Você está na página 1de 132

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN

SUPERINTENDÊNCIA DO PIAUÍ

Cidades do Piauí testemunhas da ocupação


do interior do Brasil durante o século XVIII
Conjunto Histórico e Paisagístico de Oeiras: dossiê de tombamento

Coordenação: Murilo Cunha Ferreira

Teresina(PI), dezembro de 2009


Cidades do Piauí testemunhas da ocupação
do interior do Brasil durante o século XVIII
Conjunto Histórico e Paisagístico de Oeiras: dossiê de tombamento

Dossiê para instrução do processo de tombamento federal


do conjunto histórico e paisagístico da cidade de
Oeiras(PI), elaborado no âmbito da Superintendência do
IPHAN no Piauí conforme determinações da Portaria nº
11/1986-IPHAN , a ser submetido à apreciação do Conselho
Consultivo do IPHAN para inscrição nos livros de tombo
do patrimônio histórico e artístico nacional.

Teresina(PI), dezembro de 2009


2
República Federativa do Brasil
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Ministério da Cultura
Ministro João Luiz Silva Ferreira

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN


Presidente Luiz Fernando de Almeida

Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização - DEPAM


Diretor Dalmo Vieira Filho

Departamento de Patrimônio Imaterial - DPI


Diretora Márcia Genésia Sant’Anna

Departamento de Articulação e Fomento - DAF


Diretora Márcia Helena Gonçalves Rollemberg

Departamento de Planejamento e Administração - DPA


Diretora Maria Emília Nascimento Santos

Coordenação-Geral de Pesquisa, Documentação e Referência – COPEDOC


Coordenadora Lia Mota

Superintendência do IPHAN no Piauí


Superintendente Diva Maria Freire Figueiredo

Divisão Técnica IPHAN – PI


Chefe Claudiana Cruz dos Anjos

Divisão Administrativa IPHAN – PI


Chefe Delite Nepomuceno da Fonseca

Superintendência do IPHAN no Piauí


Praça Marechal Deodoro, 790 – Centro
64.000-160 – Teresina – PI
Tel. / Fax: (86) 3221-1404 / 3221-5538
19sr@iphan.gov.br

3
EQUIPE TÉCNICA
Elaboração do dossiê de tombamento

Coordenação, pesquisa histórica, ilustrações e texto


Murilo Cunha Ferreira
Arquiteto e Urbanista – IPHAN-PI

Levantamento urbanístico
Claudiana Cruz dos Anjos
Arquiteta e Urbanista – IPHAN-PI

Anna Eliza Finger


Arquiteta e Urbanista - DEPAM / IPHAN

Elane Lopes Coutinho


Felipe Duarte Lopes
Estagiários de Arquitetura – IPHAN-PI

Colaboração
Ricardo Augusto Pereira
Historiador – IPHAN-PI

Diógenes Willame Boaventura Cunha (in memorian)


Estudante de História - UESPI

Fabíola Nunes Brasilino


Franceli Mariano de Moura
Estagiárias de Biblioteconomia – IPHAN-PI

Supervisão e revisão final


Diva Maria Freire Figueiredo
Arquiteta e Urbanista – IPHAN-PI

Agradecimentos
Antônio Reinaldo Soares Filho
Carlos Rubem Campos Reis
Clóvis Ramiro Jucá Neto
Francisco Rêgo
Lúcia Vanda

4
LISTA DE FIGURAS
001- Localização do município de Oeiras. 15
002- “Nova et accurata Brasiliae totius tabula”. BLAEU, Joan. 1640. 16
003- Rotas de expansão da pecuária no Nordeste e vilas fundadas até meados do século XVIII. 18
004- Óleo sobre tela de autoria de Zuleika Tapety, com a reconstituição de como seria a
arquitetura da residência jesuítica da fazenda de gado de Brejo de Santo Inácio, a cerca
de 12 léguas de Oeiras, provavelmente a principal das três que foram construídas no
início do século XVIII. 22
005- Logística de comercialização da pecuária piauiense e seus mercados consumidores – 1750-1825. 25
006- Principais vias terrestres de comunicação da pecuária piauiense / nordestina. 27
007- Linha cronológica das grandes secas do Nordeste nos séculos XVIII e XIX. 30
008- Croqui da vila do Aracati, evidenciando o núcleo original da povoação do Porto dos Barcos e
o sítio Cruz das Almas, escolhido para demarcação da praça e ereção do pelourinho em ocasião
da instalação da vila em 1748, que foi preterido em razão da permanência da população no núcleo
original. Em 1780, um novo pelourinho foi erigido defronte à Casa de Câmara e Cadeia, entre a
Rua Grande e a Rua do Comércio, razão pela qual a cidade não tem hoje uma praça principal. 41
009- Croqui de trecho do delta do rio Parnaíba, evidenciando o núcleo original da povoação do Porto
das Barcas (ou Feitoria) e a localidade chamada Testa Branca, escolhida pelo Governador da
Capitania para demarcação da praça e ereção do pelourinho em ocasião da instalação da vila
de São João da Parnaíba em 1762, sendo abandonada no ano de 1770 por conta da recusa da
população local em transferir-se para a nova localidade, distante cerca de 1 légua das oficinas de
charque e do atracadouro dos barcos. 41
010- Mapa das freguesias da Capitania do Piauí no século XVIII. Localização dos povoados-
sedes das igrejas matrizes elevados a vilas no ano de 1762, evidenciando as vilas de São João
da Parnaíba e de Valença como exceção, em virtude da opção por outro povoado para fixação
do pelourinho e prédios públicos que não a cabeça da freguesia. 43
011- “Carta Geografica da Capitania do Piauhi, e parte das adjacentes – Levantada em 1761 por João Antonio Galuci”. 46
012- Conformação atual da Praça das Vitórias. 49
013- Mapa Político do Brasil em 1823. Em destaque o local preconizado por Varnhagen para
sediar a capital do Império, bem próximo ao atual Distrito Federal. 56
014- Pormenor da Planta da Cidade de Oeiras de 1809, com a vista do bairro do Rosário. Além
do casario, estão representados a fonte do governador, a capela dos passos, o palácio e a
igreja, à época sem torre e com alpendres laterais à nave. 61
015- Livre reconstituição da arquitetura do conjunto de hospício e capela dos jesuítas em Oeiras,
com base na vista da cidade datada de 1809. Óleo sobre tela de autoria de Zuleika Tapety. 61
016- “Oeyras do Piauhi”. Autoria desconhecida, fins do século XVIII. 64
017- Livre reconstituição do chafariz, mandado construir pelo Governador Burlamaqui num
olho d’água do Riacho da Pouca Vergonha, com base na vista da cidade datada de 1809.
Óleo sobre tela de autoria de Zuleika Tapety. 66
018- Pormenor da Planta da Cidade de Oeiras de 1809, mostrando um sítio nas cercanias da colina
do Rosário, às margens do Riacho da Môcha. A propriedade suburbana tem casa com planta
em ‘U’, roças e uma roda d’água. 66
mo. or.
019- “Planta da Cidade de Oeiras da Capª de S. Ioze do Piauhy, que presidiu o Il Senhor G Carlos Cezar
Burlamaqui, por Joze Pedro Cezar de Menezes, no anno de 1809 – Vista da parte de Oeste”. Editada pela
19ªSR/IPHAN. 67
020- Tipologia arquitetônica das casas de moradia no Piauí, inventariadas por Paulo Thedim Barreto
na década de 1930. 69

5
021- Mapa interpretativo da formação do desenho urbano de Oeiras, a partir da geografia local e dos
acessos à estradas coloniais. 70
022- Praça das Vitórias na década de 1930. Ao lado da igreja, as ruínas da antiga Intendência
Municipal, originalmente Casa de Câmara e Cadeia, e o casario hoje parcialmente demolido. 72
023- Livre reconstituição da mesma edificação. Óleo sobre tela de autoria de Zuleika Tapety. 72
024- Vista vôo de pássaro da Praça da Bandeira (Passeio Público) na década de 1950, arborizada
com ficus benjamin. 75
025- Mercado de Carnes em estilo art-decó na Rua Jesuíno Moura. 75
026- Grupo Escolar Costa Alvarenga, inaugurado na década de 1940. 75
027- Antigo edifício do Posto de Saúde, localizado na Praça da Bandeira, completamente descaracterizado
no ano de 2002 com a construção de um segundo pavimento para abrigar a Câmara Municipal. 75
028- Posto de Puericultura, que se encontra atualmente bastante deteriorado. 75
029- Antigo edifício da Prefeitura Municipal de Oeiras. 75
030- Perspectiva a vôo de pássaro do centro histórico de Oeiras em primeiro plano e ao fundo o
contraste do traçado com a expansão da mancha urbana na segunda metade do século XX. 76
031- Perspectiva a vôo de pássaro da zona leste, próxima ao Morro do Leme, mostrando o loteamento
em xadrez implantado na segunda metade do século XX, revelando um desenho urbano ausente
de vitalidade e de particularidade. 77
032- Praça Visconde da Parnaíba vista da Rua Getúlio Vargas no início da década de 1970. 79
033- Praça Visconde da Parnaíba vista de cima da torre da Igreja de N.S. das Vitórias. 79
034- Praça Visconde da Parnaíba vista da Rua Cel. Mundico Sá no início da década de 1970. 79
035- Mercado público municipal em dia de feira com a praça repleta de jumentos e mulas, que traziam
os produtos rurais para comercialização na cidade. 79
036- Praça das Vitórias como palco de apresentação cívica de estudantes, com a platéia no adro da
igreja na década de 1930. 79
037- Comemorações da população local na Praça das Vitórias por conta da inauguração da luz
elétrica em 1937. 79
038- Igreja das Vitórias e Sobrado João Nepomuceno na década de 1930. 80
039- Praça das Vitórias na sua reforma do início da década de 1970, tendo ao fundo a Casa das
12 Janelas antes de ser mutilado para alargamento de uma rua. 80
040- Praça das Vitórias com o enquadramento da Rua Dr. Isaac Sérvio na década de 1970. Ao centro
a Casa das Armas, arruinada por abandono no final da década de 1980, que possivelmente foi a
sede do Senado da Câmara, que consta na vista da cidade do final do século XVIII. 80
041- Grande aglomeração na Rua Cônego João para testemunhar a inauguração da Usina Elétrica
no ano de 1937. 81
042- Praça das Vitórias vista da sacada do Solar dos Ferraz em treinamento militar no início da
década de 1970. 81
043- Início da demolição de parte da Casa das 12 Janelas, acontecida em 1972, para alargamento do
antigo Beco de Antônio Gentil, com a justificativa de permitir a passagem de caminhões para a
estrada de ligação ao município de Simplício Mendes. 81
044- Sobrado João Nepomuceno na década de 1930. A Praça das Vitórias ainda permanecia um
areal sem pavimentação. 81
045- Igreja de N. S. da Vitórias, com adro, cruzeiro e jardim lateral em fotografia de 1937. No canto
inferior direito é possível identificar uma parte da ruína da Casa de Câmara e Cadeia. 81
046- Vista lateral da Igreja após a demolição da Casa de Câmara e Cadeia e anterior à construção do
Cine-Teatro em 1940. 81

6
047- Sobrado João Nepomuceno na década de 1930, com grupo de professores e alunos. 82
048- Casa eclética de porão alto, com entrada por alpendre lateral e janelas com arcos ogivais.
Localizada aos fundos da Igreja das Vitórias, com frente para a Praça da Bandeira, demolida
na década de 1980. 82
049- Capela dos Passos da Paixão no bairro do Rosário. Ao fundo a Igreja de N. S. do Rosário.
Fotografia provavelmente tirada na década de 1940. 82
050- Casa da Pólvora em fotografia da década de 1940, ainda sem ocupação urbana no seu entorno. 82
051- Rua Tibério Burlamaqui e ao fundo a Casa do Cônego em fotografia de 1983. 82
052- Rua Coelho Rodrigues em fotografia de 1987. Ao lado esquerdo a Casa do Passo de Dona
Lindoca, que ruiu quase por completo na década de 1990. 82
053- Rua Cônego João, onde outrora funcionou a Usina Elétrica, em registro fotográfico de 1987. 83
054- A rua Cônego João no mesmo ângulo em 2008. 83
055- Casa térrea de beira-e-sobeira de três frentes na Rua Getúlio Vargas, entre as ruas Cel. Luiz Rego
e José Sérvio, em registro fotográfico de 1987. 83
056- A rua Getúlio Vargas no mesmo ângulo em 2008. Ao lado direito a casa conhecida por Pensão
Portela, hoje arruinada parcialmente com risco de desaparecimento. 83
057- Casario colonial na Rua Dr. Isaac Sérvio na Praça da Bandeira, em parte em ruínas, em parte
com as fachadas modificadas para o estilo art-decó, em registro fotográfico de 1987. 83
058- A rua Dr. Isaac Sérvio no mesmo ângulo em 2008, em que se nota a demolição total e
substituição por novas edificações de três imóveis. 83
059- Vista norte do conjunto histórico e paisagístico de Oeiras. 85
060- Vista sudeste do conjunto histórico e paisagístico de Oeiras. 86
061- Vista leste do conjunto histórico e paisagístico de Oeiras. 87
062- Perspectiva a vôo de pássaro do bairro do Rosário. 88
063- Quebras de percursos no centro histórico: 1. Trav. Floriano Peixoto; 2. R. Tibério Burlamaqui;
3. idem; R. Coelho Rodrigues; 5. R. Cel. Luiz Rego; 6. R. Manoel Rodrigues; 7. R. Clodoaldo
Freitas; 8. idem; 9. R. Isaac Sérvio. 89
064- Planta de evolução construtiva da Igreja das Vitórias. 91
065- Planta de evolução construtiva da Igreja do Rosário. 91
066- Igreja das Vitórias – Oeiras/PI; Igreja do Rosário – Oeiras/PI; Igreja de Santo Antônio –
Jerumenha/PI; Igreja dos Santos Cosme e Damião – Igarassu/PE. 92
067- Igreja da Conceição frontaria e implantação. 93
068- As cinco capelas dos passos do Bom Jesus. 94
069- Muro da parte mais antiga, túmulos e a capela do cemitério. 95
070- Vista da Cadeia Antiga, atual Prefeitura Municipal. 95
071- Plantas e corte do Sobrado João Nepomuceno, atual Museu de Arte Sacra de Oeiras. 96
072- Fachadas anterior e lateral do Museu de Arte Sacra de Oeiras. 97
073- Sobrado Major Selemérico fachadas e implantação. 98
074- Sobrado Major Selemérico pátio interno avarandado da edificação. 98
075- Elevação da ponte sobre o Riacho da Môcha. 98
076- Ponte Grande – visão geral e detalhe da abóbada, alicerçada em blocos de pedra. 99
077- Casa da Pólvora em estado de abandono na década de 1970. 99
078- Casa da Pólvora em fotografia atual. 99

7
079- Grupo Escolar Costa Alvarenga. 100
080- Antigo Ginásio Municipal Oeirense. 100
081- Cine-Teatro de Oeiras vista aérea e fachada principal. 101
082- Mercado Público – vista aérea. 101
083- Alpendre típico de uma casa oeirense, o espaço de convívio da residência, cujo telhado se
prolonga numa leve inclinação, criando uma sombra ventilada. 102
084- Casa do Visconde da Parnaíba. Construída provavelmente no fim do século XVIII. Durante o
segundo quartel do século XIX funcionou também como palácio de despachos do presidente
da província. Na década de 1930 ganhou platibandas, posteriormente retiradas. Encontra-se
descaracterizada. Tombada como patrimônio histórico do Estado do Piauí em 1986. 103
085- Casa do Cônego. Um dos melhores e mais íntegros exemplares da arquitetura urbana tradicional
piauiense. Encontra-se em bom estado, sendo adaptada para o uso de hospedagem. Tombada
como patrimônio histórico do Estado do Piauí em 1986. 103
086- Casa das 12 Janelas na Praça das Vitórias. 103
087- Pensão Portela na Rua Getúlio Vargas. Casa de tríplice beira com platibanda, onde funcionou
o principal hotel da cidade nos anos 1950. Encontra-se em estado de arruinamento. 103
088- Casa de residência à Rua Cel. Luiz Rego, 46. 103
089- Casa de residência à Rua Cel. Luiz Rego, 61. 103
090- Casa de residência e comércio na esquina das ruas Coelho Rodrigues e Tibério Burlamaqui. O uso
comercial é voltado para a esquina, enquanto o uso residencial segue a tipologia da morada inteira. 104
091- Casa de residência e comércio à Praça Orlando de Carvalho. Exemplar do fim do século XIX,
onde já se percebe a influência dos códigos urbanísticos sobre a arquitetura tradicional. 104
092- Casa do Canela. Casa de fazenda característica do Piauí, construída na segunda metade do
século XIX e incorporada ao perímetro urbano de Oeiras. Tombada como patrimônio histórico
do Estado do Piauí em 2006. 104
093- Madeiramento em carnaúba da Casa do Canela, com solução original de travessa com dois
troncos para sustentar pontalete. 104
094- Alvenaria de sistema misto de adobe e taipa-de-mão, onde troncos de carnaúba são usadas
como esteios. Casa arruinada à Rua Getúlio Vargas. 104
095- Tesoura tipo canga-de-porco, com caibros de carnaúba à Praça das Vitórias. 104
096- Saída da procissão do adro da Igreja de N.S. do Rosário com o estandarte à frente. 107
097- Chegada da imagem do Bom Jesus dos Passos à Praça das Vitórias. 107
098- Canto da Maria Beú na parada em uma das capelas dos passos. 108
099- Chegada no Passo de Dona Filoca ao lado do Sobrado Major Selemérico. 108
100- Roteiro da Procissão de Bom Jesus dos Passos, no centro histórico de Oeiras. 108
101- Lamparina a querosene típica da Procissão do Fogaréu em Oeiras, fabricada artesanalmente
com bulbo de lâmpada incandescente e folhas de zinco. 110
102- Procissão do Fogaréu em passagem pela Catedral. 111
103- Procissão do Fogaréu, composta exclusivamente por homens. 111
104- Descida da imagem do Senhor Morto pelos “discípulos” para a procissão na Sexta-Feira da Paixão. 111
105- Saída da Procissão do Divino no adro da Igreja das Vitórias. 112
106- Dança dos Congos de Oeiras, com os congueiros perfilados e o ‘Rei de Congo’ abrindo a
apresentação no Largo do Rosário. 114
107- Bailado dos congueiros. 114
108- Chegada do ‘Embaixador’. 115
8
109- Luta de espadas entre o ‘Embaixador’ e o ‘Ordenança’. 115
110- Desfile dos vaqueiros pela Praça das Vitórias na década de 1970. 115
111- Continuação do desfile, onde é representado o transporte de um senhor numa liteira por
um escravo, como era o costume nas viagens pelo sertão nos tempos da Colônia. 116
112- ‘Pé de Deus’ e cruz de pedra lavrada colocada no local em ano desconhecido. 116
113- ‘Pé de Deus’ e ao lado o monte de pedras cobrindo o ‘Pé do Cão’. 117
114- Aspecto atual do sítio arqueológico em fotografia de 2007. 117
115- Mapa do conjunto histórico e arquitetônico de Oeiras, com a demarcação das poligonais de
proteção rigorosa e de entorno da proposta para o tombamento federal. 121

LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Evolução Demográfica do Piauí: 1697 – 1797 29
Quadro 2 - Distribuição da População por Freguesia: Zonas Urbana e Rural – 1762 29
Quadro 3 - Distribuição da População por Distrito: Zonas Urbana e Rural – 1772 29
Quadro 4 - Distribuição da População Livre e Escrava por Freguesia – 1797 29
Quadro 5 - Evolução tipológica da urbanística portuguesa (séc. XIII a XVIII) 34
Quadro 6 - Roteiro do Gov. João Pereira Caldas na implantação das vilas piauienses em 1762 42
Quadro 7 - Cronologia das Cidades coloniais 44
Quadro 8 - Edificações de função pública listadas na planta de 1809 68
Quadro 9 - Nomes atuais e antigos dos logradouros de Oeiras 73

9
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................. 11

O MUNICÍPIO DE OEIRAS ............................................................................................................... 13

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ............................................................................................ 16

Antecedentes ................................................................................................................................ 16

Povoamento e expansão da pecuária ........................................................................................ 18

A pecuária sertaneja: apogeu e decadência .............................................................................. 24

A política de controle e planejamento espacial na colonização do Piauí ............................ 32

A mudança da capital .................................................................................................................. 51

A decadência da cidade ............................................................................................................... 57

EVOLUÇÃO URBANA ......................................................................................................................... 59

Panorama urbano de Oeiras no século XX ............................................................................. 78

ANÁLISE ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA ......................................................................... 84

Espaço Urbano ............................................................................................................................ 84

Arquitetura .................................................................................................................................... 90

PATRIMÔNIO IMATERIAL ............................................................................................................. 105


JUSTIFICATIVA DA PROPOSTA DE TOMBAMENTO .......................................................... 118
DESCRIÇÃO DAS POLIGONAIS DE PROTEÇÃO .................................................................. 121

Poligonal de Tombamento ....................................................................................................... 122

Poligonal de entorno ................................................................................................................. 125

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 127

10
APRESENTAÇÃO

A cidade de Oeiras, antiga capital do Piauí, conserva ainda parte de seus monumentos e casario
do tempo colonial e início do Império, quando foi o centro político, administrativo, econômico e
religioso de extensa área do sertão nordestino, correspondente à bacia oriental do rio Parnaíba. O
estabelecimento da pecuária extensiva e a estratégia de assegurar a continuidade territorial da
América Portuguesa foram as razões de conquista e ocupação deste território pelo colonizador
europeu, subjugando as populações nativas que há muito tempo fizeram desta terra o seu habitat.

A despeito de tamanha importância histórica e cultural deste fato urbano, poucas ações foram
realmente levadas a cabo na preservação deste relevante documento-vivo da história do Brasil.

A manutenção de sua feição arquitetônica e urbanística tradicional, como foi edificada por nossos
antepassados se deve à estagnação econômica da cidade, que não sofreu as descaracterizações que
a urbanística moderna impôs aos sítios urbanos antigos com a remodelação viária e a especulação
imobiliária. Porém, pelo mesmo motivo, testemunhamos o arruinamento do seu casario pelo
abandono de seus proprietários e pela falta de atuação do poder público.

O primeiro reconhecimento nacional do conjunto arquitetônico de Oeiras veio com a visita do


arquiteto Paulo Thedim Barreto ao Estado do Piauí, representando o SPHAN em 1938. Nesta
ocasião, documentou a arquitetura rural e urbana tradicional piauiense e propôs os primeiros
tombamentos isolados, dos quais três deles se localizam na cidade: a Igreja de Nossa Senhora das
Vitórias, o Sobrado João Nepomuceno (atual Museu de Arte Sacra) e a Ponte Grande do Riacho
da Môcha.

Um hiato de quase quarenta anos separa os primeiros tombamentos isolados de um planejamento


mais consistente de salvaguarda do sítio histórico. Em 1976 foi elaborado o Plano de Preservação
A mbiental e Urbana de Oeiras, dentro do Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do
Nordeste – PCH-NE, no âmbito da Secretaria do Planejamento da Presidência da República. Este trabalho
tinha por objetivo principal traçar um planejamento municipal integrado, com ênfase na
preservação do tecido urbano histórico, criando condições para a sua exploração econômica.
Houve um extenso estudo multidisciplinar, que embasou a definição dos perímetros de proteção
rigorosa e de entorno da ambiência urbana e paisagística, a serem consideradas como áreas
especiais de preservação na legislação urbana municipal, assim como a proposição de
tombamento federal de algumas edificações de destaque. Lamentavelmente, o plano não teve

11
aplicação, em decorrência da extinção do contrato com a equipe técnica responsável e pela
inexistência de uma estrutura administrativa adequada na Prefeitura Municipal de Oeiras capaz de
desenvolver os instrumentos de gestão e controle urbanísticos, mesmo com os esforços
empreendidos por políticas públicas federais de descentralização e estímulo ao municipalismo.
De efeito prático, houve apenas as restaurações dos principais monumentos no início da década
de 1980, financiadas pelo Governo Federal.

Entretanto, o trabalho realizado pelo PCH-NE no Estado do Piauí teve como desdobramento o
despertar do poder público e da sociedade para uma ação preservacionista, mesmo que ainda
muito tímida, com a criação das primeiras estruturas burocráticas do campo do patrimônio
histórico, artístico e cultural. No âmbito federal, foi criado em 1984 o Escritório Técnico em
Teresina da Fundação Nacional Pró-Memória, vinculado à Coordenação Regional do Maranhão,
sediada em São Luís. Já no âmbito estadual, em 1981 foi criado o departamento de gestão do
patrimônio, vinculado à Fundação Cultural do Estado, assim como foi editada a primeira lei
estadual de proteção ao patrimônio cultural, regulamentando o tombamento estadual de imediato
de três edificações em Oeiras: o Sobrado dos Ferraz, o Sobrado Major Selemérico e a Casa do
Cônego.

É importante salientar a lenta transformação da cultura local: de completo alheamento até os


anos 1960 para um sentimento de pertença quanto ao patrimônio histórico-cultural edificado, a
partir das iniciativas do poder público, respeitante a acautelamentos, inventários e restaurações
arquitetônicas, que se iniciaram nos anos 1970/ 80 em Oeiras. Esta mudança do olhar foi
reforçada pela declaração da cidade como Monumento Nacional no ano de 1989 e, atualmente,
há uma percepção generalizada da população do município, assim como dos demais piauienses,
de que o Centro Histórico de Oeiras já é tombado como patrimônio cultural, mesmo que ainda
não tenha obtido este reconhecimento oficial.

Apenas recentemente, com a implantação da 19ª Superintendência Regional do IPHAN em 2005,


sediada em Teresina, é que foram criadas as condições para se iniciarem os processos de
tombamento das cidades históricas piauienses, sendo o Conjunto Histórico e Arquitetônico de
Parnaíba o primeiro a ter regulamentada a sua proteção, na reunião do Conselho Consultivo do
IPHAN em setembro de 2008. A tutela federal é necessária para frear o grave processo de
descaracterização arquitetônica e urbanística, pelo qual estes sítios urbanos históricos têm
passado nos últimos anos, com o risco de desaparecimento deste valioso patrimônio cultural,
impregnado de referenciais, memórias e celebrações das tradições do povo brasileiro.

12
O MUNICÍPIO DE OEIRAS

Datas: 02/03/1697 – criação da freguesia de N. S. das Vitórias


30/06/1712 – criação da Vila do Môcha
26/12/1717 – instalação da vila
24/09/1762 – elevação à categoria de Cidade
16/08/1852 – transferência da capital para Teresina

Área: 2.720 Km2

Limites: ao N orte Barra d’Alcântara, Tanque do Piauí, Novo Oriente do


Piauí e Santa Rosa do Piauí; ao Leste Inhuma, Ipiranga do Piauí,
São João da Varjota e Santa Cruz do Piauí; ao Sul São Francisco
do Piauí, Colônia do Piauí e Wall Ferraz; ao Oeste Santa Rosa do
Piauí, Nazaré do Piauí, São Francisco do Piauí e Cajazeiras do
Piauí.

Mesorregião: Sudeste Piauiense

Microrregião: Picos

Posição Geográfica: 07º 01’ 31” latitude sul


42º 07’ 52” longitude oeste

Distância de Teresina: 317 Km pelas rodovias BR-316 e BR-230.

Altitude: 166 m

Pluviometria Média: 922 mm / ano (principalmente de fevereiro a maio)

Temperaturas Médias: Mínimas – 18ºC


Máximas – 40ºC

13
População: 36.293 habitantes, conforme a estimativa de 2009 (IBGE), dos
quais cerca de 21.000 habitam a zona urbana.

Faixa etária*: De 0 a 9 anos – 21,1%


De 10 a 19 anos – 24,6%
De 20 a 39 anos – 28,9%
De 40 a 59 anos – 16,0%
60 anos ou mais - 9,4%

População segundo nível de


renda do chefe de família
(em salários-mínimos)*: Sem rendimento - 6,2%
Até 2 s.m. – 78,2%
2 a 5 s.m. - 9,5%
5 a 20 s.m. - 5,5%
mais de 20 s.m. - 0,6%

IDH: 0,625 - médio (PNUD/2000)

PIB: R$110.680.000,00 (IBGE/2006)

* Fonte: IBGE - censo 2000.

14
Figura 1 – Localização do município de Oeiras.
Fonte: Mapa elaborado pela 19ªSR/IPHAN sobre base cartográfica da CPRM.

15
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Antecedentes

A região Nordeste foi pioneira no desenvolvimento econômico e na formação dos núcleos


populacionais do Brasil colonial. Na zona-da-mata, faixa de terra que se estende do litoral da
Paraíba até o sul da Bahia, implantou-se a agromanufatura da produção de açúcar, sendo o
principal produto de exportação da colônia nos seus dois primeiros séculos.

Figura 2 - “Nova et accurata Brasiliae totius tabula”. BLAEU, Joan. 1640.


Fonte: Fundação Biblioteca Nacional. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart168860.jpg>. Acesso em: <02/05/2007>.

O litoral setentrional, que vai do Rio Grande do Norte até o delta do rio Parnaíba, não despertara
suficiente interesse de Portugal e de outras nações européias1 para exploração econômica por não
se prestar ao cultivo da cana-de-açúcar e pela dificultosa navegação entre Maranhão e

1À exceção da incursão de franceses, que desde o século XVI, praticavam escambo com índios das costas cearense e
maranhense e da serra da Ibiapaba.
16
Pernambuco, sendo menos oneroso e demorado realizar este percurso com escala em Lisboa.
Estão documentadas diversas expedições nos séculos XVI e XVII, ora partindo do Maranhão,
ora de Pernambuco e da Paraíba, atravessando por terra e margeando a atual costa do Ceará e do
Piauí, porém sem nenhuma decorrência para a efetiva ocupação destas duas capitanias,
restringindo-se ao estabelecimento de fortins e paliçadas, com a função de apoio militar a
embarcações.

O interior da colônia ainda era uma terra desconhecida dos colonizadores europeus, como atesta
a passagem que se tornou célebre na historiografia nacional, de Frei Vicente do Salvador em sua
História do Brasil, escrita em 1627:

Da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato, porque até agora
não houve quem a andasse por negligência dos portugueses, que, sendo grandes
conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de andá-
las arranhando ao longo do mar como caranguejos. (SALVADOR, 1627 apud
FISCHER, 2000).

O Piauí, por ter sofrido o processo de colonização do interior para o litoral, sequer era
representado nos mapas até meados do século XVII. Como se vê na Fig. 2, um mapa elaborado
em 1640, o Brasil era dividido em quatorze capitanias, da Capitania de Para à Capitania de Sancto
Vincente, com seus limites continentais conhecidos pelos europeus próximos ao litoral. O rio
Parnaíba ainda recebia a designação de Rio Para e pertencia à Capitania de Siara.

Somente na segunda metade do século XVII, alguns desbravadores, com anuência da Coroa
Portuguesa, adentraram os vastos sertões dominados pela população indígena. Num primeiro
momento, ainda em busca de metais preciosos e apresamento de índios, bandeirantes saíram de
São Paulo, descendo o rio das Velhas e em seguida o São Francisco e, após a grande volta do rio,
fizeram uma deflexão pelos afluentes da margem direita do rio Parnaíba, penetrando no território
que viria a se constituir a capitania do Piauí.2 Desta feita, se destaca o nome de Domingos Jorge
Velho, que chega ao Piauí por volta de 1662. Não encontrando os metais preciosos, ele se
estabelece na confluência do rio Poty com o Parnaíba (denominado assim em homenagem à sua
vila natal) e funda algumas fazendas de gado.

2“A penetração do interior piauiense foi um fato histórico da maior importância. O nome da capitania foi tomado de
um rio sem destaque, o Piauí, referencia obrigatória das entradas sertanejas.” (PORTO, 1974, p. 34).
17
Povoamento e expansão da pecuária

A criação de gado vacum foi introduzida no Brasil nos primeiros anos de ocupação portuguesa,
seja com a finalidade de força motriz dos engenhos, transporte ou alimentação. O
estabelecimento, no litoral norte baiano, da Casa da Torre de Garcia d’Ávila na primeira metade
do século XVI é o marco inaugural do que viria a se constituir um dos maiores latifúndios do
mundo, dominando a propriedade de terras que iam das cercanias da Cidade do Salvador até o
vale do Itapecuru, no Maranhão, para exploração da pecuária extensiva.

Figura 3 – Rotas de expansão da pecuária no Nordeste e vilas fundadas até meados do século XVIII.
Fonte: Mapa elaborado pela 19ªSR/IPHAN a partir de informações de ANDRADE, 1975, p. 23 e 39.

18
Com a crescente expansão da área de plantio de cana-de-açúcar, a pecuária, forçosamente,
adentrou pelos sertões. A partir da conquista de Sergipe no final do século XVI, a ribeira do São
Francisco se tornou o caminho preferido de povoamento e de novos pastos para o aumento das
boiadas. A região de Rodelas, no baixo São Francisco, referência de trilhas migratórias de tribos
nômades do Piauí em direção ao litoral, também se tornou referência ao colonizador europeu nas
entradas pelo sertão. Esta corrente migratória dos criatórios ficou conhecida por sertão-de-
dentro. Das freguesias de Cabrobó e de São Francisco da Barra Grande, vaqueiros desceram os
afluentes do Parnaíba e fundaram centenas de currais de gado.

Partindo de Pernambuco e da Paraíba, havia outra corrente migratória de expansão da pecuária


também em direção ao rio Parnaíba, denominada sertão-de-fora, ocupando as ribeiras e encostas
de serras úmidas da Paraíba, do Rio Grande, do Ceará e do norte do Piauí. A partir do último
quartel do século XVII, podemos observar uma grande quantidade de solicitações de concessões
de sesmarias, quase na totalidade destinadas à pecuária.

Data de 1674 a incursão comandada por Domingos Afonso Mafrense, também conhecido por
Sertão, que desceu o rio Gurguéia, combatendo os gentílicos em direção ao Parnaíba e de lá
retornou pela bacia do rio Canindé, em serviço da Casa da Torre. Desta feita, tomou posse de
grande vastidão de terras, fundando inúmeras fazendas de criar.

O território piauiense estava encravado entre o Estado do Brasil e o Estado do Grão-Pará e


Maranhão3, ora pertencendo a um, ora a outro. A ocupação espontânea e não-oficial dos
obstinados vaqueiros, que adentravam as terras ainda desconhecidas, entrou em choque com os
sesmeiros, titulares das terras através de prestígio político na Corte. Por desconhecimento da
geografia, as sesmarias eram concedidas com base somente nas alegações do requerente, tendo
como conseqüência a formação de potentados, senhoreando enormes extensões de terras.

Embora extensivo a muitas regiões do país, esses conflitos entre posseiros e


sesmeiros incidiu mais agudamente no Piauí. De uma só vez, em 1676, dava-se
a Domingos Afonso, Julião Afonso, Francisco Dias d’Ávila e Bernardo Pereira
Gago, dez léguas de terra em quadro, para cada um, nas margens do Gurguéia.
Mais tarde, em 1681, esses mesmo sócios e mais Francisco de Souza Fagundes,
obtinham outras dez léguas, para cada um, nas ribeiras do Parnaíba,
outorgando-se nesse mesmo ano todo o território entre os rios Itapicuru e
Gurguéia. E como se não bastassem ainda concessões tão vultosas, o governo

3 Entre os anos de 1580 e 1640, Portugal (e consequentemente suas possessões ultramarinas) ficou sob o jugo da
Coroa Espanhola, fato que os historiadores chamaram de União Ibérica. Para efeitos administrativos, em 1621, a
Coroa Espanhola decidiu dividir o território outrora pertencente a Portugal na América em Estado do Brasil, com
sede em Salvador, e Estado do Maranhão, com sede em São Luís (posteriormente transferida para Belém). A
reunificação das duas colônias foi feita em 1772.
19
contemplaria esses potentados com doze léguas de terra, para cada um,
contadas do rio Parnaíba até a serra do Araripe. (PORTO, 1974, p. 62).

Por este trecho, pode-se ter uma idéia do poderio de Domingos Afonso Mafrense, que ampliou
seu patrimônio através de grilagem e negociações com a viúva de Francisco Dias d’Ávila.

Uma Carta Régia de 1701 anexara o Piauí ao Estado do Maranhão. Contudo, não surtiu efeito
prático, visto que boa parte do território piauiense ainda continuava tributário do Governo de
Pernambuco.4 Em 1714, o Ouvidor do Maranhão acende o estopim, ao declarar devolutas todas
as terras do Piauí, invalidando as antigas sesmarias. Após grande pressão dos latifundiários junto
às instâncias legislativas e administrativas em Salvador e na Corte, o ato é revogado no ano
seguinte pela Coroa, ratificando o poderio dos proprietários baianos e pernambucanos e seu
controle sobre a produção e comercialização do gado piauiense.

A ocupação ainda se encontrava rarefeita. Os grandes domínios sertanejos se assemelhavam a


desertos pontilhados de oásis de concentração populacional humana e de gado. Em um
levantamento da população que habitava o Piauí no final do século XVII, contou-se menos de
quinhentas pessoas (inclusos escravos negros e índios pacificados), distribuídas em cento e vinte e
nove fazendas. Os donos de fazendas (em número de cento e cinqüenta e três) pagavam foros
pelo uso da terra aos sesmeiros, causando evidente insatisfação daqueles. No início do século
XVIII, após os conflitos entre posseiros e sesmeiros, a Coroa limitou a concessão de cada data de
sesmaria em três léguas, com separação de uma légua entre as propriedades para fins comunais.

Podemos delinear, assim, quatro grandes formas de posse e uso da terra na área
de dominância da pecuária sertaneja:
a) a grande propriedade, de origem sesmarial, com exploração direta e trabalho
escravo;
b) sítios e situações, terras arrendadas por um foro contratual, com gerência do
foreiro e trabalho escravo;
c) terras indivisas ou comuns, de propriedade comum – não são terras
devolutas, nem da Coroa -, exploração direta, com caráter de pequena produção
escravista ou familiar, muitas vezes dedicada à criação de gado de pequeno
porte;
d) áreas de uso coletivo, como malhadas e pastos comunais, utilizados pelos
grandes criadores e pelas comunas rurais. (SILVA, 1996, p. 13-14).

4 “O esforço dos posseiros no sentido de se aproximarem do governo maranhense, mais simpático às suas
pretensões, anulara-se pelo trabalho da camarilha que agia junto ao Governo Geral. Ao lado dessas questões, o
assunto da arrecadação dos dízimos reclamados pelas Ouvidorias de ambos os governos, aumentara o tumulto.”
(PORTO, 1974, p. 64).
20
Em 1696, o Bispo Diocesano de Pernambuco ordenou que se criasse uma freguesia em terras
piauienses. No ano seguinte, o padre visitador Miguel de Carvalho5 reuniu fazendeiros na
Fazenda Tranqueira, com o intuito de definir o local onde seria erguida a matriz. Foi então
escolhido o povoado às margens do riacho Môcha, afluente do rio Canindé, pois estava
“[...]situado no centro da região conquistada, a igual distância das partes mais longínquas, e
também a uma légua do curral mais próximo do tabuleiro”. (NUNES, 1981, pág. 11). A freguesia
do Môcha foi então desmembrada da freguesia de Cabrobó. Teve como seu primeiro vigário
Thomé de Carvalho e Silva, que ordenou a construção em caráter provisório da Capela de Nossa
Senhora das Vitórias, institucionalizando a vida social da nova terra conquistada. Até meados do
século XVIII, foram criadas as freguesias de Piracuruca, Longá (Campo Maior), Rancho dos
Patos (Castelo do Piauí), Aroazes, Gurguéia e Parnaguá.6

Domingos Afonso Mafrense faleceu em 1711, deixando a maior parte de seu espólio para os
padres da Companhia de Jesus do Colégio da Bahia. Os jesuítas, ligados à Diocese de Olinda, já
haviam estabelecido em 1691 uma grande aldeia missionária na Serra da Ibiapaba, cuja matriz se
localizava na atual cidade de Viçosa do Ceará. Após o recebimento da herança, a ordem inaciana
se tornaria a maior latifundiária do Piauí. Verdade é que nesta capitania “[...]os jesuítas foram
muito mais administradores de fazendas e criadores de gado do que padres”. (BARRETO, 1938,
p. 221). Eles construíram um hospício7 e uma capela na recém-criada Vila do Môcha, porém não
estabeleceram convento ou mosteiro, pois optaram por concentrar os estudos da região na
missão de Aldeias Altas, às margens do Rio Itapecuru, no Maranhão. Já para a administração das
fazendas de gado, construíram três residências em Brejo de Santo Inácio, Brejo de São João e
Nazareth, cujas ruínas ainda podem ser identificadas atualmente.

5 O padre Miguel de Carvalho é o autor da “Dezcripção do Certão do Peauhy”, importante documento da História do
Estado. Em seguinte um trecho: “Está a povoação do Piauí situada em três léguas pela parte do Sul no meio do
sertão que se acha entre o rio São Francisco e a costa do mar que corre do Ceará para o Maranhão, da qual distará
pelo caminho sabido 50 léguas; confina pela parte do Nascente com os sertões desertos que correm para o
Pernambuco, pelos quais se não tem descoberto caminho nem se vadeiam, em razão de muitos gentios bravos que
neles habitam, e só se tem chegado pela parte dessa povoação, a avistar uma serra chamada o Araripe que dizem ser
muito alta, e que na superfície tem de plano 50 léguas de uma a outra parte e está rodeada de várias nações de tapuias
bravos. Para o Poente confina com matas desertas que correm para as Índias da Espanha [...] Para a parte Norte
confina esta povoação com a costa do Mar correndo do Ceará para o Maranhão [...] Para a parte do Sul confina esta
povoação com o rio São Francisco[...]”
6 Segundo documentos levantados pelo historiador Pereira da Costa, em 1713 já havia a freguesia de Campo Maior e

em 1723 a de Piracuruca, porém acredita-se anterior a 1718, data de início de construção da matriz. Em 1738 foram
criadas as freguesias de Aroazes e Jerumenha e em 1742 a de Marvão. A criação da freguesia de Parnaguá se deu em
época desconhecida, provavelmente início século XVIII, sendo desmembrada da paróquia de São Francisco das
Chagas da Barra do Rio Grande, território pertencente à Capitania de Pernambuco (hoje oeste da Bahia).
7 No sentido antigo de lugar de hospedagem dos padres visitadores.

21
Figura 4 – Óleo sobre tela de autoria de Zuleika Tapety, com a reconstituição de como seria a arquitetura
da residência jesuítica da fazenda de gado de Brejo de Santo Inácio, a cerca de 12 léguas de Oeiras,
provavelmente a principal das três que foram construídas no início do século XVIII.
Fonte: Cópia extraída do livro Passeio a Oeiras (CARVALHO JR, 1985, p. 147).

O crescente desenvolvimento econômico e conseqüente aumento populacional acarretaram a


necessidade de instauração dos instrumentos de poder (administrativos, jurídicos, religiosos, etc.)
para aumentar a presença da Coroa Portuguesa frente ao enorme poderio dos potentados locais.
A Ordem Régia de 20 de janeiro de 1699, determinava que em cada freguesia dos sertões
nordestinos, deveria ser nomeado um juiz, um capitão-mor e cabos de milícias. Constata-se,
contudo, durante todo o século XVIII, o poder dos particulares sobrepujando a autoridade real
no ditame de regras de convivência social, na defesa contra o gentio e mesmo no controle dos
cargos da burocracia estatal.

O movimento de ocupação do interior do Nordeste pelos colonos europeus não se processou de


forma pacífica. Pelo contrário, sofreu uma resistência ferrenha e contínua dos povos indígenas,
em sua maioria os não falantes da língua geral. A conquista dos sertões para abertura de novas
pastagens foi à custa da dizimação de tribos inteiras, quando não se fazia possível o aldeamento
ou a incorporação dos indígenas para a lida nas fazendas.

A contra-investida ao avanço dos fazendeiros veio logo em seguida às primeiras penetrações,


organizada pelos índios da nação Cariri, emigrantes do litoral para o sertão após a chegada dos
europeus. Com saques de gado e ataques à população de fazendas, vilas e povoados, diversas
etnias, habitantes das capitanias da Paraíba, do Rio Grande, do Ceará e do Piauí, se uniram para

22
organizar a resistência e defesa de seu território, no episódio que é conhecido por Confederação
dos Bárbaros. Uma verdadeira guerra foi travada entre o último quartel do século XVII e o
primeiro do século XVIII, através de expedições de conquista, contando com apoio de tropas
mercenárias de bandeirantes paulistas, treinadas no apresamento e genocídio da gente nativa nos
sertões dos vales do Tietê e do Paraíba do Sul. Após a pacificação dos indígenas, banhada em muito
sangue, foi aberta uma imensa área de pastagens para a pecuária entre o São Francisco e o
Parnaíba.

A rede de caminhos criada com a expansão da pecuária e a fundação de vilas para o controle da
circulação da economia garantiu a estruturação do território piauiense, como veremos à frente.

Os caminhos dos vaqueiros não apenas possibilitaram o desbravamento do


sertão desconhecido, como interligaram – como um continuum territorial – o
Estado do Brasil com o Estado do Maranhão, a Capitania de Pernambuco e da
Bahia com a do Piauí, o litoral com as zonas para lá da linha das Tordesilhas.
(JUCÁ NETO, 2007, p. 158)

A figura do vaqueiro se tornou um importante elemento da formação do povo brasileiro,


moldado na mestiçagem do colonizador europeu, do indígena catequizado e do cativo africano. A
idéia cristalizada pelos historiadores de que a pecuária empregou exclusivamente indivíduos
livres, pela inviabilidade da escravidão, foi desconstruída por novos estudos embasados em vasta
documentação que comprovam a presença marcante de mão-de-obra escrava na lida pastoril. No
entanto, a escravidão no sertão se deu de forma menos cruenta, sem senzalas, com mais laços de
gregarismo entre fazendeiros, vaqueiros, cabras e escravos.

Compelido a um estoicismo pela aridez e o isolamento do meio, reforçado pela religião, se forjou
o caráter do sertanejo. O historiador Capistrano de Abreu cunhou a expressão civilização do couro
para designar a sociedade que se desenvolveu nos sertões nordestinos ligada à pecuária. Do couro
se fazia quase tudo, desde as vestimentas, portas, tamboretes, surrões, alforjes, selas e o que mais
se precisasse.

O território atual do Estado do Piauí é conseqüência de todo o processo de migrações e


colonização pelo qual passou durante dois séculos. Suas fronteiras político-administrativas foram
fixadas seguindo os acidentes naturais: a oeste pelo rio Parnaíba, a sul pelos espigões das serras
que dividem a sua bacia com a do São Francisco e a leste pela Serra da Ibiapaba e Araripe. Por ser
banhado em quase sua totalidade pelas águas da bacia deste rio, podemos dizer que o Piauí é uma
dádiva do Parnaíba, o Velho Monge.

23
A pecuária sertaneja: apogeu e decadência

A pecuária exerceu forte atração populacional sobre os habitantes das regiões produtoras de
açúcar: herdeiros minoritários de senhores de engenho, indivíduos livres despossuídos de
patrimônio e prestígio social, além de escravos fugidos. Alguns aspectos contribuíram para isso:
a) embora permitisse uma renda inferior à renda da agricultura exportadora,
tornava-se atraente, uma vez que não estava sujeita às flutuações do mercado
externo;
b) exigia pouco capital na edificação das unidades produtoras, uma casa e um
curral feitos com material rústico da região, algumas cabeças de gado e a terra
que poderia ser arrendada;
c) propiciava maior mobilidade social que na região dos engenhos. O recém-
chegado assumindo as funções de vaqueiro, no prazo mínimo de cinco anos,
poderia passar à condição de proprietário de curral em face do regime de
parceria;
d) a sociedade pecuarista só muito posteriormente foi objeto de fiscalização dos
agentes do governo e da justiça;
e) dificilmente, na região pastoril, o escravo fugitivo de outras localidades era
encontrado. (BRANDÃO, 1999, p. 27)

A economia piauiense organiza-se quase que exclusivamente em torno da criação de gado. Os


rebanhos dos sertões do Piahuy e do Parnoagua eram dos mais numerosos de toda a Colônia,
servindo como reservatório de matrizes, em virtude da perenidade dos campos e pastos
ribeirinhos. Após estios prolongados, fazendeiros do Ceará e do médio e alto São Francisco
mandavam buscar reses no Piauí para recompor os rebanhos dizimados. No folclore do bumba-
meu-boi, ficaram registrados estes versos de domínio público, com algumas variações:

O meu boi morreu, O meu boi morreu, Vamos criar boi,


que será de mim? que será da vaca? vamos criar vaca,
Manda buscar outro Manda buscar outro vamos comer bife
lá no Piauí. sem urucubaca. batido à faca.

De atividade subsidiária da economia açucareira, a criação de gado de corte tornou-se


responsável pela ocupação do interior da Colônia, impulsionando a formação de vilas,
freguesias, estradas, pontos de beneficiamento e distribuição de matéria-prima, enfim, por
toda a formação de uma rede econômica destinada ao mercado interno, que se articulava
com os principais centros comerciais da colônia.

24
Figura 5 – Logística de comercialização da pecuária piauiense e seus mercados consumidores –
1750-1825.
Fonte: Mapa elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

As boiadas seguiam pelas estradas acompanhando o curso dos rios para abastecer com
carne e couro os mercados das principais praças comerciais do Maranhão, Grão-Pará,
Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e dos florescentes núcleos mineradores das Minas
Gerais e de Goiás. Desta forma, o produto era o seu próprio frete. O transporte do gado
vivo para os pontos de consumo, que aparentava ser uma vantagem comercial, na verdade
acarretava em muitas perdas. Além do extravio e morte de reses no percurso, o gado
chegava magro ao destino, fazendo decair o seu preço. Para garantir a oferta de boi gordo
nas feiras, atravessadores ou mesmo os proprietários estabelecidos no litoral reuniam os

25
rebanhos para a engorda antes da comercialização em currais próximos chamados de
invernadas.

Com esta dinâmica, os lucros da empresa sertaneja eram apropriados por agentes ligados a
agro-exportação do litoral, restringindo-se seriamente a capacidade de poupança,
acumulação e reinvestimento da economia piauiense. “As primeiras fazendas do Piauí
foram currais de casas grandes do litoral”. (SILVA FILHO, 2007a, p. 45). A riqueza da
pecuária sertaneja escorria pelo sumidouro das boiadas, que se dirigiam ao abate no litoral,
locupletando mercadores e proprietários (de rebanhos) absenteístas.

O capital circulante era movimentado fora da Capitania, gerando a maior parte dos
dividendos nos pontos de troca e beneficiamento, como as feiras e curtumes, em torno dos
quais surgiram e prosperaram núcleos urbanos. O capital atraía população e
consequentemente o aparecimento de especialização de funções, mormente no setor de
serviços (como carpinas, ferreiros, mestres-canteiros, dentistas, médicos, etc.), bastante
característico da economia urbana. Enquanto isso perdurava no Piauí uma forte base
agrária, sem diversificação produtiva, condenando os núcleos urbanos a um estado
rudimentar, organizados no esquema praça-igreja.

Como estratégia de aumentar os ganhos e enfrentar a concorrência, criadores cearenses


desenvolveram a técnica da produção de charque8, que possibilitou a ampliação da
produção e a conquista de mercados mais longínquos. As charqueadas ou oficinas surgiram
por volta de 1720-30 nos estuários dos rios Jaguaribe e Acaraú, no Ceará. Em seguida,
apareceram núcleos de charqueadas no Rio Grande do Norte e na foz oriental do rio
Parnaíba, povoação conhecida por Porto das Barcas (atual cidade de Parnaíba).

O surgimento e o incremento das charqueadas e a diminuição do absenteísmo propiciaram


o controle da oferta e o aumento do valor agregado dos produtos (carnes e couros),
provocando uma relativa autonomia da pecuária frente ao seu mercado consumidor.
Normalmente, o sertão do gado é visto como uma extensão do litoral do açúcar.
Entretanto, havia uma adaptação recíproca entre ambos, uma acomodação dos agentes
sociais e institucionais envolvidos em cada uma das zonas, numa relação interdependente,

8 “O processo de salga consistia na carneação, na salga – propriamente dita – e na secagem das mantas de
carne em galpões cobertos de telha. A carne era estendida e desdobrada em varais, salgada e em um tacho de
ferro, a gordura era extraída em água fervente. O couro era estaqueado e seco ao sol. O sebo era lavado e
também estendido em varais para secar. A ossatura do animal era amontoada, queimada e as cinzas utilizadas
em aterros depois de seca, a carne era armazenada para posteriormente ser pilhada nos porões dos navios.”
(JUCÁ NETO, 2007, p. 178)
26
Figura 6 – Principais vias terrestres de comunicação da pecuária piauiense / nordestina.
Fonte: Mapa elaborado pela 19ªSR/ IPHAN a partir de informações de ANDRADE,1975; JUCÁ NETO,
2007; SILVA FILHO, 2007a; SILVA, 1996; e mapa de GALUCI de 1761.

27
ainda que desigual. As constantes crises de abastecimento de carnes verdes em Salvador e
Recife e o aumento de preços provocaram reações. As relações comerciais entre o litoral e
o sertão passaram a ser mediadas pelas instâncias de governo e regidas pelo mercado
monopolizado, os quais impunham restrições à atividade pecuarista, através de
tabelamentos e proibições de processamento e beneficiamento de matéria-prima.9

Através de um Alvará real datado de 1718, criou-se a Capitania do Piauí. No entanto, este
foi executado apenas em 1758, dando autonomia à capitania, a desligando do Maranhão10.
Receberia o nome de Capitania de S. Ioze do Piauhy (em homenagem ao Rei de Portugal). A
Vila do Môcha tornar-se-ia, então, capital, e três anos mais tarde elevada à categoria de
cidade com o nome de Oeiras. A capitania contava com mais de quinhentas fazendas de
gado e uma população de doze mil habitantes, quadruplicando nos próximos trinta anos.11

Uma das primeiras medidas do governador empossado João Pereira Caldas foi o confisco
dos bens e expulsão dos jesuítas. Seus latifúndios passaram a compor o patrimônio da
Coroa, sendo chamados de Fazendas do Fisco. As fazendas da Capella-Grande, da Capella-
Pequena, do Collegio da Companhia e do N oviciado do Collegio, antes pertencentes aos inacianos
da Bahia, foram dividas em três inspeções, sob propriedade da Coroa: Nazareth com onze
fazendas; Piauhy com doze fazendas; e Canindé com doze fazendas.

A idéia inicial era leiloar os bens para reverter em melhoramentos urbanos à capital e às
vilas fundadas em 1762. Este intento não vingou por falta de interessados. Em 1809, houve
uma nova tentativa de colocar as fazendas em hasta pública, novamente frustrada. A Coroa
teve que assumir no Piauí o estorvo de gerenciar fazendas de gado e negociar a produção,
normalmente através de leilões. A administração das fazendas foi delegada a particulares
com créditos a receber da Coroa ou a apadrinhados na Corte, sendo objeto de corrupção,
escândalos e enriquecimento ilícito. A ineficiência e a improbidade administrativa, somadas
ao fato de que a arrematação das boiadas era efetuada com a emissão de títulos de créditos
com prazo de vencimento de dois anos, muitas vezes não honrados, concorreram para o
decréscimo de gado e escravos e para a decadência dos negócios das fazendas, que durante
quase um século importaram na maior fonte de recursos da fazenda pública do Piauí.12

9 Uma medida representativa foi a proibição das charqueadas na Capitania do Rio Grande do Norte pelo
governador de Pernambuco na segunda metade do século XVIII.
10 Entretanto, esta autonomia era constantemente ameaçada, sendo recuperada definitivamente apenas em

1811.
11 Por esta época se iniciara a navegação com balsas no rio Parnaíba.
12 Após a independência, receberam a denominação de Fazendas Nacionais.

28
QUADRO 1
Evolução Demográfica do Piauí: 1697 - 1797
Período Número de anos População Aumento Média anual de
populacional crescimento
1697/1762 65 438 – 12.744 12.306 189,32
1762/1772 10 12.744 – 19.191 6.4447 644,70
1772/1777 05 19.191 – 26.094 6.903 1.380,60
1777/1797 20 26.094 – 51.263 25.169 1.258,45
1697/1797 100 438 – 51.263 50.765 508,25
QUADRO 2
Distribuição da População por Freguesia: Zonas Urbana e Rural - 1762
FREGUESIA População Urbana População Rural TOTAL
Absoluta Percentual Absoluta Percentual
OEIRAS 1.200 27,36 3.186 72,64 4.386
PIRACURUCA - - - - 2.368
CAMPO MAIOR 162 8,68 1.705 91,32 1.867
VALENÇA 156 10,50 1.329 89,50 1.485
MARVÃO 65 6,14 994 93,86 1.059
PARNAGUÁ 97 10,75 805 89,25 902
JERUMENHA 99 14,41 598 85,59 687
TOTAL 1.699 14,10 7.926 85,90 12.754
QUADRO 3
Distribuição da População por Distrito: Zonas Urbana e Rural - 1772
DISTRITO População Urbana População Rural TOTAL
Absoluta Percentual Absoluta Percentual
OEIRAS 1.252 21,96 4.448 78,04 5.700
CAMPO MAIOR 363 12,22 2.608 87,78 2.971
PARNAÍBA 337 12,51 2.357 87,49 2.694
VALENÇA 407 16,05 2.129 83,95 2.536
PARNAGUÁ 191 7,85 2.242 92,15 2.433
JERUMENHA 81 5,29 1.450 94,71 1.531
MARVÃO 93 7,01 1.233 92,99 1.326
TOTAL 2.724 14,19 16.467 85,81 19.191
QUADRO 4
Distribuição da População Livre e Escrava por Freguesia - 1797
FREGUESIA População Livre População Escrava TOTAL
Absoluta Percentual Absoluta Percentual
OEIRAS 7.950 67,13 3.893 32,87 11.843
CAMPO MAIOR 5.640 67,94 2.662 32,06 8.302
PIRACURUCA* 5.127 66,86 2.541 33,14 7.668
PARNAGUÁ - - - - 5.000
VALENÇA 3.000 72,06 1.163 27,94 4.163
MARVÃO - - - - 3.911
JERUMENHA 1.638 59,33 1.123 40,67 2.761
TOTAL - - - - 51.263
* Em 1797, Parnaíba ainda pertencia à freguesia de Piracuruca, apesar de ser a sede da vila. Em 1801 foi
criada a sua freguesia, sendo instalada em 1805.
Fonte: BRANDÃO, 1999, p. 91, 96 e 134.

29
Em meados do século XVIII, merecem menção na Capitania do Piauí alguns núcleos
urbanos. Oeiras se destacava em virtude de sediar os poderes e a burocracia, controlar os
rendimentos das Fazendas do Fisco e se situar em entroncamento de caminhos que
interligavam várias capitanias; além do povoado do Porto das Barcas, também conhecido
por Feitoria (onde seria instalada a vila de São João da Parnaíba em 1770), que desenvolvia
grande comércio marítimo de charque e couros com as praças de Recife, Salvador, Belém e
Rio de Janeiro. De menor vulto, porém de considerável população e comércio, Piracuruca e
Campo Maior, que se achavam na passagem de caminhos que ligavam o Maranhão ao
Ceará.

Após três décadas de relativa regularidade da quadra chuvosa, em que houve grande
aumento da empresa sertaneja, dos rebanhos e de população humana, adveio em 1777 uma
seca terrível, conhecida por seca dos três setes. A estiagem durou dois anos, dizimou boa parte
do rebanho13, quebrou os produtores de charque e, junto com a epidemia de varíola,
provocou a mortandade de dezenas de milhares de pessoas. Coincidiu com a entrada no
mercado dos criatórios de gado na Ilha de Marajó e no Rio Grande do Sul, representando
forte concorrência ao criatório nordestino.

Figura 7 – Linha cronológica das grandes secas do Nordeste nos séculos XVIII e XIX.
Fonte: Ilustração elaborada pela 19ªSR/ IPHAN a partir de informações de JUCÁ NETO, 2007; e CUNHA,
2006.

Segundo Spix & Martius (1981), o maiores mercados consumidores do gado piauiense
eram a Cidade do Salvador e o Recôncavo Baiano, quando no auge da pecuária eram
contabilizadas anualmente 50.000 a 60.000 reses provenientes dos sertões piauienses no
Registro do Juazeiro14, passagem tributada do Rio São Francisco na Estrada Real do Gado.
Já no início do século XIX, com o colapso da pecuária cearense e com o vultoso
crescimento da cultura algodoeira no Maranhão, aumentou consideravelmente a demanda
das praças de Recife, São Luís e Aldeias Altas pelo gado piauiense. Por volta de 1820, pelo

13 Quase 90% do gado da Capitania do Ceará pereceram. No Piauí, os efeitos foram menores, mas ainda
assim trágicos. Passada a seca, os fazendeiros cearenses recompuseram seus rebanhos com matrizes do Piauí.
14 Atual cidade de Petrolina, Estado de Pernambuco.

30
Registro do Juazeiro, o número de reses tributadas caiu para apenas 20.000 cabeças, que
seguiam anualmente em direção às feiras baianas.

As fronteiras portuguesas e espanholas na América, até então fixadas pelo Tratado de


Tordesilhas, foram redefinidas pelo Tratado de Madrid em 1750, baseado no princípio
jurídico do uti possidetis. Portugal fundou em 1760 a Capitania do Rio Grande de São Pedro
(atual Rio Grande do Sul), subordinada ao Governador do Rio de Janeiro, e começou a
ocupar as terras ao sul de Laguna e o território das missões com pecuária extensiva. Com as
Guerras Guaraníticas, este tratado foi revogado, porém teve seu escopo resgatado pelo
Tratado de Santo Ildefonso em 1777. O território das missões voltou a ser oficialmente
possessão espanhola, porém estava ocupado e defendido por colonos portugueses, até que
em 1801 se deu a transferência definitiva para a Coroa Portuguesa. Com maior segurança
hídrica e melhores pastagens, o gado dos pampas gaúchos conquistou os mercados das
regiões auríferas, de São Paulo e do Rio de Janeiro, marcando o movimento do
tropeirismo, cujo principal entreposto comercial era a vila paulista de Sorocaba.

Em 1780, o português José Pinto Martins, maior charqueador da vila do Aracati (CE),
migrou para a vila de Pelotas (RS), levando a técnica da salga para o sul da colônia15. O
negócio das charqueadas vicejou, propiciando ao Rio Grande do Sul aumentar
consideravelmente a oferta, dominar o mercado do centro-sul16 e consequentemente
suplantar a pecuária nordestina. Em 1791, se abateu sobre o sertão outra seca de grandes
proporções e as charqueadas do Aracati entraram definitivamente em ruína. A seca foi
menos drástica para o Piauí do que para as demais capitanias, garantindo ainda condições
de funcionamento às charqueadas de Parnaíba e o abastecimento de carnes para o Pará,
Maranhão, Pernambuco e Bahia.

A concorrência gaúcha e amazônica, o flagelo das secas periódicas e a crise açucareira


estrangularam cada vez mais a pecuária piauiense. Após a grande seca de 1824-25, as
últimas charqueadas parnaibanas encerram suas atividades. A pecuária sertaneja restringiu-

15 Costa (1974) transcreve uma carta redigida em 1877 pelo coronel José Francisco de Miranda Osório,
residente em Parnaíba, ao desembargador Cândido Gil Castelo Branco, no Rio de Janeiro, dando conta da
vida e dos negócios do capitão Domingos Dias da Silva, o maior charqueador da vila de Parnaíba, falecido em
1793. Num trecho, o missivista relata que o capitão chegou à vila em 1758 e “[...] foi esse homem quem
primeiro aqui levantou estabelecimentos de charqueada logo em grande escala, sem dúvida por instruído
nesses charques do Rio Grande” (OSÓRIO, 1877 apud COSTA, 1974, p. 196). A hipótese de que a indústria
do charque tenha sido trazida do Sul ao Nordeste não tem sustentação factual, visto que o charque sulino se
desenvolveu justamente no período de decadência do charque nordestino. O próprio Pereira da Costa afirma
mais à frente que Domingos Dias da Silva foi precedido na fabricação e comércio do charque em Parnaíba
por João Paulo Dinis, ao qual se credita que tenha estabelecido uma feitoria no local provavelmente em 1711.
16 Conseguiu atingir até o mercado externo, exportando carne-seca para Havana e demais colônias

americanas.
31
se ao comércio de carnes verdes e a mercados cada vez menores. A partir do final do
século XVIII, do Maranhão a Pernambuco, iniciou-se o cultivo do algodão em escala
comercial para exportação, mudando o papel do sertão de supridor do mercado interno de
víveres para fornecedor de matéria-prima do nascente capitalismo industrial. As antigas
fazendas passaram a explorar o binômio gado-algodão. Não se sabe ao certo os motivos,
porém o Piauí foi exceção neste processo e a plantation do algodão se desenvolveu muito
timidamente na província.

A política de controle e planejamento espacial na colonização do Piauí

Desde a Antiguidade, a fundação de cidades nos territórios conquistados foi um decisivo


instrumento de dominação utilizado por vários grandes impérios. Acompanhando a criação
dos órgãos locais da administração e da justiça, era construída a estrutura física da nova
colônia, à imagem da cidade imperial, como manifestação simbólica do poder, representada
na arquitetura.

O fim do Medievo na Europa significou o surgimento dos Estados modernos nacionais e a


conseqüente expansão ultramarina em direção à África, à Ásia e à América, esta última até
então desconhecida do Velho Mundo. As nações imperiais européias utilizaram a mesma
estratégia de fundação de cidades nos territórios colonizados, como descrita no parágrafo
acima.

Contudo, a colonização portuguesa na América, mais particularmente o que diz respeito ao


urbanismo, foi caracterizada pela historiografia com a imagem do desleixo, da falta de
diligência e pelo amolecimento para se adaptar aos trópicos. Em oposição, a colonização
empreitada pelo reino de Castela, foi enaltecida pela retidão, zelo e imposição da vontade
abstrata sobre a natureza dos territórios conquistados. Para Sérgio Buarque de Holanda,
autor do livro Raízes do Brasil, no capítulo O semeador e o ladrilhador:

A colonização espanhola caracterizou-se largamente pelo que faltou à


portuguesa: por uma aplicação insistente em assegurar o predomínio
militar, econômico e político da metrópole sobre as terras conquistadas,
mediante a criação de grandes núcleos de povoação estáveis e bem
ordenados. Um zelo minucioso e previdente dirigiu a fundação das
cidades espanholas na América. [...] Já à primeira vista, o próprio traçado
dos centros urbanos na América espanhola denuncia o esforço
determinado de vencer e retificar a fantasia caprichosa da paisagem
agreste: é um ato definido da vontade humana. As ruas não se deixam
modelar pela sinuosidade e pelas asperezas do solo; impõem-lhes antes o
acento voluntário da linha reta. (HOLANDA, 1995, p. 95-96).

32
Esta visão sectária perdurou durante décadas, influenciando o pensamento sobre o
urbanismo colonial e a vida urbana no Brasil, o que acabou por deturpar a compreensão do
processo evolutivo do urbanismo português, gerando preconceitos pelo ensino distorcido
da História. Esta construção teórica desconsiderou os fatores econômicos e geopolíticos
que urdiram a diferenciação de métodos17 das duas Coroas na fundação de vilas e cidades
na América, e reduziu uma complexa trama a uma simples manifestação de vontade, fruto
do caráter de ambos os povos. Não foram levados em conta os fatos de que:
os espanhóis encontraram minas de metais preciosos logo em seguida à conquista,
portanto dois séculos antes dos portugueses, necessitando de um controle mais enérgico de
suas possessões americanas;
a associação mercantil entre Portugal e Holanda na exploração do açúcar brasileiro
incorria numa diminuição de ameaças externas à sua colônia (rompida apenas no início do
século XVII, por conta do domínio das possessões portuguesas por Castela, em guerra
com a Holanda);
a economia de meios que Portugal necessitava empregar na colonização de tão vasto
território por uma população pouco numerosa o forçava a soluções de custo reduzido,
tirando partido da topografia;
a Espanha perdeu vasta extensão territorial para Portugal, durante a expansão lusitana
além da Linha de Tordesilhas nos séculos XVII e XVIII, o que garantiu a soberania dos
territórios conquistados pela fundação de fortalezas e vilas;
Portugal demonstrou uma enorme habilidade em preservar a unidade territorial de sua
colônia americana, ao contrário das possessões espanholas, que se fragmentaram em
dezenas de repúblicas após suas independências no primeiro quartel do século XIX.

Uma suposta tibieza lusitana, em oposição a uma altivez castelhana na colonização


empreendida no ultramar, em especial na América, começou a ser contestada a partir de
textos publicados nos anos 1950/ 60 e, de uma forma mais enfática, a partir da publicação
da monografia N ovas V ilas para o Brasil-Colônia: Planejamento Espacial e Social no Século X V III
da brasilianista Roberta Marx Delson, na década de 1980, onde analisa a conjuntura
político-econômica e as diretrizes que nortearam a fundação e reformulação de vilas e
cidades durante os setecentos, sob um programa de planejamento urbano e regional.

17 Alguns autores chegam a afirmar que a urbanização portuguesa prescindia totalmente de método e de
técnica, sendo o espaço urbano construído por ruas abertas de forma aleatória, se acomodando ao relevo e
numa simples justaposição de edifícios.

33
O s novos estudos confirmam que, desde o final do século XV, já havia uma intenção
deliberada de normalização construtiva e espacial no código de posturas da Câmara de
Lisboa.18 O fim do Medievo, o desenvolvimento das ciências naturais e exatas e a
transformação do pequeno reino agrário num império ultramarino mercantil tiveram,
logicamente, rebatimentos no desenho da capital, que necessitava se reestruturar para
cumprir novas funções e espelhar novos signos. Com o pensar a cidade, estendido em
menor grau às principais cidades do império, abandonava-se então a postura medieval de
intervenções que se pautavam por soluções contingenciais e partia-se para a adoção de
modelos abstratos e repetíveis de elementos arquitetônicos, edifícios, quadras e ruas.

QUADRO 5
Evolução tipológica da urbanística portuguesa (séc. XIII a XVIII)
Fases Período Características
ocupação do território nacional: cidades novas
medievais;
1ª fase Séc. XIII e XIV padrão de implantação em ruas paralelas
hierarquizadas em ruas de frente e de serviço.
primeiras experiências de urbanização
ultramarinas;
2ª fase Séc. XV e XVI desenvolvimento das ciências exatas e instauração
das aulas de risco;
primeiros traçados urbanos renascentistas.
período filipino e restauração;
cidades reais fundadas no Brasil 1549-1616:
3ª fase Séc. XVII ordenação urbanística;
ampliação dos traçados regulares.
plena expressão dos princípios iluministas nos
traçados geométricos pombalinos;
discurso ideológico da cidade: materialização do
poder de forma evidente e assumida;
4ª fase Séc. XVIII centralidade da praça: deixa de ser um espaço
residual ou simples adro da igreja;
valorização do papel das fachadas;
adoção de modelos arquitetônicos uniformes.
Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN com base em síntese, que consta em JUCÁ NETO, 2007, a partir de
informações do livro O Urbanismo Português, dos autores Manoel Teixeira e Margarida Valla.

Durante a dominação espanhola, a abstração foi ampliada no ideário urbanístico português,


em particular a implantação da praça central e a adoção do traçado em xadrez das cidades.
A legislação de ordenamento urbano, de início composta por leis esparsas, foi reunida e
sistematizada no reinado de Filipe III de Espanha, através da Recopilacion de Leyes de Los

18 Ver em Jucá Neto (2007) Livro de Posturas Antigas da Câmara de Lisboa, de 1499.
34
Reynos de L as Índias, publicada em 1603. Sob as diretrizes das Ordenações Filipinas, que viria a
dar embasamento para a tratadística portuguesa dos setecentos, foram fundadas no Brasil
as cidades de João Pessoa, São Luís, Cabo Frio e Belém. Segundo Jucá Neto (2007), dois
tratados sintetizam as principais teorias do pensamento urbanístico português: o Tratado da
Ruação. Para emendar das ruas das cidades, villas, e lugares deste Reyno Em duas partes dividido. de
José de Figueiredo Seixas – eminentemente utópico e idealista, com alto grau de abstração -
e o Método Lusitânico de Desenhar as Fortificações das Praças Regulares e Irregulares de Luís Serrão
Pimentel, datado de 1680 – de caráter prático, empírico e maleável. Este último aglutinou
influências das engenharias militar francesa e holandesa, dos tratados clássicos e
renascentistas e do urbanismo espanhol. Para Serrão Pimentel:

Não havia a necessidade da apresentação de figuras com plantas de ruas,


praças e casas, pois, na maioria das vezes, seria impossível a aplicação
dos modelos regulares preestabelecidos em intervenções que aconteciam
em quase sua totalidade nos núcleos existentes; e ainda que se
derrubassem e se cortassem muitas casas, não se deviam arruinar as
povoações mais do que fosse preciso. (JUCÁ NETO, 2007, p. 91).

Com a Restauração, ascendeu ao trono português a Dinastia de Bragança, que empreendeu


a expulsão dos holandeses no Brasil, restabeleceu as colônias ultramarinas e reorganizou o
Reino. O Brasil tornar-se-ia o elemento basilar do Império Português após a decadência do
comércio com o Oriente. A nova onda de prosperidade do século XVIII, com a exploração
dos produtos brasileiros, fez de Portugal novamente respeitado entre as nações européias.
Isso motivara uma preocupação intensa em ampliar, colonizar e proteger sua colônia,
através de estímulo à migração de famílias, criação de novas capitanias, fundação de vilas e
aperfeiçoamento do aparelho burocrático administrativo e tributário.

O longo reinado de D. João V (1706-50) caracterizou-se pelo auge do absolutismo no país.


A constante remessa de ouro e diamantes brasileiros para a metrópole criara a sensação de
que a grave crise que o Reino enfrentara desde a Restauração estaria superada, sustentando
o fausto da corte. A segurança do império colonial era garantida pela Marinha Inglesa, à
custa de onerosos tratados e concessões comerciais. É evidente que este frágil equilíbrio
financeiro se romperia com as oscilações no fornecimento dos produtos coloniais,
ameaçando a estabilidade da economia de Portugal.

Antes mesmo do início do reinado de D. José I (1750-77), alguns sinais de crise já


começariam a aparecer, originados pelo descontrole das finanças reais e pela dependência
dos produtos manufaturados ingleses. Com a finalidade de enfrentar as novas dificuldades,
35
que tendiam a se agravar, o novo monarca confiou os negócios do governo ao Conde de
O eiras, futuro Marquês de Pombal, que se tornou Ministro plenipotenciário e organizou
uma reforma geral no Estado, sob influência dos princípios iluministas. Por conta disso,
ficou conhecido como um dos déspotas esclarecidos europeus, que renovaram o Absolutismo
no Século das Luzes.

A destacada importância do território piauiense, pela pecuária e por sua localização entre o
Maranhão e o Brasil, motivara a criação da Capitania do Piauí em 1718, antes mesmo das
capitanias auríferas: Minas Gerais em 1720; Goiás e Mato Grosso em 1748. Contudo, a
capitania só veio a ser efetivada em 1758, através de Provisão de D. José I, ordenando a
execução do Alvará régio de quarenta anos atrás e a nomeação do primeiro governador da
capitania. A política metropolitana de controle social e planejamento espacial, esboçada no
início dos setecentos, foi ampliada e sistematizada por Pombal, através da fundação (ou
ratificação) de novas capitanias, estruturação de redes de núcleos urbanos (cidades, vilas de
brancos e vilas de índios) e da materialização do poder de forma evidente, assumindo o
discurso ideológico da cidade.

Em 1712, a freguesia de N. S. das Vitórias do Brejo do Môcha foi elevada à categoria de


Vila, no entanto só viria a ser instalada em 26 de dezembro de 1717. A criação da vila na
capitania fez parte da estratégia de planificação e controle do território pela Coroa
Portuguesa no século XVIII. A administração real pretendia com esta medida refrear o
poder dos particulares, que haviam formado verdadeiros potentados, e estabelecer
jurisdição nos sertões, explorados por bandeirantes, vaqueiros e posseiros. Às vilas do
interior da colônia não fazia sentido seguir o modelo de implantação das cidades do litoral,
baseada na estratégia militar de defesa contra o invasor estrangeiro. Interessava ao Reino,
neste momento, um modelo aplicável nos mais diversos confins da colônia, que
demonstrasse a autoridade central e projetasse uma imagem da nova idéia de civilização em
voga na metrópole.

O verdadeiro significado das cartas régias que conferiam formalmente o


título de vila não era o reconhecimento físico do arraial ou aldeia, mas
sim a percepção pragmática de que, dentro daquela área específica, era
preciso assumir determinadas responsabilidades administrativas.
(DELSON, 1997, p. 05).

Entretanto, ao analisar o escopo da C.R. de 30 de junho de 1712, que ordena ao ouvidor-


geral do Maranhão a ereção de uma vila com senado da câmara e mais governança no lugar
em que se encontrava a Capela de Nossa Senhora das Vitórias, verifica-se que a mesma é
36
omissa quanto a recomendações de traçado urbano ou aparência das futuras edificações. As
determinações se restringiram à montagem do aparelho burocrático estatal, com a
preocupação de arrecadação de impostos, de aplicação da justiça e de aquietação dos povos
(no caso os indígenas tapuias):

Fui servido resolver, que antes de se criar ouvidor ou juiz de fora para a
dita capitania se forme vila no lugar onde está a igreja, com senado da
câmara, juízes, vereadores, almotacés, provedor, e seu escrivão, e outro
para o judicial [...] (D. JOÃO V, 1712 apud COSTA, 1974, p. 77).

Parece-nos que a hipótese defendida pela autora Roberta Marx Delson da primazia da Vila
da Môcha de ter surgido já sob instrumentos de regulação urbanística no seu documento de
fundação, seguindo um plano preestabelecido, reside numa simples confusão de datas por
um erro de avaliação de Paulo Thedim Barreto em seu texto, trocando a data de 1761 pela
de 1716.19 A partir deste texto, acreditava-se na existência de uma carta régia datada de
1716, que pudesse conter instruções de implantação para a recém-criada Vila da Môcha,
porém trata-se de um equívoco, outrora já apontado em Figueiredo (2001). Iremos
encontrar o princípio de um programa legislativo direcionado para a organização espacial
urbana em ocasião da fundação da vila do Icó, capitania do Ceará20, onde constava a
recomendação de implantação da praça e nela a ereção do pelourinho:

[...]a Carta Régia do Icó, de 20 de junho de 1736, determinava que após a


escolha do sítio junto à matriz existente em um lugar saudável e com
bom provimento de água, dever-se-ia marcar a praça e dali delinear ruas
retas, bastante largas, deixando espaço “pª se edificarem as cazas nas
mesmas directuras e igualdade com seus quintaes competentes de
sorte que a todo o tempo se conservem a mesma largura das ruas”.
Após a marcação das ruas, se demarcaria o lugar em “[...] o qual se
hajam de formar a casa de Câmara e das Audiências e a cadea para
que nas mais áreas se possam edificar as casas dos moradores com
seus quintaes na forma que parecer a cada um como fiquem a
facia das ruas”. Deixar-se-ia, ainda, área bastante para o logradouro.
(JUCÁ NETO, 2007, p. 271) – [grifos nossos].

Coetânea à fundação da vila do Icó, a C.R. de 11 de fevereiro de 1736 descreve o roteiro de


implantação para a Vila Boa de Goiás. Logo que se escolhesse um sítio salubre e com
suficiente provimento de água, ela recomendava que:

19 “A carta régia de 1716 mandava que [...]” “Abrimos em parte, exceção para as matrizes de N. S. das Vitórias
de Oeiras, de 1733, e a de N. S. do Carmo de Piracuruca, de 1743. A primeira apareceu dezessete anos
depois da carta régia e a segunda, vinte anos após.” (BARRETO, 1938, p. 221-222) – [grifos nossos].
20 Outra vila sertaneja que, assim como a Môcha, desempenhava o papel de centralidade territorial, militar e

econômica, de aglutinação e irradiação da presença portuguesa na hinterlândia do norte da Colônia.


37
[...]determineis nela o lugar da Praça no meyo da qual se levante o
pelourinho e se assinale a área para o edifício da igreja capaz de receber
competente numero de fregueses ainda que a povoação se aumente, e
que façais delinear por linhas retas a área para as casas com seus quintais,
e se designe o lugar para se edificarem a Casa da Câmara e das
Audiências e cadeia e mais oficinas publicas que todas devem ficar na
área determinada para as casas dos moradores as quais pelo exterior
sejam todas no mesmo perfil, ainda no interior as fará cada um dos
moradores à sua eleição de sorte que em todo o tempo se conserve a
mesma formosura da terra e a mesma largura das ruas. Junto a vila fique
bastante terreno para logradouro público[...] (D. JOÃO V, 1736 apud
JUCÁ NETO, 2007, p. 60)

Essa redação se repete quase idêntica em várias outras cartas régias de criação de vilas,
como Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso, de 05 de agosto de 1746; Santa
Cruz do Aracati, no Ceará, de 17 de julho de 1747; São José do Rio Negro, no Amazonas,
de 03 de março de 1755; e também na C.R. de 19 de junho de 1761, que ordenara criar vilas
nas freguesias existentes da Capitania do Piauí e elevar a Vila do Môcha à Cidade de Oeiras.
A invariabilidade nas recomendações é reveladora de um método próprio português de
fazer vilas, negando o improviso e a simples submissão ao sítio, deixando patente a rotina e
a constância do planejamento, praticado na abstração legislativa das cartas régias.21

Acompanhando as cartas régias, havia recomendações de caráter mais específico, do punho


de secretários de Estado ou ministros do Ultramar, que tratavam da conveniência de
acomodação do novo com as preexistências, do resguardo de padrões sanitários mínimos,
da separação de funções urbanas conflitantes, entre outras. Nesse sentido, o documento de
fundação da vila do Aracati marcou uma evolução no planejamento urbano setecentista
português, tornando-se um modelo a orientar a implantação de demais vilas na colônia:

A fórmula de Aracaty logrou tanto êxito que as autoridades


recomendavam-na como modelo para a construção de outras cidades.
Por exemplo, quando o Conselho Ultramarino instruiu o governador
Gomes Freire de Andrade a criar oficialmente uma vila na localidade de
Rio Grande, no extremo sul do Brasil, recomendou a utilização do
modelo de Aracaty (DELSON, 1997, p. 24).

21 Esse padrão urbanístico português adquiriu maturidade na reconstrução de Lisboa, destruída pelo
terremoto em 1755, adotado em um núcleo urbano de maiores proporções e de escala de importância
mundial. A doutrina norteadora da implantação de vilas e cidades se traduzia pelo desejo de afirmação do
Iluminismo sobre a sociedade e a natureza, alterando a forma e a organização dos espaços urbanos ainda
remanescentes do medievo, tendo repercussões diretas sobre a fundação e remodelação dos núcleos urbanos
no Brasil até meados do século XIX.

38
Sabe-se, porém, que o Senado da Câmara encontrava bastante dificuldade nos
procedimentos de implementação das normativas na fundação das novas vilas, tendo que
adaptar a idealização das cartas régias às escassas possibilidades materiais, técnicas e de
recursos humanos dos locais mais distantes dos grandes centros. Raramente contava com
um arquiteto ou engenheiro militar para guiar os trabalhos de arruação, ficando a cargo de
práticos ou de funcionários leigos da Câmara.

Após os procedimentos inaugurais de implantação das vilas, foi no


trabalho cotidiano da Câmara Municipal, de ordenamento do
crescimento dos núcleos, onde se deu o embate entre as normativas reais
que se queriam impostas e os condicionantes do lugar. [...] É exatamente
na relação dialética entre o que vinha de fora e o que era do lugar onde
figuram as características de cada desenho. Aqui o lugar é tanto objeto de
intervenção e já resultante da ação de uma razão imperial – fundamental
para a ocupação e fixação da autoridade portuguesa – como de uma
razão local, resistindo à sua caracterização como espaço unicamente
redutível às normativas. (JUCÁ NETO, 2007, p. 106)

Resta claro que o caso do Aracati foi exemplar apenas no que tange ao planejamento, já
que a aplicação prática das instruções urbanísticas foi morosa, complicada e parcial.

A existência de uma única vila na Capitania do Piauí não foi o suficiente para agregar a
administração de tamanha vastidão de terras e rebanhos, controlar o comércio e apaziguar
os indígenas. Cinco décadas após a fundação da Vila da Môcha, a Coroa Portuguesa
resolveu ampliar a rede urbana na Capitania, de forma enfática e seguindo um
planejamento bem urdido. Num caso distinto das demais capitanias, o Piauí teve sua capital
elevada ao status de cidade e várias vilas instaladas concomitantemente seguindo as
recomendações de um mesmo documento. A Carta Régia de 29 de julho de 1759
determinara a criação de vilas no Piauí, que havia sido efetivada como capitania autônoma
no ano anterior. Em decorrência desta não ter tido aplicação prática, outra Carta Régia de
19 de junho de 1761 ordenara a elevação à vila das freguesias existentes na Capitania, ainda
que suas ínfimas populações e desenvolvimento econômico não justificassem tal medida.
No caso, o fator político foi preponderante: numa capitania em que os jesuítas controlavam
os meios de produção, a Coroa precisava ocupar o vazio deixado após a expulsão deles e o
confisco de seus bens.

Eis um trecho da Carta:

E para que as referidas vilas se estabeleçam com maior felicidade, - sou


servido ordenar-vos, que, passando às referidas freguesias, depois de
haverdes publicado por editais o conteúdo desta e de haverdes feito

39
relação dos moradores, que se oferecerem para povoar as referidas vilas -
convocareis todos para determinados dias, nos quais sendo presente o
povo, determineis o lugar mais próprio para servir de praça a cada uma
das vilas, fazendo levantar no meio delas o pelourinho, assinando área
para se edificar uma igreja, capaz de receber um competente número de
fregueses, quando a povoação se aumentar, como também as outras
áreas competentes para as casas das vereações e audiências, cadeias e
mais oficinas públicas, fazendo delinear as casas dos moradores por linha
reta, de sorte que fiquem largas e direitas as ruas.
Aos oficiais das respectivas câmaras, que saíram eleitos, e aos que lhe
sucederem, ficará pertencendo darem gratuitamente os terrenos, que se
lhes pedirem para casas e quintais nos lugares, que para isso se houver
delineado; só com a obrigação de que as ditas casas sejam sempre
fabricadas na mesma figura uniforme, pela parte exterior, ainda que na
outra parte interior as faça cada um conforme lhe parecer, para que desta
sorte se conserve a mesma formosura nas vilas, e nas ruas delas a mesma
largura, que se lhes assinar as fundações.
Junto das mesmas vilas ficará sempre um distrito, que seja competente,
não só para nele se poderem edificar novas casas na sobredita forma,
mas também para logradouros públicos; e este distrito se não poderá em
tempo algum dar de sesmaria, nem de aforamento em todo ou em parte
sem especial ordem minha, que derrogue esta; porque sou servido, que
sempre fique livre para os referidos efeitos.
Para termo das referidas vilas assinareis nas suas fundações o terreno da
freguesia, onde cada uma delas for situada; e assim vós, como os
governadores que vos sucederem poderão dar de sesmarias todas as
terras vagas que ficarem compreendidas nos referidos termos: dando-as,
porém com as cláusulas e condições que tenho ordenado, exceto no que
pertence a extensão da terra, que tenho permitido dar a cada morador;
porque nos contornos das ditas vilas, e na distância de seis léguas ao
redor delas não poderão dar de sesmaria a cada morador mais do que
meia légua em quadro, para que aumentando-se as mesmas vilas, possam
ter as suas datas de terra todos os moradores futuros.
Permito, contudo, que dentro da sobredita distância de seis léguas se
conceda uma data de quatro léguas de terra em quadro, para a
administrarem os oficiais das câmaras, e para do seu rendimento fazerem
as despesas e obras do conselho, aforando aquelas partes da mesma terra
que lhe parecer conveniente, contanto que observem o que a
Ordenações do Reino dispõe a respeito destes aforamentos. Fora das
ditas seis léguas, darei vós, e os governadores vossos sucessores as
sesmarias na forma das ordens que tenho estabelecido para o Estado do
Brasil.
Depois de terdes determinado as fundações das sobreditas vilas na
referida forma, impondo-lhes os nomes mais notáveis deste Reino, ou
conservando os das referidas freguesias, no caso que não sejam bárbaros;
elegereis as pessoas que hão de servir os cargos delas, como se acha
determinado pela Ordenação. (D. JOSÉ I, 1761 apud COSTA, 1974, p.
145-146).

40
Figura 8 – Croqui da vila do Aracati, evidenciando o núcleo original da povoação do Porto dos
Barcos e o sítio Cruz das Almas, escolhido para demarcação da praça e ereção do pelourinho em
ocasião da instalação da vila em 1748, que foi preterido em razão da permanência da população no
núcleo original. Em 1780, um novo pelourinho foi erigido defronte à Casa de Câmara e Cadeia, entre
a Rua Grande e a Rua do Comércio, razão pela qual a cidade não tem hoje uma praça principal.
Fonte: Ilustração elaborada pela 19ªSR/IPHAN sobre desenho em JUCÁ NETO, 2007, p. 325.

Figura 9 – Croqui de trecho do delta do rio Parnaíba, evidenciando o núcleo original da povoação do
Porto das Barcas (ou Feitoria) e a localidade chamada Testa Branca, escolhida pelo Governador da
Capitania para demarcação da praça e ereção do pelourinho em ocasião da instalação da vila de São
João da Parnaíba em 1762, sendo abandonada no ano de 1770 por conta da recusa da população local
em transferir-se para a nova localidade, distante cerca de 1 légua das oficinas de charque e do
atracadouro dos barcos.
Fonte: Ilustração elaborada pela 19ªSR/IPHAN sobre mapa do município de Parnaíba IBGE-1956.

41
O Piauí contava à época com sete freguesias, sendo uma delas a de Nossa Senhora das
Vitórias, com sede na Vila do Môcha. De fato, foram criadas pelo Governador João Pereira
Caldas, durante o ano de 1762, as vilas de São João da Parnaíba, Jerumenha, Marvão (atual
Castelo do Piauí), Valença, Parnaguá22 e Campo Maior, quando o mesmo saiu em diligência
visitando cada paróquia e executando os atos inaugurais das novas vilas. Conforme o
Quadro 6, as vilas foram instaladas nas sedes das freguesias, com exceção de Parnaíba e
Valença. No caso da freguesia de Nossa Senhora da Conceição dos Aroazes, não se sabe a
razão de ter sido preterida pelo povoado de Caatinguinha23, cerca de oito léguas ao sul, para
a ereção da vila de Valença. As instruções reais deixavam a cargo da população o melhor
local para a fundação de cada vila. Por certo, houve alguma conveniência do sítio ou
pressão de algum poderoso fazendeiro para situar o pelourinho próximo de suas terras,
porém trata-se de hipóteses.

QUADRO 6
Roteiro do Gov. João Pereira Caldas na implantação das vilas piauienses em 1762
Data Freguesia Vila fundada Sítio escolhido
03/06 Nossa Senhora do Livramento Parnaguá matriz
22/06 Santo Antônio do Gurguéia Jerumenha matriz

08/08 Santo Antônio do Surubim Campo Maior matriz

18/08 Nossa Senhora do Monte do Carmo de Piracuruca São João da Parnaíba outro povoado

13/09 Nossa Senhora do Desterro do Rancho dos Patos Marvão matriz

20/09 Nossa Senhora da Conceição dos Aroazes Valença outro povoado

24/09 Vila do Môcha – Nossa Senhora das Vitórias Cidade de Oeiras vila / matriz

Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

Quanto à freguesia de Nossa Senhora do Monte do Carmo, as razões da opção pelo Delta
do Rio Parnaíba para sediar a vila foram eminentemente comerciais, bem mais que
militares, pois não há registros de fortificações no local. O povoado do Porto das Barcas se
achava a cerca de vinte e uma léguas de distância da igreja matriz, localizada na ribeira do

22 Este assunto é controverso, visto existirem no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, diversos
documentos anteriores a esta Carta Régia dando conta do funcionamento da Câmara de Parnaguá, sendo o
mais antigo de 1721. Pereira da Costa também cita a existência de uma Carta Régia, datada de 02 de
dezembro de 1698, que determina a criação da vila de Parnaguá. (COSTA, 1974).
23 No local, se achava a Capela de Nossa Senhora do Ó, para onde a sede da freguesia de Aroazes foi

transferida em 1836.
42
Piracuruca, e já apresentava vultoso comércio de charque e couros, estimando-se à época
um abate de mais de doze mil reses por ano. A Coroa precisava estar presente para taxar os
rendimentos da produção escoada por grande número de barcos que ali aportavam. Isso
somado à sua considerável população e à sua localização estratégica foram determinantes
na escolha do Governador. Por razões de salubridade pública, para evitar a proximidade
com odores fétidos advindos das oficinas de salga e a presença de animais carniceiros, foi
escolhido o lugarejo chamado Testa Branca para demarcação da praça com pelourinho e
construção das novas habitações, igreja e prédios públicos, situado também às margens do
rio Igarassu, que demorava uma légua das oficinas e atracadouro dos barcos (ver Fig. 9).
Houve uma resistência geral da população em abandonar o povoado do Porto das Barcas,
pois ficava bastante inconveniente ter as atividades de produção distante das moradias. O
desamparo de Testa Branca motivou no ano de 1770 a transferência oficial do pelourinho
para as proximidades do Porto das Barcas, com a demarcação da praça principal num sítio
livre de enchentes, e o início da construção da Igreja de Nossa Senhora da Graça e da Casa
de Câmara e Cadeia, ao passo que as charqueadas foram deslocadas para lugares um pouco
mais distantes, de maneira a não comprometer a saúde da população.

Figura 10 – Mapa das freguesias da Capitania do Piauí no século XVIII. Localização dos povoados-
sedes das igrejas matrizes elevados a vilas no ano de 1762, evidenciando as vilas de São João da
Parnaíba e de Valença como exceção, em virtude da opção por outro povoado para fixação do
pelourinho e prédios públicos que não a cabeça da freguesia.
Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

43
Encerrando sua enorme jornada para dar cumprimento à C.R. de 19 de junho de 1761 com
a tarefa de fundar uma vila em cada freguesia do Piauí, retornou o Governador João Pereira
Caldas, a 24 de setembro de 1762, à então Vila do Brejo da Môcha, onde executou o ato
solene de elevação da mesma à cidade com o nome de Oeyras do Piauhy, em tributo ao
Conde de Oeiras, o futuro Marquês de Pombal. Em carta se dirige a el-Rei D. José I:

Porquanto havendo-me Sua Majestade mandado erigir em vilas todas as


freguesias desta capitania, por carta firmada pela sua real mão, e datada
de 19 de junho do ano próximo passado; foi juntamente servido
determinar-me na mesma carta que logo as ditas vilas fossem
estabelecidas, havia por bem criar esta em Cidade capital delas. E
porquanto, havendo eu concluído a fundação de todas as referidas vilas;
e havendo-me presentemente recolhido a esta, se acha ela nos termos de
poder principiar a gozar do generosíssimo efeito daquela clementíssima e
real resolução. Ordeno, que em observância dela, se fique esta vila
conhecendo de hoje em diante por Cidade, e denominando-se com o
mesmo nome de Oeiras do Piauí, que proximamente lhe impus de novo.
(CALDAS, 1762 apud COSTA, 1974, p. 153).

QUADRO 7
Cronologia das Cidades coloniais
Período Cidades
Salvador (1549)
Meados século XVI
Instalação do Poder Real Rio de Janeiro (1565)
João Pessoa (1585)

São Luís (1615)


Fins século XVI e século XVII Cabo Frio (1615)
União Ibérica e Restauração
Belém (1616)

Olinda (1676)
São Paulo (1711)
Século XVIII
Mariana (1745)
Mineração e Pecuária
Oeiras (1762)
Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

44
Apensas à Carta Régia, havia um outro documento contendo recomendações do secretário
de Estado Francisco Xavier de Mendonça Furtado, encaminhadas ao Governador da
Capitania do Piauí João Pereira Caldas. Alguns trechos estão citados abaixo:

[...] deve ser o de Vossa Mercê persuadir e fazer persuadir aos mesmos
povos que também a nobreza deste reino tem fazendas a 5, 10, 15, 30,
40, 50, 60 e mais léguas fora das cidades e vilas onde habitam; e que por
isso não vai viver com os gados e com os irracionais nessas distâncias
para se escurecer até vir a perder a nobreza na habitação de ermos tão
remotos; por cuja razão as pessoas distintas, ou que se procuram
distinguir, costumam viver, nas cidades e vilas, terem nas fazendas
criados e administradores para tratarem delas, e irem então visita-las de
tempos em tempos, para não se perderem.
[...] deve ser o de Vossa Mercê fazer eleger em cada uma das ditas
freguesias, pelos votos de todas as pessoas mais consideráveis delas, sem
excluir alguma, o lugar que pode ser mais próprio para a fundação da
vila.
[...] deve ser o de Vossa Mercê contribuir por conta da fazenda real assim
como as faculdades dos dízimos de cada uma das sobreditas freguesias o
forem permitindo para a fundação das igrejas, sem indecência nem
excesso, e para fabricarem casas de câmara e cadeias.
[...] lhe previno, que logo, que nos lugares, que se elegerem para as ditas
fundações, se estabelecerem seis ou sete famílias, e se lhes levantar igreja,
pelourinho, casa de câmara e cadeia, isso bastará para que dentro de em
pouco tempo se façam populosas as referidas vilas pela concorrência dos
outros moradores do seu termo; porque assim sucedeu sempre nas
fundações de todas quantas vilas el-Rei nosso senhor mandou plantar no
território da capitania da Bahia, as quais havendo principiado há poucos
anos, por seis ou sete casas, se acham populosas até o número de 500 e
600 vizinhos (FURTADO, 1761 apud COSTA, 1974, p. 148).

Daí se depreende a importância, para a Coroa Portuguesa, da fundação de vilas e cidades


que agregassem a população numa convivência urbana, considerando o isolamento rural
como pernicioso para uma ação civilizadora, na qual o refinamento dos costumes da
Europa iluminista deveria ser reproduzido em toda a Colônia. Podemos destacar a
preocupação do planejador na escolha do melhor sítio de implantação, no traçado das ruas,
na aparência dos edifícios, na localização de logradouros e serviços públicos, no
crescimento urbano e até mesmo no topônimo das vilas. É interessante transcrever a
avaliação de Paulo Thedim Barreto sobre a C.R. de 1761:

Não é preciso salientar o valor desse documento, do ponto de vista


arquitetônico, urbanístico e até moral. Assim é que, as cidades do Piauí
surpreendem pelo número de praças, pela unidade arquitetônica, pela
largura das ruas e pelo seu bom traçado. Essas cidades que, desde então,
vêm realmente crescendo, se nos apresentam como se fossem delineadas
hoje, e em observância aos bons princípios. Essas cidades já nasceram
urbanizadas. (BARRETO, 1938, p. 190-191).
45
Figura 11 - “Carta Geografica da Capitania do Piauhi, e parte das adjacentes – Levantada em 1761
por João Antonio Galuci”.
Fonte: Fundação Biblioteca Nacional. Decalcado e adaptado por 19ªSR/IPHAN.

46
O anseio por urbanidade remonta à Antiguidade greco-romana, fundada nos conceitos de
polis e de civitas, caracterizando uma oposição acentuada entre a cidade e o campo ao criar
duas categorias de indivíduos: cidadãos e bárbaros. Com a crise do feudalismo na Baixa
Idade Média, o surgimento e o crescimento dos burgos retomaram esta dicotomia. A partir
do século XII na Península Ibérica, as cartas de foral reconheceram as liberdades e os
privilégios dos habitantes dos intramuros nas novas vilas em relação aos camponeses ainda
atrelados à servidão feudal. Este conceito se cristalizou e persistiu na implantação de vilas e
cidades de colonização ultramarina até o século XVIII, evidenciando um menosprezo pelo
ambiente rural, associado à rusticidade.

Os termos relacionados à cidade denotam a educação, a cultura, os bons


costumes, a elegância: urbanidade vem do latim urbs; polidez da polis
grega. [...] Além disso, a Idade Média acrescenta a essa oposição campo-
cidade um terceiro termo: a floresta. O lugar mais selvagem é a floresta.
O campo, onde é habitado, onde é valorizado, permanece, em certo
sentido, um reflexo da cidade que, aliás, o domina, em particular
economicamente, ao passo que a floresta é irredutível. (LE GOFF,
1998, p. 124-125).

A aversão medieval européia à floresta foi ampliada na colonização da América, por


encontrar aqui um ambiente tropical, sujeito a doenças desconhecidas, a ataque de feras e
de tribos indígenas hostis. Até os próprios bandeirantes, que se embrenhavam nas matas e
nos sertões, eram vistos pela nobreza e pelo clero como homens grosseiros e repugnantes,
não muito distantes dos silvícolas não catequizados.24

De todas as sedes paroquiais do Piauí em 1762, apenas a Vila do Môcha tinha uma
população considerável, sendo registrados no censo 270 fogos em área urbana e suburbana,
contando 1.120 pessoas25, enquanto nas demais, se registravam apenas entre 60 e 160
habitantes. O lugarejo de Testa Branca, escolhido para ereção do pelourinho da vila de São
João da Parnaíba contava com apenas 4 fogos e 19 moradores, entre os quais 11 escravos.
As novas vilas teriam que partir praticamente do zero nos procedimentos de implantação,
enquanto a Oeiras se impunha lidar com as preexistências. Por já possuir um templo bem
edificado de boas dimensões, um regato com provimento regular de água e uma numerosa
população, achou-se por bem conservar a Cidade de Oeiras no sítio às margens do Môcha.

24 Somente no século XIX, através do advento do ideário romântico e da ciência moderna, com as expedições
científicas de naturalistas, é que o campo e a natureza intocada foram valorizados como ideal de pureza e de
boas virtudes, numa vida bucólica e idílica.
25 Das quais 655 eram pessoas livres e 465 escravos.

47
Não há conhecimento de iconografia da cidade anterior ao final do século XVIII, portanto
não sabemos da sua feição urbana antes da aplicação dos instrumentos preconizados na
Carta Régia. No Arquivo Histórico Ultramarino, consta uma carta ao Rei do O uvidor-
Geral do Piauí José de Barros Coelho, datada de 1731, pedindo a construção de uma
cadeia, de uma casa de câmara e de um pelourinho para a Vila do Môcha. Em 1735, houve
uma nova solicitação do Ouvidor-Geral Francisco Xavier Morato Boroa sobre a
necessidade de espaço para logradouro público na vila e da nomeação de um funcionário
na câmara para se encarregar da aferição de pesos e medidas. Em 1750, o Senado da
Câmara do Môcha fez um requerimento ao Rei sobre a concessão de verbas para a
inadiável construção do edifício que abrigasse a câmara e a cadeia pública.

Estes constantes apelos do poder local endereçados à Coroa são indícios de que a vila
perpassou várias décadas sem o Conselho da Câmara conseguir constituir patrimônio para
a construção de prédios públicos, crescendo sem definição de arruamento, sem
alinhamento dos lotes e sem praça. Provavelmente apenas um acanhado adro da Igreja das
Vitórias cumpria a função de lugar de encontro.

A ação inicial do encarregado da Câmara no cumprimento das determinações urbanísticas


da Carta Régia seria a demarcação da praça central. Essa é uma diferença primordial nos
procedimentos de fazer vilas durante o século XVIII em relação às etapas passadas no
quadro evolutivo do urbanismo português na América, que até o século anterior ainda
guardava resquícios da cidade medieval. A praça central materializa uma complexa trama de
relações entre economia, política, técnica e poder.

No desenho da vila, a praça é a representação máxima do poder do


conquistador; marca do mecanismo instalador da cidade. Não é mais um
espaço residual, não está mais à margem do traçado, tampouco no
encontro de malhas diferentes que se constituíram com o tempo.
Passando a ocupar, geralmente com uma forma regular quadrada ou
retangular, uma posição central no tecido urbano, torna-se o elemento
gerador do desenho da vila. (JUCÁ NETO, 2007, p. 81)

A Praça das Vitórias tem a configuração de um trapézio, próximo a um quadrado, com


seus lados medindo aproximadamente entre 500 e 600 palmos.26 Uma praça com estas
dimensões representava um patamar de importância intermediária na geopolítica
pombalina, que propugnava 250 palmos para pequenas vilas e aldeias e 1000 palmos para

26 Um palmo português equivale a medida de 22 centímetros. 500 palmos equivalem a 110 metros.
48
grandes cidades capitais. Com o mesmo alento, foi demarcada a Praça da Graça em
Parnaíba no ano de 1770, com precisos 500 palmos em quadro.

Ao contrário da praça central de Parnaíba, que se implantou com rigor geométrico em


terreno limpo e plano, é muito provável que a demarcação da praça em Oeiras tenha
demandado demolições de construções e acomodações a um traçado rudimentar
preexistente, como a inflexão de sua face oeste, que desfaz o paralelismo e direciona o
vértice noroeste para a vereda que acessava os olhos d’água do riacho da Môcha e o
caminho para São Luís do Maranhão.

Figura 12 – Conformação atual da Praça das Vitórias.


Fonte: Arquivo 19ªSR/IPHAN – ano 2007.

Quando o planejador falava em “delinear as casas dos moradores por linha reta, de sorte que fiquem
largas e direitas as ruas”27, tratava-se de manter a rua sempre com uma mesma largura
uniforme, de acordo com a sua hierarquia, sem estreitamentos ou obstruções, e que o
arranjo das edificações faceando a mesma não apresentasse reentrâncias, seguindo no
mesmo alinhamento. Isto não significa que as ruas não pudessem sofrer desvios, formando
quadras diferentes do quadrado e do retângulo, principalmente quando anteriormente já
houvesse habitações, visto que o tratado de Serrão Pimentel28 recomendava que “[...]ainda

27Carta Régia de 19 de junho de 1761.


28Ver em Jucá Neto (2007), Método Lusitânico de Desenhar as Fortificações das Praças Regulares e Irregulares de Luís
Serrão Pimentel, datado de 1680.
49
que se derrubassem e se cortassem muitas casas, não se deviam arruinar as povoações mais do que fosse
preciso”. O espaço intra-urbano e as transformações físicas da Oeiras colonial serão
analisados com mais profundidade no capítulo Evolução Urbana.

Após a formação desta rede urbana inicial, não houve mais nenhuma outra vila fundada
durante o período colonial, restringindo novos núcleos a povoações paroquiais e aldeias de
índios pacificados. Durante a Regência no ano de 1832, novamente por um mesmo ato
oficial, foram elevadas em conjunto cinco povoações ao status de vila na Província do Piauí:
Piracuruca, São Gonçalo, Jaicós, Vila do Poty e Príncipe Imperial.29

A importância da Carta Régia de 19 de junho de 1761 é crucial, possuindo este documento


o merecido enaltecimento em qualquer livro que trate sobre a História do Piauí Colonial.
Contudo, devemos atentar para o alerta do historiador Teixeira da Silva, para o qual
“[...]fazer História apenas através de leis publicadas pelo Estado, sem uma análise mais
detalhada das condições locais – num país étnica, cultural e geograficamente multiforme –
pode resvalar muito rapidamente para uma forma bem intencionada de etnocentrismo”.
(SILVA, 1996, p. 10). Ressaltemos os limites de aplicação prática que a idealização social e
urbanística, gestada em Lisboa, teve no sertão piauiense do século XVIII, em constante
conflito com as vicissitudes do meio. Mais do que a abstração das normativas portuguesas,
frequentemente o empirismo do saber-fazer local forjou a arquitetura e o traçado urbano.

A diferenciação de desenho entre as vilas coloniais piauienses, criadas sob o mesmo


instrumento de planejamento, é prova inconteste desta relação dialética no processo de
evolução urbana, permeado de descontinuidades e particularidades. Se ampliarmos nosso
olhar para as vilas criadas nas demais capitanias durante o século XVIII, com princípios
normativos de regulação urbanística bastante semelhantes, a grande variedade de
configurações urbanas percebidas reforça ainda mais esta assertiva. Neste sentido, nos
coadunamos com o pensamento do arquiteto e historiador Nestor Goulart Reis Filho na
defesa de uma perspectiva histórica de nossas cidades sob o ponto de vista dos brasileiros:

A História do Brasil Colonial foi escrita sobretudo a partir de


documentos administrativos portugueses. Estes visavam apenas aos
aspectos relevantes para a dominação colonial e revelam uma completa
indiferença, quando não ignorância, sobre muitos aspectos da vida local.
Por esta vertente se chega a uma perspectiva de desvalorização social dos
habitantes do Brasil Colônia. (REIS, 2000, p. 09).

29 Em 1880, a vila de Príncipe Imperial passou a fazer parte da Província do Ceará — em permuta com a vila
litorânea de Amarração (hoje município de Luís Correia) posteriormente passando a se denominar Crateús.
50
A mudança da capital

Das vilas fundadas em 1762, apenas Parnaíba se consolidou economicamente e, ao longo


dos séculos XVIII e XIX, se tornou a mais desenvolvida do Piauí, motivando a
reivindicação de seus habitantes para torná-la sede dos poderes. Na Descrição da Capitania de
São José do Piauí, relatada em 1772 pelo Ouvidor Antônio José de Morais Durão,
percebemos que houve bastante resistência da população local em se agregar nos núcleos
urbanos, sob a vigilância dos poderes civil e religioso:

Cuidam muitos habitantes deste país em fugir da sociedade vivendo nos


matos e brenhas, onde se figuram mais livres e donde vem a falta de
instrução que padecem, e o respirar tudo a bárbaro e feroz. [...] Estão as
vilas ao desamparo, sem haver quem as povoem, sem artífices para as
obras necessárias, sem homens para o trabalho, e sem aumento algum.
Destas fogem eles30 com todo o desvelo, porque nelas se havia de
examinar o seu modo de viver e se poderiam capturar quando
delinquissem com toda a facilidade[...] (DURÃO, 1772 apud MOTT,
1985, p. 24 e 27).

Em 12 de dezembro de 1797, assume o governo da capitania do Piauí o sargento-mor de


infantaria D. João de Amorim Pereira. Já em 08 de abril de 1798, ele envia ofício ao
ministro do Ultramar relatando as dificuldades de comércio e provisão de víveres que a
capitania enfrentava, enumerando as inconveniências de manter a capital na cidade de
Oeiras e as vantagens para o desenvolvimento econômico do Piauí com a mudança para a
vila de Parnaíba.

Neste documento, o governador ressalta bastante a necessidade de diversificação da


economia, através da implantação de culturas agrícolas em grande escala, especialmente o
algodão, o açúcar, o arroz e o tabaco, combinada com o comércio. Segundo ele, o rio
Parnaíba reunia as condições ideais pela fertilidade de suas margens e sua navegabilidade,
devendo para ele convergir os investimentos e esforços humanos:

Em todas as partes do mundo o que faz a abundância é o comércio, e o


que o promove são as facilidades que a natureza ou a arte lhes
administra: o transporte pelo rio é sempre cômodo, muito mais quando
as suas mencionadas margens lhes oferecem produções interessantes. O
que fez aumentar o comércio do Maranhão foi a produção das matas do
rio Itapecuru, que, sendo muito extensas, não excedem as do Parnaíba,
na barra de cujo rio está situada a vila de São João da Parnaíba, que,
apesar de não ter tido uma pessoa vigilante para seu aumento e
comércio, está muito mais melhorada, que esta cidade, não só na
construção de seus edifícios e regularidade de interior, mas na
abundância quem sempre há nela, tanto pelo seu termo, como pelos

30 Indivíduos agregados de fazendas, aos quais o Ouvidor da Capitania reputa uma índole delituosa.
51
contínuos socorros que lhe entram pela barra, como pelo interior do
mencionado rio. (PEREIRA, 1798 apud COSTA, 1974, p. 205).

Neste outro trecho da carta, o governador descreve a povoação da barra do rio Poty, onde
viria a ser fundada a Vila do Poty em 1832, que deu origem à cidade de Teresina:

O rio Parnaíba é tão próprio para uma grande navegação, produção e


cultura, que espontaneamente na barra que nele faz um dos muitos, que
se lhe ajuntam, e que são navegáveis até certa distância, principalmente
no tempo das chuvas, chamado Poty, um dos ditos de maior produção,
se formou uma povoação tal, com negócio, capela e um cura desta
freguesia, que não só é melhor que quase todas as vilas, como que não
precisa mais nada do que a criação de um juiz. (PEREIRA, 1798 apud
COSTA, 1974, p. 205).

A pecuária, em grave crise, não teria capacidade de impulsionar a economia da capitania


dentro da nova conjuntura dos mercados mundiais que se apresentava na virada do século
XVIII para o XIX. Estava claro que as razões de escolha do sítio às margens do riacho
Môcha para sediar os poderes temporal e espiritual nestes sertões com a ereção da freguesia
de Nossa Senhora das Vitórias em 1697 (ratificadas pela instalação da vila em 1717 e
elevação à cidade em 1762) estavam ultrapassadas.

As discussões acerca da transferência da capital do Piauí foram recorrentes, sempre


estimuladas pela Câmara da vila de Parnaíba, onde tinham assento os ricos comerciantes
locais. Em 30 de março de 1804, o Governador Pedro José César de Meneses envia um
ofício ao Príncipe Regente D. João, comunicando a necessidade de instalação de uma
alfândega nesta vila e as vantagens de ela tornar-se a sede da Capitania:

Não há dúvida que de todas as vilas da capitania, a de São João da


Parnaíba foi a que aumentou com mais rapidez, logo na sua fundação,
porém o seu comércio há anos tem paralisado. Ela é, com efeito, pela
situação e porto de mar, capaz para o comércio com as capitanias do
Maranhão, Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, de onde
vinham em outro tempo embarcações a comerciar, e ali se vendia a
escravatura por preços cômodos. Ainda assim no ruinoso estado que se
acha a agricultura e o comércio desta capitania, é a vila de São João da
Parnaíba mais opulenta que esta capital de Oeiras, e em todo o sentido a
que tem mais capacidade para nela se habitar, e para a residência do
governador desta capitania, onde não experimentará a indigência e
penúria que aqui padece, ainda dos víveres de primeira necessidade.
(MENESES, 1804 apud COSTA, 1974, p. 215).

52
O debate se reacendeu em 1812 e 1816, numa queda-de-braço entre a Câmara de Oeiras e a
Câmara de Parnaíba. Os parnaibanos listavam as vantagens supracitadas e ofereciam até a
construção do palácio dos governadores às suas expensas. Os oeirenses alegavam ainda os
antigos fatores de localização: a posição geográfica centralizada na Capitania, a segurança
contra ataques estrangeiros e a proximidade das fazendas do real fisco, que lhes facilitavam
a administração.

As revoltas e conturbações no Brasil e em Portugal durante o reinado de D. João VI (1816-


1826) desviaram a atenção do assunto a propósito da mudança da capital. Com a iminência
da independência do Brasil, a Coroa Portuguesa sabia da impossibilidade de conservar
integralmente a sua principal colônia, porém vislumbrava a manutenção do domínio sobre
as capitanias do norte, que faziam parte do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão. Para
isso, foi nomeado governador das armas do Piauí, em 26 de abril de 1822, o major João
José da Cunha Fidié, tomando posse em 09 de agosto na cidade de Oeiras.

Segundo Costa (1974), em 19 de outubro a vila de Parnaíba aderiu oficialmente à


independência proclamada pelo Príncipe Regente D. Pedro. A notícia chegou a Oeiras, de
onde partiram as tropas comandadas por Fidié para sufocar o movimento. Temendo as
represálias, os líderes se refugiaram na vila de Granja, no Ceará. Ao chegar a Parnaíba em
dezembro, Fidié não encontrou a mínima resistência e reafirmou a soberania do Rei de
Portugal. Em 24 de janeiro de 1823, aproveitando-se da ausência de Fidié, a cidade de
Oeiras também proclamou a independência do Brasil sob os auspícios do Imperador D.
Pedro I, seguida pela vila de Campo Maior em 02 de fevereiro. Então, Fidié marchou de
Parnaíba em direção a capital para combater os insurgentes e conter o perigo de invasão
das tropas cearenses pró-independência. Em 13 de março, às margens do riacho Jenipapo,
a uma légua da sede da vila de Campo Maior, aconteceu uma sangrenta batalha, na qual
piauienses e cearenses deram combate ao exército português, munidos de foices, facões e
garruchas.31

Os brasileiros tiveram centenas de baixas, mas conseguiram assaltar mantimentos e


munições, forçando os portugueses a se aquartelarem na vila de Caxias, no Maranhão, onde
encontravam a simpatia de grande população lusa. A rendição final com o cerco de Caxias

31 Os brasileiros mortos na batalha do Jenipapo foram enterrados no mesmo local do combate. As covas
foram demarcadas cada qual com uma pequena cruz de madeira e lajotas de arenito colocadas em desarranjo
umas sobre as outras. Por ocasião do centenário da independência do Brasil, foi erguido no local um colunelo
comemorativo de alvenaria e madeira. O Cemitério do Batalhão foi tombado pelo patrimônio histórico e
artístico nacional em 30 de novembro de 1938, com a inscrição nº 113 no Livro Histórico e nº 232 no Livro
das Belas-artes. Pelo Decreto nº 99.058 de 07 de março de 1990, foi elevado a Monumento Nacional. Desde
12 de janeiro de 1937 foi interditado para novos sepultamentos.
53
se deu em 12 de agosto, pondo fim às pretensões portuguesas em manter o sistema
colonial na América, o que garantiu a preservação da unidade territorial nacional.

Esta pequena digressão que narra sumariamente os valorosos acontecimentos das lutas da
independência do Brasil na província do Piauí serve para citar o nome de Manoel de Sousa
Martins, um dos líderes da resistência contra os portugueses, tendo sua habilidade
reconhecida pelo Imperador, que o agraciou com o título de Barão da Parnaíba, recebendo
posteriormente o título de Visconde da Parnaíba em 1841. Em 20 de setembro de 1824, ele
tomou posse no governo da província, exercendo o cargo até 1828. Em 17 de fevereiro de
1831, novamente assumiu a presidência, ocupando o cargo ininterruptamente até 30 de
dezembro de 1843. Sendo grande entusiasta da cidade de Oeiras, rechaçou durante seu
governo as tentativas de transferência da capital da província. Encerrado o ciclo do
Visconde da Parnaíba32, já em 23 de agosto de 1844 foi editada uma Lei Provincial
determinando a criação de uma cidade a ser chamada de Regeneração nas proximidades da
barra do rio Canindé33, para abrigar a nova capital. Porém, não levada a cabo e tornada letra
morta em 1848. Parnaíba, que tanto reivindicou a sede da província, estava praticamente
descartada de abrigá-la, apesar de ter sido elevada à cidade em 1844. O governo de Zacarias
de Góes e Vasconcelos (jul/ 1845 – set/ 1847) foi pródigo em melhoramentos urbanos à
velha capital, desconsiderando os debates que precipitariam na fundação da nova capital
logo em seguida. Grandes somas de recursos do tesouro provincial foram alocadas na
construção de importantes edificações na cidade de Oeiras, como o Palácio dos Presidentes
da Província, o Hospital de Caridade e a Ponte Grande do Môcha.

Em 07 de setembro de 1850, assumiu a presidência o conselheiro José Antônio Saraiva. No


início de sua gestão, recebeu uma representação das câmaras de Parnaíba, Piracuruca e
Campo Maior, apresentando diversos motivos para a mudança da capital para a cidade de
Parnaíba. Sabendo da forte oposição dos oeirenses, apresentaram também como uma
segunda alternativa a transferência para a Vila do Poty, localizada na barra do rio de mesmo
nome.34 O Conselheiro Saraiva acolheu a proposta e em novembro deste ano empreendeu

32 Sua influência era tão grande na política piauiense, que Pereira da Costa escreve que “[...]em 1844, não
existiam ainda na província partidos políticos bem discriminados. Os piauienses dividiam-se, porém, em duas
parcialidades assaz poderosas, uma das quais trabalhava tenazmente a favor da influência, então decaída do
Visconde da Parnaíba, que por mais de 20 anos predominou na província; a outra se empenhava com todos
os seus esforços para que a influência do visconde, que consideravam perniciosa, jamais se reabilitasse no
Piauí.” (COSTA, 1974, p. 452).
33 Onde hoje se situa a cidade de Amarante.
34 Desde a primeira metade do século XVIII este sítio é ressaltado em documentos oficiais por sua localização

estratégica, salubridade e provisão de víveres. Apesar de já ter uma população considerável desde o fim deste
século e reunir condições de sediar uma vila, só foi elevado a esta condição em 1832.
54
uma viagem a esta vila para ficar ciente das condições em que se encontrava. Ao se deparar
com uma vila arruinada, sujeita a endemias e a cheias periódicas do rio, mandou executar
uma Lei Provincial de 1842, que autorizava a câmara da Vila do Poty a transferir a sede
para um local próximo. Ele escolheu pessoalmente, com a concordância dos moradores, o
sítio chamado Chapada do Corisco a cerca de uma légua ao sul da vila, ordenando edificar a
nova matriz e residências. De retorno a Oeiras, trabalhava discretamente, neutralizando a
ferrenha oposição e preparando o empreendimento da mudança da capital. Em julho de
1852, foi aprovada na Assembléia Provincial a resolução transferindo a capital para a Vila
Nova do Poty, elevada à categoria de cidade com o nome de Teresina, em homenagem à
Imperatriz. A instalação e definitiva transferência se deram no dia 16 de agosto do mesmo
ano.

Os fatores de localização da nova capital estavam ligados à estratégia de dominação das


rotas comerciais entre o Maranhão, o Ceará e Pernambuco, até então polarizadas na cidade
maranhense de Caxias35. Para viabilizar o novo projeto político de desenvolvimento
econômico da província, se fazia necessário suplantar a influência caxiense como principal
entreposto mercantil da região. O início da navegação a vapor no rio Parnaíba em 1859 o
transformou num importante eixo comercial, colaborando com o rápido crescimento
urbano de Teresina e com a ratificação da hegemonia econômica da cidade de Parnaíba. O
curral e a igreja foram substituídos pelo cais e o comércio no aparecimento dos núcleos
urbanos ao longo do rio, como as cidades de Floriano, Amarante, União e Luzilândia. Há
uma notável diferenciação dos arranjos espaciais dos desenhos das vilas piauienses surgidas
na Colônia e no Império, que demonstra um ponto de inflexão na linha de evolução do
urbanismo no Piauí, com o surgimento de novos programas, práticas sociais e
representações de poder, frutos das transformações em curso com a transição dos regimes.

A fundação de Teresina marcou o desfecho do longo processo histórico de declínio da


pecuária extensiva, atividade econômica que determinou a ocupação destes sertões, a
fundação da cidade de Oeiras e a criação da capitania do Piauí. Em paralelo às motivações
econômicas, a emergência do projeto político-ideológico das elites de meados dos
oitocentos colaborou com a renúncia à velha capital. A imagem da cidade colonial, sem
regularidade de arruamento, com um tênue ordenamento urbanístico e com sua arquitetura
de tradição luso-brasileira e vernacular, passou a ser rechaçada por ser identificada como

35Antiga missão jesuíta de Aldeias Altas. Importante povoação colonial do ciclo do gado e florescente núcleo
comercial no início do século XIX, situada no vale do Itapecuru a onze léguas da barra do Rio Poty. Foi
elevada à vila em 1811 e à cidade em 1836.
55
barroquismos e signos do atraso de um período de dependência política que se queria
renegar. Os cânones da missão francesa trazida ao Rio de Janeiro em 1816 repercutiram em
todas as províncias ditando a arquitetura neoclássica e o urbanismo cartesiano do
arruamento em xadrez como as materializações do progresso e do ideário moderno na
cidade. Em muitas províncias, as capitais sofreram intervenções e expansões urbanas sob
esta lógica, como Recife, Belém, São Paulo e Fortaleza. No Piauí se optou por planejar e
construir uma nova capital, fato que se repetiu em Sergipe, em Minas Gerais e, já no século
XX sob os princípios do urbanismo modernista, em Goiás.

A mesma preocupação dos governos provinciais em estruturar urbanisticamente a cidade-


capital, também tinha o governo imperial. O assunto da mudança da capital do Brasil já
surgiu logo após a independência em 1823, se baseando em três argumentos: de defesa
contra ataques de nações inimigas; da interiorização do país; e do inconveniente do Rio de
Janeiro em sediar a capital do Império, por estar sujeito a constantes epidemias e revoltas.
A opção pelo Planalto Central data desta época, mas só virou lei com sua inclusão na
primeira constituição republicana em 1891. A pedra fundamental foi lançada na
comemoração do centenário da independência, até que o presidente Juscelino Kubitschek
executou a determinação constitucional da sua construção na década de 1950.

Figura 13 – Mapa Político do Brasil em 1823. Em destaque o local preconizado por Varnhagen para
sediar a capital do Império, bem próximo ao atual Distrito Federal.
Fonte: Ilustração elaborada pela 19ªSR/IPHAN.

56
No Museu da Cidade de Brasília, localizado na Praça dos 3 Poderes, na quarta lápide se
encontra gravado o seguinte texto, que ratifica a importância referencial de O eiras na
organização do território brasileiro:

A Francisco Adolfo Varnhagen se deve, há meio século passado, a mais


acurada campanha pela interiorização. "Qual é o local mais conveniente
para fixar a sede do governo imperial?", pergunta numa de suas
memórias. "Cremos haver deixado demonstrada a conveniência da
exclusão de todos os portos do mar", responde, acrescentado razões de
comunicação, transporte, produção, segurança, clima, assistência e ação
civilizadoras - que militam para que fique "A distância igual dos cinco
pontos, Rio, Bahia, Cidade de Oeiras, Cuiabá e Curitiba. [grifo nosso]

Duzentos anos após a experiência reformadora e modernizadora pombalina, a fundação da


cidade de Brasília foi o ápice de todo esse processo de transformações urbanísticas e
territoriais acontecidas no país. Oeiras em 1762, Teresina em 1852, Brasília em 1960:
edificadas sob regimes políticos, preceitos e escalas díspares, mas que guardam em comum
o esforço de ocupação do interior do país e de espelhar, como capitais, o projeto político-
ideológico vigente, cada uma, ao seu tempo, modernas e promessas de desenvolvimento,
utopias que o tempo se encarregou de desconstruir.

A decadência da cidade

A perda do status de capital acarretou a decadência da cidade. Os proventos das Fazendas


Nacionais diminuíam consideravelmente a cada ano. Em 1897, houve uma das primeiras
experiências de industrialização no sertão nordestino, com o arrendamento das fazendas
públicas pelo Dr. Antônio Sampaio, explorando seu rebanho para fornecimento do leite a
ser processado na Fábrica de Manteiga e Queijo que ele edificou no povoado de Campos.36
Apesar de se tratar de um empreendimento ousado, em pouco tempo se tornou deficitário,
tendo vida curta. Nos anos de 1930/40, a cidade gozou uma retomada no desenvolvimento
com o extrativismo da cera da carnaúba, embarcada no vapor pelo cais de Floriano em
direção a Parnaíba, onde era comercializada por firmas inglesas de importação e
exportação. No entanto teve caráter efêmero, quando o preço da cera despencou no
mercado mundial.

36Atual município de Campinas do Piauí. O edifício da fábrica teve tombamento estadual em 1997. Em 2008
foi finalizado o dossiê para tombamento federal, aguardando reunião do Conselho Consultivo do IPHAN
para seu reconhecimento nacional, junto com a Escola Rural de Floriano, ambas as edificações remanescentes
das antigas Fazendas Nacionais.
57
Durante o século XX, O eiras perdeu paulatinamente a importância frente às cidades de
Floriano e Picos37, que se afirmaram como cidades-pólo, enquanto ela se restringiu ao
comércio incipiente e à agricultura de subsistência, num quadro de estagnação econômica
que enfrenta até os presentes dias.

37Oeiras fica no meio do caminho das duas cidades, ligadas pela BR-230 (Transamazônica), a 110Km de
Floriano e a 85Km de Picos.
58
EVOLUÇÃO URBANA

O quadro urbano da capitania do Piauí no século XVIII era muito incipiente. Diversas
razões contribuíram para o lento desenvolvimento dos núcleos urbanos coloniais:
a economia pecuarista, de forte base agrária, concentrava a população nas fazendas. No
ano de 1772, 85% das pessoas habitavam na zona rural;
a forma de comércio do gado vivo, geralmente negociado nas praças de consumo, não
ensejava o fomento de um importante entreposto comercial na capitania, com exceção da
vila de São João da Parnaíba;
a baixa monetarização da economia e a distância dos centros comerciais da colônia,
receptores dos artigos manufaturados, forçaram a auto-suficiência não só na alimentação,
mas também no vestuário, mobiliário, construção, utensílios domésticos, etc;
o absenteísmo dos proprietários contribuía no desinteresse em estruturar núcleos urbanos
que abrigassem a elite senhorial. Em 1772, cerca de 20% das fazendas ainda pertenciam a
senhores que habitavam em outras capitanias ou no Reino38. O percentual era bem maior
no início do século;
não havia lavra de metais preciosos ou produção agromanufatureira de exportação,
acarretando em menor empenho da Coroa na montagem do aparelho burocrático estatal
arrecadador e fiscalizador, este essencialmente urbano.

Há grande dificuldade em fazer um histórico da evolução urbana das cidades coloniais


piauienses, devida à parca bibliografia e documentação a respeito do assunto. Poucos
documentos da administração colonial já foram objetos de transcrição dos originais
manuscritos, enquanto as obras de historiadores como Pereira da Costa ou Odilon Nunes
raramente informam sobre a construção de edificações administrativas e religiosas, técnicas
e materiais construtivos, tipologia arquitetônica, arruamentos, aforamentos de terrenos,
resoluções da Câmara relativas às edificações e usos do espaço urbano, etc. A cidade de
Oeiras, mesmo tendo sido a capital da província, não foge à regra.

Oeiras teve seu início nos brejos do Riacho da Môcha39, afluente do Rio Canindé, num sítio
cercado por outeiros, escolhido em 11 de fevereiro de 1697 como sede da primeira

38 Segundo Mott (1985), no ano de 1774, das 579 fazendas arroladas na Capitania do Piauí, 107 pertenciam a
senhores que moravam na Bahia e em Portugal principalmente e ainda no Maranhão, Ceará e Pernambuco.
Nos termos da Cidade de Oeiras, o percentual de absenteísmo era maior, chegando a 30%.
39 Conta-se que o nome do riacho se deve a uma vaca mocha que pastava no local e se servia de um olho

d’água que minava ao lado do riacho.


59
freguesia a ser instalada na capitania do Piauí, consagrada a Nossa Senhora da Victoria. Os
fatores de localização da cabeça da freguesia foram relatados pelo padre visitador Miguel de
Carvalho ao Bispo de Pernambuco, em ata da reunião de fazendeiros, que decidiram que
“[...] fizeçe a Igia no Breyo chamado a Mocha por ser a parte mais conveniente aos
moradores de toda a Povoação, ficando no meio della com iguaes distançias e caminhos pa.
todos os riachos e partes povoadas[...]” (CARVALHO, 1697 apud CARVALHO JR., 1985,
p. 19). Já em 02 de março do mesmo ano, se achava erigida uma acanhada capela de taipa
coberta com palhas de pindoba, por não haver quem fabricasse telha na região. No entorno
da capela, começou a se constituir um pequeno povoado, com a agregação de choças e
casas de taipa. Entretanto, havia já o intento da construção de um templo mais amplo com
a demarcação de seus futuros alicerces ao derredor da pequena capela. Em 1733 foi
concluída a Igreja de Nossa Senhora das Vitórias, como atesta a inscrição em pedra acima
da portada principal40, tendo sofrido alguns acréscimos, reformas e demolições nos séculos
seguintes. Implantada a meia-encosta de um terreno inclinado, ela domina o amplo e
generoso espaço conformado pelo casario, que desde então se afirmou como o centro
articulador da cidade.

A freguesia foi elevada à categoria de vila em 1712, contudo somente em 26 de dezembro


de 1717 foi instalado de fato o Senado da Câmara. Em 28 de janeiro de 1723 foi provido o
cargo de ouvidor da comarca, dando início ao poder judiciário. Por ocasião da instalação da
vila, o governador do Maranhão enviou muitas famílias para povoação desta e, pouco
tempo depois, trezentos degredados portugueses, oferecendo vantagens aos que fossem ali
habitar.

A esse tempo, o espólio de Domingos Mafrense, com suas dezenas de fazendas (incluindo
escravos, gado bovino e cavalar) ao longo dos vales dos rios Canindé e Piauí, foi deixado
em herança aos jesuítas do Colégio da Bahia. Com a construção de um hospício e uma
capela, os padres da Companhia de Jesus se estabeleceram no cume de uma pequena colina,
localizada quinhentos metros ao sul da Igreja Matriz.41 A hipótese mais provável é de que
estas edificações tenham sido levantadas entre as décadas de 1720/ 30, portanto
concorrentes à conclusão da Igreja das Vitórias.

40 “HOC EST DOMV S DOMIN I – FIRMITER ÆDIFICA TA A N N O DOMIN I 1733”. Em livre tradução
significa: Esta é a casa (ou templo) do Senhor – edificada solidamente no ano do Senhor de 1733.
41 O planejamento inicial dos inacianos era estabelecer no Môcha um seminário, porém a cúpula da Ordem

decidiu concentrar os estudos de toda aquela região na missão de Aldeias Altas (atual Caxias/ MA), mesmo
após o investimento na construção das edificações.
60
Com a expulsão dos jesuítas em 1760, seus bens foram confiscados. O hospício, então, foi
transformado em sede do Governo da Capitania do Piauí, como nos leva a crer uma vista
da cidade de fins do século XVIII, na qual recebe a denominação de Palacio. Uma outra
vista, datada de 1809, retrata o edifício com um único pavimento, planta retangular, pátio
central enclausurado pelas quatro faces, coberta de duas águas em cada ala, chaminés dos
fornos e muitos vãos de esquadrias. O viajante inglês George Gardner, em passagem por
Oeiras no ano de 1839, ressaltou as suas qualidades arquitetônicas, ao descrevê-lo como
“[...]um grande e belo edifício, ora em ruínas, que foi o colégio dos jesuítas antes de sua
expulsão do Brasil” (GARDNER, 1975, p. 125), deferência concedida a apenas mais um
edifício em sua descrição da cidade. Informações de moradores mais antigos dão conta de
que, em suas infâncias, costumavam brincar no “poço dos jesuítas”, engenho em pedra
para abastecimento de água potável, hoje oculto sob os alicerces de um posto de saúde,
assim como as fundações em pedra do hospício foram recobertas por pavimentação em
intervenção de urbanização recente.42

Figura 14 – Pormenor da Planta da Cidade de Oeiras de 1809, com a vista do bairro do Rosário. Além
do casario, estão representados a fonte do governador, a capela dos passos, o palácio e a igreja, à
época sem torre e com alpendres laterais à nave.
Fonte: Original do Arquivo Histórico do Exército - AHEx.

Figura 15 – Livre reconstituição da arquitetura do conjunto de hospício e capela dos jesuítas em


Oeiras, com base na vista da cidade datada de 1809. Óleo sobre tela de autoria de Zuleika Tapety.
Fonte: Cópia extraída do livro Passeio a Oeiras (CARVALHO JR, 1985, pág. 71).

A capela dos jesuítas, provavelmente, foi entregue ao patrimônio da Irmandade de Nossa


Senhora do Rosário. Apesar de a igreja se encontrar atualmente um tanto descaracterizada,

42Pelas fotografias da década de 1980, vê-se que até essa época o Largo do Rosário era um grande terreiro de
chão batido.
61
o inconfundível risco jesuíta da capela original é facilmente perceptível na fachada principal
austera e bem proporcionada, com frontão triangular renascentista, janelas ladeando a porta
principal, entre outros elementos que guardam referência com outras obras de arquitetura
jesuítica realizadas no Brasil.
No entorno do adro desta igreja se desenvolveu outro núcleo populacional, chamado de
Largo do Rosário. A população negra aí se estabeleceu, pela vizinhança do templo
consagrado à santa de sua devoção e pelo afastamento do núcleo central habitado pela
população branca, estruturando um arranjo socioespacial baseado na segregação de classes.
Não encontramos quaisquer referências documentais ou vestígios físicos de senzalas no
espaço urbano de Oeiras, seja incorporada à residência do senhor ou em edificação
exclusiva para este fim. Já na arquitetura rural piauiense, pouquíssimos exemplares de casas
de fazendas possuem algum elemento ou vestígio de local para habitação/ cárcere de
escravos. Daí presume-se que o controle sobre a escravaria no sertão pecuarista era
exercido mais tenuemente do que nas minas e nos canaviais, reservando aos negros cativos
o direito de se organizarem em comunidades, pelo ajuntamento de choupanas de pau-a-
pique cobertas de palha próximas à sede da vila ou à casa de fazenda senhorial. Os escravos
destinados aos afazeres domésticos comumente habitavam na residência do seu senhor, em
alguma alcova ou em edícula nos fundos do terreno.
Atualmente ainda se observa certo isolamento do bairro do Rosário com o restante do sítio
histórico. A ligação entre os dois núcleos era feita por uma ponte de longarinas de madeira
sobre colunas de cantaria, construída no século XVIII sobre o Riacho da Pouca
Vergonha43, seguindo pela Rua da A margura, também chamada Rua da Ponte (atual Major
Manuel Clementino). No local da antiga ponte, existe uma outra em concreto armado. No
século XIX, mais duas pontes venceram o pequeno riacho. Ambas davam acesso à Rua do
Tanguitá (atual Benjamin Constant), uma pela Rua das Portas V erdes (atual Manoel
Rodrigues), outra pela Rua das Flores (atual José Sérvio).

“Em 1758, segundo o padre José de Morais na sua História da Companhia de Jesus, Oeiras
já tinha um ouvidor, ministro de letras, juízes e mais oficiais da câmara, e a milícia da
ordenança com o seu capitão-mor.” (COSTA, 1974, p. 83). No ano anterior, foi editado
um alvará criando duas escolas para instrução primária de meninos e meninas em Oeiras.
Entretanto, somente em 1815, a primeira escola regular da província foi instalada na cidade.

43Segundo a tradição oral, o nome do regato é antiqüíssimo, em virtude de ser local de banhos e atos lascivos
de escravos e escravas, aonde adolescentes de famílias brancas iam observá-los sorrateiramente, estimulando
suas primeiras curiosidades sexuais, censuradas pela religião. Em 1819, já é citado com esta denominação
pelos viajantes Spix e Martius em passagem pela cidade.
62
A elevação da Vila da Môcha ao status de cidade em 1762 e a criação da Capitania do Piauí,
desanexada do Maranhão, deu certo impulso ao seu lento desenvolvimento urbano, com a
implantação de alguns órgãos da administração real. O Governador João Pereira Caldas
chegou imbuído das ordens reais de dotar Oeiras de feições urbanas notáveis, assim como
as demais cidades do Reino. Procedeu de imediato a elaboração de um censo das pessoas e
construções da cidade, dos subúrbios e dos arrabaldes, conforme documento datado de
1762 44, e um novo pelourinho foi erigido em pedra entre a Igreja Matriz e a Câmara:

Na mesma pr.al Praça e na distancia q’medeya entre a Sobred.a Matris, e


Paços do Conss.o se acha sentado o Pellourinho obra de pedra com Suas
escadas no qual lugar foy posto de novo por ordem, e mandato do d.o
Ill.mo S.r Governador Ioa’o Pereyra Caldas, expedida aos Camaristas p.a o
dito feito, por ser de antes sentado em Lugar menos proprio, e que
Servia de embaraço. (MACEDO, 1762 apud FALCI, 2000/2001, p. 175).

Segundo Moura (2000/ 2001), é relevante a presença das irmandades religiosas na vida
social e econômica da Oeiras nos setecentos. Proprietárias de considerável patrimônio
imobiliário, como se comprova no censo de 1762, elas obtinham renda com o aluguel de
moradias aos religiosos e aos funcionários da Coroa e suas famílias durante a temporada de
exercício de seu cargo ou pastoreio na cidade. Ainda alugavam residências para habitação
sazonal de famílias de toda a freguesia em idas à cidade para festividades religiosas, assim
como para o pouso de mercadores, que traziam produtos como sal, tabaco, entre outros.
As irmandades religiosas mais antigas são as de N . S. da Victoria (1697) e do Santíssimo
Sacramento (1704), havendo ainda outras importantes, como a de Sant’A nna, de São João
Nepomuceno, das A lmas, de N . S. do Carmo, de N . S. da Conceição, de N . S. do Rosário e de São
Benedito.

A maioria da população se constituía de militares, funcionários da burocracia estatal,


religiosos, comerciantes e escravos, enquanto profissionais liberais e artesãos apareciam em
menor número. Poucos fazendeiros mantinham residência permanente no núcleo urbano,
preferindo morar com a família na sua propriedade rural. A Praça da Matriz, abrigando os
símbolos do poder, refletia espacialmente o quadro social da vila sertaneja, pois pela

44 Trata-se do “Acento das cazas proprias, e de aluguer q’ocupa’o os moradores da Cidade de Oeyras
capitannia de Sa’o Ioze’ do Piauhy’, Suas Famillias, Pessoas de hum, e outro sexo, mossos, Escravos, Seus
Subúrbios, e a Rebaldes, cazas, e Rossas delles q’o Ill.mo S.r Ioa’o Pereyra Caldas Governador da dita
Capitanni’a mandou fazer, e averiguar por Domingos Barreyra de Macedo Capp.am mor da mesma Cid.e, e da
Governança della, de que foy Escriva’o Luis Ant.o Ribr.o da mesma Governança”, cujo original manuscrito se
encontra preservado na Torre do Tombo (Portugal). A transcrição do documento foi realizada por Marcus
Simões Amorim e publicada em Falci (2000/2001).
63
proximidade ou afastamento da residência em relação à praça se identificava a posição do
indivíduo na pirâmide social.

Figura 16 – “Oeyras do Piauhi”. Autoria desconhecida, fins do século XVIII.


Fonte: Original manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa. Cópia extraída de REIS, 2000, pág. 139.

No levantamento de 1772, foram contados 157 fogos na sede da cidade e 139 nos
subúrbios. Apesar do envide de esforços metropolitanos em desenvolver a Cidade de
Oeiras e em aumentar a sua população, eles esbarravam na carência de recursos locais. Da
pena do Ouvidor da Capitania Antônio José de Morais Durão, tem-se nesta data uma
desalentadora descrição do grau de urbanização da cidade, enredada num estado quase
letárgico de crescimento:

64
Não tem relógio, Casas de Câmara, cadeia, açougue, ferreiro ou outra
alguma oficina pública. Servem de Câmara umas casas térreas de barro e
sobre que corre litígio. A cadeia é cousa indigníssima sendo necessário
estarem os presos em troncos e ferros, para segurança. A casa do
açougue é alugada, e demais coisa nenhuma. As casas da cidade todas são
térreas até o próprio palácio do Governo. Tem uma rua inteira, outra de
uma só face, e metade de outra. Tudo o mais são nomes supostos; o de
cidade verdadeiramente só goza o nome. (DURÃO, 1772 apud MOTT,
1985, p. 24).

O desenho do fim do século XVIII intitulado “Oeyras do Piauhi” (Fig. 16) mostra uma vista
da cidade de oeste. Nele apreende-se aproximadamente 225 edificações, contando três
igrejas, um quartel de milícias e apenas um sobrado. O pelourinho se fincava na Praça da
Matriz, no local onde hoje se encontra o patamar de acesso ao Cine Teatro, defronte à
primeira sede da Câmara. Esta está arrolada no levantamento das edificações da cidade, em
documento datado de 1762, assim descrita: “Huma’ morada de Cazas que sa’o Paços do
Consselho desta Cid.e, caza de Camera Vereacoen’s e Aud.as e sa’o próprias do d.o Senado.”
(MACEDO, 1762 apud FALCI, 2000/2001, p. 178).

A Igreja de Nossa Senhora da Conceição teve sua construção iniciada na segunda metade
do século XVIII, pois não consta do levantamento supracitado. Na vista, ela está retratada
com a aparência de inacabada, ainda em obras. Há uma residência identificada como Caza
do V igrio, que pode corresponder à Casa do Visconde45, porém trata-se de uma suposição.
Constam ainda como destaque a Caza do Ouvidor no flanco norte da Praça da Matriz, a Caza
do Cullegio no Largo da Conceição, o Açogue no local do atual mercado público, a Caza do
Caminho na saída para o Maranhão e a Caza da Irmandade no caminho do Rosário. Nos
arrabaldes da cidade, após o Largo da Conceição, se encontra o bairro do Caquenguis e ao
longo do riacho da Môcha estão plantadas algumas chácaras, com pequenas roças de
palmeiras e de cana-de-açúcar, sendo possível até identificar dois engenhos com moendas
de força animal. Vêem-se ao fundo os morros circundando o núcleo urbano, em destaque
o morro do Leme, aqui denominado Morro da Paciência. Da geografia local também estão
registrados os dois riachos e as fontes de água potável: Bica, Poço de D. Jose e Poço das 3 Pedras
no Môcha e o Olho d’Agoa no Pouca Vergonha, onde seria construído um chafariz no início
do século XIX.

45Casa térrea setecentista que serviu de residência ao Visconde da Parnaíba e também como sede do governo
do Piauí, quando este presidiu a província durante duas décadas na primeira metade do século XIX. Foi
tombada pelo patrimônio cultural do Estado em 22 de abril de 1986.
65
Figura 17 – Livre reconstituição do
chafariz, mandado construir pelo
Governador Burlamaqui num olho
d’água do Riacho da Pouca Vergonha,
com base na vista da cidade datada de
1809. Óleo sobre tela de autoria de
Zuleika Tapety.
Fonte: Cópia extraída do livro Passeio a
Oeiras (CARVALHO JR, 1985, pág. 81).

Figura 18 – Pormenor da Planta da Cidade de


Oeiras de 1809, mostrando um sítio nas cercanias
da colina do Rosário, às margens do Riacho da
Môcha. A propriedade suburbana tem casa com
planta em ‘U’, roças e uma roda d’água.
Fonte: Original do Arquivo Histórico do Exército -
AHEx.

O sobrado anteriormente citado, que aparece com a denominação de Cadeia N ova,


certamente corresponde ao Sobrado dos Ferraz, o mais antigo da cidade. Nesta perspectiva
de traços elementares, ele é representado com três portas no pavimento térreo e três janelas
no pavimento superior. Contudo, atualmente sua fachada principal possui cinco portas no
pavimento térreo e cinco portas com balcões no pavimento superior, sem garantir certeza
se o edifício sofreu um acréscimo ou foi uma falha de representação do autor do croqui.

Numa C.R. de 1761, endereçada ao Governador João Pereira Caldas, o Rei D. José I
ordena o perdão das dívidas do Senado da Câmara de Oeiras referentes ao não repasse à
Coroa do terço dos rendimentos dos bens do Conselho, visto estes recursos terem sido
aplicados na construção da cadeia da cidade, levantada após 1750. Pela vista da Cidade de
Oeiras (fig. 16), é presumível que essa edificação se situasse nos fundos da Igreja Matriz, na
Rua da Cadeia V elha, como era, à época, denominado um trecho da atual Rua Nogueira
Tapety. Já em junho de 1787, houve um expediente dos oficiais da Câmara de Oeiras à
Rainha D. Maria reclamando da ausência de uma Casa de Câmara e da fragilidade da cadeia
pública, de pequenas dimensões e vulnerável a constantes fugas de detentos. Pelas datas
dos documentos, deduz-se que o primeiro sobrado da cidade, com a função de abrigar a
66
nova cadeia pública, foi erigido na última década do século XVIII e que a cidade adentrou
o século XIX sem uma edificação adequada e definitiva para as vereações e audiências do
Senado da Câmara. Em planta da cidade do ano de 1809 (Fig. 19), este sobrado é ressaltado
como uma das realizações do governo de Carlos César Burlamaqui (1806-09), com a
denominação de Caza de Camera e Cadeia, alentando a hipótese de que ele sofreu uma
reforma e ampliação para abrigar este uso.

Figura 19 – “Planta da Cidade de Oeiras da Capª de S. Ioze do Piauhy, que presidiu o Ilmo. Senhor
Gor. Carlos Cezar Burlamaqui, por Joze Pedro Cezar de Menezes, no anno de 1809 – Vista da parte de
Oeste”. Editada pela 19ªSR/IPHAN.
Fonte: Original do Arquivo Histórico do Exército - AHEx.

Burlamaqui também executou melhoramentos no palácio do governo, construiu um


mercado público e um chafariz de pedra e cal em um olho d’água, abriu novas estradas e
cuidou das finanças e arrecadação da dívida pública. Logo no primeiro ano, se iniciaram as
obras do cemitério da cidade, atendendo à provisão do bispo do Maranhão, que proibiu
sepultamentos no interior das igrejas. O lugar escolhido se situa à atual Praça Costa

67
Alvarenga, onde existiu até 1940 um cruzeiro, resquício do antigo campo santo. Percebe-se,
em fotografias da Igreja Matriz no início do século XX, a existência de um jardim lateral
cercado, possivelmente destinado a sepultamentos, demolido por volta da década de 1940,
numa grande reforma pela qual a igreja passou.

No quadro abaixo, estão destacados os prédios de função pública outrora existentes e


aqueles edificados sob as ordens do Governador Burlamaqui:

QUADRO 8
Edificações de função pública listadas na planta de 1809
Levantadas no Governo Burlamaqui
Existentes (Séc. XVIII)
(1806-09)
A. Palácio I. Casa de Câmara e Cadeia (outrora
B. Igreja Matriz Cadeia Nova)
C. Igreja do Rosário L. Quartel para os Soldados e Hospital
D. Igreja da Conceição do Fisco
E. Casa da Câmara
M. Casa de Açougue e Carnes
F. Cadeia
G. Hospital do Real Fisco N. Fonte
H. Açougue O. Cemitério
Fonte: “Planta da Cidade...”. Elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

No final do seu governo, ele ordenou elaborar os Mapas gerais da população da capitania de São
José do Piauí e das forças militares da mesma capitania, que são importante referência para o
conhecimento do estágio de desenvolvimento dos núcleos urbanos piauienses no início do
século XIX, cujos originais se encontram no Arquivo Histórico do Exército. Além da
Cidade de Oeiras, estão retratadas as vilas de Parnaíba e Jerumenha e a Aldeia de São
Gonçalo dos Índios (hoje cidade de Regeneração).

No começo do século XIX, a ocupação da Praça da Matriz e da Rua do Fogo (atual Rua Cel.
Luiz Rego) já estava consolidada, enquanto o casario ainda esparso delineava algumas ruas,
com larguras entre três e cinco braças46, seguindo o alinhamento das testadas. O renque de
casas se arrimava umas nas outras sem recuo lateral, compartilhando as empenas e
adotando um mesmo padrão uniforme, baseado na morada inteira e suas variantes: meia-
morada, porta-e-janela, morada-e-meia.47

46Braça é uma antiga medida portuguesa equivalente a 2,20 metros.


47 No levantamento arquitetônico realizado em 1976 já não foi identificado nenhum exemplar de porta-e-
janela e de meia-morada, sendo a maioria das edificações a morada inteira. Nosso estudo identificou
exemplares na Rua Benedito Carneiro e na Rua Cazé Sá, porém de construção vernacular do século XX.
68
Figura 20 – Tipologia arquitetônica das casas de moradia no Piauí, inventariadas por Paulo Thedim
Barreto na década de 1930.
Fonte: BARRETO, 1938, p. 197.

A abstração legislativa da C.R. de 1761 manifesta-se palidamente na configuração urbana,


visto que o arruamento se guiou muito mais pelos imperativos da geografia local: as ruas se
desenharam ao longo das veredas de acesso às fontes de água potável e de ligação com as
estradas reais, enquanto os espaços de descanso das tropas de mulas, do comércio e do
escambo se constituíram em largos. A racionalidade geométrica propugnada nas
determinações reais foi sobrepujada pela espontaneidade dos caminhos, forjados no passo,
na montaria e no girar da roda do carro de bois, caracterizando um traçado urbano
predominantemente orgânico. A regularidade ficou restrita à praça central, concentradora
dos símbolos do poder, e ao encadeamento das fachadas das casas com o mesmo arranjo
de coberta e aberturas, assim como determinava a Carta Régia48.

48Ver a transcrição do texto da C.R. no tópico “A política de controle e planejamento espacial na colonização do Piauí”
no capítulo de “Contextualização histórica”.
69
Figura 21 – Mapa interpretativo da formação do desenho urbano de Oeiras, a partir da geografia
local e dos acessos à estradas coloniais.
Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN sobre a base cartográfica atual.

70
Em 1831, contava-se 4.692 habitantes na sede. Pereira da Costa cita que:

[...]em 1819, Oeiras já apresentava um aspecto de desenvolvimento e


grandeza bem sofríveis49, como se verifica de um quadro estatístico
sobre os estabelecimentos comerciais e oficinas da cidade, organizado
pela municipalidade e dirigido ao governador da capitania, de cujo
quadro se vê que existiam 31 casas comerciais de fazendas, ferragens e
molhados, 14 sapateiros, 7 alfaiates, 7 carpinteiros, 4 ourives, 3 ferreiros,
3 mestres pedreiros, 2 marceneiros, 1 livreiro e 1 seringueiro, contando-
se nas suas respectivas oficinas um pessoal de 53 aprendizes. (COSTA,
1974, p. 83).

Não obstante Oeiras ter apresentado notável crescimento em relação aos setecentos, na
visão dos viajantes estrangeiros da primeira metade do século XIX ainda persistia um
quadro de debilidade urbanística, como percebemos nas descrições dos alemães Spix e
Martius em 1819 e do inglês Gardner em 1839:

“[...] é uma povoação insignificante, que consta de algumas ruas


irregulares, com casas baixas de barro caiadas de branco. [...] O hospital,
instalado especialmente para soldados, contém 40 leitos. A principal
igreja, dedicada à Nossa Senhora da Vitória, e as duas capelas são
edifícios insignificantes. Os jesuítas tinham aqui um colégio, atualmente
casa do vigário, o qual tem autorização do Bispo do Maranhão para
exercer certas funções episcopais. [...] Oeiras, em civilização e riqueza, é
inferior à Vila de Parnaíba que, por sua situação na costa e pelo
considerável comércio de algodão, fumo, couros, sebo e carne salgada,
de todas as povoações da província floresce mais e mais. Acontece que a
própria Oeiras nem mesmo pode ser o empório para os produtos do
interior da província; de fato, as outras vilas, Pernaguá, Jerumenha,
Valença, Campo Maior, Marvão, mandam as suas mercadorias, quer
diretamente ao mar, para a Bahia, Parnaíba e Maranhão, quer para a Vila
de Aldeias Altas, que, situada no navegável Itapicuru, é o mais
apropriado empório para o comércio do Maranhão.” (SPIX &
MARTIUS, 1981, p. 239 e 240) .

“É de construção muito irregular e formada principalmente de uma


grande praça, e de umas poucas ruas que lhe partem dos lados de oeste e
sul. A população não passa de três mil almas, e é constituída em sua
parte mais respeitável, excluídos os funcionários do governo, por
comerciantes varejistas de artigos europeus. A maior parte da mercadoria
vem do Maranhão, transportada em grandes canoas pelo Rio Itapicuru
acima até Caxias, e daí para Oeiras no lombo de cavalos. Outra parte
vem da Bahia pelos mesmos meios de transporte, mas a distância é
grande demais para que tais expedições dêem lucro: trazem-na boiadeiros
que vão lá anualmente vender gado. [...]
A cidade tem três igrejas, duas das quais, embora já bem velhas, estão
inacabadas. Há ainda vários outros edifícios públicos, como cadeia,
quartel, a casa da assembléia da província, a câmara municipal e um
hospital, mas nenhum deles merece menção, exceto a cadeia, que acabara

49 No sentido de considerável, que deve ser levado em conta.


71
de ser construída. Foi edificada sob a superintendência de um
engenheiro alemão, que reside na província desde muitos anos, a serviço
do governo; o prédio é de dois andares, havendo apenas dois outros
edifícios na cidade que lhe são iguais neste particular; a parte inferior
serve de cárcere e casa de correção; a parte de cima é usada como
tribunal de justiça.” (GARDNER, 1975, p. 124 e 125).

É da primeira metade do século XIX a construção dos mais importantes exemplares da


arquitetura civil de Oeiras. Na face leste da Praça Matriz havia a antiga Intendência50,
construída na década de 1830 para sediar a Casa de Câmara e Cadeia, sendo até antes de
sua ruína o mais imponente sobrado da cidade, conforme destacou Gardner; lindeiro à
Igreja das Vitórias, há o Sobrado João Nepomuceno (atual Museu de Arte Sacra), edifício
robusto de proporções harmoniosas, construído no primeiro quartel do século XIX, que,
juntamente com a igreja, enquadra interessante perspectiva; a Casa do Cônego, concluída
em 1836 no quadrante noroeste da Praça da Matriz, é considerada o exemplo mais
relevante ainda íntegro da casa de morada inteira piauiense na cidade.

Figura 22 – Praça das Vitórias na década


de 1930. Ao lado da igreja, as ruínas da
antiga Intendência Municipal,
originalmente Casa de Câmara e Cadeia,
e o casario hoje parcialmente demolido.
Fonte: Arquivo 19ªSR/ IPHAN. Autoria
desconhecida

Figura 23 – Livre reconstituição da


mesma edificação. Óleo sobre tela de
autoria de Zuleika Tapety.
Fonte: Cópia extraída do livro Passeio a
Oeiras (CARVALHO JR, 1985, pág. 27).

50Após anos em estado de arruinamento, foi demolida no final da década de 1930 para dar lugar ao Cine-
Teatro. Provavelmente em 1937 ou 1938, pois Paulo Thedim Barreto não a cita no seu inventário sobre a
arquitetura piauiense.
72
A despeito das fortes pressões pela mudança da capital, o governo de Zacarias de Góes e
Vasconcelos (1845-47)51 realizou a construção de importantes equipamentos urbanos em
Oeiras. Entre eles destaca-se o Palácio dos Presidentes da Província (atual Sobrado Major
Selemérico) para sediar a administração provincial; a Ponte Grande do Môcha, primeira
ponte do Piauí, sólida obra de engenharia com estrutura de arcos de pedra aparelhada e cal,
melhorando o acesso à cidade; e o Hospital de Caridade, iniciado em 1846 e terminado três
anos depois, no Largo do Rosário. Porém o hospital teve vida curta e hoje se encontram
apenas os vestígios arqueológicos de seus alicerces.

QUADRO 9
Nomes atuais e antigos dos logradouros de Oeiras
Atual Antigo Atual Antigo
Rua dos Pecados
Praça das Vitórias Praça da Matriz Rua Getúlio Vargas
Mortais
Rua Benjamin
Praça Mafrense Largo da Conceição Rua do Tanguitá
Constant
Largo do Rosário Largo do Rosário Rua José Sérvio Rua das Flores
Praça Visconde da
Largo do Conselho Rua Cônego João Rua dos Ferreiros
Parnaíba
Rua Tibério Burlamaqui Rua do Norte Rua Coelho Rodrigues Beco do Quartel
Rua Major Manoel Rua da Ponte / Rua Cônego Acilino
Travessa da Igreja
Clementino Rua da Amargura Portela
Rua Cel. Mundico Sá Rua do Hospital Rua Zacarias de Góes Rua Grande
Rua da Ajuda / Rua Cel. Jesuíno
Rua Nogueira Tapety Travessa do Conselho
Rua da Cadeia Velha Moura
Rua Cel. Luiz Rêgo Rua do Fogo Rua Manoel Rodrigues Rua das Portas Verdes

Rua Pe. Damasceno Rua da Bica Rua Cândido Holanda Rua do Sol

Rua Dr. Isaac Sérvio Rua das Pataratas Rua Padre Freitas Rua das Flores

Fonte: CARVALHO JR, 1985 e REIS, 2000.

51Político baiano de grande influência no Segundo Império, presidiu posteriormente a Província de Sergipe e
foi o primeiro presidente da Província do Paraná em 1853. Exerceu os cargos de deputado geral, senador,
ministro da Marinha, da Justiça, da Fazenda, e também Primeiro-Ministro.
73
A definitiva mudança da capital para Teresina em 1852 foi um duro golpe para a
sustentabilidade física e econômica da cidade. Como já ventilado, a elite rural mantinha
contatos esporádicos com a cidade, principalmente nas festas religiosas, enquanto a elite
urbana se constituía do clero e de altos funcionários públicos (civis e militares). A
transferência dos órgãos da administração e de equipamentos públicos para a nova capital
implicou na migração de diversas famílias para Teresina, que se tornou o centro político-
administrativo da província, já que há muito a cidade de Parnaíba havia estabelecido a
hegemonia econômica. Durante a segunda metade do século XIX em Oeiras, o Estado se
desfez de seu patrimônio imobiliário ou mesmo o abandonou à ruína. O único
melhoramento urbano significativo se deu na década de 1860 com a construção do
cemitério no arrabalde norte da cidade, cuja capela destaca-se arquitetonicamente, apesar da
simplicidade do seu partido. Seguiram-se anos de estagnação econômica e a mancha urbana
conservou seus limites de meados do século XIX: ao norte o cemitério, ao leste a Rua
Grande, ao sul a várzea do Pouca Vergonha e ao oeste o Riacho da Môcha.

A partir da década de 1930, o ciclo da carnaúba vicejou uma retomada no desenvolvimento


econômico do município. O extrativismo vegetal dos vastos carnaubais se tornou a
principal atividade produtiva da região, que enviava o pó das palhas da palmeiras para o
cais de Floriano e de lá para Parnaíba, onde a matéria-prima era transformada em cera e
remetida para o mercado externo como insumo na fabricação de produtos industriais.

Este incremento econômico teve rebatimento no espaço urbano com a construção de


edifícios públicos, organizações associativas, bem como o surgimento de novas tipologias
habitacionais ou adequação da feição externa das antigas residências às correntes estéticas
identificadas com a modernidade: o ecletismo e o art-decó. Devido ao isolamento e à falta de
recursos, a aplicação destas novas linguagens arquitetônicas era mais uma interpretação e
adaptação local simplificada de modelos de revistas especializadas, de procedência do Rio
de Janeiro, principalmente. Desta época, podemos destacar o conjunto art-decó da Praça da
Bandeira: o Café Oeiras, o Cine Teatro, a Associação Comercial Oeirense e a Câmara
Municipal (atualmente descaracterizada); também o Mercado de Carnes e o Posto de
Puericultura, no mesmo estilo. Além destes, foram erigidos ainda no período o novo prédio
do Grupo Escolar Costa Alvarenga52 e o Mercado Público, que eram programas
arquitetônicos de uma política pública nacional do Estado Novo, disseminada pelos
municípios de todo país.

52Este grupo escolar funcionou primeiramente no Sobrado João Nepomuceno, mudando para a nova sede na
década de 1940.
74
Figura 24 – Vista vôo de pássaro da Praça da Bandeira (Passeio Público) na década de 1950,
arborizada com ficus benjamin.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
Figura 25 – Mercado de Carnes em estilo art-decó na Rua Jesuíno Moura.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 26 – Grupo Escolar Costa Alvarenga, inaugurado na década de 1940.


Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
Figura 27 – Antigo edifício do Posto de Saúde, localizado na Praça da Bandeira, completamente
descaracterizado no ano de 2002 com a construção de um segundo pavimento para abrigar a Câmara
Municipal.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 28 – Posto de Puericultura, que se encontra atualmente bastante deteriorado.


Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
Figura 29 – Antigo edifício da Prefeitura Municipal de Oeiras.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
75
O surto de desenvolvimento foi curto, e na década de 1950 a cidade retornou ao ritmo
dolente de estagnação que houvera experimentado por bastante tempo. Os limites urbanos
pouco diferiam daqueles do fim do século XIX, apenas com a incorporação de áreas
periféricas, como o Sítio do Canela.

O grande êxodo rural inverteu a característica do município, provocando a migração da


população para a zona urbana em busca de possibilidades que o campo já não oferecia. A
cidade iniciou a expansão para o setor leste em direção ao Morro do Leme53. O novo
loteamento implantado não guarda nenhuma referência com a cidade antiga, sem a riqueza
visual de perspectivas e percursos desta. Os atributos do bom desenho urbano, como
acomodação ao relevo natural, espaços livres de encontro, caminhos e pontos focais foram
prescindidos pela adoção da tábula rasa do loteamento xadrez. A cidade nova adotou um
modelo indiscriminado na implantação dos elementos urbanos (lotes, quadras, edifícios,
vias e espaços verdes), sem diferenciações entre si que conferissem identidade e
legibilidade.

Figura 30 – Perspectiva a vôo de pássaro do centro histórico de Oeiras em primeiro plano e ao fundo
o contraste do traçado com a expansão da mancha urbana na segunda metade do século XX.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Ano 2008.

53A Rodovia Transamazônica (BR-230), antiga Rodagem de Floriano, limitou o crescimento da cidade ao
norte e o Riacho da Môcha ao oeste.
76
Figura 31 – Perspectiva a vôo de pássaro da zona leste, próxima ao Morro do Leme, mostrando o
loteamento em xadrez implantado na segunda metade do século XX, revelando um desenho urbano
ausente de vitalidade e de particularidade.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Ano 2008.

Na segunda metade do século XX não se assinalou uma edificação de relevância


arquitetônica para a cidade, apesar do advento de alguns equipamentos públicos, como um
núcleo avançado da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Mesmo com a expansão
urbana, o núcleo antigo não perdeu sua centralidade. A principal área comercial continuou
a ser o entorno do mercado e da Praça Visconde da Parnaíba, acarretando degradação
arquitetônica e apropriação do espaço público pelo comércio informal. Ao passo em que as
antigas residências necessitavam de reparos, seus proprietários as reformavam com
materiais industrializados de baixa qualidade construtiva, descaracterizando cobertas,
elementos decorativos, esquadrias, pinturas parietais, etc, quando não as abandonavam até
o completo arruinamento. A estrutura fundiária da cidade do período colonial também
sofreu descaracterizações. Os lotes estreitos e compridos, que conferiam hierarquia de rua
principal e de serviços, foram sucessivamente desmembrados e remembrados.

Além dos aspectos urbanos, também houve um processo de degradação ambiental. O


Riacho da Môcha sempre houvera sido descrito como perene e com considerável volume
d’água, como por viajantes europeus na primeira metade do século XIX. Segundo Spix &
Martius (1981), os dois riachos abasteciam a cidade com água límpida e potável, um pouco
77
salitrosa. Já Gardner (1975) relata que o riacho fornecia água abundante o ano inteiro,
porém com alta concentração de salitre na estação seca. Segundo informações do geólogo
Reinaldo Soares, a intensificação da perfuração de poços artesianos na década de 1960
exauriu o lençol freático que perenizava os dois riachos e seus olhos d’água, enquanto as
ligações clandestinas de esgotos domésticos sem tratamento causaram a poluição dos
mesmos.

Em 1976, a cidade passou por uma experiência de planejamento urbano municipal,


enfocando a preservação e revalorização do centro histórico. No âmbito do Programa
Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do N ordeste – PCH-NE foi elaborado o Plano de
Preservação A mbiental e Urbana de Oeiras, um extenso e detalhado documento de diagnóstico,
análise e proposições para o desenvolvimento urbano da cidade, que aproveitasse a
potencialidade de seu patrimônio cultural edificado. As proposições de salvaguarda se
basearam nas Normas de Quito, com a definição de três poligonais com restrição gradativa
a novas intervenções: zona de proteção rigorosa; zona de proteção ambiental; e zona de
proteção paisagística. Além da proteção em conjunto, o estudo recomendou o tombamento
federal isolado de algumas edificações.54 Lamentavelmente, nada foi concretizado.

A Lei nº7.745/ 89 elevou a Cidade de Oeiras ao status de Monumento N acional, porém a


distinção não passou de um título honorífico, pois também não trouxe melhorias para a
cidade. Em 1997 foram realizados estudos de inventário e proteção do patrimônio cultural
do Estado, englobando os sítios urbanos de Oeiras, Parnaíba, Teresina, Piracuruca e
Amarante. No presente, a cidade investe no turismo, aproveitando o patrimônio histórico,
as tradicionais festas religiosas e estabelecendo um calendário de eventos culturais.

Panorama urbano de Oeiras no século XX

Em seguida são apresentadas fotografias de edificações e espaços públicos captadas desde a


década de 1930 até o presente, mostrando diversos aspectos urbanos do centro histórico de
Oeiras ao longo destas décadas. Estão documentadas algumas edificações mutiladas,
arruinadas ou voluntariamente demolidas, que provocaram um acentuado processo de
descaracterização do conjunto arquitetônico. Está registrado também o elemento humano
como integrante da paisagem urbana de Oeiras no passado.

54 Sobrado dos Ferraz; Sobrado Major Selemérico; Casa do Visconde (descaracterizada); Casa do Cônego;
Casa das Armas (arruinada); Casa do Passo (parcialmente arruinada); Igreja do Rosário; Igreja da Conceição;
Pensão Portela (em ruínas); Casa do Patronato (descaracterizada); Casa do Canela; e Casa do Pe. Freitas
(arruinada). Em parêntesis a situação atual dos imóveis.
78
Figura 32 – Praça Visconde da Parnaíba vista da Rua Getúlio Vargas no início da década de 1970.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
Figura 33 – Praça Visconde da Parnaíba vista de cima da torre da Igreja de N.S. das Vitórias.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 34 – Praça Visconde da Parnaíba vista da Rua Cel. Mundico Sá no início da década de 1970.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
desconhecida.
Figura 35 – Mercado público municipal em dia de feira com a praça repleta de jumentos e mulas,
que traziam os produtos rurais para comercialização na cidade.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 36 – Praça das Vitórias como palco de apresentação cívica de estudantes, com a platéia no
adro da igreja na década de 1930.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
Figura 37 – Comemorações da população local na Praça das Vitórias por conta da inauguração da
luz elétrica em 1937.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
79
Figura 38 – Igreja das Vitórias e Sobrado João Nepomuceno na década de 1930.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 39 – Praça das Vitórias na sua reforma do início da década de 1970, tendo ao fundo a Casa
das 12 Janelas antes de ser mutilado para alargamento de uma rua.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 40 – Praça das Vitórias com o enquadramento da Rua Dr. Isaac Sérvio na década de 1970. Ao
centro a Casa das Armas, arruinada por abandono no final da década de 1980, que possivelmente foi
a sede do Senado da Câmara, que consta na vista da cidade do final do século XVIII.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
80
Figura 41 – Grande aglomeração na Rua Cônego João para testemunhar a inauguração da Usina
Elétrica no ano de 1937.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
Figura 42 – Praça das Vitórias vista da sacada do Solar dos Ferraz em treinamento militar no início
da década de 1970.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 43 – Início da demolição de parte da Casa das 12 Janelas, acontecida em 1972, para
alargamento do antigo Beco de Antônio Gentil, com a justificativa de permitir a passagem de
caminhões para a estrada de ligação ao município de Simplício Mendes.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
Figura 44 – Sobrado João N epomuceno na década de 1930. A Praça das Vitórias ainda permanecia
um areal sem pavimentação.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 45 – Igreja de N . S. da Vitórias, com adro, cruzeiro e jardim lateral em fotografia de 1937. No
canto inferior direito é possível identificar uma parte da ruína da Casa de Câmara e Cadeia.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
Figura 46 – Vista lateral da Igreja após a demolição da Casa de Câmara e Cadeia e anterior à
construção do Cine-Teatro em 1940.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
81
Figura 47 – Sobrado João Nepomuceno na década de 1930, com grupo de professores e alunos.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
Figura 48 – Casa eclética de porão alto, com entrada por alpendre lateral e janelas com arcos ogivais.
Localizada aos fundos da Igreja das Vitórias, com frente para a Praça da Bandeira, demolida na
década de 1980.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 49 – Capela dos Passos da Paixão no bairro do Rosário. Ao fundo a Igreja de N . S. do


Rosário. Fotografia provavelmente tirada na década de 1940.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.
Figura 50 – Casa da Pólvora em fotografia da década de 1940, ainda sem ocupação urbana no seu
entorno.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 51 – Rua Tibério Burlamaqui e ao fundo a Casa do Cônego em fotografia de 1983.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Diva Figueiredo.
Figura 52 – Rua Coelho Rodrigues em fotografia de 1987. Ao lado esquerdo a Casa do Passo de
Dona Lindoca, que ruiu quase por completo na década de 1990.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Diva Figueiredo.
82
Figura 53 – Rua Cônego João, onde outrora funcionou a Usina Elétrica, em registro fotográfico de
1987.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Diva Figueiredo.
Figura 54 – A rua Cônego João no mesmo ângulo em 2008.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Murilo Cunha.

Figura 55 – Casa térrea de beira-e-sobeira de três frentes na Rua Getúlio Vargas, entre as ruas Cel.
Luiz Rego e José Sérvio, em registro fotográfico de 1987.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Diva Figueiredo.
Figura 56 – A rua Getúlio Vargas no mesmo ângulo em 2008. Ao lado direito a casa conhecida por
Pensão Portela, hoje arruinada parcialmente com risco de desaparecimento.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/ IPHAN. Autoria Murilo Cunha.

Figura 57 – Casario colonial na Rua Dr. Isaac Sérvio na Praça da Bandeira, em parte em ruínas, em
parte com as fachadas modificadas para o estilo art-decó, em registro fotográfico de 1987.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Diva Figueiredo.
Figura 58 – A rua Dr. Isaac Sérvio no mesmo ângulo em 2008, em que se nota a demolição total e
substituição por novas edificações de três imóveis.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Murilo Cunha.

83
ANÁLISE ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA

Espaço Urbano

A Praça das Vitórias se constitui como o core da cidade, o espaço cívico, do poder e das
celebrações. Para este generoso espaço de aproximadamente 1,5 hectares convergem, direta
ou indiretamente, quase todas as ruas do centro histórico. No seu entorno se encontra o
núcleo mais antigo e de maior densidade de imóveis de interesse de preservação. A relação
entre sua área física e as edificações que a delimitam, térreas ou com dois pavimentos,
propicia uma austera e solene percepção de amplidão. O projeto paisagístico da praça,
executado na década de 1970, cortou a mesma por vias de circulação de veículos,
fracionando o espaço em três praças distintas, deturpando o conceito de unidade da praça
pombalina.

As fachadas do casario apresentavam pequena variação entre si, inseridas na tipologia da


morada inteira, imprimindo um ritmo bem interessante. Entretanto houve algumas
demolições, descaracterizações e novas construções, que perturbam e interrompem a
leitura da praça como um conjunto homogêneo. Os pontos focais de mais destaque são: a
Igreja das Vitórias, o Sobrado João Nepomuceno (atual Museu de Arte Sacra) e o Sobrado
dos Ferraz (atual Prefeitura Municipal). A praça também guarda relação visual com o
Sobrado Major Selemérico e com a Igreja do Rosário, integrando na paisagem urbana as
duas relevantes edificações, que se situam após o limite natural do riacho. Ao lado norte do
Sobrado João Nepomuceno se inicia a Rua Jesuíno Moura, cuja continuação a Av. Rui
Barbosa é o principal eixo de ligação do centro histórico com a parte nova da cidade e linha
de força visual para o Morro do Leme.

O conjunto art-decó (Cine-Teatro, Associação Comercial e Café Oeiras) separa a Praça das
Vitórias da Praça da Bandeira, que recebeu tratamento paisagístico na década de 1940 para
ser o Passeio Público da cidade. As ruínas da Casa de Câmara e Cadeia foram demolidas para
dar lugar a estes edifícios, que num primeiro momento se caracterizavam como estranhos
ao contexto arquitetônico colonial, entretanto passadas várias décadas, já se encontram
inseridos e gozam de valor histórico e afetivo que justificam o interesse pela sua
preservação. Da face leste da Praça da Bandeira parte a Rua Nogueira Tapety, descrevendo
uma suave curva no sentido norte-sudeste bastante agradável ao pedestre, até se abrir no
Largo do Canela, onde se descortina a vista da antiga casa de fazenda, incorporada ao

84
perímetro urbano. Esta rua conserva ainda o ritmo e a volumetria do loteamento
tradicional, apesar de algumas substituições ou transformações de estilos das fachadas55.

Figura 59 – Vista norte do conjunto histórico e paisagístico de Oeiras.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN.

Seguindo na direção norte, a Praça das Vitórias se articula com dois outros espaços livres,
estes de caráter predominantemente comercial desde suas origens. A Praça Visconde da
Parnaíba se desenvolve em dois planos. A parte elevada é a de maior quantidade de imóveis
da arquitetura tradicional, forçando uma perspectiva a partir da Casa do Visconde, com o
fechamento por uma casa térrea de calçada alta, enquanto na parte mais baixa pequenos
comércios estão implantados em lotes desmembrados. A praça foi bastante
descaracterizada pela mutilação de muitas fachadas originais, pela aposição de letreiros
comerciais de grande dimensão e pela inserção de construções de dois pavimentos sem
valor plástico, quebrando a seqüência ritmada dos telhados. Do plano mais baixo da praça
parte a Rua Cel. Mundico Sá no sentido norte, com tipologia residencial vernacular
contemporânea, porém seguindo a volumetria e a implantação tradicional na testada dos
lotes. Os fundos destes são terrenos de várzea e ainda não parcelados. Na sua face sul se

55 Supressão dos beirais em beira-e-sobeira ou cimalha e construção de platibandas com motivos ecléticos ou
art-decó.
85
inicia a Rua Getúlio Vargas, seguindo com pequenas inflexões na direção oeste num leve
declive até a Ponte Grande do Môcha, antiga saída para São Luís do Maranhão. O estudo
da evolução da malha urbana indica que esta rua é uma das mais antigas de Oeiras, já
delineada no final dos setecentos.

Figura 60 – Vista sudeste do conjunto histórico e paisagístico de Oeiras.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN.

A Rua Cândido Holanda faz a interseção desta praça com a Praça do Mercado. Os dois
logradouros devem ter evoluído de lugar de pouso de mercadores e viajantes onde se
praticava escambo, para feira livre, até se constituir como praça de comércio com o
estabelecimento de casas de tipologia comercial, conformando o espaço atual.56 A Praça do
Mercado e a Praça Mafrense57 formam um grande espaço retangular de aproximadamente
200m x 80m, onde se encontram implantados de forma isolada e centralizada os edifícios
do Mercado Público e da Igreja de N. S. da Conceição, se distinguindo como marcos
visuais. Nos lotes confinantes e no próprio espaço público funciona intensa atividade

56 Durante o século XVIII, ali funcionou o açougue, sendo transferido no início do século seguinte para a
várzea do Riacho da Môcha, próximo da atual BR-230.
57 Antigamente chamada de Largo da Conceição, foi, até meados do século XIX, o limite da área urbana de

Oeiras.

86
comercial varejista e atacadista, responsável pela degradação da qualidade visual e de
fruição do lugar, no qual se observa fachadas despidas de sua ornamentação original,
enormes engenhos de publicidade, sucessivos desmembramentos dos cômodos que
faceiam as fachadas, bancas precárias e improvisadas de comércio e ausência de condições
adequadas de higiene. Esse padrão se estende pela quadra lindeira na Rua Zacarias de
Góes. Uma exceção no quadro de transformação negativa desta área é a preservação do
imóvel na esquina da Rua Orlando Carvalho com a Travessa Floriano Peixoto, belo e
íntegro exemplar de casa de residência e comércio do final do século XIX.

Figura 61 – Vista leste do conjunto histórico e paisagístico de Oeiras.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN.

Ao sul da Praça das Vitórias há uma grande gleba de aproximadamente 6 hectares que não
sofreu parcelamento, chamada há tempos de Poça do Pouca Vergonha, em alusão à várzea
do riacho. Este terreno tem um aclive até a Colina do Rosário, onde se situa a igreja.
Apesar da ausência de drenagem e de saneamento básico, recentemente tem havido uma
pressão imobiliária de loteamentos irregulares e ocupações subnormais nas bordas deste
terreno, que possui potencial paisagístico para se tornar um parque municipal em zona
urbana central, área verde de lazer que a população carece. A conservação do padrão non
aedificandi da gleba e o seu possível uso público garantiriam também uma melhor integração
87
da Praça das Vitórias com o acesso aos monumentos da Casa da Pólvora e da Igreja do
Rosário, através de caminhos de pedestres arborizados, além da manutenção das relações
visuais entre as duas igrejas.

Figura 62 – Perspectiva a vôo de pássaro do bairro do Rosário.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN.

Na área compreendida entre a Praça das Vitórias e o Riacho da Môcha, a ocupação já


estava constituída desde o início do século XIX, cujo desenho urbano espontâneo se
assemelha bastante ao da maioria das cidades coloniais brasileiras, com quadras irregulares,
becos, travessas e tipologia de morada inteira com coberta de duas águas de cumeeira
paralela ao alinhamento da rua. Neste trecho é onde se verifica a maior ocorrência de
quebras de percurso, uma particularidade do centro antigo de Oeiras, caracterizada por ruas
de pequeno comprimento que, inusitadamente, terminam em fachadas ou se abrem em
largos. As descontinuidades das vias obrigam o pedestre a mudar, à esquerda ou à direita, o
seu trajeto, referenciado pela surpresa das visadas, que destacam e valorizam as fachadas de
alguns imóveis.

88
Figura 63 – Quebras de percursos no centro histórico: 1. Trav. Floriano Peixoto; 2. R. Tibério
Burlamaqui; 3. idem; R. Coelho Rodrigues; 5. R. Cel. Luiz Rego; 6. R. Manoel Rodrigues; 7. R.
Clodoaldo Freitas; 8. idem; 9. R. Isaac Sérvio.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Murilo Cunha.

89
Arquitetura

Após analisar a forma do espaço urbano, apresentamos a descrição sumária dos imóveis de
maior relevância arquitetônica do sítio histórico urbano, sem a pretensão de elaborar um
estudo minucioso e completo das características de cada edificação, que não se faz
necessário ao objetivo deste trabalho. Para uma melhor compreensão, classificamos os
exemplares em quatro categorias: arquitetura religiosa, constituída por igrejas, capelas e
cemitério; arquitetura civil, contemplando as construções ligadas à administração colonial
e provincial; arquitetura pública, tratando dos edifícios ligados a serviços públicos e a
novos espaços de sociabilidade urbana na primeira metade do século XX; e arquitetura
vernacular tradicional, representativa da morada piauiense e do programa de uso misto
habitação-comércio.

Arquitetura religiosa

A igreja mais antiga de Oeiras é a Catedral de Nossa Senhora das Vitórias, datada de 1733.
Foi ereta no lugar da pequena capela de taipa levantada em 1697, ocasião da criação da
paróquia sob os auspícios do Bispo de Olinda. O partido arquitetônico é reminiscente do
padrão das igrejas jesuítas seiscentistas, com nave única e frontão triangular. No segundo
quartel do século XIX, os alpendres enlatados laterais foram incorporados ao corpo da
igreja com o fechamento em alvenaria. Também foi construída uma segunda torre, com
linguagem distinta do traço original. É possível que nesta reforma tenham sido abertos os
vãos das duas portas que ladeiam a porta principal em substituição às janelas
originariamente existentes, conforme um desenho do século XVIII. Possui duas capelas
laterais, formando o transepto, e arco-cruzeiro que liga a nave à capela-mor. Desta, abrem-
se arcos de um lado e do outro que dão acesso a dois ambientes de construção posterior,
outrora alpendres, fechados em meados do século XX. Na década de 1940 foi realizada
uma ampla reforma com algumas descaracterizações. A fachada possui elementos artísticos
em cantaria de arenito. A estrutura é de alvenaria de pedra argamassada com cal e barro. A
estrutura da coberta é do tipo caibro armado, com telhamento de capa e canal, arrematado
nos beirais de beira-sobeira. Em 1983 foi concluída a sua restauração pelo PCH-NE.
Possui tombamento federal, inscrita no Livro de Belas-Artes sob o nº287 e no Livro
Histórico sob o nº141, ambos em 15 de agosto de 1940.

90
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário foi outrora a Capela do Hospício dos padres
jesuítas, cuja intenção de construção se encontra na Carta Régia de 31 de março de 173358,
que recomendava que o seu risco fosse “mais ou menos igual à Matriz”. Assim como a
Igreja das Vitórias, também possuiu alpendres laterais (há muito demolidos), funcionando
como naves secundárias. De uma delas se acessava o púlpito ainda existente. A estrutura da
coberta é do tipo caibro armado, reforçada por quatro vigas de madeira que atirantam as
paredes da nave à altura do frechal. Possui tombamento estadual, inscrita no Livro de
Tombo sob o nº10 em 29 de abril de 1986.

Figura 64 – Planta de evolução construtiva da Igreja das Vitórias.


Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

Figura 65 – Planta de evolução construtiva da Igreja do Rosário.


Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

58 Documento nº 27, Caixa “Piauí” nº 2, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, Portugal.


91
As freguesias do Piauí estiveram subordinadas à Diocese de O linda até por volta de 1740,
quando passaram à jurisdição eclesiástica de São Luís do Maranhão. O fato sustenta a
hipótese de uma filiação pernambucana da Igreja das Vitórias e da Igreja do Rosário.
Encontramos semelhança de ambas com algumas igrejas seiscentistas de Pernambuco,
principalmente com a Igreja dos Santos Cosme e Damião na cidade de Igarassu. A Igreja
de Santo Antônio em Jerumenha59, construída no período de 1738-40, é praticamente
similar à configuração original da Igreja do Rosário quando esta não havia recebido o
acréscimo da torre sineira, em meados dos oitocentos.

Figura 66 – Igreja das Vitórias – Oeiras/ PI; Igreja do Rosário – Oeiras/ PI; Igreja de Santo Antônio
– Jerumenha/PI; Igreja dos Santos Cosme e Damião – Igarassu/PE.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN e http://oglobo.globo.com/pais/noblat/.

A Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição teve sua construção iniciada no último
quartel do século XVIII. No desenho de 1809, o edifício aparenta estar inacabado, fato
confirmado pelo relato de Gardner em 1839. Naquele já aparecem na fachada principal as
cinco portas do pavimento térreo e as três portas do coro, todas com verga de cantaria em

59A cidade de Jerumenha fica a 178Km a oeste de Oeiras. Em 1738 foi criada a Freguesia de Santo Antônio
de Jerumenha. Em 1762 o povoado foi elevado à vila, obedecendo à ordem da Carta Régia do ano anterior.
92
arco abatido, inalteradas até o presente, à exceção do entaipamento dos vãos das duas
portas laterais. É bastante provável que a construção tenha sido interrompida por falta de
recursos, razão pela qual não foram levantadas as cúpulas das torres. A igreja foi
consagrada, ainda que inconclusa, e conservou-se com a mesma configuração até a década
de 1940, quando passou por algumas alterações e ampliações. Nesta reforma, os jardins
murados ao lado da nave foram incorporados ao corpo da igreja como naves laterais.

A disposição da planta muito se assemelha à da Igreja de Nossa Senhora do Carmo60,


matriz da Freguesia de Piracuruca e considerada o melhor templo da capitania. O
frontispício é ladeado por torres simétricas, possui dois entablamentos: um à altura do coro
e outro no arremate. A empena é recurvada com tímpano cego. O edifício reclama uma
intervenção de restauro onde se poderia desvelar elementos originais recobertos, como o
piso, a pedra na frontaria, etc.

Figura 67 – Igreja da Conceição frontaria e implantação.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN.

As capelas dos passos da Procissão do Bom Jesus61 é o que há de mais peculiar e popular
na arquitetura religiosa de Oeiras. A construção das cinco capelas data do período entre o
final do século XVIII e o início do seguinte. As capelas são edículas isoladas ou anexas a
uma edificação, construídas com alvenaria mista de tijolo e pedra, rebocadas e caiadas de
branco. São cobertas com telhas de barro artesanal em duas águas e beiral de beira e
sobeira, com exceção do Passo do Rosário, que possui calha e platibanda. Todas possuem
um pequeno altar, que é decorado uma vez ao ano na última sexta-feira da quaresma para a
procissão.

60 A igreja foi concluída em 1743. Consta que o padre jesuíta italiano Gabriel Malagrida, em missão pelo
povoado no ano de 1735, lançou a idéia da construção de uma ampla e sólida matriz, possivelmente tendo
elaborado o seu risco.
61 Ver no capítulo Patrimônio Imaterial a narrativa e o simbolismo da procissão.

93
Figura 68 – As cinco capelas dos passos do Bom Jesus.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Claudiana Cruz.

O cemitério é obra da Irmandade do Santíssimo Sacramento, constituída por homens livres


e de posses em meados dos oitocentos. Foi construído para substituir o campo santo
inaugurado no início daquele século pelo governador da capitania.
Trata-se de uma obra vernacular mesclada com elementos arquitetônicos apropriados de
estilos eruditos. O terreno é dividido em uma parte de implantação original, onde se
encontra a capela, e outra de uma ampliação datada de 1937. O muro do setor mais antigo
é centralizado por um pórtico ladeado simetricamente por colunelos. A entrada do outro
setor se faz por um pórtico ondulado em estilo barroco e coroamento cimbrado.
A capela possui o frontão triangular escalonado, cunhais rematados em pináculos e porta
com verga em arco abatido. Foi construída por volta de 1865 e restaurada em 1971, ocasião
em que teve o madeiramento original de carnaúba substituído por madeira serrada.

94
Figura 69 – Muro da parte mais antiga, túmulos e a capela do cemitério.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedidas à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida. Ano 1971.

Arquitetura civil
A antiga Cadeia, atual sede da Prefeitura Municipal, foi o primeiro sobrado a ser erigido em
Oeiras. É provável que sua construção tenha acontecido na década de 1790 e tenha sido
ampliado e/ ou reformado entre 1806/ 09. Possui dois pavimentos em planta retangular,
telhado em quatro águas com madeiramento em carnaúba e beiral em cimalha. As fachadas
são simétricas, sendo que a principal possui cinco portas no térreo e cinco portas com
balcões no pavimento superior.
Quando da transferência da capital, foi adquirido pela família Ferraz, que adaptou seu uso
para residência. Antes do uso atual, foi sede durante bastante tempo do Círculo Operário
Oeirense. Possui tombamento estadual, inscrito no Livro de Tombo sob o nº01 em 28 de
agosto de 1980.

Figura 70 – Vista da Cadeia Antiga, atual


Prefeitura Municipal.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/ IPHAN. Autoria
Murilo Cunha.

95
Barreto (1938)62 traçou um paralelo entre os sobrados piauienses e os maranhenses.
Enquanto estes atendiam um uso misto, eram habitados por famílias de comerciantes e
implantados colados uns nos outros; aqueles eram sobrados senhoriais, residências de
administradores do Estado e isolados nos lotes, com solução própria de telhado. Dos
poucos sobrados existentes no Piauí, ele listou como dos mais notáveis o Sobrado João
Nepomuceno e o Sobrado Major Selemérico, ambos em Oeiras.
O Sobrado João Nepomuceno foi erigido no primeiro quartel do século XIX e ainda
conserva a mesma configuração arquitetônica. Pertenceu à família Castelo Branco até o
início do século XX, quando foi vendido ao Cel. Alano Beleza, intendente de Oeiras,
permanecendo como residência. Posteriormente foi vendido ao Estado do Piauí, quando
abrigou vários usos institucionais: câmara de vereadores, tribunal do júri e escola.
Em 1941 foi doado à recém-criada Diocese de Oeiras, tornando-se Palácio Episcopal.
Desde 1983 foi transformado em Museu de Arte Sacra. Possui tombamento federal,
inscrito no Livro de Belas-Artes sob o nº235 e no Livro Histórico sob o nº117, ambos em
14 de janeiro de 1939.

Figura 71 – Plantas e corte do Sobrado João Nepomuceno, atual Museu de Arte Sacra de Oeiras.
Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

62Paulo Thedim Barreto, arquiteto carioca e neto de piauiense, publicou em 1938 na Revista do SPHAN um
precioso estudo sobre a arquitetura e urbanismo tradicionais do Piauí, fruto de sua viagem pelo Estado a
serviço da repartição, que continua sendo um documento de referência. Na ocasião, desembarcou em
Teresina, de onde seguiu para o norte até Luís Correia e para o sul até Oeiras, inventariando tipologias
arquitetônicas, soluções construtivas e o modus vivendi do sertanejo.
96
Segundo manuscritos que constam no processo de tombamento, provavelmente de autoria
de Barreto, “o imóvel apresentava uma curiosa influência de elementos clássicos
aportuguesados e uma composição ritmada de sua fachada em contraste com a fachada
posterior, de expressão mais popular com o seu grande avarandado”.63 O alpendre, via de
regra utilizado na arquitetura rural piauiense, se configura neste exemplar uma inusitada
adaptação de uma solução arquitetônica vernacular em um edifício urbano de risco erudito.

Figura 72 – Fachadas anterior e lateral do Museu de Arte Sacra de Oeiras.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Claudiana Cruz.

O Sobrado Major Selemérico foi construído entre 1845-47, especialmente para sediar o
Palácio dos Presidentes da Província do Piauí. Como função de palácio de despachos teve
vida curta, pois logo em 1852 houve a transferência da capital para Teresina. Alguns anos
depois foi arrematado em leilão pelo militar que lhe emprestou o nome, funcionando por
muito tempo a única farmácia da cidade. Recentemente foi restaurado pelo Programa
Monumenta, porém está sem uso.
O sobrado foi construído na metade do século, porém ainda persiste a linguagem
arquitetônica da arquitetura colonial luso-brasileira. Foi implantado de forma isolada em
lote de grandes dimensões. A disposição da planta é longitudinal, valorizando mais a
fachada interna com sete vãos do que a fachada para a via pública com três vãos. Possui
um pátio interno à maneira do átrio da casa romana , uma escada com degraus em
blocos de pedra aparelhada para acesso ao avarandado, protegido por esquadrias de
veneziana. A estrutura da coberta é mista de carnaúba e de madeira lavrada. Trata-se de
projeto encomendado em outra província, ambientado às condições locais. Possui
tombamento estadual, inscrito no Livro de Tombo sob o nº03 em 16 de fevereiro de 1981.

63 Sítio eletrônico do Arquivo Noronha Santos: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm


97
Figura 73 – Sobrado Major Selemérico fachadas e implantação.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN.

Figura 74 – Sobrado Major Selemérico pátio interno avarandado da edificação.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Claudiana Cruz.

A Ponte Grande do Môcha, como é conhecida, foi solidamente construída em 1846 com
alvenaria de pedra aparelhada e cal. Seu sistema estrutural é composto por três abóbadas,
que vencem o vão do leito do riacho e suportam o peso do pavimento de rolamento em
nível plano. Elevam-se, em ambos os lados, parapeitos também em alvenaria. Outrora não
contava com revestimento, tendo suas pedras aparentes. Possui tombamento federal,
inscrita no Livro de Belas-Artes sob o nº234 e no Livro Histórico sob o nº116, ambos em
14 de janeiro de 1939.

Figura 75 – Elevação da ponte sobre o Riacho da Môcha.


Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

98
Figura 76 – Ponte Grande – visão geral e detalhe da abóbada, alicerçada em blocos de pedra.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Claudiana Cruz.

A Casa da Pólvora é o único monumento militar remanescente do período colonial no


Piauí. Foi construída no início do século XIX para abrigar o paiol das forças militares da
Capitania, sediadas na então capital. Localiza-se às margens do Riacho da Pouca Vergonha
e aproveita-se de lajedos naturais como fundações. Foi levantada em alvenaria de pedra
rolada não-aparelhada sistema conhecido popularmente como canjicado com
argamassa de barro, sem revestimento de reboco.
A planta é retangular, com aproximadamente 80m2. No centro se eleva um pilar de
alvenaria de pedras, que sustenta a cumeeira de tronco de carnaúba do telhado de duas
águas. Nas empenas se localizam seteiras de ventilação e iluminação. Em 1972 se
encontrava em ruínas, quando foi restaurada pela Prefeitura Municipal, ocasião em que
foram recolocados o telhado e a porta de madeira.

Figura 77 – Casa da Pólvora em estado de


abandono na década de 1970.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente
cedida à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 78 – Casa da Pólvora em fotografia atual.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/ IPHAN. Autoria Anna
Finger.
99
Arquitetura pública
Quando instituído no ano de 1929, o Grupo Escolar Costa Alvarenga inicialmente ocupou
o segundo pavimento do Sobrado João Nepomuceno. Em 1941, o sobradão secular foi
doado à Diocese de Oeiras, razão pela qual fora construído um prédio próprio para a
escola. Edificado em estilo neocolonial64, ele segue a tipologia das edificações escolares da
política educacional do Estado Novo, implantada com a criação do Ministério da Educação
em 1930. O edifício carrega referências da arquitetura tradicional piauiense, como a
volumetria, a relação de cheios e vazios e as soluções construtivas.
O antigo Ginásio Municipal Oeirense65 foi edificado em 1952 e guarda bastante semelhança
com o Grupo Escolar Costa Alvarenga. Contudo, absorveu influências do ecletismo, sendo
marcante o pórtico de entrada que revela traços maneiristas do estilo neobarroco. Trata-se
da última obra de relevância arquitetônica edificada na cidade, antes do período de
decadência econômica.

Figura 79 – Grupo Escolar Costa Alvarenga.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/ IPHAN. Autoria Murilo
Cunha.

Figura 80 – Antigo Ginásio Municipal Oeirense.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/ IPHAN. Autoria Murilo
Cunha

64 Estilo acadêmico muito disseminado no país durante os anos 1920-40, perdendo força apenas nos anos
1950 com o triunfo da arquitetura modernista. É curioso notar que o estilo foi adotado e reproduzido em
série nas edificações escolares em todo o país pelo Ministério da Educação e Saúde Pública, apesar de o
mesmo ministério ter sido pioneiro na afirmação e na difusão da arquitetura modernista com a construção do
Palácio Gustavo Capanema no Rio de Janeiro entre 1936-45.
65 Hoje abriga uma unidade avançada da Universidade Estadual do Piauí – UESPI.

100
O Cine-teatro foi construído em 1940 em estilo art-decó, compondo uma série de
melhoramentos urbanos empreendidos pelo então prefeito municipal Cel. Orlando de
Carvalho. As ruínas da Casa de Câmara e Cadeia foram demolidas para dar lugar às
edificações do conjunto da Praça da Bandeira, o então passeio ajardinado da cidade.
Durante décadas, o Cine-teatro foi a principal casa de diversões da cidade, contando com
exibições cinematográficas, peças teatrais e musicais, assim como solenidades cívicas.
Possui planta retangular, esquadrias de madeira com venezianas, piso em ladrilho
hidráulico, tesouras de pendural e escoras e telhado em quatro águas com platibandas.
Encontra-se atualmente em obras de restauração arquitetônica através do Programa
Monumenta.

Figura 81 – Cine-Teatro de Oeiras vista aérea e fachada principal.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN.

O Mercado Público foi levantado entre os anos de 1934 e 1944 no local onde
anteriormente se situara o açougue da cidade no final dos setecentos. Segue a organização
espacial dos mercados sertanejos: planta quadrada, quatro acessos centralizados, bodegas
de miudezas, secos e molhados para o exterior e avarandado interno para bancas de carnes
e peixes. A estrutura é de alvenaria de tijolo maciço, coberta em carnaúba no sistema de
caibro corrido. Alguns registros fotográficos indicam que a platibanda foi inserida alguns
anos após a inauguração do edifício.

Figura 82 – Mercado Público – vista aérea.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN.
101
Arquitetura vernacular tradicional
A arquitetura tradicional piauiense é originariamente rural, surgida com a multiplicação de
casas de fazenda de criação de gado durante todo o século XVIII. A organização espacial
da morada rural foi transplantada para a morada urbana, perdendo apenas o alpendre
frontal. Transcrevemos, de inventários arquitetônicos realizados em 1938 e 1976
respectivamente, descrições da tipologia residencial urbana oeirense e, por extensão,
piauiense:
A arquitetura é de pura expressão popular. A planta tem por origem o
tipo maranhense de “porta e janela”, cuja evolução compreende os tipos
de “meia morada” e “morada inteira”. A planta geralmente é em forma
de L, algumas vezes em U. A superposição da planta da “morada inteira”
originou os sobradões de azulejos de São Luís, cujas fachadas posteriores
se nos apresentam totalmente de madeira. A “morada inteira”,
esparramada, é a casa do Piauí: cômodos maiores, paredes mais grossas,
tudo aumenta e se abaixa. A “morada inteira” no Maranhão é vertical; no
Piauí horizontal. (BARRETO, 1938, p. 195).

O espaço interno da “morada inteira” é agradável e bem adaptado ao


clima. Através da porta principal, vão centralizado na fachada, penetra-se
no estreito saguão onde se localiza, duas portas para ambas as salas, à
direita e à esquerda. No saguão após cruzar uma porta ou por vezes um
arco, penetra-se no corredor que leva ao alpendre ou varanda larga e
ampla aonde transcorre a vida do piauiense. Este espaço da varanda
confunde-se com o do pátio interno, arborizado com frutas. De um lado
do pátio e, ocasionalmente, dos dois lados se desenvolve uma puxada
com suas dependências de serviço e a cozinha que aproveita o murete da
varanda como mesa para o preparo de alimentos. (PLANO, 1976, p. 24 e
25).

A casa oeirense se desenha a partir da tipologia da morada inteira, apresentando


singularidades arquitetônicas e construtivas necessárias à adaptação ao clima e à matéria-
prima de disponibilidade no sertão: a pedra (arenito e calcáreo), o barro e a carnaúba.
Trata-se de uma arquitetura simples, contudo espontânea e autêntica.

Figura 83 – Alpendre típico de uma casa


oeirense, o espaço de convívio da residência,
cujo telhado se prolonga numa leve inclinação,
criando uma sombra ventilada.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/ IPHAN. Autoria
Claudiana Cruz

102
Figura 84 – Casa do Visconde da Parnaíba. Construída provavelmente no fim do século XVIII.
Durante o segundo quartel do século XIX funcionou também como palácio de despachos do
presidente da província. N a década de 1930 ganhou platibandas, posteriormente retiradas.
Encontra-se descaracterizada. Tombada como patrimônio histórico do Estado do Piauí em 1986.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Claudiana Cruz.
Figura 85 – Casa do Cônego. Um dos melhores e mais íntegros exemplares da arquitetura urbana
tradicional piauiense. Encontra-se em bom estado, sendo adaptada para o uso de hospedagem.
Tombada como patrimônio histórico do Estado do Piauí em 1986.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Murilo Cunha.

Figura 86 – Casa das 12 Janelas na Praça das Vitórias.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Elane Coutinho.
Figura 87 – Pensão Portela na Rua Getúlio Vargas. Casa de tríplice beira com platibanda, onde
funcionou o principal hotel da cidade nos anos 1950. Encontra-se em estado de arruinamento.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Elane Coutinho.

Figura 88 – Casa de residência à Rua Cel. Luiz Rego, 46.


Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Elane Coutinho.
Figura 89 – Casa de residência à Rua Cel. Luiz Rego, 61.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Elane Coutinho.

103
Figura 90 – Casa de residência e comércio na esquina das ruas Coelho Rodrigues e Tibério
Burlamaqui. O uso comercial é voltado para a esquina, enquanto o uso residencial segue a tipologia
da morada inteira.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Elane Coutinho.
Figura 91 – Casa de residência e comércio à Praça Orlando de Carvalho. Exemplar do fim do século
XIX, onde já se percebe a influência dos códigos urbanísticos sobre a arquitetura tradicional.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Marta Raquel.

Figura 92 – Casa do Canela. Casa de fazenda característica do Piauí, construída na segunda metade
do século XIX e incorporada ao perímetro urbano de Oeiras. Tombada como patrimônio histórico
do Estado do Piauí em 2006.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Murilo Cunha.
Figura 93 – Madeiramento em carnaúba da Casa do Canela, com solução original de travessa com
dois troncos para sustentar pontalete.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Murilo Cunha.

Figura 94 – Alvenaria de sistema misto de adobe e taipa-de-mão, onde troncos de carnaúba são
usadas como esteios. Casa arruinada à Rua Getúlio Vargas.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Diva Figueiredo.
Figura 95 – Tesoura tipo canga-de-porco, com caibros de carnaúba à Praça das Vitórias.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Murilo Cunha.
104
PATRIMÔNIO IMATERIAL

Na cidade de Oeiras persistem caras manifestações culturais de tradições seculares,


celebradas no seu centro histórico: procissões religiosas, costumes, lendas, danças e
festividades, que reforçam o gregarismo e o sentido de comunidade. A principal e mais
pungente delas é o exercício de fé, comoção e penitência das comemorações da Semana
Santa na cidade, fundindo catolicismo popular e ritos eclesiásticos, repleta de símbolos,
metáforas, atavismos e teatralização barroca.

Procissão dos Passos do Senhor

A Procissão dos Passos é a abertura das solenidades da Semana Santa. Representa o clímax
da religiosidade oeirense, arrebatando fiéis de toda a cidade e peregrinos de municípios da
região para pedir graças, pagar promessas, remir os pecados ou tão-somente louvar a Deus,
na reconstituição dos episódios que marcaram a Paixão de Cristo. Não há referências sobre
o ano da primeira procissão realizada, porém sabe-se que a celebração acontece em Oeiras
há mais de duzentos anos, visto que em planta da cidade do fim do século XVIII já estão
retratadas as capelas dos passos.

O ritual se inicia na noite de quinta-feira que antecede o Domingo de Ramos. Após a missa
das 19 horas, as badaladas da torre sineira da Catedral anunciam a partida do Bom Jesus. A
imagem, com uma grande cruz de madeira sobre o ombro, é colocada no andor, coberto
por um dossel aveludado de cor roxa. De seu altar na Igreja de N. S. das Vitórias, ela é
levada em direção à Igreja de N. S. do Rosário na Procissão da Fugida, simulando o
retiro de Jesus para o jardim de Getsêmani, nas horas de agonia e aflição diante de sua
imolação anunciada. Anteriormente restrita somente aos homens, que representavam os
apóstolos, a procissão é marcada pelo silêncio e pela contrição. A Colina do Rosário
simboliza o Horto das Oliveiras, onde Cristo orou, refletiu, amargurou-se, fraquejou,
resistiu à última tentação e foi capturado pelos soldados romanos para o seu flagelo. Aqui
se faz presente a metáfora do monte sagrado, que perpassa diversas religiões e culturas,
também absorvida pelo cristianismo, através das passagens da vida do messias no Sermão
da Montanha e na crucificação no Monte do Calvário, assim como em acontecimentos do
Velho Testamento: a revelação das tábuas da lei do Monte Sinai e o sacrifício de Isaac.

105
Durante a manhã da sexta-feira, os romeiros começam a chegar de ônibus, de pau-de-arara,
de carro, a cavalo e alguns a pés. Eles trajam um hábito roxo, como o de Bom Jesus, a cor
que simboliza reflexão e penitência, trazem ex-votos, equilibram pesadas pedras na cabeça,
carregam cruzes de madeira e andam descalços como demonstrações de sacrifício de sua fé
popular. Em paralelo, as famílias tradicionais ultimam a decoração das igrejas do Rosário e
das Vitórias, assim como das cinco capelas dos passos com jarros, paramentos, alfaias,
cruzes e as típicas “flores de passo”, confeccionadas por senhoras da cidade. Como dizem
os oeirenses, “a Procissão dos Passos é uma festa da comunidade”, organizada pelos fiéis,
em que o papel da Diocese se limita a ministrar os sacramentos e conceder as bênçãos.

Ao meio-dia na Igreja do Rosário tomada de pessoas se inicia o Ofício dos Passos, com
cânticos, bênçãos e orações. Segundo relatam os oeirenses, ele é composto de mais de
quatrocentos versos, divididos em dez partes. A imagem do Bom Jesus fica exposta no
altar, onde é tocada e adorada, emocionando a muitos.

Ás 16 horas se inicia a procissão, acompanhada por cerca de trinta mil fiéis. No adro da
igreja são rezadas as duas primeiras estações da via-crúcis, assim como em cada uma das
cinco capelas e por último no adro da Igreja das Vitórias são rezadas as duas últimas
estações, e então a procissão adentra o templo para a celebração da missa e recebimento
das últimas bênçãos.

À frente do andor segue o estandarte roxo com a inscrição “S.P.Q.R.”, que significa Senatus
Populusque Romanus, em tradução para o português: “O Senado e o Povo Romano”. Esta
sigla era usada nos vexilos das legiões romanas nas campanhas militares e representava o
próprio império, sendo adotada posteriormente também pela Igreja Católica Apostólica
Romana quando tornada religião oficial. Os romeiros afirmam que a sigla significa “Salvai o
Povo Que Remi”...

Ao lado da imagem do Bom Jesus se posicionam as mulheres de Jerusalém: Verônica, Maria


Madalena, Maria de Cleófas e Maria Salomé, interpretadas por adolescentes da cidade. Em
cada passo são ditas as primeiras estrofes do Miserere, é dada a bênção do Santo Lenho e
Verônica desenrola e recolhe um pano com a imagem de Jesus, enquanto canta esta
ladainha lamuriosa:

“Caminheiros que passais por este caminho


Parem um pouquinho e olhai por favor
Se neste mundo existe uma dor assim tão grande
Como a dor de minha dor, de minha dor”

106
Verônica é conhecida popularmente por Maria Beú, uma onomatopéia do verso final desta
cantilena do original em latim, retirado do Livro das Lamentações: O vos omnes qui transitis
per viam, adtendite et videte si est dolor sicut dolor meus!66

Ao som da marcha fúnebre, tocada por uma banda de sopros e percussão, o cortejo do
Bom Jesus segue seu itinerário em direção às capelas dos passos: de Maria de Cota (ou do
Rosário), de Dona Filoca e de Dona Lindoca, onde é repetido o ritual. Então que pela
estreita Rua Coelho Rodrigues ao cair da tarde, a procissão adentra de forma retumbante a
Praça das Vitórias, sendo saudada pela multidão. A imagem do Bom Jesus fica frente a
frente com a de Nossa Senhora das Dores, onde é proferido da sacada da Prefeitura o
“Sermão do Encontro”, num momento ímpar de arrebatamento, adoração e resignação.

Em seguida, os fiéis acompanham as duas imagens, que juntas se dirigem ao Passo do


Engano (ou da Amargura), cuja parada é envolta num clima místico. O canto da Maria Beú
é proferido em latim, a multidão silencia e a imagem do Bom Jesus dá três voltas em torno
de si, encenando a tentativa de Jesus de se desvencilhar dos centuriões, segundo a tradição
não-canônica. A fé popular afirma que o romeiro pode fazer neste momento três pedidos
na certeza de serem atendidos. Dali, seguem para o Passo de Dona Naninha e para a Igreja
das Vitórias, onde se encerra a procissão num clima de alegria e renovação das esperanças.

Figura 96 – Saída da procissão do adro da Igreja


de N.S. do Rosário com o estandarte à frente.
Fonte: Arquivo19ªSR/IPHAN. Autoria Murilo
Cunha. Ano 2007.

Figura 97 – Chegada da imagem do Bom Jesus


dos Passos à Praça das Vitórias.
Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à
19ªSR/IPHAN. Ano 2007.

66 Lamentações (1,12): http://www.fourmilab.ch/etexts/www/Vulgate/Lamentations.html


107
Figura 98 – Canto da Maria Beú na parada em
uma das capelas dos passos.
Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à
19ªSR/IPHAN. Ano 2007.

Figura 99 – Chegada no Passo de Dona Filoca ao


lado do Sobrado Major Selemérico.
Fonte: Arquivo 19ªSR/ IPHAN. Autoria Murilo
Cunha. Ano 2007.

Figura 100 – Roteiro da Procissão de


Bom Jesus dos Passos, no centro
histórico de Oeiras.
Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

108
Semana Santa

Com o Domingo de Ramos se iniciam os ritos e celebrações de encerramento da quaresma


e da introdução no período pascal. Na Igreja de N. S. da Conceição são dadas as bênçãos e
entregues aos fiéis os ramos feitos de palha de carnaúba, para dali seguirem na Procissão
dos Ramos em direção à Catedral de Nossa Senhora das Vitórias, onde é celebrada a missa
solene. Esta cerimônia encena a entrada triunfante de Jesus Cristo em Jerusalém. Em tom
festivo, animado por uma banda de músicos, os oeirenses reproduzem o ritual de saudação
ao filho de Davi pelo povo de Israel.

Durante a Semana Santa são realizadas as tradicionais liturgias católicas, porém estas
extrapolam o ambiente interno dos templos para serem celebradas ao ar livre pela multidão,
transbordando o sagrado ao espaço urbano. Na terça-feira é realizada a Procissão dos
Enfermos, cerimônia presidida pelo sacerdote, que percorre as ruas centrais, levando as
hóstias consagradas e os santos óleos para ungir as pessoas doentes e os idosos, finalizando
com a missa na Catedral.

Na quarta-feira é realizado o Ofício das Trevas, quando os devotos iniciam a intensa


meditação sobre a paixão e morte de Cristo. Antigamente era rezada à noite a Missa das
Trevas e, a cada passagem da via-sacra, apagava-se uma vela, até se chegar à escuridão total,
então os fiéis retornavam para suas casas para continuar a se preparar espiritualmente ante
ao sofrimento do Salvador do Mundo.

Nos dois dias seguintes, acontecem as celebrações religiosas mais dramáticas do exercício
de fé cristã na cidade de Oeiras. Durante a Quinta-Feira Santa e a Sexta-Feira da Paixão, os
sinos não dobram, os altares são desnudados e as luzes apagadas, envolvendo a velha
cidade em uma atmosfera silenciosa e soturna de profundo respeito pela misericórdia de
Deus com a humanidade. Às 21 horas da quinta-feira tem início a Procissão do
Fogaréu, com participação exclusivamente masculina, que simula a perseguição dos
soldados romanos por Jesus para sua prisão. Levando consigo lamparinas, tochas e
velas, os homens percorrem as ruas do centro antigo rezando e cantando a frase
“Perdão, meu Jesus”.

A sexta-feira é o dia da tristeza universal. Às 15 horas, conforme os evangelhos indicam


o instante da morte do Salvador, os católicos se reúnem na Catedral para ouvir a
narração da Paixão de Cristo. Não é celebrada a missa, apenas ministrada a eucaristia
com as hóstias consagradas no dia anterior. Eis o momento máximo de fé e meditação

109
para o povo católico, ápice do ano litúrgico. Às 17 horas, dois paroquianos,
representando os discípulos Nicodemos e José de Arimatéia, descem a santa imagem do
Senhor Morto do madeiro e a colocam no esquife. Uma multidão de fiéis se concentra
no patamar da igreja, de onde parte a Procissão do Senhor Morto, acompanhada pela
imagem de N. S. das Dores. O ritmo dolente e lamurioso da Procissão do Passos retorna
sob os acordes da marcha fúnebre e do canto de angústia da Maria Beú. Os fiéis
acompanham a marcha pelas ruas do centro histórico, portando velas e ressoando as
matracas, instrumento de percussão presente nas procissões religiosas desde a Idade
Média.
Segundo depoimentos, no Sábado de Aleluia, antigamente a cidade inteira silenciava,
todos se recolhiam e não havia algazarra ou festas, pois se praticava a vigília do Senhor
no Santo Sepulcro. Entretanto, ao longo do tempo, o sábado foi se caracterizando pela
pilhéria das típicas folias de malhação de Judas, presentes em todo o Brasil. O espírito
solene dos ritos católicos dá lugar às brincadeiras folgazãs populares, oportunidade para
a crítica jocosa da política e da sociedade. À noite, é anunciado o advento da Páscoa
com fogos de artifício, salva de palmas, gritos de vitória, círios e o badalar dos sinos,
encerrando o tríduo pascal.
Na manhã do Domingo de Páscoa ocorre a Procissão de Jesus Ressuscitado, momento
em que os sinos anunciam a vitória do Salvador do Mundo sobre a morte. A banda de
música toca acordes festivos, arrebanhando os fiéis pelas ruas do centro histórico da
cidade pelo mesmo percurso da procissão dolorosa da Sexta da Paixão, encerrando mais
uma vez o cortejo na Igreja das Vitórias.

Figura 101 – Lamparina a querosene típica da Procissão do


Fogaréu em Oeiras, fabricada artesanalmente com bulbo de
lâmpada incandescente e folhas de zinco.
Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à 19ªSR/ IPHAN. Ano
2007.
110
Figura 102 – Procissão do Fogaréu em passagem
pela Catedral.
Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à
19ªSR/IPHAN. Ano 2007.

Figura 103 – Procissão do Fogaréu, composta


exclusivamente por homens.
Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à
19ªSR/IPHAN. Ano 2007.

Figura 104 – Descida da imagem do Senhor Morto pelos


“discípulos” para a procissão na Sexta-Feira da Paixão.
Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à 19ªSR/ IPHAN.
Ano 2007.

Festa do Divino

A Festa do Divino acontece na cidade de Oeiras, com grande participação popular,


mantendo viva a tradição católica de celebrar a descida do Espírito Santo, muito presente
nas cidades históricas dos estados do Piauí, Maranhão, Tocantins e Goiás.

111
Anualmente, a casa de um paroquiano é sorteada para receber e abrigar durante o ano
litúrgico o Divino Espírito Santo, abrindo, com orgulho, sua casa à visitação. A família
decora especialmente a residência com as cores vermelha e branca, velas, paramentos,
flores e pombas, simbolizando o santo espírito. Há o Tríduo do Divino com três dias de
celebrações na Igreja das Vitórias, encerrando com o Domingo de Pentecostes. Da Igreja
de N. S. das Vitórias parte a Procissão do Divino em direção à casa. É tradição na cidade
que a família responsável pela festa mate um boi para alimentar o povo. Em seguida, o
Divino é conduzido com estandarte, coroa e cetro para a próxima casa que irá lhe abrigar
no ano vindouro.

Figura 105 – Saída da Procissão do Divino no


adro da Igreja das Vitórias.
Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à
19ªSR/IPHAN. Ano 2007.

Festas da Conceição e das Vitórias

O dia de Nossa Senhora da Conceição é celebrado em 08 de dezembro com muita devoção


pelos oeirenses, com missa, cânticos e procissão. Antigamente, esta igreja era chamada de
N. S. da Conceição dos Homens Pardos, enquanto a das Vitórias era restrita aos homens
brancos e a do Rosário aos pretos forros e cativos. A novena se inicia no dia 29 de
novembro e se prolonga até a véspera da festa, quando é realizado um animado leilão.

A devoção a Nossa Senhora das Vitórias data da fundação da Freguesia do Brejo da Môcha
em fins do século XVII, sendo a primeira irmandade religiosa fundada na cidade. A santa
padroeira do município também se tornou padroeira do Estado do Piauí, por provisão do
Papa João Paulo II. A festa é celebrada em 15 de agosto, dia da assunção de Maria, e atrai
cada vez mais romeiros. Às 09 horas é celebrada a missa solene na Catedral e à tarde é
realizada a procissão em direção ao Morro do Leme, onde se encontra uma estátua da
Virgem das Vitórias de 15 metros de altura, de onde se descortina uma paisagem de toda a
cidade. No percurso, a procissão para em dois hospitais para abençoar os enfermos e
depois segue em direção ao cume do morro para encerrar com uma celebração eucarística.

112
Congo de Oeiras

Segundo Cascudo (2004), o congo ou congada é um folguedo de formação afro-brasileira,


presente em praticamente todas as regiões do país. Trata-se de um auto de narrativa
alegórica, que funde temas africanos e ibéricos, como o tributo a reis tribais negros, a luta
entre cristãos e mouros e o culto a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito, encenados
com música e coreografia. Tal como o maracatu, é originário das festas de caráter profano-
religiosas de coroações de Reis de Congo e Rainha de Angola, cujos primeiros registros no
Brasil foram feitos no final do século XVII. Durante a escravidão, as autoridades
presenciavam o cortejo dos “soberanos” e seus “súditos”, como estratégia de aquietação
dos cativos, que se rejubilavam com o prestígio que os seus senhores falsamente
emprestavam à sua celebração.

Supõe-se que o congo tenha sido introduzido na cidade em meados do século XVIII, com
escravos vindos de Belém do Pará, que traziam consigo a lembrança dos reis guerreiros das
etnias de bantos, sudaneses e angolas. Segundo depoimentos, esta manifestação passou
certos períodos desaparecida: em meados do século XIX, no começo do século XX e a
partir da década de 1960, tendo ressurgido em meados dos anos 1980, justamente pela sua
permanência no imaginário coletivo da população de origem negra do bairro do Rosário.

No presente, ela está sedimentada, com um grupo de brincantes bem estruturado, além de
um outro grupo formado por crianças. Contudo, a notoriedade que o Congo de Oeiras
adquiriu em todo o Estado do Piauí, e até nacionalmente, tem rendido vários convites para
apresentações artísticas, o que pode representar uma ameaça à significância desta relevante
expressão cultural, por sua “espetacularização”, e até a profissionalização do grupo.

A autenticidade do Congo de Oeiras está intimamente associada à história, à vivência e aos


anseios dessa comunidade, ao culto popular dos santos de devoção negra e ao adro da
Igreja do Rosário, “palco” natural da experiência mística e catártica vivida pelos congueiros.
O teatral e o ritual se confundem nesta dança, cuja encenação do enredo oscila entre as
dimensões do real e do imaginário, firmando uma busca inconsciente pelo transcendental e,
ao mesmo tempo, pelo auto-reconhecimento como indivíduo pertencente a um grupo
social.

Segundo o pesquisador Antônio Júlio Caribé, antigamente o congo realizava um cortejo


pelas ruas de Oeiras antes da apresentação no Largo do Rosário, partindo de um lugarejo
chamado Condado, passando pelas igrejas da Conceição e das Vitórias. A dança do congo
pode ser presenciada em Oeiras em outubro no mês dos santos protetores, São Benedito e
113
Nossa Senhora do Rosário, assim como no início de janeiro no encerramento do ciclo
natalino.

Trata-se da dramatização de uma corte que recebe a visita do embaixador de outro país,
com as seguintes personagens: o Rei de Congo; o Ordenança do Rei; o Secretário; o
Embaixador; e os demais integrantes. Estes últimos, em número de dezesseis a vinte e
quatro homens, usam figurinos femininos com maquiagem na face, saias brancas rendadas,
babados e panos de chita. Eles dançam, cantam e tocam os instrumentos: atabaques,
maracás, triângulos, pandeiros, agogôs e reco-recos. A narrativa começa com o “canto de
jornada”, no qual o Rei conclama seus infios67 a louvar São Benedito com música e dança. O
Rei de Congo anuncia ao seu Secretário a chegada do embaixador. Este declara que vem
em missão de paz, porém desagrada o Rei com suas atitudes. Então o Rei pede uma prova
de que ele é capaz de defender os santos protetores, ocasião em que é travada uma luta de
espada com o Ordenança, que faz a guarda do Rei. O Embaixador prova o seu valor e sua
fidelidade aos santos, sendo saudado com a cantiga de retirada.

Figura 106 – Dança dos Congos de Oeiras, com


os congueiros perfilados e o ‘Rei de Congo’
abrindo a apresentação no Largo do Rosário.
Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à
19ªSR/IPHAN. Ano 2007.

Figura 107 – Bailado dos congueiros.


Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à
19ªSR/IPHAN. Ano 2007.

67 O pesquisador Antônio Júlio Caribé identifica vários termos usados no Congo de Oeiras como
provenientes do idioma quimbundo, dos bantos de Angola. Infio = Filho e Agui = Senhor são exemplos de
vocábulos de origem africana utilizados na cantoria dos congos.
114
Figura 108 – Chegada do ‘Embaixador’.
Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à
19ªSR/IPHAN. Ano 2007.

Figura 109 – Luta de espadas entre o


‘Embaixador’ e o ‘Ordenança’.
Fonte: Autoria Lúcia Vanda, gentilmente cedida à
19ªSR/IPHAN. Ano 2007.

Festa dos Vaqueiros

Os vaqueiros são um dos ícones culturais mais marcantes não apenas de Oeiras, mas de
todo o Estado do Piauí e da região Nordeste. Numa pesquisa entre a população local,
realizada em 1976, a festa já era apontada como a segunda mais importante do município,
sendo menos citada apenas que a Semana Santa. A tradicional festa dos vaqueiros acontece
em 31 de maio, quando os vaqueiros chegam em comitiva, paramentados com chapéu,
gibão e perneiras de couro, sendo saudados pela população.

Figura 110 – Desfile dos vaqueiros pela Praça das


Vitórias na década de 1970.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida
à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

115
Figura 111 – Continuação do desfile, onde é
representado o transporte de um senhor numa
liteira por um escravo, como era o costume nas
viagens pelo sertão nos tempos da Colônia.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida
à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Pé de Deus / Pé do Cão

No bairro do Rosário, nos lajedos que dão acesso à Casa da Pólvora, há uma pegada
gravada na pedra, que o povo credita ser o pé de Jesus Cristo. Por este motivo, o local se
tornou sagrado, ponto de orações e oferendas. O curioso é que ao lado do ‘Pé de Deus’ há
uma monte de pedras e entulhos, cobrindo outra pegada, que seria atribuída ao satanás.
Segundo a crendice popular, ele astutamente teria deixado ali a sua pegada para confundir
os devotos, como se fosse o outro pé de Jesus e assim também receberia as oferendas. A
tradição diz que o crente tem que rezar ao ‘Pé de Deus’ e depois jogar uma pedra no ‘Pé do
Cão’ para conseguir uma graça.

Segundo a pesquisadora Ana Clélia Nascimento, o costume de deixar representações de


pegadas humanas gravadas na pedra foi recorrente em várias etnias do Brasil na Pré-
História, sendo encontrados sítios rupestres desta natureza em vários Estados e em alguns
municípios piauienses. A origem da lenda é creditada aos jesuítas, quando chegaram à
cidade no início do século XVIII, como forma de catequese.

Figura 112 – ‘Pé de Deus’ e cruz de pedra lavrada colocada no


local em ano desconhecido.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida à
19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

116
Figura 113 – ‘Pé de Deus’ e ao lado o monte de
pedras cobrindo o ‘Pé do Cão’.
Fonte: Arquivo de Carlos Rubem, gentilmente cedida
à 19ªSR/IPHAN. Autoria desconhecida.

Figura 114 – Aspecto atual do sítio arqueológico


em fotografia de 2007.
Fonte: Arquivo da 19ªSR/IPHAN. Autoria Murilo
Cunha.

117
JUSTIFICATIVA DA PROPOSTA DE TOMBAMENTO

A Môcha foi a primeira vila fundada no sertão nordestino, como forma de institucionalizar
a vida social e auferir os dízimos da pecuária, trazida a estes sertões por bandeirantes e
vaqueiros no final do século XVII. A continuidade territorial da América Portuguesa e o
controle sobre os numerosos rebanhos piauienses, que garantiam o abastecimento de carne
à Colônia, fizeram da capitania um território estratégico para a geopolítica pombalina.
Tanto que em 1762 a Vila do Môcha recebeu os foros de cidade, com o nome de Oeiras,
sendo a terceira não-litorânea, após São Paulo/SP e Mariana/MG, e a décima em toda a
Colônia a ser contemplada com esta insígnia.

A inscrição do conjunto histórico e paisagístico de Oeiras como patrimônio cultural da


nação significa, com certo atraso, a afirmação da civilização do couro e o ciclo da pecuária
colonial do Nordeste, que perpassou os séculos XVII, XVIII e XIX, como estruturadores
do processo de formação social, política, econômica e territorial do Brasil, no mesmo grau
de importância dos ciclos econômicos que a historiografia tradicional consagrou e que
tiveram seus testemunhos materiais reconhecidos e protegidos pelo Estado brasileiro. Urge
uma revisão no ensino da História do Brasil, que modifique a hodierna atribuição da
pecuária como uma atividade periférica, mas a impute sua decisiva importância no
surgimento do mercado interno nacional, na ligação das capitanias entre si e na provisão
alimentar às áreas das monoculturas e da mineração, papel fundamental no equilíbrio da
Colônia.

A criação da Capitania de São Ioze do Piauhy, a fundação de vilas e a elevação de Oeiras ao


status de cidade é um capítulo importante da nossa História colonial, representativo do
esforço metropolitano em proteger a integridade territorial de sua principal colônia,
embasados nos preceitos iluministas de materialização do poder real de forma evidenciada
e assumida.

Reagindo à dicotomia – litoral versus sertão – a conquista e a fixação


portuguesa na região pretendeu a instauração de novas práticas sociais
com o intuito de atribuir às capitanias do Rio Grande do Norte, do
Ceará e do Piauí a unidade de uma América europeizada. Fixando-se
oficialmente na zona sertaneja, o colonizador procurou moldar o espaço
à sua lógica, buscou ordená-lo e algumas vezes propôs, com precisão
matemática e geométrica, diretrizes urbanísticas para o desenho das vilas
criadas. (JUCÁ NETO, 2007, p. 112-113)

118
O discurso ideológico alçou o planejamento urbano à política de Estado, que através de
cartas régias indicava uma série de recomendações de desenho. O modelo abstrato de
ordenação urbanística gestado em Lisboa intentava impor um padrão racional às vilas e
cidades portuguesas nos quatro continentes, de forma que espelhassem a autoridade e a
soberania de el-Rei. É do embate entre técnica versus natureza, entre legislação versus práxis
que se delineia o traçado urbano de Oeiras, do longo processo de tentativa de aplicação das
normativas reais em um meio hostil e numa economia pouco monetarizada. Ademais, os
condicionantes da geografia local sobrepujaram a vontade do legislador e acabaram por
moldar o espaço. O relevo, os caminhos de acesso aos olhos d’água e as ligações com as
estradas por vezes foram mais imperativos do que a letra da lei no risco do arruamento.

Destarte, Oeiras é um híbrido entre o planejado e o espontâneo, evidenciando os limites de


regulação estatal na hinterlândia nordestina com suas rugosidades setecentistas. Ao tempo
que a Praça das Vitórias se afirma como representação da conquista (herdeira da plaza mayor
das Ordenações Filipinas), ao tempo que o casario apresenta uma certa regularidade e
padronização das fachadas, percorre-se também o Largo do Rosário com a igreja de
desenho jesuítico encimando uma colina, becos e travessas que enquadram interessantes
visuais, ruas que se abrem em largos, reservando surpresas ao flâneur.

Além das particularidades que conferem relevância ao seu desenho urbano, Oeiras ainda
preserva um acervo ímpar de técnicas construtivas tradicionais, em parte eruditas, em parte
vernaculares, estas desenvolvidas de modo inventivo e original, a partir da adaptação do
repertório arquitetônico trazido pelo colonizador ao meio e aos materiais que encontrava
em abundância: carnaúba, barro, pedra e cal. Diferentemente do litoral, das montanhas e
planaltos, mais próximos do clima temperado de Portugal, no semi-árido sertanejo
apareceram soluções formais peculiares, assim como Lúcio Costa comenta da tradição local
da arquitetura luso-brasileira:

A arquitetura regional autêntica tem as suas raízes na terra; é produto


espontâneo das necessidades e conveniências da economia e do meio
físico e social e se desenvolve, com tecnologia a um tempo incipiente e
apurada, à feição da índole do engenho de cada povo. (COSTA, 2006,
pág. 33).

É neste sítio urbano de enorme importância histórica e paisagística que se mantêm vivas
antigas e riquíssimas tradições e manifestações da cultura brasileira, fundindo sagrado e
profano, erudito e popular: a Missa dos Vaqueiros, que entram em comitiva na cidade,
reverenciando Nossa Senhora das Vitórias, pedindo bênção e proteção; as procissões e
119
festas católicas enchem as ruas de fiéis anualmente, seja na Semana Santa, na Festa do
Divino ou da Conceição, onde os ritos apostólicos romanos se amalgamam com nuances
populares, renovando promessas e esperanças dos fiéis; no Largo do Rosário, bairro dos
pretos, se presencia a dança do congo, em homenagem a N. S. do Rosário e a São
Benedito; o Bem e o Mal estão representados no sítio arqueológico do Pé de Deus e do Pé
do Cão, que a crendice popular reafirma e reproduz a tradição.

Considerando o seu inequívoco valor histórico no processo de colonização e formação do


país;

Considerando que o seu desenho urbano retrata uma inflexão da evolução do urbanismo
lusitano na América, sendo resultante do embate entre as determinações régias e os
condicionantes locais;

Considerando a pertinência de afirmação do sertão à memória e à formação cultural do


povo brasileiro, pela preservação de um importante testemunho material da civilização do
couro;

Considerando a distinção deste lugar, que reúne um conjunto arquitetônico tradicional,


eclético e vernacular dos séculos XVIII, XIX e XX, e abriga também manifestações
inestimáveis de nosso patrimônio cultural imaterial que necessitam deste locus para ter
sentido e autenticidade;

Propõe-se a inscrição do conjunto histórico e paisagístico de Oeiras/ PI no Livro Histórico


e no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, como constituinte do patrimônio
cultural brasileiro a ser preservado para as gerações futuras.

120
DESCRIÇÃO DAS POLIGONAIS DE PROTEÇÃO

Figura 115 – Mapa do conjunto histórico e arquitetônico de Oeiras, com a demarcação das
poligonais de proteção rigorosa e de entorno da proposta para o tombamento federal.
Fonte: Elaborado pela 19ªSR/IPHAN.

121
Poligonal de tombamento

Para efeito do tombamento da área do Conjunto Histórico e Arquitetônico de Oeiras, foi


definida a poligonal de tombamento abaixo descrita:

O perímetro desta poligonal tem início no ponto T-00, situado na interseção dos eixos da
Rua Quintino Bocaiúva e da Rua Raimundo de Queiroz; deste segue pelo eixo da Rua
Raimundo de Queiroz no sentido Nw-Se até encontrar o eixo da Rua Cândido Holanda,
definindo o ponto T-01; deste segue pelo eixo da Rua Cândido Holanda no sentido Ne-Sw
até encontrar o prolongamento do limite lateral leste do lote nº 366 da referida rua,
definindo o ponto T-02; deste segue no sentido N-S pela linha dos fundos dos lotes que
dão frente para a Rua Zacarias de Góes até encontrar o limite lateral norte do lote nº 122
desta, definindo o ponto T-03; deste segue pela linha lateral do lote até a interseção com o
alinhamento da Rua Zacarias de Goés, definindo o ponto T-04; deste segue por uma linha
imaginária até a interseção do alinhamento da Rua Zacarias de Goés com o limite lateral
norte do lote nº 133 desta, definindo o ponto T-05; deste segue pelo limite lateral do lote
até o vértice do limite de fundos, definindo o ponto T-06; deste segue no sentido N-S pela
linha dos fundos dos lotes que dão frente para a Rua Zacarias de Góes até encontrar o
limite lateral sul do lote nº 227 desta, definindo o ponto T-07; deste segue pelo limite
lateral do lote até o seu prolongamento encontrar o alinhamento oposto da Rua Zacarias de
Góes, definindo o ponto T-08; deste segue no sentido N-S pela linha dos fundos dos lotes
que dão frente para a Rua Nogueira Tapety até o seu prolongamento encontrar o eixo da
Rua Raimundo Brandão, definindo o ponto T-09; deste segue pelo eixo da Rua Raimundo
Brandão no sentido Ne-Sw até encontrar o eixo da Rua Nogueira Tapety, definindo o
ponto T-10; deste segue pelo eixo da Rua Nogueira Tapety no sentido Nw-Se até encontrar
o prolongamento do limite lateral sudeste do lote nº266 da referida rua, definindo o ponto
T-11; deste segue pelo limite lateral do lote até o vértice do limite de fundos, definindo o
ponto T-12; deste segue no sentido Se-Nw pela linha dos fundos dos lotes que dão frente
para a Rua Nogueira Tapety até encontrar os fundos do lote nº 160 da Rua Clodoaldo
Freitas, definindo o ponto T-13; deste segue pelo limite lateral sudoeste do referido lote até
o seu prolongamento encontrar o eixo da Rua Clodoaldo Freitas, definindo o ponto T-14;
deste segue pelo eixo da Rua Clodoaldo Freitas no sentido L-O até encontrar o eixo da Rua
Major Miguel Clementino, definindo o ponto T-15; deste segue pelo eixo da Rua Major
Miguel Clementino no sentido Se-Nw até encontrar o prolongamento da linha de fundos
dos lotes que dão frente para a Rua Dr. Isaac Sérvio, definindo o ponto T-16; deste segue

122
no sentido Ne-Sw pela linha dos fundos dos lotes que dão frente para a Rua Isaac Sérvio
até o limite desta quadra com a área de preservação do Riacho Pouca Vergonha, definindo
o ponto T-17; deste segue por uma linha imaginária até a interseção dos limites lateral e de
fundos do Sobrado Major Selemérico, definindo o ponto T-18; deste segue no sentido N-S
pelo limite de fundos do lote até a interseção com o limite lateral sul do mesmo, definindo
o ponto T-19; deste segue no sentido L-O pelo limite lateral do lote até a interseção com o
alinhamento da Rua Benjamin Constant, definindo o ponto T-20; deste segue pelo
alinhamento da Rua Benjamim Constant no sentido N-S até a interseção com o
alinhamento da Rua Furna da Onça, definindo o ponto T-21; deste segue pelo alinhamento
da Rua Furna da Onça no sentido O-L até o seu prolongamento encontrar o alinhamento
da Rua Major Manoel Clementino, definindo o ponto T-22; deste segue pelo alinhamento
da Rua Major Manoel Clementino no sentido N-S até a interseção com o Largo do Rosário,
definindo o ponto T-23; deste segue contornando todos os limites do Largo do Rosário
com os seus confinantes até o seu prolongamento se encontrar com a interseção dos
alinhamentos da Rua Major Manoel Clementino com a Rua Projetada, definindo o ponto
T-24; deste segue no sentido S-N pelo alinhamento oeste da Rua Major Manoel
Clementino até o seu prolongamento encontrar o eixo da Rua do Rosário, definindo o
ponto T-25; deste segue pelo eixo da Rua do Rosário no sentido O-L até encontrar o eixo
da Rua Sebastião Tapety, definindo o ponto T-26; deste segue pelo eixo da Rua Sebastião
Tapety no sentido S-N até encontrar com o prolongamento do alinhamento da Rua
Benjamin Constant, definindo o ponto T-27; deste segue pelo alinhamento da Rua
Benjamin Constant no sentido S-N até a interseção com o limite de fundos do lote que faz
frente para a Rua Padre Damasceno, definindo o ponto T-28; deste segue no sentido L-O
pela linha dos fundos dos lotes que dão frente para a Rua Padre Damasceno até encontrar
o limite lateral oeste do lote nº 64 da referida rua, definindo o ponto T-29; deste segue pelo
limite lateral do lote até o seu prolongamento encontrar o alinhamento oposto da Rua
Padre Damasceno, definindo o ponto T-30; deste segue no sentido S-N pela linha dos
fundos dos lotes que dão frente para a Praça 24 de Janeiro até o seu prolongamento
encontrar o leito do Riacho Pouca Vergonha, definindo o ponto T-31; deste segue pelo
leito do riacho no sentido Se-Nw até a sua foz no Riacho da Mocha, definindo no leito
deste o ponto T-32; deste segue por uma linha imaginária contornando paralelamente no
sentido horário a Ponte Grande a uma distância de 10 metros de suas faces até encontrar
novamente o leito do Riacho da Mocha, definindo o ponto T-33; deste segue no sentido
O-L pela linha dos fundos dos lotes que dão frente para a Rua Getúlio Vargas até

123
encontrar o limite de fundos do lote que dá frente para a Rua Tibério Burlamaqui,
definindo o ponto T-34; deste segue no sentido S-N pela linha dos fundos dos lotes que
dão frente para a Rua Tibério Burlamaqui até a interseção com o limite lateral noroeste do
lote nº 98 da referida rua, definindo o ponto T-35; deste segue no sentido Sw-Ne pelo
limite lateral do lote, ligando-se com a linha dos fundos dos lotes que dão frente para a Rua
Cândido Holanda até a interseção com o limite lateral nordeste do lote nº 79 da referida
rua, definindo o ponto T-36; deste segue no sentido Nw-Se pelo limite lateral do lote,
ligando-se com a linha dos fundos dos lotes que dão frente para a Rua Tibério Burlamaqui
até o seu prolongamento encontrar o eixo da Rua Getúlio Vargas, definindo o ponto T-37;
deste segue pelo eixo da Rua Getúlio Vargas no sentido O-L até encontrar o eixo da Rua
Cel. Mundico Sá, definindo o ponto T-38; deste segue pelo eixo da Rua Cel. Mundico Sá
no sentido S-N até a interseção com o prolongamento do limite lateral sul do lote nº 264 da
referida rua, definindo o ponto T-39; deste segue pelo limite lateral do lote até o vértice do
limite de fundos, definindo o ponto T-40; deste segue no sentido S-N pela linha dos
fundos dos lotes que dão frente para a Rua Cel. Mundico Sá até encontrar o eixo da Rua
Benedito Carneiro, definindo o ponto T-41; deste segue pelo eixo da Rua Benedito
Carneiro no sentido O-L até encontrar o alinhamento da Rua Cel. Mundico Sá, definindo o
ponto T-42; deste segue no sentido O-L pela linha dos fundos dos lotes que dão frente
para a Travessa Floriano Peixoto até o seu prolongamento encontrar o eixo da Rua
Orlando Carvalho, definindo o ponto T-43; deste segue pelo eixo da Rua Orlando
Carvalho no sentido S-N até encontrar o eixo da Rua Quintino Bocaiúva, definindo o
ponto T-44; deste segue pelo eixo da Rua Quintino Bocaiúva no sentido O-L até encontrar
o eixo da Rua Raimundo de Queiroz no ponto T-00, fechando o perímetro da poligonal de
tombamento.

Além dessa poligonal contínua, foram definidas duas outras poligonais de tombamento
para contemplar a proteção aos bens imóveis da Casa do Canela e da Casa da Pólvora:

A poligonal da Casa do Canela é definida pela quadra em que se situa essa edificação,
confinada pelas ruas Miguel Oliveira, Quincas Rufino, Benedito Nunes e Hermógenes Dias
Garcia.

A poligonal da Casa da Pólvora é definida pelo largo do entorno da edificação, delimitado


pelo alinhamento dos lotes, situado na Rua do Cruzeiro, no Bairro do Rosário.

124
Poligonal de entorno

Para efeito do tombamento da área do Conjunto Histórico e Arquitetônico de Oeiras, foi


definida a poligonal de entorno abaixo descrita:

O perímetro desta poligonal tem início no ponto E-00, situado na interseção dos eixos da
Avenida Transamazônica (BR-230) e da Rua André Holanda; deste segue pelo eixo da Rua
André Holanda no sentido N-S até encontrar o eixo da Rua Quincas Rufino, definindo o
ponto E-01; deste segue pelo eixo da Rua Quincas Rufino no sentido L-O até encontrar o
eixo da Rua Miguel Oliveira, definindo o ponto E-02; deste segue pelo eixo da Rua Miguel
Oliveira no sentido N-S até encontrar o eixo da Rua Benedito Nunes, definindo o ponto
E-03; deste segue pelo eixo da Rua Benedito Nunes no sentido Se-Nw até encontrar o
vértice leste do Largo do Canela, definindo o ponto E-04; deste segue por uma linha
imaginária no sentido Ne-Sw até a interseção do alinhamento da Rua Doca Nunes com o
limite lateral sudeste do lote nº 65 da referida rua, definindo o ponto E-05; deste segue
pelo limite lateral do lote até o seu prolongamento encontrar o eixo da Rua Sebastião
Barbosa, definindo o ponto E-06; deste segue pelo eixo da Sebastião Barbosa no sentido
N-S até encontrar o eixo da Rua Leocádio Amâncio, definindo o ponto E-07; deste segue
pelo eixo da Rua Leocádio Amâncio sentido L-O até encontrar o eixo da Rua Sete de
Setembro, definindo o ponto E-08; deste segue pelo eixo da Rua Sete de Setembro no
sentido Se-Nw até encontrar o eixo da Rua João Paulo II, definindo o ponto E-09; deste
segue pelo eixo da Rua João Paulo II no sentido N-S até encontrar o eixo Travessa
Serapião, definindo o ponto E-10; deste segue pelo eixo da Travessa Serapião no sentido L-
O até encontrar o eixo da Rua Childerico Freitas, definindo o ponto E-11; deste segue pelo
eixo da Rua Childerico Freitas no sentido S-N até encontrar o eixo da Travessa Childerico
Freitas, definindo o ponto E-12; deste segue o eixo da Travessa Childerico Freitas no
sentido L-O até encontrar o alinhamento oeste da Rua Major Manoel Clementino,
definindo o ponto E-13; deste segue pelo alinhamento da Rua Major Manoel Clementino
no sentido S-N até encontrar o alinhamento sul da Rua Projetada, definindo o ponto E-14;
deste segue pelo alinhamento da Rua Projetada no sentido L-O até a interseção do seu
prolongamento com uma linha imaginária na margem esquerda do Riacho da Môcha que
corre paralelamente ao seu leito numa distância de 50m (cinqüenta metros), definindo o
ponto E-15; deste segue pela supracitada linha paralela ao leito do Riacho da Môcha no
sentido S-N até encontrar o prolongamento do eixo da Rua Benedito Carneiro, definindo o
ponto E-16; deste segue pelo prolongamento do eixo da Rua Benedito Carneiro no sentido

125
O-L, atravessa a ponte sobre o Riacho da Môcha, segue pelo eixo da referida rua até
encontrar o eixo da Rua Santa Helena, definindo o ponto E-17; deste segue pelo eixo da
Rua Santa Helena no sentido S-N até encontrar o eixo da Avenida Transamazônica (BR-
230), definindo o ponto E-18; deste segue pelo eixo da Avenida Transamazônica (BR-230)
no sentido Sw-Ne até encontrar o eixo da Rua André Holanda no ponto E-00, fechando o
perímetro da poligonal de entorno.

126
REFERÊNCIAS

ANDRADE, Manuel Correia de. O processo de ocupação do espaço regional do


Nordeste. Recife: SUDENE - Coordenação de Planejamento Regional, 1975. Série
Estudos Regionais.

BARRETO, Paulo Thedim. O Piauí e a sua arquitetura. Revista do Serviço do


Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e
Saúde n. 02, p. 187-223, 1938.

BRANDÃO, Tanya Maria Pires. O escravo na formação social do Piauí: perspectiva


histórica do século XVIII. Teresina: UFPI, 1999.

BURDEN, Ernest. Dicionário ilustrado de arquitetura. 2.ed. Porto Alegre: Bookman,


2006.

CARVALHO JR, Dagoberto. Passeio a Oeiras: roteiro histórico e sentimental da antiga


capital do Piauí. 3.ed. Recife: Apipucos, 1985.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 11.ed. rev. atual. ilust.
São Paulo: Global, 2002.

CATÁLOGO de verbetes dos manuscritos avulsos da Capitania do Piauí existentes no


Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa – Portugal (1684-1828). Teles, José Mendonça
(Coord.); Pinheiro, Antônio César Caldas (Pesq.). Brasília: Ministério da Cultura; Goiânia:
Sociedade Goiana de Cultura, Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil-
Central, 2002.

CHING, Francis D. K. Dicionário visual de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes,


1999.

COSTA, F. A. Pereira da. Cronologia histórica do Estado do Piauí: desde os seus


tempos primitivos até a proclamação da república. Rio de Janeiro: Artenova, 1974.

COSTA, Lucio. Arquitetura. 4.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

CUNHA, Euclides da. Os sertões: (campanha de Canudos). São Paulo: Martin Claret,
2006. Coleção A obra-prima de cada autor.

127
CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. 3.ed. rev. aum. Rio de Janeiro: IPHAN,
2004.

D'ALENCASTRE, José Martins Pereira. Memoria chronologica, historica e corographica


da Provincia do Piauhy. Revista do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, Rio
de Janeiro: [s.n.], tomo 20, p. 5-164, 1857. 1973, v. 20, reimpressão.

DELSON, Roberta Marx. Novas vilas para o Brasil-colônia: planejamento espacial e


social no século XVIII. Brasília: Alva & CIORD, 1997.

FALCI, Miridan Britto. A Cidade de Oeiras do Piauí. Revista do Instituto Histórico de


Oeiras, Oeiras: [s.n], n.17, p. 165-206, 2000/2001.

FIGUEIREDO, Diva Maria Freire. Arquitetura e urbanismo no Piauí: formação e


identidade. In: SANTANA, R. N. Monteiro (Org.). Apontamentos para a história
cultural do Piauí. Teresina: Fundapi, 2003. p. 397-412.

______. O monumento habitado: a preservação de sítios históricos na visão dos


habitantes e dos arquitetos especialistas em patrimônio. O caso de Parnaíba. Recife: [s.n.],
2001. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Urbano da Universidade Federal de Pernambuco como parte dos requisitos para obtenção
do título de Mestre em Desenvolvimento Urbano do Curso de Pós-Graduação stricto-sensu).
Disponível em: <http://biblioteca.universia.net/ficha.do?id=19884778>. Acesso em: 17
abril 2009.

______. Os sítios históricos do Piauí no panorama da preservação do patrimônio cultural


no Brasil. In: ARAÚJO, Maria Mafalda Baldoino de; EUGÊNIO, João Kennedy (Orgs.).
Gente de longe: histórias e memórias. Teresina: Halley, 2006. p. 11-42.

FISCHER, Sylvia. Brasílias. Revista ArcoWeb, São Paulo: [s.n.], 2000. Disponível em:
<http://www.arcoweb.com.br/debate/debate2.asp>. Acesso em: 02 maio 2007.

FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política


federal de preservação no Brasil. 2.ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: UFRJ, MinC-IPHAN,
2005.

FUNDAÇÃO CEPRO. Piauí em números. 7.ed. Teresina: [s.n.], 2007.

GARDNER, George. Viagem ao interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.


Coleção Reconquista do Brasil.

128
GOITIA, Fernando Chueca. Breve história do urbanismo. 5.ed. Lisboa: Presença, 2003.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26.ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.

INVENTÁRIO e estudo de proteção de conjuntos urbanos do Piauí: inventário de


proteção do acervo cultural do Piauí – Oeiras. Belo Horizonte: OP Arquitetura Ltda, 1997.
V. 2. (Trabalho contratado pela Fundação Estadual de Cultura e Desporto do Piauí –
FUNDEC e IPHAN/3ªCR para elaborar o inventário e estudo de proteção das cidades
históricas piauienses e proposição de diretrizes de intervenção em imóveis históricos).

INVENTÁRIO e estudo de proteção de conjuntos urbanos do Piauí: estudo de proteção


do centro histórico de Oeiras. Belo Horizonte: OP Arquitetura Ltda, 1997. V. 7. (Trabalho
contratado pela Fundação Estadual de Cultura e Desporto do Piauí – FUNDEC e
IPHAN/3ªCR para elaborar o inventário e estudo de proteção das cidades históricas
piauienses e proposição de diretrizes de intervenção em imóveis históricos).

JUCÁ NETO, Clovis Ramiro. A urbanização do Ceará setecentista: as vilas de Nossa


Senhora da Expectação do Icó e de Santa Cruz do Aracati. Salvador: [s.n.], 2007. (Tese
apresentada ao Curso de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de
Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de
Doutor, 2007).

LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo:
UNESP, 1998.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MOTT, Luiz R. B. Piauí colonial: população, economia e sociedade. Teresina: Cia.


Editora do Piauí (Comepi), Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo do Piauí, 1985.
Projeto Petrônio Portela.

MOURA, Maria Dorothéa Campos. Irmandade & Freguesia de Nossa Senhora da Vitória.
Revista do Instituo Histórico de Oeiras, Oeiras: [s.n.], n.17, p. 113-117, 2000/2001.

NEVES, Erivaldo Fagundes; MIGUEL, Antonieta (Orgs.). Caminhos do sertão:


ocupação territorial, sistema viário e intercâmbios coloniais dos sertões da Bahia. Salvador:
Arcadia, 2007.

NUNES, Odilon. Depoimentos históricos. Teresina: Cia. Editora do Piauí (Comepi),


1981.

129
PINHEIRO, Áurea. Celebrações. Teresina: Educar. 2009

PLANO de preservação ambiental e urbana de Oeiras. Rio de Janeiro: Companhia Latino


Americana de Planejamento (CLAP); Teresina: Secretaria da Cultura, Fundação Cultural do
Piauí (Fundac), 1976. (Trabalho multidisciplinar contratado pelo Programa Integrado de
Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste para a salvaguarda do sítio histórico de
Oeiras e restauração arquitetônica de suas principais edificações).

PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro do Piauí. Rio de Janeiro: Artenova, 1974.

REIS, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial. São Paulo:
Edusp, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000.

______. Notas sobre o Urbanismo no Brasil – primeira parte: período colonial. Cadernos
de Pesquisas do LAP, São Paulo: FAUUSP, n. 08, 1995.

ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

ROTEIRO do Maranhão a Goiaz pela Capitania do Piauhi. Revista Trimensal do


Instituto Historico e Geographico Brazileiro, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, tomo
62, parte I, p. 60-161, 1900.

SILVA FILHO, Olavo Pereira da. Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José
do Piauhy: estabelecimentos rurais. Belo Horizonte: Rona, 2007a. V.1.

______. Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José do Piauhy: arquitetura


urbana. Belo Horizonte: Rona, 2007b. V.2.

______. Carnaúba, pedra e barro na Capitania de São José do Piauhy: urbanismo.


Belo Horizonte: Rona, 2007c. V.3.

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Pecuária e formação do mercado interno no


Brasil-colônia. Rio de Janeiro: [s.n.], 1996. Disponível em:
<http://www.redcapa.org/downloads>. Acesso em: 27 fev. 2008.

SITTE, Camillo. A construção das cidades segundo seus princípios artísticos. São
Paulo: Ática, 1992.

SOARES FILHO, Antônio Reinaldo. Oeiras: geografia urbana. Teresina: Gráfica Ed.
Junior Ltda., 1994.
130
SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil:
1817-1820. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1981. V.2
Coleção Reconquista do Brasil.

131
This document was created with Win2PDF available at http://www.win2pdf.com.
The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only.
This page will not be added after purchasing Win2PDF.

Você também pode gostar