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do-dia-a-dia

Publicado em NOVA ESCOLA 27 de Setembro | 2018

Pesquisa Aplicada

Modelagem matemática: a
Matemática do dia a dia
Utilizar situações-problema com os alunos ajuda a engajá-los nas aulas da
disciplina
Jonei Cerqueira Barbosa

Foto: Ernanette Carolino/Unsplash

Onde vou usar isso? Esta é uma pergunta frequente dos alunos da educação básica aos professores de
Matemática. É um sintoma de que o ensino da disciplina não tem abordado situações de fora da
escola, do cotidiano do aluno. Por vezes, restringe-se a exercícios altamente estruturados e artificiais,
que só existem no mundo escolar e, por isso, geram o questionamento de onde aquele conhecimento
será utilizado.

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Nas diversas esferas da vida social, no entanto, há muitos debates baseados em argumentos
matemáticos, como sobre o impacto do aumento do preço dos combustíveis, reforma da previdência,
carga tributária, impactos ambientais, sistema eleitoral, controle de epidemias, etc. Os cidadãos são
demandados a se engajarem em tais debates públicos, bem como precisam tomar decisões baseadas
em matemática em suas vidas privadas e/ou profissionais a todo momento.

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aprendizagem
Portanto, se o objetivo da educação básica é assegurar a formação indispensável para o exercício da
cidadania, as aulas de Matemática devem também abordar as situações não-matemáticas , expressão
que aqui utilizo para designar aquelas que pertencem originalmente ao dia a dia, às demais ciências ou
ao mundo do trabalho. É o que, na literatura da Educação Matemática, é comumente chamado de
modelagem matemática, em analogia ao método dos matemáticos aplicados: a partir de um problema
complexo, constrói-se uma representação matemática (modelo matemático) e gera-se uma solução.

Vou ilustrar o que digo com um exemplo prático de sala de aula. Há algum tempo, diante de um novo
aumento na tarifa do transporte público municipal na cidade de Salvador, Bahia, uma professora do 1o
ano do Ensino Médio propôs aos alunos que determinassem o impacto do novo valor. Foi distribuída
uma cópia de uma reportagem de jornal sobre o tema, na qual constavam o preço anterior e o novo.
Fez-se uma pequena discussão a partir da leitura do texto jornalístico, detalhando o problema. Depois
disso, os alunos foram organizados em grupos para tentar resolver a questão apresentada.

Os alunos tinham que assumir hipóteses sobre a receita das famílias, o número de pessoas que utiliza
o transporte público, a frequência de uso, etc. Como os alunos estavam organizados em diferentes
grupos, eles assumiram diferentes hipóteses e utilizaram diferentes conhecimento matemáticos, o
que, por sua vez, geraram diferentes soluções. “E, agora, qual é a resposta?”, perguntou a professora.
Os alunos foram à lousa confrontar suas soluções e acabaram se engajando em uma discussão sobre
o porquê das diferentes respostas.

Quando se usa modelagem matemática, podemos encontrar diferentes soluções válidas, ainda que
possamos discutir quais delas são mais ou menos úteis. Isso ocorre porque a situação-problema é
aberta, levando os alunos a assumirem hipóteses, bem como quais conhecimentos matemáticos serão
mobilizados para construir o modelo. Portanto, as soluções matemáticas dependem do processo de
modelagem matemática.

No exemplo de aula acima, os alunos puderam se engajar em discussões sobre a relação entre as
hipóteses, os conhecimentos matemáticos mobilizados e as soluções. Trata-se do que chamo de
discussões reflexivas. Para elas ocorrerem, é fundamental que as situações-problema sejam abertas,
demandando, assim, dos estudantes (preferencialmente organizados em grupos) o estabelecimento de
hipóteses. É provável que apareçam diferentes soluções, o que leva à necessidade de examinar e
discutir como foram produzidas.

Usando problemas

Um aspecto central da modelagem matemática é a utilização de problemas. Diferentemente dos


exercícios, são situações para as quais os alunos não possuem exemplos dados por uma exposição
prévia. O início da aula não é uma exposição de conteúdo, mas é a apresentação do problema novo, o
qual os alunos tentarão resolver com suas próprias estratégias. Depois do trabalho em grupo, da
socialização na lousa e da sistematização do professor, este pode aproveitar-se das ideias matemáticas
mobilizadas para introduzir ou formalizar um novo conceito ou procedimento matemático.

Os problemas podem ter várias origens. As matérias de jornais são boas fontes, pois apresentam
assuntos atuais que repercutem na sociedade (como é o caso do aumento na tarifa do transporte
coletivo). É possível também que seja uma situação do dia a dia dos alunos, do bairro, etc, de outras
disciplinas (Ciências Naturais, por exemplo) ou das profissões. Uma boa ideia é fazer uma parceria com
os professores das outras disciplinas e, assim, identificar situações nas outras áreas do conhecimento
que se utilizam da matemática.

O mais importante é que os problemas sejam do interesse dos alunos. Como nos lembra o
pesquisador Ole Skovsmose, sem interesse, não há aprendizagem. Por isso, além do próprio professor
levar a situação-problema para a sala de aula, pode-se pedir que os alunos decidam que tema querem
estudar. Neste caso, modelagem matemática organiza-se como um trabalho de projeto. Eles escolhem
os temas, levantam informações e formulam seus próprios problemas.

Seja qual for a duração, a modelagem matemática responde às interrogações dos alunos sobre os usos
da matemática na sociedade. Isto não quer dizer que devemos reduzir o currículo da disciplina
somente a tópicos com aplicações fora da escola. Porém, se o nosso objetivo é fomentar a cidadania,
não podemos prescindir das situações-problema não-matemáticas nas aulas de Matemática. Em vez de
educar para a Matemática, modelagem matemática é uma forma de educar pela Matemática.

Para saber mais:


BARBOSA, J. C. Integrando modelagem matemática nas práticas pedagógicas. Educação Matemática
em Revista (São Paulo), v. 26, p. 17-25, 2009. Disponível em
http://www.sbem.com.br/revista/index.php/emr/article/view/5

*Jonei Cerqueira Barbosa é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da


Bahia (UFBA), onde desenvolve projetos de pesquisa e orienta iniciação científica, mestrado,
doutorado e pós-doutorado na área de Educação Matemática. Também é Pesquisador
Produtividade do CNPq.

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