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ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS FRENTE À OMISSÃO ESTATAL

GUEDES, Maurício Pires¹

PINTO, Mariana Ferreira R²

GT II – Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Palavras-chave: direitos sociais; políticas públicas; ativismo judicial

O constitucionalismo moderno permitiu, além dos chamados “direitos de


liberdade” – que englobam os direitos civis e políticos conquistados por meio das
revoluções liberais que objetivavam a limitação do arbítrio estatal (constitucionalismo
clássico ou liberal) –, o alcance de direitos de 2ª geração ou dimensão, chamados também
de “direitos de igualdade” (constitucionalismo social). Tais direitos, que buscam
sobretudo a igualdade material, foram fruto do entendimento de que não bastava a
abstenção do Estado para concretizar direitos fundamentais. Havendo iguais oportunidades,
o papel estatal deve ser o de intervenção mínima, sendo o modelo mais adequado o Estado
Liberal. Contudo, na presença de diferenças que obstaculizam a vida digna dos cidadãos, o
Estado precisa interferir

Após a Segunda Guerra Mundial, teve início o constitucionalismo contemporâneo ou


neoconstitucionalismo, que consagrou os direitos conquistados e foi além. O
neoconstitucionalismo teve como matriz jusfilosófica o pós-positivismo. Uma das principais
críticas ao modelo positivista, adotado nos séculos XVIII ao XX, foi a falta de critérios
valorativos para a aplicação da norma, favorecendo inúmeras vezes, decisões afastadas da
concepção de justiça. O pós-positivismo, surgido a partir da segunda metade do século
XX, é uma tentativa de alicerçar bases filosóficas para sanar tal problemática, com o
escopo de pôr em prática direitos constitucionais por meio da verificação axiológica das
normas aplicáveis ao caso concreto.

Assim, o novo posicionamento teórico permitiu a abertura valorativa do sistema;


alçou os princípios à categoria de normas jurídicas; fez com que o local principal de
localização dos princípios fosse a própria Constituição, ampliando sua incidência; e, por
fim, aumentou a força política do Judiciário ante a constatação de que o intérprete também
cria a norma (FERNANDES; BICALHO, 2011, p. 10).

¹ Mestre em Direito. Professor da Graduação em Direito da Universidade Católica de Petrópolis.


mauricio.guedes@ucp.br http://lattes.cnpq.br/2444648587250384
² Graduanda em Direito na Universidade Católica de Petrópolis marianapnt@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/2489964666453969
No Brasil, a tradição pós-positivista deu ensejo à consagração de amplo rol de
princípios na Constituição de 1988, fazendo com que a atuação do Poder Judiciário se
modificasse. Somado a isso, a Magna Carta também ampliou o rol de direitos
fundamentais e sociais que, para serem concretizados, dependem das políticas públicas,
tradicionalmente realizadas pelo Executivo e Legislativo.

Os direitos sociais caracterizam-se como direitos às prestações sociais por parte


do Estado, havendo a exigência de atuação positiva na prestação de políticas públicas –
ações governamentais ou programas estatais, desenvolvidos de maneira direta ou indireta,
com a colaboração de entes públicos ou privados objetivando garantir os direitos sociais
constitucionalmente previstos. Entende-se, assim, que tudo o que o art. 6º da Constituição
Federal afirma serem direitos sociais é dever do Estado efetivar e, ficando caracterizada a
omissão do poder público, torna-se possível o ajuizamento de ações perante o Judiciário,
para que este tome medidas cabíveis à proteção dos direitos (CANELA JÚNIOR apud
GRINOVER, 2013, p. 129).

Por se tratarem de direitos fundamentais do indivíduo, não é lícito que a


Administração Pública seja omissa na proteção, e o Judiciário deve intervir, com a missão
de interpretar as normas constitucionais que preveem direitos fundamentais, tornando
possível a aplicação imediata destes. Porém, as decisões judiciais que tem foco nas
políticas públicas, por serem baseadas muitas vezes em princípios, implicam em amplo
processo interpretativo, ensejando o ativismo judicial.

Busca-se realizar com o presente estudo abordagem crítica sobre o controle


jurisdicional de políticas públicas, no sentido de aferir sua legitimidade no Estado
Democrático de Direito e compreender em que medida ele é responsável pelo ativismo
judicial, apontando meios necessários para seu controle.

Atualmente, o ativismo judicial é alvo debates e enseja diferentes visões; uma


delas afirmando, inclusive, se tratar de prática arriscada que compromete o equilíbrio
entre os poderes, pois seria o exercício da função jurisdicional para além dos limites
apresentados pelo ordenamento, implicando numa espécie de má consciência do Poder
Judiciário sobre sua atuação, ditada pela tripartição de poderes do Estado Constitucional
de Direito.

Por outro lado, é possível compreender que a separação das funções tem como
escopo viabilizar a máxima efetividade das normas constitucionais (NUNES;
COUTINHO; LAZARI, 2015, p. 211). No Estado Democrático de Direito não se pode
mais falar em neutralidade, já que o Judiciário, para estar alinhado aos escopos do próprio
Estado, precisa vincular-se à política estatal. Desse modo, a manifestação do Judiciário no
sentido de efetivar os direitos sociais constitucionalmente previstos trata-se, além de
correção da omissão estatal, de uma compreensão de que no neoconstitucionalismo o
magistrado não deve ser mero repetidor daquilo que dispõe a lei, buscando atender a
proteção do indivíduo, que se constitui na razão de existência do Estado.

O professor Luís Roberto Barroso admite admite a posição ativista do Supremo


Tribunal Federal, como consequência da conjuntura pós-constituição de 1988
(BARROSO, 2009, p. 6). Segundo o autor, o Estado existe para atender ao bem comum e
satisfazer direitos fundamentais, garantindo, assim, a igualdade material entre os cidadãos.
O dever de abstenção passa a ser substituído por um dever prestacional, por meio de
atuação positiva que permita fruição dos direitos de liberdade da primeira geração e os
novos direitos (GRINOVER, 2013, p. 126).

A Constituição de 1988 estabelece objetivos fundamentais em seu art. 3º. Desde


então, o Estado Social de Direito transforma-se em Estado Democrático de Direito. Para
Barroso, o perigo pode surgir quando há perda de medida nas decisões e ausência de
justificação ou fundamentação evidente.

Embora haja posições diversas, há consenso no sentido de que é preciso definir


limites à atuação judicial, com objetivo de alcançar modo de proceder mais claro, seguro,
previsível e acessível à toda sociedade. Segundo Ada Pellegrini, com base na decisão da
Suprema Corte na ADPF n. 45, são necessários requisitos: o limite fixado pelo mínimo
existencial a ser garantido pelo cidadão; a reserva do possível e a razoabilidade da
pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público.

Além destes mecanismos, Lênio Streck (2011) aponta que o


neoconstitucionalismo no Brasil trouxe a recepção de inúmeras teorias estrangeiras de
maneira equivocada, tendo como consequência o panprincipiologismo, que contribui para
o ativismo. A consolidação do direito passa a depender de posições individuais de juízes e
tribunais, que aplicam princípios de maneira exacerbada ou insuficiente, comprometendo
a segurança jurídica.

Dessa maneira, entendemos que o mecanismo de contenção mais efetivo seria um


aprofundamento dos magistrados no estudo da hermenêutica. No processo de interpretação
na tomada de decisão, com base em teorias estrangeiras importadas de maneira errônea,
são cometidos equívocos, que fazem haja inadequação no processo de justificação das
decisões, ocasionando a fragmentação da jurisprudência. Isto influencia diretamente na
visão que se tem do Judiciário e na vida de cada cidadão que dele se socorre em busca da
implementação dos direitos sociais.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.


Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, n. 13, jan./mar. 2009. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20090130-01.pdf>. Acesso em 10 abr.
2015

FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho; BICALHO, Guilherme Pereira Dolabella. Do


positivismo ao pós-positivismo. O atual paradigma jusfilosófico constitucional. Disponível
em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796.pdf?
sequence=>. Acesso em: 15 abr. 2015.

GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2013.

NUNES, Ana Luisa Tarter; COUTINHO, Nilton Carlos; LAZARI, Rafael José Nadim de.
Políticas públicas e ativismo judicial: o dilema entre efetividade e limites de atuação.
Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, Número Especial, 2015 p. 208-222.
Disponível em: <http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/RBPP/issue/
view/Especial%20Ativismo%20Judicial>. Acesso em 25 jun. 2015.

STRECK, Lênio Luiz. As recepções teóricas inadequadas em terrae brasilis . Revista de


Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 10, n. 10, p. 2-37, jul./dez. 2011.
Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:SVEuoV1r43kJ:
apps.unibrasil.com.br/ojs235/index.php/rdfd/article/download/53/52+&cd=1&hl=pt-BR&
ct=clnk&gl=br>. Acesso em 12/02/2015.

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