Max Weber subscrevia à afirmação de Trotisk: “todo estado é baseado na força”, e desenvolvia
mais sociologicamente, “o Estado contemporâneo [é] uma comunidade humana que, nos
limites de um território determinado [...], reivindica com sucesso por sua própria conta o
monopólio da violência física legítima”. (...) se sustenta de várias maneiras, ideológica, jurídica,
mas antes de tudo pragmáticas: pela criação, manutenção e comando de uma força física
suscetível, por sua superioridade, de impedir a qualquer outra pessoa o recurso à violência, ou
de contê-lo nos quadros (nível, formação, objeto) que o próprio Estado autoriza. Essa força
pública é mais comumente chamada de polícia. (p. 13).
A polícia é um martelo. Ao contrário da ideia que muitos policiais têm do seu papel – eles sem
veem de bom grado “entre o martelo e a bigorna” (Desaunay, 1989, p.7) -, eles são o martelo
entre o ferreiro e a bigorna. (...) não é a soma infinita das possíveis utilidades do martelo que
pode defini-lo, mas a dimensão comum a todos os seus usos, que é aplicar a força sobre um
objeto. (p.21/22).
Em lugar algum, a polícia detém o monopólio, no sentido estrito do termo, do uso regrado da
coação física. (...) igualmente os guardas da prisão, os funcionários de certos serviços
hospitalares, a autoridade militar em relação aos seus membros, (...) não existe, portanto,
monopólio policial da violência legítima. Em compensação, a força pública tem duas
propriedades que a singularizam: monopólio da força em relação a todos e a força pública é
calibrada de tal maneira que possa vencer qualquer outra força privada. (...) instituição
encarregada de possuir e mobilizar os recursos de força decisivos, com o objetivo de garantir
ao poder o domínio (ou a regulação) do emprego da força nas relações sociais internas. (p.25-
27).
A força física é apenas o mais espetacular do conjunto dos meios de ação não contratuais que
fundam o instrumento policial e que ele detém. A espreita ou campana, a escuta telefônica, a
busca, o recrutamento, a manipulação de informações(...) para outras pessoas caracterizam-se
como violações de direitos individuais e das regras consensualmente admitidas da vida em
comum. Esses meios de ação não contratuais estão legalmente à disposição da polícia, com o
mesmo valor, nem mais nem menos que a força. (...) O que a polícia é encarregada de
satisfazer, ou de manter, é a corrente substancial dos “interesses coletivos”. (p. 28/29).
Toda instituição se específica pelos valores que ela serve. (...) a polícia aplica força que não
tem conteúdo. (p.29). A declaração dos direitos humanos consagra um capítulo inteiro à força
pública, (...) artigo 12 “a garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força
pública; esta é, portanto, instituída em benefício de todos, e não para utilidade particular
daqueles a quem ela é confiada”. (...) A força pública é instituída para garantir, contra qualquer
outra força, os direitos do homem e do cidadão, tais como enunciado pelo artigo 2 da mesma
declaração (“a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”). (p.31).
Aqui é preciso distinguir as duas formas latentes de desvio da força pública. (...) 1. há desvio
partidário provocado pela autoridade política à qual a força pública é confiada (busca de
informações reservadas sobre correntes de poder constituído, manipulação policial,
distribuição política dos efetivos, ...). (...) 2. Desvio corporativo, para “uso particular” do grupo
profissional ao qual é confiada a força pública (utilização dos meios de polícia para fins
individuais, volume e presença policial nas ruas, ...). (...) um dos traços mais poderosos da
cultura policial: a ideia de que a lei, reverenciada em princípio como o alfa e o ômega da
função e da legitimidade de policiais, é, na prática e na tarefa cotidiana, um obstáculo à
eficácia profissional. (p.32 e 34).
Qualquer que seja o escalão territorial de direito comum, o órgão policial sempre está
subordinado a uma autoridade política. A responsabilidade final do comando da força pública,
pela definição de suas orientações gerais, fixação de suas prioridades conjunturais, alocação
de seus meios e, em consequência pela qualidade de suas prestações é política. (...) De
maneira geral, as corporações policiais são rebeldes a essa subordinação ao político. (p. 38).