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I mpasses vividos pelos psicólogos

organizacionais

ÁUREA CASTILHO

1. Introdução; 2. A posição da universi-


dade na formação do psicólogo orga-
nizacional; 3. Visão ou preconceitos so-
bre o psicólogo organizacional; 4. Cons-
ciência de sua posição e papel.

1. Introdução

Nossa pre'ocupação, no dia de hoje, será levantar alguns pontos de reflexão sobre o
trabalho que vamos desenvolver a seguir. Para tanto, lembrei-me de abordar os
seguintes aspectos:

a) as tensões do psicólogo organizacional;


b) a posição da universidade na sua formação;
c) visão ou preconceitos sobre o psicólogo organizacional;
d) consciência de sua posição e seu papel.

Este trabalho não tem uma abordagem científica; ele se baseia apenas em
entrevistas realizadas em Recife, com psicólogos de empresas ou que a estas pres-
tam serviços, com alguns níveis de chefias, empregados em diferentes níveis hierár-
quicos, psicólogos recém-formados e profissionais já estabelecidos com mais de
cinco anos de formados.
Alguns dados, antes de entrar nas abordagens já referidas, valem como um
posicionamento de nossa realidade. Cerca de 60 a 70 empresas dispõem, nos seus
quadros, de psicólogos próprios; uma média de 120 empresas tem convênio com
clínicas autônomas; a média de clínicas atuando com recrutamento e seleção é
aproximadamente de 20 no estado de Pernambuco; a média de psicólogos em
grandes empresas é de 4; a média de psicólogos em pequenas e médias empresas é
de 2.
O que passo a expor agora, na abordagem das tensões vividas pelos psicólo-
gos organizacionais, é a opinião daqueles elementos que foram entrevistados. Pela
exigüidade de tempo, não foi possível elaborar uma pesquisa de opinião mais
aprofundada em termos de amostragem; e por motivos óbvios, não é possível
indiêar as fontes de contatos.

Arq. bras. Psic., Rio de Janeiro, 32 (1): 393-398, jan./mar. 1980


Eis as principais fontes de tensão, vividas pelos psicólogos que pertencem ao
quadro de empresas:

a) falta de consciência dos comandos, sobre o papel do psicólogo;


b) falta de sensibilidade dos executivos e técnicos para a área· do comporta-
mento;
c) como conseqüência, eles sofrem interferência nos seus trabalhos, na maioria
das vezes sob forte pressão, principalmente no que concerne à tomada de decisão
e, principalmente, àqueles que trabalham em recrutamento e seleção;
. d) carência de embasamento teórico sobre organização; .
e) ambígua percepção dos seus limites, não sabem realmente o que fazer ou até
onde ir;
t) medo do diálogo com os comandos superiores por falta de condições pessoais
e técnicas;
g) percebem-se com baixo nível de status (e, conseqüentemente, de reconheci-
mento) como técnicos dentro da empresa, comparando-se a outros técnicos da
área-meio em empresas onde a área-fIm é a tecnologia;
h) baixo ou precário poder decisório - estes estão sempre nas mãos dos adminis-
tradores;
i) baixo nível salarial em comparação com outros técnicos;
j) dillculdade de serem aceitos (a nível de chefia ou não), pois as pessoas na
empresa freqüentemente não aceitam o nível de comportamento do psicólogo;
1) fmalmente, falta de condições de se afirmarem e, conseqüentemente, de afir-
mar a imagem do profIssional;
m) outra tensão manifesta foi a falta de troca de e~riência entre os profIssio-
nais;
n) dillculdade de desenvolver pesquisas ou ter acesso àquelas realizadas por ou-
o tras organizações.

Agora, a visão das clínicas prestadoras de serviços às organizações:


a) algumas alegam deslealdade na competição no mercado. A maioria dos psicó- o

logos entrevistados observa que no marketing tudo é válido, e existem atitudes


pouco éticas em relação a tipos de críticas usadas ou às taxas cobradas;
b) outros colegas externaram as suas dificuldades em lidar com executivos,
porque estes não aceitam os serviços de psicologia, são pouco informados, e costu-
mam ser pessoas difíceis de se tratar;
c) depuseram alguns que, às vezes, se toma mais difícil o trato com empresas
onde haja psicólogos e que contrata serviços de clínicas autônomas, isto porque,
ao invés de o psicólogo empresarial oferecer subsídios do que ele realmente quer,
procura apenas fazer críticas ao trabalho, não raro com forte teor de agressividade;
d) outra observação digna de nota são as tensões vividas pelo comportamento e
competição desleal - as taxas cobradas entre as clínicas variam alarmantemente de
Cr $ 90,00 a Cr $ 600,00. E agora, o que fazer?

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o depoimento das clínicas autônomas é que:
a) existem empresas que aceitam o trabalho do psicólogo;
b) outras que fazem fortes restrições, a maioria das vezes por experiências ante-
riores pouco felizes;
c) existem empresas que acreditam no trabalho, mas contratando-o com um
sistema centralizado no Sul - onde todo o contato é feito por correspondência, e
neste sistema, n!o raro, o processo de comunicação é profundamente limitado,
ocasionando, com freqüência, dificuldades;
d) por fim, profissionais mais antigos, além de não sentirem muitas destas difi-
culdades, acreditam na abertura das organizações; uma prova é a freqüente perda
de clientes, para a implantação do seu próprio sistema.

Mas precisávamos ouvir as chefias para melhor compreender a nossa realidade.


São os seguintes os depoimentos das chefias:

a) o psicólogo é visto como uma pessoa complicada;


b) profissionalmente, sã'o pessoas difíceis de se lidar;
. c) freqüentemente sa'o intransigentes e, não entendendo das posições e políticas
de empresa, sempre dificultam as decisões das chefias;
d) sã'o pessoas que só complicam as coisas - só pensam do lado do empregado;
e) sã'o normalmente percebidos como incapazes, como "toda essa turma que
trabalha em recursos humanos";
t) freqüentemente percebem os psicólogos como indivíduos que aplicam testes,
não tendo, com raras exceções, uma consciência mais ampla dó papel do psicólogo
na empresa;
g) confirmam o status do psicólogo como inferior ao dos demais técnicos;
h) alguns níveis de gerência percebem o psicólogo como um elemento receptivo
às mudanças;
i) outros os consideram profissionais profundamente responsáveis e preocupa-
dos com uma visão mais ampla da empresa, não só como geradora de capital, mas
também com um papel socioeducacional mais amplo;
j) fmal1l!ente, observa-se que em organizações públicas, onde há uma maior
freqüência de profissionais das ciências sociais, o psicólogo tende a ser visto com
um forte status, porém nem sempre com um salário compatível.

2. A posiçlo da universidade na formação do psic61ogo organizacional

o que temos observado é que a universidade não vem preparando o psicólogo para
as suas funções específicas, nem tampouco lhe oferece uma visão organizacional.
A falta de um currículo adequado, a nível de uma pré-especialização, não é
vista pelas autoridades educacionais. Assim, com uma visã'o meramente comporta-

Psicólogos organizacionais 395


mental, o psicólogo que trabalha em empresa, desconhecendo estruturas, sistemas,
métodos e todas as variáveis que compõem uma organização, torna-se efetiva-
mente um técnico profundamente limitado.
Não é preciso sequer fazer uma pesquisa de mercado para se observar a
demanda nesta área. Assim sendo, é tempo de a universidade preparar profissionais
mais competentes.
Não basta apenas uma cadeira de psicoloiia industrial e/ou de orientação
profissional, recrutamento e seleção, mas sim um currículo específico, voltado
para dar ao estudante um suporte de conhecimentos organizacionais.
A universidade instrumenta (mas não prepara!) apenas psicólogos nesta área
para lidar com recrutamento e seleção, e quando muito em treinamento. Mas
esquece, ou desconhece, as áreas de avaliação de desempenho e desenvolvimento
organizacional.
Temos hoje muitas expressões em desenvolvimento organizacional e psicolo-
gia industrial, mas poucos psicólogos conhecem o significado e o papel do psicólo-
go organizacional como agente de mudança - e, ironicamente, parece ser este o
seu papel fundamental.
Mas esta abordagem será feita depois.
Não gostaria de deixar passar a área de avaliação de desempenho, onde o
trabalho de análise do comportamento, e do desempenho do empregado no exer-
cício de suas funções, na maioria das vezes, é tratado por profissionais que pouco
entendem de comportamento, e, instrumentos de análise comportamental, são
usados e manipulados sem maiores preocupações e senso ético, por qualquer
pessoa na organização.
Não quero dizer que avaliação de desempenho seja atividade específica de
psicólogo; absolutamente, não tenho esta visão fechada, mas que, pelo menos nas
equipes de avaliação de desempenho, haja o psicólogo, ora para elaboração ade-
quada dos instrumentos, ora porque ele deva estar alerta para o nível de responsa-
bilidade do trabalho, arquivo e o acesso a estas informações.
E, pergunto eu, o que tem feito a universidade para preparar estes profis-
sionais?

a) estariam os próprios psicólogos e professores atualizados para as crescentes


especializações nessas áreas?
b) perguntaria mais: o que têm feito os profissionais para suprir essas deficiên-
cias?

3. Visão ou preconceitos sobre o psic61ogo organizacional

Freqüentemente, os psicólogos, de um modo geral, enfrentam algumas formas de .


preconceitos, mas nos deteremos aqui àqueles voltados para o psicólogo organiza-
cional.

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Tais preconceitos vêm da própria classe, de outros profissionais ou do públi-
co.

a) o primeiro deles está ligado a uma percepção dentro da própria classe de que
os psicólogos de empresa 5[0 pessoas cultural e intelectualmente menos capazes,
principalmente aqueles que se dedicam a recrutamento e seleção;
b) pelos profissionais da área humanística, ele é percebido como auto-suficiente;
c) pelo empregado, ele é visto sob dois enfoques:

• ou como aquele elemento que está pronto a ajudar;


• ou como pessoa que só está interessada nos aspectos de empresa;

d) outras vezes é visto como o elemento que incomoda porque está sempre
analisando ou criticando as pessoas.
e) por muitos ele é percebido como um elemento corajoso que tem condições de
discutir assuntos melindrosos, ou se sente à vontade para um processo de crítica;
f) por outros é percebido como pessoa perigosa, que tem condições de manipu-
lar as pessoas, conseguindo as informações que lhe interessa;
g) por muitos o psicólogo organizacional é visto como um mero aplicador de
testes, que não leva a lugar nenhum.

4. Consciência de sua posição e papel

Finalmente, um dado de reflexão - a posição e o papel do psicólogo organiza-


cional.
Como podemos, efetivamente, criar um status, uma imagem real do psicólogo,
se nós próprios não estamos preparados, técnica ou pessoalmente, para as respon-
sabilidades que assumimos?
Pelo menos esta foi a maioria das opiniões entre os colegas.
Entendo que, na nossa [armação básica, o nosso principal papel é uma to-
mada de consciência: de si mesmo e, no desempenho profissional, ampliando o
nível de consciência do outro.
Não é diferente o papel do psicólogo organizacional. Talvez, de maneira mais
árdua que as demais áreas de psicologia, o nosso principal objetivo, qualquer que
seja nosso campo de atuação - pesquisa, avaliação de desempenho, recrutamento
e seleção ou desenvolvimento organizacional - é levar pessoas a um nível de
consciência maior, criar uma mentalidade, desenvolver abertura, criar e favorecer a
emergência de uma nova cultura organizacional.
Devemos estar, entretanto, fIlosoficamente embasados do que, evidente-
mente, nós queremos, ante a realidade que atuamos.
Não posso entender um psicólogo organizacional sem uma visão socioeconô-
mica de sua realidade e do seu real papel no processo da mudança organizacional.

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Se compreendemos o indivíduo, a organização e a sociedade como um sistema
aberto, não pode ser o psicólogo um mero técnico, limitado apenas a seus instru-
mentos de trabalho. Ou o psicólogo assume o seu real papel - "que é o de ser um
facilitador, um agente de mudanças e, assim, participar ativamente da história de
sua empresa - ou, fiquemos conscientes disso, seremos apenas meros robôs, so-
frendo toda a sorte de pressão e desprestígio.
O que solicito agora é uma reflexão realística das nossas atuais condições
pessoais e técnicas, e que daqui saiamos com uma posição corajosa de desenvolver
um plano de ação, que nos leve a superar este estágio.

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