dramento da presente exposição. A entrevista pode ter A entrevista pode ser de dois tipos fundamentais:
em seus múltiplos usos uma grande variedade de obje- aberta e fechada. Na segunda as perguntas já estão pre-
tivos, como no caso do jornalista, chefe de empresa, di- vistas, assim como a ordem e a maneira de formulá-Ias,
retor de escola, professor, juiz etc. Aqui nos interessa a e o entrevistador não pode alterar nenhuma destas dis-
entrevista psicológica, entendida como aquela na qual posições. Na entrevista aberta, pelo contrário, o entre-
se buscam objetivos psicológicos (investigação, diagnós- vistador tem ampla liberdade para as perguntas ou para
tico, terapia, etc.). Dessa maneira, nosso objetivo fica suas intervenções, permitindo-se toda a flexibilidade
limitado ao estudo da entrevista psicológica, não so- necessária em cada caso particular. A entrevista fecha-
mente para assinalar algumas das regras práticas que da é, na realidade, um questionário que passa a ter uma
possibilitam seu emprego eficaz e correto, como tam- relação estreita com a entrevista, na medida em que uma
bém para desenvolver em certa medida o estudo psico- manipulação de certos princípios e regras facilita e pos-
sibilita a aplicação do questionário.
lógico da entrevista psicológica. Nesse sentido, boa par-
Contudo, a entrevista aberta não se caracteriza es-
te do que se desenvolverá aqui pode ser utilizado ou
sencialmente pela liberdade de colocar perguntas, por-
aplicado em todo tipo de entrevista, porque em todas
que, como veremos mais adiante, o fundamento da en-
elas intervêm inevitavelmente fatores ou dinamismos
trevista psicológica não consiste em perguntar, nem no
psicológicos. A entrevista psicológica, dessa maneira,
propósito de recolher dados da história do entrevistado.
deriva sua denominação exclusivamente de seus objeti-
Embora os fundamentos sejam apresentados um pouco
vos ou finalidades, tal como já assinalei. mais adiante, devemos desde já sublinhar que a liberda-
Na consideração da entrevista psicológica como téc- de do entrevistador, no caso da entrevista aberta, reside
nica, incluímos dois aspectos: um é o das regras ou in- numa flexibilidade suficiente para permitir, na medida
dicações práticas de sua execução, e o outro é a psico- do possível, que o entrevistado configure o campo da
logia da entrevista psicológica, que fundamenta as pri- entrevista segundo sua estrutura psicológica particular,
meiras. Em outros termos, incluímos a técnica e a teo- ou - dito de outra maneira - que o campo da entrevista
ria da técnica da entrevista psicológica. se configure, o máximo possível, pelas variáveis que
Circunscrita dessa maneira, a entrevista psicológi- dependem da personalidade do entrevistado.
ca é o instrumento fundamental de trabalho não somen- Considerada dessa maneira, a entrevista aberta
te para o psicólogo, como também para outros profis- possibilita uma investigação mais ampla e profunda da
sionais (psiquiatra, assistente social, sociólogo, etc.). personalidade do entrevistado, embora a entrevista fe-
4
---------------- Temas de psicologia
ção da anamnese, freqüentemente tolerada por corte- gica é então uma relação entre duas ou mais pessoas em
sia, porém considerada como supérflua ou desnecessá- que estas intervêm como tais. Para sublinhar o aspecto
ria. Não são poucas as ocasiões em que a anamnese é fundamental da entrevista poder-se-ia dizer, de outra
feita por razões estatísticas ou para cumprir obrigações maneira, que ela consiste em uma relação humana na
regulamentares de uma instituição; nesses casos fica qual um dos integrantes deve procurar saber o que está
em mãos de pessoal auxiliar. acontecendo e deve atuar segundo esse conhecimento. A
Diferentemente da consulta e da anamnese, a entre- realização dos objetivos possíveis da entrevista (inves-
vista psicológica objetiva o estudo e a utilização do com- tigação, diagnóstico, orientação, etc.) depende desse sa-
portamento total do indivíduo em todo o curso da rela- ber e da atuação de acordo com esse saber.
ção estabelecida com o técnico, durante o tempo em que Dessa teoria da entrevista originam-se algumas orien-
essa relação durar. tações para sua realização. A regra básica já não consiste
Na prática médica é extremamente útil levar em con- em obter dados completos da vida total de uma pessoa,
ta e utilizar os conhecimentos da técnica da entrevista e mas em obter dados completos de seu comportamento
tudo o que se refere à relação interpessoal. Uma parte do total no decorrer da entrevista. Esse comportamento to-
tempo de uma consulta deve ser empregada como entre- tal inclui o que recolheremos aplicando nossa função de
vista e a outra para completar a indagação ou os dados escutar, porém também nossa função de vivenciar e obser-
necessários para a anarnnese, porém não existem razões var, de tal maneira que ficam incluídas as três áreas do
para que ela se transforme em um "interrogatório". comportamento do entrevistado.
A entrevista psicológica é uma relação, com carac- A teoria da entrevista foi enormemente influencia-
terísticas particulares, que se estabelece entre duas ou da por conhecimentos provenientes da psicanálise, da
mais pessoas. O específico ou particular dessa relação Gestalt, da topologia e do behaviorismo. Ainda que não
reside em que um dos integrantes é um técnico da psi- possamos selecionar especificamente a contribuição de
cologia, que deve atuar nesse papel, e o outro - ou os cada um deles, convém assinalar sumariamente que a
outros - necessita de sua intervenção técnica. Porém - psicanálise influenciou com o conhecimento da dimen-
e isso é um ponto fundamental-, o técnico não só utili- são inconsciente do comportamento, da transferência e
za a entrevista para aplicar seus conhecimentos psico- contratransferência, da resistência e repressão, da pro-
lógicos no entrevistado, como também essa aplicação jeção e introjeção, etc. A Gestalt reforçou a compreen-
se produz precisamente através de seu próprio compor- são da entrevista como um todo no qual o entrevistador
tamento no decorrer da entrevista. A entrevista psicoló- é um de seus integrantes, considerando o comportamen-
to deste como um dos elementos da totalidade. A topo-
logia levou a delinear e reconhecer o campo psicológico
e suas leis, assim como o enfoque situaciona1. O beha- O empenho em diferenciar a entrevista da anamne-
viorismo influenciou com a importância da observação se provém do interesse em constituir um campo com ca-
do comportamento. Tudo isso conduziu à possibilidade racterísticas definidas, ideais para a investigação da per-
de realizar a entrevista em condições metodológicas mais sonalidade. Como na anamnese, temos, na entrevista, um
restritas, convertendo-a em instrumento científico no qual campo configurado, e com isso queremos dizer que entre
a "arte da entrevista" foi reduzida em função de uma sis- os participantes se estrutura uma relação da qual depende
tematização das variáveis, e é esta sistematização que tudo que nela acontece. A diferença básica, neste sentido,
possibilita um maior rigor em sua aplicação e em seus entre entrevista e qualquer outro tipo de relação interpes-
resultados. Pode-se ensinar e aprender a realizar entre- soal (como a anamnese) é que a regra fundamental da en-
vistas sem que se tenha de depender de um dom ou virtu- trevista sob este aspecto é procurar fazer com que o cam-
de imponderáve1. O estudo científico da entrevista (a pes- po seja configurado especialmente (e em seu maior grau)
quisa do instrumento) tem reduzido sua proporção de arte pelas variáveis que dependem do entrevistado.
e incrementado sua operacionalidade e utilização como Apesar de todo emergente ser sempre situacional
técnica científica. ou, dito em outras palavras, provir de um campo, dize-
A investigação científica do instrumento tem feito mos que na entrevista tal campo está determinado, pre-
com que a entrevista incorpore algumas das exigências dominantemente, pelas modalidades da personalidade
do método experimental; mas também faz com que a do entrevistado. De outra forma, poder-se-ia dizer que
entrevista psicológica, em geral, constitua um procedi- o entrevistador controla a entrevista, porém quem a
dirige é o entrevistado. A relação entre ambos delimita
mento de observação em condições controladas ou, pe-
e determina o campo da entrevista e tudo o que nela
lo menos, em condições conhecidas. Dessa maneira , a
acontece, porém, o entrevistador deve permitir que o
entrevista pode ser considerada, em certa medida, da
campo da relação interpessoal seja predominantemente
mesma forma que o tubo de ensaio para o químico, se-
estabelecido e configurado pelo entrevistado.
gundo uma comparação feliz de Young.
Todo ser humano tem sua personalidade sistemati-
Dessa teoria da técnica da entrevista (que continua-
zada em uma série de pautas ou em um conjunto ou re-
remos desenvolvendo) dependem as regras práticas ou
pertório de possibilidades, e são estas que esperamos
empíricas; esta é a única forma racional de compreen-
que atuem ou se exteriorizem durante a entrevista. As-
dê-Ias, aprendê-Ias, aplicá-Ias e enriquecê-Ias.
sim, pois, a entrevista funciona como uma situação em dificação deve ser considerada como uma variável su-
que se observa parte da vida do paciente, que se desen- jeita a observação, tanto como o é o entrevistado. Cada
volve em relação a nós e diante de nós. entrevista tem um contexto definido (conjunto de cons-
Nenhuma situação pode conseguir a emergência da tantes e variáveis) em função do qual ocorrem os emer-
totalidade do repertório de condutas de uma pessoa e, gentes, que só têm sentido em função de tal contexto!.
portanto, nenhuma entrevista pode esgotar a personali- O campo da entrevista também não é fixo e sim dinâ-
dade do paciente, mas somente um segmento dela. A en- mico, o que significa que ele está sujeito a uma perma-
trevista não pode substituir nem excluir outros procedi- nente mudança e que a observação se deve estender do
mentos de investigação da personalidade, porém eles campo específico existente em cada momento à continui-
também não podem prescindir da entrevista. De modo es- dade e sentido destas mudanças. Na realidade poder-se-ia
pecífico, a entrevista não pode suprir o conhecimento e a dizer que a observação da continuidade e da contigüidade
investigação de caráter muito mais extenso e profundo das mudanças é o que permite completar a observação e
que se obtém, por exemplo, em um tratamento psicanalíti- inferir a estrutura e o sentido de cada campo; responden-
co, o qual, no decorrer de um tempo prolongado, permite do a esta modalidade do processo real, deve-se dizer que
a emergência e a manifestação dos núcleos e segmentos
o campo da entrevista cobre a sua totalidade, embora "ca-
mais diferentes da personalidade.
da" campo não seja senão um momento desse campo to-
Para obter o campo particular de entrevista que des-
tal e da sua dinâmica (Gestaltung)2.
crevi, devemos contar com um enquadramento rígido, que
Uma sistematização que permite o estudo detalhado
consiste em transformar um conjunto de variáveis em
da entrevista como campo consiste em centrar o estudo
constantes. Dentro deste enquadramento, incluem-se não
sobre: a) o entrevistador, incluindo sua atitude, sua dis-
apenas a atitude técnica e o papel do entrevistador tal
sociação instrumental, contratransferência, identificação
como assinalei, como também os objetivos, o lugar e o
etc.; b) o entrevistado, incluindo-se aqui transferência,
tempo da entrevista. O enquadramento funciona como
estruturas de comportamento, traços de caráter, ansie-
uma espécie de padronização da situação estímulo que
dades, defesas etc.; c) a relação interpessoal, na qual se
oferecemos ao entrevistador; com isso não pretendemos
que esta situação deixe de atuar como estímulo para ele,
mas que deixe de oscilar como variável para o entrevista- 1. Contexto ou enquadramento foram estudados em J. Eleger, "Psi-
coaná1isis dei enquadre psicoanalítico", em Simbiosis e ambigüedad, Pai-
dor. Se o enquadramento se modifica (por exemplo, por- dós, Buenos Aires, 1967.
que a entrevista se realiza em um local diferente), esta mo- 2. Gestaltung: processo de formação de Gestalten.
inclui a interação entre os participantes, o processo de vida atual que manterão, entre si, relação de complemen-
comunicação (projeção, introjeção, identificação etc.), tação ou de contradição.
o problema da ansiedade, etc. Embora não pretenda As lacunas, dissociações e contradições que indi-
aprofundar aqui cada um dos fenômenos assinalados, quei levam alguns pesquisadores a considerar a entre-
porque isso abarcaria, em grande parte, quase toda a vista como instrumento não muito confiável. Sem dúvi-
psicologia e psicopatologia, estes aspectos estão incluí- da, nesses casos, o instrumento não faz mais que refletir
dos nas considerações que se seguem. o que corresponde a características do objeto de estudo.
As dissociações e contradições que observamos corres-
pondem a dissociações e contradições da própria perso-
nalidade e, ao refleti-Ias, a entrevista permite-nos tra-
balhar com elas; se elas serão trabalhadas ou não, irá de-
Uma diferença fundamental entre entrevista e anam- pender da intensidade da angústia que se pode provocar
e da tolerância do entrevistado a essa angústia. Igual-
nese, no que diz respeito à teoria da personalidade e à
mente, os conflitos trazidos pelo entrevistado podem não
teoria da técnica, reside em que, na anamnese, trabalha-
ser os conflitos fundamentais, assim como as motiva-
se com a suposição de que o paciente conhece sua vida
ções que alega são, geralmente, racionalizações.
e está capacitado, portanto, para fornecer dados sobre
A simulação perde o valor que tem na anamnese co-
ela, enquanto a hipótese da entrevista é que cada ser hu-
mo fator de perturbação, já que na entrevista a simula-
mano tem organizada uma história de sua vida e um es-
ção deve ser considerada como uma parte dissociada da
quema de seu presente, e desta história e deste esquema
personalidade que o entrevistado não reconhece total-
temos de deduzir o que ele não sabe. Em segundo lu-
mente como sua. Pode acontecer que o mesmo entre-
gar, aquilo que não nos pode dar como conhecimento
vistador ou diferentes entrevistadores recolham, em mo-
explícito, nos é oferecido ou emerge através do seu com-
mentos diferentes, partes distintas e ainda contraditórias
portamento não-verbal; e este último pode informar so-
da mesma personalidade. Os dados não devem ser ava-
bre sua história ou seu presente em graus muito variá-
liados em função de certo ou errado, mas como graus
veis de coincidência ou contradição com o que expressa
ou fenômenos de dissociação da personalidade. Uma si-
de modo verbal e consciente. Por outro lado , além disso ,
tuação típica, e em certa medida inversa à que comento,
em diferentes entrevistas, o entrevistado pode oferecer-
é a do entrevistado que tem rigidamente organizada sua
nos diferentes histórias ou diferentes esquemas de sua história e seu esquema de vida presente, como meio de
defesa contra a penetração do entrevistador e ao seu pró- do de que o observador registra o que ocorre, os fenô-
prio contato com áreas de conflito de sua situação real menos que são externos e independentes dele, com abs-
e de sua personalidade; esse tipo de entrevistado repete tração ou exclusão total de suas impressões, sensações,
a mesma história estereotipada em diferentes entrevistas, sentimentos e de todo estado subjetivo; um registro de
seja com o mesmo ou com diferentes entrevistadores. tal tipo é o que permite a verificação do observado por
Quando vários integrantes de um grupo ou instituição terceiros que podem reconstruir as condições da obser-
(em família, escola, fábrica, etc.) são entrevistados, essas vação. Não interessa, agora, discutir a validade deste
divergências e contradições são muito mais freqüentes e esquema que já se mostrou estreito e ingênuo também
notórias e constituem dados muito importantes sobre co- para as mesmas ciências naturais. Interessa-me, em com-
mo cada um de seus membros organiza, numa mesma rea- pensação, observar que na entrevista o entrevistador é
lidade, um campo psicológico que lhe é específico. A to- parte do campo, quer dizer, em certa medida condiciona
talidade nos dá um índice fiel do caráter do grupo ou da os fenômenos que ele mesmo vai registrar. Coloca-se,
instituição, de suas tensões ou conflitos, tanto como de então, a questão da validade dos dados assim obtidos.
sua organização particular e dinâmica psicológica. Tal summum de objetividade na investigação não se
De tudo o que foi exposto, deduz-se facilmente que a cumpre em nenhum outro campo científico, e menos ain-
técnica e sua teoria estão estreitamente entrelaçadas com a da em psicologia, na qual o objeto de estudo é o homem.
teoria da personalidade com a qual se trabalha; o grau de Em compensação, a máxima objetividade só pode ser
interação que um entrevistador é capaz de conseguir entre alcançada quando se incorpora o sujeito observador co-
elas dá o modelo de sua operacionalidade como investiga- mo uma das variáveis do campo.
dor. A entrevista não consiste em "aplicar" instruções, mas
Se o observador está condicionando o fenômeno que
em investigar a personalidade do entrevistado, ao mesmo
observa, pode-se objetar que, neste caso, não estamos
tempo que nossas teorias e instrumentos de trabalho.
estudando o fenômeno tal como ele é, mas sim em rela-
ção com a nossa presença, e, assim, já não se faz uma
observação em condições naturais.
A isso se pode responder, de modo global, dizendo
que esse tipo de objeção não é válido, porque se baseia
N as ciências da natureza, segundo o ponto de vista em uma quantidade de pressuposições incorretas. Veja-
tradicional, a observação científica é objetiva, no senti- mos algumas dessas pressuposições.
o que se quer dizer com a expressão "observação em da objeto tem qualidades que dependem de sua natureza
condições naturais"? Certamente, refere-se a uma observa- interna própria e que determinadas relações modificam
ção realizada nas mesmas condições em que se dá real- ou subvertem essa pureza ontológica ou essas qualida-
mente o fenômeno. As considerações ontológicas super- des naturais. O certo é que as qualidades de todo objeto
põem-se às de tipo gnosiológico; nas primeiras admite-se a são sempre relacionais; derivam das condições e rela-
existência de um mundo objetivo, que existe por si, inde- ções nas quais se acha cada objeto em cada momento.
pendentemente de que o conheçamos ou não. Já nas se- Cada situação humana é sempre original e única,
gundas somos nós que conhecemos, e por isso temos de portanto a entrevista também o é, porém isso não rege
nos incluir necessariamente no processo do conhecimento, somente os fenômenos humanos como também os fe-
tal como ocorre na realidade. Esta segunda afirmação não nômenos da natureza: coisa que Heráclito já sabia. Essa
invalida de nenhuma maneira a primeira, porque ambas se originalidade de cada acontecimento não impede o es-
referem a coisas diferentes: uma, à existência dos fenôme- tabelecimento de constantes gerais, quer dizer, das con-
nos, e outra, ao conhecimento que deles se obtém. dições que se repetem com mais freqüência. O indivi-
Mas, além disso, as condições naturais da conduta dual não exclui o geral, nem a possibilidade de introdu-
humana são as condições humanas ... Toda conduta se zir a abstração e categorias de análise.
dá sempre num contexto de vínculos e relações huma- . I~s? se opõ~ a um .narcisismo subjacente ao campo
nas, e a entrevista não é uma distorção das pretendidas c~ent1fIco da pSIcologIa: cada ser humano considera a
condições naturais e sim o contrário: a entrevista é a SI mesmo como um ser distinto e único, resultado de
situação "natural" em que se dá o fenômeno que, preci- uma diferença particular (de Deus, do destino ou da na-
samente, nos interessa estudar: o fenômeno psicológi- tureza). O ser humano descobre paulatinamente, e com
co. Desta maneira o enfoque ontológico e gnosiológico assombro, que tem as mesmas vísceras que seus seme-
coincidem e são a mesma coisa. lhantes, assim como descobre (ou resiste a descobrir)
Poder-se-á insistir, ainda, em que a entrevista não que sua vida pessoal se tece sobre um fundo comum a
tem validade de instrumento científico porque as mani- todos os seres humanos. No caso da entrevista isso não
. '
festações do objeto que estudamos dependem, nesse VIgora apenas para o narcisismo do entrevistado como
caso, da relação que se estabeleça com o entrevistador, também para o do entrevistador, que também deve as-
e portanto todos os fenômenos que aparecem estão con- sumir a sua condição humana e não se sentir acima do
dicionados por essa relação. Esse tipo de objeção deriva entrevistado ou em situação privilegiada diante dele. E
de uma concepção metafisica do mundo: o supor que ca- isso, que é fácil dizer, não é nada fácil realizar.
ção, depois a hipótese e posteriormente a verificação.
O certo, contudo, é que a observação se realiza sempre
Uma certa concepção aristocrática ou monopolista em função de certos pressupostos e que, quando estes
da ciência tem feito supor que a investigação é tarefa de são conscientes e utilizados como tais, a observação se
eleitos que estão acima ou além dos fatos cotidianos e enriquece. Assim, a forma de observar bem é ir formu-
comuns. Assim, a entrevista é, nesta concepção, um lando hipóteses enquanto se observa, e durante a entre-
instrumento ou uma técnica da "prática" com a qual se vista verificar e retificar as hipóteses no momento mesmo
pretende diagnosticar, isto é, aplicar conhecimentos cien- em que ocorrem em função das observações subseqüen-
tíficos que, em si mesmos, são provenientes de outras tes, que por sua vez se enriquecem com as hipóteses
fontes: a investigação científica. prévias. Observar, pensar e imaginar coincidem total-
O certo é que não há possibilidade de uma entrevis- mente e formam parte de um só e único processo dialé-
ta correta e frutífera se não se incluir a investigação. Em tico. Quem não utiliza a sua fantasia poderá ser um bom
outros termos, a entrevista é um campo de trabalho no verificador de dados, porém nunca um investigador.
qual se investiga a conduta e a personalidade de seres Em todas as ações humanas, deve-se pensar sobre o
humanos. Que isto se realize ou não, é coisa que já não que se está fazendo e, quando isso acontece sistematica-
depende do instrumento, do mesmo modo como não in- mente em um campo de trabalho definido, submetendo-
validamos ou duvidamos do método experimental pelo se à verificação o que se pensou, está sendo realizada
fato de que um investigador possa utilizar o laboratório uma investigação. O trabalho profissional do psicólogo,
sem se ater às exigências do método experimental. Uma do psiquiatra e do médico somente adquire sua real en-
utilização correta da entrevista integra na mesma pes- vergadura e transcendência quando nele coincide a inves-
soa e no mesmo ato o profissional e o pesquisador. tigação e a tarefa profissional, porque estas são as uni-
A chave fundamental da entrevista está na investiga- dades de uma práxis que resguarda da desumanização a
ção que se realiza durante o seu transcurso. As obser- tarefa mais humana: compreender e ajudar outros seres
vações são sempre registradas em função de hipóteses humanos. Indagação e atuação, teoria e prática, devem
que o observador vai emitindo. Esclareçamos melhor o ser manejadas como momentos inseparáveis, forman-
que se quer dizer com isso. Afirma-se, geralmente de do parte de um só processo.
maneira muito formal, que a investigação consta de eta- Com freqüência, alega-se falta de tempo para realizar
pas nítidas e sucessivas que se escalonam, uma após a entrevistas exaustivas (ou corretas). Aconselho reali-
outra, na seguinte ordem: primeiro intervém a observa- zar bem pelo menos uma entrevista, periódica e regular-
_2_0 Temas de psicologia
dada como uma atribuição de papéis por parte do entre- defrontarem com uma situação desconhecida ante a qual
vistado e uma percepção deles por parte do entrevista- ainda não estabilizaram linhas reacionais adequadas, e
dor. Se, por exemplo, a atitude do entrevistado irrita e essa situação não organizada implicar certa desorgani-
provoca rejeição no entrevistador, ele deve procurar es- zação da personalidade de cada um dos participantes, tal
tudar e observar sua reação como efeito do comporta-
desorganização é a ansiedade.
mento do entrevistado, para ajudá-Io a corrigir aquela
O entrevistado solicita ajuda técnica ou profissio-
conduta , de cujos resultados ele mesmo pode queixar- . nal quando sente ansiedade ou se vê perturbado por me-
se (por exemplo, de que não tem amigos e de que mn-
canismos defensivos diante dela. Durante a entrevista
guém gosta dele). Se o entrevistador não for capaz de
tanto sua ansiedade como seus mecanismos de defesa
objetivar e estudar sua reação, ou reagir com irritação e
podem aumentar, porque o desconhecido que enfrenta
rejeição (assumindo o papel projetado), indicará que a
não é somente a situação externa nova, mas também o
manipulação que faz da contratransferência está pertur-
perigo daquilo que desconhece em sua própria perso-
bada e que, portanto, está se saindo mal na entrevista.
nalidade. Se esses fatores não se apresentam, faz parte
da função do entrevistador motivar o entrevistado, con-
seguir que apareçam em uma certa medida na entrevis-
ta. Em alguns casos, a ansiedade acha-se delegada ou
projetada em outra pessoa, que é quem solicita a entre-
A ansiedade constitui um indicador do desenvolvi- vista e manifesta interesse em que ela se realize.
mento de uma entrevista e deve ser atentamente acompa- A ansiedade do entrevistador é um dos fatores mais
nhada pelo entrevistador, tanto a que se produz nele co- dificeis de manipular, porque é o motor do interesse na
mo a que aparece no entrevistado. Deve-se estar atento investigação e do interesse em penetrar no desconheci-
não somente ao seu aparecimento como também ao seu do. Toda investigação implica a presença de ansiedade
grau ou intensidade, porque, embora dentro de determi- diante do desconhecido, e o investigador deve ter capa-
nados limites a ansiedade seja um agente motor da re- cidade para tolerá-Ia e poder instrumentalizá-Ia, sem o
lação interpessoal, pode perturbá-Ia totalmente e fugir que se fecha a possibilidade de uma investigação eficaz;
completamente ao controle se ultrapassar certo nível. Por isso ocorre também quando o investigador se vê opri-
isso , o limite de tolerância à ansiedade deve ser perma- mido pela ansiedade ou recorre a mecanismos de defe-
nentemente detectado. Se entrevistado e entrevistador sa ante ela (racionalização, formalismo, etc.).
Diante da ansiedade do entrevistado, não se deve re- que o objeto que deve estudar é outro ser humano , de tal
correr a nenhum procedimento que a dissimule ou repri- maneira que, ao examinar a vida dos demais, se acha di-
ma, como o apoio direto ou o conselho. A ansiedade so- retamente implicada a revisão e o exame de sua própria
mente deve ser trabalhada quando se compreende os fa- vida, de sua personalidade, conflitos e frustrações.
tores pelos quais ela aparece e quando se atua segundo A vida e a vocação de psicólogo, de médico e de psi-
essa compreensão. Se o que predomina são os mecanis- quiatra merecem um estudo detalhado que não empreen-
mos de defesa diante dela, a tarefa do entrevistador é derei agora; quero, porém, lembrar que são os técnicos
"desarmar" em certa medida estas defesas para que apa- encarregados profissionalmente de estar todos os dias
reça certo grau de ansiedade, o que será um indicador da em contato estreito e direto com o submundo da doença,
possibilidade de atualização dos conflitos. Toda essa ma- dos conflitos, da destruição e da morte. Foi necessário
nipulação técnica da ansiedade deve ser feita tendo-se recorrer à simulação e à dissociação para o desenvolvi-
sempre em conta a personalidade do entrevistado e, so- mento e exercício da psicologia e da medicina: ocupar-
bretudo, o beneficio que para ele pode significar a mobi- se de seres humanos como se não o fossem. O treina-
lização da ansiedade, de tal forma que, mesmo diante de mento do médico, inconsciente e defensivamente , tende
situações muito claras, não se deve ser ativo se isso sig- a isto, ao iniciar toda aprendizagem pelo contato com o
nificar oprimir o entrevistado com conflitos que não po- cadáver. Quando queremos nos ocupar da doença em
derá tolerar. Isso corresponde a um aspecto muito dificil: seres humanos considerados como tal, nossas ansieda-
o do denominado timing da entrevista, que é o tempo des aumentam, mas, ao mesmo tempo, precisamos pôr
próprio ou pessoal do entrevistado - que depende do de lado o bloqueio e as defesas. Por tudo isto a psicolo-
grau e tipo de organização de sua personalidade - para gia demorou tanto para se desenvolver e infiltrar-se na
enfrentar seus conflitos e para resolvê-Ios. medicina e na psiquiatria. Isso seria paradoxal se não
considerássemos os processos defensivos; porém, o
médico, cuja profissão é tratar doentes, é quem, propor-
cionalmente, mais escotomiza ou nega suas próprias
doenças ou as de seus familiares. Em psiquiatria, em
medicina psicossomática e em psicologia, tudo isto já
O instrumento de trabalho do entrevistador é ele não é possível; o contato direto com seres humanos , co-
mesmo, sua própria personalidade, que participa inevi- mo tais, coloca o técnico diante da sua própria vida, sua
tavelmente da relação interpessoal, com a agravante de própria saúde ou doença, seus próprios conflitos e frus-
trações. Caso ele não consiga graduar este impacto, sua doentes. Por outro lado, a defesa obsessiva manifesta-se
tarefa torna-se impossível: ou tem muita ansiedade e, em entrevistas estereotipadas nas quais tudo é regrado
então, não pode atuar, ou bloqueia a ansiedade e sua e previsto, na elaboração rotineira de histórias clínicas,
tarefa é estéril. ou seja, o instrumento de trabalho, a entrevista, transfor-
Na sua atuação, o entrevistador deve estar dissocia- ma-se num ritual. Por trás disso está o bloqueio, que faz
do: em parte, atuar com uma identificação projetiva com com que sempre aplique e diga a mesma coisa, sempre ve-
o entrevistado e, em parte, permanecer fora desta iden- ja a mesma coisa, aplique o que sabe e sinta-se seguro.
tificação, observando e controlando o que ocorre, de ma- A pressa em fazer diagnósticos e a compulsão a empre-
neira a graduar o impacto emocional e a desorganização gar drogas são outros dos elementos desta fuga e deste
ansiosa. Nesse sentido, seria necessário desenvolver es- ritual do médico diante do doente. Nisso se desenvolve
tudos tanto sobre a psicologia e a psicopatologia do psi- a alienação do psicólogo e do psiquiatra e a alienação
quiatra e do psicólogo, como sobre o problema de sua do paciente, e toda a estrutura hospitalar e de sanatório
formação profissional e de seu equilíbrio mental. passa a ter o efeito de um fator alienante a mais. Outro
Essa dissociação com que o entrevistador trabalha é, perigo é o da projeção dos próprios conflitos do tera-
por sua vez, funcional ou dinâmica, no sentido de que pro- peuta sobre o entrevistado e uma certa compulsão a cen-
jeção e introjeção devem atuar permanentemente, e deve trar seu interesse, sua investigação ou a encontrar per-
ser suficientemente plástica ou "porosa" para que possa turbações justamente na esfera na qual nega que tenha
permanecer nos limites de uma atitude profissionaL Em perturbações. A rigidez e a projeção levam a encontrar
sua tarefa, o psicólogo pode oscilar facilmente entre a an- somente o que se busca e se necessita, e a condicionar o
siedade e o bloqueio, sem que isto a perturbe, desde que que se encontra tanto como o que não se encontra. Um
possa resolver ambos na medida em que surjam. exemplo muito ilustrativo de tudo isto, mas bastante co-
Na entrevista, a passagem do normal ao patológico mum, é o caso de um jovem médico que iniciava seu
acontece de modo imperceptível. Uma má dissociação, treinamento em psiquiatria e que, presenciando uma en-
com ansiedade intensa e permanente, leva o psicólogo a trevista e o diagnóstico de um caso de fobia, disse que não
desenvolver condutas fóbicas ou obsessivas ante os en- era isso, que o paciente não tinha nem fobia nem doença,
trevistados, evitando as entrevistas ou interpondo instru- porque ele também a tinha.
mentos e testes para evitar o contato pessoal e a ansieda- Se num dado momento a projeção com que o técni-
de conseqüente. A clássica aflição do médico, que tanto co atua é muito intensa, pode aparecer uma reação fó-
se emprega na sátira, é uma permanente fuga fóbica aos bica no próprio campo de trabalho. Pelo contrário, se
for excessivamente, bloqueada, haverá uma alienação e o psiquiatra inseguro ou pouco experiente não sa-
não se entenderá o que ocorre. berá o que fazer com todos estes dados, e para não ficar
Diferentes tipos de pessoas podem provocar reações vexado recorrerá, com freqüência, à receita, interpondo
contratransferenciais típicas no entrevistador, e este de- entre ele e seu paciente os medicamentos; nestas condi-
ve, continuamente, poder observá-Ias e resolvê-Ias para ções a farmacologia torna-se um fator alienante porque
poder utilizá-Ias como informação e instrumento duran- fomenta a magia no paciente e no médico e os dissocia
te a entrevista. novamente de seus respectivos conflitos. Algo muito se-
Pode-se, de outra maneira, descrever esta dissociação melhante é o que o psicólogo faz freqüentemente com os
dizendo que o entrevistador tem de desempenhar os pa- testes. Para combater isto é importante - e mesmo im-
péis que lhe são fomentados pelo entrevistado, mas sem prescindível- que o psiquiatra e psicólogo não trabalhem
assumi-Ios totalmente. Se, por exemplo, sentir rejeição, as- isolados, que formem, pelo menos, grupos de estudo e
sumir o papel seria mostrar e atuar a rejeição, rejeitando de discussão nos quais o trabalho que se realiza seja re-
efetivamente o entrevistado, seja verbalmente ou com a visto; para cair na estereotipia não há clima melhor do
atitude ou de qualquer outra maneira; desempenhar o pa- que o do isolamento profissional, porque o isolamento
pel significa perceber a rejeição, compreendê-Ia, encon- acaba encobrindo as dificuldades com a onipotência.
trar os elementos que a motivam, as motivações do en-
trevistado para que isso aconteça e utilizar toda esta infor-
mação, que agora possui, para esclarecer o problema ou
provocar sua modificação no entrevistado. Quanto mais
psicopata for o entrevistado, maior a possibilidade de que
o entrevistador assuma e represente os papéis. Assumir o Examinar as contingências de uma entrevista signi-
papel implicará a ruptura do enquadramento da entrevis- ficaria simplesmente passar em revista toda a psicolo-
ta. Fastio, cansaço, sono, irritação, bloqueio, compaixão, gia, psiquiatria e psicopatologia, por isso só me referirei
carinho, rejeição, sedução etc. são indícios contratrans- aqui a algumas situações típicas no campo da psicologia
ferenciais que o entrevistador deve perceber como tais clínica e, em especial, àquelas que habitualmente não
à medida que se produzem, e terá de resolvê-Ios anali- são consideradas e, no entanto, são muito importantes.
sando-os consigo mesmo em função da personalidade De modo geral, para que uma pessoa procure uma
do entrevistado, da sua própria, do contexto e do momen- entrevista, é necessário que tenha chegado a uma certa
to em que aparecem na comunicação. preocupação ou insight de que algo não está bem, de que
algo mudou ou se modificou, ou então perceba suas pró- orgânicas das funcionais ou psicogenéticas. Aplicam-se
prias ansiedades ou temores. Esses últimos podem ser a todos os tipos de entrevistados que procuram um es-
tão intensos ou intoleráveis que poderá recorrer, na en- pecialista e tendem mais a uma orientação sobre a per-
trevista, a uma negação e resistência sistemática, de mo- sonalidade do sujeito, pela forma com que procura re-
do que se assegurre logicamente de que não está acon- duzir suas tensões, aliviar ou resolver seus conflitos.
tecendo nada, conseguindo fazer com que o técnico não Podemos reconhecer e distinguir entre o entrevista-
perceba nada anormal nela. Em algum lugar já se defi- do que vem consultar e o que é trazido ou aquele a quem
niu o doente como toda pessoa que solicita uma consul- "mandaram". Nessas atitudes já temos um índice de im-
ta; fazendo-se abstração de que tal definição carece de portância, embora esteja longe de ser sistemático ou pa-
valor real, é sem dúvida certo que o entrevistador deve tognomônico. Aquele que vem tem um certo insight ou
aceitar esse critério, ainda que somente como incentivo percepção da sua doença e corresponde ao paciente neu-
para questionar detalhadamente o que está por trás das re- rótico, enquanto o psicótico é trazido. Aquele que não
pressões e negações ou escotomizações do entrevistado. tem motivos para vir, mas vem porque o mandaram, cor-
Schilder classificou em cinco grupos os indivíduos responde à psicopatia: é o que faz o outro atuar e delega
que procuram o médico, ou porque estão sofrendo ou fa- aos outros suas preocupações e mal-estares.
zendo os outros sofrer; são eles: a) os que acorrem por Temos, entre outros, o caso daquele que vem con-
problemas corporais; b) por problemas mentais; c) por fal- sultar por um familiar. Nesse caso, realizamos a entre-
ta de êxito; d) por dificuldades na vida diária; e) por quei- vista com o que vem, indagando sobre sua personalida-
xas de outras pessoas. de e conduta. Com isso, já passamos do entrevistado ao
Seguindo, por outro lado, a divisão de E. Pichon- grupo familiar. Caso o entrevistado sej a precedido por
Riviere das áreas da conduta, podemos considerar três um informante, deve-se comunicar a este que o que ele
grupos, conforme o predomínio de inibições, sintomas, disser sobre o paciente ser-Ihe-á comunicado, dizendo
queixas ou protestos recaia mais sobre a área da mente, isso antes que ele dê qualquer informação. Isto tenderá
do corpo ou do mundo exterior. O paciente pode apre- a "limpar o campo" e a romper com divisões muito difí-
sentar queixas, lamentações ou acusações; no primeiro ceis de trabalhar posteriormente.
caso predomina a ansiedade depressiva, enquanto no se- Aquele que vem à consulta é sempre um emergente
gundo, a ansiedade paranóide. dos conflitos grupais da família; diferenciamos, além
Esses agrupamentos não tendem a diferenciar os disso, entre o que vem só e o que vem acompanhado,
doentes orgânicos dos doentes mentais, nem as doenças que representam grupos familiares diferentes.
A entrevista psicológica ~~~~~~~~~~~~~- 35
o que vem sozinho é o representante de um grupo Nos grupos que vêm à consulta, o psicólogo não
familiar esquizóide, em que a comunicação entre seus tem por que aceitar o critério da família sobre quem é o
membros é muito precária: vivem dispersos ou separa- doente, mas deve atuar considerando todos os seus mem-
dos, com um grau acentuado de bloqueio afetivo. Com bros como implicados e o grupo como doente. Nesse
freqüência, diante destes, o técnico tende a perguntar- caso, o estudo do interjogo de papéis e da dinâmica do
se com quem pode falar, ou a quem informar. Outro gru- grupo são os elementos que servirão de orientação para
po familiar, de caráter oposto a este, é aquele no qual fazer com que todo o grupo obtenha um insight da si-
comparecem vários membros à consulta, e o técnico tem tuação. O equilíbrio da doença em um grupo familiar é
necessidade de perguntar quem é o entrevistado ou por de grande importância. Por exemplo, em um casal em
quem eles vêm; é o grupo epileptóide, viscoso ou agluti- que um é fóbico e o outro seu acompanhante, quando o
nado, no qual há uma falta ou déficit na personificação primeiro apresenta melhora ou se cura, aparece a fobia
de seus membros, com um alto grau de simbiose ou in- no segundo. O acompanhante do fóbico é então, também,
terdependência. Assim como no caso anterior o doente um fóbico, contudo distribuem os papéis entre o casal.
está isolado e abandonado, neste caso ele está excessiva- Em outras ocasiões, a família só aparece quando o
mente rodeado por um cuidado exagerado ou asfixiante. tratamento de um paciente já está adiantado e ele me-
Esses dois tipos polares podem ser encontrados em lhorou ou está em vias de fazê-Io; a normalização do
suas formas extremas, ou em formas menos caracteri- paciente faz com que a tensão do grupo familiar já não
zadas, ou mistas. Outro tipo é o que vem acompanhado se "descarregue" mais através dele, e aparece então o
por uma pessoa, familiar ou amigo; é o caso do fóbico desequilíbrio ou a doença no grupo familiar.
que necessita do acompanhante. O caso dos casais cujos Tudo isso explica em grande parte um fenômeno com
integrantes se culpam mutuamente de neurose, infide- o qual se deve contar na família de um doente: a culpa,
lidade, etc. é outra situação na qual, como em todas as elemento que deve ser devidamente levado em conta para
anteriores, a entrevista se realiza com todos os que vie- valorizá-Io e trabalhá-Io adequadamente. É muito mais
ram, procedendo-se como com um grupo diagnóstico clara no caso da doença mental em crianças ou em defi-
que - como veremos - é sempre, em parte, terapêutico; cientes intelectuais. Isso se relaciona também com o fenô-
nesse, o técnico atua como observador participante, in- meno que foi chamado "a criança errada", em que os pais
tervindo em momentos de tensão, ou quando a comuni- trazem à consulta o filho mais sadio e, depois de se asse-
cação é interrompida, ou para assinalar entrecruzamen- gurarem de que o técnico não os culpa nem acusa, podem
tos projetivos. falar ou consultar sobre o filho mais doente.
_3_6 Temas de psicologia A entrevista psicológica 37
_
Aqui, e em relação a todos estes fenômenos, a psico- ções comerciais ou de amizade, nem pretender outro be-
logia grupal - seu conhecimento e sua utilização - tem neficio da entrevista que não sejam os seus honorários
uma importância fundamental, não somente para as entre- e o seu interesse científico ou profissional. Tampouco
vistas diagnósticas e terapêuticas, mas também para ava- a entrevista deve ser utilizada como uma gratificação nar-
liar as curas ou decidir sobre a alta de uma intemação, etc. cisista na qual se representa o mágico com uma de-
monstração de onipotência. A curiosidade deve limitar-
se ao necessário para o beneficio do entrevistado. Tudo
o que sinta ou viva como reação contratransferencial de-
ve ser considerado como um dado da entrevista, não se
devendo responder nem atuar diante da rejeição, da ri-
Insisti em que o campo da entrevista deve ser con-
validade ou da inveja do entrevistado. A petulância ou
figurado fundamentalmente pelas variáveis da perso- a atitude arrogante ou agressiva do entrevistado não de-
nalidade do entrevistado. Isso implica que aquilo que o vem ser "domadas" nem subjugadas; não se trata nem
entrevistador oferece deve ser suficientemente ambí- de triunfar nem de impor-se ao entrevistado. O que nos
guo para permitir o maior engajamento da personalidade compete é averiguar a que se devem, como funcionam
do entrevistado. e quais os efeitos que acarretam para o entrevistado.
Embora tudo isso seja certo, existe entretanto uma Esse último tem direito, embora tomemos nota disso, a
área delimitada em que a ambigüidade não deve existir, fazer uso, por exemplo, de sua repressão ou sua descon-
ou, ao contrário, cujos limites devem ser mantidos e, às fiança. Com muitíssima freqüência, o grau de repres-
vezes, defendidos pelo entrevistador; ela abrange todos são do entrevistado depende muito do grau de repressão
os fatores que intervêm no enquadramento da entrevis- do entrevistador em relação a determinados temas (se-
ta: tempo, lugar e papel técnico do profissional. O tem- xualidade, inveja etc.). Quando fazemos uma interven-
po refere-se a um horário e um limite na extensão da en- ção com perguntas, elas devem ser diretas e sem subter-
trevista; o espaço abarca o quadro ou o terreno ambiental fúgios, sem segundas intenções, adequadas à situação e
no qual se realiza a entrevista. O papel técnico implica ao grau de tolerância do ego do entrevistado.
que, em nenhum caso, o entrevistador deve permitir que A abertura da entrevista também não deve ser am-
seja apresentado como um amigo num encontro fortuito. bígua, recorrendo-se a frases gerais ou de duplo sentido.
O entrevistador também não deve entrar com suas rea- A entrevista deve começar por onde começar o entrevis-
ções nem com o relato de sua vida, nem entrar em rei a- tado. Deve-se ter em conta o quanto pode ter sido custo-
38 Temasdepsicologia A entrevistapsicológica 39
so para ele decidir-se a vir à entrevista e o que pode sig- rentes tipos de silêncio (silêncio paranóide, depressivo,
nificar como humilhação e menosprezo. O entrevistado fóbico, confusional etc.) e trabalhar em função deste co-
deve ser recebido cordialmente, porém não efusivamen- nhecimento.
te; quando temos informações sobre o entrevistado for- Se o silêncio total não é o melhor na entrevista (do
necidas por outra pessoa, devemos informá-Io, assim co- ponto de vista do entrevistador), tampouco o é a catarse
mo, conforme já dissemos, antecipar ao informante, no intensa (do ponto de vista do entrevistado). Com freqüên-
começo da entrevista, que esses dados que se referem a cia aquele que fala muito, na realidade, deixa de dizer o
terceiros não serão mantidos em reserva. Isso tenderá a mais importante, porque a linguagem não é somente
manter o enquadramento e a evitar as divisões esquizói- um meio de transmitir informação mas também um po-
des e a atuação psicopática, assim como a eliminar tudo deroso meio para evitá-Ia. Todos esses são, certamente,
o que possa travar a espontaneidade do técnico, que não dados valiosos, que devem ser considerados e valoriza-
deve ter compromissos contraídos que pesem negativa- dos. A "descarga" emocional intensa também não é o
mente sobre a entrevista. A discrição do entrevistador melhor de uma entrevista; com isso geralmente o entre-
para com as informações que o entrevistado fornece está vistado consegue depositar maciçamente sobre o entrevis-
implícita na entrevista, e se for fornecido um relato so- tador e logo se distancia e entra numa relação persecutó-
bre ela a uma instituição, o entrevistado também deve ria como esta: o confessor transforma-se facilmente em
ter conhecimento disso. A reserva e o segredo profis- perseguidor.
sional vigoram também entre os pacientes psicóticos e Como todo o enquadramento, o fim da entrevista de-
no material de entrevistas com adolescentes ou crian- ve ser respeitado. A reação à separação é um dado mui-
ças; nesse último caso, não nos devemos sentir autori- to importante, assim como a avaliação sobre o estado do
zados a relatar aos pais, por exemplo, detalhes da entre- entrevistado ao partir e da nossa contratransferência em
vista com seus filhos. relação a ele.
O silêncio do entrevistado é o fantasma do entre- Entrevistas bem realizadas consomem um tempo
vistador principiante, para quem esse silêncio pode sig- muito grande, do qual, com freqüência, não se dispõe,
nificar um fracasso ou uma demonstração de imperícia. especialmente em instituições (escolas, hospitais, indús-
Com um mínimo de experiência, no entanto, não há en- trias etc.). Nesses casos o mais conveniente é reservar,
trevistas fracassadas; se se observar bem, toda entrevis- do tempo disponível, um período para realizar pelo me-
ta fornece informações importantes sobre a personali- nos uma entrevista diária em condições ótimas. Isso im-
dade do entrevistado. É necessário reconhecer os dife- pedirá as estereotipias no trabalho e as racionalizações
_4_0 Temas de psicologia A entrevista psicológica 4_1
da evitação fóbica. Além disso, é importante reservar-se O primeiro fator terapêutico é sempre a compreensão
o tempo necessário para estudar as entrevistas realiza- do entrevistador, que deve comunicar alguns elementos
das, e melhor ainda se isso for feito em grupos de traba- dessa compreensão que possam ser úteis ao entrevistado.
lho. O psicólogo e o psiquiatra não devem trabalhar iso- Na entrevista diagnóstica, segundo nossa opinião, deve-
lados, porque isto favorece sua alienação no trabalho. se interpretar, sobretudo, cada vez que a comunicação
tenda a interromper-se ou distorcer-se. Outro caso mui-
to freqüente em que temos de intervir é para relacionar
aquilo que o próprio entrevistado esteve comunicando.
Para interpretar, devemos guiar-nos pelo volume de an-
siedade que estamos resolvendo e pelo volume de ansie-
Uma questão freqüente e importante é a de saber se se dade que criamos, tendo-se em conta, também, se serão
deve interpretar nas entrevistas realizadas com fins diag- dadas outras oportunidades para que o entrevistado pos-
nósticos. Nesse sentido existem posições muito variadas. sa resolver ansiedades que vamos mobilizar. Em todos os
Entre elas se encontra, por exemplo, a de Rogers, que não casos, devemos interpretar somente com base nos emer-
somente não interpreta, como tampouco pergunta, estimu- gentes, no que realmente está acontecendo no aqui e ago-
lando o entrevistado a prosseguir por meio de diferentes ra da entrevista.
técnicas, como, por exemplo, repetir de forma interrogati- Uma indicação fundamental para guiar a interpre-
va a última palavra do entrevistado ou estimulá-Io, com um tação é sempre o beneficio do entrevistado e não a "des-
olhar, um gesto ou uma atitude, a prosseguir. carga" de uma ansiedade do entrevistador. Além disso,
A entrevista é sempre uma experiência vital muito sempre que se interpreta, deve-se saber que a interpre-
importante para o entrevistado; significa, com muita fre- tação é uma hipótese que deve ser verificada ou retifi-
qüência, a única possibilidade que tem de falar o mais cada no campo de trabalho pela resposta que mobiliza-
sinceramente possível de si mesmo com alguém que não mos ou condicionamos ao pôr em jogo tal hipótese. Con-
o julgue, mas que o compreenda. Dessa maneira, a en- tudo, convém que o entrevistador principiante se limite
trevista atua sempre como um fator normativo ou de primeiro, e durante algum tempo, a compreender o en-
aprendizagem, embora não se recorra a nenhuma medi- trevistado, até que adquira experiência e conhecimento
da especial para conseguir isso. Em outros termos, a en- suficientes para utilizar a interpretação. O alcance ótimo
trevista diagnóstica é sempre, e ao mesmo tempo, em de uma entrevista é o da entrevista operativa na qual se
parte, terapêutica. procura compreender e esclarecer um problema ou uma
_4_2 Temas de psicologia
situação que o entrevistado traz como sendo o centro quizofrênico (diagnóstico psiquiátrico), em uma pessoa
ou motivo da entrevista. Nesse sentido, freqüentemente com insuficiência cardíaca (diagnóstico médico) e per-
uma entrevista tem êxito quando consegue esclarecer sonalidade obsessiva (diagnóstico psicológico), enten-
qual é o verdadeiro problema que está por trás daquilo dendo-se que esse exemplo só serve como tal para dife-
que é trazido de modo manifesto. renciar os três tipos de informes, que nem sempre ne-
Aconselho a leitura do artigo de Reik, "O abuso da cessariamente ocorrem juntos.
interpretação", e a ter presentes pelo menos duas coisas:
toda interpretação fora de contexto e de timing é uma A ordem em que se redige um informe não tem nada
agressão, e parte da formªção do psicólogo consiste, tam- a ver com a ordem em que foram recolhidos os dados ou
bém, em aprender a calar. E, como "regra de ouro" (se é com a ordem em que foram sendo feitas as deduções.
que elas existem), é tanto mais necessário calar-se quan-
to maior for a compulsão para interpretar. 1) Dados pessoais: nome, idade, sexo, estado civil,
nacionalidade, domicílio, profissão ou oficio.
2) Procedimentos utilizados: entrevistas (número
e freqüência, técnica utilizada, "clima", lugar em
que se realizaram). Testes (especificar os utili-
zados), jogo de desempenho de papéis, registros
O informe psicológico tem como finalidade conden- objetivos (especificar) etc. Questionários (espe-
sar ou resumir conclusões referentes ao objeto de estudo. cificar). Outros procedimentos.
Incluímos aqui somente o informe que se refere ao estu- 3) Motivos do estudo: por quem foi solicitado e
do da personalidade, que pode ser empregado em diferen- objetivos. Atitude do entrevistado e referência
tes campos da atividade psicológica, e em cada um deles a suas motivações conscientes.
se deverá ter em conta e responder especificamente ao 4) Descrição sintética do grupo familiar e de ou-
objetivo com que tal estudo se efetuou. Trata-se, por outro tros que tiveram ou têm importância na vida do
lado, apenas de um guia e não de formulários a preencher. entrevistado. Relações do grupo familiar com a
No campo da medicina, por exemplo, um estudo comunidade: status socioeconômico, outras re-
completo abrange um tríplice diagnóstico ou um trípli- lações. Constituição, dinâmica e papéis, comu-
ce informe: o diagnóstico médico, o psiquiátrico e o psi- nicação e trocas significativas do grupo fami-
cológico. Pode ser o caso, por exemplo, de um surto es- liar. Saúde, acidentes e doenças do grupo e de
seus membros. Mortes, idade e ano em que ti- guagem (léxica e sintáxica etc.), nível de concei-
veram lugar, causas. Atitude da família ante as tuação, emissão de juízos, antecipação e planeja-
mudanças, a doença e o doente. Possibilidade mento de situações, canal preferido na comuni-
de incluir o grupo em alguma das classificações cação, nível ou grau de coordenação, diferenças
reconhecidas. entre comportamento verbal e motor, capacidade
5) Problemática vital: relato sucinto de sua vida e de observação, análise e síntese, grau de atenção
conflitos atuais, de seu desenvolvimento, aquisi- e concentração. Relações entre o desempenho
ções, perdas, mudanças, temores, aspirações, ini- intelectual, social, profissional e emocional e ou-
tros itens significativos em cada caso particular.
bições e do modo como os enfrenta ou suporta.
Considerar as particularidades e alterações do de-
Diferenciar aquilo que é afirmado pelo entrevis-
senvolvimento psicossexual, mudanças na perso-
tado e por outras pessoas de seu meio daquilo
nalidade e na conduta.
que é inferido pelo psicólogo. Diferenciar o que
8) No caso de um informe muito detalhado ou mui-
se afirma daquilo que se postula como provável.
to rigoroso (por exemplo, um informe pericial),
Quando houver algum dado de valor muito espe-
incluir os resultados de cada teste e de cada exa-
cial, especificar a técnica através da qual se infe-
me complementar realizado.
riu ou detectou esse dado. Incluir uma resenha das 9) Conclusão: diagnóstico e caracterização psico-
situações vitais mais significativas (presentes e lógica do indivíduo e do seu grupo. Responder
passadas), especialmente aquelas que assumem especificamente aos objetivos do estudo (por
o caráter de situações conflitivas e/ou repetitivas. exemplo, no caso da seleção de pessoal, orien-
6) Descrição de padrões de conduta, diferencian- tação vocacional, informe escolar etc.).
do os predominantes dos acessórios. Mudanças 10) Incluir uma possibilidade prognóstica do ponto
observadas. de vista psicológico, fundamentando os elemen-
7) Descrição de traços de caráter e de personali- tos sobre os quais se baseia.
dade, incluindo a dinâmica psicológica (ansieda- 11) Orientação possível: indicar se são necessários
de, defesas), citando a organização patográfica novos exames e de que tipo. Indicar a forma pos-
(se houver). Incluir uma avaliação do grau de ma- sível de remediar, aliviar ou orientar o entrevis-
turidade da personalidade. Constituição (citar a tado, de acordo com o motivo do estudo ou se-
tipologia empregada). Características emocio- gundo as necessidades da instituição que soli-
nais e intelectuais, incluindo: manipulação da lin- citou o informe.
A entrevista psicológica ~ ~~ ~~ 4_7