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A APLICABILIDADE DA EFICÁCIA HORIZONTAL DO DIREITO

FUNDAMENTAL À SAÚDE NA RELAÇÃO ENTRE PARTICULARES NO


CONTEXTO PANDÊMICO: a CPI da Covid-19 no caso Prevent Sênior

THE APPLICABILITY OF THE HORIZONTAL EFFECTIVENESS OF THE


FUNDAMENTAL RIGHT TO HEALTH IN THE RELATIONSHIP BETWEEN
INDIVIDUALS IN THE PANDEMIC CONTEXT: the Covid-19 CPI in the
Prevent Senior case

Ana Luísa Scarduelli Asselli1


Vitor de Almeida Garcia2
Thiago Rodrigues-Pereira3

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………………………………………………..…2
CAPÍTULO 1 - O DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL…………………………………………4
CAPÍTULO 2 - A TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO
BRASIL………………………………………………………………………………………………………………………………………6
CAPÍTULO 3 - A PANDEMIA DO COVID-19 E AS IMPLICAÇÕES NO ATENDIMENTO MÉDICO
ENTRE PLANOS DE SAÚDE E PARTICULARES…………………………………………………………………………….9
CAPÍTULO 4 - A APLICABILIDADE DA TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL NO CASO CPI DA
COVID - PREVENT SÊNIOR………………………………………………………………………………………………………12
CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………………………………………………………………………15
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS………………………………………………………………………………………………..16

RESUMO: No ordenamento jurídico brasileiro não há previsão expressa da aplicação de


direitos constitucionais nas relações entre particulares. Assim, a presente pesquisa, de cunho
bibliográfico e documental, explicativa e qualitativa, pelo método fenomenológico, pretende
analisar a legislação vigente e doutrina para avaliar a viabilidade da aplicação da eficácia direta
dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Utiliza-se, principalmente, do
pensamento de Ingo Wolfgang Sarlet e Robert Alexy como marcos teóricos. Ainda, realiza-se
análise fática da CPI da Covid-19, caso Prevent Senior, com o objetivo de retratar
concretamente os efeitos da não aplicação da teoria da eficácia horizontal.

Palavras-chave: Eficácia horizontal; Direito Constitucional; Covid-19.

1
Mestranda em Direito pela Universidade Estadual do Estado de São Paulo - Unesp FCHS Franca/SP e
pós-graduanda em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito de Franca.
2
Mestrando em Direito pela Universidade Estadual do Estado de São Paulo - Unesp FCHS Franca/SP,
especialista em Direito das Famílias e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito - EBRADI - e especialista
em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito - EPD.
3
Pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Petrópolis -UCP; Pós-doutor em Gestão
do Trabalho para Qualidade do Ambiente Construído - Universidade Santa Úrsula; Doutor e Mestre em
Direito Público e Evolução Social - Universidade Estácio de Sá; Professor Associado da Universidade
Autónoma de Lisboa; Filósofo, Professor, Advogado e Palestrante.

1
ABSTRACT: In the Brazilian legal system there is no express provision for the application of
constitutional rights in relations between individuals. Thus, the present research, of a
bibliographic and documentary nature, explanatory and qualitative, by the phenomenological
method, intends to analyze the current legislation and doctrine to evaluate the feasibility of
applying the direct effectiveness of fundamental rights in relations between individuals. It
mainly uses the thought of Ingo Wolfgang Sarlet and Robert Alexy as theoretical frameworks.
Also, a factual analysis of the CPI of Covid-19 is carried out, in the Prevent Senior case, with
the aim of concretely portraying the effects of the non-application of the theory of horizontal
effectiveness.

Key-words: Horizontal effectiveness; Constitutional right; Covid-19.


.

INTRODUÇÃO
A pandemia mundial do Covid-19 gerou (e ainda gera) mudanças drásticas na
vida de milhares de pessoas, sendo, sem dúvida, a maior crise sanitária enfrentada por
esta geração. Devido a isso, muitas instituições foram pegas desprevenidas com a vasta
e acelerada contaminação causada pelo vírus, dentre as quais, e principalmente, os
sistemas de saúde e hospitais.
Desta feita, incontáveis brasileiros e brasileiras não obtiveram tratamento
adequado ou igualitário ao vírus, mesmo aqueles amparados por planos de saúde. Tal
situação gerou grande comoção social, havendo, inclusive, abertura da investigação que
ficou conhecida como CPI da Covid-19, a qual visa a apuração de supostas omissões e
irregularidades do governo durante a pandemia.
Considerando-se o direito à saúde como direito fundamental, inerente a todos os
cidadãos e seres humanos, a presente pesquisa nasce no intuito de averiguar a
possibilidade de aplicação da chamada teoria da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, visando verificar se o direito à saúde é não só um dever do Estado, como
também de todos, devendo ser cumprido até mesmo entre particulares.
Nesta seara, buscou-se discorrer sobre o direito à saúde como direito
fundamental, verificando-se os pormenores da relação entre planos de saúde e
particulares, bem como elucidando brevemente sobre a teoria da eficácia horizontal dos
direitos fundamentais e sua aplicabilidade no Brasil. No mesmo sentido, checou-se
alguns entendimentos jurisprudenciais sobre o tema, ressaltando-se a excepcionalidade
causada pela pandemia do Covid-19.

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A priori, entende-se como possível e necessária a aplicação da eficácia
horizontal do direito fundamental à saúde nas relações entre particulares, hipótese esta
potencializada no cenário pandêmico, posto tratar-se de direito constitucionalmente
garantido e diretamente atrelado aos máximos princípios da vida e dignidade humana,
muitas vezes violados nas relações entre clientes e planos de saúde.
De maneira dinâmica, dividiu-se o trabalho em quatro capítulos, os quais tratam,
respectivamente, do direito à saúde como direito fundamental; da teoria da eficácia
horizontal dos direitos fundamentais no Brasil; sobre a pandemia do Covid-19 e as
implicações no atendimento médico entre planos de saúde e particulares; e em relação à
aplicabilidade desta teoria na CPI da Covid, mais especificamente no caso da Prevent
Sênior.
Para tanto, foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental, pelo método
fenomenológico, a fim de se interpretar explicativa e qualitativamente o impacto social
causado pelo cenário pandêmico em face a lei constitucional e seus princípios,
amparando-se a pesquisa nos pensamentos de Ingo Wolfgang Sarlet e Robert Alexy
como marcos teóricos.
Por fim, o presente estudo se justifica não somente pela fundamentalidade do
direito pesquisado, qual seja, a garantia à saúde constitucionalmente prevista, mas
também pelo atual cenário sanitário mundial, o qual, devido à pandemia do Covid-19
que já perdura por aproximadamente dois anos e contabiliza 600 (seiscentas) mil mortes
apenas no Brasil, tornou frequente o contraste entre o direito dos particulares (planos de
saúde) e o direito à saúde, posto a superlotação dos hospitais e eventuais escassezes de
recursos médicos (trocaria por) os casos situações em que são violados os direitos
fundamentais dos clientes/pacientes durante o atendimento de casos da doença
disseminada ligados à efetividade de seu direito à saúde, o que coloca em destaque
também posicionamentos políticos relacionados ao tema, como foi o dito pelo atual
Ministro da saúde, Marcelo Queiroga, “melhor perder a vida do que a liberdade”.

CAPÍTULO 1 - O DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL


O ordenamento jurídico brasileiro, por meio de sua Magna Carta, promulgada
em 1988, contempla um amplo rol de direitos fundamentais, compreendidos como um
conjunto de garantias mínimas inerentes aos membros pertencentes à determinada

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comunidade, cuja finalidade é o desenvolvimento da sociedade e de seus membros,
promovendo-se, dentre outros objetivos, a liberdade, igualdade e dignidade da pessoa
humana.
Os direitos fundamentais, não obstante estarem diretamente relacionados à
pessoa humana, diferem-se dos direitos humanos pois detêm uma conceituação mais
concisa, sendo aqueles que foram devidamente reconhecidos e positivados na esfera
constitucional de determinados Estado (SARLET, 2015, s/p).
São caracterizados, ainda, por sua historicidade (posto serem resultado de uma
longa evolução histórica), universalidade (pois podem ser titularizados por qualquer
pessoa), inalienabilidade (são intransferíveis e inegociáveis), imprescritibilidade
(independentemente do tempo passado, não há incidência de prescrição),
vinculatividade (dotados de normatividade) e indivisibilidade (são direitos que se
complementam, não podendo ser apartados) (CAMIN e FACHIN, 2015, pp. 44/46;
FERREIRA e MOTTA, 2020, p. 157).
Tais garantias constitucionais estão estampadas no Título II - “Dos Direitos e
Garantias Fundamentais” - da Constituição Federal brasileira (BRASIL, 1988), o qual
subdivide-se em cinco partes, a saber: direitos e deveres individuais e coletivos
(Capítulo I), direitos sociais (Capítulo II), direitos de nacionalidade (Capítulo III),
direitos políticos (Capítulo IV) e dos partidos políticos (Capítulo V).
No segundo capítulo supracitado, “Dos Direitos Sociais”, localiza-se o direito à
saúde, tópico central do presente estudo. Estampado no caput do artigo 6º da Carta
Maior, lê-se que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.
Sobre o direito à saúde, pode-se listar uma gama de artigos constitucionais que o
tratam especificamente - além do descrito acima -, tais como o 23, II (competência da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios de zelarem pela saúde e assistência
pública), 24, XII (competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal na
proteção e defesa à saúde), 30, VII (competência dos Municípios na prestação de
atendimento à saúde da população), 34, VII, alínea “e” (dever da União de garantir a
aplicação mínima da receita às ações e serviços públicos de saúde), 35, III (dever dos
Estados e União de intervirem nos Municípios e/ou Distrito Federal na hipótese de não

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ter sido aplicado o mínimo da receita às ações e serviços públicos de saúde), 196 (saúde
como dever de todos e do Estado) e 198 (diretrizes às ações e serviços públicos de
saúde).
Não bastasse, tal garantia é também encontrada em textos internacionais como a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 25), Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 12), Convenção dos Direitos da Criança
(art. 25), Convenção sobre a eliminação da discriminação racial (art. 5.º, letra e, IV) e
Convenção sobre o direito dos povos indígenas e tribais em países independentes (art.
25).
Trata-se, este, de um direito de segunda dimensão (igualdade) no cenário de
conquista dos direitos humanos - localizado entre os direitos de liberdade (primeira
dimensão/geração) e fraternidade (terceira dimensão/geração) -, voltado ao mínimo
existencial do ser humano, estando íntima, direta e fortemente ligado ao próprio direito
à vida (FERNANDES, 2020, p. 919).
Neste aspecto, bem elucidam Ferreira e Motta (2020, pp. 162/163):
O direito à saúde engloba assim um feixe de outros direitos, como o direito à
prevenção, ao tratamento adequado, ao recebimento de medicamentos, dentre
outros. E ainda está intrinsecamente relacionado a outros direitos
fundamentais, como o direito à vida e à liberdade.

Em complemento, sobre a relevância do direito à saúde em um contexto social


amplo, Martini e Oliveira (2020, p. 343) afirmam que:
[...] direitos à saúde, na condição de direito social, assume papel visivelmente
preponderante em relação aos demais, mormente por estar intrinsecamente
ligado ao próprio direito à vida e à dignidade da pessoa humana [...]

A significância do direito à saúde está, portanto, intrinsecamente ligada ao


direito à vida, bem como ao princípio maior da constituição brasileira, qual seja, a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), sendo, evidentemente, um direito fundamental
a ser zelado por e para todos.
Não obstante, diante da distinção existente nas relações entre particulares e o
Estado e entre particulares entre si, surge o questionamento de se esta garantia
fundamental e obrigação de proteção por parte Estado também se estenderia a este
último caso; se haveria, portanto, a possibilidade/obrigatoriedade de interferência do

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Estado nas relações entre particulares na hipótese de desatenção a este direito, para se
fazer cumprir, então, a garantia fundamental à saúde constitucionalmente contemplada.
Ademais, sobre os Direitos Fundamentais no estado democrático constitucional,
escreveu Alexy (2014, p. 164) que, “entre, por um lado, os direitos fundamentais e, por
outro lado, o objetivo estatal e os princípios estruturais existem, como ainda deverá se
mostrar, conexões estreitas, mas em parte também relações de tensão”.
Neste aspecto, vale ressaltar que, como bem mencionam Ferreira e Motta (2020,
p. 161), há uma nova perspectiva constitucional, combatente ao positivismo jurídico,
denominada neoconstitucionalismo, sustentada pelo pós-positivismo, que destaca a
“hierarquia formal e axiológica da Constituição que passa a ser o coração, eixo central
do sistema e, também, do ponto substancial para a sobrevivência e manutenção do
Estado de Direito”.
Em busca de uma resposta à indagação trazida, é necessária a análise da possível
aplicabilidade da teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais em solo pátrio,
ponderando-se, também, as excepcionalidades trazidas pelo contexto pandêmico,
conforme será abordado no tópico a seguir.

CAPÍTULO 2 - A TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS NO BRASIL
A Constituição nacional não apresenta expressamente a vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais no Brasil, entretanto, em situações cotidianas nas
relações entre particulares são vislumbradas diversas violações de direitos
fundamentais, com maior frequência, ainda, daquelas perpetuadas pelo Estado, de forma
que os particulares podem representar força tão potente quanto a estatal.
Esse cenário se deve ao liberalismo econômico, em que particulares são
detentores de grandes valores e controlam o mercado de produção tanto quanto, ou
mais, do que o próprio Estado, principalmente em uma sociedade desigual e
amplamente heterogênea como a brasileira, em que os índices de discrepância social são
crescentes.
Nesse sentido, a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais mostra-se
conveniente e necessária para a diminuição ou, ao menos, o impedimento do

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crescimento de violações desses direitos por causa das diferenças sociais entre os
próprios particulares.
Quando se trata da aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares algumas teorias foram desenvolvidas sobre o tema, dentre as quais,
destaca-se, a doutrina americana do state action, que nega a eficácia horizontal dos
direitos fundamentais; a teoria da eficácia indireta ou mediata, intermediária entre a
primeira e a terceira, e a teoria da eficácia direta ou imediata, que sustenta a incidência
direta destes direitos na mesma esfera e que é defendida como a mais adequada de ter
aplicação em território nacional no presente artigo.
A teoria da eficácia direta ou imediata dos direitos fundamentais foi
desenvolvida inicialmente na Alemanha, a partir de Hans Carl Nipperdey, que defendeu
que dos direitos fundamentais fluem diretamente direitos privados subjetivos do
indivíduo, que afetam de forma imediata as relações entre particulares, podendo serem
aplicados sem a mediação do legislador. (NOBRE, 2008, p. 49)
De acordo com a teoria, as ofensas aos direitos fundamentais provêm não apenas
do Estado, mas igualmente dos poderes sociais e de terceiros em geral, de forma que os
direitos fundamentais devem ser aplicáveis diretamente nas relações privadas, ou seja,
sem qualquer interferência ou medida concretizadora por parte dos poderes públicos.
Segundo Jane Reis Gonçalves Pereira (2018, p. 466)
[...] a tese da eficácia direta postula a incidência erga omnes dos direitos
fundamentais, que assumem a condição de direitos subjetivos em face de
pessoas privadas que se encontrem em posições de poder. Nas situações que
envolvem iguais, embora não se aplica a finalidade protetora dos direitos
fundamentais, estes também incidem diretamente, sendo empregados como
parâmetros de aferição da validade de negócios privados.

A grande diferença apontada pela doutrina entre a eficácia indireta e a direta


consiste na desnecessidade, para esta última, de qualquer previsão expressa, por parte
do legislador, para a produção de efeitos, pelos direitos fundamentais, nas relações
privadas. Importante ressaltar que os defensores desta doutrina não defendem uma
aplicação irrestrita, devendo ser utilizada a ponderação e sopesamento, visando uma
solução proporcional e razoável perante um conflito de direitos fundamentais (ALEXY,
2008, p. 103).
Alguns princípios constitucionais são utilizados na argumentação favorável a
aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, tais como o

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princípio da supremacia da constituição que, como normativa básica de toda
coletividade social, também pode ter aplicação nas relações interprivadas; o princípio da
dignidade da pessoa humana, que deve prevalecer em todos os âmbitos da vida social; o
princípio da solidariedade, que se projeta para a coletividade como um todo e não
apenas nas relações entre particulares e Estados; e o princípio da aplicabilidade imediata
dos direitos fundamentais, que estabelece a necessidade de que o direitos fundamentais
possuam a maior eficácia possível.
Neste sentido, é importante ressaltar a diferenciação que se faz necessária entre
regras e princípios, pois neste aspecto está a chave central para a solução apresentada à
colisão de direitos. Os princípios são normas com maior grau de generalidade em
comparação ao das regras, outros critérios estão na determinabilidade dos casos de
aplicação, na forma de surgimento, no caráter explícito do conteúdo axiológico e na
importância para a ordem jurídica. Contudo, ambos são normas e dessa forma devem
ser utilizados como razões para juízos concretos do dever-ser. (ALEXY, 2008, p. 85-88).
De acordo com Wilson Steinmetz (2004, p. 112), dentre todos os princípios
destacados como favoráveis à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, aquele que
possui maior força dogmática de aplicação é o da aplicabilidade imediata dos direitos
fundamentais, pois está diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana
e simboliza a importância da efetividade dos direitos fundamentais como estrutura
normativa básica da sociedade.
Entretanto, essa é uma discussão que ainda não foi finalizada no cenário
brasileiro e sobre a qual não há uma posição definitiva e expressa como em Portugal e
na Alemanha, berço da aplicação da teoria direta da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais. De forma que é possível apresentar também argumentos contraditórios à
aplicação e aos princípios mencionados de acordo com a teoria.
A principal crítica que se faz à eficácia horizontal direta está relacionada à
autonomia privada. De acordo com seus defensores, a autonomia privada sofreria
excessivo controle a partir da aplicação das normas constitucionais nas relações
privadas, fazendo com que o princípio perdesse sua essência.
Outro argumento apontado em relação a teoria direta está no fato de que pode ser
considerada antidemocrática, pois substituiria o papel do legislativo atribuindo maiores
poderes ao judiciário, que faria a aplicação da Constituição aos casos concretos de

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forma direta, sem regras específicas relativas à matéria e quando não houver expressa
manifestação constitucional contrária.
Além disso, outro ponto negativo que se suscita quanto a teoria defesa é o de que
haveria falta de segurança jurídica em sua aplicação. A segurança jurídica a que se
referem os críticos está relacionada a um sistema normativo fechado, com expressas
determinações e não pautado pelo ativismo judicial, muito discutido atualmente.
Diante de todo o exposto, importante destacar que no presente artigo, como
mencionado anteriormente, pretende-se a exposição de razões pelas quais acredita-se
que a teoria mais compatível ao ordenamento jurídico e cenário social nacional seja a da
aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações interprivadas, razão
pela qual se faz no seguinte ponto a análise crítica de um recente e notório caso concreto
aplicando argumentação nesse sentido.

CAPÍTULO 3 - A PANDEMIA DO COVID-19 E AS IMPLICAÇÕES NO


ATENDIMENTO MÉDICO ENTRE PLANOS DE SAÚDE E PARTICULARES
Os impactos ocasionados pela pandemia mundial do Covid-19, os quais se
prolongam até a presente data, são desproporcionais a qualquer outra crise sanitária ou
hospitalar já enfrentada por esta geração. Os índices de contágio e números de óbitos
foram exponenciais, gerando uma superlotação nas instituições médicas e ocasionando a
impossibilidade de atendimento de toda a população de forma minimamente igualitária.
Em janeiro de 2022, somam-se mais de trezentos e treze milhões de casos
confirmados em todo o mundo, tendo sido cinco milhões e meio destes levados a óbito.
Apenas no Brasil, terceiro maior país nos índices globais (tanto em contaminação,
quanto em mortes), atrás apenas dos Estados Unidos da América e Índia, foram
confirmados mais de vinte e dois milhões de casos, havendo uma letalidade de 2,8%, ou
seja, cerca de seiscentas e dezesseis mil mortes no país (BRASIL, 2022, s/p).
Apesar de a intensificação da vacinação ter trazido uma drástica redução na
listagem de contaminados, os índices voltaram a subir neste começo de ano, com um
alerta sobre possíveis variantes do vírus, fato que evidencia que o problema ainda não
foi integralmente sanado ou mesmo controlado.
Por certo que diversas foram as experiências nacionais e regionais por todo o
globo, de forma que se torna inviável buscar abordar, neste momento, o contexto

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internacional. Assim sendo, tratar-se-á tão somente das implicações nos atendimentos
médicos entre planos de saúde e particulares situados no território brasileiro, a fim de
melhor aferir a possibilidade da aplicação da mencionada teoria da eficácia horizontal
dos direitos fundamentais.
Como dito nos tópicos anteriores, a saúde é um direito fundamental, amplamente
amparado pela Constituição Federal de 1988 (como em outros textos legais, nacionais e
internacionais), diretamente relacionado ao direito à vida e também à dignidade da
pessoa humana. Sua proteção por parte do Estado é dever expresso na Carta Maior,
porém, tal garantia seria ampliada também à relação entre particulares e, mais
especificamente, para os fins do presente estudo, entre os pacientes conveniados e os
planos de saúde? Haveria a possibilidade de um particular (plano de saúde) se opor ao
atendimento médico de um paciente devido a critérios cíveis e contratuais?
Visualizando-se o direito à saúde como pertencente ao acervo dos direitos
transindividuais, gênero desenvolvido entre a segunda e terceira geração de Direitos
Humanos e voltado à preservação de uma verdadeira condição de continuidade da vida
humana (SILVA e BÔAS, 2020, p. 13), torna-se questionável compreensão que conclua
pela sobreposição de outra garantia sobre este, posto estar vinculado ao princípio
máximo da Constituição.
Se o entendimento assim o for, ou seja, vislumbrando que os direitos
transindividuais devem ser amparados tanto pelo Estado quanto pelos particulares,
estamos diante da aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, conforme
bem explicita Clara Jaborandy (2016, p. 150):
Em relação aos direitos fundamentais transindividuais, reconhece-se o
correlato dever de proteção a eles que abrange tanto o Estado (eficácia
vertical) quanto os indivíduos (eficácia horizontal), uma vez que, somente a
partir da corresponsabilidade, é que os direitos fundamentais transindividuais
alcançarão sua máxima efetividade. Por estarem ligados ao princípio da
fraternidade, tais deveres serão denominados de deveres de fraternidade. Os
deveres de fraternidade impõem aos indivíduos e às pessoas jurídicas de
direito público e privado, com a devida proporção, a obrigação jurídica de
proteger direitos fundamentais transindividuais [...]. Indubitavelmente, tanto
o Estado quanto o indivíduo são responsáveis por esses direitos e, somente
com a cooperação de ambos (corresponsabilidade), é que se viabilizará a sua
máxima efetividade. (MACHADO, 2016, p. 150).

Esta é uma compreensão que decorre, também, do neoconstitucionalismo citado


anteriormente, a partir do momento que a Constituição é vista como eixo central do

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ordenamento jurídico, norteadora de todos os demais textos legais. Neste sentido,
elucidam Ferreira e Motta (2020, p. 161), ao dizerem que:
[...] os direitos fundamentais passam a ter uma eficácia horizontal,
aplicando-se a todas as relações jurídicas, inclusive entre particulares.
Percebe-se, portanto, que com o atual momento de constitucionalismo vivido,
os direitos fundamentais devem ser implementados da forma mais ampla,
abrangente e eficaz possível.

Pensamento divergente poderia vir a ofender tal direito fundamental e prejudicar


inúmeras pessoas em estado de vulnerabilidade, carentes de atendimento médico e
hospitalar.
Em casos análogos que versam sobre o tema, encontram-se posicionamentos
também do Judiciário sobre o dever do Estado à manutenção e proteção do direito à
saúde, com os dizeres de que “o Poder Público não pode se mostrar indiferente ao
problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão,
em grave comportamento constitucional”, a saber:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO E MANUTENÇÃO EM ESTOQUE. DOENÇA DE
GAUCHER. QUESTÃO DIVERSA DE TEMA COM REPERCUSSÃO
GERAL RECONHECIDA. SOBRESTAMENTO. RECONSIDERAÇÃO.
PREQUESTIONAMENTO. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE OFENSA AO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. CONSTITUCIONAL.
DIREITO À SAÚDE. DEVER. PODER PÚBLICO. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. [...] II – No
presente caso, o Estado do Rio de Janeiro, recorrente, não se opõe a fornecer
o medicamento de alto custo a portadores da doença de Gaucher, buscando
apenas eximir-se da obrigação, imposta por força de decisão judicial, de
manter o remédio em estoque pelo prazo de dois meses. III – A
jurisprudência e a doutrina são pacíficas em afirmar que não é necessário,
para o prequestionamento, que o acórdão recorrido mencione expressamente
a norma violada. Basta, para tanto, que o tema constitucional tenha sido
objeto de debate na decisão recorrida. IV – O exame pelo Poder Judiciário de
ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da
separação dos poderes. Precedentes. V – O Poder Público não pode se
mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir,
ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
Precedentes. VI – Recurso extraordinário a que se nega provimento. STF. 1ª
Turma. RE 429903/ RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em
25/6/2014 (Info 752).

Realizando-se um filtro para situações que envolvem o coronavírus em si,


poder-se-ia citar o Habeas Corpus de nº 563.142, que menciona sobre a necessidade de
“adoção de medidas preventivas de saúde pública para evitar a propagação do vírus”,
pensando-se, assim, como ensinam Martini e Oliveira (2020, p. 348) “no direito à saúde

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vinculado à noção de democracia, ou seja, as mais novas tecnologias devem estar ao
alcance de todos, onde não podemos aceitar a privatização do conhecimento”.
Como elucidado anteriormente, o tema em análise pressupõe a aplicação da
técnica da ponderação, elaborada por Robert Alexy, posto o conflito existente entre
direitos fundamentais. Conforme o autor bem elucida (ALEXY, 2014, p. 192), o
sopesamento ocorre em três diferentes níveis:
A lei da ponderação mostra que a ponderação pode ser dividida em três
passos ou níveis. No primeiro nível trata-se do grau de descumprimento de ou
de interferência em um princípio. A ele se segue, no próximo nível, a
identificação da importância do cumprimento do princípio oposto.
Finalmente, no terceiro nível, identifica-se se a importância do cumprimento
do princípio oposto justifica o descumprimento do outro princípio ou a
interferência nele.

Nesta seara, a fim de se evitar uma genericidade da aplicação da eficácia


horizontal dos direitos fundamentais, essencial que haja a utilização da técnica da
ponderação dos direitos em tela, apoiada esta nos critérios da razoabilidade e
proporcionalidade, visando, sempre, a preservação da vida e da dignidade da pessoa
humana.

CAPÍTULO 4 - A APLICABILIDADE DA TEORIA DA EFICÁCIA


HORIZONTAL NO CASO CPI DA COVID - PREVENT SÊNIOR
O coronavírus, cientificamente denominado como SARS-CoV-2, causador da
doença Covid-19, originariamente descoberta na China no final do ano de 2019, chegou
rapidamente ao Brasil, no começo do ano de 2020, através de um homem que havia
viajado para a Itália naquele mesmo ano, país que viria a ser o epicentro da pandemia
ainda no mesmo mês de março.
A primeira morte em solo brasileiro pela Covid-19 se deu em 12 de março de
2020, demonstrando a força fatal do vírus e prenunciando as dificuldades que estariam
por vir no controle a uma das piores pandemias já ocorridas, levando-se em conta sua
extensão e abalo socioeconômico em escala global.
A doença inédita em seres humanos que rapidamente se espalhou por todo o
globo terrestre exigiu dos governos posicionamentos rápidos e assertivos com a
finalidade de frear o crescimento veloz com que o vírus se propaga e evitar maiores
danos irreversíveis à humanidade.

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Neste sentido a Organização Mundial da Saúde – OMS decretou estado de
Pandemia e emitiu diversas declarações e orientações referentes às medidas preventivas
para o controle do Covid-19, dentre as quais cabe destaque ao isolamento social, a
utilização de máscaras com boa vedação e de álcool em gel em ambientes onde há
impossibilidade de lavar as mãos.
Ocorre que, ao contrário de diversas orientações omitidas por outras nações no
enfrentamento ao vírus, o Governo Federal brasileiro optou por dar visibilidade e gerar
confiabilidade em métodos de prevenção para a doença sem comprovação científica,
dificultando o acesso às medidas necessárias para distribuições de insumos hospitalares
e mantendo-se em posição de completa instabilidade quanto aos Ministros da Saúde,
que chegaram ao número de três neste interim de quase dois anos.
Neste cenário, foi instalada a CPI da Covid-19, como ficou internacionalmente
conhecida, no dia 27 de abril de 2021, com o objetivo de investigar ações, omissões e
inações do atual Governo Federal no enfrentamento da situação pandêmica causada pelo
coronavírus. A comissão formada para acompanhamento das investigações examinou a
aplicação de verbas federais repassadas aos governos estaduais e municipais, ouviu
testemunhas e reuniu informações para embasar seu relatório final, apresentado para
votação em outubro de 2021.
Durante as investigações da CPI, foi realizada denúncia contra o plano de saúde
Prevent Senior, acusado de utilizar e recomendar tratamentos sem comprovação
científica, tratamento precoce através de “kit Covid”, ministrar medicamentos
experimentais sem consentimento de familiares e indicar tratamento paliativo a
pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI) em seus hospitais.
Essas denúncias foram confirmadas por um paciente que esteve 120 (cento e
vinte) dias internado pelo plano e também por um de seus ex-médicos:

Associado há oito anos da Prevent, Andrade foi atendido inicialmente no dia


24 de dezembro de 2020, quando apresentou os primeiros sintomas da
covid-19. Ele recebeu o primeiro atendimento de uma médica por
telemedicina, que determinou o envio de medicamentos do “kit covid” para
sua residência, a ser tomado durante cinco dias. Não melhorou, como piorou.
Assim, em 30 de dezembro, Andrade teve de procurar o pronto-socorro da
Prevent, quando confirmou que estava com a covid-19 e com pneumonia
bacteriana. (RODRIGUES, 2021, s/p)

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Neste sentido, cumpre destacar que o Brasil é signatário do Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, desde 1992, e do
Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, “Protocolo de São Salvador”, desde 1999, os
quais preveem, respectivamente, em seus artigos 12 e 10, o direito de toda pessoa à
saúde, compreendendo o gozo de bem-estar físico, mental e social.
Já no plano nacional, a Constituição Federal de 1988 consagrou o direito
fundamental à saúde em seu artigo 196, como anteriormente mencionado, o qual afirma
que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Esta foi a primeira Carta brasileira a consagrar tal direito ao nível
constitucional, impondo ao Estado uma obrigação positiva de realizar políticas públicas
para sua promoção, proteção e recuperação, como dispõe o dispositivo in fine, de forma
que não pode se falar que tal norma é somente programática, o que corresponderia negar
a força normativa da Constituição. (MENDES, 2014, p. 643)
De acordo com o exposto, entende-se que a aplicação constitucional do direito à
saúde deve se estender até o caso em concreto analisado pela CPI e enfatizado no
presente artigo através da aplicação direta da eficácia horizontal desses direitos nas
relações entre particulares, visto que o tratamento das denúncias foi realizado na mesma
investigação que se dirigia ao Governo Federal e é referente ao direito à saúde, previsto
como direito fundamental, mas que no cenário nacional está dividido entre os trabalhos
desenvolvidos pela seara pública e privada.
A não aplicação direta da eficácia horizontal do direito à saúde nessa relação
entre particulares pode gerar uma injustiça irreparável aos milhares de vitimados pelo
coronavírus que não sobreviveram aos tratamentos contraindicados aplicados pelo plano
de saúde e neste sentido, o princípio da autonomia privada, o argumento sobre ser uma
teoria antidemocrática e eivada de insegurança jurídica, devem ser colocados em
segundo plano, pois ao contrário do que foi afirmado pelo atual Presidente da República
em recente coletiva de imprensa, o direito à liberdade não deve ser sobreposto ao direito
à vida.

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Por este raciocínio, pode ser considerado que a Constituição Federal brasileira,
que dispões, em seu art. 5º, § 1º, que “as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata”, não teria uma expressa vinculação dos poderes
públicos aos direitos fundamentais como em outros ordenamentos jurídicos
anteriormente mencionados, que têm previsões expressas sobre a sujeição dos
particulares aos direitos fundamentais, mas também não há expressa desvinculação, ou
proibição de aplicação da norma.
Em outro sentido, deve ser considerado que, ao elencar os direitos e garantias
fundamentais na Constituição em seu Capítulo I do Título II, o legislador utilizou a
expressão “Dos direitos e deveres individuais e coletivos” e nessa expressão fica clara a
intenção de que não cabe apenas ao Estado a promoção dos direitos fundamentais, mas
à toda coletividade, grupo no qual se enquadra os particulares como os planos de saúde
e seus pacientes.
A sociedade brasileira é muito diversa, está localizada em um território de
proporções continentais em que cada Estado possui características culturais e sociais
muito marcantes de acordo com suas regionalidades. Nesse cenário, é um desafio muito
grande pretender que a uniformização de regras expressas dentro de uma normativa
fechada seja a única forma de se atingir a aplicação de princípios como a dignidade da
pessoa humana, da solidariedade e da aplicação imediata dos direitos fundamentais nas
relações entre particulares.
Ainda, em um cenário pandêmico extraordinário em que os contextos sociais e
políticos se mostram tão instáveis e mutáveis, exigir que a única forma de garantia do
acesso à saúde, direito constitucionalmente previsto, quando não efetivado, não possa
ter em suas demandas judicias interferência direta do texto constitucional pois foi
contratado diretamente entre particulares, é no mínimo, tratar a crise sanitária de forma
hipócrita e desumana e supervalorizar a autonomia privada em relação à vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Isto posto, tem-se como conclusão parcial ao tema tratado que a Teoria da
Aplicação Direta e Imediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é a
que melhor se encaixa no cenário jurídico, que não pode estar dissociado dos cenários
sociais, políticos e econômicos, do Brasil.

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A sociedade brasileira é amplamente heterogênea, posto estar localizada em um
território de proporções continentais em que cada Estado possui características culturais
e sociais muito marcantes de acordo com suas regionalidades. Nesse cenário, permitir
que a uniformização de regras expressas dentro de uma normativa fechada seja a única
forma de se atingir a aplicação de princípios como a dignidade da pessoa humana, da
solidariedade e da aplicação imediata dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares seria equivalente a inibir o acesso à justiça.
Concluir em contrário, sob a argumentação de ser necessário que a autonomia
privada prevaleça em detrimento da vida da população, parece-nos medida desumana e
cruel, não atinente à essência do texto constitucional e seus princípios básicos, além de
ser uma negação ao próprio objetivo ideal de se viver em sociedade.
Ademais, em um cenário pandêmico extraordinário em que os contextos sociais
e políticos se mostram tão instáveis e mutáveis e o acesso ao direito à saúde,
constitucionalmente previsto, tão desrespeitado nas relações entre indivíduos e planos
de saúde, faz-se necessária a aplicação direta e imediata das garantias constitucionais a
fim de que sejam garantidoras também da dignidade a pessoa humana e do direito à
vida.
Desta feita, a aplicação da teoria da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, neste caso, em específico, do direito à saúde, de maneira imediata, é
encarada como a mais adequada ao sentido correto da Constituição Federal brasileira,
visto que o direito à dignidade, saúde e à vida deve amparar a todos, sobrepondo-se aos
demais, em especial à autonomia privada, quando da aplicação da técnica da ponderação
dos princípios.

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