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Parte Geral

JUR0228_v2.1

Ravi Peixoto e Tamyres Tavares de Lucena


Apresentação da disciplina

Nesta disciplina, serão objeto de estudos alguns temas da Teoria Geral do


Processo que são essenciais para o adequado manejo de outras técnicas do
Direito Processual Civil.
As duas primeiras aulas terão como tema central as normas fundamen-
tais processuais. Deve-se compreender que o CPC/2015 concedeu bastante
importância às normas fundamentais, inserindo-as em capítulo próprio,
ocupando os doze primeiros artigos da legislação. Tal qual ocorreu na Cons-
tituição Federal (1988), que primeiro elenca os Direitos Fundamentais, que
serão as diretrizes de interpretação do restante do texto normativo, essa
situação também ocorre no Direito Processual Civil.
Afigura-se imprescindível a correta compreensão das normas funda-
mentais para que se possa interpretar adequadamente o funcionamento do
Processo Civil. Na interpretação, por exemplo, das decisões judiciais, deve-se
ter por base o princípio da boa-fé (art. 489, §3º, CPC).
A primeira das aulas terá como objetivo o estudo de três normas funda-
mentais: i) o devido processo legal, que é uma cláusula geral da qual se
originam as demais normas fundamentais (art. 5º, inciso LIV, segunda
parte, CF); ii) o princípio do contraditório, que é elemento essencial para o
adequado funcionamento de um processo de caráter democrático (art. 5º,
inciso LV, CF e art. 9º, CPC) e iii) a boa-fé, essencial na interpretação da
conduta das partes, dos juízes e qualquer sujeito processual (art. 5º, CPC).
Na aula seguinte, seguindo ainda o tema das normas fundamentais: i)
princípio da adequação, que foi valorizado no CPC/2015 tanto do ponto
de vista do magistrado quanto do ponto de vista das partes, que possuem
maiores poderes para a adaptação do procedimento aos seus interesses
(art. 191, CPC); ii) o princípio do juiz natural, fortemente relacionado com o
tema da competência (art. 5º, inciso XXXVII, CF); iii) isonomia, o qual tem
diversos reflexos processuais, tanto na acepção formal, quanto na material
(art. 7º, CPC) e iv) eficiência, que é um princípio que ganhou maior impor-
tância a partir da sua previsão expressa o art. 8º do CPC.
A terceira aula terá por objetivo a análise do litisconsórcio e suas diversas
nuances. De forma bastante simplificada, o litisconsórcio ocorre quando há
mais de uma parte no mesmo polo da relação processual, no entanto, as
diversas espécies desse instituto processual, bem como seus reflexos proces-
suais exigem uma análise cuidadosa da legislação.
Por fim, a quarta aula aborda dois grandes temas relevantes das interven-
ções de terceiro, quais sejam, a assistência e o amicus curiae, sendo impor-
tante destacar que o CPC optou por ampliar significativamente o âmbito de
atuação dessa segunda figura processual.
Ravi Peixoto
Tamyres Tavares de Lucena

PARTE GERAL
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A.
2021
© 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A.

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________________________________________________________________________________________
Peixoto, Ravi
P379p Parte geral / Ravi Peixoto, Tamyres Tavares de Lucena
– São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021.
95 p.

ISBN 978-65-89881-18-6

1. Litisconsórcio. 2. Inadmissibilidade. 3. Contraditório.


I. Lucena, Tamyres Tavares de. II. Título.

CDD 347
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2021
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Sumário

TEMA 1

Normas fundamentais processuais I:


devido processo legal, contraditório e boa-fé 06

TEMA 2

Normas fundamentais processuais II:


adequação, isonomia, juiz natural e eficiência 41

TEMA 3

Litisconsórcio 71

TEMA 4

Assistência. Intervenção litisconsorcial voluntária.


Amicus Curiae 100
1 Normas fundamentais
processuais I: devido
processo legal, contraditório
e boa-fé
Objetivos
Apresentar ao aluno os principais elementos relacionados com três das mais relevantes normas fun-

damentais processuais: o devido processo legal, o contraditório e a boa-fé. Como se verá, o devido

processo legal possui diversas nuances, relacionadas com seus aspectos formais e substanciais, sua

aplicação na esfera privada, dentre outros. O contraditório tem recebido cada vez mais força, exigin-

do-se que haja efetivo diálogo entre os sujeitos processuais, e a boa-fé também possui cada vez mais

importância, conduzindo ainda mais a conduta dos sujeitos processuais.

1. Devido processo legal


1.1. Noções básicas
A doutrina, em geral, aponta como a origem do devido processo legal a Magna Carta de 1215,

imposta sobre o Rei John, conhecido como João Sem Terra pelos nobres ingleses.1 Essa Magna Carta

dispunha, em seu art. 39, que “nenhum homem livre será detido ou preso ou tirado de sua terra ou

posto fora da lei ou exilado, ou de qualquer modo destruído (arruinado), nem lhe imporemos nossa

autoridade pela força ou enviaremos contra ele nossos agentes, senão pelo julgamento legal de seus

pares ou pela lei da terra”.

Conrado II foi o iniciador do Império Franco, que durou desde a sua eleição em setembro de 1024

até a morte de Henrique V, em 1125. Ele exerceu seu poder na Alemanha da Alta Idade Média. De

forma a lidar com os conflitos internos e assegurar o domínio sobre os territórios conquistados, o Rei

optou pela feudalização do serviço militar, de forma a aumentar a força de seu exército. Dessa forma,

os vassalos recebiam os seus feudos em troca de sua atuação como soldados profissionais.

Entretanto, existiam alguns problemas em relação à forma de sucessão dos feudos, que não passa-

vam pela herança, mas eram devolvidos ao senhor feudal, impedindo a continuidade na posse daquele

1
NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 9. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 78. Nesse sentido, muito
embora reconheça a existência do Decreto Feudal de Conrado II, de 1037, cf.: BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido
processo legal nas relações privadas. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 159-160.

8
terreno. Com o objetivo de mitigar esses conflitos e de fortalecer a Administração, gerando também

maior estabilidade política, Conrado II declarou que todas as terras pertenciam à Coroa e seriam cedi-

das aos nobres, mediante certas condições, e que essas terras poderiam ser transmitidas de forma

hereditária.

Como forma de consolidar essa ideia, foi editado o Decreto de 1037, sendo o primeiro a reduzir

a texto escrito o Direito Feudal e as práticas relativas à transmissão de propriedade. Consoante esse

decreto, “nenhum homem seria privado de um feudo sob o domínio do Imperador ou de um senhor

feudal (mesne lord), senão pelas leis do Império (laws of the empire) e pelo julgamento de seus pares

(judgment of his peers)”, expressões que foram copiadas pela Magna Carta de 1215.

Esse decreto, então, teria lançado as bases para a posterior consagração do devido processo legal.

Algumas diferenças históricas em relação à Magna Carta marcaram o decreto de Conrado II, tais como:

a) o caráter pacífico do segundo, tendo sido estatuído pelo próprio governo; b) maior avanço no

campo da regulamentação e da proteção dos Direitos Fundamentais e c) caráter não só procedimen-

tal, mas também substancial do devido processo legal, o qual, por disposição legal, visava proteger

os Direitos possessórios dos vassalos diante da atuação arbitrária e individual dos senhores feudais.2

Assim, o devido processo legal seria anterior à Magna Carta, possuindo suas origens no Decreto

Feudal de Conrado II, que, de certa forma, foi além das disposições constantes na Inglaterra, ao ana-

lisar também pontos do devido processo legal substantivo.

Em relação à situação atual, no Direito Brasileiro, a Constituição da República (BRASIL, 1988) con-

sagra em seu artigo 5°, inciso LIV, (segunda parte) o devido processo legal. O Devido Processo Legal

objetiva o controle do exercício do poder pelo Estado, na ideia de que o Direito vincula até a mais alta

autoridade. A vinculação do governante à lei é a primeira semente do que vem se entender por Estado

de Direito, nascendo o devido processo legal como um instrumento de combate à tirania.

1.2. O devido processo legal formal e substancial


2
Esse histórico foi retirado da seguinte obra: PEREIRA, Ruitemberg Nunes. O princípio do devido processo legal substantivo.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 5-27.

9
Em geral, a doutrina observa o devido processo legal sob dois prismas distintos, analisando o seu

aspecto formal e o seu aspecto substancial. O aspecto formal teria relação com o Direito Processual,

à medida que ninguém poderia sofrer mitigação de sua esfera jurídica sem um procedimento ade-

quado, em que lhes seriam garantidos os Direitos Fundamentais processuais. Então, esse aspecto esta-

ria ligado com a tutela dos Direitos por meio de processo judicial ou administrativo. Por esse prisma,

não há preocupação com o resultado do procedimento, com os aspectos materiais da decisão,3 e sim

com a sua forma de execução, se houve contraditório, se a publicidade foi respeitada entre outros.

O aspecto substancial seria aplicável em todos os Direitos, não estando mais conexo com o proce-

dimento em si, mas com a própria decisão, com o mérito da causa. Seria, então, uma ideia de utiliza-

ção do princípio da razoabilidade. Consoante a doutrina, esse aspecto teria se originado com o exame

da questão dos limites do poder governamental, submetida à apreciação da Suprema Corte dos EUA

no final do século XVIII.4 O primeiro caso foi julgado em 1856 pela Corte dos EUA, quando foi usado

como base para a anulação de lei lesiva a Direitos Fundamentais. Ele seria um prius ao judicial review,

quando se analisaria se um determinado ato legislativo que interfira em Direitos Fundamentais seria

efetivamente razoável, mediante a análise de sobrepujante interesse público.5

De certa forma, o STF vem entendendo que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade

decorrem do devido processo legal substancial. Em manifestação do Ministro Carlos Velloso, afirmou-

-se que “[...] corre por conta dos Poderes Legislativo e Executivo a avaliação dos critérios de conveni-

ência e oportunidade do ato, sem dispensa, entretanto, do controle judicial, porque pode ocorrer, por

exemplo, desvio de poder de legislar ou afronta ao princípio da razoabilidade, assim com afronta ao

devido processo legal substancial (CF, art. 5°, LIV, segunda parte)”.6

O ponto de vista adotado pelo STF não é correto. É que tanto o princípio da proporcionalidade

como o princípio da razoabilidade não dependem do devido processo legal e tal conformação gera

3
SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 242.
4
NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal..., cit., p. 83.
5
SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal…, cit., p. 245.
6
STF, ADI 1231/DF, Relator Ministro Carlos Velloso, Pleno, DJ 28/04/06 – grifos nossos.

10
alguns problemas, que serão a seguir elencados.

A proporcionalidade teria como origem a própria positivação de um conjunto de princípios. É que,

uma vez positivado diversos princípios, eles podem vir a colidir no caso concreto, e isso implica que

haja uma proporcionalidade que permita a proteção dos princípios de forma proporcional, permitindo

a sua coexistência com os demais. O dever de proporcionalidade seria, então, decorrente dos princí-

pios de liberdade, não tendo necessidade de fundamentos escritos, mas da própria estrutura teleoló-

gica do Direito.7

Por sua vez, a razoabilidade também não seria originada do devido processo legal. Ele decorreria,

sim, do princípio da igualdade, que geraria a imposição da escolha de congruência entre os meios e

fins, que seria o dever de razoabilidade.8

Ou seja, o recurso ao devido processo legal como fundamento tanto da razoabilidade quanto da

proporcionalidade em termos de fundamentação normativa, quando já existem tanto os princípios de

liberdade e de igualdade seria desnecessário e redundante.

Assim, algumas inconsistências aparecem mediante a utilização do devido processo legal substan-

cial como base a estas regras: a) levaria ao entendimento de que teria por base esse princípio e não

os princípios de liberdade e igualdade em conjunto com finalidade estatais; b) ambos esses deveres

são aplicados fora do Direito processual, razão pela qual perde o sentido o uso da expressão “devido

processo legal substancial” e c) esses deveres também se aplicam ao devido processo legal procedi-

mental, o que daria a entender não ser possível mediante a sua justificação por um devido processo

legal substancial. É que, para que se possa analisar a devida proteção dos Direitos Fundamentais pro-

cessuais, impõe-se a análise da proporcionalidade e da razoabilidade do procedimento utilizado.9

1.3. O devido processo legal e a relação entre os


particulares
7
ÁVILA, Humberto. O que é “devido processo legal”? In DIDIER JR., Fredie (Org.). Teoria do processo: panorama doutrinário
mundial. Salvador: Juspodivm, 2010, v. 2, p. 355.
8
ÁVILA, Humberto. O que é “devido processo legal”?…, cit., p. 355-356.
9
ÁVILA, Humberto. O que é “devido processo legal”?..., cit., p. 359-360.

11
O devido processo legal é previsto no Brasil como um Direito Fundamental. Quanto à sua eficácia,

ele tem tanto uma visão horizontal como uma visão vertical, em que a horizontalidade refere-se à

obrigatoriedade de sua prestação também pelos particulares em relação a uns e outros. A verticalidade

seria na relação de tutela do particular em relação ao Estado.

Sobre a eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, existem diversas teorias. A primeira delas é

a state action, que nega a eficácia dos Direitos Fundamentais às relações privadas, por entender que o

único sujeito passivo desses Direitos seria o Estado. Ela ainda predomina nos EUA e no Canadá e uma

de suas principais fundamentações é a de que limitaria a autonomia privada.10 Outra teoria, a da efi-

cácia mediata ou indireta, quando só incidirá nas relações privadas mediante a atuação do legislador,

que os insere mediante a utilização de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados. De qual-

quer forma, essa doutrina admite a atuação direta da Constituição quando o legislador seja omisso.11 É

a teoria que predomina na Alemanha. Há ainda a teoria da aplicação direta dos Direitos Fundamentais,

partindo da ideia de que eles teriam eficácia erga omnes, atingindo tanto as relações privadas como as

públicas. No Brasil, há tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido do reconhecimento da eficá-

cia direta dos Direitos Fundamentais nas relações privadas.12 Há ainda uma quarta vertente, que seria

a teoria dos deveres de proteção do Estado em relação aos Direitos Fundamentais. Por essa teoria, os

particulares não se vinculam diretamente aos Direitos Fundamentais, apenas mediante a atuação do

legislador. Cabe ao Estado proteger também os particulares de lesões e ameaças provenientes de ter-

ceiros, inclusive de particulares. De certa forma, torna-se muito próxima à teoria da eficácia mediata,

pois admite a inconstitucionalidade da omissão legislativa e o seu eventual suprimento pelo próprio

Poder Judiciário no caso concreto.13

Opta-se por uma aplicação direta dos Direitos Fundamentais às relações privadas, respeitando-se,

na medida do possível, a autonomia privada das partes. Dessa forma, quanto maior a igualdade mate-

rial em questão entre as partes negociantes e a disponibilidade do Direito, menor será a incidência

10  BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal nas relações privadas..., cit., p. 118-121.
11  Ibidem , p. 124.
12  CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 650.
13  BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal nas relações privadas…, cit., p. 131-136.

12
dos Direitos Fundamentais. Não se desconsidera a importância da atuação do legislador, que deve agir

mediante a inserção de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, facilitando a atuação dos

Direitos Fundamentais nas relações privadas, bem como pela inserção direta de tais Direitos, conso-

ante será exemplificado, mas também não se impede, mediante controle circunstancial de constitu-

cionalidade, a atuação jurisdicional de forma a garantir os Direitos Fundamentais pelo magistrado no

caso concreto.14

No Brasil há um caso interessante de aplicação do devido processo legal no que se refere às rela-

ções privadas, em especial no caso da expulsão de sócio. No caso, um sócio foi expulso sem que

lhe fosse garantido o Direito ao contraditório e à ampla defesa. Esse sócio ingressou com uma ação

no Poder Judiciário e o STF, entendendo pela aplicabilidade direta dos Direitos Fundamentais às rela-

ções privadas, determinou que a expulsão do sócio só poderia ser realizada mediante a garantia do

Direito ao contraditório e à ampla defesa.15 Inclusive, no mesmo ano houve a modificação do Código

Civil(BRASIL, 2002), inserindo-se em seu art. 57 a seguinte disposição: A exclusão do associado só é

admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure Direito de defesa

e de recurso, nos termos previstos no estatuto.

Mencione-se também a necessidade de respeito ao devido processo legal na arbitragem, que deve

garantir o contraditório e a ampla defesa em seu procedimento, sob pena de anulação.16

2. O princípio do contraditório
O CPC/2015 realizou diversas modificações nas estruturas do Direito Processual Civil Brasileiro.

Dentre elas, tem-se a consagração de um contraditório efetivo, o qual já vinha sendo defendido por

parcela bastante considerável da doutrina em diversos textos normativos (artigos 9º, 10º, 493, 921,

§5º 933, do CPC/2015dentre outros). É bastante nítida a preocupação da nova legislação com o

estabelecimento de um efetivo diálogo entre o juiz e as partes, evitando que o contraditório possa se

14  De certa forma, é semelhante o entendimento de Paula Sarno Braga (Aplicação do devido processo legal nas relações
privadas…, cit., p. 138-145).
15  RE 201819, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em
11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821.
16  Sobre o tema, com referências doutrinárias e jurisprudenciais, cf.: BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo
legal nas relações privadas…, cit., p. 206-212.

13
limitar a um mero Direito de informação e reação, sem que essa reação provoque efeitos no momento

da decisão.

No entanto, mesmo com toda essa preocupação, o slogan do contraditório efetivo carece ainda de

um desenvolvimento analítico mais apurado e, especialmente, de um maior reconhecimento por parte

da jurisprudência.

Para que se possa compreender o caminhar do contraditório, esse texto passará por uma breve aná-

lise histórica dos momentos vividos por esse princípio no passar dos séculos, até chegar ao CPC/2015.

Compreendidas as raízes históricas, passa-se a tentar compreender o que significa um contraditório

efetivo e de que forma ele foi regulado na legislação processual.

Um texto normativo em especial ganha maior destaque: o art. 10 do CPC, que veda as decisões

surpresas, mas, embora muito festejado, ainda requer um estudo aprofundado do que pode ser tido

como uma surpresa efetiva às partes.

2.1. O caminhar errôneo do princípio do contraditório


na história
No processo medieval, a lógica do processo era assimétrica, baseada na filosofia do ordo iudiciarius.

Ele detinha um caráter público, argumentativo e justificativo e, dessa forma, se apresentava como um

capítulo da retórica e da ética. O seu fundamento principal era o complexo de regras hoje conhecido

como princípio do contraditório, que funcionava como uma metodologia de investigação da verdade.17

Tratava-se de uma verdade que advinha não de uma razão individual, mas sim do esforço combinado

das partes, havendo uma atitude de tolerância em relação aos diversos pontos de vista e uma caracte-

rística de sociabilidade do saber; enfim, uma verdade provável advinda do diálogo.18

Tratava-se de um processo que tinha por base assegurar a reciprocidade a igualdade das partes
nos debates, que tinham por objetivo a busca de uma verdade provável, que seria atingida de forma
dialética. Essa visão atingia tanto as questões de Direito quanto as questões de fato, à medida que
17
PICARDI, Nicola. Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório. In Jurisdição e processo. Rio de
Janeiro: Forense, 2008, p. 128-129; PICARDI, Nicola. Do juízo ao processo. In Jurisdição e processo. Rio de Janeiro: Forense,
2008, p. 62; KEMMERICH, Clóvis Juarez. O Direito processual da Idade Média. Porto Alegre: SAFE, 2006, p. 126-128.
18
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Garantia do contraditório. In CRUZ E TUCCI, José Rogério (Coord.). Garantias
constitucionais do processo civil. São Paulo: RT, 1999, p. 134.

14
apenas as provas submetidas ao debate prévio poderiam servir de fundamento para a decisão.19 Ao
juiz caberia apenas acolher uma das hipóteses argumentativas desenvolvidas pelas partes, sem que
pudesse substituí-la por uma terceira, que fosse por ele desenvolvida.20 Há, no entanto, outro ponto
de vista sobre o funcionamento de processo, o qual, embora reconheça o valor da dialética na con-
duta das partes, afirma que ele não era refletido na conduta do juiz, o qual tinha seu convencimento
baseado na possibilidade de uma decisão segundum conscientiam e na livre valoração da prova.21,22
Essa divergência de visões pode decorrer da diferença de pontos de vista dos autores, pois aque-
les que afirmam que o juiz também participava da dialética referem-se ao plano normativo, do dever
ser, enquanto a doutrina que foca a existência de um livre convencimento deslocado do diálogo faria
referência ao plano sociológico, do ser. Outro ponto de vista decorrente dessa divergência pode ser
no sentido de que elas sejam complementares: as partes desenvolveriam as possíveis narrativas dos
fatos, no entanto, embora ao juiz não fosse possível construir uma terceira narrativa, seria possível a
ele escolher uma delas segundo a sua própria consciência.

Havia um reconhecimento de um caráter extraestatal ao processo, eis que não dependia de uma

vontade ordenadora externa, mas dos princípios da dialética.23 Seu objetivo era o de garantir a igual-
19
PICARDI, Nicola. Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório..., cit., p. 129.
20
GIULIANI, Alessandro. L’ordo judiciarius medioevale (riflessione su un modelo puro di ordine isonomico). Rivista di Diritto
Processuale. Padova: CEDAM, v. XVIII, 1988, p. 610.
21
“No entanto, o caráter dialético de uma lógica voltada para o convencimento do juiz tinha seu limite na possibilidade
de decisão secundum conscientiam e na livre valoração da prova [...] Tal liberdade em relação à prova representava uma
contradição à estrutura dialética que se buscava alcançar e era entrevista então como real concessão à decisão arbitrária.
Para que um raciocínio dialético funcionasse, era necessário que as premissas fossem realmente consideradas, isto é, que elas
determinassem o resultado. O processo deveria repetir esse esquema lógico, mas não havia garantia de que isso acontecesse.
Como o juiz podia decidir secundum conscientiam, a participação no iudicium poderia restar completamente inócua. Em
síntese: apesar dos esforços dos juristas para garantir a participação no iudicium, o mesmo ordo que a previa possibilitava
que o juiz a desconsiderasse totalmente” (KEMMERICH, Clóvis Juarez. O Direito processual da Idade Média..., cit., p.
126-128). Essa constatação é confirmada por Giuliani, no sentido da liberdade do juiz na valoração da prova, que poderia
decidir segundum conscientiam (GIULIANI, Alessandro. L’ordo judiciarius medioevale [riflessione su un modelo puro di ordine
isonomico], p. 611-612). Também fazendo referência ao julgamento segundo a convicção livre do juiz (VAN CAENEGEN, R.
C. History of european civil procedure. In CAPPELLETTI, Mauro (Ed.). International Encyclopedia of Comparative Law. The
Hague: Nijhof, v. VXI – civil procedure, p. 15).
22
Essa reflexão é relativa ao primeiro período do ordo iudiciarius (1100-1260), pois a partir do século XIII, teria uma
significativa mudança no Direito probatório: “(a) uma limitação material do material a ser considerado pelo juiz, que não mais
pode decidir com base em seu conhecimento privado dos fatos (segundum conscientiam); e (b) a limitação da liberdade na
valoração das provas, com o início de um sistema de provas com valor fixo” (KEMMERICH, Clóvis Juarez. O Direito processual
da Idade Média..., cit., p. 108-109). Michele Taruffo também faz referência a esse segundo período histórico, destacando
a limitação do material a ser considerado pelo juiz, mas não faz referência à tarifação probatória, mas a uma valoração
probatória em que o juiz dispunha de ampla discricionariedade, que, de toda forma, deveria ser utilizada racionalmente (Uma
simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Trad. Vitor de Paula Ramos. Madri: Marcial Pons, 2012, p. 48).

23
GIULIANI, Alessandro. L’ordo judiciarius medioevale (riflessione su un modelo puro di ordine isonomico)..., cit., p. 603. O
processo, nesse período, era entendido como algo revelado pelo Direito natural e era considerado inadmissível que o Rei ou

15
dade entre governantes e governados, entre o juiz e as partes e entre as próprias partes. Nesse

momento, o juiz detinha um caráter profissional e não burocrático, tendo posição neutra, mas não

passiva.24

Essa concepção do processo teve duração mais prolongada na Europa meridional, eis que, na

Europa Central, ainda no século XII, começou a haver uma transição de ordine isonomico para ordine

assimetrico, mediante a atribuição ao juiz de poderes probatórios inquisitoriais, como uma forma de

perseguir os inimigos da Igreja, do Estado e da Sociedade. Havia, nesse período, a visão de um juiz

onisciente, capaz de conhecer a verdade mesmo sem a produção probatória.25

A alteração do modelo processual teria se consolidado entre os séculos XVII e XVIII, em que, na

Weltanschaung prussiana do século XVII, havia uma forte concepção formal do processo e, “em sua

base não se vislumbrava mais uma orientação problemática e uma lógica argumentativa, mas uma

racionalidade objetiva, formal e calculante”.26 Há a consolidação do juiz como o diretor do processo,

atuando por meio de uma lógica burocrática,27 em que a atividade era previsível, fungível e controlá-

vel, distanciando-se da dialética medieval, na qual o juiz deixa de ser responsável por suas decisões

perante os cidadãos.28 Passa a haver certa desconfiança em relação à controvérsia, ao diálogo e à

prova testemunhal, passando de uma lógica dialógica para a arte da razão, em que a verdade passa a

ser descoberta a despeito da realização do contraditório.29 Isso porque a verdade provável seria subs-

tituída pela verdade objetiva, absoluta e pré-constituída, que poderia ser reconhecida com base nos

postulados epistemológicos, empíricos ou racionalistas.30


o Papa editassem regras sobre o assunto (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. São Paulo: RT, 2009, p. 65;
PICARDI, Nicola. Introdução ao Code Louis [Ordonnance Civile, 1667]. In: Jurisdição e processo. Rio de Janeiro: Forense,
2008, p. 70). Também assim: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 31.
24
GIULIANI, Alessandro. L’ordo judiciarius medioevale (riflessione su un modelo puro di ordine isonomico)..., cit., p. 603, 607;
PICARDI, Nicola. Do juízo ao processo. In Jurisdição e processo..., cit., p. 63.
25
NUNES, Dierle. O princípio do contraditório: uma garantia de influência e de não surpresa. In DIDIER JR., Fredie; JORDÃO,
Eduardo Ferreira (Coords.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 155.
26
PICARDI, Nicola. Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório..., cit., p. 135.
27
A burocratização do juiz foi influenciada pela estatização do processo, que, diferentemente do processo medieval, era
comandada pelo Estado e foi consolidada no Code Louis (PICARDI, Nicola. Introdução ao Code Louis [Ordonnance Civile,
1667]..., cit., p. 71).
28
GIULIANI, Alessandro. L’ordo judiciarius medioevale (riflessione su un modelo puro di ordine isonomico)..., cit., p. 604.
29
PICARDI, Nicola. Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório..., cit., p. 136; PICARDI, Nicola. Do
juízo ao processo. In Jurisdição e processo..., cit., p. 65.
30
PICARDI, Nicola. Do juízo ao processo. In Jurisdição e processo..., cit., p. 66.

16
A “má-fase” do contraditório permanece no século XIX, com a ideia da exegese positivista, em que

houve o exaurimento da função axiológica do contraditório, passando este a ter uma mera categoria

secundária e perdendo sua ligação com a essência do fenômeno processual, papel este que se man-

teve até o período da Segunda Guerra Mundial.31

Após esse período, uma série de fatores vêm sendo identificados pela doutrina como relevantes

para que o contraditório voltasse a estar como elemento essencial do processo. Tem-se a revitalização

dos estudos da lógica jurídica com novos pontos de vista na conhecida obra de Theodor Viehweg, em

1953,32 com o resgate do caráter problemático do Direito, que influenciaria na revalorização do diá-

logo entre os sujeitos processuais.33 A percepção de que a decisão do juiz não é uma mera declaração

da vontade do legislador e de que intérprete também participa da construção da norma naturalmente

gera uma visão de que as partes – que serão sujeitas a essa decisão – precisam ter seus argumentos

considerados.34

Igualmente relevante seria a valorização da Constituição enquanto norma jurídica e a promoção

de um Estado Constitucional, baseado em uma sociedade cooperativa, em que duas de suas virtudes

principais seriam a submissão do Estado ao Direito e a participação social em sua gestão.35 O desta-

que para o contraditório foi ainda maior nos países em que a sua garantia foi constitucionalizada,36 a

exemplo do Brasil, que o fez, inserindo-o como Direito Fundamental no art. 5º, LV, CF.

Há que se fazer igualmente menção ao desenvolvimento de uma democracia participativa, em

superação à democracia liberal e da social-democracia, aumentando o poder de controle para além do

voto e da pressão da opinião pública. A ideia básica é a de aumentar as possibilidades de participação

direta da sociedade na tomada de decisões, como uma forma de evitar que os poderes fiquem sem

controle e acabem se degenerando e se distanciando da população. O processo, então, deve deixar


31
PICARDI, Nicola. Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório..., cit., p. 137-138, 140; OLIVEIRA,
Carlos Alberto Alvaro. Garantia do contraditório..., cit., p. 136; CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno:
contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 109.
32
Tradução brasileira: VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. Brasília: UnB, 1979.
33
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Garantia do contraditório..., cit., p. 136-137; MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo
civil..., cit., p. 90-91.
34
TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione. Milão: Giuffrè, 1974, p. 643.
35
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil..., cit., p. 71-72.
36
NUNES, Dierle. O princípio do contraditório: uma garantia de influência e de não surpresa..., cit., p. 159.

17
de ser mera praxe, tratando as partes como meros súditos, cujo objetivo seria apenas de disciplinar o

agir arbitrário do “governante autocrático, absoluto, ditatorial, totalitário”37 para tratar as partes como

copartícipes das decisões judiciais. A situação de um processo assimétrico, em que o contraditório tem

um aspecto apenas formal, é insustentável em uma democracia participativa.38

Deve-se fazer ainda menção à democracia deliberativa, que é, de certa forma uma evolução da

democracia participativa, em que o foco passa a estar na deliberação pública das questões a serem

decididas. Seria uma forma de legitimar o exercício do poder mediante a troca de argumentos e

contra-argumentos racionais e a proposta adotada poderia ser considerada, prima facie, legítima e

racional.39

Uma vez que o processo, como destacado por Calmon de Passos, “é técnica de formulação de nor-

mas jurídicas e de efetivação do Direito conserva, e necessariamente deveria fazê-lo, as conotações

políticas e econômicas que conformam o próprio Direito a que ele se vincula, instrumentalmente”.40 Se

houve uma mudança na ideia de funcionamento da política, com a exigência de maior participação do

cidadão, seria natural que se exigisse, igualmente, maior participação das partes nas decisões judiciais.

3. A feição moderna do contraditório41


O contraditório, como visto, passou por um período de crise na modernidade, em que seria carac-

terizado pela mera ciência bilateral dos atos do processo e possibilidade de contraditá-los. Ocorre que,
37
PASSOS, J. J. Calmon de. Democracia, participação e processo. In GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel; WATANABE, Kazuo (Coords.). Participação e processo. São Paulo: RT, 1988, p. 92-94.
38
“O contraditório constitui expressão da participação: todo poder, para ser legítimo, deve permitir a participação de quem
poderá ser atingido com seu exercício” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A atendibilidade dos fatos supervenientes no
processo civil. Coimbra: Almedina, 2012, p. 58).
39
SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Teoria constitucional e democracia deliberativa. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 10.
40
PASSOS, J. J. Calmon de. Democracia, participação e processo..., cit., p. 86.
41
A feição moderna do contraditório e parte de suas decorrências possuem forte relação com o modelo cooperativo de
processo e com o princípio da cooperação, já abordado pelo autor desse texto em outros escritos. Por vezes, uma determinada
regra advém tanto do princípio do contraditório quanto do princípio da cooperação, a exemplo da regra da fundamentação
analítica contida no art. 489, §1º, do CPC. Esse texto tem por foco as decorrências do contraditório efetivo, mas não nega
o que já foi afirmado nos escritos acerca do princípio da cooperação. Os textos mencionados são: PEIXOTO, Ravi. Rumo à
construção de um processo cooperativo. Revista de processo. São Paulo, v. 219, 2013; PEIXOTO, Ravi; MACÊDO, Lucas Buril
de. Ônus da prova e sua dinamização. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 25-42.

18
devido aos fenômenos indicados no tópico anterior, tal definição passou a ser encarada como insufi-

ciente para abarcar um processo que passou a valorizar o diálogo entre todos os sujeitos processuais.

É que a definição clássica simplesmente ignorava a necessidade de consideração, pelo magistrado, da

argumentação das partes – ponto de vista esse que, durante certo momento histórico, fazia sentido,

mas, agora, está desatualizado. É essencial que a parte seja citada a comparecer ao processo e inti-

mada dos demais atos, sempre lhe sendo facultada a possibilidade de reação, podendo alegar e pro-

var, mas o problema é que este passa a ser o conteúdo mínimo do contraditório, que passa a conter

igualmente novos elementos, em especial, o Direito de influência.

Comunicação e possibilidade de reação passam a ser um conteúdo mínimo, mas indispensável, eis

que para que as partes possam influenciar a decisão do juiz a elas deve ser garantida a possibilidade

de se manifestar sobre as questões fáticas e jurídicas propostas pelos demais participantes do processo

e igualmente de produzir provas. É nesse aspecto que o contraditório deságua na fundamentação42 e

que se relaciona à visão formal e efetiva desse princípio.

Em relação ao Direito positivo, o art. 9º, do CPC, consagra elementos básicos do princípio do con-

traditório (informação e reação) ao destacar que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem

que ela seja previamente ouvida”. Garante-se, ao menos, a necessidade de informação e a possibili-

dade de reação, destacando-se que a exigência de que ela, à parte, seja previamente ouvida deve ser

entendida como a possibilidade de agir da parte, não obrigatoriedade de que ela o faça, respeitando a

liberdade dos sujeitos processuais. O exercício do contraditório é um Direito, não um dever, embora,

em certos casos, a reação seja obrigatória por força de lei, a exemplo da nomeação de curador ao

réu preso revel e ao réu revel citado por hora extra, caso em que seria obrigatória a apresentação de

defesa.43

A regra, no entanto, não é absoluta, sendo excepcionada por algumas hipóteses mencionadas no

parágrafo único do art. 9º, e seus incisos do CPC: i) a tutela provisória de urgência; ii) a tutela de
42
SILVA, Beclaute Oliveira. A garantia fundamental à motivação da decisão judicial. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 131;
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. A fundamentação das decisões jurisdicionais no Estado Democrático de Direito. In FUX,
Luiz; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JR., Nelson (Coords.). Processo e constituição: estudos em homenagem ao
Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006, p. 569, 572.
43
DINAMARCO, Cândido Rangel. O princípio do contraditório e sua dupla destinação. In Fundamentos do processo civil moderno.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, t. I, p. 128; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito processual civil. 8. ed. São
Paulo: Malheiros, 2016, t. I, p. 347; CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno..., cit., p. 150.

19
evidência, nos casos em que: ii.i) as alegações de fato puderem ser comprovadas através de prova

documental e ouver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante e ii.ii)

for hipótese de pedido reipersecutório baseado em prova documental adequada do contrato de depó-

sito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa44

e iii) a expedição de mandado para cumprimento da obrigação em ação monitória. Tais exceções pos-

suem caráter exemplificativo, podendo existir situações não imaginadas pelo legislador que requeiram

uma decisão inaudita altera parte.45 Destaque-se que, em tais situações, não é que o contraditório

deixe de ser garantido; ele é apenas postecipado para depois da concessão da decisão judicial.46

Conectando a democracia participativa com o contraditório, tem-se o aumento do número de sujei-

tos aptos a dialogar, mediante a abertura à participação nos processos de entidades e grupos que

possam colaborar com a decisão, a exemplo do amicus curiae (art. 138, CPC), a realização de audi-

ências públicas nas discussões de superação de precedentes (art. 927, §2º, CPC),47 de julgamento de

incidentes de resolução de demandas repetitivas (art. 983, §1º, CPC) e de recursos extraordinário e

especial repetitivos (art. 1.038,inciso II, CPC).

Ainda mais importante é a previsão do art. 10, relacionada com a vedação à decisão surpresa,

imprescindível em um modelo de contraditório efetivo e que será detalhada no próximo tópico.

Também deve ser considerada a parte final do art. 7º, do CPC, segundo a qual, compete “ao juiz zelar

pelo efetivo contraditório”. A qualificação do contraditório como efetivo deve ser compreendida como

relacionada à consideração dos argumentos das partes pelo juiz.48

Não se afigura adequada uma investigação solitária do juiz em busca da correta solução ao caso

44
No caso específico da tutela da evidência inaudita altera parte, deve ser mencionado que há doutrina defendendo a
inconstitucionalidade dessas hipóteses, eis que, como o Direito afirmado pelo autor não se encontra sob ameaça de perigo
irreversível, não haveria razão para pré-excluir o exercício do contraditório prévio (COSTA, Eduardo Fonseca da. Comentários
ao art. 311. In CÂMARA, Helder Moroni. [Coord.] Código de processo civil comentado. Coimbra: Almedina, 2016, p. 483).
45
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Comentários ao art. 9º. In: STRECK, Lenio; CUNHA, Leonardo Carneiro da; FREIRE,
Alexandre; NUNES, Dierle (Coords.). Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 52.
46
ARAÚJO, Fabio Caldas. Curso de processo civil. São Paulo: Malheiros: 2016, t. I, p. 109.
47
GRECO, Leonardo. O contraditório no novo CPC. In MENDES, Aluisio Gonçalves Castro (Org.). O Novo Código de Processo
Civil: Programa de Estudos Avançados em Homenagem ao Ministro Arnaldo Esteves Lima. Rio de Janeiro: EMARF, 2016,
disponível em: <https://bit.ly/2IUT7Q0>, acesso em: 20 mar. 2018, p. 235.
48
No mesmo sentido: SILVA, Beclaute Oliveira; ROBERTO, Welton. O contraditório e suas feições no novo CPC. In: PEIXOTO,
Ravi; MACÊDO, Lucas Buril de; FREIRE, Alexandre (Coords.). Doutrina selecionada – parte geral. 2. ed. Salvador: Juspodivm,
2016, v. I, p. 483-484.

20
concreto.49 Tanto por sua impossibilidade como pela sua inadequação acerca da forma adequada de

exercício do poder em uma democracia participativa. A ideia do monólogo pouco acrescenta à pers-

pectiva do observador, enquanto o diálogo amplia o “quadro da análise, constrange à comparação,

atenua o perigo de opiniões preconcebidas e favorece a formação de um juízo mais aberto e ponde-

rado”.50 As partes não podem mais ser tratadas como simples “objetos” da decisão judicial, sendo-lhes

garantido o Direito de participação mediante a sua participação na condução e no resultado do pro-

cesso.51 A sentença deixa de ser vista como um ato exclusivo do juiz, passando a ser um resultado da

“totalidade do diálogo que as partes entretêm no processo”.52

O contraditório, então, deixa de ter como conteúdo apenas noção de bilateralidade e possibilidade

de reação, para ter, como elemento essencial, o Direito de influência,53 na medida em que o juiz passa

a ser obrigado a levar em consideração a argumentação das partes. Passa a não ser mais aceitável

a construção solitária das decisões, incompatível com um Estado Democrático de Direito. Em outros

termos, num processo baseado em um contraditório-influência há um novo dever para o juiz: o de

consideração dos argumentos das partes.54

Não é por acaso que, durante esse período de revalorização do contraditório e da sua reinserção
como elemento fundante do processo, surge a teoria de Elio Fazzalari, no sentido de que a distin-
ção entre procedimento e processo advém do fato de que, no segundo, há uma estrutura dialética,
ou seja, é garantido o contraditório.55 Por mais que não seja o objeto deste texto a discussão da
diferenciação entre processo e procedimento, é inegável que a construção teórica de Fazzalari faz
parte de um momento histórico em que o contraditório volta a ser um elemento de importância no
Direito processual.
Há uma revalorização do diálogo, fazendo com que o juiz passe a ser, também, participante do
49
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Normas fundamentais no novo CPC brasileiro. In CUNHA, Leonardo Carneiro da; SILVA,
João Calvo; CAPELO, Maria José; THOMAZ, Osvir Guimarães. (Coords.). Processo civil comparado: análise entre Brasil e
Portugal. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 117.
50
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Garantia do contraditório..., cit., p. 139.
51
Idem; TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione..., cit., p. 642.
52
BORGES, Souto Maior. O contraditório no processo judicial (uma visão dialética). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p.
31-32.
53
Para um maior aprofundamento sobre o conteúdo do contraditório como influência reflexiva, cf.: CABRAL, Antonio do
Passo. Nulidades no processo moderno..., cit., p. 109-180.
54
RODRIGUES, Marco Antonio dos Santos. A modificação do pedido e da causa de pedir no processo civil..., cit., p.
161-162.
55
FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito processual. Trad. Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006, p. 118-121.

21
diálogo processual, o que não o torna sujeito parcial, mas tão somente lhe impõe um dever de diálogo
constante com as partes e, também, no momento da decisão.56
De acordo com Candido Rangel Dinamarco, essa nova visão

significa também que o próprio juiz deve participar da preparação do julgamento a ser feito,
exercendo ele próprio o contraditório. A garantia deste resolve-se portanto em um Direito das
partes e uma série de deveres do juiz. É do passado a afirmação do contraditório exclusiva-
mente como abertura para as partes, desconsiderada a participação do juiz.57

Destaca-se que o contraditório tem importância para as partes, mas também para o estado-juiz,
pois é “por força do diálogo encenado pelas opostas e contrastantes alegações, encontra, iluminado
sob os mais diversos aspectos, o caminho da verdade”.58 É por meio de um contraditório efetivo que
as decisões podem ter maior aptidão de alcançar uma maior qualidade. A decisão deixa de ser um
produto solitário do juiz, para ser construída mediante o diálogo entre os sujeitos do processo.59

Como destaca Loïc Cadiet, com base nas lições de Paul Ricouer, o ato de julgar possui uma finali-

dade curta, que seria correspondente à sua função técnica, que é a de reparar um prejuízo, sancionar

uma infração entre outras e uma finalidade ampla, relacionada com a função ética do julgamento. Essa

segunda função conecta-se com a ideia de que todos pertencem à mesma sociedade e que ambos

os litigantes obtenham a sua parte no sistema de cooperação no qual deve funcionar essa socieda-

de.60 A ideia de funcionamento cooperativo depende também da efetiva participação das partes na
56
Inserindo o juiz como sujeito do contraditório: DINAMARCO, Cândido Rangel. O princípio do contraditório e sua dupla
destinação..., cit., p. 135; CUNHA, Leonardo Carneiro da. A atendibilidade dos fatos supervenientes no processo civil...,
cit., p. 58; CUNHA, Leonardo Carneiro da. O processo civil no Estado Constitucional e os fundamentos do projeto do novo
Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo. São Paulo, v. 209, jul.-2012, versão digital, tópico 4. Destacando
que “o juiz integra o princípio do contraditório de forma a perfectibilizá-lo. No novo CPC, o contraditório se positiva como
um dever do magistrado, que deverá velar por sua efetivação” (SILVA, Beclaute Oliveira; ROBERTO, Welton. O contraditório
e suas feições no novo CPC..., cit., p. 489).
57
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito processual civil..., cit., p. 344.
58
CRUZ E TUCCI, José Rogério; CRUZ E TUCCI, Rogério. Constituição de 1988 e processo. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 66.
59
CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas: entre continuidade, mudança e transição de posições
processuais estáveis. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 301. Também adotando o contraditório como uma das figuras centrais
dos discursos de aplicação jurídica institucional e como condição de aceitabilidade do processo jurisdicional, muito embora
sob a óptica de um processo de cunho garantista, não adotado neste trabalho, cf.: OLIVEIRA, Marcedo Andrade Cattoni.
Contribuições para uma teoria discursiva da constituição e do processo constitucional a partir do caso brasileiro. In DIDIER JR.,
Fredie. (Org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2011, v. 2, p. 615-625.

60
CADIET, LOÏC. A justiça civil francesa entre eficiência e garantias. In CADIET, LOÏC. Perspectivas sobre o sistema da
justiça civil francesa. São Paulo: RT, 2017, p. 39; CADIET, LOÏC. O desenvolvimento de questões de administração dentro
do sistema da justiça francesa. In CADIET, LOÏC. Perspectivas sobre o sistema da justiça civil francesa. São Paulo: RT,

22
construção da decisão, argumentando sobre as questões fáticas e jurídicas. Tem-se ainda o aumento

da confiança do cidadão no Poder Judiciário, na medida em que este espera, de forma legítima, que

as decisões judiciais levem em consideração apenas proposições sobre as quais pode exercer o seu

Direito de influenciar o juízo.61

Um ponto de extrema importância para destacar é o ato decisório, que não deixa de ser um ato de

autoridade. Ainda assim, existem diferenças importantes. Enquanto no processo assimétrico a decisão

é vista como um mero ato do juiz, no processo baseado em um contraditório efetivo todo o diálogo

realizado durante o iter processual deve ser levado em conta, havendo, portanto, uma valorização

extremada da fundamentação das decisões judiciais, imposta pela Constituição (BRASIL, 1988), atra-

vés do art. 93, inciso IX.62

Um processo baseado no contraditório efetivo tem, no momento da decisão, uma “assimetria con-

dicionada”, ou seja, jamais poderá o magistrado furtar-se de valorizar o diálogo exercido durante o

procedimento.63 Não se pode mais admitir que ao julgador seja permitido “escolher” os argumentos

a serem analisados na decisão.64 Aqui, o processo cooperativo impõe uma mudança de postura da

magistratura, que deve se adaptar ao novo modelo, abandonando uma postura autoritária e antidia-

lógica no momento de construção das suas decisões.

Não por acaso, consoante sinalizado anteriormente, o CPC/2015, no §1º, e seus incisos, do art.

489, indicou diversas situações em que as decisões não são consideradas fundamentadas. Um dos

incisos mais relevantes desse parágrafo é o IV, ao estabelecer que não está fundamentada a decisão
2017, p. 46.
61
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 147.
62
Note-se que a exigência de fundamentação das decisões pela própria Constituição não é exclusividade do Brasil, conforme
aponta Hector Fix-Zamudio, ao fazer referência às constituições da Argentina, Colômbia, México, entre outras: Constitutición
y proceso civil enlatinoamérica. México: Unam, 1974, p. 95-96.
63
Especificamente sobre a relação entre a cooperação, a teoria dos precedentes e a fundamentação das decisões judiciais,
MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi de Medeiros; PEREIRA, Mateus Costa. Precedentes, cooperação e fundamentação:
construção, imbricação e releitura. In ADONIAS, Antonio; DIDIER JR., Fredie. (Coords). O projeto do novo código de processo
civil. Salvador: Juspodivm, 2012.
64
Infelizmente, de acordo com pesquisa realizada por Luiz Dellore na jurisprudência do STJ, mesmo após um ano de
vigência do CPC/2015, praticamente não houve mudanças na fundamentação daquele tribunal, ainda sendo comum
decisões que se limitam a afirmar que é “pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que
não viola tais dispositivos, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos
pelo vencido, adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, apenas não adotando a tese
defendida pela recorrente” (DELLORE, Luiz. Algo mudou na fundamentação das decisões com o novo CPC? Disponível em:
<https://bit.ly/2JeaGKc>. Acesso em: 20 mar. 2018).

23
que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a con-

clusão adotada pelo julgador”. Assim, o CPC/2015 irá impor, ao juiz, que efetivamente demonstre a

relevância do diálogo realizado com as partes, seja sobre as questões fáticas, seja sobre as questões

jurídicas. Como se vê, fortalece-se o contraditório efetivo como elemento voltado ao resgate da dialé-

tica processual: a prática da eleição – ou mesmo negligência – dos argumentos expendidos pelas par-

tes é banida, passando a validade da decisão a ser estritamente condicionada à rigorosa resposta às

questões jurídicas e fáticas expostas pelas partes.

Com efeito, a atuação cooperativa dos sujeitos processuais culmina na decisão do caso concreto, e

é nela que se deve demonstrar que toda a atuação dialógica anterior foi muito além do “cumprimento

de etapas”. A decisão, ainda que inequivocamente ato de autoridade do juiz, é construída através de

toda a atuação tópica que lhe precede.

A partir da valorização do diálogo e, estando nele inserido o magistrado, a fundamentação passa

a ganhar novos contornos, havendo a necessidade de que nela sejam contemplados todos os argu-

mentos discutidos no processo, passando a demonstrar que as decisões podem até ser o momento de

protagonismo isolado do magistrado, mas que esse isolamento leva, consigo, todo o diálogo empre-

endido durante o processo.65

De forma bastante resumida, o contraditório moderno passa a abarcar uma série de Direitos que, de

certa forma, estão interligados entre si, tais como: i) o Direito de ser ouvido e de influenciar a deci-

são do juiz, tanto nas matérias fáticas quanto nas matérias de Direito; ii) o Direito de acompanhar os

atos processuais; iii) o Direito de produzir provas pertinentes; iv) o Direito se ser informado regular-

mente dos atos praticados no processo; v) o Direito à devida justificação das decisões, e vi) o Direito

de impugnar as decisões.66

4. A boa-fé objetiva
65
Nesse sentido: MITIDIERO, Daniel. Tendências em matéria de tutela sumária: da tutela cautelar à técnica antecipatória. In:
DIDIER JR., Fredie. (Org.). Reconstruindo a Teoria Geral do Processo. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 224. Aponta Barbosa
Moreira que a exigência de fundamentação é uma forma de “garantir o Direito que têm as partes de ser ouvidas e de ver
examinadas pelo órgão julgador as questões que houverem suscitado” (A motivação das decisões judiciais como garantia
inerente ao Estado de Direito. Temas de Direito processual – 2ª série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 88).
66
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Normas fundamentais no novo CPC brasileiro..., cit., p. 129.

24
A boa-fé foi um conceito desenvolvido paulatinamente pela doutrina e pela atuação jurisprudencial

no âmbito do Direito Privado, mais especificamente na seara do Direito Civil, em que se concentram os

seus estudos. Do Direito Romano, do qual se originou,67 até a visão moderna do seu instituto, muitas

idas e vindas ocorreram para que se alcançasse o momento de consagração existente na atualidade.68

A doutrina costuma realizar a diferenciação entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva na dinâ-

mica jurídica.

A boa-fé objetiva é definida como uma norma de conduta, impondo aos participantes de deter-

minada relação jurídica que atuem de forma leal, respeitando a confiança legítima dos outros parti-

cipantes.69 Ao se analisar essa construção a partir da teorização normativa desenvolvida por Marcelo

Neves,70 a tendência da atuação da boa-fé é que ela funcione geralmente como um princípio, ao atuar

na construção de regras que exijam uma atuação leal no tráfego jurídico. O sentido primordial dessa

modalidade de boa-fé é a regra de conduta, que qualifica uma norma de comportamento leal.71 Como

destaca Menezes Cordeiros, em um nível instrumental, “ela reduz a margem de discricionariedade da

atuação privada, em função de objetivos externos”.72

De certa forma, ela se coloca como um elemento das relações humanas, a valorização da con-

fiança, que, ao ser incorporado pelo Direito, recebe uma carga adicional realizada pela sua qualifica-

ção jurídica,73 tornando-a, preenchidos certos requisitos, passível de ser tutelada pelo Direito. Como

destaca a doutrina, o princípio da boa-fé seria uma forma eficaz de introdução de um conteúdo éti-

co-moral no ordenamento jurídico e de torná-lo juridicamente exigível.74


67
Dentre outros, cf.: ZIMMERMANN, Reinhard; WHITTAKER, Simon. Good faith in European contract law: surveying the
legal landscape. In: ZIMMERMANN, Reinhard; WHITTAKER, Simon. (Ed.). Good faith in European contract law. Cambridge:
Cambridge University Press, 2000, p. 16-18.
68
Para uma análise da utilização da boa-fé em vários países europeus, com referência à legislação e a decisões jurisdicionais,
cf.: MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. A boa fé nos finais do século XXI. Revista de Direito dos Advogados,
v. 56, 1996.
69
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito privado. São Paulo: RT, 2000, p. 412; MENEZES CORDEIRO, António
Manuel da Rocha e. Da boa fé no Direito civil. Coimbra: Almedina, 2011, p. 632-660; SILVA, Clóvis V. do Couto e. A
obrigação como um processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 33; CABRAL, Antonio do Passo. O contraditório como dever e
a boa-fé processual objetiva. Revista de Processo. São Paulo, v. 126, ago.-2005, versão digital, n. 7, p. 11.
70
NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013, passim.
71
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito privado..., cit., p. 412.
72
MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no Direito civil..., cit., p. 649.
73
RUBINSTEIN, Flávio. A bona fides como origem da boa-fé objetiva do Direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito,
v. 99, 2004, p. 575.
74
JUNOY, Joan Picó i. La buena fe procesal. Buenos Aires: Depalma, 2011, p. 51. De forma semelhante: PÉREZ, Jesús

25
A boa-fé tem importância destacada em todas as fases do processo obrigacional, ou seja, durante

a fase de formação, de execução e também após a sua conclusão. Ela atua mediante a conformação

e a limitação da autonomia da vontade das partes75 e gera, durante o processo obrigacional, o sur-

gimento dos denominados deveres acessórios, secundários ou anexos, que não se confundem com a

obrigação principal de cumprimento do contrato. Na verdade, a boa-fé conforma toda a atuação no

Direito Privado e, mais ainda, em todo o ordenamento jurídico, conforme será demonstrado no pró-

ximo tópico. Ocorre que o seu desenvolvimento inicial focou o Direito das obrigações em que operou

uma espécie de atualização, exigindo uma conduta proba dos participantes do negócio jurídico.

É impossível a definição exaustiva das inúmeras eficácias da boa-fé objetiva, que, em termos nor-

mativos, é geralmente encarada como um princípio. Ela irá penetrar e conformar as relações jurídicas

de diversas maneiras, limitando a atuação de seus participantes, auxiliando na interpretação das cláu-

sulas contratuais, na criação de deveres anexos, dentre outras possibilidades.

Por outro lado, a boa-fé subjetiva é observada, por parte da doutrina, sob um prisma psicológico,

mediante a preocupação com a intenção de determinado sujeito da relação jurídica. Em outras pala-

vras, “tem o sentido de uma condição psicológica que normalmente se concretiza no convencimento

do próprio Direito, ou na ignorância de se estar lesando Direito alheio, ou na adstrição ‘egoística’ à

literalidade do pactuado”.76 Tem atuação destacada no Direito possessório.

Menezes Cordeiro rejeita tal acepção psicológica e concebe a boa-fé subjetiva como detentora de

um caráter ético. Para ele, “só estaria de boa-fé quem se encontrasse num desconhecimento não

culposo; noutros termos: é considerada de má-fé a pessoa que, com culpa, desconheça aquilo que

González. El principio general de la buena fe en el derecho administrativo. 5. ed. Madri: Civitas, 2009, p. 23; ROSENVALD,
Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 83.
75
MANGANARO, Francesco. Principio di buona fede e attività delle administrazioni pubbliche. Napoli: Edizioni Scientifiche
Italiane, 1995, p. 30-31.
76
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito privado..., cit., p. 412. No mesmo sentido: CABRAL, Antonio do Passo.
O contraditório como dever e a boa-fé processual objetiva..., cit., n. 7, p. 11; FRADERA, Véra Jacob de. Informar ou não
informar nos contratos, eis a questão. In MARTINS-COSTA, Judith; FRADERA, Véra Jacob de (Orgs.). Estudos de Direito
privado e processual civil: em homenagem a Clóvis do Couto e Silva. São Paulo: RT, 2014, p. 245; MARTINS-COSTA,
Judith. Almiro do Couto e Silva e a re-significação do princípio da segurança jurídica na relação entre o Estado e os cidadãos.
In ÁVILA, Humberto (Org.). Fundamentos do Estado de Direito: estudos em homenagem ao professor Almiro do Couto
e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 136, nota de rodapé 27; MERUSI, Fabio. Buona fedde e affidamento nel diritto
pubblico: dagli anni “tentra” all’“alternanza”. Milão: Giuffrè, 2001, p. 138; ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé
no código civil..., cit., p. 79.

26
deveria conhecer”.77 Uma das principais críticas do autor é a de que não seria possível provar o que se

passa no espírito das pessoas. Por conta disso, prefere a inserção de um caráter ético, em que “apenas

o desconhecimento não censurável seria relevante”, só podendo ser invocada por quem, “sem culpa,

desconheça certa ocorrência”.78 É impossível adentrar os aspectos psicológicos da mente humana para

a verificação de um estado psicológico da boa-fé subjetiva e, por isso, houve a tendência à sua objeti-

vação para uma boa-fé de caráter ético, guiado por uma atuação típica normal, que já teria sido ado-

tado pelos Direitos alemão, italiano e português.79 Acaba por ocorrer uma abstrativização da situação

concreta para que haja uma análise da adequação do sujeito que suscita a sua atuação conforme a

boa-fé subjetiva, não sendo levadas em conta as particularidades dos participantes do negócio jurídico.

Independentemente do conceito adotado, ao contrário da boa-fé objetiva, que tem caráter norma-
tivo, a subjetiva é suporte fático de apenas alguns fatos jurídicos. Irá, por exemplo, atuar como ele-
mento do suporte fático da usucapião ordinária (art. 1.242, do CC), mas não tem como função atuar
na conformação de outras relações jurídicas. Como destaca Fredie Didier Jr., “não existe princípio da
boa-fé subjetiva”.80
A boa-fé objetiva teve de esperar bastante tempo para que fosse inserida e reconhecida como cláusula
geral no Direito brasileiro. Uma primeira iniciativa foi identificada no art. 131 do Código Comercial de 1850,
muito embora não tenha sido valorizada e estudada pela doutrina.81 Posteriormente, o CDC veio a consa-
grar em diversos dispositivos legais, a boa-fé objetiva, se distanciando de sua noção subjetiva. Seu efetivo
77
MENEZES CORDEIRO, Antonio. Tratado de Direito civil português. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2005, t. I, p. 405.
78
Ibidem, p. 406,407.
79
MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no Direito civil..., cit., p. 514-516. Também fazendo
menção à abstrativização da boa-fé: MANGANARO, Francesco. Principio di buona fede e attività delle administrazioni
pubbliche..., cit., p. 65-66. Em obra mais recente, a civilista Judith Martins-Costa parece ter, de certa forma, aderido a um
posicionamento menos psicológico da boa-fé subjetiva ao afirmar que “a boa-fé subjetiva (ou o ‘agir de boa-fé’) expressa
um estado de fato que é constatado (ou presumido) ou não”. MARTINS-COSTA, Judith. Critérios para a aplicação do princípio
da boa-fé objetiva (com ênfase nas relações empresariais. In MARTINS-COSTA, Judith; FRADERA, Véra Jacob de. [Orgs.].
Estudos de Direito privado e processual civil: em homenagem a Clóvis do Couto e Silva. São Paulo: RT, 2014, p. 194).
80
DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no Direito processual civil português. Coimbra: Wolter
Klumers, 2010, p. 81.
81
Nesse sentido, informa a doutrina: SILVA, Clóvis do Couto e. O princípio da boa-fé no Direito brasileiro e português. In
FRADERA, Vera Maria Jacob (Org.). O Direito privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1997, p. 48. Judith Martins-Costa faz menção a um testemunho do ex-ministro do STF José Moreira Alves de
que, nos quase trinta anos em que esteve no STF, lembrava-se apenas de ter visto menção ao artigo por apenas três vezes.
(MARTINS-COSTA, Judith. Critérios para a aplicação do princípio da boa-fé objetiva [com ênfase nas relações empresariais]...,
cit., p. 192).

27
fortalecimento ocorre na atual legislação civil, com destaque para os artigos 113, 187 e 422 (BRASIL, 2002),
salientando que a doutrina indica que a cláusula geral da boa-fé tenha sido consagrada por meio do art.
422, CC 82

Para além de sua previsão na legislação infraconstitucional, é também possível a identificação de


um fundamento constitucional da boa-fé objetiva. Há doutrina que se utiliza da valorização da pessoa
em oposição à senhoria da vontade expressa pelo individualismo jurídico, o que remeteria, também, à
dignidade da pessoa humana, muito embora tal argumentação acabe sendo por demais abstrata para
que se possa conectar a boa-fé à dignidade da pessoa humana.83 Outro fundamento identificado é
o princípio da solidariedade (art. 3º, inciso I, da CF), que demanda um maior dever de cooperação e
lealdade nas relações jurídicas.84

A boa-fé pode ser observada tanto sob o ponto de vista da técnica legislativa, estando prevista no

art. 5º, do CPC, como também do ponto de vista normativo, atuando, em geral, como um princípio,

limitando a atuação dos participantes da relação jurídica, mediante a exigência de uma atuação leal.

O princípio da boa-fé está presente em diversas situações na legislação. Veja-se, por exemplo, que

se tem a vedação ao abuso de defesa, que pode levar à concessão da tutela provisória de evidência

(art. 311, I, CPC), o abuso ao Direito de recorrer, que gera a litigância de má-fé (art. 80, VII, CPC).

Na esfera recursal, há grande preocupação com a utilização de recursos protelatórios e, portanto, que

violam a boa-fé. Nos embargos de declaração, tem-se previsão expressa da possibilidade de multa

pelos recursos protelatórios, que podem chegar a dois por cento do valor da causa atualizado (art.

1.026, §2º). Caso esses recursos sejam reiterados, a “multa será elevada a até dez por cento sobre o

valor atualizado da causa, e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito pré-

vio do valor da multa, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a
82
Por exemplo: DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no Direito tributário. São Paulo: Noeses,
2009, p. 359, 361; ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil..., cit., p. 98-102.
83
SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium.
3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 107. Também identificando a dignidade da pessoa humana como fundamento,
embora indireto, da boa-fé, e com algumas variações, cf.: ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código
civil..., cit., p. 177-186.
84
MANGANARO, Francesco. Principio di buona fede e attività delle administrazioni pubbliche..., cit., p. 24-26, 113-
121; ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil..., cit., p. 171-177; VINCENZI, Brunela Vieira de.
A boa-fé no processo civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 162-163. Negando que a boa-fé se fundamente na solidariedade,
muito embora coadune com a ideia de que a boa-fé teria natureza constitucional, mas sem relação com textos normativos
específicos: BISCHI, Barbara. La buona fede del diritto privato e del diritto pubblico: dalla ragione dell’origine alla cultura
della dicotomia. Tese de doutorado. Padova: Università degli studi di Padova, 2012, p. 187-188.

28
recolherão ao final” (art. 1.026, §3º, CPC). Por fim, caso haja nova interposição de recurso de embar-

gos de declaração protelatório, sequer há imposição de nova multa, sendo o caso de simples inadmis-

são do recurso (art. 1.026, §4º, CPC).

A mesma preocupação é verificada no âmbito do agravo interno. Nessa espécie recursal, caso o

recurso seja considerado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, deverá

haver a interposição de multa entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa (art. 1.021, §4º,

do CPC). Mais ainda, a interposição de qualquer outro recurso ficará condicionada ao depósito prévio

da multa, com exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolhe-

rão ao final (art. 1.021, § 5º, do CPC).

Dentre os diversos institutos derivados da boa-fé identificados pela doutrina, é possível desta-

car os seguintes: a) teoria do adimplemento substancial, que paralisa o Direito de invocar a exceptio

non adimpleti contractus, quando o devedor tenha cumprido de forma substancial a obrigação;85 b)

a Verwirkung ou suppressio, consistente na extinção de um Direito em que o credor retardou o seu

cumprimento para aumentar suas vantagens de forma abusiva.86 No âmbito do processo, é possível

vislumbrar a perda do poder de alegar uma nulidade em razão do lapso de tempo decorrido, gerando

uma confiança de que não houve prejuízo; trata-se da vedação à nulidade de algibeira; c) o duty to

mitigate the loss, relacionado com o dever de o credor mitigar as próprias perdas, impedindo o abuso

de Direito de cobrança, d) o tu quoque, que ocorre quando uma parte viola uma norma e, posterior-

mente, pretende exercer uma posição jurídica vantajosa com base nessa mesma norma;87 e) a surrec-

tio, caracterizada pelo surgimento de um Direito não existente anteriormente, mas que, na efetividade

social, era tido como presente pelas partes;88 f) a proibição do venire contra factum proprium, que é

a vedação, em certos casos, da conduta contraditória. Trata-se aqui de um interessante campo para o

estudo do Direito processual, sendo possível vislumbrar a vedação à interposição de recurso de decisão
85
BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2008; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Aspectos processuais da exceção de contrato não cumprido. Salvador: Juspodivm,
2012, p. 223-338.
86
SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório..., cit., p. 185-193; MENEZES CORDEIRO, António
Manuel da Rocha e. Da boa fé no Direito civil..., cit., p. 797-811.
87
SCHREIBER, Anderson. A proibição do comportamento contraditório..., cit., p. 182-185.
88
MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no Direito civil..., cit., p. 812-836.

29
que a parte aceitou (art. 1.000, CPC).

Pontuando
• Devido processo legal.

• Devido processo legal formal e substancial.

• Devido processo legal e relações privadas.

• Contraditório.

• Contraditório efetivo.

• Boa-fé.

• Boa-fé objetiva.

• Boa-fé subjetiva.

Glossário
DEVIDO PROCESSO LEGAL FORMAL: Tem relação com o Direito processual, na medida em que

ninguém poderia sofrer mitigação de sua esfera jurídica sem um procedimento adequado, no qual

lhes seriam garantidos os Direitos Fundamentais processuais.

DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANCIAL: O aspecto substancial seria aplicável em todos os Direitos,

não estando mais conexo com o procedimento em si, mas com a própria decisão, com o mérito da

causa. Seria, então, uma ideia de utilização do princípio da razoabilidade. Consoante à doutrina.

CONTRADITÓRIO EFETIVO: O contraditório deixa de ter como conteúdo apenas noção de bilate-

ralidade e possibilidade de reação, para ter, como elemento essencial, o Direito de influência, na

medida em que o juiz passa a ser obrigado a levar em consideração a argumentação das partes.

30
Verificação de leitura
QUESTÃO 1 - Em relação ao princípio do contraditório, verifique as seguintes assertivas e marque a

correta:

a) O contraditório diferido é vedado no processo civil brasileiro.

b) Apenas no caso da tutela provisória de urgência admite-se que seja proferida decisão contra uma

das partes sem que ela seja previamente ouvida.

c) A tutela de evidência sempre pode ser concedida inaudita altera parte.

d) O julgamento pela improcedência liminar do pedido depende de prévia intimação da parte contrá-

ria, para que possa se manifestar

e) A decisão que defere a expedição de mandado de pagamento na ação monitória independe da

prévia ouvida do réu.

QUESTÃO 2 - Sobre a boa-fé processual, assinale a alternativa correta:

a) Apenas responde por perdas e danos aquele que litigue de má-fé como autor ou réu.

b) Não há a possibilidade de condenação como litigante de má-fé daquele que interpõe recurso de

apelação manifestamente protelatório.

c) Apenas autor, réu e os intervenientes possuem o dever de se comportar de acordo com a boa-fé.

d) Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa pela litigância de má-fé poderá ser

fixada em até dez vezes o valor do salário-mínimo.

e) Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará todos eles de forma solidária.

31
QUESTÃO 3 - Sobre as normas fundamentais do processo, assinale a alternativa correta:

a) O devido processo legal depende de lei para ser aplicável às relações privadas.

b) Apenas é possível a concessão de tutela de evidência inaudita altera parte quando as alegações de

fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de

casos repetitivos ou em súmula vinculante.

c) O devido processo legal é norma implícita no Direito processual brasileiro.

d) O juiz pode decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes opor-

tunidade de se manifestar desde que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

e) Todo aquele que, de qualquer forma, participa do processo deve comportar-se de acordo com a

boa-fé.

QUESTÃO 4 - Sobre o princípio da boa-fé na esfera recursal, assinale a alternativa correta:

a) Caso haja a aplicação de multa pela interposição de agravo interno manifestamente improcedente,

a interposição de qualquer outro recurso ficará condicionada ao depósito prévio da multa, aplican-

do-se tal requisito à Fazenda pública, de acordo com a jurisprudência do STJ.

b) Havendo a oposição de embargos de declaração manifestamente protelatórios, caso haja a imputa-

ção de multa, a interposição do recurso posterior ficará condicionada ao depósito prévio da multa.

c) Não se admite que haja a imposição de multa por agravo interno manifestamente inadmissível ou

improcedente em decisão por maioria.

d) Havendo reiteração de embargos declaratórios protelatórios, multa será elevada a até cinco por

cento sobre o valor atualizado da causa.

e) A multa pelo agravo interno manifestamente inadmissível ou improcedente deve ser fixada entre

um e dois por cento do valor atualizado da causa.

32
QUESTÃO 5 - Sobre o devido processo legal, assinale a alternativa correta:

a) O devido processo legal está previsto expressamente no Código de Processo Civil.

b) O princípio do devido processo legal não é aplicável aos processos administrativos.

c) O princípio do devido processo legal teve origem nos Estados Unidos da América.

d) O devido processo legal está previsto no Código de Processo Civil e na Constituição.

e) Segundo parcela da doutrina, o devido processo legal teve origem no Decreto Feudal 1037 do

Império Franco.

33
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Gabarito
QUESTÃO 1 - Alternativa E

De acordo com o art. 9º, parágrafo único, III, “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem

que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: [...] III – à deci-

são prevista no art. 701”.

O art. 701 do CPC, por sua vez, afirma que “Sendo evidente o Direito do autor, o juiz deferirá a

expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer

ou de não fazer, concedendo ao réu prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento e o pagamento de

honorários advocatícios de cinco por cento do valor atribuído à causa”.

QUESTÃO 2 - Alternativa D

De acordo com o art. 81, §2º, do CPC, “Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a

multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo”.

39
QUESTÃO 3 - Alternativa E

De acordo com o art. 5º, do CPC, “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve com-

portar-se de acordo com a boa-fé”.

QUESTÃO 4 - Alternativa C

De acordo com o art. 1.021, “Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível

ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o

agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa”.

Veja-se que há a exigência de votação unânime para a aplicação de multa no agravo interno.

QUESTÃO 5 - Alternativa E

O devido processo legal seria anterior à Carta Magna, possuindo suas origens no Decreto Feudal de

Conrado II, que, de certa forma, foi além das disposições constantes na Inglaterra, ao analisar também

pontos do devido processo legal substantivo (PEREIRA, Ruitemberg Nunes. O princípio do devido pro-

cesso legal substantivo. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 5-27).

40
2 Normas fundamentais
processuais II:
adequação, isonomia,
juiz natural e eficiência
Objetivos
Na segunda aula, continuamos com o estudo das normas fundamentais. Em relação ao princípio da

adequação, verifica-se que ele tem recebido cada vez maior atenção da doutrina, da jurisprudência e

da legislação, verificando-se que o processo deve ter aptidão de fugir ao modelo padrão da legislação.

Ele deve ser passível de adaptação ao caso concreto.

A isonomia é um princípio que precisa ser respeitado no processo, impondo-se a efetivação tanto

de uma igualdade formal, quanto de uma igualdade material. A eficiência foi introduzida expressa-

mente na legislação processual com o art. 8º, parte final, do CPC/2015. De certa forma relacionado

com todos eles, tem-se o princípio do juiz natural que cada vez mais afasta-se de uma ideia de regras

fixas, permitindo-se certa flexibilização.

1. Princípio da eficiência processual


1.1. Fundamentos do princípio da eficiência
A eficiência, pela primeira vez, foi mencionada na legislação processual por meio de previsão

expressa contida na parte final do art. 8º, parte final, do CPC/2015. Trata-se de um texto norma-

tivo que auxilia na compreensão de que se trata de um princípio aplicável especificamente ao Direito

Processual, muito embora não se trate de uma norma jurídica ainda sem um conceito bem delineado.

Para que se possa buscar o seu conteúdo normativo, é importante inicialmente a identificação dos

seus fundamentos. A eficiência é um conceito que perpassa diversas áreas do conhecimento, não

estando limitada ao Direito, e muito menos ao Direito Processual. Trata-se de conceito relevante tanto

na administração de empresas quanto na economia e, em ambos os casos, traz consigo uma ideia de

produtividade e de qualidade, sempre agregada a alguma espécie de flexibilização para o alcance de

resultados.1

1
CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2018,
p. 1-20. Com constatação semelhante: RODRIGUES, Marco Antonio; PORTO, José Roberto Sotero de Mello. Princípio da
eficiência processual e o Direito à boa jurisdição. Revista de Processo. São Paulo, v. 275, jan.-2018, p. 92.

42
Também quando visualizado no âmbito do Direito Administrativo, é perceptível a conexão da efi-

ciência com um Estado que busca um modelo gerencial, superando o modelo burocrático, que, por

sua natureza rígida, por vezes, se torna ineficiente. Trata-se de uma norma jurídica prevista expressa-

mente no art. 37, caput, da Constituição (BRASIL, 1988) brasileira que impõe uma prestação efetiva

dos serviços públicos oferecidos, no qual está incluído o serviço prestado pelo Poder Judiciário.

É inegável que o princípio constitucional da eficiência seja aplicável ao Poder Judiciário, estando

voltado à imposição de mudanças na forma de gerenciamento do tribunal ou da unidade jurisdicional.

De certa forma, a incidência da norma jurídica ocorre no plano macro, visando a melhor racionaliza-

ção dos processos como um todo, não dizendo respeito à condução específica de um processo.2 De

qualquer forma, já é perceptível que o Poder Judiciário, mesmo antes de qualquer reforma processual

já deve estar submetido ao princípio da eficiência.

Uma questão a ser verificada é a sua compatibilização com o modelo cooperativo, no qual o obje-

tivo é o de focar na colaboração das partes, retirando seja o protagonismo da parte ou dos juízes na

condução do processo. Mesmo no momento da decisão, em que cabe ao juiz decidir, exige-se que na

justificação o magistrado leve em consideração os argumentos das partes (art. 489, §1º, CPC).

A eficiência se relaciona com o modelo cooperativo a partir da concepção de que o seu objetivo

não é o de atropelar as garantias processuais, mas fazer com que a gestão do processo seja melhor.

Serve, inclusive, como fundamento para uma gestão compartilhada do processo, permitindo uma

maior adaptação procedimental com a garantia dos Direitos Fundamentais Processuais.3

É possível ainda identificar uma conexão do devido processo legal, o qual, na atualidade, tem por

conteúdo não apenas um processo rígido e burocrático, mas um processo adequado a cada caso con-

creto e que seja também eficiente. Portanto, o princípio da eficiência agrega-se à cláusula geral do

devido processo legal, sendo, dele, mais uma exigência para que se identifique um processo como

devido.4

2 CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro..., cit., p. 19.
3 CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro..., cit., p. 32.
4 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A previsão do princípio da eficiência no projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro.
Revista de Processo. São Paulo, v. 233, jul.-2014, p. 80; RODRIGUES, Marco Antonio; PORTO, José Roberto Sotero de
Mello. Princípio da eficiência processual e o Direito à boa jurisdição..., cit., p. 100.

43
1.2. Conteúdo do princípio da eficiência
Ao se buscar o conteúdo do princípio da eficiência, como já destacado anteriormente, não é possí-

vel, ainda, sequer verificar um alinhamento doutrinário sobre o seu conteúdo. Na doutrina, é possível

identificar desde autores que discordam da sua autonomia normativa, confundindo-o com o princípio

da efetividade,5 àqueles que ampliam demasiadamente o seu conteúdo e até aqueles que vislumbram

a eficiência não como um princípio, mas sim como um postulado.6

Por suas características, parece ser mais apropriado trabalhar com a eficiência como uma norma da

espécie princípio, permitindo que esta venha a atuar no “balizamento e na construção ou reconstrução

de regras”.7 A proposta do princípio da eficiência é a de impor uma condução satisfatória do processo,

“por meio de uma gestão racional e adequada, com adaptação às peculiaridades do caso em questão,

evitando-se medidas desnecessárias e com a criação de mecanismos não previstos em lei, sem erros

ou deficiências com a realização das finalidades do processo”.8

A fim de delimitar melhor o conceito, afigura-se importante ainda diferenciar o princípio da efi-

ciência de outras normas jurídicas que a ela são assemelhadas, tais como a efetividade, a eficiência

administrativa, a duração razoável e a economia processual.

A efetividade está ligada à noção de eficácia social e, em termos processuais, mais especificamente

à produção dos efeitos pretendidos pelo comando normativo da decisão. O objetivo é o de fazer com

que o dispositivo da decisão, seu comando, tenha efeito na realidade. Como decorrência desse princí-

pio, tem-se a imposição da criação de instrumentos jurídicos que aumentem a efetividade da decisão,

a exemplo das multas coercitivas. A eficiência, por sua vez, atua desde o início do processo, atuando

no decurso do procedimento, inclusive na efetivação do comando, promovendo uma gestão racional

e adequada do procedimento. A eficiência possui um âmbito de aplicação mais amplo do que a efe-

tividade, pois esta “perpassa todas as etapas da condução do procedimento, enquanto a efetividade

5
BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Princípios do processo no novo Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016,
p. 39.
6
Cf. a resenha sobre o tema: CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro...,
cit., p. 41-55.
7
NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 103.
8
CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro..., cit., p. 62.

44
apenas diz respeito ao cumprimento da norma individualizada criada”.9 Por fim, ainda é possível afir-

mar que uma decisão pode ser efetiva, mas não eficiente, pois uma decisão de cumprimento de obri-

gação pode vir a ser satisfeita, mas apenas após um período muito longo, vindo a se tornar inútil.

Trata-se de uma decisão efetiva, mas ineficiente.10

O princípio da eficiência processual também não se confunde com o princípio da eficiência admi-

nistrativa. Ocorre que, enquanto o princípio da eficiência processual está relacionado com atos jurisdi-

cionais, a eficiência administrativa relaciona-se com os atos de natureza administrativa.

A diferenciação é relevante por implicar também a diferenciação do regime jurídico, refletindo nos

seguintes elementos:

i) Forma de impugnação do ato. Caso seja um ato jurisdicional, deve haver a utilização dos meios

de impugnação processuais, como os recursos, o que não se admite no caso dos atos administrativos.

ii) Viabilidade da interferência do CNJ e dos órgãos administrativos dos Tribunais, a qual só deve

ser admitida nos casos em que houver a prática de ato administrativo.

iii) A revogabilidade da decisão, a qual varia conforme o regime. Caso seja ato jurisdicional, tem-se

a questão da preclusão, a qual não incide no caso dos atos administrativos.11

Por fim, importa diferenciar o princípio da eficiência da economia processual e duração razoável do

processo. Essa delimitação pode ocorrer da seguinte forma: enquanto a duração razoável do processo

objetiva a finalização do processo em tempo razoável e a economia processual busca a diminuição

dos custos, a eficiência exige uma melhor produtividade e qualidade do processo jurisdicional, tendo

ainda um âmbito normativo relacionado com um melhor gerenciamento do processo, o que envolve

a sua flexibilização.12

9
CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro..., cit., p. 75. Também assim:
ROQUE, André. Comentários ao art. 8º. In ROQUE, André; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte
de; DELLORE, Luiz. Teoria geral do processo – comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 54.
10
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Comentários ao art. 8º. In STRECK, Lenio; CUNHA, Leonardo Carneiro da; FREIRE,
Alexandre; NUNES, Dierle (Coords.). Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 53.
11
CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro..., cit., p. 76-82.
12
CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro..., cit., p. 76-85.

45
1.3. Eficácia do princípio da eficiência
Como já destacado, o princípio da eficiência pode ser identificado no art. 8º, parte final, do CPC,

segundo o qual, “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do

bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcio-

nalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Tem-se entendido que a técnica

legislativa para a previsão da eficiência foi a da cláusula geral.13

Tanto a cláusula geral, como os conceitos jurídicos indeterminados consistem em técnicas legisla-

tivas que se utilizam de linguagem com caráter intencionalmente aberto. A diferença entre elas está

no fato de que, enquanto no conceito jurídico indeterminado o suporte fático é composto por termos

vagos e o efeito jurídico é determinado, no caso das cláusulas gerais, tanto o suporte fático quanto

o efeito jurídico são abertos, havendo maior participação do juiz na construção da solução do caso

concreto.14 Portanto, ambas coincidem tanto no fato de serem formas de redação do texto normativo,

como na vagueza do suporte fático, diferenciando-se pelo fato de que as cláusulas gerais possuem

ainda abertura quanto aos possíveis efeitos jurídicos.

Afigura-se importante destacar que cláusulas gerais e conceitos juridicamente indeterminados são

técnicas legislativas, textos normativos, e não normas. Por isso não devem ser confundidos com regras

e princípios, que são normas jurídicas e desses textos podem ser extraídas.15 Além disso, de uma cláu-

sula geral podem ser extraídos princípios e regras. A título exemplificativo, da cláusula geral do devido

processo legal, é possível tanto o desenvolvimento do princípio da cooperação quanto da regra da

justificação das decisões.

No caso da eficiência, tem-se uma cláusula geral da qual é extraído um princípio, no caso, por

óbvio, o princípio da eficiência.

13
CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro..., cit., p. 104-107.
14
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito privado. São Paulo: RT, 2000, p. 324-328.
15
DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no Direito processual civil português. Coimbra: Wolter
Klumers, 2010, p. 66-67.

46
Quanto aos destinatários do princípio da eficiência, o mais natural é o próprio magistrado, que pos-

sui o dever de conduzir adequadamente o processo. No entanto, também às partes é possível vislum-

brar um dever de agir de acordo com o princípio da eficiência, afinal, “Seria altamente contraditório

atribuir poderes de condução do procedimento às partes, mas delas não se exigir contribuição para

uma gestão eficiente”.16 Por fim, ainda é possível vislumbrar que também os auxiliares da justiça estão

sujeitos ao dever de eficiência.

Em relação à eficácia do princípio da eficiência, seria possível vislumbrar eventual ilicitude pela

decorrência dos deveres que dele podem ser extraídos. Em relação ao ato do juiz, eventual ato pode

ser decretado nulo por violação à eficiência, muito embora esse vício deva ser alegado pelos meios

processuais cabíveis. O ato do juiz ainda pode gerar um ilícito caducificante, a exemplo do que ocorre

com a perda da competência nos casos em que venha a exceder os prazos legais, nas hipóteses do art.

235, §3º, do CPC. Quanto às partes, seria possível vislumbrar eventual nulificação de atos das partes,

a exemplo de negócio jurídico que viole o respectivo dever de eficiência.17

Um aspecto interessante e decorrente da eficiência é o estudo da gestão processual, caracterizada

pela intervenção dos participantes do processo de forma a racionalizar a atividade jurisdicional. Há

diversas maneiras de vislumbrar essa atuação, seja por meio de eventuais adaptações procedimentais,

a exemplo do aumento de prazos (art. 139, VI, CPC), a calendarização do processo (art. 191, CPC),

o estabelecimento de uma ordem no julgamento dos processos (art. 12, CPC), a criação de técnicas

adequadas para a solução de conflitos, dentre outras medidas.18

É possível vislumbrar a existência de um dever de gestão processual como uma decorrência do prin-

cípio da eficiência. Por mais que a maioria dos mecanismos típicos tenha natureza facultativa, cabe ao

juiz empregá-los de forma adequada, também ainda sendo possível o eventual desenvolvimento de

mecanismos atípicos de gestão processual.

16
CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro..., cit., p. 110.
17
CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro..., cit., p. 114-115.
18
CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil brasileiro..., cit., p. 120.

47
2. Isonomia
2.1. Definindo o conceito de igualdade
A igualdade pode ser adequadamente definida como a “relação entre dois ou mais sujeitos em

razão de um critério que serve a uma finalidade”.19 A comparação entre dois sujeitos diferentes sempre

deve partir de uma medida, com algum propósito específico. Por exemplo, as condições financeiras de

uma pessoa são úteis para a aferição do Direito à gratuidade da justiça, no entanto, devem ser irrele-

vantes para que haja a criação de um procedimento especial tão apenas pela diferença de capacidade

financeira de uma pessoa, independentemente do Direito material envolvido.

O critério a ser escolhido para efeitos de comparação é um elemento muito

importante, pois deverá ter uma relação de pertinência ou vínculo de correla-

ção lógica com a finalidade que justifica a

comparação.20 Dois indivíduos podem ser 


Para saber mais
iguais ou diferentes a partir da finalidade da “a igualdade, enquanto dever de tratamento
igualitário, só surge quando para alcançar
comparação. Dois homens adultos podem
determinada finalidade que deve ser buscada, os
sujeitos são comparados por critérios que, além de
ser considerados iguais para o efeito da obri-
serem permitidos, são relevantes e congruentes
gatoriedade de prestação do serviço militar, relativamente àquela finalidade”.1

mas diferentes a partir de uma análise da 1
ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária...,
cit., p. 45.
capacidade financeira para efeitos de isen-

ção do imposto de renda. Dessa forma, para

Ávila (2015):

[...] a igualdade, enquanto dever de tratamento igualitário, só surge quando para alcançar
determinada finalidade que deve ser buscada, os sujeitos são comparados por critérios que,
além de serem permitidos, são relevantes e congruentes relativamente àquela finalidade”.21

19
ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 43.
20
ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária..., cit., p. 43.
21
ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária..., cit., p. 43.

48
No Direito Brasileiro, a igualdade está prevista no art. 5º, caput, da Constituição brasileira(BRA-

SIL,1988). Ocorre que a simples previsão da igualdade não tem aptidão de delimitar os diversos pon-

tos de vista que dela decorrem.

A igualdade, inicialmente, pode ser verificada de forma estática, significando uma igualdade perante

a lei, sem preocupação se há criação de diferenciações injustas. Basta que a lei seja aplicada de forma

igual a todos, sendo irrelevante o conteúdo. Esse conceito foi o que prevaleceu durante muito tempo,

voltado a uma mera igualdade formal.

Trata-se de uma ideia, em tese, bastante simples: exige-se que as normas jurídicas sejam aplicadas

a todas as hipóteses em que o seu suporte fático seja satisfeito e a nenhuma hipótese em que sua

hipótese de incidência esteja incompleta.22

Ocorre que essa situação acaba por permitir a criação de situações injustas, tais como: i) a possi-

bilidade de distinções arbitrárias na própria legislação e ii) o problema da univocidade do texto legal.23

A uniformidade de aplicação do texto legal nada diz sobre a possibilidade de inserção de diferencia-

ções arbitrárias na própria legislação, privilegiando determinadas categorias. Vale dizer que a igualdade

é um conceito insuficiente, devendo também ser igual para todos, nas medidas de suas desigualdades.

O outro problema está relacionado ao mito da univocidade da Lei, em que o Poder Judiciário

seria uma mera boca da lei. Essa concepção teve como um de seus grandes defensores Giuseppe

Chiovenda, que sustentou que a jurisdição seria conceituada como a atuação da vontade concreta da

lei.24 Supostamente, não havia atividade criativa, atuando o magistrado apenas no sentido de buscar

aquela vontade, declarando-a no caso concreto. Para essa doutrina, o sentido da lei seria unívoco,

22
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011,
p. 394.
23
ABREU, Rafael Sirangelo de. Igualdade e processo. São Paulo: RT, 2015, p. 30.
24
CHIOVENDA, Giuseppe. Principios de derecho procesal civil. Madri: Editorial Reus, 1922, t. I, p. 349.

49
bastando ao magistrado descobrir a verdade e proclamá-la na sentença. Seria simplesmente impensá-

vel imaginar que o conflito judiciário possa dar origem a mais de uma solução, todas elas justificáveis

a partir do texto normativo.25

A questão é que essa Escola, em tese, foi superada com pensadores como Josef Esser,26 Chaïm

Perelman27 e Theodor Viehweg,28 dentre outros. A atuação do magistrado não é apenas a busca de

uma vontade unívoca da lei. A própria busca de uma vontade, seja da lei ou do legislador, não tem

muita adequação na atividade interpretativa.29 O texto não se confunde com a norma. Ao intérprete

caberá a construção da solução no caso concreto, sendo o texto normativo uma das bases para a deci-

são, mas não a única. O juiz não é a boca da lei, atuando na construção da norma a ser aplicada no

caso concreto, que não advém de uma aplicação matemática, mas do Direito “vivo”.30 Inclusive, de

acordo com Menezes Cordeiro, a crítica a essa forma de pensamento “está concluída, aliás, há mais

de meio século, em termos que ninguém contraditaria”.31

O que se percebe é que a mera existência de um texto normativo em tese aplicável a todos não

garante que ele o seja, afinal, como a linguagem é equívoca, é possível a dispersão de entendimentos

pelos diversos julgadores.

O princípio da igualdade evoluiu para não exigir tão apenas que a lei fosse aplicada a todos, mas

também que não se admitisse tratamentos discriminatórios na legislação. Mais do que isso, em um
25
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2007, p. 99.
26
ESSER, Josef. Principio y norma em la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Barcelona: Bosch, 1961.
27
PERELMAN, Chaïm; TYTECA-OLDBRECHTS, Lucies. Tratado de argumentação. Trad. João Duarte. Lisboa: Instituto Piaget,
2007.
28
VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. Trad. da 5. ed. alemã Kelly Susane Alflen da Silva. Porto Alegre: Safe,
2008.
29
Como destaca Eros Grau: “o legislador dos exegetas é Deus; e, como o legislador é Deus, o Direito positivo é sagrado.
Essa doutrina, assim, nos conduz de retorno ao passado e à recusa de qualquer mudança (social e jurídica), pois o passado
é imutável” (GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes [a interpretação/aplicação do Direito e os princípios]. São
Paulo: Malheiros, 2014, p. 79-80).
30
“o Direito, no sentido exacto do termo, não se encontra nem só na norma, nem apenas no caso, mas na sua recíproca
referência, na sua relação” (KAUFMANN, Arthur. Prolegómenos a uma lógica jurídica e a uma ontologia das relações.
Fundamento de uma teoria do Direito baseada na pessoa. Boletim da Faculdade de Direito. v. LXXVIII, Universidade de
Coimbra: Coimbra, 2002, p. 193).
31
MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no Direito civil. Lisboa: Almedina, 2011, p. 33, grifos
nossos.

50
Estado promotor dos Direitos Fundamentais, há a exigência de que a lei passe a atuar para promover

uma igualdade fática entre os indivíduos.

2.2. A igualdade no processo


Efetuadas algumas definições gerais sobre a igualdade, é o momento de passar ao estudo da igual-

dade no processo.

O primeiro enfrentamento refere-se à promoção de uma igualdade formal no processo. Como des-

tacado pelo art. 7º, do CPC, “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exer-

cício de Direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplica-

ção de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. Em resumo, tem-se

aqui a exigência de que “as partes devem ter os Direitos e deveres simétricos relativos à sua posição

processual”.32

Às partes, devem sempre ser promovidas idênticas possibilidades de influenciar na convicção do magis-

trado. Por exemplo, não se deve admitir a concessão de dilação de prazo para parecer de assistente téc-

nico quando a outra parte já apresentou o seu. Afinal, uma das partes acabaria por ter maior prazo e, por

vezes, até acesso a mais informações, caso seja possível visualizar o parecer da outra parte.

Sob outra perspectiva, ainda dentro da igualdade formal, há uma forte conexão com a teoria dos

precedentes. Como destacado anteriormente, a teoria da exegese, que apontava a legislação como

promotora única da igualdade formal, é incapaz de fazê-lo. Para que se garanta, ao menos, a igual-

dade formal na aplicação do Direito, é importante que o poder de definição do conteúdo dos textos

normativos seja uniforme entre os diversos aplicadores do Direito e a forma mais efetiva de fazê-lo é

por meio da concentração dessa definição em instâncias específicas. A teoria dos precedentes obje-

tiva justamente essa situação, que é a de impor a obrigatoriedades dos precedentes editados pelos

Tribunais Superiores. Como se verifica, a noção básica da teoria dos precedentes é a de impor que

casos iguais tenham soluções idênticas, evitando a dispersão decisória.


32
ABREU, Rafael Sirangelo de. Igualdade e processo. São Paulo: RT, 2015, p. 73.

51
Dentre as várias formas de análise da igualdade no Direito Processual Civil, um outro ponto rele-

vante é também o da igualdade material, que tem por objetivo permitir que as partes tenham posi-

ções equilibradas no processo.

Uma das formas de diminuição dessas desigualdades, no caso, a econômica, é por meio da con-

cessão do benefício da gratuidade da justiça. Trata-se de instituto que tem por objetivo permitir que

aqueles com “insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários

advocatícios” (art. 98, caput, CPC), possam ter acesso ao processo.

Inicialmente, era tema tratado pela Lei no 1.060/1950, mas que passou por diversos aprimora-

mentos ao ser regulada pelo CPC/2015. A regulação anterior tinha um problema que era o de adotar

apenas duas possibilidades: ou era concedida a gratuidade ou a parte deveria arcar com todas as

despesas processuais. Ocorre que nada impede que a parte possa arcar com a maioria das despesas

do processo, mas haja a necessidade de uma prova pericial que ultrapasse a sua capacidade finan-

ceira. E na Lei no 1.060/1950 não havia uma regulação efetiva para tais situações. Esses problemas

foram resolvidos pelo CPC/2015, sendo possível identificar a possibilidade de limitação da gratui-

dade a apenas algumas das despesas (art. 98, §5º,CPC), ao parcelamento das despesas processuais

(art. 98, §6º,CPC).

Outro tema que é bastante discutido na doutrina é a justificativa das prerrogativas processuais con-

cedidas à Fazenda Pública. Deve se compreender que a Fazenda Pública, quando em juízo, está em

defesa do próprio erário e eventuais valores que venham a ser despendidos são, na verdade de toda a

sociedade. Há, então, a defesa do interesse público quando a Fazenda pública atua em juízo, de forma

a evitar prejuízos ao erário.

Para além disso, a Fazenda Pública não possui as mesmas condições de um particular para a

defesa dos seus interesses em juízo. Várias das prerrogativas, a exemplo dos prazos diferenciados e

da remessa necessária têm, por justificativa, o excessivo volume de trabalho e as dificuldades ine-

rentes a Administração Pública, que dificultam o acesso aos fatos da causa.33 Naturalmente, nada

impede que eventual previsão normativa concedida à Fazenda Pública seja injustificada, mas não
33
CUNHA, Leonardo Carneiro da Cunha. A fazenda pública em juízo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 29.

52
se deve entender que toda e qualquer prerrogativa da Fazenda Pública em juízo, é, na verdade, um

privilégio.

3. Princípio da adequação
procedimental
Deve-se ter ciência de que o processo, perquirindo autonomia científica e divisado a partir do viés

formal da legalidade – generalidade e abstração em detrimento dos valores –, distanciou-se do Direito

material. Por conseguinte, nada obstante a peculiaridade da relação substancial sub judice, acabaria

tutelando-se as mais variadas situações jurídicas pelo mesmo procedimento ordinário, causando, de

forma sensível, prejuízo a Direitos legítimos que, ainda que assegurada sua tutela no plano material,

não encontravam técnicas processuais aptas à sua efetivação.

Afirma Ovídio Baptista que, no Direito Processual Civil, o procedimento comum seria o grande bas-

tião do paradigma liberal-racionalista, pois ele seria o único instrumento que permitiria que a “ver-

dade” fosse encontrada, além de consagrar a “neutralidade” do processo, em que o magistrado só

estaria autorizado a decidir após produzir o “sonhado juízo de certeza”.34 Não é por acaso que o prin-

cípio da adequação ficou esquecido por tantos anos35 e há uma grande desvalorização dos procedi-

mentos especiais, em principal, aqueles de cognição sumária, em favor das vias ordinárias.

O Estado liberal clássico, diante de sua finalidade principal de garantir a liberdade dos cidadãos,

foi marcado por uma rígida delimitação dos seus poderes de intervenção na esfera jurídica privada. A

principal forma de limitar a intervenção do Judiciário na vida dos particulares foi a premissa de que o

julgamento apenas afirmaria o que estava contido na lei, daí acreditar-se que, não havendo diferença

entre o julgamento e o texto da lei, estaria garantida a liberdade política. Outra premissa sobre a qual

se visava garantir a liberdade dos particulares era a da tipicidade dos meios executivos, segundo a

qual a esfera de autonomia do devedor somente poderia ser invadida nos modos e através das formas

34
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Processo e ideologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 7.
35
Conferir, com proveito, a obra de Luiz Guilherme Marinoni, em especial os capítulos 2 a 4: MARINONI, Luiz Guilherme.
Técnica processual e tutela dos Direitos. 2. ed. São Paulo: RT, 2008.

53
previstas em lei de maneira expressa e bem delimitada.36

Na Itália, no fim do século XIX e início do século XX, contemporaneamente à fase do processua-

lismo, surgiu a escola sistemática ou histórico-dogmática de Lodovico Mortara e Giuseppe Chiovenda,

que, embora tendo representado um avanço com relação à escola exegética – que interpretava a

lei sem perquirir o contexto social –, já que ensejou a “publicização” do Direito Processual Civil, não

trouxe nenhuma relevante contribuição sob o prisma da satisfação das tutelas, pois se manteve no

equívoco da uniformização do procedimento, como se uma única forma processual fosse adequada

para atender todas as diversas situações dos Direitos materiais e as diferentes posições sociais dos

sujeitos processuais. Tal escola confundiu a autonomia do Direito Processual Civil com a sua neutra-

lidade em relação ao Direito material. Esse grande equívoco da unidade procedimental decorreu do

fato de a escola sistemática continuar alicerçada sobre os valores da economia liberal, mormente o

da tutela pelo equivalente, de acordo com o qual a sanção pecuniária teria a função de “igualizar” os

bens e as necessidades, transformando-os em dinheiro. Assim foi que a escola sistemática, ao ima-

ginar que todas necessidades poderiam ser satisfeitas pelo equivalente em dinheiro, concluiu que a

sentença condenatória seria eficaz para tutelar todas as situações do Direito material, sendo, pois,

necessário um único procedimento.

No Direito Processual Civil clássico ainda se encontrava vigente o dogma romano – surgido no perí-

odo da desagregação do Império Romano, em que já se encontrava suprimida a tutela interdital37 – de

que a tutela ressarcitória era a única forma de tutela contra o ilícito civil. Tal entendimento incorreu

no grave equívoco de confundir o ilícito com o dano e, assim, foi totalmente insensível à função pre-

ventiva do Direito, isto é, de evitar o ato ilícito (tutela inibitória) e de removê-lo (tutela de remoção

do ilícito), conformando-se apenas com a tutela ressarcitória, que não se volta contra o ilícito, mas

apenas contra os danos que este eventualmente venha a causar.38


36
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos Direitos..., cit., p. 24-25.
37
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 2. ed. São Paulo: RT, 1997, p.
9-10.
38
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos Direitos..., cit., p. 41-51.

54
Note-se que se, na concepção clássica do civil law, vigorava o princípio da tipicidade das formas proces-

suais – de acordo com o qual a esfera de autonomia do cidadão somente poderia ser invadida nos modos

e através das formas tipicamente previstas em lei – e o dogma da tutela pelo equivalente; nos dias atu-

ais, permite-se ao juiz adotar a técnica processual mais adequada à tutela do Direito material, através da

conjugação do Direito Fundamental à efetividade da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF), do princípio da

razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, CF), do art. 497 do CPC e art. 84 do CDC, que são

verdadeiras cláusulas gerais processuais, aptas a imprimir efetividade às necessidades de quaisquer Direitos.

Esses mesmos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais fundamentam o princípio da flexi-

bilidade procedimental, que teria por destinatários tanto o legislador, o qual deverá estabelecer pro-

cedimentos adequados aos Direitos materiais tutelados, como também o magistrado, que, no caso

concreto, deve proceder à adaptação do procedimento às peculiaridades da causa a ele submetida.39

Assim, a sua função inicial é a de impor ao legislador a construção de procedimentos diferenciados,

no entanto, em uma sociedade moderna, a legislação não é capaz de acompanhar a velocidade e a

complexidade dos conflitos que surgem.40 É possível afirmar ainda que, devido ao comprometimento

do Poder Legislativo com maiorias ocasionais, muitas vezes desprovidas de qualquer ligação com os

anseios da população,41 sequer haveria o interesse na adequação de certos procedimentos.

O princípio da flexibilidade procedimental pode ser extraído de diversas formas do sistema jurídico

constitucional, pois decorre, por exemplo, da cláusula geral do devido processo legal.42 É possível tam-

bém a sua construção a partir do princípio da isonomia, em sua vertente material aplicada ao Direito

Processual Civil. Da igualdade processual, aquinhoada paridade de armas, emanam, especialmente,

duas perspectivas: ao procedimento é indispensável que seja assegurado o contraditório substancial

ou efetivo; e a da adequação formal do procedimento às necessidades da tutela do Direito material in

concreto. Esse princípio é conhecido também por adequação judicial, adaptabilidade, ou flexibilidade

procedimental.

39
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2011, v. 1, p. 74.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em
40

matéria processual. São Paulo: Atlas, 2008, p. 85.


41
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Madri: Trotta, 2009, p. 37.
42
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo valorativo. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 134.

55
O legislador fez cumprir em vários dispositivos o princípio da adaptabilidade, garantindo meios para

que o juiz tutele adequadamente o Direito em questão. Essa tratativa é bem evidenciada pelo art. 497

do CPC, que consagra a atipicidade dos meios executivos, ou seja, o julgador, desde que de maneira

racional e proporcional, aplicará a técnica processual capaz de conceder a tutela merecida pelo caso

concreto.

O CPC/2015 ainda permite a fixação de calendários processuais por meio do art. 191, CPC, da

seguinte forma:

Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos
processuais, quando for o caso.
§ 1o O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modi-
ficados em casos excepcionais, devidamente justificados.
§ 2o Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de
audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.

Essa previsão normativa permite que o magistrado, em conjunto com as partes, possa estabelecer

um calendário para a prática dos diversos atos processuais. Trata-se de uma interessante abertura

para a autonomia das partes e também uma valorosa possibilidade de o Direito processual se adequar

ao Direito material em litígio.

Há ainda menção, no CPC, à possibilidade de o juiz dilatar os prazos processuais e alterar os meios

de prova, de forma a adequá-los “às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à

tutela do Direito” (art. 139, inciso VI, CPC). Trata-se, por evidência, de uma decorrência do princípio

da adequação.

O tratamento dispensado pelo Legislativo, contudo, não é suficiente à concretização da tutela ade-

quada dos Direitos. O juiz deve modificar o procedimento para garantir a efetividade dos Direitos, seja

nos casos em que não há modelo legal específico, ou, mesmo quando houver, se este não proporcio-

nar a justa medida para a tutela dos Direitos, afastando a regra pelo controle de constitucionalidade

circunstancial.43

43
NERY JR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 9. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 171-172.

56
Guilherme Peres de Oliveira, em trabalho sobre a adaptabilidade procedimental, defende que a rigi-

dez das regras processuais, em determinadas situações, pode ser flexibilizada mediante um típico con-

trole de constitucionalidade difuso – quando há a ofensa direta a algum dispositivo constitucional –,

ou mediante o controle difuso por meio da “ponderação proporcional”, sempre que no caso concreto

a rígida observância da regra processual venha se afigurar inadequada à tutela do Direito material e,

assim, ocasionar violação de princípios constitucionais.44

Há de se destacar a excepcionalidade da modificação judicial do procedimento por meio do controle

circunstancial de constitucionalidade do procedimento previsto na legislação. A prévia estruturação

dos procedimentos é uma decorrência da segurança jurídica, por garantir às partes que elas tenham

conhecimento prévio da forma de exercício do Direito de ação e de defesa. Sempre haverá, para o

magistrado, o ônus argumentativo para o reconhecimento da inconstitucionalidade circunstancial da

regra procedimental, que dificulta a sua flexibilização casuística e, nos Tribunais, exigirá a obediência

à cláusula de reserva de plenário (art. 97, CF).

O processo, como visto, não pode ser neutro e uniforme a despeito da substância do seu objeto,

é forçoso que, no Estado constitucional, tenha-se o processo em uma perspectiva tópica, rechaçando

o legalismo simplista que deixa os Direitos, especialmente os fundamentais, sem amparo;45 é nessa

linha que é mister do magistrado, mesmo não havendo norma aberta, proceder à adequação do regra-

mento, utilizando a técnica processual apta à efetiva tutela do Direito sub examine.46

44
OLIVEIRA, Guilherme Peres de. Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento pelo juiz no processo civil. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 89-108.
45
Sobre o raciocínio tópico: “O ponto mais importante no exame da tópica constitui a afirmação de que se trata de uma
techne do pensamento que se orienta para o problema. Aristóteles sublinhou isto em várias ocasiões: as primeiras palavras de
sua tópica já o dizem. [...] Todo problema objetivo e concreto provoca claramente um jogo de suscitações, que se denomina
tópica ou arte da invenção. Quer dizer, utilizando as palavras de Zielinski: ‘A arte de ter presentes em cada situação vital as
razões que recomendam e as que desaconselham dar um determinado passo – bem entendido, em ambos sentidos, quer
dizer, tanto as razões a favor como as razões contra’. O citado autor diz muito acertadamente que isto constitui ‘um meio
extraordinariamente eficaz contra o simplismo... que marcha cegamente para seu objetivo’; e, referindo-se ao problema da
virtude: ‘O modo de agir surge aqui como resultante penosamente brotada da luta, a favor e contra, dos móveis em debate:
no lugar do reflexo entra a reflexão’. [...] É necessário reconhecer que o próprio problema é algo previamente dado, que
atua sempre como guia. Quando alguém pensa dentro de um sistema explícito isto obviamente não se aplica” (VIEHWEG,
Tópica e jurisprudência..., cit., p. 33-37). A ideia de tópica, portanto, é congruente ao raciocínio do processo como meio de
efetivar os Direitos.
46
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental..., cit., p. 85. Em sentido contrário, parecendo não admitir
a modificação do procedimento à luz do caso concreto, por entender que haveria a mitigação das garantias constitucionais
para o demandado, só a admitindo em casos de total anomia, cf.: NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria da ação de
Direito material. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 88-89.

57
Dessa forma, o procedimento comum deve ser adaptado ao caso concreto, sob pena de incorrer o

próprio magistrado em perpetuação de uma inconstitucionalidade. Isso não significa, de forma alguma,

a existência de arbítrios. Como bem aponta Gajardoni, a adequação judicial só deve ser realizada em

caráter excepcional47 e desde que devidamente fundamentada, nos casos em que haja a constatação

de que: a) inexiste previsão legal adequada; b) inutilidade da regra formal avaliada no seu aspecto

finalístico ou c) a situação das partes litigantes à luz da igualdade material imponha essa flexibiliza-

ção.48 Pode-se ainda inserir mais um requisito, que seria a necessidade de obediência ao princípio da

cooperação (art. 6º, do CPC) na sua modalidade consulta, de modo a não surpreender as partes com

modificações procedimentais não esperadas.

A fase instrutória, tendo em vista sua condição de fator de legitimidade da jurisdição – é local

oportuno para participação das partes influindo na decisão e é a essência da busca da verdade, sendo

o acerto quanto aos fatos uma das condições de justiça do decisum49 –, constitui momento proces-

sual dos mais oportunos e importantes para que o procedimento seja apto a tutelar adequadamente

o Direito, e sua harmonia com o Direito fundamental à igualdade é indispensável à tutela dos Direitos

Fundamentais Processuais. Sua adequação, em se verificando desconformidade com as premissas aqui

estabelecidas, é dever do juiz.

Mas, por óbvio, a possibilidade de adaptação não se limita à fase instrutória, também podendo

ser utilizada em outros casos, consoante será demonstrado de forma marcante no tópico seguinte. O

que é importante é que, caso a adaptação realizada seja feita de ofício, que haja, ao menos, a prévia

oportunização do diálogo às partes (art. 10, CPC). A processualística se mostra, então, cada vez mais

atenta às peculiaridades do caso concreto, tal qual propugna o formalismo-valorativo.

47
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental..., cit., p. 105.
48
Também a reputando excepcional, muito embora, para o autor, os limites seriam fornecidos pelos “parâmetros estabelecidos
pela lei”, mostrando certo receio na possibilidade de aperfeiçoamento do procedimento pelo magistrado, cf.: YARSHELL,
Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. 2. ed. São Paulo: DPJ, 2006, p. 185-186.
49
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Madri: Editorial Trotta, 2005, p. 65-69.

58
4. Princípio do juiz natural
O juiz natural é tido como uma garantia essencial decorrente da cláusula geral do devido processo

legal (art. 5º, inciso LIV, CF ). Muito embora ele não esteja expresso na Constituição, pode ser desen-

volvido a partir das previsões da vedação ao juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, inciso XXXVII, CF) e

o que exige que ninguém seja processado senão pela autoridade competente (art. 5º, inciso LIII, CF).

A noção mínima do princípio do juiz natural é a de exigir que os atos jurisdicionais sejam pratica-

dos por juízes regularmente investidos de acordo com a Constituição e competentes de acordo com

a legislação.

Relata a doutrina que se trata de princípio que nasceu de uma maior preocu-

pação existente no Direito Processo Penal,

preocupado com a preservação do acusado

e da sua liberdade dos possíveis demandos



dos detentores do poder, exigindo-se que o Para saber mais
Com esse desconto, prepondera a garantia conforme
processo e o julgamento sejam feitos por juiz costuma ser apresentada, ou seja, caracterizada por
esse trinômio: a) julgamentos por juiz e não por
já competente no momento em que prati- outras pessoas ou funcionários; b) preexistência
do órgão judiciário, sendo vedados também para
cado o ator a ser julgado. No caso do pro- o processo civil eventuais tribunais de exceção
instituídos depois de configurado o litígio; c)
cesso civil, em que não são julgados fatos, juiz competente segundo a Constituição e a lei
(DINAMARCO, 2016, p. 333).
mas pretensões, a importância desse princí- 
pio seria um pouco menor. 50

Divide-se o princípio do juiz natural inicialmente em um aspecto formal, relacionado com a fixação

da sua competência. Exige-se que a competência seja fixada de acordo com regras abstratas, gerais e

previamente estabelecidas e que tenham por base critérios impessoais, objetivos e preestabelecidos.51

A questão é que tradicionalmente, há uma tendência de visualizar as regras de competência como

50
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito processual civil. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, t. I, p. 333.
51
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 206.

59
tendo um caráter rígido e inflexível, o que acaba por engessar a atuação do Poder Judiciário e a sua

eficiência.

A construção tradicional do princípio do juiz natural, ao menos no Brasil, parte de uma ideia de

determinabilidade a priori das competências, exigindo-se que, independentemente das particularida-

des do caso concreto, seja possível individuar previamente os juízes por meio de leis gerais. A ideia

seria a de um juiz pré-constituído, em que a sua identificação é realizada mediante critérios abstra-

tos e prévios,52 obedecendo, portanto, uma “rígida especificação legal, abstrata e prévia”,53 havendo

quem afirme expressamente que haveria a vedação de elementos discricionários na fixação da compe-

tência.54 A ideia geral é a de vetar qualquer abertura ao uso de conceitos jurídicos indeterminados na

determinação da competência. Esse ponto de vista se daria pelo excesso de apego a uma legalidade

estrita e na crença da capacidade do legislador de exaurir na legislação todas as hipóteses e critérios

de atribuição de competência.55

Ocorre que, mesmo sob esse paradigma, diversos institutos possuem por base fixações de atribui-

ções discricionárias de competência, a exemplo do desaforamento, o incidente de deslocamento de

competência, o incidente de assunção de competência, a escolha da causa-piloto para afetação ao

microssistema de julgamento de casos repetitivos, a decisão sobre o juízo que decidirá as medidas de

urgência na pendência de um conflito de competência e a reunião e a separação de processos por

razões discricionárias.56

Esses e outros exemplos destacam que o conteúdo tradicional do juiz natural não está em

52
TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. 16. ed. São Paulo: RT, 2016, v. I,
p. 78; SANTOS, Clilton Guimarães dos. Competência no novo código de processo civil. In SANTANA, Alexandre Ávalo;
ANDRADE NETO, José de. (Coords.). Novo CPC: análise doutrinária sobre o novo Direito processual brasileiro. Campo
Grande: Contemplar, 2016, v. I, p. 222; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. 2. ed. São Paulo: RT,
2013, p. 60-62; NERY JR., Nelson. Princípios do processo na constituição federal. 9. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 131.
53
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sergio Cruz. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT,
2015, v. 2, p. 57.
54
GRINOVER, Ada Pellegrini. O princípio do juiz natural e sua dupla garantia. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER,
Luiz Rodrigues (Coords.). Doutrinas essenciais de processo civil. São Paulo: RT, v. I, 2011, versão eletrônica, tópico 4.2.
55
CABRAL, Antonio do Passo. Juiz natural e eficiência processual: flexibilização, delegação e coordenação de competências
no processo civil. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tese apresentada ao concurso de Professor Titular de Processo
Civil, 2017, p. 272.
56
Todos os exemplos mencionados em: CABRAL, Antonio do Passo. Juiz natural e eficiência processual..., cit., p. 186-211.
O exemplo da reunião de processos com base em critérios discricionários, em especial o art. 55, §3º, do CPC é utilizado
por Renato Beneduzi como fundamento para a adoção do forum non conveniens no processo brasileiro (BENEDUZI, Renato.
Forum non conveniens..., cit., p. 802-803).

60
consonância com diversos novos institutos e atenta contra a ideia de eficiência processual. A proposta

é a de realização de uma releitura que preserve o núcleo essencial do juiz natural e não ignore a exi-

gência de um processo mais eficiente e, dentre tais alterações, seria a permissão de competências

baseadas em conceitos jurídicos indeterminados.57

Esse novo conceito de juiz natural teria maior flexibilidade e adaptabilidade, permitindo, em cer-

tas situações, que a competência adequada seja fixada a partir das peculiaridades do caso concreto.

O que se exige é que haja objetividade, impessoalidade e invariância,58 na medida em que, mesmo

havendo maior flexibilidade na delimitação da competência, que sejam evitadas decisões solipsistas e

em desacordo com as particularidades do caso concreto e com o ordenamento jurídico. Portanto, seria

possível a admissão da utilização do princípio da competência adequada,59 permitindo que, em certas

situações, para além da previsão da competência abstratamente adequada, seja possível também o

controle in concreto, desde que satisfeitos certos requisitos. O objetivo seria o de conciliar a previsibi-

lidade das competências previstas na legislação com a construção de maior eficiência de um controle

caso a caso, permitindo que a decisão seja tomada pelo órgão jurisdicional com melhores condições.

O novo ponto de vista teria por base um juiz natural mais flexível, que, embora permita maior malea-

bilidade das competências, não violaria a segurança jurídica, eis que ainda haveria a exigência de que

exista a garantia de objetividade, impessoalidade, invariabilidade e, por meio da permissão, de con-

trole e de participação dos interessados.60

Relacionado com o aspecto formal, tem-se também a exigência da prévia investidura nos termos

da Constituição (BRASIL, 1988). Essa investidura pode ocorrer de diversas formas, sendo a mais tradi-

cional por meio de concurso público, mas também pode ocorrer por meio de nomeação do Presidente

da República, devendo ser aprovada pelo Senado Federal, indicação do governador etc.

No aspecto substancial, o princípio do juiz natural relaciona-se com a exigência de imparcialidade

e de independência dos magistrados.


57
CABRAL, Antonio do Passo. Juiz natural e eficiência processual..., cit., p. 308.
58
Ibidem, p. 308 e ss.
59
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. I, p. 233; BRAGA, Paula Sarno.
Competência adequada. Revista de Processo. São Paulo, n. 219, 2013.
60
CABRAL, Antonio do Passo. Juiz natural e eficiência processual..., cit., p. 597.

61
Em relação à independência, alguns comentários devem ser realizados, de forma que se compre-

enda adequadamente o seu conteúdo. O art. 95 e seus incisos da Constituição (BRASIL, 1988) trazem

como garantias expressas da magistratura, a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de

subsídio. Muito embora a independência judicial não esteja expressamente prevista na Constituição

brasileira, ela é o embasamento de todas essas garantias, sendo um aspecto essencial para garantir

a adequada atuação do Poder Judiciário como promotor de diversos Direitos Fundamentais.61 Ela tem

por função atuar como uma espécie de garantia institucional de um regime democrático,62 de forma

a permitir o adequado exercício da jurisdição pelos magistrados.

A independência judicial pode ser observada sob três aspectos diferentes: a) independência pes-

soal, relacionada com a inamovibilidade e com a autonomia no exercício da jurisdição; b) a indepen-

dência coletiva, que confere autonomia à judicatura como uma ordem ou corporação e c) a inde-

pendência funcional, que seria o núcleo duro da independência, segundo o qual o juiz apenas estaria

submetido ao Direito no exercício de sua função jurisdicional.

Essa independência ainda teria um aspecto interno e outro externo. O primeiro relacionado com a

independência perante órgãos ou entidades pertencentes ao Poder Judiciário e o segundo em relação

aos outros poderes.63 A independência judicial, do ponto de vista individual e interno, tem como con-

teúdo a garantia de que o juiz apenas esteja submetido ao Direito, mas, por outro lado, também cria

o dever de que ele apenas decida conforme o Direito. O Direito ora mencionado não pode ser enten-

dido como o texto normativo, pois de há muito é evidente que aquele não se confunde com a norma

jurídica. O que é devidamente aplicado nos casos concretos é a norma jurídica, que é reconstruída

continuamente pelo Poder Judiciário, com destaque para a atuação dos tribunais superiores, com a

61
Fazendo referência à conexão entre as três garantias expressas na constituição e a independência judicial: TAVARES, André
Ramos. Manual do poder judiciário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, versão digital, capítulo VI, tópicos I e II.
62
COMPARATO, Fabio Konder. O Poder Judiciário no regime democrático. Estudos Avançados, v.18, n. 51, mai./ago.-2004,
disponível em: <https://bit.ly/2J2UsUc>. Acesso em: 02 maio 2018, p. 152.
63
A classificação foi retirada da obra de Canotilho, que, no caso da independência funcional, faz menção à “lei – ou melhor,
às fontes de Direito jurídico-constitucionalmente reconhecidas”, mas parecer ser mais adequado fazer menção ao termo
Direito, por ser mais abrangente e mais adequado para conferir uma maior unidade ao funcionamento do exercício do Poder
Judiciário. (CANOTILHO, J. J. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 663-664).
Destaque-se que, para Canotilho, não seria adequada a vinculação dos juízes mesmo no caso dos precedentes constitucionais,
afirmando que estes tornar-se-iam imutáveis, só os admitindo nos casos de declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral (art. 281, n. 2, da Constituição Portuguesa) (p. 864), parecendo confundir vinculação de precedentes com
eficácia erga omnes da coisa julgada existente no controle concentrado de constitucionalidade.

62
função justamente de uniformizar o entendimento nacional.

O julgado há de ser igualmente imparcial. Como destaca o art. 8º do Código de Ética da Magistratura,

“O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fun-

damento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo

tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. O juiz não pode,

também, estar impedido (art. 144, CPC) ou suspeito (art. 145, CPC).

Pontuando
• Princípio da adequação.
• Adequação legal, judicial e convencional.
• Isonomia.
• Princípio da igualdade material e formal no processo.
• Eficiência.
• Eficiência macro e micro.
• Juiz natural.

• Acepção rígida ou flexível.

Glossário
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA: Tem o objetivo de impor uma condução satisfatória do processo, por
meio de uma gestão racional e adequada, com adaptação às peculiaridades do caso em questão,
evitando-se medidas desnecessárias e com a criação de mecanismos não previstos em lei, sem
erros ou deficiências com a realização das finalidades do processo.
JUIZ NATURAL: Trata-se de uma garantia que é composta por um trinômio: a) julgamentos por
juiz e não por outras pessoas ou funcionários; b) preexistência do órgão judiciário, sendo vedados
também para o processo civil eventuais tribunais de exceção instituídos depois de configurado o
litígio; c) juiz competente segundo a Constituição e a lei
PRINCÍPIO DA IGUALDADE: A igualdade pode ser adequadamente definida como a relação entre
dois ou mais sujeitos em razão de um critério que serve a uma finalidade. A comparação entre dois
sujeitos diferentes sempre deve partir de uma medida, com algum propósito específico.

63
Verificação de leitura
QUESTÃO 1 - Possui previsão expressa no CPC:

a) A possibilidade de o juiz, no caso concreto, aumentar o número de testemunhas levando em conta

a complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados.

b) A possibilidade de calendário processual determinado pelo juiz.

c) O princípio da efetividade.

d) O princípio do devido processo legal.

e) A possibilidade de alteração da ordem dos meios de prova por decisão judicial.

QUESTÃO 2 - O processo deve ter meios de impor o cumprimento das ordens judiciais.

Essa frase pode ser tida como relativa a qual princípio processual?

a) Devido processo legal.

b) Eficiência.

c) Economia processual.

d) Efetividade.

e) Contraditório.

QUESTÃO 3 - É inegável que a eficiência foi prevista no CPC por meio da técnica legislativa das cláu-

sulas gerais. Sobre cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados e princípios, assinale a alter-

nativa correta:

a) A cláusula geral é uma espécie de norma jurídica.

b) Os conceitos jurídicos indeterminados são caracterizados por terem o suporte fático e os efeitos

jurídicos abertos.

c) Os princípios são uma técnica legislativa.

d) De uma cláusula geral, podem ser extraídos apenas princípios.

e) Não é possível a existência de cláusulas gerais implícitas.

64
QUESTÃO 4 - Em relação ao princípio da eficiência e aqueles que são atingidos por um dever de efi-

ciência, assinale a alternativa correta:

a) Juiz, partes e os auxiliares da justiça.

b) Apenas o juiz.

c) Apenas o juiz e os auxiliares da justiça.

d) Apenas as partes.

e) Apenas as partes e o juiz.

QUESTÃO 5 - Sobre o princípio da adequação, assinale a alternativa correta:

a) No Estado liberal clássico, predominava a atipicidade dos meios executivos.

b) O princípio da adequação dirige-se ao legislador e ao juiz.

c) Não se admite que haja a flexibilização processual para além das hipóteses típicas.

d) O princípio da adequação é aplicável apenas ao legislador.

e) A possibilidade de utilização de medidas atípicas na execução não pode ser tida como exemplo do

princípio da adequação.

65
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68
Gabarito
QUESTÃO 1 - Alternativa E

De acordo com o art. 139, VI, do CPC, “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições

deste Código, incumbindo-lhe: [...] VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção

dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade

à tutela do Direito”.

QUESTÃO 2 - Alternativa D

A efetividade está ligada à noção de eficácia social e, em termos processuais, mais especificamente

à produção dos efeitos pretendidos pelo comando normativo da decisão. O objetivo é o de fazer com

que o dispositivo da decisão, seu comando, tenha efeito na realidade.

QUESTÃO 3 - Alternativa E

Como a cláusula geral é técnica de redação de textos normativos, impõe-se que elas sejam sem-

pre expressas.

QUESTÃO 4 - Alternativa A

Quanto aos destinatários do princípio da eficiência, o mais natural é o próprio magistrado, o qual

possui o dever de conduzir adequadamente o processo. No entanto, também às partes é possível vis-

lumbrar um dever de agir de acordo com o princípio da eficiência, afinal, “Seria altamente contraditó-

rio atribuir poderes de condução do procedimento às partes, mas delas não se exigir contribuição para

uma gestão eficiente” (CAMPOS, Eduardo Luiz Cavalcanti. O princípio da eficiência no processo civil

brasileiro..., p. 110). Por fim, ainda é possível vislumbrar que também os auxiliares da justiça estão

sujeitos ao dever de eficiência.

69
QUESTÃO 5 - Alternativa B

O princípio da flexibilidade procedimental tem por destinatários tanto o legislador, o qual deverá

estabelecer procedimentos adequados aos Direitos materiais tutelados, como também o magistrado,

que, no caso concreto, deve proceder à adaptação do procedimento às peculiaridades da causa a ele

submetida (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2011,

v. 1, p. 74).

70
3
Litisconsórcio
Objetivo
Apresentar um panorama teórico abrangente acerca do tema litisconsórcio, descrevendo-se seus

fundamentos, à luz da Teoria Geral do Processo, bem como seu tratamento legal, modos de classifi-

cação e espécies. No decorrer da apresentação do tema, será feito um cotejo da forma como o litis-

consórcio encontra-se tratado no CPC/2015, em contraste com a antiga codificação, destacando-se as

principais modificações no tratamento legal dessa espécie.

Ao fim, serão abordadas questões específicas do tema, especialmente polêmicas, como os atos

dos litisconsortes e suas diferentes eficácias, de acordo com o regime de litisconsórcio aplicado (uni-

tário ou simples), bem como se tratará acerca da possibilidade de intervenção iussu iudicis no Direito

Brasileiro.

1. Litisconsórcio: noções gerais,


definição e principais fundamentos
(economia processual e harmonia dos
julgados)
O processo litisconsorcial é um processo cumulativo subjetivo,1 ou seja, uma situação em que estão

reunidas mais de uma parte, em um, ou mais polos da relação processual.

É imprescindível, contudo, que essas partes em litisconsórcio guardem, ao menos, afinidade em

relação ao objeto do processo, seja pela propositura, seja pela situação de demandados, seja por terem

ingressado no processo por ordem do juiz, por pedido das partes, ou de forma voluntária.

Essa exigência de afinidade mínima, para fins de constituição do litisconsórcio, é mais severamente

considerada por Marinoni, Mitidiero e Arenhart, para quem o litisconsórcio não se confunde com a

mera pluralidade de sujeitos em um dos polos da relação processual. Para esses autores, haverá

1
Destaca Calmon de Passos que cumulação subjetiva seria um conceito sinônimo ao litisconsórcio (PASSOS, José Joaquim
Calmon de. Do litisconsórcio no processo civil. Salvador, 1952, p. 10).

72
pluralidade de partes ou cumulação subjetiva no processo, quando se tiver, em um dos seus polos,

mais de um autor ou mais de um réu. Todavia, para que essa cumulação seja caracterizada como

litisconsórcio, seria ainda imprescindível que essa pluralidade de sujeitos se encontrasse vinculada por

certo grau de afinidade de interesses, razão pela qual não consideram como caso de litisconsórcio a

situação na qual, em ação de consignação em pagamento, “A” propõe a causa contra “B” e “C”, no

caso de haver dúvida sobre qual dos demandados seria o efetivo credor, legitimado ao levantamento

do crédito (artigos 547 e 548, CPC/2015).2

Nega-se a configuração de litisconsórcio em tal caso, pois “B” e “C”, apesar de figurarem formal-

mente no polo passivo desse processo, iriam disputar entre si a titularidade do crédito, dispondo de

interesses antagônicos. Já caso se tratasse de uma ação de cobrança proposta contra dois devedores

solidários, relativamente à obrigação assumida por ambos, então seria caso de efetivo litisconsórcio,

de acordo com a visão dos citados processualistas.3

Embora também se considere necessária a existência de mínima afinidade para fins de litisconsór-

cio, não é essa a orientação adotada neste trabalho, pois se admite a possibilidade de haver litiscon-

sórcio entre sujeitos com interesses antagônicos no mesmo polo processual, desde que esses inte-

resses divergentes tenham alguma vinculação com o objeto da causa. Com efeito, o exemplo citado

pelos processualistas gaúchos como cumulação subjetiva sem configuração de litisconsórcio seria caso

de litisconsórcio alternativo, espécie em que se formula pretensão (no caso, levantamento do crédito),

que poderia ser cumprida por qualquer dos sujeitos apontados como réus.

Apesar de os réus apontados como supostos credores nessa ação de consignação em pagamento

estarem autorizados a rivalizar entre si pela titularidade exclusiva do crédito, para que sejam legitima-

dos a compor o polo passivo da ação, devem ter alguma espécie de vínculo com a prestação objeto da

causa (por exemplo, sucessores hereditários do credor originário, pretensos cessionários, entre outros),

ou então sequer teriam sido indicados como possíveis credores pelo autor da ação de consignação.

2
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2017,
v. 2. Versão digital, tópico 3.3.4.
3
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio. Curso de processo..., cit. Versão digital, tópico 3.3.4.

73
Desse modo, também é admissível litisconsórcio, por exemplo, entre denunciante e denunciado,

quando a denunciação da lide é realizada pelo réu originário do processo, situação na qual, apesar de

os sujeitos potencialmente terem interesses divergentes quanto ao Direito de regresso, comungam do

possível interesse de verem o autor da ação derrotado, a partir do reconhecimento judicial de que o

Direito por este afirmado não subsiste.

Nesse sentido, é importante destacar a reflexão de Cândido Dinamarco, ao asseverar que a comu-

nhão de sortes não é essencial para a configuração do litisconsórcio, o qual pode se formar mesmo

nos casos em que não será conferido tratamento uniforme aos litisconsortes, citando como exemplo

justamente os casos de litisconsórcio alternativo ou eventual, em que a preocupação maior de cada

um dos litisconsortes será, muitas vezes, o confronto com o seu litisconsorte e não tanto com o adver-

sário comum.4

Adverte ainda quanto à necessidade de afinidade, não entre os litisconsortes entre si, mas sim entre

estes e o objeto da causa. Defende então Dinamarco que, para formação do litisconsórcio, seria indis-

pensável que os colitigantes guardassem certa posição em relação ao objeto do processo, ou ainda, da

pretensão deduzida em juízo, seja porque propuseram uma demanda, seja porque a eles a demanda

foi proposta e eles vieram a ser citados, ou porque o juiz mandou citá-los como litisconsortes neces-

sários, ou ainda porque o réu os chamou ao processo, ou sucederam a alguma das partes, ou, enfim,

intervieram eles próprios voluntariamente.5

Em suma, o litisconsorte postula algo, ou tem contra si algo postulado, sendo o seu vínculo princi-

pal com o objeto da causa e não, necessariamente, com seu correspondente litisconsorte.

De todo modo, apesar de se adotar uma noção mais ampla quanto à necessária afinidade entre os

sujeitos para fins de litisconsórcio, a configuração dessa situação jurídica não pode ser deixada ao livre

talante das partes, devendo ser admitidos apenas os litisconsórcios que se enquadrem nas hipóteses

descritas no art. 113 do CPC/2015.

4
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 41.
5
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio..., cit., p. 40.

74
Portanto, cabe à lei determinar os limites para essa espécie de cumulação subjetiva, ou então se

correria o risco de um sujeito, por pura conveniência sua, cumular demandas contra uma pluralidade

de réus que nada teriam a ver entre si, ou com o objeto da causa, apenas para que o autor pudesse

ajuizar uma única ação e reduzir seus custos com os litígios. Seria o caso, por exemplo, de uma esd-

rúxula ação de cobrança, cujo objeto seriam obrigações de naturezas diversas (prestações de servi-

ços, aluguéis não pagos, acordos não cumpridos, etc.), cujo credor fosse o autor, mas os devedores

fossem sujeitos distintos, sem qualquer relação entre si, ou sem qualquer afinidade entre as diversas

obrigações exigidas em juízo. Tal cúmulo subjetivo, à evidência, apesar de conveniente para o autor,

não poderia ser admitido, já que não se enquadraria nas hipóteses do art. 113 do CPC/2015, além do

tamanho tumulto que provocaria à marcha processual.

O litisconsórcio, aliás, é uma espécie de arranjo que se fundamenta, justamente, na economia pro-

cessual e na necessária harmonia dos julgados, de forma que em um processo sejam resolvidas mais

de uma demanda, ao mesmo tempo, evitando-se que, caso fossem ajuizados mais de um processo,

houvesse conflito entre as decisões.6

Economia processual e harmonia dos julgados são comumente apontadas como fundamentos teó-

ricos, até mesmo óbvios do litisconsórcio como instituto processual. Contudo, é importante destacar

que esses dois ideais fundantes ora convergem, ora conflitam, nesse último caso autorizando-se o jul-

gador a limitar situações de litisconsórcio que, mesmo teoricamente admitidas em lei, acabariam por

trazer mais atrasos do que ganhos de tempo e economia de atos ao processo. É o caso dos chamados

litisconsórcios multitudinários, em que o juiz até mesmo de ofício poderá limitar o litisconsórcio facul-

tativo, quando este comprometer a rápida solução do litígio, ou dificultar a defesa, ou o cumprimento

da sentença (art. 113, §1º, CPC).

Com efeito, vê-se que em tal situação a lei processual ponderou previamente os valores conflitan-

tes, conferindo maior peso à economia processual e à rápida solução dos litígios, em detrimento da

pretendida harmonia e uniformidade dos julgados em certos casos.

6
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Do litisconsórcio no processo civil..., cit., p. 11-12; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Litisconsórcio..., cit., p. 61.

75
Assim sendo, pode-se inferir nesse ponto inicial do estudo que fazer menção ao litisconsórcio não

significa dizer que as partes possuam interesses iguais ou que elas terão o mesmo resultado no pro-

cesso. Há certa variação no tema, como se verá. Enquanto de um lado tem-se o litisconsórcio unitá-

rio, no qual há necessidade de tratamento homogêneo das partes, é possível que um litisconsorte seja

o maior adversário do outro, como nos casos de litisconsórcio eventual ou no alternativo. A título de

exemplo, se há um acidente envolvendo três veículos e o condutor de um deles ajuíza uma demanda

contra os outros dois, cada um dos litisconsortes passivos poderá querer tentar demonstrar que a culpa

é do outro.

Nesse sentido, o litisconsórcio não significa necessariamente que os litigantes tenham interesses

convergentes.7 Além disso, mesmo nos casos em que se admite facultativamente a formação de litis-

consórcio, ainda assim o juiz poderá limitá-lo, sendo a economia processual um valor fundante, mas

não absoluto do litisconsórcio como instituto processual.

As diversas formas de classificação do litisconsórcio que serão destacadas adiante, além do claro

intento de organizar didaticamente o estudo do tema, ainda servem para compreender essas diversas

nuances do litisconsórcio ora brevemente apresentadas, servindo também para definir o regime legal

que determinará a validade e eficácia de certos atos praticados pelos litisconsortes.

2. Litisconsórcio e seus modos de


classificação: ativo/passivo/misto;
inicial/ulterior; simples/unitário;
necessário/facultativo
É imprescindível para o estudo do litisconsórcio a análise das suas diversas classificações, mor-

mente nos casos em que a lei processual aponta consequências legais diversas para suas espécies.

7
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio..., cit., p. 40-42.

76
Nesse ponto, o CPC/2015 operou melhorias redacionais em face do CPC/73 que serão menciona-

das no momento oportuno, conjuntura que de toda forma denota o estado de maior amadurecimento

teórico que esse importante instituto processual alcançou quando do advento da atual codificação.

2.1. Litisconsórcio ativo, passivo e/ou misto


A classificação do litisconsórcio como ativo, passivo ou misto leva em conta em qual dos polos da

relação jurídica processual verifica-se a pluralidade de sujeitos litigantes.

Caso se constate pluralidade de sujeitos no polo ativo, formulando pretensões em juízo, tratar-se-á

de um litisconsórcio ativo; já se o cúmulo subjetivo der-se no polo passivo da relação processual, em

que mais de um sujeito terá contra si formulada uma pretensão, então será o caso de litisconsórcio

passivo. Enfim, o litisconsórcio misto será a situação em que se terá ao mesmo tempo pluralidade de

sujeitos nos polos ativo e passivo da relação processual, havendo mais de um sujeito litigante reque-

rendo algo em juízo e tendo contra si formulado um pleito jurisdicional.

Fredie Didier Jr. atentou para o fato de que o litisconsórcio, como pluralidade de sujeitos em um ou

ambos os polos da relação processual, todavia não se restringe à principal relação jurídica processual.

Isto é, pode haver litisconsórcio em incidentes processuais, ou em recursos, ilustrando essa ideia ao

citar o curioso caso em que autor e réu consorciaram-se para opor embargos de declaração em face

de sentença homologatória de transação judicial.8

2.2. Litisconsórcio inicial ou ulterior


Diz-se litisconsórcio inicial aquele formado desde a propositura da demanda, em que na própria

petição inicial já se indica uma pluralidade de sujeitos, seja no polo ativo, seja no polo passivo, ou em

ambos.

O litisconsórcio ulterior, por sua vez, é aquele que se forma no curso do procedimento, posterior-

mente à propositura da demanda.

Nesse ponto, vale advertir que, apesar de admitido, o litisconsórcio ulterior é medida excepcional,

8
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 509.

77
pois afeta a estabilidade subjetiva da demanda, além de abrir brechas para indevidas violações ao prin-

cípio do Juiz Natural. Para ilustrar esse risco, imagine-se a situação em que dois sujeitos, em situações

idênticas, propõem cada qual a sua demanda, que são distribuídas para juízos distintos. Em um dos

processos, concede-se tutela liminar favorável ao autor, e no outro, não. Nesse caso, seria uma clara

violação ao princípio do Juiz Natural se o autor da ação em que não se concedeu a tutela favorável

simplesmente desistisse do seu processo, para intervir como litisconsorte ativo na outra ação, apenas

para usufruir dos efeitos da tutela liminar nesta sede concedida.

É certo que o princípio do Juiz Natural, na tentativa de garantir a imparcialidade da jurisdição, cria

limitações não apenas para o Estado-julgador, mas também para as partes, que devem se submeter

aos critérios objetivos de livre distribuição da demanda, sem poder escolher o juízo que lhes seja mais

aprazível. Seria então uma clara violação desse princípio, se sujeitos em situações semelhantes, que

poderiam ter formado um litisconsórcio desde o início, deixassem apenas para configurar tal arranjo

quando já soubessem de antemão qual juízo lhe traria um posicionamento mais favorável, burlando os

critérios de livre distribuição e dificultando sobremaneira o Direito de defesa da parte ré.

Em se tratando de mandado de segurança, tal postura desleal é expressamente vedada, dispondo

o §2º, art. 10, da Lei no 12.016/2009, que “o ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após

o despacho da petição inicial”. Ou seja, em mandado de segurança, a formação de litisconsórcio ativo

ulterior somente poderá ocorrer até o despacho da petição inicial, por ser o momento em que o jul-

gador irá aferir quanto ao preenchimento dos requisitos para concessão ou não da tutela liminar.

Quanto ao procedimento comum, regulado pelo CPC/2015, não se tomou tal precaução, o que não

significa dizer que o litisconsórcio ulterior poderá se formar a qualquer momento da demanda, pois

mesmo nesta sede subsiste o risco de essa possibilidade ser utilizada para aviltar o princípio do Juiz

Natural.

Não se deve esquecer que existe um regime de estabilização da demanda, fixando-se a competên-

cia a partir da distribuição ou registro da petição inicial (art. 43, CPC/2015) e se firmando os elementos

objetivos da causa (pedido e causa de pedir), que não poderão ser alterados sem a concordância do

réu até a citação e, mesmo com a concordância deste, somente até a fase de saneamento do processo

78
(art. 329, incisos I e II, CPC/2015). Assim, é de se concluir que também os elementos subjetivos da

demanda não poderiam ser alterados a qualquer momento do curso processual.

A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça firmou em sua jurisprudência o entendimento de que

“por força do princípio da estabilização subjetiva do processo, prestigiado nos arts. 41 e 264 do CPC,

feita a citação validamente, não é mais possível alterar a composição dos polos da relação jurídica

processual, salvo as substituições permitidas por lei” (REsp 151.877/PR, Rel. Ministro Adhemar Maciel,

Segunda Turma, julgado em 8/10/1998, DJ 22/2/1999, p. 92).9

Logo, a possibilidade de formação de litisconsórcio ulterior esbarra no princípio da estabilização

subjetiva da demanda, sendo possível o ingresso posterior de litisconsorte apenas nas excepcionais

situações autorizadas em lei, como nas hipóteses de intervenção de terceiros, em que algumas de

suas espécies servem, justamente, para permitir o controle do ingresso de litisconsortes. Cite-se como

exemplo a hipótese de chamamento ao processo (artigos 130-132, CPC/2015), incidente por meio

do qual se admite o ingresso de litisconsorte passivo, quando a causa versar sobre responsabilidade

solidária.

Além de certos incidentes para intervenção de terceiros, como chamamento ao processo e denun-

ciação à lide, Fredie Didier Jr. também aponta como excepcionais autorizações legais para formação

de litisconsórcio ulterior casos de sucessão processual (art. 110, CPC/2015), bem como de conexão e

continência (artigos 55 e 58, CPC/2015), se impuserem a reunião de causas para julgamento simultâ-

neo.10 Acresça-se a esse rol a novidade trazida pelo atual CPC, ao admitir que o réu proponha recon-

venção em litisconsórcio com terceiro, ou contra o autor e um terceiro (art. 343, §§ 3º e 4º), desse

modo exsurgindo mais interessante autorização legal para formação de litisconsórcio ulterior (ativo ou

passivo), por meio de demanda reconvencional.

2.3 Litisconsórcio unitário e simples


9
Nesse mesmo sentido: AgRg nos EDcl no AREsp 297.191/GO, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em
19/9/2017, DJe 27/9/2017; REsp 435.580/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 3/8/2006,
DJ 18/8/2006, p. 362; REsp 758.622/RJ, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 15/9/2005, DJ 10/10/2005,
p. 366; REsp 617.028/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 29/3/2005, DJ 2/5/2005, p. 344; REsp
1701812 / SP, Rel. Ministro Herman Benjamim, Segunda Turma, DJe 19/12/2017.
10
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito..., cit., p. 510.

79
No litisconsórcio unitário, a relação jurídica compartilhada pelos litisconsortes é incindível, posicio-

namento consagrado pelo art. 116 do CPC/2015, o qual prescreve que “o litisconsórcio será unitário

quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos

os litisconsortes”.11

Nesses termos, o litisconsórcio unitário pressupõe o mesmo objeto litigioso, não bastando que

sejam apenas situações análogas, a exemplo de contribuintes que requeiram ressarcimento em rela-

ção a um mesmo tributo.12 O que faz gerar a existência dessa espécie de litisconsórcio é a possibili-

dade de contradição prática e não apenas lógica entre os capítulos de sentença, sendo inviável, por

exemplo, que em uma ação de anulação de assembleia esta fosse invalidada para um dos acionistas

e continuasse válida para os demais.13

Em regra, a relação jurídica incindível advém do plano do Direito material, a exemplo da ação de

nulidade de casamento proposta pelo Ministério Público, caso em que o resultado há de ser idêntico

para o marido e a esposa. Nada impede, contudo, que essa relação jurídica incindível também seja

de natureza processual, como no caso da propositura de uma ação rescisória, para desconstituição de

decisão por terceiro prejudicado, em que poderá ser exigido litisconsórcio necessário e unitário no polo

passivo, sendo a matéria discutida de ordem exclusivamente processual.14

Fredie Didier Jr. considera a existência de uma estreita relação entre litisconsórcio unitário e a cole-

gitimação, de forma que, para duas pessoas estarem em juízo discutindo uma mesma relação jurídica,

seria preciso que elas tivessem legitimidade ad causam para tanto, ou seja, seria necessário que fos-

sem colegitimadas. Logo, seria possível litisconsórcio unitário entre dois legitimados ordinários, como

condôminos litigando conjuntamente para defesa da coisa comum; entre um legitimado ordinário e

um extraordinário, como nos casos de litisconsórcio entre denunciante e denunciado à lide e, enfim,
11
“Observe-se, porém, que, mesmo nos casos em que o litisconsórcio seja unitário em virtude da natureza una e única da
relação de Direito material, haverá tantas relações processuais quanto sejam os litisconsortes, o que explica o fato de a causa
prosseguir contra os litisconsortes restantes, se um ou alguns deles se retirarem do processo” (SILVA, Ovídio Baptista da.
Comentários ao código de processo civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2005, v. I, p. 200).
12
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio unitário. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 134.
13
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio unitário..., cit., p. 144-145. Há quem entenda que o litisconsórcio unitário
também ocorre nos casos em que há incindibilidade lógica: SICA, Heitor; BONICIO, Marcelo José Magalhães. Ensaio sobre os
aspectos materiais e processuais do litisconsórcio unitário. In MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim (Orgs.). O processo em perspectiva. São Paulo: RT, 2013.
14
ARAÚJO, Fábio de Caldas. Curso de processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016, t. I, p. 558.

80
entre dois legitimados extraordinários, como no caso de legitimados para tutela coletiva.15

No entanto, de uma forma ou de outra, o regime do litisconsórcio é sempre observado a partir do

objeto litigioso do processo. Se, a partir do objeto litigioso, vislumbra-se que o resultado final há de

ser uniforme para todos os litisconsortes, tem-se hipótese de litisconsórcio unitário; se o resultado

pode ser diverso, o caso é de litisconsórcio comum. E é essa análise inicial que determinará qual será

o regime processual das condutas processuais dos litisconsortes.

Logo, vê-se que o litisconsórcio simples define-se por exclusão, abarcando os demais casos que

não sejam considerados como unitários, isto é, quando a relação jurídica discutida no processo não for

de natureza incindível.

Cândido Dinamarco defende ser preferível o termo litisconsórcio comum a litisconsórcio simples para

a descrição desse fenômeno processual. Justifica tal posicionamento em razão do que determinava o

então vigente art. 48 do CPC/73, correspondente ao atual art. 117 do CPC/2015, no qual se determina

que, salvo os casos de litisconsórcio unitário, os litisconsortes devem ser considerados, em suas relações

com a parte adversa, como litigantes distintos, caso em que os atos e omissões de um não prejudica-

rão os outros. Assim, em se tratando de litisconsórcio “simples”, havendo situações jurídico-processuais

diferentes entre os litisconsortes, na verdade, o processo se complica mais ainda, quanto ao tratamento

dado a cada um (por exemplo: um é revel e o outro não; um requereu prova pericial e o outro dispen-

sou; um apelou e o outro deixou a sentença transitar em julgado, entre outros.).16

Verifica-se, então, que a classificação de uma situação de litisconsórcio em simples (comum) ou unitá-

rio repercute diretamente na forma como os atos dos litisconsortes repercutirão na situação dos demais,

sendo regime de litisconsórcio simples quando o objeto litigioso seja cindível e a respectiva decisão de

mérito possa ser diversa para cada um dos litisconsortes; ao passo que o regime será o especial, caso o

objeto litigioso seja incindível e a decisão de mérito deva ser uniforme para todos os litisconsortes.

2.4 Litisconsórcio necessário e facultativo


O artigo 114 do CPC/2015 determina que “o litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou
15
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito..., cit., p. 511.
16
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio..., cit., p. 68.

81
quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de

todos que devam ser litisconsortes”.

Em suma, litisconsórcio necessário é aquele devido quando assim impuser disposição legal, ou

quando assim determinar a “natureza da relação controvertida”, ou seja, quando se tratar de litiscon-

sórcio unitário, em que se discute uma relação incindível, que requer um provimento uniforme para

todos os interessados.

A partir do exposto, é seguro concluir que nem sempre o litisconsórcio necessário será também

unitário, pois haverá casos de litisconsórcio necessário que decorrem de mera determinação legal,

configurando-se como situação de litisconsórcio necessário simples. A esse respeito, o exemplo mais

comentado é o da necessária citação de todos os confinantes do imóvel em ação de usucapião (§3º,

art. 246, CPC/2015). Tal exigência legal é de ordem pragmática, já que os confinantes e o autor da

usucapião não compõem uma relação jurídica incindível e, se não fosse tal comando legal, não seria

imprescindível a presença de todos esses sujeitos no processo.

Por exclusão, quando não se enquadrar o caso na descrição do litisconsórcio necessário, será então

caso de litisconsórcio facultativo, que poderá ou não se formar, a critério dos litigantes. De toda forma,

mesmo em se tratando de litisconsórcio facultativo, deve a situação se enquadrar em alguma das

hipóteses descritas no art. 113 do CPC/2015.

Nesse ponto, contudo, vale uma ressalva. O art. 113 utiliza a locução “duas ou mais pessoas podem

litigar”, o que poderia levar à errônea conclusão de que a escolha do verbo “poder” e não “dever” pelo

legislador significaria que as hipóteses descritas nos incisos desse dispositivo seriam todas casos de litis-

consórcio facultativo. Quanto a essa questão, bem observaram Marinoni, Mitideiro e Arenhart que as

espécies descritas no rol do art. 113 referem-se a qualquer espécie de litisconsórcio, sendo caso de litis-

consórcio necessário se, àquelas situações, somar-se a qualificação exigida pelo art. 114.17

A possibilidade de formação de litisconsórcio facultativo serve claramente à conveniência das par-

tes, desde que admitido legalmente, servindo ainda aos interesses estatais de economia processual e

resolução concentrada de demandas. Todavia, como já adiantado inicialmente, quanto ao litisconsórcio

17
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio. Curso de processo..., cit. Versão digital, tópico 3.3.4.

82
facultativo, admite-se a sua limitação em concreto, quando a grande pluralidade de sujeitos provocar

possibilidade de tumulto processual e prejuízo à defesa, situação na qual o julgador poderá determinar

o desmembramento do litisconsórcio multitudinário (art. 113, §1º, CPC).

Na parte em que trata do litisconsórcio necessário, houve um festejado melhoramento redacional

no trato da matéria, em comparação com a codificação revogada, pois o texto em vigor explica de

forma mais clara as consequências devidas nos casos em que não foi observada a formação do litis-

consórcio necessário.

O artigo 115, que não dispõe de correspondente no CPC/73, determina que a sentença de mérito,

quando proferida sem a integração do contraditório, será: (i) nula, se a decisão deveria ser uniforme

em relação a todos que deveriam ter integrado o processo; ou então (ii) ineficaz, nos outros casos,

apenas para os que não foram citados.

Ora, vê-se que, quando o litisconsórcio necessário for também unitário, a sentença proferida sem

a presença de todos os litisconsortes no feito será nula, desse modo não devendo surtir efeitos, nem

mesmo para aqueles que foram partes no processo. Já se for caso de litisconsórcio necessário sim-

ples, devido apenas por força de lei, a sentença proferida sem a presença de todos os litisconsortes

no feito será válida e eficaz para quem foi parte, não sendo, contudo, eficaz para quem não foi parte

no feito.

Fredie Didier Jr, contudo, defende que, embora o Código fale apenas em ineficácia, seria também

nula a sentença proferida contra litisconsorte necessário simples não citado, sendo caso de sentença

defeituosa, que poderia por isso ser desfeita. Todavia, ressalva que tal defeito apenas poderia ser ale-

gado pelo litisconsorte preterido no feito, o qual teria legitimidade para pretender o reconhecimento

da ineficácia, ou a decretação da nulidade desse provimento jurisdicional defeituoso.18

3. O regime de tratamento do
litisconsórcio – comum (simples) e
18
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito..., cit., p. 524-525.

83
especial (unitário)
Em regra, no litisconsórcio, prevalece o preceito da independência entre os litisconsortes, de forma

que a conduta de um não possa interferir na do outro, situação que inclusive permanece consagrada

na primeira parte do art. 117 do CPC, segundo o qual, “os litisconsortes serão considerados, em suas

relações com a parte adversa, como litigantes distintos”. Trata-se de diretriz histórica do processo bra-

sileiro19 e, igualmente, das codificações estrangeiras, a exemplo da França, Itália e Alemanha.20

No entanto, essa é uma regra dirigida ao regime comum do litisconsórcio. Caso seja hipótese de

litisconsórcio unitário, os litisconsortes estarão envolvidos em uma relação jurídica incindível com

diversos reflexos processuais, influenciando de que forma a conduta de um interferirá na dos demais.

Relembre-se que, no litisconsórcio unitário, a decisão de mérito deve ser uniforme, fazendo com

que seja necessária uma análise cuidadosa da eficácia de cada ato dos litisconsortes.

Em tal situação, tem-se o regime especial do litisconsórcio, regido pela segunda parte do art. 117

do CPC, segundo o qual, “no litisconsórcio unitário [...] os atos e as omissões de um não prejudicarão

os outros, mas os poderão beneficiar”. A disposição normativa não é tão simples e depende de apro-

fundamento doutrinário para que venha a fazer sentido.

Um conhecido critério de sistematização do regime geral do litisconsórcio foi desenvolvido por

Barbosa Moreira. De um lado, têm-se os atos determinantes, que são aqueles a que a lei confere

influência decisiva no desfecho do processo, podendo consistir em condutas comissivas ou omissivas.

Um exemplo do primeiro caso seria a desistência do processo e, do segundo, a ausência de oposição

dos embargos na ação monitória. Por outro lado, têm-se as condutas alternativas, as quais não teriam

aptidão para predeterminar, mesmo que parcialmente, o conteúdo da decisão final. As condutas alter-

nativas seriam aquelas que buscam possibilitar condições para a conquista de uma situação de vanta-

gem no processo, a exemplo do oferecimento da contestação, do ajuizamento de um recurso, entre

outros.21
19
Destaca Elie Pierre Eid que essa tendência era observada desde a época das codificações estaduais, a exemplo de Santa
Catarina (art. 506) e do Espírito Santo (art. 350) e foi mantida nas legislações nacionais. (EID, Elie Pierre. Litisconsórcio
unitário. São Paulo: RT, 2016, p. 169).
20
GUIMARÃES, Luiz Machado. Litisconsórcio e desapropriação. In Estudos de Direito processual civil. Rio de Janeiro/São
Paulo: Jurídica e Universitária, 1969, p. 264-267.
21  DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio..., cit., p. 145.

84
O autor vislumbrava uma natural complementariedade entre as condutas determinantes e as alter-

nativas, afirmando que, para cada conduta determinante haveria uma alternativa. Por exemplo, a con-

duta alternativa da revelia seria o oferecimento da contestação.22

No caso do litisconsórcio unitário, as condutas determinantes, para produzirem efeitos típicos,

dependeriam de que todos os litisconsortes a adotassem. Se apenas um deles, por exemplo, for

revel, a revelia não produziria seus efeitos, diante da contestação de um ou mais litisconsortes.23 Essa

mesma regra deveria ser adotada em relação aos atos determinantes da parte contrária em face dos

litisconsortes.24 Por outro lado, os comportamentos alternativos teriam a aptidão de estender os seus

efeitos a todos os litisconsortes, mesmo que praticados por apenas um deles.25

Há quem adote a mesma nomenclatura, mas se utilize de conceito diverso, afirmando que conduta

determinante é aquela que leva a uma situação desfavorável e, por isso, potencialmente lesiva. Por

outro lado, alternativa seria aquela situação em que a parte almeja a melhora de sua situação, mas,

nesse caso, trata-se de uma melhora que pode ou não ocorrer.26

Barbosa Moreira expressamente rejeita tal ponto de vista, pois, segundo o autor: i) nem sempre

é viável caracterizar o comportamento determinante como favorável ou desfavorável, a exemplo da

transação e ii) o objetivo da legislação não é o de tutelar os litisconsortes omissos, mas tão apenas o

de garantir uma solução homogênea do litígio.27

Dinamarco parece adotar um posicionamento intermediário, ao indicar que a regra geral é a de que

os atos desfavoráveis seriam um conjunto de atos praticamente idênticos ao dos determinantes e os

potencialmente favoráveis seriam praticamente sempre os alternativos. E que a efetiva valia da con-

tribuição de Barbosa Moreira seria a de que o critério por ele proposto “destaca-se especialmente nos

22  BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio unitário..., cit., p. 161-162.


23  BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio unitário..., cit., p. 171-172.
24  BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio unitário..., cit., p. 174.
25  BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio unitário..., cit., p. 161-162.
26  DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 528.
27  BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio unitário..., cit., p. 175.

85
casos em que se mostre difícil saber se o ato é vantajoso ou desvantajoso”.28

A lógica por trás do regime especial é a de manutenção da uniformidade da decisão de mérito.

Em outros termos, ela atuará apenas sobre aqueles atos que possuem aptidão de colocar em risco o

resultado do processo.29

A questão da limitação da eficácia de alguns atos tem por base a noção de legitimidade ad actum,

a qual teria relação com os atos determinantes e justificaria a necessidade de concordância de todos

os litisconsortes unitários para que determinado ato fosse eficaz. O atributo da legitimidade vem dei-

xando de ser verificado tão apenas ad causam para estar relacionado a cada ato processual específico,

inclusive como forma de acompanhar o dinamismo da relação processual. Se o objetivo da legitimi-

dade é o de verificar a pertinência subjetiva no exercício das funções processuais, trata-se de atributo

que só pode ser verificado em “cada caso concreto e para cada ato processual”.30

A legitimidade é um atributo que verifica se o sujeito tem a titularidade da situação jurídica a ser

modificada, não podendo determinar, de forma isolada, alteração na situação jurídica alheia.31 Tendo

por base tal construção jurídica, torna-se mais lógica a acepção de que “inexiste legitimidade para atos

desfavoráveis ou determinantes para além da esfera jurídica do agente”.32

4. Hipóteses de admissibilidade de
litisconsórcio: art. 113, CPC/2015
O artigo 113 do CPC/2015 expõe as situações em que legalmente se admite a conformação de
28
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio..., cit., p. 147.
29
EID, Elie Pierre. Litisconsórcio unitário..., cit., p. 173.
30
CABRAL, Antonio do Passo. Despolarização do processo, legitimidade ad actum e zonas de interesse: sobre a migração
entre polos da demanda. In ZUFELATO, Camilo; YARSHELL, Flávio Luiz (Orgs.). 40 anos da teoria geral do processo no
Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 51. Continua o autor tratando do tema ao afirmar que “Na verdade, a colocação dos
atos em sequência faz com que, com exclusão do primeiro ato da série, cada ato processual dependa, para ser praticado, de
requisitos e pressupostos que somente poderão ser corretamente compreendidos a partir da análise da cadeia formativa dos
atos anteriores e da múltipla e difusa implicação entre eles” (p. 51).
31
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio..., cit., p. 128.
32
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio..., cit., p. 132.

86
litisconsórcio, determinando ser possível duas ou mais pessoas litigarem de forma conjunta, ativa ou

passivamente, quando: “I – entre elas houver comunhão de Direitos ou de obrigações relativamente

à lide; II – entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir; III – ocorrer afinidade

de questões por ponto comum de fato ou de Direito”.

De plano, é possível verificar que há uma hipótese a menos nesse rol, em comparação com o dis-

positivo correspondente no CPC/73 (art. 46), deixando-se de prever litisconsórcio para quando “os

Direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de Direito”. Todavia, tal omis-

são legislativa não representa limitação às hipóteses legais de litisconsórcio, já que, quando ainda

vigente o CPC/73, entendia-se que tal previsão era supérflua, sendo caso de superposição de hipóte-

ses, pois essa hipótese omitida versava sobre situação similar à tratada no então inciso III do art. 46,

do revogado código, atualmente repetida no inciso III do art. 113, acima destacado.33

Antes de se analisar cada uma das três figuras legais autorizadoras de litisconsórcio, é importante

ressaltar ser notável que o rol contido no art. 113 do CPC/2015 é disposto de forma gradativa, isto

é, há um grau decrescente de intensidade entre o vínculo que une os litisconsortes, sendo mais pró-

ximo na hipótese descrita no inc. I, diminuindo gradativamente a intensidade dessa ligação nas hipó-

teses descritas nos incisos II e III. Ademais, essas três figuras legais referem-se ao Direito material

discutido.34

O inc. I do art. 113 descreve o litisconsórcio por comunhão de interesses. Explica Dinarmarco que

essa hipótese expressa a cotitularidade da situação jurídico-material ativa (Direito) ou passiva (obri-

gação) discutida no processo como seu objeto principal.35 Em outras palavras, tal espécie de litiscon-

sórcio ocorre quando se discute no processo, em caráter principal, situação jurídica, ativa ou passiva,

atribuída a mais de um sujeito,36 sendo o tipo legal em que o vínculo entre os litisconsortes será o

mais estreito.

Já o inc. II trata do chamado litisconsórcio por conexão. A conexão, por sua vez, é fenômeno

33
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio..., cit., p. 92-93.
34
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio. Curso de processo..., cit. Versão digital, tópico 3.3.4.
35
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio..., cit., p. 85.
36
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio. Curso de processo..., cit. Versão digital, tópico 3.3.4.

87
processual também versado no art. 55 do CPC/2015, quando duas ou mais causas tiverem em comum

o pedido ou a causa de pedir, situação na qual será possível a junção dos processos em um mesmo

juízo, para julgamento conjunto, modificando-se a competência relativa (art. 54).

A hipótese autorizadora contida no inc. II, do art. 113, portanto, funda-se na lógica de que, se

a conexão pode provocar até mesmo a reunião, em um único juízo, de causas propostas em juízos

diversos, mesmo quando ambos os foros são competentes, então deveria também ser possível que tal

situação desse ensejo à propositura de um único feito, unindo-se os sujeitos interessados em litiscon-

sórcio, desde o início, em favor de uma prestação juridicional harmônica e não conflitante.

Quanto a esse tipo de litisconsórcio por conexão, Dinamarco adverte que caso fosse necessária a

rigorosa identidade entre as causas de pedir, em toda a sua extensão, bem poucos seriam os casos

de demandas verdadeiramente conexas. Logo, para fins de admissibilidade de litisconsórcio, seria sufi-

ciente apenas uma identidade parcial, desde que se tratasse de duas causas de pedir as quais tivessem

em comum o bastante, para que o juiz pudesse a seu respeito se pronunciar, a partir de uma única

convicção.37

Enfim, a figura legal descrita no inc. III, do art. 113, é o chamado litisconsórcio por afinidade,

quando houver questões comuns de fato ou de Direito, sendo, dentre todas as hipóteses, aquela na

qual o liame entre os litisconsortes é o menos próximo. Marinoni, Mitidiero e Arenhart ponderam que

a mera existência de um ponto de fato ou de Direito comum entre as partes não seria o bastante para

ensejar esse tipo de litisconsórcio, quando se tratar de ponto circunstancial ou secundário. Defendem

então que o ponto apto a autorizar o litisconsórcio deve ser o ponto principal, que sustente com pre-

ponderância a posição jurídica das partes.38

O quadro legal exposto pode ser muito bem resumido a partir dos exemplos utilizados por Fredie

Didier Jr., que aponta como caso de litisconsórcio por comunhão aquele formado por condôminos para

proteção do condomínio e o litisconsórcio formado em razão de uma obrigação solidária; ao passo

que seria exemplo de litisconsórcio por conexão aquele formado por denunciante e denunciado e,

enfim, seria caso de litisconsórcio por afinidade aquele formado por titulares de Direitos individuais
37
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio..., cit., p. 87.
38
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio. Curso de processo..., cit. Versão digital, tópico 3.3.4.

88
homogêneos (situações repetitivas).39

5. Intervenção iussu iudicis


Ao se estudar as diversas espécies de intervenção de terceiros, costuma-se classificá-las em espon-

tâneas (quando o próprio terceiro toma a iniciativa de intervir) ou provocadas (quando as partes inte-

ressadas dão início ao incidente de intervenção). No que tange às intervenções que admitem a forma

provocada, não há dúvidas de que tal provocação pode ser realizada pelas partes do processo, que

em certos casos estão autorizadas a convocar sujeito alheio à demanda para que componha a relação

processual, sendo ainda polêmico se tal possibilidade pode ser realizada igualmente pelo juiz da causa.

Essa intervenção por ordem do juiz é justamente o que se chama de intervenção iussu iudicis, tema

que ainda comporta polêmicas à luz do Código de Processo Civil em vigor.

Para que se entenda a extensão dessa problemática, contudo, é pertinente fazer-se menção aos

estudos de Lia Carolina Batista Cintra, que toma o cuidado de esclarecer previamente que intervenção

iussu iudicis é situação distinta da integração do litisconsórcio necessário por ordem do juiz, sendo tal

distinção elementar para a análise do instituto.40

Prossegue a autora defendendo a relevância da análise dessa possibilidade, expressamente prevista

em alguns ordenamentos estrangeiros, ao destacar não ser mais possível que, em um processo civil

ainda acentuadamente publicista, deixe-se ao exclusivo alvedrio das partes a configuração subjetiva

do processo.41 Não obstante a pertinência de tal preocupação, o tema em nosso Direito permanece

polêmico, dividindo-se a doutrina em três correntes distintas, surgidas quando ainda em vigor a antiga

codificação, as quais debatem a possibilidade ou não de tal intervenção por ordem do juiz em nosso

sistema processual.

A primeira corrente defendia essa possibilidade com base no então vigente art. 47, parágrafo único,

do CPC/73 (correspondente ao atual art. 115, parágrafo único do CPC/2015), que autoriza o juiz a

39
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito..., cit., p. 533.
40
CINTRA, Lia Carolina Batista. Intervenção de terceiro por ordem do juiz: a intervenção iussu iudicis no processo civil.
São Paulo: RT, 2017, p. 27.
41  CINTRA, Lia Carolina Batista. Intervenção de terceiro..., cit., p. 28.

89
impor ao autor que promova a citação dos litisconsortes necessários, sob pena de extinção do pro-

cesso. Lia Carolina Cintra critica esse primeiro posicionamento, porquanto incorre em nítida confusão

entre a intervenção iussu iudicis e a formação de litisconsórcio necessário por ordem do juiz, que,

como já destacado inicialmente, são situações distintas. Nos sistemas estrangeiros em que a inter-

venção iussu iudicis encontra-se expressamente consagrada, inclusive, verifica-se a preocupação da

doutrina em não se confundir essa possibilidade legal com a diversa situação da ordem para integra-

ção do litisconsórcio necessário, razão pela qual tal confusão também não poderia ser admitida em

nosso sistema.42

A segunda corrente, por sua vez, capitaneada por Fredie Didier Jr., encontrou eco na jurisprudência

e tomava o art. 47, parágrafo único, do CPC/73 como parâmetro, mas propunha uma interpretação

ampliativa, para permitir que, além da formação do litisconsórcio necessário, permitisse também que

se trouxesse terceiro ao processo nos casos de litisconsórcio unitário facultativo. Lia Carolina Cintra

também critica essa vertente doutrinária, pois apesar de não se agarrar à literalidade da norma (pro-

punha que o terceiro fosse intimado e não citado para integrar o processo caso quisesse), ainda assim

não dava tratamento totalmente autônomo à intervenção iussu iudicis, em face da mera ordem para

integração do litisconsórcio necessário.43

Enfim, a última corrente seria aquela que dissocia totalmente a intervenção iussu iudicis do litis-

consórcio necessário, composta por diversos posicionamentos singulares. Contudo, nessa seara, des-

taque o posicionamento de autores como Heitor Sica que, embora defendesse uma visão mais ampla

do art. 47, parágrafo único do CPC/73, para se admitir ordem do juiz não apenas para formação de

litisconsórcio necessário, mas para todos os casos em que a sentença tivesse aptidão de atingir esfera

jurídica de terceiros, também se ressentia de que, para tanto, essa ampla intervenção do juiz ainda

dependeria de previsão legal específica em nosso sistema.44

O advento do CPC/2015, contudo, não trouxe grandes contribuições nesse ponto, em comparação

com a codificação revogada, identificando a doutrina, contudo, alguns dispositivos do atual CPC que

42  CINTRA, Lia Carolina Batista. Intervenção de terceiro..., cit., p. 30-31.


43  CINTRA, Lia Carolina Batista. Intervenção de terceiro..., cit., p. 31-32.
44  CINTRA, Lia Carolina Batista. Intervenção de terceiro..., cit., p. 32-33.

90
poderiam ser consideradas hipóteses específicas de intervenção iussu iudicis, como a possibilidade de

o juiz, de ofício, determinar no processo autônomo de produção de antecipada de prova a citação de

interessados na produção da prova ou no fato a ser provado (art. 382, §1º, CPC/2015).45 Contudo,

salvo pontuais disposições legais, mesmo a codificação em vigor mostra-se carente de uma previsão

que genericamente autorizasse o juiz a ordenar a intervenção de terceiros, em qualquer caso que se

mostrasse pertinente, e não apenas para integrar o litisconsórcio necessário.

Pontuando
• Definição de litisconsórcio.

• Classificação de litisconsórcio.

• Litisconsórcio simples (comum) e unitário (especial).

• Tipos legais de litisconsórcio: por comunhão, por conexão e por afinidade.

• Intervenção iussu iudicis.

Glossário
LITISCONSÓRCIO: O processo litisconsorcial é um processo cumulativo subjetivo, ou seja, uma

situação em que estão reunidas mais de uma parte, em um, ou mais polos da relação processual.

LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO: Nos termos do artigo 114, do CPC/2015, “o litisconsórcio será

necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficá-

cia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”. Em suma, litisconsór-

cio necessário é aquele devido quando assim impuser disposição legal, ou quando assim determinar

a “natureza da relação controvertida”, ou seja, quando se tratar de litisconsórcio unitário, em que

se discute uma relação incindível, que requer um provimento uniforme para todos os interessados.

LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO: Por exclusão, quando não se enquadrar o caso na descrição do

litisconsórcio necessário, será então caso de litisconsórcio facultativo, que poderá ou não se formar,

a critério dos litigantes. De toda forma, mesmo em se tratando de litisconsórcio facultativo, deve a

situação se enquadrar em alguma das hipóteses descritas no art. 113 do CPC/2015.


45  CINTRA, Lia Carolina Batista. Intervenção de terceiro..., cit., p. 34.

91
LITISCONSÓRCIO UNITÁRIO: No litisconsórcio unitário, a relação jurídica compartilhada pelos litis-

consortes é incindível, posicionamento consagrado pelo art. 116 do CPC/2015, o qual prescreve

que “o litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o

mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes”.

LITISCONSÓRCIO SIMPLES: O litisconsórcio simples define-se por exclusão, abarcando os demais

casos que não sejam considerados como unitários, isto é, quando a relação jurídica discutida no

processo não for de natureza incindível.

INTERVENÇÃO IUSSU IUDICIS: intervenção de terceiro por ordem do juiz, hipótese expressamente

consagrada em diversos ordenamentos estrangeiros, mas que carece de previsão genérica em

nosso sistema processual, mesmo após o advento do CPC/2015. Não se confunde com a ordem

do juiz para integração do litisconsórcio necessário, antes regulada no parágrafo único, art. 47, do

CPC/73, e atualmente disposto no art. 115, parágrafo único do CPC/2015.

92
Verificação de leitura
QUESTÃO 1 - Carlos Augusto propôs ação de rescisão contratual em face de Pedro, que por sua vez
apresentou reconvenção, na qual indicava como reconvindos Carlos Augusto e seu sócio Pedro. Em
tal caso, deve o juiz:
a) Excluir Pedro do polo passivo da ação reconvencional, pois não se admite litisconsórcio entre o
autor da ação originária e um terceiro, em sede reconvencional.
b) Excluir Pedro do polo passivo da ação reconvencional, pois apenas se admite a formação de litis-
consórcio passivo ulterior por meio das espécies típicas de intervenção de terceiro.
c) Admitir a formação do litisconsórcio passivo entre Carlos Augusto e Pedro em sede reconvencional,
desde que a situação tratada enquadre-se nas hipóteses do art. 113 do CPC/2015.
d) Admitir a formação de litisconsórcio passivo entre Carlos Augusto e Pedro em sede reconvencional,
desde que tal arranjo processual não torne o objeto litigioso mais complexo.
e) Extinguir a reconvenção sem resolução do mérito, em razão da ausência de autorização legal para
propositura de demanda reconvencional pelo réu, contra autor e terceiro.

QUESTÃO 2 - Mário e Clarice são casados e litigam conjuntamente em juízo, em demanda na qual se
discute a validade do seu vínculo conjungal, por meio de ação de nulidade de casamento proposta pelo
Ministério Público. Ao ser ouvido em juízo, Mário admite a veracidade de fatos que podem concorrer para
um julgamento final desfavorável a ambos os litisconsortes. Em tal caso, a confissão de Mário:
a) Não deve ser admitida, pois sendo o caso de litisconsórcio unitário, os atos e as omissões de um
não prejudicarão os outros, não sendo possível que a confissão de Mário prejudique Clarice.
b) Não deve ser admitida, pois sendo o caso de litisconsórcio simples, os atos de um litisconsorte ape-
nas serão eficazes desde que sejam para beneficiar o outro.
c) Deve ser admitida, pois em todo caso os litisconsortes serão considerados, em suas relações com
a parte adversa, como litigantes distintos.
d) Deve ser admitida, pois confissão é ato determinante e, por conseguinte, surte plenos efeitos em
caso de litisconsórcio unitário.
e) Deve ser admitida em todo caso, sendo indiferente tratar-se o caso de litisconsórcio simples ou
unitário.

93
QUESTÃO 3 - Antônio e Maria são ambos servidores públicos federais, com vínculo estatutário, exer-

cendo o mesmo cargo e dispondo do mesmo tempo de serviço. Eles foram informados pelo sindicato

de sua categoria de que titularizam Direito ao pagamento de determinada gratificação pela União, enti-

dade pública que, contudo, se recusa a reconhecer referido Direito em sede administrativa. Antônio e

Maria então decidem ingressar em juízo para obter o reconhecimento judicial da verba pecuniária que

entendem fazer jus. Nesse caso, Antônio e Maria:

a) Podem ingressar com uma única ação na Justiça, formando um litisconsórcio ativo por comunhão

de interesses, já que são cotitulares de uma mesma relação jurídica perante a União.

b) Podem ingressar com uma única ação na Justiça, por meio de um litisconsórcio ativo por afinidade,

já que, apesar de cada qual titularizar uma específica relação de Direito de ordem estatutária, com

a União, a situação jurídica de ambos é similar, por dispor de pontos de fatos e de Direito comuns.

c) Não podem litigar conjuntamente, por meio de litisconsórcio ativo, já que a situação descrita não

se enquadra em qualquer das hipóteses autorizativas descritas no art. 113 do CPC/2015.

d) Apenas poderão ter suas pretensões defendidas conjuntamente em juízo, se representados proces-

sualmente pelo sindicato ao qual se encontram vinculados.

e) Devem obrigatoriamente ingressar com uma única ação na justiça, por se tratar de caso de litis-

consórcio necessário por força de lei.

QUESTÃO 4 - Propôs-se ação para anulação de negócio jurídico de compra e venda de bem indivi-

sível, mas apenas foi citado no processo um dos coproprietários da coisa. Caso proferida sentença de

mérito neste feito, mesmo sem a devida integração do contraditório, este provimento será:

a) Válido, porém ineficaz para o coproprietário não citado.

b) Válido e eficaz, inclusive para o coproprietário não citado.

c) Válido e eficaz, salvo para o coproprietário não citado.

d) Nulo, não devendo surtir efeitos para qualquer dos interessados.

e) Nulo e ineficaz, mas apenas para o coproprietário não citado.

94
QUESTÃO 5 - Em se tratando de litisconsórcio multitudinário, que comprometa a rápida solução do
litígio ou dificulte a defesa ou o cumprimento da sentença, a solução prescrita na lei processual será:
a) A necessária extinção do processo sem resolução do mérito.
b) A possibilidade de o juiz limitar o litisconsórcio facultativo, desde que o processo ainda se encon-
tre em fase de conhecimento.
c) A possibilidade de o juiz limitar o litisconsórcio facultativo, seja na fase de conhecimento ou na
fase executiva.
d) A suspensão do processo até a desistência dos litisconsortes sobressalentes.

e) A intimação do Ministério Público para atuar no feito como fiscal do ordenamento jurídico.

Referências bibliográficas
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BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio unitário. Rio de Janeiro: Forense, 1972.

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resse: sobre a migração entre polos da demanda. In ZUFELATO, Camilo; YARSHELL, Flávio Luiz
(Orgs.). 40 anos da teoria geral do processo no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013.

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iudicis no processo civil. São Paulo: RT, 2017.

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DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

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civil. Rio de Janeiro/São Paulo: Jurídica e Universitária, 1969.

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São Paulo: RT, 2017, v. 2. Versão digital.

PASSOS, José Joaquim Calmon de. Do litisconsórcio no processo civil. Salvador, 1952.

SICA, Heitor; BONICIO, Marcelo José Magalhães. Ensaio sobre os aspectos materiais e processuais
do litisconsórcio unitário. In MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim
(Orgs.). O processo em perspectiva. São Paulo: RT, 2013.

SILVA, Ovídio Baptista da. Comentários ao código de processo civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2005, v. I.

95
Gabarito
QUESTÃO 1 - Alternativa C

Como a formação de litisconsórcio passivo ulterior representa quebra da estabilidade subjetiva da

demanda, apenas será admitido de forma excepcional quando houver autorizaçao legal específica. No

caso, o §3º, do art. 343, dispõe que “a reconvenção pode ser proposta contra o autor e terceiro”, desse

modo sendo possível essa espécie de litisconsórcio ulterior por meio de reconvenção.

QUESTÃO 2 - Alternativa A

Mário e Clarice formam necessariamente um litisconsórcio unitário, pois o juiz não teria como anular o

casamento apenas para um desses sujeitos, por se tratar de uma relação jurídica incindível. Logo, em se

tratando de litisconsórcio unitário, nos termos do art. 117, do CPC/2015, “os atos e as omissões de um não

prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar”. A confissão, por sua vez, é um típico ato determinante,

pois provoca o sério efeito de presunção relativa da veracidade do fato confessado, em decorrência disso

podendo até mesmo o juiz dispensar a produção de demais provas sobre os fatos confessados. Como se

trata no caso de um litisconsórcio unitário, a confissão de Mário não pode ser admitida, pois necessaria-

mente prejudica Clarice e, vale repetir, os atos e omissões de um litisconsorte não poderão prejudicar os

outros, mas apenas os beneficiar, quando se tratar de litisconsortes em regime unitário.

QUESTÃO 3 - Alternativa B

Antônio e Maria, apesar de exercerem o mesmo cargo e terem o mesmo tempo de serviço público, titu-

larizam cada qual uma distinta relação de Direito estatutário com a União. Contudo, ambos entendem fazer

96
jus ao mesmo tipo de gratificação, pertinente à categoria de que fazem parte, razão pela qual dispõem da

faculdade de ingressar em juízo conjuntamente, formando um litisconsórcio ativo por afinidade, na forma

como autorizado pelo inc. III, art. 113, do CPC/2015. Ou seja, apesar de Antônio e Maria não serem co-titu-

lares de uma mesma relação jurídica, as suas pretensões perante a União compartilham pontos comuns de

fato e de Direito, sendo similares o suficiente para permitir que ambos postulem seus respectivos Direitos

em uma mesma ação. Trata-se, enfim, de litisconsórcio ativo facultativo.

QUESTÃO 4 - Alternativa D

O artigo 115, inc. I, do CPC/2015 dispõe que: “Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a

integração do contraditório, será: I – nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deve-

riam ter integrado o processo”. Ou seja, caso se debata em juízo relação jurídica incindível, que imponha

decisão uniforme para todos os sujeitos interessados, então a sentença de mérito proferida sem a integra-

ção do contraditório será nula. Tal previsão enquadra-se na situação narrada na questão, de forma que o

provimento de mérito proferido nesse caso será nulo e ineficaz para todos os interessados, inclusive os que

participaram do processo, não apenas o coproprietário não citado. Por se tratar de Direito de propriedade

compartilhado sobre bem indivisível, os coproprietários deveriam formar um litisconsórcio passivo necessá-

rio, de natureza unitária, para que o provimento final seja válido e eficaz. Caso se tratasse de uma situação

que exigiria a formação de um litisconsórcio simples, então o provimento final seria válido, porém ineficaz

para quem não foi parte no processo.

QUESTÃO 5 - Alternativa C

Nesse sentido, veja-se o que prescreve o art. 113, §1º, do CPC/2015: “O juiz poderá limitar o litiscon-

sórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou

na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento

da sentença”.

97
4Assistência. Intervenção
litisconsorcial voluntária.
Amicus Curiae
Objetivo
Apresentar os principais pontos acerca dos temas assistência, intervenção litisconsorcial voluntária e

amicus curiae, primeiramente analisando tais institutos dentro do contexto das intervenções de terceiro,

destacando os imperativos teóricos mais importantes. Em seguida, proceder-se-á à análise específica

de cada uma dessas intervenções, com foco nas principais contribuições trazidas pelo CPC/2015 aos

seus respectivos regimes legais, bem como se pontuando as teses fixadas pelos Tribunais Superiores

a respeito da matéria.

1. Assistência, intervenção
litisconsorcial voluntária e amicus
curiae no contexto das intervenções
de terceiro
Os temas que neste trabalho serão analisados, isto é, assistência, intervenção litisconsorcial volun-

tária e amicus curiae são, cada qual à sua maneira, formas de se admitir a participação de terceiros

em um processo em curso, razão pela qual é pertinente inaugurar-se o estudo de tais espécies a partir

da análise do que se entende por “terceiro” e quais as consequências jurídicas de tal enquadramento.

Com efeito, costuma-se tratar da figura do terceiro em confronto com a figura de parte, como

noções excludentes, sendo considerado terceiro aquele que não se classifique como parte.

Parte, por sua vez, como bem alertou Ovídio A. Baptista da Silva, é um conceito eminentemente

processual, de caráter técnico, empregado pela ciência do processo para definir um fenômeno pro-

cessual, em vista disso sendo imprópria a aplicação do conceito de parte para se tratar de questões

de Direito material. Para esse processualista, apenas as pessoas que tomam parte no processo como

elementos componentes da controvérsia deverão ser designadas como parte, reservando-se, para os

assim considerados “figurantes” da relação processual, a denominação de terceiros. Esses figurantes/

99
terceiros seriam aqueles que, embora não integrantes da lide, participam também do processo, ainda

que em caráter secundário, a exemplo do sublocatário que intervenha na ação de despejo travada

entre o seu sublocador e o locador.1

Cândido Rangel Dinamarco também se preocupou em dar às noções de parte e terceiro um tra-

tamento puramente processual, definindo como parte os sujeitos do contraditório instruídos perante

o juiz, ou ainda os sujeitos interessados da relação processual. Para esse autor, partes não seriam

apenas aqueles que pedem algo em juízo ou têm contra si um pedido formulado, abarcando também

todos aqueles que figurem como titulares das diversas situações jurídicas ativas ou passivas, próprias

da dinâmica da relação jurídica processual (poderes, faculdades, ônus, deveres, sujeição).2

Para Dinamarco, seria então considerado como parte todo aquele sujeito que possa exercer o con-

traditório no processo, mesmo que nada postule para si ou para outrem, desse modo adotando noção

diversa da defendida por Ovídio Baptista, que considerava terceiro as denominadas “partes secundárias”

do processo, que dele participam, mas nada postulam. Assim, o terceiro seria definido a partir de um

conceito negativo, em simétrica oposição ao de parte, sendo considerados terceiros todos aqueles que

não sejam partes em determinado processo, todas aquelas figuras alheias à relação processual, sendo

parte os sujeitos que de qualquer forma possam exercer o contraditório no processo.3

Advirta-se que todo esse esforço teórico para se definir com precisão as categorias processuais de

“parte” e “terceiro” não representa mera firula intelectual, sendo de premente importância para a teo-

ria geral do processo e o estudo do nosso tema em especial, pois, conforme determina o art. 506 do

CPC/2015: “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.

O comando legal em epígrafe resume bem uma das noções mais basilares do nosso sistema pro-

cessual, de que aquele sujeito que não figurou como parte no processo, com aptidão para exercer

o contraditório, não poderá sofrer efeitos deletérios das decisões processuais, que apenas vinculam

quem foi parte.

Assim, caso um terceiro deseje influenciar no provimento jurisdicional a ser exarado em determinado

1
SILVA, Ovídio A. Baptista; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. 5. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 123-124.
2
DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 16-17.
3
DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros..., cit., p. 17-18.

100
processo, exercendo o contraditório de forma parcial, ou caso tenha interesse em ser alcançado pelos

efeitos de futura coisa julgada, deverá ingressar no processo tornando-se parte. As diversas espécies

de intervenção de terceiro servem, justamente, para possibilitar o controle do ingresso de um terceiro

que queira se tornar parte, seja para postular algo, auxiliar uma das partes, ou mesmo para defender

posicionamento ou interesse seu que coincida com o interesse dos litigantes.

Ademais, existem excepcionais situações em que o terceiro, mesmo não sendo parte formal no pro-

cesso, ainda assim será atingido pela coisa julgada, a exemplo da situação descrita no art. 109 e pará-

grafos, do CPC/2015, que regulam a alienação da coisa litigiosa, situação na qual o adquirente sofrerá

os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias, mesmo que não ingresse no processo

como parte (art. 109, §3º). Também nos casos de substituição processual, quando o substituto dispõe

de autorização legal para postular em seu nome Direito de outrem (art. 18, CPC/2015), o substituído

ficará submetido aos efeitos do julgado de processo de que não foi parte. Não por acaso preocupou-

-se a lei em autorizar, expressamente, que tanto o substituído quanto o adquirente da coisa litigiosa

possam intervir no processo como assistentes litisconsorciais (art. 109, §2º e art. 18, parágrafo único,

do CPC/2015), para que, deixando de figurar como meros terceiros, possam exercer o contraditório e

influenciar na decisão final que de todo modo os atingiria.

O citado art. 506 do CPC/2015 garante, enfim, que salvo em hipóteses excepcionais como as

acima descritas, a coisa julgada não prejudicará terceiros. Contudo, tal proposição cinge-se aos efeitos

jurídicos dessa autoridade, isto é, limita somente a aptidão da coisa julgada de modificar/afetar rela-

ções jurídicas de terceiros, não tendo o condão de garantir que a coisa julgada não vá repercutir sobre

sujeitos alheios ao processo de outras formas. A esse respeito, de modo perspicaz, pondera Fredie

Didier Jr. que “todo processo, de alguma maneira, afeta a terceiro. Ora se trata de um reflexo emo-

cional, ora econômico, ora jurídico”.4

Não obstante tais possibilidades práticas de interferência da coisa julgada sobre terceiros, as for-

mas típicas de intervenção de terceiro geralmente admitem que este ingresse em juízo tornando-se
4
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 539.

101
parte, quando mantiver vínculo jurídico com a causa, já que os limites subjetivos da coisa julgada,

como destacado acima, cingem-se às repercussões jurídicas dos seus efeitos sobre os terceiros, ainda

que reflexos.

É em razão desse panorama geral que se denominou de assistência “anômala” a intervenção de

terceiro tratada no parágrafo único, art. 5º, da Lei no 9.469/1997, dispositivo que – a respeito da pos-

sibilidade de a União intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, funda-

ções públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais – determina o seguinte:

“as pessoas jurídicas de Direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que

indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico,

para esclarecer questões de fato e de Direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis

ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de com-

petência, serão consideradas partes”.

Nota-se que tal dispositivo autoriza a União, em certos casos, a intervir em processo, assumindo

a condição de parte, inclusive determinando deslocamento de competência, mesmo quando even-

tual decisão possa lhe afetar apenas do ponto de vista econômico, não precisando sequer demonstrar

interesse jurídico, desse modo quebrando a lógica que sempre imperou nas intervenções de terceiro.

Trata-se de nítido favorecimento dado à União, hipótese anômala de intervenção de terceiro que,

por mitigar a importância do vínculo jurídico com a causa para autorizar a participação da União, sus-

citou polêmicas doutrinárias desde a sua inserção em nosso sistema. Apesar da literalidade da norma

indicar a desnecessidade do interesse jurídico, observou Fábio Caldas de Araújo que o STJ modulou

a aplicação dessa figura legal, passando a exigir a conjugação dos interesses econômicos e jurídicos,

para legitimar a admissão desse tipo de assistência, inclusive para fins de deslocamento de foro.5

Logo, mesmo considerando a hipótese de intervenção anômala da União, é correta a asserção de

que intervenções de terceiros, em regra, requerem a existência de vínculo jurídico do terceiro com

a causa para que sejam admissíveis. Em outras palavras, para que o terceiro passe a figurar como

5
O autor cita como representativo dessa jurisprudência o julgado contido no Ag/AgRED/ED 1.235.368-PE, 1ª Turma, Rel.
Min. Arnaldo Esteves Lima, DJE 27.2.2014 (ARAÚJO, Fábio Caldas de. Curso de processo civil. Tomo I – Parte Geral. São
Paulo: Malheiros, 2016. p. 575-576).

102
parte no processo, exercendo o contraditório, deve demonstrar que as decisões a serem exaradas na

causa em que pretende intervir dispõem da aptidão de afetar relação jurídica sua, ainda que de forma

reflexa, não sendo suficiente interesse na causa de ordem meramente econômica, afetiva, política,

entre outras.

Isso porque intervenção de terceiro é instituto que se fundamenta primordialmente na eficiência

processual e na duração razoável do processo, porquanto possibilita a resolução concentrada do maior

número de questões relacionadas ao objeto da causa, servindo em certos casos também à efetivação

da garantia contraditório, ao permitir que terceiro submetido ao risco de ser afetado pelas decisões de

um processo possa se defender em juízo, evitando prejuízos e influenciando na solução final do caso.6

Enfim, vale destacar a lição trazida por Cândido Rangel Dinamarco que, ao criticar aqueles que não

admitem a distinção entre intervenção de terceiro e litisconsórcio, esclarece que enquanto a interven-

ção de terceiro é um fato, o litisconsórcio é uma situação jurídica, não havendo por que se estranhar

que determinadas espécies de intervenção de terceiro sirvam para propiciar a formação de litiscon-

sórcios (por exemplo: chamamento ao processo), sem que tais figuras legais se confundam, já que de

naturezas distintas.7

Fredie Didier Jr. também considera a intervenção de terceiro um fato jurídico processual, acres-

centando ainda que tal fato não gera processo novo, tão somente efeitos subjetivos e/ou objetivos

no processo já em curso. Subjetivamente podem provocar modificação (art. 339, §1º, CPC/2015), ou

ampliação das partes do processo e, objetivamente, a intervenção pode ampliar ou não o objeto liti-

gioso, havendo casos em que o terceiro interveniente poderá introduzir nova demanda no processo.8

Como não gera processo novo, as intervenções de terceiro são em sua maioria incidentes proces-

suais, podendo em certos casos ensejar uma nova relação jurídica processual, mas ainda assim confi-

gurando um processo incidente, vinculado à ação já em curso (por exemplo: embargos de terceiro e

oposição). De toda forma, como cada espécie de intervenção de terceiro dispõe de requisitos auto-

rizativos próprios, será necessário o controle de sua admissão pelo órgão julgador, que verificará a
6
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil..., cit., p. 540.
7
DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros..., cit., p. 24.
8
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil..., cit., p. 540.

103
legitimidade do terceiro para intervir na causa, não se deixando tal possibilidade à livre conveniência

do terceiro ou das partes.9

Tudo o quanto aqui se expôs acerca do regime jurídico geral das intervenções de terceiros, bem

com seus fundamentos teóricos, aplica-se às espécies que serão a seguir analisadas, quais sejam:

assistência, intervenção litisconsorcial autônoma e amicus curiae. Assim sendo, tais espécies consis-
tem em incidentes processuais, cada qual com seus requisitos próprios de admissibilidade, voltadas a

admitir que terceiro ingresse em processo em curso, para exercer o contraditório como parte.

O Código de Processo Civil em vigor trata das intervenções de terceiro típicas nos artigos 119 a

138, regime no qual sobressai a figura do amicus curiae, em razão de pela primeira vez ter sido inse-

rido como hipótese geral de intervenção de terceiro, porquanto antes apenas era previsto de forma

excepcional em legislação esparsa. As hipóteses de assistência e intervenção litisconsorcial voluntária,

todavia, não restaram indiferentes às novidades da atual codificação, que lhes conferiu um tratamento

mais aprimorado, conforme será analisado a seguir.

2. Assistência e Intervenção
Litisconsorcial Voluntária
2.1. Assistência: noções gerais
A assistência já era prevista no CPC/73, sendo tratada conjuntamente com as situações de litis-

consórcio, em que pese ser propriamente espécie de intervenção de terceiro. No atual regime do

CPC/2015, esse descompasso legislativo foi corrigido, inaugurando-se o tratamento legal das inter-

venções de terceiro típicas, justamente a partir da assistência.

Em comparação com a legislação revogada, a vigente codificação também tratou de, primeira-

mente, introduzir regras gerais aplicáveis a qualquer caso de assistência (artigos 119-120), antes

de tratar especificamente sobre as suas espécies conhecidas como assistência simples e assistência

9
Fredie Didier Jr., apesar de entender necessário o controle judicial da legitimidade do terceiro para intervir, defende a
possibilidade de intervenção atípica, de ordem negocial, situação na qual o julgador restringirá sua análise à validade do
negócio jurídico processual que originou a intervenção atípica, de acordo com o prescrito no art. 190 do CPC/2015, além dos
próprios termos contidos no negócio (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil..., cit., p. 541).

104
litisconsorcial, mais uma vez contribuindo para um tratamento legal mais harmônico e consentâneo

com os fundamentos teóricos desse instituto.

O artigo 119, do CPC/2015, inicia o regramento dessa matéria dispondo que “Pendendo causa entre

2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a

uma delas poderá intervir no processo para assisti-la”. De forma sucinta, assistência pode ser enten-

dida como modalidade de intervenção por meio da qual o terceiro poderá ingressar no processo para

auxiliar uma das partes, autor ou réu.

Acerca do seu regime geral, é pertinente também destacar tratar-se de intervenção de terceiro que

pode se dar tanto de forma provocada como espontânea, ou seja, o terceiro assistente pode tomar a

iniciativa de intervir no processo, ou ser convocado por uma das partes para auxiliá-la.

Ademais, conforme deixa claro o parágrafo único, art. 119, do CPC/2015, a assistência será admi-

tida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo

no estado em que se encontre, sendo, portanto, possível tal espécie de intervenção em processo de

conhecimento, ou execução, assim como em fase recursal, ou de cumprimento.

Ressalve-se, contudo, que não será admitida assistência nos processos dos Juizados Especiais

Cíveis, em razão de expressa vedação legal (art. 10, Lei no 9.099/1995), sendo entendimento sedi-

mentado na jurisprudência do STJ também não ser cabível assistência em sede de mandado de segu-

rança, por ausência de autorização legal específica e por se entender incompatível com a celeridade

desse rito especial.10

2.2. Assistência e interesse jurídico


Ao se tratar dos fundamentos gerais das intervenções de terceiro, destacou-se a necessidade de o

terceiro interveniente demonstrar interesse jurídico para que possa ser admitido como parte, exigência

que a jurisprudência do STJ passou a estender mesmo para os casos de assistência anômala da União,
10
Precedentes: RMS 18.996/MG , 5ª T., Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 20.03.2006; AgRg no MS 7.307/DF, 1ª S., Min.
Milton Luiz Pereira, DJ de 25.03.2002; AgRg no MS 5.690/DF, Rel. Min. José Delgado, 1ª Seção, DJ de 24.09.2001; MS
5.602/DF, Rel. Min. Adhemar Maciel, 1ª Seção, DJ de 26.10.1998; AgRg no MS 7.205/DF, 3ª S., Min. José Arnaldo da
Fonseca, DJ de 16.04.2001. 

105
prevista no parágrafo único, art. 5º, da Lei no 9.469/1997.

Ainda assim, ao prever o regime geral da assistência, o CPC/2015 claramente condiciona a assis-

tência para o terceiro juridicamente interessado (art. 119), exigência reforçada ao se dispor, no pará-

grafo único, do art. 120, que “se qualquer parte alegar que falta ao requerente interesse jurídico para

intervir, o juiz decidirá o incidente, sem suspensão do processo”, levando-se a concluir ser a carência

de interesse jurídico do terceiro a circunstância apta a frustrar o ingresso deste em juízo por meio da

assistência.

Inclusive, será a natureza do interesse jurídico do assistente que irá determinar ser este um assis-

tente simples ou um assistente litisconsorcial, conferindo-se o primeiro regime para quando o ter-

ceiro dispor de interesse jurídico reflexo sobre a causa, ao passo que o segundo será aplicável para o

terceiro que venha a sofrer diretamente os efeitos do julgado, dispondo de interesse jurídico sobre o

objeto litigioso.

Logo, não restam dúvidas de que a análise do interesse jurídico do pretenso assistente sobre o

objeto da causa é circunstância determinante não apenas para legitimar sua intervenção no feito, mas

também definir o regime legal específico de assistência que lhe será aplicado.

Nesse ponto, destaque-se que a jurisprudência dos Tribunais Superiores, em especial do STJ, é

repleta de decisões voltadas a definir, de forma mais precisa, no que consiste tal interesse jurídico,

destacando-se em tal contexto o julgado do AgRg nos EREsp1.262.401-BA, proferido pela Corte

Especial (Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 25/4/2013, noticiado no Informativo 521), em que

se reafirmou que, para fins de assistência, o terceiro deve ostentar interesse jurídico na demanda, não

sendo suficiente, para ensejar a intervenção na condição de assistente, a existência de mero interesse

econômico.

No caso em apreço, em que litigavam entre si duas empresas, o acionista de uma delas tentou

intervir como assistente no feito, sob a justificativa de que sofreria repercussões em seu patrimônio

caso a empresa de que fosse acionista sofresse condenação em tal processo. Nesse caso, contudo,

tal tentativa de intervenção foi rejeitada, pois se entendeu que os alegados efeitos que o pretenso

assistente sofreria seriam reflexos e de ordem puramente econômica, em vista disso rejeitando-se seu

106
ingresso para figurar como assistente.

Também se recusou o ingresso de terceiro como assistente simples em incidente para julgamento

de recurso especial repetitivo (rito do art. 534-C, CPC/73), ao se julgar o REsp 1418593 / MS (Segunda

Seção, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJE 27/05/2014). Em tal julgado, tratava-se de resolver con-

trovérsia referente à purgação da mora em alienação fiduciária, tendo se rejeitado a intervenção de

terceiro que era parte em processo que versava sobre questão idêntica à tratada no julgamento repe-

titivo. Entendeu-se que, nesse caso, o interesse do terceiro era meramente subjetivo, quando muito

reflexo, de cunho meramente econômico. Além disso, o requerente não se enquadrava no rol indi-

cado no então vigente artigo 543-C, § 4º, do CPC/73, além de que nem mesmo os elencados nesse

dispositivo poderiam ser admitidos como assistentes no procedimento dos recursos repetitivos, não

lhes sendo possível nem mesmo a interposição de recurso para impugnar a decisão que viesse a ser

prolatada.

É interessante o destaque a esse julgado, pois nesse caso a tese a ser fixada no julgamento do Resp

repetitivo teria repercussão no julgamento do processo de que era parte o pretenso interveniente, por

terem ambos a mesma questão de fundo e, mesmo assim, entendeu-se ausente no caso o interesse

jurídico apto a autorizar a assistência.

Embora os julgados destacados tenham sido ambos proferidos na vigência do CPC/73, a sua análise

mantém-se como pertinente, porquanto, tanto no regime processual revogado quanto no atual, per-

siste a exigência de interesse jurídico como requisito essencial para ingresso de terceiro como assis-

tente, ainda que como assistente simples. Contudo, os julgados em apreço denotam que essa análise

requer a atenção para elementos concretos do caso, não advindo de um juízo meramente genérico e

abstrato.

2.3. Assistência simples


O artigo 121, do CPC/2015, inicia o tratamento desse tema, prescrevendo que “o assistente simples

atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus

processuais que o assistido”.

107
Cabe assistência simples para os casos em que o interesse jurídico sobre a causa é reflexo, perfa-

zendo aqueles casos em que o assistente não disponha de uma relação jurídica direta com o adversário

do assistido, tampouco seja titular ou cotitular do Direito discutido, mas ainda assim tenha interesse

em auxiliar uma das partes, em razão dos efeitos que possa vir a sofrer em sua esfera de Direitos, em

decorrência do processo em curso.

Para se compreender bem essa hipótese, considere-se que os efeitos de uma decisão processual,

em relação a um terceiro, podem ser: (i) totalmente indiferentes; (ii) provocar um “atingimento” de

fato, sem que o terceiro tenha qualquer relação jurídica com a parte atingida (por exemplo: sujeito

que sofre decréscimo no valor do seu imóvel com decisão que proíbe exploração turística da praia em

que situado o bem; representante comercial de produto retirado do mercado por ordem judicial, etc.);

(iii) atingir juridicamente o terceiro, ainda que de forma reflexa (tabelião que lavrou escritura pública

declarada falsa em juízo); (iv) vincular diretamente o terceiro, o qual poderá ficar submetido à auto-

ridade da coisa julgada (por exemplo: o substituído, quando representado em juízo pelo legitimado

extraordinário para sua causa). A assistência simples é cabível para a situação descrita no item (iii),

sendo caso de assistência litisconsorcial a situação disposta no item (iv), conforme será analisado em

tópico próprio.

Ou seja, não cabe assistência simples, se os efeitos suportados por terceiro com o julgamento de

uma causa forem de ordem puramente econômica, afetiva, política, social, ou se o interesse for moti-

vado por relações de amizade, ou parentesco com uma das partes.

O exemplo mais corriqueiramente utilizado para explicar a possibilidade de assistência simples é

o caso de uma ação de despejo ajuizada com base em contrato de locação, do qual decorreu uma

sublocação. Assim, caso a ação tenha sido proposta pelo locador em face do locatário, o sublocatá-

rio poderá ingressar como assistente simples do locatário, pois, conquanto não tenha relação direta

com o autor da ação, caso seja julgada procedente a ação de despejo, com a consequente rescisão do

contrato de locação, o contrato de sublocação igualmente restará extinto, por ser uma relação jurídica

conexa e acessória à relação locatícia principal.

A respeito do seu regime jurídico, é pertinente destacar as duas principais repercussões legais: (i)

108
o assistente simples dispõe dos mesmos poderes do assistido, mas fica submetido à sua vontade; (ii)

o assistente simples não fica submetido à autoridade da coisa julgada, mas fica impedido de discutir

a “justiça da decisão”, isto é, seus fundamentos.

Quanto à primeira consequência mencionada, o parágrafo único, art. 121, do CPC/2015, expõe que

“sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente será considerado seu subs-

tituto processual”. Esse dispositivo aprimorou o tratamento antes dado a esse ponto, pois o disposi-

tivo correspondente no CPC/73 (art. 52, parágrafo único) dizia que, em caso de revelia, o assistente

simples seria “gestor de negócios” do assistido, figura legal mais propriamente voltada a regular situ-

ações jurídicas de Direito material, sendo mais pertinente o uso da categoria “substituto processual”,

para tratar dos poderes de que disporá o assistente simples quando revel, ou de qualquer outro modo

omissa a parte assistida.

Ademais, veja-se que no regime do CPC/73 só se falava em revelia, mas agora o atual CPC/2015

determina ser o assistente simples substituto processual do assistido quando, além de revel, este tam-

bém for “de qualquer outro modo, omisso”. Entre as diversas repercussões que podem ser aponta-

das, ressalte-se que tal alteração textual ora prejudica antigo entendimento firmado quando vigente a

codificação revogada, em que não se admitia recurso interposto unicamente pelo assistente simples.11

Entendia-se que, quando o assistido por si só não interpunha recurso, não poderia o assistente

tomar tal iniciativa em seu lugar, por se entender ser tal postura incompatível com o regime da assis-

tência simples, que pressupõe a submissão do assistente à vontade do assistido. À luz da atual redação

do parágrafo único, do art. 121 do CPC/2015, tal posicionamento restou superado, conclusão também

defendida por Fredie Didier Jr., para quem o revogado art. 52, parágrafo único, do CPC/73 já poderia

ser aplicado aos demais casos de condutas omissivas do assistido, e não apenas à revelia, entendendo

ter resolvido definitivamente essa questão a redação do atual CPC/2015.12

Esse mesmo autor também traz importantes reflexões sobre o que agora determina o art. 122 do
11
Nesse sentido: STJ – Resp nº 266.219/RJ, Primeira Turma, Relator Ministro Luiz Fux, DJ de 03.04.2006; STJ - REsp:
1056127 RJ 2008/0101451-3, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 19/08/2008, T2 –
SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16.09.2008; STJ - REsp: 535937 SP 2003/0092213-8, Relator: Ministro
HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 26/09/2006, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 10/10/2006,
p. 293; STF – AgR RE: 414015 SP – SÃO PAULO, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 10/03/2015,
Primeira Turma.
12
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil..., cit., p. 548-549.

109
CPC/2015, ao dispor que “a assistência simples não obsta a que a parte principal reconheça a proce-

dência do pedido, desista da ação, renuncie ao Direito sobre o que se funda a ação ou transija sobre

Direitos controvertidos”. Aparentemente, tal dispositivo conflitaria com o parágrafo único, art. 121, do

CPC/2015, deixando confuso até que ponto poderia atuar o assistente simples, sem que isso implique

afronta à vontade do assistido.

Fredie Didier Jr. vislumbra uma solução para esse aparente conflito, usando como fundamento a

distinção entre os atos-fato (atos jurídicos para cuja formação a manifestação de vontade é irrele-

vante) e os negócios jurídicos, em que é imprescindível a manifestação válida de vontade para sua

configuração. A revelia, por exemplo, é um ato-fato processual, que, como destacado no parágrafo

único do art. 121, não impede o assistente de praticar atos como substituto processual do assistido,

por exemplo, interpondo recurso em seu favor. Já atos como desistência, reconhecimento jurídico do

pedido, renúncia ou transação, citados no art. 122, por sua vez, são espécies de negócios jurídicos

processuais, em que a manifestação de vontade é determinante para prolação dos respectivos efei-

tos. Assim, reforçando a ideia de que o assistente deve se submeter à vontade do assistido, quando

o assistente praticar negócio jurídico processual, a atuação do assistente não poderá se sobrepor à do

assistido (por exemplo: caso o assistido desista do processo, não poderá o assistente prosseguir atu-

ando no feito), já em casos de o assistido praticar ato-fato processual (por exemplo: revelia, perda de

prazo, etc.), o assistente poderá atuar suprindo eventuais omissões (por exemplo: o assistente poderá

interpor recurso em favor do assistido revel, além de apresentar defesa, requerer produção de provas,

etc.).13

Por fim, no que concerne aos efeitos da decisão final sobre o assistente simples, o art. 123, caput,

determina que “transitada em julgado a sentença no processo em que interveio o assistente, este não

poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão [...]”, ressalvando tal consequência os inci-

sos I e II desse artigo quando o assistente: (i) pelo estado em que recebeu o processo ou pelas decla-

rações e pelos atos do assistido, foi impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença;

(ii) desconhecia a existência de alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não

13
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil..., cit., p. 546-547.

110
se valeu.

Quando se diz que o assistente não poderá discutir “a justiça da decisão” após o trânsito em jul-

gado, quer-se dizer que não poderá tentar alterar a fundamentação do provimento final exarado, isto

é, os fatos e fundamentos jurídicos que embasaram a sentença, sendo este um dos principais efeitos

decorrentes desse tipo de intervenção.

2.4. Assistência litisconsorcial e intervenção


litisconsorcial voluntária
De forma bastante sucinta, o CPC/2015 resume o tratamento dado à assistência litisconsorcial dis-

pondo que “considera-se litisconsorte da parte principal o assistente sempre que a sentença influir na

relação jurídica entre ele e o adversário do assistido”. Trata-se dos casos em que o interesse jurídico

do terceiro assistente é de ordem direta e imediata sobre o objeto litigioso e não meramente reflexo

e acessório, como na assistência simples.

Como já adiantado em tópicos anteriores, em determinadas situações, a coisa julgada atingirá dire-

tamente a esfera jurídica de sujeitos, mesmo que não tomem parte do processo da qual emanou tal

autoridade. Trata-se dos casos em que se discute em juízo Direito do qual o sujeito alheio seja cotitular

(por exemplo: ação reivindicatória proposta por apenas um dos coproprietários da coisa), ou quando

se admita a substituição processual, encontrando-se o terceiro representado em juízo por um legiti-

mado extraordinário (por exemplo: sindicato que postula Direito em nome de seu filiado).

Em todos esses casos será admitido o ingresso do terceiro como assistente litisconsorcial. Fredie

Didier Jr. identifica também ser caso dessa modalidade de assistência a intervenção de terceiro que,

embora não seja titular da relação jurídica litigiosa, disponha de autorização legal para discuti-la em

juízo como colegitimado extraordinário (nos termos da parte final do art. 18, do CPC/2015), como

ocorre no caso de um dos legitimados à tutela coletiva intervir em ação já proposta por outro legiti-

mado, situação na qual ingressará no feito na qualidade de assistente litisconsorcial.14

Como o vínculo do assistente litisconsorcial com o objeto litigioso é direto, em tal caso não ficará

submetido à vontade do assistido, como ocorre na assistência simples. Com efeito, o assistente
14
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil..., cit., p. 551.

111
litisconsorcial, como a própria nomenclatura já expressa, formará um litisconsórcio ulterior com a parte

assistida, dispondo dos mesmos poderes e lhe sendo conferido o mesmo tratamento.

Alguns autores, como Cândido Rangel Dinamarco, identificam ainda determinada situação jurídica

denominada intervenção litisconsorcial voluntária, em que o terceiro ingressará para formação de

um litisconsórcio ativo ulterior, mas sem se confundir tal modalidade interventiva com a assistência

litisconsorcial.

Explica Dinamarco que essa intervenção litisconsorcial voluntária seria modalidade na qual o ter-

ceiro ingressa, não para meramente auxiliar uma das partes, atuando ad coadjuvandum, mas sim para

requerer em seu próprio nome vantagem análoga à que já vinha sendo pleiteada pelos autores origi-

nários. Trata-se, de fato, da formação ulterior de um litisconsórcio por mera afinidade de questões,

como autorizado pelo art. 113, inc. III, do CPC/2015, em que comumente as pretensões dos litiscon-

sortes comungam apenas um ponto de Direito.15

A intervenção litisconsorcial voluntária ainda teria como característica marcante a propensão de

ampliar tanto a estrutura subjetiva como também o objeto do processo. Isso porque, nesse caso, o

terceiro ingressa buscando um provimento para si e não para auxiliar as partes, ampliando o objeto do

processo na medida do seu pleito. Assim, a sentença deverá conter capítulos autônomos, referentes

à pretensão de cada um dos litisconsortes ativos. Explica ainda Dinamarco ser a intervenção litiscon-

sorcial voluntária diversa da intervenção de colegitimados, pois nesse caso a situação legitimante do

terceiro conflui à mesma res in judicium deducta, sem nada acrescer-lhe.16

3. Amicus Curiae
Ao se tratar sobre aspectos gerais das intervenções de terceiro, expôs-se compor a base teórica

desse instituto as noções de que o terceiro interveniente deve demonstrar interesse jurídico na causa,

além de passar a ostentar o status de parte com a admissão de seu ingresso no feito. Apesar de o

15
DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros..., cit., p. 30.
16
DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros..., cit., p. 30-31.

112
CPC/2015 ter inserido o regramento do amicus curiae na parte das intervenções de terceiro, é possí-

vel notar que tal figura não se enquadra totalmente no padrão dogmático desse instituto processual.

O CPC/2015 concentra a regulação do amicus curiae no art. 138 e seus parágrafos, dispondo o

caput desse dispositivo o seguinte: “O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a espe-

cificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão

irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou

admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com represen-

tatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação”.

A partir do comando legal em epígrafe, é possível observar, de plano, importantes peculiaridades

da figura do amicus curiae, a começar pela não exigência de que essa espécie de interveniente tenha

vínculo jurídico com a causa, ou com as partes litigantes. Justifica-se tal intervenção pelas peculia-

ridades da matéria discutida, autorizando-se o ingresso do amicus curiae quando a controvérsia, em

suma, for relevante, específica ou provocar repercussão social. Ou seja, quando a resolução da con-

trovérsia demandar a análise de questões específicas, tanto do ponto de vista técnico como do ponto

de vista jurídico, ou então quando as questões debatidas no processo extravasarem o âmbito de inte-

resse pessoal das partes, sendo também relevantes para substancial parcela, ou mesmo a totalidade

da sociedade.

Pense-se, por exemplo, em caso no qual se litigue a respeito da liberação ou não de determinado

medicamento para comercialização, em que se faz necessária a análise de critérios técnicos como

resultados de pesquisas científicas determinantes do potencial terapêutico da medicação; ou mesmo

uma situação cuja análise seja estritamente jurídica, mas que mobilize setores sociais politicamente

engajados, como aplicação de políticas de incentivo para estudantes de baixa renda. Em tais situa-

ções, especialmente complexas ou polêmicas, os elementos de convicção apresentados pelas partes

podem se mostrar insuficientes para uma solução a contento, sendo necessário o auxílio de um ami-

cus curiae, para sanar eventuais dúvidas do julgador, apresentar dados adicionais, ou mesmo servir

como um canal aberto de diálogo entre o órgão julgador e a sociedade, desse modo conferindo maior

legitimidade à decisão final.

113
Ademais, vale lembrar que o atual Código de Processo Civil foi editado com o claro intento de

instaurar um sistema de precedentes obrigatórios, os quais se encontram dispostos em seu art. 927.

Quando o julgamento de um caso tem a propensão de formar um precedente obrigatório, o contradi-

tório deverá ser o mais amplo e democrático possível, já que a tese firmada vinculará futuros litigan-

tes que não puderam participar de sua formação. A intervenção de amicus curiae é uma das formas

previstas no CPC/2015, para propiciar esse contraditório mais qualificado.

Tal panorama é bem resumido por Antônio do Passo Cabral, ao expor que a finalidade do amicus

curiae seria trazer ao processo elementos que possam colaborar para uma cognição mais completa

e adequada do julgador, propiciando a formação de uma decisão final mais pluralista, democrática e

legitimando a aplicação do precedente a casos posteriores.17

Esse autor também observou que, tradicionalmente, não se admitia a intervenção do amicus curiae

em processos estritamente individuais, dispondo o STF de maciça jurisprudência nesse sentido, Corte

que igualmente expressava o entendimento de não admitir que pessoa natural figurasse nesse tipo

de intervenção.18 O CPC/2015 modificou esse panorama, ao tratar do cabimento do ingresso de ami-

cus curiae no âmbito do processo comum, sem limitar sua aplicabilidade a procedimentos específicos,

além de dispor expressamente poder figurar nessa intervenção pessoa natural ou jurídica, órgão ou

entidade especializada, desde que tenha representatividade adequada.

Curiosamente, o §1º do art. 138 prevê que “a intervenção de que trata o caput não implica alte-

ração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos


de declaração e a hipótese do §3º”. Trata-se de previsão que bem demonstra a peculiaridade dessa

figura no contexto das intervenções de terceiro, pois, após admitido seu ingresso, o amicus curiae não

disporá dos mesmos poderes de uma parte, sequer provocando tal intervenção a alteração de com-

petência, como ocorre quando ingressa no processo parte que atraia regra de competência em razão

da pessoa, a exemplo da União.


17
CABRAL, Antônio do Passo. Comentários ao art. 138. In STRECK, Lênio; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da.
(Orgs.). Comentários ao código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 215.
18
Explica Antônio do Passo Cabral que o STF entendia que a intervenção do amicus curiae apenas se aplicaria aos processos
de jurisdição abstrata, considerados “objetivos”, nesse sentido citando os seguintes precedentes: STF – MS n. 28.477/GO, rel.
Min. Rosa Weber, DJ 9-5-2014; MS n. 29.058/DF, rel. Min. Celso de Mello, dj 29-5-2013; MS n. 30.952 MC/DF, rel. Min.
Luiz Fux, DJ 11-10-2012. Expõe também como exemplos de precedentes rejeitando pessoa natural como amicus curiae os
seguintes: STF – ADPF n. 205/PI, rel. Min. Dias Toffoli, DJ 24-2-2011; RE n. 566.349/MG, rel. Min. Carmem Lúcia, j. 3-6-
2013. (CABRAL, Antônio do Passo. Comentários ao art. 138..., cit., p. 216 e 219).

114
Em vista disso, há autores como Antônio do Passo Cabral que peremptoriamente afirmam que o ami-

cus curiae, mesmo quando admitido no feito, continua a ser considerado um terceiro, pois não formula
pedido, nem pretensão, tampouco é demandado e nem mesmo em tese afirma-se titular do Direito mate-

rial objeto da controvérsia.19 Por outro lado, há autores como Fredie Didier Jr., que a esse respeito ponde-

ram que o amicus curiae é “parte, pero no mucho”, pois assim será considerado para a defesa em juízo dos

interesses que justificam a sua intervenção, mas não para fins de alteração de competência.20

Como se denota do disposto nos parágrafos do art. 138, o amicus curiae terá apenas dois poderes

preestabelecidos, quais sejam: a possibilidade de opor embargos de declaração, além de recurso da

decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. De acordo com o § 2º, do art.

138, os demais poderes que poderá exercer no processo deverão ser casuisticamente definidos pelo

juiz, ou relator, na decisão que solicitar ou admitir a sua intervenção. Assim, os poderes do amicus

curiae no processo poderão se limitar, por exemplo, a apenas apresentar memoriais, ou ainda realizar
sustentação oral, ser ouvido em audiência, ou qualquer outro poder, ou faculdade, desde que autori-

zado pelo órgão julgador.

Seja ou não entendido como parte na demanda, certo é que tal fixação discricionária e variável

de poderes pelo julgador, além de não provocar alteração de competência com seu ingresso no feito,

é circunstância suficiente para indicar a peculiar posição que o amicus curiae ocupará no processo,

podendo exercer o contraditório para defesa dos interesses que lhe caibam, mas ainda assim de forma

bastante limitada.

Por fim, ressalte-se outro aspecto que torna peculiar a figura do amicus curiae no contexto das

intervenções de terceiro: a possibilidade de tal intervenção ser determinada de ofício pelo julgador. As

intervenções de terceiro ora são espontâneas, quando promovidas pelo próprio terceiro interveniente,

ora são provocadas, quando o terceiro é convocado por outrem a ingressar no processo, mas em regra

essa provocação é promovida pelas partes litigantes. Conferir-se tal possibilidade ao julgador é medida

que inegavelmente prestigia um contraditório substancial e efetivo, representando também mais um

aspecto no qual a figura do amicus curiae foge ao panorama legal típico das intervenções de terceiro.

19
CABRAL, Antônio do Passo. Comentários ao art. 138... , cit., p. 216.
20
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil..., cit., p. 592.

115
Pontuando
• Assistência, intervenção litisconsorcial voluntária e amicus curiae no contexto das intervenções

de terceiro.

• Assistência e Intervenção Litisconsorcial Voluntária.

• Assistência Litisconsorcial e Intervenção Litisconsorcial Autônoma.

• Amicus Curiae.

Glossário
INTERVENÇÃO DE TERCEIRO: Incidente processual ou processo incidente voltado a permitir o

ingresso de terceiro em ação em curso, para que possa exercer o contraditório.

ASSISTÊNCIA: Modalidade de intervenção de terceiro regulada nos artigos 119 a 124 do CPC/2015,

em que o assistente admitido irá atuar no processo prestando auxílio a uma das partes. Comporta

as seguintes espécies: (i) assistência simples, para os casos em que o assistente disponha de inte-

resse jurídico reflexo sobre a causa, podendo exercer os mesmos poderes de parte, mas ficando

submetido à vontade do assistido; (ii) assistência litisconsorcial, para quando o assistente tiver

interesse direto na causa, abarcando os casos em que seja cotitular ou titular exclusivo da rela-

ção jurídica discutida em juízo, ou mesmo quando for um dos colegitimados extraordinários para a

causa, situação na qual será considerado litisconsorte da parte assistida, não ficando submetido à

sua vontade.

INTERVENÇÃO LITISCONSORCIAL VOLUNTÁRIA: Modalidade de intervenção identificada e admi-

tida por poucos processualistas, distinguindo-se da assistência litisconsorcial em razão de o inter-

viente ingressar em juízo não para meramente auxiliar uma das partes, mas para requerer para si

vantagem análoga àquela pleiteada pelo autor originário. Provoca a formação de um litisconsór-

cio ativo ulterior, por afinidade de questões, na forma como autorizado pelo art. 113, inc. III, do

CPC/2015.

116
Verificação de leitura
QUESTÃO 1 -Acerca da assistência, assinale a alternativa correta:

a) O assistente simples atuará como auxiliar da parte principal, sujeitando-se aos mesmos ônus pro-

cessuais, mas sem poder exercer os mesmos poderes do assistido.

b) Sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente ficará impedido de atuar

em seu favor.

c) A assistência simples não obsta a que a parte principal reconheça a procedência do pedido, desista

da ação, renuncie ao Direito sobre o que se funda a ação ou transija sobre Direitos controvertidos.

d) A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, inclusive

nos Juizados Especiais Cíveis.

e) É prescindível a demonstração de interesse jurídico para admissão do assistente.

QUESTÃO 2 - Assinale a alternativa que expõe os poderes processuais preestabelecidos legalmente

ao amicus curiae:

a) Opor embargos de declaração e realizar sustentação oral.

b) Opor embargos de declaração e interpor recurso da decisão que julgar incidente de demandas

repetitivas.

c) Interpor apelação e nomear perito.

d) Realizar acordo e interpor recurso especial e extraordinário.

e) Interpor recurso de qualquer decisão e intervir em audiência.

117
QUESTÃO 3 - Pedro, Roberto e Marcelo são acionistas da empresa PRM LTDA, tendo Roberto pro-
posto ação anulatória de assembleia que modificou o estatuto social dessa sociedade. Concordando
Pedro com a postulação de Roberto e querendo auxiliá-lo a anular a alteração estatutária, poderá
ingressar no processo na qualidade de:
a) Interveniente litisconsorcial autônomo.
b) Assistente simples de Roberto.
c) Assistente simples da empresa demandada.
d) Assistente litisconsorcial de Roberto.
e) Assistente litisconsorcial da empresa demandada.

QUESTÃO 4 - Assinale a alternativa em que consta modalidade de intervenção de terceiro que pro-
voca ampliação do objeto litigioso:
a) Intervenção litisconsorcial voluntária.
b) Assistência simples.
c) Assistência litisconsorcial.
d) Amicus curiae.
e) Todas as alternativas acima.

QUESTÃO 5 - Acerca da assistência, é incorreto afirmar-se o seguinte:


a) O assistente ingressará no processo para auxiliar uma das partes, devendo demonstrar interesse
jurídico na causa.
b) Apenas se admitirá o ingresso de terceiro como assistente na fase de conhecimento, sendo vedada
tal intervenção na fase recursal.
c) O assistente simples atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujei-
tar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido.
d) Considera-se litisconsorte da parte principal o assistente sempre que a sentença influir na relação
jurídica entre ele e o adversário do assistido.
e) Sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente será considerado seu
substituto processual.

118
Referências bibliográficas
ARAÚJO, Fábio Caldas de. Curso de processo civil. Tomo I – Parte Geral. São Paulo: Malheiros,
2016.

CABRAL, Antônio do Passo. Comentários ao art. 138. In STRECK, Lênio; NUNES, Dierle; CUNHA,
Leonardo Carneiro da (Orgs.). Comentários ao código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2017.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros. São Paulo: Malheiros, 2000.

SILVA, Ovídio A. Baptista; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. 5. ed. São Paulo:
RT, 2009, p. 123-124.

119
Gabarito
QUESTÃO 1 - Alternativa C

Nesse sentido, prescreve o art. 122, do CPC/2015: “A assistência simples não obsta a que a parte

principal reconheça a procedência do pedido, desista da ação, renuncie ao Direito sobre o que se funda

a ação ou transija sobre Direitos controvertidos”.

QUESTÃO 2 - Alternativa B

Os poderes do amicus curiae serão discricionariamente definidos pelo juiz ou relator, na decisão

que admitir seu ingresso em juízo. Contudo, os parágrafos 1º e 3º do art. 138 do CPC/2015 conferem

ao amicus curiae a possibilidade de opor embargos de declaração e interpor recurso da decisão que

julgar IRDR.

QUESTÃO 3 - Alternativa D

Pedro e Roberto são ambos acionistas da empresa PRM LTDA, sendo, portanto, cotitulares do

mesmo interesse a uma deliberação societária regular. Logo, Pedro pode ingressar no processo como

assistente litisconsorcial de Roberto, nos termos do art. 124 do CPC/2015.

QUESTÃO 4 - Alternativa A

Ao contrário das espécies de intervenção citadas nas demais alternativas, a intervenção litisconsor-

cial voluntária consiste na única em que se admite acréscimo ao objeto litigioso da causa, pois em tal

modalidade o terceiro intervém requerendo para si vantagem análoga àquela requerida pelos autores

originários, formando um litisconsórcio ativo ulterior por afinidade de questões. Consequentemente,

o objeto litigioso torna-se mais complexo e a sentença a ser exarada terá mais de um capítulo, pois

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deverá analisar a pretensão de cada um dos litisconsortes.

QUESTÃO 5 - Alternativa B

O parágrafo único, art. 119, do CPC/2015 garante que “A assistência será admitida em qualquer

procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que

se encontre”.

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