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INSTITUIÇÕES POLÍTICAS BRASILEIRAS: ADEQUAÇÃO

PARA A PLENA REALIZAÇÃO DA DEMOCRACIA *

MARIANA HERESCU**

"A todo momento se pergunta se um


governo republicano é preferível ao de
um rei. A disputa termina sempre convin-
do que é muito difícil governar os
homens ... "
(Voltaire)

1. Introdução; 2. O Estado; 3. O Poder Legislativo;


4. O Poder Executivo; 5. O Poder Judiciário; 6. Os par-
tidos políticos; 7. Participação; 8. Modelo político brasi-
leiro; 9. Conclusão.

1. Introdução

1.1 Considerações preliminares

A realidade política e social do mundo contemporâneo, em constante muta-


ção, exige do Estado - para realização de seu objetivo máximo, que é o bem
comum - um contínuo processo de aperfeiçoamento.
No campo político, esse processo obriga à revisão e atualização de valores e •
conseqüente mudança de estruturas para a adequação do sistema político às aspi-
rações nacionais, condicionadas, por sua vez, pelo processo histórico-cultural.
A reformulação de estrutura política vem constituindo, assim, um anseio uni-
versal nas últimas três décadas.
Com efeito, a necessidade de adequar a estrutura política às transformações
trazidas pelo progresso da ciência e da tecnologia que, após a 11 Guerra Mundial,
mudaram a face do planeta, aponta o aperfeiçoamento do sistema democrático •
como única forma de assegurar a sobrevivência da civilização ocidental.
O atual contexto político brasileiro, condicionado, igualmente, por essa trans-
formação, incorporou, no elenco das aspirações nacionais, o aperfeiçoamento do
regime democrático através do fortalecimento das instituições políticas e sua
adequação à realidade nacional.

~ Trabalho apresentado ao Curso Superior de Guerra da Escola Superior de Guerra,


em 1981.
** Promotora de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; professora autônoma dos cursos
do Centro de Atividades Didáticas do Instituto de Direito Público e Ciência Política da
Fundação Getulio Vargas. •

R. Cio pol., Rio de Janeiro, 25(3):38-67, set./dez. 1982


Justifica-se, portanto, a escolha do tema, por sua atualidade no cenário político
nacional. A matéria a ser tratada é vasta, As limitações impostas pela própria
natureza do presente trabalho obrigam, pois, a uma abordagem sintética e objetiva.
Assim, após algumas considerações preliminares de ordem conceituai, proce-
der-se-á à classificação e análise das instituições políticas brasileiras, sob os
enfoques sociológico, político e jurídico.
Será estudado, em seguida, o problema da participação e do consenso no pro-
cesso político, analisando-se as instituições políticas em função do homem -
agente e beneficiário de todo o processo.
Finalmente, far-se-á a apreciação do sistema político brasileiro, seus compo-
nentes e fatores condicionantes, bem como o modelo político assim identificado.
E, para concluir, a formulação da estratégia para o fortalecimento e aperfeiçoa-
mento das instituições políticas brasileiras no regime democrático, contendo a
sugestão de algumas linhas de ação para a consecução desse objetivo nacional,
listado entre os objetivos prioritários da ação governamental, e corolário do
objetivo nacional permanente (ONP): democracia. Cabem, neste momento, ainda
a título introdutório, algumas observações sucintas sobre democracia. É que a
mesma, quer adjetivando o sistema ou regime político, quer como meta a atingir
ou condição a aperfeiçoar, constitui o pressuposto básico, a categoria a priori
deste estudo.
É preciso atentar para o fato de que o surgimento da democracia no Brasil
confunde-se com o surgimento da própria nacionalidade.
Mesmo porque os ideais de liberdade e emancipação política representaram a
reação das elites e do povo contra o absolutismo monárquico e o domínio colo-
nial, contrapondo-se o anseio democrático ao regime colonizador.
Corresponde, portanto, o estabelecimento da democracia como ONP à autên-
tica aspiração do povo, decorrente de sua evolução histórico-cultural e do seu
caráter nacional.
• Podem ser assinalados no regime político democrático certos princípios básicos,
cuja ausência singular ou concomitante o desfiguram: o respeito à dignidade da
pessoa humana; a garantia de seus direitos fundamentais: liberdade de iniciativa
e igualdade de oportunidade social; a divisão e harmonia dos poderes; a plurali-
dade partidária; a representatividade; o princípio da autodefesa, que garante a
sua sobrevivência, baseando-se no postulado de que a democracia pode - e
deve - permitir todas as liberdades, exceto a que objetiva sua destruição.
Desses princípios básicos defluem os fundamentos da democracia, consubs-
tanciada em:

• legitimidade do poder - decorrente do consenso popular expresso no prin-
cípio da representatividade e da pluralidade partidária;
• organização de um Estado de direito - em que o poder seja exercido através
de um sistema de controle político-social, que resulta da divisão dos poderes;
• • governo da maioria - que reconhece o direito à oposição política, conseqüên-
cia do pluralismo - traço característico, por excelência, do regime democrático;
• responsabilidade dos governantes e governados - que define os limites do
poder do Estado em face do interesse público, e o direito à liberdade dos gover-
nados, no limite do interesse social. 1
f
I Cf. Complementos da doutrina. ESG, 1981.

Instituições políticas 39
Para finalizar, ressalte-se que a democracia liberal - que erigia a liberdade
individual em objetivo básico da organização do Estado - sofreu transformações
marcantes, mercê da evolução histórica, cultural e econômica da sociedade. E a
noção de liberdade individual absoluta, substituída pelo anseio de justiça social,
consagrou um dos princípios básicos da democracia: o respeito à dignidade da
pessoa humana.

1.2 Conceitos básicos

Na apreciação das instituições políticas brasileiras, mister se faz defini-las.


Partindo da instituição social, gênero de que a instituição política constitui
espécie, verifica-se que, para Gaston Richard, a instituição representa uma forma
social que se cristalizou, possuindo uma finalidade específica: assegurar a unidade
e continuidade do grupo. Já Geoffrey Roberts, em seu Dicionário da análise polí-
tica (p. 122), assim a define: "Rede de estruturas, processos e valores compar-
tilhados dentro de um sistema social de natureza relativamente permanente que
se ocupa de alguma função social ou de algum grupo de funções."
Na moderna filosofia jurídica, destacamos o conceito de Maurice Hauriou, que
definiu o termo instituição como idéia de uma obra ou de uma empresa que se
realiza e alcança duração jurídica num meio sociaI.2 Nessa definição, que parte
da crença na objetividade das idéias, é fundamental a permanência ou duração
jurídica alcançada pela idéia em realização contínua num certo meio social.
Henri Capitant vê a instituição como um conjunto de regras estabelecidas pelo
legislador ou por um particular, tendo em vista a satisfação de interesses públicos
ou privados.
Para Marcelo Caetano, quando se fala em instituições políticas de um país,
quer se referir os princípios característicos que encontram expressão orgânica
ou legislativa de tendência estável e impessoal no sistema governativo desse país.

Especifica melhor o insigne mestre:
"Haverá uma instituição sempre que, em certo meio social, surge e se impõe
aos indivíduos um princípio superior, dotado de vigor próprio de realização por
tempo indefinido, adaptando-se às circunstâncias e disciplinando as vontades indi-
viduais mediante a criação de normas decorrentes da sua natureza e razão de ser."3
Segundo a doutrina da Escola Superior de Guerra, na análise do poder nacional,
em sua expressão política, representam as instituições políticas sua base estrutu- •
ral, seu fundamento orgânico, com caráter de relativa permanência no tempo e
no espaço.

1.3 Classificação das instituições políticas brasileiras



Numa tentativa de classificação abrangente das instituições políticas, em sua
complexidade e multiplicidade, podem ser usados, a título exemplificativo, dois
critérios:

2 Apud Caetano, Marcelo. Direito constitucional. Forense, p. 432.


3 Id. ibid. p. 433.

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a) um critério estrutural segundo o qual distinguir-se-iam as instituições políticas
permanentes, que formam a "arquitetura do Estado", conforme o pensamento do
grande publicista, Prof. Pedro Calmon, entre os quais se destacam os Poderes
do Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário; e as instituições políticas eventuais,
cuja natureza e duração seria determinada pela conjuntura política condicionante
d<? regime:
b) um critério operacional, que estabeleceria como instituição política originá-
ria o Estado, e instituições políticas derivadas, todas as demais. Estas, por sua
vez, estariam divididas em instituições políticas derivadas de 19 e 29 nível, consi-
derando-se as primeiras como instrumentos através dos quais o Estado exerce
suas funções básicas - no caso, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Essa divisão de funções, ou melhor, dos modos pelos quaís o Estado exerce
o seu poder, resultou da formulação de Montesquieu, mas sofreu grandes trans-
formações, mercê da evolução das instituições políticas e da conceituação moder-
na do Estado. A clássica tripartição do filósofo francês, já preconizada, ante-
riormente, por Locke e Kant, foi efeito do liberalismo em contraposição ao
absolutismo monárquico, consagrando a supremacia da liberdade individual sobre
o poder absoluto do Estado, fazendo uso, para tanto, de um sistema de limita-
ções da soberania, traduzido no célebre princípio: "le pouvoir arrête le pouvoir".
A rigidez inicial da concepção modificou-se, conforme acima foi acentuado,
em virtude da gradual transformação das estruturas políticas e sociais, chegando
hoje à idéia de harmonia e cooperação mais do que de divisão dos poderes, na
conformidade do disposto no art. 69 da Constituição federal. Na realidade,
a própria concepção de "poderes" do Estado evoluiu para a de órgãos do Estado;
os quais desempenham funções: a função legislativa, a executiva e a judiciária.
Entretanto, a função exercida por cada órgão não poderá ser entendida como
exclusiva e excludente das demais, mas, sim, como predominante, precípua, ad-
mitindo cada órgão, em sua espera de competência, o exercício de outra função,
• diversa da que lhe é peculiar.

2. O Estado

2.1 Aspecto jurídico de sua organização no Brasil


• o Estado, como instituição política originária e soberana, é definido classica-
mente como a Nação politicamente organizada. Tal definição, entretanto, só é
aceitável, em termos modernos, ao atribuir-se à palavra "nação". um significado
cultural.
Juridicamente, o Estado pode ser entendido como um conjunto de três ele-
• mentos materiais: um território geográfico, ocupado por um povo e regido por
um governo, e um elemento abstrato: a soberania, que constitui, no plano
interno, o monopólio do poder coercitivo exercido pelo Estado sobre as coisas
e as pessoas, e, no plano externo, a representação e a defesa dos interesses do
Estado em face das instituições congêneres.4 Esse poder é exercido pelo governo

4 Cf. Melo Franco, Afonso Arinos de. Direito constitucional. Forense, 1979.

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do Estado dentro de um quadro legal que o define e limita, e essa limitação do
poder pela regra jurídica é que constitui o fundamento do Estado de direito. As
regras básicas, fundamentais, que estabelecem a forma pela qual o Estado se
organiza, manifesta sua vontade e exerce seu poder, consubstanciam-se na Lei
Maior do Estado, que é a Constituição.
Através do estudo das sucessivas constituições brasileiras, é possível observar
como evoluiu historicamente a organização do Estado em seu aspecto jurídico,
bem como as diversas formas de governo e formas de Estado instituídas.
A primeira constituição brasileira foi a Constituição Política do Império do
Brasil, outorgada por D. Pedro I, a 25 de março de 1824 e que vigorou até a
Proclamação da República, a 15 de novembro de 1889. Seu objetivo foi estrutu-
rar o novo Estado que surgia com a proclamação da independência. Foi ela a
única a instituir no Brasil um Estado unitário e uma forma monárquica de
governo.
A segunda constituição brasileira, e primeira do período republicano, foi a
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada a 24 de
fevereiro de 1891. Sua elaboração ocorreu em virtude da mudança da forma
de governo, que passou de monarquia para república, ocorrida a 15 de novem-
bro de 1889. O texto de 1891, além de mudar a forma de governo, também alte-
rou a forma de Estado, instituindo a federação.
A Revolução de 1930, que se verificou em conseqüência de crises políticas,
econômicas e sociais, pretendia substituir as velhas estruturas da democracia
liberal da Primeira República por uma democracia social, capaz de sclucionar
os graves problemas políticos e econômicos do período. Com a vitória do mo-
vimento revolucionário, porém, embora se verificasse uma substituição de toda
elite dirigente nacional, não foi cumprida a promessa de elaboração de uma
nova constituição. Assim, o povo paulista insurgiu-se e, da Revolução Consti-
tucionalista de 1932, resultou a convocação de uma assembléia nacional cons-
tituinte, que promulgou a Constituição de 1934. •
A carta Magna de 1934 implantava uma democracia social com base na liber-
dade, na justiça e no bem-estar social e econômico. O novo período de norma-
lidade constitucional, porém, durou pouco, pois, a 10 de novembro de 1937, o
então presidente da República outorgou uma nova carta, conhecida vulgarmente
como a "polaca", em virtude de ter sofrido a influência da Constituição da
Polônia, e que instituiu um governo do tipo fascista.
O período da Carta de 1937, conhecido como Estado Novo, encerrou-se em
1945, com a convocação da assembléia constituinte que promulgou, a 18 de •
setembro de 1946, a quinta constituição brasileira. O texto de 1946, em vigor
até 15 de março de 1967, restabelecia o regime democrático, conforme se verifica
de seu preâmbulo.
O movimento revolucionário vitorioso em 1964 não revogou a Constituição
de 1946; editou, porém, uma série de atos institucionais e complementares. Tra-
tava-se de legislação paraconstitucional que, em conflito com a norma consti-
tucional, sobre esta prevalecia.
O Ato Institucional n9 4, editado em fins de 1966, conferia poderes constituin-
tes ao Congresso Nacional, para apreciar um projeto de constituição elaborada
pelo Executivo.
Foi, assim, promulgada a constituição que entrou em vigor a 15 de março
de 1967. A nova Carta Magna incorporou as conquistas técnicas do moderno

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constitucionalismo do pós-guerra, ignoradas pelos constituintes de 1946, dentre
as quais se destacam a racionalização do processo legislativo, a racionalização
do processo de elaboração orçamentária e a maior soma de atribuições conferi-
das ao Poder Executivo, aparelhando-o juridicamente para o exercício de suas
relevantes funções. Com efeito, esse fortalecimento do Executivo constitui fenô-
meno universal, resultante da crescente complexidade e multiplicidade das ativi-
dades do Estado contemporâneo, que evoluiu do Estado liberal - fundado
no princípio do laissez-faire - para o Estado social, que intervém na ordem
econômica e social com a finalidade de assegurar, a um número cada vez maior,
condições para uma vida digna.
A 17 de outubro de 1969, a junta militar, no desempenho do poder constituinte
originário, detido pela Revolução de 1964, colocou o Congresso Nacional em
recesso pro tempore e outorgou a Emenda Constitucional nl? 1, que reescreveu
o texto da Constituição de 1967, dando nova configuração à estrutura consti-
tucional do país.
A Emenda Constitucional nl? 11, de 13 de outubro de 1978, revogou os atos
institucionais e complementares, constituindo o marco formal que iniciou o atual
momento político do Estado brasileiro: o restabelecimento do Estado de direito
democrático em toda a sua plenitude.

3. O Poder Legislativo

3.1 Estrutura e organização

3.1.1 Evolução histórica

A estrutura básica do Poder Legislativo evoluiu, através das constituições


que regem nossa organização política, quanto ao sistema de divisão estabelecido
e quanto à forma de sufrágio de seus integrantes.
Assim, a Constituição do Império, de 1824, outorgada pelo imperador com
o nome de Carta de Lei, adotava o sistema bicameral, no qual o Poder Legisla-
tivo era constituído pela assembléia geral, composta pela Câmara dos Deputados
e pela Câmara dos Senadores, ou Senado (art. 14).
Com a Constituição republicana, de 24 de fevereiro de 1891, o Poder Legis-
lativo passou a ser exercido pelo Congresso Nacional, composto "de dois ramos:
a Câmara dos Deputados e o Senado" (art. 16, § 1I?) sistema igualmente bi-
cameral.
Já a Constituição de 1934 adotava o sistema unicameral, pois atribuía o
exercício do Poder Legislativo à Câmara dos Deputados, com a colaboração do
Senado Federal, que, por sua vez, tinha outra destinação constitucional: promo-
ver a coordenação dos poderes federais entre si, manter a continuidade adminis-
trativa, velar pela constituição, colaborar na feitura de leis (art. 88).
A Carta Constitucional de 1937 manteve o sistema bicameral, tendo o Senado
Federal sua denominação alterada para "Conselho Federal" (art. 50). O Poder
• Legislativo, porém, não funcionou, em qualquer grau, durante sua vigência.

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A Constituição de 1946 restabeleceu a expressão "Congresso Nacional", inte-
grado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, denominação esta
mantida pela Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional n9 1, de 1969.
Durante o Império, o mandato dos deputados era temporário, tendo cada
Legislatura a duração de quatro anos (art. 16). Os senadores, por sua vez, eram
vitalícios e a sua escolha obedecia a um complexo sistema, com a eleição de uma
lista tríplice a ser submetida ao imperador, que nomeava o senador de sua prefe-
rência. Os príncipes da família imperial, após 25 anos de idade, também tinham
assento no Senado. Para os demais cargos, isto é, para a Câmara dcs Deputados,
para as assembléias provinciais e câmaras de vereadores, a escolha também era
feita por eleição indireta, mediante regras que impunham uma série de limita-
ções ao exercício do direito de voto dos cidadãos (arts. 90 a 97).
A Constituição de 1891 estabeleceu o sufrágio direto dos deputados, "garantia
a representação da minoria", conforme o art. 28.
Ressalvado o período imperial, em que os senadores eram vitalícios, seus
mandatos passaram a nove anos pela Constituição de 1891 e a oito anos pelas
demais, como ocorre ainda hoje, com a eleição de três senadores por Estado,
renovando-se um a dois terços do órgão a cada quatro anos.
Os mandatos dos membros da Câmara dos Deputados, das assembléias legis-
lativas e das câmaras de vereadores eram de quatro anos, exceto durante a
vigência da Constituição de 1891.

3.1.2 Estrutura atual

O Poder Legislativo, considerados os três níveis de sua atuação, encontra-se


estruturado, no plano federal: pelo Congresso Nacional, composto da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal; no plano estadual, pelas assembléias legis-
lativas; e no plano municipal pelas câmaras de vereadores. •
O número de integrantes do Poder Legislativo obedeceu ao critério da pro-
porcionalidade do número de seus representantes em relação à população, desde
a Constituição do Império até 1969, quando a Emenda Constitucional n9 1
estabeleceu a proporcionalidade em relação ao número de eleitores. O critério
anterior - população - voltou a ser adotado pela Emenda Constitucional n9
8, de 1977, encontrando-se em vigor até a presente data. Com isto, o número
de representantes sofreu variações de legislatura em legislatura, salvo no Senado
Federal, onde o número é de três senadores por Estado. •
A Emenda Constitucional n9 8, de 1977, estabeleceu, igualmente, em 420 o
número de representantes na Câmara dos Deputados, sendo no máximo 55 e no
mínimo seis por Estado. Cabe aos tribunais eleitorais a fixação prévia desses
números, inclusive das assembléias legislativas, para poder haver a indicação,
pelos partidos políticos, do número correspondente de candidatos antes das
eleições.
Quanto às câmaras de vereadores, seu número máximo é de 21 membros, e
mínimo, de acordo com o eleitorado local.
Os órgãos que integram o Poder Legislativo têm normas próprias de funcio-
namento, normas estas constantes da Constituição federal e das constituições
estaduais, regulamentadas pelos respectivos regimentos internos das casas
legislativas.

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3.2 Funções

o Poder Legislativo é o primeiro dos poderes do Estado na ordem de sua


enumeração constitucional, uma vez que as demais funções do Estado são defi-
nidas em lei, especificamente na Constituição que é a Lei Maior. Cabe, aqui, a
distinção assinalada por Bielsa, segundo o qual os poderes do Estado, sob o
prisma de sua importância ou hierarquia, dividem-se em poder constituinte e
poderes constituídos. 5
O poder constituinte é o poder de constituir o Estado, situando-se em nível
mais alto do que o peculiar ao órgão legislativo comum, o que se reflete na su-
premacia da Constituição (que dele advém) sobre as leis ordinárias.
Entretanto, o poder constituinte encontra-se, em geral, embutido no órgão le-
gislativo comum, quando este procede à revisão da lei básica.
A principal função, pois, do Poder Legislativo é a elaboração da lei, através
do chamado processo legislativo, ou processo de elaboração legislativa. Além
da função legislativa, todavia, exerce ainda o Legislativo funções de natureza
administrativa e de natureza judiciante. Exerce funções administrativas quando
admite o pessoal que vai compor suas secretarias. O exercício da função jurisdi-
cional, por outro lado, concretiza-se quando o mesmo julga o presidente da Re-
pública, os ministros do Supremo Tribunal Federal e o procurador-geral da Re-
pública nos crimes de responsabilidade.
Finalmente, sendo função específica do Legislativo a instituição de tributos
- conforme o princípio consagrado pela Magna Carta: "no taxation without
representation" - cabe-lhe, em conseqüência, a função fiscalizadora, ao apreciar
e aprovar as contas dos que administram os dinheiros públicos, no que é auxi-
liado pelo Tribunal de Contas, órgão técnico de assessoramento do Legislativo.

• 3.3 Controle político

o presidente da República, no regime presidencialista, concentra as atribuições


peculiares ao chefe do Estado e ao chefe do Governo, com o que tende à hiper-
trofia a função por ele exercida. A fim de evitar possíveis distorções, atribui a
Constituição ao Poder Legislativo uma função de controle sobre a ação gover-
namental.
Essa idéia de limitação da autoridade dos detentores do poder político encon-
• tra-se na própria essência do Estado de direito, e surgiu na Inglaterra, com
Harrington, que formulou a teoria do equilíbrio dos poderes do Estado através
de um mecanismo de freios e controles, checks and contrais, adotado no sistema
parlamentar de governo, como "freios e contrapesos", checks and balances.
A idéia prevalece como fundamento do regime democrático, tanto no parla-
• mentarismo como no presidencialismo.
Entre nós, concretiza-se ela através de dois mecanismos de controle: o con-
trole político e o controle jurisdicional, este último a ser tratado no capítulo
referente ao Poder Judiciário.

Cf. Bielsa, Rafael. Derecho constitucional. 2. ed. p. 109 Apud Russomano, Rosah.
• 5
Dos Poderes Legislativo e Executivo. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, p. 22.

Instituições políticas 45
Na Constituição de 1891, essas limitações ao poder pessoal do presidente da
República eram muito tênues.
A Constituição de 1934 veio ampliar a faixa dos mecanismos de controle do
Poder Legislativo sobre os atos do Executivo, não só pela ampliação de seu
poder de polícia, exercido exclusivamente pela Câmara dos Deputados, como
pela atribuição de nova destinação constitucional ao Senado Federal, coordena-
dor dos poderes federais (art. 88), o que representa, por parte dos constituintes,
uma tentativa de preencher o vácuo institucional surgido com a adoção da tri-
partição dos poderes.
Ainda avulta, como limitação e controle da ação do Poder Executivo, a criação
dos conselhos técnicos, cujas atribuições se encontram especificadas no art. 103.
A Constituição de 1946 previu, igualmente, os referidos mecanismos de con-
trole dos atos do Executivo. O controle político era exercido, da mesma forma,
pelo Poder Legislativo, que dispunha de instrumentos constitucionais próprios,
como as comissões parlamentares de inquérito, os requerimentos de informações,
as tomadas de contas, o processo por crime de responsabilidade e, principal-
mente, a apreciação e aprovação das contas do Poder Executivo.
A Constituição de 1967 manteve os mesmos dispositivos da Constituição de
1946, ou seja, o controle político e o controle jurisdicional; estabeleceu, porém,
exceção transitória prevista no seu próprio texto e na legislação paralela de na-
tureza constitucional: os atos institucionais e complementares.
A Emenda Constitucional n<? 1, de 1969, não trouxe qualquer alteração nesse
sentido, e a situação excepcional só veio a modificar-se com a aprovação da
Emenda Constitucional n<? 11, de 13 de outubro de 1978, que revogou os atos
institucionais e complementares, restabelecendo as limitações constitucionais ao
exercício do Poder Executivo.
Não obstante, o controle político dos atos do Poder Executivo, exercido pelo
Poder Legislativo, é frágil em face da natureza jurídica do regime presidencia-
lista, que concentra na mão do Executivo, personificado pelo presidente da Re- •
pública, a maior soma de poderes do Estado. Ainda mais, se considerarmos que
a competência para legislar, definida na Constituição federal, atribui a maior
parte das matérias à União; e que a iniciativa das leis, conferida ao presidente
da República, é de largo espectro.

4. O Poder Executivo

4.1 Estrutura e organização

4.1.1 Evolução histórica

Como instituição política, o Poder Executivo pode ser estudado, em seu as-
pecto material e formal, através da evolução histórica do nosso constitucionalismo.
A Constituição do Império, de 25 de março de 1824, cuja elaboração sofreu
a influência doutrinária de Benjamin Constant e Clermont Tonerre, consagrava
a existência de quatro poderes, incluindo, ao lado dos três poderes clássicos do
Estado, o poder moderador, o qual era exercido privativamente pelo imperador.

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o Poder Executivo era exercido pelo imperador através dos ministros de Es-
tado, por ele nomeados e demitidos livremente. Tal circunstância, por si só, afasta
a tão discutida hipótese da existência do parlamentarismo no Império. Pois,
como bem acentua o insigne publicista Afonso Arinos de Melo Franco, a Consti-
tuição do Império não cogitava da responsabilidade política dos ministros, básica
no parlamentarismo.
Sendo o poder moderador a chave dos poderes, superpondo-se aos demais,
constituía ele um mecanismo de controle como árbitro e esvaziador das crises
políticas.
Sobreleva notar que a figura do imperador era sagrada, o que foi, ao lado da
resistência oposta pelo monarca à adoção da forma federativa de Estado, uma
das condições fundamentais para o crescimento e êxito do movimento republicano.
Com o advento da República e a promulgação da Constituição de 24 de feve-
reiro de 1891, foi instituída uma nova forma de Estado: a federação, e o Poder
Executivo sofreu, em sua estrutura e organização, a influência do novo modelo
político adotado, calcado no presidencialismo norte-americano, com suas carac-
terísticas próprias.
A legitimação da República ocorreu através da proclamação do Governo pro-
visório, chefiado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que, se dizendo simples
agente da soberania nacional, propunha-se a ser o Governo "da paz, da liberdade,
da fraternidade e da ordem". Um dos seus primeiros atos foi outorgar - através
do Decreto n9 510, de 22 de junho de 1890 - uma Constituição Provisória
para os Estados Unidos do Brasil, e convocar eleições para o I Congresso Na-
cional, ao qual se atribuiu poderes específicos para elaborar e aprovar a cons-
tituição definitiva.
Essa Constituição Provisória conferia ao Poder Executivo, exercido pelo pre-
sidente da República na qualidade de "Chefe Eletivo da Nação", atribuições de
largo espectro, reproduzidas na constituição definitiva, promulgada a 24 de fe-
vereiro de 189l.
~ de assinalar-se, nessa primeira Constituição Republicana brasileira, o papel
secundário dos ministros de Estado, auxiliares do presidente da República, como
que assessores pessoais, porquanto o art. 41, que dispõe sobre o exercício do
Poder Executivo, não os menciona.
Os presidentes governavam com o auxílio de medidas arbitrárias, respaldadas
pelo instituto da intervenção federal, largamente utilizado para impor a vontade
do poder central e para abafar, em seu nascedouro, os constantes questiona-
• mentos provocados pelas oligarquias regionais, a mais das vezes separatistas.
Verifica-se, portanto, que desde a sua origem, a República Brasileira nasceu
sob o signo do poder pessoal que os republicanos tanto combateram.
A Constituição Republicana foi emendada em 1926, ampliando-se as atribui-
ções do Poder Executivo, principalmente no que concerne ao poder de intervir
• nos estados.
Essa estrutura constitucional prevaleceu no Brasil até a Revolução de 1930,
que trouxe modificações profundas à organização social e política do país, graças
às idéias do movimento conhecido como "Tenentismo".
A Constituição de 1891 foi revogada pelo Decreto n9 19398, de 11 de no-
vembro de 1930, que instituiu um Governo provisório, com o que passou o Poder
Executivo a ser exercido autocraticamente por um só homem, que era o chefe
• do Governo provisório.

I nstituições políticas 47
A Constituição de 1934 - que cristalizou, de forma profundamente feliz, as
aspirações nacionais - manteve a República presidencialista, tentando abrandar
a soma de poderes atribuídos ao presidente da República, o chefe do Poder Exe-
cutivo - mantidos os ministros de Estado na mesma posição que anteriormente
lhes fora destinada pela Constituição de 1891.
A Carta Constitucional de 1937, outorgada em decorrência do golpe de Es-
tado desferido por Getúlio Vargas, encontra-se em completa dissintonia com
as tradições constitucionais brasileiras, pois implantou um Estado de fato, autori-
tário e parafascista, suprimindo formalmente o Poder Legislativo, exercido impli-
citamente pelo presidente da República. Aliás, o Poder Executivo era, na rea-
lidade, o único poder efetivo dentro daquela estrutura constitucional.
Com a Constituição promulgada em 18 de setembro de 1946, inicia-se uma
nova fase política, pelo restabelecimento do Estado de direito e das garantias e
liberdades individuais, sendo o exercício do Poder Executivo atribuído exclusiva-
mente ao presidente da República auxiliado pelos ministros de Estado, por ele
nomeados e demitidos livremente.
Ainda no que tange à competência e estrutura do Poder Executivo no regime
da Constituição de 1946, sofreu ele grandes transformações com a Emenda Cons-
titucional n<? 4, de 2 de setembro de 1961 (ato adicional), que instituiu o sistema
parlamentar de governo.
O parlamentarismo, ao contrário dos países em que vigorava por tradição his-
tórica, constituiu, no Brasil, solução política imediatista de ordem conjuntural,
destinada a evitar a guerra civil que fatalmente ocorreria, se as Forças Armadas
chegassem a impedir a posse do então vice-presidente da República na chefia do
Executívo, vaga em decorrência da renúncia do presidente da República.
A emenda constitucional que instituiu o parlamentarismo reduziu os poderes
conferidos pela Constituição ao presidente da República e, assegurando a posse
do vice-presidente no cargo, conseguiu evitar conflitos nacionais de proporções
graves. Todavia, faltando-lhe sustentação política, atacado por todos os lados, o •
regime parlamentar não logrou permanência, pois que, submetido a plebiscito, o
ato adicional foi revogado, e restabelecido o sistema presidencial pela Emenda
Constitucional nQ 6, de 23 de janeiro de 1963.
A crise política, entretanto, não encontrou solução com as modificações de
ordem constitucional e as forças sociais em conflito levaram ao impasse que,
afinal, resultou na Revolução de 31 de março de 1964.
A Revolução de 1964 trouxe alterações ao regime constitucional instituído pela
Constituição de 1946, com relação ao Poder Executivo, cuja autoridade ampliou •
e fortaleceu. Mas esse fortalecimento do Poder Executivo não bastou para com-
patibilizar a existência do sistema constitucional de 1946 com a Revolução de
1964, razão pela qual o então presidente da República baixou o Ato Institucional
nQ 4, de 7 de dezembro de 1966, convocando o Congresso Nacional para ela-
borar uma nova constituição que "represente a institucionalização dos ideais e
princípios da revolução".
Foi, assim, promulgada a Constituição de 24 de janeiro de 1967, em que as
atribuições do Poder Executivo, exercido exclusivamente pelo presidente da Re-
pública - auxiliado pelos ministros de Estado - são extensas. O novo texto
constitucional não logrou evitar a grave situação política, a qual culminou com a
crise entre o Congresso e o Poder Executivo, levando o presidente da República
a editar o Ato Institucional n<? 5, de 13 de dezembro de 1968.

48 R.C.P. 3/82
Excluindo de qualquer apreciação judicial todos os atos com base nele prati-
cados, o Ato Institucional n<? 5 decretou o recesso do Congresso, suspendeu as
garantias constitucionais do Poder Judiciário e concentrou no Poder Executivo o
exercício da quase totalidade dos poderes do Estado.
A Emenda Constitucional n<? 1, de 17 de outubro de 1969, manteve os dispo-
sitivos relativos ao Poder Executivo. Era este exercido pelo presidente da Re-
pública, auxiliado pelos ministros de Estado, com as mesmas atribuições e com-
petência previstas na Constituição de 1967. Entretanto, a tônica da primazia do
Poder Executivo sobre os demais poderes do Estado permanecia, assegurada pela
vigência do Ato Institucional n<? 5.
Tal situação só veio a modificar-se com o projeto de abertura política, instituído
pelo chefe do Governo e concretizado pela aprovação da Emenda Constitucional
n<? 11, de 13 de outubro de 1978, que revogou os atos institucionais e comple-
mentares. Legislação posterior, concedendo anistia política, restabeleceu, em toda
a sua plenitude, o Estado de direito.

4.1.2 Estrutura atual

Na Constituição vigente, o exercício do Poder Executivo é atribuído, no âm-


bito federal, privativamente ao presidente da República, auxiliado pelos ministros
de Estado, por ele nomeados e demitidos livremente. E, repetindo o que já foi
dito neste trabalho, o presidente da República, no regime presidencialista, con-
centra as atribuições peculiares ao chefe do Estado e ao chefe do Governo. De
sorte que a Presidência toma-se o órgão máximo da estrutura política do país,
e sua competência privativa abrange as funções mais importantes do Estado,
tanto no plano interno quanto no plano externo.
As figuras 1 e 2 ilustram a assertiva. A primeira, uma representação gráfica
do Governo federal, retrata as três principais instituições políticas na estrutura
do Estado. E a segunda, específica do Poder Executivo, é a configuração da es-
trutura da Presidência da República, com seus principais órgãos de assessora-
mento, as respectivas vinculações e subordinações.
Os ministros de Estado, no atual sistema constitucional, são meros auxiliares
do presidente da República. Exercem eles atribuições expressamente previstas no
texto da Constituição, tais como orientação, coordenação e supervisão dos órgãos
• e entidades da administração federal na área de sua competência; e, também,
praticam atos inerentes às funções presidenciais, por delegação do chefe do
Executivo. O instituto de delegação, aliás, é o principal instrumento da descen-
tralização administrativa, que constitui princípio básico do Programa Nacional
de Desburocratização.
Dentro da estrutura do Poder Executivo, avultam as funções do Ministério da
Justiça, que responde, perante o presidente da República, pela coordenação po-
lítica do Governo federal, e pelas relações do Poder Executivo com os estados
e o Distrito Federal, e com os demais poderes. Nesse sentido, é preciso salientar
a atividade de coordenação política do Ministério da Justiça na formação do bloco
de sustentação parlamentar do Governo no Congresso, constituindo o necessário
apoio parlamentar para o processo de aperfeiçoamento democrático.

Instituições políticas 49
GOVERNO DA UN 12(0

I I
PODER PODER PODER
LEGISLATIVO EXECUTIVO JUDI CIA'RIO

CONGRESSO PRESIDÊNCIA SUPREMO


NACIONAL DA REPIlBLICA TRIIIUNAL FEDERAL

C 1. MARA GABINETE TRIBUNAIS


DOS DEPUTADOS CIVIL SUPERIORES

SENADO GABINETE TRIBUNAIS


FEDERAL MILITAR REGIONAIS

,
I
I
I
I
O'RGÃOS
DE ASSESSORANENTC
TRIBUNAL
DE CONTAS

MINISTÉRIOS

Fonte: Revisto Perfil,.1 (9), obr.1977.


r- ---------- PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA ~---------
I
I
I
I
I CONSELHO SER VIC;O
OE SEGURANÇA NACIONAL
NACIONAL OE I NFOR MAÇÕES

CONSELHO ESTAOO-MAIOR
DE DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS
ECONOMICO ARMADAS
J I
CONSELHO DEPARTAMENTO
GABINETE GABINETE
DE DESENVOLVIMENTO AOMI NISTRATIVO
SOCIAL CIVIL 101 I LITAR
DE PESSOAL CIVI L

SECRETARIA
PLANEJAMENTO
, ____ J I :
L __ --, FoHSULTORIA- taERAL
pE DA REPOBLICA
I
I
I
I ALTO COMANDO
I
DAS FORÇAS ARMADAS
, I
I
MINISTERIOS I
~
I
I
I
I
/,
I I
MINISTÉRIO MINISTÉRIO MINISTÉRIO MINISTÉRIO
DA AtaR ICULTURA DAS COMUNICAÇÕES DA AERONÁUTICA DO EXÉRCI TO

I I
101 I NISTÉRIO MINISTÉRIO
DA EOUCAC;ÃO MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA MINISTÉRIO
E CU L TU R A DA FAZ ENDA E DO COMÉRCIO DAIIARINHA


I I
MINISTÉRIO
MINISTÉRIO IoIINISTERIO 101 INISTÉRIO
DA PREVlftNCIA
DAS 1011 NAS
00 INTERIOR OA JUSTIÇA E ASSIST NCIA
E E NERalA
SOCIAL

I I
MINISTÉRIO ,
.-
DAS RE L A ÇOES
IoIINISTÉRIO MINISTÉRIO MIHISTERIO
DA SAÚDE DO TRABALHO DOS TRANSPOIITIS
EXTERIORES

Fonte: Revista Perlil, 1 (9), abro 1977.


Refoge à natureza e finalidade do presente trabalho o detalhamento dos órgãos
que compõem os poderes do Estado e suas respectivas funções, cabendo, apenas,
a menção sintética. Entretanto, no âmbito do Poder Executivo convém destacar
que, além dos ministros de Estado, dispõe o presidente da República de órgãos
de assessoramento, entre os quais ressalta, pela relevância de suas funções, o
Conselho de Segurança Nacional, responsável pela formulação e execução da
política de segurança nacional.

4.2 Funções

o primado do presidente da República decorre, no regime presidencialista, da


amplitude de suas funções. E, sem medo de errar, é possível afirmar que as fun-
ções do Poder Executivo confundem-se com as atribuições do presidente da Re-
pública. São elas de natureza política, legislativa, administrativa e jurisdicional.
A função por excelência do Poder Executivo é a função política, porque o
poder político sobreleva a todos os demais. No seu exercício, o presidente da
República estabelece a política do Governo, sendo responsável por sua execução;
orienta e conduz a política internacional e a política de segurança nacional;
além de que, exerce, necessariamente, uma liderança política no plano partidário.
E, ainda, são também de natureza política as funções de exclusiva competência do
presidente da República, relativas à decretação do Estado de sítio e à intervenção
nos estados.
A função legislativa compreende a participação formal do Poder Executivo no
processo de elaboração legislativa previsto e regulamentado pela Constituição
federal. Exerce o presidente da República essa função, quer propondo emendas
à Constituição federal, quer tomando a iniciativa, por competência privativa, de
deflagrar a elaboração legislativa, quer sancionando ou vetando projetos apro-
vados pelo Poder Legislativo, quer elaborando leis delegadas ou expedindo de-
cretos-leis; ou, ainda, exercendo o poder regulamentar - conhecido como função
normativa - quando elabora e põe a vigir a escala de atos normativos ou "leis
menores": decretos, regulamentos, portarias, resoluções, etc.
A função jurisdicional é exercida pelo Poder Executivo quando este submete
os seus funcionários a inquéritos administrativos, aplicando-lhes as penas previs-
tas em lei. E, também, através do contencioso administrativo, do qual o melhor
exemplo é constituído pelo conselho de contribuintes, órgão de recursos estrutu-
rado como verdadeiro tribunal, que esgota a via recursal administrativa no jul- •
gamento das infrações fiscais.
A função administrativa do Poder Executivo diz respeito à gestão dos negócics
públicos, no que tange ao funcionamento da máquina estatal, o que engloba a
totalidade dos serviços públicos.

4.3 Poder de política

No âmbito da função administrativa, exerce o Estado o poder de polícia,


instituto de natureza administrativa, que vela pela manutenção da ordem pública,
tranqüilidade dos cidadãos e garantia do exercício dos direitos individuais e
sociais.

52 R.C.P. 3/82
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em conferência proferida na ESG,5 assim
o define: "Faculdade discricionária do poder público de limitar os direitos indi-
viduais em prol do interesse coletivo." Pois, como ensinam Armando de Oliveira
Marinho e Zairo Lapa Filho, o que tipifica o poder de polícia são, basicamente,
os requisitos a seguir:

a) Poder exercido pela administração pública; b) limitador dos direitos indivi-


duais; c) objetivando assegurar o bem-estar coletivo; d) estender seu campo
de ação sobre todas as atividades sociais; e) utilizador de atos administrativos
como instrumento de ação; f) estar balizado pela lei e sob o controle do Poder
Judiciário.?

O poder de polícia varia de acordo com o respectivo sistema político. Assim,


nos estados totalitários, o poder de polícia, ao invés da proteção dos direitos
individuais, tem, como principal objetivo, a proteção do sistema dominante.
No sistema político democrático, as variações que o poder de polícia sofre
não dizem respeito aos seus fundamentos mas aos seus limites, que poderão ser
ampliados de acordo com as condições e as necessidades do momento político
que o Estado atravessa.
O poder de polícia pode ser classificado de acordo com os setores que alcança
e dos quais se enumerarão apenas alguns, a título ilustrativo: polícia de segu-
rança, polícia sobre manifestações coletivas, polícia da propriedade, polícia sa-
nitária, polícia de costumes e diversões, polícia de tráfego, etc.
A legalidade do exercício do poder de polícia é fiscalizada mediante o con-
trole jurisdicional dos atos da administração pública, cabendo ao Poder J udi-
ciário declarar a nulidade dos atos administrativos viciados de excesso ou abuso
de poder, na forma do disposto na Constituição federal, em seu art. 153, § 4Q.
Pois, conforme se verá no capítulo referente ao Poder Judiciário, o controle
jurisdicional assegura a subordinação de toda a atividade do Estado aos limites
impostos pela lei.

5. O Poder Judiciário

5.1 Estrutura e organização



5.1.1 Evolução histórica

A estrutura e organização do Poder Judiciário constituiu-se e modificou-se em


função da evolução histórica da estrutura política do país. A existência do Es-
tado unitário e o surgimento da federação projetaram seus reflexos no principal
problema enfrentado pelo Poder Judiciário nos diversos sistemas constitucionais:
o problema da unidade e dualidade de jurisdição.

6 T207, 3 set. 1981.


7 Cf. Marinho, Armando de O. & Lara Filho, Zairo. In: Programa de direito adminis-
trativo. Ed. Rio, 1976.

Instituições políticas 53
N o capítulo referente ao Poder Judiciário (arts. 151 a 164) a Constituição
do Império reconhece o princípio da independência do Poder Judiciário - ou
"Judicial", como a ele se refere - e delineia a sua composição. Assim, em pri-
meira instância, havia juízes e jurados: estes, para se pronunciarem sobre o fato,
e aqueles, para aplicar a lei. Para o julgamento das causas em segunda instância
nas províncias do Império, existiam os tribunais locais, as relações das províncias;
e, finalmente, o Supremo Tribunal de Justiça, que constituía uma instância supe-
rior às relações das províncias, e cuja competência, definida no art. 164, era
recursal, quando julgava as "Revistas nas causas", e originária, ao conhecer dos
crimes de seus próprios membros, dos membros das relações das províncias, dos
diplomatas e dos presidentes das províncias.
Conclui-se, assim, que o Império dispunha de uma organização judiciária
única para todo o país, em conseqüência de uma organização política unitária.
Esse sistema da unidade judiciária possibilitava a aplicação uniforme da lei e a
uniformidade administrativa da Justiça, uma só para todo o território nacional.
Com o advento da República, o sistema da unidade judiciária foi substituído
pela dualidade de jurisdição: a federal e a estadual, cada uma com sua esfera de
competência própria. Evidentemente, outra não poderia ser a conseqüência do
regime federativo sobre a organização dos poderes do Estado.
A primeira Constituição republicana, promulgada a 24 de fevereiro de 1891,
consagrou a tripartição dos poderes no art. 15: "São órgãos da soberania na-
cional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e indepen-
dentes entre si"; além de adotar, " ... como forma de governo, sob o regime
representativo, a República federativa" (art. 11?).
No capítulo referente ao Poder Judiciário (arts. 55 a 62), prevê a organização
dual do mesmo, dividido em Justiça federal e Justiça estadual. À Justiça federal,
composta por juízes e tribunais federais - "tantos quantos o Congresso criar"
(art. 55) - atribuía competência específica, dispondo, em relação à Justiça
estadual - composta por juízes e tribunais locais - competência geral. O órgão
de cúpula do Poder Judiciário era o Supremo Tribunal Federal, composto de 15
juízes, com competência originária, na forma do art. 59, e competência recursal
para as decisões dos juízes e tribunais federais, e dos juízes e tribunais dos
estados.
Na vigência da Constituição de 1891, o direito adjetivo era estadual - um
para cada estado, ensejando divergência e, conseqüentemente, inúmeros conflitos
de jurisdição.
Após o desfecho da Revolução Constitucionalista de 1932, foi instituída, pela
ditadura, a comissão constitucional, com o propósito de elaborar a carta política
pela qual o país ansiava. Com relação ao Poder Judiciário, novamente veio à
baila a questão da dualidade da Justiça, muito combatida na época, chegando
a despertar verdadeira polêmica.
A Constituição promulgada a 16 de julho de 1934 manteve, "como forma de
governo, sob o regime representativo, a República federativa" (art. lI?) e, como
"órgão da soberania nacional, dentro dos limites constitucionais, os Poderes Le-
gislativo, Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si" (art. 31?).
O Poder Judiciário - estruturado dentro do princípio da dualidade em Jus-
tiça federal e estadual - era composto pela Corte Suprema, juízes e tribunais
eleitorais e, finalmente, juízes e tribunais locais. Com relação ao direito proces-

54 R.C.P. 3/82
sual, passou este a ser da competência da União, um só para todo o território
nacional (art. 59, n 9 XIX).
A Carta Constitucional, outorgada a 10 de novembro de 1937 pelo presidente
da República, manteve a República federativa, ou, conforme o disposto em seu
art. 39: "O Brasil é um Estado federal, constituído pela União indissolúvel dos
estados, do Distrito Federal e dos territórios".
O presidente da República, segundo o art. 73, era a autoridade suprema do
Estado, coordenando a atividade dos órgãos representativos de grau superior,
sem qualquer menção explícita à divisão dos poderes e ao princípio de sua inde-
pendência. O próprio controle jurisdicional da constitucionalidade das leis de-
pendia, em última análise, do presidente da República, que poderia submeter uma
decisão do Tribunal ao exame do Parlamento, o qual, confirmando uma lei, tor-
naria sem efeito a declaração de sua inconstitucionalidade (art. 96, parágrafo
único). f:. claro que, em caso de recesso do Congresso, o presidente da República
deteria, como deteve, esse poder.
A Carta de 1937 estabeleceu a unidade da Justiça em primeira instância, e a
dualidade em segunda instância, e a organização do Poder Judiciário, de acordo
com o art. 90, passou a ser a seguinte: a) Supremo Tribunal Federal; b) juízes
e tribunais dos estados, do Distrito Federal e dos territórios; c) juízes e tribunais
militares. Ficou mantida a unidade do direito processual.
Essa mesma estrutura mista - única em primeira instância, salvo para maté-
rias específicas, e dual em segunda instância - foi mantida pela Constituição
promulgada a 18 de setembro de 1946. Em seu art. 19, consagrava ela o regime
representativo, a federação e a república, reconhecendo como poderes da União
o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si
(art. 36).
No capítulo em que tratava do Poder Judiciário, estabelecia a sua organização:
art. 94 - O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos: I - Supremo
Tribunal Federal; 11 - Tribunal Federal de Recursos; 111 - juízes e tribunais
militares; IV - juízes e tribunais eleitorais; V - juízes e tribunais do trabalho".
E ainda a Justiça dos estados, com seus juízes de primeira instância, e tribunais
de segunda instância. Foi mantida uma vez mais a unidade de processo.

5.1.2 Estrutura atual


fi
No período atual, subseqüente à Revolução de 1964, a organização do Poder
Judiciário foi alterada pelo Ato Institucional n9 2, de 27 de outubro de 1965,
que restabeleceu a Justiça federal de primeira instância. Com o advento da
Constituição de 24 de janeiro de 1967, o Poder Judiciário, na forma do art. 107,
resultou composto pelos seguintes órgãos: I - Supremo Tribunal Federal; 11 -
tribunais federais de recursos e juízes federais; 111 - tribunais e juízes militares;
IV - tribunais e juízes eleitorais; V - tribunais e juízes do trabalho. A organi-
zação da Justiça estadual continuou sendo de competência dos estados, observa-
dos os princípios gerais relativos à magistratura.
A Emenda Constitucional n9 1, de 17 de novembro de 1969, manteve pratica-
mente a mesma estrutura do Poder Judiciário, incluindo a Justiça estadual no
dispositivo que trata de sua organização (art. 112), a saber: I - Supremo Tri-
bunal Federal; 11 - tribunais federais de recursos e juízes federais; 111 - tribu-

I nstituições políticas 55
nais e juízes militares; IV - tribunais e juízes eleitorais; V - tribunais e juízes
do trabalho; VI - tribunais e juízes estaduais. Essa é então a atual estrutura do
Poder Judiciário, com seus órgãos e competência próprios. Como se verifica, foi
mantida a dualidade da Justiça em primeira e segunda instâncias. Com relação
às respectivas áreas de competência, adotou-se o critério de enumeração das cau-
sas e processos pertinentes aos órgãos da Justiça federal e da chamada Justiça
especial (militar, do trabalho, eleitoral). No âmbito da Justiça estadual, ficaram
incluídos os demais casos.
Já quanto à legislação processual, o sistema vigente é o da plena competência
da União, isto é, um código de processo civil e de processo penal únicos para
todo o território nacional.
A Emenda Constitucional n9 7, promulgada em 13 de abril de 1977, concre-
tizou a reforma do Poder Judiciário. Alterou 24 artigos da Constituição vigente
(Emenda Constitucional n9 1, de 1969) e acrescentou-lhe mais sete. As princi-
pais modificações, introduzidas pela Emenda Constitucional n9 7 com relação
ao Poder Judiciário, dizem respeito ao Supremo Tribunal Federal, à Justiça fe-
deral, à Justiça estadual e à magistratura.
O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário, é composto
por 11 ministros, nomeados pelo presidente da República. Entre as suas funções
mais importantes, destacam-se a função jurisdicional e a função política. A função
jurisdicional constitui a aplicação da lei ao fato, onde o Supremo Tribunal Fe-
deral atua originariamente ou em nível recursal. Também atua como órgão uni-
formizador da interpretação divergente de outro tribunal ou do próprio Supremo
Tribunal Federal, de texto legal ou constitucional, formando jurisprudência. Ou,
na ausência de norma legal, decide segundo os princípios gerais do direito. Essa
função, aliás, não é privativa do Supremo Tribunal Federal, mas sua importância
é crescente e toma-se binômio com a função de intérprete da lei. A função
política do Supremo Tribunal Federal emerge quando atua como órgão do Poder
Judiciário, guardião da Constituição e da lei, bem como da decisão judiciária.
No exercício dessa função, poderá requerer até a intervenção da União nos
estados.
As medidas mais importantes introduzidas pela Emenda Constitucional n9 7
são, em primeiro lugar, a possibilidade de, mediante provocação do procurador-
geral da República, ser chamado o Supremo Tribunal a interpretar, em tese, ato
normativo, federal ou estadual, para declarar-lhe a inconstitucionalidade. E, em
segundo lugar, avocar causa processada em qualquer juízo ou tribunal, quando
ocorrer imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança, e às finan-
ças públicas. Essas medidas visam a evitar a multiplicação de demandas sobre a
mesma matéria, possibilitando, a médio prazo, substancial diminuição do número
de processos a serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal, sem a necessidade
de aumentar o número de seus ministros.
A Justiça federal compõe-se de órgãos de primeira e de segunda instâncias. A
Justiça federal de primeira instância, restabelecida pelo Ato Institucional n9 2
de 1965, teve o número de juízes aumentado e extinto o cargo de juiz federal
substituto. Já quanto à Justiça federal de segunda instância - o Tribunal Fe-
deral de Recursos - teve elevado o número de seus ministros de 13 para 27,
permitindo a constituição de seis turmas, com quatro membros cada uma, reu-
nidos em dois grupos especializados, e sem função judicante o presidente, o vice-
presidente e o corregedor.

56 R.C.P. 3/82
A organização da Justiça estadual continuou a cargo dos estados, cabendo
aos tribunais locais a iniciativa de proposta de lei de alteração da organização e
divisão judiciária. Entretanto, a Emenda Constitucional n'? 7 atribuiu ao Poder
Legislativo a sua apreciação.
As normas relativas à organização, ao funcionamento, à disciplina, às vanta-
gens, aos direitos e deveres dos magistrados são estabelecidos em lei comple-
mentar, no caso a Lei Complementar n'? 35, Lei Orgânica da Magistratura Na-
cional. Merece realce a criação, no citado diploma legal, do Conselho Nacional
da Magistratura, órgão disciplinador dos membros do Poder Judiciário em âm-
bito nacional.
Finalmente, a Emenda Constitucional n'? 7 restabeleceu as garantias constitu-
cionais da magistratura: inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de ven-
cimentos. Só perderá o juiz a inamovibilidade por motivo de interesse público,
a critério do Tribunal de Justiça, pelo voto de dois terços de seus membros.
Quanto à vitaliciedade, será esta adquirida após dois anos de exercício do cargo.

5.3 Controle jurisdicional


Ao Poder Judiciário cabe a função de distribuir justiça, eliminando conflitos,
solucionando os litígios com base nas leis, declarando, enfim, o direito aplicável
e, neste caso, cabe-lhe a função de "dizer o direito" - juris dictio, função juris-
dicional.

5.3 Controle jurisdicional

A função jurisdicional assume, porém, um sentido mais amplo através do


controle jurisdicional dos atos administrativos. A finalidade essencial do controle
jurisdicional é a proteção do indivíduo em face da administração pública. Mesmo
porque, de nada adiantaria legislar, definir direitos e submeter os administrados
às leis, sem uma garantia de preservar esses direitos e de obstar e reprimir a sua
violação, ainda quando esta decorra de agentes do próprio poder público. Tal
garantia é assegurada pelo preceito constitucional, segundo o qual não pode seI
subtraída à apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual
(Constituição federal, art. 153, § 4'?).
f: indiscutível, portanto, a importância da função exercida pelo Poder Judi-
• ciário no Brasil, país de regime presidencialista, com a conseqüente predomi-
nância do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo, em que este último -
ao contrário do que ocorre no parlamentarismo - exerce função fiscalizadora
restrita e indireta. O Poder Judiciário tem, assim, indiscutível supremacia sobre
as demais funções estatais, como elemento fiscalizador das atividades do Estado,
através do controle da legalidade dos atos da administração pública.
Ademais, outro aspecto do controle jurisdicional se impõe: o controle da
constitucionalidade das leis, função das mais relevantes do Supremo Tribunal
Federal, que submete o Poder Legislativo aos preceitos constitucionais.
Destarte, pode-se concluir, em última análise, que o Poder Judiciário exerce
uma função política da mais alta relevância, já que através do controle jurisdi-
• cional da legalidade dos atos administrativos e da constitucionalidade das leis,
assegura ele a subordinação de toda a atividade estatal à ordem jurídica.

I nstituições políticas 57
PODER
JUDI CIÁRIO to

, CONSELHO TRIBUNAIS TRIBUNAIS ,


JUIZES JU:ZES DE DIREITO
FEDERAIS DE JUSTiÇA REGIONAIS REGIONAIS
MILITAR ELEITORAIS DO TRABALHO

, JUNTAS DE
JUIZES
ONCILIAçÃO E
E L E I TORAIS
JULGAMENTO

JU8TIÇA FEDERAL JUSTI ESTADUAL

Fonfe..: Revista Brasileira de Estudos Políticos.


- O grófico representa a estrutura do Poder Judiciório do Brasil
e também como as causas pOdem subir até o S T F .
6. Os partidos políticos

Os partidos políticos constituem as instituições políticas canalizadoras das de-


mandas e reivindicações sociais. São os canais de comunicação e aglutinação
entre povo e governo, absorvendo e sistematizando as correntes de opinião
pública. 8
Assim, podem ser eles apreciados sob um enfoque sociológico, jurídico e legal,
sendo que estes últimos representam mera decorrência do primeiro. Pois, como
assinala Afonso Arinos de Melo Franco, historicamente o partido político foi uma
conseqüência do regime democrático representativo. Manifestou-se, a princípio,
como fato sociológico e só lentamente adquiriu forma e conteúdo jurídico e
legal,9
Do ponto de vista jurídico, os partidos políticos podem ser definidos como
pessoas jurídicas de direito público, sujeitas à fiscalização financeira do Estado,
cujo objetivo é alcançar o poder, para realizar um programa.
No Brasil, durante o Império, nasceram dois partidos políticos: o Partido
Liberal e o Partido Conservador, respectivamente em 1834 e 1837. Somente
mais tarde, em 1870, foi fundado o Partido Republicano. Tanto o Partido Li-
beral quanto o Conservador não eram partidos ideológicos ou, sequer, progra-
máticos. Distinguiam-se pelos grupos sociais que representavam e cujos interesses
defendiam: o primeiro, a burguesia urbana e os intelectuais; o segundo, as elites
reacionárias, o "coronelismo" rural. O objetivo de ambos, todavia, era idêntico:
a conquista do poder. E, para alcançá-lo, todos os princípios eram esquecidos e
todas as acomodações, permitidas.
Com o advento da república e a instituição da forma de Estado federativa, o
sistema partidário fragmentou-se; houve, em relação ao Império, considerável
retrocesso, já que os partidos políticos deixaram de ser nacionais, passando a
representar, apenas, interesses estaduais e, como ressalta Paulo Bonavides,
" ... serviam tão-somente de instrumento político a poderosas combinações oli-
gárquicas".lo
A Constituição de 1934 não previa a organização de partidos políticos nacio-
nais. Definia, somente, "correntes de opinião" (art. 26). E, embora do seu texto
constasse a representação proporcional, o voto secreto e a justiça eleitoral, a
organização partidária permanecia a mesma da República Velha: partidos polí-
ticos estaduais.
O Estado Novo dissolveu, por decreto, os partidos políticos existentes .
• Somente em 1945, com a queda do Estado Novo e a redemocratização do
país, foram restabelecidos os partidos políticos em âmbito nacional.
A Constituição de 1946 reconheceu a existência dos partidos políticos nacio-
nais, a eles referindo-se expressamente em seu texto. Sob a sua égide, nasceram
três grandes partidos nacionais, canalizadores das três correntes de opinião domi-
nantes na época: a conservadora, no Partido Social Democrata (PSD); a liberal,
na União Democrática Nacional (UDN); e a social, no Partido Trabalhista Bra-
sileiro (PTB), além de quase uma dezena de partidos menores.

8 Cf. Fundamentos da doutrina. ESG, 1981.


• 9 Melo Franco, Afonso Arinos de. Os partidos políticos brasileiros. ESG, T215-81.
iO Bonavides, Paulo. Ciência política. 4. ed. Forense, p. 473.

I nstituições políticas 59
Essa estrutura partidária, porém, não logrou assegurar a estabilidade do re-
gime, pois os três grandes partidos praticaram erros graves, decorrentes da natu-
reza de sua origem, de suas características e dos interesses, muitas vezes espúrios,
que defendiam. Na síntese feliz de Afonso Arinos, "o trabalhismo do PTB era
tisnado pela nostalgia caudilhista e por um aventureirismo econômico da direita,
que nada tinha de democrático. O legalismo udenista era demasiado formal, e o
partido estava, freqüentemente, inclinado a procurar apoio antes nos quartéis do
que nas urnas. A habilidade pessedista visava muito menos à salvaguarda das
instituições do que à guarda das benesses do poder".u
A Revolução de 1964 e as mudanças políticas que trazia em seu bojo não
eram compatíveis com os partidos políticos existentes que, assim, foram extintos
pelo Ato Institucional n<'> 2, de 1965. A reorganização partidária deu-se em 1966,
com o surgimento das duas agremiações, Arena e MDB, a primeira defendendo
o governo, e o segundo, concentrando as correntes oposicionistas. Esses dois
partidos perduraram até à vigência da Lei n<'> 6.767, de 20 de dezembro de 1979,
quando foram extintos, restabelecendo-se o pluripartidarismo.

7. Participação

7.1 O homem e as instituições políticas

A principal característica da doutrina da Escola Superior de Guerra é o seu


an tropocen trismo.
"A doutrina da ESG funda-se no homem, conceituado como pessoa dotada de
consciência e liberdade, que encarna valores transitórios e permanentes e cuja
destinação não se restringe à perseguição de mero bem-estar social, senão que,
simultaneamente, busca satisfazer todas as suas potencialidades, nos planos bio-
lógico, cívico, moral e religioso, num aceno ao caráter de globalidade que en-
. -

volve toda a problemática humana."12


O poder nacional, nas suas quatro expressões, tem no homem o seu principal
fundamento. E, no processo de desenvolvimento - que visa ao aperfeiçoamento
e fortalecimento do poder nacional para a consecução e manutenção, dos obje-
tivos nacionais - o homem é seu agente e beneficiário. "O homem é a origem
e o fim do desenvolvimento."13
Por outro lado, o homem é um ser social e aparece, desde os seus primórdios, •
agrupado em algum tipo de organização. Começando com a família, passa ele
por diversos estágios, organizando-se em clãs, tribos, nações, até às formas mais
complexas da sociedade politicamente organizada, que constituem os estados.
Reportando-nos aos conceitos de instituição constantes do item 1 deste trabalho,
verificamos que o homem é o elemento condicionante das instituições e estas,
por sua vez, refletem as suas características, decorrentes do processo histórico-
cultural.

I' Melo Franco, Afonso Arinos de. Os partidos políticos . .. op. cit.
12 Cf. Fundamentos da doutrina. op. cit. p. 18.
u Ibid. p. 246.

60 R.C.P. 3/82
As instituições políticas brasileiras serão, portanto, o reflexo do homem brasi-
leiro, identificado por seu caráter nacional, condicionado por seu modo peculiar
de pensar, agir e sentir, em virtude de valores estabelecidos pelo processo his-
tórico-cultural.

7.2 Participação e consenso

A participação, na doutrina da ESG, tem um sentido dinâmico que permeia o


poder nacional em todas as suas expressões, bem como todo o processo de
desenvolvimento.
Com efeito, a participação da pessoa humana na vida comunitária e social é
mais que um direito - é um dever, conforme preconizado pela doutrina social
da Igreja, e tomado obrigatório pela Constituição federal.
Já tivemos a oportunidade de observar, em pesquisa por nós realizada no
Instituto de Direito Público e Ciência Política, da Fundação Getulio Vargas, que
a participação política do homem na comunidade em que vive constitui uma
das mais importantes formas de realização como ser humano. Porque, no dizer
de Iring Fetscher, "A participação política não é um meio mas constitui um
fim em si. A felicidade dos indivíduos não se acha somente no gozo de faixas
de liberdade garantidas pela lei, mas antes de tudo na atividade exercida em
comum com os co-cidadãos. "14
A participação popular no processo político é postulado básico do regime
democrático, em que todo o poder emana do povo.
Em Reflexões sobre a democracia, o saudoso publicista Themístocles Brandão
Cavalcanti assim se expressou: "Sendo o sistema democrático essencialmente um
processo de participação do povo na formação dos poderes, é óbvio que deve
obedecer a uma seleção na qualidade dos representantes, em qualquer das áreas
do poder" (o grifo é nosso.) 15
Esta reflexão traz a questão da forma de participação: direta ou indireta?
Devido à complexidade da organização social e política moderna, a parti-
cipação direta do povo no poder, vale dizer, nas decisões do governo, é impra-
ticável, exceto em casos especialíssimos, através dos institutos do referendum
e do plebiscito. Ocorre ela, então, de forma indireta, por meio da representação
- vínculo existente entre o eleitor e seu representante, em que este é livre-
mente eleito por aquele, dele recebendo, por delegação, o poder de deliberar e
• decidir. Esta delegação, obtida através do processo eleitoral livre, legitima o poder
dos representantes, porquanto decorre do consenso dos representados. Assim, o
consenso é o produto final do processo eleitoral. Revela o assentimento ex-
presso ou tácito do povo com o resultado do pleito. E constitui indicador seguro
do índice de aprovação, obtido pelos governantes das populações que governam.
Quanto ao processo eleitoral, sofre ele íntima influência do sistema partidário
existente. Em conseqüência disso, o comportamento político dos eleitores - ou

14 Fetscher, Iring. In: Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro, FGV, (4):57-70.
out./dez. 1969. Apud Maduro, Lídice A. Pontes. Os representantes do município do Rio
de Janeiro. Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro, FGV, 23(1):209, jan./abr. 1980.
15 Cavalcanti, Themístocles Brandão. Reflexões sobre a democracia. Revista de Ciência
Política, Rio de Janeiro, FGV, 19(1):12, mar. 1976.

Instituições políticas 61
seja, a qualidade e o grau de sua participação no processo - refletirá as tendên-
cias que condicionaram a formação dos partidos políticos e a capacidade destes
de canalizar as demandas e aspirações existentes no meio social.

8. Modelo político brasileiro

8.1 Modelo político, sistema político e regime político

A análise das instituições políticas e o estudo da participação e do consenso


no processo político, realizados neste trabalho, impõem, agora, a apreciação do
modelo político assim identificado, o que é, suas características, sua problemá-
tica básica e o que o distingue do sistema político e regime político.
De acordo com a concepção sistemática, considera-se "modelo" um conjunto
de elementos coordenados, integrados, inter-relacionados e interdependentes que
constituem uma imagem simplificada e esquemática da realidade segundo uma
hierarquia própria de valores. Assim, o modelo político retrata, de forma sim-
plificada, o sistema que engloba toda a estrutura social em seu aspecto político.
Numa visão simplificada da concepção de David Easton, o que caracteriza
um modelo político é a existência de três ordens de elementos que o integram:
I - Elementos valorativos: são os valores éticos e morais que moldam e defi-
nem o caráter de uma sociedade, suas metas, seus instrumentos de ação e o
modo de seu funcionamento. São eles encontrados nos grandes documentos dessa
sociedade: na sua Constituição, na sua história, nas suas lendas e tradições, na
sua ideologia, na alma e na consciência nacional.
Como exemplo de alguns elementos valorativos, podem ser enumerados os
objetivos nacionais (permanentes e atuais), as tradições e costumes, o caráter
nacional, a cultura política, a opinião pública o grau de civismo, a coesão social,
a atuação das lideranças, o tipo de elites. Esses e outros elementos éticos e
morais qualificam a estrutura e o funcionamento de um modelo político.
II - Elementos estruturais: são as instituições políticas, jurídicas, sociais, eco-
nômicas, culturais, que constituem os instrumentos com os quais a sociedade
canaliza e processa as demandas e apoios, transforma essas demandas e apoios
em ações e decisões, e estabelece o modo de acesso ao poder e sua conservação.
Como exemplo de cada tipo dessas instituições, destacamos: •
• as instituições canalizadoras dos anseios do grupo social, que são, preemi-
nentemente, os partidos políticos, onde as demandas e reivindicações são formu-
ladas e sofrem um primeiro processamento que as articula para a etapa seguinte;
• as instituições que processam as demandas e as transformam em objeto de ação
e decisão, que são as instituições políticas legalizadas e moldadas no quadro
juridicamente organizado da sociedade que é o Estado, os Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário. Estas instituições estão, também, organizadas de acordo
com subsistemas políticos regionais, no caso do Brasil, União, estados e muni-
cípios, no ordenamento vertical próprio do sistema federativo.
As demandas e reivindicações sociais sofrem, então, dentro dessas instituições,
um processamento com base em critérios técnicos e políticos, informados pelos

62 R.C.P. 3/82
valores éticos e morais da Nação. Chegam, assim, as demandas às instituições
decisórias e executórias que detêm o poder de decisão; no caso, o Executivo e a
burocracia, importante instituto, componente do sistema político e que representa
a máquina estatal.
IH - elementos dinâmicos: são os processos que ocorrem dentro dos elementos
estruturais, balizados pelos elementos valorativos. Os elementos dinâmicos de um
modelo político fornecem os modos de seu funcionamento. São os processos que
possibilitam a vida política de uma sociedade.
Os principais processos de um modelo político são aqueles que determinam
o modo de processamento das demandas e apoio da sociedade. Como tal, desta-
cam-se os processos legislativos, eleitoral, de funcionamento da administração,
de acesso ao poder, etc.
O funcionamento dos elementos estruturais, informados pelos valores éticos
é, pois, o estágio último de um modelo político; é o todo em movimento; e cons-
titui, ao mesmo tempo, o mecanismo de retroalimentação (feedback) do sistema.
Há quem pretenda identificar modelo político com sistema político. No entanto,
a identificação é inaceitável. Enquanto o modelo político assume um compro-
misso com a realidade, o sistema, por universal, embasa-se em princípios abstra-
tos, puros. Entretanto em contato com as estruturas, converte-se em regime.
Cabe, nesta altura, estabelecer a distinção entre regime político e modelo
político. O regime político decorre do conjunto de regras e princípios de natureza
histórico-cultural que preside ao exercício do poder. Representa ele, portanto,
a expressão das condições históricas e culturais de um povo. f:, enfim, a parti-
cularização de um modelo político num contexto histórico-cultural de determinado
grupo social.
Em outras palavras, assim o concebeu Maurice Duverger: "Todo regime
político constitui um conjunto de respostas dadas a cada uma das questões for-
muladas pela existência e organização dos órgãos de governo, no interior de
um grupo social. "16
f: válido inferir-se que o regime somente é ideal quando corresponder ao
modelo político.
A expressão "modelo político", no sentido fixado pela doutrina da Escola
Superior de Guerra, corresponde à forma peculiar assumida pelo regime político
de um determinado país. f: o que os italianos chamam de "fórmula política".
A respeito, disse Gaetano Mosca: "f: evidente que a fórmula política deve, em
cada caso, corresponder ao grau de maturidade intelectual, aos sentimentos e
às crenças que prevalecem numa dada época e num povo determinado. Ela deve
igualmente estar em harmonia com o modo de escolha e de organização da
classe dirigente no mesmo instante e no seio do mesmo pOVO."17
Nesse sentido, a questão da autenticidade do modelo político toma-se primor-
dial, já que sua corporificação nos textos constitucionais irá condicionar a natu-
reza das instituições políticas, bem como seu funcionamento e grau de eficiência.

16 Duverger, Maurice. Os regimes políticos. 2. ed. Difusão Européia do Livro, p. 11.


17 Mosca, Gaetano. Hist6ria das doutrinas políticas. 2. ed. 1962.

Instituições políticas 63
8.2 Modelo político brasileiro. Alteração de estruturas e processos

No Brasil, é preciso que se diga, desde os primórdios da nossa independência


política, as influências histórico-culturais alienígenas deram lugar a verdadeiros
"transplantes" de figurinos estrangeiros, como bem observa o Prof. Jorge Boa-
ventura: "Assim, nos primeiros anos da nossa independência, fomos uma monar-
quia constitucional, eis que este era o figurino europeu pelo qual se pautavam
os que, então, detinham o controle do poder político. Mais tarde, penetradas as
nossas elites pelo sopro racionalista, ou, melhor, pretensamente racionalista, que
varria a Europa desde o século XVIII, começaram a ter trânsito e a fazer prosé-
litos as idéias republicanas, logo empolgando a adesão e o entusiasmo, inclusive,
de camadas dirigentes militares, em apreciável porção, influenciadas pelo pen-
samento do positivismo de Com te. E veio a República, também por importação,
e agora com características mais nítidas de 'transplante', de vez que realizada já
depois afeita à noção de Império, com o modelo político a ele correspondente.
Tanto assim, que, o povo que não participou da implantação da República,
durante muito tempo não a entendeu e a teve sob suspeição ... "18
O emérito publicista Afonso Arinos de Melo Franco, ao analisar a evolução
histórica das instituições políticas brasileiras, assim também se manifestou:
" ... como sempre, como desde 1823, o Brasil adotava com boa técnica, mas
sem madura sedimentação, os mais modernos modelos estrangeiros."19
E o atual modelo político brasileiro?
Já afirmamos anteriormente que o modelo político se corporifica nos textos
constitucionais.
A experiência constitucional brasileira permite afirmar que existe um cons-
titucionalismo pátrio; e, em todas as crises políticas, procurou, através dos textos
legais, adequar as instituições políticas à realidade nacional do momento. E
mais, que essa adequação sempre procurou traduzir as aspirações nacionais,
embora nem sempre em tese o conseguisse, ou, na prática, lograsse realizar.
As conquistas mais recentes do direito público, da filosofia e da ciência políti-
ca do mundo ocidental refletiram-se na sensibilidade dos legisladores, que as in-
corporaram nas nossas diversas Cartas Magnas. Apenas para exemplificar, obser-
vamos a Constituição de 1934, instituindo a democracia social, com base no
bem-estar social (Welfare state), como se vê em seu preâmbulo; e a Constituição
de 1967, que integrou em seu texto as técnicas do moderno constitucionalismo
do pós-guerra, com a racionalização do processo legislativo, do processo de ela-
boração orçamentária e a ampliação das atribuições do Poder Executivo, con- •
forme já mencionamos no item 2 deste trabalho.
Constatamos, claramente, após a Revolução de 1964, o início de uma fase
de modernização das instituições políticas, com reformas estruturais, implantadas
pela Constituição de 1967 e pela legislação ordinária (Decreto-lei n<'> 200 e
Decreto-lei n<'> 900).
Com base no que acima ficou dito, já se pode construir um modelo político
brasileiro:
a) autêntico - porque capaz de traduzir as aspirações nacionais, com base nas
tradições histórico-culturais do povo;

18 Boaventura, Jorge. Ocidente traído. Biblioteca do Exército, p. 2.


19 Melo Franco, Afonso Arinos de. Direito constitucional. op. cit. p. 90.

64 R.C.P. 3/82
b) democrático - porque fundamentado no respeito à dignidade da pessoa
humana, na liberdade de iniciativa e igualdade de oportunidade, no mecanismo
de controle e limitação dos poderes do Estado, e na participação do povo na
organização do poder;
c) viável - porque dotado de estruturas adequadas à realidade política do mo-
mento, agilizadas por processos eficazes de funcionamento, e dispondo de ins-
trumentos e mecanismos capazes de resistir às tensões decorrentes da comple-
xidade da sociedade pluralista.
Para tanto, algumas linhas de ação podem ser sugeridas, consideradas as três
ordens de elementos do modelo político:
1. Quanto aos elementos valorativos
- atuação consciente das elites, propondo padrões de comportamento autên-
ticos e condizentes com os interesses nacionais, através da formação da opinião
pública pelos meios de comunicação de massa - tudo com reflexo na cultura
política do povo.
2. Quanto aos elementos estruturais
- alteração das estruturas básicas (Poderes do Estado, sistema partidário), me-
diante sua modernização - processo de evolução das instituições políticas para
a sua adequação às mudanças sociais decorrentes do processo de desenvolvi-
mento; o que se poderá obter pelo:
a) fortalecimento do sistema federativo, ressaltando a autonomia dos estados
sem que a União perca a competência para coordená-los, através da reformula-
ção do sistema tributário, com uma distribuição mais equânime dos recursos
fiscais;
b) fortalecimento dos Poderes Legislativo e Judiciário, dotando-os de meios téc-
nicos e materiais capazes de proporcionar a ampliação do poder de fiscalização
dos atos do Poder Executivo (Poder Legislativo), e do controle da legalidade
dos atos da administração pública (Poder Judiciário), tomando-os, assim, mais
eficientes e eficazes no exercício de suas relevantes funções;
c) fortalecimento do sistema partidário, com o aumento da representatividade
dos partidos políticos;
3. quanto aos elementos dinâmicos:
a) dinamização da máquina estatal, pela descentralização administrativa e des-
burocratização, com a separação das funções da administração pública e gover-
namentais, através do instituto da delegação de competência;
b) alteração do processo eleitoral, adaptando-o às novas características do
• eleitorado, evitando a corrupção, a fraude e a influência do poder econômico.
Por derradeiro, como mecanismo retroalimentador do sistema, propomos a
ampliação da participação do povo no processo político, tomando-a efetiva na
organização do poder.

9. Conclusão

Sugeridas que foram algumas linhas de ação para a adequação das instituições
políticas à plena realização da democracia, impõe-se a indagação:
Como fazer para alcançar o objetivo?
A resposta viável consiste na reformulação da ordem jurídica vigente, através
de uma reforma constitucional.

Instifuições políticas 65
A reforma constitucional representa, de fato, a aspiração de toda a sociedade
brasileira, que é uma sociedade em transição. Por esta razão, a Emenda Cons-
titucional nl? 1/69, ora em vigor, já se encontra defasada em relação às expec-
tativas da Nação, face ao projeto político do Governo com vistas ao aperfeiçoa-
mento do regime democrático.
Quanto ao modus faciendi da reforma constitucional preconizada, as opiniões
se dividem, havendo uma corrente que pretende a promulgação de nova Lei
Magna pela via da convocação de uma assembléia constituinte. Tal solução, po-
rém, não é a melhor, eis que resultaria num projeto de Constituição fruto de
improvisação, a par da ruptura da ordem jurídica existente, pressuposto histórico
no Brasil - da convocação de qualquer assembléia constituinte.
Poderá ser, assim, promovida a reforma da Constituição pela via parlamentar,
através do processo legislativo próprio. Até porque, o Congresso a ser eleito
em 1982 conterá todas as correntes de opinião dominantes no país, já que será
composto por representantes dos mais diversos segmentos da sociedade, inte-
grados nos novos partidos políticos instituídos por força da Lei nl? 6.767. de 20
de dezembro de 1979.
Caberá, pois, ao novo Legislativo a revisão ampla da Constituição, porquanto,
no exercício de sua competência residual, o Congresso tudo pode, salvo alterar
os dispositivos referentes à federação e à república.
A nova Constituição representará, sem dúvida, um instrumento jurídico capaz
de assegurar a eficácia da ação do governo, e a estabilidade do regime. Mas ela
de nada valerá se faltar a participação efetiva e consciente do povo na prática
da democracia, e o empenho das elites dirigentes, no fortalecimento das instituições
políticas.
Pois, segundo o pensamento, sempre atual, de Themístocles Brandão Caval-
canti: "A Constituição não representa, por si só, condição para a felicidade ou
prosperidade de um povo. O essencial é o comportamento justo dos responsáveis
pela vida do país, governo e oposição."

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Anote aí os

enderecos das I

livrarias da
Fundação Getulio Vargas
No Rio, Praia de Botafogo, 188
Em São Paulo, Av. Nove de Julho, 2029;
Em Brasília, CLS 104. Bloco A. Loia 37

Instituições políticas 67

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