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RESUMO
O estudo compreende adentrar na poética de Marize Castro a fim de discutir o feminino na
contemporaneidade a partir da análise da sua obra. Sendo elemento estruturante o processo de
emancipação da voz feminina, a ocupação do espaço produtivo e como a poesia de Marize é
refletida nesses planos de observação. A metodologia utilizada, fixa no estudo bibliográfico,
para a sustentação teórica e crítica, sendo utilizados estudos de Nelly Novaes Coelho (1991),
Alexandre Alves (2014), Mariana Ianelli (2016), entre outros, buscando ampliar o plano de
compreensão sobre o contexto literário em que Marize se encontra e como isso é externado
em sua obra. Buscando a obtenção prática de conclusões serão analisados dois poemas,
“Inteira”, presente na obra Esperado ouro (2005) e “Se me olham”, retirado do livro Lábios-
espelhos (2009), o primeiro numa perspectiva fotográfica da mulher contemporânea e o
segundo a partir da observação da maturidade adquirida. Diante disso, o estudo nos leva a
representação poética da mulher e as variadas representações do feminino e como emergem
na contemporaneidade com o próprio sentido do tempo, entendendo o ciclo transitório pelo
qual passamos através da literatura, nas sensações produzidas pelos versos femininos, e como
isto nos coloca numa condição privilegiada de percepção agregadora da essência humana.
ABSTRACT
The study includes entering into the poetics of Marize Castro in order to discuss the feminine
in contemporary times from the analysis of his work. As the structuring element of the
emancipation process of the female voice, the occupation of the productive space and how
Marize's poetry is reflected in these plans of observation. The used methodology, fixed in the
bibliographical study, for the theoretical and critical support, being used studies of Nelly
Novaes Coelho (1991), Alexandre Alves (2014), Mariana Ianelli (2016), among others,
seeking to broaden the understanding plan about the literary context in which Marize finds
herself and how this is expressed in her work. In order to reach practical conclusions, two
poems will be analyzed, “Inteira”, present in the book Esperado ouro (2005) and “Se me
olham”, taken from the book Lábios-espelhos (2009), the first in a photographic perspective
of contemporary women and the second from the observation of acquired maturity. Given
this, the study leads us to the poetic representation of women and the varied representations
of the feminine and how they emerge in contemporary times with the very sense of time,
understanding the transitory cycle through which we pass through literature, the sensations
1
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-rio-
grandenses, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título
de Especialista em Literatura e Cultura do Rio Grande do Norte.
2
E-mail: <analia_jq@hotmail.com>.
3
E-mail: <alexandrealvesuern@gmail.com.>.
produced by feminine verses, and how This places us in a privileged condition of aggregating
perception of the human essence.
4
Informação retirada do blog Literatura Potiguar. Disponível em:
<http://literaturapotiguar.blogspot.com/2010/01/anna-lima.html> Acesso em: 27 Jul. 2019.
“fragilidades”, como um mecanismo de autoconhecimento, e, por conseguinte, tradução do
seu poder, da sua feminilidade, tudo dentro de uma conscientização e criticidade. Uma vez
que, o mundo feminino sempre esteve ditado por uma ordem padrão patriarcal.
A figura da mulher fragmentada em sua própria história buscando unir suas partes e se
fazer inteira é uma imagem que fundamenta a compreensão de um tempo essencialmente
complexo por quebrar paradigmas e leva ao entendimento do padrão ser disforme, não linear,
que aglutina, agrega, desconstrói para construir. A consolidação desse retrato que faz
oposição aos modelos cânones da figura feminina, como todo padrão, requer tempo,
permanência, variações pontuais e a consolidação de uma maioria. Maioria esta, que ainda
não existe. A poesia de Marize, nesse contexto, reverbera a ideia do não arrependimento no
dizer e no agir, mas do conhecer e talvez errar, para essencialmente entender e enfim se
conhecer como o sujeito que é.
Logo, em sua primeira publicação, Marrons Crepons Marfins, Marize se livra das
amarras, fala como mulher pulsante que tem desejos, que ecoa vozes e que estas se
manifestam a partir das experiências práticas, lúdicas, quaisquer que sejam em seu universo
vivo, “Há paixão, audácia, teatralização trágica em ‘lâminas’, ‘navalhas’, ‘espadas’, ‘setas’ e
fogos frequentes nos versos”6. Uma mulher que não se reprime, que tem na memória o
caminho para a liberdade a partir da consciência sobre o passado.
A poesia de Marize é primordialmente feminina, trabalhando com as constâncias e
inconstância do cotidiano, os detalhes que nos forjam e que acabam por refletir nossos
comportamentos. Tudo isso é material que ferve e se torna elemento poético em sua obra.
Características que condensam uma tradição de nomes potentes e que Marize deixa clara sua
conexão com cada um deles.
[...] há muitas outras vozes que são da família de Marize, não só brasileiras, como
Hilda Hilst e Zila Mamede, como também de outros tempos e lugares, como Safo,
de quem a poeta herda a sensualidade dos ardis de sedução, por sua vez herdados de
Afrodite, ou Emily Dickinson, com quem Marize compartilha, por exemplo, o
6
IANELLI, Mariana. Uma voz sublime e rara. Rascunho. ago. 2016. Disponível em:
<http://rascunho.com.br/uma-voz-sublime-e-rara/>. Acesso em: 04 jul. 2019.
segredo de vulcões domésticos e um jardim de casa com suas leis de botânica e teias
de aranha como signos de tessitura poética, enredo de atração, mortalha. (IANELLI,
2016)7
Desse modo, Marize vai lidando com sua própria construção, em um constante
processo de autoconhecimento, que reverencia quem veio antes e se abre ao mundo a partir
da sua escrita, que entre impulsos explícitos ou sutilezas. Assim, o seu primeiro livro trabalha
a potência feminina, expondo-a como uma dinamite que esmorece paredes sólidas da tradição
poética local, impondo sua singularidade inconteste. Sobre isso, é importante refletir que:
Dessa forma, faz-se necessário observar que o trabalho de construção poética que
coincide com seu autoconhecimento é um ponto de fusão de condições diversas, Marize sente
o seu tempo e traz diante dele todos os sentidos, mas não relega certas tradições, como no
caso do uso do verso livre, apontando referência ao Modernismo, mesmo diante do seu início
como poeta marginal. Essa sua capacidade de lidar com os elementos que estão em processo
de desconstrução aprofunda sua arte e expõe uma ideia de “sagrado” muito particular, como
sendo tudo aquilo que toca sua alma, que a faz sentir.
Em seus escritos seguintes, Rito (1993) e Poço. Festim. Mosaico (1996), os sentidos
se tornam mais aguçados, complexos, íntimos. É um revelar consistente da sua imersão pelo
feminino, em seu próprio exercício de autoconhecimento, em que Marize dialoga consigo, se
pinta, se mostra, emerge em cenários ficcionais e depois se desnuda novamente, pois a base
do seu tempo (a contemporaneidade) é a desconfiança sobre as certezas.
Diante disso, direcionando a análise para a correlação temporal entre a poesia de
Marize e a mulher que se consolida na contemporaneidade, entende-se “à profícua
7
IANELLI, Mariana. Uma voz sublime e rara. Rascunho. ago. 2016. Disponível em:
<http://rascunho.com.br/uma-voz-sublime-e-rara/>. Acesso em: 04 jul. 2019.
desconfiança em relação aos discursos universais e totalizantes.” (ZOLIN, 2009, p. 105),
sendo um referencial motor da nova construção social emergente sobre o feminino. A mulher
sai da sua condição de certeza e entra numa esfera experimental de descobertas e libertações,
mas não consiste numa travessia simples, uma vez que sair de um lugar conhecido, por mais
limitador que este possa ser, para adentrar num plano desconhecido de múltiplas
possibilidades, gera questionamentos e temores.
Posto isso, a forma como cada mulher lida com essas exigências acaba por definir seu
lastro íntimo. Marize Castro em sua poesia concebe esses ideais de forma pessoalíssima, sem
uma cobrança exagerada de chegar a uma definição final. Ela entende o lugar múltiplo da
mulher ao passo que constrói em sua poética um olhar de ressignificação dos símbolos,
dando-os um novo elemento de caracterização, sem necessariamente revogá-los.
Sobre esse lidar com as tradições e os rompimentos é importante compreender que:
INTEIRA9
Sempre sofri.
Sempre tive febre.
Sempre estive inteira em todos os infernos
Nunca quis ser abandonada.
Mas aprendi a perder.
8
IANELLI, Mariana. Uma voz sublime e rara. Rascunho. ago. 2016. Disponível em:
<http://rascunho.com.br/uma-voz-sublime-e-rara/>. Acesso em: 04 jul. 2019.
9
Retirado da Revista Germina. Disponível em: <https://www.germinaliteratura.com.br/marize_castro.htm>.
Acesso em: 04 jul. 2019.
se ressignifica a partir da consciência crítica sobre a sua própria existência, impõe a força que
constitui essa mulher retratada em “Inteira”.
O primeiro plano de conteúdo que emerge dialoga com o sagrado, elemento este,
recorrente no livro ao qual pertence o poema. Mas o divino em Marize vai além das
concepções dogmáticas estabelecidas tradicionalmente na sociedade, “em sua fé, há a crueza
dos místicos, como a de Maria Madalena, que, em seu Evangelho, ao invocar a alma, confere-
lhe o predicado de “assassina”.”10.
Posto isso, logo na primeira estrofe encontramos uma marca do paradoxo em que se
encontra a síntese da construção dessa mulher contemporânea que habita e transita por
diferentes arcos. Uma mulher iluminada pela resposta divina, mas que sua existência acaba
por alimentar os demônios mundanos, aquilo que não é virtuoso dentro da moral sagrada
religiosa, expondo a crise da mulher, iniciada no século XX, e que perdura ainda na
contemporaneidade, bem ponderada por Marías (apud COELHO, 1991, p. 93), ao discutir o
processo em que a mulher passa a olhar para si e perguntar-se a si mesma.
10
IANELLI, Mariana. Uma voz sublime e rara. Rascunho. ago. 2016. Disponível em:
<http://rascunho.com.br/uma-voz-sublime-e-rara/>. Acesso em: 04 jul. 2019.
sentimento de reconhecimento, mas que serve para ampliar e consequentemente aprofundar
essa intimidade, como se a acolhida lhe permitisse ir além. Isto fica claro no verso seguinte
(arrisco-me a enlaçar orquídeas em árvores), quando usa como referenciais simbólicos as
orquídeas e seu enlaçar nas árvores, figurando, aqui, uma segurança diante da história, sendo
capaz de correr riscos, adentrar em novos planos criativos e florescer.
Discutido o alcance poético de Marize diante da sua fome de reverberar as vozes que
lhe compõe e se estende como um retrato da mulher contemporânea. O estudo adentra neste
último tópico, na análise da obra Lábios-espelhos, com o intuito de trabalhar a maturidade
feminina a partir dos versos de Marize, sob os aspectos, sabedoria e inquietude. Nessa
perspectiva é importante destacar que os versos vão se desenhando a cada poema como uma
expressão do ser essencial de Marize, “Aqui, o motivo preponderante é a Poesia, em sínteses
que nunca são óbvias tampouco artificiosas”11. Desse modo, a escrita de Marize se mostra
dona de um autoconhecimento que extrapola o íntimo e salta para o universal, lidando com
traços estéticos e de conteúdo.
Assim, Marize caminha por seus impulsos, suas certeza e dúvidas, trabalha com uma
conexão com o sagrado, por vezes expressa numa divindade externa universal, mas que
atentamente se transfigura em sua própria existência, pois é nesse exercício de autodefinição
que ela se conecta com as questões existenciais, como no poema “Serei ele?” expondo sua
inquietação com o divino. E nesse caso, a existência está intimamente ligada à poesia e seu
trabalho contínuo perante a escrita, a linguagem, tema explicitamente trabalhado em “Se não
escrevo” ([...] destruo-me./Incendeio-me./Murcho./Cego-me.), ou ainda em “A poesia” e em
“Quando a poesia diz sim”.
11
IANELLI, Mariana. Uma voz sublime e rara. Rascunho. ago. 2016. Disponível em:
<http://rascunho.com.br/uma-voz-sublime-e-rara/>. Acesso em: 04 jul. 2019.
SE ME OLHAM
Nesse sentido, os primeiros quatro versos (Por que quase tudo perdi,/tornei-me sem
adereços./Nada existe que me tire/de mim mesma.) fazem um trabalho de apresentação da
maturidade que lhe orna e que é percebida por aqueles que entram em contato, pois já não se
trata de uma consciência subterrânea do seu ser, mas uma constatação explícita da sua
existência.
Seguindo nos versos do poema em análise, o quinto verso (Nem mesmo esses
cadáveres) expõe um outro elemento fundamental na constituição dessa maturidade, a
resistência. A resistência sobre as lembranças, sobre o passado, e segue demonstrando uma
formação crítica e elucidativa ao indicar a resistência sobre os ídolos descartáveis que
ascendem na instantaneidade a qual estamos submetidos. O eu-lírico expõe as seduções da
vida social, da cultura e também da religião, demonstrando também resistência às
representações divinas. Depois fala de enfrentar as fragilidades com um propósito bem
definido, em que o aprendizado resulta na construção de uma fortaleza frente aos
sentimentos, que apesar de não proteger de todos os percalços da vida, possibilita um
enfrentamento consistente e equilibrado.
Posto isso, os versos finais do poema (Se me olham, não me alcançam./Nem ouvem o
que a minha alma diz:/Não quero mais o que jamais quis.) serão dedicados aos mistérios
inerentes à alma, os segredos inquietantes até para o próprio ser. Nesse ponto, o eu-lírico de
Marize é direto e expõe sem rebuscamento linguístico a natureza indecifrável de que é
formada, é impossível revelar todo o íntimo na aparência, o ser humano é essencialmente
mistério. O alcance é íntimo, secreto, composto de vozes inaudíveis que se prepondera no seu
próprio ser e consciência. Por fim, se fala de maturidade real, autocontrole e defesa frente às
seduções do mundo. Consciência e compreensão do seu ser, das escolhas feitas e do que
almeja no futuro, uma liberdade perene que é deixada à mostra impondo essa autodefinição
não só perante seu íntimo, mas também diante do exterior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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2014.
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CASTRO, Marize. Lábios-espelhos. Natal, (RN): Una, 2009.
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ZOLIN, Lúcia Osana. A literatura de autoria feminina brasileira no contexto da pós-
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