Você está na página 1de 20

Roberta de Oliveira Mendes

Buck Angel, transexualidade e gênero


– algumas considerações
psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel
Buck Angel, transexuality and gender
– psiqueeranalytical considerations
on the sex of a certain Angel

Roberta de Oliveira Mendes

Resumo
O trabalho se propõe a fazer uma reflexão sobre sexo, gênero e transexualidade à luz da psica-
nálise e das teorias queer, a partir das narrativas e da corporeidade de Buck Angel, conforme
tornadas públicas pelo documentário Mr. Angel, de Dan Hunt (2013). Em especial, o trabalho
investiga a inscrição corporal “PerVert”, que o ativista transexual tatuou nas costas, reencon-
trando a potência subversiva e a imanência criativa da sexualidade infantil perverso-polimor-
fa e da matriz bissexual da constituição subjetiva.

Palavras-chave: Transexualidade, Identidade de gênero, Psicanálise e teorias queer, Sexualidade


perverso-polimorfa, Bissexualidade psíquica.

Minha vagina faz parte


da minha masculinidade.
Buck Angel

Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis.


Eu consisto, eu consisto, amém.
Clarice Lispector.
A lucidez perigosa.

Introdução um homem inteiramente comum. Quando


Robert J. Stoller, psiquiatra e psicanalista a recepcionista anunciou o paciente por seu
norte-americano, conta que seu primei- nome de registro feminino, o psicanalista
ro contato com um homem trans foi sur- experimentou um sentimento de estranhe-
preendente e perturbador. E não porque o za. “Embora as teorias pudessem explicar
referido paciente manifestasse algum com- o bizarro, elas não podiam explicar a natu-
portamento caricato ou aberrante, mas ralidade”, concluiu (Stoller, 1993, p. 19).
justamente pelo fato de que a pessoa à sua Com essa reflexão, Stoller punha em
frente lhe pareceu, sob todos os aspectos, questão a pertinência nosográfica do fenô-

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017 91


Buck Angel, transexualidade e gênero– algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel

meno da transexualidade, fosse às fieiras da O(s) sexo(s) de Angel


psicose, segundo as correntes de inspiração Diz-se que a expressão “sexo dos anjos” sur-
psiquiátrica, e/ou da perversão, como suge- giu de um incidente histórico ligado à queda
rido pelo viés da sexologia. do Império Bizantino. Na ocasião, o impera-
Ao me deparar com a figura pública de dor Constantino XI tentava resistir à invasão
Buck Angel, autointitulado a man with a pus- otomana à Constantinopla, contando com
sy (um homem com vagina), senti que havia um exército cristão que representava ape-
nele, como nos propõe o setting analítico a nas um décimo do contingente do exército
todo instante, algo de uma singularidade que inimigo. Enquanto isso, os membros do alto
se enunciava para além dos rótulos das inte- clero, dos quais o imperador esperava apoio,
ligibilidades preestabelecidas. estavam inacessíveis, reunidos em um curio-
Foram os debates em torno de sua narrativa so concílio que se propunha a refletir, justa-
e corporeidade no âmbito da instituição que mente, sobre o sexo dos anjos.
deram ensejo à criação do Grupo de Trabalho É curioso constatar quão mobilizadora
de Neo e Transexualidades (GTNTrans),1 do parece ser a questão da diferença sexual na
CBP-RJ, em julho de 2015, bem como à esco- humanidade, a ponto de gerar indagações
lha do tema NeoSexualidades: novas escutas, cosmogônicas e metafísicas dessa natureza,
da VI Jornada de Psicanálise do CBP-RJ, em como se a estabilidade de um sistema de ca-
2015. tegorizações fosse posto em risco em caso de
Nos encontros do GTNTrans tivemos haver entes, mesmo que imaginários, excep-
contato não apenas com autores psicanalistas cionados dele.
a pensar a transexualidade, como também Se a indagação do clero custou o cetro ao
com as críticas e contribuições à psicanáli- imperador, podemos pensar que, hoje em
se feitas por pensadores desconstrutivistas dia, o debate pluri- e interdisciplinar em tor-
do movimento queer, notadamente Judith no das identidades de gênero, longe de ser
Butler e Beatriz Preciado (atualmente Paul sinônimo de uma inutilidade diletante, é a
B. Preciado). Por essa razão, as especulações possibilidade de fazer ruir o império da lógi-
teóricas desenvolvidas no presente trabalho ca binária e falocêntrica, e suas repercussões
são de filiação psiqueeranalítica, numa ten- limitadoras na escuta clínica.
tativa de condensação das ideias metaboliza- Uma das mais proeminentes teóricas do
das ao longo da primeira fase dos referidos movimento queer norte-americano, Judith
estudos. Butler (2013) chama a atenção para o fato de
Após apresentar os principais dados pú- que o conceito de diferença sexual é
blicos da biografia de Buck Angel, serão te-
cidas algumas considerações sobre os con- [...] um locus em que a relação entre o bioló-
ceitos de sexo e gênero; em seguida, sobre a gico e o cultural é lançada e relançada, onde
transexualidade à luz da psicanálise, para, ao talvez possa ou mesmo tenha que ser lançada,
final, indagar quanto à pertinência da inscri- não podendo, em sentido estrito, ser respon-
ção “PerVert” (perverso/pervertido) tatuada dida (Butler, 2013, p. 186, tradução nossa).
nas costas do Sr. Angel.
O conceito de diferença sexual seria, se-
1. O Grupo de Trabalho de Neo e Transexualidades gundo a autora, um conceito de fronteira en-
(GTNTrans) do CBP-RJ é composto por Fernanda Freitas,
Rodrigo Zanon, Roberta Mendes, Tânia Cynammon, tre dimensões psíquicas, somáticas e sociais,
Fátima Barcelos e Ana Paula Perissé sob a orientação de em que esses territórios se interpenetram,
Anchyses Jobim Lopes. Vale dizer que, desde agosto de sem se equivaler inteiramente, mas sem ser
2016, juntou-se a dimensão clínica aos estudos teóricos,
mediante a escuta analítica de indivíduos tranvestigêneres também rigorosamente distintos um do ou-
em situação de risco. tro.

92 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017


Roberta de Oliveira Mendes

Assim, ao discutirmos também o(s) cipalmente do documentário Mr. Angel, de


sexo(s) de Angel, devemos ter desde já em Dan Hunt (2013) e complementadas por
mente que a discussão a que nos empenha- outros vídeos de entrevistas, palestras e sua
mos permanecerá saudavelmente em aberto. participação em eventos voltados para o de-
Buck Angel se define como um homem bate e a conscientização em torno da questão
trans, isto é, um transexual feminino. Ou de gênero.
seja, uma pessoa a quem foi atribuído o sexo Nascido nos Estados Unidos, na
feminino como evidência biológica no nas- Califórnia, em 1962, foi registrado como
cimento, por ser portador de cromossomos Susan, aparentemente, a segunda de três
XX e genitália externa não ambígua femi- filhas de uma família de classe média,
nina, mas que se percebe intimamente e se Buck diz ter se sentido um menino des-
apresenta socialmente como pertencente ao de sempre, a despeito de ter um corpo de
gênero masculino. menina.
Para quem não está acostumado com o Podemos cogitar que, ao constatar a in-
tema, pode parecer confuso no começo. Mas congruência entre seu corpo e seu senti-
depois complica. Na realidade, complexifica. mento de si, Buck tenha realizado uma cisão
Buck Angel não se deixa enquadrar facil- defensiva não psicótica de seu Eu, tal como
mente em nenhuma categoria, sobretudo as descrito por Freud no caso dos meninos en-
de lógica binária, isto é, as que se restringem lutados pela morte do pai (Freud, [1927]
à concepção disjuntiva e opositora de polos 2016). Isto é, apenas uma corrente em seu
referentes pretensamente invariantes ho- psiquismo não reconhecia a realidade bio-
mem/mulher, masculino/feminino. lógica de seu corpo (como veremos adiante,
Nem mesmo o catálogo de inteligibilida- ocorreu em algumas ocasiões, inclusive com
des revisto e ampliado pelo desconstrutivis- risco para a sua saúde):
mo das teorias queer parece ter um espaço
inequívoco para ele. Tanto é assim que Buck [...] havia outra que se dava plena conta desse
sofre diversos tipos de discriminação dentro acontecimento; [...] a corrente ligada ao de-
da própria comunidade LGBT(QI),2 por não sejo e a ligada à realidade coexistiam uma ao
corresponder às tentativas de tipificação do lado da outra (Freud, [1927] 2016, p. 320).
que seria um transexual. Recusando-se a ser
uma abstração ambulante e empenhado em Digamos que “no conflito entre a percep-
ser ‘si-mesmo’, Buck questiona e reenuncia ção indesejada” (ser biologicamente uma
com e em seu corpo múltiplos (pre)concei- mulher) e “a força do desejo contrário” (ter
tos, confirmando a máxima de que, na práti- um corpo masculino que correspondesse
ca, a teoria é outra. ao seu sentimento de si), ele “[...] chegou a
Acompanhemos um pouco de seu per- um compromisso, tal como só é possível sob
curso. o domínio das leis inconscientes de pensa-
mento: o processo primário” (Freud, [1927]
She was a boy:3 infância 2016, p. 317), que permite a coexistência
e adolescência de Angel conjuntiva e não opositiva de realidades di-
Vale esclarecer que as informações biográfi- versas.
cas sobre Buck Angel foram colhidas prin- Nos momentos em que esse sentimento
de identidade gozava do beneplácito da acei-
2. LGBT(QI): Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais tação familiar, ele se sentia uma criança feliz
(Queer e Intersexuados). e brincalhona. Portanto, considera ter tido
3. She was a boy é o título de uma canção de autoria da
cantora israelense Yael Naïm em parceria com David uma infância feliz, na medida em que seus
Donatien. pais permitiram que ele crescesse como um

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017 93


Buck Angel, transexualidade e gênero– algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel

clássico tomboy,4 vestindo-se a maior par- Apresentou uma puberdade tardia, vin-
te do tempo como um menino e desempe- do a desenvolver seios e menstruar já depois
nhando papéis masculinos em jogos e brin- dos 14 anos. Em diversas ocasiões, refere-se
cadeiras. à cena de sua primeira menstruação: estava
No referido documentário, sua mãe relata em um jogo de futebol com amigos e, per-
que uma vez o viu tentar urinar em pé, por cebendo o sangue a lhe descer pelas pernas,
volta dos quatro anos de idade e, ao inda- achou que tivesse se machucado. Não lhe
gá-lo quanto ao que estava fazendo, a então ocorreu que pudesse ter ficado menstruado,
menina respondeu que “estava fazendo xixi pois não se pensava como uma menina.
como seu pai”. Buck diz sempre ter “se espe- A menstruação lhe foi traumática, ao
lhado no pai”, homem de uma masculinida- confrontá-lo incontornavelmente com a
de estereotipada de cowboy americano. realidade de que seu corpo era, de fato, “de
Se, por um lado, seus pais aceitavam e, em mulher” e ganhava, para seu desespero e à
certa medida, encorajavam seus comporta- sua revelia, cada vez mais contornos femi-
mentos masculinos nos limites da casa, por ninos. Stoller comenta que, de fato, é co-
outro, forçavam-no a se vestir como uma mum nos transexuais femininos que sintam
menina fora dela, o que exasperava Buck maior urgência de empreender interven-
enormemente. ções corporais “[...] após a puberdade e seu
Indício dessa aceitação tácita de sua odiado desenvolvimento de menstruação e
masculinidade pela família é o próprio de características femininas secundárias”
apelido Buck, que lhe foi dado na infância. (Stoller, 1982, p. 224).
Curiosamente, o termo “buck”, em inglês, Foi, portanto, apenas na adolescência que
tanto designa o macho de alguns animais, Buck passou a enfrentar diversos problemas
tais como certos tipos de antílopes e coelhos, relacionais e profundo sofrimento psíquico
quanto é uma gíria para se referir informal- em razão de sua rejeição à imagem inequivo-
mente a dinheiro, um dos clássicos equiva- camente feminina que seu corpo ia adquirin-
lentes fálicos na equação simbólica freudia- do. A partir desse momento se intensificou
na. também o discurso contraditório da família
Buck Angel não apenas veio a alçar o ape- quanto a permitir que ele fosse masculino
lido de infância como seu prenome civil ao em casa e a exigir que assumisse uma per-
longo de seu processo jurídico de redesigna- formance feminina na rua. Ele passou a ter
ção, como também o incorporou há alguns muita raiva do próprio corpo, esmurrando
anos na forma de uma tatuagem de cabeça de os seios para que parassem de crescer.
antílope, logo acima de sua região pubiana. Data desse período uma das poucas his-
Em geral, Buck fala pouco de seu contex- tórias familiares que Buck relata detalhada-
to familiar, limitando-se a dizer que seu pai mente ao longo do documentário. Conta, vi-
era um homem severo e que, de modo geral, sivelmente emocionado, que, por volta dos
as demonstrações de afeto em casa não eram 14 anos, teve um desempenho excepcional
muito expansivas. Nenhum comentário es- em atividades de corrida na escola, motivo
pecífico sobre características de humor ou pelo qual foi convidado pelo técnico de atle-
comportamento da mãe, nem de sua relação tismo a integrar a equipe feminina em uma
com ela é feito por Buck no documentário. competição intermunicipal. Foi, em suas pa-
lavras, das poucas coisas em que se destacou
como mulher.
No entanto, seu pai condicionou sua par-
4. Tomboy: termo corrente em língua inglesa para designar
meninas de comportamento e aparência socialmente ticipação no evento à melhora de suas notas.
percebidos como masculinos. Como Buck não conseguiu o desempenho

94 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017


Roberta de Oliveira Mendes

acadêmico esperado, o pai o impediu de destrutividade de Buck a partir do momento


competir. em que seu falso self, isto é, a suposta iden-
Mesmo sem termos maiores informa- tidade feminina, passa a dominar a cena.
ções sobre a dinâmica familiar de Buck, não Isso porque, em sua infância, ele podia sem
nos parece infundado especular que havia maiores empecilhos ou dificuldades alternar
um investimento ativo por parte da família as apresentações masculinas (verdadeiro self)
em sua masculinidade, ainda que de forma com as femininas (falso self). Desse modo,
inconsciente, bem como um contrainvesti- seu falso self, na verdade, assegurava que seu
mento igualmente inconsciente em tudo o verdadeiro self pudesse emergir, sempre que
que o identificava como “mulher”. Da mesma em condições ou ambientes favoráveis, mes-
forma, a referência ao tratamento distante e mo que como uma vida secreta.
comedido do pai e a uma certa inibição das No entanto, como lembra Winnicott
expansões afetuosas entre os membros da fa- ([1960] 1983), quando as condições para a
mília levam a crer que a seguinte condição emergência do verdadeiro self são ameaça-
favorecedora de suas identificações femini- das, organizam-se novas defesas “[...] contra
nas não tenha se configurado: a expoliação do self verdadeiro”, e a ideia do
suicídio nesse contexto pode surgir como
[...] a menina precisa ouvir de seu pai expres- uma tentativa “[...] de destruição do self to-
sões de apreço e valor por sua feminilidade tal para evitar o aniquilamento do self ver-
e pela feminilidade da mãe dela – sua espo- dadeiro (Winnicott, [1960] 1983, p. 131).
sa. Precisa ouvir sua mãe expressar valor e
respeito pelo pai, bem como pela identidade Transicionando:
sexual de sua filhinha, assim como também um homem pra chamar de Eu
atribuir valor a sua própria vida sexual como Buck ressaltou em múltiplas ocasiões a im-
mulher (Mcdougall 2001, p. 12). portância crucial da terapia no seu longo e
gradual percurso de conciliação entre seu
Buck relata que dos 16 aos 28 anos se sen- corpo, seu sexo, seu gênero e sua sexualida-
tiu uma pessoa perdida. Contrariando seu de. No entanto, não há em suas entrevistas
sentimento íntimo de ser um homem, seu nenhuma menção clara à orientação clínica
corpo era o de uma mulher. Tampouco se da referida terapia.
identificava com a imagem da lésbica butch Ele conta que na década de 1970 não ha-
com que o nomeavam. Passou a ter compor- via escuta para os indivíduos transsexuais.
tamentos autodestrutivos, envolvendo-se Segundo ele, o próprio conceito de transe-
com álcool e drogas e cortando-se reiterada- xualidade ou transgeneridade não estava
mente nos braços. amplamente em voga no meio psi como um
Tais condutas se agravaram particular- todo, mesmo na Califórnia, uma das unida-
mente com sua bem-sucedida atividade des federadas mais liberais e progressistas
como modelo fotográfico feminino, tanto é dos Estados Unidos. O máximo que lhe era
que tentou suicídio por duas vezes, o que lhe concedido pelos terapeutas e psiquiatras que
rendeu algumas internações psiquiátricas. consultava era ser classificado como uma
Quanto mais reconhecimento e sucesso ele mulher muito masculinizada, uma lésbica
obtinha com a imagem feminina, mais se in- butch, um indivíduo com desequilíbrios psí-
tensificava sua autodestrutividade. quicos de contornos esquizofrênicos ou, no
Se, como diz Stoller, a transexualidade, em mínimo, borderline.
alguns casos, parece representar “a expressão Nesse contexto, cabe refletir com Márcia
do ‘verdadeiro self” do indivíduo (Stoller, Arán que, certamente, pelo fato de os transe-
1982, p. 2), podemos compreender a auto- xuais serem comumente

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017 95


Buck Angel, transexualidade e gênero– algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel

[...] confrontados com várias questões de na- te, que integrasse sua vagina à sua autoima-
tureza existencial, se é que podemos nos ex- gem e assumisse para si mesmo a singulari-
pressar assim, sintomas considerados ‘narcí- dade de seu gozo.
sicos’ ou ‘limítrofes’ muitas vezes fazem parte Buck não estava disposto a ceder de seu
dessa configuração subjetiva por uma questão prazer sexual em nome de corresponder a
contingente (Arán, 2006, p. 61, grifo nosso). uma imagem do que deveria ser um homem,
resultando disso a montagem personalíssima
Até que um dia, quando contava por volta de seu corpo.
de 30 anos de idade, uma terapeuta o ouviu. Joel Birman (1999, p. 23) nos lembra que
Acolheu sua fala de que se sentia um ho-
mem, dizendo que acreditava nele e, o que [...] o corpo não é nem o somático nem tam-
lhe foi ainda mais significativo, que era tam- pouco o organismo, mas ultrapassa em muito
bém como o percebia. Sua condição ganhou o registro biológico da vida, sendo marcado
um nome: transexualidade (ou, na época, pelas pulsões.
transtorno de identidade de gênero).5 E seu
modo de ser, uma possibilidade. Em outras palavras,
Somente a partir daí teve efetivamente
início sua transição. Ao acompanhamen- [...] um corpo não se define pela sua substân-
to psicoterápico somaram-se, ao longo dos cia, nem pelos seus órgãos, nem mesmo por
anos, as seguintes intervenções corporais: suas funções, mas pelo seu movimento, pelo
doses regulares de bloqueadores de hormô- conjunto de seus afetos intensivos (Arán,
nios femininos; injeções de testosterona; 2006, p. 34).
maciças sessões de musculação e uma dupla
mastectomia. Buck menciona que a cirurgia Angel diz ser até hoje cobrado por seg-
de remoção das mamas foi o passo mais sig- mentos da própria comunidade trans a rea-
nificativo e libertador de sua transição, pois lizar a neofaloplastia. Alguns se recusam a
os seios eram o que mais “traíam” estetica- reconhecer sua condição transexual, jus-
mente sua indesejada condição biologica- tamente por conta da ausência da cirurgia
mente feminina. de transgenitalização. Segundo essa ótica,
Conta que, certo dia, ao se masturbar, ele teria apenas mudado de gênero, deven-
acabou por se questionar se realmente que- do, portanto, ser considerado um indivíduo
ria correr o risco de fazer a cirurgia de trans- transgênero, por ter passado a adotar uma
genitalização, tendo em vista a péssima re- performance social masculina, sem, no en-
lação risco/benefício de tal procedimento, tanto, ter mudado de sexo.
já que seus resultados tanto estética quanto Toda essa polêmica relança para Buck a
funcionalmente eram (e ainda são) bastante pergunta: afinal, o que faz de um homem
precários, podendo tornar o indivíduo intei- um homem? É preciso ter um pênis para ser
ramente anorgástico. um homem? E se alguém que se identifique
No entanto, a decisão de renunciar à ci- como homem, nascido biologicamente com
rurgia não foi tomada sem angústia e foi, em pênis, vier a perdê-lo por conta de um aci-
seu entendimento, um dos efeitos mais rele- dente, um incêndio ou qualquer outra fata-
vantes de sua terapia, por permitir, finalmen- lidade, deixará de ser ou de se sentir um ho-
mem por causa disso?
5. Atualmente, o DSM classifica a transexualidade não mais Com sua verve habitual e denunciando a
como um transtorno de identidade, mas como uma disforia arbitrariedade dos símbolos, Buck costuma
de gênero. Vale lembrar que há um crescente movimento
por parte de vários setores da sociedade em prol da dizer que, pelo mesmo valor de uma cirurgia
despatologização da transexualidade. faloplástica, compraria para si um falo muito

96 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017


Roberta de Oliveira Mendes

mais vistoso e funcional, igualmente valida- gãos produtores’ da coerência do corpo como
do socialmente: uma caminhonete 4x4! propriamente humano (Preciado, 2014, p.
Em resposta às mencionadas críticas da 130-131).
comunidade trans, Buck Angel se descre-
ve como alguém socialmente “binário”, mas Vejamos a seguir como Buck Angel, não
de corporeidade queer, no sentido de que se apenas a partir de sua montagem corporal
identifica integralmente como indivíduo do mas também de suas vivências, tende a ilus-
sexo – e não apenas do gênero! – masculino, trar concretamente a ideia da performativi-
a despeito de conservar o genital feminino. dade do sexo e do gênero.
Com isso, Buck sustenta o caráter per-
formativo tanto do sexo quanto do gênero, Uma sublimação pela pornografia?
em franca e radical ressonância com as con- Outras desconstruções
cepções desconstrutivistas de Judith Butler Como a maioria das pessoas trans, Buck
(2015), para quem nada seria definido pela Angel também teve dificuldades de se en-
anatomia. Tanto o sexo quanto o gênero se- gajar num mercado formal de trabalho,
riam construções discursivas. acabando por desempenhar alguns serviços
Em outras palavras: o ser humano, único temporários como auxiliar de produção em
animal pulsional e linguageiro, não seria cap- filmes de entretenimento adulto.
turável por nenhuma determinação natural, Após se decidir a não abrir mão de seu
mas por discursos naturalizadores como os prazer genital e manter sua vagina, Buck
que engendram a construção de uma dife- Angel se lançou como ator e produtor de fil-
rença sexual sobre uma lógica binária, opo- mes pornôs, apresentando-se pioneiramente
sitora e disjuntiva, ao invés de sobre uma di- como “um homem com vagina”.
versidade conjuntiva de gêneros plurais. Segundo ele, foi surpreendente observar
Desse modo, a atribuição do sexo à crian- que o público consumidor de seus filmes
ça com o nascimento seria era predominantemente o de homens gays,
o que significava o reconhecimento indis-
[...] um ato performativo, não porque o corpo cutível de sua masculinidade, tendo em vis-
não exista como materialidade, mas porque ta que, mesmo nas ocasiões em que se fazia
ele só pode existir dentro de um discurso que penetrar vaginalmente por outros homens,
o laça e o molda. as cenas eram percebidas pelo público como
uma prática inequivocamente homossexual.
Os corpos seriam, assim, “constituídos no Note-se que, com isso, Buck Angel faz cair
ato da descrição” (Salih, 2015, p. 125, grifo por terra as teorias que afirmam (i) que o in-
nosso). divíduo transexual é necessariamente aquele
De maneira provocadora, Beatriz que tem horror, desprezo ou um completo
Preciado denuncia a ausência de naturalida- desinvestimento de seus genitais, bem como
de da lógica atributiva: (ii) as teorias que falam do desejo homos-
sexual como evitativo do confronto com a
A mesa de atribuição da masculinidade e da “castração”, enquanto marca incontornável
feminilidade designa os órgãos sexuais como da diferença sexual (genital).
zonas geradoras da totalidade do corpo, sen- Da mesma forma, afirma provocadora-
do os órgãos não sexuais meras zonas perifé- mente que, nas cenas em que tem sua vagina
ricas. [...] Assim, então, os órgãos sexuais não penetrada pelo pênis de uma mulher trans,
são somente ‘órgãos reprodutores’, no sentido seja por qual perspectiva for, trata-se, ines-
de que permitem a reprodução sexual da es- capavelmente, de uma cena de sexo heteros-
pécie, e sim que são também, e sobretudo, ‘ór- sexual, tanto por se tratar de algo que se dá

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017 97


Buck Angel, transexualidade e gênero– algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel

entre uma pessoa de apresentação de gênero transmissíveis e de trato ginecológico para


feminina e outra de apresentação de gênero homens trans. Nesse contexto, vale lembrar
masculina, como por se dar entre um pênis que Buck Angel passou a atuar nesse seg-
e uma vagina, pouco importando que quem mento após ter precisado se submeter a uma
tenha a vagina seja o homem e quem tenha o histerectomia de emergência, por conta, ao
pênis seja a mulher. que parece, da já mencionada cisão defensiva
Relata que sua atividade na indústria por- de seu ego. Isso porque ele próprio relata que
nográfica foi se imbuindo cada vez mais de tomou hormônios masculinos e inibidores
um propósito ativista, com o objetivo de tra- de seus hormônios femininos por anos a fio,
zer visibilidade para os homens trans, figu- sem nenhuma consideração aos efeitos que
rando-os como pessoas sexualmente ativas isso poderia trazer a seus órgãos internos,
e engajadas em múltiplas formas de expres- notadamente seu útero e ovários, chegando
são sexual, contribuindo para desconstruir o a “esquecer” que os tinha.
decantado estereótipo da hipossexualidade Como pudemos observar, Buck Angel
transexual. exerce uma forma sublimada de pornografia,
Ademais, é seu entendimento que seus o que, num primeiro momento, pode asso-
filmes contribuiriam para o enriquecimento mar paradoxal.
das fantasias sexuais de quem assiste, já que, No entanto, devemos ter em mente que
ao lado da fantasia mais corriqueira da mu-
lher com pênis, que permite a inclusão sexual [...] sublimar não significa dessexualizar.
de mulheres trans e travestis no imaginário Muito pelo contrário, aliás. A sublimação e o
de muitos, diversas pessoas se surpreendem erotismo são derivações de Eros, afirmações
de se sentirem excitadas pela figura de um da vida e maneiras de tornar a existência pos-
homem com vagina, em suas múltiplas pos- sível e suportável (Birman, 1999, p. 171).
sibilidades de intercurso sexual.
Atualmente, Buck vem produzindo Sua pornografia teria, assim, aproprian-
uma série documental intitulada Sexing the do-nos dos dizeres de Birman, verdadeiro
Transman,6 que consiste em entrevistas com efeito de uma “sublime ação”, implicando “a
indivíduos transvestigêneres, binários ou ruptura com o imperialismo do falo” e “[...]
não, a respeito de suas fantasias e atividades entreabrindo a subjetividade para a possibi-
sexuais pré- e pós-transição, seguidas de ce- lidade do erotismo e da criação” (Birman,
nas de masturbação e/ou de sexo com outres 1999, p. 172).
parceires. Outros aspectos sobre a criatividade su-
A meu ver, esse projeto traz uma preciosa blimatória de Angel serão oportunamente
contribuição aos estudos referentes à monta- abordados no item referente à discussão da
gem fantasística do corpo erógeno, ao ilus- perversão. Antes, no entanto, precisamos ter
trar que, tanto as modificações corporais são em mente algumas noções sobre o desenvol-
determinadas por fantasias inconscientes, vimento dos conceitos de sexo e gênero na
quanto que, uma vez efetivadas, tais modifi- psicanálise.
cações corporais alteram, por sua vez, a posi-
ção de gozo do sujeito da fantasia. Algumas referências
Por fim, é relevante mencionar seu tra- sobre sexo e gênero na psicanálise
balho como educador sexual no campo da Sabemos que a distinção conceitual entre
prevenção e combate a doenças sexualmente sexo e gênero não é contemporânea às teo-
rizações freudianas. No entanto, Person &
6. Uma tradução possível seria “sexualizando o trans Ovesey (1999) chamam a atenção para o fato
homem”. de a psicanálise ter sido a primeira teoria ge-

98 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017


Roberta de Oliveira Mendes

ral da personalidade que tentou explicar as na verdade, é possível reconhecer em Freud


origens e o desenvolvimento da masculinida- “uma classificação segundo o gênero”, uma
de e da feminilidade nos indivíduos, levando espécie de percepção da criança de uma dis-
em consideração as consequências psíquicas tinção entre o pai e a mãe, que começaria
da diferença anatômica entre os sexos. em uma etapa anterior à castração, portanto,
Aliás, é curioso observar em que ambiên- “sem levar em conta a anatomia”, e sim uma
cia teórica Freud estava imerso ao desenvol- diferença de papéis, funções, comportamen-
ver suas considerações iniciais sobre a se- tos sociais e vestimentas entre as figuras pa-
xualidade. Como observa Thomas Laqueur rentais.
(2001), a própria noção de um dimorfismo Dessa forma, pode-se pensar que a
sexual com base no modelo reprodutivo, isto apreensão dos gêneros pela criança se faria,
é, a construção da ideia de dois sexos como a rigor, “sem levar em conta o órgão sexual”,
efetivamente distintos, baseada na assimetria franqueando a interpretação de que “[...] o
anátomo-fisiológica das respectivas funções que distingue os gêneros não é o sexo anatô-
reprodutoras, só se deu no século XIX. mico [...]”, assim como “[...] inversamente, o
Até o século XVIII, a ideia reinante era a de sexo anatômico não garante, a priori, o gêne-
um isomorfismo sexual, correspondendo os ro” (Ceccarelli, 2013, p. 64).
corpos macho e fêmea a versões hierarquiza- O próprio Freud ([1924] 2016, p. 302),
das do mesmo sexo. Ora, as teorizações freu- aliás, utiliza o caso clínico de “um paciente
dianas acerca da fase fálica e as subsequen- homem para ilustrar sua análise do maso-
tes construções em torno das consequências quismo feminino, o que mostra como gêne-
psíquicas da distinção anatômica entre os ro não se confunde nem com posição sexual,
sexos parecem aplicar ao campo individual nem com sexo anatômico”7.
essa passagem da concepção de um isomor- Retornemos a Freud. Partindo sempre do
fismo para a de um dimorfismo sexual cultu- modelo masculino, o fundador da psicaná-
ralmente elaborada no âmbito filogenético. lise propunha que o menino tomaria a mãe
Assim, para Freud, a criança inicialmente como primeiro objeto amoroso, rivalizan-
creria haver apenas um órgão sexual (iso- do, consequentemente, com o pai. A partir
morfismo), que seria necessariamente, talvez da descoberta da diferença anatômica entre
por uma questão de autorreferência do autor, os sexos, as experiências pretéritas de perda
o masculino. pelo menino (nascimento, seio, fezes) seriam
Se, por um lado, o desenvolvimento da reativadas numa nova angústia: a de que pu-
criança de ambos os sexos seria amplamen- desse vir a perder seu pênis, objeto privile-
te equivalente nas fases pré-fálicas (isomor- giado de seu investimento narcísico.
fistas), a descoberta da distinção anatômica O menino renunciaria à mãe como objeto
entre eles (dimorfismo) acarretaria diferen- amoroso para preservar o seu pênis, deslo-
tes repercussões no menino e na menina, cando seu investimento libidinal para outras
inclusive no que diz respeito à travessia dos mulheres e identificando-se com o pai. A an-
respectivos Édipos. gústia de castração, ensejada pelo conheci-
Note-se, no entanto, que Freud não aban- mento da diferença anatômica entre os sexos,
dona inteiramente a ideia de uma hierarquia teria, então, para o menino o condão de re-
entre os sexos resultante da corrente isomor- solver seu complexo de Édipo, conduzindo-o
fista, restando à menina a posição do sexo à masculinidade heterossexual. Note-se que,
“inferior”, porque castrado e eternamente apesar de admitir a existência de um Édipo
marcado pela inveja do pênis.
No entanto, Paulo Roberto Ceccarelli 7. Trecho extraído dos comentários ao texto O problema
(2013) chama a atenção para o fato de que, econômico do masoquismo (Freud, [1924] 2016, p. 302)

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017 99


Buck Angel, transexualidade e gênero– algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel

negativo (homossexual) no menino, Freud ção da menina com o modelo feminino da


não teoriza a fundo quanto às suas possíveis mãe seria conturbada pela própria depre-
consequências psíquicas, limitando-se quase ciação advinda do reconhecimento da mãe
sempre a abordar a questão da ambivalência como castrada.
resultante das correntes terna e hostil do me- Segundo Person & Ovesey (1999), Karen
nino com relação ao pai no assim chamado Horney e Ernest Jones chegaram a propor a
complexo paterno. existência de uma feminilidade heterosse-
Para a menina, o caminho seria todo ele xual primária, e não secundária, nas mulhe-
mais tortuoso, já que seu Édipo positivo (he- res, calcada na percepção e elaboração das
terossexual) seria, na realidade, precipitado sensações vaginais e no desejo libidinal (em
(e não resolvido) pelo complexo de castra- vez de narcísico) por um pênis. Com isso, se,
ção, não tendo, portanto, uma força clara e por um lado, tentavam positivar um modelo
suficientemente potente que impelisse à sua biológico especificamente feminino, por ou-
resolução. Ademais, além de o Édipo na me- tro lado, atrelavam ainda mais radicalmente
nina ser complicado pela mudança de objeto a heterossexualidade à biologia.
sexual; a menina precisaria operar também Podemos observar o quanto as teorizações
uma mudança da zona erógena predominan- freudianas e aquelas de seus opositores, por
te do clitóris (tomado como um vestígio fáli- mais inovadoras que fossem, acabavam por
co) para a vagina. sofrer a influência limitadora dos paradigmas
Assim, toda menina teria uma fase edí- cultural e cientificamente válidos à época.
pica homossexual inicial, ao tomar a mãe Por exemplo, Laplanche (2001, p. 155-157)
como primeiro objeto libidinal. No entanto, nos lembra que, a Sexualtheorie, de Freud,
ao se dar conta da diferença anatômica en- não se propunha a ser uma teoria dos sexos
tre os sexos, a menina se perceberia castra- ou dos gêneros (uma Geschlechtstheorie), mas
da. A menina reconheceria forçosamente a antes uma teoria do sexual, ou seja, de uma
inferioridade de seu clitóris em relação ao sexualidade essencialmente não procriadora
invejado pênis, o que deixaria nela não ape- e, portanto, alheia às questões da sexuação.
nas uma profunda ferida narcísica, mas uma De fato, a sexualidade foi concebida como
rancorosa decepção com a mãe, a quem a sendo marcadamente infantil, tributária das
menina viria necessariamente atribuir a res- pulsões parciais, logo mais ligada à fantasia
ponsabilidade por não lhe transmitir um pê- que ao objeto por sua vocação autoerótica.
nis (diferentemente do menino, para quem a Sua expressão seria notadamente oral, anal e
ameaça de castração estaria sempre ancora- paragenital.
da no pai). No entanto, essa concepção revolucioná-
Tal complexo de castração poderia ter três ria da sexualidade humana como sendo fun-
encaminhamentos típicos na menina: damentalmente infantil e perverso-polimor-
• a inibição sexual ou neurose; fa se construiu em clara tensão com a ideia
• um complexo de masculinidade, não de uma organização libidinal que desembo-
necessariamente acompanhado de uma es- caria no primado da genitalidade sobre as
colha de objeto homossexual; demais zonas erógenas, ao mesmo tempo em
• uma feminilidade “normal” – leia-se he- que o caráter contingente do objeto pulsio-
terossexual – se possível coroada pelo nasci- nal parecia ter de, pouco a pouco, ceder vez
mento de um filho, substituto ideal do falo, à possibilidade de estabilização das relações
principalmente quando menino. com “objetos totais”, preferencialmente hete-
Aos seus olhos, diferentemente do meni- rossexuais.
no, que teria no pai, ao final do Édipo, seu Preciado (2011) chama a atenção para
modelo identificatório “natural”, a identifica- esse engodo da heterossexualidade como

100 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017


Roberta de Oliveira Mendes

norma, tanto em sua acepção normatizante pacientes que a identidade de gênero seria
como normalizadora, das quais sequer nosso resultado de fatores ambientais, deslocando
genial Freud conseguiu escapar de todo. o eixo da determinação pela natureza (na-
Elx denuncia que ture) para a cultura (nurture), esquecendo,
no entanto, de contemplar a dimensão do
[...] a (hetero)sexualidade, longe de surgir inconsciente tanto dos pais quanto do bebê
espontaneamente de cada corpo recém-nas- na formação do núcleo identitário de gênero.
cido, deve se reinscrever ou se reinstruir atra- Em 1968, Robert Stoller integrou pela pri-
vés de operações constantes de repetição e de meira vez o termo “gênero” em uma teori-
recitação dos códigos (masculino e feminino) zação especificamente psicanalítica, no âm-
socialmente investidos como naturais (Pre- bito de um estudo clínico sobre indivíduos
ciado 2011, p. 26). transexuais. Para ele, sexo estaria no campo
da anatomia, ao passo que gênero estaria
Assim, a contaminação implícita das teo- no campo do sentimento social ou psíquico
rias freudianas iniciais pela lógica reproduti- da identidade sexual. Importaria, portanto,
va, dismórfica e heteronormativa do século compreender como se daria a transmissão-
XIX foi o que, de certa forma, estreitou por constituição do gênero no sujeito, sobretudo
longo tempo o horizonte de duas de suas quanto esse gênero se manifesta em desacor-
concepções mais radicalmente originais: a do com os fatores biológicos.
pulsionalidade do animal humano e a se- Diferentemente da teoria freudiana, que
xualidade infantil perverso-polimorfa. Esses partia da posição do sujeito em relação ao
conceitos serão objetos de prolíficas releitu- primeiro objeto libidinal, Stoller (1984) le-
ras, como veremos a seguir. vava em consideração o primeiro “objeto” de
Por enquanto, consideremos que é por identificação. Assim, a feminilidade passava
conta justamente da ênfase na genitalida- a ser primária, vez que tanto o menino como
de e de suas implicações teóricas que as a menina teriam a mãe como primeiro obje-
ideias freudianas se interseccionam com to de identificação, na fase fusional do bebê.
os debates em torno do sexo e do gênero. Segundo essa teoria, o menino é que pas-
Mas, para compreendermos isso, é neces- saria a ter dificuldades no percurso de assun-
sário antes acompanhar brevemente como ção de sua masculinidade, já que, para tanto,
se deu a separação dos conceitos de sexo e teria de se desidentificar da mãe.
gênero. Note-se que, apesar de dar ênfase às
Foi Money, psicólogo e sexólogo neoze- comunicações inconscientes entre o psi-
landês, no âmbito de seus estudos com in- quismo dos pais e o do sujeito em consti-
divíduos intersexuados ou de outra forma tuição, Stoller não despreza a dimensão da
comprometidos quanto ao reconhecimento biologia, chegando mesmo a falar do con-
inequívoco de suas genitálias externas por ceito de imprinting, tributário da etologia,
causas congênitas ou acidentais, quem, em como um mecanismo atuante no processo
1955, primeiro propôs a distinção entre sexo, de constituição subjetiva. O imprinting,
enquanto referente bio-anátomo-fisiológico, tal como o conceito de imitação explora-
e gênero. Quanto ao gênero, distinguiu ainda do psicanaliticamente por Gaddini (vide
a função de gênero, relacionada ao compor- Ribeiro, 2010), seria algo da ordem de um
tamento socialmente observável do indiví- vestígio biológico na genealogia das iden-
duo, da identidade de gênero, relacionada ao tificações, sendo anterior às incorporações
sentimento de si. e às introjeções.
Money sustentou polemicamente e com À propósito de identificações, Joyce
consequências trágicas para alguns de seus Mcdougall nos lembra que

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017 101


Buck Angel, transexualidade e gênero– algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel

[...] o aspecto egossintônico das escolhas e mente se apresentou como mais enigmática
práticas sexuais revela a presença de podero- para os teóricos da psicanálise, carecendo de
sas identificações – e contraidentificações – estudos mais aprofundados.
com objetos introjetados de um tipo altamen-
te complexo (Macdougall, 2001, p. 192). Transexualidade, notadamente
a feminina, à luz da psicanálise
Podemos acrescentar, com Laplanche A questão da transexualidade nos interroga
(2015) que não apenas o aspecto sexuado, e implica enquanto enigma. Com referências
mas principalmente o aspecto sexual dos que remontam à mitologia grega e mesmo a
pais se infiltram na designação do gênero e, outras tradições culturais do ocidente e do
consequentemente, nas identificações que oriente, o trânsito de corpos entre o espec-
influenciam na assunção de uma identida- tro das apresentações masculina e feminina
de de gênero pelo sujeito. Afinal, o sujeito mostra sua persistência fantasmática no in-
se identifica não apenas com a imagem que consciente humano.
consegue capturar do outro mediatizada pela No entanto, há um certo consenso no
sua própria fantasia, como também com o sentido de identificar a transexualidade, tal
que imagina ser o objeto do desejo do outro. como ora se afigura, como um fenômeno es-
Nesse sentido, tritamente moderno, pois somente graças à
ascensão do biopoder e à evolução das tec-
[...] a psicossexualidade do sujeito é uma solu- nologias biomédicas de intervenções cor-
ção – ou se preferirmos um sintoma, no senti- porais, a fantasia de mudança de sexo pôde,
do psicanalítico do termo: uma formação de enfim, ser objetivada no corpo.
compromisso – frente às múltiplas variáveis Como qualquer manifestação de subjeti-
com as quais o bebê tem que lidar desde seu vidade, a transexualidade existe no tempo e
nascimento (Ceccarelli, 2013, p. 19). põe em questão os pontos de tensão entre
as individualidades e os pactos de pertenci-
O que em todo caso não se pode esque- mento de uma sociedade. Podemos perceber
cer em psicanálise é que nem a anatomia seu apelo ao inconsciente cultural no esforço
nem o ambiente determinam integralmente de elaboração do tema, eis que há uma proli-
o sujeito, havendo sempre margem para a feração de livros, filmes e séries, não apenas
criatividade. Em outras palavras, se, por um ensaísticos e documentais, mas também fic-
lado, os fatores contingentes, congênitos ou cionais sobre o assunto.
acidentais têm clara participação na cons- Também os debates em torno das ques-
tituição subjetiva, “[...] é evidente que o es- tões de gênero proliferam em múltiplos cam-
sencial acontece em outro lugar, na maneira pos de produção de saber e cada vez mais se
como o sujeito os vê, os considera, os inves- beneficiam, não apenas com o diálogo, mas
te” (Bonnet, 1999, p. 48). É essa investigação com o efetivo protagonismo da comunidade
em torno da singularidade, da contribuição LGBT (QI).
criativa do sujeito na solução encontrada A psicanálise, por sua vez, como já men-
para sua existência psíquica através da tran- cionado, vai também se deixando atravessar
sexualidade que nos interessa. pelas discussões em torno das teorias do as-
A seguir, veremos que, tal como a sexuali- sim chamado terceiro feminismo, sofrendo
dade feminina permaneceu um enigma para suas críticas e amadurecendo com e a partir
Freud, sendo objeto de uma significativa re- delas.
leitura na fase final de sua obra, o que infeliz- Atualmente, por exemplo, mesmo que
mente não será possível explorar no presente ainda refletindo uma posição conservadora,
trabalho, a transexualidade feminina igual- vale ressaltar que o Dicionário de psicanálise,

102 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017


Roberta de Oliveira Mendes

de Elisabeth Roudinesco e Michel Plon de- sexualidade masculina, por fugir ao escopo
dica um verbete ao “transexualismo” e, ain- do nosso trabalho. Apenas devemos ter em
da mais notavelmente, ventila a questão da mente que Stoller (1982) deu ênfase aos fa-
transexualidade no próprio verbete dedica- tores ambientais e transgeracionais para a
do à bissexualidade, conceito desde sempre constituição da identidade sexual em detri-
central da psicanálise. mento dos fatores anatômicos, contribuin-
De fato, em seus Três ensaios sobre a teo- do para descolar a suposta coerência entre
ria da sexualidade ([1905] 1996), Freud reco- anatomia, identidade de gênero e orientação
nhece “[...] uma predisposição originalmente sexual.
bissexual, que, no curso do desenvolvimento, Vale notar, no entanto, que o próprio fato
vai se transformando em monossexualidade” de haver uma etiologia específica e diferen-
(Freud [1905] 1996, p. 134) e a ilustra justa- ciada para a transexualidade masculina e fe-
mente com um caso de transexualidade: minina em Stoller permite entrever o quanto
sua teoria ainda é influenciada por uma con-
A doutrina da bissexualidade foi exprimida cepção essencialmente binarista.
em sua mais crua forma por uma porta-voz Stoller teve clinicamente um menor con-
dos invertidos masculinos: ‘um cérebro fe- tato com transexuais femininos, o que o le-
minino num corpo masculino’. Entretanto, vou a concluir que a manifestação da tran-
ignoramos quais seriam as características de sexualidade feminina seria menos frequen-
um ‘cérebro feminino’. A substituição do pro- te que a manifestação da transexualidade
blema psicológico pelo anatômico é tão inútil masculina, reforçando sua hipótese de que
quanto injustificada (Freud, [1905] 1996, p. a construção da masculinidade seria, em si,
135). mais problemática do que a da feminilidade.
Sua hipótese geral é de que a garotinha
Essa recusa a um determinismo anatô- transexual é designada e tratada ao nascer
mico é talvez precursora da pensabilidade normalmente como menina por seus pais.
queer. Aliás, em que pesem as críticas à psi- Talvez seus pais preferissem ou tivessem a
canálise, Judith Butler reconhece textual- expectativa de um filho do sexo masculino,
mente o seguinte: mas não necessariamente.
A menina transexual nasceria de uma
[...] não há melhor teoria para apreender os mãe feminina (em contraste com a mãe de
mecanismos da fantasia, percebidos não ape- histórico bissexual do transexual masculi-
nas como um apanhado de projeções em uma no), mas que, em algum ponto de sua relação
tela interior, mas como parte da própria re- inicial com a filha, se tornaria adoentada ou
lacionalidade humana. É com base nessa re- deprimida.
velação que podemos compreender como a Assim, ao invés de desfrutar de uma sim-
fantasia é essencial para uma experiência do biose excessivamente prolongada e não con-
corpo próprio, ou do de outrem, enquanto flitiva com a mãe, como na hipótese etiológica
generificado (Butler, 2013, p. 15, tradução do menino transexual, a menina transexual
nossa). não seria objeto de nenhum investimento
expressivo, seja narcísico, seja libidinal, por
Como vimos, Stoller foi, na psicanálise, o parte da mãe, sendo levada a uma formação
primeiro a pensar um modelo de causação egoica, portanto defensiva, precoce. Devido à
específico para a transexualidade, mormen- carência de investimento, a menina acabaria
te a masculina. Em que pese sua relevância se voltando para o pai, em quem encontraria
e originalidade, não adentraremos a discus- um modelo identificatório. Ao desenvolver
são em torno da origem stolleriana da tran- qualidades e maneirismos tidos como mas-

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017 103


Buck Angel, transexualidade e gênero– algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel

culinos, seria inconscientemente encorajada Além de Stoller, Lacan se pronunciou ex-


a fazê-lo, tanto pelo pai, que a tomaria como pressamente sobre o “transexualismo”, no-
companheira de atividades, como pela mãe, tadamente o masculino, situando-o, inicial-
para quem a menina pouco a pouco repre- mente, no campo estrutural das psicoses.
sentaria um substituto masculino de um pai A psicanalista francesa Catherine Millot
que se vinha mostrando indiferente ou reati- (1992), de filiação lacaniana, não parece
vo ao precário estado emocional da mãe. alocar os transexuais femininos (os homens
Diferentemente do menino transexual, a trans) propriamente no espectro das psico-
garotinha transexual entraria em uma dinâ- ses, considerando o recurso às intervenções
mica edípica, tomando a mãe por objeto e cirúrgicas ou o apelo ao “Outro da ciência”
rivalizando/se identificando com o pai. Isso, (Millot, 1992, p. 122) exatamente como
de certa forma, aproximaria a transexuali- suplência ao Nome-do-Pai pela via do real,
dade feminina de uma homossexualidade estabilizando e prevenindo uma possível de-
acentuadamente masculinizada. Stoller des- flagração da psicose. A transexualidade teria,
carta um gozo perverso-travestista no tran- sob esse ponto de vista, a mesma função do
sexual feminino, por entender que a adoção estilo ou sinthoma reconhecido à escrita de
da aparência masculina não traria em si mes- Joyce.
ma nenhuma excitação sexual ao indivíduo. Millot chama a atenção para a fala de um
Em que pesem as tentativas de cataloga- cirurgião que operava transexuais femini-
ção de suas causas, Stoller reconhece que a nos: “[...] elas querem ser como todo mundo,
etiologia da transexualidade feminina não ou seja, homens” (Millot, 1992, p. 89), re-
é de forma alguma clara. No entanto, ao su- lançando, assim, toda a questão da centrali-
por uma depressão materna em sua origem, dade fálica.
parece reconhecer-lhe um caráter um pouco Como contraponto as posições psicana-
mais defensivo e, portanto, uma matriz mais líticas, podemos citar as opiniões de Gerald
conflitiva do que na transexualidade mascu- Ramsey (1998), um psicólogo norte-ameri-
lina. Retornaremos à suposta questão defen- cano com larga experiência de consultoria
siva da transexualidade feminina na discus- em comissões de avaliação de redesignação
são referente à perversão. sexual. Ramsey diz categoricamente que, a
No mais, conquanto muitas vezes se re- seu ver, os transexuais “não são normais”,
ferisse à transexualidade como um com- embora possam ter uma vida “próxima do
portamento “aberrante”, Stoller (1982, p. normal” com o devido “apoio médico e psi-
39) criticava frontalmente o uso do termo cológico” (Ramsey, 1998, p. 48). Descarta
transexualismo como diagnóstico, alertan- também os fatores ambientais na emergência
do para o fato de que “[...] os indivíduos que dos quadros de transexualidade.
experienciam qualquer um desses estados se Mostrando ainda sua filiação ao pensa-
assemelham menos do que se diferenciam”. mento médico, Ramsey diferencia os transe-
Ele também considerava um erro grossei- xuais operados e pré-operatórios (binários)
ro tentar filiar a transexualidade à psicose, daqueles que não desejam necessariamente
esclarecendo que a crença que o transexual implementar mudanças físicas em seu corpo
possui de se encontrar “no corpo errado” não (não binários), considerando que os primei-
tem natureza delirante, já que ele não desco- ros terão melhores chances de ser acolhidos
nhece a realidade do corpo. Simplesmente socialmente do que os segundos, já que estes
esse corpo não seria “[...] o corpo de sua rea- últimos parecerão se mover no registro de uma
lidade psíquica, que responde à representação “escolha” mais do que de uma “compulsão”.
de sua identidade sexuada” (Ceccarelli, Com isso, Ramsey chama a atenção para
2013, p. 165, grifo do autor). um dos aspectos mais ambivalentes da ques-

104 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017


Roberta de Oliveira Mendes

tão diagnóstica em torno da transexualida- dade, parece que o verdadeiro teste recai na
de. Ao mesmo tempo em que o diagnóstico possibilidade de indivíduo ser capaz ou não
patologiza a condição transexual, ele, de cer- de se ajustar à linguagem do diagnóstico.
ta forma, isentaria o sujeito de “culpa” aos Outra questão que certamente contribui
olhos da sociedade. para a baixa procura da psicanálise para in-
Atualmente, a transexualidade deixou divíduos que apresentam um quadro pre-
de ser considerada um transtorno de iden- coce de transexualidade, a exemplo do que
tidade de gênero (Classificação Estatística ocorre com as crianças autistas, é o temor
Internacional de Doenças e Problemas de uma certa margem de culpabilização por
Relacionados à Saúde – CID-10) para figurar parte dos pais.
como disforia de gênero, conforme última Vale dizer que há um esforço crescente
edição do Manual diagnóstico e estatístico de entre os psicanalistas para repensar as teo-
transtornos mentais – DSM V. rias, de modo a desconstruir qualquer laivo
Curiosamente, o referido manual ele- aprioristicamente patologizante de suas for-
ge como indícios diagnósticos, sem o dizer mulações, seja a partir de novos alcances ao
claramente, três formações privilegiadas do conceito de feminilidade em Freud (Birman,
inconsciente, a saber: a representação do in- 1999); de releituras do assim chamado últi-
divíduo como pertencente ao sexo oposto mo Lacan, centrado no real (Cossi, 2015); ou
em seus sonhos, suas fantasias e suas brin- ainda com base na retomada de uma radica-
cadeiras. lidade pulsional a partir da profícua revisão
Apesar de o reconhecimento de algo da de Deleuze e Guatarri (Peixoto Jr, 2010).
ordem do inconsciente aparentemente ficar É de fato revolucionário considerar que o
implícito no diagnóstico, a realidade é que masculino a que Buck Angel dá corpo seria
poucos indivíduos atravessados pela questão um exemplo categórico da assunção da femi-
da transexualidade chegam aos consultórios nilidade (não do feminino), calcada no de-
de orientação psicanalítica. samparo, conforme a entende Birman.
Um dos fatores que desfavorece a procu- Em entrevista veiculada na revista Carta
ra de análise pelos transexuais é a obriga- Capital (2015), Buck Angel afirma que sua
toriedade de comprovação de atendimento ideia do que é ser homem é ser
psicoterápico por profissional credenciado
(psicólogo) como critério de acesso às inter- [...] vulnerável, amoroso, amar a mim mesmo
venções hormonocirúrgicas. Tais terapeutas e entender que somos humanos. Eu acho que
teriam que, a partir de laudos, comprovar temos de retreinar os homens para que sejam
que o paciente seria legalmente elegível aos mais respeitosos. Não é só porque você é um
programas de modificação corporal. Assim, homem que é a coisa mais importante desse
o escopo da terapia se torna viciado por uma mundo, e acredito que muitos homens pen-
finalidade prescritiva, de lógica médica, le- sem assim.
vando a que muitos transexuais adequem
seu discurso ao que é descrito nosografica- Parece com isso ilustrar a seguinte coloca-
mente como “transexualidade verdadeira”, e, ção de Birman:
portanto, mascarando as diversidades e sin-
gularidades individuais. Enquanto pelo falo o sujeito busca a totaliza-
Judith Butler (2013, p. 93) alerta que “[...] ção, a universalidade e o domínio das coisas
apesar de a suposta meta do diagnóstico ser e dos outros, pela feminilidade o que está em
a de constatar se o indivíduo poderia se ajus- pauta é uma postura voltada ao particular,
tar de forma bem-sucedida a viver de acordo ao relativo e ao não-controle sobre as coi-
com as normas do outro gênero”, na reali- sas. Por isso mesmo, a feminilidade implica

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017 105


Buck Angel, transexualidade e gênero– algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel

a singularidade do sujeito e as suas escolhas vimento queer fez com o impropério que lhe
específicas, bem distantes da homogeneidade dá nome, tatuando-o nas costas.
abrangente da postura fálica. A feminilidade Curiosamente, Buck diz que diversas
é o correlato de uma postura heterogênea que pessoas confundem o “PerVert” (perverti-
marca a diferença de um sujeito em relação a do/perverso) de sua inscrição corporal com
qualquer outro (Birman, 1999, p. 10). “PerFect” (perfeito). Poderíamos especular
se essas pessoas acaso não trairiam pelo ato
Agora que estamos um pouco mais fami- falho a nostalgia inconsciente pelas posições
liarizados com as questões do sexo, do gê- pulsionais sacrificadas em favor da assunção
nero e da transexualidade, vejamos o que a de um único sexo.
psicanálise teria a nos dizer quanto a se Buck Afirma, mais radicalmente freudiano que
Angel seria ou não um perverso, conforme o próprio Freud, que, para ele, ser perverso é
sua tatuagem destaca. simplesmente estar em contato com e exer-
cer livremente a própria sexualidade em to-
“Pervert”: será que ele é? das as suas potencialidades, sem nenhuma
Como vimos, a sanha classificatória pode restrição além da consensualidade dxs outr-
muitas vezes deslocar perigosamente a le- xs adultxs com quem se relacione.
gítima pergunta “quem é” o transexual, in- Nisso parece convergir com a ideia da
teressada em escutá-lo a partir de sua sin- perversão enquanto marca pulsional da se-
gularidade, para “o que é” um transexual, xualidade infantil perverso-polimorfa, di-
como uma forma de objetificá-lo ao desejo vergindo, por outro lado, diametralmente da
de um conhecimento que se pretenda to- classificação de perversão proposta por Joyce
talizante. Mcdougall (2001), para quem só deveriam
Quanto a Buck Angel há quem diga, mes- ser considerados perversos, na acepção aber-
mo entre o público leigo, que seu corpo, ex- rante do termo, justamente os atos que des-
tremamente musculoso, é, como um todo, considerassem o consentimento do outro,
fálico; como também seria fálico o próprio tomado na relação sexual estritamente como
uso que faz de sua vagina enquanto vantagem objeto, sem qualquer reconhecimento à sua
competitiva no segmento de mercado porno- alteridade. Segundo esse entendimento, se-
gráfico. Essas críticas parecem ter como pano riam exemplos paradigmáticos de perversão
de fundo a ideia de que Buck Angel recusaria a pedofilia, a necrofilia e o bestialismo.
por meio desses procedimentos sua ausência Podemos observar que o termo “per-
de pênis, portanto, sua “castração”. A própria versão”, intrinsecamente plurívoco, é con-
comunidade LGBT(QI) o acusa por vezes de sequentemente equívoco em sua utilização
“fetichizar” mediante seu comportamento a conceitual. Há, por um lado, uma pecha
transexualidade feminina. negativa e derrisória em seu emprego so-
Há ainda quem diga que seu discurso de cial, com conotações claramente doentias ou
empoderamento da vagina deve ser tomado, socialmente indesejáveis, a oscilar entre as
em uma visão estritamente falocêntrica, bi- práticas sexuais tomadas como aberrantes e
narizante. Em “psicanalês” seria algo como repulsivas até os extremos da sociopatia, do
uma manifestação da inveja do pênis, não assassino desafetado e sem culpa:
reconhecendo a potência subversiva do des-
construtivismo de sua proposta. [...] na perversão o sujeito manipula sempre o
Foi de tanto ser xingado de “pervert” (si- outro como objeto para o seu gozo, mediante
nônimo de pervertido, degenerado, aberran- o qual pode incrementar sua posição fálica.
te), que Buck Angel decidiu se apropriar or- Não podendo reconhecer o outro na sua dife-
gulhosamente do termo, assim como o mo- rença, o sujeito considera o outro na perver-

106 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017


Roberta de Oliveira Mendes

são como um objeto a ser predado e depreda- conforme o grau de inventividade do gesto
do, mera carne a ser canibalizada, para que se criador.
possa expandir o território de sua onipotên- Por outro lado, como o próprio Buck
cia (Birman, 1999, p. 45). afirma, sua prática sexual tende para o reco-
nhecimento da alteridade de seus parceirxs,
Por outro lado, há uma tentativa de posi- tendo como condição a consensualidade, fa-
tivação das saídas perversas, enquanto amar- zendo com que, sob essa outra ótica, ele não
rações defensivas contra a psicose ou ainda se enquadre no conceito de perversão.
como possibilidade de existência psíquica Se admitirmos, com Stoller (1982), que a
para o sujeito. transexualidade de Buck Angel poderia ser
Mcdougall é uma das maiores expoentes vista como a expressão de seu verdadeiro self,
dessa corrente, esforçando-se para realçar ainda que necessariamente mediada pelo seu
“[...] a singularidade das montagens sinto- falso self social, também o retiramos do es-
máticas naquilo que elas possuem de cria- pectro da perversão reconhecido por aquele
ções enquanto tentativas de cura de si mes- autor, para quem a perversão seria um com-
mo e de evitação do sofrimento psíquico”, no promisso firmado à custa de um eu primitivo
que constituiriam técnicas de “sobrevivência que nunca mais seria visto, tendo em vista a
psíquica” (Ferraz, 2015, p. 29). defesa perversa ser “profunda e eroticamente
Justamente para contornar a conotação agradável” (Stoller, 1982, p. 2).
negativa do termo perversão é que ela pro- De fato, o autor entende que
põe alternativamente a utilização de “neos-
sexualidades”. [...] o desenvolvimento da masculinidade ou
Buck Angel poderia talvez ser classificado da feminilidade nos transexuais é como nas
como um perverso segundo a primeira teoria pessoas normais – nas quais esse desenvolvi-
da perversão em Freud, conquanto se permi- mento é mais frequentemente o resultado de
te realizar concretamente fantasias profun- forças não conflitivas do que nos casos de de-
damente recalcadas no ideário neurótico. sordens familiares de identidade genérica (as
Dessa forma, sua sexualidade apontaria para perversões) (Stoller, 1982, p. 4).
o pulsional, no sentido daquilo que aponta
para o que é “universalmente humano e ori- Como vimos, compreender Buck Angel
ginário” (Freud, [1905] 1996, p. 180). como perverso ou não depende fundamen-
Vale lembrar que, para Freud, as pulsões talmente do referencial teórico adotado. Se,
em si mesmas conforme sua proposta, nos despimos de
preconceitos e categorizações quanto ao ter-
[...] seriam designadas de perversas (no senti- mo e o abraçamos em sua humanidade, in-
do mais lato) se pudessem expressar-se dire- dagamos provocadoramente e com ele: por
tamente, sem desvio da consciência, em pro- que não ser?
pósitos da fantasia e em ações (Freud, [1905]
1996, p. 157). (In)conclusões
Ao longo de sua vida, Buck Angel atravessou
Nesse contexto, cabe refletir que a subli- intensos conflitos entre sua autoimagem,
mação e a cultura remontam justamente à seu sentimento de si e o olhar desaprova-
força das pulsões parciais (perversas), quan- dor dos outros, até engendrar em seu cor-
do estas, em lugar de ser recalcadas, encon- po uma montagem singular que, ao mesmo
tram um outro destino, um agenciamento tempo que representa sua sexuação psíqui-
criativo, podendo, então, ser integradas à ca, permite-lhe acesso aos seus modos de
realidade, ornando-a ou modificando-a, gozar.

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017 107


Buck Angel, transexualidade e gênero– algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel

De fato, os efeitos de seu percurso tera- Acreditamos que, por provocação das
pêutico parecem ter sido, entre outros, per- teorias queer e das novas correntes filosóficas
mitir-lhe alinhavar fantasisticamente uma de viés desconstrutivistas e de pensamento
imagem corporal integrada, viabilizadora complexo, a própria psicanálise pode, enfim,
de seu modo próprio de gozar; o fortale- reabilitar como válida a pensabilidade pro-
cimento de um espaço egoico de onde ele posta no modo de atuação do processo pri-
pode enunciar um modo singular de ser, mário, onde as diferenças não são oponíveis,
permitindo que seus conflitos intrapsíqui- disjuntivas ou mutuamente excludentes,
cos e intersubjetivos se tornem gradativa- mas, ao contrário, onde se realizam conjun-
mente menos ameaçadores e, ainda, o re- ções díspares, amigas da complexidade dos
curso a algumas formas bastante peculiares paradoxos.
de sublimação. Esse é o “raciocínio” da pulsão, essa “a lei
Entre os muitos conceitos da psicanálise dos objetos parciais” para os quais
que sua corporeidade e atividade sexual nos
convidam proficuamente a revisitar estão [...] nada falta, nada pode ser definido como
certamente o caráter perverso-polimorfo da falta, e as disjunções no inconsciente nunca
sexualidade humana; os conceitos de pulsões são exclusivas, mas objeto de um uso propria-
parciais e relações de objeto; o autoerotismo; mente inclusivo que é preciso analisar (Pei-
o narcisismo; a bissexualidade psíquica cons- xoto Jr., 2010, p. 28).
titucional do ser humano (ou as “N” sexuali-
dades de Deleuze); a imagem (inconsciente) Para Jô Gondar (2014), “[...] as teorias
do corpo, nesta incluindo-se a montagem queer denunciam a contingência histórica
fantasística da corporeidade assim como as da redução binária das sexualidades”, o que
repercussões das modificações corporais nas configura uma importante contribuição para
posições fantasísticas que subjazem ao gozo a psicanálise e para a cultura.
e, como vimos, até mesmo o conceito de su- Em contrapartida, a psicanálise também
blimação. teria uma contribuição a fazer, a saber, lem-
Patrícia Porchat (2014) nos exorta a que, brar da dimensão trágica de cada modo de
se a psicanálise pretende exercer sua voca- sexuação: “[...] binária ou múltipla, sexuali-
ção subversiva, é preciso repensar a teoria de dade é conturbação [...], um território de im-
modo que passe e uma questão em aberto” (Gondar,
2014 p. 65). A cada um, portanto, o preço
[...] as posições de sexuação não reproduzam inafiançável de ser si mesmo.
os gêneros existentes em sua maneira clássica, Se caberia a cada um “[...] encontrar os ca-
espelhos do dimorfismo sexual. Mesmo por- minhos de seu desejo e seus modos próprios
que a psicanálise não tem que reproduzir o de situar-se quanto ao sexo” (Gondar, 2014,
discurso da maioria e, sim, permitir o discur- p. 66), Buck Angel parece ter encontrado os
so do singular (Porchat, 2014, p. 134). seus. Mais do que isso, parece ter compreen-
dido que a vida se trata de percurso, mais do
Adaptando o que Marco Antonio que de pontos de chegada. Coloca-se do lado
Coutinho Jorge disse a respeito da luta pela do devir, ao enunciar que a transição é um
despatologização das homossexualidades, processo permanente, tal como a vida: um
podemos consentir que também a(s) transe- fluxo dinâmico e contínuo. Põe-se em mar-
xualidade(s) é/são “subversiva(s), pois mani- cha e transita pelas múltiplas potências dos
festa(m), em ato, a existência no ser falante espaços possíveis e nos leva a passeio pelas
de uma liberdade absoluta em relação ao na- possibilidades tantas de inexplorados espa-
tural” (Jorge, 2013, p. 24). ços potenciais.

108 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017


Roberta de Oliveira Mendes

Abstract BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e


The present article reflects on sex, gender and subversão da identidade. Tradução de Renato
Aguiar. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização
transexuality in light of psychoanalytical and Brasileira, 2015.
queer theories, based on Buck Angel’s personal
narratives and bodyness, insofar as made pu- BUTLER, J. Undoing Gender. New York: Routledge,
blic by Dan Hunt’s documentary “Mr. Angel”. 2004.
Moreover, the article addresses the inscription
CECCARELLI, P. R. Transexualidades. 2. ed. São
of “PerVert”, that the said transexual activist
Paulo: Casa do Psicólogo, 2013.
displays in a tattoo, rediscovering the subver-
sive vocation and the immanent creativity of COSSI, R. K. Corpo em obra: contribuições para a clí-
the infantile polymorphic-perverse sexuality nica psicanalítica do transexualismo. São Paulo: nVer-
as well as that of the bissexual matrix of the sos, 2011.
psyche.
FERRAZ, F. C. Perversão. 6. ed. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2015.
Keywords: Transexuality, Gender iden-
tity, Psychoanalysis and queer theories, FREUD, S. A cisão do eu no processo de defesa. In:
Polymorphic-perverse sexuality, Psychical bis- ______. Compêndio de psicanálise e outros escritos
sexuality. inacabados. Tradução de Pedro Heliodoro Tavares.
Belo Horizonte: Autêntica, 2014. p. 199-204. (Obras
incompletas de Sigmund Freud, 3).

FREUD, S. Fetichismo (1927). In: ______. Neurose,


Referências psicose, perversão. Tradução de Maria Rita
Salzano Moraes. Belo Horizonte: Autêntica.
2016. p. 315-325. (Obras incompletas de
ANGEL, B. “Minha vagina é poderosa”, diz ho- Sigmund Freud, 5).
mem trans ativista. Entrevista concedida a Marsilea
Gombat. In: Carta Capital (Online). Disponível em: FREUD, S. O problema econômico do masoquis-
<https://www.cartacapital.com.br/sociedade/201cmi- mo (1924). In: ______. Neurose, psicose, perver-
nha-vagina-e-poderosa201d-diz-ativista-trans-2278. são. Tradução de Maria Rita Salzano Moraes. Belo
html>. Acesso em: 20 ago. 2015. Horizonte: Autêntica, 2016. p. 287-304. (Obras in-
completas de Sigmund Freud, 5).
ANGEL, B. Sou um cara e tenho uma vagina #72 TRIP
TV, produzido por TRIP TV. Disponível em <https:// FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade
youtu.be/WqbsokLZguQ>. Acesso em: 3 dez. 2016. (1905). In: ______. Um caso de histeria, três ensaios
sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos (1901-
ARÁN, M. A Transexualidade e a gramática norma- 1905). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão.
tiva do sistema sexo-gênero. Ágora, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 119-229. (Edição stan-
v. IX, n. 1, p. 49-63, jan.-jun./ 2006. Publicação do dard brasileira das obras psicológicas completas de
Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicológica Sigmund Freud, 7).
do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). GONDAR, J. Sexualidades: fronteiras, limites, limia-
res. Cadernos de Psicanálise CPRJ, Rio de Janeiro, v.
ARÁN, M. O avesso do avesso: feminilidade e novas 36, n. 31, p. 51-68, jul.-dez./2014.
formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Garamond,
2006. HUNT, D. Mr. Angel (documentário biográfico).
Direção: Dan Hunt. 1h10min, colorido, 2013.
BIRMAN, J. Cartografias do feminino. São Paulo:
Editora 34, 1999. JORGE, M. A. C. O real e o sexual: do inominável
ao pré-conceito. In: QUINET, A.; JORGE, M. A. C.
BONNET, G. A roda gira. Tradução de Paulo Roberto (Org.). As homossexualidades na psicanálise: na his-
Ceccarelli. In: CECCARELLI, P. R. (Org.). Diferenças tória de sua despatologização. São Paulo: Segmento
sexuais. São Paulo: Escuta, 1999. p. 27-51. Farma, 2013.

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017 109


Buck Angel, transexualidade e gênero– algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel

LAPLANCHE, J.; Pontalis, J. B. Vocabulário de psica- ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicaná-
nálise Laplanche e Pontalis. Tradução de Pedro Tamen. lise. E-book. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
SALIH, S. Judith Butler e a teoria queer. Tradução
LAPLANCHE, J. Sexual: a sexualidade ampliada no e notas de Guacira Lopes Louro. Belo Horizonte:
sentido freudiano. 2000-2006. Tradução de Vanise Autêntica, 2015.
Dresch e Marcelo Marques. Porto Alegre: Dublinense,
2015. STOLLER, R. J. A experiência transexual. Tradução de
Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1982.
MCDOUGALL, J. As múltiplas faces de eros: uma
exploração psicoanalítica da sexualidade humana. STOLLER, R. J. Masculinidade e feminilidade: apre-
Tradução de Pedro Henrique Bernardo Rondon. São sentações do gênero. Tradução de Maria Adriana
Paulo: Martins Fontes, 2001. Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas,
1993.
MCDOUGALL, J. Teoria sexual e psicanálise.
Tradução de Carmen Lucia Villaça de Cerqueira WINNICOTT, D. W. Distorção do ego em termos de
Cesar. In: CECCARELLI, P. R. (Org.). Diferenças se- falso e verdadeiro self (1960). In: ______. O ambien-
xuais. São Paulo: Escuta, 1999. p. 11-25. te e os processos de maturação: estudos sobre a teoria
do desenvolvimento emocional. Tradução de Irineo
MILLOT, C. Extrassexo: ensaio sobre o transexualis- Constantino Schich Ortiz. Porto Alegre: Artmed,
mo. Tradução de Maria Celeste Marcondes e Nelson 1983, p. 128-139.
Luis Barbosa. São Paulo: Escuta, 1992.

PEIXOTO JR. C. A. A multiplicidade sexual das má- Recebido em: 10/04/2017


quinas desejantes e seus destinos. In: PRATA, M. R. Aprovado em: 18/05/2017
(Org.). Sexualidades. Rio de Janeiro: Contra Capa,
2010. p. 27-46.
Sobre a autora
PERSON, E. S.; OVESEY, L. Teorias psicanalíticas de
identidade de gênero. Tradução de Monica Seincman Roberta de Oliveira Mendes
e Eduardo Seincman. In: CECCARELLI, P. R. (Org.). Advogada e bacharel em direito
Diferenças sexuais. São Paulo: Escuta, 1999, p. 121- pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
150. Mestre em Direito de Integração Europeu
(Magister des Europäischen Rechts, Legum Magister
PORCHAT, P. psicanálise e transexualismo: des- – LL.M.Eur.) pela Universidade de Würzburg,
construindo gêneros e patologias com Judith Butler. Alemanha.
Curitiba: Juruá, 2014. Psicanalista e membro efetivo do Círculo Brasileiro
de Psicanálise - Seção Rio de Janeiro (CBP-RJ).
PRECIADO, B. Multidões queer: notas para uma Integrante do Grupo de Trabalho de Neo
política dos anormais. Tradução de Cleiton Zóia e Transexualidades (GTNTrans) do CBP-RJ.
Münchow e Viviane Teixeira Silveira. Estudos
Feministas, Florianópolis, 19 (1), 312, p. 11-20, jan. Endereço para correspondência
-abr. 2011.
E-mail: <rmendes.psi@gmail.com>
PRECIADO, B. Manifesto contrassexual: práticas
subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria
Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 Edições, 2014.

RAMSEY, G. Transexuais: perguntas e respostas.


Tradução de Rafael Azize. São Paulo: Summus, 1998.

RIBEIRO, P. C. et al. Imitação: seu lugar na psicanálise.


São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

ROGAN, J. Experience #399 Buck Angel. <https://you-


tu.be/vFe1xEGtpjA>. Acesso em: 03 dez. 2016.

110 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 47 | p. 91–110 | julho/2017

Você também pode gostar