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Atendimento odontológico ao paciente com hipertensão e diabetes

Capítulo 18 – Atendimento odontológico ao paciente com hipertensão e diabetes

Abordagens clínicas no atendimento de pacientes com hipertensão arterial e


diabetes mellitus

• Anamnese, incluindo história médica detalhada, e exame físico.

• Atualização dos dados da história médica a cada consulta, observando estado geral
do paciente e alterações na posologia dos medicamentos em uso.

• Interação com o médico e acesso ao prontuário do paciente (quando disponível na


Unidade de Saúde) para eventuais dúvidas e esclarecimentos.

• Avaliar a necessidade de ansiolíticos e possíveis interações medicamentosas,


individualizando cada paciente.

• No pré-atendimento do paciente, aferir a pressão arterial e a glicemia capilar em


função do tipo de atendimento a ser executado e quadro clínico do paciente.

Tratamento odontológico no paciente com hipertensão arterial

O tratamento odontológico no paciente hipertenso é sempre uma preocupação


para o cirurgião dentista, no intuito de evitar urgências e emergências hipertensivas.
Uma situação importante aparece quando soluções anestésicas com vasoconstritores
são utilizadas. O primeiro aspecto a ser discutido é sobre a anestesia profunda durante
procedimentos odontológicos de dentística, endodontia, periodontia e cirurgia geral. Os
vasoconstritores propiciam ótima anestesia, pois diminuem a absorção venosa do
anestésico local injetado. Quando o profissional utiliza anestésicos sem vasoconstritor,
torna-se difícil a obtenção de uma anestesia profunda e, portanto, o paciente sentirá dor
durante o tratamento. Diversos estudos clínicos revelaram que a não utilização do
vasoconstritor pode induzir a elevação da pressão sanguínea durante procedimentos
odontológicos devido à anestesia incompleta. A dor e a ansiedade aumentam a
produção de catecolaminas endógenas na medula adrenal, com consequente elevação
da pressão sanguínea. Para todos os pacientes, não só para os hipertensos, a aspiração
com o tracionamento do êmbolo da seringa carpule é essencial quando da infiltração de
um anestésico local contendo vasoconstritor. A injeção intra-arterial pode resultar em
taquicardia grave e hipertensão sistólica, o que poderia potencialmente desencadear
complicações cardiovasculares no paciente.
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Considerando-se o que foi exposto anteriormente e seguindo a classificação da


7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial (2016), recomenda-se que os pacientes com
hipertensão estágio 1 (pressão arterial atingindo níveis maiores do que 140/90 mm Hg,
mas ainda sem ultrapassar 159/99 mm Hg) recebam anestésicos com vasoconstritor
(preferencialmente epinefrina-0,04 mg por sessão de atendimento - Tabela 1) e a
aspiração deve sempre ser realizada.

Controle de epinefrina em pacientes hipertensos conforme tabela abaixo:

Tabela 27: Volume máximo (expresso em número de tubetes com 1,8 mL) das soluções
anestésicas que contêm epinefrina, recomendado para pacientes com hipertensão
arterial controlada, em cada sessão de atendimento.
Concentração e quantidade de Número máximo de tubetes por
epinefrina por tubete mg sessão de atendimento
1:50.000 (0,036 mg) 1
1:100.000 (0,018 mg) 2
1:200.000 (0,009 mg) 4
Quando se emprega uma solução anestésica local contendo epinefrina
1:100.000, o volume máximo recomendado é de 4 mL, praticamente
equivalente ao contido em dois tubetes anestésicos (3,6 mL), ou 8 mL (quase
quatro tubetes), quando a epinefrina estiver na concentração de 1:200.000,
independentemente do sal anestésico a que este vasoconstritor estiver
associado (lidocaína, mepivacaína, articaína ou bupivacaína). As
soluções que contêm epinefrina na concentração de 1:50.000 não são
recomendadas para uso em pacientes hipertensos5.

Fonte: Malamed e Bennett, com adaptações

Observação: o vasoconstritor disponibilizado na Rede Municipal de Saúde


de Ribeirão Preto – Divisão Odontológica é a Epinefrina 1:100.000.

Protocolos de anestesia local para pacientes hipertensos:

Hipertensão estágio 1 – pressão arterial atingindo níveis maiores do que 140/90 mm


Hg, mas ainda sem ultrapassar 159/99 mm Hg, assim aferida no dia da consulta.

• Pode ser submetido a procedimentos odontológicos de caráter eletivo ou de


urgência.

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• Avalie a existência de outras alterações sistêmicas associadas


(cardiovasculares, diabetes, insuficiência renal, distúrbios da tireoide etc.).

• Planeje sessões curtas de atendimento, preferencialmente na segunda parte


do período da manhã (entre 10h e 12h). No caso de procedimentos mais
prolongados, monitore a PA durante a intervenção.

• Prescreva um benzodiazepínico como medicação pré-anestésica, para evitar


o aumento da pressão arterial por condições emocionais.

• Empregue soluções anestésicas contendo epinefrina nas concentrações


1:100.000 ou 1:200.000 (2 a 4 tubetes, respectivamente). Dê preferência para
as soluções com menor concentração de epinefrina.

• Cuidado redobrado para evitar injeção intravascular e não ultrapassar o limite


máximo de dois tubetes anestésicos contendo epinefrina 1:100.000, ou quatro
tubetes com epinefrina 1:200.000, por sessão de atendimento. O volume
máximo para as soluções com felipressina é o equivalente ao contido em três
tubetes.

Hipertensão estágio 2 – pressão arterial atingindo níveis maiores do que 160/100 mm


Hg, mas ainda sem ultrapassar 179/109 mm Hg.

• Os procedimentos odontológicos eletivos estão contraindicados se o paciente


já tiver uma lesão de órgão-alvo, doença cardiovascular ou renal. Neste caso,
encaminhe o paciente para avaliação médica e controle da pressão arterial.
Caso o paciente não tenha complicações citadas acima, podemos realizar o
atendimento.

• Nas urgências odontológicas, cuja intervenção não pode ser postergada, a


conduta mais importante é o pronto alívio da dor, obtido por meio da anestesia
local e remoção da causa. Para tal, empregue uma solução anestésica
utilizando a epinefrina como vasoconstritor na concentração de 1:100.00
(máximo de dois tubetes). É importante que o procedimento seja realizado de
forma rápida (por volta de 30 minutos) e sob sedação mínima (via oral com um
benzodiazepínico ou pela inalação da mistura de óxido nitroso e oxigênio), para
evitar a elevação ainda maior da PA pelo estresse operatório.

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ATENÇÃO: Alguns pacientes podem necessitar de atendimento em ambiente


hospitalar, por apresentarem simultaneamente outras alterações sistêmicas
que aumentam o risco de urgências médicas durante o atendimento
odontológico, dentre elas: insuficiência cardíaca congestiva, arritmias
cardíacas, história prévia de infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular
encefálico e o diabetes mellitus com controle glicêmico inadequado. Esses
aspectos precisam ser avaliados individualmente, de acordo com o quadro
clínico do paciente.

Hipertensão estágio 3 – pressão arterial em níveis mais altos do que 180/110 mm Hg,
mas ainda sem apresentar sintomas.

• Todo e qualquer procedimento odontológico está contraindicado. No caso das


urgências odontológicas, o atendimento deverá ser feito em ambiente
hospitalar, após avaliação médica e redução da pressão arterial para níveis
mais seguros.

ATENÇÃO: A administração de medicamentos anti-hipertensivos para o


controle de hipertensão arterial é uma competência médica. Portanto, o
cirurgião-dentista não deve empregar tais medicamentos em seu consultório,
na tentativa de controlar a pressão arterial do paciente e prosseguir com o
tratamento odontológico, mesmo tratando-se de casos de urgência.

Tratamento odontológico no paciente com diabetes mellitus

Estima-se que 3 a 4% dos pacientes adultos que se submetem a tratamento


odontológico sejam diabéticos, e uma parte significante deles desconhece ser portador
da doença. Dentre as alterações que podem estar presentes nesses pacientes incluem-
se a doença periodontal, considerada como a 6ª complicação crônica do diabetes,
xerostomia e candidíase oral.

O cirurgião dentista deve reconhecer os sinais e sintomas do diabetes, para


facilitar o diagnóstico e tratamento precoce; tratar adequadamente as condições bucais,
e proporcionar boas condições funcionais, conforto e estética ao paciente. Ainda, deve
trabalhar em conjunto com o paciente, com o médico que o assiste e demais
profissionais envolvidos no tratamento para facilitar o controle da doença por tempo
prolongado.
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O diabetes está associado a muitas manifestações bucais, principalmente


aquelas relacionadas a infecções, inflamações e cicatrização lenta e/ou deficiente de
feridas. Hiperglicemia, cetoacidose e doença vascular contribuem para aumentar a
suscetibilidade do diabetes com controle glicêmico inadequado à infecção. A xerostomia
e hipossalivação também são problemáticos, com implicações negativas na cavidade
bucal.

Muitos estudos relatam o aumento na incidência e gravidade de inflamações


gengivais e em especial a doença periodontal, cabendo ao cirurgião dentista todos os
procedimentos clínicos necessários para o controle das mesmas, contribuindo para o
controle do diabetes.

Infecções fúngicas, como a candidíase oral, também podem estar associadas ao


diabetes com controle glicêmico inadequado, e o tratamento também devem ser
executado pelo profissional envolvido no acompanhamento do paciente diabético.

Condutas clínicas no tratamento odontológico de pacientes com diabetes mellitus

• Consultas curtas, preferencialmente no período da manhã.

• Uso de antibióticos determinado pela condição clínica oral.

• O tratamento odontológico nesses pacientes é seguro desde que estejam recebendo


o tratamento médico adequado, sem complicações graves, estando aptos a receber
qualquer tratamento dentário, não requerendo o uso profilático de antibióticos pela
condição sistêmica do diabetes (exceção feita no item anterior que relaciona à indicação
do antibiótico a condição clínica oral).

• O cirurgião dentista deve fazer as seguintes considerações quando for planejar


procedimentos cirúrgicos:

- caso o paciente logo após o procedimento cirúrgico não tenha condições de


fazer a refeição habitual, deve-se, previamente ao atendimento odontológico, consultar
o médico sobre a necessidade de ajuste da para reavaliação da medicação utilizada
para o controle da glicemia e possíveis alterações de dieta.

• Em todos os casos os pacientes devem ser orientados sobre a importância de seguir


a dieta recomendada para uma boa recuperação pós-operatória.

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• A interação prévia com o médico responsável pelo paciente deverá acontecer para
nortear as precauções inerentes ao procedimento cirúrgico a ser executado.

Inter-relação diabetes e doença periodontal

Existe uma relação estreita entre o diabetes e a doença periodontal, esta relação
pode estar intimamente ligada a fatores como o controle glicêmico, duração da doença,
cuidados com a saúde bucal, susceptibilidade a doença periodontal e hábitos, como por
exemplo, o de fumar. Assim como a diabetes pode estar relacionada a alterações nos
padrões de evolução da doença periodontal, sendo considerado um fator de risco a
mesma, a doença periodontal tem sido associada ao mau controle glicêmico.

A inter-relação entre essas doenças representa um exemplo de como uma


doença sistêmica pode predispor uma infecção oral e de como uma infecção oral pode
exacerbar uma condição sistêmica. Fortes evidências demonstram que o diabetes é um
fator de risco para a gengivite e periodontite e que o nível do controle glicêmico do
diabetes parece ser importante nessa relação. A doença periodontal, por sua vez, pode
ter um impacto significativo sobre o diabetes contribuindo para agravar o seu controle
metabólico.

Sabe-se ainda que a prevalência e a gravidade da doença periodontal crônica


aumentam com o avançar da idade, podendo ser exacerbadas nos pacientes idosos,
depois de estarem relativamente estáveis por muitos anos. São apontadas algumas
razões para essas mudanças, tais como: diminuição da destreza manual e acuidade
visual, o que torna o controle do biofilme dental menos eficiente; a redução na
capacidade de defesa do sistema imunológico; e o envelhecimento das células do
periodonto, que tornam o processo de cicatrização mais lento.

O diabetes mellitus é associado a alta morbimortalidade e sua ocorrência vêm


aumentando. A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza o problema como
epidemia global, que atinge mais de 245 milhões de pessoas no mundo. Além das
complicações crônicas, como nefropatia, neuropatia e retinopatia, o diabético também
está relacionado a complicações bucais. A doença periodontal é a complicação oral mais
importante, sendo considerada a sexta complicação clássica do diabetes.

O desenvolvimento da doença periodontal resulta de um processo multifatorial.


Para que ela ocorra, é necessário que haja um desequilíbrio entre os mecanismos
protetores do organismo e a quantidade de bactérias periodontopatogênicas associada
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a fatores de risco. Em pacientes diabéticos ocorrem alterações vasculares e


imunológicas, como disfunção de leucócitos polimorfonucleares, e aumento da
produção de mediadores inflamatórios e alterações metabólicas no tecido conjuntivo,
que interferem no processo de cicatrização e podem afetar qualquer tecido, incluindo o
periodonto, que justificam a maior probabilidade desses indivíduos desenvolverem a
doença periodontal.

É desejável que se estabeleça um protocolo de atendimento de pacientes


diabéticos constando anamnese e (antes dos procedimentos a seguir, orientar o
paciente a bochechar com antisséptico por 2 minutos, abrangendo toda a cavidade
bucal, para diminuir risco de infecção cruzada) exame clínico; exame periodontal
seguindo a sondagem periodontal, índice de placa, índice de sangramento gengival e
nível de inserção clínica, fatores retentivos de placa bacteriana, cáries, restaurações
(contatos excessivos ou falta de contato), ausências dentárias, freio e bridas volumosos;
orientação de higiene oral; condição geral sistêmica; medicações utilizadas; requisição
de avaliação do estado de saúde sistêmica dos pacientes e requisição de exames
laboratoriais, assim como análise dos exames e tipo de terapia requerida e para isso os
pacientes da rede municipal de saúde podem ser referenciados para os Centros de
Especialidades (Periodontia) após a alta na Atenção Básica.

A relação entre a doença periodontal e as doenças sistêmicas já está bem


estabelecida e descrita na literatura, principalmente no que diz respeito ao diabetes
mellitus. Essa relação torna o cirurgião dentista uma peça importante porque o
tratamento periodontal nesses pacientes está associado à melhora do controle
glicêmico, que clinicamente é relevante para o paciente diabético. O diagnóstico precoce
e a prevenção são fundamentais para evitar a perda irreversível dos tecidos de suporte
do dente, que é mais acelerada e severa nesses pacientes.

Considerações finais

Tanto no tratamento odontológico de pacientes hipertensos quanto de diabéticos


caberá ao cirurgião dentista realizar uma história clínica minuciosa assim como a
interação com o paciente, com o médico e demais profissionais envolvidos no
tratamento dessas doenças sistêmicas para que as condições odontológicas possam
estar devidamente equilibradas contribuindo para o tratamento das mesmas. Assim
consideraremos que o indivíduo deve ter sua saúde total considerada para melhora do

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quadro clínico local, bem como a saúde bucal será importante para a recuperação da
saúde total.

Agradecimentos

Agradecemos aos Professores Doutores Ana Carolina Fragoso Motta e Vinícius


Pedrazzi da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto - USP pela revisão deste
capítulo.

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