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Copyrightaviaverita EDICAO Monica Casa Nova REvisAO , Marco Anténio Casanova CAPA E PROJETO GRAFICO Giovana Paape DIAGRAMAGAO Alexandre Sacha Paape Casa Nova DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAGAO NA PUBLICACAO (CIP) G512p Giovanetti, José Paulo ©” Psicoterapia fenomenol6gico-existencial : fundamento: filos6fico-antropoldgicos / José Paulo Giovanetti. - 1. ed. — Ric de Janeiro : Via Verita, 2017. 130 p. ; 21 em. Inclui bibliografia. ISBN: 978856456540-1 1. Psicoterapia existencial. 2. Psicologia fenomenolégica 3, Antropologia filoséfica. I. Titulo. CDD ~150.192 jecaria ORB-7 5587 Roberta Mari Todos os direitos dessa edi¢do reservados & VIA VERITA EDITORA Rua Sara Vilela 560 Jardim Botanico ~ Rio de Janeiro, RJ, 22460-180 cD ‘Tel: 21 24222109 _ www.viaverita.com.br / editorial@viaverita.com.br ‘VIAVERITA y “ Psicoterapia fenomenoldgico-existencial: Fundamentos filoséfico-antropolégicos José Paulo Giovanetti I*edigao Rio de Janeiro, 2017 Digitalizada com CamScanner v A relago terapéutica na perspectiva ‘fenomenolégico-existencial Arelacao entre o doente e o médico é uma questéo que sempre foi problematica, uma vez que sua di- ficuldade e seus impasses transcorrem por todo 0 percurso desse relacionamento ao longo da histéria da humanidade e uma vez que esse relacionamento se estendeu na ciéncia psicolégica para a diade tera- peuta-cliente. Na Psicologia clinica, a relagdo entre o cliente ¢ o terapeuta é um dos pontos mais cruciais do tratamento psicolégico. Esse tratamento esta no centro das preocupagdes dos tedricos da Psicologia clinica, embora cada abordagem psicolégica o trate de forma diferenciada. As vezes uma perspectiva tedrica da Psicologia enfatiza mais a questdo da relagéo em detrimento do processo. Outras abordagens nao privilegiam a relagdo terapéutica (RT), deixando-a em segundo plano, até mesmo em ultimo lugar, na organizagao teérica do sistema terapéutico. No caso da abordagem fenomenolégico-existencial, a qualida- de da relagdo é essencial para o sucesso ou nao do tratamento psicoldgico. E 0 ponto nodal, com base no qual se constréi todo o trabalho clinico. Assim, 0 nosso objetivo aqui é refletir sobre a especificidade dessa relagdo humana, visto que toda relagao terapéutica é humana, construida por meio da dialetizagao do profissional de Psicologia e da pessoa que sofre ¢ vem buscar ajuda desse profissional. Temos que admitir, porém, que essa relagao é um pouco especial, ja que ocorrera dentro de determi- nadas circunstancias ¢ com algumas caracteristicas especificas. 83 Digitalizada com CamScanner a Desse modo, uma definigao preliminar seria a de que a relacdo terapéutica é um encontro entre duas Pessoas, no qual um profissional qualificado ajuda outro ser humano a se conhecer, a se desvencilhar de “Suas dificuldades e a encontrar um caminho melhor Para a sua vida. Para abordar a especificidade da relacéo humana na perspectiva fenomenolégico-existencial, dividiremos nossa exposicao em trés partes. Em primeiro lugar, vamos procurar refletir sobre o que é uma relacao ‘humana e quais os elementos que compdem uma relacdo tipicamente humana, Dai surgira a discussao da intersubjetividade, vivenciada por meio do en- contro interpessoal, que é a caracteristica central da relacao terapéutica na perspectiva existencial. Assim, ‘0 segundo momento constituir-se-A na explicitagdo das caracteristicas do que seja um encontto interpessoal. Finalmente, abordaremos a especificidade da RT, mos- trando quais as caracteristicas principais dessa relacao. 1. O que é uma relagio humana? A primeira questéo que surge é a seguinte: o que caracteriza uma relacdo humana? & possivel definir- ‘mos 0 que vem a ser uma relagdo humana? A reposta pode parecer simples, mas é mais complexa do que podemos imaginar. O dbvio nem sempre é simples. De modo geral, uma relacado humana, estabelecida entre dois seres livres que buscam explicitar o especifico do ser humano, pode ser definida como uma ligagao em que ocorra uma troca de conteudos humanos e na qual a comunicacao entre essas duas pessoas possibilite o desvelamento de significados colocados por ambas as partes. Assim, para caracterizar, de forma bem expli- cita, 0 que vem a ser uma relacéo humana, temos 84 que responder a duas questoes. A primeira é sobre as condicées prévias para que se possa falar de uma relagéo humana. A segunda seria elencar e refletir sobre os elementos estruturais da relacdo. Como condigées prévias para que uma relagao entre duas pessoas possa ser compreendida como humana, podemos destacar trés pontos. O conhecimento do outro como sujeito. Cada um de nés € dono de sua prépria vida, isto é, funda a propria existéncia e é responsavel pelos seus atos. Em palavras corriqueiras, dizemos que é “dono do seu nariz”. Ora, isso implica que devemos dar rumo 4 nossa vida, e ndo ¢ 0 outro que deverd ditar essa direcdo. Reconhecer 0 outro como sujeito dos pré- prios atos significa que nao somos nés que devemos dizer ao outro o que ele deve fazer; pelo contrario, toda a busca e a concretizagao da diregao de vida passa pela capacidade de decisao de cada um de nés. Assim, uma mde deve ajudar o filho para que ele possa, ao longo a vida, ir se desapegando e ser responsavel pelos seus proprios atos. Os pais néo devem assumir a vida de seus filhos, mas, sim, ajuda- -los a que, pouco a pouco, encontrem o significado e © sentido de seus atos e, dessa forma, construam a propria existéncia, Muitas vezes, queremos palpitar na vida de nossos filhos, esquecendo-nos de que o melhor € que eles por si s6 encontrem a diregao de sua vida. Reconhecer 0 outro como sujeito é reconhecer que cada ser humano é capaz de encontrar ¢ definir 0 seu proprio rumo. O sentido da vida nao pode ser imposto ou colocado pelo outro. Cada um deve construi-lo, valendo-se de suas mais simples opgées do dia-a-dia. A aceitacao do outro como cle se apresenta é a segunda condi¢do prévia para podermos construir uma relagao humana. Reconhecer o outro é aceitar © diferente na nossa vida. Isso s6 acontece se somos 85 Digitalizada com CamScanner capazes de nos abrir ao novo, as novidades do coti- diano. Se temos sempre a postura de impor a alguém © que pensamos, muitas vezes determinando sua maneira de ser, ndo possuimos a abertura para acolher o diferente de nés, a novidade que esse outro pode trazer em uma relagao. No dia-a-dia, na educagdo familiar, com as me- Ihores intengées, os pais muitas vezes querem obrigar © filho, principalmente o adolescente, a pensar agir de acordo com os seus valores. Esquecem que © mundo esta em continuas transformagées, e que algumas posturas diante da vida se modificam: eles simplesmente nao aceitam as transformagées. Um exemplo tipico sdo as posicbes dos jovens com res- peito & sexualidade. O fendmeno do “ficar” é tipico da época atual. Muitos pais criticam com preconceito esse fenémeno contemporaneo, desprezando-o, sem ver como é que 0 jovem vive esse momento, isto é, a vivéncia de sua sexualidade. Em outras palavras, isso significa que os pais querem impor ao jovem a sua maneira de viver a sexualidade, propria de seu tempo. Assim, aceitar 0 outro como ele é implica profundo respeito por ele. A pessoa pode néo concordar com @ posi¢ao do outro, mas deve respeitd-la como dife- rente da sua. Como dissemos, aceitar o'outro € res Peitar o diferente, mesmo que com isso nao consinta. A terceira condigao prévia para que possamos caracterizar uma relagdo humana é a percepeéo de que, na relagao. esta presente certa mobilizagdo dos afetos. A dimensao afetiva é a responsavel pela criagdo do vinculo entre duas pessoas, aspecto que vamos analisar mais adiante. Toda representacdo da reali- dade deve vir acompanhada de um registro afetivo, isto é, de uma ressondncia afetiva. Assim, a captagéo do outro envolve sempre um registro de como 0 outro esta sendo acolhido por nés, de como o estamos sen- 86 tindo em nosso coragao. A esse movimento de sentir © outro é que chamamos mobilizagdo dos afetos. Quando somos criancas, expressamos com mais naturalidade essa “afetagao”, visto sermos mais espon- téneas. Com 0 passar dos anos, vamos aprendendo que nem sempre podemos expressar o que sentimos, € comegamos a esconder nossas emogdes e nossos sentimentos. Numa relagdo humana auténtica, & necessario que percebamos quais os afetos que esto circulando. Uma relacdo humana sem registro afetivo no é uma relacdo humana, é uma relagao entre dois computadores, na qual a ressondncia do outro ndo faz parte da relagao. Mobilizagao dos afetos é deixar que 0 outro repercuta dentro de nés, procurando compreender 0 que esse movimento esta significando. ‘A segunda questo que nos ajudara a entender 0 que é uma relacdio humana ¢ explicitarmos os elemen- tos estruturais da relagao, que sdo quatro, a saber: o encontro, o didlogo, a reciprocidade e o vinculo. Nem toda relagdo humana se da sob a forma do encontro. Esse s6 sera possivel se um dos sujeitos da relacdo perceber, de maneira clara e inequivoca, que esta diante de outro sujeito. O encontro carac- terizar-se-a como uma dialética entre as pessoas que compéem a relacdo, isto é, pelo menos um dos participantes precisa se abrir a experiéncia do outro. Somente com base na disponibilidade de aceitagao e de respeito, aspectos aqui ja analisados, é que os par- ticipantes podem vivenciar o encontro inter-humano. O encontro é a experiéncia em que, valendo- -nos da relagao com outro humano, aprendemos algo € crescemos existencialmente. Ao longo da vida, podemos distinguir varios tipos de encontro, nos quais o elemento da percepgdo do outro e do tipo de resposta determinam a qualidade e a especificidade do encontro, Entralgo (1988) desenvolve, de forma 87 Digitalizada com CamScanner brilhante, no seu livro Teoria y realidad del outro, essas caracteristicas que especificam 0 encontro. © segundo elemento estrutural de uma relagao humana é o didlogo. Esse especifica o tipo de comu- - nicagéo que se vincula entre as pessoas que esta- belecem o encontro, mas nem sempre um encontro ou uma relagéo humana se fundamenta nele. 0 dialogo, para acontecer, exige que um dos sujeitos esteja aberto ao que o outro possa trazer para essa relacao. Podemos acolher o outro, mas, em vez de estarmos atentos ao que ele vai nos dizer, acabamos impondo 0 nosso ponto de vista. Fundamentalmente, © didlogo tem como fruto uma posig&o nova a partir do encontro. Dialogar com alguém € estar aberto ao que esse tem a contribuir na situagao que se apresenta. ‘Numa relagdo familiar, dialogar com o filho é buscar um consenso entre a propria posigao e a posigéo as vezes conflitante do outro. Um pai que entra em acordo com o filho sobre o que deve ser feito no fim de semana, por exemplo, permite que se decida se todos vao viajar juntos, ou separados, para atender aos desejos de cada um, o que deve ser fruto da conversa entre ambos e do acerto entre si. Nem 0 pai impde que todos devam viajar juntos, assim como o horario da viagem, nem o filho radicaliza dizendo que nédo vai viajar em momento algum. Pode ser que todos viajem, porém cada um o fara em dias ¢ horarios diferentes. Essa flexibilidade de ambas as partes é que exemplifica o que seja o didlogo. O terceiro elemento é a reciprocidade. Talvez pos- samos dizer que ela seja a base para o didlogo, mas entendemos que a reciprocidade na em relagdo com o outro nao € estarmos somente ao lado desse outro, mas ‘sermos envolvidos por ele. Podemos estar junto com 0 outro, ao seu lado, como em um campo de futebol, sem estarmos vivenciando a reciprocidade. Esta se expressa no momento em que envolvemos € somos envolvidos. 88 Binswanger, querendo mostrar que a recipro- cidade é algo essencial na relacdo e partindo das anilises de Heidegger sobre o MITSEIN, isto é, 0 ser ‘com 0 outro, cunhou uma expressdo mais significa- tiva, ou seja, 0 termo “miteinandersein”, que, numa tradugao ao pé da letra, significaria estar com 0 outro lado a lado. Ele queria, porém, que isso significasse mais, isto é, mostrar que nao basta estar ao lado do outro, mas que é necessdrio entrar na intimidade desse outro, participar da sua vida. Desta forma, a tradugdo deveria ser : ser-em-relacdo-de-reciprocidade. Assim, reciprocidade é participar da existéncia do outro, Nés nao s6 tomamos conhecimento da vida do outro, mas nos preocupamos com ele. Se isso for feito pelos dois componentes da relagéo, temos a explicitagao no mais alto grau do que seja entrar em relagdo com o outro. Viver em reciprocidade é estar sempre participando da vida do outro. Participar, porém, ndo é dirigir a vida desse outro. Um pai que participa da vida do filho é alguém que sabe 0 que o filho esta fazendo e as vezes pondera com ele qual 0 melhor camirho a seguir, mas nao dirige ou deter- mina 0 que cle deve ou néo fazer. Se a reciprocidade for vivenciada na sua pura autenticidade, ela gerara o vinculo, nosso quarto elemento estrutural da relacio humana. O vinculo afetivo serve para sedimentar a relagdo. E ele que dara a qualidade dessa relagao, uma vez que a afetividade 6 responsvel pela intensidade e pela qualidade do relacionamento, Podemos dizer que a afetividade na vida psiquica é como o sal na comida e “comida sem sal é comida sem gosto”, Relagiio humana sem vinculo afetivo é como uma relagao entre duas maquinas, obviamente sem sentimentos. O filme irancés “Relac&o Pornografica”, por exemplo, expressa, de forma bem clara e nitida, 0 89 Digitalizada com CamScanner A pergunta que surge agora é: serd Possivel gue ttar na existéncia alguma relagao huneva ane Possua caracteristicas préprias de uma relacio eetearcrapica? A nosso ver, a relacéo interpesseal sstruturada entre a mae e 0 bebé pode nos ajudar da mac com o seu bebé aponta para Posturas e {xencias muito préprias, porém muito semelhar, tes ao que se passa em uma relagao psicoterapica, Em primeiro lugar, na relagdo mae-bebé, amas Se caracteriza como 0 ambiente facilitador, pois & Por meio da adaptacao das necessidades do bebé que ela aparece como a facilitadora do processo de amadurecimento que pertence a ele. “Ela é suficiente boa porque atende, ao bebé, na medida exata das necessidades deste, e nao de suas proprias neces. sidades, como, por exemplo, a de ser boa ou muito boa’ (DIAS, 2003, p. 133). Veja que a perspectiva de Winnicott, ao falar do relacionamento dessa diade, é a de que se “trata de “adaptagao a necessidade” ¢ nao de satisfagao de desejos” (DIAS, 2003, p. 133). E toda uma perspectiva de ajudar o outro a encon- trar 0 seu rumo, e nao a perspectiva de que o outro € objeto de satisfagéio do nosso desejo. Diriamos que a mae coloca a servico do desenvolvimento do bebé sua pessoalidade e sua existéncia. De modo semelhante, podemos dizer que o te- Tapeuta também se posta para servir o cliente, no 92 Sentido de que vai dispor de toda a sua inteligéncia 6 ds toda a sua preparagao profissional para ajuda, Jo a se encontrar no seu modo de ser. A mae, que simboliza 0 ambiente, adapta-se as necessidades'de bebé. O terapeuta também se adapta as demandas do cliente, ja que ¢ ele, terapeuta, o ambiente facilitador, Winnicott expressa o fato de que a “mae suficiente boa torna a adaptacao cada vez menos absoluta ¢, desse modo, permite que ele, gradualmente, caminhe na direcdo da dependéncia relativa...” (DIAS, 2003, P. 137). Ora, podemos dizer que o papel do terapeuta € muito semelhante, visto que, no processo de ajuda Psicolégica, ele vai, pouco a pouco, permitindo que o Cliente, no seu processo de crescimento e amadureci mento, cada vez menos dependa dele e seja cada vez mais capaz de “caminhar com as préprias pernas". Evidentemente que, para o desenvolvimento do Processo de crescimento, temos de ter um ponto de partida seguro, Esse é semelhante tanto para o bebé como para o cliente em processo terapéutico. Tal porto seguro para ambos é a experiéncia da confianca. Fica, portanto, a pergunta de como se constréi esse ponto de partida. No inicio, a atitude necesséria para que a mae instaure a sua postura de adaptacdo é desenvolvendo aatitude de acolhimento. Acolher é aceitar 0 outro do Jeito que ele é, mas aqui é mais radical, jé que acolher as necessidades do bebé é inclinar-se as suas deman- das. No caso de psicoterapias, a situagéo é muito seme- Ihante, uma vez que o terapeuta, no primeiro momento, acolhe as necessidades do cliente. Isso é muito signi- ficativo no sentido de que, se o bebé sera afetado pelo tipo de cuidado que recebe, o cliente também sera afetado pela forma com que sera recebido pelo psico- terapeuta. Quanto mais espontaneo for o acolhimento, maior impacto tera no processo de transformaga Digitalizada com CamScanner Que € 0 surgimento do afeto dentro de uma relagao ¢ vinculo que vai se estabelecendo entre os parceiros, No inicio do filme, os dois protagonistas se encon- tram sé para vivenciar suas fantasias sexuais. Com © tempo € com a continuidade dos encontros, porém, vai surgindo um sentimento que sedimenta a ligagdo. Embora eles nao quisessem revelar 0s nomes nem saber onde cada um morava etc., o surgimento do sentimento vai criando o vinculo que eles néo estavam querendo gerar, e lidar com esse vinculo passa a ser profundamente problematico. Es Por exemplo, na relacdo com uma prostituta, nao se coloca a questao do vinculo, porque o afeto geraria essa condigao, e isso trairia a natureza da relagao. E uma relacdo que se prima por ndo se fundamentar em sentimentos, na afetividade. O que queremos dizer é que o que caracterizaria uma relagdo humana ¢ 0 estabelecimento do vinculo como © elemento de ligagdo entre dois sujeitos, A afetivi- dade é o aspecto da vida humana que possibilita a vinculagéo ¢ a sedimentacao dessa entre os parceiros. IL A relacao interpessoal Se num primeiro momento analisamos 0 que constitui uma relagdo humana, temos que desta- car que existem varias possibilidades existenciais e formas diferentes de se concretizar uma relagaéo humana. A questo que nos interessa aqui é saber se algumas dessas formas de expressividade do encontro humano podem ser compreendidas como uma relagao terapéutica. Pois 0 que nos move agora é verificarmos se existe um tipo especial, uma forma especifica que poderia ser propria de uma RT. Bucher (1989), em um dos capitulos de seu livro A psicoterapia pela fala, analisa nove tipos de relagao psicolégica, destacando que somente a relago de apoio ¢ a relagao interpessoal subjetiva poderiam ser consideradas como relagdes terapéuticas. Sua analise pode ser entendida como uma fenomenologia das relagoes psicolégicas e terapéuticas, ja que origina (OU principia) da relacao na qual a formalidade esta mais presente, indo até o tipo de relagéo em que 0 engajamento subjetivd é 0 elemento essencial. Na perspectiva fenomenolégico-existencial, quanto maior for 0 envolvimento subjetivo de um dos parceiros, isto é, do cliente, mais a relagao sera considerada terapéutica. Por outro lado, quanto maior for o grau de formalidade, mais longe estaremos de uma relacdo terapéutica. A relagdo médica, que nao entra em con- tetidos subjetivos e que sé fica na andlise da doenga com a respectiva prescri¢ao dos medicamentos, deve ser considerada uma relacdo formal ou “cientifica”. ‘Segundo 0 mesmo autor, uma relacdo pedagé- gica construida em cima de mera transmissdo do conhecimento deve ser compreendida, também, como uma relacdo ndo-subjetiva, visto que ai nao se entra nas questées existenciais de qualquer membro da diade, fixando-se somente na transmissao do saber. Arelacao terapéutica devera por exceléncia apoiar-se em contetidos subjetivos. Essa, sim, segundo Bucher (1989, p. 117), sera uma relacdo psicoterapéutica propriamente dita, uma vez que “esquadrinha o ma- terial subjetivo do paciente”, para ajuda-lo a tomar consciéncia e posse desse material e, logo, redirecionar a sua existéncia. Embora 0 contetido subjetivo aqui presente seja 86 de um dos membros da relagdo, caso haja troca em um mesmo nivel dos contetidos subjetivos, teremos nao mais uma relagao propriamente psicoterapéutica, mas, em muitos casos, uma relagdo amorosa, que pode ser terapéutica, mas ndo em relagao psicotera- a1 Digitalizada com CamScanner | | Assim, acolher ng terapia, acei atender o cliente, escutando a sua quek é due tem grande sensibilidade para o humata, tear Pois, ligado nas demandas desse cliente, y Esse'vinculo é o elemento que podera desenca- dear 0 processo de harmonia na relagao. Queremes dizer que, tanto para o desenvolvimento emocional te bebé como para o crescimento existencial do cliente, & qualidade do vinculo é fundamental. Quanto mai © vinculo for estruturado, mais seguranga sentira © bebé no seu caminhar rumo a autonomia, ¢ cliente, na busca de sua liberdade. A qualidade de vinculo ¢ responsavel pela qualidade da relagao, na medida em que ele fortalece a ligacdo entre os dois polos. Quanto mais sélido é o vinculo afetivo, tanto mais a relagdo tende a perdurar, permitindo ao lado mais fragil fortalecer-se. Por exemplo, numa relagao amorosa, quanto mais forte for o vinculo gerado pela afetividade, o sentimento de amor, tanto maiores sio as chances de a relacao sobreviver as dificuldades da vida ¢ aos obstaculos do cotidiano. O sentimento amoroso é a pedra angular para a sedimentagao de 94 uma relago, seja ela de mie e filho, seja de marido mulher, seja do terapeuta e de seu cliente. Esses dois elementos, o acolhimento e o estabe- lecimento do vinculo afetivo, ajudam o aparecimento do terceiro elemento que surge na interagao interpes- soal € que sera a base para todas as outras formas de relagdo: a experiéncia da confianga. Essa experiéncia que acontece no inicio da vida da crianga € a base para toda as outras relacées, uma vez que, justamente quando o bebé vivencia @ confianga, ele esta tendo o ponto de apoio para o desenvolvimento de sua vida emocional. Isso é tao significativo para 0 bebé que, quando ele passa por essa experiéncia, ele se sente relaxado diante da mae. A experiéncia de que podemos confiar em alguém, de que esse alguém quer 0 nosso bem e faz tudo para que isso aconteca, coloca-nos num estado de descontragaio ¢ de despreocupacao com a vida. Essa é a vivencia de um bebé diante de sua mae extremamente dedicada. Na psicoterapia, talvez a grande conquista do terapeuta seja proporcionar ao seu cliente uma ex- periéncia de confianga, ja que, com base nessa ex- periéncia, 0 processo terapéutico pode se colocar em marcha. Evidentemente que, muitas vezes, alguns clientes ja chegam para a terapia com esse sentimen- to. Podemos revelar os nossos segredos & pessoa que esta diante de nés, como muitas vezes os pacienies fazer com os seus médicos, mas a experiéncia de confianga sera construida na relagao que se inicia. Se ela foi bem vivida na infancia, possibilitaré que a relagéo do terapeuta com o clicnte seja construida mais rapidamente e ajude o processo terapéutico a ser instaurado. Aqueles que nao vivenciaram isso na infancia terao mais dificuldades de se soltar, e a primeira conquista da terapia sera a construgao da confianga. Um sinal de que ela esta na base do pro- 95 Digitalizada com CamScanner a A ae < endo stag dents POF meio de sua postura . que esta relaxado, tratando de seus probl 4 eenemes, Ou quando, com o passar di fempo, © cliente fala sem resistencia, PSS" 2 : que dissemos até 2 liquid tos aalndon ne peo et doen. construida entre o terapeuta aud ek coe

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