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32º Encontro Anual da Anpocs

GT 36: Sexualidade, corpo e gênero

A dádiva entre estranhos?: um estudo de


grupos anônimos de ajuda mútua

Carolina Branco de Castro Ferreira


Introdução
Este texto reúne as reflexões iniciais de minha pesquisa de doutorado sobre
grupos anônimos brasileiros voltados para adicções no sexo e/ou amor. Por isso, ele é
uma experiência, porque tem um caráter experimental. Nele eu reúno as reformulações
de meu projeto de pesquisa de doutorado, a inclusão de novos referenciais teóricos que
tomei contato com as disciplinas que fiz neste semestre, conversas de orientação,
debates de pesquisa na Unicamp e observações de colegas da apresentação da pesquisa
no VIII Congresso Internacional Fazendo Gênero.
Esta pesquisa tem como objetivo geral compreender como as construções de
gênero, sexualidade, “raça”/etnia, nacionalidade, noções de amor e pessoa permeiam
dinâmicas e disposições normativas de tecnologias discursivas na modernidade. Para
tanto, a referência empírica/etnográfica para o estudo são grupos anônimos de ajuda
mútua brasileiros voltados para as adicções relacionadas ao amor e/ou sexo1. Estas
questões serão elucidas explorando: 1) a circulação e os fluxos de sujeitos e significados
entre os grupos pesquisados; 2) a comparação e o contraste entre os grupos brasileiros e
americanos considerando a) o surgimento e a especificidade histórica dos grupos
brasileiros b) a circulação de pessoas entre os grupos no Brasil e nos E.U.A c) a
percepção dos participantes dos grupos brasileiros em relação aos grupos americanos.

1. Apresentação da problemática de pesquisa e breve contexto


histórico sobre o surgimento dos grupos anônimos
Meu nome é J, sou mais um Dependente de Amor e Sexo Anônimo (DASA) em recuperação
e só por hoje mantive meu comportamento; na doença eu só pensava nos prazeres da vida,
nos prazeres do corpo, e por falar em prazer nada melhor do que o sexo, drogas e rock rol.
O sexo que eu gostava de praticar era um sexo animal, um coito irracional em que a
mulher não passava de uma fêmea na qual eu a transformava em um depósito de espermas;
eu já gostava de sexo pago, pois não havia necessidade de me relacionar com a pessoa e
muito menos intimidade, e quando já estava satisfeito ia embora e ela que se virasse.
(Trecho de depoimento masculino retirado de “A jornada”- publicação DASA Brasil 10
anos)

Várias mulheres começaram a chegar e três já estavam na sala enquanto eu conversava


com D. Ela me explicava o que são as Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA): um
grupo de auto-ajuda para mulheres dependentes de relacionamentos que querem parar de
tê-los de maneira destrutiva e serem viciadas por eles. D. disse também que este grupo era
baseado nos 12 passos e 12 tradições de alcoólicos anônimos e que estes foram adaptados
pelo MADA, e que a forma de participação era muito importante, pois “quando eu digo que

1
Para esta pesquisa recortei os seguintes grupos: Mulheres que Amam Demais Anônimas- MADA,
Dependentes de Amor e Sexo Anônimos – DASA e Co-Dependentes Anônimos – CODA.
sou D. e digo que sou uma MADA em recuperação, todas já sabem e todas já se
identificam, é pelo fato de estarem aqui só pessoas que se identificam que o grupo dá
certo”. A reunião começa e a coordenadora do dia se apresenta e explica o que é o grupo.
As reuniões são ritualizadas e parece haver um padrão para os encontros. As sessões
duram em média 2 horas e na primeira parte são lidos trechos de textos (“literatura”) e em
seguida é aberto para os comentários das participantes, o tempo de fala é sempre
cronometrado. Na segunda parte da reunião as mulheres podem falar e “partilha2r suas
experiências de sofrimento e dependência”. Há um momento especial para as que estão ali
pela primeira vez falem, se apresentem e digam como chegaram ao grupo. (Notas de
campo, MADA São Paulo, 20/12/2006)

Esta é minha primeira observação participante no grupo Co-Dependentes Anônimos(CO


DA).Este grupo se reúne as quartas no salão da igreja N.S. da Pompéia. Eu cheguei com 30
minutos de antecedência e comecei a conversar com o primeiro participante que se dirigiu
à sala, me apresentei, falei de minha pesquisa e solicitei, caso fosse possível, assistir a
algumas reuniões do grupo. R. respondeu que tudo bem, mas ele teria que consultar a
“consciência coletiva”( os outros participantes),mais uma vez, reiterou de forma positiva
minha participação, pois são as pessoas que são anônimas, não a “irmandade”. Nós
ficamos conversando durante uns 20 minutos até todos (as) chegarem para a reunião. Ele
me disse que há 14 anos freqüenta concomitantemente grupos anônimos, o primeiro que
freqüentou foi os Neuróticos Anônimos (N.A), freqüentou bastante tempo o DASA, também
freqüentou os Fumantes Anônimos (F.A) para deixar o cigarro, e há 10 anos freqüenta o
CODA. Este grupo é freqüentado por homens e mulheres e as reuniões também seguem um
padrão. A reunião começa e logo o facilitador do dia explica o que é o grupo e a co-
dependência: “Co-dependência é a inabilidade de manter e nutrir relacionamentos
saudáveis com os outros e consigo mesmo”. Várias pessoas fizeram menção à participação
em outros grupos anônimos. As “queixas” sobre relacionamentos afetivos sexuais são
muitas e freqüentes, contudo os participantes se referem a sofrimentos de natureza diversa:
relação pai-filha, com os amigos, no trabalho. (Notas de campo, CODA São Paulo,
17/01/2008)

Os trechos acima referidos são parte de minhas notas de campo a partir de


observação em três grupos de ajuda mútua anônimos, localizados na cidade de São
Paulo e voltados para o controle ou cura de adicções relacionadas ao amor e/ou sexo,
quais sejam, Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA), Dependentes de Amor e
Sexo Anônimos (DASA) e Co-dependentes anônimos (CODA)3. O que é ressaltado

2
A partilha é uma categoria êmica que significa compartilhar sua experiência com os outros. Toda vez
que um sujeito toma a palavra, ou é sua vez de dar seu depoimento no grupo ele partilha sua experiência
de sofrimento ou de descontrole emocional, afetivo ou sexual que funciona como um espelho para a
recuperação dos outros adictos. A partilha e ou depoimento podem acontecer no grupo, em conversas on-
line ou ainda estarem disponibilizadas nos sites dos grupos.
3
Os grupos que freqüento como parte da pesquisa de campo estão localizados em São Paulo. No entanto,
eles estão presentes em várias capitais e cidades consideradas centros urbanos (Campinas, São José dos
Campos, Santos, dentre outras). Em São Paulo eles mantêm encontros em diferentes bairros da cidade. O
Grupo MADA que tenho freqüentado se reúne as terças, quintas feira e aos sábados numa sala nos fundos
da Igreja do Perpétuo Socorro, no bairro Jardins na capital paulista (Rua Sampaio Vidal, próximo à
Avenida Faria Lima). No prédio nos fundos desta igreja há um salão de festas e uma série de salas nas
quais vários grupos anônimos realizam suas reuniões semanais. O DASA que tenho contato é o que se
reúne as quartas e sábados nos fundos da igreja Santa Tereza de Jesus no Itaim (rua Clodomiro
Amazonas) e o CODA se reúne toda quarta-feira na igreja Nossa Senhora do Rosário da Pompéia, no
bairro da Pompéia.
nestes trechos é a centralidade da motivação dos sujeitos em buscar nestes grupos
anônimos apoio para superar/controlar problemas que envolvem dependências e
perturbações de ordem psicológica, afetiva e sexual.
Nas últimas décadas, após a Segunda Guerra Mundial, os grupos
anônimos de ajuda mútua que surgiram com objetivo de recuperação de indivíduos com
vícios e problemas emocionais, proliferaram especialmente nos países ditos
“desenvolvidos” (principalmente nos Estados Unidos), e depois no resto do mundo. A
condição básica para ser membro destes grupos é de natureza existencial e a filiação aos
mesmos se dá por auto-identificação.
Os Alcoólicos Anônimos (A.A), criado em 1935 nos E.U.A e o
primeiro grupo deste gênero, desenvolveu o modelo de recuperação e estratégias
terapêuticas baseadas em 12 passos e em 12 tradições para que a pessoa dependente de
álcool pare de beber. É a partir da propagação dos Grupos de Alcoólicos Anônimos,
quando esta organização ultrapassou as fronteiras dos Estados Unidos, que muitas
outras denominações de grupos de anônimos foram surgindo. O programa dos 12 passos
e 12 tradições fora adaptado por outros grupos que não necessariamente estão
relacionados com o alcoolismo, com a permissão do escritório de serviços mundial de
A.A. (MOTA, 2004)
Atualmente no Brasil, funcionam aproximadamente 17 tipos de grupos
de ajuda mútua. Aqui, o primeiro a se formar foi o de Alcoólicos Anônimos, em 1947,
sendo que a partir da década de 90, um leque variado de grupos anônimos4passou a
existir, e dentre estes, os que se pautam em adicções relacionadas ao sexo e ao amor.5

4
Cito alguns exemplos destes grupos que adaptaram os doze passos de Alcoólicos Anônimos para outros
fins: Neuróticos Anônimos, Psicóticos Anônimos, Introvertidos Anônimos, Comedores Anônimos,
Narcóticos Anônimos, Devedores Anônimos, Jogadores Anônimos, Fóbicos Anônimos, Al-Anon
(Entidade de Apoio aos Familiares e Amigos de Alcoólatras), Fumantes Anônimos
5
O grupo Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (DASA), criado em 1976 nos Estados Unidos, surgiu
no Brasil em 1993 (http://www.slaa.org.br/br/index.htm). Este reúne uma série de “irmandades” afins
como Co-Dependentes Sexuais Anônimos (http://www.cosa-recovery.org); Sexólicos Anônimos
(http://www.sa.org); Compulsivos Sexuais Anônimos (http://www.sca-recovery.org); Dependentes de Sexo
Anônimos (http://www.sexualrecovery.org). No entanto, apenas o DASA possui “salas” terapêuticas em
vários Estados e cidades brasileiras. Outros grupos que devem ser mencionados e possuem “salas”
terapêuticas em todo o país são os Co-Dependentes Anônimos (CODA) e Mulheres que Amam Demais
Anônimas (MADA), criados no Brasil na década de 90 (http://www.codabrasil.org/diag1.htm;
http://www.grupomada.com.br/site/pagina.php?x=apresentacao&tit=apresentacao) . Também tenho feito
pesquisas na internet sobre os Homens que Amam Demais Anônimos (HADA), mas não achei nenhum
site oficial de apresentação e localização do grupo. Apenas uma entrevista com Francisco Castro Neto, 51
anos, que afirma ser o fundador do HADA e que se reúnem todas as quartas-feiras, mas não diz onde. No
site de relacionamentos Orkut há várias comunidades que debatem o assunto, inclusive uma delas informa
que um livro intitulado Homens que Amam Demais (HADE-autora Tatyana Ades) será publicado no
Os Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (DASA) se definem como
uma irmandade que deve ser freqüentada por homens e mulheres que desejam evitar as
conseqüências destrutivas de um comportamento adictivo relacionado à dependência
por sexo, amor, relacionamentos românticos, emocionais e anorexia sexual, social e
emocional6.
O grupo anônimo de ajuda mútua Mulheres que Amam Demais
Anônimas (MADA) segue as orientações do livro Mulheres que Amam Demais da
terapeuta familiar americana Robin Norwood7. As reuniões deste grupo são permitidas
única e exclusivamente para mulheres que se definem como dependentes de
relacionamentos destrutivos e/ou viciadas em relacionamentos.
Os Co-Dependentes Anônimos-CODA afirmam ser uma irmandade de
homens e de mulheres que tem como finalidade desenvolver relacionamentos
saudáveis. A definição de co-dependência, segundo o grupo é a inabilidade de manter e
nutrir relacionamentos saudáveis com os outros e consigo mesmo.

Uma pesquisa exploratória que realizei no final do ano de 2006 entre


estes grupos anônimos de ajuda mútua voltados para a adicção do sexo e /ou do amor
permitiu perceber a relevância de tomá-los como redes de socialidade.
Os dados etnográficos apontam que os sujeitos circulam para além
destes três grupos que mencionei inicialmente, isto é, eles circulam por uma variedade
de outros (neuróticos anônimos, emocionais anônimos, comedores anônimos, alcoólicos
anônimos, narcóticos anônimos, devedores anônimos, dentre outros). No entanto, há
um número significativo de pessoas que dão sentido a sua participação em grupos
anônimos a partir da freqüência nestes três que mencionei. Algumas freqüentam mais
um do que outro, mas a grande maioria já circulou entre os três.
Além disso, eles (as) dominam as definições e categorias empregadas
pelos grupos, quero dizer, todos (as) sabem o que é co-dependência, o que é um co-

inicio do ano que vem.


(http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=32918192;http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm
=1098815; http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=37301819, dentre outras)
6
O grupo define anorexia como a rejeição compulsiva de dar e receber nutrição social, sexual e
emocional.
7
NORWOOD, Robin. Mulheres que Amam Demais. Editora Arx, 1985.
dependente, o que é uma mada ou um dasa8 e utilizam estas definições e entendimentos
para explicarem suas aflições em qualquer grupo que estejam
Também é recorrente homens e mulheres afirmarem freqüentar os
Devedores Anônimos por conta de gastos exagerados com o mercado sexual
(prostituição, revistas e vídeos) ou por descontrole emocional ou co-dependência. Esse
dado tem me levado a sugerir como estas redes de socialidade operam como redes de
consumo que criam identidades, estabelecem relações e operam como criadoras de uma
ética do consumo emocional e sexual.
O material etnográfico que tenho reunido sobre os grupos anônimos
brasileiros voltados para adicções no sexo e/ou no amor aponta como além de uma
circulação de pessoas e significados entre os grupos, há um fluxo que pode ser
considerado transnacional, uma vez que estes grupos mantiveram (e mantém) relações
bem próximas de grupos anônimos americanos. Visto que, na fundação destes no Brasil
foi comum a vinda de pessoas dos E.U.A para trazerem materiais sobre grupos
anônimos, “partilharem” nas reuniões e até mesmo fundarem grupos.
O grupo Dependentes de Amor e Sexo Anônimos foi fundado em 1976
em Boston (na sua versão americana Sex and Love Addicts Anonymous-SLAA9). Na
publicação comemorativa dos dez anos do grupo no Brasil A jornada10 (2003), M um
americano residente aqui, que já freqüentava o grupo nos E.U.A, afirma ter recebido um
pedido para auxiliar a fundação deste no Rio de Janeiro. Assim, em setembro de 1993,
no Hotel Arpoador no Rio, ele e mais três pessoas fundaram o DASA no Brasil.
Em seguida, em junho de 1994 o grupo é fundado em São Paulo por M,
N (presente nesta primeira reunião no Rio de Janeiro) e mais 18 pessoas. A partir daí há
uma verdadeira peregrinação fundacionista de grupos DASA com o auxilío de M e dos
primeiros participantes. Em setembro de 1994, ele é fundado em Montevidéuo e Porto
Alegre, em 1997, na cidade de Buenos Aires, e em 2002, em Florianópolis.

8
É comum nos grupos os sujeitos dizerem seus nomes e se apresentarem como um co-dependente, um
dasa ou uma mada em busca de recuperação..
9
Os grupos brasileiros e uruguaios optaram pela tradução do nome Sex and Love Addicts Anonymous-
SLAA, por isso dependentes de amor e sexo anônimos- DASA. Já o grupo argentino manteve o nome
original americano-SLAA. Contudo, em várias publicações do grupo, assim como no site aparece sempre
o nome SLAA, que no meu entendimento é para manter a relação de proximidade fundacionista com o
grupo americano.
10
“A jornada” é uma publicação produzida pelo DASA na qual recupera o histórico do grupo no Brasil a
partir dos depoimentos dos seus participantes. Todos os três grupos indicam leituras para os participantes,
que vão desde a literatura produzida por eles à livros de auto-ajuda. Os sites destes também
disponibilizam informações sobre o histórico e localização dos grupos
A partir daí, as relações entre os grupos brasileiros e americanos se
estreitaram. O escritório mundial de DASA passou a enviar os “kits” para a abertura de
grupos que continham fichas de inscrição e folhetos explicativos, e aos poucos esses
“kits” e os textos enviados foram traduzidos. No segundo e terceiro encontro nacional
dos grupos brasileiros ocorridos em 1995 e 1996 no Rio de Janeiro e em Vinhedo/SP
respectivamente, houve a presença significativa de americanos, tais como de G do
Board of directors de SLAA, bem como de Ge e de C do SLAA dos E.U.A.
Na “partilha” de C publicada em A Jornada de outubro de 1995, ele
inicia dizendo que minha mente fala inglês...meu coração, português! Na publicação do
grupo referida de 2003, N um dos fundadores de DASA em São Paulo, ressalta a
importância em manter a proximidade com os grupos americanos. Nesse sentido, ele
sugere que sempre deve haver uma preocupação dos grupos brasileiros em enviar a 7º
tradição11 para o escritório mundial de DASA nos E.U.A como uma sacola da gratidão.
O grupo Co-Dependentes Anônimos (CODA) foi fundado em 1996 em
Porto Alegre. De acordo com a publicação A História de CODA Brasil, este grupo foi
registrado nos E.U.A no escritório de serviços mundiais de CODA como o Grupo Brasil
número BR-001 . Em são Paulo o grupo surgiu em dezembro de 1997.
Segundo eles o CODA fora fundado nos E.U.A e todos os direitos
autorais são propriedade da marca registrada CODA nos U.S.A. Bem como, a
irmandade Coda e toda a sua literatura não são de propriedade de alguém no Brasil, os
direitos autorais dos grupos e de sua literatura são propriedade da marca registrada
CoDA nos USA, que é considerada a irmandade mãe
O grupo anônimo de ajuda mútua Mulheres que Amam Demais
Anônimas (MADA) nasceu em 1994, na cidade de São Paulo, por iniciativa de uma
mulher, esposa de um dependente químico, que seguiu as orientações do livro Mulheres
que Amam Demais da terapeuta familiar americana Robin Norwood.
Segundo a psicóloga americana o livro é baseado na sua experiência e
na experiência de muitas mulheres envolvidas com dependentes químicos. Ela percebeu
um padrão de comportamento comum em todas elas e as chamou de mulheres que
amam demais. Por isso, no final do livro a autora sugere como abrir grupos para tratar
da doença de amar e sofrer demais.

11
A 7º tradição é a contribuição voluntária em dinheiro que os participantes podem dar a cada reunião. Os
grupos se auto-sustentam a partir disso
Em trabalho de campo de 31/07/2008 Mi, uma freqüentadora do grupo
há mais de um ano, confirmou que o MADA em São Paulo surgiu pela iniciativa de
uma mulher que freqüentava o grupo anônimo Al-Anon (Entidade de Apoio aos
Familiares e Amigos de Alcoólatras) junto com duas outras mulheres que freqüentavam
o N.A (Narcóticos Anônimos). Mi disse: elas estavam sentadas ali na escadinha da
igreja trocando idéia sobre o livro da Robin depois do grupo, quando resolveram
fundar o MADA.
Segundo ela há grupos anônimos com o mesmo objetivo nos E.U.A e
Europa. No entanto, o MADA no Brasil parece ter uma “autonomia” maior do que
DASA e CODA, ainda segundo Mi: o Coda, por exemplo, não faz nada que o escritório
nos EUA não autorize. Mas, ainda sim, a relação de MADA com grupos nos E.U.A ou
com tecnologias discursivas americanas está presente, basta ver sua fundação e a
preocupação das participantes em ler livros de auto-ajuda americanos.
De acordo com M (2003) de DASA (o americano), em 1993 três
mulheres de MADA escreveram para o Sex and Love Addicts Anonymous (SLAA)
solicitando informações sobre dependência de amor e sexo. Elas traduziram algumas
informações e entraram em contato com M pedindo ajuda para abrir um grupo no Rio
de Janeiro.
No âmbito internacional, no campo das ciências sociais, os grupos
anônimos tem atraído a atenção dos pesquisadores, sobretudo, pelo aparente “desprezo”
dado a estes como objeto de estudo (Giddens 1993; 1997; Godbout, 1999). Eles têm
sido compreendidos como criadores de uma nova epistemologia vinda da cibernética e
da teoria dos sistemas que envolve um novo entendimento do pensamento/mente, do
self , das relações humanas e do poder (BATESON, 1972), ou como resultado das
transformações nas relações pessoais, da intimidade e da noção de amor (GIDDENS,
1993;1997) e ainda, como lugares sociais nos quais está presente a lógica da dádiva
(GODBOUT, 1999). Outras abordagens teóricas tendem a conceber os grupos anônimos
como estratégias de normatização das condutas e como promessas errôneas no que diz
respeito ao processo de autonomização dos sujeitos. (FOUCAULT 2001; BAUMAN,
2004)
No Brasil, no campo das ciências sociais, algumas pesquisas têm
tomado como objeto de pesquisa os grupos anônimos de ajuda mútua (SOARES, 1993;
TROIS, 1998; GARCIA, 2004; MOTA; 2004; CAMPOS, 2004, 2005; TADVALD,
2006; LOECK, 2005; PROCÓPIO, 2007, BUENO, 2008). Entretanto, todas estas têm
centrado seu foco em apenas um grupo, na maioria das vezes os Alcoólicos Anônimos,
e poucas têm privilegiado os grupos identificados com discurso de dependência
afetiva/sexual.
Deste modo, desenhar a rede que se estabelece entre os grupos
anônimos voltados para as adicções no sexo e/ou no amor e compreender como os
sujeitos circulam nelas, bem como recuperar o histórico destes grupos no Brasil em
relação ao dos E.U.A é importante, pois a partir da comparação e do contraste é
possível compreender a especificidade dos grupos brasileiros. Pois, como mostrei
grupos americanos e brasileiros guardam relações significativas. Muitas vezes, quando
eu estava em campo ouvi os participantes referirem-se aos grupos americanos como os
“oficiais”, a “literatura oficial” ou “aonde tudo começou”.
Ao situar os grupos anônimos voltados para a adicção de sexo e/ou amor num
contexto de transformações sociais, culturais e da sexualidade, os dados que tenho
reunido permitem problematizar o referencial teórico apresentado acima, uma vez que
estes estudos falham em explicar o surgimento de grupos anônimos a partir de uma
especificidade histórica, no caso, o aparecimento destes grupos no Brasil.
Em geral, a explicação dada ao surgimento dos grupos anônimos e aos
“vícios” relacionados ao sexo e /ou amor estão baseadas em aspectos localizados em
outra realidade, que não levam em conta a localidade e o fluxo transnacional de pessoas,
conhecimentos sobre sexualidade, disposições e dinâmicas de gênero, noções de amor e
tecnologias discursivas que se tornam recursos imaginativos para a criação e fundação
de grupos anônimos12. Bem como, há uma lacuna nas pesquisas em tomar os grupos em
relação uns aos outros, como uma rede de fluxos de pessoas e significados.
Os grupos anônimos são um lugar/espaço social privilegiado para entender
como lógica da dádiva e lógica de mercado ora operam mutuamente, ora se excluem.
Além do mais, a noção de pessoa nos grupos, ao mesmo tempo afirma e questiona o
entendimento de individuo moderno, e ainda como essas questões estão relacionadas ao
gênero, sexualidade e as noções de amor.

12
A idéia de compreender os grupos também a partir de fluxos transnacionais vem da reflexão de Ong
(1999). A autora busca compreender as lógicas da transnacionalidade (fluxos, diásporas e processos de
acumulação) a partir de explicações que rompam com modelos nos quais o global é a economia macro-
política e o local é entendido como culturalmente criativo e resistente. Segundo a autora, estes modelos de
explicação não capturam a natureza horizontal e relacional da economia contemporânea e de processos
sociais e culturais que atravessam os espaços. Outra inspiração teórica é o trabalho de Kempadoo (2004),
no qual a autora trabalha historicamente as trocas comerciais do sexo no Caribe e não aborda as
dimensões da sexualidade e do comércio como tendo significados fixos.
2. Grupos anônimos: Espírito da dádiva e do consumo?

Em o Espírito da Dádiva, Godbout (1999)13 dedica um capítulo para


refletir sobre os grupos anônimos de ajuda mútua a partir da noção de dádiva14, pois
estes grupos trabalham com a idéia de solidariedade na qual o dar e receber se confunde.
Ainda que, segundo o autor, os grupos anônimos de ajuda mútua têm por objetivo a
solução de um problema (alcoolismo, sofrimentos psíquicos, uso abusivo de drogas e
outros) mais do que o prazer do vínculo, é justamente no vínculo que se encontra a
solução do problema. Um dos princípios destes grupos é o pressuposto de que a ajuda é
terapêutica, ou melhor, é no próprio gesto de ajuda aos outros que se torna possível
encontrar uma solução para os próprios problemas.
Para Godbout (1999), não resta dúvidas de que estes grupos atuam no
sistema de dádiva, tanto na sua filosofia como no seu modo de funcionamento, pois
partem do princípio de que a ajuda é terapêutica, que é no próprio gesto de ajuda aos
outros que se torna possível encontrar a solução para os próprios problemas.
Além do mais, este autor argumenta que a pessoa para tornar-se
membro de um grupo anônimo de ajuda mútua deve reconhecer seu problema (ser
alcoólatra, neurótico ou uma pessoa que ama ou faz sexo demais) e que não pode livrar-
se dele sozinha, pois a possibilidade de resolver a questão que lhe incomoda será
concedida por uma força, um dom superior “tal como a pessoa a concebe”.
(GODBOUT, 1999, p.85).
Assim, ainda segundo o mesmo autor, este reconhecimento “rompe
com o narcisismo do indivíduo moderno, narcisismo que provoca nele uma confiança
ilimitada em sua capacidade pessoal de ser ´independente e autônomo´ e um temor
também ilimitado de se ver ´absorvido pelo outro´(GODBOUT, 1999, p.85 e 86). Este

13
Godbout escreveu a introdução deste livro em colaboração com e Caillé. Nele os autores discutem
sobre o sistema social da dádiva, da tríplice obrigação de dar, receber e retribuir, relacionando este
sistema a diversos temas e lugares - sendo um deles os grupos anônimos de ajuda mútua - no qual a
dádiva está presente nas sociedades modernas ocidentais. Estes autores, seguindo os passos de Mauss,
afirmam que a “dádiva é tão moderna e contemporânea quanto característica das sociedades primitivas;
que ela não se refere unicamente a momentos isolados e descontínuos da existência social, mas a sua
totalidade” (Godbout e Caillé, 1999, p. 20).
14
Godbout (1999) ao escrever sobre os grupos anônimos de ajuda mútua toma como exemplo os
Alcoólicos Anônimos, Mota (2004) também toma como objeto de sua pesquisa os A.A. Mas toda a
reflexão destes autores pode ser expandida para pensar outros grupos anônimos de ajuda mútua, uma vez
que estes adaptaram a “filosofia” e o modo de funcionamento dos A.A.
momento de se reconhecer impotente diante de seu problema é uma primeira etapa.
Logo que o sofrimento é controlado, a pessoa deve permanecer no grupo, pois a garantia
da recuperação está em transmitir a outra pessoa o dom recebido (seja o de parar de
beber, seja o de parar de usar drogas, seja o de conseguir controlar o fato de amar ou de
fazer sexo em demais). Para Godbout (1999) a transformação dos sujeitos que aderem a
estes grupos anônimos de ajuda mútua é profunda indo muito além do motivo inicial
que os fizera procurar o grupo.
Ao examinar o funcionamento do sistema de dádiva nos grupos
anônimos de ajuda mútua, Godbout (1999) afirma que estes contêm características
modernas e tradicionais ao mesmo tempo. Os elementos modernos estariam pautados na
liberdade que gozam seus membros, pois para tornar-se um membro é necessário
reconhecer e aceitar que precisa de ajuda (seja com relação à bebida, álcool, sexo,
amor). Nenhuma verificação é feita, sendo levada em consideração, somente, a auto-
declaração do sujeito o que, por sua vez, lhe permite trocar, sair e/ou entrar no grupo
quando quiser15. Sendo assim, o que legitima a participação no grupo é a experiência
dos sujeitos, neste sentido, ela é entendida como um lugar da veracidade. Também estes
grupos não se pautam num passado comum, numa comunidade territorial ou cultural
dos membros, mas num problema específico. (Godbout ,1999, p. 90).
O caráter tradicional do grupo estaria no fato de que não há ruptura
nem intermediários no sistema de transmissão da dádiva, não há divisão entre produtor
e usuário, entre quem cura e quem é doente, entre quem é o expert e o cliente. Não há
diferença entre o sujeito que acabou de se tornar membro e aquele que é membro há
mais de 10 anos. Desta maneira, a dádiva pode circular e não ser interrompida por
intermediários, uma vez que os grupos se organizam a partir de princípios comunitários
e de democracia direta. Não há burocratização e nem profissionalização nas relações
estabelecidas, pois os grupos anônimos devem se auto financiar recusando qualquer
dinheiro tanto de entidades privadas quanto do Estado. Geralmente, a cada final de

15
Este caráter moderno dos grupos anônimos de ajuda mútua e sua relação com a sociedade moderna
podem ser pensados a partir do filme Clube da Luta (Fight Club) de David Fincher. O personagem Jack
(Edward Norton) é um executivo yuppie que trabalha como investigador de seguros para uma montadora
de automóveis em Nova Iorque-EUA. Jack só encontra consolo para seus problemas (principalmente
insônia) ao freqüentar grupos anônimos de ajuda mútua, pois admite que se sente “querido” nos grupos ,
que nestes encontra um tipo de relação e solidariedade que não existe em outros lugares da sociedade.
Jack é um “viciado” em grupos anônimos de ajuda mútua, entra e sai de inúmeros grupos admitindo ter
câncer de próstata, tuberculose, ser fumante, sem necessariamente ter estes “problemas. Até fundar o seu
próprio grupo: o Clube da Luta.
reunião é passado “um chapéu” no qual cada membro contribui com o quanto pode, sem
que as pessoas que estão ali pela primeira vez precisem contribuir.
A partir do material etnográfico coletado por mim nos grupos
anônimos é possível confirmar algumas afirmações de Godbout (1999). Os dados
mostram como as reuniões dos grupos anônimos de ajuda mútua são altamente
ritualizadas, configurando-se um padrão ou modelo para os encontros. Os sujeitos têm
um tempo determinado para falar, cerca de 3 a 5 minutos, começam e terminam a
“partilha” sempre da mesma maneira - se apresentam ao grupo, dizem quem são: uma
MADA, um (a) DASA ou um (a) CODA em recuperação - e se despedem: “só por
hoje”, ou “24 horas de serenidade”.
As reuniões seguem sempre um padrão, há o momento da oração da
serenidade, o momento de ler a “literatura” (que é um texto escolhido no dia), o
momento das partilhas, o momento de ler os “passos” e “tradições” do grupo, o
momento da 7º tradição (que é a contribuição financeira que os participantes podem
dar). Bem como, para as pessoas que vão pela primeira vez há uma ocasião especial da
reunião para falarem e se apresentarem. Do mesmo modo que Godbout coloca, as
reuniões sempre são facilitadas pelos próprios membros, para isso é necessário ter 3
meses de participação em “sala”, e também há o entendimento de que a “cura” ou
“controle” do sofrimento/perturbação está no poder superior.
Desta forma, abordar as relações nos grupos anônimos a partir de uma
lógica da dádiva faz sentido. No entanto, estes grupos não operariam também a partir de
uma lógica na busca por uma ética do consumo emocional e sexual?
Bernstein (2001) ao analisar o desejo heterossexual masculino e os
sentidos dados a diferentes tipos de consumo nas trocas do comércio sexual afirma que
há uma contradição e uma tensão entre sexo como recreação e uma norma que tende a
um retorno do sexo como relacional e como romance.
Segundo ela, isso pode ser explicitado na emergência simultânea de
medicamentos para a potência sexual, no surgimento de programas como o de “12
passos” para o controle da compulsão sexual masculina e na criação de escolas de re-
socialização (“John School”) para homens que são pegos
portando/traficando/procurando ou consumindo prostituição/pornografia.
Ainda, para a autora os esforços de Estados (nos E.U.A e Europa
ocidental ) em problematizar a sexualidade masculina heterossexual tem sido o de
desenvolver ao longo do tempo uma ética do consumo sexual, e a evidência é o
surgimento crescente de lugares legalizados para consumir pornografia e serviços
sexuais (clubes de strip , serviços sexuais por telefone, erotic theater e outros)
Assim, o sexo como um imperativo cultural e como questão
técnica/recreacional não estaria mais acoplado a idéia da emoção e do romance. No
entanto, ao não relacionar estes elementos, o comportamento erótico torna-se uma
“compulsão” uma “adicção patológica”.
Alguns dados que tenho coletado mostram como parte da motivação de
homens e mulheres em freqüentar estes espaços, está na procura de controlar relações
eróticas que não estão relacionadas ao “amor” e a afetividade num sentido amplo, bem
como de “controlar” aquelas que estão em demasia nestas esferas.
Certa vez, em uma reunião do DASA presenciei três “partilhas” que
eram marcadas por este sentido. Dois homens relatavam que antes de se casarem ou
encontrarem uma parceira/namorada16 estavam propensos a procurar sexo com
prostitutas e travestis ou a ter comportamentos “promíscuos”. Uma mulher jovem, que
participava do grupo pela primeira vez, dizia estar ali porque não conseguia parar de
trair seu marido e usar os homens como “objetos sexuais”, assim ela freqüentaria o
grupo com o objetivo de parar com este “vício” e para conseguir “amar o seu marido”.
Mas, também os dados revelam que a busca por uma ética no consumo
emocional e sexual parece estar ligada a um descontrole relacionado ao excesso. Deste
modo, tanto o amar demais (uma pessoa, um parceiro/a, marido ou esposa, namorado/a)
quanto o fazer sexo demais seriam considerados “doenças emocionais” ou “vícios”.
Ainda com relação à pesquisa de Bernstein (2001), e na explicação que a
autora dá sobre as motivações que levam os clientes a procurarem/freqüentarem o
mercado de sexo, sem problematizar muito as categorias étnicas/raciais, de idade e de
classe que atravessam seus interlocutores, na reflexão da autora está implícito que no
plano do consumo o que interessa é a diversidade e a variedade de serviços oferecidos17.
Nesse sentido, se pensarmos a relação entre a variedade de grupos anônimos com
discursos terapêuticos relacionados a descontroles afetivos/emocionais e físico/sexuais
e outros, e o fato dos sujeitos circularem por muitos destes, quase que como os
consumindo, poderia ser feita a mesma relação acima?

16
Um dos homens já havia encontrado uma companheira, e o outro estava à procura de uma namorada,
ou melhor, ele estava apaixonado por uma mulher e relatava sua dificuldade de se controlar ou de parar
de pensar e procurar por esta mulher. Mesmo assim, ele dizia que se sentia melhor na busca de uma
parceria amorosa/sexual feminina.
17
Agradeço a Adriana Piscitelli que atentou para esta leitura de Bernstein durante a aula.
Além disso, afirmar que estes grupos sempre rompem com o narcisismo da
noção de indivíduo moderno, como afirma Godbout18, é não considerar que os grupos
anônimos voltados para a adicção no sexo e no amor se pautam nas 12 tradições de
A.A, mas também vários deles no Brasil, foram fundados a partir de leituras de livros de
auto-ajuda19 que tomam o amor como algo “patologizado”. Segundo Hasleden (2003,
2004) os sentidos colocados por esta literatura é o love yourself, ou seja, você/individuo
deve ser a “medida” para o amor.
Nesse sentido, até que ponto os grupos também não operam com a
ideologia hegemônica ocidental acerca do individualismo? A qual envolve a ênfase no
privilégio do interesse individual sobre os compromissos coletivos e define os
fenômenos que caracterizam a interioridade moral da pessoa e do psiquismo humano no
ocidente?(DUMONT, 1993)20
Assim, abordar as relações nos grupos somente a partir de uma lógica da
dádiva e ainda separá-la em “caráter moderno e “caráter tradicional”, como faz Godbout
(1999), pode ser problemático. Porque ao trabalhar com esta dicotomia pode-se incorrer
no risco de não compreender o contexto de transformações sociais, culturais e da
sexualidade as quais os grupos anônimos estão situados, bem como as maneiras pelas
quais a lógica da dádiva e a lógica de mercado, os espaços público e privado, a
intimidade, as noções de amor e erotismo e o consumo se interpenetram e se
transformam.
Além disso, em que medida a lógica da dádiva está perpassada pelas
relações de gênero e sexualidade? Sobre esta questão em O gênero da dádiva, Marilyn
Strathern (2006) aborda as relações de dádiva e reciprocidade em grupos melanésios e
afirma que estas não são neutras, mas sim marcadas pelo gênero. Isto quer dizer que a
capacidade de homens e mulheres trocarem determinados artefatos tem como
conseqüência relações de poder que o gênero confere a alguns sujeitos e não a outros.

18
Bateson (1972) também é um autor, digamos, “otimista” com relação a potencialidade de reformulação
das relações de poder pelos grupos anônimos, no caso entre os A.A
19
O MADA-SP foi fundado a partir da leitura do Livro “Mulheres que Amam Demais “– Robin
Norwood, pela esposa de um participante de narcóticos anônimos e o DASA-SP tem como grande
inspirador o livro “Isto não é Amor” de Patrick Carnes.
20
Para ver a produção brasileira que é caudatária de uma leitura dumontiana sobre as diferentes
modalidades culturais acerca das formas e sentidos atribuídos pelos indivíduos ao “sentimento de si” que
estão relacionados com os saberes especializados, tais como psicanálise e psicologia, voltados ao
conhecimento do funcionamento do “interior humano”, cf. entre outros: Duarte (1997; 1998); Russo
(1997); Figueira (1981; 1985,1988)
No entendimento da autora, gênero é um meio de reunir, numa
determinada sociedade, a maneira como se arranjam as práticas e as idéias em torno dos
sexos e dos objetos sexuados. No entanto, é o exame de uma cultura específica que
revela quais são os fatos reunidos como gênero, sendo que tal reunião pode não ser o
elemento unificador da noção de pessoa, como no ocidente. Para ela a identidade sexual
individual como um atributo da pessoa é uma questão cultural no Ocidente, que
transforma o sexo em um papel.
Ao adotar a perspectiva antropológica na qual as culturas diferentes da
ocidental também produzem teorias sobre o social, Strathern problematiza
universalismos dicotômicos como natureza/cultura, público/ privado, políticio-jurídico e
doméstico e o próprio conceito de sociedade, desta maneira o livro trata tanto de grupos
melanésios como da produção de conhecimento nas sociedades ocidentais
Assim, para a autora a categoria de gênero não é de ordem analítica e
sim empírica, que gera diferenciações categóricas que assumem conteúdos específicos
em contextos particulares. Na definição da autora, gênero seria aquelas categorizações
de pessoas, de artefatos, eventos, seqüências e demais que se baseiam em imagens
sexuais – ou nas maneiras como a distinção das características femininas e masculinas
constrói as idéias concretas das pessoas a respeito da natureza das relações sociais
(STRATHERN, 2006)
Ao considerar Strathern como uma das autoras importantes para pensar
meu objeto de pesquisa, não estou sugerindo uma transposição de seu conceito de
gênero pensado para as sociedades melanésias. Caso o fizesse, estaria ferindo a própria
crítica que esta autora faz com relação ao método comparativo na antropologia.
No entanto, seu entendimento de gênero como uma categoria empírica
e de diferenciação, que não se reduz à diferenciação sexual/corporal de pessoas resulta
em uma perspectiva interessante. Tal perspectiva abre espaço como propõe a autora
para considerar que a troca dádiva não é neutra, mas sim marcada pelo gênero, além das
diferenciações de classe, raça/etnia, idade, nacionalidade e outras aparecerem no lugar
que lhes cabe em cada contexto (PISCITELLI, 1997).
Nesse sentido, em que medida as trocas na lógica de mercado/consumo
que também parece constituir os grupos anônimos voltados para a adicção do sexo e/ou
amor são marcadas pelas disposições de gênero?
O questionamento de Strathern (1996; 2006) sobre o conceito de
sociedade e de categorias universais de análise tem conseqüências importantes para
problematizar o conceito de gênero, os estudos sobre as mulheres e o próprio
movimento feminista21. Na produção feminista recente há um consenso em trabalhar
gênero e as interseccionalidades de outras categorias de diferenciação, tais como
relações étnico/raciais, nacionalidade, classe e geração. Nesse sentido, as pesquisas
feministas atuais têm contribuído para a teoria social como um todo ao oferecer recursos
teóricos metodológicos que possibilitam desconstruir a naturalização de outras formas
de desigualdades (PISCITELLI, 1997)
Essa discussão é importante à medida que os dados sobre os grupos
anônimos voltados para a adicção no amor e/ou sexo revelam que nas reuniões há um
recorte de classe e raça/etnia. As (os) freqüentadores (as) dos grupos parecem ser
provenientes de camadas das classes médias urbanas brasileiras e há presença
significativa de negros (as) e de grupos etários específicos.
Daí a importância da articulação das relações de gênero com outros
marcadores sociais, pois compreender as redes e como elas se estabelecem, e além do
mais, como as relações de gênero e sexualidade permeiam as dinâmicas e disposições
normativas nos grupos também é perguntar por quem são estes sujeitos e como circulam
nelas. No entanto, na dinâmica que se estabelece nas reuniões estas diferenças parecem
ser “apagadas” pela construção/constituição de uma experiência em comum
principalmente no que diz respeito a questões relacionadas à sexualidade.
3. A experiência do anonimato, as estratificações sócio-sexuais e o
amor
No período que estive mais intensamente em campo (final de 2006 e
início de 2007), pude perceber que o sentido da categoria/noção de anônimo passa pelo
compartilhamento de uma experiência em comum, e não necessariamente pelo fato de
não se saber os nomes, ou quem são as pessoas que freqüentam as reuniões. Quando eu
falava de meu estudo para pessoas que não participavam dos grupos, e também dizia
que coletava os dados pela internet, a partir de comunidades e sites dos grupos, estas
pessoas me questionavam: mas como assim? Os grupos não são anônimos?
Mas, para mim fazia todo sentido os grupos disponibilizarem sites e
grupos de discussão na internet, pois cada vez mais percebia que isso não comprometia

21
Outras autoras (es) são importantes neste sentido, dentre outras cf. Yanagisako e Collier (1987);
MacCormack e Stratern (1980); Overing (1986). Também a respeito do debate sobre o conceito de
gênero, e no limete, o questionamento dele em outras matrizes disciplinares ver Haraway (2004), Butler
(2003) e Scott (1990)
o anonimato. Pois, este está ligado à idéia “dos princípios acima das personalidades”
colocado pelo grupo, bem como em aceitar estes princípios e compartilhar sua
experiência de sofrimento com os outros.
Georg Simmel (1976) ao analisar a constituição psicológica e moral do
indivíduo num contexto moderno e urbano, afirma que há um aferrecimento dos laços
sociais de dependência e de pertença. Para ele o contexto
moderno/urbano/metropolitano é caracterizado por uma sensação de desprendimento e
de liberdade que necessariamente não é vivida de forma prazerosa.
Além do mais, este homem moderno, habitante dos grandes centros
urbanos, é o resultado de processos históricos de desenvolvimento da individualidade os
quais o teriam libertado das ligações com a tradição. Segundo o autor após a queda das
hierarquias e poderes pessoais a partir de processos revolucionários, desponta o
individuo que busca um reconhecimento como ser humano igual e livre, bem como sua
especificidade na constituição de uma personalidade original. Para o autor, o isolamento
e a e a atitude blasé surgem como contraponto fundamental no processo de constituição
da individualidade.22
Sendo assim, a experiência do anonimato parece estar ligada a um
sentimento de pertença, como se, paradoxalmente o sujeito abandonasse um anonimato
ligado a atitude blasé e à solidão da vida nos grandes centros urbanos e passasse a um
anonimato entre iguais, no qual é possível experenciar um “vício” ou adicção sem ser
uma “aberração”.
A construção narrativa acerca da experiência do anonimato é sempre
uma tentativa de apagar as diferenças entre os sujeitos. Em várias conversas que
mantive com os participantes e também nas reuniões, esse anonimato é sempre
constituído a partir de uma igualdade relacionada à experiência do sofrimento, e esta
tem sentido dentro de um discurso terapêutico da cura, controle da perturbação, da
doença ou dos padrões de comportamento. Porque uma vez Mada, sempre Mada, como
me relatou uma participante

22
Simmel para analisar a constituição psicológica e moral do sujeito moderno parte de um hipotético
contínuo entre ambiente rural e espaço metropolitano. Segundo Sahlins (1997) esse contínuo de
dicotomias (tradição/modernidade; solidariedade mecânica/orgânica, campo/metrópole, dentre outras)
tem sido uma “espécie de dogma” no interior das ciências sociais tradicionais. Eu concordo com o
Sahlins, e no presente texto tenho estabelecido um diálogo crítico com abordagens que dicotomizam as
esferas sociais, no entanto as questões levantadas por Simmel em relação ao habitante dos grandes centros
urbanos é de grande valia para pensar a experiência do anonimato.
Para os dependentes de amor e sexo anônimos há um denominador
comum em nossos padrões compulsivos e obsessivos que torna qualquer diferença
pessoal de sexo, gênero ou orientação sexual irrelevantes.
Certa vez, em uma reunião do MADA, C. chamou minha atenção sobre
a importância do anonimato durante a pesquisa, pois ali no grupo freqüentavam todo
tipo de mulheres, desde empregadas domésticas até executivas, e ali não existia
diferença de classe. Eu deveria tomar cuidado em não revelar o nome das pessoas, uma
vez que isso poderia acarretar problemas para elas, inclusive a perda do emprego.
A narrativa dessa experiência de sofrimento em comum também tenta
apagar as diferenças entre os grupos em países diferentes. É como se as reuniões, a
experiência do anonimato e o sofrimento fossem iguais nos diferentes países nos quais
os grupos existem.
Mas, esta experiência em comum parece estar perpassada por uma
estratificação sexual da vida amorosa/sexual, bem como por uma generificação,
distribuição e classificação de esferas amorosas e eróticas. O conceito de estratificação
sexual é de Rubin (2003) que no texto “Thinking Sex” busca a defesa da diversidade
sexual e rompe com algumas vertentes do pensamento feminista da década de 80,
principalmente com as que se engajaram no movimento anti-pornografia nos EUA que
fundiam gênero com sexualidade.
Sendo assim, a autora propõe a separação analítica dos dois termos, pois,
para ela o sexo é um meio de opressão que atravessa outras maneiras de desigualdade
social (classe, raça/etnia ou gênero) e questiona o feminismo como contexto
privilegiado para construir uma teoria da sexualidade, isso porque, mesmo sendo
considerado uma ideologia progressista, o feminismo estaria perpassado pela
estratificação sexual (PISCITELLI, 2003).
A noção de estratificação sexual está ligada ao fato de que nas sociedades
ocidentais modernas os atos sexuais são avaliados de acordo com um sistema
hierárquico de valor sexual. Sendo assim, este conceito se apóia na oposição de estilos
de sexualidade considerado “bons”, ou seja, normais, naturais, saudáveis, reprodutivos,
heterossexuais, monogâmicos em oposição aqueles considerados “maus”- as práticas
sexuais de travestis, transexuais, práticas masturbatórias, práticas sadomasoquistas, sexo
comercial ou por dinheiro.
Neste sentido, os dados etnográficos coletados sobre estes grupos anônimos
apontam como estes parecem estar conformados aos modelos tradicionais de
relacionamentos sexuais e afetivos (ou pela busca deles), fundamentados em uma
heteronorma da vida amorosa. Mesmo quando há a presença de homossexuais
masculinos ou femininos nos grupos suas narrativas parecem estar ligadas à busca por
um modelo do casal, no contexto de uma relação afetiva/amorosa, entre pessoas da
mesma geração e dentro de casa23.
Nesta estratificação sexual, do lado das “práticas más”, parece estar também
sujeitos que não conseguem se relacionar social, sexual ou emocionalmente com outras
pessoas. No grupo DASA, há uma categoria êmica denominada anorexia, que designa
a rejeição compulsiva de dar e receber nutrição social, sexual e emocional. Até este
momento, no campo de pesquisa que fiz todas as pessoas que vi afirmarem estar em
anorexia sexual, e por isso se tornaram “viciados” em masturbação, vídeos, revistas
pornográficas e sexo pago, foram homens.
No entanto, a anorexia sexual entre os homens parece decorrer da anorexia
social e emocional, ou seja, a inabilidade de manter relacionamentos saudáveis com
uma parceira (o). Mas, também um padrão de comportamento altamente masculinizado
e erotizado para os homens é interpretado como um problema.

S. ao comentar a eficácia terapêutica do DASA fala sobre seu comportamento


“compulsivo”, diz que tem “tendências compulsivas” – por exemplo - procurar
prostituas. Ele afirma que com a ajuda do grupo passou a fazer isso uma vez por mês e
que isso não caracterizava uma “compulsão”. Nesse sentido, freqüentar as reuniões o
tem ajudado, pois conseguia passar dias sem se masturbar e sem procurar muito por
pornografia. Para ele, atualmente, seu comportamento caracteriza uma “tendência” e
não propriamente uma “compulsão”. Este homem é solteiro, negro, tem por volta de 35
anos e afirma ter dificuldades de “chegar nas mulheres”, bem como afirma ainda gostar
de sua ex-namorada.
Para ele procurar demasiadamente por sexo pago acarreta culpa, pois é um
gasto que eu poderia estar tendo com outras coisas, por exemplo, com minha família.

23
Neste texto a autora já apontava que a maior parte das homossexualidades encontrava-se ainda do
“lado mau” da linha da estratificação sexual. No entanto, quando se trata de parceiros monogâmicos, a
sociedade já vinha reconhecendo que este tipo de relação homossexual já comportava toda a gama de
relações humanas possíveis, reconhecíveis ou ainda normais.A autora foucaltianamente afirma que a
crítica feminista da hierarquia de gênero deve incorporar uma teoria radical do sexo, uma vez que a crítica
da opressão sexual pode enriquecer o feminismo. Na minha leitura, Butler (2003) em sua crítica ao
conceito de gênero e ao sujeito do feminismo é caudatária dessa afirmação de Rubin.
Na sua narrativa, S comenta sobre a capacidade dos seres humanos fantasiarem: para
mim isso não é um problema – todas as pessoas fantasiam- o problema é quando a
fantasia não é saudável, eu quero ter fantasias saudáveis
A. é um rapaz branco, tem por volta de 30 anos, seu corpo é malhado e suas
roupas marcam seus músculos. Em seu depoimento diz ser sua primeira vez no DASA,
no entanto freqüenta há mais de 10 anos o CODA. Ele afirma que seu problema é a
“mulherada”, que gosta mesmo é da “energia nervosa”, da “adrenalina” e não pode ver
um “rabo de saia”. No DASA, mais do que no CODA, eu me sinto a vontade para falar
sobre prostituição e sobre pegar prostitutas, e dá entender que já saiu com muitas
mulheres na mesma noite, entre mulheres que ele “pegou” e outras que pagou. Para ele
seu comportamento é um problema, pois em nome dele já fez muitas loucuras.
Em seguida, F. um homem branco, por volta de 40 anos diz que antes de entrar
para o grupo: eu sexualizava até um pedaço de pizza. Ele afirma que está numa onda de
assexualização e abstinência sexual e emocional, ou seja, não quer manter, por hora,
nenhum relacionamento afetivo-sexual porque se encontra em recuperação.
Segundo N., homem branco em torno de 50 anos, ele está há 15 anos sem se
relacionar afetivo/sexualmente com uma mulher. O primeiro grupo anônimo que
freqüentou foi o A.A para conseguir parar de beber. No DASA, sua motivação para
participar foi se livrar de um relacionamento doentio que teve durante anos com uma
mulher, e depois que conseguiu parar com seu padrão nunca mais namorou ou teve um
relacionamento. Ele afirma que pelo fato de estar há muitos anos sem manter relações
sexuais, várias vezes se masturba e assisti filmes pornográficos. Contudo, todas as vezes
que ouvi N partilhar, ele sempre explicita seu desejo por um relacionamento, por uma
namorada.
As mulheres também se definem como anoréxicas. Mas, esta anorexia
sempre está relacionada a uma fobia de relacionar-se social ou amorosamente. Na
maioria das vezes, elas não entram em detalhes sobre uma dimensão erótica dessa
anorexia. No depoimento de L. mulher com 30 anos, ela afirma que – não gosto de sair
e transar com os caras sem amor
Como mencionei acima, além da estratificação sexual da vida amorosa há
uma generificação, distribuição e classificação de esferas amorosas e eróticas. Assim,
parece que o espaço/lugar/motivação para a afetividade e para o amor é feminilizado
enquanto o espaço/lugar/motivação para o erotismo é masculinizado. Nesse sentido, na
busca por uma ética do consumo emocional e sexual homens e mulheres precisam
buscar este espaço/lugar/motivação feminina, ou, caso estejam em excesso nele,
precisam controlá-lo.
Nesta pesquisa tornou-se relevante problematizar as noções de amor presente
nas concepções dos sujeitos participantes dos grupos, bem como aquelas que motivam a
fundação deles. Para compreender sociologicamente o amor é necessário tomá-lo
historicamente, ou seja, como ele tem sido percebido e construído ao longo dos séculos
até a atualidade (GIDDENS, 1993; VIVEIROS DE CASTRO e ARAÚJO, 1997;
BOZON, 2004A, 2004B, FREIRE COSTA, 1998; OLTRAMARI, 2007,
ROUGEMONT apud GROSSI,1998 entre outros). Vários destes estudos apontam como
a noção de amor romântico, surgida no século XIX, está ligada a noção de indivíduo
moderno e, além disso, associado a um modelo conjugal centrado nas desigualdades de
gênero e nas relações homem/mulher da conjugalidade heterossexual da modernidade24.
Sérgio Costa (2005) em Amores Fáceis, afirma que na bibliografia
sociológica atual não há uma definição adequada de amor romântico. Isso porque, a
preocupação com a racionalidade e a ordem predominou nos temas nas ciências sociais
no pós-guerra, e deixou em segundo plano, a temática das emoções e do amor. Somente
a partir da década de 80 que estas problemáticas são retomadas e reconstruídas como
questão relevante para as ciências sociais. No entanto, segundo o autor quando se trata
do amor, a bibliografia tem privilegiado aspectos da história social e da história das
idéias.
Neste texto, Costa (2005) apresenta o livro de Eva Illouz – Consuming
the romantic utopia (1997), no qual a autora afirma que grande parte da produção,
principalmente as diferentes gerações da Escola de Frankfurt, buscaram ressaltar a
necessidade de manter as relações amorosas protegidas da lógica econômica-
utilitarista/consumista. Sendo assim, a autora recupera as conexões entre o mercado
capitalista e o amor romântico sugerindo que não há uma contradição entre eles, mas
sim,uma simbiose. Ela argumenta que o amor romântico se apresenta como a derradeira
fonte geradora de utopias de transformação e ruptura da ordem cotidiana, necessárias a
reprodução da ordem material e simbólica do capitalismo.
Umas das conexões recuperadas por Illouz (1997), segundo Costa
(2005), é a geração e difusão dos significados culturais associados ao amor romântico.

24
Feministas radicais e socialistas da primeira metade do século XX denunciam o amor romântico como
um elemento de opressão feminina, cf.dentre outras, Goldman (1977), Firestone, (1976), Ehrenreich
(1976), Beauvoir, (1974), Millet (1972)
Logo, é a partir dos repertórios culturais disponíveis, materializados em valores e redes
de significações, bem como num conjunto material de imagens, produtos, livros,
serviços e obras que a excitação corporal pode ser decodificada. É esse acervo de
referências que permite reconhecer, interpretar e avaliar a natureza e a intensidade do
estímulo sentido.
Nesse sentido, em que medida os grupos anônimos voltados para as
adicções do amor e/ou sexo participam destes repertórios culturais disponíveis para os
“amantes”? Caso participem, quais são as normatividades engendradas nos grupos para
guiar os sujeitos no reconhecimento, interpretação e avaliação da natureza e intensidade
do estímulo amoroso/sexual sentido?Como estes guias operam na formulação do que é
uma relação afetiva/sexual “saudável” e o que é uma “patológica”?

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