero servo,
pode falar com seu Senhor (v. 17). Explica-lhe como a visão da
santidade fora demais para ele e como o efeito físico da visão o
deixara às portas da morte.
A resposta a isso é que mais uma vez o anjo se manifesta e,
sobrenaturalmente, fortalece o profeta (v. 18). Este se recupera aos
poucos, mas ainda não está pronto para ouvir a revelação que lhe
será dada. Ele recebe as forças de que ainda necessita quando,
uma vez mais, o Filho de Deus lhe fala em termos afetuosos e
ternos. A voz amável lhe ordena duas vezes: “Sê forte”; e,
finalmente, o frágil e idoso profeta responde: “Fala, meu senhor, pois
me fortaleceste” (v. 19). O homem mortal agora está pronto para a
visão sobrenatural. Adquiriu força suficiente para receber as
revelações extraordinárias que lhe serão dadas.
“Há um conflito espiritual em andamento, na Pérsia”, diz o Senhor
(vv. 20, 21), se podemos parafraseá-Lo, “e Eu voltarei a ele. Quando
este terminar, haverá um conflito espiritual com o príncipe da Grécia.
Nessas lutas, meu único aliado é Miguel, vosso príncipe”.
“Mas sabe por que estou aqui? Sabe por que vim a você? Vim
para mostrar-lhe o que está escrito no plano de Deus quanto ao
futuro.”

ALGUMAS LIÇÕES PARA NÓS


Antes de passarmos a examinar a visão, não devemos esquecer
as lições solenes que Daniel 10 nos ensina.
Este capítulo nos mostra quem são os verdadeiros inimigos do
trabalho de Deus. Este é um assunto de considerável importância, e
não devemos sair deste capítulo sem o observarmos devidamente.
Zorobabel havia retornado a Jerusalém. Todo o trabalho que ele e
seus poucos companheiros esperavam empreender havia sido
interrompido. Quem eram os responsáveis?
Culparíamos o próprio grupo de desencorajados? Poderíamos
dizer-lhes: “É tudo culpa de vocês. O desânimo de vocês os impede
de realizar as coisas”. Pessoas desencorajadas são os verdadeiros
inimigos da obra de Deus?
Ou culparíamos os samaritanos? Haviam morado na Palestina
durante todo o tempo do exílio dos judeus na Babilônia. Sentiram-se
grandemente desapontados com o retorno dos judeus e seu plano
de reconstruir o templo. Essa era a última coisa que os samaritanos
queriam e, portanto, esforçaram-se para evitá-la. Deveríamos,
então, dizer que os verdadeiros inimigos da obra de Deus são
aqueles que a criticam e se opõem fisicamente a ela?
Ou seriam os persas os culpados? Foram as autoridades persas
que, no primeiro momento, autorizaram os judeus a voltar, mas,
depois, ordenaram que o trabalho cessasse, quando os samaritanos
se queixaram. Certamente, eles são os verdadeiros inimigos.
Nenhum destes são os verdadeiros inimigos da obra de Deus. Os
verdadeiros inimigos são revelados nos versículos 13 e 20: “O
príncipe do reino da Pérsia me resistiu”; “Tornarei a pelejar contra o
príncipe dos persas”.
Não é muito popular afirmar isso, mas ainda continua sendo
verdade que a Bíblia contém uma doutrina concludente a respeito
dos anjos. Há os anjos bons e os anjos maus; estes são também
conhecidos como “demônios”.
O ensino claro da Palavra de Deus é que os homens maus são
dirigidos na terra por poderes do mal. Essas personalidades
espirituais malignas, que influenciam e penetram mentes humanas,
são os verdadeiros inimigos do trabalho de Deus.
A guerra em que estamos engajados não é, primariamente,
contra nosso próprio desânimo ou contra inimigos visíveis. Não é,
em primeira instância, uma guerra contra críticos ou autoridades que
frustram constantemente as coisas que desejamos fazer. Nossa
guerra é espiritual, contra inimigos espirituais. Isso é evidente do
capítulo que acabamos de estudar; é também um fato ressaltado
pelo apóstolo Paulo, quando escreveu: “Porque a nossa luta não é
contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e
potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra
as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef 6.12).
Há um reino espiritual. Há um conflito invisível que se torna
visível em nossa própria experiência. É muito importante reconhecer
isso. Por exemplo, quando falamos freqüentemente com outras
pessoas a respeito do evangelho, a resposta delas é: “Não
compreendo”. Quando isso acontece, nossa reação natural é
ficarmos desencorajados e culpar a falta de entendimento ou a falta
de habilidade intelectual das pessoas.
Este não é o problema. Não devemos culpar nossa falta de
resultados por causa de nossa má comunicação do evangelho –
embora haja bastante disso por aí. Tampouco devemos concluir que
são os nossos métodos que são culpados – embora estes devam
ser constantemente revisados. O problema essencial também não é
o triste fato de que muitas vezes fazemos o trabalho do Senhor com
a atitude errada.
A razão por que homens e mulheres não crêem no evangelho,
quando este lhes é explicado, é esta: “O deus deste século cegou o
entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz
do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2 Co
4.4). O diabo e suas hostes são os verdadeiros inimigos da obra do
Senhor.
Uma vez que entendemos esta verdade, também assimilamos a
importância de uma segunda lição que o capítulo nos ensina. Este
capítulo nos mostra as únicas armas apropriadas para o conflito em
que estamos engajados.
Imediatamente após identificar os nossos verdadeiros inimigos,
Paulo ordena: “Tomai toda a armadura de Deus, para que possais
resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer
inabaláveis” (Ef 6.13).
A armadura que vestimos e as armas que usamos são escolhidas
conforme o tipo de conflito em que estamos engajados. Como nossa
luta é espiritual, é imperativo que nos valhamos de proteção e
armas espirituais. Se não fizermos isso, logo seremos vencidos.
Conseqüentemente, o apóstolo enumera as peças da armadura
que são exigidas para a batalha, mas termina mencionando uma
arma para a qual não há comparação terrena: “Com toda oração e
súplica, orando em todo tempo no Espírito e para isto vigiando com
toda perseverança e súplica por todos os santos e também por mim;
para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra, para,
com intrepidez, fazer conhecido o mistério do evangelho” (Ef 6.18-
19).
O conflito espiritual exige que recorramos à oração. De que outro
modo pode ser reivindicada ajuda celestial? Daniel 10.12 nos
encoraja a perceber que, desde o momento em que começamos a
orar, o auxílio está a caminho. Como Daniel, podemos ser obrigados
a agonizar por longo tempo – talvez três semanas – antes que
recebamos qualquer confirmação pessoal de que nossa oração foi
ouvida. Mas Deus nos ouve desde o momento em que abrimos a
boca.
Há tremendo poder na oração. Foi pela oração que o exílio
terminou e que Ciro foi movido a fazer seu decreto histórico.
Quando o trabalho de reconstrução foi interrompido, Daniel recorreu
novamente à oração. Pouco depois, o trabalho recomeçou. Os
inimigos foram frustrados, e Deus enviou novos líderes para exortar
e encorajar o povo. Finalmente, o templo foi reconstruído, e nada
pôde impedir isso.
Pense nisto: um velho de oitenta e sete anos, em um país
distante, orou, e a História foi mudada!
Por isso, devemos ser zelosos em orar pela causa de Cristo,
tanto em nosso país como no exterior. O poder da oração vai além
das expectativas. Este é outro assunto que foi constantemente
enfatizado pelo apóstolo Paulo. Suas cartas estão cheias de
pedidos de oração. Ele sabia que, se o povo de Deus se envolve na
prática da oração, é certo que as coisas mudam. Seus apelos para
se esforçarem juntos neste exercício são constantes. Paulo não
esperava que seus leitores esperassem para entrar na luta somente
após terem entendido, precisamente, como a oração possui esse
imenso poder. Basta saber que o momento em que oramos é o
instante em que alcançamos o auxílio do céu para o conflito
espiritual. Cristo e os exércitos de Miguel se unem na batalha contra
as forças do mal, e a situação é mudada inevitavelmente.
Nesta altura, há uma terceira lição a aprender deste capítulo. Ele
nos mostra o que a pessoa que ora pode esperar.
Em sua longa vida, essa foi a ocasião em que Daniel exerceu
maior poder. No entanto, ele nunca esteve tão fraco e humilhado.
Nunca se mostrou tão abatido e prostrado.
É verdade que a oração evoca o poder divino e a ajuda celestial.
Mas nunca exalta o homem que ora. Pelo contrário, o oração abate-
o.
O caminho da oração é solitário e difícil. A resposta que não vem
de imediato também é algo desanimador. Mas há grandes
consolações na oração.
No lugar de oração, Daniel viu o Filho de Deus em sua completa
majestade e dos lábios dEle ouviu que era muito amado nos céus.
Foi tocado por anjos e assegurado de que a situação presente
mudaria. Daniel viu que, no futuro, tudo acabará bem, porque Deus
governa o futuro. Onde poderia ele ver qualquer dessas coisas,
senão ali, no lugar de oração?
Onde, exceto no lugar de oração, pode um pecador fraco, trêmulo
e mortal experimentar o céu na terra?
13 | Deus é o Senhor da história

LEIA DANIEL 11.1-20

Este capítulo de Daniel é a continuação imediata do anterior. Ao


iniciar-se o capítulo, o Senhor Jesus Cristo ainda está falando. O
primeiro versículo deveria pertencer ao capítulo anterior; é difícil
entender por que os homens que dividiram a Bíblia em capítulos
resolveram fazer uma divisão exatamente neste ponto.
No primeiro versículo, o Senhor está dizendo: quando o império
persa assumiu o governo foi Ele quem fortaleceu Miguel naquela
etapa do conflito celestial. O império babilônio foi derrubado pelo
poder de Cristo. Os medos e persas foram seus instrumentos
terrenos, mas a queda efetiva da Babilônia foi um ato divino
realizado pelo próprio Filho de Deus.
O restante do capítulo é resumido nas palavras iniciais do
versículo 2: “Agora, eu te declararei a verdade”. O Senhor mostrará
a Daniel um verdadeiro retrato do futuro. O capítulo 11 é a História
escrita antes que os eventos ocorressem! Estava escrita desde a
eternidade nos livros divinos (10.21), mas também seria registrada
no livro de Daniel muito tempo antes que acontecesse.
O capítulo 11 é um dos mais difíceis do livro de Daniel, e, ao
estudá-lo, precisaremos nos referir constantemente a outras
passagens das Escrituras. O capítulo é difícil, especialmente para
os que não são bons em História. Por essa razão, para estudá-lo,
vamos dividi-lo. Nele encontramos lições importantes e
confortadoras. Ao aprendê-las, acharemos que todo o nosso esforço
foi mais do que válido.
Primeiramente, observaremos o conteúdo dos versículos 2 a 20.
Embora entendamos estes versículos apenas de um modo geral,
seremos capazes de assimilar as lições que fortalecerão
grandemente nossa vida espiritual.

O CONTEÚDO (VERSÍCULOS 2 A 20)


v. 2 – Quando nosso Senhor falou a Daniel nesta visão, era o
terceiro ano do reinado de Ciro, da Pérsia (10.1). Revelou a Daniel
que o quarto rei após Ciro “será cumulado de grandes riquezas mais
do que todos; e, tornado forte por suas riquezas, empregará tudo
contra o reino da Grécia”. Será alguém especial.
O quarto rei da Pérsia, depois de Ciro, foi o famoso Xerxes. Mais
rico do que qualquer de seus precursores, usou sua considerável
fortuna para formar e manter um imenso exército, com o qual atacou
a Grécia. Ainda tenho vívidas memórias de como meu coração de
menino se entusiasmou com a leitura de A História de Heródoto,
que registra essas aventuras e conta as famosas batalhas em
Termópilas e Salamina. A História cumpriu-se exatamente como o
Senhor havia anunciado ao velho profeta.

v. 3-4 – Mas a Pérsia não permaneceu como o poder dominante.


Logo a glória do mundo seria a Grécia, que foi levada à
proeminência por Alexandre, o Grande, a quem se refere o versículo
3. Este jovem excepcional morreu na Babilônia, no vigor de sua
vida, com a idade de trinta e dois anos. Nenhum de seus filhos
herdou o império, e doze de seus generais o dividiram entre si. Foi
um tempo de tramas e conspirações, e, por fim, o império se
acalmou, sendo dividido em quatro partes distintas – isso havia sido
profetizado antes, em Daniel 8.8. Alguns outros reinos
insignificantes sobreviveram por um pouco, mas o resultado final foi
que a glória do império de Alexandre desapareceu, tornando-se
quatro reinos, nenhum dos quais conheceu o poder ou a glória do
império original.
Deste modo, as profecias do versículo 4 cumpriram-se com
exatidão, o que pode ser comprovado por um exame detalhado.
Nosso método, neste capítulo, já deve estar claro. Estamos
contando a História da época intertestamentária, enquanto nos
referimos aos versículos específicos que profetizaram os eventos.

v. 5 – O que foi profetizado em seguida se refere ao rei “do Sul”.


Esta expressão, sem dúvida, se refere ao Egito, como o versículo 8
deixa claro. O ano 322 a.C. testemunhou o surgimento de Ptolomeu
Sóter, que veio a governar o Egito naquele ano e permaneceu até
305 a.C. Tomou sob sua proteção um príncipe chamado Seleuco,
que se tornou um brilhante militar e, em breve, um de seus generais.
Em 312 a.C., este jovem tomou Babilônia de todos os rivais e
estabeleceu o que se tornou o império selêucida, independente, cuja
sede encontrava-se na Síria. Cedo ultrapassou em muito o reino
ptolomaico, tanto em tamanho como em poder.

v. 6 – Depois de algum tempo, estes dois reinos – do sul e do


norte, estabeleceram uma aliança, por meio de um casamento. De
fato, isso ocorreu trinta e cinco anos após a morte de Seleuco.
Berenice, filha de Ptolomeu Filadelfo, do sul, foi recebida com
grande pompa, para ser a esposa de Antíoco II, no norte. Mas o
casamento não teve o resultado desejado, ou seja, unir os dois
reinos. Pouco depois, o pai de Berenice morreu. A história é muito
longa para ser contada neste livro. Basta dizer que logo ela mesma
foi morta, o que também aconteceu com seu marido e seu filho.
Todos foram
assassinados. Pouco depois, tudo se encontrava como se não
houvera uma rainha Berenice e sem qualquer sustentação para uma
aproximação entre o norte e o sul.

v. 7 – “Mas... um renovo da linhagem dela.” De fato, seu irmão


tornou-se o rei do Egito. Foi o terceiro Ptolomeu a reinar, sendo
conhecido como Ptolomeu Euergetes (“o que procede bem”).
Venceu uma batalha contra o norte e matou todos os que
assassinaram sua irmã.

v. 8 – O sucesso do reino do sul foi amplo. Seus exércitos


saquearam o norte e trouxeram seus deuses protetores para o
Egito. Por algum tempo, houve considerável superioridade dos
ptolomaicos sobre os selêucidas.
O versículo termina com as palavras: “Por alguns anos, ele
deixará em paz o rei do Norte”. E foi isto mesmo que aconteceu.
Todos estes detalhes históricos foram revelados a Daniel, séculos
antes que se realizassem. À medida que o capítulo prossegue,
certamente ficamos admirados com a exatidão profética da Palavra
de Deus!

v. 9 – O versículo 9 nos conta: “Mas, depois, este avançará contra


o reino do rei do Sul e tornará para a sua terra”.
E, de fato, aconteceu. Do norte, veio um homem com o estranho
nome de Seleuco Calinícius. Em 240 a.C., ele marchou contra
Ptolomeu, no sul, e o derrotou completamente. Voltou, então, à sua
própria terra.

v. 10 – Após isto, os dois filhos do rei do norte, Seleuco Ceraunus


e Antíoco, o Grande, prepararam-se para a guerra. A linguagem do
versículo 10 é muito cuidadosa e, de modo específico, profetiza o
que aconteceu depois. A aliança dos dois príncipes foi quebrada
quando Seleuco morreu no campo de batalha, e Antíoco, o Grande,
foi obrigado a continuar sozinho. Conduziu várias expedições em
muitas direções, até que tomou Gaza, nos limites do reino
ptolomaico. Isso colocou novamente o norte e o sul em conflito
aberto.

v. 11 – A milícia de Antíoco era imensa. Em comparação, a milícia


do sul era insignificante – 70.000 soldados de infantaria, 5.000 na
cavalaria e 73 elefantes! No entanto, motivados pela fúria de
Ptolomeu Filopator, as forças do sul lutaram contra as forças
vastamente superiores do norte e as venceram! A multidão do norte
foi entregue em suas mãos.

v. 12 – A surpresa e a admiração desta inesperada vitória


encheram de orgulho o rei do sul, começando ele a infringir derrotas
ainda maiores ao norte. Mas não ganhou quaisquer vantagens
duradouras e voltou novamente para o sul, para viver em
tranqüilidade.

v. 13 – A superioridade do sul durou pouco. Não muito mais tarde,


Ptolomeu Filopator morreu, sendo sucedido por uma criança de
quatro anos! Mais uma vez o norte foi o poder dominante na região.
v. 14 – Parecia, agora, que tudo estava terminado para o reino do
sul. Filipe da Macedônia aliou-se com o norte, fortalecendo
consideravelmente os inimigos do sul. Rebeldes surgiram dentro
das próprias fronteiras do Egito, embora não permanecessem por
muito tempo. Todos esses detalhes históricos aconteceram “para
cumprirem a profecia”. Em outras palavras, à medida que cada
evento histórico consumava o que havia sido tão especificamente
profetizado por nosso Senhor a Daniel, a visão se tornava mais e
mais confirmada como sendo verdadeira. Tudo que fora profetizado
tornava-se realidade diante dos leitores do livro de Daniel! Nesta
visão não havia nada falso. Era óbvio que se poderia confiar
inteiramente neste livro. Isso foi um tremendo encorajamento para o
povo de Deus, quando eles atravessaram tempos difíceis e
aprenderem das páginas de Daniel qual seria o resultado final!

v. 15 – O norte, então, teve uma decisiva vitória em Sidom. A


cidade foi sitiada, e alterações no terreno foram realizadas, a fim de
permitir que o exército atacante entrasse na cidade.

v. 16 – Parecia que Antíoco, o Grande, se tornara invencível.


Ninguém era capaz de resistir-lhe, e, portanto, fez exatamente o que
desejava. A Palestina depressa caiu em suas mãos e, como
resultado passou a sofrer drasticamente.

v. 17 – Apesar de todos os seus esforços, não conseguiu derrotar


o sul. Nesta época, o conquistador mudou sua tática. Assim,
chegamos a um período mais conhecido na História, do qual somos
lembrados na peça Antônio e Cleópatra, de Shakespeare.
Antíoco concluiu que a melhor maneira de derrotar o sul seria por
meio de sutileza. Muito convincentemente, foi ao Egito com todo o
tipo de amigos íntegros e contratou o casamento de sua filha,
Cleópatra, com o rei ptolomaico. Pensou que este arranjo resultaria
em que, finalmente, declarar seu poder sobre o reino do sul, o qual
não conseguira vencer por tanto tempo.
O plano falhou miseravelmente. Após o casamento, cinco anos
mais tarde, Cleópatra não satisfez as expectativas do pai e
posicionava-se constantemente ao lado do marido, em detrimento
dos interesses do pai. A profecia divina estava, mais uma vez,
exatamente correta: “Isto, porém, não vingará, nem será para a sua
vantagem”.

v. 18 – Este fato levou Antíoco, o Grande, a abandonar suas


ambições em relação ao sul e a voltar-se para “as terras do mar”,
isto é, as costas do Mar Mediterrâneo. Estava particularmente
interessado em anexar a Ásia Menor a seus domínios. Desta vez,
tentou conseguir mais do que realmente podia. Contra ele marchou
o romano Lucius Scipio Asiaticus. Antíoco foi totalmente derrotado e
humilhado.

v. 19 – Foi uma enorme derrota, causando o fim das ambições


territoriais de Antíoco. Impossibilitado de atacar terras estrangeiras,
concentrou suas atenções em assuntos de sua própria terra, onde
logo desapareceu de cena.

v. 20 – Antíoco foi substituído por Seleuco Filopator. Um de seus


atos iniciais foi enviar um emissário, chamado Heliodoro, para
confiscar os tesouros do templo em Jerusalém. Heliodoro saiu com
esta missão, mas relatou que uma aparição o advertira contra
executar um ato tão perverso. Certamente, esta ordem nunca foi
cumprida. Seleuco Filopator desapareceu misteriosamente pouco
tempo depois – poucas semanas após o início de seu reinado. De
modo geral, acredita-se que Heliodoro o envenenou. Foi um
impressionante cumprimento da profecia: “Mas, em poucos dias,
será destruído, e isto sem ira nem batalha”.
Todos esses fatos históricos são difíceis e complicados, não
sendo particularmente interessantes. É quase impossível alguém
lembrar, por muito tempo, os fatos exatos a respeito dos
relacionamentos entre os reinos ptolomaico e selêucida. Mas
chegamos ao ponto em que certo Antíoco Epifânio entrará no
cenário da História. Já lemos sobre ele em Daniel 8. Ele é
extremamente importante, e aprenderemos bastante a seu respeito
na próxima seção deste livro (11.21-45).
Não devemos nos preocupar muito, se não temos uma
compreensão detalhada da história do Oriente Médio na época entre
o Antigo e o Novo Testamento. Nossas considerações sobre ela,
neste capítulo, foram pouco mais do que superficial. Nosso alvo era
apenas notar que cada detalhe profetizado foi exatamente o que
aconteceu. Aquilo que está escrito no livro de Deus e,
conseqüentemente, no livro de Daniel é precisamente o que está
escrito em nossos livros de História. Esse fato surpreendente deve
levar-nos a aprender várias lições espirituais muito úteis. São
bastante claras, e, agora, chegamos a elas.

ALGUMAS LIÇÕES
Em primeiro lugar, um capítulo como este deve renovar e
fortalecer nossa confiança na Bíblia.
Como já expliquei antes, meu propósito em escrever este livro é
encorajar as pessoas a estudar o livro de Daniel por si mesmas.
Não faz parte de minhas intenções apresentar evidências que
favoreçam minha firme convicção de que Daniel foi escrito no século
VI a.C. O livro de Daniel é uma unidade; e não há evidência de que
qualquer parte dele tenha sido escrita em alguma outra ocasião. Há
evidências abundantes, internas e externas, de ter sido escrito no
século VI a.C. Essas evidências são explicadas nos livros dos
professores Robert Dick Wilson e E. J. Young. Os que têm acesso a
estas obras em inglês obteriam muito proveito estudando
detalhadamente o assunto. Deve-se notar que os argumentos deles
foram muitas vezes ignorados, mas nunca refutados.
O livro de Daniel é uma peça literária fantástica em que a História
foi escrita antes de se realizar! Não pode haver outra explicação
além desta: sua origem é sobrenatural. Não admira que nosso
Senhor Jesus Cristo tenha dito a respeito do Antigo Testamento em
geral e, portanto, do livro de Daniel: “A tua palavra é a verdade” (Jo
17.17).
A Bíblia não é somente um livro que contém verdades ou um livro
verdadeiro; é a própria verdade. A grande maioria dos homens e
mulheres ao nosso redor não sabem em que crer ou para onde se
voltar em suas crenças. Estão clamando por uma palavra segura.
Querem algo que reconheçam, com certeza, ser a verdade.
Podemos dizer-lhes, com segurança, que confiem na Bíblia. A
Palavra de Deus é a verdade. É infalível. É inerrante.
Pense em um amigo que sempre lhe fala a verdade. Você tem
certeza disso, pois em toda ocasião em que as palavras dele foram
confrontadas, demonstraram ser verdadeiras. Você não crerá neste
amigo quando ele lhe falar sobre coisas que você não pode
comprovar?
Isso também acontece com a Escritura. Em todas as áreas em
que pode ser comprovada, verifica-se que ela fala a verdade. Os
versículos que acabamos de estudar são uma dessas áreas. Vimos
o que foi profetizado e percebemos claramente que os eventos da
história subseqüente conferem exatamente com as profecias feitas.
Em cada ponto, ela foi verdadeira.
Sendo assim, por que deveria eu não crer na Bíblia, quando ela
me fala a respeito de outros assuntos? Fala com igual certeza sobre
Deus. Revela-me o que devo crer a respeito dEle e o que Ele requer
de mim. Também fala-me sobre o homem – de onde veio, porque
está aqui e qual a verdadeira natureza do seu problema. De igual
modo, fala sobre estes assuntos tão difíceis: como ganhar a vida
eterna, como viver minha vida pessoal, como deve ser minha vida
em família, minhas responsabilidades como cidadão e um vasto
número de outros assuntos importantes. É profundamente
tranqüilizador saber que o Livro que fala de todos estes assuntos é
inteiramente confiável. Tudo que preciso saber para esta vida está
contido em um Livro que é a “verdade verdadeira” – usando a
expressão do Dr. Francis Schaeffer.
Que loucura é ignorar ou negligenciar este livro! É uma loucura
ainda maior não crer nele ou duvidar dele! Neste mundo, há um livro
verdadeiro – verdadeiro porque vem de Deus!
É hora de pararmos de tentar justificar as declarações da Bíblia.
É tempo de acabarmos com a timidez quanto a sermos evangélicos,
quando nos estamos entre aqueles que duvidam das Escrituras,
argumentam contra elas e escarnecem abertamente daqueles que
as amam e crêem nelas. Cremos que a Bíblia é aquilo que afirma
ser – a Palavra de Deus. Esta convicção é renovada e fortalecida
quando lemos um capítulo tão admirável como Daniel 11. Algo é
gravado em nosso coração pelo Espírito Santo: a certeza de que
abrimos o Livro da verdade!
Nossa segunda lição do capítulo 11 pode ser resumida no antigo
ditado: “Deus é o Senhor da História”.
Como poderia o Senhor haver dado a Daniel uma detalhada visão
do futuro, se o futuro estivesse fora do controle do Senhor?
Imagine o que aquelas pessoas que tinham este capítulo de
Daniel em suas mãos devem ter pensado, quando viram os
diferentes monarcas ptolomaicos e selêucidas surgindo e
desaparecendo do modo exato como havia sido profetizado. Teriam
dito: “Tudo está acontecendo como Deus falou”. Teriam a plena
convicção de que Deus estava controlando tudo e que seus
propósitos estavam sendo cumpridos. O que fora profetizado se
realizara. Teriam concluído que as coisas profetizadas e ainda não-
acontecidas haveriam de acontecer com certeza.
Tudo que ocorre na História ocorre porque está escrito no livro de
Deus. Neste caso, um período particular da história foi revelado a
Daniel e escrito em seu livro. E, ainda que não tivesse sido escrito,
não alteraria o fato de que estava escrito nos planos de Deus. A
História não é sem sentido ou propósito, como alguns historiadores
modernos têm declarado. Tudo que acontece está consumando os
decretos de Deus. E, apesar disso, Ele não é, de modo algum, o
autor do pecado. Deus não o admite nem por um momento. Não
compreendemos isso, mas é um fato que permanece. Veremos
todas essas coisas com mais clareza quando estivermos na
eternidade, pois veremos a História do mundo com uma perspectiva
melhor.
Há imenso conforto nesta verdade. Ao observarmos o mundo de
hoje, vemos as forças do mal trabalhando por toda parte –
espreitando, ameaçando, perseguindo e oprimindo. Mas essas
forças, até essas forças, estão realizando os propósitos eternos de
Deus. Não estão fazendo nada diferente daquilo que faziam os
grandes impérios do mundo mencionados no livro de Daniel.
Aprendemos que esses impérios estavam nas mãos de Deus. Isso
não é menos verdade quanto às forças do mal nos dias de hoje. A
História não está fora de controle, e a sua consumação não é uma
questão duvidosa. Todas as coisas estão se movendo em direção
ao triunfo final de nosso Senhor Jesus Cristo e ao castigo final e
eterno dos ímpios.
Há uma terceira e última lição a aprendermos. Deus continua
sendo Deus, embora não O vejamos em parte alguma.
Vimos o Senhor Jesus Cristo anunciando o futuro ao profeta
Daniel. E, quando examinamos a visão histórica que o Senhor lhe
deu, observamos que não há qualquer menção à pessoa de Deus.
Há um verdadeiro catálogo de guerras, alianças, casamentos,
batalhas e uma quantidade admirável de reis surgindo e
desaparecendo. O homem ocupa todo o cenário. Freqüentemente,
temos a impressão de que os acontecimentos são controlados pelo
homem mais forte de sua respectiva época. Deus não é mencionado
em parte alguma. Aparentemente, é como se a História não tivesse
qualquer relação com Deus.
É o próprio Senhor quem está anunciando todos essas coisas!
Isso serve para enfatizar a lição que acabamos de aprender. Deus é
o Senhor da História. Esse fato continua sendo verdadeiro, ainda
que não haja evidência de que Deus está trabalhando.
Pense no período histórico mencionado nesta seção. Exércitos
cruzavam a Palestina. A atenção do mundo estava voltada para os
selêucidas ou para os ptolomaicos; os judeus simplesmente não
existiam no mundo político.
Impérios surgiam e desapareciam, mas os judeus eram
considerados sem valor algum. Eram o único povo no mundo que
tinha a verdade sobre o Deus vivo e, apesar disso, foram totalmente
esquecidos. Para o mundo, eram insignificantes. Experimentavam
bastante tribulação, perplexidade e perseguição. Seu coração se
enchia freqüentemente de temor. Nos livros de História daquela
época, o Deus deles não podia ser visto em lugar algum.
No entanto, mesmo naquela época, os eventos se consumavam
exatamente como o Salvador havia profetizado, e seus propósitos,
tanto para os judeus em particular como para o mundo em geral, se
realizavam. Nada acontecia, em lugar algum, sem que tivesse sido
previamente escrito em seu livro. Isso continuou sendo verdade, até
quando parecia que Ele estava completamente ausente do seu
mundo. Ele é o Senhor de toda a História. Quando não pode ser
visto, Ele está governando os assuntos do mundo, da mesma
maneira.
Ao concluir este capítulo, posso perguntar se você crê realmente
nisso?
Vivemos em dias de apostasia. Os homens se levantam em nome
de Cristo e proclamam nada mais do que uma forma de humanismo
temperado com coisas espirituais. Têm o nome de cristãos, mas não
são governados por nenhuma convicção realmente espiritual, nem
caracterizados por reverência ou submissão à palavra de Deus. A
cada dia, a igreja visível se afasta cada vez mais de seus
fundamentos apostólicos.
Como resultado imediato desta infidelidade múltipla houve, e
continua havendo, um declínio moral em todos os níveis de nossa
sociedade. Além disso, vivemos à sombra de um terror nuclear;
presenciamos mudanças diárias na política nacional e internacional
e lemos a respeito da confusão econômica universal. Enfrentamos a
possibilidade cada vez maior de sermos assaltados em nossas ruas
e roubados em nossas próprias casas. Esperamos alguma
diminuição na onda de perversidade, mas aguardamos em vão.
Quase não há uma voz proeminente em favor da verdade, em
qualquer lugar. Ficamos mais e mais acostumados com o triste fato
de que todo o inferno pode ser solto a qualquer momento.
Diante desta situação, você pode crer na verdade que este
capítulo deixa tão evidente: Deus continua sendo Deus, embora não
O vejamos em parte alguma.

Três vezes abençoado é aquele a quem é dado


O instinto que pode afirmar
Que Deus está no campo, quando Ele
É o mais invisível.

Ele se esconde tão maravilhosamente,


Como se não houvesse Deus;
Ele é menos visto quando todos os poderes
Do mal estão mais espalhados.
14 | Antíoco Epifânio

LEIA DANIEL 11.21-45

Daniel 11.21-45 é um terreno um pouco difícil. Primeiramente,


examinaremos o solo; depois, extrairemos dele algumas jóias.
É uma continuação da visão que nosso Senhor concedeu ao
velho profeta no final do século VI a.C. Fortalecido
sobrenaturalmente por anjos, o profeta foi capacitado a receber uma
visão do futuro. Foi-lhe anunciado que o império medo-persa daria
lugar à Grécia, que, depois de se dividir em quatro reinos, seria mais
tarde suplantada pelos interesses de dois reinos específicos. Até o
versículo 20, Daniel 11 provê um resumo detalhado do
relacionamento entre o reino do sul, dos Ptolomeus, sediado no
Egito, e o reino do norte, dos Seleucos, cuja sede estava na Síria.
Nosso estudo sobre esta profecia já fortaleceu nossa confiança
nas Escrituras. E a seção que temos diante de nós fará o mesmo.
Nosso método de estudo será semelhante ao do capítulo anterior.
Sem nos prendermos aos muitos detalhes históricos, relataremos da
maneira mais clara possível o que aconteceu naquele período da
História. Ao fazermos isso, nos referiremos aos versículos que
mencionam cada grupo de eventos. Uma vez mais, veremos como
cada acontecimento foi profetizado com exatidão. Novamente,
teremos o privilégio de ler a História escrita antes que acontecesse!

ANTÍOCO EPIFÂNIO
v. 21 – No capítulo anterior, aprendemos que Antíoco, o Grande,
foi sucedido por Seleuco Filopator, que desapareceu
misteriosamente pouco depois de assumir o trono. O monarca
seguinte, no reino do norte, também chamava-se Antíoco. Deu a si
mesmo o nome “Epifânio” (“Ilustre”), mas foi uma pessoa de caráter
tão extraordinário que seus contemporâneos se referiam a ele como
“Epimanes” (“Louco”)!
Uma lista de adjetivos curta pode, em poucas palavras, resumir o
caráter de Antíoco. Era astuto, poderoso, cruel, tolo, ganancioso e
imoral. Acima de todas essas coisas, era um homem de paixões
violentas. Este era o novo rei “ao qual não tinham dado a dignidade
real”. Por não estar na linhagem de sucessão ao trono, Antíoco não
recebeu as dignidades reais. Sua ascensão ao trono se deu por
meio de intriga e adulação, como este versículo profetizou
acertadamente.

v. 22 – Não demorou para que este novo rei estivesse em guerra


contra os Ptolomeus, do Egito, a quem derrotou totalmente. Ao
mesmo tempo, quebrou uma de suas alianças mais fiéis, celebrada
com um amigo aqui chamado de “o príncipe da aliança”.

v. 23 – Seu próximo contato com o Egito foi realizar uma aliança


com este! De alguma maneira, conquistou o coração dos egípcios.
Esse fato marca a verdadeira ascensão de Antíoco. Daí por diante,
tornou-se uma estrela de crescente poder e influência, embora
tivesse “pouca gente”.

v. 24 – Rapidamente, Antíoco Epifânio se tornou o senhor de um


reino esbanjador, no qual ele pôde dispensar toda sorte de riquezas
a quem desejasse. Foi também um reino pródigo e imoral. No
entanto, sua nova situação não mudou suas ambições. Seu coração
ainda estava ansioso por conquistar as “fortalezas” do Egito.

vv. 25-26 – Uma nova campanha foi empreendida contra o Egito.


Por causa da traição de alguns em suas próprias fileiras, os egípcios
não puderam resistir-lhe. A guerra resultou em um completo
massacre. Ao avançarem os selêucidas por sobre os corpos dos
egípcios, será que alguém lembrou esta profecia: “Muitos cairão
traspassados”?

v. 27 – Assim, os dois reis oponentes reuniram-se em torno de


uma mesa. Nosso Senhor havia contado a Daniel: “Também estes
dois reis se empenharão em fazer o mal e a uma só mesa falarão
mentiras”. Foi precisamente o que ocorreu. Antíoco fingiu que
dividiria o poder com Filometor, que, por sua vez, insinuou acreditar
nele! Cada um procurou enganar o outro. Mas ainda não era a hora
escolhida de Deus para findarem as guerras entre o Egito e a Síria.
Isso é o que significa o final do versículo 27.

vv. 28-29 – Antíoco retornou ao seu país, rico, ímpio e


aparentemente invencível. Porém, em 168 a.C., preparou outra
campanha contra o Egito. “Mas não será nesta última vez como foi
na primeira”, havia dito o Senhor. Este é um modo hebreu de afirmar
que a nova campanha não teria o sucesso das anteriores. E foi
exatamente assim que aconteceu.

v. 30 – A causa deste insucesso foram os “navios de Quitim”. Isto


se refere à frota do proeminente soldado e navegador romano,
Popilio Laenas. Ouvindo do avanço de Antíoco, navegou
imediatamente para as costas do Egito. A chegada da frota romana
desanimou tão completamente a Antíoco, que não pôde conquistar
o Egito. Partiu, então, com raiva e frustração, para a Palestina. Uma
vez ali, conferenciou com os judeus que haviam deixado sua fé,
vindo a concentrar seus pensamentos apenas na Terra Prometida.

v. 31 – Atacou Jerusalém, tomando as mulheres e crianças como


prisioneiras e consolidando a cidadela que guardava o templo. Em
seguida, iniciou uma tentativa sistemática de apagar todos os
vestígios da religião judaica e de introduzir o pensamento e a cultura
dos gregos. Não houve limites à tentativa e à selvageria de Antíoco.
Seu ato mais repulsivo foi retirar do templo o altar de ofertas
queimadas e erigir um altar pagão em seu lugar.

v. 32 – Com lisonjas, Antíoco persuadiu os judeus apóstatas a se


tornarem seus aliados e levarem adiante seus planos. Mas nem
todos eram apóstatas. Entre os judeus, ainda havia muitos homens
e mulheres que conheciam a Deus e continuavam a andar com Ele.
Muitos judeus foram impulsionados a praticar incontáveis atos de
valentia, para não sucumbir aos ritos pagãos que Antíoco havia
tornado obrigatórios. A tortura e o martírio não os privavam da
devoção pessoal, nem da adoração secreta. Uma resistência ampla
a Antíoco foi rapidamente organizada; e o tempo de opressão se
tornou um tempo de fortalecimento espiritual e de memoráveis
façanhas para o remanescente perseguido.

v. 33 – Homens de percepção espiritual circulavam secretamente


entre o povo, ensinando-lhes as Escrituras, dirigindo-os em oração e
mantendo viva a esperança da vinda do Messias. O trabalho
continuou de maneira incessante, embora aqueles que o realizavam
tenham sido perseguidos implacavelmente – castigados pela
espada, pela fogueira, aprisionados ou empobrecidos. A
perseguição longa e cruel foi um período de muita fé e religião
verdadeiras.

v. 34 – Parecia que o remanescente de Deus não resistiria por


mais tempo. Nesta ocasião, houve a rebelião dos macabeus. Mas
Judas Macabeu não conseguiu livrar os piedosos de todas as suas
aflições, especialmente porque muitos hipócritas, temerosos das
repercussões, se uniram a ele e aos fiéis.

v. 35 – O tempo de perseguição resultou na queda de alguns que


professavam o nome de Deus. Para outros, foi uma experiência de
purificação e, portanto, um tempo de fortalecimento espiritual. Os
fiéis jamais se renderam, pois sabiam que Deus, em sua hora
determinada, ordenaria o fim da perseguição.
Deste modo, esta parte de Daniel 11 cobre a ascensão e a
atividade de Antíoco Epifânio. Mais uma vez enfatizamos quão
maravilhoso é notar que esses eventos consumados no século II
a.C. foram profetizados quatro séculos antes. Muitos dos detalhes
de Daniel 11 não eram conhecidos pelos historiadores até
recentemente, mas foram profetizados e registrados com exatidão
séculos antes. A origem sobrenatural das Escrituras continua a nos
encorajar, assim como a lição de que Deus está,
inquestionavelmente, no controle de toda a História, mesmo quando,
aparentemente, Ele não pode ser visto. Já aprendemos essas
lições, mas somos tão inclinados a esquecê-las, que não temos
vergonha de repeti-las.

UM PRINCÍPIO IMPORTANTE
Temos estudado o capítulo 11 somente até o versículo 35. Do
versículo 36 em diante, acontece algo estranho. O texto parece
continuar descrevendo Antíoco Epifânio. Entretanto, passa a dizer
coisas que de modo algum podem ser aplicadas a ele!
Até o versículo 35, o capítulo foi historicamente perfeito. Detalhe
após detalhe foi profetizado com empolgante exatidão. A partir do
versículo 36, não há uma aparente mudança de assunto. Parece
ainda estar falando sobre o infame Antíoco Epifânio.
Todavia, muitos dos detalhes não se ajustam nem podem se ajustar
à sua história. Quando chegamos ao início do capítulo 12, que é
uma continuação da mesma visão, vemos que está se referindo ao
fim do mundo! Há menção da ressurreição e dos destinos de vida e
de desgraça eterna.
Que faremos de tudo isso? É como se o profeta, ao falar sobre
Antíoco Epifânio, estivesse vendo por meio dele e o enxergasse
como um tipo ou protótipo de alguém, semelhante a ele, que surgirá
no futuro.
Isto não deve surpreender-nos muito. Devemos lembrar que no
capítulo 7 Daniel viu “um chifre pequeno”. Aquele “chifre pequeno”
era um personagem ímpio que aparecerá no final do mundo e fará o
povo de Deus sofrer como nunca antes sofreram.
No capítulo 8, observamos que Antíoco Epifânio, a respeito de
quem estivemos lendo, também foi descrito como “um chifre
pequeno”. Dois indivíduos diferentes receberam a mesma descrição
em dois capítulos consecutivos do mesmo livro. Um foi uma pessoa
que já viveu e morreu. O outro ainda virá. Notamos também que
ambos receberam a mesma descrição porque, em certo sentido, são
realmente os mesmos.
Aprendemos que o anticristo final será precedido por muitos
anticristos. A história está cheia de pessoas proeminentes que se
dispuseram e procuraram destruir o povo de Deus. São os
antecessores do anticristo final. Quando um deles surge na História,
é quase impossível saber se é apenas mais um anticristo ou se é o
anticristo. Ao ser perseguida odiosamente, você pode imaginar que
seu opressor é o anticristo; somente depois que os eventos
subseqüentes lhe provam o contrário, você percebe seu erro. No
momento da perseguição, não há vergonha em achar que o
perseguidor pode ser aquele indivíduo terrível e final cuja vinda
anuncia as últimas horas da história da raça humana. É claro que,
para um homem ou uma mulher de Deus, dois indivíduos distintos
podem, de fato, parecer como se fossem o mesmo!
Se este é um fato da experiência cristã, não devemos ficar
surpresos em descobrir que é, também, um fato da experiência
profética. Ao contemplar o futuro, o profeta bem pode ter visto dois
indivíduos distintos como um só, e sua profecia poderia se dirigir,
naturalmente, de um para o outro. Muitos dos profetas não somente
fizeram isso em relação a personalidades futuras, mas também em
relação a eventos futuros. A história subseqüente demonstrou que
os dois conjuntos de eventos eram distintos, mas, ao profetizá-los,
embora dando indícios de suas diferenças, o profeta falou de ambos
como sendo um só. Se não pudermos assimilar essa característica
da profecia, nosso conhecimento a respeito dela será sempre
limitado.
É precisamente isto que notamos em Daniel 11. O Senhor faz
com que Daniel veja, por meio de Antíoco Epifânio, a pessoa a
quem este prefigura – o homem do pecado. A partir do versículo 36,
Daniel ainda está, de certo modo, falando sobre Antíoco. Mas, com
certeza, está falando mais a respeito do anticristo, pois aqui se
dizem coisas que não podem, de maneira alguma, ser aplicadas a
Antíoco. Com isso bem evidente em nossa mente, continuaremos
agora nosso estudo, partindo do versículo 36.

O HOMEM DO PECADO
v. 36 – O versículo 36 nos fala de um rei que agirá segundo a sua
própria vontade. A figura é de um homem que chega ao poder,
prospera, cresce em poder e, então, fala contra todos os deuses. É
verdade que Antíoco Epifânio aceitou ser chamado de divindade,
mas nunca se engrandeceu sobre todos os deuses, pois durante
sua vida manteve alguma forma de religião. Falou contra o Deus
dos deuses, mas nunca contra toda religião. Este versículo deve se
cumprir naquele que “se opõe e se levanta contra tudo que se
chama Deus ou é objeto de culto” (2 Ts 2.4).
Tendo compreendido que o capítulo se refere agora,
principalmente, a uma pessoa que está além de Antíoco Epifânio,
nossa interpretação de cada frase é afetada. Grande parte da
profecia do Antigo Testamento usa a linguagem literal, mas, como
mostra a interpretação dos apóstolos, esse tipo de linguagem não
deve ser forçado. Ao anunciarem eventos escatológicos, os profetas
utilizavam a única linguagem que conheciam. Mas essa linguagem
era limitada demais para descrever apropriadamente os eventos
proféticos a que se referiam. Por conseguinte, a linguagem literal
deles precisa receber um significado mais pleno e mais
esclarecedor do que as palavras permitem por si mesmas.

v. 37 – Seria embaraçoso aplicar o versículo 37 a Antíoco. A


pessoa deste versículo não tem respeito a nenhum deus, o que,
repetimos, não foi verdade em relação a Antíoco. A figura aqui é a
de um homem pisoteando aquilo que seus pais valorizavam, uma
pessoa sem afeições e sem qualquer tipo de piedade.

vv. 38-39 – O único deus que esta pessoa adora é a força,


devotando-lhe tudo. Com o uso da força, avançará contra seus
inimigos e concederá recompensas aos que estiverem do seu lado.

v. 40 – Virá o tempo quando dois oponentes se encontrarão face


a face. De um lado, estará um rei, tipificado por Antíoco Epifânio e
neste versículo chamado de “o rei do Norte”. Do outro lado, estará
outro rei, tipificado pelos Ptolomeus e chamado de “o rei do Sul”.
Estes serão dias de batalha, quando o anticristo estará preocupado
em busca de expansão territorial.

v. 41 – Derrotará todos que se lhe opuserem; os únicos que


escaparão de sua ira serão aqueles que já são inimigos do povo de
Deus.
O versículo 41 não pode se referir a nenhum evento relacionado
a Antíoco, pois se refere à nação de Moabe. Esta nação não existia
mais nos dias de Antíoco e não existe hoje. Então, é evidente que
este versículo não pode ser interpretado literalmente, embora sua
linguagem tenha uma forma literal.
Edom, Moabe e Amon são os inimigos tradicionais do povo de
Deus. Como não podemos interpretá-los literalmente, devemos
espiritualizar o que é ensinado aqui, como temos de fazer
freqüentemente com a profecia do Antigo Testamento. Tomamos
isso como uma referência figurativa do fato de que, ao surgir o
anticristo, os únicos a escapar de seu veneno serão aqueles que se
opõem ao povo de Deus.

vv. 42-44 – Nenhum lugar de todo o mundo escapará de sua


fúria. Será uma força que conquistará tudo, ordenando submissão
universal. A rebelião será impossível, pois, ao ouvir rumores de
rebelião, ele a esmagará.

v. 45 – Finalmente, assentará seu trono na terra sagrada e


gloriosa, “a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-
se como se fosse o próprio Deus” (2 Ts 2.4), como Paulo o
descreve.
Você pode não concordar comigo, mas estou satisfeito com a
idéia de que nos versículos 21 a 45 temos uma visão de Antíoco
Epifânio que se funde com a visão de um personagem escatológico
final e terrível, que se torna a principal figura do capítulo. Este
capítulo termina com uma afirmação confortadora – “chegará ao seu
fim, e não haverá quem o socorra”.

UMA ABORDAGEM SÉRIA


Não espero que todos os leitores deste livro concordem
plenamente com a interpretação apresentada. Sinta-se livre para
discordar de minha interpretação, contanto que você tenha uma
melhor! Mas nenhum de nós está livre para discordar da verdade do
surgimento de um anticristo no fim do mundo. Esse fato deve trazer
à nossa vida cristã um elemento de seriedade verdadeira.
A Palavra de Deus revela que o último dia não acontecerá sem
que primeiro venha a apostasia e seja manifestado “o homem da
iniqüidade, o filho da perdição” (2 Ts 2.3).
Há alguns que nutrem pontos de vista proféticos que os levam a
crer que o mundo inteiro será pelo menos “cristianizado”. Sonham
com o dia em que todos os governo, instituições e sociedades serão
poderosamente afetados pela influência cristã. Anelam pelos dias
gloriosos que estão adiante. De fato, esses sonhadores serão
grandemente desapontados. Os homens perversos se tornarão
ainda piores (2 Tm 3.13), até que venha um indivíduo mau, cujo
caráter será marcado por tal perversidade que o mundo jamais
conheceu.
Quando este personagem se manifestar, perceberemos que
muitos outros “chifres pequenos” da História foram apenas
precursores dele. Ele será pior do que qualquer outro que já existiu,
e sua perseguição ao povo de Deus será sem precedentes.
Por isso, apelamos por uma abordagem séria da vida cristã. Por
isso, somos contra a frivolidade e a superficialidade tão
características do cristianismo contemporâneo. Para a igreja cristã,
há dias terríveis à frente, piores do que quaisquer dias que lhes
precederam. Haverá mártires novamente. Ninguém deve abraçar a
vida cristã sem levar em conta esses fatos e considerar o custo.
Estaremos mais bem preparados para aqueles dias se pudermos
assimilar deste capítulo uma lição que já aprendemos outras vezes
em nosso estudo do livro de Daniel: nada acontece sem a
aprovação de nosso Pai celestial. A História está nas mãos de
Deus.
Os versículo 27, 29 e 35 utilizam a expressão “no tempo
determinado”. O versículo 36 nos diz: “Aquilo que está determinado
será feito”. Quando toda a História parece estar fora de controle,
Deus ainda tem o controle em suas mãos. Se isso não fosse
verdade, Ele não seria Deus!
Visto que o controle de Deus é total, as profecias deste capítulo
puderam ser anunciadas. Podemos dizer o mesmo a respeito da
promessa do final do versículo 45. Deus governa a História, por
isso, podemos estar certos não apenas do aparecimento do
anticristo, mas também do seu aniquilamento.
Este capítulo deve nos encorajar a compreender que nenhuma
perseguição pode impedir nossa comunhão com Deus. Nas horas
mais difíceis, “o povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e
ativo” (v. 32).
Opressores cruéis podem acabar com todas as manifestações
públicas de culto, proibir todas as reuniões cristãs e despojar-nos de
nossa Bíblia e livros cristãos. Podem tornar ilegal todo trabalho
cristão, eliminar todas as nossas liberdades, ameaçar-nos com
penalidades cruéis e não permitir qualquer comunhão entre o povo
de Deus. Contudo, não podem impedir nossa comunhão com Deus,
nem privar-nos de conhecê-Lo. Até mesmo as drogas modernas,
que alteram as atividades mentais, se mostraram impotentes em
remover todo o gozo que resulta do conforto da presença de Deus.
Há algumas coisas que as forças do mal são incapazes de fazer,
não importando quão desenfreadas estejam. Por isso, sempre
haverá um remanescente fiel. Mesmo em meio à perseguição,
sempre haverá aqueles que viverão com o propósito de ensinar a
verdade de Deus aos seus semelhantes. As opressões têm servido
tão-somente para favorecer a propagação da verdade do evangelho.
As plantas de Deus não prosperam em estufas, e sim em meio ao
vento, o granizo, a neve e o calor escaldante.
Este não é o único encorajamento que este capítulo tem a
oferecer-nos. Também nos mostra, novamente, que podemos estar
certos de que, no final, o mal não triunfará.
Pensemos outra vez em Antíoco Epifânio. Sua chegada ao poder
parecia indicar o fim de toda verdadeira fé. A Palestina era o único
país no mundo onde havia verdadeiros crentes. Foi justamente
neste lugar que Antíoco Epifânio teve liberdade de fazer o que
desejava. Sua campanha de extermínio parecia certa de obter
sucesso. Mas não obteve. Ele não aniquilou a fé.
O que lhe aconteceu? Cheio de ambição por conquistar a Pérsia,
deixou Lísias encarregado de lidar com os macabeus e partiu para
conseguir seu objetivo. No entanto, sua ambição malogrou porque
os persas haviam sido avisados.
Antíoco intentava roubar considerável quantidade de tesouros da
Pérsia e usá-los para financiar uma campanha contra Babilônia. Em
vez disso, teve de realizar sua campanha sem estes tesouros. A
caminho da Babilônia, recebeu notícias de que, em sua pátria, seu
general havia sido derrotado pelos macabeus e que um altar a
Jeová fora mais uma vez erguido no templo de Jerusalém.
Derrotar Antíoco em batalhas havia sido impossível, bem como
assassiná-lo ou destruí-lo politicamente. Mas, ao ouvir tal notícia,
esse homem aparentemente invencível, sentiu-se tão mal que foi
para a cama, onde morreu em terror e desapontamento. Deus
soprou sobre Antíoco, e ele desapareceu!
O mesmo tem acontecido com todos os anticristos e ocorrerá
com o último deles. Pensando em sua arrogância e poder, não
devemos esquecer que ele não é outro senão aquele “a quem o
Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca e o destruirá pela
manifestação de sua vinda” (2 Ts 2.8).

“Dai louvores ao nosso Deus, todos os seus servos, os que o


temeis, os pequenos e os grandes... Aleluia! Pois reina o
Senhor, nosso Deus, o Todo-Poderoso” (Ap 19.5-6).
15 | O fim

LEIA DANIEL 12

O menino de catorze anos que conhecemos no capítulo 1 agora é


um velho de oitenta e seis ou oitenta e sete anos. Através de longos
anos, ousou permanecer firme com Deus, estando sozinho em um
ambiente hostil. Ele nos mostrou claramente que a vida espiritual
não exige condições ideais para florescer e prosperar. Em qualquer
circunstância, não há condições ideais em lugar algum. A vida
piedosa pode crescer e desenvolver-se nos lugares mais escuros e
difíceis. Assim, aquele que andou com o Senhor no amanhecer de
sua vida anda muito mais perto dEle no anoitecer.
Às margens do rio Tigre, o Senhor Jesus Cristo apareceu a seu
fiel profeta e lhe deu uma visão dos principais acontecimentos
históricos de centenas de anos que ainda viriam. Mas o Senhor fez
mais do que isso. Levou o idoso profeta a contemplar o futuro muito
distante; e, no final do capítulo 11, Daniel viu um indivíduo perverso
que surgirá no fim do mundo. Este homem será completamente
ímpio e muitíssimo poderoso, em todo o mundo. Infligirá
perseguição inimaginável e sem precedentes contra o povo de
Deus, “mas chegará ao seu fim, e não haverá quem o socorra”
(11.45).

O FIM DO MUNDO
Os primeiros quatro versículos do nosso capítulo fazem parte
daquela mesma visão e continuam a revelar o que acontecerá
naqueles últimos dias.
Começam assegurando-nos que até mesmo aquela época
sombria da história do mundo, com todos os seus horrores para o
povo de Deus, será cercada, em todos os eventos, pelos anjos de
Deus! Como em qualquer outra ocasião, a História não estará fora
de controle. Os céus continuarão a segurar as rédeas dos
acontecimentos na terra. No próprio tempo em que haverá aflição
tal, como nenhuma nação jamais experimentou, o arcanjo Miguel se
levantará para proteger o povo de Deus, ficando ao seu lado e
livrando-o (v. 1).
A Bíblia é clara em revelar que, naquele tempo, todas as hostes
malignas terão liberdade de agir contra a igreja de Jesus Cristo. Mas
não é só isso. “Naquele tempo, será salvo o teu povo, todo aquele
que for achado inscrito no livro”.
Os nomes do povo de Deus estão inscritos em um livro. Jesus se
referiu a este livro ao dizer: “Alegrai-vos, não porque os espíritos se
vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus”
(Lc 10.20). O apóstolo João se referiu a este mesmo livro, quando
escreveu sobre o último julgamento: “E, se alguém não foi achado
inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de
fogo” (Ap 20.15).
Há um livro que contém os nomes de pessoas inscritos nele. São
os nomes daqueles a quem Deus amou eternamente e por quem
deu o seu Filho. São as ovelhas por quem o pastor morreu, aqueles
que o seu Espírito chamou para crerem e serem salvos. É este
povo, cujos nomes estão registrados no céu, que desfrutará o
glorioso livramento mencionado em Daniel 12.1.
Ao chegarmos ao fim do mundo, nada mais haverá que realmente
nos preocupe, exceto que os nossos nomes estejam naquele livro.
Não daremos mais importância à nossa reputação e realizações
entre os homens e mulheres. Nossas posses terão sido todas
destruídas na grande tribulação. Somente nossa aceitação por Deus
nos importará.
O dia do aniquilamento do anticristo (11.45) será também o dia
em que nosso Senhor descerá do céu, com uma palavra de ordem,
a voz do arcanjo e o som da trombeta de Deus (1 Ts 4.16). Naquela
ocasião, os eventos descritos no versículo 2 se realizarão: “Muitos
dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida
eterna, e outros para vergonha e horror eterno”.
O último dia será o dia da ressurreição. Ser livre da morte física
não é garantido aos cristãos perseguidos, mas o livramento do
poder da morte é uma certeza. Não devemos ficar confusos pelo
uso da palavra “muitos” neste versículo. É uma maneira hebraica de
chamar atenção à grandeza dos números envolvidos, pois na
verdade significa “todos”. Mas o fato de que todos ressurgirão não
significa que todos gozarão o mesmo destino na ressurreição. O dia
da ressurreição será também um dia de divisão. Em sua glória, o
Rei separará os membros da raça humana uns dos outros, como um
pastor separa dos cabritos as ovelhas (Mt 25.32). Todos os túmulos
entregarão os seus mortos (Jo 5.28-29). Onde quer que tenham sido
colocados, os mortos serão chamados ao grande julgamento (Ap
20.13). À palavra de Cristo, cada membro da raça humana passará
a um de dois destinos: “Uns para a vida eterna, e outros para
vergonha e horror eterno”.
A Bíblia tem muito a nos ensinar sobre o castigo eterno dos
ímpios, mas a ênfase deste capítulo está na recompensa que
desfrutarão os crentes fiéis (v. 3). Isso ocorre porque o livro de
Daniel foi escrito, primariamente, tendo esses crentes em mente.
Mas, quem são precisamente os “sábios” referidos no versículo 3?
Quem são os que “a muitos conduzirem à justiça”?
Para compreender isso, precisamos retornar a Daniel 11.33, onde
somos informados de que nos dias mais severos da opressão de
Antíoco Epifânio havia aqueles que circulavam entre o povo,
instruindo-os na verdade de Deus. Não apenas continuaram crendo,
mas também tudo fizeram ao seu alcance para propagar a verdade,
embora perseguidos, aprisionados, torturados e assassinados.
Durante as indescritíveis perseguições da apostasia final, haverá
outras pessoas “sábias” que conduzirão muitos à justiça. Apesar do
que lhes possa sobrevir, continuarão crendo e levarão avante a obra
de Deus. Quando todo o inferno estiver agindo livremente, não
desistirão. Valerá a pena? Eles e todos os demais que fizeram
coisas semelhantes em dias anteriores não perderão sua
recompensa eterna. Os sofrimentos do tempo presente não poderão
ser comparados à glória com que se deleitarão. Dias de
recompensa divina e resplendor eterno os aguardam. Por manterem
a luz brilhando na hora mais escura, “resplandecerão como o fulgor
do firmamento”, “como as estrelas, sempre e eternamente”.
Avaliado pela lógica humana, o trabalho deles será considerado
tolice. Essa é a estimativa que o mundo incrédulo sempre faz da
propagação da mensagem do evangelho. Portanto, isso será muito
mais verdadeiro quando chegarem os dias de trevas intensas.
Quando todos os inimigos deles forem envergonhados e
sentenciados ao desprezo eterno, será demonstrado quão sábios
foram esses pregadores da justiça. A recompensa deles não será
passageira. Será eterna, eterna:

Depois de estarmos lá por mil anos,


Resplandecentes como o Sol,
Não teremos menos dias
Para cantar louvores a Deus
Do que quando começamos a cantar.

“Tu, porém. Daniel, encerra as palavras e sela o livro”, diz nosso


Senhor. “Estas são as coisas que te revelei na visão. Sela-as.”
Isto não significa que as coisas reveladas a Daniel
permaneceriam em segredo. O velho costume persa era que, uma
vez copiado um livro e circulado publicamente, selava-se uma cópia
e colocava-se na biblioteca. Assim, as futuras gerações poderiam lê-
lo. É importante notar que isso era feito somente depois que muitas
pessoas o tivessem lido.
O último ato profético de Daniel foi assegurar-se de que as
profecias que lhe haviam sido reveladas se tornassem conhecidas,
não apenas de sua geração, mas das gerações vindouras. Não é a
vontade de Deus que homens e mulheres, de qualquer época,
sejam ignorantes quanto ao resultado final da História. Ele deseja
que todos saibam o que está por vir.
Esta é a razão por que “muitos o esquadrinharão, e o saber se
multiplicará” (v. 4). O que o futuro nos trará está gravado neste livro
que estamos considerando. Apesar disso, os homens estão
impacientes em sua busca de conhecimento, correndo daqui para
ali, para obtê-lo. Nunca antes houve tanto conhecimento acessível
às pessoas. Porém, jamais houve tanta ignorância quanto ao futuro.
Em toda sua esperança e temor, os homens têm-se mostrado
incapazes de adivinhar os eventos futuros. Esses eventos podem
ser conhecidos somente por meio da revelação divina. E aquilo que
mais necessitamos saber nos foi revelado por nosso Senhor no livro
de Daniel.
É o Senhor Jesus Cristo quem acabará com o mundo. Destruirá o
anticristo, ressuscitará, julgará e separará os mortos, enviando-os
todos a seu destino eterno. Os únicos que entrarão na recompensa
eterna de Cristo serão os que andaram com Deus, mesmo quando
era difícil fazê-lo.
Um dos que entrarão para esta recompensa será aquele que,
desde os catorze anos, resolveu nunca desagradar a Deus,
procurando orientar toda a sua longa vida por este grande princípio.
Não achou fácil seguir este caminho, mas valeu a pena. O humilde
autor deste livro do Antigo Testamento será um dos que
“resplandecerão como o fulgor do firmamento”, “como as estrelas,
sempre e eternamente”.

O FINAL DO LIVRO
A longa revelação concedida a Daniel, à margem do rio Tigre,
termina no versículo 4. Do versículo 5 em diante, encontramos outra
cena, que finaliza o livro.
Evidentemente, o Senhor Jesus Cristo permaneceu com Daniel
durante todo o tempo em que lhe revelava o futuro. Mas, agora, Ele
está acompanhado por dois outros visitantes celestiais, um de cada
lado do rio (v. 5).
O Senhor não está em nenhuma das margens, mas sobre as
águas do rio (v. 6). Será que, ao andar sobre as águas, na época
dos evangelhos, Jesus tencionava chamar atenção para esta
passagem e identificar-se como Aquele que falou com Daniel?
Enquanto Daniel olha, escuta um dos anjos recém-chegados
perguntar a seu Senhor: “Quando se cumprirão estas maravilhas?”
O anjo está perguntando quando se cumprirão os eventos
profetizados a respeito do fim do mundo.
“O homem vestido de linho”, que é nosso Senhor pré-encarnado,
responde levantando ambas as mãos (v. 7). Levantar uma das
mãos, no Antigo Testamento, era sinal de um juramento solene.
Levantar ambas as mãos significava que o juramento é
excepcionalmente solene. Nosso Senhor responde à pergunta
levantando ambas as mãos e jurando “por aquele que vive
eternamente”.
Qual foi a resposta? “Que isso seria depois de um tempo, dois
tempos e metade de um tempo” (v. 7).
Esta é exatamente a mesma informação, agora em hebraico,
dada em aramaico em Daniel 7.25. Ali, foi anunciado sobre a vinda
do anticristo: “Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os
santos do Altíssimo e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os
santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e
metade de um tempo”.
Que significa isto? Nós o interpretaremos como fizemos antes. O
texto bíblico não diz: “Um ano, dois anos e metade de um ano”. Fala
de “tempos”. O anticristo dominará o mundo por um tempo. Ao
parecer que ele já permaneceu por tanto tempo quanto lhe era
possível, continuará dominando o mundo pelo dobro daquele tempo.
Então, parecerá como se ele fosse permanecer pelo dobro desse
tempo, como se fosse ficar para sempre.
Exatamente neste ponto, o anticristo será abatido, no auge de
seu poder e no ápice de sua influência. Até então, terá quase
destruído o povo de Deus. “E, quando se acabar a destruição do
poder do povo santo, estas coisas todas se cumprirão” (v. 7).
Se entendo corretamente Apocalipse 11 e sua narrativa sobre as
duas testemunhas, virão os dias em que a igreja de Cristo será
totalmente arruinada pelo poder do mal. Chegaremos ao momento,
na História, em que parecerá que a escuridão obteve realmente a
vitória e que o anticristo permanecerá para sempre. Parecerá que a
igreja foi inteiramente aniquilada, pois não haverá mais qualquer
sinal dela.
Já dissemos isso antes. E reafirmamos: nesta hora o anticristo
será aniquilado, de uma vez por todas e para sempre.
Por isso, não devemos desesperar ao constatar o aumento da
impiedade. O mal não será destruído quando estiver em baixa, mas
em seu auge!
Daniel ouviu todas estas coisas, mas não as compreendeu (v. 8).
“Então, eu disse: Meu senhor, qual será o fim destas coisas?”
Isto não é apenas um eco da pergunta feita pelo anjo no versículo
6, pois, ao indagar sobre o “fim”, Daniel usa um termo hebraico
diferente. Ouvindo a respeito dos dias maus que virão, Daniel pede
informação sobre os estágios finais daquele período. Os dias maus,
aqui descritos, estão reservados para o fim do mundo. Qual será a
evidência de que esses dias de trevas estão chegando à sua
consumação?
“Não pergunte mais nada, Daniel” – é a resposta divina. “Deixe de
lado este assunto. Não indague mais, ‘porque estas palavras estão
encerradas e seladas até ao tempo do fim’” (v. 9).
Em outras palavras, o que foi revelado está reservado para os
dias a respeito dos quais a profecia fala. Não é necessário que
Daniel entenda completamente tudo que foi dito, pois nem tudo tinha
aplicação imediata para ele e seu tempo. Mas, quando estas
profecias precisarem ser entendidas, elas o serão.
Esta resposta ilustra a natureza prática das Escrituras. A Bíblia
não nos foi dada para satisfazer nossa curiosidade, e sim para
trazer-nos à fé, sustentar-nos na fé e conduzir-nos mais plenamente
à estatura de Cristo. O objetivo das Escrituras é santificar-nos e
transformar nossa vida. Responder as nossas especulações nunca
fez parte do propósito das Escrituras.
Devemos compreender que alguns dos ensinos da Bíblia
relacionados aos últimos dias não serão entendidos até que
estejamos nos últimos dias. Por essa razão, tanto é imprudente
como perigoso elaborar calendários detalhados quantos aos
eventos futuros. O sentido de algumas partes da Palavra de Deus
não se tornará óbvio para nós enquanto não amanhecerem os dias
sobre os quais elas falam.
Acho este ensino muito confortante, especialmente ao considerar
os versículos 11 e 12 deste capítulo. Você logo percebe que não
posso dizer-lhe o que significam. Não tenho sequer um indício. Mas
creio que os entenderemos suficientemente quando precisarmos.
Antes de quaisquer considerações sobre estes dois versículos,
observemos as palavras de nosso Senhor no versículo 10. O que
significam? São uma profecia a respeito de perseguições vindouras.
Pessoas serão purificadas, embranquecidas e provadas. A igreja de
Cristo sofrerá um processo de purificação. Nesta ocasião, o que foi
revelado será entendido. Os ímpios continuarão em sua
perversidade e não compreenderão, pois não têm discernimento
espiritual. Mas os sábios entenderão. O que Daniel não pôde
compreender naquele momento da revelação – o que não podemos
entender após séculos de estudo – os sábios entenderão, quando
chegar a hora.
Quando estes terríveis dias vierem sobre a igreja de Cristo, quão
alegres ficarão os crentes daqueles dias, por conhecerem o capítulo
12 de Daniel! O que os sustentará naquela ocasião em que todo o
inferno estiver agindo livremente? A Bíblia! As simples e velhas
páginas da Palavra de Deus! As palavras que nenhum de nós tem
entendido até agora serão para eles uma fonte de bênção, conforto
e fortalecimento. Quão alegres ficarão pelo fato de que jamais
abandonaram a Palavra de Deus por causa de outras coisas!
Do modo como está escrito, ninguém até agora, em qualquer
lugar, tem sido capaz de entender o versículo 11. Todas as
tentativas para fazê-lo têm falhado. Este versículo fala de “mil
duzentos e noventa dias”. E, ao referir-se ao anticristo vindouro,
nosso Senhor usa uma linguagem que é mais adequada a Antíoco
Epifânio.
Considerando trinta dias como um mês, mil duzentos e noventa
dias são iguais a três anos e sete meses. Não tenho idéia do que
isso significa. Não me envergonho disso, pois acredito que você
também não o entende! Mas estou certo disso: apesar do que nos
sobrevenha, estamos nas mãos de Deus. Nenhuma perseguição
virá sobre a igreja de Cristo sem a determinação divina. Deus pôs
um limite àqueles dias, que não continuarão por mais tempo do que
o limite estabelecido por Ele. Portanto, embora eu não compreenda
o que significam mil duzentos e noventa dias, creio, sim, que
entendo o âmago e a intenção do versículo. Qualquer que seja a
perseguição que venha sobre o povo de Deus, se prolongará por um
tempo definido, e, ao passar esse tempo definido, a perseguição
cessará!
Mantenham-se firmes, diz o versículo 12. Mantenham-se firmes!
Não desistam! Até que passem mil trezentos e trinta e cinco dias.
Mantenham-se firmes por mais quarenta e cinco dias!
Também não sei o que isso significa. Mas estou certo disto:
quando a igreja cristã entrar no período de sua pior e última
perseguição, aqueles dias não durarão para sempre. Poderão durar
muito tempo, mas há limites estabelecidos por Deus para eles.
Finalmente, a perseguição alcançará uma intensidade fortíssima e
acabará.
Devemos permanecer firmes durante os períodos de
perseguição, visto que a igreja cristã jamais entrou em um túnel sem
fim. Muitas vezes, o túnel pode ter sido mais escuro e mais longo do
que alguém ousou imaginar, mas os que, apesar das
conseqüências, permaneceram firmes em sua fé saíram, de novo,
para a luz do sol. No caso da perseguição final, a luz será a da
exaltação do Salvador, no fim do mundo.
Paulo escreve a respeito deste assunto em 2 Timóteo 3. É um
capítulo sobre os “últimos dias”, uma expressão sempre usada nas
Escrituras para denotar o período entre a primeira e a segunda
vinda de Cristo. Paulo nos revela que nestes últimos dias
“sobrevirão tempos difíceis” (v. 1). A palavra grega usada aqui
significa que ele estava se referindo a épocas da História nas quais
haverá grande deflagração do mal. O período entre as duas vindas
de Cristo será caracterizado por ondas e desencadeamento de
maldade.
Em seguida, Paulo nos diz que os homens ímpios daqueles dias
maus “não irão avante” (v. 9). Para cada período de iniqüidade
desenfreada, há um final já decretado. Cada túnel tem um fim. Isso
também é verdade a respeito do último túnel. Quando vivenciamos
uma grande demonstração de forças do mal, não temos meios para
saber se esta é apenas uma das muitas ondas de perversidade ou
se é a apostasia final. Mas não precisamos saber. Seja lá o que for,
terá um fim. Nosso dever se resume nas palavras do Senhor Jesus
Cristo: “Aquele... que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt
24.13).
A exortação de permanecer firme por mais um pouco é seguida
pelo último versículo deste grande livro: “Tu, porém, segue o teu
caminho até ao fim”.
Não devemos imaginar a figura de um pai dizendo a seu filho: “Vá
brincar, agora”. Estas não são palavras de despedida. Este versículo
não significa: “Daniel, agora vá, pois já terminei de lhe dar a
revelação”. Antes, significa: “Daniel, prossiga em sua vida espiritual
como já está fazendo”.
Até o velho profeta precisava ser exortado a perseverar! Mas é
avisado: “Pois descansarás e, ao fim dos dias, te levantarás para
receber a tua herança”.
Daniel, que fora tão fiel durante muitos anos, deve prosseguir em
sua vida espiritual até à morte. Pouco depois, descansará no
túmulo, mas isso não será o fim para ele. Após este descanso,
receberá a sua recompensa. A herança que lhe está reservada será
finalmente dele, e Daniel entrará no gozo da sua herança.
Sem dúvida, este crente do Antigo Testamento não viu as coisas
tão claramente como nós, que nos beneficiamos da revelação da
Nova Aliança. Mas, para ele, como devem ter sido encorajadoras
estas palavras! O Senhor não permitiu que Daniel partisse desta
vida mortal sem a certeza de uma recompensa vindoura. Que
consolação para ele, que, durante sua vida, amou primeiramente
seu Senhor e ousou permanecer firme, embora sozinho! Ninguém
que vive piedosamente escapa de perseguição e tribulações nesta
vida. O ambiente é sempre hostil. Mas isto é igualmente certo:
ninguém que vive segundo a vontade de Deus perde as
recompensas do céu.

Breve será o grande despertar,


Breve o romper do túmulo;
Então, o dispersar de todas as sombras
E o fim do labor e da tristeza.
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