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futuro pós-pandemia
03/08/2020
Neste momento de incertezas, é a ciência que pode nos dar orientação e abrir novas
perspectivas. Mas os avanços da ciência têm um tempo de maturação. Precisamos dar
apoio a esse trabalho, não apenas por meio de investimento, mas também contribuindo
para a aproximação entre a ciência e a população, por meio da educação, da
comunicação e no dia a dia das pessoas;
2) Repensar a relação do Homem com o meio ambiente
A humanidade precisa recuperar sua conexão com a natureza, reavaliando, por exemplo,
as escolhas de fontes energéticas e a gestão de resíduos. O surgimento de epidemias
pode ser um sinal de que há um desequilíbrio nessa relação;
3) Buscar um novo conceito de felicidade, pautado no coletivo
A pandemia nos mostra que para fazer frente a problemas dessa magnitude precisamos
de soluções colaborativas, pensando coletivamente. É preciso refletir sobre o que
entendemos por felicidade, cultivando a empatia e agindo de forma mais coletiva;
4) Explorar as narrativas imersivas para gerar empatia
O cultivo da diversidade não deve ser restrito a uma bandeira de determinados grupos
da sociedade. Todos nós – grupos, organizações e indivíduos – temos a responsabilidade
de zelar pela diversidade e temos o poder de ação para criar redes e transformar. Na
falta de ação também existe responsabilidade.
7) Dar voz e ferramentas de mudança aos jovens da periferia
Nas mesas, vimos que, apesar das incertezas, temos um o futuro pós-pandemia cheio de
possibilidades e é a chance de buscar construir um mundo mais humano e plural, com
diversidade e inclusão. Nesse sentido, confirma a seguir 10 aprendizados deixados pelo
Festival Oi Futuro:
1) A tecnologia é uma estrada de possibilidades, e não um trilho
O futuro tem múltiplos pontos de vista, pode ser visto de forma singular por cada
pessoa. Estudar uma visão única de futuro pode ser tão grave quanto não estudar
nenhuma. Pensar em futuros nos permite enxergarmos possibilidades, contemplando
novos interesses e perspectivas.
3) Trabalhar o futuro com menos “ou” e mais “e”
O futuro é o lugar para exorcizarmos falsos dilemas, como, por exemplo, a necessidade
de escolher uma carreira em áreas de Humanas “ou” Exatas. Por que não pensar em
uma carreira que integre essas duas visões? A construção de futuros melhores começa
quando abrimos mão dos “ous” e passamos a incluir os “es”, com visões somadas umas
às outras.
4) Colaboração para vencer as crises
As pessoas são singulares e têm experiências de vida muito distintas. Cada vez mais, os
consumidores vão exigir das organizações com os quais estão envolvidas que também
enxerguem os humanos dessa forma mais plural. Para desenvolver produtos e serviços,
precisamos ver as pessoas num contexto que dá sentido às suas vidas, e não pensar
somente em termos de agrupamentos de público e índices demográficos.
7) Não há transformação digital sem reinvenção cultural
Nas organizações, a inovação não pode ser um projeto ou uma área específica, tem que
estar integrada na estratégia na organização. A arte nos aponta diversos caminhos e
exemplos de como incorporar a inovação e as novas tecnologias nos processos e
estratégias.
8) Pensar a inteligência artificial como questão de direitos humanos
A educação deve mostrar que as tecnologias não são neutras. A nova geração de
profissionais da tecnologia precisa entender que a inteligência artificial muitas vezes
pode reproduzir padrões de discriminação. Temos oportunidade hoje de pensar como
podemos contribuir para melhorar esse cenário. É importante pensar a inteligência
artificial como uma questão de direitos humanos.
9) Desenvolver novas formas de medir o crescimento
10) Educação para a conscientização sobre funcionamento das redes
Esse estudo está nos permitindo entender como o vírus vem se comportando
aqui, desde o momento que chegou no país, lá no início do ano, até hoje.
A questão para o futuro é a seguinte: a OMS tem o conceito de Doença X. Ela diz
respeito à possibilidade de uma epidemia internacional séria, causada por um patógeno
desconhecido, que se espalharia muito rápido pelo planeta com alta taxa de
mortalidade. Muita gente chegou a achar que a Covid-19 seria essa Doença X, mas a
gente acredita que não, porque na Covid a taxa de mortalidade é relativamente baixa em
relação ao número de infectados.
Existe uma relação entre a taxa de infecção e a taxa de mortalidade. Geralmente, quanto
mais transmissível é o vírus, menos mortal ele é. Quanto mais mortal é o vírus, ele não
consegue ser transmitido para muita gente porque a doença é autolimitante. Quando o
doente é retirado do contato social, seja por estar muito debilitado ou por vir a óbito
muito rápido, isso interrompe a transmissão.
No caso da Covid, muita gente não apresenta os sintomas da doença e a transmite,
fazendo com que ela vá se alastrando cada vez mais rápido. Se a gente pensar bem,
entre o primeiro caso na China, no fim do ano passado, até o primeiro caso chegar aqui,
a gente tem no máximo três meses para ele viajar da China até o Brasil. E não por via
direta. Primeiro o vírus circulou na Europa.
Por isso ainda existe a possibilidade de ocorrência da Doença X, em algum momento.
Até lá a gente vai enfrentar outras situações de pandemia que tornam muito importante a
vigilância genômica viral e o compartilhamento de dados e informações na comunidade
científica. Temos muitos vírus ainda desconhecidos.
A vigilância genômica permite fazer um monitoramento do comportamento
dos vírus e entender como estão caminhando.
Ao se propagar, e passar de um hospedeiro a outro, o vírus vai carregando informações
importantes de onde veio, por onde passou, para onde está indo, e as mutações e
alterações que sofreu e que, de algum modo, contribuíram para aumentar ou diminuir a
sua gravidade e capacidade de transmissão. Essas informações são relevantes para a
elaboração das políticas de saúde pública por parte dos governos e, também, para ajudar
a justificar a produção de novas vacinas e medicamentos. Por exemplo, das 121 cepas
do coronavírus que circularam no Brasil, temos três predominantes. Essa informação
pode ser usada para justificar a produção de uma vacina usando essas três cepas.
Algumas dessas informações podem ficar gravadas no genoma, e outras não. Vai
depender muito da taxa de variabilidade genética dos vírus, que é justamente a
quantidade de mutações que o vírus vai acumulando ao longo do tempo.
A vigilância genômica pode trabalhar tanto com vírus epidêmicos, como está sendo o
caso do SARS-CoV 2, quanto com vírus endêmicos, como no nosso caso aqui, da
dengue, da febre amarela, da Zica. Mesmo que eles diminuam a incidência em alguns
períodos do ano, a gente consegue acompanhar e prever a ocorrência de surtos, da
linhagem, em tal época. De posse dessas informações, as secretarias de Saúde podem se
prevenir e tomar medidas preventivas.
Se a China estivesse fazendo vigilância genômica, talvez o coronavírus tivesse sido
identificado antes. Já existem alguns relatos de que o vírus já circulava em novembro,
embora o primeiro caso tenha sido reportado em 1 de dezembro do ano passado.
Nenhum vírus emerge do nada. Existe todo um processo de transmissão que
a gente chama de críptica, que é a transmissão silenciosa, para depois
emergir como epidemia.
Mesmo o nosso processo de vigilância aqui no Brasil teria sido muito mais robusto se a
gente tivesse conseguido avaliar um valor representativo de todos os estados do Brasil
já no início. Ou de todas as cidades com ocorrências de Covid-19. Não foi o que
fizemos. Mesmo assim, identificamos cepas que surgiram em São Paulo e no Rio de
Janeiro e foram espalhadas para outros estados por conta da migração interna.
Diante da importância de conter a emergência de epidemias, investir em
pesquisas cujos resultados impactam diretamente a saúde pública é investir
também no bem-estar da população geral.
Nosso grupo é um ponto fora da curva em termos de condições de trabalho, porque
recebemos recursos do Reino Unido. Em uma área onde praticamente todos os materiais
e equipamentos são importados, pagos em dólar, faz muita diferença. Pesquisadores que
dependem só de recursos federais e estaduais estão passando por muitas dificuldades
hoje. Também precisamos formar mais gente.
Eu mesma, aprendi a tecnologia utilizada no sequenciamento do genoma do coronavírus
durante o doutorado, no âmbito do projeto Zica, que constituiu 80% do caminho para
que pudesse participar desse sequenciamento na USP.
Vivemos de um momento muito bom para a ciência, com investimentos altos de
governos anteriores. Fui fruto disso. Pude me especializar e estudar fora com o Ciência
sem Fronteiras. Quando saí do Brasil vi a facilidade de estudar ciência em outros
lugares. Na Inglaterra, se um reagente acaba, você pega um novo e continua sua
pesquisa. Aqui, você espera 45 dias para ter outro no estoque. Nesse tempo dá para
escrever um artigo sobre o estudo.
Todo mundo fala que um grupo de brasileiros conseguiu sequenciar o genoma do
coronavírus em 48 horas. Na verdade foi em 24 horas. A gente já vinha se preparado
para isso. Já existia um planejamento prévio para sequenciamento do vírus mesmo antes
do primeiro caso ter sido reportado. Mas eu quis fazer de novo para ter certeza do
resultado.
Usamos uma tecnologia ainda nova no mercado, a MinION, e temos
trabalhado incessantemente para atualizar os protocolos de sequenciamento.
Cada vez que conseguimos aprimorar um protocolo, é um tempo a menos que se gasta
no processo, e um tempo que se ganha à frente do vírus. O investimento necessário para
que isso acontecesse, portanto, não veio de uma hora para a outra.
A Ciência brasileira tem preparo e conhecimento para fazer o Brasil avançar. Mas, para
isso, a gente precisa da população, de incentivo e de políticas que estejam, de fato,
voltadas para a importante missão que os cientistas têm, de trazer respostas para
desafios do dia a dia. E, no meu caso, um desafio de Saúde Pública.
Hoje somos protagonistas porque temos um número grande de casos. A gente tem muito
recurso do patógeno para ser utilizado. Então a gente tem pesquisas aos montes.
Estamos em condições de gerar muito conhecimento. O mundo está esperando por esses
dados que estamos gerando. E isso constitui para a Ciência brasileira um avanço
inestimável. A comunidade internacional está muito atenta a tudo o que está
acontecendo nos Estados Unidos e no Brasil. Não sei se isso se repetirá para frente.
Por exemplo, a gente trabalha com o HTLV, primo do HIV, que tem prevalência alta no
Brasil. A transmissão se dá pelas mesmas vias do vírus da Aids, sendo a principal delas
a relação sexual desprotegida. E ele desencadeia paralisia nas pernas e leucemia em até
5% dos pacientes infectados. Lá fora, ainda não tem muita gente interessada no HTLV
hoje. Então a troca de informações é pequena. Atualmente, apenas alguns estados
brasileiros mantêm pesquisas recorrentes em relação ao vírus HTLV, a maioria
financiados ou com parcerias com a iniciativa privada.
A gente está experimentando hoje o que nunca se viu em termos de compartilhamento
de dados de produção científica. Mesmo com a estrutura de divulgação científica e de
publicação não estando preparada para receber o volume de informações que estão
sendo geradas e para a nova dinâmica que nós estamos vivendo. Algumas publicações
estão exigindo um critério de ineditismo da produção científica que tem levado alguns
pesquisadores a esconderem o andamento de seus trabalhos, e privar a comunidade de
informações, até estar pronto para a publicação em uma revista renomada.
Agindo assim a gente deixa de fornecer para a sociedade as informações
relevantes obtidas e de contribuir para o rápido avanço da Ciência. O
compartilhamento de dados e a divulgação científica precisam ser mais
ágeis.
Acredito que o nosso trabalho ajudou a nossa população a se aproximar mais do que é
fazer Ciência e a compreender a necessidade de apoiá-la. Creio que a mudança que
queremos, por mais investimento em saúde pública, incluindo as pesquisas, precisam de
apoio popular. E talvez tenhamos conseguido mostrar um pouco a importância da
ciência, no contexto atual.
A gente precisa popularizar o conhecimento científico principalmente entre a população
de menor acesso à esse tipo de informação, para que eles possam compreender como se
portar em uma pandemia, por exemplo. Muito do que a gente viu no Brasil foi uma
desobediência às orientações de distanciamento social e precarização do uso da
máscara. Primeiro porque para algumas famílias, que moram em casas com dois, três
cômodos, o distanciamento é praticamente impossível. Mas quando ela entende que
mesmo nesse contexto ela pode adotar medidas como usar máscara, evitar contato
físico, lavar as mãos, é possível mitigar a transmissão do vírus.
A comunicação científica precisa chegar nessas pessoas. A gente precisa
falar em uma linguagem de fácil compreensão, utilizando tecnologias que
facilitem o acesso.
Nem todo mundo tem condições de ler uma cartilha e compreender o que está lá, por
mais ilustrada que ela seja. A gente precisa pensar em vídeos, áudios. Campanhas
educativas na TV, no rádio, nas redes sociais, além das escolas.
Nós, cientistas, precisamos estar atrelados não só à questão particular nossa, que é obter
êxito naquilo que estamos fazendo, em termos de pesquisa, mas também de conseguir
interagir com a população. Explicar a importância do processo científico de descoberta
dos genomas virais e do conhecimento gerado. Convencê-la de que aquilo que estamos
fazendo tem um significado. É relevante. Tem um resultado confiável. Tudo isso a partir
da perspectiva que que também somos seres humanos que queremos uma resolução
rápida para isso que estamos vivendo e para o que virá.
Três pilares construirão o futuro, colocando a Ciência na linha de frente: o
da própria Ciência, que trará avanços; o da crença da população nessa
Ciência; e o da reformulação das nossas relações com o meio ambiente, com
essa casa que nos cerca e o que vamos passar para as gerações futuras.
Teremos outros surtos, uma segunda, ou a terceira onda de Covid-19, ainda mais com o
afrouxamento do distanciamento social. Então precisamos que a informação correta
chegue onde tem que chegar.
Precisamos nos preparar para a chegada de outros microrganismos mais a frente. Como?
Investindo na produção do conhecimento que poderá mudar ao nosso relacionamento
com o meio ambiente e levar a novas formas de prevenção.
Hoje tem se falado em diversidade, inclusão e equidade – um conceito que
complementa os outros dois e é fundamental.
Inclusão é a confirmação de que todas as pessoas diversas sintam-se pertencentes a um
determinado lugar e que possam ser elas mesmas ali. É garantir que estereótipos não
interfiram na tomada de decisão. São ações práticas para que haja uma convivência justa
e que todos tenham a mesma chance de sucesso.
Equidade é a base da inclusão. É entender que as pessoas têm origens e trajetórias
desiguais e que, não podendo voltar no tempo para resolver injustiças no passado, é
preciso criar ferramentas para garantir que elas tenham a mesma oportunidade depois.
Na questão de grupos minoritários, estamos falando sobre injustiça social, violência
sistêmica e racismo estrutural.
Não podemos buscar meritocracia em um ambiente no qual as pessoas não
partem do mesmo lugar, não têm as mesmas oportunidades.
Equidade é nivelar todas as pessoas para que todos tenham a mesma chance de evoluir.
Tem a ver com ação afirmativa, com reparação.
Uma empresa existe para vender um serviço ou produto a um público. Quanto mais ela
entende sobre esse cliente, maior a chance de sucesso. A política de contratação, as
campanhas de marketing, o design do site ou até a decoração da loja passam mensagens.
Cada decisão de uma organização fala ao consumidor sobre quem está por trás dela.
Isso é valiosíssimo hoje. Se a diversidade e a inclusão estão no cerne da empresa, esses
valores impregnam todos os processos. E aí o resultado final consiste em produtos ou
serviços que conversam com todos os clientes, por mais diversos que estes sejam. Isso é
uma forma de inovação.
Temos falado muito do setor privado, mas a discussão não é restrita a ele. O racismo no
Brasil é um problema da sociedade, não de uma ou outra empresa. Todo mundo deve se
envolver e se comprometer a mudar essa realidade, transformar a injustiça. Nesse
sentido, óbvio que o Estado tem o maior papel em nivelar as oportunidades e tornar a
sociedade mais igualitária.
Infelizmente, não temos visto – e não vamos ver no governo atual – medidas contra o
racismo. Nesse cenário, é mais importante que nunca que as empresas assumam a
responsabilidade de resolver as questões de diversidade e inclusão internas, que
impactam inclusive a inovação delas próprias, e devolver para a sociedade de alguma
forma com uma pauta antirracista concreta.
O primeiro passo da mudança é o diagnóstico do problema. É olhar para si,
no nível individual, corporativo e coletivo, e analisar as próprias ações,
perceber como está cerceando a inclusão ou perpetuando o racismo.
Sair da conversa e da reflexão e ir para ação é básico. É preciso interesse, recurso,
dinheiro, tempo e mão de obra. Não existe segredo. Priorizar ações afirmativas e
entender que não vai resolver nada no curto-prazo, com uma iniciativa isolada ou uma
contratação. É um problema que vem de centenas de anos no nosso país, então é
ingenuidade achar que só a representatividade, que é a ponta do iceberg, vai resolver. É
um comprometimento 360, de longo-prazo.
Por fim, é preciso valorizar quem entende do assunto. Se tem alguém dentro da
organização que se levanta para falar sobre racismo, é porque esta pessoa sentiu na pele,
estudou muito e se aprofundou sobre o tema. Escute o que ela tem a dizer.”
“Diversidade é um imperativo da inovação. Não dá para inovar em um
ambiente homogêneo” – Paulo Rogério Nunes, consultor em diversidade e
fundador da AFAR Ventures.
Nasci em uma comunidade periférica de salvador e, na adolescência, comecei a me
aproximar dos movimentos sociais. Rapidamente compreendi que as oportunidades são
diferentes dependendo do seu CEP, de onde você mora.
Aprendi a me conectar e a trabalhar na internet em 1998. Isso abriu muito a minha visão
de mundo. Comecei a pesquisar sobre cultura afro-americana, sobre história da África.
Aprendi inglês online. Esse momento da vida me deu a base para, ao entrar na
universidade, me aproximar mais do ativismo negro e me interessar pelo tema
diversidade.
Há cerca de dez anos, a diversidade virou foco da minha vida profissional. Foi uma
forma de juntar meu conhecimento em movimentos sociais ao crescente interesse do
mundo corporativo por esse assunto. Hoje ajudo empresas a lidar com a complexa
questão da diversidade, especialmente em relação à população afro-brasileira.
No Brasil, durante muitos anos, negou-se o debate sobre diversidade, sobre
racismo.
Enquanto os EUA discutiam direitos civis para a população negra, aqui estávamos em
uma ditadura militar. O debate nos EUA, na Europa e na África do Sul é muito mais
aberto sobre este tema, há muito tempo. Aqui no Brasil tivemos a negação desse debate
por anos.
A discussão da diversidade no setor empresarial ainda é muito recente no país. Há
poucas empresas que podem realmente se orgulhar do trabalho que fazem nesse sentido
de maneira efetiva, com resultados. Há um caminho enorme a ser trilhado.
Existe muito mais debate, conversa e reflexão que ação prática. O consumidor está cada
vez mais atento a isso. Ele não quer só discurso bonito nas redes sociais, não quer só
propaganda com gente diversa. Ele quer ação concreta.
A representatividade é uma página no livro da igualdade, de oportunidades, da inclusão.
É uma página fundamental: tem a ver com se ver na mídia, na publicidade, na TV, e
significa auto-estima, construção da identidade. É fundamental especialmente para as
crianças e para os jovens que estão moldando sua identidade.
Mas a representatividade tem limites. As outras páginas deste livro falam sobre a
proporcionalidade nos espaços, se as pessoas não estão só na propaganda mas dentro da
empresa, como fornecedores, como CEOs ou vice-presidentes. Toda a cadeia produtiva
tem que incluir as pessoas marginalizadas. Nos EUA, existem iniciativas que definem
um gasto mínimo de uma empresa com fornecedores de grupos minoritários. Isso é ir
além da página 2, além da representatividade. É uma ação concreta.
Diversidade é um imperativo para inovação. Não há como inovar se você
tem um ambiente homogêneo e pouco plural. No mundo das startups, se fala
muito sobre escala, exponencialidade, e isso envolve diversidade.
Os clientes são diversos, têm histórias complexas, têm experiências de vida diferentes.
Não dá para resolver todos os problemas com uma solução única. Não é sobre
centralidade no cliente, mas sim nos clientes. Em todos eles. Diversidade étnica, racial,
etária, regional e de gênero, para que os negócios sejam mais multifacetados e
conversem com todos os públicos.
Várias pesquisas e consultorias apontam que diversidade gera inovação nas empresas.
Quando se tem um grupo homogêneo, todas as pessoas pensam igual, frequentaram as
mesmas escolas, têm as mesmas referências culturais, circulam nos mesmos espaços,
e reproduzem apenas uma visão de mundo.
Não dá para a Avenida Faria Lima querer explicar o Brasil.
Tecnologia é um instrumento fundamental tanto para aprofundar desigualdades quanto
para minimizar o impacto delas.
Nos últimos anos, a tecnologia foi barateando e permitiu que pessoas sem voz política
pudessem ser ouvidas nas redes sociais. Temos jovens das comunidades com milhões de
seguidores, e eles nunca teriam a mesma oportunidade na grande mídia. São vozes que
foram silenciadas por séculos e hoje podem falar. Isso é a parte linda da tecnologia, e
por isso sou entusiasta dela.
Por outro lado, a tecnologia pode ser usada para controlar os movimentos sociais, com
reconhecimento facial. Já vemos casos de inteligência artificial que replica
comportamentos racistas. E aí vira um instrumento de discriminação e de totalitarismo.
O racismo do século XXI inevitavelmente será o racismo dos algoritmos.
Por conta da velocidade exponencial com que a tecnologia se desenvolve, esses
assuntos precisam ser resolvidos agora. Lá na frente será mais difícil. O racismo não é
estático, ele muda ao longo do tempo.”
MARTHA COTTON: “O segredo está
em enxergar um problema por todos
os pontos de vista”
24/07/2020
“O momento que estamos vivendo é tão inédito que nos faltam mecanismos de
compreensão”, diz Marcello Dantas, que compara este período a “paredes com
infiltrações”. “É através dessas infiltrações que estamos aprendendo a nos permear, a
sobreviver e a nos reinventar; e a arte é uma ferramenta nesse processo, ressignificando
afetos, pensamentos e incertezas”, completa o curador.
Para Marcello, a arte também tem um papel fundamental na elaboração das angústias e
perdas que temos vivenciado, fortalecendo nossa mente para seguirmos em frente. “É
muito importante lembrar que, passada a pandemia, vamos viver um período de trauma.
Na história da Humanidade, já passamos por vários períodos de trauma coletivo e, em
todos, surgiram artistas, obras e movimentos artísticos importantes e emblemáticos”, diz
o curador, lembrando a obra “Guernica” (1937), de Pablo Picasso, que denunciava a
violência da Guerra Civil Espanhola e virou um ícone da época. Outro exemplo
histórico é o período pós-regime militar no Brasil, em que a música, o teatro e as artes
visuais produziram obras emblemáticas que refletiam as perdas e feridas deixadas na
sociedade.
“Não há mais como dissociar nós e as telas. A fronteira entre o Eu e o ser tecnológico se
dissolveu. Estamos num momento em que a onipresença da tela nos faz não mais
enxergar a própria tela”, comenta Marcello. “O futuro de toda tecnologia é se tornar
invisível”, diz.