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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO PATRIMÔNIO,


CULTURA E SOCIEDADE

 
  DISCIPLINA: IM1207 - CULTURA, PATRIMÔNIO E IDENTIDADE

PROFESSORES: Otair Fernandes (PPGPACS/UFFRJ); Elielma Machado


(UERJ) e Aissa Guimarães (PPGA/UFES)

RESENHA DO LIVRO A NOÇÃO DE CULTURA NAS


CIÊNCIAS SOCIAIS

CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru, EDUSC,


1999.
O livro, publicado pela primeira vez em 1996, na França, foi traduzido para
a língua portuguesa e disponibilizado no Brasil, em 1999, através de direitos
adquiridos pela Editora da Universidade do Sagrado Coração. A obra tem sido
utilizada pelos cursos das áreas das humanidades por apresentar uma
explanação acerca da noção de cultura, segundo uma evolução histórica,
geográfica e perpassando por diferentes discursos científicos, em especial pela
antropologia e pelas ciências sociais.
Denys Cuche divide a abordagem sobre a temática em sete capítulos
situados entre a introdução e a conclusão. O autor introduz o livro salientando a
relevância da reflexão sobre a noção de cultura para as ciências sociais com a
finalidade de pensar a unidade na humanidade na diversidade além dos termos
biológicos. No decorrer dos capítulos ele passa a explorar o significado etnológico
da palavra cultura detalhando seus diversos sentidos.
O primeiro capítulo explana a gênese da palavra cultura. O autor parte da
premissa de que nada é natural do homem, tudo é construído. Para analisar os
sentidos adquiridos da palavra são utilizadas narrativas de pesquisadores ligados
a diferentes áreas do conhecimento como ciências sociais, antropologia e outras,
travando um diálogo ao longo do tempo. Sendo assim, Cuche se reporta ao
período da revolução Francesa, no século XVIII, para mencionar o momento no
qual o termo cultura adquiriu um sentido moderno e traça um paralelo com a
Alemanha Iluminista, no qual a formação dos saberes acumulados ao longo da
história passou a trazer um novo sentido, vinculando cultura à civilização. Neste
contexto, “cultura é sempre empregada no singular, o que reflete o universalismo
e o humanismo dos filósofos: a cultura é própria do Homem” (pág. 21). A partir do
debate entre um discurso particularista francês, considerando cultura como um
progresso individual, e um discurso universalista alemão, vinculando civilização a
progressos coletivos, há a demarcação das duas maneiras de definir o conceito
de cultura nas ciências sociais contemporâneas.
O texto prossegue o percurso para o século XIX, à luz das noções de
Edward Tylor, considerado o fundador da antropologia britânica, por trazer a
primeira concepção científica do termo cultura como uma expressão da totalidade
da vida social do homem, criando um processo sistemático e complexo. “Cultura e
civilização são um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a
arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos
adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade” (Tylor, 1871). Na
sequência, é inserido Franz Boás, através de pesquisas nos EUA, considerado o
inventor da etnografia, por trazer um olhar para além da Europa, pluralizando o
conceito de cultura e questionando a noção de raça. Para ele, a diferença
fundamental entre os grupos humanos é de ordem cultural e não racial. A cultura
passa então a ser relativizada, o que Boás, em 1987, denominaria de “relativismo
cultural”. Prosseguindo, a narrativa inclui Emile Durkheim, contemporâneo a Boás,
como desenvolvedor de uma sociologia com orientação antropológica. Através da
teoria e do método científico, rompe com a concepção de que a cultura seria
explicada a partir de traços físicos, raça... Sua reflexão sobre a cultura não forma
um conjunto unificado e sua preocupação central seria a de determinar a natureza
do vínculo social, trazendo o pensamento de que existe uma "consciência
coletiva" (Durkein, 1893), feita das representações coletivas, dos ideais, dos
valores e dos sentimentos comuns a todos os seus indivíduos e que precede o
indivíduo.
Cuche atribui o triunfo do conceito de cultura pelo fortalecimento nos EUA
das concepções de etnólogos americanos, discípulos de Boás, que ressaltam a
dimensão histórica dos fenômenos culturais (Kroeber, Wissler) e elaboram o
conceito de modelo cultural (cultural pattern), seja pelas análises funcionalista de
Malinowski – defendendo a observação direta das culturas em seu estado
presente (perspectiva sincrônica), já que toda cultura constitui um todo coerente,
que sofre mudança essencialmente por meio de contatos exteriores. O conceito
de "federalismo cultural" (Schnapper, 1974) é apresentado como certa
continuidade das culturas de origem dos imigrantes, não sem transformações,
devidas ao novo ambiente, exemplificado pela identidade com hífem. O que seria
a igualdade apesar da diferença. O termo “subcultura” surge por conta de
pesquisas desenvolvidas em comunidades, nos anos 70, e representa uma
distinção culturas segundo as classes sociais, mas também segundo os grupos
étnicos, relacionadas a uma sociedade cultural mais ampla. Logo em sequência,
são elucidadas outras noções como “contracultura” e “socialização”. É inserido o
debate entre a abordagem estruturalista de cultura, de Levy Strauss, os
elementos universais culturais de toda a sociedade humana e a abordagem
interacionista atribuída a Sapir “Mais do que definir a cultura por sua suposta
essência, ele desejava se fixar na análise dos processos de elaboração da
cultura.” (Sapir, 1949).
Ao abordar o estudo das relações entre as culturas e a renovação do
conceito de cultura o autor menciona Roger Bastide por afirmar que atrasos em
estudos etnológicos franceses sobre o conceito de cultura pela exploração da
“superstição do primitivo" e por não existir consideração aos contatos culturais.
Sequenciando o texto o autor explora a evolução conceitual do termo
“aculturação”, que surge a partir dos contatos culturais explicitando que o prefixo
designa um movimento de aproximação entre culturas (ad-cultura) e não um
movimento de deculturação não corresponderia à negação e sim à adição. O
termo estaria para além do sentido de troca de cultura, assimilação, acomodação,
mudança cultural, difusão e não poderia ter uma definição simplista. Para dar
conta de um aspecto essencial da personalidade do homem em situação de
aculturação o “princípio do corte” (Bastide,1955), considerado essencial em sua
obra, passa a ser explicado: Não é o indivíduo que é "cortado em dois", contra a
sua vontade, mas é ele que introduz os cortes entre seus diferentes
engajamentos.
No quinto capítulo o autor relaciona a cultura a um processo histórico
construído a partir de relações sociais e que estas relações acabam sendo
hierarquizadas através de processos de dominação. O fato de um grupo ser
dominado não significa que o mesmo seja desprovido de cultura. O debate sobre
o que seria Cultura Popular apareceu na França somente no século XIX. São
originárias dessa hierarquização certas noções culturais, como a cultura popular,
a cultura de massa, a cultura operária, a cultura burguesa, etc. Ainda, neste
capítulo, é abordado o conceito de “habitus” explorado por Bourdieu: “O habitus é
o que caracteriza uma classe ou um grupo social em relação aos outros que não
partilham das mesmas condições sociais” (pág. 171).
Ao tratar de cultura e identidade, Couche afirma que a identidade permite
que o indivíduo seja localizado socialmente e que a identidade cultural aparece
como uma modalidade de categorização da distinção nós/eles, baseada na
diferença cultural. Segundo ele, "a construção da identidade se faz no interior de
contextos sociais que determinam a posição dos agentes e por isso mesmo
orientam suas representações e suas escolhas. Além disso, a construção da
identidade não é uma ilusão, pois é dotada de eficácia social, produzindo efeitos
sociais reai" (pág. 182).
Embora trate da terminologia “noção” para se referir à evolução das
pesquisas com relação ao termo cultura como já se intitula o livro, o autor encerra
a narrativa mencionando outras “noções” que ele considera resultados de certas
interpretações errôneas ou de interpretação simplista das teorias de pesquisa e
que se tornaram comuns no uso social como “cultura política”, “cultura de
empresa”, “cultura de escolas”, “cultura de imigrantes”...
Cabe aqui registrar que a elaboração de um livro narrando estudos que
foram construídos por, aproximadamente três séculos, imprime audácia ao
projeto, contudo, é compreensível que não se prenda a detalhamentos. O livro
cumpre o que promete e se torna relevante por apresentar uma revisão
bibliográfica dos estudos referentes à noção de cultura, entrelaçando diferentes
olhares das áreas das ciências humanas, através do tempo e dos lugares. O autor
não se preocupa em amarrar o conceito, já que deixa claro pela sua explanação
que a intenção é elucidar o processo da construção científica do termo cultura. O
leitor deve estar atento a este fato para que não se perca nas interpretações,
tomando como atuais ou genéricas certas informações. Cabe aqui lembrar que os
estudos relatados incidem até o ano de 1996, data da publicação, e que o livro
serviu de apoio para as novas pesquisas que estão em processo nestes últimos
21 anos.

Dagmar Dias Cerqueira, aluna especial


DISCIPLINA: IM1207 - CULTURA, PATRIMÔNIO E IDENTIDADE

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