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A INSTRUGAO PUBLICA E A PRIMEIRA HISTORIA SISTEMATIZADA DA EDUCACAO BRASILEIRA Clarice Nunes Professora da Faculdade de Educagao da Universidade Federal Fluminense RESUMO. © objetivo deste arigo 6 apresentar uma leitura da nossa pri- ‘mera hist6ria sistematizada da aducario brasileira: Instruction Publique au Erésii — Histoire et Légisiation (1889), centrada no ‘Combate a libertinagem na cidade do Rio de Janeiro e na defesa de uma ampla reforma publica dos costumes na sociedade bra- silsia. Contudo, apesar de esse lvro ser © primeito em ordom cronolégica de publicagao ¢ trabalhar com uma tamtica central da nossa histéria da educagio, nao se consti em obra fun- dadora dessa area de conhecimento como disciplina escolar. HISTORIA DA EDUCAGAO — INSTRUGAO PUBLICA ABSTRACT PUBLIC SCHOOLING SYSTEMIZED HISTORY OF BRAZILIAN EDUCATION. This article presents a reading of our first systematic history of education in Brazil Instruction Publique au Brésil — Histoire of Légisiation (1889). Key to this reading ie the combat against the berine habits in the city of Rio de Janeiro as well as the defense of wide reforms in Brazilan society. The conclusion is that, in spite of being the first book fn a contral theme on the history of education in Brazil, it is rot a sominal work in the area of schoo! discipline, Cad. Pesq., So Paulo, n.93, p.51-59, maio 1995 51 © objetivo deste artigo é apresentar uma leitura da primeira historia sistematizada da educagao brasileira, Instruction Publique au Brésil — Histoire et Législation (1889), de autoria do médico José Ricardo Pires de Almeida. No ano de seu centenario, essa obra mere- ceu uma reedigaio pelo Instituto Nacional de Pesqui- sas Educacionais, do MEC, e Pontificia Universida- de Catélica de Sao Paulo, com tradugao de Antonio Chizzotti A leitura que apresentamos foi empreendida no Ambito da pesquisa que estamos desenvolvendo e que pretende desvelar a historicidade dos livros de hist6ria da educacéo, com 0 intuito de examinar cer- tos angulos do proceso de construgao dessa area do conhecimento como disciplina escolar’. Ela é 0 pro- duto ndo s6 de um esforgo que opera por aproxima- es sucessivas, isto &, que implica 0 estudo exten- Sivo e intensivo dos livros analisados, mas também do pensamento que estabelece relacdes e interroga ‘8 livros em busca da sua peculiaridade e, ao mesmo tempo, da rede de significados da sociedade e da 6poca de que estéo impregnados. © livro de histéria da educagao escrito por José Ricardo Pires de Almeida é pega isolada de produgao mais ampla, como 0 foram os livros de historia da educagao produzidos por Julio Afrénio Peixoto (1876- 1947) © Raul Briquet (1887-1953). Ao lado de ambos, José Ricardo Pires de Almeida se insere no rol dos médicos € historiadores da educagao no pais. ramatica questao era uestéo essa que encon- trava eco nos estudos de especialistas de Dircito Po- nal, nos romances @ nos contos de preocupagao di- datica, @ nas propostas pedagégicas dos Diretores de Instrugao Publ ‘constatagao” angustiante di tingia toda uma geragao de letrados, que pre nstituir a nacao. Se alguns dentre eles, em prol dessa causa, escreveram livros didaticos e promoveram reformas pedagégicas, outros, a frente da avaliagao do regime republicano, compartiharam a desilusao iluminista que assolou as elites, preocupadas com a identidade na- cional e com a qualidade de sua intervengao na vida blica, nos primérdios do nosso século, necessidade da vitude, por 6p6sig&6) SN i5EF Nessa imagem, muitos angulos foram construidos; nsamentos e atitudes cruzaram-se, numa certa for- ia de interpretar o Brasil. As metaforas do corpo constituiram no sé 0 melhor veiculo de expressao daquela necessidade, mas também a forma mais aca- bada de responder 8s questées incémodas colocadas pela existéncia concreta do povo, que a passagem do século trazia vigorosamente a cena. O combate a li- bertinagem teve nos médicos lideres de primeira hora que se esmeraram na determinagdo de medidas de higiene e profilaxia, cujo alvo privilegiado era, sobre- 1do, 0 cotidiano das classes trabalhadoras. 52 Na relacdo que os intelectuais urbanos fo Rio de Janeiro estabeleceram com a modemnidade, forjou-se a convicgdo de que o discurso da cidade era um discurso para todo o pais. Quem dizia e escrevia © Rilo, dizia e escrevia uma necessidade nacional. Dai que uma das caracteristicas da produgao discursiva desses intelectuais passou a ser a projegdo do pais no espaco da cidade e vice-versa. Portanto, nao era acidental que, de um lado, 0 espago da cidade se so- brepusesse ao espaco do pais e que se alternassem as duas faces da modemidade, tecidas pelos proble- mas reais ou imaginarios, que as politicas de inter- vencao dos intelectuais urbanos procuravam resol- ver: de um lado, a instrugao publica; de outro, a bertinagem. ae INSTRUCTION PUBLIQUE AU BRESIL, OU DA NECESSIDADE DA VIRTUDE atizada_da_educagao brasi- laborada para oferecer uma imagem da educacao brasileira nos congressos peda- gégicos internacionais, freqientes no final do século XIX, foi escrita em francés e dedicada ‘a sua alteza 4 A pesquisa denomina-se Vises da Histéria da Educapao @ ‘conta com bolsas de pesquisa forecidas pelo CNPq e pela Pro-Reitoria de Pesquisa da UFF (PROP), Trabalhamos ‘com os alunos botsistas de iniciagao cientitica Cars Pereira ‘Jinior, Cristiane Gongalves de Souza, Julio Cisudio da Siva, ‘Oswaldo V. da Siva Jr. e Simone Zied Pinheiro; com 05 alu nos bolsistas de apertelcoamanto Maria Christina Esteves da Costa e Rubens Luiz Rodrigues: com a aluna de pés-grar ‘duagdo lato sansu Sénia Camara; com 0s alunos de_pés {graduagao stricto sensu Inés Ferrera, Jorge Antonio da Siva, Rangel e Luciana de Oliveira Siva Pazito Alves. Alguns pro fessores intoressados na pesquisa, pertencentes ou no a0 ‘corpo docente ca UFF, também a tem acompannado de per- to 6 contibuido para enviquect-la; sdo eles: Armando Martins Barros, Daisy Guimaraes de Souza, Katia Pegorim Peixoto, Maria Cecila Daurado @ Haydée da Graca F. de Figueiredo. A instituicao publica. real Sr. Gastdo d'Orleans, conde D’Eu, Marechal do Exército brasileiro”, que reunia, na visao do autor, as virtudes do principe e as qualidades do hers © tradutor Antonio Chizzotti constiéi na Apresen- tagao uma breve imagem do seu autor: 0 dr. José Ri- cardo Pires de Almeida é apontado como nacionalista, monarquista, conservador € entusiasta da educagao* Enfim, nas palavras de Chizzott, foi “um intelectual ti- pico da sua geragao’. A sintese das qualidades do Autor é justamente o ponto de partida das nossas re- flexées, sendo que 0 quaiiicativo “tipico" condensa, Por certo, outros atributos além dos que the conferiu 6 tradutor. fer um intelectual tipico, no final do século XIX, 6 falar de um ponto de vista particular: da elite bran: ca, proprietéria e letrada, com uma atitude intelectual ca, iluminista. & também possuir uma atua- lente que, no caso de Pires de Almeida, passa principalmente pelo jornalismo, pelo teatro, pela arquivistica, pola biblioteconomia e pela medicina, E participar de um espaco de eleitos, escolhidos a partir das suas relagdes sociais que, sem vivenciar debates universitrios — pois ainda se discutia a criago de uma universidade no Brasil —; faziam parte de insti- tuigdes criadas nos moldes das academias ilustradas européias, ou viviam a sombra delas. Pires de Almei- da foi membro honorério do Instituto Histérico e Geo- grafico Brasileiro (IHGB) e integrante da Academia Nacional de Medicina, Esse contexto institucional condiciona, de saida, © projeto da intelectualidade & qual Pires de Almeida esta vinculado, e que ele jd explicta nos comentarios finais de seu livto: “investigar detalhadamente as questées obscuras que interessam as origens nacio- nais" (1989. p.307). Dar conta da génese da nagao brasileira, inserindo-a numa tradigao de civiizagao e progresso, foi a tarefa do IHGB quando se propés a tragar 0 retrato do pais (Guimaraes, 1988. p.8). Para tragar esse retrato, Pires de Almeida optou pelo vetor da educacao, Foi o desejo de tomar visivel o Estado “mais im- Portante, mais vasto, mais rico © populoso da América do Sul, em contraposigéo a “pretensa superioridade” da Republica Platina, presente nos livros dos escrito- tes internacionais que ignoravam as realizagées edu- cacionais da Monarquia no Brasil, que 0 motivou para @ empreitada de escrever 1102 paginas (na edigéo inal), Nelas, munido de despachos, relatorios mi- leriais, correspondéncias, avisos, requerimentos, cartas-régias, alvaras, registfos diversos, além de ini moeros quadros estatisticos, procura derrubar o pre- conceito contra o Império e oferecer uma espécie de fotografia da educacao brasileira. Nesse sentido, Ins- truction Publique au Brésil 6 uma obra visceraimente comprometida, apesar da afirmacao positivista da im- lidade, da busca da verdade e da sua revelagao tos, Como médico, Pires de Almeida projeta, na sua harragao, a concepao de modemidade presente na rea médica no final do século XIX, cujas caracteris- ticas podem ser sinteticamente extraidas dos temas, Cad. Pesq. 1.93, maio 1995 do estilo, das “leis” que regem a escrita, da identidade que reivindica. Os temas centrais de sua area eram a vida e a morte, as escolhas éticas, as decisdes te- rapéuticas e as regulamentagées institucionais; 0 es- tilo quase sempre descritivo, minucioso, o tom, mora- lista; as regras sustentadoras da argumentacdo eram 98 cdlculos matematicos, as experiéncias de labora: trios @ medigées testadas por instrumentos, 0 racio- cinio quase sempre encaminhando por pares opostos como sujovlimpo, doente/sadio. Finalmente, os mé cos elaboravam um novo tipo de identidade que pas- saria_necessariamente pela instrumentalizacao da ciéncia (Herschmann, 1993. p.55). Formado pela Faculdade de Medicina a Janeiro, médico adjunto da Inspetoria Geral de ne, autor de diversas obras médicas que incluem di cussdes metodolégicas especificas, relatdrios descr vos de epidemiologias, preceitos higiénicos dirigidos as mulheres, anélise das condigdes de géneros ali- menticios, habitagdes, aguas © estagdes climaticas, além de desorigdes de formulas terapéuticas acompa- nhadas de indicacdes diversas, o autor em questéo faz da “higiene moral" 0 instrumento de diagnéstic da cidade e, dentro dela, das classes trabalhadora: @ de seus fos. Quando discute a gratuidade escolar ciona contra sua generalizacao indiscriminada — por acreditar que isso ocasionaria nao sé a indiferenca dos beneficiados, incapazes de valorizar uma instru- ‘go obtida sem sacrificios, mas também a atenuagao dos cuidados paternos sobre a crianga, jd que os pais, se veriam desobrigados de tal tarefa com a presenca dos filhos na escola —, 6 que Pires de Almeida ofe- rece uma imagem peculiar da capital do Império. ‘possuindo um fundo here transparecerd nas ocasiées de faltas @ maus exem- los (...) Jd se conhece como sao os filhos desses pais: pélidos, fracos, mal-nutridos; trazem em seu rosto um descaramento precoce; instintos perversos 2 Nota-se nessa recdigao a auséncia de informagoes biograt- cas sobre 0 autor, que a nossa pesquisa procurou recuperar. ‘José Ricardo Pires de Almeida nasceu na cidade do Rio de ‘Janeiro em 7/12/1843. Era fho do dr. Joaquim Pires Garcia {de Almeida e de dona Maria Luisa Pires (dapo's Lulsa Arnat) Formou-se pela Facuklade de Medicina do Rio de Janet, ‘pds estudar tr8s anos de Direito em Sao Paulo. Serviu no antigo Instituto Vacinico com comissério vacinador nas {te guesias de inhaoma e trad. Foi arquivista da Cémara Mu: Nicipal ¢ Adjunto da Inspetoria Geral de Higiene, onde tar bém dedicou'se aos servigos de arquivo @ biblioteca dessa ‘eparigao. Partcipou da Campanha do Paragual como mé- dco. Dadicou-se & teratura desde os treze anos, quando ainda era estudante. Colaborou om varios jomais: Provincia {de Sao Paulo, Correio Paulistano, O Futuro, O Diario do Rio {fe Janeiro, Gazeta do Noticias, Gazeta Universal, Agriculfor, Mae de Familia, Joma! do Comércio @ outros. Faleceu em 2arariers, 53 ja se apropriam do corapo desses pequenos se- res, que fumam, como adultos @ ndo hesitam diante de um copo de pinga. (1989. p.93-4) jo estudo Rio de Ja- neiro, afirma que *a civilizagao nao se desenvolve, in- felizmente, sem 0 grande cortejo dos vicios” (1906. p.45). Nessa obra, que faz admiravel contraponto e, ao mesmo tempo, complementa aspectos das anali- ses presentes na instruction Publique au Brésil, 0 au- tor usa a histéria para denunciar, classificar a devas- sido e avaliar suas consequiéncias. Enquanto recolhe exemplos de fibertinagem, que se iniciam com os he- breus e passam por outros povos antigos e primitivos, pelas nagdes européias modemas, pelos indigenas brasileiros pelos modestos habitantes da cidade ca- rioca, ele tece um quadro hierarquizado da deprava- G40 que inclui o incesto, 0 adultério, a poligamia, a Prostituigdo, a pederastia e o lesbianismo, ele se qualifica nessa obra, que esmiuga os segredos mais vergonhosos aos quais se entrega o devasso. iene utilizada contra os desejos violentos © 0s instintos sdrdidos, tudo em nome “da s4 moral @ do interesse da familia fluminense" (1906. p.3). © que degradava o homem? Se Pires de Almeida no explicitou essa questéo na instruction Publique, ele a colocou e respondeu em Higiene moral — Ho- mossexualismo (A libertinagem no Rio de Janeiro). 0 que degradava o homem era a alimentagao excitante ou picante, o apetite venéreo, a imaginagao viva @ ar- dente, a continua aproximagao dos sexos pela lingua- gem, pelo contato da pele, pelas mil e uma maneiras ‘aturais ou simuladas dos sexos se agradarem mu- tuamente (1906. p.2). Mas no apenas isso. © que também degradava o homem eram os bi les populares, que comegaram a funcionar com a li cenga da policia em 1842, os cafés-cantantes © a or ganizagao das sociedades camavalescas. Ao contré- fio do seu colega, Dr. Ferraz Macedo, Pires de Al- meida isentava 0 teatro da acusacao de ser uma das causas principais da dissolugéo dos costumes. Afinal dizia, se 0 teatro provocava o crescimento da prosti- tuigo feminina, pelo menos o fazia em detrimento da prostituigaio masculina, qualificada também por ele de “prostituigao da prostituigao” (1906. p. 2,48-50).. Escritor de inimeras pegas teatrais, inclusive de uma comédia (!) intitulada A Educagao, Pires de Al- meida fazia da defesa do teatro a defesa da prosti- tuigdo ferinina. Sua posigao nesse assunto, apés mi- nusiosa andlise que apontava nao sé 0 crescimento da prostituigao na cidade do Rio de Janeiro, no final do século XIX, mas ainda o crescimento da prostitui go nacional, em detrimento da estrangeira, era a mesma da Academia Nacional de Medicina 2 época: 54 cabia a0 Estado regulamentar a prostituigao @ incen- tivar a profilaxia publica da sifiis. De fato, diz ele: Nao se deve aferir da moralidade ou imoralidade de uma cidade pelo maior ou menor numero de mun- danas. Na espécie, 0 fato dé-se na razao inversa. Quando a prostituigao publica 6 em grande numero, luxuosa @ opulenta, a castidade do lar é a regra (1906. p.58-9) Mais uma vez a leitura de Higiene moral ilumina a detesa veemente que Pires de Almeida faz, na Ins- truction Publique, da familia brasileira. Afirma 0 autor nesta ultima: A familia brasileira 6 chamada a tomar-se um dia © centro intelectual do mundo: as grandes nagdes da Europa esgotar-se-do em lutas intestinas e nao deixardo, numa larga série, lembrangas andlogas as que nos deixaram os povos da Grécia. Os Estados Unidos, entregues inteiramente ao positivismo da matéria, voltar-se-do para 0 novo faro! que os sé- culos terdo acendido no Brasil. Com homens bem educados © suficientemente instruidos, mulheres cuidadosamente educadas, as familias destrutarao do bem-estar, da consideragao e da felicidade que merecem; neste meio, néo vingaréo os fatores da perturbagao social; haverd apenas coragées anima- dos pelo amor da patria e da familia, que estarao prontos a defender. (1989. p.305) Como ele salienta em individuos (1989. p. atravessa também a discussao sobre a concepgao do ensino secundario, j4 no final do Império, e que se 0 analisa Geraldo ‘Educagao secundaria (1969) —, tem, na viséo de mundo de Pi- res de Almeida, um significado peculiar’. O que esta no fundo da distingao instrugdoleducagao é 0 acom- panhamento, a vigilincia, a orientagéo das condutas @ praticas sexuais. Esse aspecto tem tanta forga que leva 0 autor na sua obra Higiene moral a defender 0 Cristianismo © a apontar, na Instruction Publique, 0 colegio Caraga de Itu (e nao 0 Colégio Pedro Il, fun- dado pela Monarquia que ele tanto exalta) como o modelo educativo do seu tempo (1989. p.304). 3 A preparago x formagdo como objetivo do ensino secundé- fio vem sendo questionada em trabalhos recentes. Como afr. rma Cidudia Alves (1994), essa forma de expor um dos as- ppectos centrais do ensino secundério reproduz atirmagées, presenles nos discursos de deputados provinciais no Con- {18850 Imperial, além de dar autonomia, de mancira indevi- da, & educagio, come se ola contivesse om si mesma (@ no a partir da ago histrica © dos interosses de distintos atores sociais) @ explcagao para os impasses que entrenta, (1994. p26) A instituigao publica. Para Pires de Almeida, a religido cristé teve 0 mé- Tito de reformar os costumes ao defender a castidade, impor o celibato, pregar a continéncia acima das for- gas. da natureza humana.e.tomar a monogamia uma lei Sagrada. Ante a moral religiosa, a luxtria tomou-se pecado © a pudicicia foi. convertida em. honra, (1906. 21-2). Se a admiragao desse autor pelo cristianismo, no fica logo evidente na Instruction Publique, quando apresenta as vantagens @ desvantagens das escolas, mistas, tera discutido pelos institutores — tetmo com que Pires de Almeida designa os professores prima- rios da capital da Republica reunidos nas Conferén- cias Pedagégicas —, ela salta aos olhos na apresen- tagao que faz da concepeao da formacao dos profes- sores sob 0 ministério do conselheiro Leéncio de Car- valho, defensor das teorias da liberdade completa em matéria de ensino (1989. p.181-8). Ainda usando 0 mesmo expediente de rolatar po- sigdes a favor e contra a formagao religiosa, o autor deixa transparecer a tensao nao resolvida do seu pen- samento ao querer discernir o papel do padre e do institutor junto aos seus alunos. Parece-Ihe equitativo e justo que ao padre caiba o ensino do dogma e a0, institutor 0 ensino da moral. No. entanto. coloca.uma questdo: seria possivel ensinar a moral sem a reli- gido? Para os que acreditam na existéncia de_ uma moral independente @ na capacidade de o homem fa- zer escolhas adequadas sem. a crenga em Deus. na, imortalidade da alma, 0 autor aponta um “duplo erro” que estaria:baseado mo conhecimento que tem. do ho- mem, das suas facuidades, dos seus instintos, de seus motives para agit, de. sua,histéria:-para ele, se se suprimisse a idéia de Deus, a moral careceria de base: se se suprimisse a idéia de imortalidade da alma, a moral careceria de sang&o (1989. p.187-8) Essa postura de Pires de Almeida sinaliza a po- sigéo da propria area médica em relacao ao saber ro- ligioso. Como salienta Micael Herschmann, se.o saber ‘médico disputava com o saber religioso a condigso de Conselheiro junto as familias nos centros urbanos, ja que nas reas rurais © predominio da Igreja era he- geménico, ele passou — sem descartar as tensdes das propostas de médicos e clérigos — a estabelecer, por intermédio dos seus profissionais, areas de atua- G40 complementares. O projeto de regeneracéo so- ial, que € 0 dos intelectuais médicos e, portanto, também 0 de Pires de Almeida, levava-os a colocarem a ciéncia ao lado da. virtudeve-do, bem-estar do orga- nismo social. Jé ao final do século XIX, os médicos reivindicavam um espago, junto ao Estado, nao pro- priamente para substituir a Igroja, mas para comple- menté-a na sua tarefa moralizadora (Herschmann, 1993. p.43) © resguardo dos bons costumes familiares provo- cou um acordo tacito entre 0 campo médico e 0 re ligioso. Quem ousasse rompé-lo sofreria nao s6 duras criticas, mas a marginalizacdo na propria area de atuagao, como acontecou na década de 30 do nosso século, com o dr. José Albuquerque, médico higienista que ousou enfrentar a Igreja, ao tornar o tema da ‘educagao sexual, até entdo periférico nas discussées Cad. Pesq. 7.93, maio 1995 intelectuais ¢ verdadeiro tabu da época, 0 centro das suas reflexes. Ao levar suas idéias cientifcistas @ evolucionistas a0 extremo, na defesa da prostituigao, do divércio, do controle da natalidade e da educacéo sexual nas escolas, Albuquerque provocou a ira dos setores mais conservadores da elite dirigente, que 0 excluiram dos grupos decisérios @ relegaram-no ao esquecimento (Herschmann, 1993). A trajetéria de Albuquerque ajuda-nos a entender 0 siléncio de Pires de Almeida na Instruction Publique quanto & necessidade da educacdo sexual, e & sua ambigtidade na Higiene moral, que acusa @ a0 mes- mo tempo defende, em nome da familia, a prostitui- a0. Se nessa ultima obra Pires de Almeida historia a decadéncia moral da sociedade brasileira, iniciando suas acusagées pelos padres da Colénia, particular- mente os jesultas — & excego, como ele diz, dos “Nebrega” dos “Anchieta” —, na instruction Publique passa ao largo dessas complicadas argumentagées, reduzindo ao maximo 0 exame da contribuigo dos je- suitas como nossos primeiros educadores e tampouco fazendo a eles qualquer critica. J4 na Higiene moral, os paldcios e conventos aparecem como os grandes focos de libertinagem em todas as eras (Almeida, 1908). Se a escritura do médico permissiva, a do historia dor.da,educagao.néo.o é, muito menos. quandoycis- corre sobre a formagao do educador, Pires de Almei- da exige grande moralidade, instrugao sélida, vocagéo especial, devotamento continuo. Sé o intemato seria, fem sua viso, adequado ao atendimento destas fina- lidades (1989. p.101 e 164). Arida na sua minuciosa descri¢o, a nossa primeira histéria sistomatizada, daeducago, brasileira. vai. re velando os comprometimentos politicos @ ideolégicos do seu ator, um conservador, mas néo um conserva- dor qualquer. Ao contrério. do conselheiro Paulino José Soares de Souza, que, apesar de “consegiente, légico @ sincero" ndo se colocou do “iado humanitario” com relagdo & questo da escravatura, configurando- se, portanto, claramente como um “conservador duro”, Pires de Almeida se apresenta no meio-termo: nem abolicionista, pois nao pretende atentar contra a for- tuna privada de um importante nimero de cidadaos, nem radical como os duros que nao admitiam, nesse assunto, qualquer atenuagao (1989. p.118-9). Ser um “conservador avancado” era dialogar com liberais como Leéncio de Carvalho e Rui Barbosa, apesar de apontar-Ihes as contradigdes e critcarhes as propos- tas. Era admirar e elogiar os conservadores duros, aceitando ora mais ora menos a idéias defendidas pelo movimento emancipador. Era criar um espago de mobilidade entre as rixas dos dois grupos*. 4 0s conservadores, em meados do século XIX, eram drigidos pela “trindade saquarema” da qual faziam parte além de Pau- lino José Soares de Souza, Rodrigues Torres e Eusébio de Queirés. Como afirma limar R. Mattos, eles constituiram 0 fiicleo de um grupo que, entre os limos anos do periodo ragencial ¢ 0 renascer liberal dos anos 60, allerou os rumos. ‘6a “ago” @ no $6 imprimiu tom, mas também dofiniy o ‘conteide do Estado Imperial (1984. p.158). 55 Ao elogiar as iniciativas educacionais da provincia fluminense, num livro langado em pleno momento de esfacelamento do governo monérquico, e defender a “difuséo das luzes’, esquadrinhando com o seu olhar de médico 0 espaco da cidade, seus locais de pros- tituigao, suas habitagdes, seus habitos alimentares e sextiais, Pires de Almeida produz e se produz no mo- vimento de expansao horizontal do poder conserva- dor. Assim pode ser compreendida a sua atividade constante de publicista, com artigos divulgados em jomais da capital do Império @ da provincia de Sao Paulo, e de romancista e teatrélogo. Centrada no sentimento aristocra- 9. sintese da visao politica e da sociedade brasileira sde meados do século XIX, tinha como pano de indo a intervencao direta do médico, representante jerial no governo da casa e no mundo ‘Seu elogio & Coroa era, portanto, coe- rente com a sua defesa da ordem, do principio mo- arquico em contraposigo ao principio democrattico. Conforme os conservadores (ou saquaremas), obser- va-se nele particularmente o deslocamento do prima- do do “politico” para o “social” no que se refere a di- mensao publica, como também a reducao da ativida- de politica & atividade administrativa E deste ponto de vista que Pires de Almeida, no seu livro, incorpora argumentos liberais, subordinan- do-os, porém, sua postura conservadora e expondo, apesar dos elogios, seus equivocos @ os nefastos efeitos de suas realizagdes, mas sempre por intermé- dio de outros autores. E também desse Angulo que elabora uma rdpida critica aos socialistas europeus que se limitavam, em sua apreciagao, a propor a ‘opressao do homem, pretendendo tornd-lo um instru- mento mais ou menos util do Estado. la visio de Pires de Almeida, a historia da edu- Zo brasileira, apesar do esforgo precursor dos je- itas, cuja obra escolar aparece sumariamente rela- ja nas primeiras dez paginas do seu longo texto, Periodizagao e condensa varios significados: o inicio ‘Slaps aca opt tnt ura a possibilidade da independéncia do pais getagéo, solos ricos e férteis, jazidas minerais de in- calculvel valor. Os periodos que se seguem e que, pata comodidade do leitor, o autor dividiu de 1834 a 1856 e de 1856 a 1889 sdo apenas desdobramentos daquele evento fundador que, em sua perspectiva, sintetiza a hist6ria da sociedade em que viveu, suas caracteristicas morais, politicas © administrativas (1988. p.306) A construgao apotedtica desse evento fundador nna Instruction Publique, que aparece sob 0 signo da abertura — dos portes, dos cursos, das academias, 56 das bibliotecas, da imprensa e da ampliagao da cul- tura, particularmente da musica e do teatro — con- trasta com a leitura que Pires de Almeida faz deste mesmo evento na obra Higiene moral, na qual rela- ciona a chegada da familia real a propagagao dos costumes libertines e a abertura dos portos ao au- ‘mento da populagao @ ao crescimento da prostituigao. No primeiro quartel do século XIX, as mulheres ago- rianas, trazidas sob 0 pretexto de procurar colocagao no Rio de Janeiro, vinham, de fato, segundo 0 autor, diminuir a pederastia que lavrava no comércio local da capital do Império. O écio, a riqueza adquirida sem trabalho € 0 mau exemplo dos escravos somavam-se fa esses fatos, na sua perspectiva, para alimentar a degenerescéncia dos costumes. Também no apare- ce na Instruction Publique que a instalacao da Impren- sa Régia foi acompanhada da criago da censura pré- via, Esta informagao emerge, porém, no elogio histé- rico que © autor faz a D. Pedro |, justamente porque a teria abolido (1885). sa_manobra_de selecionar informagées de- jonsira a capacidade de Pires de Almeida de mani Jar a escrita criando, a sua maneira, uma cortina fumaga sobre certos eventos e iluminando outros, Itecer as figuras reais. O mesmo poder ‘f aparece na forma de apresentagao de certos temas. Defende uma Histéria do Brasil que promova ‘© espirito nacional, em contraposiga0 ao espirito local, (© que 0 leva a se indispor contra 0 federalismo, tema da ordem do dia no periodo em que escreve. Sua obra pretende-se exemplar quando indica como con- edo para a Histéria do Brasil das escolas primarias @ secundarias a aprendizagem dos trés reinos. A tentativa de desbancar a pretensa superioridade da Argentina e afirmar 0 Brasil dentro da América do Sul, em termos da sua capacidade de instrugao pu: plica, significa mais do que uma comparacao ufanista. © primeiro conjunto de significados 6 0 alvo da histéria da instrugao publica, mas se subor- dina ao segundo, embora este apareca desfocado no texto, como se todo o esforgo do autor fosse empur- ré-lo para uma espécie de subsolo da escrita. A instituigao publica. O historiador da educagao trata dos problemas da escola luz da experiéncia médica, que lida, sobre- tudo, com a satide do corpo e do espirito. Enclausu- rado_ no 2mbito da normatividade, o discurso médico 6 produzida pela classe proprietaria, branca ¢ letrada, que aparece nao s6 como “universal” mas também marca, em ultima instancia, a forga do monarca e ndo do poder legislativo ou do povo. Destaca como sinais de caridade © generosidade intelectual dos dirigentes, tanto a sua presenca nos exames, como na distribui- Go de prémios © nas festas de aniversarios de fun- dagao dos estabelecimentos de insirugao. A narragao tecida a partir da legislagao enfatiza a necessidade de governar, assim como seus obsta- culos, circunstancias e modos. Sem diivida, a expe- riéncia de Pires de Almeida durante trés anos como aluno da Faculdade de Direito — curso que abando- nou ao ingressar na Faculdade de Medicina — e ‘como arquivista da Camara Municipal ofereceu supor- te adequado a empreitada. A énfase na lei também transfigura @ sacraliza 0 ideal educativo. Diz 0 autor: a direpao (..) que se deve dar aos conselhos e as ligdes varia com o tempo e com 0 individuo a edu- car. E uma converséo idéntica aquela que, entre os silvicolas fizeram os Anchietas @ os Nébrega. E obra de catequese. (1906. p.256) A tentativa de compreender os motivos e as cir- cunstancias do primeiro livro sistematizado de histéria da educagao brasileira tem colocado perspectivas & questées que merecem ser aprofundadas metodologi- camente. Ao nos propormos a interpreti-lo, estamos 20 mesmo tempo criando outros sentidos para a obra estudada e junto com eles instituindo instrumentos de captagao e elaboragao de signficados. Uma pergunta que se impés, a partir da leitura de José Pires de Al- meida, & se essa obra foi, de fato, a obra fundadora da histéria da educagao brasileira A PRIMEIRA HISTORIA DA EDUCAGAO BRASILEIRA E OUTRAS HISTORIAS DA EDUCAGAO Uma obra fundadora nao é necessariamente a primei- ra, em ordem cronolégica, a aparecer na literatura. Sem deixar de levar em conta a cronologia, os as- pectos para os quais estou atenta sao aqueles sina- lizados por Eni Puccinelli Orlandi e que retomo em fungao da pesquisa em andamento, ou seja, a his- toricidade dos livros de historia da educagao, do historiador que os produz e a dos préprios processos de nartar. E particularmente esta ultima que mais in- teressa, Isto 6, trata-se de pensar como diferentes for- mas de narrar se relacionam e se constituem. Neste caso, a obra fundadora seria aquela cujo modo de narrar se instalaria ndo s6 como possibilidade, mas Cad. Pesq. 7.93, mao 1995 como regra de narragao pata outros textos (1993. P2355). res de Almeida nao constitua uma historia da educagao brasileira. Apesar de trabalh uma tematica-eixo como a organizagao escolar, o livr nao foi destinado ao ensino nas Escolas Normais Institutos de Educacao, 6 muito recentemente sido divulgado. Praticament obras de histéria da edu ‘Sua aspiragdo & unidade nacional e, em decor- réncia, a defesa da centralizagao do ensino em con- traposigao & descentralizaco — problematica obriga- teria da época — acalenta a idéia de um sistema na- cional de educagao, presente nas reivindicagdes dos escolanovistas ao Estado nas primeiras décadas do regime republicano. O rastreamento dessa idéia pode demonstrar como certas teses do liberalismo foram construidas, reapropriadas polos “conservadores avan- gados" nos debates parlamentares do Império e, mais ainda — 0 que em particular interessa —, como fe- cundaram nao s6 a tematica-eixo ja referida, mas tam- bém uma forma de abordagem ancorada na minucio- sa pesquisa em documentos do poder legisiativo e executive, A abordagem dava expresso eslatistica aos “fatos educacionais” e legalista aos projetos de feforma, que, em citima insténcia, defendiam uma for- magao crista® A vitéria do regime republicano condenou o livro ‘ao esquecimento até ser traduzido e relangado em 1989. O processo de secularizacao da Republica e as reformas de instruao publica das décadas de 20 e 30 modificaram nao sé os cursos de formagéo docen- te através dos Institutos de Educagao, mas principal- mente interferiram na maneira de interpretar a reali- dade social e escolar. Essa nova forma de interpre- taco pretendia se opor ao significado integrador da religiosidade, mas isso de fato ndo ocorreu, em virtu- de da peculiaridade com que se articulou a interpre- tagao sacralizada da vida social, no ambito da escola. Esta manteve o apelo soteriolégico, que conviveu com as racionalizagGes trazidas pelas ciéncias humanas e ppelas técnicas de controle social em desenvolvimento nas primeiras décadas do século XX. 5 0 rastreamento da idéia de uma aducagao nacional no Brasi pode ser realizado, segundo Geraldo Basios Silva (1977), a partir das seguintes fontes: Rapport et Projet de Décret apre- Sentado por Condorcet & Assembléia Legislatwa Francesa fom 1791; Projeto do Organizagao da Instrugao Publica, ela- borado por Garpdo Stocklar a mando do Conde da Barca, Minisro do D. Jogo VI; Moméria sobre a reforma dos estudos na Capitania de Sao Paulo, de Martim Francisco Fibelro de [Andraca — documento qué iniciou, nos debates pariamen- tares, a teorizagao das teses pedagogicas; artigos do Correio Brazilanse do Hipolito José da Costa, editados na Inglaterra: Lembrangas @ Apantamentos de José Bonifacio de Andrade ®@ Silva, documentos relatives aos debates parlamentares in- ‘deades por Primitivo Moacir, A Institudo @ 0 Império (S80 Paulo, Nacional, 1936) e Josephina Chocia, A Educaeao bra: Silene, indice sistematico da legisiagdo (1808 a 1889) (S80 Paulo, Faculdade de Fivcsotia de Maria, 1963). 57 Tais circunstancias propiciaram a emergéncia e a consolidagdo de uma regra narrativa por meio da qual identitico @ primeira obra da histéria da educagao bra- sileira e a terceira em ordem cronolégica na nossa lis tagem: Nogées da Historia da Educagao, de Jilio Afranio Peixoto, langada em 1933, com uma tiragem de 1000 exemplares, pela Editora Nacional, na cole- tanea Atualidades Pedagogicas®. As Nopdes foram es- critas, como afirma o autor no prefacio, para sistema- tizar conhecimentos, ordenar o conhecido e preencher as lacunas do corpo docente, decorrentes da dificul- dade de sua atualizacao com’as novas aquisigdes da pedagogia. Sobre as Nopdes, diz 0 autor: Aqui esté, pois, o livro. E 0 primeiro dos nossos, precursor do qual néo se deve exigir muito, Nao pu- dera ter tudo. Tem, entretanto, um pouco de tudo, @ até de histéria da educagao (...) Era preferivel uma perspectiva panorémica a campos microscépi- 60s meramente documentais. A finalidade era me- nos hist6rica, que educacional, mais de evolupao de algumas idéias, do que da cronologia de alguns fa- tos. (Prefacio) Nesta breve mengao ao prefacio de Nogdes 0 que chama mais atengao nao 6 propriamente a conside- ragao do autor, professor de Histéria da Educacao do Instituto de Educagéo do Distrito Federal, de que o seu livfo & 0 primeiro (se bem que, com este proce- dimento, ele apague 0s precursores contra os quais, de fato pretende estabelecer uma ruptura de filagao);, © que quero realgar 6, sobretudo, a separagao que 0 autor estabelece entre campos microscépicos mera- mente documentais e perspectiva panorémica a dis- tingao que faz entre finalidade menos histérica e mais ‘educacional, entre evolugéo de algumas idéias © cro- nologia de alguns fatos. Com essa operagao, ele cia dois conjuntos de significados, demarcando lugares de conhecimento 6, 2 partir deles, dolimitando o lugar da histéria da edu cago. O conteudo pertinente ao lugar educacional — uma formulagdo abstrata que transforma a educacao em seu préprio sujeito e objeto — presenta uma perspectiva panorémica e relata a evolugdo das idéias pedagégicas primarias e el ‘ma de trabalho, historiador da educacao aprese: a histéria da civilizagao como palco de experiénci {das quais filtra modelos para o presente © para 0 turo e através dos quais reforca a convengao bilh temente criada pela Sociologia de que educar 6 f criangas © adolescentes adquirir habitos socials, segundo Afranio Peixoto, “transmitir a heranga social entre a Biologia e 0 Direito’ (1942. p.348) Liberta da ida as fontes arquivisticas, importante legado da histéria positivista, e caminhando ao lado da “ciéncia da educagao”, encamada nas pesquisas sociolégicas e psicoldgicas, a historia da educacao tornou-se o instrumento nao sé de apoio e controle Para a compreensao dessas novas "ciéncias’, mas também de legitimagao de um territério de agao e de um novo profissional definido como portador de um saber operatorio, endossado pela area médica, 58 ‘Ao desiocar 0 eixo da organizagao escolar para (© pensamento pedagdgico, Afranio Peixoto percorre seletivamente idéias pedagégicas da idade antiga a contemporanea e coloca como ponto alto do processo evolutivo as conquistas da Psicologia através da pe- dagogia da Escola Nova, ponto de chegada da edu- cago escolar, concebida como noviciado da socieda- de. A educacao, diz ele, ¢ 0 caminho que vai do real a0 ideal (1942, p.350), A histéria da ter filosofico, ain- da condicionado pelo cristianismo, se estabeleceu como sou espago de referéncia primordial. E: toria da educagao instaura um lugar para a edu @ para um grupo de educadores. Afrénio cria uma ti ologia em que a combinacao da multiplicidade das experiéncias educativas generaliza 0 lugar da educa- 40, © 0 educador singular, produzido socialment desaparece na virtude da sua a¢ao. Ai, como giografia, 0 que conta é o personagem. © livro de Afranio Peixoto merece uma anélise acurada que nao temos condigées de apresentar nes- te texto. E, no entanto, ndo $6 citado por Fernando do Azovedo, Theobaldo Miranda Santos, Ruy de Ay- res Bello e José Antonio Tobias, como também men- cionado por tradutores de obras de histéria da edu- cago estrangeiras. José Severo de Camargo Pereira, 20 prefaciar © livro de Anibal Ponce, Educapao e luta de classes, na década de 60, faz alusao direta a0 Ii- vro de Afrénio Peixoto como’ um dos tnicos de his- toria da educagao na sua época estudantil na cidade de Piracicaba, no interior de Sao Paulo (1981. p.9) Esses dados indicam que Nogdes fol o texto fundador de uma certa mansira de narrar a histéria da educa- do. Como essas regras narrativas permaneceram ‘hos varios livios de historia da educagao em outras conjunturas histéricas? Quais os motivos dessa per- manéncia? ‘Ao tentar destacar os sentidos dos livros exami nados, parece que eles sao construidos através de re. lagées intratextuais (I6gicas,linguisticas), extratextuais (entre texto e conjuntura) @ intertextuais, 0 que exige ‘a multiplicagao de esforcos para estender o horizonte da leitura © caminhar além do livro em exame, com a finalidade de descobrir relagées significativas e re- por o quadro de referéncia das obras estudadas, nao 6 resgatando a sua peculiaridade, mas ultrapassan- do-a reflexivamente. Este é 0 desafio e 0 ato de co- ragem da pesquisa com os livros de historia da edu- cagao: construir a erudigdo que nos falta © nos abyirmos a ela e & ameaca dos seus riscos, que sé muitos, 6 0 segundo lira de histéria da educagao brasileira que loca- lizamas na pesquisa ¢ 0 do daiano Raul Alves, Esboro his- {rico e critico geral da Educagao (Rio de Janeiro, Pongeti, 1928). Durante seis anos, Alves foi membro da Comissao de Instrugdo da Camara dos Deputados da Republica. Elaborou festudos de religiéo comparada e ensino popular @ andlises, sobre 0 papel do Estado, da sociedade e da familia na edu cago. Ele deciara, na apresentagao do seu livio, télo escrito para divulgar suas idéias na defesa da instrurdo publica come membro do parlamento, A instituigao publica. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALMEIDA, José Ricardo Pires de. Elogio histéico do 0. Pecko 1, egrégio fundedor do Império do. Brasi. Fio de Jancio +085, _—. D. Jado VI, t0! de Portugal © dos Algarves imperador Tuiar do Brasit elogio histrco. lo de Janoir: 1885 Higione Moral — Homassezualismo (A tibrinagem no Fig de Janeiro). Estudo sobre as perversdes do istino ge- nial, Flo. de Janae: Laermer & Co, 1906. _. Histéria da insrugao Publica no Brasil (1500-1886). His- ‘Bria © Lepislagdo. S40 Paulo. EDUC; Bras: INEPIMEC. Tradugao de Antonio Chizott, 1989, ALVES, Claudia Mavia Costa. 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