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Publicado em NOVA ESCOLA Edição 276, 30 de Julho | 2015

Projetos Nota 10 | Educação Infantil | Pré-escola | Sala de aula

Os investigadores do manguezal
Os pequenos visitaram o berçário de diversas espécies e descobriram como
preservá-lo
Camila Camilo

Nos arredores do CEI Odorico Fortunato, em Joinville, a 186 quilômetros de Florianópolis, o chão é
úmido e coberto por uma baixa vegetação, que revela buracos por onde saem pequenos e velozes
caranguejos. Mais alguns passos e a terra dá lugar a um corredor de água margeado por árvores de
caule fino e folhas verdes onde diversos pássaros param para descansar. Essa é a paisagem que Kayky
Gabriel da Silva Sobral, 6 anos, vê quando observa o manguezal. Antes de participar do projeto
desenvolvido pela professora Paula Aparecida Sestari, ele e seus colegas não prestavam muita atenção
no espaço ao lado da escola, visto como um lugar sujo e malcheiroso em que os moradores do bairro
jogavam lixo.

O ecossistema presente nos arredores do CEI se tornou objeto de pesquisa para a turma
Crédito: Marcelo Almeida

"Queria mudar esse olhar e chamar a atenção das crianças para a importância desse ecossistema tão
próximo", conta a educadora. Depois de conversar com os pequenos e coletar depoimentos deles
sobre o manguezal, a docente formulou um questionário destinado aos pais. A devolutiva mostrou que
muitos não sabiam explicar o que era aquele espaço, nem conheciam sua ligação com a Baía da
Babitonga - a porção de mar rodeada por terra em que desemboca o braço de rio ao lado da escola. A
relação deles com o ecossistema era puramente predatória, ligada à extração do caranguejo e à pesca,
o que reforçou a necessidade de abordar o tema com a meninada.

Para explorar o lugar, as crianças foram até ele mais de uma vez. Inicialmente, a professora as
convidou a observar os sons, a cor da água e os animais que apareciam nas margens. Com o tempo,
elas passaram a desenhar tudo o que viam nas visitas. "A tarefa permite identificar a utilidade do
registro como memória e instrumento de comunicação das experiências vividas", aponta Telma Vitória,
professora de Fundamentos da Educação Infantil da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Outras
possibilidades de guardar as impressões de lugares fora da escola é disponibilizar máquinas
fotográficas. Ou o professor, na condição de escriba, escrever as observações narradas pelos meninos
e meninas.

Com lápis e papel em mãos, Kayky e os colegas registram suas descobertas


Crédito: Marcelo Almeida

Em sala, Paula destacou a ligação entre o local nos fundos da instituição e a natureza da região,
mostrando uma foto do prédio do CEI tirada do alto. A imagem revela o manguezal ao redor e uma
faixa de mar, que logo saltou aos olhos. "Tem uma praia aqui perto?", perguntou um dos meninos. A
educadora explicou que a porção de água vista por eles era a Baía da Babitonga, o encontro do rio com
o mar. Para complementar, levou mapas e fotos antigas e recentes do lugar.

Quando perguntados sobre os animais típicos da região, os pequenos citavam apenas o caranguejo.
Para ampliar o repertório deles, Paula leu alguns exemplares da revista Menino Caranguejo, organizada
pelo Instituto Caranguejo de Educação Ambiental, que contêm histórias em quadrinhos sobre a fauna
encontrada em ambientes costeiros brasileiros. Além do material, a turma teve acesso a fotos e textos
com informações sobre a saracura-do-banhado, o jacaré-de-papo-amarelo e a tartaruga marinha, entre
outros.
Livros e gibis sobre o tema circularam entre meninos e meninas e foram fonte de estudo
Crédito: Marcelo Almeida

A atividade foi complementada com pesquisas feitas pelas próprias crianças, que manuseavam os
materiais, procuravam imagens nas revistas e livros disponíveis e pediam para a professora ler e
confirmar se era mesmo o que buscavam. Essa etapa mostra que a pesquisa não é exclusividade de
quem já sabe ler. Encorajar os pequenos a buscar informações em livros e revistas é uma das formas
de familiarizá-los com textos informativos. Assim, eles ampliam o leque de gêneros textuais
conhecidos. "É importante selecionar informações e diferenciar o que está dito do que se imagina",
aponta Maria Virgínia Gastaldi, formadora do Instituto Avisa Lá. "Assim, as crianças aprendem a
distinguir os conteúdos e conhecem outro gênero além da ficção, que tem o seu papel, mas não
precisa ser o único explorado na Educação Infantil", complementa ela.

Depois da leitura, houve uma roda de conversa sobre o manguezal e seus habitantes. "Vimos que
todos os bebês precisam de cuidado, os humanos e os animais. Os filhotes de várias espécies,
principalmente peixes, têm nesse ambiente um lugar privilegiado de desenvolvimento graças ao
material orgânico disponível", conta Paula.
De volta à sala, Paula e a turma construíram uma maquete com base nas investigações
Crédito: Marcelo Almeida

A turma discutiu também o prejuízo que a sujeira causa à natureza. Com o depósito de lixo, o lugar fica
poluído, a fauna sofre as consequências e passa a correr risco de extinção. A meninada, então,
produziu uma maquete de como seria o manguezal ideal, com a argila substituindo o solo, todo
limpinho e povoado de borboletas, caranguejos e pássaros de papel (leia a entrevista abaixo sobre
como fazer projetos de meio ambiente).

Ao navegar, mais aprendizado

Entrevista

ANDRÉE DE RIDER VIEIRA, CONSULTORA EM EDUCAÇÃO PELA SUSTENTABILIDADE E COORDENADORA GERAL DO INSTITUTO
SUPERECO

CRÉDITO: RENATA BORGES

O que caracteriza um bom projeto de meio ambiente?


Ele tem de abordar os conteúdos curriculares e colar isso à realidade local e às pessoas. É preciso
definir objetivos relativos às necessidades do entorno e ações que provoquem mudanças no olhar e no
comportamento dos estudantes.

Quais os erros mais comuns?


Entre os problemas, destaca-se fazer campanha sobre preservação do meio ambiente sem analisar a
situação; pesquisar na internet, não checar em fontes seguras e passar informações erradas à classe; e
não relacionar o tema à realidade da turma. Outro equívoco recorrente é não desenvolver projetos,
alegando falta de recursos. O meio ambiente está na escola e o principal insumo é o entorno.

Com o auxílio da direção e a presença dos pais, a professora levou as crianças a um passeio de escuna
pela Baía da Babitonga. Lá, eles conheceram a grandiosidade do porto, o tamanho da baía e, ao longe,
a cidade histórica de São Francisco do Sul, a 196 quilômetros de Florianópolis. O ponto alto do passeio
foi a observação das toninhas, uma das espécies conhecidas como golfinho. "Professora, é por isso que
as toninhas gostam de viver aqui, a água é tão calminha!", comentaram os navegantes mirins.

A saída foi tema de muitas rodas de conversa. As famílias trocaram fotos e os pequenos relacionaram o
que aprenderam em sala com o que viram. "A experiência é rica pois coloca a criança na posição de
questionar o mundo e formular hipóteses sobre o que está ao redor", diz Rosana Dutoit, do Instituto
Abaporu.

Lembrando da maquete construída anteriormente, a turma avaliou que não seria possível fazer a
mesma reprodução da baía porque ela é muito grande. A professora, então, ambientou a sala de modo
que se assemelhasse ao fundo do mar. Para isso, usou um pano azul, luz e sons apropriados. Os
animais da região foram confeccionados pelas crianças com esculturas de jornal e papelão. O novo
espaço chamou a atenção das outras turmas e dos pais, que ficaram instigados a entrar e conhecer o
que havia dentro da sala. Ao chegar, os visitantes encontravam a turma de Paula disposta a contar,
com naturalidade, quais são os animais típicos da região e o que o ecossistema do ladinho da escola
tem a ver com o mar tão grande visto por eles.

Tamanho envolvimento colocou o manguezal no centro das atenções. E as crianças passaram a querer
observar a dinâmica do lugar com mais frequência. Diante de tanta curiosidade e empolgação, Paula
solicitou o apoio de uma empresa local, que construiu o observatório do mangue: uma casinha de
madeira posicionada acima do nível do solo. Quando as crianças sobem, têm uma vista privilegiada.

A estrutura está disponível para outras unidades próximas que também desenvolvam projetos sobre o
ecossistema e continuará como um dos tantos espaços de exploração e brincadeiras que os pequenos
encontram no CEI. Cada vez que sobem nele, Kayky e seus colegas descobrem algo novo, ficam
encantados com as atividades dos bichos e monitoram a limpeza do vizinho, agora bem mais querido.
"Olha, tem um sapato boiando na água. Não pode, é poluição, né?", alertam.
As crianças ganharam um observatório fixo no CEI para continuar investigando o mangue
Crédito: Marcelo Almeida
Reportagem: Camila Camilo em Joinville, SC

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