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1 Noções de Direito

1.1 O que é o Direito?

Direito Objetivo – Sistema de normas da ordenação da vida social, maioritariamente


segundo valores fundamentais, suscetível de proteção coativa. Mas nem sempre a
regulação jurídica é enformada por valores, como nas opções normativas de mera
ordenação social, que revestem um caráter essencialmente técnico, tais como as regras de
circulação rodoviária, ou os termos e prazos específicos.

Direito Positivo – as normas efetivamente vigentes num certo espaço e num determinado
momento.

Direito Subjetivo – “poder de realizar um interesse juridicamente protegido” (Castro Mendes).


“Permissão normativa específica para aproveitamento de um bem” (Menezes Cordeiro).

Ramos do DIREITO

Critério da Posição dos Sujeitos - Segundo este critério, o Direito Público distingue-se do
Direito Privado pelo facto de, no Direito Público, serem reguladas relações entre dois sujeitos
em que um deles (a entidade pública) está numa posição de supremacia perante o outro, em
virtude de se encontrar no exercício de poderes públicos (iuris imperii).

De forma diferente ocorre no caso do Direito Privado, enquanto categoria do Direito, e que
disciplina um conjunto de relações entre sujeitos em igualdade de posição, ou seja enquanto
simples particulares em que um deles pode ser o Estado desde que destituído do seu poder
de mando.

Elucidativo desta diferença entre as duas categorias, podem referir-se os casos de Direito
Fiscal, enquanto Ramo de Direito Público (a relação de supremacia entre, por um lado, o
ente público fiscalizador, no exercício de um poder de autoridade público, e o cidadão
contribuinte) e ainda o caso do Direito da Família, ramo do Direito Privado (por exemplo a
relação igualitária existente entre os dois cônjuges ligados pelo matrimónio).

PÚBLICO

Internacional Financeiro e
Constitucional Administrativo Penal Processual Urbanismo Ambiente
Público Fiscal

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PRIVADO

Internacional Do
Comercial De Autor Bancário Civil Do Trabalho
Privado consumidor

Família Successões Obrigações Reais

Alguns Ramos do Direito Público em pormenor:

• Direito constitucional (regras de estrutura e funcionamento dos órgãos do estado e


direitos e deveres fundamentais dos cidadãos)
• Administrativo (regula a organização e atuação dos órgãos executivos na
preossecução do interesse público, mediante o exercício de prorrogativas de
autoridade, bem como o controlo de desempenho desses órgãos e as garantias dos
cidadãos perante tal atuação
• financeiro (cobrança de receitas e efetivação de despesas públicas) e fiscal
(pagamento de impostos)
• Penal (associa a determinados comportamentos (crimes) determinadas sanções)
• Processual (regula a forma de resolução de litígios pelos tribunais… civil, penal, do
trabalho, tributário, administrativo).

Outros:

• Economico
• Bancário
• De mera ordenação social (contraordenações – factos ilícitos menores puníveis com
coima, que é uma sanção de caráter administrativo)
• Urbanismo
• Ambiente
• Direito de autor

1.2 Norma jurídica

Norma jurídica – constitui expressão de um dever ser que vigora efetivamente (assistida de
coatividade) num determinado lugar e num certo momento. É um imperativo de conduta com
as seguintes características:

• Imperatividade - pois que o seu comportamento é obrigatório, ficando os


destinatários sujeitos a sanções se as não cumprirem; ex.: art. 483º, nº 1 CC: «fica
obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação» - é uma norma
imperativa pois traduz um dever jurídico, nomeadamente «fica obrigado»
• Generalidade - já que se destinam a ser aplicadas a toda uma categoria de
destinatários, não determinados concreta e individualmente (ainda que, por exemplo,
refiram-se ao Presidente da República, pois neste caso dirigem-se à instituição e não
à pessoa que assume essas funções);
• Abstração - pois fixam a conduta a adotar em situações de facto abstratas; "haverá
lugar a ..." ou "designar-se-á ...";

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• Violabilidade – Podem ser violadas;
• Coatividade - (elemento essencial) é a imposição de uma medida jurídica
desfavorável à pessoa que violar uma regra de Direito – aplicação de sanção. Se
uma regra de conduta não tiver previsão da sanção aplicável a quem a violar é uma
regra jurídica incompleta - ex.: art. 483, nº 1 CC: «fica obrigado a indemnizar o
lesado pelos danos resultantes da violação».
• Coercividade - É a possibilidade de aplicação de medidas de proteção coativa, ou
seja, recurso à força para fazer cumprir a conduta instituída na norma. E é nisto que
se distingue o Direito da Religião ou Moral, ou usos sociais que também impõem
deveres ou proibições, mas em termos não obrigatórios.

Elementos da norma jurídica:

• Previsão - descrição da situação de facto que a verificar-se, produz certas e


determinadas consequências jurídicas - ex.: art. 130 º Código Civil: «Aquele que
perfizer dezoito anos de idade (…)»
• Estatuição - Estabelece as consequências jurídicas produzidas pela verificação da
situação descrita na previsão (consequências determinadas pela norma) - ex.: art.
130 º Código Civil: « (…) adquire a plena capacidade de exercício de
direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens.»

Estes dois elementos são comuns em todas as normas. A sanção, como sanção coativa,
é própria da norma jurídica quando completa ou perfeita, fazendo parte do Sistema
Jurídico.

Tipos de normas jurídicas:

• Injuntivas – impõem uma conduta.


o Percetivas - aquelas que impõem um dever. Verificada a previsão, a conduta
que esta norma estatui é obrigatória. (Ex a norma que obriga os pais a
prestarem alimentos aos filhos). Impõem ao sujeito passivo da relação
jurídica uma conduta positiva, Ex “terás que fazer assim”.
o Proibitivas – aquelas que proíbem uma conduta - não pode fazer-se isto ou
aquilo – Ex: “não matarás” “não roubarás”.
• Dispositivas – concedem aos particulares certa faculdade, que poderão ou não usar,
ou fixam determinada disciplina, que pode ser afastada pelos interessados
o Permissivas - Concedem poderes ou faculdades aos destinatários. (Ex: “se
quiseres podes fazer testamentos”).
o Supletivas - fixam regras que suprem a falta ou insuficiência de
manifestação de vontade. Ex: as partes podem fixar o lugar do pagamento
das rendas nos seus contratos de arrendamento. Se não o fizerem, a lei
ordena que o pagamento se faça no domicílio do inquilino ou do
arrendatário.
o Interpretativas - aquelas que esclarecem o sentido de outro trecho com
valor jurídico. Ex: artº 204º CC “são coisas imóveis os prédios rústicos e
urbanos, as águas, as árvores, etc) limitam-se a fixar o sentido e o alcance
de certas expressões usadas nas leis ou pelos particulares nos seus
contratos.

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Ainda podemos distinguir entre:

Normas Gerais, Excecionais e Especiais

✓ Normas Gerais: são normas que constituem o regime regra ( a regra geral) aplicável
à generalidade de situações ou relações jurídicas de um determinado tipo; traduzem
os princípios fundamentais do sistema jurídico, sendo a regra das relações que
regulam. Exemplo: norma que diz que validade dos contratos não depende de
formalidade alguma externa.
✓ Normas Excecionais: são normas que, disciplinando um setor restrito de relações
consagram uma regulamentação oposta à contida nas normas gerias; regulam
determinado setor de relações com características particulares, pelo que fixam
disciplina oposta à que vigora para a generalidade das relações desse tipo – regime-
regra. Ex: artigo 219.º C.Civil estabelece o princípio da liberdade de forma.
✓ Normas especiais: são normas de direito especial que regulam um grupo mais ou
menos restrito de casos, consagrando uma disciplina que constitui um simples
desvio ou complemento de normas gerais, sem diretamente as contrariar. Regem um
setor restrito de casos de forma diferente do regime-regra aplicado a casos idênticos
mas que não se opõe diretamente ao regime-regra. Ex: norma que diz que os
contratos celebrados sem convenção antenupcial ficam sujeitos ao regime da
comunhão de adquiridos.

Esta distinção tem grande relevância ao nível da integração das lacunas da lei: art. 11.º
C.Civil – proíbe a aplicação por analogia das normas excecionais aos casos que não
estiverem diretamente previstos por elas – nesses casos só se pode recorrer às normas
gerais ou excecionais.

Normas princípios, ou normas regras:

Princípios jurídicos (máximas, fórmulas, diretrizes), estão sujeitos a juízos de ponderação,


harmonização em caso de conflito e são fundamentos de Regras jurídicas. Norma é o
género, Princípios e Regras são espécies. As Regras jurídicas contêm a previsão e a
estatuição.

Normas

Princípios Regras

Ordem jurídica – conjunto de normas jurídicas positivadas numa sociedade. Ideia de


sistema, escalonada (escalões superiores que definem regras para escalões inferiores).

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1.3 Definições de Lei

Lei em sentido formal - todo o ato normativo emanado de um órgão com competência
legislativa, quer contenha, ou não uma verdadeira regra jurídica (Lei e DL)

Lei em sentido material - corresponde a todo ato normativo emanado por um órgão do
Estado, mesmo que não incumbido da função legislativa, desde que contenha uma
verdadeira norma jurídica (cujo comando é geral e abstrato), exigindo-se que se revista das
formalidades relativas a essa competência.

Lei em sentido amplo - abrange qualquer norma jurídica escrita.

Lei em sentido restrito - compreende apenas os diplomas emanados pela Assembleia da


República.

1.4 Funções do Estado

Função Política em sentido amplo – prática de atos com expressivo grau de liberdade,
destinado a definir inovatoriamente os interesses públicos prosseguidos para a concretização
dos fins do estado. Engloba:

Função Política (em sentido estrito) – emissão com expressivo grau de liberdade de
atos e normas de conteúdo político desprovidos de forma de lei:

• atos exortativos - como um tipo de simples atuação administrativa, na


medida em que estes contêm também uma opinião, acrescentando um apelo
a que essa decisão seja acatada pelo seu destinatário que, apesar de não
vinculativos, podem ter explícita ou implícita a ameaça de uma reação
administrativa subsequente em caso de não acatamento do apelo neles
contido, como são casos as recomendações e as advertências.
• atos imperativos – do Presidente da República (Decretos presidenciais,
exoneração do Primeiro-Ministro e Governo..), do Governo (Resolução do
Conselho de Ministros), da Assembleia da República (moções e resoluções).
Referendos Tratados Internacionais, etc.

Função Legislativa – atividade politico-normativa traduzida num poder de criação


ou modificação da ordem jurídica operada pelos órgãos competentes (Assembleia da
República, Governo e Assembleias Regionais) cujos atos assumem a forma de lei
(sentido material) e vinculam o exercício das demais funções estaduais.

Função Administrativa – Atividade subordinada à função legislativa a que


corresponde a concretização das leis e a satisfação permanente das necessidades
coletivas (Governo e estruturas regionais).
• Regulamentos administrativos (geral e abstrato)
▪ Decretos regulamentares
▪ Portarias
▪ Despachos normativos

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• Atos administrativos – decisões dos órgãos da administração que ao abrigo
de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação
individual e concreta

Função Jurisdicional – Atividade subordinada à função legislativa que dirima


questões de Direito que emergem de interesses divergentes, através da aplicação da
CRP e das normas pelos Tribunais.

Observação do princípio da separação e interdependência dos poderes do Estado –


poderes não estão separados de forma estanque, há uma relação entre os poderes através
da leal e transparente colaboração entre órgãos.

1.5 Processo Legislativo Nacional

A forma da produção normativa varia em função das normas específicas a que cada órgão
responsável pela criação deva submeter-se. Os diferentes tipos de atos legislativos são,
pois, gerados através de distintos procedimentos de elaboração. Passa-se a descrever os
dois sistemas mais solenes e mais relevantes de produção de regras de direito.

1.5.1 Procedimento Legislativo da Assembleia da República

No que respeita ao processo de maior complexidade, que corre perante a Assembleia da


República pode, em síntese, referir-se que o mesmo compreende os seguintes momentos
lógicos:

1. Iniciativa legislativa - que compete «aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao


Governo, e ainda, nos termos e condições estabelecidos na lei, a grupos de
cidadãos eleitores, competindo a iniciativa da lei, no respeitante às regiões
autónomas, às respetivas Assembleias Legislativas» (n.º 1 do art. 167.º da
Constituição da República Portuguesa);
2. Admissão inicial, publicação, registo, numeração e apreciação - esta fase
compreende a ponderação da admissibilidade da proposta, a sua publicação no
Diário da Assembleia, tratamento administrativo e, finalmente, a avaliação do seu
conteúdo;
3. Discussão e aprovação - contempla um debate na generalidade e outro na
especialidade, uma votação na generalidade, uma votação na especialidade e uma
votação final global. Para a aprovação, poderá ser exigida uma maioria simples, uma
maioria absoluta ou uma maioria qualificada;
4. Controlo - a ser realizado pelo Presidente da República, em prazo legal. Pode
culminar com a promulgação do texto proposto ou com o exercício do direito de veto.
Neste caso, haverá lugar a uma segunda deliberação. Se o voto for confirmado ou
forem introduzidas alterações, o aludido texto é de novo enviado para promulgação,
sendo que esta deverá ocorrer também num prazo pré-definido. Cumpre ao
Presidente da República promulgar as leis e «assinar as resoluções da Assembleia
da República que aprovem acordos internacionais» (al. b) do art. 134.º da
Constituição).
5. Publicação - após promulgação, o Presidente da República deve mandar publicar o
novo texto normativo no Diário da República.

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1.5.2 Procedimento legislativo do governo

O procedimento legislativo do Governo assenta nas seguintes fases principais:

1. Iniciativa legislativa - que cabe aos gabinetes ministeriais;


2. Instrução - nesta fase, cumpre ao ministro proponente do projeto recolher pareceres,
devendo ser, também, realizadas as audições de entidades referidas na Constituição
e na Lei;
3. Apreciação preliminar e de fundo - que consiste no exame e avaliação das propostas
na fase de recebimento e após a sua admissão liminar;
4. Aprovação - embora haja atos normativos que não carecem de aprovação em
Conselho de Ministros, esta intervenção cabe, por regra, ao referido Conselho;
5. Controlo - no «prazo de quarenta dias contados da receção de qualquer decreto do
Governo para ser promulgado (…), deve o Presidente da República promulgá-lo ou
exercer o direito de veto, comunicando por escrito ao Governo o sentido do veto»
(n.º 4 do art. 136.º da Constituição da República Portuguesa);
6. Publicação - consiste na divulgação, através do Diário da República, do texto legal
produzido.

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1. Preparação do projeto (pelos ministérios)

2. Pedido de agendamento na PCM

3. Análise do projeto pela PCM

4. Circulação do projeto a outros ministérios

5. Reunião de Secretários de estado (RSE)

6. Alterações pós RSE

7. Reunião de Conselho de Ministros (CM)

8. Alterações pós CM

9. Recolha de assinaturas (ministros, PR e PM)

10. Promulgação (PR)

11. Referenda

12. Publicação

1.6 A vigência da lei

Entrada em vigor – começo da vigência da lei, ou seja, da necessidade do seu


cumprimento.

Vacatio legis – período entre a publicação de um diploma e o do início da sua vigência.


Período para adaptação e apreensão do seu conteúdo por aqueles a que se dirige.

“A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial”. “Entre a publicação e a


vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for
determinado em legislação especial” − art. 5.º do Código Civil.

Face ao disposto no art. 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, com a redação da Lei n.º
2/2005, de 24 de janeiro:

1 - Os atos legislativos e os outros atos de conteúdo genérico entram em vigor no dia neles
fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da
publicação.
2 - Na falta de fixação do dia, os diplomas referidos no número anterior entram em vigor, em
todo o território nacional e no estrangeiro, no quinto dia após a publicação.

3 - Revogado

4 - O prazo referido no n.º 2 conta-se a partir do dia imediato ao da sua disponibilização no


sítio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S. A.

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Cessação da vigência

Revogação – artigo 7.º C.Civil. Cessação total ou parcial da lei por força da entrada em vigor
de um outro diploma de valor hierárquico igual ou superior. Pode ser expressa: a lei vem
declarar, que “fica revogada a lei X”; existe uma declaração da vontade; e pode fazê-lo
identificando a lei revogada ou as disposições revogadas de determinada lei. Pode ser tácita
(art. 7.º n.º 2): a lei revogatória não declara revogar a lei velha, mas verifica-se que as suas
normas são incompatíveis com as da anterior lei. Aqui prevalece a lei nova, revogando a
anterior. A revogação pode ter eficácia sobre o passado (eficácia retroativa): extingue a lei
como se ela nunca tivesse existido, eliminado todos ou parte dos efeitos que ela entretanto
produziu. Ou pode ter apenas eficácia para o futuro – extingue a lei com efeitos a partir do
momento revogatório, mas conserva e respeita os efeitos produzidos enquanto a lei esteve
em vigor. Na dúvida é esta modalidade que deve ser considerada porque as leis não têm
efeitos retroativos, só dispõem para o futuro. (artigo 12º n.º 1 C.Civil).

Caducidade – verificação de circunstâncias que suprimem a vigência de uma lei. Pelo


decurso do tempo ou outras que lhe são exteriores e correspondam ao desaparecimento dos
pressupostos de facto da aplicabilidade da lei (cessação da situação de emergência, pela
realização dos fins para que tendia, etc).

Desuso - Situação em que a lei deixa de se aplicar, porque ninguém a aplica, porque cai no
esquecimento geral, ou porque se formou um costume “contra legem” que tomou o lugar da
lei e a substituiu. A lei perde a eficácia jurídica porque perdeu a eficácia social.

Repristinação - Reentrada em vigor de uma lei que tinha anteriormente cessado. Ocorre
quando uma lei é revogada por outra e, posteriormente, a própria norma revogatória é
revogada por uma terceira lei, que irá fazer com que a primeira tenha a sua vigência
reestabelecida, assim determine o seu texto legal.

1.7 Fontes de Direito

São de sinais distintos as teses sobre a admissibilidade e relevância de fontes situadas à


margem das assentes no poder político do Estado de criar Direito escrito. Estas diferenças
de concepção emergem, designadamente, de, para uns, as fontes serem meios de formação
das regras jurídicas, para outros, vias de revelação das mesmas e, para alguns ainda, meios
de formação e revelação. Por vezes, distingue-se entre fontes imediatas e mediatas, assim
contornando alguns embaraços emergentes das divergências de abordagem de base.
Vejamos as que são e as que não são, a nosso ver, fontes de direito no ordenamento jurídico
português:

A Lei

Lei, aqui considerada em sentido amplo, isto é, como Oliveira Ascensão a descreve: lei é o
texto ou fórmula significativo de uma ou mais regras jurídicas emanado, com observância
das formas estabelecidas, de uma autoridade competente para pautar critérios jurídicos de
solução de situações concretas, é o expoente do exercício livre das atividades dos órgãos do
poder político do Estado, é sem dúvida um dos principais veículos de expressão do Direito.
Surge através da função legislativa do Estado (Constituição da República Portuguesa e lei
ordinária, onde se inclui a Lei em sentido restrito, os Decretos-Lei e os Decretos Legislativos
Regionais) e da função administrativa (os Regulamentos, como instrumentos subordinados

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ao poder legislativo) e é a fonte de direito de origem estadual. É por isso fonte de direito
imediata – a única.

De acordo com uma concepção clássica, são fontes de Direito, em Portugal:

a) As Leis Constitucionais − que abrangem a própria Constituição da República, as


Leis Constitucionais avulsas e as Leis de revisão constitucional;
b) As «normas e os princípios de Direito internacional geral ou comum», as «normas
constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas»,
as «normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais
de que Portugal seja parte (…) desde que tal se encontre estabelecido nos
respectivos tratados constitutivos», as «disposições dos tratados que regem a União
Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas
competências» − art. 8.º da Constituição da República Portuguesa;
c) As leis ordinárias, que compreendem as leis emanadas da Assembleia da
República, os decretos-leis do Governo e os decretos legislativos regionais
produzidos pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas dos Açores e da
Madeira;
d) Os Regulamentos, ou seja, os instrumentos normativos de grau inferior ao ocupado
pelas leis, que visam pormenorizá-las e complementá-las com o intuito de viabilizar a
sua aplicação ou execução. Compreendem os Decretos Regulamentares, os
Regulamentos, os Decretos, os Decretos Regulamentares Regionais, as
Resoluções, os Regimentos, as Portarias, os Despachos Normativos, os
Regulamentos Policiais dos Governadores Civis, as Posturas e os Regulamentos
autárquicos.

Alguns outros actos são dotados de força equivalente à das leis, tais como os de aprovação
de convenções, tratados ou acordos internacionais e convenções colectivas de
trabalho e outros instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho;

O Costume

Enquanto a lei deriva do poder político, o costume deriva do povo – das pulsões diárias do
grupo e da sociedade, sem necessidade da intervenção do poder político do Estado. É um
direito não escrito. O costume brota da dinâmica da sociedade civil. São regras que
nada têm que ver com o poder político instituído, antes, resultam diretamente da sociedade
que é, na mesma pessoa, o destinatário e o criador da norma. O costume é assim a prática
social reiterada, com convicção de obrigatoriedade. No entanto, numa sociedade que
tem por base um Estado, o costume não pode ser uma fonte de direito determinante. O
âmbito de aplicação/atuação do costume nunca é a ordem jurídica nacional no seu todo
(seria impossível que houvesse um costume entre privados de âmbito nacional), funciona
antes como uma espécie de válvula de escape do sistema, impedindo a rigidez e a
arbitrariedade da lei. É uma fonte de direito mediata, ainda que atualmente não seja
determinante.

Jurisprudência

O conjunto das decisões dos tribunais – a jurisprudência – é obrigatória e vinculativa


para as partes do litígio, mas poderá ser considerada fonte de direito? Consideramos que a
jurisprudência não é uma fonte de direito na generalidade, mas em casos especiais assume-

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se como tal. Senão veja-se os casos em que se prevê que as decisões dos tribunais tenham
força obrigatória geral (acórdãos de uniformização de jurisprudência do Supremo
Tribunal de Justiça), os casos julgados (isto porque após transitada em julgado uma
sentença judicial, a decisão sobre a relação material controvertida ganha força obrigatória
dentro e fora do processo. Assim se cumpre o disposto no art. 29º, nº 5 da CRP, segundo o
qual “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”) e os
acórdãos do Tribunal Constitucional que declaram a inconstitucionalidade ou a
ilegalidade de uma norma com força obrigatório geral. De facto, a jurisprudência assume-se
como fonte de direito autónoma – não se aproxima da lei porque não se reveste das
características da mesma, como a iniciativa, a autorrevisibilidade e a liberdade
conformadora; é por isso uma fonte de direito mediata.

Doutrina

A doutrina e a equidade, sem origem estadual, atualmente no ordenamento jurídico


português, não criam, por si só, Direito. A doutrina acaba por ter uma relevância reflexa,
podendo ter um papel decisivo na influência que exerce sobre os atos do poder político do
Estado. É uma fonte mediata de Direito – só através de outras fontes de direito, é que a
opinião dos jurisconsultos (em sentido abrangente) passa a ser vinculativa. No entanto não
deixa de assumir uma relevância bastante própria, pois é através de pareceres jurídicos e de
estudos legislativos que se preparam as feituras de várias leis, como sejam os códigos
legislativos. É uma fonte de direito mediata.

Usos

Uma breve referência aos usos. De facto o CCiv, no art. 3º, nº 1, distingue uso e costume.
Um uso é uma prática social cujo caráter vinculativo não decorre dessa prática, mas da lei.
Isto é, a lei encontra uma prática social e empresta-lhe a vinculatividade (temos como
exemplos o art. 885º, nº 3 do CCiv e um grande conjunto de importantes usos comerciais).
São juridicamente atendíveis quando a lei o determine e desde que não se revelem
«contrários aos princípios da boa fé» − art. 3.º do Código Civil.

Não é, por esta via, uma fonte de direito autónoma. É uma fonte de direito mediata.

Equidade

A equidade − que assenta na atribuição, aos órgãos jurisdicionais, de competência para


formularem, relativamente a determinados casos concretos sob avaliação, regras jurídicas
adequadas às especificidades desses casos, fazendo apelo a princípios gerais de justiça e à
consciência ético-jurídica do julgador. «Os tribunais só podem resolver segundo a equidade:
a) quando haja disposição legal que o permita; b) quando haja acordo das partes e a relação
jurídica não seja indisponível; c) quando as partes tenham previamente convencionado
recurso à equidade» − art. 4.º do Código Civil.

Da nossa perspetiva, também a equidade não é uma forma autónoma de criação do Direito.
A lei acolhe-a, com grande amplitude (art. 4º do CCiv), para o efeito de interpretação e
aplicação de normas, mas não parece legítimo sustentar-se que a equidade possa ser
invocada pelos tribunais para resolver caso concretos sem explícita autorização legal. A
procura da solução justa para o caso concreto não deve colocar em causa a certeza e a

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segurança jurídica, isto porque a equidade não contém, em si mesma, nenhuma norma
jurídica. É uma fonte de direito mediata.

1.8 Hierarquia de Leis

Quando se faz referência à hierarquia das leis, pretende-se mencionar o valor relativo das
mesmas, isto é, o seu posicionamento numa escala ordenada.

Neste âmbito, há quem defenda existir apenas uma hierarquia quanto ao modo de criação.
Não haveria, assim, qualquer definição de posições relativas entre regras jurídicas mas,
apenas, entre géneses ou matrizes de formação.

Quer se opte por uma ou por outra via, é possível estabelecer uma lista de precedências.

É o seguinte o ordenamento hierárquico das fontes indicadas no primeiro título deste tema:

1. A Constituição da República e as Leis Constitucionais - que abrangem a própria


Constituição da República, as Leis Constitucionais avulsas e as Leis de revisão
constitucional
2. As normas e os princípios de Direito internacional geral ou comum e as Convenções
Internacionais;
3. As leis e os decretos-leis;
4. Os decretos legislativos regionais;
5. Os actos dotados de força equivalente à das leis – Decisões do Tribunal
Constitucional que declaram a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de uma
norma com força obrigatória geral; aprovação de convenções, tratados ou
acordos internacionais e convenções coletivas de trabalho e outros
instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho;
6. Os Regulamentos.

1.9 As modalidades de entrada em vigor no território nacional das


regras contidas nos instrumentos supranacionais

A receção dos instrumentos normativos internacionais obedece aos seguintes critérios,


descritos no art. 8.º da Constituição da República Portuguesa:

a) «As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte


integrante do direito português»;
b) «As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou
aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto
vincularem internacionalmente o Estado Português»;
c) «As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de
que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se
encontre estabelecido nos respetivos tratados constitutivos»;
d) «As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas
das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na
ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos
princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

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Segundo alguns autores, a regra referida em c) cobriria o efeito direto dos regulamentos
comunitários, bem como das diretivas e decisões dirigidas aos Estados-membros.

1.10 Organização judiciária

Tribunal de
Propriedade
Intelectual
Tribunal da
concorrência,
regulação e
supervisão
Competência
Tribunal
territorial
Marítimo
alargada

Tribunal de
Execução de
penas

Tribunal Central
de Instrução
Criminal

Secções cíveis

Secções
Criminais

Secções de
Instrução
Criminal
Supremo Tribunais de
Tribunais da
Ordem Judicial Tribunal de primeira Secções de
Relação
Justiça instância Instância central Família e
Menores
Tribunais
Administrativos
Secções do
Ordem Supremos Tribunais de Círculo
Trabalho
administrativa e Tribunal Centrais
fiscal Administrativo Administrativos
Tribunais
Tributários Secções de
Ordem Tribunal Comércio
Constitucional Constitucional

Secções de
Tribunal de Execução
Contas

Secções Civeis
Tribunais
arbitrais
Secções de
Secções
competência
Criminais
Julgados de Paz genérica
Instância Local
Secções de
Secções de
pequena
proximidade
criminalidade

Resolução alternativa de litígios:

Tribunais arbitrais – funcionam em centros de arbitragem. Árbitros são escolhidos


pelas partes. A decisão do Tribunal Arbitral tem o mesmo valor de uma sentença
judicial e, em caso de incumprimento por uma das partes, pode a outra pedir a sua
execução ao Tribunal de 1.ª Instância que for competente

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Os julgados de paz - são tribunais com características especiais, competentes para
resolver pequenas causas de natureza cível:
• Visam a resolução do conflito por acordo, sempre que possível.
• Sentença: constitui título executivo (igual Tribunal de Primeira Instância)
• A mediação só tem lugar quando as partes estiverem de acordo e visa a
resolução das suas divergências de forma amigável, contando com a
intervenção do mediador, que é um terceiro imparcial. Ao contrário de um juiz
ou de um árbitro, o mediador não tem poder de decisão, pelo que não
impõe qualquer deliberação ou sentença. Enquanto terceiro imparcial, o
mediador guia as partes, ajuda-as a estabelecer a comunicação necessária para
que elas possam encontrar, por si mesmas, a base do acordo que porá fim ao
conflito. As partes são assim responsáveis pelas decisões que constroem com o
auxílio do mediador. Caso a mediação não resulte em um acordo, o processo
prossegue os seus trâmites, e o juiz tenta a conciliação. Caso não se alcance
conciliação há lugar à audiência de julgamento, presidida pelo juiz, sendo
ouvidas as partes, produzidas as provas e, finalmente, proferida a sentença pelo
juiz.

Além da Mediação civil que existe nos Julgados de Paz e que pode ter lugar tanto no
âmbito de um processo que corra termos nos Julgados de Paz como nos casos em
que o litígio esteja excluído da sua competência, existem três sistemas públicos de
Mediação, a saber:
o Sistema de Mediação Familiar
o Sistema de Mediação Laboral
o Sistema de Mediação Penal

2 Módulo A: Direito Penal

2.1 Noções e enquadramento

O Direito Penal

Direito Penal – ramo do direito que abarca o conjunto de normas jurídicas que prevê certos
comportamentos (crimes) e lhes prescreve dadas sanções jurídicas (máxime, a pena), no
quadro de um procedimento próprio – o processo penal.
Direito Penal (sentido

DP substantivo
amplo)

DP processual
(adjetivo)

Direito de execução
de penas

14
Ciência global do Direito Penal (DP)

Ciência Global do DP (Franz Lizt)

• Ciência do DP - estuda o DP substantivo, o processual e o direito de execção de


penas de forma integrada.
• Criminologia – estuda a sociologia criminal e psicologia criminal. Inclui a
vitimologia (estuda a vítima como ator do fenómeno criminal)
• Política criminal - estuda as grandes estratégias do combate ao crime. Lei
Quadro de Política Criminal (Lei n.º 38/2009, de 20 de julho) - define crimes
de prevenção prioritária, crimes de investigação prioritária, orientações para
pequena criminalidade (ver art. 16.º e falar do fim do inquérito no cpp e que o
MP deve não privilegiar a acusação), etc.

O que é o crime?

Conceito formal - o que está previsto na lei penal (Princípio da Legalidade e


Tipicidade)
Conceito material - o que é justo que o seja, considerando as caraterísticas da
sociedade. O crime deve ser a ofensa grave de um bem jurídico fundamental.
Cultura cívica comum - Ex: A bigamia (não é crime contra a família, é contra o
estado civil, do casamento monogâmico - há desproporcionalidade entre o crime
praticado em si e a sanção que lhe pode ser aplicada).
• Se se restringe a liberdade através da pena, então só será crime a violação
de bens análogos, com a mesma grandeza que a liberdade
constitucionalmente relevantes - princípio da proporcionalidade.
• Bens jurídicos são valores da ordem ideal que o legislador considera, muitas
vezes por opção política, outras por opção de política penal ou política
criminal, procurando dar tutela jurídica. São bens jurídicos:
▪ Vida;
▪ Integridade física;
▪ Honra;
▪ Liberdade;
▪ Propriedade;
▪ Património em geral;
▪ Liberdade de movimentação;
▪ Liberdade de decisão;
▪ etc.
• Existe um princípio basilar e que dá consistência à criminalização de
comportamentos que é o princípio da subsidiariedade do Direito Penal -
O Direito Penal ao intervir, só deve emprestar a sua tutela, só está
legitimado a intervir para tutelar determinados bens de agressões humanas
quando essa tutela não puder ser eficazmente dada através de outros
quadros sancionatórios existentes no ordenamento jurídico. Ou seja, quando
o direito civil, o direito administrativo, não forem suficientemente eficazes
para acautelar esses bens jurídicos que as normas de Direito Penal
procuram acautelar.
• Direito Penal só deve intervir quando a sua tutela é necessária e quando se
revela útil, quando tem alguma eficácia. (Ex: do aborto, que foi
despenalizado)
• Por detrás de cada tipo legal de crime, encontram-se sempre a necessidade
de tutelar um ou mais bens jurídicos.

15
• Não é legítima a criação de um comportamento criminoso, a criação de uma
incriminação, sem que por trás dessa incriminação se tentem proteger bens
jurídicos fundamentais.
• Mas, não é o legislador penal que cria o bem jurídico. O bem já existe
porque é um valor de ordem ideal, de ordem moral. Simplesmente o
legislador, ao atribuir-lhe tutela penal, transforma-o em bem jurídico.
• A intervenção do Direito Penal por força do princípio da subsidiariedade só
se justifica quando seja para acautelar lesões ou ameaças de lesões de
bens jurídicos fundamentais.

Diferenças entre crime e contra-ordenação

Crime Contra-ordenação

• Ofensa a bem jurídico-penal • Violação de dever de


• Sanção tem função de organização da vida social
reprovação da conduta • Sanção visa adverter para a
• Pena de prisão prática daquele dever
• Aplicada por um juíz (ver o • Sanção é pecuniária
processo sumaríssimo, em (coima), e se não cumprida
que o juiz chancela o não é convertida em prisão
acordo) • Pode ser aplicada por
autoridade administrativa

Sanções penais – Penas e medidas de segurança

Penas
SANÇÕES
PENAIS
Medidas de
Segurança

Penas:

• No âmbito do Direito Penal vigora o princípio da culpa que significa que toda a
pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta; a culpa é
simultaneamente o fundamento e limite da medida da pena (ver art. 40, 71/1,
29).

16
• Ou seja, quanto mais culpa o indivíduo revelar na prática de um facto criminoso,
maior será a pena, quanto menor a culpa menor será a pena.

Medidas de Segurança

• Têm um carácter essencialmente preventivo, embora sejam sempre pós-


delituais e são baseadas na perigosidade do delinquente avaliada no momento da
sua aplicação.
• O fundamento para a aplicação de uma medida de segurança, não pode ser a
culpa, mas sim a perigosidade,
• Ou seja, justifica-se a imposição daquela medida de segurança quando há suspeita
de que aquele indivíduo que cometeu aquele facto penalmente relevante volte a
cometer novo ilícito, de gravidade semelhante.

2.2 Fins das Penas


Função retributiva

• Nacionalização do castigo.

• Não atribuem à pena nenhuma finalidade futura.

• Desconsideram-se os efeitos das penas.

Função preventiva

• Viradas para o problema da utilidade e finalidades das penas

• Pune-se para que não volte a ocorrer.

Geral – utilidade da pena sobre a generalidade dos cidadãos/sociedade.

Positiva – reforçar a confiança no sistema jurídico-penal.

Negativa – intimidação.

Especial – utilidade da pena sobre o próprio delinquente - controlo da


reincidência.

De segurança – proteção da sociedade.

Positiva ou de ressocialização - A pena é um bem para dar ao


criminoso uma educação que não teve.

No art. 40.º:

• Ponto de partida: as exigências da prevenção geral positiva ou de integração. A


prevenção geral positiva fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites
podem e devem atuar considerações de prevenção especial.

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• Ponto de chegada: as exigências da prevenção especial, nomeadamente de
prevenção especial positiva ou de socialização. Dentro da moldura ou dos limites
consentidos pela prevenção geral positiva devem atuar pontos de vista de prevenção
especial, sendo assim eles que vão determinar, em última instância, a medida da
pena.
• São então as necessidades de prevenção geral positiva (tutela das expectativas da
comunidade na manutenção e reforço da norma violada) e especial positiva ou de
ressocialização que vão justificar e impor a opção pela pena não privativa da
liberdade (como resulta dos artigos 40.º n.º 1 e 70.º)

2.3 Tipos de penas

Principais

• Prisão

• Multa

Acessórias

• Art. 66.º e seguintes

• Legislação avulsa

Substitutivas

• Da pena de prisão

• Multa (art.º 43.º)

• Trabalho a favor da comunidade (art.º 58.º)

• Prisão domiciliária (art. 44.º)

• Da execução da pena de prisão

• Suspenção da Execução da pena (art. 50.º e seguintes)

• Regime da prova (art. 53.º)

• Obrigação de permanência na habitação

• Da multa

• trabalho a favor da comunidade (art. 48.º)

• admoestação (art. 60.º)

18
2.4 Princípios fundamentais
Princípio da subsidiariedade – ou da necessidade da pena. O legislador só deve recorrer à
incriminação e à pena se não houver outro meio de controlo social mais eficaz e menos
gravoso (através do Direito Disciplinar, por exemplo)

Princípio da ofensividade – só são passíveis de punição por parte do Estado as condutas


que lesionem ou coloquem em perigo um bem jurídico penalmente tutelado.

Princípio da culpa – art.º 40.º n.º 2, dimensão objetiva e subjetiva (dolo ou negligência)

Principio da retroatividade - A Lei Incriminadora deve ser anterior. Ninguém pode ser punido
por um facto que não era crime na época em que o realizou. Como já vimos, esta é a função
"histórica" e está ligada à origem do princípio. A tal ponto que o Código Penal chega a
epigrafar o artigo 1.º com o nomen juris "anterioridade".

Princípio da legalidade – nullum crime nulla paena sin laege escita, stricta, certa e praevia.

2.5 A lei penal no tempo e no espaço


Nullum crimen nulla poena sine lege escrita, estrita, certa e prévia.

• Lei Escrita

Só Assembleia da Republica pode definir o que são crimes (art.165/1/c CRP)

Afasta-se os usos e costumes sociais para incriminar, criar penas, agravar


sanções, etc.

“A contrário”, usa-se os costumes e usos sociais para eliminar, excluir ou atenuar a


responsabilidade penal. Mas não para descriminalizar. Ex. Teoria das ações
socialmente adequadas (bofetada do pai no filho, palmada nas costas do amigo).

• Lei Estrita

Proibição da analogia para agravar ou criar responsabilidade criminal (art.º 1 n.º 3


CP).

Toda a lacuna é intencional (o CP é intencionalmente lacunar – ex, o aborto


negligente não existe)

• Lei Certa

Dirigido ao legislador. Corolário do princípio da separação de poderes.

O legislador deve ser o mais determinado possível. Evitar o arbítrio.

Mas os conceitos mesmo os determinados são porosos, pelo que há sempre uma
certa dose de indeterminação, por isso temos necessidade de interpretar o conceito.

19
A lei serve-se de conceitos tipos, que têm núcleo e periferia porosa (ex. furto de
uso de veículo, no conceito de bicicleta)

Também se usa a técnica dos exemplos padrão (Ex. art.132.º n.º 1 tem cláusula
geral indeterminada e o n.º 2 dá exemplos padrão do que se considera de especial
censuralibilidade ou perversidade).

• Lei Prévia

Problema da sucessão da lei penal no tempo. Art. 29.º n.º 1 e n.º 4 CRP – proibição
de aplicação retroativa de lei penal desfavorável (art. 1.º CP).

Uma das decorrências do princípio da legalidade é que não há crime sem


uma lei anterior ao momento da prática do facto que declare esse
comportamento como crime e estabeleça para ele a correspondente sanção
(Nullum crimen nulla poena sine lege previa).

Em Direito Penal vigora portanto a lei do momento da prática do facto.


O momento da prática do facto (art. 3.º) é sempre aquele em que, no caso
de se tratar de um crime comissivo por acção, o agente actuou, ou, no caso
de se tratar de um crime comissivo por omissão, o agente deveria ter atuado.
Mas a aplicação externa ou exacerbada deste princípio “tu qur” (art. 2.º
n.º 1) poderia levar a situações injustas. Duas situações:
• art. 2.º n.º 2 - uma nova lei vem descriminalizar uma
determinada conduta. Como deve reagir a ordem jurídica? Se a
conduta vier a ser descriminalizada não deve ser condenado por
essa conduta, mesmo que o agente tenha já sido condenado e se
encontre detido. Cessam os efeitos penais – princípio da aplicação
da lei mais favorável.
• As leis temporárias são as leis que marcam “ab initio”, à partida, o
seu prazo de vigência; são as normas que se destinam a vigorar
durante um determinado período de tempo pré-fixado. São leis
temporárias que caducam com o “terminus” da vigência que pré-
fixaram. Ex: há uma crise de batatas, e o preço sobe muito, cria-se
uma lei para impedir preços abusivos. Ressalva-se esta situação
através do art. 2º n.º 3 do CP, continuando a ser punido o facto
criminoso praticado durante o período de vigência de uma lei de
emergência. As leis de emergência são as leis que face a
determinado circunstancialismo anormal vêm penalizar,
criminalizar determinadas condutas que até aí não eram
consideradas crime, ou vêm efectivamente agravar a
responsabilidade penal por determinado facto que até aí já era
crime, mas em que esse agravamento se deve tão só a situações ou
circunstâncias anormais que reclamam a situação de emergência.
Significa que, não obstante no momento do julgamento a lei já não
estar em vigor por já ter caducado ou já ter sido revogada, o agente
deve continuar a ser punido pelo facto que praticou durante
esse período em que a lei estava efetivamente em vigor.
(art. 2.º n.º 4) – O princípio geral em matéria penal é de que as leis
penais mais favoráveis aplicam-se sempre retroativamente. Assim,
o Juiz deve aplicar ao arguido a lei do momento da prática do

20
facto, desde que mais favorável do que a lei posterior, ainda que
esta lei tenha revogado aquela.
• Se lei penal anterior é mais favorável - existe ultratividade
da lei penal anterior (é aplicada posteriormente ao fim de
sua vigência (depois da sua revogação).
• Se lei penal posterior é mais favorável – não há
ultratividade da lei penal anterior e aplica-se lei penal
posterior, de conteúdo mais favorável ao arguido.

2.6 Teoria do Crime

Ex: A dispara sobre o B matando-o (facto típico). Mas o A disparou porque o B iria matá-lo
com um tiro (não há ilicitude, mas é facto típico). Mas imaginemos que o A dispara sobre o B
porque está coagido pelo C (não há culpa, mas há facto típico e ilícito).

Pretende-se que os investigadores saibam que elementos de prova têm de recolher para que
se possa fazer a imputação da responsabilidade penal.

Trata-se de um esquema conceptual normativo que serve para aplicação do Direito Penal.
Dizer que alguém cometeu um crime é o mesmo que dizer que no facto que praticou reuniu
os vários elementos necessários para lhe ser atribuída responsabilidade penal.

Tem função de imputação da responsabilidade penal.

Este esquema é um desenvolvimento da doutrina, mas não é contrária à lei. Apenas


sistematiza de forma esquemática o raciocínio de imputação da responsabilidade
penal. Alguém comete um crime quando pratica um facto, típico, ilícito, culposo e punível.
Mas é possível que o facto seja típico sem ser ilícito ou seja ilícito sem ser culposo, ou ser
culposo e não ser punível.

1 - Facto

Ação – há ação humana quando a pessoa dominou o acontecimento. Por vezes há


movimentos corpóreos que produzem modificações no mundo exterior sem que haja
ação humana quando lhe falte o domínio da ação (Ex: se alguém desmaia e cai para o
tabuleiro de xadrez, as peças mexem-se e a pessoa não está a jogar). Também pode ser
omissão (não é nada fazer, porque pode ser não fazer algo que deveria, fugindo). Nas
ações penalmente relevantes cria-se ou acrescenta-se perigo para a pessoa. Na
omissão o agente deveria ter diminuído o risco e não diminuiu. Ex: há ação se A
empurra B para um poço. Há omissão se A vê o B no poço e não lhe atira uma corda.

Humana – As pessoas coletivas têm responsabilidade derivada, porque só os


humanos agem em representação das pessoas coletivas.

• Admite-se a responsabilidade penal das pessoas coletivas por haver crimes


praticados em seu benefício ou sob a sua autoridade que não podem ser
prevenidos e punidos unicamente através da responsabilização dos seus
agente.

21
• Mas para a pessoa coletiva ser criminalmente responsável é necessário que
os delitos tenham sido praticados em seu nome e no seu interesse por
pessoas que nela ocupam posição de liderança ou por quem atue sob
autoridade dessas pessoas.

• A pessoa coletiva não é responsável se o seu autor tiver agido contra ordens
ou instruções dadas por quem de direito (ex: assembleia geral).

• Penas: ver art. 90.º-A. Penas principais aplicadas às pessoas coletivas são
a multa e a dissolução. Penas acessórias: injunção judiciária, interdição do
exercício de atividade, proibição de celebrar certos contratos, privação do
direito a subsídios, subvenções ou incentivos e encerramento de
estabelecimento.

Dominável

• Atos reflexos – são reações (não são processados pelo Sistema Nervoso
Central). São ações puramente mecânicas. Ex. alguém apanha um choque
elétrico é projetado e parte o nariz a alguém. Ex. de ausência de ação
dominável por atos reflexos na omissão: pai apanha choque que o
impede de salvar o filho de morrer afogado. Tanto num exemplo como no
outro falta a ação dominável. Há que distinguir dos automatismos. Ex: abelha
entra no carro, fechar os olhos é ato reflexo porque não é controlado pelo
Sistema Nervoso Central, e por isso não é uma ação dominável, mas dar
guinada no volante e atropelar alguém já não é ato reflexo, sendo então uma
ação humana.

• força irresistível – ex: alguém que é empurrado para a piscina e cai em


cima de outro matando-o, a pessoa empurrada não conferiu qualquer sentido
aquele acontecimento (é diferente de voz compulsiva – alguém aponta arma
à cabeça e obriga-o a fazer algo, aqui a pessoa confere sentido pelo que há
ação humana). Ex. de ausência de ação dominável por força irresistível
na omissão: pai não salva o filho do precipício porque foi arrastado pelo
vento.

• estados de inconsciência – ex: desmaios, ataques epiléticos. Ex. de


ausência de ação dominável por estado de inconsciência na omissão:
pai não salva o filho de morrer afogado porque desmaiou.

Exteriorizada – os planos (meras intenções) não são ações. Ex. Formulo plano para
matar alguém, mas não o chego a concretizar.

2 - Típico

Tipo de crime – todos os elementos do facto têm de ser constitutivos de um tipo de crime.
Ex. Estou no supermercado e sem me aperceber coloco chocolate no bolso; só em casa
reparo que o trouxe sem querer, mas depois decido ficar com ele; não é crime de furto,
porque no momento do facto não há intenção de apropriação, no entanto há crime de
apropriação ilegítima (art. 209.º).

Há que relacionar a Parte Geral e Especial. Ex: no homicídio tentado há que ver o art. 131.º
e o 22.º (este é extensão da regra do 131.º). Ex: alguém compra arma para matar outro, isto

22
não é tentativa de homicídio porque a compra ainda não representa uma intromissão na
zona de proteção da vida, por isso não é acto de execução nos termos do art. 22.º.

A) Elementos objetivos

A.1) Elementos objetivos

❖ Agente

• De mão própria – requere-se a intervenção pessoal do autor. Ex:


na bigamia (art. 247.º) não é possível haver co-autoria. Ex: art. 292.º
(conduzir embriagado).

• Comum - “quem”

• Específico – só aquela qualidade de agente pode praticar o crime.

✓ Próprio – a qualidade do agente fundamenta a


responsabilidade do agente. Ex: Deserção

✓ Impróprio – ao crime específico (ex. violação de domicílio


por funcionário - art. 378.º) corresponde um tipo comum
(violação de domicílio por não funcionário - art. 190.º), e a
qualidade do autor (funcionário) agrava ou atenua a
responsabilidade penal. No exemplo dado, agrava.

❖ Resultado/mera atividade

✓ Nos de resultado, há um resultado externo à própria ação


(ex: homicídio, furto, todos os crimes de dano).

✓ Nos de mera atividade (ex: violação do domicílio (art.


190.º) basta a intromissão no domicílio e não é necessário
resultado externo a esta ação; ex: art. 292.º e todos os de
perigo abstrato – ver também o art. 293.º). É importante
distinguir o art. 10.º n.º 1 (ação ou omissão) e o nexo de
causalidade que só existe nos crimes de resultado.

❖ Lesão, perigo concreto/abstrato

✓ Lesão - há afetação do bem jurídico (ex: homicídio, furto,


outros crimes de dano).

✓ Perigo - apenas se coloca o bem jurídico numa situação de


insegurança. Estado de coisas em que a lesão se torna
possível.

• Perigo concreto – à ação acresce a produção de


uma situação de perigo. O perigo é uma forma de
resultado, porque há materialização de uma
situação objetiva de perigo. A perigosidade tem de
ser provada porque faz parte do tipo. Ex: art.138.º,
não basta a ação perigosa, é necessário que se

23
concretize numa situação concreta de perigo. Ex:
art.º 272.º (incêndio).

• Perigo abstrato – ocorre quando o tipo não faz


menção a este, mas faz parte das razões que
levaram à sua tipificação. Ex: arts. 292 e 293.º há
perigosidade média ou estatística. A perigosidade
não tem de ser provada porque não faz parte do
tipo.

• Perigo abstrato-concreto – o perigo faz parte do


tipo mas como caraterística da ação. Essa
perigosidade tem de ser provada no processo. Ex:
art. 153.º, não basta ameaçar o outro, é necessário
que essa ameaça seja apta ou idónea para provocar
medo. Ex: se for uma pessoa grande ameaçada
mas que não se tenha sentido ameaçada, não é
preciso provar que se sentiu ameaçada, porque
basta que a forma de ameaça tenha sido idónea a
provocar a lesão.

❖ Instantâneo/duradouro

✓ Instantâneo - a ação esgota-se num instante (ex: ofensa


corporal).

✓ Duradouros - a ação protela-se no tempo (ex: sequestro,


furto de uso de veículo).

❖ Ação/omissão – a distinção é difícil. A omissão não é ficar presente e


nada fazer (retenção dos nervos motores). Ex: quem não auxilia fugindo
está a ser omisso.

✓ Ex: A grita do fundo do poço, o B vê e atira a corda, mas


depois apercebe-se que é o seu inimigo e retira a corda
antes que o A a pudesse ter agarrado, é ação ou omissão?
Ex: Mas e se o A já tinha agarrado a corda e o B a corta?
Ação ou omissão? Explicação: no primeiro caso o A ainda
não tinha tido acesso aos meios de salvamento, pelo que há
omissão. No segundo caso é ação.

✓ Ex: A (médico) vai salvar alguém, mas vê que é o B, seu


inimigo, e não o liga à máquina. Ex: e se o B já estivesse
ligado à máquina e o médico a tivesse desligado? Ação ou
omissão?? Explicação: no primeiro caso o médico omitiu
porque não fez a ação que seria de esperar; no segundo
caso a pessoa teve acesso ao meio de salvamento e o
médico desligou por meio de uma ação.

✓ Na prática a distinção entre ação e omissão é muito


importante. No caso do poço a ação e a omissão têm
regimes diferentes: se há ação é homicídio por ação – art.
131.º + art. 10.º, se há omissão é crime de omissão de
auxílio (art. 200.º). No caso do médico a distinção não é tao

24
importante: em ambos os casos o médico responde por
homicídio, em resultado de ser ação (art. 132. n.º 1) e
omissão imprópria (art.º 132.º n.º 2 + 10. n.º 1 e n.º 2).

✓ Omissão própria (art. 200) / imprópria (art. 10.º n.º 2)

• Própria (art. 200.º) – não é crime de


resultado. Recai sobre o omitente um dever
geral de agir para auxiliar quem está em
perigo, pelo que o agente poderá ser
qualquer pessoa.

• Precedente lícito – art.º 200 n.º 2.


Ex: condutor que cumpre todas as
regras mas atropela criança porque
esta saltou para a estrada de
repente atrás da bola, o condutor
tem dever de auxílio reforçado.

• Imprópria (art. 10.º n.º 2) – é crime de


resultado. É crime específico, o agente tem
um dever que pessoalmente o obriga –
posição de garante.

• Precedente ilícito – ex: condutor a


180km/h atropela alguém, fica na
posição de garante e tem por todos
os meios que diminuir o risco de
vida da pessoa.

• Domínio da situação de
desamparo em que o bem se
encontra – ex: relações familiares
em que há dependência existencial.
Ex: filhos que têm à sua guarda pais
inválidos, ou pais que têm filhos
menores. Estes estão em posição
de garante. Exs: Baby-sitter,
relação médico/paciente (espera-se
deste que afaste todos os perigos
do paciente), posição do guia de
montanha na excursão (tem
especiais conhecimentos e as
pessoas confiam nele; no entanto
entre excursionistas já não existe
este dever jurídico de garante).

• Domínio da fonte de perigo –


quem dominar a fonte de perigo é
responsável pelo que essa fonte de
perigo causar. Tem o dever especial
de evitar que ela provoque danos a
terceiros. Ex: animais perigosos,
donos podem ser acusados de

25
homicídio negligente. Ex: guarda da
fábrica de produtos pirotécnicos. Ex:
pessoas inimputáveis perigosas
especialmente agressivas que
requerem vigilância especial.

A.2) Imputação objetiva (nos crimes de resultado) – Através deste


mecanismo pretende-se saber se é possível atribuir o resultado a um agente
como obra sua. Por força do princípio da legalidade, os tipos de crime
descrevem uma conduta de forma concreta. Uma norma que incrimina um
facto descreve uma conduta. Ex: art.º 292.º n.º 1, tem uma norma que
descreve a conduta com pormenor e que lhe atribui uma sanção penal. Mas
em alguns crimes é impossível esta descrição detalhada do comportamento.
Ex: homicídio pode ser feito de várias formas, por isso o tipo legal do
homicídio não é a descrição da ação, mas sim do resultado da ação, pelo
que nestes crimes a imputação objetiva é essencial.

✓ Conduta (ação/omissão)

✓ Resultado

✓ Causalidade (conditio sine qua non) – saber se existe


relação entre dois fenómenos explicável por lei natural.
Causa é a condição do resultado. Ex: o taxista que levou o
criminoso, o mecânico que arranjou o táxi, etc. Mas não
serve qualquer causa, tem de ser aquela que pode
propiciar o resultado, que crie um perigo de verificação do
resultado, por isso se analisa o nexo de causalidade. Mas a
causalidade é um pressuposto que tem de existir para haver
nexo de imputação (conditio sine qua non). Só depois de
analisada a causalidade é que se avalia a imputação
objetiva, que é avaliada por juíz - a causalidade já pode ser
avaliada por perito.

✓ Nexo de causalidade (ou nexo de imputação objetiva) –


saber se o resultado é atribuível àquela ação e àquele
sujeito daquela forma. Ex: o A bate com pedra na cabeça de
B para o matar mas no transporte ao hospital há acidente e
B morre do acidente; se não fosse o acidente o B teria
morrido na mesma?

• Usar a teoria da adequação – duplo juízo de


adequação: a) saber se a ação é causa do resultado
(causalidade) e b) a ação é também adequada a
produzir o resultado tal como ele se verificou (nexo
de causalidade) (era previsível que o B tivesse
morrido daquela forma? Não, por isso o A é punido
com tentativa de homicídio). Temos de usar um
juízo de previsibilidade ou probabilidade da ação
poder originar o resultado. Saber se a ação é
adequada ao resultado tal como ele se verificou.
Juízo de Prognose póstoma, homem médio...

26
• Teoria do risco (risco, ilícito, resultado, esfera de
proteção da norma) - Esta teoria determina que não
há imputação objetiva quando o risco criado é
permitido, devendo o agente responder penalmente
apenas se ele criou ou incrementou um risco
proibido relevante.

• Comportamento lícito alternativo – aplica-se a


comportamentos negligentes (violação de deveres
de cuidado).

• Acontece quando há criação de um risco


ilícito (que pode produzir dado resultado
lesivo), mas prova-se que mesmo que o
agente tivesse atuado diligentemente (não
tivesse sido criado esse risco), o resultado
lesivo seria o mesmo.

• Não confundir com a Teoria da Causa


Virtual. Ex: A esfaqueia B e deixa-o
prostrado no chão; mas antes de B morrer,
cai-lhe um raio e B morre em consequência
disso; há um desvio essencial no processo
causal (o dolo do A não se estende à morte
como ela decorreu, não era previsível
aquele desfecho), pelo que o A será punido
apenas com tentativa de homicídio. A morte
ocorreria na mesma (é a causa virtual), mas
não daquela forma.

• Verificar:

• Se tivesse agido em conformidade,


o resultado verificava-se na mesma
– não se imputa o resultado
(imputação objetiva).

• Se tivesse agido em conformidade,


o resultado não se iria verificar –
imputa-se o resultado.

B) Imputação subjetiva – é importante para caraterizar a ação que o agente


pratica. Ex: A dispara para um arbusto, onde B está a descansar, que ação o A
pratica? Temos de saber porque disparou, em que circunstâncias, se era para
matar um coelho, se para matar B. Sabia que B ali estava? É a diferença entre
homicídio doloso ou negligente, sendo que a ação é a mesma.

• Dolo – é o elemento subjetivo geral dos tipos (art. 13.º), a


negligência só é punida quando prevista (art. 13.º ) (princípio da
subsidiariedade).

✓ Cognitivo – conhecer a factualidade típica, todos os


elementos do tipo. Se faltar um dos elementos do
tipo, não há elemento cognitivo. O conhecimento

27
não tem de ser refletido, pode ser a título de co-
consciência, o ter presente algo, mesmo que não
refletido (socialmente aquele facto é condenável e o
autor sabe-o). Ex: os crimes sexuais com
adolescentes dependem da idade da vítima, pelo
que esta faz parte dos elementos do tipo, faz parte
do dolo; mas o agente não tem de pedir o BI à
vítima, porque a título de co-consciência ele não
pode ter deixado de representar uma certa idade na
vítima; resta saber é qual é a idade que ele
representou pois isto é importante para as questões
do erro. O conhecimento dos elementos do tipo tem
de ser atual, no momento da ação; o dolo
subsequente e o antecedente não relevam. Ex: no
supermercado alguém coloca inadvertidamente um
chocolate no bolso, em casa repara nisso e pensa
que já que o tem vai ficar com ele; não é crime de
furto, porque não há dolo atual (no momento do
facto, ele não subtrai a coisa dolosamente – o dolo é
subsequente que nãl releva para a incriminação por
furto), há crime de apropriação ilegítima (art. 209.º).
Não é necessário que o agente seja jurista para que
conheça do significado do facto, porque não importa
que não conheça o significado jurídico, tem de
conhecer o significado social daquele elemento, no
plano das valorações sociais (apreciação paralela
na esfera do leigo). O juiz procura saber se no plano
social o agente tem conhecimento paralelo ao
jurídico. Ex: o agente não precisa de saber
juridicamente o que significa subornar um
funcionário, nem o significado de documento. Mas
pode levar ao erro do art. 17.º (afasta a culpa). Se
agente está na posição de garante, ele tem de o
saber (o dolo tem de se estender também a essa
circunstância). Para que o garante realize o facto
dolosamente ele tem de saber que está na posição
de garante. Ex: o A vê uma criança a afogar-se mas
não sabe que é o seu filho, se não atua não está em
posição de garante porque está em erro.

• Erro (afasta o dolo)

• Sobre o facto típico – erro do art.16.º n.º 1.


Ex: grávida toma medicamento que lhe
provoca o aborto, mas ela não sabe qie isso
iria acontecer porque não conhece a
idoneidade do meio para matar o feto. Falat-
lhe um elemento do dolo, o conhecimento
do facto. Poderia ser punida a título de
negligência se o crime o previsse.

• Sobre o objeto – ex: A anda à caça ouve


ruído e dispara mas atinge B que dormia; há
divergência entre objeto representado e

28
objeto atingido, mas é diferente matar
coelho ou pessoas; há homicídio negligente.
Ex: A quer matar B e monta-lhe uma
armadilha, mas aparece-lhe C e A mata-o
sem querer; há também divergência entre
objeto representado e objeto atingido, mas a
identidade não releva para o direito porque
não faz parte do tipo; há homicídio, porque
há erro sobre a identidade e não sobre o
objeto. Há intenção de matar ainda que
outra pessoa que não aquela que se matou.

• Na execução (aberratio ictus) – Ex: A quer


partir janela do 2º andar e apercebe-se que
na janela ao lado está B, mas acha que
consegue partir o vidro sem acertar em B;
mas na realidade ele acertou em B. Há
concurso efetivo, há tentativa de partir a
janela (dano) e crime negligente por ofensas
à integridade física por ter representado um
facto que preenche um tipo de crime mas ter
atuado sem se conformar com essa
realização. Ex: A vê o B mas pensa, “haja o
que houver, vou atirar porque quero partir a
janela”; ele admite acertar em B e conforma-
se com o possível resultado. Aqui há dolo
eventual (punido pelo que efetivamente
realizou) e não há erro na execução.

• No processo causal – Ex: o A dispara


sobre B, mas este consegue fugir, mas ao
fazê-lo é atropelado e morre. Há divergência
entre o curso causal escolhido e o efetivo. É
misto entre erro e imputação objetiva,
porque é necessário saber se este desvio é
bastante para afastar o nexo de imputação
objetiva (nexo de causalidade – saber se
ação é adequada a produzir o resultado tal
como ele se verificou); saber se o desvio é
essencial - quebra a conexão de risco entre
ação e resultado - ou não essencial. Ex: A
atira B de uma ponte com 17 metros de
altura para o Tejo para que este morra, mas
em vez disso o B cai num convés de barco e
morre. Ex: A atira B da ponte para o Tejo
para que este morra, mas em vez disso o B
é devorado por um tubarão. No primeiro
caso o desvio é não essencial, pois a
morte no navio ainda é a concretização do
risco decorrente da ação que A realizou
porque o risco de passar um navio é normal
e previsível. No segundo caso o desvio é
essencial, porque não se espera que
existam tubarões no Tejo; o dolo não se

29
estende ao resultado pelo que é homicídio
tentado – há irrelevância da causa virtual.
Se o desvio é não essencial, há imputação
objetiva e ele é punido pelo primeiro facto
na forma tentada e pelo segundo a título de
negligência.

Se o desvio é essencial, não há imputação


objetiva do segundo facto (irrelevância da
causa virtual), pelo que só é punido pelo
primeiro facto na forma tentada.

Situações próximas mas diferentes:

• Resultado antecipado – Ex: A quer


sedar B para o enforcar mas o
sedativo usado provocou a morte.
Não há desvio essencial porque a
morte acaba por ocorrer inserido no
curso causal representado; o
resultado dá-se por ato de execução
(dar a medicação); o dolo não é
afastado pelo erro.

• Ex: A dá machadada em B,
pensando tê-lo morto atira o
“cadáver” para poço para o ocultar;
a autópsia diz que ele morreu
afogado. O agente pratica duas
ações, com dois processos
causais. Mas ele quer ocultar o
suposto cadáver, pelo que há
concurso efetivo: tentativa de
homicídio e homicídio negligente
(porque na segunda ação não há
dolo de homicídio mas há
resultado). Não é dolo generalis
(usado em dois casos, a) o agente
quer matar uma pessoa qualquer,
atira uma bomba para uma
discoteca e conforma-se com o
elevado número de mortes embora
não saiba quantas vão morrer, ou b)
o agente sabe que dois ou +
comportamentos levam ao resultado
– ex: na machadada o agente não
sabe se o matou ou não e para
confirmar a morte atira-o para o
poço)

• Desconhecimento da proibição legal (art.º


16.º n.º 1, 2ª parte) – refere-se a crimes cuja
punibilidade não se pode presumir
conhecida de todos os cidadãos, porque

30
não há censurabilidade ético-social, antes
resultam de opções legislativas.

• Ex: é patente a falta de consciência


da ilicitude não censurável do
agente que adquire uma arma de
alarme quando sabia que a sua
aquisição era legal e desconhece
que, posteriormente, o legislador
entendeu dever criminalizar tal
conduta.

• Mas deve ser punido por


negligência se desconhece a
proibição legal devido a falta de
informação ou de esclarecimento se
se desleixou na recolha da
informação.

• (Deve-se aplicar o art. 17.º nos


crimes cuja punibilidade se pode
presumir que seja conhecida por
todos os cidadãos, mas o
desconhecimento da ilicitude
decorre de erro não censurável)

• Erro de Subsunção – prende-se com a


apreciação paralela na esfera do leigo –
conhecimento da norma mas má
interpretação da mesma) – vimos acima,
afasta a culpa se houver pressupostos do
art. 17º.

✓ Volitivo – vontade de realizar a factualidade correspondente


aos elementos do tipo ( art. 14.º).

• Dolo direto – há uma intenção na sua forma mais


clara de realizar a factualidade típica. O agente
dirige a sua vontade de forma direta à realização do
facto.

• Dolo necessário – o agente quer uma


consequência secundária como decorrência do
facto. Ex: A quer matar político e decide colocar
bomba no carro, mas ele sabe que o político irá
viajar com os filhos e que estes irão morrer como
consequência necessária. O político morre a título
de dolo direto e os filhos a título de dolo necessário.

• Dolo eventual – está também relacionado com uma


consequência secundária. O agente conforma-se
com a realização secundária típica, e quem se
conforma também quer. A conformação
(acomodação) torna-o diferente da negligência

31
consciente. Ex: numa feira há uma barraca de tiro e
uma empregada de outra barraca leva uma bola de
cristal; dois amigos apostam que conseguem acertar
na bola; o A dá o tiro e acerta na mão. Ele sabe que
pode acertar na mão mas ainda assim arrisca (adere
ao resultado, e isto é diferente de intenção, porque
ele não tem intenção de acertar na mão). Ex: se o
atirador fosse campeão mundial de tiro e confia que
nunca irá acertar na mão, ele não adere ao
resultado e não o aceita (não se conforma), pelo que
seria negligência (isto é uma questão de prova).

• Dolo alternativo – não é forma de dolo, mas


representa uma manifestação externa de dolo. Ex: o
A encontra o B no chão e não sabe se está morto ou
não; quer tirar-lhe a carteira, mas não sabe que
crime irá realizar, se furto (se B estiver vivo), se
apropriação ilícita de coisa achada (se B estiver
morto – os mortos não detêm coisas). Estes casos
são resolvidos pela punição pelo crime que
efetivamente realizou (não há problema para o
princípio da culpa, porque o agente pondera o facto
de estar morto ou vivo).

• Negligência – art. 15.º - só é punida quando prevista. Há a violação


de um dever de cuidado.

Consciente: artigo 15.º a) (ex. o António coloca um vaso no


beiral da janela, sem o prender, e pensa que se o mesmo
cair e atingir alguém pode provocar-lhe a morte, todavia
pensa que o vaso nunca irá cair. No entanto o vaso cai e
provoca a morte de Bento).

Inconsciente: artigo 15.º b) (ex. António e Bento estavam a


descarregar vigas de uma carrinha. Entretanto António liga a
chave na ignição e não se apercebe que a carrinha tem a
mudança engatada, momento em que a mesma dá um
solavanco e embate em Bento provocando-lhe o resultado
morte).

C) Afastamento da tipicidade
• Ações socialmente adequadas – são comportamentos socialmente
adequados que não significam um comportamento ofensivo de bens
jurídico-penais. Ex: poder de correção dos pais (bofetada), que tem
limites; a palmada tem de ter fim corretivo, tem de ser proporcional e
adequada. Estes comportamentos estão sujeitos à evolução da
sociedade. Ex: soco no boxe, lesões desportivas, etc.
• Consentimento – em alguns casos afasta a ilicitude.

32
3 - Ilícito

Ilicitude é a contrariedade à lei, não obstante existirem causas de exclusão da ilicitude ou


causas de exclusão do facto (a conduta é então conforme a lei). O que é diferente de
existirem condutas que são ilícitas mas que não são puníveis por serem não culposas. É
também diferente da tipicidade porque pode a conduta estar tipificada na lei, e esta indicar
que naquela situação em concreto não se afeta o direito.

Ex: A mata outra pessoa porque é a única forma de se evitar que C seja morto, isto é
legítima defesa. A relação entre tipicidade e ilicitude é uma regra-exceção (por regra as
condutas típicas são ilícitas, mas há exceções).

• Legítima defesa – art. 32.º.

• Agressão tem de ser atual (em curso ou eminente, naquele


momento em que já não se pode esperar mais).

• Tem de ser agressão ilícita (ex: A tem cão agressivo, soltou-se


da corrente e B é atacado, ao ser atacado B reage e com um
pau desfere um golpe no cão provocando-lhe a morte; o cão não
pratica ato ilícito, por isso o B atua em direito de necessidade e
não em Legítima Defesa).

• Meio necessário – estrita economia de meios. Permite-se matar


outro se isso for estritamente necessário, para a defesa ampla
de quaisquer bens jurídicos. Mas há limitação, porque é
“necessário”, significa que nada mais há a fazer (ex: não há
polícia no local) e apenas com o estritamente necessário para
afastar a agressão. Ex: não se pode matar se isso for
desnecessário para afastar a agressão.

• Excesso de meios (art.º 33.º n.º 1) – se não se respeitar os


limites da Legítima Defesa, deixa-se de estar em Legítima
Defesa e o ato passa a ser ilícito. E o outro pode defender-se
contra o excesso de Legítima Defesa. Mas este excesso pode
levar à diminuição da pena (art.º 33.º n.º 1) ou exclusão da culpa
(não da ilicitude) (art. 33.º n.º 2 - Ex. A andava a dizer há vários
dias a B: «um dia destes mato-te». B que tinha autorização de
uso e porte de arma de defesa começou a andar com a sua
pistola no bolso. Certo dia, quando B saía de um bar pelas
01h00, onde havia discutido com A, este surge-lhe de rompante
numa esquina com um pau na mão. B acometido pelo susto
retira a pistola apontando ao peito de A e desfere um disparo
que lhe provoca a morte)

• Direito de necessidade (justificante) (art. 34.º) – é diferente do art.º 35


onde se exclui a culpa. Os meios de defesa são mais restritos que na
Legítima Defesa

• Perigo actual - Há situação de perigo, mas que não resulta de


uma agressão (atividade de uma pessoa que seria Legítima
Defesa), mas de uma força natural.

33
• Ameaça de interesses (não de bens) juridicamente relevantes.

• O requisito do 34 alínea a) – A situação de perigo não pode ter


sido criada, intencionalmente, pelo agente (quem se pretenda
socorrer do direito de necessidade) salvo se para proteger
interesse de terceiro. Ex. A ateia fogo à casa de B, mas quando
o incêndio se está a alastrar arrepende-se e invade a casa de C
para telefonar para os bombeiros.

• Há requisito expresso de sensível superioridade de bens


jurídicos (art. 34.º alínea b). Ex: há um incêndio num prédio e os
bombeiros não chegam, o A quer entrar na casa de B seu
vizinho para ir buscar uma mangueira e para isso sacrificou uma
janela da casa do B - violação do domicílio, etc; os bens em
causa são a defesa do prédio. Respeita-se o art. 34.º alínea b)
porque há superioridade do bem a defender.

• Art. 34.º alínea c) – ex: a senhora A vai assistir à opera no S.


Carlos, vai de vestido mas começa a chover, ela vê um senhor
com guarda-chuva com umas simples calças e t.shirt. A A tira-
lhe o chapéu-de-chuva porque o seu vestido é mais caro. A A
não pode impor ao B um sacrifício desta natureza, mesmo que
haja grande desproporção de bens.

• Estado de necessidade defensivo – É uma criação da doutrina.


Acontece quando há proporcionalidade de bens. Ex. O A tem um cão
que adora matar gatos, e quer matar o gato do B; o B mata o cão para
evitar que este mate o seu gato. Não é legitima defesa (o cão não é uma
pessoa poder praticar uma agressão) nem direito de necessidade (não
há superioridade de um dos bens). É próximo da ação direta. Ex: A tem
cão e B constrói cerca para proteger galinhas; o cão foge em direção à
cerca e B mata-o com um tiro.

• Consentimento do lesado (art. 31.º alínea d) e arts. 38.º e 39.º)

• Consentimento (real ou efetivo) (artigo 38.º CP); Consentimento


presumido (artigo 39.º CP)

• Consentimento real ou efetivo: exclui a ilicitude do facto; tem de


se referir a interesses livremente disponíveis patrimoniais ou
pessoais desde que, quanto a estes, não resulte numa
irreversível lesão do bem jurídico; o facto não pode ofender os
bons costumes; o consentimento tem de ser expresso (não
deduzido ou presumido) e tem de ser através de uma vontade
séria, livre e esclarecida do titular do interesse juridicamente
protegido; pode ser livremente revogado até à execução do ato;
o consentimento tem de ser prestado por maior de 16 anos de
idade e possuir discernimento necessário para avaliar o seu
sentido e alcance em que o presta. Nota: se o agente não
conhecer que há consentimento é punido com a pena aplicável à
tentativa.

• Consentimento presumido: requer os mesmos pressupostos do


consentimento (real ou efetivo), com exceção do consentimento

34
prestado. Ex. A, estando atrasado para ir buscar a sua
namorada ao comboio, utiliza o carro do pai dela para a ir buscar
à estação.

• Conflito de deveres (art. 36.º) – o agente pode escolher qual o dever


que escolhe proteger, sem que tenha de seguir qualquer critério. Ex:
escolher entre salvar o A ou o B de morrerem afogados. Duas vidas
valem exatamente o mesmo, independentemente da idade ou da
condição física. Outro Ex. Conflito de deveres entre o cumprimento do
dever de garante e o cumprimento do dever geral de auxílio. A vê duas
pessoas a afogarem-se, sendo uma delas o seu filho e a outra um
cidadão desconhecido. A salva o seu filho o que o impede de salvar o
comum cidadão que morre afogado.

• Faltam elementos subjetivos da causa de justificação – Pode haver


discrepância entre o facto como ele é apresentado e o facto como o
indivíduo o apreende.

• Ex: A vai disparar sobre B, mas antes o C dispara sobre A.


Objetivamente o C actuou em legítima defesa de terceiro mas
subjetivamente o C não gosta do A e disparou sobre ele sem
saber que iria também salvar o B. Pune-se o C pela
subjetividade ou não se pune o C? Há que perguntar! Se os
factos corresponderem à visão do agente aquela ação seria
ilícita??

• Ex: A avista B (seu inimigo) e dá-lhe um murro, mas não sabia o


A que B trazia uma faca no bolso para o esfaquear. B como leva
o murro já não o consegue esfaquear. Há situação objetiva de
Legítima Defesa (agressão atual e ilícita do B e há defesa
adequada por parte de A) mas falta o elemento subjetivo
porque o A não tem conhecimento da situação justificante (o
dolo de A não é formado com base no conhecimento dessa
situação).

• Ex: A quer entrar na casa de B para bisbilhotice, sai e não fecha


a porta, sem que soubesse o B estava em casa e estava em
perigo porque havia gás, mas a porta aberta salvou-o. Há
situação objetiva de Direito de Necessidade (existem todos os
elementos objetivos) mas o A não tem conhecimento da
situação justificante. Esta situação não pode ser tratada como
erro porque o dolo subsiste (dolo de violar o domicílio de B).

• Solução: Há necessidade do conhecimento pelo agente da


situação justificante. O desconhecimento da situação justificante
não é tratado como erro, é punido nos termos das regras da
tentativa, (38 n.º 4 – aplicável por analogia aos artigos 32.º e
34.º), se a mesma para aquele tipo de crime for púnivel. É
punivel pela tentativa e não pelo facto consumado, uma vez que
há situação objetiva de Legítima Defesa - na exclusão da
ilicitude, o desvalor de resultado (do bem jurídico violado) está
compensado pelo valor de resultado (do bem jurídico

35
salvaguardado); se falta o elemento subjetivo, o desvalor da
ação não está compensado com o valor da ação (este não
existe), mas o desvalor de resultado está compensado com o
valor de resultado; a estrutura da tentativa é semelhante porque
há desvalor da ação mas não há desvalor de resultado.

• Faltam elementos objetivos das causas de justificação

• Ex: imagine-se que o B ia apenas pedir isqueiro e vai a tirar um


cigarro do bolso, quando o A lhe dá o soco por pensar que o B o
ia agredir com uma faca. É situação diferente da anterior porque
faltam elementos objetivos de Legitima Defesa.

• Ex: o A vai na rua, ouve a gritar, arromba a porta da casa, mas


vê um surdo a ver TV muito alto. Aqui falta o perigo e por isso
não há elementos objetivos de Direito de Necessidade.

• Solução: há erro sobre elementos objetivos da causa de


justificação do facto. Ver art. 16.º n.º 2, onde não se exclui a
ilicitude mas afasta-se a imputação do dolo. O agente pode ser
punido a título de negligência se existirem os pressupostos.

4 - Culposo

A apreciação da culpa é o momento da individualização do comportamento; a pessoa deve


responder pelo envolvimento pessoal na prática do facto, na medida da apropriação pessoal
do desvalor do facto. Ver art 29.º e 40.º.

• Imputabilidade – o sujeito tem de possuir certa capacidade de avaliar o


significado dos factos próprios e alheios, de apreciação crítica dos
factos, de poder administrar o seu destino, de ponderar e fazer escolhas
com sentido. Art. 20.º – anomalia psíquica é termo intencional.

• O agente não tem capacidade para avaliar a ilicitude em


muitos casos. Ex: A pensa que B é extraterrestre e quer matá-lo;
Ex: numa paranoia A tenta matar C. São casos de erro sobre a
situação.

• Noutros casos, o agente compreende a ilicitude, mas não


conseguem evitar os seus atos. Ex: cleptomaníacos, pirómanos,
etc.

• A anomalia só tem de estar presente no momento do facto,


não tem de o afetar permanentemente. A estes aplica-se uma
medida de segurança, porque não há culpa, mas há
perigosidade do agente. A medida de segurança é aferida no
momento em que é aplicada (não no momento do facto) (ver
art. 96.º – ver se a perigosidade subsiste periodicamente). Há
regime de execução (art.º 91 e seguintes), e pode ficar toda a
vida preso (art. 92.º n.º 3).

36
• Art.º 20 n.º 4 – o agente colocou-se na situação como parte
do plano criminoso. Ex: o A sabe que se beber uns copos, vai
matar a sogra. Há dolo do agente, porque quando o agente
prepara a situação não está inimputável – art.º 131.º. Ex: Mas se
por azar aparecer lá o C que ele não contava e matou-o, aplica-
se o art. 295.º. Ex: o A sai à noite, bebeu uns copos e partiu
carros, aí aplicar também o art. 295.º.

• Consciência da ilicitude (representação normativa) – art. 17.º. O


agente não pode ter avaliado o resultado desvalioso da sua ação para o
direito.

• O Agente pensa que que o ato não é contrário ao direito. Mas


essa valoração errada só afasta o juízo de culpa se não tiver na
base motivos imputáveis ao agente.

• Ex: uma família imigra de África para Portugal, onde vive de


modo tradicional em comunidade afastada dos meios de
comunicação social; a filha teve uma filha e a matriarca quer
excisar a criança; ela sabe que a criança irá ficar sem um
importante órgão, mas não considera haver alí um desvalor da
ação, porque não conhece as regras do direito português. Por
isso é difícil censurar esta pessoa (erro não é censurável),
porque não considera existir mal naquela ação. Diz-se que a
pessoa está em erro sobre a ilicitude, isto é, não tem
consciência da ilicitude (art. 17.º n.º 1 - afasta-se a culpa).

• Ex: mas se a família viver em Portugal há 14 anos? Aí já terá


um certo grau de integração na sociedade portuguesa por isso é
mais difícil que não tenham compreendido as representações
valorativas do ordenamento jurídico português. O grau de
integração já lhe permite representar essa consciência da
ilicitude. Neste caso responde a título de dolo (erro é censurável)
mas pode haver atenuação da pena (art.º 17 n.º 2 – é a própria
falta de consciência da ilicitude que é culposa).

• Se na dúvida da ilicitude o agente arrisca, então conforma-se


com o desvalor da ação.

• Se a dúvida é solúvel (podia ter sido por ex:


consultando um advogado) o erro é censurável.

• Se a dúvida é insolúvel (fez tudo mas a dúvida


subsiste) o erro é não censurável.

• Distinguir do art.º 16 n.º 1 2ª parte – no art. 16.º está em causa


um comportamento que as pessoas no seu geral não associam
um sentido de proibição (facto sociologicamente neutro) –
exemplo da falta de consciencia da ilicitude do agente que
adquire uma arma de alarme, aquisição essa que até ao dia
anterior à aquisição não era ilícita. Outro exemplo: exportação
ou importação de bens sem licença específica, a importação em
si não é ilícita, há é uma proibição formal que obriga a que haja
uma licença; o conhecimento desta proibição é fundamental

37
para que haja dolo do tipo e por isso, nestes casos há erro do
art.º 16.

No art.º 17 está em causa um comportamento que em si mesmo traz


associado um certo desvalor social (ex. mutilação sexual feminina).

Ex: No exemplo da licença se o agente conhece a proibição mas


acha que é inconstitucional e não uma infração criminal, ele tem
dolo, mas não acede à ilicitude do facto, porque tem uma
representação errada do que é inconstitucional; neste caso será erro
do art.º 17 n.º 2 uma vez que este erro é censurável porque devia
ter ultrapassado o mesmo através de reflexão ou consultado um
advogado; por isso acede à ilicitude e à culpa) – como o será no
caso da mutilação genital feminina relativamente à matriarca que
pratica o ato vivendo em Portugal há mais de 14 anos.

• Atuação em circunstâncias de normal motivação do direito – a


imputação da responsabilidade penal depende sempre de o agente ter
praticado o facto com liberdade de fazer escolhas e liberdade de ação.
Mas em alguns casos o agente atua num quadro de circunstâncias que
não lhe permitem orientar-se e agir de outra maneira.

• Estado de necessidade desculpante (art. 35.º)

• Requisitos: prática de um facto ilícito adequado a afastar


um perigo atual (e não agressão) e não removível de
outro modo; Tal perigo tem de ameaçar a vida, a
integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou
de terceiro; tem de ser razoável não lhe exigir
comportamento diferente.

• O agente não tem alternativas e possibilidades de


escolha (não há liberdade de ação, de decidir e agir).
Há também um conflito de bens. Ex: dois homens
naufragaram e vão afogar-se, mas existe uma boia de
salvamento que apenas dá para um deles; o A mata o B
numa tentativa de se salvar – Estado de Necessidade
Desculpante. O B pode agir em Legitima Defesa, porque
a agressão de A apesar de ser não culposa, é uma
agressão típica e ilícita.

• Pressupostos: a) Para haver Estado de Necessidade


Desculpante não se podem verificar os pressupostos do
Direito de Necessidade, principalmente o art. 34.º alínea
b), isto é, não haver superioridade do interesse a
salvaguardar (a vida de B não é superior à de A). b) falta
de possibilidades de escolha; c) inexigibilidade de um
comportamento conforme o direito.

• O art. 35.º n.º 2 não tem natureza pessoalíssima (são


interesses não pessoalíssimos). Ex: o A é trabalhador
numa empresa de fretagem de coches e recusou-se a
sair com o cavalo por este ser feroz; o patrão impôs-lhe
que saísse com o cavalo ou seria despedido; sob

38
protesto o A lá foi trabalhar mas este atropelou uma
pessoa; o tribunal considerou estar em causa a
segurança das pessoas vs o salário do A e por isso não
lhe era exigível que aceitasse o despedimento.

• Falta de elementos objetivos de Estado de


Necessidade Desculpante – art. 16 n.º 2. Ex: no caso
dos náufragos, imagine-se que a boia dá para 3 pessoas
mas o A acha que só dá para um; há erro de
representação acerca de um elemento objetivo do
Estado de Necesidade Desculpante, que é o perigo (o A
pensa que está em perigo mas não está). Resolução:
Art. 16.º n.º 2 parte final, equipara estes casos ao erro
sobre o elemento objetivo pelo que se afasta o dolo.

• Excesso de legítima defesa desculpante (art.º 33 n.º 2)

• Para haver excesso de Legitima Defesa, têm de estar


todos os pressupostos de Legitima Defesa verificados,
exceto a necessidade ou adequação do meio empregue
(excesso de meios) – art. 33.º n.º 1 (ex: A usou Legitima
Defesa para se defender da agressão de B, mas depois
de B já estar prostrado no chão o A continua a bater-lhe
– isto não é Legitima Defesa porque já não tem em vista
repelir a agressão atual e ilícita).

• Mas por vezes este excesso é desculpável, por via de


uma pressão psíquica provocada por estados psíquicos
(asténicos – perturbação, medo, susto) (e não
esténicos – ódio, raiva; estes são estados agressivos).
Este excesso não pode ser censurável, isto é, não pode
ser exigido ao agente que consiga controlar o estado
emotivo no momento. Isto depende do tipo social do
agente, ex: um tropa de elite muito treinado aprende a
controlar o medo.

5 - Punível

Constitui um elemento de ligação entre a dogmática do facto e a política criminal.

O facto típico, ilícito e culposo é, em regra, facto digno de penal (punível), mas pode
suceder excecionalmente que não o seja quando não se verificarem os pressupostos
de punibilidade.

Exemplos de não punibilidade: As condições objetivas de punibilidade (ex. o crime de


participação em rixa do artigo 151.º CP; o crime de incitamento ao suicídio do artigo 135.º
CP) As condições pessoais (subjetivas) de não punibilidade (ex. o crime de
favorecimento pessoal, do artigo 367.º CP, quando, por exemplo, praticado por cônjuge.

A prescrição do procedimento que faz com que o facto, típico, ilícito e culposo, possa não
ser punível (art. 118.º) – verdadeiramente os crimes não prescrevem, o que prescreve é a

39
possibilidade de instauração ou continuação de um processo penal (ou noutros casos, da
sanção aplicada – art. 122.º, mas aqui já houve decisão com trânsito em julgado).

A prescrição justifica-se porque a intervenção penal vai-se tornando desnecessária (princípio


da subsidiariedade do DP, tem de ser necessário e adequado aos fins), impossível (agente é
contumaz) ou inconveniente com o passar do tempo.

A prescrição vale para todos os crimes independentemente da sua gravidade, à exceção do


genocídio (homicídio deliberado de grupos de pessoas motivado por diferenças étnicas,
religiosas), de crime de guerra (art. 49.º CJM) e crimes contra a humanidade. Ver art. 7.º da
Lei 31/2004, de 22 de julho (adapta a legislação penal portuguesa ao estatuto do Tribunal
Penal Internacional – tipifica as condutas que constituem crimes de violação do direito
internacional humanitário).

2.7 As formas do crime


2.7.1 Os Agentes do Crime

Utilização de
Singular instrumento não
doloso

Utilização de
Autoria Co-autoria instrumento não
culposo

Domínio de aparelhos
Autoria mediata
organizados de poder
Comparticipantes

Coação moral (só é


Instigação relevante se levar ao
35.º)
Participantes

Cumplice Coação física

Comparticipantes – os factos típicos e ilícitos podem ser praticados por uma


pluralidade de agentes. Os tipos da parte especial estão desenhados para a figura
do autor que é aquele que praticou o facto concreto; mas há outros agentes que não
os autores que não realizam o facto típico mas que contribuem para ele (os
participantes).

• Ex: quadrilha que assalta o supermercado (furto), há aquele que


desliga o alarme, outro que arromba a porta, outro que vigia, etc. O
furto (facto típico) é praticado por vários agentes em
comparticipação.

• Para distinguir entre autores e participantes, deve-se utilizar o


critério do domínio do facto. O autor tem o controlo do “se”,

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“quando” e “como” da execução do facto típico. O participante não
tem essa posição proeminente nem o domínio da execução do facto.
É o domínio positivo, mas também o negativo (a possibilidade do
agente para fazer fracassar o facto).

• Nos crimes omissos impróprios (posição de garante) e nos crimes


específicos (ex: cometido por funcionário público), este critério do
domínio do facto não é suficiente, porque não basta ter o domínio
do facto, é tb necessário ter essa qualidade de agente.

Autoria (ver art. 26.º)

• Singular

• Co-autoria – há domínio repartido da execução do facto.

• Ex: no assalto ao supermercado, há 3 co-autores: o que


arromba a porta, o que desliga o alarme e o que vai à caixa.
Repartem o furto que não começa apenas com a
subtração, pois pelos critérios do art. 22.º alínea c), o início
da execução começa nos atos que imediatamente
antecedem de acordo com o plano traçado.

• Ex: e em relação ao chefe da quadrilha que está em casa??


Ele não tem nenhum papel na execução e por isso não é co-
autor (poderá eventualmente ser instigador). Ex: mas se o
chefe da quadrilha está em contacto telefónico e dá
instruções concretas (ex: como abrir o cofre ou desligar o
alarme), aí já será co-autor.

• Onde diz no art. 26.º “por acordo ou juntamente com


outro ou outros”, o acordo não tem de ser anterior, pode
ser no momento pois para o acordo basta a concentração na
execução.

• O excesso de execução do plano só vincula o co-autor


que o pratica. Ex: não fazia parte do plano a morte do
segurança, mas o agente vê o A e abate-o; este homicídio é
imputável apenas ao agente porque os outros co-autores
não têm dolo naquela morte (o agente é autor singular do
homicídio). Ex: mas se aquela morte fizesse parte do plano,
então vinculava todos os co-autores e não havia excesso de
execução.

• Autoria mediata – na co-autoria todos os indivíduos atuam na linha


da frente; na autoria mediata há o homem da frente e o homem de
trás. O domínio do facto reveste a forma do domínio da vontade
para a realização do facto. O homem de trás manipula o da frente
e instrumentaliza-o.

• Utilização de instrumento não doloso

• Ex: o A sabe que debaixo do feno está B (seu


inimigo) e diz a C para ele espetar a forquilha; o C
não sabe que o B lá está; o C serviu como

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instrumento não doloso da vontade de A (o erro é
sobre o sentido da ação, erro sobre o facto típico).

• Ex: A diz ao B para ir a casa porque a mulher está


com outro, o B vai e mata a mulher; aqui o B pensa
que a mulher o está a trair, mas está em erro; não é
autoria mediata de A, porque o B tem dolo de
matar. É erro sobre o motivo da ação, e o B é que
seria punido porque o A não dominou a sua
vontade.

• Utilização de instrumento não culposo

• Ex: A diz ao B (maluco) que lhe dá um doce se tirar


o telemóvel do carro, partindo o vidro. Há utilização
de um inimputável.

• Pode também existir nos casos de aproveitamento


de Estado de Necessidade Desculpante. Ex: no
alpinismo ocorre um problema e os dois últimos
homens ficam suspensos, o 1º diz ao 2.º para cortar
a corda ou o 1º irá cortar (porque o 1º não gosta do
3º); se o 2.º cortar a corda, o 1º é homicida culposo,
por autoria mediata.

• Domínio de aparelhos organizados de poder (Roxin) –


casos de poder totalitário (máfia, SS alemãs, etc), em que o
homem da frente é um peão do poder de mando (que é
culpado dos crimes, não como instigador mas como autor
mediato).

• Coação moral – só é relevante se levar ao art. 35.º

• Coação física

Participantes - são outros agentes que não realizam o facto típico, mas que
contribuem para ele. Não estão no “quem” dos articulados, são uma
extensão da tipicidade.

• Não fazem o que está descrito no tipo, mas contribuem para


quem faça (não contribuem para a culpa do autor;
contribuem para a realização do facto típico e ilícito –
acessoriedade limitada); a culpa é individual, o que é
partilhado é o facto (art. 29.º a contrario). Têm uma
intromissão mais frágil no bem jurídico. Não têm o domínio
do facto.

• Se o participante contribui para realizar um facto típico


justificado (Legitima Defesa ou Direito de Necessidade) nem
o participante nem o autor são punidos. Ex: A dá pau a B
para repelir a agressão de C (há Legitima Defesa). Ex: outra
coisa é se A dá pau a B (inimputável) para agredir C; não há
Legitima Defesa, pelo que B não é punível e A é punido

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como cúmplice de ofensa corporal (considerando que B já
tinha a vontade de bater em C, caso contrário A seria autor
mediato). Reparem que o facto é típico e ilícito, mas a
culpa é individual (o inimputável não tem culpa, mas o A
tem).

• A participação vai até à consumação, porque não há


participação post factum. Mas há crimes punidos post
factum, mas são autónomos. Ex: receptação (231), auxílio
material (232).

• Se o facto típico for duradouro, só se consuma quando


cessa a conduta ilícita. Ex: furto de uso de veículo, em que
há um amigo que se junta para irem passar o fim de semana
(cúmplice). Ex: diferente é o caso em que o amigo divide as
despesas da viagem, porque aqui já há co-autoria, pois a
execução da subtração do veículo é realizada pelos dois e o
crime é duradouro.

• A tentativa de ser cúmplice ou instigador não é punida.

• Instigação – a moldura penal é a mesma que para o autor.

• O instigador não tem o domínio do facto, mas é aquele que


cria no autor a vontade de praticar o facto. É o autor
quem decide o “se”, “quando” e o “como” (é diferente da
autoria mediata).

• A sua conduta é acessória, por isso só é punível se o autor,


sob a influência da instigação, tiver praticado um acto de
execução. Ex: se pagar a alguém para matar, e se esse não
o chegar a fazer, o mandante não é punido porque não
houve nenhum ato de execução.

• O instigador tem duplo dolo – tem de querer criar a vontade


de praticar o facto no autor e tem de querer o facto do autor.
O duplo dolo é importante para limitar o excesso de
mandado. Ex: A paga a B para dar uma sova em C, mas
em vez disso, o B mata-o; este homicídio de C está para
além do dolo de A e por isso não é responsável por esse
facto como instigador (o instigador é aquele que cria a
vontade e determina-a).

• Cúmplice – não é punido como autor, mas com pena especialmente


atenuada.

• O cúmplice também não tem o domínio do facto, apenas


auxilia a prática do facto, por auxílio material ou moral. Ex.
se o autor já estiver decidido a praticar o facto, o cúmplice
pode dar-lhe conselhos (cúmplice moral).

• Tem duplo dolo – tem de querer auxiliar e tem de querer o


facto do autor. O duplo dolo também delimita a
responsabilidade do cúmplice.

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• É sempre dolosa.

• Ex: na quadrilha de assalto ao supermercado, como é


punido o sujeito que espera os outros no carro? Não é co-
autor nem cumplice, é um contributo post-factum, porque
o furto já se realizou (é crime instantâneo), pelo que é
punido por conduta de auxílio material (232) ou receptação
(231).

Aspetos comuns à comparticipação:

• Erro sobre o papel do participante – Ex: se A pensa que


está a auxiliar (cúmplice) o B mas na verdade está a tomar
parte na execução do facto típico (objetivamente é co-autor),
o princípio da culpa impõe que seja punido, não pelo que fez
objetivamente, mas de acordo com o seu dolo (pelo que
quer fazer), e punido como cúmplice. Ex: A pensa que está
a executar o facto com o B mas objetivamente está apenas
a prestar auxílio, o princípio da culpa impõe que seja punido
pelo seu contributo objetivo e não pelo que pensa que está a
fazer.

• Concurso de formas de participação – Ex: se no mesmo


facto o A presta auxílio (cúmplice) e tb toma parte na
execução do facto (co-autor), há concurso aparente e não
pode ser punido 2 vezes pelo mesmo facto, pelo que há
consumpção (ou subsidiariedade) e a forma mais grave
absorve a menos grave. Mas tem de ser o mesmo facto,
porque se forem distintos há concurso efetivo.

• Ilicitude na comparticipação – Ideia de acessoriedade


limitada (dá os limites da comparticipação e fundamenta-a).

• Existem casos em que a ilicitude do facto depende


de certa qualidade ou relação especial do agente:
crimes específicos (próprios e impróprios) e os
crimes omissivos impróprios. Se estas qualidades se
verificarem apenas num comparticipante, o que
acontece aos outros?

• Ex: juiz convence irmão gémeo a vestir o habito e a


presidir a um julgamento em que o arguido é seu
inimigo; o irmão não é juiz, é-o o homem de trás
(instigador); quem age de forma contrário ao direito
(autor) não é funcionário, e quem tem a qualidade
típica não atua, por isso parece que ninguém é
punido.

• Resposta: art. 28. Basta que a qualidade se


verifique apenas num dos comparticipantes e que
seja abrangida pelo dolo dos outros
comparticipantes. Quem tem a qualidade é o

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intraneus e os outros são os extraneus. Os
extraneus são punidos como se fossem intraneus
pelo princípio da legalidade. Ex: o juiz é punido
como instigador e o irmão como autor do crime
(porque a qualidade de juiz é conhecida pelo irmão
e por isso está abrangida pelo seu dolo).

• E se for ao contrário? Ex: é o irmão que convence


o juíz a decidir de forma contrária ao direito para
prejudicar o arguido. Neste caso o extraneus é o
instigador e o juiz é o autor. O irmão é participante
num crime específico próprio.

2.7.2 O Facto tentado


Inter criminis – o caminho do crime - nem todos os factos típicos têm esta configuração.

1. Decisão criminosa (dolo) – Não há punição de intenções (Direito Penal do Facto).

2. Depois há atos preparatórios


• Em regra permanecem fora do DP (art. 21.º), por três razões:
a) razões formais, porque ainda não são abrangidos pelas expressões dos
tipos (ex: comprar arma não significa matar. ex. A comprou uma caçadeira
para dar um tiro no vizinho, mas nunca fez nada com ela, tendo-a guardado
no armário); Mas há exceções a esta regra, na punição de atos preparatórios
enquanto tal (ex: 271.º e 275.º) ou como crime autónomo (ex: pertença a
associação criminosa – 299.º; uso de documento de identificação ou de
viagem alheio- art. 261.º)
b) razões materiais, porque o dolo de comprar uma arma para matar não é
forma de intervenção na esfera jurídica de outrem, não é intromissão no bem
jurídico vida;
c) razões de política criminal, porque o ato de comprar arma está longe do ato
de matar e o agente tem ainda tempo de abandonar o projeto de matar.

3. Início da execução
• O início da execução é o limiar da intervenção do DP, porque aqui o facto já
revela caraterísticas de ofensividade dos bens jurídicos.
• A tentativa é sempre dolosa.
• Mas o que são atos de execução do crime? Não é fácil de explicar. Há três
critérios no art. 22.º:
o Critério formal objetivo – art. 22.º alínea a), aplica-se a crimes
complexos, em que os atos de execução são abrangidos pelos atos
típicos numa realização parcial do tipo de crime. Ex: na violação, o
emprego da violência é realização parcial do tipo de crime; mesmo que
não haja cópula há na mesma uma realização parcial do crime. Mas nos
crimes de forma livre este critério não serve. Ex: no homicídio, apontar a
arma já é execução parcial? A resposta é dada pelos outros dois
critérios.

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o Critério material objetivo – artigo 22.º alínea b), quando o acto é idóneo
a produzir o resultado típico. Ex: se A dispara e falha, é ato de execução
do crime. Este critério relaciona a colocação em perigo com a execução
do ato, por isso deixa de fora o caso em que apenas se aponta a arma à
vítima, ou aquele em que apenas se está a meter a chave na porta
alheia.
o Critério material objetivo – artigo 22.º alínea c) - o ato de apontar a
arma à cabeça pode não significar a colocação em perigo do bem
jurídico vida. Mas se o A está a ensaiar o homicídio que vai fazer dois
dias depois (sabe-se isso recorrendo ao plano do agente), por aplicação
deste critério, é ato de execução o ato que antecede imediatamente o
elemento do tipo, segundo o plano do agente.
o Só há facto tentado após o início da execução, quando há domínio
dos atos de execução do facto.

• Ver art. 23.º - o meio não é idóneo se por ex: a arma for de papel. Ex: a mulher
de B pede a uma cigana que faça uma reza para que o marido morra de enfarte
(manifesta inaptidão do meio empregado). O meio é inapto quando seja claro,
ostensivo, público ou evidente, não para o agente, mas para a generalidade das
pessoas, que não pode conduzir à consumação do crime.

• Ex. A mulher de B pensando que o seu marido está a tomar banho porque ouve
a água do chuveiro a correr, sendo que o seu marido nem sequer estava em
casa, lança para lá um secador para o eletrocutar (manifesta inexistência do
objeto essencial à consumação do crime).

• Tentativa impossível (ainda artigo 23.º CP) e crime putativo


✓ Pratica uma tentativa impossível o agente que pensa estar a cometer um
crime por perceção errada quanto a dado facto (ex. A pensando que B é
menor de idade, quando na verdade já é adulto, prática atos sexuais com
este). Não é punível;
✓ A tentativa impossível é punível quando a inexistência do objeto ou do meio
empregado não for manifesta (n.º 3).
▪ Ex. A pensando que B está deitado a dormir, sendo que na verdade
tinha morrido de enfarte, apunhala-o no coração por duas vezes, a
fim de lhe pretender provocar a morte.

✓ Pratica o crime putativo o agente que domina todos os elementos do facto,


mas pensa erradamente que a sua prática é crime (tem uma errada noção
do que é crime). O crime putativo não é punível.

▪ Ex. A pensando que o adultério é crime arranja uma amante.

4. Execução completa - art. 24.º e art. 25.º CP


O que é desistência voluntária?
Resulta de uma motivação autónoma ou autoimposta [fórmula: o agente não quer
alcançar a finalidade, mas conseguiria se quisesse].
Ex. A desiste de violar B no preciso momento em que ia consumar o ato porque teve
pena da vítima que lhe implorava para não o fazer.
Ex. C que se preparava para «assaltar» um banco desiste no momento em que
verifica que existe um sistema de alarme, que conseguiria desligar, mas que lhe
aumentaria o risco de ser descoberto.

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Desistência voluntária da tentativa (artigo 24.º CP)
✓ O agente desiste voluntariamente de prosseguir a execução do
crime e não é compelido a fazê-lo (n.º 1, primeiro segmento)
[também chamada de desistência de tentativa inacabada]. Ex. que o
A não prima o gatilho da arma que aponta à cabeça de B.
✓ O agente impede a consumação do crime (n.º 1, segundo segmento)
[também chamada de desistência de tentativa acabada]. Ex. A
depois de desferir um tiro em B, com intenção de matar, mas que
não morreu, chama a ambulância para o levar para o hospital e não
se esvair em sangue. Neste caso a desistência é relevante para o
preenchimento do tipo legal de homicídio, já não de ofensas à
integridade física.
✓ A desistência parcial: o agente do tipo já na fase de execução
desiste voluntariamente de consumar o tipo qualificado, mas
consuma o tipo fundamental. Ex. A leva uma arma consigo para
cometer um furto qualificado (artigo 204.º/2 f) CP, mas decide não a
usar e lança-a fora, cometendo apenas o furto sem a arma. Neste
caso, a desistência do tipo qualificado é relevante, consumando
apenas o tipo fundamental, isto é, o furto «simples» (artigo 203.º
CP)).

5. Consumação

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